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REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DOCENTE 1 REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DOC E NTE FORMACAO Uma agenda de pesquisa para a formação docente - KENNETH M. ZEICHNER Formação de professores na investigação portuguesa – um olhar sobre a função do professor e o conhecimento profissional - MARIA DO CÉU ROLDÃO Universidade, escola de educação básica e o problema do estágio na formação de professores - MENGA LÜDKE A produção acadêmica sobre formação de professores: um estudo comparativo das dissertações e teses defendidas nos anos 1990 e 2000 - MARLI E. D. A. ANDRÉ Pesquisa sobre formação de profissionais da educação no GT 8/Anped: travessia histórica - IRIA BRZEZINSKI Volume 01 n. 01 ago.-dez. 2009 A identidade docente: constantes e desafios - CARLOS MARCELO

Formação Docente 1 n. 01 ago.-dez. 2009

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Uma agenda de pesquisa para a formação docente -KENNETH M. ZEICHNER

Formação de professores na investigação portuguesa – umolhar sobre a função do professor e o conhecimentoprofissional - MARIA DO CÉU ROLDÃO

Universidade, escola de educação básica e o problema doestágio na formação de professores - MENGA LÜDKE

A produção acadêmica sobre formação de professores: umestudo comparativo das dissertações e teses defendidasnos anos 1990 e 2000 - MARLI E. D. A. ANDRÉ

Pesquisa sobre formação de profissionais da educação no GT 8/Anped: travessia histórica - IRIA BRZEZINSKI

Volume 01 n. 01 ago.-dez. 2009

A identidade docente: constantes e desafios - CARLOS

MARCELO

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Sumário

Linha Editorial p. 4

Conselho editorial p. 6

Normas Para Submissão de Artigos p. 9

EDITORIAL

Apresentação - Júlio Emílo Diniz-Pereira p. 11

ARTIGOS

Uma agenda de pesquisa para a formação docente - Kenneth M. Zeichner p. 13

A produção acadêmica sobre formação de professores: um estudo comparativo das dissertações e teses defendidas nos anos 1990 e 2000 - Marli E. D. A. André p. 41

Formação de professores na investigação portuguesa – um olhar sobre a função do professor e o conhecimento profissional - Maria do Céu Roldão p. 57

Pesquisa sobre formação de profissionais da educação no GT 8/Anped: travessia histórica - Iria Brzezinski p. 71

Universidade, escola de educação básica e o problema do estágio na formação de professores - Menga Lüdke p. 95

A identidade docente: constantes e desafios - Carlos Marcelo p. 109

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Linha Editorial

A "Formação Docente" – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, publicação digital,veiculada semestralmente, é de responsabilidade editorial do Grupo de Trabalho "Formação de Professores"(GT08), da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em co-edição com aEditora Autêntica.

A criação do GT08 – inicialmente denominado "GT Licenciaturas" – teve como cenário o final da década de1970, início de 1980, momento histórico em que os movimentos sociais se constituíram de forma maisvigorosa e alcançaram legitimidade para abrir novos canais de debates e de participação nas decisões doEstado autoritário. À medida que o governo militar começava a emitir difusos sinais de esgotamento, osmovimentos sociais conquistaram alguma abertura democrática o que permitiu investidas, ainda quedescontínuas, de novos atores que entravam em cena. Nesta ocasião, uma crise se enveredava pelasLicenciaturas visto que vigia um modelo de formação, sustentado na teoria tecnicista e atrelado ao chamado"currículo mínimo nacional".

Nesse contexto, os educadores formaram uma frente de resistência ao modelo tecnicista de formação deprofessores e passaram a apresentar propostas de mudanças no modelo vigente. Tais ações impulsionarama mobilização de alguns profissionais da educação que, durante o I Encontro Nacional de Reformulação dosCursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação, em Belo Horizonte, em novembro de 1983,firmaram um acordo com membros da Diretoria da ANPEd para se organizar um GT que viesse a tratar dasquestões que afetavam a formação de educadores.

Lançada a proposta, o "GT Licenciaturas" se constituiu e, no ano seguinte, reuniu-se na 7ª Reunião Anual (RA)da ANPEd, em Brasília, no ano de 1984. Foram aprofundadas as discussões para elaborar propostas deformação para as licenciaturas e para o curso de Pedagogia com base nos princípios e orientações contidosno documento final do encontro nacional de Belo Horizonte e, em 1985, ocorreu, em São Paulo, a 8ª RA.Nesta, o GT estruturado de forma mais compatível com as recomendações da ANPEd, organizou uma sessãopara análise de pesquisas sobre o assunto.

Em 1993, configurou-se uma nova identidade teórico-metodológica para o Grupo de Trabalho que passou achamar-se GT08 "Formação de Professores", delineando o ethos do renovado GT.

As primeiras idéias sobre a Revista "Formação Docente" surgiram no começo da década 2000, no entanto, foina 30ª RA que se conferiu maior materialidade à idéia e, em 2008, por ocasião do XIV Encontro Nacional deDidática e Prática de Ensino (ENDIPE), em Porto Alegre, pesquisadores do GT08 encaminharam decisõessubstantivas sobre sua editoração.

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A "Formação Docente" pretende ser um canal de divulgação da produção na área específica, em diálogointerdisciplinar com as contribuições de pesquisas realizadas pelas áreas correlatas que tratam da mesmatemática. Visa, em especial, fomentar e facilitar o intercâmbio nacional e internacional do seu tema objeto. ARevista é dirigida ao público de professores, pesquisadores e estudantes das áreas de Educação e ciênciasafins.

Seguindo as práticas editoriais, a partir de critérios elegidos pelo grupo fundador, a política editorial doperiódico é executada por um Conselho Editorial Executivo e um Conselho Editorial Consultivo (nacional einternacional) de diversificada representatividade. Os artigos são apreciados quanto ao mérito científico pormeio do sistema de Dupla Avaliação por Pares – DAP (Double Blind Review).

É com imenso prazer que apresentamos, então, ao público interessado, a "Formação Docente" – RevistaBrasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores e esperamos uma participação efetiva dos colegaspesquisadores para que este periódico possa contribuir para a melhoria da qualidade da produção acadêmicanesse campo e, por via de consequência, para a melhoria da própria formação de educadores em nosso país.

Os Editores

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DFORMACAO

Conselho editorialEDITOR

� Júlio Emílio Diniz-PereiraDoutor em Educação pela Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).Coordenador da Coleção Docência - Editora Autêntica.Conselho Editorial Executivo

� Eduardo Adolfo TerrazanDoutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Programa de Pós-graduação emEducação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista de Produtividade em Pesquisa doCNPq – Nível 1D.

� José Rubens Lima JardilinoDoutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-doutoramento pela Universidade Laval, em Québec, no Canadá. Professor Titular do Departamento deEducação da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).

� Menga LudkeDoutora em Sociologia da Educação pela Universidade de Paris X, na França, com pós-doutoramento pelaUniversidade do Estado da Califórnia, em Berkley, nos Estados Unidos. Professora Titular da PontifíciaUniversidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível1A.

CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (NACIONAL)

� Betânia Leite RamalhoDoutora em Ciências da Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. Professora doDepartamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista deProdutividade de Pesquisa do CNPq – Nivel 2.

� Emília Freitas de LimaDoutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com pós-doutoramento pelaPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Associada da UniversidadeFederal de São Carlos (UFSCar).

� Iria BrzezinskiDoutora em Administração Escolar pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pelaUniversidade de Aveiro, em Portugal. Professora Titular da Universidade Católica de Goiás (UCG). Bolsistade Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.

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� Joana Paulin RomanowskiDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta da PontifíciaUniversidade Católica do Paraná (PUC-PR). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.

� Laurizete Farragut PassosDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela PontifíciaUniversidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Assistente da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP).

� Leny Rodrigues Martins TeixeiraDoutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), compós-doutoramento pela Universidade de Paris V, na França. Professora Titular da Universidade CatólicaDom Bosco.

� Luis Eduardo Alvarado PradaDoutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com pós-doutoramento pelaUniversidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

� Márcia Maria de Oliveira MelloDoutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Universidadedo Minho, em Portugal. Professora do Programa em Pós-graduação da Universidade Federal dePernambuco (UFPE).

� Marília Claret Geraes DurhanDoutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-doutoramento pela Fundação Carlos Chagas (FCC-SP). Professora do Programa de Pós-graduação emEducação da Universidade Metodista de São Paulo.

� Marli Eliza Dalmazo Afonso de AndréDoutora em Psicologia da Educação pela Universidade do Estado de Illinois, nos Estados Unidos, com pós-doutoramento pela mesma Universidade. Professora do Programa de Estudos Pós-graduados emEducação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).Conselho Editorial Consultivo (Internacional)

� Carlos Marcelo GarciaProfessor Catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade de Sevilha, na Espanha.

� Cecília Maria Ferreira BorgesProfessora e pesquisadora da Universidade de Montreal, no Canadá.

� Clermont GauthierProfessor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Laval, em Québec, no Canadá.

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� Emílio Tenti FanfaniProfessor Titular da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina.

� Kenneth M. ZeichnerProfessor Titular da Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.

� John ElliotProfessor Emérito da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de East Anglia, na Inglaterra.

� Maria do Céu RoldãoProfessora e pesquisadora da Escola de Educação da Universdade Católica de Santarém, em Lisboa,Portugal.

� Rafael Ávila PenagosProfessor e pesquisador em Educação pela Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá, na Colômbia.

� Rui Fernando de Matos Saraiva CanárioProfessor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, emPortugal.

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Normas Para Submissão de Artigos

Os artigos submetidos à Revista "Formação Docente" serão apreciados pelo Conselho Executivo quanto àpertinência dos mesmos à Linha Editorial do periódico, sua adequação aos requisitos da AssociaçãoBrasileira de Normas Técnicas (ABNT) e às demais instruções editoriais.

Os textos devem guardar originalidade do tema ou do tratamento a ele concedido na língua materna. Osartigos recebidos em outro idioma serão submetidos à tradução e publicados com a autorização do autor. Osautores assumem o compromisso de não submeter simultaneamente o texto a outras revistas da área ecedem à "Formação Docente" o direito de indexação (nacional e internacional). A Revista, ao seu juízo, podereeditar artigos internacionais de grande relevância teórica ou metodológica para a área, que tenham sidopublicados em outros veículos de divulgação acadêmica, com a devida autorização de quem detém osdireitos autorais.

O Conselho Executivo poderá sugerir aos autores modificações de ordem técnica nos textos submetidos eaceitos, a fim de adequá-los à publicação.

É de inteira responsabilidade do(s) autor(es) os conceitos, opiniões e idéias veiculados nos textos.

Todos os textos aceitos para publicação serão submetidos à avaliação de pares acadêmicos e lidos por, nomínimo, dois paraceristas – ambos do Conselho Consultivo ou um membro do Conselho Consultivo e um adhoc. A Revista garante o sigilo e anonimato de autores e pareceristas.

ASPECTOS FORMAIS DO TEXTO

Os artigos devem conter de 40 a 70 mil caracteres (com espaços) digitados no Word ou programa compatívelde editoração, fonte Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento duplo. O texto deve ser alinhado àesquerda e as margens não devem ser inferiores a 3 cm. As palavras estrangeiras devem ser grafadas emitálico, neologismo e/termos incomuns deve ser grafado entre 'aspas' simples.

Os artigos devem ser enviados em dois arquivos com o mesmo nome, diferenciados pelos numerais 1 e 2.Devem ser nomeados pelo sobrenome do primeiro autor. O primeiro arquivo deve constar a identificaçãodo(s) autor(es): nome(s), instituição(ções) de origem e endereços, físicos e eletrônicos; e resumo expandidode até mil caracteres (aproximadamente, uma página) e respectiva tradução em língua inglesa (abstract).Ambos acompanhados de, no mínimo, três palavras-chave (e as respectivas keywords). No segundo arquivo,constará o texto na íntegra a ser publicado.

As normas de referências bibliográficas seguidas pela Revista são as da ABNT e devem se restringir aomaterial citado no corpo do texto. As citações de fontes, diretas ou indiretas, devem ser inseridas no corpodo texto (AUTOR, data, página). As notas, quando necessárias, devem seguir no final do texto comnumeração seqüencial em algarismos arábicos e antes das referências bibliográficas.

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As referências de material e fontes eletrônico/digitais devem citar o endereço (Web Site ou Home Page)seguida da data de acesso (Acesso em: 25 Fev. 2009).

Todos os textos deverão ser enviados para o endereço eletrônico da Revista “Formação Docente”([email protected]). Após o envio do artigo, o autor receberá a confirmação dorecebimento da sua mansagem contendo os arquivos, em anexo, com o texto e da adequação (ou não) domesmo às normas técnicas. Após, aproximadamente, 40 dias, o autor receberá uma nova mensageminformando sobre o resultado da avaliação acadêmica do artigo.

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ApresentaçãoJúlio Emílo Diniz-Pereira 1

Após o esforço concentrado da comunidade brasileira de pesquisadores sobre formação docente, organizadapor meio do Grupo de Trabalho “Formação de Professores” (GT08) da Associação Nacional de Pesquisa ePós-Graduação em Educação (ANPEd) e em parceria como uma das maiores editoras do país, a Autêntica,temos o imenso prazer em apresentar o primeiro número da “Formação Docente” – Revista Brasileira dePesquisa sobre Formação de Professores.

Este primeiro número da Revista reúne artigos que discutem, preferencialmente, o campo da pesquisa sobrea formação de professores no Brasil e no exterior (nos Estados Unidos e em Portugal). Sendo assim, o leitorencontrará aqui artigos baseados em estudos que analisaram a produção acadêmica sobre a formaçãodocente nesses países. Além disso, há dois textos que tangenciam essa temática e abordam tópicos tambémmuito importantes: um bastante recente entre as investigações acadêmicas – a construção da identidadeprofissional docente – e outro um velho conhecido da área, porém, ainda insuficientemente analisado pelaspesquisas – o estágio supervisionado.

Dessa maneira, Ken Zeichner analisa o campo da pesquisa sobre a formação docente nos Estados Unidos epropõe, com base em uma série de estudos realizados pela American Educational Research Association(AERA), uma agenda de investigação sobre a formação de professores naquele país.

De modo semelhante, Marli André também aborda a formação de professores como objeto de pesquisa noBrasil por meio da comparação dos conteúdos de dissertações e teses de mestres e doutores brasileiros nasdécadas de 1990 e 2000. A autora destaca em seu estudo os temas mais investigados, os principaisreferenciais teóricos e as estratégias metodológicas mais recorrentes nesses últimos 20 anos.

Maria do Céu Roldão discute o campo de pesquisa sobre formação de professores em Portugal com baseem três revisões que analisaram as investigações acadêmicas sobre o tema, entre o início dos anos 1990 e2006. A autora, ainda baseada nesses estudos, faz recomendações para o desenvolvimento desse campo deinvestigação nesse país.

Na mesma linha dos artigos anteriores, Iria Brzezinski discute o campo da pesquisa sobre formação docenteno Brasil por meio da análise dos trabalhos apresentados nas reuniões anuais da ANPEd, maisespecificamente, no GT “Formação de Professores”. Ao apresentar tal discussão a respeito da produçãoacadêmica brasileira sobre formação docente, nos últimos dez anos (1999-2008), representada pelos textossubmetidos aos encontros dessa Associação, a autora desenvolve uma reconstituição histórica do próprioGT08.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 01, n. 01, p. 11-12, ago./dez. 2009.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

EDITORIAL

1 Doutor em Educação pela Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).Coordenador da Coleção Docência, da Autêntica Editora.

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Focando o estágio supervisionado, Menga Lüdke também discute o campo de pesquisa sobre formaçãodocente no Brasil. Para tal, Menga recupera dados de uma investigação “clássica” nacional da qual participouno final dos anos 1980 e se baseia em análises recentes sobre o desenvolvimento profissional dos docentespara discutir aquilo que considera “um dos mais frágeis elos do processo de formação de professores”.Finalmente, Carlos Marcelo por meio de reflexões próprias e da análise da literatura internacionalespecializada discute catorze “constantes” presentes nos processos de construção da identidadeprofissional docente. Ao final do artigo, o autor apresenta os desafios que a profissão enfrenta neste iníciode milênio.

A partir deste número, nos encontraremos semestralmente para discutirmos temas relevantes da pesquisasobre a formação docente no Brasil e no mundo. Aguardamos a contribuição da comunidade depesquisadores brasileira e internacional para cumprirmos nosso objetivo maior: contribuir para a melhoria daqualidade da produção acadêmica nesse campo e, por via de consequência, para a melhoria da própriaformação de educadores em nosso País.

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Uma agenda de pesquisa para a formação docenteKenneth M. Zeichner 1

Tradução: Cristina Antunes

RESUMO

Este artigo examina os textos que fizeram parte do relatório final do painel da American Educational ResearchAssociation (AERA) sobre formação docente e que analisaram a investigação acadêmica de temas específicosreferentes à formação inicial de professores nos Estados Unidos e sugere uma agenda de pesquisa para aárea a fim de superar algumas das principais limitações na pesquisa existentes e ampliar linhas de trabalhopromissoras. Também discute as condições necessárias para apoiar a implementação dessa agenda depesquisa. Ele começa examinando a missão desse painel e a direção geral de suas recomendações. Depoisde analisar algumas limitações nesse trabalho, oferece uma agenda de pesquisa por meio da qual osmembros do painel acreditam abranger planos de pesquisa, metodologias e tópicos que são promissorespara aumentar a qualidade da pesquisa na área.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; pesquisa; Estados Unidos

A Research Agenda for Teacher Education

ABSTRACT

This article looks across studies that reviewed the empirical research on select topics concerning preserviceteacher education in the United States and suggests a research agenda for the field that seeks to overcomesome of the major limitations in the existing research and build on promising lines of work. It also discussesthe conditions needed to support the implementation of this research agenda. It begins by reviewing thecharge to the panel and the general direction of its recommendations. After reviewing some the limitationsin this work, it offers a research agenda through which members of the panel believe addresses the researchdesigns, methodologies, and topics that offer promise to raise the quality of research in the field.

KEY-WORDS: Teacher Education; Research; United States

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 01, n. 01, p. 13-40, ago./dez. 2009.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

1 Professor Titular do Departamento de Currículo e Ensino da Universidade do Estado de Wisconsin, em

Madison, nos Estados Unidos.

ARTIGOS

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Uma agenda de pesquisa para a formação docente2

Kenneth M. ZeichnerTradução: Cristina Antunes

Inicialmente, quero reiterar vários pontos importantes relacionados ao painel da American EducationalResearch Association (AERA) sobre formação docente e nossas opiniões concernentes à relação entre apesquisa educacional, a prática e a política de formação de professores. Em primeiro lugar, um elementocentral das nossas deliberações foi um vigoroso esforço para manter a neutralidade nos debates,extremamente visíveis e intensos, que aconteceram durante os quatro anos de nosso trabalho, sobre aformação docente. Do começo ao fim das revisões internas e externas de cada texto, bem como do relatóriofinal como um todo, demos prioridade para produzir uma rigorosa e imparcial análise da pesquisa revista porpares sobre questões de crítica importância para a formação inicial de professores nos Estados Unidos.Nosso trabalho concentrou-se em analisar a pesquisa sobre formação docente e os diferentes resultados naspolíticas de formação de professores: recrutamento e permanência de docentes, aprendizagem e práticasdos professores e a aprendizagem dos alunos.

Coerentemente com as diferentes perspectivas disciplinares e metodológicas representadas no painel,também nos esforçamos para apresentar uma análise de pesquisa e propostas para melhorar a investigaçãoacadêmica que recorresse a, e se beneficiasse de, uma variedade de abordagens metodológicas, incluindo apesquisa conduzida por docentes sobre suas próprias práticas. Reconhecemos que determinadasabordagens de pesquisa têm aspectos positivos e também inconvenientes; procuramos avaliar a pesquisaincluída nesta revisão de acordo com critérios de rigor apropriados para determinados gêneros de pesquisa.Recomendamos atenção para a ampla variedade de abordagens de pesquisa disponíveis; não rejeitamosnenhuma abordagem a priori. No nosso entender, a principal questão é desenvolver um programa depesquisa sobre formação docente que possa tratar a variedade de questões que os investigadores procuramresponder a respeito da formação de professores e suas ligações com vários tipos de respostas importantespara a sociedade.

Acreditamos que uma pesquisa de abordagem multidisciplinar e multimetodológica para investigar problemasna formação docente é essencial porque o conjunto de questões que são importantes do ponto de vistaprático e teórico pode ser melhor respondido utilizando-se um conjunto equivalente de referênciasconceituais e de modelos de pesquisa. Questões e problemas individuais pedem diferentes abordagens depesquisa e o que propusemos no relatório final do painel da AERA refere-se ao estudo da formação docentepor meio de abordagens disciplinares e metodológicas diferentes e complementares. Concordamos com aafirmação de Florio Ruane (2002) sobre a importância de se observar tanto dentro quanto fora das áreasorientadas por uma única abordagem de pesquisa.

A implementação da agenda de pesquisa que sugerimos vai exigir maiores recursos do que aqueles que jáestiveram disponíveis para a pesquisa sobre formação docente. Esses recursos deveriam vir de novos

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 01, n. 01, p. 13-40, ago./dez. 2009.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

2 Este texto é uma adaptação do Capítulo 12 do livro Studying Teacher Education: The Report of the AERA

Panel on Teacher Education organizado por Marilyn Cockran-Smith e Kenneth M. Zeichner. Nova York:Routledge, 2005. (N. T.)

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investimentos na investigação sobre a formação de professoes e da redistribuição dos recursos existentes.Porém, mais dinheiro para a pesquisa sobre formação docente não resultará automaticamente em melhorpesquisa. Esses recursos adicionais precisam ser direcionados para o estudo de determinadas questões eassuntos e para investigações que empreguem metodologias capazes de lidar com a complexidade do queestá sendo investigado e que resultem em confiável e convincente evidência e em um entendimento maisprofundo. Dada a importância da qualidade dos professores no discurso atual sobre reforma educacional nosEstados Unidos e a necessidade de evidências empíricas sólidas, é urgentemente necessário um programade pesquisa competente sobre formação docente e que seja bem financiado.

LIMITAÇÕES NO NOSSO TRABALHO E DA PESQUISA

A análise apresentada no relatório final do painel da AERA sobre formação docente tem várias limitações. Porexemplo, embora tenhamos focado na pesquisa empírica relacionada a diversos tópicos que achamosimportantes para a formação inicial de professores, reconhecemos que dois importantes tipos de pesquisanão foram incluídos no escopo de nosso trabalho: o conhecimento conceitual, histórico e comparativo sobrea formação inicial de professores e todos os tipos de pesquisa sobre a formação inicial realizados fora dosEstados Unidos. Limitar nosso foco aos estudos empíricos sobre certos tópicos nos Estados Unidos nãosignifica que esses outros tipos de conhecimento sobre formação docente não sejam importantes.

Além disso, embora acreditemos que a pesquisa empírica possa dar importantes contribuições para a práticae a política na formação docente, também acreditamos que as decisões sobre política e prática são mediadaspor considerações morais, éticas e políticas, e que a prática no ensino e na formação docente, como emoutras áreas, é intrinsecamente complexa. A pesquisa pode nos ajudar a pensar sobre a formação docentede maneiras mais proveitosas e pode oferecer orientação quanto práticas efetivas para atingir determinadosobjetivos, mas não pode nos revelar tudo sobre o que fazer nos cursos de formação docente ou na arenapolítica. Schön (1984) descreveu a natureza dinâmica e incerta da prática e os limites da pesquisa paraestruturar e solucionar problemas da prática em áreas fora do magistério, inclusive engenharia e psicoterapia.As reflexões de Gawande (2002, p. 7) sobre o estado da pesquisa científica na medicina reforçam nossoponto de vista sobre os limites envolvidos em associar a pesquisa à prática e política:

Nós esperamos que a medicina seja um campo metódico de conhecimento e procedimento.Mas não é. É uma ciência imperfeita, um empreendimento de conhecimento constantementeem mudança, de informações incertas, indivíduos falíveis e, ao mesmo tempo, vive em risco. Háciência no que fazemos, sim, mas também há hábito, intuição e, por vezes, a simples velhaadivinhação. A lacuna entre aquilo que sabemos e aquilo que almejamos, persiste. E essa lacunadificulta tudo o que fazemos.

Embora a pesquisa tenha o potencial para nos ajudar a administrar e reduzir mais eficazmente a complexidadee a incerteza do magistério, ela nunca será capaz de anulá-lo. A pesquisa empírica é uma fonte, entre outras,que deveria ser considerada para determinar o valor da atividade da formação docente.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 01, n. 01, p. 13-40, ago./dez. 2009.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

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ELEMENTOS DE UMA AGENDA DE PESQUISA

Esta seção descreve os elementos de uma agenda de pesquisa para a formação docente que é baseada emnossa análise e discussão das pesquisas empíricas existentes. Em primeiro lugar, discute características demodelos de pesquisa, metodologias e tópicos de pesquisa que nós acreditamos serem prioritários na futurapesquisa sobre formação de professores. Em seguida, discute o desenvolvimento de uma infraestrutura maissólida para a pesquisa sobre formação docente que é necessária para apoiar a implementação da agenda depesquisa que propomos. Essa discussão sobre uma infraestrutura de apoio levará ao desenvolvimento deredes de pesquisa, à preparação e ao treinamento de pesquisadores educacionais e ao processo de revisãopor pares e publicação.

É importante ressaltar que a despeito das críticas sobre a pesquisa existente, cada uma das revisões queempreendemos identifica linhas promissoras de trabalho e clara compreensão sobre aspectos dos efeitossobre a formação inicial dos professores. A agenda de pesquisa que propomos aqui pretende se basearnaquilo que aprendemos por meio da pesquisa existente nessa área de investigação relativamente jovem.

Por exemplo, embora pareça existir uma relação entre as atividades de sala de aula e os trabalhos de casaadotados pelos professores de Matemática e o aprendizado dos alunos no nível médio, sabemos muito poucosobre essa relação no nível fundamental, sobre os tipos específicos de atividades de sala de aula e trabalhosde casa em Matemática que sejam realmente importantes e sobre a preparação das aulas dos professoresem outras disciplinas. Além disso, apesar de termos aprendido algumas coisas sobre o impacto dedeterminadas abordagens de ensino no conhecimento e nas crenças dos professores, têm havido poucosestudos sistemáticos comparando o impacto de diferentes estratégias de formação e dos efeitos dessasestratégias nas práticas de futuros professores. Todavia, em vez de focar no que sabemos sobre a pesquisaexistente, este artigo ressalta o que precisamos saber e como podemos projetar e apoiar a pesquisa para nosajudar a ter êxito.

MODELOS DE PESQUISA E METODOLOGIAS

Destacamos vários aspectos dos modelos de pesquisa e das metodologias em nossas propostas para ofortalecimento da investigação sobre formação docente. Alguns são padrões que se aplicam a toda boapesquisa; outros são mais específicos para a pesquisa sobre formação de professores. Algumas dessasrecomendações são exemplos concretos dos princípios para investigação científica, recentemente propostospor um Relatório do Conselho Nacional de Pesquisa sobre Investigação Educacional (Shavelson e Towne,2002). Nossas recomendações incluem:

1. Definição clara e consistente de termos;2. Descrição completa da coleta de dados e métodos de análise e dos contextos onde a pesquisa

é realizada;3. Pesquisas situadas em relação a relevantes referenciais teóricos;4. Desenvolvimento de mais programas de pesquisa;

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5. Maior atenção ao impacto da formação docente sobre a aprendizagem e práticas dos professores;6. Pesquisas que liguem a formação docente ao aprendizado do aluno;7. Portfolio completo dos estudos, que inclui abordagens multidisciplinares e multimetodológicas

para investigar as complexidades da formação docente;8. Desenvolvimento de melhores medidas do conhecimento e desempenho do professor;9. Pesquisas que examinem a preparação do professor em diferentes conteúdos além de Matemática

e Ciências e, ao levarem em conta os assuntos ensinados, investiguem os efeitos dos cursos de formação docente e de seus componentes;

10. Análise mais sistemática das alternativas claramente identificáveis na formação docente, usandocontroles compatíveis ou testes aleatórios como estudos distintos ou em associação com estudos de caso em profundidade;

11. Mais estudos de caso minuciosos sobre cursos de formação docente e seus componentes.

DEFINIÇÃO DE TERMOS

O primeiro aspecto da pesquisa se preocupa com a definição dos termos. Há muita inconsistência e confusãono que diz respeito à definição dos termos atualmente usados em pesquisas, tais como certificação“alternativa” e “tradicional”, “escola de desenvolvimento profissional”, “portfolio” e “pesquisa-ação”. Ospesquisadores definem esses e outros termos diferentemente. Alguns estudos tentam estabelecercomparações entre categorias (por exemplo, certificação alternativa e certificação tradicional) sem definirclaramente o que está sendo comparado. Todos os aspectos da formação docente, inclusive as abordagensde ensino, currículo e arranjos organizacionais, deveriam ser definidos claramente, consistentemente, e comsuficiente especificidade para permitir a acumulação de conhecimento por meio de investigações sobre anatureza e o impacto de diferentes aspectos da formação docente. Por exemplo, pesquisas sobre o impactode determinadas estratégias de formação, tais como estudos de caso e pesquisa-ação, precisam discutir asmaneiras nas quais essas estratégias são conceitualizadas e introduzidas para os professores em formaçãoe como seu uso é facilitado e encorajado. Uma maior atenção a determinados propósitos e condições de usopara diferentes estratégias de formação de professores nos permitirá compreender mais sobre as condiçõesque são significativas para alcançar determinados resultados.

DESCRIÇÃO DA COLETA DE DADOS, ANÁLISE E CONTEXTOS DA PESQUISA

Um segundo aspecto dos modelos de pesquisa sobre formação docente que precisa ser enfatizado é acompleta descrição dos métodos de coleta de dados e análise e dos contextos nos quais a pesquisa foirealizada. Muitos estudos examinados neste relatório fornecem informações inadequadas sobre como osdados foram coletados e analisados. Isso torna difícil, senão impossível, avaliar a credibilidade das conclusõesobtidas pelos pesquisadores. Do mesmo modo, muitos estudos conduzidos dentro dos limites de disciplinasindividuais não situaram tais disciplians dentro dos cursos, instituições e não especificaram os contextospolíticos nos quais eles existiam. Inúmeras pesquisas que discutiram a permanência dos professores nomagistério, para aqueles que completaram diferentes tipos de cursos de formação docente, não forneceramnenhuma descrição das características das escolas e das comunidades nas quais os professores lecionavam.

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Mais atenção aos contextos nos relatórios de pesquisa possibilitará uma melhor compreensão das condiçõessob as quais a formação docente e seus componentes se relacionam com diferentes resultados.

Nos relatórios de pesquisa, também deveria ser dada maior atenção à validade e confiabilidade dosinstrumentos de pesquisa e dos protocolos de coleta de dados. Muitos estudos examinados neste relatórionão fornecem nenhuma informação sobre como os instrumentos usados para a coleta de dados foramdesenvolvidos e validados ou como sua confiabilidade foi avaliada. Essa falta de informação nos relatórios depesquisa publicados necessariamente enfraquece as alegações que os pesquisadores podem fazer sobre osefeitos do que foi examinado.

ASSOCIAR A PESQUISA A REFERENCIAIS TEÓRICOS

Outro aspecto dos modelos de pesquisa que acreditamos ser importante para futuras investigações é melhorsituar os estudos de pesquisa em relação a relevantes referenciais teóricos. A falha em fazer isso resulta emdificuldades contínuas para explicar descobertas sobre os efeitos ou a não existência de efeitos dedeterminadas práticas de formação docente. Por exemplo, uma área que recebeu muita atenção nos últimosanos é a pesquisa sobre a aprendizagem docente (por exemplo, Borko e Putnam, 1996; Richardson e Placier,2001; Whitcomb, 2003; Wideen, Mayer-Smith, e Moon, 1998). Atualmente, há uma variedade deconceitualizações disponíveis, provenientes de pesquisas realizadas a partir de perspectivas psicológicas,sociológicas e antropológicas, que oferecem muitas vezes explicações totalmente diferentes sobre como osprofessores aprendem a ensinar. Determinadas concepções sobre ensinar e sobre aprender a ensinartambém se encontram inseridas no currículo, nas relações sociais, nas estratégias de formação e nasestruturas organizacionais dos cursos de formação de professores. A pesquisa empírica sobre cursos deformação docente, seus componentes e políticas que afetam a formação de professores pode contribuir,potencialmente, para a elaboração e refinamentos desses referenciais e para a maior compreensão dosprocessos de aprendizagem dos professores em diferentes contextos (por exemplo, em diferentes tipos deinstituição de formação docente e em diferentes áreas temáticas). É necessário condicionar a pesquisa areferenciais teóricos relevantes para que os pesquisadores sejam capazes de explicar seus resultados.

DESENVOLVER PROGRAMAS DE PESQUISA

Acreditamos que também é importante desenvolver mais programas de pesquisa sobre formação docenteem que os pesquisadores intencionalmente se baseiem nos trabalhos uns dos outros para seguir uma linhade investigação (por exemplo, condições de tutoria de estagiários que facilitam certos tipos de aprendizagemdocente e estudos de caso como uma ferramenta para a aprendizagem docente). Uma característica positivade um programa de pesquisa produtivo é aquele em que os pesquisadores procuram diferentes aspectos dedeterminados problemas e questões, acumulando e ampliando o conhecimento com cada novo estudo.

Outro benefício a ser esperado de programas sistemáticos de pesquisa sobre formação docente é o uso demétodos e instrumentos de coleta de dados mais comuns. Essa ampla utilização de métodos e instrumentosde coleta de dados tornaria mais fácil acumular conhecimento por meio de estudos individuais. Alguns dos

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exemplos mais claros de programas de pesquisa sobre formação docente são: a pesquisa em microensino;a pesquisa sobre conhecimento de conteúdo pedagógico; e a pesquisa sobre os mercados de trabalhodocente. Deixando de lado essas expectativas, nos estudos examinados há muito pouca evidência depesquisadores se baseando no trabalho de outros para estabelecer linhas de investigação em torno dedeterminadas questões e resultados consistentemente definidos e de pesquisadores utilizando as mesmasmedidas de resultado ao longo dos estudos.

Nos estudos que examinamos há uma profusão de exemplos de protocolos de pesquisa e instrumentos queforam utilizados em uma variedade de projetos de investigação, tais como o uso dos protocolos de estudodo Teacher Education and Learning to Teach 3 – TELT (Kennedy, Ball e McDiarmid, 1993), nos estudos de casode cursos de formação de professores patrocinados pela National Comission for Teaching and America’sFuture4 (NCTAF; Darling-Hammond, 2000) e os protocolos da NCTAF utilizados por pesquisadores individuais(Breidenstein, 2002). Achamos que deveria haver mais compartilhamento de instrumentos de coleta dedados entre os pesquisadores, de modo a tornar mais fácil acumular conhecimento por meio de estudosindividuais.

RELACIONAR AS CARACTERÍSTICAS DO PROFESSOR, A FORMAÇÃO DOCENTE, AAPRENDIZAGEM DOCENTE E A PRÁTICA DOS PROFESSORES

O próximo ponto de discussão é: a pesquisa precisa focar mais sobre as conexões entre características doprofessor, formação, aprendizagem e práticas docentes. Nossas análises mostram que, em grande parte daatual pesquisa sobre componentes de cursos de formação docente, o foco está em como as disciplinas deMetodologia de Ensino, os estágios, as estratégias de formação e similares, influenciam as crenças e atitudesdos professores. Esses estudos prestam pouca atenção a como o conhecimento e práticas dos professoressão influenciados pelo que eles experimentam nos cursos de formação docente e menos atenção ainda acomo os professores são afetados, ao longo do tempo, por sua preparação. Há uma evidente necessidadede examinar mais detalhadamente como o conhecimento e práticas dos professores são moldados por suaformação, inclusive depois de eles terem completado seus cursos. São necessários mais estudoslongitudinais que examinem os efeitos da formação dos professores ao longo do tempo, tal como o estudode Grossman et al. (2000) sobre professores aprendendo a ensinar escrita durante e depois de seu curso deformação inicial.

Alguns estudos têm procurado relacionar características de professores, ou formação docente, diretamentecom resultados dos alunos sem dar atenção à aprendizagem docente ou à prática docente. Esses estudosque ignoram a aprendizagem docente e as práticas dos professores terão muito pouca capacidadeexplanatória, mesmo se eles detectarem relações entre a formação docente e os resultados dos alunos.Precisamos saber como as características dos professores e os cursos de formação docente e seuscomponentes interagem com a aprendizagem docente para mediar esses efeitos nos alunos. Há múltiplasvariedades de prática dentro de determinados tipos de disciplinas e cursos. Um foco de pesquisa sobre aaprendizagem e prática docente é necessário para esclarecer determinadas qualidades de uma disciplina oude um curso que estejam ligadas aos resultados almejados e para que a pesquisa prove ser útil a profissionaise a gestores (Kennedy, 1999).

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3 Formação de Professores e Aprendendo a Ensinar. (N. T.)

4 Comissão Nacional de Ensino e do Futuro da América. (N. T.)

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ASSOCIAR A FORMAÇÃO DOCENTE À APRENDIZAGEM DO ALUNO

Um resultado crítico que tem sido amplamente negligenciado na literatura de pesquisa sobre formaçãodocente é a aprendizagem do aluno. Nos poucos estudos que tratam desse assunto, a aprendizagem dosalunos tem sido avaliada usando-se o desempenho nos testes padronizados de aproveitamento, uma medidalimitada sobre o que os alunos aprenderam. Dado o atual contexto político, em que pressões sobre os cursosde formação de professores têm se intensificado a fim de demonstrar a ligação entre seu trabalho e aaprendizagem dos alunos, achamos que maiores esforços precisam ser feitos pelos pesquisadores paravincular a formação docente com a aprendizagem dos alunos. Desse modo, os pesquisadores precisaminvestigar medidas de outros aspectos da aprendizagem acadêmica dos alunos além daquela que é avaliadanos testes padronizados de aproveitamento. O trabalho sobre a metodologia da amostra da atividade docenteé um exemplo dos esforços por parte dos pesquisadores para desenvolver outras medidas válidas dahabilidade dos professores de promover a aprendizagem dos alunos (McConney, Schalock e Schalock, 1998)5.

Embora a atenção nacional esteja atualmente focalizada em medidas cognitivas do desempenho acadêmico,um exame da história mais geral de nosso país revela um forte interesse recorrente do público em outrosresultados (por exemplo, Goodlad, 1984). Os pesquisadores deveriam se dedicar a esses outros aspectos daaprendizagem dos alunos, tais como seu desenvolvimento social, emocional, estético e cívico. Precisamosde concepções mais amplas de como medir a competência ou sucesso dos alunos. O teste sozinho não podemedir nem nos contar tudo o que precisamos saber sobre a aprendizagem dos alunos.

APESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DOCENTE É MULTIDISCIPLINAR E MULTIMETODOLÓGICA

Também pensamos que uma abordagem multidisciplinar e multimetodológica para estudar questões sobreformação docente oferece a melhor probabilidade de produzir conhecimento útil para a política e a prática. Aaprendizagem dos alunos nas escolas é afetada por inúmeros fatores diferentes mas inter-relacionados,somados ao tipo usual de preparação para o magistério recebido por seus professores. Entre eles estão ascaracterísticas individuais trazidas pelos futuros professores para seus cursos de formação docente; ascaracterísticas específicas desses cursos e seus componentes e as instituições nas quais eles estãosituados; a natureza do ensino nos cursos de formação docente, o que os professores em formaçãoaprendem nesses cursos; as escolas nas quais os professores lecionaram antes, durante e depois queterminam sua preparação; as políticas e práticas da rede escolar; e as políticas estaduais e federais. Dada acomplexidade da formação docente e suas ligações com vários aspectos da qualidade do ensino e daaprendizagem do aluno, nenhuma abordagem metodológica ou teórica isolada será capaz de fornecer tudo oque é preciso para compreender como e porque a formação docente influencia os resultados educacionais.Obviamente, nenhum estudo isolado será capaz de tratar todos os diversos fatores que influenciam aspectosda qualidade do ensino e da aprendizagem do aluno. Há características que deveriam ser tratadas emprogramas completos de pesquisa (Schulman, 2004).

Foram identificadas nos estudos deste relatório muitas questões de pesquisa diferentes que nós achamosserem oportunas para investigações posteriores. Cada uma dessas questões é mais bem estudada por meio

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5 Nas amostras de trabalho docente, os professores documentaram, num período superior a três a cinco

semanas, sua efetividade em promover a aprendizagem dos alunos.

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de determinados tipos de metodologias de pesquisa. Por exemplo, se o ponto em questão é comoprofessores em formação interpretam e fazem uso do conhecimento adquirido a partir de um curso deMetodologia do Ensino da Leitura, é importante para os pesquisadores examinar o funcionamento interno docurso a fim de explicar como a formação foi implementada, o que os alunos trouxeram para o curso emtermos de conhecimentos e habilidades de estudo, o que aprenderam a partir dessa formação, e depois,como e porque aplicaram em suas salas de aula o que aprenderam. Esse ponto – desenvolver uma melhorcompreensão de como um curso de Metodologia do Ensino contribui para a aquisição de determinadosconhecimentos e habilidades por parte dos professores em formação e seu subsequente uso nas salas deaula – requer um profundo exame do contexto do curso e das práticas para se ser capaz de distinguir entreos efeitos do curso, os efeitos da seleção e a influência do ambiente no qual os professores lecionam. Poroutro lado, se a questão diz respeito à efetividade global relativa de dois tipos diferentes de cursos deMetodologia do Ensino da Leitura, os pesquisadores podem também querer fazer uma comparaçãosistemática dos resultados dos cursos utilizando um modelo experimental ou quase-experimental.

Também acreditamos que os pesquisadores precisam usar medidas melhores do conhecimento e dashabilidades dos professores do que aquelas evidenciadas nos estudos existentes. Em primeiro lugar, grandeparte da pesquisa que investiga resultados de professores concentrou-se em atitudes e crenças, não emcomo a formação docente e seus componentes influenciam a aquisição de conhecimento dos professores eo uso desse conhecimento. Em termos do saber docente, alguns pesquisadores utilizaram testes para avaliarqual conhecimento profissional os professores haviam adquirido. É necessário maior foco naquilo que osfuturos professores realmente aprendem das oportunidades que lhe são proporcionadas durante a suaformação (atenção, inclusive, a que conhecimento trazem para o curso) para aumentar nosso entendimentosobre como determinados componentes e cursos contribuem para o desenvolvimento e o uso do saberdocente. São requeridas medidas do saber docente que sejam ligadas ao currículo dos cursos de formaçãodocente.

Medidas mais confiáveis e válidas sobre o desempenho dos professores também são necessárias napesquisa que procura relacionar os cursos de formação docente e seus componentes e as políticas para oensino de licenciandos e egressos. Instrumentos e escalas de classificação que avaliem o desempenho dosprofessores devem usar critérios claros e específicos e tratar múltiplos aspectos do ensino com múltiplosindicadores de desempenho. A pesquisa atual de avaliação do desempenho docente é enfraquecida porestudos que tanto utilizam critérios vagos, como critérios tão específicos e fragmentados que oscomponentes mutuamente reforçadores de um ensino mais coerente são perdidos (Zeichner, 2005).

Atualmente, exige-se que a maioria dos cursos de formação inicial de professores utilize avaliação baseadaem desempenho (perfomance-based assessment) associada a um conjunto de padrões de ensino. Osestudos que investigam o impacto de determinados componentes e estratégias de formação docente sobreo desempenho dos professores deveriam começar a utilizar novos avanços que hoje estão disponíveis, taiscomo a construção de potfolios de ensino, os centros de exercícios de avaliação e sistemas de observaçãode sala de aula que consideram tanto as dimensões cognitivas do ensino quanto as comportamentais (verPorter, Youngs e Odden, 2001).

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REALIZAR PESQUISA SOBRE A PREPARAÇÃO DOS PROFESSORES PARA ENSINAR

DIFERENTES CONTEÚDOS

Embora existam pesquisas que investigaram a formação dos professores em disciplinas específicas (emparte como resultado da disponibilidade de financiamentos), precisamos de mais pesquisas em umavariedade de outras disciplinas. Nosso exame mostra que a área temática lecionada pelos professoresinfluencia a permanência do professor no magistério. Em tópicos tais como a formação dos professores emconteúdos específicos, temos muito mais estudos em algumas áreas (por exemplo, o ensino da Matemática)do que em outras. A análise da pesquisa sobre a formação dos professores em conteúdos específicos e arevisão da pesquisa sobre formação dos professores para populações marginalizadas indicam que nãopodemos aceitar que aquelas descobertas em relação à formação dos professores em uma disciplina sejamverdadeiras para professores de outras matérias.

Em um dos estudos deste relatório vimos que a preparação dos professores para diferentes áreas deconteúdo tem sido, algumas vezes, incluída em estudos sobre o impacto de diferentes estruturas de cursosde formação docente. Por exemplo, a preparação de professores de Matemática em um determinado tipo decurso foi confrontada com a formação de professores alfabetizadores ou de Estudos Sociais, em outro tipode curso. Precisamos desenvolver pesquisas de forma que elas nos permitam distinguir os efeitos dos cursosou dos componentes dos cursos daqueles das áreas temáticas nas quais os professores estão lecionando edas características de cada professor.

REALIZAR ANÁLISE SISTEMÁTICA DE DIFERENTES ALTERNATIVAS NA FORMAÇÃO

DOCENTE

Nos últimos anos, tem sido dada crescente atenção às contribuições que podem ser feitas pela análisesistemática de alternativas claramente identificadas na formação docente utilizando delineamentos quase-experimentais com várias formas de correspondência e controles, e delineamentos experimentais comanálise aleatória (por exemplo, Mosteller e Boruch, 2002; Shavelson e Towne, 2002; Whitehurst, 2002).Embora encorajemos uma maior quantidade de estudos que investiguem sistematicamente os efeitos depercursos de formação claramente diferentes sobre os professores e seus alunos, é opinião do painel que háuma variedade de maneiras de se realizarem esses estudos. Embora apoiemos uma maior quantidade deensaios aleatórios e delineamentos quase-experimentais utilizando correspondência ou controles na pesquisasobre formação docente, acreditamos que o financiamento e outras questões práticas continuarão a limitar oquanto a pesquisa sobre formação docente será realizada dessa maneira. Esse tipo de trabalho é muito caroe os altos índices de mobilidade do aluno e do professor em muitas escolas públicas, além das questões deconsentimento livre e esclarecido envolvidas na alocação aleatória, fazem com que essa pesquisa seja difícilde ser executada. Apesar dessas dificuldades, acreditamos que esse tipo de trabalho precisa se tornar maiscomum na pesquisa sobre formação docente. O recente estudo do Teach for America que utilizou alocaçãoaleatória de alunos que foram preparados de diferentes maneiras (Decker, Mayer e Glazerman, 2004) é umexemplo desse gênero de pesquisa sobre os efeitos de modelos alternativos de formação sobre osprofessores.

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Quando a análise aleatória não é possível, achamos que o uso de várias formas de correspondência econtroles são alternativas razoáveis. Recomendamos especialmente modelos de pesquisa que combinem aanálise quantitativa e qualitativa, como o estudo sobre diferentes formas de ensino atualmente emandamento na cidade de Nova York (Boyd, Grossman, Lankford, Loeb e Wyckoff, 2003).

REALIZAR MINUCIOSOS ESTUDOS DE CASO DE CURSOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

Finalmente, examinamos dois estudos de caso multi-institucionais em larga escala de cursos de formaçãodocente no país: os estudos TELT (Teacher Education and Learning to Teach) e NCTAF (National Comissionfor Teaching and America’s Future). As pesquisas de estudo de caso de cursos, como a análise comparativasistemática discutida anteriormente, são extremamente caras e difíceis de se realizar e, inevitavelmente,serão uma parte limitada do espectro total da pesquisa sobre formação docente. Ambos os tipos de estudo,a comparação sistemática de alternativas de programa e os minuciosos estudos de caso de cursos, são bonscandidatos para alocações de recursos dirigidos à pesquisa sobre formação docente (ver próxima seção).

TÓPICOS DE PESQUISA

Na discussão anterior sobre modelos e metodologias de pesquisa, foram feitas várias recomendações paraaperfeiçoar a investigação sobre formação docente a partir de uma perspectiva de projeto que também tenhaimplicações para o conteúdo da pesquisa. Essas recomendações, quando contempladas a partir daperspectiva do conteúdo da pesquisa, sugerem que a principal prioridade para a pesquisa sobre formaçãodocente deveria ser promover nosso conhecimento sobre as ligações entre determinados aspectos daformação docente (por exemplo, currículo, programas de ensino e políticas) e da aprendizagem dosprofessores, práticas docentes e aprendizagem do aluno, sob várias condições e em diferentes contextos. Adiscussão sobre questões metodológicas destinava-se a melhorar a capacidade da pesquisa sobre formaçãodocente de distinguir entre os efeitos da formação docente e aqueles atribuídos a indivíduos e contextos ede explicar as condições nas quais vários efeitos ocorrem e por que eles ocorrem.

Além dessas recomendações gerais para o conteúdo, modelos e metodologias de pesquisa, nossa análiseidentificou, neste relatório, várias questões ou tópicos importantes, os quais achamos que a pesquisa sobreformação docente também precisa tratar. Eles incluem:

1. Pesquisas sobre a preparação de professores para lecionar com êxito a diferentes alunos das escolas públicas americanas e sobre o recrutamento de um perfil variado de docentes;

2. Pesquisas sobre formadores de professores, licenciandos e egressos dos cursos de Licenciatura e sobre o contexto da formação;

3. Pesquisas sobre os currículos dos cursos de formação docente, os programas de curso e as interaçõesde ensino;

4. Pesquisas sobre arranjos organizacionais dentro dos cursos;5. Pesquisas sobre a validade preditiva dos padrões de admissão nos cursos de formação docente;6. Pesquisas sobre importantes tópicos negligenciados.

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REALIZAR PESQUISAS SOBRE A PREPARAÇÃO DE PROFESSORES PARA A DIVERSIDADE

CULTURAL E SOBRE O RECRUTAMENTO DE UM PERFIL MAIS VARIADO DE DOCENTES

Em primeiro lugar, por causa da relativa negligência da pesquisa sobre preparação de professores para adiversidade cultural que eles encontrarão nas escolas públicas americanas e sobre recrutamento de um perfilmais variado de docentes, acreditamos que a pesquisa sobre formação docente precisa contribuir de ummodo mais fundamental para a redução da disparidade de desempenho na educação pública americana.Como foi mencionado inúmeras vezes neste relatório, um dos problema com a pesquisa atual (por exemplo,sobre cursos de Metodologia de Ensino e as estratégias de formação) é que os contextos nos quais osprofessores trabalham (por exemplo, as características dos alunos lecionados e as comunidades nas quaiseles vivem) muitas vezes não são descritos nos relatórios de pesquisa. Essa falta de atenção explícita aoscontextos de ensino por parte dos pesquisadores torna muito difícil interpretar dados sobre o desempenhoe a permanência dos professores e sobre a eficácia de diferentes cursos de formação docente e de seuscomponentes.

Concordamos com as recomendações de Wilson, Floden e Ferrini-Mundy (2001) de que os pesquisadoresdeveriam ser muito mais explícitos em relação aos contextos nos quais os professores trabalham.Precisamos garantir que nossas definições de eficácia do ensino e aprendizagem dos alunos incluam osmuitos alunos de cor e alunos que vivem na pobreza, que são geralmente marginalizados por nossas escolaspúblicas, e que nossa definição de professores de alto nível inclua o desenvolvimento de um perfil variado dedocentes que percebam mais adequadamente a diversidade de nossa população (Villegas e Lucas, 2004).

A pesquisa sobre formação docente precisa fazer da redução da disparidade de desempenho umapreocupação prioritária documentando como o status quo na formação inicial de professores ficou aquém norecrutamento de um perfil mais variado de docentes e na preparação de professores para lecionar diferentesalunos. Ela também deveria desempenhar um papel mais importante esclarecendo como podemos fazer umtrabalho melhor na preparação de candidatos que irão escolher lecionar nas escolas onde são maisnecessários, que serão bem sucedidos tão logo cheguem e que permanecerão lá e documentando maneirasde recrutar um perfil mais variado de docentes. A pesquisa sobre a preparação de professores para ensinarpopulações marginalizadas deveria prestar especial atenção à formação de professores para ensinar alunosque têm o inglês como segunda língua, porque quase nenhuma pesquisa foi realizada sobre esse aspecto dadiversidade na formação docente.

REALIZAR PESQUISAS SOBRE FORMADORES DE PROFESSORES, LICENCIANDOS E

EGRESSOS DE CURSOS DE FORMAÇÃO DOCENTE E SOBRE O CONTEXTO DE FORMAÇÃO

Em segundo lugar, há uma necessidade de estudos sobre formadores de professores, alunos deLicenciaturas, os egressos desses cursos e sobre o contexto no qual a formação foi realizada. Nas nossasrevisões, não percebemos uma atenção maior para a pesquisa sobre os formadores de professores. Emborahouvesse alguma pesquisa sobre esse tema, nos anos 1980 (como exemplo, ver Lanier e Little, 1986;Wisniewski e Ducharme, 1989), muitos dados levantados por esses trabalhos estão hoje obsoletos. Essa

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questão aponta para a necessidade de novas pesquisas. É necessário mais pesquisas que investiguem asconsequências de quem está lecionando um determinado componente do curso (por exemplo, uma disciplinade Metodologia do Ensino ou uma disciplina de Fundamentos da Educação), quem está usando umadeterminada estratégia de formação ou quem está supervisionando um aluno que participa de um estágio emuma determinada escola. Qual é a importância se os formadores e os supervisores de estágio em cursos deformação inicial são do corpo permanente e da equipe acadêmica ou do corpo de profissionais contratadosou doutorandos? Quais são as características dos formadores e como diversos indicadores demográficos ede qualidade associados aos formadores (por exemplo, anos de experiência de ensino e tipo de graduação)influenciam o caráter e a qualidade da formação nos cursos de formação docente?

Também precisamos construir bancos de dados mais abrangentes e atualizados sobre os estudantes dasLicenciaturas, os professores e o conjunto de professores em potencial, incluindo informações sobre raça eetnia, antecedentes de classe social, sexo, medidas do desempenho acadêmico e qualidades pessoais.Esses bancos de dados deveriam dar atenção a coisas como: como são preparados professores com perfisdemográficos e de qualidade diferentes, onde eles lecionam e quanto tempo eles permanecem nomagistério.

Além disso, com base na pesquisa atual, sabemos muito pouco sobre como o contexto de formação noscursos de Licenciatura influencia as oportunidades que são disponibilizadas aos alunos, futuros professores,o que eles aprendem a partir dessas oportunidades e como essa aprendizagem tem impacto sobre aqualidade do ensino e a aprendizagem do aluno. Exemplos de questões relacionadas ao contexto da formaçãoque deveriam ser investigadas pelos pesquisadores incluem: Faz diferença se a formação acontece em umaescola ou em um campus de universidade, pessoalmente ou online, via educação a distância? Existemcondições específicas para se conduzir a formação docente a distância relacionadas à realização de certosobjetivos para a aprendizagem do professor? O caráter e a qualidade da supervisão e do apoio fornecidos aoslicenciandos e estagiários pelos supervisores, alunos da pós-graduação da universidade, são diferentesdaqueles fornecidos pelo corpo docente, doutorandos ou professores auxiliares? Como é que determinadostipos de oportunidades de desenvolvimento profissional para formadores influenciam a formação e asupervisão dada aos alunos (por exemplo, treinamento e apoio para supervisores de estágio)? Que tipo deprofissional, em um curso de formação docente, seria mais eficiente na preparação de professores paratrabalhar em escolas atendendo alunos com desempenho insuficiente?

REALIZAR PESQUISAS SOBRE OS CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO DOCENTE, PRÁTICAS

DIDÁTICAS E ARRANJOS ORGANIZACIONAIS DENTRO DOS CURSOS

Uma terceira área carente de pesquisa é aquela sobre os currículos dos cursos de formação docente, práticasdidáticas e arranjos organizacionais dentro dos cursos. Pouquíssimos trabalhos documentaram a natureza equalidade dos currículos dos cursos de formação docente, a variedade de requisitos, o conteúdo dos cursosde preparação para diferentes níveis de ensino (por exemplo, para o fundamental e médio) e em diferentesdisciplinas (por exemplo, Smagorinsky e Whiting, 1995) e o rigor acadêmico da preparação quando avaliadapor meios tais como análises do programa e das atividades do curso (por exemplo, Steiner e Rozen, 2004).

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Há também a questão sobre as consequências de se organizar o currículo de cursos de formação docente dedeterminadas maneiras. Tom (1997) discutiu os cursos de formação de professores quanto ao seus modelosconceitual e estrutural. Mais pesquisas são necessárias sobre as condições sob as quais diferentes arranjosconceituais e estruturais nos cursos são relacionados a vários resultados. Por exemplo, quais são asimplicações de se organizar a disciplina de Didática como cursos de conteúdos específicos ou como cursosgerais? Quais são as implicações de integrar os conteúdos por meio de temas como multiculturalismo etecnologia em um curso integral em vez de isolá-los em cursos específicos? Quais são as maneiras maisproveitosas de se organizar o ensino de Didática para que as pessoas tenham êxito em diferentes percursosno magistério?

Com exceção dos poucos estudos de caso de cursos que são discutidos neste relatório e em algumaspesquisas de auto-estudo (self-study), sabemos muito pouco sobre a natureza das interações didáticas entreos formadores e seus alunos nas salas de aula de um curso de formação docente. Precisamos de pesquisasque investiguem o processo de formação de professores tanto na sala de aula quanto nas situações desupervisão de estágio. As questões sobre interações didáticas e relações sociais na formação docente queprecisam ser investigadas, incluem: Que visões sobre o conteúdo e sobre as demandas acadêmicas sãoevidentes nos debates de sala de aula de cursos de formação docente? Em que medida os formadoresensinam os futuros professores de maneira coerente com o que eles defendem em suas salas de aula?Como a composição étnica, racial e a classe social das turmas de formação docente influencia as discussõesem sala de aula?

Também precisamos de pesquisas sobre questões organizacionais relacionadas aos cursos de formaçãodocente, tais como aquelas que discutem os efeitos das atividades em grupo sobre a aprendizagem e odesempenho docentes. Quais são os resultados relacionados aos alunos de diferentes perfis(socioeconômicos, raciais, étnicos, etc.) fazendo cursos juntos? Também há questões relativas à delimitaçãodo tempo no tocante ao currículo de formação docente. Com o aumento das propostas alternativas deformação docente, é crítica a questão sobre quais são as consequências de diferentes tipos de preparaçãoantes de os indivíduos se tornarem professores plenamente responsáveis por salas de aula. Em uma partedeste relatório, vimos que os cursos variam de acordo com a natureza e a quantidade de preparação na fasede formação inicial, e que, algumas vezes, quando há mínima ou nenhuma preparação profissional naformação inicial, há um processo de “recuperação do tempo perdido” pelos professores que ocorre duranteo ano e que pode causar perdas acadêmicas para os alunos. Quais são os conhecimentos, habilidades edisposições necessários aos docentes para que sejam encarregados de começar a atuar como professoresem tempo integral?6

São necessárias mais pesquisas estreitamente relacionadas com o estudo das características organizacionaisdos cursos a fim de se elaborar e refinar nossa compreensão sobre as características dos cursos de formaçãodocente referentes ao sucesso em atingir seus objetivos. Em uma parte deste relatório, foram discutidosvários projetos de estudo de caso em grande escala (por exemplo, Darling-Hammond, 2000) queidentificaram características dos cursos que se mostraram mais relacionadas à eficácia dos programas. Muito

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6 O National Academy of Education Teacher Education Committee (Conselho de Formação Docente da

Academia Nacional de Educação) apresentou um relatório que trata dessa questão (Darling-Hammond eBransford, 2005).

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mais pesquisas são necessárias para se compreender essas características e como elas influenciam váriosaspectos da aprendizagem do professor e do aluno.

REALIZAR PESQUISAS SOBRE A VALIDADE PREDITIVA DE CRITÉRIOS DE ADMISSÃO

Uma quarta área na qual a pesquisa é necessária é aquela que diz respeito à validade preditiva dos critériosusados para a admissão nos cursos de formação docente. Quão rigorosamente determinadas medidas depotencial e desempenho acadêmicos (por exemplo, GPA, ACT e SAT7 e testes de professores), aliadas àsqualidades pessoais dos professores em formação inicial (por exemplo, sensibilidade cultural), predizem nãoapenas seu sucesso em diferentes percursos no magistério e nas salas de aula depois de terem completadoseus cursos, como também sua longevidade no magistério, especialmente nas escolas públicas urbanas erurais onde eles são mais necessários? Os estados e as instituições de formação docente criaram políticasde admissão com relativamente pouca evidência sobre o que tais critérios significam em termos tanto derecrutamento de um perfil variado de docentes, quanto da qualidade do desempenho do magistério ao longodo tempo. A pesquisa precisa identificar a relação entre determinados critérios e processos de admissão easpectos da qualidade e permanência do professor, bem como os prós e contras envolvidos na utilização dedeterminados tipos de critérios de admissão (por exemplo, entre o uso de testes padronizados para seleçãoe o recrutamento de professores de diferentes raças e etnias).

REALIZAR PESQUISAS SOBRE OUTROS TÓPICOS NEGLIGENCIADOS

Finalmente, como foi observado neste relatório, há um conjunto de aspectos da formação docente quepermanece praticamente inexplorado pelos pesquisadores e que precisa de cuidadoso estudo. Essesaspectos incluem a natureza e o impacto da formação geral e em conteúdos específicos dos professores, opapel dos fundamentos psicológicos e sociológicos e o impacto de diferentes políticas que afetam aformação docente. Embora a ideia de formação docente como responsabilidade integral da instituição tenhasido defendida em vários relatórios nacionais recentes (American Council of Education, 1999), a pesquisasobre formação docente tem ignorado amplamente o papel da formação geral e em conteúdos específicosdos professores e tem focado mais minuciosamente nas disciplinas de Metodologia de Ensino e estágio.Devido ao fato de que grande parte dos cursos ser feita fora das faculdades e departamentos de educação,por professores já diplomados, tanto alternativamente quanto tradicionalmente, é importante ampliar oescopo da pesquisa para incluir essas áreas negligenciadas.

Também como foi apontado em outra parte deste relatório, apesar dos intensos debates sobre o valor dediferentes formas de responsabilização tais como o credenciamento nacional e diferentes políticas queafetam os programas de formação docente, muito pouca pesquisa tem sido feita sobre o impacto dessaspolíticas. Grande parte da investigação que foi feita (por exemplo, pesquisa sobre testes para professores)está obsoleta (por exemplo, sobre testes que não são mais usados) e é de pouca utilidade no contexto dapolítica atual. Finalmente, quase nenhuma pesquisa tem sido realizada a respeito da formação geral dos

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7 As siglas correspondem aos seguintes testes: Grade Point Averages – GPA (Médias de Rendimento

Acadêmico), American College Testing Exam – ACT (Exame para Faculdades Americanas) e ScholasticAptitude Test – SAT (Teste de Aptidões Acadêmicas). (N. T.)

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professores para eles trabalharem com alunos com deficiências, o que é uma séria omissão devido ao fatode que, atualmente, a maior parte dos professores trabalha com esses alunos.

DESENVOLVENDO UMA INFRAESTRUTURA PARA PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DOCENTE

Grande parte da pesquisa empírica examinada neste projeto envolve pessoas ou pequenos grupos dedocentes estudando aspectos de seus próprios cursos e programas8. Considerando que há vantagens paraessa perspectiva “com informação privilegiada” e local a respeito de formação docente9, há tambémlimitações em uma literatura de pesquisa amplamente baseada em estudos de pequenas amostras de cursose programas avulsos. Não é de estranhar que a maior parte da pesquisa seja realizada em relação a cursos eprogramas de formação docente específicos10. As pesadas cargas horárias dos docentes que fazem otrabalho de formação de professores foram claramente documentadas (por exemplo, Liston, 1995). Essasdiferenças nos encargos didáticos existem não só internamente nas faculdades de educação, como tambémentre as faculdades de educação e outros departamentos da universidade (Schneider, 1987). Cargas horáriasmais pesadas significam que os docentes da formação de professores geralmente têm menos tempodisponível para pesquisa do que muitos outros membros do corpo docente. Grande parte da pesquisa sobreformação inicial é empreendida partindo-se de uma carga horária já bastante cheia (Koehler, 1985).

Não deve ser inferido desses comentários que achamos que a falta de recursos para realizar pesquisa é aprincipal razão pela qual a pesquisa de auto-estudo feita por docentes tem crescido na última década. Muitosdocentes que realizaram pesquisas em seus próprios cursos e programas argumentam que eles sebeneficiam consideravelmente dessas investigações e que esse evidente compromisso com a auto-investigação fornece um modelo para seus alunos. Também argumentam que essas pesquisas do tipo “auto-estudo” resultam em melhorias no seu trabalho como formadores e nos seus cursos de formação (porexemplo, Cochran-Smith, 1994; Hamilton, 1998; Loughran, Hamilton, e Russell, 2004).

Mesmo com essas vantagens, todavia, é importante que seja realizada mais pesquisas que examinem anatureza e o impacto de diferentes componentes da formação docente por meio de diferentes contextosprogramático, institucional e de política estadual. Porque a formação docente está inserida em contextos comdeterminados conjuntos de critérios de admissão, exigências e objetivos do curso, padrões de alocação depessoal, culturas institucionais, políticas estaduais e comunidade demográfica, é importante compreendercomo diferentes contextos afetam a eficácia dos componentes dos cursos, os estágios e determinadas

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8 Algumas, mas não todas as pesquisas feitas por formadores de professores em suas próprias salas de

aula e programas são pesquisas de “auto-estudo” que focalizam as próprias práticas dos docentes.Algumas dessas pesquisas com informação privilegiada, no entanto, envolvem um foco sobre oslicenciandos e o que eles estão ou não estão aprendendo em seus cursos e não incluem um foco sobre aspróprias práticas dos docentes.9

Foi argumentado (por exemplo, por Cochran-Smith e Lytle, 1993) que pessoas com informaçõesprivilegiadas podem esclarecer aspectos da prática de ensino que não são acessíveis a pesquisadores defora.10

Koehler (1985) se refere a essa pesquisa como “pesquisa de iniciativa própria”.

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estratégias de formação que são utilizadas nesses componentes. Não podemos supor que a evidência sobrepráticas bem sucedidas em um cenário com um determinado grupo de docentes, ou em um tipo de percursono magistério, seja significativa em outros tipos de cenários.

RECURSOS PARA PESQUISA

É claro que, exceto para estudos que focam o ensino de Matemática e Ciências, os recursos para apoiar apesquisa sobre formação docente são extremamente limitados. Como Lagemann (1999) ressaltou, ofinanciamento básico para a pesquisa educacional em geral é “perigosamente insuficiente”. Referindo-se aum relatório do Presidente do Painel de Educação e Tecnologia (Painel, 1997), ela argumentou que aporcentagem do gasto com educação que é investida em pesquisa e desenvolvimento é muito menor queas proporções de gasto que são investidas em outras áreas, tais como prescrição e não prescrição demedicamentos. Os recursos investidos em pesquisa educacional escassearam e a pesquisa em formaçãodocente recebeu somente uma pequena proporção daquele rateio.

Essa falta de investimento na pesquisa sobre formação docente teve consequências visíveis. Por exemplo,o descuido para com áreas de conteúdo diferentes da Matemática e Ciências na pesquisa examinada nesteprojeto pode, em parte, ser explicado pela falta de financiamento de pesquisa nessas outras áreas. Tempo efinanciamento limitados também explicam porque a pesquisa existente sobre como a formação docenteinfluencia crenças e atitudes tende a utilizar pequenas amostras e a se concentrar nos efeitos de curto-prazo.Isso também explica a confiança em avaliações do magistério que não envolvem observação direta do ensinopelos pesquisadores durante ou depois do término do curso. A maior parte da pesquisa em formação docentenão é financiada por agências externas e essa falta de acesso ao financiamento tem influenciado visivelmentea pesquisa nesse campo.

Como foi apontado em uma parte deste relatório, durante três décadas o governo federal apoiou os centrosnacionais de pesquisa sobre formação docente, primeiro na Universidade do Texas (1965-1986) e depois naUniversidade Estadual de Michigan (1986-1995). Desde que o Center for Research on Teacher Learning 11 naUniversidade Estadual de Michigan fechou suas portas, em 1995, houve apenas uns poucos estudos degrande escala sobre formação docente patrocinados por fundações privadas ou agências externas tais comoos estudos de caso da NCTAF sobre cursos exemplares de formação docente (Darling-Hammond, 2000). Nosúltimos anos, o governo federal se afastou do seu papel de apoio à pesquisa sobre formação docente. Umimportante requisito para levar adiante a pesquisa sobre formação docente é prover os recursos que sãonecessários para sustentar uma ambiciosa agenda de pesquisa. Tanto o governo federal como as fundaçõesprecisam desempenhar um papel mais ativo no apoio a uma variedade de diferentes tipos de pesquisa sobreformação docente. Esse maior apoio deveria ser direcionado para determinados temas e tipos específicos deestudos que provavelmente produzirão grandes benefícios. Depois da discussão sobre a formação dospesquisadores, da avaliação da pesquisa por pares e das redes de pesquisa, recomendaremos certas áreasna nossa agenda de pesquisa visando novos financiamentos e o redirecionamento de financiamentosexistentes.

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11 Centro de Pesquisa sobre a Aprendizagem do Professor. (N. T.)

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O PROCESSO DE AVALIAÇÃO POR PARES

Além da necessidade de mais recursos para pesquisa, há também a necessidade de se repensar como osestudos são avaliados para publicação. Grande parte dos estudos que são citados em pesquisas do tipo“estado do conhecimento” sobre formação docente (por exemplo, nos dois Handbooks of Research onTeacher Education) ou não foi publicada ou não foi submetida à revisão por pares. Isso inclui numerosostrabalhos apresentados em conferências, dissertações e artigos publicados em periódicos não revistos porpares. Mesmo com a eliminação dessas investigações e com nosso foco limitado aos estudos revistos porpares, examinamos pesquisas que não descreviam adequadamente os contextos nos quais foram realizadas,as características dos alunos trazidos para os cursos de formação de professores e a natureza das escolasonde os egressos desses cursos lecionaram.

A pesquisa empírica sobre a natureza e os efeitos de diferentes abordagens para formar professores é,obviamente, apenas um aspecto do conhecimento acadêmico sobre a formação docente. Embora asrecomendações metodológicas feitas neste relatório possam não ser apropriadas para alguns tipos depesquisa sobre formação docente, tais como pesquisa conceitual, histórica e comparativa, ou para estudosque são basicamente voltados para aperfeiçoar a prática em um cenário local, recomendamos firmemente ofortalecimento do processo de revisão por pares para os estudos empíricos que procuram contribuir paranosso conhecimento coletivo sobre a formação docente, tanto para publicação em revistas acadêmicas,quanto em livros distribuídos por editoras comerciais e universitárias.

Uma maneira de fazer isso é conseguir revisores com uma orientação mais clara do que é comum agorasobre os tipos de coisas que devem estar presentes na pesquisa empírica para que ela seja publicada. Alémde chegar a um consenso dentro da comunidade de pesquisa de formação docente sobre os padrões geraispara uma boa pesquisa, como aqueles propostos pelo novo National Research Council Committee onScientific Research in Education 12 (Shavelson e Towne, 2002) e aqueles discutidos neste artigo – tais comoa descrição completa das condições sob as quais os resultados foram produzidos e situando a pesquisa emrelação aos referenciais teóricos – esses padrões deveriam ser mais precisamente especificados nasinstruções aos revisores.

Embora reconheçamos a limitação de espaço em revistas impressas, precisamos encontrar maneiras depossibilitar aos pesquisadores incluírem a informação necessária em seus relatórios de pesquisa para que osleitores possam julgar se os resultados são corroborados por evidências. A publicação de pesquisa empíricasobre formação docente em formatos eletrônicos revistos por pares deveria ser explorada como umamaneira de chamar a atenção para o problema da limitação de espaço nas revistas impressas. ComoSchulman (1999) ressaltou, o saber disciplinado que satisfaz a padrões academicamente rigorosos, ainda queflexíveis, é necessário se a pesquisa vai ser confiável e útil para outros pesquisadores, profissionais egestores.

Mesmo que os pesquisadores sobre formação docente, individualmente, possam não ter tempo e recursospara realizar estudos de grande amostra ou multi-institucional que envolvam a observação direta do ensinodurante e depois do curso de formação docente que está sendo investigado, há maneiras de aprimorar a

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12 Comissão de Pesquisa Científica em Educação do Conselho Nacional de Pesquisa (N. T.)

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qualidade da pesquisa. Os pesquisadores podem fazer um melhor trabalho descrevendo os alunos deLicenciatura e os componentes de formação docente que estão sendo investigados bem como os contextosdo curso, institucional e das políticas estaduais nos quais a preparação está inserida. Estudos que descrevemo uso de determinadas estratégias de formação precisam descrever a maneira como essas estratégias sãoconceitualizadas e utilizadas com os alunos. Os pesquisadores também podem melhor utilizar os protocolose instrumentos de pesquisa usados por outros pesquisadores e definir seus termos de modo que eles sejamconsistentes em um determinado programa de pesquisa.

A FORMAÇÃO DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO

A preparação e treinamento de pesquisadores educacionais em programas de pós-graduação é uma questãoque tem sido muito discutida e debatida atualmente (por exemplo, Pallas, 2001; Schoenfeld, 1997; SiddleWalker, 1999; Young, 2001). Embora tenham sido feitos esforços para melhorar a qualidade da formação dopesquisador em Educação, muito pouco desse esforço tem sido focalizado na pesquisa sobre formaçãodocente. Por exemplo, a Fundação Spencer tem implementado numerosos programas de subvençãoinstitucional ou pessoal voltados para a promoção de pesquisa educacional de alta qualidade, tais como suasbolsas de estudo para o desenvolvimento de teses de doutorado, qualificação para o doutorado e pesquisasde pós-doutorado, e seus programas institucionais Research Training Grant Program e Discipline-BasedScholarship in Education Program.13 Um exame do relatório anual da Fundação Spencer que lista os estudosde pesquisa financiados por seus programas de subvenção mostra claramente que a pesquisa sobreformação docente não tem sido uma prioridade de financiamento 14. Como foi mencionado anteriormente,desde 1995 o governo federal não patrocina um centro de pesquisa que esteja focado em formação docentee aprender a ensinar.

É opinião do nosso painel que se vier a acontecer uma significativa melhora no campo da pesquisa sobreformação docente, maiores investimentos devem ser feitos na formação de pesquisadores, no financiamentode estudos que desenvolverão nosso conhecimento sobre a formação de professores e no fortalecimento doprocesso por meio do qual os resultados de pesquisa são checados. Concentrar uma parte dos programas deformação de pesquisadores – como o Research Training Grant Program, da Fundação Spencer – na pesquisasobre formação de professores é uma maneira de prover suporte adicional para os pesquisadores daformação docente. Esses programas muitas vezes fornecem aos estudantes experiências cuidadosamenteestruturadas em projetos de pesquisa acadêmicos e seminários interdisciplinares que ajudam a ampliar apreparação dos estudantes além de suas próprias áreas de especialidade. A participação nessas atividadesinterdisciplinares ajuda os pesquisadores em formação a compreender a complexidade dos assuntos depesquisa na medida em que eles interagem com pares que vêem os assuntos por meio de diferentes lentesdisciplinares. Além da Fundação Spencer, outras importantes fundações com interesse na qualidade da

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13 Até hoje, a Fundação Spencer investiu nos seus Research Training Grant Programs, em doze

universidades de pesquisa americanas, e, em cinco instituições de ensino superior, no seu Discipline-BasedScholarship in Education Program.14

Deveria ser ressaltado que, em um programa de apoio à pesquisa geral, como o da Fundação Spencer, obaixo número de pesquisas sobre formação docente financiadas é, em parte, uma consequência do tipode propostas que são submetidas.

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educação pública americana, como a Annenberg, Carnegie, Ford, Gates, Hewlett, Rockefeller e MacArthur,deveriam fazer novos investimentos direcionados à formação de pesquisadores educacionais que estarãoligados às questões de formação de professores e no tipo de pesquisa delineada neste artigo. Porque há umaquantidade limitada de competência em pesquisa que pode ser conseguida pelos pesquisadores durante suaformação de doutorado, parte desse apoio para a formação de pesquisadores deveria ser concentrada nasbolsas de pós-doutorado que permitem a recém-doutores trabalharem em projetos de pesquisa compesquisadores mais experientes e expandirem seus repertórios de habilidades de pesquisa (Grossman,2004).

A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DOCENTE: PARCERIAS DE

INVESTIGAÇÃO

Como foi mencionado em uma parte deste documento, o Conselho Nacional de Pesquisa (NRC)recentemente publicou um relatório sobre a pesquisa educacional que propunha o desenvolvimento de“Parcerias Estratégicas na Pesquisa” (Donavan, Wigdor, e Snow, 2003) que envolvem equipes colaborativasde profissionais e pesquisadores trabalhando em programas de pesquisa coerentes e altamente focados.Embora a proposta para três redes iniciais sobre aprendizagem e ensino, escolas como organizações epolíticas educacionais e o volume como um todo não dê muita atenção à formação docente, fomos atraídospelas ideias esboçadas neste relatório como uma maneira de construir maior capacidade da pesquisa sobreformação docente.

Atualmente, estão em andamento vários projetos que envolvem redes de formadores de professores e depesquisadores estudando aspectos de seus próprios e de outros cursos de formação docente. Esses incluemo projeto Teachers for a New Era (TNE; Carnegie Corporation, 2004), o estudo New York City Pathways (Boydet al., 2003), um estudo multi-institucional em Massachusetts (Maloy, Pine, e Sideman, 2002) e o OhioPartnership for Acoountability (Ohio Theacher Quality Partnership, 2005). Embora esses projetos difiram entresi de maneiras significativas e estejam em diferentes estágios de desenvolvimento, todos eles envolvemredes de formadores de professores e de pesquisadores perseguindo agendas de avaliação focalizadas naformação docente e em suas ligações com resultados, incluindo a aprendizagem dos alunos. Protocolos depesquisa estão sendo desenvolvidos e serão partilhados por meio dessas redes, de modo que outrospesquisadores possam utilizá-los. Cada iniciativa inclui cursos de formação docente em múltiplas instituições.Esses projetos objetivam aperfeiçoar a formação docente fazendo com que ela se torne mais atenta àevidência e efetue avaliação interna sistemática para cursos de formação de professores.

Além dessas iniciativas especiais, exige-se que cada curso de formação docente nos Estados Unidos realizealguma forma de auto-estudo e exame de acompanhamento de graduação para aprovação pelo programaestadual, credenciamento nacional ou pela exigência de prestação de contas do Higher Education Act 15. Alémdisso, muitas faculdades e universidades exigem avaliação regular e revisão de todos os cursos acadêmicos,inclusive o de formação docente. Em um caso recente, o sistema de uma universidade estadual começou a

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15 O Higher Education Act, de 1965, é um Decreto do Congresso dos Estados Unidos assinado para fortalecer

os recursos destinados às faculdades e universidades e prover auxílio financeiro aos alunos. (N. T.)

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coordenar a coleta de dados sobre formação docente e seu impacto (California State University, 2001). Os dadosacumulados nesse esforço de auto-investigação apresentam muito potencial para a construção de umabrangente banco de dados nacional para a pesquisa sobre formação docente. Muitos desses esforços de auto-estudo de cursos de formação geralmente revelam os problemas que existem na literatura formal de pesquisae falham ao lidar com a complexidade envolvida em explicar as influências sobre os resultados dos professorese alunos. Na maioria dos casos, esses relatórios de credenciamento e auto-estudos não nos permitem distinguirentre os efeitos dos cursos de formação docente e aqueles dos atributos individuais ou fatores contextuais. Paraos formadores de professores e outros, é importante começar a tirar proveito do potencial de pesquisa dessesexames e avaliações de curso e preservar os dados produzidos para posterior utilização por outrospesquisadores. Concordamos com a recomendação de Shulman (2004) de que programas de pesquisa de longoprazo deveriam ser inseridos em cursos de formação docente contínuos.

Os dados sobre variações de programa que fazem parte desses auto-estudos e das revisões externas incluem:características dos alunos que começam e completam vários tipos de cursos de formação docente, exigênciasdo currículo e informação sobre quem leciona os professores em formação. Há uma necessidade de informaçãomais precisa e atualizada sobre diferentes tipos de programas em diferentes regiões do país. Esses bancos dedados (por exemplo, sobre os perfis demográficos e de qualidade dos professores e sobre as exigências deconteúdo e duração de determinados cursos de formação docente) podem ser usados pelos pesquisadores paraligar determinadas características dos professores em formação com uma variedade de resultados.

No passado, a American Association of Colleges for Teacher Education (AACTE) 16 compilou dados desse tipo noseu relatório Research About Teacher Education – RATE 17 (Howey, 1997; Lee e Yarger, 1990). Cada um dessesrelatórios concentrava-se em determinados aspectos da formação docente, tais como os estágios, o corpodocente e as exigências do curso. O que é preciso agora é a construção de bancos de dados nacionais maisabrangentes sobre os alunos das Licenciaturas, os formadores de professores, o currículo e as estratégias deformação. Esses bancos de dados incluiriam informações sobre coisas como quem são os professores emformação, onde eles lecionam, quanto tempo eles permanecem e a qualidade de aprendizagem de seus alunos.É importante que esses dados sejam atualizados regularmente de modo que a informação reflita corretamentea realidade atual da formação de professores nos Estados Unidos.

A questão de quem coordenaria a organização desses bancos de dados é importante. A American Associationof Colleges for Teacher Education (AACTE) inclui somente cerca de 780 dos aproximadamente 1.300 cursos deformação docente, em faculdades ou universidades. Há um número crescente de cursos de formação inicialadministrados por secretarias municipais e estaduais de educação e por empresas. Uma possibilidade écoordenar a compilação desses dados por meio das secretarias estaduais de educação que aprovam todos oscursos de formação docente em seus estados (inclusive as propostas alternativas de formação) e de seu grupogeral, o The National Association of State Directors of Teacher Education and Certification (NASDTEC) 18. Outraspossibilidades são o National Center for Educational Statistics, ou a Education Commission of the States 19

assumirem a função de compilar dados sobre os cursos de formação docente fornecidos pelas secretariasestaduais de educação.

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16 Associação Americana das Faculdades de Formação de Professores. (N. T.)

17 Pesquisa sobre Formação de Professores. (N. T.)

18 Associação Nacional de Diretores Estaduais de Formação e Certificação de Professores. (N.T.)

19 Centro Nacional de Estatística Educacional, Comissão Educacional dos Estados (N. T.)

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Esforços coordenados para realizar agendas de pesquisa sobre formação docente coerentes e focadas pormeio das parcerias entre pesquisadores e profissionais apresentam muitas vantagens sobre a pesquisa maislocal que tem dominado a área. Embora ainda vejamos um lugar para pesquisadores individuais no panoramageral da pesquisa sobre formação docente, gostaríamos de ver mais redes de pesquisadores-profissionaisdesenvolvidas como aquelas anteriormente mencionadas. A pesquisa que lida com as complexidades daformação de professores muitas vezes é cara e demorada. Acreditamos que a associação de recursos epesquisadores na forma de parcerias profissionais-pesquisadores ajudará a levar a formação docente para olugar onde ela possa lidar mais adequadamente com as complexidades de estudar as relações entreformação de professores e resultados educacionais. Também ajudará no trato das limitações de estudos deamostras de pequeno tamanho em cursos individuais de formação docente e salas de aula. Auto-estudos eestudos de caso de pequena amostra têm um importante papel a desempenhar no panorama da pesquisasobre formação de professores, mas também precisamos ter mais estudos que envolvam múltiplosprogramas de formação docente e amostras de tamanhos maiores. Como foi ressaltado anteriormente nesterelatório, acreditamos que essa combinação de estudos de pequenas e grandes amostras nos permitirámelhor compreender os padrões mais amplos que existem na relação entre a formação docente ou seuscomponentes e diferentes resultados e as nuances e complexidades desses padrões em diferentescontextos.

A formação de mais parcerias de pesquisa no estudo da formação docente vai contra o fluxo da realizaçãoindividual que domina a cultura da educação superior dos Estados Unidos (Gumport, 1997; Lagemann, 2000).Para que a ideia de parcerias de pesquisa seja realizada em um grau que tenha um considerável impacto napesquisa sobre formação docente, precisarão ocorrer mudanças culturais na academia, que encorajem oengajamento em pesquisa colaborativa de parcerias, como aquelas descritas anteriormente.

CONCLUSÃO

Apesar dos muitos problemas que observamos na pesquisa existente sobre formação inicial de professoresnos Estados Unidos, há razões para ser otimista em relação ao futuro. Acadêmicos de uma variedade dedisciplinas estão realizando mais pesquisas que nunca sobre a formação docente. Mais formadores deprofessores estão examinando cuidadosamente suas práticas e tentando aperfeiçoar seu trabalho, baseadosem auto-estudos. Formadores de professores e gestores reconhecem a importância de avançar para umasituação na qual as decisões sobre os cursos de formação de professores e as políticas que afetam aformação docente sejam propostas com maior confiança, com base na consulta a evidências de pesquisa.

A pesquisa sobre formação docente é um campo de estudo relativamente novo que recorre a muitasdisciplinas diferentes e responde a um contexto político em evolução (Zeichner, 1999). Apesar dos problemascom a pesquisa, observados e explicados neste relatório, o campo está evoluindo positivamente. Não apenasjá aprendemos algumas coisas importantes dessa pesquisa que é detalhada nos textos deste documento,como também este trabalho identificou as principais dimensões que precisam ser levadas em consideraçãopara compreender como a formação de professores contribui para a realização de determinados resultadoseducacionais. Podemos ver mais claramente agora que abordagens devem ser feitas para responder aoconjunto de importantes questões sobre a formação docente.

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Devido ao escopo da agenda de pesquisa proposta neste artigo, alguém poderia legitimamente perguntar:onde devo começar? Há diversas peças críticas daquilo que recomendamos que deveriam receber atençãoprioritária na alocação de novos recursos para a pesquisa sobre formação de professores. Em primeiro lugar,a construção do banco de dados nacional, atualizado e específico, detalhando informação sobre quem entranos diversos tipos de curso de formação inicial, os requisitos do currículo nesses cursos e onde os graduadospor vários cursos lecionam e por quanto tempo permanecem, é o lugar lógico para direcionar imediatamentenovos recursos. Já existem muitos dados sobre formação docente por aí afora, que precisam sercoordenados e disponibilizados para os pesquisadores. A pesquisa intensiva em bancos de dados construídossobre amostras representativas de cursos de formação docente também seria útil para a área.

Um segundo lugar a ser focado inicialmente são as fundações e as agências de financiamento do governo,para que sejam feitos investimentos estratégicos em alguns dos estudos que são propostos neste artigo.Comparações sistemáticas de diferentes alternativas na formação docente, tais como o atual estudo nacidade de Nova York (Boyd et al., 2003) e estudos de caso em profundidade que visam esclarecer comodeterminadas características dos cursos de formação influenciam resultados educacionais para professorese alunos (por exemplo, Darling-Hammond, 2000) têm especial necessidade de apoio por causa de seu altocusto.

Uma terceira área de prioridade imediata é concentrar parte dos esforços hoje dirigidos para melhorar apreparação de pesquisadores sobre educação em geral, na formação de pesquisadores sobre formaçãodocente. Novos programas de pós-graduação para apoiar o treinamento de futuros pesquisadores deveriamser iniciados ao longo das linhas de subvenção do programa de treinamento de pesquisa da FundaçãoSpencer e das bolsas de pós-doutorado da National Academy of Education Spencer. Uma parte dessesesforços deveria ser dirigida para a formação de uma nova geração de pesquisadores educacionaisinteressados em estudar questões críticas na formação de professores.

Finalmente, deveriam ser feitos esforços imediatamente para prover orientações mais detalhadas para osrevisores de pesquisa nas principais revistas sobre formação docente que são avaliadas por pares, de modoque as preocupações metodológicas descritas neste relatório sejam tratadas no processo de revisão porpares. Devido à limitação de espaço em revistas submetidas à revisão por pares, deveriam ser feitos esforçospara explorar as possibilidades do maior uso da publicação eletrônica de relatórios de pesquisa, de modo queos pesquisadores sejam capazes de incluir a informação necessária sobre métodos de pesquisa e contextos.

Há ampla concordância de que a pesquisa sobre formação docente tem tido muito pouca influência nadefinição de políticas e na prática em cursos de formação de professores. Tanto os formadores deprofessores quanto os gestores empreendem seu trabalho de delinear e aperfeiçoar políticas e cursos semmuita consideração ao tipo de pesquisa examinada neste relatório. Houston (1990) argumentou, no primeiroHandbook of Research on Teacher Education, que cada instituição de formação docente redescobre suamelhor maneira de formar professores com pouco ou nenhuma atenção em relação a outras instituições ouà literatura de pesquisa. Um objetivo fundamental do trabalho apresentado neste relatório é nos levar maisperto do mundo em que tanto os formadores de professores quanto os gestores consultem regularmente eencontrem orientações úteis em uma literatura de pesquisa que trate de suas preocupações mais profundassobre a formação de professores para as escolas de nosso país.

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Esperamos que nosso trabalho, ao longo dos últimos quatro anos, examinando a pesquisa discutida nesterelatório, nossas recomendações para uma agenda de pesquisa para a área e nossas sugestões para ofortalecimento das infraestrutura para pesquisa, venham a contribuir para uma vigorosa discussão e debatesobre como a pesquisa pode melhor informar a prática, a política e a nova pesquisa relacionada à formaçãodocente. Não deve ser esquecido, entretanto, que a pesquisa empírica é apenas um meio pelo qual podemosdeterminar a importância da formação docente. Além da discussão e do debate sobre pesquisa de formaçãodocente, devemos continuar a discutir sobre as questões morais, éticas e políticas que fornecem a âncorapara o trabalho de formação de professores.

Embora a pesquisa possa esclarecer quais elementos e tipos de formação docente têm êxito e de quemaneira e sob que condições trabalham para alcançar determinados objetivos (Fenstermacher, 2002), ela nãopode nos dizer quais objetivos devemos alcançar. Devido às diferentes visões sobre os propósitos daformação docente e o papel da educação na nossa sociedade que fundamentam propostas para a reforma daformação docente nos nossos dias (por exemplo, Cochram-Smith e Fries, 2001; Zeichner, 2003), devemoscontinuar a discutir e debater abertamente o papel da formação de professores numa sociedade democráticacomo a dos Estados Unidos.

Recebido em junho de 2009 e aprovado em agosto de 2009.

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A produção acadêmica sobre formação de professores:um estudo comparativo das dissertações e tesesdefendidas nos anos 1990 e 2000

Marli E. D. A. André1

RESUMO

Este texto faz uma síntese integrativa da produção acadêmica dos pós-graduandos na área de educação entre1999 e 2003, com base nos resumos disponíveis no Banco de Dados da CAPES. Compara, ainda, os dadosdas dissertações e teses defendidas no período 1990-1998 com os do período 1999-2003. Os resultadosmostram que cresceu o interesse pelo tema formação de professores: nos anos 1990, eram 6% do total detrabalhos da área da educação que abordavam o tema; nos anos 2000, o percentual passa a 14%. A maiormudança observada no período foi no foco das pesquisas: de 1990 a 1998, a grande maioria dos estudos(72%) se debruçava sobre os cursos de formação inicial, já nos anos 2000, a maior incidência (41%) estavana temática da identidade e profissionalização docente. Também houve mudança na metodologia dapesquisa: nos anos 1990 predominava o microestudo, nos anos 2000, o depoimento oral. O que se manteveconstante nas pesquisas dos anos 2000, em comparação com as dos anos 1990 foi o quase esquecimentode certas temáticas como a dimensão política na formação do professor; condições de trabalho, plano decarreira e sindicalização, questões de gênero e etnia e a formação do professor para atuar na educação dejovens e adultos, na educação indígena e em movimentos sociais.

PALAVRAS-CHAVE: formação de professores; pesquisas; estado do conhecimento

1 Professora do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP).

ARTIGOS

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Academic Production on Teacher Education: a Comparative Studyof Dissertation and Thesis in Education in the 1990’s and 2000’s

ABSTRACT

This paper reviews the academic production of graduate students in Education between 1999 and 2003,based on the dissertation and thesis abstracts available in the Database of CAPES. It also compares theacademic production of two periods: 1990-1998 and 1999-2003. The results show increased interest inteacher education: in the nineties there were 6% of total production in the area of education that addressedthis topic, whereas in 2000, the percentage turns to 14%. The major change was the focus of the studies:from 1990 to 1998 most studies (72%) referred to pre-service teacher education programs, but in the 2000’s,the highest incidence (41%) was on the topic of teacher identity and professionalization. There were alsochanges in the research methodology: in the nineties most of the studies could be labeled as micro-studies,whereas in the years 2000, most of them were oral testimony. What remained constant in the two periodswas the absence of studies dealing with topics such as the political dimension of teacher education, teachersworking conditions, career plan, labor union movements; as well as the discussion of issues like gender andethnicity and the teacher preparation to work with adults and young people, with indigenous and in the socialmovements.

KEY-WORDS: Teacher Education; Research on Teacher Education; State of Knowledge

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A produção acadêmica sobre formação de professores:um estudo comparativo das dissertações e tesesdefendidas nos anos 1990 e 2000

Marli E. D. A. André

Estudos do tipo “estado do conhecimento”, que fazem uma síntese integrativa da produção acadêmica emuma determinada área do conhecimento e em um período estabelecido de tempo, têm sido muito úteis aorevelar temáticas e metodologias priorizadas pelos pesquisadores, fornecendo importantes elementos paraaperfeiçoar a pesquisa num determinado campo do saber.

Esses mapeamentos são fundamentais para acompanhar o processo de constituição de uma área doconhecimento, porque revelam temas que permanecem ao longo do tempo, assim como os que esmaecem,os que despontam promissores e os que ficam totalmente esquecidos. O material que serve de base paraesses mapeamentos, isto é, aquilo que constitui o corpus sobre o qual é elaborada a síntese integrativa –relatórios de pesquisa, artigos de periódicos, textos apresentados em eventos científicos – é submetido a umolhar crítico que permite identificar redundâncias, omissões, modismos, fragilidades teóricas emetodológicas, que se adequadamente consideradas e corrigidas, contribuem para o reconhecimento dostatus científico da área e aumentam sua credibilidade junto à comunidade acadêmica/científica.

Charlot (2006) nos instiga a fazer esse esforço analítico/sintético em relação à grande área da educação. Aodiscutir a necessidade de definir a especificidade da educação como campo de conhecimento e de pesquisa,Charlot (2006) argumenta que é preciso registrar a memória da pesquisa em educação, o que requer aelaboração de sínteses integrativas da produção científica, para que se evite a dispersão, a repetição detemas e metodologias e para que se encontrem alguns pontos de partida que ajudem a melhor defini-la.

Antes, porém, que se alcance esse objetivo em relação à grande área de educação, pode-se fazer tentativasde mapeamentos das sub-áreas de conhecimento. É o que se pretende ao focalizar, neste texto, a produçãocientífica referente ao tema da formação de professores. Objetiva-se atualizar um mapeamento anterior emque foram analisadas as dissertações e as teses defendidas nos programas de pós-graduação em educaçãodo país no período de 1990 a 1998 (ANDRÉ, 2000).

Neste texto, são apresentados e discutidos os resultados da análise da produção dos pós-graduandos noperíodo de 1999 a 20032, comparando-os com os do levantamento anterior. Buscou-se verificar se houvemudanças nos temas priorizados, emergentes e silenciados, assim como nas tendências teóricas emetodológicas das pesquisas.

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2 Ver dissertação de Mestrado de Roberta R.M.Andrade (2006)

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As questões que nortearam a análise da produção acadêmica do final dos anos 1990 e início dos anos 2000foram: Quais temas e subtemas são mais frequentes nos estudos sobre formação de professores? Em quaisautores e referenciais os discentes se apoiaram para fundamentar suas pesquisas? Quais as metodologias etécnicas de coleta de dados utilizadas nesses estudos? Que tendências ficam mais evidentes? Quais astemáticas que emergem e quais as esquecidas?

Para a constituição do corpus de análise foram selecionados os resumos das dissertações e teses,disponíveis no Banco de Dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).O indicador de busca dos resumos foi a palavra-chave utilizada pelos próprios autores das pesquisas, porquejulgou-se que são os mais habilitados para identificar seu estudo. Foram consideradas as seguintes palavras-chave: “formação de professores”, “formação docente”, “formação inicial”, “formação continuada”,“prática docente”, “professor”, “formação de alfabetizadores”, “condição de trabalho docente”,“representação” (do professor), “trabalho docente”, “identidade docente”, e “formação pedagógica”.

A análise do conteúdo dos resumos foi realizada por um grupo de cerca de doze pesquisadores, com baseem uma ficha que continha as seguintes informações: título, autor, instituição, data de defesa, objetivos,metodologia e resultados. Numa primeira fase, o grupo debateu exaustivamente as categorias ou os eixosanalíticos até que todas as dúvidas ficassem esclarecidas. Em seguida, as fichas foram distribuídas entre ospesquisadores, que, individualmente, procuraram classificar as pesquisas de acordo com as categorias. Asdúvidas de enquadramento eram levadas para as reuniões do grupo onde eram discutidas até que sechegasse a um consenso. Essa conjugação da análise individual com a discussão coletiva foi fundamental,pois, em muitos casos, era bastante difícil decidir qual era o tema principal ou a metodologia da pesquisa.Acreditamos que a ratificação do coletivo é uma forma muito potente de validação das análises.

CATEGORIAS DE ANÁLISE

Como havia intenção de comparar os dados das dissertações e teses defendidas no início dos anos 2000 comas dos anos 1990, foram mantidas as categorias de análise utilizadas no mapeamento anterior (ANDRÉ,2000): formação inicial, formação continuada, formação inicial e continuada, identidade e profissionalizaçãodocente, tendo-se acrescentado a categoria políticas de formação que se mostrou emergente.

A seguir, serão brevemente descritas as categorias e o referencial teórico que ampararam a análise dasproduções científicas dos pós-graduandos.

As pesquisas classificadas como formação inicial são as que focalizam os cursos de licenciatura, pedagogiaou normal de nível médio ou superior. Abordam questões referentes ao currículo, à estrutura ou à avaliaçãodo curso, ao ensino de uma disciplina (geralmente da área pedagógica), ao professor ou ao aluno do curso.

É na formação inicial que o futuro docente deve adquirir as bases para “poder construir um conhecimentopedagógico especializado”, diz Imbernón (2002, p.65). E o autor explica que isso significa que os cursos deformação devem fornecer aos futuros docentes uma bagagem sólida nos âmbitos científico, cultural,psicopedagógico e pessoal, que lhes permita “assumir a tarefa educativa em toda sua complexidade, atuandoreflexivamente com a flexibilidade e o rigor necessários” (p.60).

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Formar, em sentido amplo, significa desenvolver; portanto, formação pressupõe continuidade. Nesse sentido,a formação inicial é um momento importante na socialização profissional, mas o aprendizado da docênciadeve seguir um longo caminho de educação continuada.

Apoiada em alguns autores, mas sobretudo em sua própria experiência de formadora, Christov (2003) nosauxiliou a compreender a categoria formação continuada. De acordo com essa autora, os programas deformação continuada possibilitam o desenvolvimento profissional e a atualização dos conhecimentosdocentes e, ao propiciarem reflexão crítica sobre a prática, favorecem uma atuação profissional mais alinhadaaos novos tempos. No seu entendimento, a formação continuada envolve diferentes ações: seminários,congressos, cursos, orientações técnicas, estudos individuais, ou horário de trabalho pedagógico coletivo(HTPC). Para a autora, um programa de formação continuada pressupõe um contexto de atuação, acompreensão de que não será a responsável exclusiva pelas transformações necessárias à escola, econdições para a viabilização de suas ações (vontade política por parte de educadores e governantes,recursos financeiros e organização do trabalho escolar).São esses processos intencionais dedesenvolvimento profissional que foram considerados na categoria formação continuada.

Outra categoria que orientou o enquadramento das pesquisas foi formação inicial e continuada, que reuniuos estudos sobre a formação e certificação dos professores leigos em exercício.

Na categoria identidade e profissionalização docente foram incluídos os estudos que focalizavam o professore sua ação; abrangendo, assim, aspectos como: identidade; concepções, representações, saberes e práticasdos docentes; condições de trabalho, organização sindical, plano de carreira e profissionalização.

Com Luna e Batista (2001), buscamos esclarecer o conceito de identidade e, em um texto de Gatti (1996),encontramos contribuição mais direcionada para a problemática dos docentes. Luna e Batista afirmam que“nossa identidade é formada por aquilo que percebemos ser (nossa autoimagem), por aquilo que os outrospercebem quem somos e, também, por aquilo que percebemos sobre o que os outros percebem a nossorespeito” (p. 46). Segundo Gatti (1996, p. 88), os professores constroem suas identidades profissionais noembate do cotidiano nas escolas, com base em suas vivências que são marcadas por sua condição de classesocial, de gênero, de raça. A identidade, segundo a autora se constrói e não é dada e é respaldada pelamemória quer individual, quer social.

O autor que serviu de referência para analisar as relações entre formação e profissionalização docente foiNóvoa (1992), que destaca três dimensões distintas, mas interdependentes, na formação de professores: odesenvolvimento pessoal, o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento organizacional. O autorargumenta que a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que favoreça um pensamentoautônomo e facilite uma dinâmica de autoformação participada. E complementa “estar em formação implicaum investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista àconstrução de uma identidade que é também uma identidade profissional” (p. 25). O autor defende aindapráticas de formação que levem em conta dimensões coletivas, que possam contribuir para a emancipaçãoprofissional e para a autonomia dos docentes. Também não deixa de enfatizar que é necessário articular aformação dos professores com os projetos das escolas. E insiste que deve haver mudanças não só na pessoado professor, mas também no seu local de trabalho, ou seja, nos contextos organizacionais.

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O QUE REVELAM AS PESQUISAS DOS ANOS 2000

A análise do conteúdo dos resumos mostrou que o interesse dos pós-graduandos pelo tema formação deprofessores cresceu muito ao longo dos anos (Tabela 1): passa de 11% para 16% em apenas cinco anos!

Na distribuição regional, verificou-se que a região Sudeste manteve a maior proporção das pesquisas, com54%, a região Sul ficou com 25%, as regiões Norte e Nordeste com 12% e a região Centro-Oeste com 9%.A região Sudeste concentra o maior número de programas de pós-graduação, muitos com linha de pesquisasobre formação de professores, o que explica o maior percentual.

Temas e Subtemas

A tabela 2 (anexo) mostra a distribuição dos temas e subtemas abordados nas pesquisas dos pós-graduandos. O tema identidade e profissionalização docente foi o que reuniu o maior percentual de trabalhos,ou 41%; seguido de formação inicial, 22%; formação continuada, 21%; política de formação, 4%; e formaçãoinicial e continuada, com 3%. Os restantes 9% foram reunidos no grupo que foi denominado outros.

Na categoria Identidade e profissionalização docente foram incluídas 481 pesquisas que focalizavam oprofessor e sua ação docente. Dessas, 62 trataram de questões de identidade, ou seja, processos deconstituição da identidade docente, histórias de vida e da profissão. Dos 303 estudos que trataram deconcepções, representações, saberes e práticas, a grande maioria investigou a prática docente, seja noensino superior, no ensino fundamental, na educação infantil ou na educação especial. Essas práticas diziamrespeito a leitura, práticas favorecedoras da criatividade de crianças e a prática de professores bem-sucedidos, em que estavam em foco os saberes docentes. Nas 116 pesquisas que abordaram condições detrabalho, organização sindical, plano de carreira e profissionalização, surgiram questões como o burnout, acondição de trabalho em assentamentos do MST, a construção da autonomia do professor, a relação dacultura organizacional com a prática, trabalho docente em tempos de crise, piso salarial, e controle e condiçãode vida.

Entre as 255 pesquisas sobre formação inicial, 115 trataram dos cursos de licenciatura, 65 de cursos depedagogia, 43 do magistério do ensino médio e 32 do magistério do ensino superior. Os aspectos maisestudados foram os currículos dos cursos, a relação entre a teoria e a prática, a interdisciplinaridade, o projetopolítico-pedagógico e a relação entre a formação e a prática do aluno egresso. Houve também pesquisascentradas nas práticas de uma disciplina do curso de formação, em geral uma disciplina pedagógica como adidática, a prática de ensino ou a psicologia da educação.

O grupo denominado formação continuada contou com 254 pesquisas, das quais 143 foram incluídas nosubgrupo Projetos, Propostas e Programas e 111 no subgrupo Saberes e Práticas Pedagógicas. A partir doano 2000, os programas relacionados à capacitação em informática ou para o uso de novas tecnologiasganharam força. Programas de formação pedagógica também foram constantes, inclusive os cursos deespecialização lato sensu. As propostas de formação mais analisadas foram as que trataram de novastecnologias e de matemática. A educação a distância foi foco de apenas 10 trabalhos.

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O subgrupo saberes e práticas pedagógicas, no contexto da formação continuada, abarcou 111 trabalhos, dosquais 60 estudaram os saberes necessários à docência. Os assuntos abordados nesses trabalhos foraminformática, alfabetização, matemática, educação infantil, EJA, leitura, uso do vídeo, geografia, uso da voz,educação sexual e educação especial. As práticas de formação continuada foram tratadas por 51 trabalhos,que se concentraram em questões como o uso da informática, a qualidade docente, a educação infantil, ainterdisciplinaridade, a avaliação de aprendizagem, a educação inclusiva e a educação especial.

Na categoria políticas de formação foram situadas 53 pesquisas que focalizavam diretrizes de órgãos oficiaispara a formação de professores. Eram textos sobre políticas para a capacitação em informática, reformaeducacional, e políticas de educação a distância para a formação de professores.

O grupo com menor número de pesquisas (31) foi o que investigou processos de formação inicial deprofessores em exercício docente, que analisaram programas como o Magister, o Proformação, o Programade Educação Continuada (PEC) e o Alfabetização Solidária. Outros focalizaram a prática do professor leigo emambientes rurais e no Movimento dos Sem Terra; o uso de novas tecnologias na formação, a prática dealfabetização e a formação para a educação indígena.

As pesquisas que mencionavam as palavras-chave, mas que após exaustivo exame pelo grupo não seenquadravam nas categorias, foram reunidas num grupo denominado outros. Totalizaram 110 (9%) trabalhos,dos quais 27 trataram de questões como a organização curricular do ensino médio, a inclusão da questãoambiental no ensino médio, a relação dos alunos com a violência, a concepção dos alunos sobre geometriaou fracasso escolar, a percepção do espaço escolar pelos alunos, entre outros.

Tipos de pesquisa e técnicas de coleta de dados

A Tabela 3 mostra a distribuição da produção discente sobre formação de professores segundo o tipo deestudo. A maior incidência foi de análises de depoimento, com 197 trabalhos (17%), seguido do microestudo,com 146 (12%) e estudo de caso, com 144 (12%). Fizemos uma diferenciação entre microestudos e estudosde caso porque esse último, em geral era caracterizado como do tipo etnográfico, enquanto o microestudoabordava uma situação muito específica, com um pequeno número de sujeitos e pouca variedade nosprocedimentos de coleta de dados.

O tipo de estudo mais utilizado – análise de depoimentos – está coerente com a temática mais estudada –identidade e profissionalização docente – pois a intenção dos pesquisadores nesses trabalhos era a deconhecer as opiniões, representações, sentimentos do professor, para o que a tomada de depoimento semostra adequada.

As técnicas de coleta mais utilizadas também estavam de acordo com as intenções dos pesquisadores; asmais encontradas foram: a entrevista, em 407 trabalhos (23%), a análise de documento, em 216 (12%), oquestionário, em 198 (11%) e a observação, em 154 (9%).

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A maioria dos trabalhos utilizou duas ou mais técnicas combinadas. Em geral, a entrevista estava associadacom alguma outra, como o questionário, a análise de documento ou a observação. Isso revela a preocupaçãodos pesquisadores para explorar as questões educacionais em sua complexidade, investigando-as sobdiferentes perspectivas.

Autores mais citados

É pouco comum que se encontre nos resumos, os autores ou a perspectiva teórica que serviu de referênciaao estudo.

Do total de 1.183 trabalhos, 26% (398) fizeram alguma referência ao autor ou à teoria que subsidiou suaspesquisas. Houve citação de 437 autores diferentes, grande parte dos quais apareceu em apenas umapesquisa, o que indica certa dispersão teórica, como apontado por Ventorim (2005 ) e Warde (1993).Os dez autores mais citados foram: Vygotsky (43 citações), Paulo Freire (37), Nóvoa (35), Schön (24), Bakhtin(19), Tardif (16), Perrenoud (14), Foucault (14), Piaget (13) e Bardin (13).

Alguns trabalhos citaram explicitamente seus referenciais, como a perspectiva sócio-histórica, oconstrutivismo, as representações sociais, a teoria da identidade.

O que a escolha de autores e referenciais nos revela? Que os pesquisadores buscaram a perspectiva sócio-histórica para subsidiar suas análises, que deram preferência a autores estrangeiros, muitos deles nãodiretamente vinculados ao tema da formação docente. Essas constatações provocam algumas indagações:as questões de formação docente estariam sendo pensadas de forma ampla? Com referenciais das CiênciasHumanas e Sociais? Ou estariam incorrendo em modismos? Estariam os pesquisadores atentos ao fato deque as proposições dos autores estrangeiros sobre formação docente vinculam-se a realidades específicas,com características muito diversas das do Brasil?

PESQUISAS COMPARADAS: ANOS 1990 E 2000

No período de 1990 a 1998, foram defendidas 6.244 dissertações e teses das quais 410 (6%) trataram dotema formação de professores. Nos cinco anos seguintes, a produção total da área passou para 8.280, dasquais 1.184 (14%) abordaram o tema formação de professores Esses dados deixam evidente que cresceumuito, no período, o interesse dos pós-graduandos pelo tema formação de professores.

A comparação dos temas e subtemas tratados nas dissertações e teses dos dois períodos mostra umagrande mudança. Se, nos anos 1990, a grande maioria das pesquisas se debruçava sobre os cursos deformação inicial (72%), nos anos 2000, a maior parte dos trabalhos investiga questões relacionadas aidentidade e profissionalização docente (41%). Houve uma mudança de foco dos cursos de formação para osdocentes e seus saberes.

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Essa mudança pode ser fruto tanto da chegada ao Brasil dos escritos de Maurice Tardif sobre os saberesdocentes, quanto do aumento da produção internacional sobre profissionalização docente, motivadaprincipalmente pelas reformas educativas dos anos 1990.

As pesquisas dos anos 2000 mostram grande interesse em conhecer o que pensam e fazem os professores:quais suas concepções, suas representações, seus saberes e suas práticas. Dar voz ao professor parecemuito legítimo, mas cabe perguntar como têm sido tratados esses dados e o que tem sido feito com osresultados desses estudos.

Nos anos 1990, os cursos de formação de nível médio (Escola Normal) foram os mais investigados pelos pós-graduandos (147). Nos anos 2000, foram computados apenas 43 estudos sobre essa temática e surgem aspesquisas sobre os cursos superiores de magistério (32).

A mudança foi, portanto, significativa e pode ser explicada pela promulgação da Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional, em 1996, que estabelece o nível superior como necessário para o exercício da docência,além de outras medidas legais que, nos anos seguintes, abriram possibilidades para criação do Curso NormalSuperior e dos Institutos Superiores de Educação, novas instâncias formativas.

O Projeto CEFAM (Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), que, isoladamente, foi o cursomais estudado nos anos 1990 (19 pesquisas), recebe pouca atenção no início dos anos 2000. Foi umaexperiência marcante de formação, mas foi descontinuada. Seria interessante verificar qual sua contribuição,por exemplo, investigando a inserção profissional dos egressos. Quiçá poder-se-ia confirmar o sucesso dessemodelo de formação.

Nos anos 1990, as disciplinas dos cursos de formação inicial foram alvo de grande número de trabalhos (109),tanto as disciplinas pedagógicas (80), quanto as específicas (29). Porém, faltaram estudos que investigassemas articulações entre elas, conforme afirma André (2000). Nos anos mais recentes, a relação entre disciplinaspedagógicas e específicas ainda não se constitui objeto sistemático de pesquisa, mas surgem estudos sobreinterdisciplinaridade tanto na licenciatura, quanto no magistério do ensino médio, nos projetos e nas práticasde formação continuada. São estudos que defendem a perspectiva interdisciplinar, mas que raramenterelatam situações em que esteja sendo efetivamente implantada.

Os processos reflexivos, que na década de 1990 despontavam como referenciais promissores na formaçãodos docentes, firmaram-se definitivamente nos anos 2000.

Quanto aos conteúdos emergentes, André (2000) indicou que na década de 1990 despontavam questõesrelativas ao meio ambiente e à saúde na formação, processos de aprendizagem do aluno – futuro professor,representações do aluno – futuro professor, questões de gênero e etnia, uso de novas tecnologias, questõesde identidade docente, e competências na formação do professor.

Algumas dessas previsões realmente se efetivaram quando foram analisadas as pesquisas dos anos 2000,como a temática do meio ambiente. A preocupação central dos pós-graduandos nesses estudos foi, em geral,investigar como essas questões são tratadas nos cursos de formação inicial e na formação continuada.

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Questões relativas à saúde do professor também foram frequentes nos anos 2000, no subgrupo condiçõesde trabalho, e trataram de burnout e de como o trabalho docente pode afetar a saúde do professor.

Foram poucos os estudos que abordaram os processos de aprendizagem dos alunos – futuros professores –nos cursos de formação inicial (8). Entretanto, esse número foi bastante significativo nas pesquisas sobreformação continuada (60). Parece que aí desponta um novo tema de pesquisa: os processos deaprendizagem do adulto professor ao longo da carreira.

Estudos das representações de alunos – futuros professores – apareceram em 44 dissertações e tesesdefendidas no período de 1999 a 2003. Embora esse número não seja tão pequeno, ainda há muito a seconhecer sobre as representações do futuro professor.

O uso de novas tecnologias para a formação de professores parece ser um tema em rápida ascensão. Nosanos 2000, foram encontrados trabalhos sobre essa temática em todas as categorias de análise. Pode-seconsiderá-lo um tema emergente.

A temática identidade e profissionalização docente que, nos anos 1990, foi considerada por André (2000)como emergente, de fato se consolida nos anos posteriores e domina o campo da investigação sobreformação docente.

Estudos que tratam de questões de gênero, etnia e das competências na formação do professor forampraticamente silenciados nos anos recentes, contrariando as expectativas de André (2000), que osconsiderava temas emergentes. São muito tímidas ainda as iniciativas que se debruçam sobre questões degênero e etnia na formação de professores. Quanto às pesquisas sobre competências na formação docente,parece que o enfoque crítico de que se revestiu essa temática nos escritos e debates da área de educaçãodesencorajou totalmente os pós-graduandos a torná-lo objeto de seus trabalhos.

Nos anos 1990, poucas pesquisas trataram de temáticas como condições de trabalho, organização sindical eplano de carreira dos docentes. Aspectos tão fundamentais no campo da formação docente, como esses,não poderiam ser quase silenciados, conforme aponta André (2000). Nos estudos recentes essas temáticasainda são muito pouco privilegiadas.

Investigações sobre as políticas de formação aparecem de forma muito tímida nos anos 1990 e crescem umpouco nos anos 2000, principalmente a partir do ano de 2001. Será esse um tema emergente?

No mapeamento dos anos 1990, foram apontados como temas silenciados: a dimensão política na formaçãodo professor e a formação do professor para atuar nos movimentos sociais, na educação de jovens e adultos,na educação indígena e para lidar com a diversidade cultural (André, 2000). Nos anos mais recentes essequadro não mudou. Há pouquíssimos trabalhos que abordam essas temáticas.

Os temas que parecem emergentes para os próximos anos são: a formação de professores de cursossuperiores, condições de trabalho, principalmente questões sobre a saúde dos docentes; o uso detecnologias educacionais e a educação a distância na formação de professores.

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Quanto às metodologias de pesquisa, o quadro das dissertações e teses não sofreu grandes mudanças dosanos 1990 para os anos 2000, apenas uma inversão de postos. Se nos anos 1990, os tipos de estudo maisutilizados foram: o microestudo (106) e a análise de depoimento (53); nos anos 2000, os tipos de estudoscom maior incidência foram: análise de depoimento (197) e microestudo (146). Ainda temos muitas pesquisasque consideramos pontuais, pois abrangem situações muito específicas, procedimentos pobres de coleta dedados e análises muito circunscritas.

O questionário, pouco mencionado nas pesquisas dos anos 1990, apareceu como importante técnica decoleta de dados para um número significativo de pesquisas nos anos 2000 e foi utilizado, muitas vezes, emcombinação com entrevista e/ou com análise de documento e/ou com a observação. Parece que opreconceito sobre dados quantitativos vai, aos poucos, sendo superado.

ALGUMAS PERSPECTIVAS

Um aspecto muito promissor das pesquisas mais recentes é a atenção dada ao professor. Muitos estudosforam produzidos nos últimos anos, em torno das opiniões, das representações, dos processos deconstituição de identidade, dos saberes e práticas dos professores. Conhecer de perto quem é o professorda educação infantil, da educação básica ou superior parece-nos não só relevante, mas fundamental para quese possa delinear estratégias efetivas de formação. Aproximar-se das práticas dos professores, adentrar ocotidiano de seu trabalho é, sem dúvida, imprescindível para que se possa pensar, com eles, as melhoresformas de atuação na busca de uma educação de qualidade para todos.

É preciso, no entanto, que essas pesquisas não se limitem a apenas reproduzir o que dizem os professores,mas que efetivamente procurem compreender o contexto de produção desses discursos, as razões que oslevam a se pronunciar dessa ou daquela maneira, a quem se dirigem, o que pretendem. Além disso, devehaver um esforço para ir além da constatação, tentando encontrar caminhos ou alternativas para oaperfeiçoamento da prática profissional, o que, na medida do possível deve ser um empreendimento emcolaboração entre pesquisador e professor. Caso contrário, correremos o risco de reiterar o já conhecido, amesmice.

Se julgamos como positiva essa centralidade da pesquisa no professor, não podemos deixar de reconhecero risco potencial de que ela venha a reforçar uma ideia já bastante corrente de que cabe ao professor toda aresponsabilidade pelo sucesso ou fracasso da educação. Há inúmeros fatores ligados às condições detrabalho, à gestão da escola, ao salário, à carreira, aos processos de implantação das políticas educacionais,que afetam as práticas escolares e seus resultados. É preciso muito cuidado para que a pesquisa não se deixecontaminar pelos discursos da mídia e dos políticos.

Ao mesmo tempo em que cresce o número de pesquisas voltadas para o professor, diminui o número deinvestigações sobre a formação inicial, o que causa preocupação. Ainda carecemos de muitos conhecimentossobre as metas, os conteúdos e as estratégias mais efetivas para formar professores. Pouco sabemos sobrequal a organização curricular mais adequada, quais as práticas de ensino mais eficazes e que formas de

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gestão propiciam uma formação de qualidade. Por isso temos de continuar nossas pesquisas sobre formaçãoinicial. Não podemos sucumbir aos interesses econômicos das políticas neoliberais que consideram poucorentáveis os recursos aplicados na formação inicial, conforme denuncia Rosa Maria Torres (1998).

Do ponto de vista da metodologia e dos procedimentos de coleta de dados, podemos dizer que houve umavanço nas pesquisas: por um lado, a porcentagem de resumos que revela o tipo de pesquisa e os métodosde coleta de dados aumentou significativamente em relação ao levantamento anterior, o que sugere maiorconsciência e preocupação com o rigor metodológico. Por outro lado, os estudos pontuais, com númeropequeno de sujeitos e análises circunscritas ainda é grande, o que requer, por parte dos cursos de pós-graduação, urgentes medidas, como por exemplo, fazer dos grupos de pesquisa um espaço efetivo deformação dos jovens pesquisadores, dando oportunidade para a realização de pesquisas articuladas, comreferenciais consistentes, análises mais densas e resultados mais alentados.

O mapeamento mostra que surgiram novas formas de coleta de dados como os registros escritos, asentrevistas em grupo, os registros em vídeos que, combinadas com as entrevistas, questionários eobservações, permitem explorar novos ângulos das situações e enriquecer as análises. O alerta, no entanto,precisa ser mantido para que esses procedimentos não se tornem meros adereços da pesquisa e sejamdevidamente tratados com o rigor que toda investigação exige.

A análise da produção acadêmica dos alunos de pós-graduação em educação do Brasil nos anos iniciais doséculo 21 revelou interesse crescente dos pesquisadores pela temática da formação de professores, comfoco nas opiniões, representações, saberes e práticas dos docentes. Os referenciais das pesquisasprivilegiam a perspectiva sócio-histórica, o construtivismo, a teoria das representações sociais e autores quedefendem a reflexão na ação, os saberes da experiência, o pensar crítico. As metodologias de pesquisa maisutilizadas pelos pós-graduandos são o depoimento oral e o estudo de caso. Os resultados parecem aindamuito voltados para situações bem delimitadas ou contextos muito específicos.

Ao concluir esse mapeamento, fica mais uma vez evidente quão importante é recorrer às síntesesintegrativas para acompanhar o processo de constituição de uma área do conhecimento. É fundamentalidentificar tanto seus pontos fortes quanto suas fragilidades, reconhecer tanto os esforços deaperfeiçoamento quanto aquilo que ainda precisa se mudado. Atenção especial deve ser dada àsredundâncias, à dispersão, aos modismos e aos aspectos que continuam esquecidos.

A pesquisa educacional brasileira e, em especial, as investigações sobre a formação de professores têmcrescido muito com as informações fornecidas pelos mapeamentos da produção científica.

Recebido em junho de 2009 e aprovado em agosto de 2009.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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GATTI, Bernardete. Os professores e suas identidades: o desvelamento da heterogeneidade. Cadernos dePesquisa Fundação Carlos Chagas, São Paulo, n. 98, 1996. p. 85 – 90.

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VENTORIM, S. A Formação do professor pesquisador na produção científica dos encontros de Didática ePrática de Ensino: 1994-2000. Tese de Doutorado, UFMG, 2005, 346 p.

WARDE, M. J. (1993) A produção discente dos programas de pós-graduação em educação no Brasil (1982-1991): avaliação e perspectivas. Porto Alegre, ANPEd/CNPq.

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ANEXO

Tabela 1 – Distribuição das dissertações e teses sobre formação de professores segundo o ano, número deprogramas e total de pesquisas na área de educação.

ANO Número de Total de trabalhos Número de teses Porcentagem de

Programas na área de educação e dissertações sobre teses e dissertações

formação professores sobre formação

professores

1999 44 1.119 129 11%

2000 36 1.480 189 12%

2001 42 1.591 224 14%

2002 59 1.986 294 14%

2003 58 2.104 348 16%

TOTAL * 8.280 1.184 14%

Fonte: Organizada com base no Banco de Dados da CAPES – 2003

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Tabela 2 - Distribuição das dissertações e teses sobre formação de professores segundo os temasabordados.

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1999 2000 2001 2002 2003 total %

Tema Sub-tema Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. %

1.1 LICENCIATURA 12 9 13 7 18 8 35 12 37 11 115 45

1.2 PEDAGOGIA 8 6 12 6 14 6 17 6 14 4 65 25

1.3 MAGISTÉRIO ENS MÉDIO 8 6 8 4 9 4 11 4 7 2 43 17

1.4 MAGISTÉRIO ENS SUPERIOR (Curso Normal superior, Instituto superior...) 6 5 6 3 7 3 8 3 5 1 32 13

SUB-TOTAL 34 26 39 21 48 21 71 24 63 18 255 22

2.1 PROJETO., PROPOSTA 13 10 32 17 25 11 25 9 48 14 143 56PROGRAMA, POLITICA

2.2 SABERES E PRÁTICA 12 9 15 8 17 8 25 9 42 12 111 44PEDAGÓGICA

SUB-TOTAL 25 19 47 25 42 19 50 17 90 26 254 21

3. FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 4 3 1 1 5 2 11 4 10 3 31 100

SUB-TOTAL 4 3 1 1 5 2 11 4 10 3 31 3

4.1 ESTUDOS DE IDENTIDADE 10 8 3 2 6 3 16 5 27 8 62 13

4.2 CONCEP. REPRES., 24 19 50 26 66 29 60 20 103 30 303 63SABERES, PRÁTICAS

4.3 COND. DE TRAB, 15 12 29 15 28 13 25 9 19 5 116 24ORG. SIND, PL. DE CARREIRA E PROFISSIONALIZAÇÃO

SUB-TOTAL 49 38 82 43 100 45 101 34 149 43 481 41

5. POLÍTICA DE FORMAÇÃO 2 2 7 4 11 5 23 8 10 3 53 100

SUB-TOTAL 2 2 7 4 11 5 23 8 10 3 53 4

6. OUTRO 15 12 13 7 18 8 38 13 26 7 110 100

SUB-TOTAL 15 12 13 7 18 8 38 13 26 7 110 9

TOTAL 129 100 189 100 224 100 294 100 348 100 1184 100

1. FORMAÇÃO INICIAL

2. FORMAÇÃO CONTINUADA

4. IDENTIDADE E PROFISS. DOC.

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Tabela 3 - Distribuição das dissertações e teses sobre formação de professores segundo os tipos depesquisa.

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1999 1999 2000 2001 2002 2003 total %

Nº. Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. %

7.1 ANÁLISE DE DEPOIMENTOS 27 21 40 21 41 18 47 16 42 12 197 17

7.2 MICRO ESTUDO 11 9 39 21 21 9 41 14 34 10 146 12

7.3 ESTUDO DE CASO 25 19 25 13 35 16 29 10 30 9 144 12

7.4 ESQUISA AÇÃO 3 2 16 8 12 5 12 4 16 5 59 5

7.5 HISTÓRIA DE VIDA, HISTÓRIA ORAL E AUTO-BIOGRAFIA 4 3 10 5 4 2 14 5 17 5 49 4,1

7.6 DESCRITIVO/EXPLORATÓRIO 2 2 3 2 10 4 15 5 16 5 46 3,9

7.7 PESQUISA HISTÓRICA 5 4 5 3 5 2 20 7 9 3 44 3,7

7.8 LEVANTAMENTO 1 1 9 5 4 2 12 4 17 5 43 3,6

7.9 ANÁLISE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA 5 4 4 2 4 2 15 5 13 4 41 3,5

7.10 ETNOGRÁFICA 5 4 7 4 10 4 10 3 8 2 40 3,4

7.11 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 6 5 5 3 4 2 8 3 12 3 35 3,0

7.12 PESQUISA TEÓRICA 5 4 4 2 4 2 7 2 5 1 25 2,1

7.13 PESQUISA AÇÃO COLABORATIVA 0 0 1 1 1 0 3 1 5 1 10 0,8

7.14 ANÁLISE DE PRÁTICAS DISCURSIVAS 2 2 0 0 2 1 2 1 0 0 6 0,5

7.15 NÃO CONSTA 28 22 21 11 67 30 59 20 124 36 299 25

TOTAL 129 100 189 100 224 100 294 100 348 100 1184 100

Fonte: Organizada com base no Banco de Dados da CAPES – 2003

TIPOS DE ESTUDO

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Formação de professores na investigação portuguesa– um olhar sobre a função do professor e oconhecimento profissional

Maria do Céu Roldão1

RESUMO

A investigação disponível sobre formação de professores tem sido relativamente abundante em Portugaldesde o início da década de 1990. Neste artigo, percorrem-se as conclusões de algumas das revisões depesquisa sobre formação de professores realizadas desde então, problematizando a sua análise em torno darepresentação que nos devolvem sobre o que é ser professor na virada do milênio – função docente eorganização do trabalho de ensinar – e quais as concepções mais visíveis sobre a natureza, construção e usodo conhecimento necessários ao seu exercício. Procedeu-se a uma seleção de três revisões de pesquisapublicada (2004, 2005, 2006), com incidência temporal entre o início dos anos 1990 e 2006, e enfoquetemático sobre formação inicial e continuada, supervisão e identidade, e ainda organização do trabalhodocente nas escolas. Os traços dominantes resultantes do confronto destas revisões apontam para anecessidade de clarificar as linhas de pesquisa sobre formação, os conceitos associados à natureza da funçãoe o saber do profissional que é sujeito da formação, e a superação da dicotomia teoria-prática nas abordagensda temática definidora do campo. No plano metodológico assinala-se o desequilíbrio que se evidencia nasrevisões analisadas resultante da predominância de estudos de caso e descritivos, orientados mais paraconcepções que para a ação docente e formativa existente, que constitui outro fator de dificuldade naconsolidação da pesquisa sobre formação.

PALAVRAS-CHAVE: formação de professores; conhecimento profissional, função docente.

1 Professora e pesquisadora da Escola de Educação da Universdade Católica de Santarém, em Lisboa,

Portugal.

ARTIGOS

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Teacher Education in Portuguese Research – An Overview onConceptions of Teachers’ Role and Professional Knowledge

ABSTRACT

The available research on teachers education has relatively expanded in Portugal from the beginning of the1990s. In this article, conclusions of a number of research reviews on the topic are examined, focusing theanalysis on the representation they reflect upon what means being a teacher in the turning of the millennium– teaching role and organization of teaching work – and on the identification of the predominant conceptionsthat emerge about the nature, construction and use of required knowledge for teaching. Three majorpublished research reviews (2004, 2005, 2006) were selected, within a period of analysis that goes from 1990to 2006, and whose thematic focus is on pre and inservice teacher education, supervision and identity, andalso modes of organization of teachers’ work in schools. The dominant concerns resulting from the analysisof these reviews indicate consistently the need to clarify the boundaries of the field, to define the mainconcepts associated with the nature of teaching and the specific knowledge of the teacher, as well as theovercoming of the dycothomy theory-practice within research studies on teacher education.Methodologically, the reviews present a high predominance of case studies and descriptive studies, ratheroriented towards conceptions than to actual teaching and teaching education practices, what is perceived asanother difficulty to cope with within the field of research on teacher education.

KEY-WORDS: Teacher Education; Professional Knowledge; Teaching role

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Formação de professores na investigação portuguesa– um olhar sobre a função do professor e oconhecimento profissional

Maria do Céu Roldão

FORMAÇÃO DE PROFESSORES – LINHAS PARA UMA PROBLEMATIZAÇÃO DO CAMPO

As questões ligadas à formação de professores estão na ordem do dia das preocupações dos sistemaseducativos e das instituições ou departamentos universitários que se ocupam da formação de professores ede pesquisa educacional. Tal convergência de interesses prende-se com o fato de a atividade docente seencontrar num período de redefinição no seu lento e não linear percurso de afirmação profissional, percursoesse que interage necessariamente com a problemática da escola enquanto instituição pública confrontadacom as consequências da massificação e extensão da educação escolar. Refiro-me a este propósito àdenominada “crise” da escola ou, na expressão de João Barroso (2005) à “crise” do pensamento sobre aescola. Em síntese, a discussão científica em torno da escola, do seu papel social, e das interfaces em queé hoje colocada a sua ação, radica na constatação de que, cerca de século e meio depois da sua estabilizaçãocomo instituição, no período pós-industrialização e pós-revoluções liberais, a forma escolar (CANÁRIO, 2005)ou a “gramática da escola” como outros autores a designam, não se alterou na sua constituição estrutural.E, todavia, a realidade social e cultural dos públicos que a universalização e o reconhecimento da educaçãocomo um direito e um bem universal trouxeram, felizmente, para dentro da escola, é profundamente diversa.

Nesse desfasamento, que poderemos designar de “crise”, adaptando o sentido kuhniano2 de períodoperturbado e perturbador de concepções e modos de ação estabelecidos e naturalizados na vida e no trabalhoda instituição escolar e suas comunidades, desejavelmente geradores de reformulações ou rupturas maisadaptadas ao seu sucesso, os professores são atores centrais. De fato, a visão acerca da função do professore a representação do lugar social da escola estão intimamente associadas na sua evolução histórica. Por outrolado, em qualquer reconceitualização da função destes agentes educativos centrais – os professores – joga-se todo um vasto conjunto de pressupostos sociais, políticos e profissionais que inexoravelmente aenquadram.

A articulação do devir histórico da instituição escolar e da afirmação social do grupo de atores queprotagonizam a ação docente constitui, assim, um dos eixos de problematização que estrutura este artigo eque orienta a leitura de investigação sobre o tema que aqui se apresentará.

Um outro eixo problematizador liga-se à clarificação do estatuto atribuído à docência – mais ou menospróximo de uma profissionalidade plena ou de um funcionarismo técnico – em relação com as lógicas de

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2Thomas Kuhn ,1962, História das Revoluções Científicas.

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formação e respectivos conceitos de conhecimento profissional que a sustentam – que saber é ou deve sero de um professor, tendo em conta a natureza atribuída à função que exerce? O saber de um prático, de umprático reflexivo ou de um intelectual teorizador da sua ação? Diversas linhas de análise atravessam asperspectivas teóricas que incidem sobre a discussão deste eixo e encontram reflexo na investigação sobreformação de professores e sua natureza funcional, conteudinal e contextual.

Um terceiro eixo de análise da investigação aqui convocada situa-se no plano epistemológico pela procura deuma delimitação, no interior da pesquisa educativa, do campo próprio da formação, tantas vezes esbatidonuma ainda persistente indefinição de fronteiras face a outras áreas do saber educacional.

A DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO DA FORMAÇÃO

A delimitação de campo a que acabamos de nos referir foi objeto de um Seminário organizado pelo G8 daANPED, em São Paulo, em julho de 2006, do qual tive o prazer de participar. Do texto que então sintetizouas minhas concepções sobre os limites do campo (ROLDÃO, 2006), retomo, como enquadramento prévio dameta-análise das revisões de pesquisa portuguesa sobre formação de professores, alguns pontos essenciais:

� A coexistência de duas linhas de análise predominantes na investigação sobre o tema – uma mais focada,centrada na natureza da atividade, na profissionalidade docente em si mesma como referente do campoda formação, a outra mais holística reenviando o campo da formação para as suas múltiplas conexões –com o paradigma da reflexividade, com a pesquisa, com a intervenção social, entre outros; a abordagemque aqui apresento situa-se claramente na primeira destas linhas – a da profissionalidade da docência;

� a necessidade de estabelecer de forma clara conceitos estruturantes do campo, que, na minha análise,serão o conhecimento e o desempenho docentes; nesta linha de análise, toda a discussão da formaçãose encara à luz da construção e do desenvolvimento do conhecimento profissional (percursoepistemológico) e do desenvolvimento da perícia3 na ação, traduzido nas competências que caracterizamo desempenho da função (percurso praxiológico), e se alimentam da constante reanálise da experiência eda permanente mobilização e construção do conhecimento.

Subscreve-se assim a perspectiva de Rui Canário (2005) e Carlos Marcelo (2009), entre outros, segundo aqual este percurso de formação do professor é melhor caracterizado como um processo contínuo dedesenvolvimento profissional, que combina a formação básica prévia ao desempenho, tal como a que resultade outras situações formais de aquisição de conhecimento específico, com a construção e reconstruçãoquotidiana do saber e do agir do profissional, no interior do contexto socializador primário de um professor –a escola, esse lugar onde se aprende a ser professor, nas palavras de Canário (2005).

META-ANÁLISE DE TRÊS REVISÕES DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Olharemos assim para a investigação portuguesa sobre formação de professores à luz deste quadro deanálise. Circunscrevemo-nos neste texto a três revisões de literatura que têm em comum o fato de teremsido realizadas por convite da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação a investigadores acreditados,

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3Ver Carlos Marcelo, 2009, para o conceito de perícia.

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e delas terem sido publicadas sínteses em artigos da respectiva revista – Investigar em educação. Resultaassim um conjunto de revisões que perseguem objetivos comuns, ainda que adotando formatosorganizativos diversos, e constituem um razoável mapeamento da pesquisa realizada na comunidadecientífica da Educação em Portugal nos últimos anos, com início na década de 1990.

Os enfoques das revisões de pesquisa que iremos analisar incluem: (1) formação inicial de professores(2003), (2) formação continuada de professores (2004), articulada com formação, supervisão e identidade(2005), (3) organização do trabalho docente nas escolas (2006). As duas primeiras são objetivamentedirecionadas para o campo da formação nas modalidades convencionalmente descritas como formação iniciale formação continuada. A revisão de 2005 que associamos à de 2004, atravessa a formação continuada ouem contexto a partir da problematização dos eixos da identidade e da supervisão. Por fim, a terceira, de 2006,aproxima-se do problema da formação de forma indireta, já que incidiu sobre a organização do trabalhodocente em situação, mas constitui-se como uma base de informação muito rica sobre os efeitos reais daformação na prática vivida nas escolas, bem como da relação dos docentes com o conhecimento profissional,atravessando assim os dois conceitos estruturantes que acima referimos como balizas do percursoepistemológico e praxiológico que se consubstanciam no campo da formação: o saber consideradonecessário para ensinar e a representação da ação do docente enquanto práxis.

1. Tornar-se professor: estudos portugueses recentes

O título desta seção retoma o do artigo de Manuela Esteves e Ângela Rodrigues (2003), que, por sua vez, sebaseia no estudo mais abrangente das autoras com Maria Teresa Estrela sobre a investigação realizada emPortugal relativa à formação inicial de professores entre 1990 e 2000 (ESTRELA; RODRIGUES, 2002). Nestarevisão de pesquisa, foram analisados 93 trabalhos sobre formação inicial desenvolvidos na comunidadeuniversitária (teses de doutoramento e dissertações de mestrado), que, no cômputo geral da produção depesquisa educacional na década em estudo, representam apenas 7% (ESTEVES;RODRIGUES, 2003, p. 15; 19).

Uma das regularidades das pesquisas estudadas situa-se no plano metodológico, em que predominam, deforma quase absoluta, os estudos qualitativos e em particular os estudos de caso. Como sublinham asautoras, essa tendência produz uma pesquisa

– em que se visa mais a descrição e compreensão de fenômenos localizados e menos a suaexplicação – é, pois, muito mais rica em nos dizer como é que os sujeitos envolvidos pensam,sentem e vivem a formação inicial, do que em produzir evidências de outra ordem, mais objetiva,por mais fundada na observação direta das atuações desenvolvidas pelos formandos ou pelosrecém formados.(ESTEVES; RODRIGUES, 2003, p. 20)

Tal não se passa na pesquisa desenvolvida noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos, em que asquestões da qualidade dos programas e da eficácia da formação no desempenho dos formados assumemaior centralidade (DOYLE, 1990; In: ESTEVES; RODRIGUES, 2003, p. 20), aspectos sobre os quais asevidências são escassas nos estudos portugueses aqui revistos.

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A centralidade das preocupações temáticas da pesquisa analisada recai sobre as estratégias e práticas deformação, e o modo como são vividas e percebidas. Destaca-se assim a incidência no estudo das práticas e,em particular, da componente prática pedagógica ou estágio no interior dos programas de formação.

Segundo as autoras desta análise, os consensos identificados situam-se no plano discursivo e no nível dasrecomendações e sugestões, incidindo particularmente sobre dois aspectos: (1) as componentes deformação (formação geral sólida, formação na área de especialidade e nas Ciências da Educação e análise ereflexão sobre a experiência prática, todas sustentadas na investigação disponível); e (2) o perfil de professordesejado (profissional, reflexivo, inovador, capaz de lidar com contextos diferenciados e de questioná-los, ecom capacidade crítica e de ajustamento às mudanças sociais e científicas). A este aparente consenso noplano das intenções desejadas não corresponde idêntica sintonia no plano das práticas e estratégiasdesenvolvidas, que também se esbatem na defesa de princípios muito gerais por parte dos atores estudados,verificando-se uma escassez de abordagens de dimensões mais técnicas ou mesmo de treino decompetências particulares que, como sublinham as autoras, “parece que a orientação (da estratégia deformação) é sempre feita em ordem a uma grande finalidade da formação, não havendo um nível intermédiode consecução de objetivos mais operativos” (ESTEVES; RODRIGUES, 2003, p. 33).

A formação inicial do professor aparece nestes estudos vista, no plano discursivo, sobretudo como o iníciode um processo de desenvolvimento profissional ao longo da vida, por oposição à concepção da formaçãoinicial como a preparação prévia e tendencialmente estável do futuro profissional. Contudo, a relaçãoevidenciada pelos sujeitos com o seu saber profissional acaba por, contraditoriamernte, retomar essa visãotradicional de formação prévia e, no essencial, definitiva.

As autoras assinalam algumas limitações identificadas no corpus que foi objeto de estudo, nomeadamente:caráter dispersivo da investigação, mesmo que centrada sobre estratégias e práticas; fraco poder cumulativodos resultados, por escassez de evidências referidas a formas de ação bem sucedidas e sua análise;orientação da pesquisa para resolução de problemas práticos mais do que para a sua desmontagem analítica;foco nas representações dos atores; predomínio de pequenas amostras em contextos particulares semresposta a prioridades nacionais; inexistência de replicação.

Concretizando alguns desses aspectos, exemplificam as autoras:

[...] os trabalhos analisados não nos habilitam a adotar determinadas práticas inovadorassustentadas coerente e consistentemente pelos resultados da investigação. Por exemplo o usode estratégias promotoras de reflexividade dos professores é sistematicamente advogado comopositivo. Porém, continuamos a não saber de que reflexividade se trata, como se adquire edesenvolve e por que razão umas estratégias parecem mais eficazes que outras para atingir essedesígnio. (p. 30)

No plano do conhecimento profissional, são consensuais as referências à importância do conhecimento dosconteúdos e do conhecimento pedagógico.

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Não se encontraram neste corpus estudos de avaliação da formação no seu conjunto ou de avaliação deprogramas específicos. Muito poucos se ocupam de avaliação de efeitos ou impactos da formação inicial oudispositivos de avaliação. A única vertente de natureza avaliativa que se destaca nos estudos revistos dizrespeito à avaliação dos formandos lida sobretudo no plano das limitações, que introduz na inovação ecriatividade.

A supervisão, pelo contrário, associada ao estágio, é um tema bastante analisado nas investigações, quantoa modelos, papéis, formação requerida, impactos, e questões de relacionamento inter-institucional.

São apontadas, em síntese, como linhas de desenvolvimento futuro da pesquisa nessa área as seguintes:

� clarificação do objeto de estudo no campo da formação de professores;� a necessidade de incentivar a pluralidade de abordagens metodológicas;� a constituição de uma agenda nacional de investigação sobre formação de professores.

2. A investigação sobre formação continuada em Portugal (1990-2004)

O artigo que sintetiza esta revisão de pesquisa, com o mesmo título da seção que agora iniciamos, foipublicado no número 4 da revista Investigar em educação (ESTRELA et al, 2005) e reporta-se a 79 trabalhosacadêmicos produzidos num período mais longo que o referido na seção anterior: de 1990 a 2004. Inclui,ainda, seis artigos em revistas de especialidade que não se reportam a qualquer das teses ou dissertaçõeselencadas. As dissertações de mestrado representam cerca de 84% do total, o que é consistente com o fatode “a maioria dos autores serem professores/investigadores oriundos das escolas básicas e secundárias,com funções na formação de professores ou enquanto práticos ou agentes do processo de ensino-aprendizagem” (ESTRELA et al, 2005, p. 123)4.

O sistema português de formação continuada foi criado formalmente em 1992, pelo Decreto-Lei n.º 249/92,de 9 de novembro, que estabeleceu o quadro legal dessa formação. Inicialmente concebida numa lógica deformação centrada nos contextos de trabalho, a legislação estabeleceu a criação de Centros de Formação deAssociações de Escolas (CFAE), que integravam as escolas neles associadas, como responsáveis por estaformação, para a qual foram canalizados numerosos financiamentos, incluindo os do Fundo Social Europeu.Na prática, a quantidade de ações de formação realizadas foi enorme e em vários formatos5, mas os CFAEadotaram uma lógica predominantemente burocrático-normativa, cuja eficácia no plano da melhoria daspráticas e do desenvolvimento profissional e organizacional foi reduzida, como diversos estudos avaliativosdo impacto da formação testemunham6. No momento atual, está em curso uma redução e a transformação

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4 Esta correlação é também visível nos estudos sobre formação inicial, mas menos acentuada. Vários

autores das pesquisas referidas para a formação inicial são supervisores associados à carreira universitária.5A legislação referida estabelece as modalidades de curso ou seminário, de formato mais escolar, e as decírculo de estudos, projeto ou oficina, orientadas para serem construídas sobre situações de prática dosformandos.6Ver BARROSO; CANÁRIO¸1999; AMIGUINHO; CANÁRIO ; CANHÃO, 2003; ROLDÃO, 2000

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política dos Centros de Formação de que aqui não nos ocuparemos. No período a que a revisão de pesquisase reporta, a existência e as políticas dos CFAE estavam, como é compreensível, no centro de muitas dasinvestigações desenvolvidas.

No plano metodológico, a análise destes estudos identifica – tal como na formação inicial – umapredominância do que os próprios autores designam como estudos exploratórios e descritivos, centrados

em concepções, perspectivas, atitudes e na descrição das representações construídas pelosatores sobre o seu trabalho ou sobre o seu desempenho, bem como na compreensão defenômenos situados […]. Em contrapartida, e em número reduzido, apresentam-se trabalhosque se referem à ação e que envolvem observação direta das situações de formação” (ESTRELAet al, 2005, p. 119).

Os estudos de caso simples e os estudos descritivos constituem 76% deste corpus. Como áreas temáticaspredominantes identificam-se: concepções de professores sobre a formação, impacto da formação sobre aspráticas (33%, dos quais apenas 10 estudos tiveram como suporte a observação), impactos sobre os alunos,referidos em cinco estudos, necessidades de formação, análise das ações de formação e das dinâmicas dosCFAEs.

As conclusões e recomendações acentuam a adesão a uma concepção reflexiva da formação assente naanálise da prática, a necessidade de reforço de formação em algumas áreas disciplinares mais recentes (casodas TIC’s) ou criadas pelas reformas curriculares (caso de áreas transversais interdisciplinares, entretanto,introduzidas no currículo), e a valorização discursiva do trabalho colaborativo e da reflexividade, praticamenteonipresentes no discurso recolhido junto dos sujeitos dos estudos. Outras sugestões orientam-se para aorganização formal do processo de formação, a formação dos formadores ou a necessidade da articulaçãoentre desenvolvimento da escola e projetos de formação contextualizados na própria escola.

A valorização de estratégias de tipo reflexivo, inspiradas teoricamente numa epistemologia da prática bebidaem autores como Donald Schön, cujo pensamento se tornou muito divulgado, e por vezes simplificado, emPortugal desde a década de 1990, aparece algumas vezes associada com leituras praticistas da própriapesquisa, orientadas, por exemplo, para a construção de materiais ou resolução de problemas concretos dodia a dia. Outros estudos acentuam mais as perspectivas da formação relacionadas com a investigação, odebate de perspectivas, a discussão colaborativa do currículo ou a realização de trabalhos de pesquisa emparceria escola/outras instituições (ESTRELA et al, 2005, p.127-128). O recurso à supervisão, como prática deformação privilegiada, é apresentada apenas num estudo.

A orientação da pesquisa para o modelo jurídico de formação existente e sua operacionalização, modelo emque dos créditos atribuídos à formação continuada dependia a progressão dos docentes na carreira, indiciauma certa relação de pragmatismo com o processo de formação, mais do que a sua incorporação comoelemento nuclear da profissão, gerador de construção de conhecimento e de desenvolvimento profissional.

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Numa outra revisão de pesquisa centrada na formação continuada em período próximo (de 1994 a 2003), ecoordenada pela autora (ROLDÃO et al, 2004), a revisão foi centrada na dimensão da supervisão como fatorde construção identitária. De um subcorpus de 89 teses, das quais 23 de doutoramento, e de outrosubcorpus constituído por comunicações em congressos científicos de Ciências da Educação, no mesmoperíodo, constatou-se igualmente a quase total ausência de incidência sobre a supervisão no plano daformação continuada. Relacionando este conceito com outro conceito estruturador da revisão em causa – ode transições ecológicas, na linha de Brofenbrenner (1979) e Alarcão (1996), aqui associado ao processo dedesenvolvimento profissional dos professores – identificaram-se alguns aspectos que enriquecem a análiseda pesquisa sobre formação realizada em Portugal nesse período de década e meia.

Seguindo de perto o texto do Relatório dessa revisão de pesquisa (ROLDÃO et al, 2005), constata-se que aquestão do desenvolvimento profissional dos professores é ferida de base por duas ordens de dicotomiasinstaladas no tecido formativo e institucional do sistema educativo português: (1) a representação diversa daidentidade de um professor consoante os níveis de escolaridade em que atua, e o tipo de docência queexerce – generalista ou especializada –, e, em ambos, (2) a oposição formação inicial/formação continuada,que permanecem, na cultura profissional de docentes e escolas visibilizada nestes estudos, comoconstituindo a primeira a preparação científico-didática, prévia a um exercício profissional tendencialmentevisto como idêntico ao longo da vida, apesar de uma discursividade que afirma o contrário; e a formaçãocontinuada, em contexto ou fora dele, como orientada para aspectos organizacionais, relacionais, adaptaçãoa normativos novos, interação com situações e contextos, mas praticamente desligada da ação docenteconcreta nas suas vertentes curricular e didática, que todavia constituem o núcleo essencial da funçãoprofissional dos docentes.

Na mesma revisão (ROLDÃO et al., 2005), esses aspectos emergem muito claramente – e esta é uma dasvantagens da predominância de estudos qualitativos – nos inúmeros discursos de professores estudados, nasreferências que fazem aos seus percursos, na avaliação que expressam da vantagem das formações que vão“frequentando”. Raras são as referências ao acréscimo de saber científico ou didático, desenvolvida por meioda formação. Mesmo as modalidades formativas em formato de círculo de estudos ou projeto são,sobretudo, valorizadas pela dimensão reflexiva sobre as situações e a sua compreensão à luz de novoconhecimento sem dúvida muito valioso; mas são escassas as referências a ganhos de conhecimento nodomínio científico e/ou didático, raramente operacionalizando a instrumentalidade técnica da ação docente,que também tem de ser dominada pelo profissional reflexivo – para que possa agir de forma sustentada eeficaz.

É também neste quadro que a supervisão, na análise que fazemos, está ausente – porque se concebe comosituada apenas num desses dois quadros de referência – o da formação inicial do professor principiante.Formação inicial e formação continuada apresentam-se, na visão dos professores inquiridos, comocorrespondentes a universos culturais quase antinômicos que caracterizam a representação do profissional –durante a pré-ação docente, ou durante o percurso como docente. Duas pertenças, duas lógicas, duasculturas. A primeira, sobretudo didática, teorizada e, por isso, com supervisão do “aspirante” a professor; asegunda sobretudo organizativo-relacional, praticista, sem grande sustentação teórica, remetida à açãoindividual sem interferências, logo, dispensadora de processos supervisivos (aliás, tendencialmente malaceitas por um professor “já” assumido como autônomo).

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O principal efeito negativo dessa representação dual, cuja persistência se identifica na investigação revista,reside na legitimação que proporciona à larga permanência de práticas didático-curriculares inalteradas,mantidas tranquilamente, à parte de qualquer investimento realmente formativo, embora sobre a formação,na cultura dos professores, se produza abundante discurso valorativo que pode ser encontrado nos dadosbrutos das investigações (“acho muito importante a formação”, “gosto muito de frequentar formação”,“ficamos enriquecidas com a formação, não é por causa dos créditos”, “a formação permite a partilha e atroca de experiências” – são unidades de análise recorrentemente encontradas nas numerosíssimasentrevistas a professores que integram os estudos) (ROLDÃO et al. 2005).

A convergência de elementos próximos entre essas duas revisões acentua a existência de regularidades nocampo da formação de professores que são, na nossa perspectiva, relevantes para a análise que aqui se vemdesenvolvendo.

3. Organização do trabalho docente: uma década em análise (1996-2005)

A última revisão que trazemos para esta análise é colateral relativamente ao campo da formação. Contudo,pareceu-nos relevante destacar do seu conteúdo alguns aspectos que se relacionam com os eixosestruturantes da análise que no início propusemos. Para além disso, trata-se de uma revisão que abrange,para o período de 1996-2005, a pesquisa sobre o trabalho docente em duas dimensões: (1) organizacional e(2) curricular e didática. Constituíram-se, por isso, dois subcorpora que, no conjunto, incidem sobre 326 teses,308 artigos em revistas científicas, 233 comunicações em eventos científicos. O volume de pesquisaanalisada e o caráter abrangente do campo de análise – organização do trabalho docente – permite cruzaralguns elementos com os dados acima descritos sobre a formação de professores.

A incidência central desta revisão (ROLDÃO et al, 2006) situa-se no campo do currículo e da açãopedagógico-didática, configurada e reconstruída pelas dinâmicas político-organizacionais definidoras daprópria instituição e da práxis que a legitima no plano social. Parafraseando Ivor Goodson (1988), tentou-se,de algum modo, uma incursão no “jardim secreto” do currículo, entendido ao nível do que acontece naescola, no face a face professores-alunos-saberes, no interior da prática docente sempre protegida pormúltiplos ocultadores. O que se passa nesse locus quase oculto cataliza um sem-número de complexasinterações com uma diversidade de outros protagonistas e contextos relevantes, naquele espaço/tempoescola-aula tido como “normal” porque socialmente se naturalizou, dimensão que, porventura, a própriainvestigação poderá refletir e/ou reforçar.

A opção assumida foi pelo enfoque preferencial na organização do trabalho de um dos grupos de atores quenela são protagonistas centrais, os professores. Contudo, em muitos dos trabalhos revistos não foi possível,nem se julgou desejável, deixar de lado investigações que indiretamente fornecem informação sobre o objetode estudo. São exemplos algumas pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem escolar perspectivados emfunção do desenvolvimento dos alunos, ou de outras que abordam questões de formação oudesenvolvimento profissional dos professores associadas ao ensino, desde que se configurassem comopertinentes para a análise da organização do trabalho docente na escola.

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Assim, as dimensões organizadoras e categorizadoras do corpus foram as seguintes:

1) A concepção da ação docente e sua planificação.2) O desenvolvimento e a organização da ação docente.3) A organização do trabalho dos professores para a realização de 1) e 2).4) O desenvolvimento profissional na e para a ação docente

Foi possível identificar aspectos marcantes da cultura docente e da escola, que em larga medida serelacionam com dimensões dominantes também visíveis nos estudos sobre formação (por exemplo, aenfatização da resolução de problemas práticos na representação dos professores sobre a formação);igualmente se assinalaram as mesmas dimensões consistentemente ausentes ou esbatidas (por exemplo, asupervisão na formação conitnuada, ou a avaliação da própria formação e seus efeitos) evidenciadas pelasrevisões anteriormente analisadas.

Destacam-se algumas das dimensões caracterizadoras da organização do trabalho docente que ainvestigação nos devolve:

� a persistência de modos organizativos do trabalho assentes predominantemente: (i) no modelotransmissivo a um grupo – turma e (ii) em modos de trabalhar e recursos uniformizadores, que seapresentam como altamente naturalizados na vivência e cultura das escolas e professores – “ensinartodos como se fossem um” (BARROSO, 1995); parte do individualismo docente passa por este modopersistente de organização do trabalho na escola;

� a discrepância recorrente entre apropriação discursiva de mudanças ou inovações instituídas, marcada porindicadores de adesão, coexistindo com prática docente divergente dessa mesma mudança proclamada,nomeadamente no que se refere a políticas formalmente orientadas no sentido da autonomia, ao longoda década em estudo; também a vertente da adesão discursiva à reflexividade e ao trabalho colaborativo,enfatizadas no discurso sobre a formação, estão aqui patentes;

� a evidência de um esvaziamento da escola como lugar de produção de conhecimento, supervisão eformação – fatores essenciais ao trabalho de ensinar e aprender;

� a escassa visibilidade de impactos do conhecimento produzido na investigação no trabalho de escola e deprofessores, não obstante numerosas iniciativas investigadas, que se revelaram bem sucedidas, mas secircunscrevem ao tempo e à lógica de uma investigação com reduzida apropriação pela escola no seu todo.

Nesta revisão (ROLDÃO et al. 2006), foi possível identificar menor investimento da investigação sobreaspectos concretos e específicos da ação docente e sua organização em contexto escolar, em favor doestudo de dimensões interpretativas mais amplas, de natureza sociológica e organizacional, nomeadamente,ou na linha do estudo psicológico dos processos desenvolvidos no contexto da aprendizagem escolar.

Pode estabelecer-se como hipóteses a considerar na explicação deste esbatimento do estudo da açãodocente as duas seguintes: (i) as dimensões do ato da docência são associadas a uma leiturapredominantemente técnica, tida por incompatível com a racionalidade reflexiva e crítica a que a maioria dainvestigação se reporta, de que resulta a sua menor visibilidade; (ii) a prática do ensino e seus modos deorganização encontram-se de tal modo envolvidos numa cultura enraizada que são, de alguma forma, tidas

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como “normais” num determinado formato que se não questiona, naturalizado que está na representaçãosocial e profissional. Referimo-nos concretamente à absoluta excepcionalidade, patente na revisão desituações de ensino e aprendizagem que apelem a modos de trabalho e organização que, por exemplo,questionem a estrutura da turma como unidade de trabalho. Referimo-nos ainda à persistente verificação deque certos documentos orientadores da gestão do currículo e da docência (os vários tipos de projetosestratégicos de escola e de turma, por exemplo) se apresentam associados a uma dimensão normativo-discursiva, com escassa conceptualização estratégica da ação a desenvolver e avaliar, e diminuto efeito sobreas práticas de que se ocupam, quer ao nível meso da escola, quer ao nível micro da ação docente em salade aula.

Tais tendências que a investigação nos apresenta poderão ser projetadas, em estudos futuros, para oinvestimento numa maior visibilidade da relação entre estudos sobre práticas docentes e sobre a dimensãoda cultura profissional e organizacional que parece indispensável à sua compreensão e, em termos deimpacto do saber produzido, à modificação da ação da escola e dos professores a partir da intervenção nointerior da cultura em causa – intervenção de que a formação é um instrumento central.

No plano metodológico, à semelhança das duas revisões anteriormente analisadas, identificou-se nestevolumoso corpus uma predominância quase absoluta de estudos qualitativos, caracterizados, na sua maioria,por abordagens do tipo estudo de caso. Do ponto de vista da perspectivação futura de investigação nestedomínio, parece desejável reforçar a maior complementaridade entre estudos extensivos (com incidência navertente quantitativa) e estudos intensivos (com incidência na vertente qualitativa). Trata-se de superar, comoaliás algumas das investigações revistas já documentam, uma leitura estrita dos paradigmas de referência –quantitativo e qualitativo – em termos do tipo de técnicas que utilizam e do âmbito do estudo. De fato, o queos distingue é o tipo de questionamento com que interrogam a realidade – de um lado, no quantitativo, abusca da mancha, da tendência, da medida possível; do outro, no qualitativo, a clarificação por viainterpretativa, da complexidade de cada situação em estudo. Em ambos se produz conhecimento credível se,e quando, os resultados são articulados em torno de questões que, necessariamente, transcendem o âmbitode cada estudo, e contribuem para um nível mais profundo de conhecimento produzido.

CONTRIBUIÇÕES DAS PESQUISAS PARA A CLARIFICAÇÃO DO CAMPO DA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES

Um primeiro aspecto que destacamos desta meta-análise aqui ensaiada é o da necessidade de a pesquisa nocampo da formação de professores se estabelecer com uma maior especificidade e menos abrangência edifusão, de modo a permitir aprofundar os problemas centrais que estruturam o campo.

Desses problemas centrais da pesquisa sobre formação, destacamos a necessidade de aprofundamento danatureza da própria função de ensinar, desconstruindo as naturalizações instaladas, e estudando o seusignificado, operacionalização, efeitos, desenvolvimento, qualidade. A função de ensinar estrutura odesempenho do profissional docente e o seu desenvolvimento e constitui-se como o referente central darespectiva formação.

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Um outro eixo que a pesquisa demonstra ser frágil no plano da formação é a teorização do próprioconhecimento profissional, marcado por falsas dicotomias, embebido de praticismo, que, muitas vezes,inviabiliza a sua construção e teorização pelos docentes, e reforça culturas profissionais mais débeis do queseriam se as comunidades de docentes se constituíssem em construtoras de conhecimento próprio,sustentado em análise e pesquisa, desenvolvido colaborativamente no interior de uma práxis particular.

As lógicas organizativas da formação – inicial e continuada – não têm demonstrado ser eficazes no reforçodestes caracterizadores de profissionalidade docente. Importa assinalar que as evidências da pesquisaapontam todavia para a indissociabilidade entre a reconceitualização da formação e a transformação daorganização do trabalho de docentes e escolas. Dois indicadores dessa fragilidade são a escassez deprocessos colaborativos e o ainda maior esbatimento de trabalho de supervisão no interior da escola. Apesquisa sobre formação não pode descurar a ligação direta que o processo epistemológico e práxico quedefine a formação (ROLDÃO, 2007a) tem de estabelecer com os modos organizativos do trabalho do docentea que a dita formação se reporta.

Finalmente, a pesquisa revista indicia uma zona de tensão entre a dimensão dita prática e a dimensãoteorizadora, nas lógicas existentes de formação. Porventura, esse é o nó central da questão – porque emtorno dele se organizam quase todas as dificuldades identificadas no que se refere à formação. Superar adicotomia teoria-prática, reconcebendo o professor como um agente teorizador da ação que realiza e nãoapenas como o detentor de saber prático – visão que se cristalizou na representação social dominante –constituirá porventura o desafio maior de pesquisas futuras neste domínio.

Recebido em junho de 2009 e aprovado em agosto de 2009.

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Pesquisa sobre formação de profissionais da educaçãono GT 8/Anped: travessia histórica

Iria Brzezinski 1

RESUMO

A metanálise da produção do GT8, associada à narrativa de sua travessia histórica é objeto deste artigo,resultante de Trabalho Encomendado para a 30ª. Reunião Anual (2007) e atualizado em 2009. Investigaçãoteórica, histórica e documental que visa a reconstituir o desenvolvimento da pesquisa no “GT Formação deProfessores (GT 8)”, originalmente “GT Licenciaturas”. O método de exposição é diacrônico-sincrônico e ode investigação, dialético. A constituição e consolidação do GT tem sido marcadas por pesquisas nelepartilhadas e, por mediações científico-acadêmicas entre pesquisadores experientes e novos investigadores.Esses, na maioria, discentes dos programas de pós-graduação em Educação. A reconstituição históricacontextualiza o GT8 no universo dos 23 GTs da Anped e revela sua identidade como espaço específico dereflexões, discussões, debates e embates acerca da produção no campo da Formação de Profissionais daEducação. Os resultados da análise de 118 Trabalhos (1999-2008) apontam que a consolidação do GT8decorre do esforço coletivo de dois subgrupos distintos. Um representado por um núcleo básico depesquisadores permanentes, que se preocupa em: promover articulações entre linhas de pesquisas dosprogramas de pós-graduação; desenvolver projetos integrados e interinstitucionais; produzir conhecimentosobre formação de professores para a educação básica e superior. Outro, numericamente maior secomparado ao primeiro, porém com participação descontínua, casual. A existência dinâmica das pesquisas doprimeiro configura o ethos do GT8.

PALAVRAS-CHAVE: produção sobre formação de professores; pesquisa e pós-graduação; travessia do GT8;fórum de debates; metanálise; ethos.

1 Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade

Católica de Petrópolis (UCP).

ARTIGOS

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Research on Educational Professionals’ Trainingat GT8/Anped: Historical Path

ABSTRACT

The Meta-analysis of the academic production of Study Group “GT8,” associated to the narrative of itshistorical recall, is the main purpose of this study, as the result of a requested paper for the 30th ANPEdAnnual Meeting (2007) and updated in 2009. This is a theoretical and historical investigation as well as recordchecking that aims to recall the development of research in “GT Formação de Professores (GT8).” Theexpositional method is diacronical-sincronical and the one used for investigation is dialetical. Theestablishment and consolidation of “GT8” have become known for its shared research as well as for scientificand academic intervention among experienced and young investigators. Most of them are students atGraduate Programs on Education. The historical recall settles down “GT8” among the other 23 “GT’s” ofANPEd and brings up its identity as a specific slot for reflections, discussions, debates and impingementsregarding studies in the field of Educational Professionals’ training. The results of the analysis of the 118studies (1999-2008) indicate that the consolidation of the “GT8” comes from the collective effort from twodifferent groups. One of them is represented by the basic group of official researchers who are concernedabout promoting interaction among research lines of the Graduate Programs; developing inter-institutionaland integrated projects; producing knowledge about teacher education for schoolteachers and teachereducators. Although the second group is bigger than the first one, its participation is informal. The researchdeveloped by the first group sets up the ethos of “GT8.”

KEY-WORDS: Academic Production on Teacher Education; Research and Graduate Programs; The Recalling of“GT8;” Debate Forum, Meta-analysis; Ethos.

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Pesquisa sobre formação de profissionais da educaçãono GT 8/Anped: travessia histórica

Iria Brzezinski

[No campo da educação], o exercício de uma prática-teórica - a produção daciência - leva a uma teoria da prática pedagógica, que deve ser capaz deinformar e transformar a prática social concreta da educação (SEVERINO,1993, p. 19).

UM “PUNHADO” DE HISTÓRIA

O objeto do presente estudo é a produção no campo da formação de profissionais da educação em debate,em análise, em reflexão, em avaliação que possa ser capaz de subsidiar mudanças na prática pedagógica esocial da educação, como alerta Severino (1993), em epígrafe. Essa produção circula em espaço específico epróprio que, dialeticamente, transforma-se em lugar de produção - o Grupo de Trabalho “Formação deProfessores” da Anped (GT8).

Refiro-me ao espaço sensível à escuta, ao diálogo, ao intercâmbio, ao embate no confronto de ideias, portudo isso, um Fórum de Debates que visa a instigar interlocuções epistemológicas e metodológicas,teorização de práticas e intercâmbio de vivências investigativas em torno de uma temática abrangente emultidisciplinar, contudo, com uma nuclearização: formação do professor.

O presente artigo foi construído, inicialmente, com o objetivo de honrar compromisso firmado no GT8 paraum trabalho da categoria “encomendado”, exposto e debatido na 30ª Reunião Anual da Anped (RA, 2007).Na ocasião, ousei reconstituir o percurso da investigação nesse espaço privilegiado, circunscrito a um marcotemporal: o GT8 inaugurava o seu 25º ano de produção no campo de formação de professores.

Agora, em outro momento e com outro objetivo, o artigo se configura mais amplo, à medida que contemplaatualizações da metanálise dos trabalhos apresentados no GT até a 32ª RA (2008).

Busco revelar a trajetória da pesquisa utilizando uma exposição diacrônico-sincrônica, cujo movimento sedesloca do presente - GT Formação de Professores - ao passado - GT Licenciaturas -, lançando perspectivasfuturas. Sendo assim, indago: Por que não chegar, em breve, a uma (re)configuração e outra denominação doGT8 suscitadas por problemas de pesquisa e de outros interesses da Educação Básica e Superior queemergem dinamicamente no século XXI?

Intento reconstituir um “punhado” de história das pesquisas dispostas no centro do Fórum de Debates do(GT8), atenta ao rigor científico exigido de qualquer estudioso que se debruce sobre o tema, desde que “[...]tudo o que nele se inclua, tenha, realmente, ’acontecido’” (VEYNE, 1982, p.17) (Grifo meu). Cuido, também,

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para não premer vinte e cinco anos de produção científica em uma sintética-síntese porque impelida pelanatureza deste trabalho que, com razão, impõe limites à autora.

O “acontecido” (VEYNE, 1982) aqui significa, sobretudo, a compreensão da realidade, da complexidade e daheterogeneidade de referenciais teóricos, de dados empíricos, de procedimentos metodológicos, deresultados relevantes e pertinentes ao campo da formação de professores. Esse acúmulo de conhecimentofoi expresso, com maior ou menor intensidade, com coerência e consistência argumentativa, com ênfase naparticularidade ou na amplitude de cada problema de pesquisa, em cada um dos trabalhos que se enfeixa namultiplicidade dos selecionados por Comitê(s) Científico(s) e apresentados nas RAs da Anped.

O “acontecido” aqui significa, também, respeito à configuração do GT8, que como os demais GTs da Anpednão constitui, conforme convencionado pela comunidade científica, grupo de pesquisa stricto sensu, emvirtude de que seus integrantes não desenvolvem sistematicamente pesquisa em conjunto, mas sim,participam, ano a ano, em um fórum para discutir tanto a pesquisa e a pós-graduação, quanto as implicaçõesque suscitam o desenvolvimento, a divulgação e a aplicabilidade dessas investigações no âmbito da educaçãobásica, da educação superior, no campo educacional.

O “acontecido”, neste instante, significa retornar às origens do GT.

GT LICENCIATURA: GÊNESE

O cenário, ponto de partida para a criação do GT8, foi o último quartel da década de 1970 e início dos anos1980, momento histórico em que os movimentos sociais se constituíram de forma mais vigorosa econquistaram legitimidade para abrir novos canais de debates e de participação nas decisões do Estadobrasileiro autoritário. À medida que o governo militar começava a emitir difusos sinais de esgotamento, osmovimentos sociais com intensas lutas contra a repressão conseguiram certa abertura democrática, o quepossibilitou investidas, ainda que descontínuas, de novos atores que entravam em cena (SADER, 1986,1988). Tais atores sociais se organizavam em sindicatos, associações, entidades estudantis, dentre outros. Amobilização atravessava a categoria dos professores, que mantinha afinidade com causas e reivindicações dagreve dos trabalhadores do ABC Paulista (1978), engajados em seus sindicatos.

Momentos difíceis para a universidade brasileira, para a educação, para a formação de professores, para aeducação básica e superior, pelo fato de que, dentre outros aspectos, a produção de conhecimento erapatrulhada e imediatamente censurada caso revelasse indícios de concordância com a tendência sócio-histórica da educação ou com o materialismo histórico como matriz de conhecimento. Ademais, uma crisese enveredava pelas licenciaturas, visto que vigia um modelo de formação, sustentado na teoria tecnicista,atrelado ao currículo mínimo nacional, visível entulho da política educacional traçada pelo governo militar. Aluta para modificar esse modelo tomava por base propostas alternativas de formação docente queprocuravam corresponder às exigências da sociedade em mudança e às necessidades da educação básica esuperior que requeriam profissionais críticos, com qualidade socialmente referenciada.

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Neste contexto, os educadores formaram uma frente de resistência ao modelo de formação de professores,à ocasião, orientado pelo Projeto de Reformulação dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos paraEducação (SeSu/MEC). Organizados durante a I Conferência Brasileira de Educação (São Paulo, PUC/1980)constituíram o Comitê Nacional Pró-Formação do Educador, transformado, em 1983, em Comissão Nacionalde Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE) e, em 1990, em Associação Nacionalpela Formação de Profissionais da Educação (ANFOPE).

Segundo depoimento de Míriam Krasilchik , durante o I Encontro Nacional de Reformulação dos Cursos dePreparação de Recursos Humanos para a Educação (Belo Horizonte, nov. 1983) houve um acordo commembros da Diretoria da Anped, também participantes desse encontro, para ser organizado um Grupo deTrabalho que viesse a tratar das questões que afetavam a formação de professores e educadores em geral.

Indagada sobre o motivo da criação do GT, Míriam Krasilchik (2007) assim se pronunciou: “A formação deprofessores nos inspirou, nos incitou a formar o GT Licenciaturas, na Anped. A formação de professores foium problema e tem sido um problema durante todos esses anos... É um problema sem solução”. Esclareceumais precisamente “esse problema sem solução” quando em determinado momento voltou ao assunto commaior ênfase: “O grande problema continua sendo a quantidade de professores necessários para atender ademanda brasileira com formação adequada, sem improvisação, sem falta de preparação, tanto teórica,quanto prática”.

A proposta de criação foi lançada e o GT Licenciaturas foi constituído sob a coordenação da citada professora.Seus membros se reuniram pela primeira vez na Anped, na 7ª RA (Brasília, 1984). Nesta reunião, foramaprofundadas as discussões para elaborar propostas de formação para as licenciaturas e para o curso dePedagogia com base nos princípios e orientações contidos no documento final do encontro nacional de BeloHorizonte, assumidos pela CONARCFE.

A 8ªRA ocorreu em São Paulo, em 1985. O GT estruturado de forma mais compatível com as recomendaçõesda Anped, organizou uma sessão para análise de pesquisas sobre o assunto. Essas recomendações jáexpressavam o que, posteriormente, Calazans (1995, p. 54) escreveu: “um Grupo de Trabalho da Anpeddeveria ser um espaço onde as questões teórico-metodológicas e os resultados de pesquisa fossemdiscutidos. Não poderia ser um espaço aberto coletivamente, pois isso exigiria uma reunião longa, o que seriaimpraticável”.

Compartilho as recomendações de Calazans. No meu entendimento, os GTs não podem ser transformados,por pressão da demanda, em lugares de exposição de pesquisa concluídas, como se verifica nos últimos anosna Anped. Creio que, pelo menos o GT Formação de Professores, além de veicular a produção de grupos depesquisa consolidados e emergentes, o que é muito significativo, deveria tornar-se mais propositivo,dedicando-se a projetos de intervenção no cenário contemporâneo das políticas de formação e de valorizaçãode professores, transformando-se em um referente científico-pedagógico qualificado para as mudanças naqualidade da educação básica e superior. O GT8 e os demais GTs da Anped deveriam ousar mais para seremcapazes de “informar e transformar a prática social concreta da educação” (SEVERINO, 1993, p. 19). Assimocorreu, guardadas as proporções, com os amplos resultados do trabalho que serviu de base para os debatesdurante a 2ªRA do GT Licenciaturas e que foi apresentado por Menga Lüdke (1985), pesquisadora integrantedo grupo de investigação da PUC/RJ: “Os novos rumos da Licenciatura”.

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O trabalho de Lüdke suscitava críticas ao modelo de licenciaturas de então e permitiu que os participantesapresentassem propostas de formação de professores mais consentâneas com o que o momento históricoincitava. Fica confirmada a relevante contribuição da pesquisadora sênior para os debates e interlocuções noGT. Exemplar é a sistemática participação de Menga Lüdke no GT8 até os dias atuais, seu compromisso coma pesquisa sobre formação de professores e suas significavas reflexões para a formação e o aperfeiçoamentode pesquisadores seniores e juniores. A pesquisadora reúne à sua rigorosa formação intelectual, aexperiência de fazer parte do GT8 no presente, no passado e, sem dúvida, as suas proposições relevantespara o futuro.

No relatório de avaliação da 2ª RA do GT Licenciaturas (1985), a coordenadora apontava algunsencaminhamentos para maior estruturação do Grupo de Trabalho, entre eles: a) discutir, analisar e avaliar aspropostas de reformulação das licenciaturas em andamento nas universidades; b) estimular os programas depós-graduação a promoverem estudos sobre as licenciaturas. Krasilchik (1985) anunciava que os estudosacerca das licenciaturas deveriam centrar-se em aspectos como a questão da teoria e prática, vantagem edesvantagem da existência dos currículos mínimos dos cursos, as diferentes disciplinas que deveriamcompor um currículo e o estágio supervisionado. A coordenadora ainda destacou no relatório (1985) ainexequibilidade das novas experiências de reformulação dos cursos de formação de professores, devido àscondições complexas e desintegradoras das instituições que repartiam disciplinas e atribuições da formaçãoentre a Faculdade de Educação e os Institutos de “Conteúdos Específicos”.

Durante a entrevista dada em 2007, Míriam retomou esta problemática, lamentando ainda não ter sidosuperada a questão no interior da universidade. Ressaltou o papel fundamental da Faculdade de Educação nacomplexa tarefa de formar professores e a necessária interligação, intrauniversitária, entre departamentos einstitutos que dela também se ocupam. Míriam deu realce à importância da “criação de uma linguagem, deuma postura e de uma política interdisciplinar na Universidade”, destacando o exemplo que conhece daFEUSP de que há uma comissão composta por professores de múltiplas tendências e que vêm estimulandoformas de aproximações institucionais, com a finalidade de promover essa interdisciplinaridade.

Retomando a narrativa da travessia do GT8, ainda na fase organizativa, saliento que, em atendimento àsrecomendações ao aludido relatório de 1985, no decorrer da 9ª RA e 3ª do GT8(1986) os participantes sededicaram à análise das experiências resultantes de pesquisas acerca do ensino de Matemática, CiênciasFísicas e Biológicas, do estágio supervisionado e das atividades de aperfeiçoamento de professores emexercício. Nesta mesma RA, o GT8 destinou um dia integral para análise do Movimento de Reformulação dosCursos de Formação do Educador, cujos coordenadores iniciavam uma pesquisa sobre os cursos delicenciaturas de diversas universidades brasileiras e estiveram no GT apresentando o projeto ao mesmotempo em que solicitavam colaboração.

No planejamento da reunião do ano seguinte foram atribuídas duas tarefas aos membros do GT: produzirtextos para serem divulgados sistematicamente sobre discussões realizadas e experiências de mudançascurriculares, e preparar um programa de pesquisa sobre os temas relevantes para fundamentar estudos epropostas emergentes sobre formação de professores.

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Fato importante a destacar foi que somente na Assembleia Geral da 9ª RA (1986) foram estabelecidoscritérios para organização de GTs. Cito alguns: a) mandato de dois anos para o coordenador; b) possibilidadede uma recondução; c)definição de 60 dias de antecedência mínima para envio de trabalhos, à Secretaria daAnped, a serem avaliados. Lembro que até a 14ª RA os trabalhos eram avaliados pelo coordenador do GT, eem alguns, como era prática do GT Licenciaturas, os trabalhos eram também avaliados por um grupovoluntário de pareceristas ad hoc, pois o Comitê Científico, tal como hoje se organiza, foi instalado somenteem 1992 (14ª RA).

Como síntese do percurso da pesquisa neste período, considero que o GT8 constituiu um fórum de reflexãosobre os problemas dos cursos de licenciatura, a partir do qual se delineou um programa de estudos, tendoem vista o conhecimento da realidade desses cursos no país.

O “acontecido”: o GT Licenciatura dá mostras de organização e começa a ter visibilidade no contexto dasRA. Delineia-se sua primeira identidade como grupo que caminhava para sua organização.

GT LICENCIATURA: OS ALICERCES DA ORGANIZAÇÃO

Na 10ª RA da Anped, 4ª RA do GT8 (1987), houve participação e debates relacionados à pesquisa com osCoordenadores da Comissão de Licenciatura da SBPC, da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursosde Formação do Educador e representantes do projeto: “Contribuições da Pós-Graduação para aLicenciatura”. Nesta mesma oportunidade, foram apresentados os resultados preliminares e as perspectivasde continuidade do projeto “Novos rumos das Licenciaturas”.

Os avanços dos estudos nessa reunião indicavam uma crescente estruturação do GT e propiciaram adefinição de uma linha de pesquisa dirigida à análise das experiências do processo de formação docente,considerados seus pressupostos, o contexto em que se realiza e o significado social dos resultados.

Em 1988, em face à necessidade de apresentar propostas para a nova Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional, na 11ª RA da Anped e 5ª RA do GT, o primeiro dia foi dedicado às discussões a respeito daimportância “de conciliar o trabalho regular do grupo com a necessidade de apresentação de propostas paraa nova LDB” (KRASILCHIK, 1988, p. 29). Os debates e encaminhamentos foram marcados por temasfortemente relacionados com políticas educacionais de formação de professores. A sequência de trabalhosapresentados nessa reunião por Menga Lüdke (PUC/RJ), Iria Brzezinski (UCG/UnB), Maria Lúcia Worten(UFRGS), Leda Azevedo (UFG) e Antônio Araújo (UFRN) suscitaram o delineamento de um currículo para aslicenciaturas que contemplou a base comum nacional de formação. Essa base tem sido objeto de estudos doMovimento Nacional de Educadores.

Interessante o resultado da RA de 1988, pois os participantes do GT chegaram a indicar uma organizaçãocurricular de formação de professores que incluía a área de conteúdo pedagógico, disciplinas de conteúdoespecíficos e disciplinas integradoras. As discussões versaram ainda sobre as relações entre bacharelado elicenciatura, tópico analisado devido à exclusão das disciplinas de licenciatura do currículo mínimo do cursode Biologia pelo Conselho Federal de Biologia, impedindo o registro dos licenciados naquele Conselho; àformação e carreira do professor na LDB e o campo de trabalho da educação informal e a licenciatura.

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Míriam Krasilchik permaneceu coordenando o GT até 1988, quando foi eleito Alfredo Gomes Faria Júnior.Este coordenador decidiu apresentar um documento gerador para a 6ª RA do GT e 12ª da Anped, elaboradopor membros do GT no período que precedeu a reunião, para orientar as discussões do grupo. Desse modo,imprimiu ao GT uma nova metodologia de trabalho. Segundo o relatório de 1989, nessa reunião

tiveram lugar as discussões objetivando a formulação de propostas específicas para aLDB, centrando-se a discussão no tema “Magistério: formação e carreira”, embora outrostemas também tivesse merecido algumas reflexões. A questão curricular, a relaçãoteoria/prática, a eliminação das licenciaturas curtas e o binômio magistério-carreira foramos subtemas trabalhados. (FARIA JÚNIOR, 1989, p. 78)

Em 1990, o GT Licenciatura reuniu-se pela sétima vez na 13ª RA da Anped, porém, vivenciou uma situaçãoatípica, com 41 participantes, somente quatro trabalhos de pesquisa foram apresentados por investigadoresque integravam o GT desde sua criação. Os debates se voltaram para análise das concepçõesepistemológicas, procedimentos de pesquisa e resultados dos trabalhos apresentados. Essas eramatividades exigidas pela Anped como condições para considerar um grupo em consolidação. O coordenadorfoi reconduzido e passou a contar com uma vice, ambos da UFRJ, no entanto, ele afastou-se antes de realizar-se a 14ª RA (1991) e 8ª RA do GT. Verificou-se certa desintegração causada pelo afastamento do ex-coordenador e que não foi superada, ainda que a vice-coordenadora estivesse presente durante a reunião. Afalta de um relatório deixou os participantes do GT8 sem qualquer informação, exceto o registro de que houveeleição de nova coordenadora Anna Pessoa de Carvalho, da USP.

Em 1992, a 15ª RA inaugurou uma outra modalidade de exposição e debates – sessão especial conjunta, inter-GTs – com objetivo de maior aprofundamento de temas, sob a responsabilidade de pesquisadoresexperientes. O GT8 integrou-se ao GT Alfabetização e a temática da primeira sessão especial foi a respeitode pesquisas das áreas específicas do conhecimento que influenciavam os cursos de formação e a educaçãodo professor alfabetizador. O caloroso debate instalado na sessão especial sobre a diversidade dos níveis emodalidades de formação do educador e a especificidade dos cursos motivou os pesquisadores a avaliarema própria configuração do GT. A abrangência e a multiplicidade temática, a diversidade de objetos e problemasde investigação que circulavam no GT exigiam redimensionamentos. Apesar disso, os trabalhos apresentadospara discussão correspondiam muito pouco à diversidade de níveis e de modalidades de formação constatadana prática.

Míriam Krasilchik (2007) referiu-se à distância entre o que se pesquisa nos cursos de pós-graduação e aprática da educação básica, destacando ser uma questão não equacionada no campo de formação deprofessores:

o problema maior que sempre existiu reside no distanciamento da universidade emrelação à escola, essa relação se dá em várias esferas, eu diria que na esfera das políticaspúblicas; também depende da cultura de cada uma das instituições e por isso, algunsgrupos de profissionais da universidade colaboram e interferem na educação básica,outros não.

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A travessia histórica do GT8 nesta oportunidade foi marcada por uma decisão significativa do grupopermanente de pesquisadores, com vistas a demarcar a identidade do GT. Foi escolhido um tema geradorpara a 10ª RA do GT (1993) na tentativa de atrair e congregar as discussões e debates concernentes a todasas licenciaturas. “Que professores estamos formando?” foi a questão norteadora das discussões. Umaorientação foi dada ao processo de seleção de trabalhos do GT: o foco deveria voltar-se aos conteúdosespecíficos, buscando uma relação dialógica entre a produção do conhecimento escolar e a formação deprofessores. Definiu-se pela elaboração de um Boletim que veiculasse informações no inter-regno das RAsentre os membros do GT8.

Ao sintetizar o percurso da pesquisa neste período no GT8 é possível assegurar que houve tentativas detraçar novos rumos para as licenciaturas, a partir de levantamentos sobre os cursos de graduação queformavam professores no país e do exame de práticas inovadoras, centradas em projetos de pesquisa, quecomeçavam a despontar.

O “acontecido”: o GT Licenciatura mais consolidado, dialeticamente, faz emergir o novo.

GT FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TRANSFORMAÇÃO SUBSTANTIVA

No inter-regno 1992-1993, tomou impulso a ideia de reconfigurar o Grupo de Trabalho, com a finalidade dechegar a contornos mais nítidos de uma outra identidade teórico-metodológica. Bastante revigorada essaposição dos participantes do GT, na 16ª RA realizou-se uma avaliação acerca da apropriação de novos objetosde pesquisa pela comunidade dos programas de pós-graduação, o que implicou reconhecer que adenominação GT Licenciaturas não correspondia à evolução dos estudos no tocante à formação deprofessores.

Desde sua origem (1903) até 1993 (14ª RA), as pesquisas em debate no GT Licenciaturas, coerentemente aoseu perfil, circunscreviam-se à formação inicial de professores no ensino superior. Por certo, essaconfiguração restringia a divulgação de investigações a respeito da formação de profissionais da educaçãofeita em outros níveis e na modalidade de educação contínua. Ficou claro para os integrantes do GT8 que asmudanças não significavam uma simples troca de nomenclatura. Tomada a decisão favorável àstransformações, a autora do presente artigo propôs um plano de ação para que a nova identidade teórico-metodológica, de fato, viesse a configurar o ethos do renovado GT8. Aceita a proposta por unanimidade, oato contínuo foi a escolha por aclamação da propositora para coordenar o GT. Sem dúvida, resultou na práticao emprego da premissa: Propôs? Assuma a responsabilidade.

O espectro de temáticas que a própria expressão “formação de professores” desvela levou a uma irreversívelampliação do GT8, tanto em número de participantes, quanto ao afluxo de trabalhos para serem selecionadospelo Comitê Científico nas sucessivas reuniões anuais da Anped. As mudanças foram também favorecidaspelos estudos que se multiplicaram sob novos paradigmas das ciências sociais e humanas, sob ações doEstado mínimo brasileiro em relação às políticas educacionais, impulsionado por dispositivos da LDB/1996 esua implementação, que por sua vez passaram a instigar novas pesquisas, pela expansão dos cursos demestrado e doutorado na área de Educação e pela facilidade de circulação de informações e comunicaçõesem plena sociedade da revolução tecnológica.

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O GT Formação de Professores no conjunto dos 23 GTs da Anped transformou-se no maior, em quantidadede participantes e qualidade de trabalhos. Por várias RAs consecutivas ocupou o primeiro lugar entre os GTsque recebiam maior número de pesquisas para serem avaliadas pelo Comitê Científico. Mantém-se até aosdias atuais entre os que congregam maior afluxo de Trabalhos e Pôsteres.

Saliento que faz parte da travessia histórica do GT a importante atuação de seus coordenadores, derepresentantes no Comitê Científico de cada RA e de consultores ad hoc. Esses colaboradores desenvolvematividades previstas em regulamento da Anped, cuja assunção exige observação rigorosa de critérios, demodo geral, atendidos pelos integrantes do núcleo básico e permanente de pesquisadores do GT8. Forammencionados anteriormente os quatro primeiros coordenadores. É necessário, todavia destacar que naatualidade a coordenadora é a professora Emília Freitas de Lima, da UFSCar, cuja recondução ocorreu em2007, e que fora precedida pelos professores Laurizete Ferragut Passos (2004-2005), da UNESP/Rio Claro;Eduardo Adolfo Terrazzan (2000-2003), da UFSM e Elsa Garrido (1995-1999), da USP.

Elaborar uma síntese do breve período (1992-1993) descrito neste subitem importa assinalar que o percursoda pesquisa no GT privilegiou estudos sobre a articulação da investigação com a docência, com pesquisaspara construir conhecimentos e saberes docentes, os quais incluem a prática dos professores, prática que setransforma em objeto de investigação e de reflexão teórica. Problemas de pesquisa centrados nainterdisciplinaridade também marcaram a produção do GT neste biênio.

O “acontecido”, o acontecendo: o GT Formação de Professores revela com nitidez outra identidade e seconsolida como fórum plural e democrático de circulação de pesquisa, debates e críticas.

GT FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA MODALIDIDADE

TRABALHOS

O contexto de mudança e inovações no GT Formação de Professores induziu a um balanço de sua produção.Ponto de partida para o desenvolvimento da pesquisa teórico-bibliográfica, do tipo estado da arte com análisede conteúdo dos trabalhos apresentados no GT, no período 1992-1998. Tal estudo permitiu a análise dostrabalhos completos e resumos, sob a responsabilidade da autora deste estudo em parceria com Elsa Garrido(USP). Essa pesquisa veio a fazer parte de uma mais ampla coordenada por Marli André, com um rigorcientífico peculiar à investigadora, nesta ocasião Secretária Geral da Anped e membro do GT Didática, hojeintegrante do GT8.

O estado da arte do período supramencionado confirmou a pertinência da investigação. Os resultadosrevelaram, por um lado, uma riqueza e variedade de aportes teóricos, a complexidade dos novos desenhosde pesquisa sobre a temática, bem como metodologias, procedimentos e resultados que consistem emcontribuições valiosas para avanço do campo investigado no GT8. Por outro, ficou demonstrada a importânciade mapear áreas e temas ainda lacunares na produção do GT. Foram ainda constatadas dificuldades emalguns trabalhos, no sentido de o pesquisador precisar o método, a metodologia, os procedimentos e oinstrumental da pesquisa realizada.

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Para além de o estado da arte constituir fundamental fonte de consulta para o GT, outra razão de suapertinência é servir de referência aos demais GTs, considerando que a temática formação de professores éobjeto de pesquisa de vários, na Anped. Esta é uma das formas de desvelarem-se limites e possibilidade nainterface com vários GTs.

Ao longo da trajetória do GT Formação de Professores, vários encaminhamentos foram feitos em suassessões de avaliação durante as reuniões anuais, visando a manter sintonia com seus objetivos. Entre elessobressai a análise dos trabalhos, do que me ocuparei mais adiante. Ainda, por julgar relevante para opresente estudo, cito alguns deles: a) a análise dos trabalhos e pôsteres apresentados nas RAs deve se tornarprocedimento contínuo, o que requer desenvolver projetos de pesquisa integrando diferentes pesquisadoresdo GT com finalidade de proceder a meta-avaliação da produção científica; b) o aperfeiçoamento dospesquisadores juniores e seniores em metodologia de pesquisa deve compor atividades programadas pelopróprio GT durante as RA e em seus inter-regnos, por exemplo, durante as reuniões regionais da Anped; c) aidentificação de diferentes grupos de pesquisa, no Brasil, cujo objeto de investigação seja formação deprofissionais da educação é significativa. Desse modo, é preciso organizar um mapeamento ou cadastro quefuncione como banco de dados, objetivando maior intercâmbio e interlocução intergrupos. Esse intento foiconseguido com a realização do I Simpósio dos Grupos de Pesquisa sobre Formação de Professores noBrasil, na PUC/SP em julho de 2006, do qual participaram 73 grupos. O evento contou com um grupoorganizador de integrantes do GT8, sob a coordenação de Emília Freitas de Lima.

No que diz respeito à análise dos trabalhos do período 1992-1998, um recorte foi imposto, sendo necessáriolimitar o alcance da pesquisa a alguns momentos históricos, pois não foi possível localizar grande parte daprodução apresentada por falta de registros. Na tortuosa caminhada de busca para reunir a produção científicado GT Licenciaturas, na década de 1990, fui informada pela secretaria executiva da Anped, em São Paulo, quea ausência de um local específico que comportasse o acervo da entidade conduziu à sucessivastransferências dos arquivos da Associação, pois tal material acompanhava cada diretoria eleita e, geralmente,ficava à guarda do Presidente e da secretaria executiva, fato que levou ao extravio de documentações.Felizmente, em nossos dias, o avanço da tecnologia e o uso da internet permitem consultas instantâneas aoacervo virtual, simplificando o processo de coleta de informações e o penoso trajeto dos pesquisadores no“garimpo” de dados.

PRODUÇÃO CIENTÍFICA: 1992-1998

Os 70 trabalhos analisados por Brzezinski e Garrido (2001) constituíram uma amostra da produção do GT noperíodo 1992-1998. Como mencionado anteriormente não foram incluídos comunicações e pôsteres.

Após localização dos trabalhos nos arquivos da Anped, foi realizada a leitura analítica dos trabalhos completos.Outro procedimento de pesquisa foi a organização dos dados sitematizados em uma matriz analítica, da qualemergiram cinco categorias de análise e seus respectivos descritores. As categorias, número de ocorrênciase percentuais em relação ao universo de trabalhos analisados podem ser consultados a seguir na Tabela 1.

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Tabela 1 - Resultados do estado da arte de trabalhos apresentados no GT8 -1992-1998

CATEGORIAS N %

1 Formação Inicial de Professores 28 40

2 Formação Continuada de Professores 17 24

3 Profissionalização Docente 11 16

4 Práticas Pedagógicas 10 14

5 Revisão da Literatura 4 6

Total 70 100

Fonte: Arquivos Anped e Relatórios do GT8 (1992-1998)

Os aspectos teórico-metodológicos que sustentaram o referencial e a opção pelo método e metodologia depesquisa, os resultados alcançados, os focos de análise e as tendências que as produções examinadassugeriram foram suficientemente analisados para apontar o que se segue. Peço vênia aos leitores paratranscrever os resultados em citação bastante longa.

As experiências de parceria da universidade com o sistema de educação básica abriramcaminhos novos de pesquisa, de revisão de concepções sobre processos de formação e deprofissionalização docente. A participação dos professores, enquanto sujeitos dos processosformativos, apareceu em várias pesquisas de formação inicial e continuada, mas, a voz do alunopraticamente não foi ouvida pelos investigadores. Aliás, os professores foram estudados pelosformadores-pesquisadores. Não foi analisado o formador do professor. Tampouco foramlevantados dados sobre como outros profissionais vêem os professores ou como os alunosvêem os docentes. Nada se estudou a respeito do que os alunos esperam da escola. A avaliaçãodo impacto dos cursos de formação inicial e continuada na melhoria da qualidade do ensinotambém foi questão pouco investigada na produção do GT, assim como silenciam-se aspesquisas sobre as condições de trabalho dos professores da rede pública e a influência dessefator nos baixos índices de qualidade e de aproveitamento no ensino fundamental. No conjuntodos trabalhos, é marcante a recorrência à temática da profissionalização docente, inclusive como aporte de modelos teóricos expressivos para a construção da identidade profissional doprofessor. Calam-se, porém as pesquisas em relação a um aspecto da profissionalização: odireito de sindicalização e de participação nas associações da categoria e dos movimentos emdefesa da valorização do professor. Do mesmo modo, emudecem-se as fontes em relação àcarreira docente e aos movimentos de valorização profissional. Políticas públicas de formaçãodocente, de desenvolvimento profissional e de valorização da profissão também são questõesque carecem de investigações documentais e de ensaios críticos. Outro tema recorrente naspesquisas analisadas é a feminilização do magistério do ensino fundamental. No entanto,merece ainda ser discutida a competência feminina para assumir a gestão de instituiçõessuperiores e universidades, como valorização da profissão e como reconhecimento do estatutosocial e econômico da mulher como professora. (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2001, p.95-96)

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Um outro trabalho visou à sistematização de pesquisas analisadas no GT8 e foi apresentado por Brzezinskina 21ª RA (1998), com suporte metodológico na análise da produção do conhecimento denominada"reconciliação integrativa" (MOREIRA, 1985, p. 9). A discussão do trabalho trouxe interessantes contribuiçõespara a configuração do GT. Em recorte sobre os dados da pesquisa anteriormente descrita, BRZEZINSKIanalisou 40 Trabalhos, de autoria de 51 pesquisadores, em 26 instituições de ensino superior no período1992-1998. Nesta investigação foram identificados os núcleos de pesquisa, as áreas temáticas e as linhas deinvestigação mais explorados pelo GT8, assim como os núcleos temáticos e áreas menos exploradas,portanto emergentes, mas de fundamental significado para as reflexões do GT.

PRODUÇÃO CIENTÍFICA: 1999-2003

Sob a responsabilidade de Emília Freitas de Lima e colegas foi feito um mapeamento dos trabalhosapresentados no GT no período 1999-2003, que somavam 55. Essa pesquisa circulou no fórum de debatedo GT8, em 2003, durante a 26ªRA, em forma de Trabalho Encomendado.

A investigadora organizou os dados conforme os conteúdos de cada trabalho. Foram registrados os seguintesdescritores constantes da Tabela 2, com as respectivas frequências e percentuais.

Tabela 2 - Resultados de análise de trabalhos apresentados no GT8 1999-2003

DESCRITORES N %

Formação Inicial 18 33

Formação Continuada e Desenvolvimento Profissional Docente 13 24

Saberes Docentes e Aprendizagem Profissional 10 18

Profissão Docente e Identidade Profissional 4 8

Profissionalização e Socialização Docente 2 3

Formação de Professores (aspectos gerais) 2 3

Outros (trabalhos considerados não diretamente relacionados à área) 6 11

Total 45 100

Fonte: Arquivos Anped e Relatórios do GT8 (1992-1998)

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Transcrevo, a seguir, os conteúdos inerentes aos trabalhos analisados por Lima et al (2003):

Atividades ou disciplinas no âmbito de curso de formação inicial de profissionais da educação easpectos relativos à concepção ou ao desenvolvimento do curso como um todo. Aspectosrelativos a atividades de formação continuada de profissionais da educação e/ou ao seudesenvolvimento profissional.Aspectos relativos a processos de constituição ou de mobilizaçãode saberes docentes e/ou a atividades ou processos de aprendizagem profissional dadocência.Aspectos relativos à constituição da profissão e da identidade docente.Aspectos relativos à organização da carreira docente e a relações estabelecias e/ou vivenciadaspelos docentes entre si e com as instâncias administrativas e pedagógicas. Aspectos gerais daformação de professores (ex: abordagens teóricas, características pedagógicas, etc.).

ANÁLISE DOS TRABALHOS APRESENTADOS NO GT8: 1999-2008

A trajetória da pesquisa no GT Formação de Professores no período que abrange da 22ª (1999) e 16ª do GTa 31ª RA (2008) e 25ª do GT manifesta-se nos 118 trabalhos apresentados durante um decênio.

Sabe-se que a leitura dos trabalhos, ainda que bastante atenta, merece revisão e, quiçá, uma releiturabastante acurada. Fiz essa releitura dos 118 trabalhos completos, para escrever o presente artigo. Houveraras mudanças de categoria: somente dois trabalhos. Essas se justificam tendo em vista que ao fazer umacategorização o mesmo pesquisador, após nova análise, em outro momento histórico e com outro objetivo,pode proceder alterações, porque a análise de conteúdo enquanto procedimento metodológico permite fazerinferências (BARDIN, 2004). A categorização tem validade para o pesquisador ou seu grupo de pesquisa epara a mesma investigação, considerando que quando pesquisadores diferentes usam a sistematização dedados da uma mesma investigação poderão elaborar categorias diferentes.

Na sequência à categorização, será desenvolvida a metanálise, com reflexão sobre os textos com uso daanálise de conteúdo, como já descrito.

Enumero a categorização dos 118 Trabalhos (período 1999-2008) constituída por sete categorias de análiseque podem ser observadas, a seguir na Tabela 3, por ordem decrescente de frequência. No Gráfico 1, ospercentuais registrados respeitam a ordem das categorias.

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Tabela 3.- Categorização dos trabalhos, frequência em ordem decrescente – 1999-2008

CATEGORIAS DE ANÁLISE N %

Identidade e Profissionalização Docente 26 22

Formação Inicial 24 20

Formação Continuada 21 18

Trabalho Docente 16 14

Políticas de Formação de Profissionais da Educação 14 12

Concepções de Docência e de Formação de Professores 13 11

Revisão de Literatura 4 3

Total 118 100

Fonte: Matriz analítica e ementas das categorias (Brzezinski, 2009)

Faço notar que as categorias mais pesquisadas são “Identidade e Profissionalização Docente” e “FormaçãoInicial”. A primeira mantém uma frequência equilibrada de número de trabalhos com esse objeto, ao longoda série que abrange 10 anos, deixando de ser investigada somente em 2004. Um descritor que não aparecenesta categoria é a “Profissionalização docente realizada pela mediação de sindicatos” e são raros ostrabalhos sobre “Valorização Docente”, o que denota a inexistência de pesquisa no GT sobre duas temáticasmuito significativas para o campo de formação de professores. Interessantes são os temas emergentes arespeito de “Identidade Profissional e Questões de Gênero” e “Identidade e Profissionalização Docente deProfessores do Colégio Militar”. O fato de serem emergentes implica maiores estudos a seremdesenvolvidos no GT8. Quanto à segunda categoria, ”Formação Inicial”, verifica-se uma concentração detrabalhos nos anos 2004 e 2001 e, neste ano, a maior ocorrência está no descritor “Práticas de formação:Estágio Supervisionado nos cursos Normal e Pedagogia”. Por um lado, é perceptível a ocorrência depesquisas com temas emergentes nos últimos anos da série, dentre eles, a “Formação de Licenciados nosInstitutos Superiores de Educação” e a “Formação Profissional e Docência”. Por outro, observo que aformação de professores para as disciplinas de Sociologia, Filosofia e Educação Religiosa, que fazem partedo currículo da Educação Básica é tema totalmente silenciado nas pesquisas do GT8.

A categoria “Formação Continuada” é a terceira mais investigada e a modalidade “Formação a Distância eServiços de Tutoria” emerge com frequência notável nos anos finais da série de 2005-2007, assim como a“Formação de Formadores do Ensino Superior” foi objeto de cinco estudos, correspondendo a 24% dos 21trabalhos desta categoria. Com efeito, a formação de formadores também é pertinente ao descritor“Pesquisa Colaborativa”, considerando que os professores do ensino superior realizam sua formaçãocontinuada aperfeiçoando-se com a colaboração de seus próprios pares.

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Gráfico 1. Categorias de análise, percentual de ocorrência 1999-2008

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Fonte: Matriz analítica e ementas das categorias (Brzezinski, 2009)

Tal análise permite-me anunciar que, aos poucos, a interdisciplinaridade no âmbito universitário começa a teralguma expressão. No tocante à relação dos temas das pesquisas colaborativas da categoria “FormaçãoContinuada”, 10 foram desenvolvidas por universidades ou pesquisadores que pertencem à academia, como objetivo de qualificar professores em parceria com escolas da educação básica. Claro está que consistemáreas emergentes no contexto da produção científica do GT8, todavia, são indicadores de que a distânciaentre a academia e a escola da educação básica tende a diminuir.

“Trabalho docente” é a categoria que agrupa pesquisas que se voltam para as práticas pedagógicas. Essasinvestigações são apresentadas ao longo da série, embora não haja uma ocorrência elevada de trabalhos,correspondendo a apenas 14% do total dos 118. Merecem destaque os “Estudos de Práticas e SaberesDocentes da Educação Infantil”, que surgiram no final do período em 2007-2008, objeto de investigaçõessilenciado durante vinte três anos no contexto do GT8.

Os trabalhos analisados nesta categoria procuram desvelar a construção dos saberes que se dão no exercíciodo trabalho docente, as contribuições e deficiências da formação inicial no desempenho profissional, ainfluência de diferentes ambientes institucionais no desenvolvimento profissional dos professores, bemcomo as reações e necessidades dos professores diante das reformas educacionais e das novas demandassociais.

Duas categorias ainda são pouco pesquisadas, “Concepções de Docência e de Formação de Professores”,com 13 Trabalhos, correspondendo a 11% dos 118, e “Políticas de Formação de Profissionais da Educação”,

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com 14 (12%). Há de se considerar que, de um lado, a LDB/1996 impulsionou um amplo conjunto dereformas políticas visando a modificar substancialmente o sistema brasileiro de educação, a concepção aspráticas pedagógicas e, em decorrência, a concepção de licenciaturas. Por outro lado, o próprio movimentoda pesquisa sobre a docência e o trabalho docente colocou em cheque o paradigma da racionalidade técnicaque caracterizava a formação inicial e continuada do professor. Essas transformações exigiram um profundorepensar sobre as concepções de docência e de formação do profissional. Parte dos 13 trabalhos considerouos fundamentos epistemológicos, filosóficos, sociológicos, históricos da docência, a outra parte dosinvestigadores buscou examinar a contribuição da literatura sobre os aspectos didático-metodológicos para oexercício da docência nas diferentes disciplinas da educação básica e suas implicações na formação dosfuturos professores, como se observa nos descritores e subdescritores da categoria de análise no Quadro 1.

A segunda categoria menos pesquisada reúne 14 investigações, cujos objetos compreendem, em suamaioria, a avaliação de Programas e Projetos de Políticas de Formação de Professores, correspondendo a35% dos trabalhos que compõem essa categoria. Novos loci de formação decorrentes das prescrições daLDB/1996 tem sido investigados, embora seja uma temática ainda lacunar no conjunto dos trabalhos do GT8.Alguns trabalhos ofereceram argumentos para defender ações governamentais com vista a responder àsexigências dos financiadores externos em relação à necessidade de aumento quantitativo de professorescapacitados e certificados, nas regiões periféricas do país, embora a maioria das pesquisas da categoria“Políticas de Formação de Profissionais da Educação” apresentem uma análise crítica em relação a essasmesmas decisões de Estado.

Os estudos na modalidade de pesquisa estado da arte aqui estão associados à categoria “Revisão deLiteratura”. Em número de quatro, a pesquisas fazem um balanço de trabalhos discentes como dissertaçõese teses e resultados de investigações divulgadas em forma de artigos em periódicos científicos e em anaisde eventos.

Para dar maior visibilidade aos trabalhos aqui analisados, na sequência apresento o Quadro 1 das categoriase de seus respectivos descritores e subdescritores que expressam sinteticamente boa parte dos resultadosda pesquisa, que originou o presente artigo.

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Quadro 1. Categorias, descritores, subdescritores por ano. Período 1999 -2008

Categoria 1. Concepções de Docência e de Formação de Professores

Descritores, Subdescritores 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 SubT

1.1 Fundamentos epistemológicos, filosóficos, 1 - 2 - - 1 - - - 1 5

sociológicos, antropológicos, históricos, psicológicos

1.2 Fundamentos 1 1 - 1 - 2 1 1 1 - 8

Didático-metodológicos

TOTAL 2 1 2 1 - 3 1 1 1 1 13

Categoria 2. Políticas e Propostas de Profissionais da Educação

Descritores, Subdescritores 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 SubT

2.1 Novos espaços (loci) formativos 1 - - 1 - - - - - 2

2.2 (Des)Valorização da profissão - 1 - - - - - 1 - - 2

2.3 Licenciaturas: concorrência no campo universitário 1 - - - - - - 1 - - 2

2.4 Educação e trabalho, questões de gestão institucional - - - 1 1 - - - - - 2

2.5 Avaliação de Programas Reforma Curricular, Formação p/ Ensino Médio, EaD (Professor, Instrutor, Tutoria, Alfabetizadores) - - - - - 1 - 1 3 1 6

TOTAL 2 1 - 1 2 1 - 3 3 1 14

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Categoria 3. Formação Inicial

Descritores, Subdescritores 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 SubT

3.1 Níveis de Formação: Modalidade Normal, 2 - - - - - - - - - 2

classes multisseriadas 1 1 - - - - - - - - 2

. ISES - - - - - 2 - 1 - - 3

. Lic. em geral: Ciências Biológicas, História, Pedagogia, Letras-Inglês, - - 1 1 1 2 1 - 1 3 10

Temas transversais, MST

3.2. Formação profissional e docência - - - - - 1 - 1 - - 2

3.3 Práticas de formação: Estágio Supervisionado Escola - 2 3 - - - - - - - 5

Normal, Pedagogia. Educação Ambiental

TOTAL 3 3 4 1 1 5 1 2 1 3 24

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Categoria 4. Formação Continuada

Descritores, Subdescritores 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 SubT

4.1 Pesquisa colaborativa centrada na escola - - - - - - - - 1 - 1

4.2 Pesquisa colaborativa interinstitucional: Educação Básica - - - - - 1 - - - - 1

e Universidade

4.3 Pesquisa colaborativa entre pesquisador e prof. da escola - 2 1 - - - 3 - 1 1 8

básica: . Ensino Fundamental, Ciências, Classes Multisseriadas

4.4 Formação a distância, serviço de tutoria - - - - - - 1 1 1 - 3

TOTAL - 4 1 1 1 1 4 3 4 2 21

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Categoria 5. Trabalho Docente

Descritores, Subdescritores 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 SubT

5.1 Estudos de práticas e saberes docentes em. uma ou outra disciplina - - 2 - 2 - - 1 - - 5

(licenciaturas geral informática,pedagogia)

. educação infantil

. ensino fundamental de - - 1 - - - - 1 1 - 3

1º ao 4º ano

. educação básica: práticas escolares - - - 1 1 1 - - - - 3

. nas licenciaturas em Ciências (Matemática, Física, Biologia)Educação Física, Pedagogia, - - - - - - 1 - - 2 3

Letras-Inglês

5.2 Representações dos alunos sobre Professores 1 1 - - - - - - - - 2

TOTAL 1 1 3 1 3 1 1 2 1 2 16

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Categoria 6. Identidade e Profissionalização Docente

Descritores, Subdescritores 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 SubT

6.1 História de vida, memória - 2 - - - - 1 - 2 - 5

6.2 Representações sociais (crenças, valores, imaginário, 1 - - - - 1 - 2 4

obras literárias)

6.3 Perfil e papel do professor: construção da identidade 1 - 1 1 - 1 1 5

profissional

6.4 Identidade e Profissionaliz. Docente: saberes e competências, práticas interdisciplinares na Pedagogia, 1 - - 2 2 - 2 1 1 9

Educação Física, E Básica, profissionaliz.de Prof. do Colégio Militar

6.5 Saberes e questões de gênero - - - - - - 1 - - - 1

6.6 Formação e valorização da profissão - - 2 - - - - - - - 2

TOTAL 3 2 2 3 3 - 5 3 2 3 26

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Categoria 7. Revisão de Literatura

Descritores, Subdescritores 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 SubT

7.1 Análise de artigos de periódicos e anais de eventos 1 - - - - - 1 - - 1 3

sobre prática de ensino,formação continuada

7.2 Análise de dissertações e teses - - - - - - - - 1 - 1

TOTAL 1 - - - - - 1 - 1 1 4

TOTAL GERAL 12 13 12 7 10 11 13 14 13 13 118

Uma análise de caráter geral permite-me assegurar que a maioria das investigações giram em torno daimportância da pesquisa na formação do professor e da formação inicial e continuada fortemente qualificadapara atuação em todos os níveis de ensino do Sistema Nacional de Ensino; que o referencial teórico de boaparte dos trabalhos está centrado na reflexão sobre a prática, na produção de conhecimento acerca dadocência e da profissionalização do professor e nos saberes do professor. A pedagogia das competênciasaparece também como referencial de muitos trabalhos, em particular, naqueles que se debruçam na avaliaçãode programas de formação continuada e de pesquisas sobre a capacitação de professores da educaçãobásica para uso das novas tecnologias. Quanto ao método e metodologias de pesquisa, não é demais repetir,os pesquisadores precisam ficar atentos para que concepções e modus faciendi sejam detalhadamentedescritos. Acrescento que ainda permanecem residualmente relatos de experiências que não sãorecomendados pelo Comitê Científico da Anped.

Por ora, a metanálise realizada é feita do interior do lugar da produção e de sua socialização, por umapesquisadora que se ancora em seus referenciais a respeito da ciência, da pesquisa em ciências sociais ehumanas, do conhecimento produzido no campo da formação de professores. Essa metanálise retorna aomesmo interior dessa produção para críticas. Com efeito, as críticas contribuirão para uma reflexão coletiva,em especial, sobre a(s) identidade(s) do GT8, a sua consolidação com vista a novos desafios diante dasinterfaces temáticas com outros GTs e do enfrentamento à mudanças recentes provocadas por políticasgovernamentais relacionadas com os cursos de formação dos profissionais da educação.

Desse modo, afirmo que boa parte do futuro da produção científica do GT já parece estar anunciada, namedida em que destaquei os temas mais pesquisados, os emergentes e os silenciados, mas o futuro do GTFormação de Professores me intriga.

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FUTURO DO GT 8?

Não obstante contínuos aportes das pesquisas sobre formação de profissionais da educação e pesquisascolaborativas que avaliam a formação continuada de professores da educação básica em análise, em reflexão,em avaliação no Fórum de Debates anual - GT 8 Formação de Professores da Anped -, dados alarmantessobre o fraco desempenho do ensino fundamental e médio no país são sistematicamente publicados peloMEC/INEP. A eles se associam os baixos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e anecessidade de suprir neste nível de ensino a carência de professores formados para atuar em áreas edisciplinas compatíveis com a formação que receberam. Diante desta constatação, o ministro da Educaçãoestabeleceu como políticas educacionais a reversão do sofrível IDEB e, para tanto, lançou o desafio, entretantos outros, de formar pela Universidade Aberta do Brasil (UAB) para atuarem na educação infantil, ensinofundamental e ensino médio 250.000 professores até 2010.

Outra política governamental de formação de professores está em curso com base no Decreto n. 6.755, de29/01/2009, que instituiu a “Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério”, atribuindocompetências à Capes para atingir os seguintes objetivos: organizar e fomentar a formação inicial econtinuada dos profissionais do magistério das redes públicas da educação básica, em regime de colaboraçãoentre a União, os estados, Distrito Federal e municípios e, concretizar a Política Nacional por meio de planosestratégicos formulados em Fóruns Permanentes de Apoio à Formação Docente, instituídos em cada estadoe no Distrito Federal. Temo pelas consequências de tais políticas que poderão incentivar uma formação deprofessores em massa, em modalidades aligeiradas, para atender a demandas prementes da educaçãobásica que deixaram de ser atendidas, desde os primórdios do governo republicano brasileiro.

Isto posto, com certa prudência, mas com coragem e ousadia indago:

Até que ponto os cursos de formação inicial presencial e a distância de professores e a pluralidade deprocedimentos de formação continuada estariam respondendo às necessidades da sociedade pós-industrial,da revolução tecnológica, marcada pela produção científica, pelo desenvolvimento dos meios decomunicação e informação, por desigualdades e tensões sociais assustadoras e por novas formas deexercício da cidadania? Em que medida a produção científica veiculada no GT Formação de Professores vemcontribuindo para mudanças na prática pedagógica e social da educação básica e superior inseridas nocontexto cultural contemporâneo?

Julgo ainda importante mencionar recomendações aos pesquisadores do GT Formação de Professoresoferecidas por Miriam Limoeiro Cardoso, com quem concordo plenamente. As recomendações poderãoconcorrer para fomentar novas discussões no GT 8/Fórum de Debates: a) o conhecimento científico avançadode hoje irá fazendo parte, de modo progressivo, do conhecimento vulgar de amanhã, todavia, continuaconhecimento; b) desenvolver pesquisa é difícil, uma vez que a teoria está sempre sendo transformada, aescolha e uso do método é processo complexo e algo sempre perturba a tranquilidade da análise que careceser refeita; c) ao concluir seu trabalho um pesquisador não dirá: “- Agora, sim conheço. Sua posição exige umrigor maior, e ele dirá: - Agora o conhecimento é mais perfeito do que aquele de que partimos” (CARDOSO,1976, p. 86).

Diante desses ensinamentos de Miriam Limoeiro Cardoso, convido os participantes do GT 8: continuemos...Somos pesquisadores históricos e históricos pesquisadores porque humanos.

Recebido em junho de 2009 e aprovado em agosto de 2009.

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95Form. Doc., Belo Horizonte, v. 01, n. 01, p. 95-108, ago./dez. 2009.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Universidade, escola de educação básica e o problemado estágio na formação de professores

Menga Lüdke1

RESUMO

O texto reúne contribuições de pesquisas recentes e mais antigas, de vários autores e também minhas, sobrea formação de professores. Uma ampla resenha recente, de colegas canadenses (BISSONNETTE et al, 2005)e uma pesquisa “clássica” nacional (CANDAU, coord. 1988) ressaltam com clareza a importância do papel doprofessor e de sua formação, para o sucesso de estudantes da educação básica. Inspirada em suasconstatações e prosseguindo em uma linha de pesquisa sobre o desenvolvimento profissional de professores,apresento uma investigação já em desenvolvimento, focalizando um dos mais frágeis elos do processo deformação de professores: o estágio supervisionado. Nela procuro aprofundar aspectos analisados por estudosanteriores, sobre a participação dos principais envolvidos no estágio: os próprios estagiários e os professoresregentes que os recebem em suas salas de aula. A nova pesquisa amplia o foco para toda a instituição escolar,onde se desenrola o estágio, incluindo todos os seus participantes e estendendo o foco também sobre a outrainstituição parceira, a universidade, representada pelos professores supervisores do estágio.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; Estágio Supervisionado; Profissão Docente; Pesquisa emCooperação.

University, Primary and Secondary Schools and the Problem of Student Teaching in Teacher Education

ABSTRACT

Inspired by suggestions coming from a recent research review (BISSONNETTE et al, 2005) and a classical study(CANDAU, 1988) on teacher preparation and its problems, the author presents a new study, focusing onsupervised practical training and its importance for that preparation. Based on the contribution of several studieson this subject, the present one tries to study in depth some of their analysis. The focus of this new study isthe school establishment, where the practical training occurs, and where its most important participants worktogether: the students as future teachers, the school teachers who receive them in their classrooms, the schoolprincipal and the administrative staff. But also, at the university, in the other side of the coin, we would like tomeet the teacher educators, who are responsible for the supervision of the students, in their practical trainingat the schools. We hope to involve all of them in a kind of cooperative research, approaching the two institutions,the university and the school, in a common effort for a better teacher education.

KEY-WORDS: Teacher Education; Student Teaching; Teaching Profession; Cooperative Research

1 Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade

Católica de Petrópolis (UCP).

ARTIGOS

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Universidade, escola de educação básica e o problemado estágio na formação de professores

Menga Lüdke

Neste texto pretendo reunir considerações a partir de trabalhos meus e de outros autores, alguns de datasbastante recentes, outros de vários anos já, o que indica que o problema focalizado vem sendo estudado edenunciado há bastante tempo, sem que soluções satisfatórias tenham sido desenvolvidas, ainda quealgumas sejam objeto de tentativas consideráveis.

Começarei pela análise efetuada por pesquisadores canadenses, relativa a pesquisas sobre intervençõespedagógicas realizadas em período bastante longo, remontando à década de 1960. Em seguida, trarei acontribuição de uma importante pesquisa nacional, realizada no final da década de 1980, cujas constataçõescontinuam válidas praticamente por inteiro. Finalmente, apresentarei um estudo desenvolvido recentemente,com um grupo de colegas e estudantes de pós-graduação da PUC-Rio, em parceria com professores de umaescola da rede municipal do Rio de Janeiro (LÜDKE, 2008). Esse estudo inspirou nova proposta para seuaprofundamento, já em desenvolvimento, com apoio do CNPq2.

Inicio com a análise feita pelos pesquisadores canadenses (BISSONNETTE, RICHARD e GAUTHIER, 2005),um deles, Gauthier, bastante conhecido entre nós, por obra muito divulgada (GAUTHIER et al, 1998) etambém por já ter estado várias vezes em nosso país. Trata-se de uma resenha muito bem elaborada, quecobre uma grande quantidade de pesquisas, ao longo de várias décadas, focalizando o trabalho deprofessores com alunos da educação básica, provenientes de meios desfavorecidos. Supostamente, essesalunos são portadores de dificuldades específicas, decorrentes de suas condições de vida, que se refletemem seu desempenho escolar. O interesse principal da resenha em pauta é detectar, entre as muitaspesquisas analisadas, quais fatores se apresentam mais frequentemente próximos do melhoramento dosresultados obtidos pelos alunos nas provas escolares. Evidentemente, há uma série de questões bastantecomplexas envolvidas num estudo desse tipo, de cunho psicológico, sociológico e, sobretudo, dentro dodelicado domínio da avaliação. Não será possível trazer todas essas questões para nossa discussão nestetexto, mas recomendo a leitura da resenha e asseguro a qualidade do texto e das análises apresentadas, quetêm, aliás, como garantia, a exigência de uma das mais prestigiosas revistas da área de educação na França,a Revue Française de Pédagogie. O que acho importante assinalar, e por isso trouxe à baila a referida resenha,é sua constatação principal, ao final do longo texto de mais de 50 páginas: o fator principal associado àmelhoria do desempenho dos alunos provenientes de camadas desvaforecidas é a influência da escola e,dentro dela, de modo especial, o trabalho do professor. Os autores desenvolvem uma longa discussão sobreo que chamam de paradigma centrado no aluno, com forte acento sobre o que ficou conhecido comoconstrutivismo, e o paradigma mais ligado ao ensino, que denominam de “ensino direto, ou explícito”.

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2 A pesquisa “O estágio na formação docente: ponto de convergência ou de estrangulamento” está em

desenvolvimento pelo GEProf, Grupo de Estudos sobre a Profissão Docente, na PUC-Rio e UCP, com oapoio do CNPq, para o triênio 2009-2011

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A meu ver, há uma interessante discussão a partir do confronto entre as duas posições indicadas muitosumariamente aqui, que comportam talvez muito mais aproximações entre si do que parecem supor osanalistas da resenha. Entretanto, não é o caso de tratar dessa polêmica agora, mas sim de ressaltar aimportância do papel do professor, reconhecida claramente nesse trabalho de análise crítica cuidadosa, quefocaliza esse papel ao lado de vários outros fatores, como a própria difusão dos recursos tecnológicos, tãovalorizados em nossos tempos. Pois o professor, como deixa claro a resenha, continua como figura centralno processo educativo, e agente chave na articulação entre teoria e prática nesse processo. Sua formaçãomerece, portanto, toda a atenção de que tem sido objeto por parte de pesquisas em educação, como é ocaso de um estudo muito difundido, realizado no final da década de 1980, do qual tive a oportunidade departicipar, e passarei a relatar (CANDAU, 1987 e 1988).

UMA PESQUISA SOBRE LICENCIATURAS

Em 1988, uma equipe de professores e estudantes do Departamento de Educação da PUC-Rio concluiu umaextensa pesquisa sobre a situação dos cursos de licenciatura. Ela se desenvolveu dentro de uma linha deestudos sobre a formação de professores, e procurava explicitar alguns problemas levantados por umapesquisa anterior, também bastante extensa, realizada igualmente por uma equipe do mesmo departamento,“Análise das práticas de formação do educador: especialistas e professores” (FÁVERO, 1984). Enquanto estapesquisa se preocupou com a análise das questões da formação dos educadores em geral, enfatizando aótica das unidades de educação, priorizando, com relação às licenciaturas, a questão da formação pedagógicae o papel dessas unidades, a nova pesquisa, “Novos rumos da licenciatura”, sob a coordenação de VeraCandau (1988), procurou ser especialmente sensível à expectativa dos profissionais mais envolvidos com asáreas específicas de conhecimento, não pertencentes às unidades de educação, em relação à problemáticadas licenciaturas.

A primeira etapa dessa pesquisa consistiu em um levantamento básico da literatura específica mais recente,especialmente veiculada pelos periódicos mais importantes da área de educação, o que permitiu compor umavisão retrospectiva, até então, dos problemas da licenciatura. Uma publicação relativa ao relatório parcial foifeita naquela época sob o mesmo título da pesquisa (CANDAU, 1987). Com base nessa visão retrospectiva,o estudo constatou que grande parte dos problemas vividos pela licenciatura remontavam às suas origens epersistiam não resolvidos.

A literatura então analisada permitiu perceber uma clara mudança na posição dos autores frente à educaçãoe seu papel social, quando comparados aos da década anterior, os anos 70. Esses temas passam a seranalisados dentro de um contexto histórico, político e social mais amplo, e o próprio significado do saberescolar começa a ser enfatizado. Também o papel do professor passa por mudanças, aos olhos dos autores,acompanhando a redefinição do papel da escola e refletindo o desconforto pela perda do status da ocupação.Raros artigos, entretanto, chegam a tratar do magistério como profissão, indicando, talvez, como ocorreu napesquisa anterior (FÁVERO, 1984), uma larga distância ainda separando esses dois termos.

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Participei ativamente da pesquisa Novos rumos da licenciatura, assim como também havia participado dapesquisa anterior. Considero que as constatações feitas por ela, tanto a partir da análise da literatura, comodas experiências estudadas pela pesquisa de campo, foram muito reveladoras e instigantes e, certamente,continuam em grande parte válidas em relação à atual situação em que se encontram os cursos delicenciatura. Em vista disso, acho oportuno trazer para este texto uma síntese daquelas constatações.

A ideia inicial da pesquisa foi a de romper com a linha de estudos tradicionais que apontavam os inúmerosproblemas dos cursos de licenciatura que funcionavam regularmente em todo o país, e tentar descobrircursos inovadores, que procurassem novos rumos para escapar desses problemas. Foram localizadas eestudadas três experiências ligadas a cursos desse tipo, uma delas focalizando um novo curso de licenciaturaem física, outra centrada em uma proposta interdisciplinar para o curso de história e geografia e a terceirapartindo de uma concepção inovadora da disciplina prática de ensino, em um curso de letras.

Numa visão de conjunto das três experiências, foi possível perceber logo uma série de questões

desafiadoras, que dificultavam e ainda dificultam o caminho de novas propostas para a formação deprofessores:

Modelo de universidade e formação de professores

Dentro do modelo que inspira a universidade brasileira, a formação de professores ocupa um lugar bastantesecundário. Nele, as prioridades são concentradas nas funções de pesquisa e elaboração do conhecimentocientífico, em geral consideradas como exclusividade dos programas de pós-graduação. Tudo o que não seenquadra dentro dessas atividades passa, em geral, para um quadro inferior, como são as atividades deensino e de formação de professores.

Formar professores: remar contra a maré?

Dentro do quadro introduzido pela primeira questão desafiadora, a formação de professores é percebida,pelos entrevistados na pesquisa, como uma atividade exercida contra as forças dominantes na instituição, oucontra a maré, em sua própria expressão. Não é uma atividade valorizada, não recebe incentivos nemestímulos e, até, pode acarretar para os que a ela se dedicam, certa reputação um pouco inconveniente, àmedida que os afasta, no julgamento de boa parte dos colegas, das atividades nobres ligadas usualmente àpesquisa.

A relação saber/poder na universidade: hierarquia acadêmica

Os fatores apresentados nas questões anteriores fornecem uma base sobre a qual se acha solidamenteinstalada a ordem hierárquica na academia universitária: no primeiro escalão, se situam os professores cujasatividades predominantes são de cunho científico e de pesquisa; no segundo, estão os que desempenhamtanto atividades de pesquisa, como atividades de ensino; no terceiro, finalmente, estão confinados aquelesprofessores cujas atividades se concentram no ensino e na formação de professores. Os dados colhidos pelapesquisa permitem constatar não apenas uma separação entre escalões, mas realmente uma superposiçãohierárquica, de forma que o poder vai claramente decrescendo à medida que se troca a atividade de pesquisapela de ensino, ou de qualquer coisa relacionada com a educação.

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Universidade e sistema de ensino de primeiro e segundo graus: uma difícil aproximação

Se dentro da universidade se verificam separações estanques entre os que se voltam para questões depesquisa e os que se voltam para questões de educação, não é de se estranhar a grande separação entre ela(universidade) e os sistemas de ensino da educação básica, para os quais ela se encarrega de formarprofessores. Como haveria ela de se desincumbir a contento dessa missão, se não existe uma ponte ligandoessas duas realidades, na qual o tráfego deveria ser, aliás, intenso? O que se percebeu, mais uma vez, pormeio da pesquisa, foi que se trata de dois universos, inteiramente distintos entre si. Os professores,formadores de futuros educadores para a educação básica, não têm uma visão sequer razoável da realidadedesses sistemas de ensino e não têm, em sua maioria, nenhuma vivência nele, como professores.

Integração/interdisciplinaridade: diferentes dimensões de uma questão complexa

Uma última questão perpassa as três experiências estudadas: a licenciatura foi percebida como problemacuja solução depende de uma perspectiva interdisciplinar e integradora. A própria natureza da licenciaturarevela logo sua composição necessariamente pluralista, para onde devem convergir as visões específicas decada área de ensino e a perspectiva educacional, dentro de uma ótica interdisciplinar por excelência.

A partir da análise dessas questões desafiadoras, a equipe de pesquisa apresentou também algumaspropostas desafiantes:

Uma tentação a superar: a ênfase na reforma do currículo

As várias tentativas de superação dos problemas que vêm envolvendo a licenciatura, através de mudançasno seu currículo, não têm ultrapassado muito os limites puramente formais. Enquanto perdurarem essassoluções formalistas, o resultado continuará a ser uma simples justaposição entre a formação pedagógica ea formação de conteúdo. É preciso superar, portanto, essa tendência, já habitual, de uma reforma apenasformal, buscando-se o produto de uma nova práxis, por meio de um novo processo, de uma nova dinâmicada vida universitária. Isso provocaria, possivelmente, mais um desafio.

Uma mudança de eixo: o primado do conteúdo específico

Esta é a proposta mais ousada e, provavelmente, a mais polêmica da pesquisa. As pesquisadoras estavamconvencidas de que já era tempo de se alterar a direção do eixo que vinha norteando a licenciatura, fazendo-o centrar-se claramente junto às áreas específicas. A pesquisa realizada, assim como o conhecimentoacumulado pela literatura e a vivência da problemática da área, permitia afirmar esse primado. A competênciabásica de todo e qualquer professor é o domínio do conteúdo específico. Enquanto as unidades específicasnão assumirem, como responsabilidade própria, a formação de professores, muito pouco poderão fazer asunidades de educação. Isso não implica, entretanto, que não haja uma importante contribuição da áreapedagógica, cuja continuidade deve ser assegurada, mas numa articulação epistemológica diferente com asoutras áreas, não numa simples relação temporal de sucessão. Ficou claro, pela pesquisa, que se deveriapartir do conteúdo específico, para se trabalhar a dimensão pedagógica em íntima relação com ele.

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Uma perspectiva: a multidimensionalidade do processo de formação do professor

A pesquisa também registra a importância de não se considerar apenas, ou mesmo, prioritariamente, adimensão cognitiva num programa de formação de professores. As dimensões científica, política e emocionaldevem-se encontrar aí intimamente articuladas entre si e com a pedagógica, numa visão unitária emultidimensional.

Uma busca: a construção do espaço interdisciplinar

Avançando um pouco, a equipe da pesquisa sobre a licenciatura concorda em relação à importância dainterdisciplinaridade, mas antevê algumas das dificuldades específicas de sua implantação no âmbito dauniversidade. Talvez, a constituição de núcleos (ou temas) específicos, já tentada por algumas universidadespara dar apoio a grupos de caráter interdisciplinar, pudesse vir a ser uma das boas sugestões para enfrentaro problema. Concluem as pesquisadoras que cada universidade deveria buscar diferentes mediações deacordo com a sua especificidade, com vistas ao indispensável fortalecimento do espaço interdisciplinar.

Uma necessidade: promover a pesquisa em ensino

Esta é uma proposta bastante criativa, pois a equipe partia, acertadamente, do pressuposto da valorização daatividade de pesquisa frente às demais atividades da universidade. Nada mais acertado, então, se queremosvalorizar a formação de professores e os que por ela se interessam, do que converter esse interesse emesforço de pesquisa. Assim, envolvidos em pesquisa, eles receberão apoio e incentivos, seus participantesusufruirão do status de pesquisadores e, o que é mais importante, estará sendo construído conhecimentocientífico, tão necessário e urgente, sobre uma área ainda tão desguarnecida de resultados de pesquisa.

Uma prioridade: reforçar/apoiar práticas coletivas

Outra iniciativa que merece todo apoio e estímulo, segundo as pesquisadoras, são as práticas coletivas, comoalgumas das que foram analisadas pela pesquisa. Com coragem e determinação, seus participantes seempenham e se expõem, em propostas, na maioria das vezes, pouco compreendidas ou, até mesmo, poucoconhecidas pelos seus pares, garantindo assim o único meio indispensável para a avaliação de uma proposta:a sua realização.

Uma consciência: a importância dos determinantes estruturais e psicossociais

Todos os fatores e condições discutidos até aqui não têm sentido a não ser quando considerados dentro docontexto mais amplo em que se situam a licenciatura e a própria universidade, dentro do quadro geral danossa sociedade. É particularmente importante lembrar, dentro desse quadro, a desvalorização do magistériocomo profissão e da própria educação em geral.Como podemos ver, as constatações e sugestões dessa pesquisa continuam merecendo a atenção dospesquisadores interessados na formação de professores. Sua divulgação continua, portanto, muito oportuna,já que seu relatório final nunca foi publicado.

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UM ESTUDO SOBRE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO

Volto-me agora para um estudo realizado no ano de 2008, dentro da linha de investigação sobre a pesquisado professor, que venho desenvolvendo com o grupo de pesquisa GEProf, na PUC-Rio (LÜDKE, 2001). Apartir de um programa de aproximação entre a universidade e a rede pública de educação básica por meio dapesquisa, proposto pela FAPERJ3, pudemos juntar dois temas que vêm constituindo objetos de interesse denosso trabalho investigativo há bastante tempo: a formação de professores e o papel da pesquisa nessaformação e no trabalho docente (LÜDKE, 2008). Esse estudo representou uma etapa preliminar que nosestimulou a apresentar a proposta de um novo estudo, para aprofundar aspectos muito interessantes, quenão puderam ser devidamente analisados por ele, devido à sua curta duração (12 meses).

Aprofundando as constatações desse estudo, a nova proposta procura investigar o problema do estágiosupervisionado, situado na intersecção entre a universidade e as escolas de educação básica, no esforço deformação de seus futuros professores. Ele representa uma oportunidade de articulação entre a dimensãoteórica e a dimensão prática, ambas indispensáveis à formação do futuro professor, sendo a primeira,habitualmente, atribuída à responsabilidade da instituição de ensino superior, e a segunda à da instituiçãoescolar. Há numerosa literatura dedicada a esse tema, que constitui, há muito tempo, um dos pontos maisdebatidos dentro da comunidade educacional. A pesquisa coordenada por Candau (1988) trouxeconstatações, críticas e propostas a este respeito, que continuam válidas em grande parte até o presente,como já foi comentado. Duas pesquisas bem mais recentes, realizadas em função de dissertações demestrado, também trazem importantes contribuições para nosso estudo, uma delas focalizando osproblemas do estágio tal como percebidos, de maneira especial, pelos próprios estudantes estagiários(CARDOZO, 2003), outra focalizando esses problemas pela ótica dos professores que recebem essesestudantes em suas salas de aula (ALBUQUERQUE, 2007).

Em meio à vasta literatura ligada a esses problemas, destacam-se essas contribuições por ajudarem acompor o quadro dentro do qual foi proposto esse novo estudo. Com base nas questões relacionadas aopapel do estágio e discutidas há longo tempo, como mostra o estudo de Candau (1988), as duas dissertaçõesmencionadas cercam o tema a partir de dois ângulos absolutamente essenciais, o dos estudantes estagiários(CARDOZO, 2003) e o dos professores que os recebem (ALBUQUERQUE, 2007). O estudo se propõeavançar para um cenário onde atuam esses dois grupos de atores, os estagiários e os professores, que é oda escola onde se desenrola a cena do estágio. Procura assim desvendar os obstáculos que se interpõem edificultam o desempenho desses atores e contribuir com sugestões, ou pelo menos reflexões mais próximasde possíveis soluções aos clássicos problemas que cercam o estágio, ponto nevrálgico no processo deformação de nossos futuros professores.

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3 O estudo “O estágio nos cursos de formação de professores como uma via de mão dupla entre

universidade e escola” foi realizado por uma equipe de professores e alunos da PUC-Rio e de uma escolamunicipal do Rio de Janeiro, no âmbito do Programa “Apoio à melhoria do ensino nas Escolas públicas doEstado do Rio de Janeiro”, com apoio da FAPERJ. A proposta da FAPERJ foi apoiar projetos voltados paraas questões relativas à realidade da escola básica, visando à melhoria destas e da formação de seusprofessores.

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O estudo se situa dentro de uma perspectiva que vem ganhando vigor nos últimos 10 ou 15 anos nacomunidade educacional, a da pesquisa do professor. Com grande repercussão nos Estados Unidos, oteacher research movement (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 1999; ANDERSON e HERR, 1999) vem fazendoeco a ideias bem anteriores, defendidas por nomes como L. Stenhouse (1975) e John Elliott (1998), naInglaterra, ou, mais recentemente, na Suíça, por Perrenoud (2002), no Canadá, por Tardif e Lessard (2007) e,em Portugal, por Antonio Nóvoa (2001, 1995). Aqui no Brasil já temos também um considerável número depesquisadores que trabalham dentro dessa perspectiva, como Corinta Geraldi (1998), Dario Fiorentini (2004),Octávio A. Maldaner (1999), Marli André (2001) e Menga Lüdke (2001, 2009a), entre outros. Em seustrabalhos, de uma forma ou de outra, esses autores reconhecem o professor como construtor, e não apenascomo transmissor de conhecimentos produzidos por outros agentes, e valorizam a atividade de pesquisa, nãosó para os que atuam no ensino de nível superior.

Uma das contribuições decisivas em favor dessa posição veio dos trabalhos de Maurice Tardif que, comcolegas canadenses, publicou, em 1991, um artigo introduzindo entre nós a concepção de “saber docente”,(TARDIF et al., 1991). A partir de então, essa noção passou a ser objeto de consideração de inúmerostrabalhos acadêmicos, sendo uma das fontes de inspiração de outra pesquisa que estamos concluindo nomomento, com um grupo de pesquisa da PUC-Rio, o GEProf, sobre uma possível aproximação entre auniversidade e a escola de educação básica, pela pesquisa que o professor dessa escola procura realizar emseu curso de mestrado. Entrevistamos professores que concluíram seu mestrado nos últimos anos evoltaram para as atividades de suas escolas de educação básica, ou não as interromperam durante o curso.Procuramos descobrir o que representou a experiência de pesquisa concretizada na dissertação dessesprofessores, em relação aos problemas por eles vividos em suas escolas e ao seu próprio desenvolvimentoprofissional (LÜDKE, 2009b).

Pelo estudo recém-concluído (LÜDKE, 2008), pudemos caminhar mais um pouco na investigação sobre asrelações entre o professor e a pesquisa, procurando envolver diretamente professores que atuam na escolade educação básica, em um trabalho de pesquisa proposto por pesquisadores da universidade, para o qual éimprescindível a colaboração daqueles professores e daquela escola. O tema tratado, o problema do estágio,demanda o envolvimento dos dois conjuntos de sujeitos, cujas visões complementares vão propiciar umanova proposição para um velho objeto de pesquisa, usualmente focalizado apenas por um dos prismas. Ajunção dessas duas visões, em um trabalho de pesquisa conjunta, permitirá um avanço considerável naprópria discussão teórica da questão, beneficiando-se então do que vem sendo denominado como“circularidade dos saberes”, entre as esferas da universidade e da educação básica (MARTINAND, 2004).

Os resultados desse pequeno estudo, assim como os do novo proposto, se reverterão para ambos osconjuntos envolvidos na pesquisa: do lado da universidade serão os responsáveis pelos cursos delicenciatura, sobretudo seus estudantes, os estagiários, que poderão ver seus estágios muito mais próximosda realidade das escolas e, assim, das próprias necessidades de sua formação como futuros professores. Dolado das escolas públicas, o benefício será também considerável, na medida em que a formação de seusfuturos professores poderá se dar de forma que atenda mais de perto às exigências de seus alunos, a partirda passagem do futuro professor por um estágio bem mais efetivo e realista. Outro ganho imediato das

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escolas e de seus professores será representado pelo seu envolvimento em um trabalho de pesquisa, emcolaboração com a universidade. Esse é um benefício que irá enriquecer tanto a esfera da escola, quanto ada universidade e mesmo a da própria pesquisa em educação, que ganha, dessa forma, acesso a um tipo desaber em geral restrito ao que se passa em sala de aula. Com participação em uma pesquisa, o professor daeducação básica passa a dispor de um recurso em geral afeto mais aos professores da universidade, podendoassim conferir aos conhecimentos que vai construindo a mesma cidadania científica atribuída aosconhecimentos construídos por seus colegas da universidade, correspondendo à bela imagem de umcontinuum, no qual se desenvolve o processo científico, como sugere J. Beillerot (1991, 2001).

Em artigo de 1993, “Combinando pesquisa e prática no trabalho e na formação de professores” (LÜDKE,1993), já havia discutido, a partir das ideias de John Elliott (1989), Michael Young (1990) e Pedro Demo (1991),a possibilidade de se conceber a atividade de pesquisa em novas bases, de maneira a permitir a convergênciade vários parceiros, valorizando a contribuição da experiência acumulada pelos profissionais engajados naprática, com sua sabedoria da ação (como quer Schön e de certo modo também Elliott), sem desvalorizar acontribuição específica da teoria produzida pela academia, em cada um dos seus domínios específicos, sóque numa efetiva parceria com os que dominam a prática (como quer Young) e oferecendo ao futuro, assimcomo ao atual profissional da educação, os benefícios da prática da pesquisa, como princípio científico eeducativo (como quer Demo).

O ESTÁGIO VISTO A PARTIR DE VÁRIOS ÂNGULOS

Os debates atuais em torno da formação de professores têm apontado a necessidade de uma mudança naconcepção curricular dos cursos de licenciatura. As críticas giram principalmente em torno da necessidade dese romper com o modelo de formação, ancorado, de início, em rígida fundamentação teórica de conteúdosespecíficos de cada área e das disciplinas pedagógicas, que visam a fundamentar os licenciandos na suafutura atividade docente. Ao final do curso são oferecidas as disciplinas de prática de ensino e estágiosupervisionado, nas quais o graduando deverá de aplicar o que aprendeu na teoria. Esse modelo, aindacomum em muitas universidades e centros de formação, tem sido visto como um dos principais obstáculosà melhoria da profissionalização dos professores.

A gravidade desse problema deu origem a um número significativo de pesquisas em torno da formação iniciale continuada de professores, especialmente nos últimos 30 anos (CARVALHO, 2001). Baseados na ideia doprofissional reflexivo, defendida inicialmente por Schön (1983), os resultados dessas pesquisas convergempara a necessidade de interligar ensino e pesquisa nos cursos de formação de professores, seja inicial oucontinuada, atribuindo ao professor o caráter de pesquisador de sua prática em um processo contínuo dereflexão-ação-reflexão. Nas licenciaturas, a ideia do profissional reflexivo tem levado muitos cursos deformação a reestruturarem seus currículos, no sentido de atribuir à disciplina estágio supervisionado umcaráter mais prático, no qual os futuros professores refletem sobre o contexto real de sua atuação profissional– a escola – iniciando-se no processo de investigação. Na prática escolar, a tendência é estimular nosprofessores a reflexão seguida da investigação não só de suas práticas, mas também de suas condições deensino, contribuindo para a melhoria da formação profissional desses educadores (ZEICHNER, 1998).

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Nesse contexto, destacam-se as duas recentes dissertações de mestrado mencionadas, com suascontribuições, para a percepção dos problemas relativos ao estágio nos cursos de licenciatura. Cardozo(2003), tomando a ótica dos estagiários, demonstra que a participação da escola nos estágios ainda épequena e que eles ainda se constituem, em grande medida, de momentos de observação peloslicenciandos. O principal questionamento revelado em sua pesquisa gravita em torno da distância entre ossaberes acadêmicos e o mundo da prática escolar, muito abordado na literatura atual sobre formação deprofessores. O estudo revela ainda, através de depoimentos dos estagiários, a sua insatisfação pela falta deoportunidades de participação nas atividades em sala de aula durante o estágio. Esse estudo reafirma que osprofessores das escolas têm muito a contribuir com os cursos de licenciatura, através das reflexões e dossaberes que vão adquirindo durante a prática, confirmando, assim, a tendência recente na formação deprofessores. Além disso, a autora destaca o desejo dos próprios estagiários de participar de maneira maisefetiva da prática docente escolar.

A pesquisa de Albuquerque (2007) investigou qual o lugar que os professores têm na formação dosestagiários e que importância esses professores, regentes de sala de aula da educação básica, atribuem aotrabalho com os estagiários que frequentam suas aulas. A investigação demonstrou que a maioria dosprofessores percebe-se como uma peça importante na formação de futuros professores, colaborando naintegração entre o que é aprendido na universidade e o que é vivido na realidade da docência, embora algunsdeles se surpreendam com a ideia de serem considerados formadores de professores. Esse estudo tambémdestaca que os professores da educação básica são capazes de detectar problemas e lacunas na formaçãodos futuros professores, mas ainda não encontram espaço formal na universidade para discussões sobreesses problemas.

Assim, como demonstraram as duas pesquisas acima relatadas, embora haja um debate consistente emtorno da necessidade de aproximação dos dois loci principais de formação de professores (universidade eescola), ainda persiste um abismo grande entre eles, que dificulta o intercâmbio de saberes nesses espaços.É nesse sentido que projetos de pesquisa que envolvam universidade e escola, no esforço conjunto deparceria entre os professores da universidade e os da escola básica, são importantes, de modo especial parao desenvolvimento dos cursos de licenciatura e para a melhoria da docência, tendo no estágio o elo principalentre esses dois universos.

Nosso estudo preliminar (LÜDKE, 2008) ofereceu a todos os envolvidos a oportunidade de ver, sentir eanalisar, em conjunto, uma série de problemas ligados ao estágio, em geral, considerados a partir de um dosângulos que os cercam. Professores supervisores da prática de ensino de cursos de licenciatura, alunosestagiários desses cursos, professores da escola que recebem esses estagiários e a própria diretora daescola se mostraram empenhados na observação, na análise, na reflexão e na discussão em conjunto dessesproblemas, sendo que todos elaboraram relatos correspondentes às suas respectivas reflexões. No decorrerdo estudo, foram realizados seminários para apresentação e discussão das constatações, tanto no âmbito daescola de educação básica, quanto no da universidade. Ao final, seus resultados foram apresentados em umSimpósio dentro do II Congresso Latino-Americano de Formação de Professores de Línguas no qual osdiferentes grupos de participantes puderam debater com outros pesquisadores os problemas do estágiovistos em suas respectivas perspectivas (LÜDKE et al., 2008).

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As indagações levantadas por esse estudo nos levaram a propor a nova investigação para aprofundar a análisede alguns dos aspectos do intrincado problema do estágio. Já estamos mergulhados nela, procurandoavançar em relação ao que foi levantado pelos nossos estudos anteriores sobre os estagiários, os professoresregentes e a própria escola. Introduzimos agora um foco especial sobre os professores supervisores, do ladoda Universidade, e, do lado das escolas, sobre possíveis influências decorrentes de diferentes contextosinstitucionais sofridas pelo estágio.

Recebido em junho de 2009 e aprovado em agosto de 2009.

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A identidade docente: constantes e desafiosCarlos Marcelo1

Tradução: Cristina Antunes

RESUMO

A melhoria na qualidade do ensino requer bons professores. Docentes comprometidos com a difícil tarefa deensinar que, por sua vez, exige dos profissionais sentido e responsabilidade. A identidade profissionaldocente se constitui como uma interação entre a pessoa e suas experiências individuais e profissionais. Aidentidade se constrói e se transmite. E existem algumas características ou constantes da identidadeprofissional docente que se repetem e que são, geralmente, independentes do contexto social ou cultural.Neste artigo, discutimos essas características da profissão docente que lhes garantem identidade.

PALAVRAS-CHAVE: docentes; identidade profissional; cultura profissional; desenvolvimento profissional

Teacher Identity: Characteristics and Challenges

ABSTRACT

Improving the quality of teaching requires good teachers. Teachers committed to their difficult task. The taskof teaching requires its professional sense and responsibility. The teacher professional identity is constructedas an interaction between the person and the personal and professional experience they have. The identityis constructed and transmitted. And there are some features or ongoing teacher professional identity that arerepeated and are generally independent of social or cultural context. This article reviews those features of theteaching profession, which give it identity.

KEY-WORDS: Teachers; Professional Identity; Professional Culture; Professional Development

1 Professor Catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade de Sevilha, na Espanha.

ARTIGOS

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A identidade docente: constantes e desafiosCarlos Marcelo

Tradução: Cristina Antunes

INTRODUÇÃO

Percebemos que nossas sociedades estão mudando. Uma transformação não planejada que está afetando aforma como nos organizamos, como trabalhamos, como nos relacionamos e como aprendemos. Essasmudanças têm um reflexo visível na escola como instituição encarregada de formar os novos cidadãos.(Carlos Marcelo, 2002).

Uma das características da sociedade em que vivemos tem relação com o fato de que o conhecimento é umdos principais valores de seus cidadãos. O valor das sociedades atuais está diretamente relacionado com onível de formação de seus cidadãos e da capacidade de inovação e empreendimento que eles possuam. Mas,em nossos dias, os conhecimentos têm data de validade, e isso nos obriga, agora mais que nunca, aestabelecer garantias formais e informais para que os cidadãos e profissionais atualizem constantemente suacompetência. Ingressamos numa sociedade que exige dos profissionais uma permanente atividade deformação e aprendizagem.

No que essas mudanças afetam os docentes e sua identidade como profissionais? Como devemos repensaro trabalho do professor nessas novas circunstâncias? Relatórios internacionais recentes voltaram a focar edestacar o importante papel que os professores desempenham em relação às possibilidades deaprendizagem dos alunos. O próprio título do relatório que a OCDE publicou recentemente nos chama aatenção: Teachers matter: attracting, developing and retaining effective teachers (OCDE, 2005)2. Afirma-se notítulo que os professores devem ser levados em conta, são importantes para ajudar a melhorar a qualidadedo ensino que os alunos recebem. Nesse relatório afirma-se que: “Existe atualmente um volumeconsiderável de pesquisa que indica que a qualidade dos professores e de seu ensino é o fator maisimportante para explicar os resultados dos alunos. Existem também consideráveis evidências de que osprofessores variam em sua eficácia. As diferenças entre os resultados dos alunos às vezes são maioresdentro da própria escola do que entre escolas. O ensino é um trabalho exigente, e não é possível paraqualquer um ser um professor eficaz e manter essa eficácia ao longo do tempo” (12). Esse relatório vemmostrar a preocupação internacional em relação ao magistério, às formas para tornar a docência umaprofissão atraente, a como manter melhores professores no ensino, e a como conseguir que os professorescontinuem aprendendo ao longo de sua carreira.

Esse relatório da OCDE vem evidenciar que os professores são importantes. Importantes para influir naaprendizagem dos alunos. Importantes para melhorar a qualidade da educação que as escolas e osestabelecimentos de ensino realizam cotidianamente. Importantes, em última análise, como uma profissãonecessária e imprescindível para a sociedade do conhecimento. E visto que os professores sãofundamentais, precisamos que nossos sistemas educativos sejam capazes de atrair os melhores candidatos

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2Professores importam: atraindo, desenvolvendo e mantendo professores eficientes (Organização para aCooperação e o Desenvolvimento Econômicos, 2005) (N. T.).

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para se tornarem docentes. Necessitamos de boas políticas para que a formação inicial desses professoreslhes assegure as competências que vão precisar durante sua longa, flexível e variada trajetória profissional. Ea sociedade necessita de bons professores, cuja prática profissional cumpra os padrões profissionais deexcelência que assegure o compromisso do respeito ao direito que os alunos têm de aprender.

Paralelamente ao estudo da OCDE, a influente Associação Americana de Pesquisa Educacional (AmericanEducational Research Association - AERA) tornou público o relatório que pretende sintetizar os resultados dapesquisa sobre a formação docente, assim como propor políticas educativas conformes com essesresultados. Afirma-se que: “em toda a nação existe um consenso emergente acerca de que os professoresinfluem de maneira significativa na aprendizagem dos alunos e na eficácia da escola” (M. Cochran-Smith &Fries, 2005, p.40). Na mesma linha, Daling-Hammond (2000) viria a afirmar que a aprendizagem dos alunos“depende principalmente do que os professores sabem e do que podem fazer”.

Porém não basta destacar a importância do papel do docente. Chapman e Aspin (2001), editores doInternational Handbook of Lifelong Learning (Manual Internacional de Educação Continuada), expunham anecessidade de se realizar profundas transformações nos sistemas educacionais atuais para que possamosenfrentar os desafios da sociedade do conhecimento. Esses autores apresentam uma série de princípios quenos parece serem de interesse:

� A necessidade de oferecer oportunidades educativas que respondam aos princípios de: eficáciaeconômica, justiça social, inclusão social, participação democrática e desenvolvimento pessoal.

� A necessidade de reavaliar os currículos tradicionais e as maneiras de ensinar em resposta aos desafioseducacionais produzidos pelas mudanças econômicas e sociais e pelas tendências associadas aosurgimento de uma economia do conhecimento e de uma sociedade da aprendizagem.

� A reavaliação e redefinição dos lugares onde a aprendizagem acontece, assim como a criação deambientes de aprendizagem flexíveis, que sejam positivos, estimulantes e motivadores, e que superemas limitações de currículos padronizados, da divisão por matérias, dos tempos curtos e das rígidaspedagogias.

� Uma aceitação da importância do valor agregado que proporciona a aprendizagem.� A consciência de que embora se comece a perceber que a escola não é a principal fonte de aquisição de

conhecimento, ela está se convertendo em instituição fundamental na socialização da população jovem.� A ideia de que os caminhos de aprendizagem entre as escolas e as instituições de ensino superior, os

trabalhadores desse setor e outros provedores de educação, terão um alto impacto na formação derelações entre a escola e a comunidade.

� A necessidade de promover a ideia da escola como comunidade de aprendizagem e como centros deaprendizagem ao longo da vida.

Reivindica-se, por tanto, um professor compreendido como um “operário do conhecimento”, desenhista deambientes de aprendizagem, com capacidade para rentabilizar os diferentes espaços onde se produz oconhecimento. E também uma profissão docente caracterizada pelo que Shulman (1998) denominou umacomunidade de prática através da qual “a experiência individual possa se converter em coletiva” (521). Umaprofissão que necessita mudar a sua cultura profissional marcada pelo isolamento e pelas dificuldades para

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aprender de outros e com outros, na qual é mal visto pedir ajuda ou reconhecer dificuldades.Por outro lado, as evidências dos relatórios internacionais mostram que as políticas de reforma educacionalexecutadas em muitos países deterioraram as condições de trabalho dos docentes, causandodesmoralização, abandono da profissão e absentismo, tendo, tudo isso, um impacto negativo na qualidade daeducação que se oferece aos alunos. Como afirmam Day, Elliott e Kington, “os professores estão deixandode lado o que consideram parte essencial de seu trabalho, a interação com os alunos, para abordar asprioridades de gestão e de avaliação” (Day, Elliot, & Kington, 2005). Há evidências em relação ao fato de queas mudanças nas condições internas e externas das escolas produziram condições de extrema incerteza ecrise de identidade dentro do que historicamente foi, para muitos professores, uma profissão estável (Day,Elliot, & Kington, 2005).

CONSTANTES NA IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

Neste artigo, pretendo aprofundar-me no estudo sobre a identidade profissional docente. Consideroimportante essa reflexão porque é através de nossa identidade que nos percebemos, nos vemos e queremosque nos vejam. Do ponto de vista de Lasky, a identidade profissional é a forma como os professores definema si mesmos e aos outros. É uma construção do “si mesmo” profissional que evolui ao longo da carreiradocente e que pode achar-se influenciado pela escola, pelas reformas e pelos contextos políticos, que “incluio compromisso pessoal, a disposição para aprender a ensinar, as crenças, os valores, o conhecimento sobrea matéria que ensinam, assim como sobre o ensino, as experiências passadas, assim como a vulnerabilidadeprofissional” (Lasky, 2005). As identidades profissionais formam uma “complexa rede de histórias,conhecimentos, processos e rituais” (Sloan, 2006).

É preciso entender o conceito de identidade docente como uma realidade que evolui e se desenvolve, tantopessoal como coletivamente. A identidade não é algo que se possua, mas sim algo que se desenvolvedurante a vida. A identidade não é um atributo fixo para uma pessoa, e sim um fenômeno relacional. Odesenvolvimento da identidade acontece no terreno do intersubjetivo e se caracteriza como um processoevolutivo, um processo de interpretação de si mesmo como pessoa dentro de um determinado contexto.Sendo assim, a identidade pode ser entendida como uma resposta à pergunta “quem sou eu nestemomento?” A identidade profissional não é uma identidade estável, inerente, ou fixa. É resultado de umcomplexo e dinâmico equilíbrio onde a própria imagem como profissional tem que se harmonizar com umavariedade de papéis que os professores sentem que devem desempenhar. (Beijaard, Meijer, & Verloop,2004).

Esses autores revisaram as recentes pesquisas sobre identidade profissional docente, encontrando asseguintes características:

1 A identidade profissional é um processo evolutivo de interpretação e reinterpretação de experiências, umanoção que coincide com a ideia de que o desenvolvimento dos professores nunca para e é visto comouma aprendizagem ao longo da vida. Desse ponto de vista, a formação da identidade profissional não é aresposta à pergunta “quem sou eu neste momento?”, mas sim a resposta à pergunta “o que quero vir a

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ser?”

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2 A identidade profissional envolve tanto a pessoa, como o contexto. A identidade profissional não é única.Espera-se que os docentes se comportem de maneira profissional, mas não porque adotemcaracterísticas profissionais (conhecimentos e atitudes) prescritas. Os professores se diferenciam entre siem função da importância que dão a essas características, desenvolvendo sua própria resposta aocontexto.

3 A identidade profissional docente é composta por subidentidades mais ou menos relacionadas entre si.Essas subidentidades têm relação com os diferentes contextos nos quais os professores se movimentam.É importante que essas subidentidades não entrem em conflito. Este aparece, por exemplo, em situaçõesde mudanças educacionais ou mudanças nas condições de trabalho. Quanto mais importante é umasubidentidade, mais difícil é mudá-la.

4 A identidade profissional contribui para a percepção de autoeficácia, motivação, compromisso e satisfaçãono trabalho dos docentes, e é um fator importante para que se tornem bons professores. A identidade éinfluenciada por aspectos pessoais, sociais e cognitivos.

A identidade profissional docente está, atualmente, sob exame. Em seu recente livro, Antonio Bolivar refletee analisa a crise de identidade profissional dos docentes, especialmente no nível de ensino secundário(Bolivar, 2006). Do ponto de vista de Bolivar, “as mudanças das últimas décadas geram ambiguidades econtradições na situação profissional dos professores. A crise de identidade profissional docente deve sercompreendida no cenário de uma certa decadência dos princípios ilustrados modernos que davam sentido aosistema escolar” (p. 13).

Essas mudanças não só estão relacionadas com a própria profissão docente como com “um quadro maisgeral de transformações sociais, que fragmentou os espaços tradicionais de identificação sexual, religiosa,familiar ou ocupacional” (Bolivar, 2006, p.25); transformações essas nas quais o local e o global, a estabilidadee a mudança, estão desempenhando um papel desestabilizador no que diz respeito às certezas que emoutras décadas caracterizaram nossas sociedades.

Embora agora seja muito mais evidente, durante sua história a profissão docente foi rebocando um deficit deconsideração social, baseado, segundo alguns, nas características específicas das condições de trabalho quefazem com que ela se assemelhe mais a ocupações do que a “verdadeiras” profissões, como a Medicina eo Direito. Pretendeu-se comparar sistematicamente a docência com essas outras profissões para ver se elasatisfaz às condições de “um conjunto de indivíduos que aplicam um conhecimento científico avançado paraproporcionar um serviço aos clientes, e se agrupam mediante a pertinência a um corpo profissional queassume a responsabilidade de controlar os recursos profissionais, e que lhes confere benefícios e pode imporsansões aos membros” (Tomlinson, 1997). E, evidentemente, como Hoyle e John (1995) mostravam, aprofissão docente, por suas características especiais, não satisfaz esses critérios estritos e classistas.

Com o passar do tempo e a implantação das reformas educacionais, a profissão docente foi mudando. Paraalguns, criava uma desprofissionalização, devido à perda progressiva de autonomia e controle interno. Paraoutros, criava uma reprofissionalização, justificada pela necessidade de ampliar as tarefas habitualmenteatribuídas aos docentes (Marcelo, 1999). Em concordância com a primeira das interpretações, manifestava-se David Hargreaves (1997), para quem as reclamações e lutas atuais no sentido de uma maior

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profissionalização (maior autonomia e autocontrole interno da profissão) dos docentes chega historicamentetarde. O avanço incontrolável da sociedade da informação, proporcionado pelo uso das Novas Tecnologias,vai configurar – segundo esse autor – um cenário caracterizado por uma “progressiva desprofissionalização:uma sociedade de aprendizagem onde todo mundo ensina e aprende e ninguém é um especialista” (D.Hargreaves, 1997, p.19).

Junto ao conceito de profissionalização, falamos do profissionalismo entendido, nesse caso, como acapacidade, dos indivíduos e das instituições em que trabalham, de desenvolver uma atividade de qualidade,comprometida com os clientes, e em um ambiente de colaboração. Os estudos sobre profissionalismolevaram em consideração a necessidade de reprofissionalizar a função docente, e perceberam que aampliação de funções é positiva e evidencia um claro indício de que os docentes são capazes de realizarfunções que vão além das tarefas tradicionais centradas nos alunos e restritas ao espaço físico da aula. Essenovo profissionalismo, ou profissionalismo estendido, segundo a opinião de Hargreaves e Goodson (1996),se concretiza principalmente nas atuais demandas aos professores para que trabalhem em equipe,colaborem, planejem em conjunto, mas também inclui a realização de funções de orientação ou relacionadascom a formação inicial dos professores, assim como aspectos mais centrados na formação, como a formaçãobaseada na escola.

Alguns autores estão chamando atenção sobre a ironia de que enquanto se está “vendendo” aos professorese às escolas a ideia de que deveriam ser mais autônomos e responsáveis pelas próprias necessidades, aomesmo tempo se está transmitindo a eles como devem ser seus resultados e como devem abordar asprioridades nacionais para melhorar a competência internacional. Supõe-se que os professores estão tendomais autonomia escolar precisamente no mesmo momento em que os parâmetros com que se espera quetrabalhem, e mediante os quais serão avaliados, estão sendo cada vez mais severos e limitados (Day, 2001;Little & McLaughlin, 1993; Smyth, 1995).

Como vemos a profissão docente e seus sinais de identidade no momento atual? Que elementoscaracterizam a identidade docente? Podemos identificar dimensões que permitam, de forma constante,identificar o docente e distinguir sua cultura e identidade de outros profissionais? É algo que vamos pretenderrealizar a partir de agora, estabelecendo o que acreditamos possam ser esses sinais de identidade que vieramnos caracterizando.

Cada uma dessas “constantes” representa também um desafio. O desafio de desenvolver processos queajudem a situar a profissão docente como uma “profissão do conhecimento”, comprometida com o direitode aprender dos alunos. Não se trata, portanto, de esperar que as mudanças batam à porta da escola. Nãose trata, tampouco, de introduzir computadores nas aulas como sinal externo de ultramodernidade. Adocência como profissão precisa rever-se e reconstruir-se para continuar cumprindo os compromissos moraisque veio desenvolvendo: assegurar o direito de aprender de todos os meninos e meninas, adultos e adultas.

Identifiquei catorze constantes. Talvez pudessem ser mais. Talvez pudessem ser agrupadas. Porém sãosuficientemente sugestivas para desenvolver o debate que espero essa intervenção propicie.

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1. Milhares de horas como alunos não são gratuitas: a socialização prévia

Podemos afirmar, sem risco de nos equivocarmos, que a docência é a única das profissões em que os futurosprofissionais se veem expostos a um maior período de observação não dirigida em relação às funções etarefas que desempenharão no futuro. Como comenta Tardif, a docência “também exige uma socialização naprofissão e uma vivência profissional através das quais a identidade profissional vai sendo pouco a poucoconstruída e experimentada, e onde entram em jogo elementos emocionais, de relação e simbólicos quepermitem que um indivíduo se considere e viva como professor e assuma assim, subjetiva e objetivamente,o fato de realizar uma carreira no ensino” (Tardif, 2004, p. 79). Por outro lado, já se tornou clássico o trabalhodesenvolvido por Lortie (1975) em relação à socialização prévia no ensino. Esse autor descobriu que osprofessores desenvolvem padrões mentais, crenças sobre o ensino, a partir do período tão prolongado deobservação como alunos.

A identidade docente vai se configurando assim, de forma paulatina e pouco reflexiva através do quepoderíamos denominar aprendizagem informal e mediante a observação em futuros professores que vãorecebendo modelos docentes com os quais se vão identificando pouco a pouco, e em cuja identificaçãoinfluem mais os aspectos emocionais que os racionais. E, como comentam van Veen, Sleegers e van denVen, “dado que a interação humana é tão importante na prática docente, e que os professores comfrequência se envolvem muito profundamente em seu trabalho, as recentes pesquisas vêm afirmar que asemoções constituem um elemento essencial no trabalho e na identidade dos professores” (2005, p.918).

Esse vínculo entre os aspectos emocionais e cognitivos da identidade profissional docente hão de ser levadosem conta na hora de apresentar propostas formativas, já que, como veremos em seguida, as emoçõesconstituem uma parte muito importante das crenças que nós, os professores, desenvolvemos acerca decomo se ensina, como se aprende, e como se aprende a ensinar. Mudar essas crenças requer também umaforte participação emocional.

2. As crenças sobre o ensino dirigem a prática profissional

Como comentamos anteriormente, os aspirantes a professores não são “vasos vazios” quando chegam auma instituição de formação inicial docente. Já têm ideias e crenças fortemente estabelecidas sobre o que éensinar e aprender. Na pesquisa sobre a formação inicial houve uma preocupação especial pela análise dascrenças que os professores em formação trazem consigo quando iniciam sua caminhada profissional.Percebeu-se que as crenças são como proposições, premissas que as pessoas mantêm acerca do queconsideram verdadeiro. As crenças, ao contrário do conhecimento proposicional, não requerem uma condiçãode verdade contratada, e desempenham duas funções no processo de aprender a ensinar. Em primeiro lugar,as crenças influem na forma como os professores aprendem; e, em segundo lugar, as crenças influem nosprocessos de mudança que os professores possam tentar (Richardson, 1996).

A literatura de pesquisa sobre aprender a ensinar identificou três categorias de experiências que influem nas

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crenças e conhecimentos que os professores desenvolvem sobre o ensino:� Experiências pessoais: Incluem aspectos da vida que determinam uma visão do mundo, crenças em torno

de si mesmo e em relação aos demais, ideias acerca das relações entre a escola e a sociedade, assimcomo sobre a família e a cultura. A procedência socioeconômica, étnica, o sexo, a religião, podem afetaras crenças acerca do aprender a ensinar.

� Experiências com o conhecimento formal: O conhecimento formal, entendido como aquele sobre o qual sedeve trabalhar na escola. As crenças acerca da matéria que se ensina assim como a forma de ensiná-la.

� Experiência escolar e de aula: Inclui todas aquelas experiências como estudante, que contribuem paraformar uma ideia acerca do que é ensinar e qual é o trabalho do professor.

Entre as descobertas mais divulgadas está o fato de que as crenças que os professores em formação trazemconsigo quando iniciam sua formação inicial afetam de uma maneira direta a interpretação e valorização queos professores fazem das experiências de formação de docentes. Essa modalidade de aprender a ensinar seproduz através do que é denominado aprendizagem pela observação (Lortie, 1975). Aprendizagem que emmuitas ocasiões não se produz de maneira intencional, mas que vai penetrando nas estruturas cognitivas – eemocionais – dos futuros professores de maneira inconsciente, chegando a criar expectativas e crençasdifíceis de remover.

É preciso fazer referência a Pajares (1992), como um dos pesquisadores que deu mais contribuições emrelação à análise das crenças. Chamou a atenção para a dispersão semântica que caracterizou essa linha depesquisas, nas quais se utilizaram termos como: crença, atitude, valores, juízos, axiomas, opiniões, ideologia,percepções, conceitos, sistema conceitual, preconceitos, preceitos, teorias implícitas, teorias explícitas,teorias pessoais, processos mentais internos, regras da prática, princípios práticos etc. Esta dispersãosemântica fez com que os resultados de pesquisas não possam ser comparados por não partilharem ummesmo marco conceitual. Pajares fez uma distinção entre conhecimentos e crenças, deixando claro que ascrenças, ao contrário do conhecimento, possuem uma clara conotação afetiva e avaliadora: “o conhecimentode um tema se diferencia dos sentimentos que tenhamos sobre esse tema, da mesma maneira que se fazdiferença entre autoconceito e autoestima, entre conhecimento de si mesmo e sentimento do valor próprio”(Pajares, 1992).

A partir dessa diferenciação, as pesquisas vêm mostrando que os professores entram no programa deformação com crenças pessoais acerca do ensino, com imagens de bom professor, imagem de si mesmoscomo professores, e a memória de si mesmos como alunos. Essas crenças e imagens pessoais geralmentepermanecem sem alterações ao longo do programa de formação e acompanham os professores durante suaspráticas de ensino (Feiman-Nemser, 2001; Kagan, 1992; Wideen, Mayer-Smith, & Moon, 1998). Nessa linha,Feiman afirma que as imagens e crenças que os professores em formação trazem consigo quando iniciamsua formação inicial atuam como filtros mediante os quais eles dão sentido aos conhecimentos eexperiências com que se deparam. Mas também podem atuar como barreiras à mudança, limitando as ideiasque os alunos podem vir a desenvolver sobre o ensino (Feiman-Nemser, 2001:1016).

Pajares (1992) sintetizou os resultados da pesquisa das crenças dos professores nos seguintes princípios:

1 As crenças se formam em idade precoce e tendem a se perpetuar, superando contradições causadas pela

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razão, o tempo, a escola ou a experiência.2 Os indivíduos desenvolvem um sistema de crenças que estrutura todas as crenças adquiridas ao longo do

processo de transmissão cultural.3 Os sistemas de crenças têm uma função adaptativa ao ajudarem o indivíduo a definir e compreender o

mundo e a si mesmos.4 Conhecimento e crenças estão interrelacionados, mas o caráter afetivo, avaliador e episódico das crenças

se convertem em um filtro através do qual todo novo fenômeno é interpretado.5 As subestruturas de crenças, como são as crenças educacionais, devem ser compreendidas em termos

de suas conexões com as demais crenças do sistema.6 Devido à sua natureza e origem, algumas crenças são mais indiscutíveis que outras.7 Quanto mais antiga é uma crença, mais difícil é mudá-la. As novas crenças são mais vulneráveis à

mudança.8 A mudança de crenças nos adultos é um fenômeno muito raro. Os indivíduos tendem a manter crenças

baseadas em conhecimento incompleto ou incorreto.9 As crenças são instrumentais ao definir tarefas e selecionar os instrumentos cognitivos para interpretar,

planejar e tomar decisões em relação a essas tarefas; portanto, desempenham um papel crucial ao definira conduta e organizar o conhecimento e a informação.

Mas assim como desenvolvemos conhecimentos e crenças gerais acerca do ensino, dos alunos, da escolaou do professor, a matéria que ensinamos ou pretendemos ensinar não fica à margem de nossasconcepções. A forma como conhecemos uma determinada disciplina ou área curricular afeta a forma comoa ensinamos. Existem múltiplas evidências que nos mostram certos “arquétipos” que os professores emformação têm sobre a disciplina que estudam, seja ela Matemática, Linguagem ou Educação Física.Perguntas como o que são e para que servem a Matemática, a Linguagem, a Educação Física, etc.?, devemser enfocadas quando pretendemos “partir do que o aluno já sabe”. Tomando o conteúdo que se ensina ese aprende como argumento da investigação, podemos encontrar diferenças no comportamento observávelde professores em função do domínio que possuam do conteúdo que ensinam (Onofre, 2000).

3. O conteúdo que se ensina constrói identidade

Uma das chaves de identidade profissional docente é proporcionada, sem sombra de dúvida, pelo conteúdoque se ensina. Isso é especialmente verdadeiro à medida que avançamos no nível educacional: menor naeducação infantil e maior no ensino médio e universitário.

De qualquer ponto de vista é importante – e daí sua influência na construção da identidade profissionaldocente – um conhecimento profundo do conteúdo que se ensina. A respeito disso, Buchmann nos revelaque “conhecer algo nos permite ensiná-lo; e conhecer um conteúdo com profundidade significa estarmentalmente organizado e bem preparado para ensiná-lo de uma forma geral” (Buchmann, 1984, p.37).Quando o docente não possui conhecimentos adequados da estrutura da disciplina que está ensinando, podeexpor o conteúdo erroneamente aos alunos. O conhecimento que os professores possuem do conteúdo aensinar também influi no que e no como ensinar.

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O conhecimento do conteúdo inclui diferentes componentes, dos quais dois são os mais representativos:conhecimento sintático e conhecimento substantivo. O conhecimento substantivo é constituído porinformação, ideias e tópicos a conhecer, ou seja, o corpo de conhecimentos gerais de uma matéria, osconceitos específicos, definições, convenções e procedimentos. Esse conhecimento é importante na medidaem que determina o que os professores vão ensinar e a partir de que perspectiva o farão. Por exemplo, naHistória, o marco de análise cultural, política ou ideológica que se escolha pode determinar o que se ensinae como se ensina. O conhecimento sintático do conteúdo completa o anterior, e é representado no domínioque tem o formador dos paradigmas de pesquisa em cada disciplina, do conhecimento em relação a questõescomo a legitimidade, tendências, perspectivas e pesquisa no campo de sua especialidade. Em Históriaincluiria as diferentes perspectivas de interpretação de um mesmo fenômeno; em Ciências Naturais, oconhecimento sobre o empirismo e o método de investigação científica, etc.

Em um trabalho acerca desse tema, Gess-Newsome (2003) indica que o conhecimento do conteúdo damaioria dos professores principiantes é fragmentado, compartimentalizado, pobremente organizado, o quedificulta o acesso eficiente a esse conhecimento enquanto se está ensinando. Como consequência, muitosprofessores principiantes se veem forçados a ensinar algorítmos e fatos de que se recordam dos seus anosescolares. Um baixo nível de conhecimentos pobremente organizados influi no ensino de várias formas.Quando os professores principiantes planejam, geralmente se baseiam nos livros de texto como ponto departida para o ensino. Ensinar se equipara a recordar informação. Esse conhecimento superficial prejudica osalunos, limitando-lhes uma compreensão dos conceitos, levando-os a representações errôneas da disciplina.Os professores principiantes formulam perguntas de baixo nível e restringem as atividades dos alunos aaspectos estritamente procedimentais. Os professores principiantes são incapazes de conectar oscomentários e perguntas dos alunos com outros temas, e muitas vezes rechaçam respostas alternativas dosalunos. O resultado é o gerenciamento do trabalho dos alunos ao invés da comprovação de sua compreensão.Os professores com um conhecimento conceitual profundo da matéria estabelecem mais conexões erelações com outros tópicos e podem trasladar esse conhecimento ao ensino e à resolução de problemas.

4. Fragmentação do conhecimento docente: alguns conhecimentos valem mais que outros

De acordo com o que poderíamos chamar de “sabedoria popular”, para ensinar basta “saber” a matéria quese ensina. O conhecimento do conteúdo parece que é um sinal de identidade e reconhecimento social. Paraensinar, porém, sabemos que o conhecimento da matéria não é um indicador de qualidade de ensino.Existem outros tipos de conhecimentos também importantes: conhecimento do contexto (onde se ensina),dos alunos (a quem se ensina), de si mesmo, e também de como se ensina.

Dessa forma, o conhecimento didático do conteúdo aparece como um elemento central dos saberes dodocente. Representa a combinação adequada entre o conhecimento da matéria a ser ensinada e oconhecimento pedagógico e didático relativo a como ensiná-la. Nos últimos anos vem-se trabalhando nosdiferentes contextos educativos para elucidar quais são os componentes desse tipo de conhecimentoprofissional do ensino. O conhecimento didático do conteúdo, como linha de pesquisa, representa aconfluência de esforços de pesquisadores didáticos e de pesquisadores de matérias específicas preocupadoscom a formação dos professores. O conhecimento didático do conteúdo nos conduz a um debate no tocante

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à forma de organização e de representação do conhecimento, através de analogias e metáforas. Aponta anecessidade de que os professores em formação adquiram um conhecimento experiente do conteúdo a serlecionado, para que possam desenvolver um ensino que propicie a compreensão dos alunos.

Shulman (1992) manifestava a necessidade de que os professores construíssem pontes entre o significadodo conteúdo curricular e a construção desse significado feita pelos alunos. Esse importante pesquisadorafirma que “os professores executam essa façanha de honestidade intelectual mediante uma compreensãoprofunda, flexível e aberta do conteúdo; compreendendo as dificuldades mais prováveis que os alunos terãocom essas ideias [...]; compreendendo as variações dos métodos e modelos de ensino para ajudar os alunosna sua construção do conhecimento; e estando abertos a revisar seus objetivos, planos e procedimentos namedida em que se desenvolve a interação com os estudantes. Esse tipo de compreensão não éexclusivamente técnica, nem somente reflexiva. Não é apenas o conhecimento do conteúdo, nem o domíniogenérico de métodos de ensino. É uma mescla de tudo o que foi dito anteriormente, e é principalmentepedagógico” (Shulman, 1992, p.12).

O conhecimento didático do conteúdo tem relação com a forma como os professores pensam que têm deajudar os alunos a compreender determinado conteúdo. Inclui as maneiras de expor e formular o conteúdopara torná-lo compreensível aos demais, assim como um conhecimento sobre o que torna fácil ou difícilaprender: conceitos e preconceitos que os alunos de diferentes idades e procedências trazem consigo acercados conteúdos que aprendem (Borko & Putnam, 1996). De acordo com Magnusson, Krajcih e Borko (2003),o conhecimento didático do conteúdo inclui a forma de organizar os conteúdos, os problemas que surgem, aadaptação aos alunos com diversidade de interesses e habilidades.

Pois bem, se observamos as estruturas curriculares dos programas de formação docente, encontramos umaclara fragmentação e falta de coordenação entre os diferentes tipos de conhecimento aos quais nosreferimos anteriormente. De um lado, apresentam os conteúdos disciplinares e, de outro, os “pedagógicos”.A identidade profissional docente se fortalece com relação aos conteúdos que se ensinam quando o currículoda formação inicial os apresenta com evidente clareza.

Esta falta de coordenação entre diferentes tipos de conhecimentos também pode ser vista na justaposiçãoentre universidade e escola. Feiman y Buchman já chamaram atenção para esse fato. Referiam-se ao divórcioque existe na formação inicial, onde costuma acontecer de os estudantes perceberem que tanto osconhecimentos como as normas de atuação na Instituição de Formação têm pouco a ver com osconhecimentos e práticas profissionais. Nesse caso, os estudantes costumam se deslumbrar com arealidade, e quando tornam a se reincorporar à atividade acadêmica, começam a desprezar – por considerá-la menos importante – a necessidade de certos conhecimentos que fundamentem o trabalho prático.

5. Aprende-se a ensinar ensinando: o valor do conhecimento prático

Quem não ouviu mais de uma vez essa expressão? A prática forma o docente muito mais que a teoriaadquirida na formação inicial. A partir dessa perspectiva, atribui-se um valor mítico à experiência como fonte

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de conhecimento sobre o ensino e sobre o aprender a ensinar. Zeichner utilizava a palavra “mito” para sereferir à crença segundo a qual “as experiências práticas em colégios contribuem necessariamente paraformar melhores professores. Assume-se que algum tempo de prática é melhor que nenhum, e que quantomais tempo se dedique às experiências práticas, melhor será” (Zeichner, 1980, p.45).

Não é possível realizar a mínima exposição conceitual sobre o valor da experiência no ensino e na formaçãodos professores sem se fazer referência a Dewey. Em 1938, esse autor defendia a necessidade dedesenvolver uma Teoria da Experiência, visto que, já naquela época, constatava que a experiência não ésinônimo de educação. Nesse sentido, explicava que “não é suficiente insistir na necessidade da experiência,nem mesmo da atividade na experiência. Tudo depende da qualidade da experiência que se tenha” (Dewey,1938, p.27). Avaliar a qualidade das experiências supõe levar em conta dois aspectos. O primeiro, um aspectoimediato, relacionado a quanto de agradável ou desagradável é a experiência para o sujeito que a vive. Osegundo aspecto tem uma maior importância para o tema de que nos ocupamos: o efeito que tal experiênciatenha em experiências posteriores, isto é, a transferência para posteriores aprendizagens.

Esse reconhecimento do valor que a prática – a experiência – tem para a formação inicial docente, vemcontrastar com a primazia explícita do que denominaríamos conhecimento proposicional. Cochran-Smith eLytle (1999) refletiram sobre as relações entre conhecimento e prática na formação dos professores e nosexplicam que as coisas podem ter diferentes pontos de vista. Assim, diferenciam entre o Conhecimento paraa prática, o Conhecimento na prática e o Conhecimento da prática.

Essa primeira concepção – o Conhecimento para a prática – julga que a relação entre conhecimento e práticaé aquela na qual o conhecimento serve para organizar a prática, e, por isso, conhecer mais (conteúdos, teoriaseducacionais, estratégias instrucionais) leva, de forma mais ou menos direta, a uma prática mais eficaz. Oconhecimento para ensinar é um conhecimento formal que deriva da pesquisa universitária, e é a ele que osteóricos se referem quando se diz que o ensino gerou um corpo de conhecimento diferente do conhecimentocomum. A partir dessa perspectiva, a prática tem muito a ver com a aplicação do conhecimento formal àssituações práticas.

Por outro lado, no Conhecimento na prática a ênfase da pesquisa sobre aprender a ensinar foi a busca doconhecimento na ação. Considerou-se que aquilo que os professores conhecem está implícito na prática, nareflexão sobre a prática, na pesquisa prática e na narrativa dessa prática. Uma suposição dessa tendência éque o ensino é uma atividade incerta e espontânea, contextualizada e construída em resposta àsparticularidades da vida diária nas escolas e nas salas de aula. O conhecimento está situado na ação, nasdecisões e julgamentos dos professores. Esse conhecimento é adquirido através da experiência e dadeliberação, e os professores aprendem quando têm oportunidade de refletir sobre o que fazem.

Por último, o Conhecimento da prática se insere na linha de pesquisa qualitativa, todavia próxima aomovimento chamado do professor como pesquisador. Parte da ideia de que no ensino não faz sentido falarde um conhecimento formal e outro conhecimento prático, e sim que o conhecimento é construídocoletivamente dentro de comunidades locais, formadas por professores trabalhando em projetos dedesenvolvimento da escola, de formação ou de pesquisa cooperativa (Cochram-Smith e Lytle, 1999).Desses três tipos de conhecimentos, poderíamos afirmar que aquele que melhor identifica a profissão

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docente é o segundo tipo. Um conhecimento específico do contexto, difícil de codificar já que se manifestaligado à ação, além de moral e emocional, privado ou interpessoal, comunicado de forma oral, prático,orientado a soluções, que se expressa em forma metafórica, narrativa, em histórias, e geralmente com baixostatus e prestígio. Este tipo de conhecimento é o que Donal Schön denominou epistemologia da prática(Schon, 1983).

6. O isolamento: cada qual é senhor em sua aula

Os professores geralmente continuam enfrentando sozinhos a tarefa de ensinar. Apenas os alunos sãotestemunhas da atuação profissional dos professores. Poucos profissionais se caracterizam por maior solidãoe isolamento. Ao contrário de outras profissões ou ofícios, o ensino é uma atividade que se realiza sozinho.Como afirma Bullough, de maneira apropriada, a sala de aula é o santuário dos professores… “O santuárioda sala de aula é um elemento central da cultura do ensino, que se preserva e se protege mediante oisolamento, e que pais, diretores, e outros professores hesitam em violar” (Bulough, 1998). Quando estamosobservando propostas que enfocam claramente a necessidade de que os professores colaborem, trabalhemconjuntamente, etc., nos deparamos com a pertinaz realidade de professores que se refugiam na solidão desuas salas de aula. Já é clássico o estudo desenvolvido por Lortie em 1975, no qual, por meio de entrevistas,estabeleceu algumas características da profissão docente nos Estados Unidos, que não só são de grandeatualidade, como são perfeitamente aplicáveis a nosso país. Uma característica identificada por Lortie foi oIndividualismo. Esse autor comentava que: “a forma celular da organização escolar e a ecologia dedistribuição do espaço e do tempo colocam as interações entre os professores à margem de seu trabalhodiário. O individualismo caracteriza sua socialização; os professores não partilham uma potente culturatécnica. As maiores recompensas psíquicas dos professores são obtidas no isolamento de seuscompanheiros, e toma-se muito cuidado de não franquear as barreiras das salas de aula” (Lortie, 1975, p. 5).

O isolamento dos professores é claramente favorecido pela arquitetura escolar – que organiza as escolas emmódulos padrão –, assim como pela distribuição do tempo e do espaço, e pela existência de normas deindependência e privacidade entre os professores. O isolamento, como norma e cultura profissional, temcertas vantagens e alguns evidentes inconvenientes para os professores. Nesse sentido, Bird e Little (1986)assinalavam que embora o isolamento facilite a criatividade individual e libere os professores de algumas dasdificuldades associadas ao trabalho compartilhado, também os priva da estimulação do trabalho peloscompanheiros, e faz com que deixem de receber o apoio necessário para progredir ao longo da carreira. Alémdo mais, enquanto no mundo empresarial está se falando da necessidade de administrar o conhecimentocomo meio para rentabilizar esse saber fazer que os empregados foram acumulando ao longo do tempo, noensino, nas palavras de D. Hargreaves, os professores “ignoram o conhecimento que existe entre eles;portanto, não podem partilhar e construir sobre esse conhecimento. Ao mesmo tempo, também nãoconhecem o conhecimento que não possuem e, por tanto, não podem gerar novo conhecimento. Há umacomplexa distribuição social do conhecimento na escola: nenhum professor em particular conhece ou podeconhecer a totalidade do conhecimento profissional que os professores possuem” (D. Hargraves, 1999,p.124). Isso se deve ao fato de que grande parte do conhecimento dos professores é tácito, difícil de articular,e o objetivo da gestão do conhecimento é ajudar a organização a utilizar seu próprio capital intelectual.7. Os alunos e a motivação profissional

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Comentamos anteriormente que uma das características da profissão docente é o isolamento. Os docentesem geral desenvolvem sua atividade profissional com os alunos como únicas testemunhas. Mas o fato é que,como Lortie também havia apontado, o tipo de motivação profissional docente está ligado aos alunos. Amotivação para ensinar e para continuar ensinando é uma motivação intrínseca, fortemente ligada àsatisfação de conseguir que os alunos aprendam, desenvolvam capacidades, evoluam, cresçam. Outrasfontes de motivação profissional, como aumentos salariais, prêmios, reconhecimentos, são boas, massempre na medida em que repercutam na melhora da relação com o corpo discente.

Essa identificação tão intensa dos professores com os alunos faz com que algumas inovações derivadas decertas reformas educacionais que promovem redução de períodos de docência direta com os alunos parapermitir períodos de trabalho em equipe docente – de colaboração – sejam percebidas por alguns professorescomo tempo de dedicação a seus alunos que lhes está sendo tirado.

Mas se os alunos desempenham um papel importante na configuração da identidade profissional docente,não é menos verdade que os alunos de hoje em dia tenham mudado em relação àqueles de algumas décadasatrás. Os chamados “nativos digitais” – jovens que nasceram na era da computação, familiarizados com oscelulares e a comunicação sincrônica, habituados a se exercitarem confortavelmente no hipertexto, amantesdos videogames e com capacidade de processamento flexível de múltiplas fontes de informação –começaram a povoar nossas escolas e centros de ensino. E essas mudanças devem ser levadas em contapelos docentes, para saber a que tipo de alunos estamos nos dirigindo.

Essa característica da profissão docente faz com que os indícios de identidade dos professores se restrinjammuito mais à aula do que à instituição em que trabalham. Essa realidade dificulta muito o desenvolvimentode propostas organizacionais que suponham uma mudança nessa cultura tão arraigada na docência.

8. Carreira docente: aquele que sai da sala de aula não volta

Embora em alguns países da região as coisas estejam mudando, a verdade é que em geral podemos afirmarque a carreira docente pode ser caracterizada como plana. Como comentava Flavia Terigi em um relatórioelaborado para o PREAL (Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina), sobre odesenvolvimento profissional docente na América Latina, “historicamente, o trabalho docente se configurouna região segundo um modelo baseado na carreira, que só permite que o docente ascenda a cargos que oafastam da sala de aula, e nos quais o regime de compensações se encontra desvinculado das atividadesdesenvolvidas nas escolas” (Terigi, 2007).

A carreira docente é entendida como um trajeto individual, pouco ligado ao desenvolvimento de atividadescoletivas, e cujos resultados fazem com que o crescimento na carreira geralmente produza um afastamentoda sala de aula. A assunção de diferentes papéis por parte dos professores, como o de supervisor, deconselheiro, ou de formador, em geral se desenvolve fora da sala de aula e não permite a compatibilidadecom atividades docentes. E acontece que aquele que sai da sala de aula em geral não costuma voltar a ela.

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9. Tudo depende do professor: os docentes como artesãos

Em consonância com a característica do isolamento docente, existe também a ideia de que os professoressão responsáveis por tudo o que acontece em sua sala de aula. Há uma espécie de hiper-responsabilizaçãodo docente, como se tanto as condições de acesso dos alunos, quanto as próprias condições em que sedesenvolve sua atividade profissional não estivessem limitadas por diretrizes, normas e relações de poder,tanto na escola, como na sociedade.

Por outro lado, a partir dos trabalhos de Michael Huberman veio se desenvolvendo a imagem do docentecomo um artesão independente. Essa é uma visão da identidade docente segundo a qual os professoresatuam como artesãos, construindo conhecimento e habilidades e materiais da mesma forma como fazem osartesãos. Os professores, desse modo, trabalham sós em sala de aula e acumulam sabedoria e saber fazer.A aprendizagem é autodirigida e principalmente conservadora no sentido de que o professor conserva o quefunciona (Sykes, 1999).

O próprio Huberman afirmava a necessidade de “legitimar o modelo do professor como artesão, aquele queé muito individualista e sensível ao contexto, e que, como resultado, implica a acumulação idiossincrática deum tipo de conhecimento base e de um repertório de habilidades... Dito claramente, esses professorestrabalham sozinhos, aprendem sozinhos e desenvolvem a maior parte de sua satisfação profissional sozinhosou através de suas interações com os alunos em vez de com os companheiros” (Huberman, 1993, p.22-23).

Essa identidade artesanal do docente impede o desenvolvimento de propostas cooperativas? Do ponto devista de Talbert e McLaughlin (2002), a ideia de comunidades artesanais pode funcionar, isto é, grupos deprofessores que de forma cooperativa desenvolvam soluções, assim como conhecimento, trabalhando comseus próprios meios e recursos.

10. O docente como consumidor: “fast-food” nas salas de aula

Outra visão da docência, promovida sobretudo a partir das instâncias políticas encarregadas de planejar eregular a educação, é a do docente como consumidor. Consumidor de propostas de reformas desenhadaspor elites nacionais – ou importadas de outros países ou regiões. Ao longo dos anos 1990 e na década atual,estão sendo promovidas reformas nos sistemas educacionais, tanto em sua estrutura como em seuconteúdo, as quais em geral se caracterizam por estarem desenhadas por administrações convencidas deque a bondade das reformas levará inegavelmente à sua implantação. Assim, se traduz uma visão do docentecomo um aplicador de inovações que às vezes não entende e nas quais, evidentemente, não participou.

Essa visão do docente e dos processos de mudança nas escolas desconhece e, às vezes, deprecia arealidade da cultura e da prática profissional docente. E pensa-se que as mudanças em educação sãoprocessos lineares, implantados de forma simples, com a condição de que saibamos “explicar” bem aosdocentes em que consistem esses processos. Os processos de mudança, contudo, tanto nos indivíduoscomo nas organizações, não funcionam de maneira racional. Os sistemas complexos geram seus próprios

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processos de autorregulação para se acomodar ou modificar as propostas de mudança, que nem sempre têmos resultados que se prevê a partir das instâncias que as promovem (Lopez Yáñez e Sanches Moreno, 2000).

Por isso dizemos que a ideia do docente consumidor de “fast-food” fracassa quando se pretende, usandomeios rápidos, modificar elementos estruturais de sua identidade profissional. Em um trabalho publicado háonze anos, chamava a atenção acerca da progressiva burocratização e intensificação da docência (C. Marcelo,1996). O avanço dos processos de controle sobre a docência, externos ao controle profissional – controle demercado, controle político e administrativo – vem tornar pública uma imagem profissional débil.

Mas também se fracassa quando se pretende “atualizar” os professores, isto é, fazer com que secomprometam com atividades que promovam sua aprendizagem contínua, quando as modalidades que seoferecem não vão além de cursos curtos, descontextualizados, distantes dos problemas concretos e semaplicação prática nem continuação.

11. A competência não reconhecida e a incompetência ignorada

Foram Michael Fullan e Andy Hargreaves os inventores dessa expressão (Fullan & Hargraves, 1992). De certamaneira já fizemos referência ao fato de que o isolamento – a imagem do professor como artesão – conduza uma realidade que por mais que nos surpreenda continua estando viva: os docentes são profissionais quedurante sua carreira profissional raras vezes observam outro docente realizando sua atividade profissional, ouseja, ensinando. E essa falta de hábito analítico leva a uma evidente imobilização profissional: se nãorevisamos o que fazemos, se não o submetemos a julgamento, não avançamos. E assim se produzem asduas situações que Furlan e Hargreaves denunciam.

Por um lado, reconhecemos que existe uma profusão de docentes, bons docentes, que realizam seu trabalhode maneira honesta e profissional, comprometendo-se e conseguindo uma boa aprendizagem de seusalunos, desenvolvendo – muitas vezes de maneira artesanal – inovações cujos resultados não ultrapassam asparedes da escola ou, no máximo, da comunidade mais próxima.

Por outro lado, há a incompetência ignorada. Também existem docentes que se refugiam no anonimato(isolamento), característico da identidade profissional docente, para desenvolver um ensino que vemclaramente frustrar o direito de aprender dos alunos

Como sair desse impasse ou dilema? Alguns países estão optando pelo desenvolvimento de um sistema depadrões que venha determinar com clareza quais são as competências que todo docente deve possuir edemonstrar. Nesse sentido, e como mostraram Yinger e Hendricks (2000), os padrões educacionaisconstituem uma das ferramentas mais poderosas para a profissionalização do ensino, já que desempenhamum duplo papel no desenvolvimento da profissão. Em primeiro lugar os padrões são uma boa maneira dedemonstrar ao público e aos políticos que a profissão tem suficientes processos de controle de qualidade,controlando o acesso e o exercício de uma prática eficaz, e assim ganhar em legitimidade social. Em segundolugar, os padrões funcionam como parâmetros e orientações para o desenvolvimento do trabalho profissional,

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já que podem definir uma prática eficaz em termos dos resultados desejados. E dessa maneira os padrõesse convertem na base para organizar a formação inicial e continuada dos professores, algo a que voltaremosmais adiante.

Na mesma linha, Darling-Hammond (2001) veio mostrando que é fundamental que o ensino desenvolva seupróprio modelo de profissionalismo. Um modelo de profissionalismo que não passa necessariamente porseguir aquele executado por outros profissionais que alcançaram o reconhecimento e o prestígio através deum distanciamento em relação aos clientes, bem como de um conhecimento altamente especializado. Aocontrário desse modelo, o ensino deve se inserir na comunidade e se conectar com a vida dos alunos,construindo comunidades de aprendizagem relevantes e adequadas para responder às necessidades einteresses dos alunos como cidadãos com direito a aprender.

E para caminhar em direção a esse reconhecimento, entende que “a alavanca política mais importante deque se dispõe para melhorar o processo de ensino e aprendizagem é, provavelmente, o desenvolvimento dealguns padrões profissionais que contemplem os aspectos mais importantes da profissão docente” (L.Darling-Hammond, 2001). Esses padrões, públicos e assumidos, e desenvolvidos pela própria profissão,podem ser a espinha dorsal dos programas de formação inicial e continuada. Alguns programas que foramorganizados sem levar em conta o trabalho global do professor na escola, e esquecendo que a formação édirecionada para que os professores assegurem a aprendizagem dos alunos, último critério de qualidade daformação.

12. O que fazemos com essas geringonças? Desconfiança ante as tecnologias

Falávamos antes de um aspecto muito característico da identidade profissional docente pelo qual, de acordocom Fullan e Hargreaves, se definia os docentes como artesãos. Essa ideia do docente como artesão,acostumado a fazer seus próprios desenhos, com seus próprios meios e com sua técnica desenvolvida apartir de ensaio e erro, ou mesmo da observação de outros artesãos, “combina” pouco com o uso detecnologias no ensino.

Embora, nesse momento, falar de tecnologias nos leve forçosamente a pensar em computadores e Internet,não devemos esquecer que ao longo dos últimos 50 anos tentou-se introduzir outras tecnologias nas salasde aula: desde a imprensa de Freinet, passando pela televisão escolar, o projetor de corpos opacos, o projetorde slides, o retroprojetor, as apresentações audiovisuais, etc. Todavia, poucas dessas inovações tecnológicastiveram um impacto profundo na mudança das práticas tradicionais docentes. E não temos motivo parapensar que isso vai mudar.

Creio que existe uma desconfiança endêmica dos docentes diante das tecnologias. E não creio que seja algointencional, mas talvez seja devido ao fato de que a apresentação das tecnologias, como produtos acabados,já projetados e prontos para utilizar, se encaixa muito mal com essa ideia do docente como artesão quenecessita “desmontar” os projetos e processos para poder assim apropriar-se deles.

13. A influência incompleta dos docentes

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Com o passar dos anos e a evolução de nossas sociedades, a implantação dos meios de comunicação demassa, e a Internet, percebe-se como pouco a pouco a escola e o trabalho dos docentes estão deixando deser a principal fonte de influência educativa nas novas gerações. Definitivamente, a escola e os docentes seconverteram em competidores.

Encontramos claramente esses competidores na monumental e crescente profusão de aprendizageminformal que os alunos desfrutam paralelamente à aprendizagem formal que a escola proporciona. Tanto atelevisão como a Internet estão representando uma fonte de influência de geração de modelos, padrõessociais e valores, que competem e muitas vezes se opõem aos que são promovidos pela escola. E em muitoscasos os professores percebem que as famílias (cada vez mais heterogêneas) deixam de ser aliadosprivilegiados da escola e dos docentes.

Esse é um fenômeno que está afetando claramente a identidade profissional docente, que está forçandomuitos professores a redesenharem sua posição e seu compromisso com certos valores, e a se preocuparemmais com essas influências que ameaçam diminuir o possível impacto educacional que a escolatradicionalmente teve.

14. Começar a ensinar: quanto mais difícil melhor

Um aspecto que caracteriza a docência é sua falta de preocupação pela forma como os docentes se integramno ensino. Em outro trabalho recente já tive a oportunidade de desenvolver essa ideia (C. Marcelo, 2006). Ainserção profissional no ensino é o período de tempo que abarca os primeiros anos, nos quais os professoreshão de realizar a transição de estudantes a docentes. É um período de tensões e aprendizagens intensivas,em contextos geralmente desconhecidos, e durante o qual os professores principiantes devem adquirirconhecimento profissional, além de conseguirem manter um certo equilíbrio pessoal. É esse o conceito deinserção assumido por Vonk, autor holandês com uma década de pesquisas centradas nesse âmbito:“definimos a inserção com a transição de um professor em formação até chegar a ser um profissionalautônomo. A inserção pode ser mais bem entendida como uma parte de um contínuo no processo dedesenvolvimento profissional dos professores” (Vonk, 1996, p.115).

Convém insistir nessa ideia de que o período de inserção é um período diferenciado no caminho para seconverter em professor. Não é um salto no vazio entre a formação inicial e a formação continuada, mas antestem um caráter distintivo e determinante para levar a um desenvolvimento profissional coerente e evolutivo(Britton, Paine, Pimm, & Raizen, 2002). O período de inserção e as atividades próprias que o acompanhamvariam muito entre os países. Em alguns casos, reduzem-se a atividades burocráticas e formais. Em outros,como veremos mais adiante, estruturam toda uma proposta de programa de formação cuja intenção éassegurar que os professores entrem no ensino acompanhados por outros que podem ajudá-los.

Os professores principiantes têm, segundo Feiman (2001), duas tarefas a cumprir: devem ensinar e devemaprender a ensinar. Independentemente da qualidade do programa de formação inicial que tenham cursado,há algumas coisas que só se aprendem na prática e isso repercute em que esse primeiro ano seja um ano

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de sobrevivência, descoberta, adaptação, aprendizagem e transição. As principais tarefas com que sedeparam os professores principiantes são: adquirir conhecimentos sobre os estudantes, o currículo e ocontexto escolar; planejar adequadamente o currículo e o ensino; começar a desenvolver um repertóriodocente que lhes permita sobreviver como professor; criar uma comunidade de aprendizagem na sala deaula; e continuar desenvolvendo uma identidade profissional. E o problema é que, em geral, devem fazer issosobrecarregados pelas mesmas responsabilidades dos professores mais experientes (C. Marcelo, 1999).

Mas a realidade cotidiana dos professores principiantes nos mostra que muitos deles desistem, e o fazempor estarem insatisfeitos com seu trabalho devido aos baixos salários, a problemas de disciplina com osalunos, à falta de apoio, e às poucas oportunidades para participação na tomada de decisões. Dizia Cochran-Smith que “Para permanecer no ensino hoje e amanhã, os professores necessitam de condições na escolaque os apoiem e criem oportunidades para trabalharem com outros educadores em comunidades deaprendizagem profissional, em vez de fazê-lo de maneira isolada” (M. Cochran-Smith, 2004, p.391).Examinando as causas, a NCTAF – Comissão Nacional de Ensino e do Futuro da América (1996) estabeleceucinco razões pelas quais os professores abandonam a docência:

� porque se atribui a eles o ensino dos alunos com maiores dificuldades� porque são inundados por atividades extracurriculares� porque são designados para ensinar em una especialidade ou nível diferente do que possuem� porque não recebem apoio da administração� porque se sentem isolados de seus companheiros (citado em Horn, Sterling, & Subhan, 2002).

OS DESAFIOS

Identifiquei catorze constantes. Talvez pudessem ser mais. Talvez pudessem ser agrupadas. Mas sãosuficientemente sugestivas para desenvolver o debate que espero que esta intervenção propicie. Comocomentava no início dessa exposição, a profissão docente encontra-se em uma encruzilhada que deveresolver dando respostas inovadoras aos problemas que a educação tem apresentado em nossos dias. Denada adianta recordar que “qualquer tempo passado foi melhor”. O tempo que nos coube viver é este e nelearriscamos algo tão importante como é a capacidade de permanência de uma instituição que, ao longo dosúltimos séculos, contribuiu como nenhuma outra para assegurar a igualdade e o acesso ao conhecimento daspessoas. Não creio que essa afirmação seja muito exagerada, sobretudo quando, em determinados países,se elaboram políticas educacionais que, sob a proteção da liberdade de escolha e da defesa da competência,ocultam intenções de controle e privatização da educação. O desafio, portanto, é transformar a profissãodocente em uma profissão do conhecimento. Uma profissão que seja capaz de aproveitar as oportunidadesde nossa sociedade para conseguir que respeite um dos direitos fundamentais: o direito de aprender de todosos alunos e alunas, adultos e adultas.

Recebido em junho de 2009 e aprovado em agosto de 2009.

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