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FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA ALÉM DA GRADUAÇÃO: caminhos percorridos pelos egressos em Serviço Social no interior do Amazonas Rayanne Roque Gama 1 Roberta Ferreira Coelho de Andrade 2 RESUMO: O artigo debate sobre a formação profissional e a pós-graduação em Serviço Social sob a perspectiva dos egressos no interior do Estado do Amazonas. A pesquisa foi bibliográfica, documental e de campo, com entrevistas em Parintins, Coari, Itacoatiara e Maués, revelando as alternativas dos egressos em Serviço Social após a formação. Quanto aos cursos de pós-graduação, identificamos que os egressos buscam principalmente as especializações, as quais são majoritariamente na modalidade a distância. Palavras-chave: Formação Profissional; Egressos; Serviço Social; Pós-graduação. ABSTRACT: The article debate on vocational training and graduate school in Social work from the perspective of the graduates in the State of Amazonas. The research was documentary and field literature, with interviews in Parintins, Itacoatiara and Maués, Coari, revealing the alternatives of graduates in Social work after training. As for postgraduate courses, we identified that the graduates seek primarily specializations, which are mostly in remote mode. Keywords: Vocational training; Graduates; Social Work; Postgraduate Studies. 1. INTRODUÇÃO O debate sobre a formação profissional e o período após a graduação é indispensável para o Serviço Social. É fundamental compreender a formação a partir das dimensões do projeto profissional construído coletivamente na década de 1990, numa perspectiva que forme profissionais aptos para atuar frente as refrações da questão social e, ainda, capazes de atender as demandas do mercado de trabalho enquanto profissionais qualificados. 1 Acadêmica de Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: [email protected]. 2 Assistente Social, Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas, Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia. E-mail: [email protected]

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FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA ALÉM DA GRADUAÇÃO:

caminhos percorridos pelos egressos em Serviço Social no interior do Amazonas

Rayanne Roque Gama1

Roberta Ferreira Coelho de Andrade2

RESUMO: O artigo debate sobre a formação profissional e a pós-graduação em Serviço Social sob a perspectiva dos egressos no interior do Estado do Amazonas. A pesquisa foi bibliográfica, documental e de campo, com entrevistas em Parintins, Coari, Itacoatiara e Maués, revelando as alternativas dos egressos em Serviço Social após a formação. Quanto aos cursos de pós-graduação, identificamos que os egressos buscam principalmente as especializações, as quais são majoritariamente na modalidade a distância.

Palavras-chave: Formação Profissional; Egressos; Serviço Social; Pós-graduação.

ABSTRACT: The article debate on vocational training and graduate school in Social work from the perspective of the graduates in the State of Amazonas. The research was documentary and field literature, with interviews in Parintins, Itacoatiara and Maués, Coari, revealing the alternatives of graduates in Social work after training. As for postgraduate courses, we identified that the graduates seek primarily specializations, which are mostly in remote mode.

Keywords: Vocational training; Graduates; Social Work; Postgraduate Studies.

1. INTRODUÇÃO

O debate sobre a formação profissional e o período após a graduação é

indispensável para o Serviço Social. É fundamental compreender a formação a partir das

dimensões do projeto profissional construído coletivamente na década de 1990, numa

perspectiva que forme profissionais aptos para atuar frente as refrações da questão social e,

ainda, capazes de atender as demandas do mercado de trabalho enquanto profissionais

qualificados.

1 Acadêmica de Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: [email protected]. 2 Assistente Social, Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do

Amazonas, Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia. E-mail: [email protected]

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O objetivo deste artigo é discutir a formação profissional no interior do Estado do

Amazonas e as alternativas que os egressos em Serviço Social encontram para qualificar-se

após a graduação. Tal discussão surge a partir do projeto de iniciação científica “O elo entre

formação profissional e mercado de trabalho sob a ótica dos egressos em Serviço Social no

interior do Estado do Amazonas” desmembrado de um projeto maior sobre “Formação

Profissional do Assistente Social no Estado do Amazonas” financiado pelo Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), conduzido pelo Grupo de Pesquisa

Estudos de Sustentabilidade, Trabalho e Direitos na Amazônia (ESTRADAS), que realizou

pesquisa nos munícipios de Coari, Itacoatiara, Manaus, Maués e Parintins, compreendendo a

formação a partir de entrevistas realizadas com: docentes, discentes, egressos, tutores e

coordenadores de curso de Serviço Social. Para recorte desta discussão, trazemos algumas

reflexões construídas a partir das entrevistas realizadas com os egressos em Serviço Social

formados nas diversas instituições de ensino do interior do Estado do Amazonas.

2. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL NO AMAZONAS: A ROTA DO

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DO AMAZONAS

A primeira Escola de Serviço Social em Manaus foi fundada oficialmente em 1941 a

partir da necessidade de corpo técnico especializado em “problemas” e com “técnicas” para

atuar no âmbito do Juízo de Menores. Antecedente à criação da escola, em 1939, havia um

grupo de estudos voltados aos problemas sociais que se reunia no Círculo Operário, fundado

por André Vidal de Araújo com o objetivo de atender as organizações dos trabalhadores em

relação à sindicalização preconizada pelo Ministério do Trabalho (MONTENEGRO, 1986).

Em 1940, a Escola de Serviço Social passa a funcionar no Círculo Operário sendo

oficializada em 15 de janeiro de 1941, com suas atividades em salas cedidas do Grupo Escolar

Marechal Hermes, mais tarde funcionando no prédio da Justiça Tutelar de Menores e

posteriormente a prefeitura cede um terreno na Avenida Getúlio Vargas e com os recursos

advindos da própria escola construiu-se um prédio que passou a abrigar definitivamente a

escola no centro de Manaus (MONTENEGRO, 1986). Seu reconhecimento deu-se em 14 de

janeiro de 1945 – decreto lei nº 1.412 – e pelo governo federal somente em 1957 – decreto nº

41.463 (COSTA, 1999).

De acordo com Costa (1999), o contexto amazonense em que emerge o Serviço

Social é circunscrito pela imigração, transpassado por revoltas na região Norte como a

Cabanagem que contribuiu para o aumento no número de desemprego na cidade de Manaus,

e pelo mercado da borracha que estava em ascensão. Com isso, agravam-se os problemas

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na área social, com destaque ao acréscimo no número de crianças e adultos em situação de

rua.

Para André Araújo, fundador da Escola de Serviço Social de Manaus, a função do

Serviço Social seria a de remediar ou mesmo evitar os problemas sociais emergentes. Para

tal, o Serviço Social deveria carregar uma formação voltada para o conhecimento do homem

e da sociedade, através de métodos próprios. Conforme Ferreira (2007), André Araújo atuou

entre os anos de 1930 e 1970 no cenário intelectual e político do Amazonas, organizando

obras assistenciais. André Araújo entende que cabe ao Estado a solução para os problemas

sociais, considerando necessária a intervenção por meio da ação cristã associada à ação

política. Atuando no parlamento, André Araújo propôs o Código de Menores no Brasil como

resposta a algumas demandas sociais (FERREIRA, 2007).

Segundo Silva e Stampa (2011), na década de 1940 organizam-se as primeiras obras

relacionadas à assistência social atreladas à fundação da primeira escola de Serviço Social:

André Araújo fundou programas sociais, tais como o Instituto Montessoriano Álvaro Maia, o Laboratório Pedagógico de Cultura Infantil Araújo Filho e a Oficina do Serviço Social do Amazonas. Organizou ainda a Cruz Vermelha do Amazonas, o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores, a Creche Circulista Menino Jesus, o Instituto Melo Mattos, para meninos abandonados, o Instituto Maria Madalena, para meninas abandonadas, a Escola José do Patrocínio, para menores jornaleiros, o Serviço Social de Mães Solteiras e 72 escolas de alfabetização no interior do Amazonas (SILVA e STAMPA, 2011, p. 59).

Desta forma, Silva e Stampa (2011) destacam que a atuação do Serviço Social está

ligada às demandas das políticas paternalistas do governo Vargas, com ações assistenciais

atreladas ao clientelismo3, favorecendo a manutenção da pobreza e criando uma relação de

dependência do trabalhador com o Estado.

Montenegro (1986) salienta outros aspectos fundamentais para o Serviço Social no

Amazonas: estabelecer bases para a legislação federal na área social; princípios morais que

deveriam vir antes da administração do Serviço Social das esferas governamentais;

coordenação e supervisão do financiamento recebido; coordenação em nível nacional das

atividades de Serviço Social.

A base ideológica do Serviço Social amazonense não divergia da base nacional do

Serviço Social. Para André Araújo, a doutrina cristã daria coerência ao Serviço Social, visando

à conservação da dignidade da pessoa humana. Para o fundador da escola de Serviço Social

em Manaus, o caos instaurado na cidade de Manaus advinha do liberalismo, das ideias

3Forma de expropriação do direito do trabalhador, implicando na dificuldade de acesso aos direitos

sociais imposta por um distribuidor que faz uso dos recursos ou processos para fazê-lo (FALEIROS, 1997).

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contrárias à fé, da ânsia sobre os lucros e da decadência das instituições sociais. Por

conseguinte, apoiado à doutrina cristã e às bases científicas, o Serviço Social deveria contar

com o apoio do Estado para solucionar os problemas sociais (MONTENEGRO, 1986). Através

da linha teórica positivista, a escola de Serviço Social passa a formar alunos com intuito de

“normatizar” a vida dos indivíduos (COSTA, 1995). Conforme Lima e Vallina (2017), é possível

identificar também a influência do higienismo na formação dos primeiros assistentes sociais

no Amazonas, o que pode ser exemplificado pela presença de disciplinas voltadas aos temas

de saúde.

O curso de Serviço Social contava com a duração mínima de dois anos, tendo como

critério de seleção dos alunos seu nível cultural e formação moral. Após a formação, os

profissionais estariam aptos para atuar em instituições públicas e privadas (MONTENEGRO,

1986).

Ao longo dos dois anos de curso, as matérias eram divididas da seguinte forma:

1º ano 2º ano

Sociologia; Psicologia Social e Pedagogia Social; Biologia Aplicada à Educação; Higiene; Estatística; Economia Política e Social; Direito;

Psiquiatria; Puericultura; Nutrição; Psicotécnica; Prática do Trabalho Social; Enfermagem;

Quadro 1 – Disciplinas ofertadas no curso de Serviço Social em Manaus (1941).

Fonte: Adaptado de MONTENEGRO, 1986.

Montenegro (1986) ressalta que não há registro oficial do currículo, porém ao analisar

os documentos da Escola de Serviço Social consta um curso que teria duração de três anos,

posto que o último ano seria de especialização nas áreas de família, menores, medicina social

ou trabalho.

Para ingresso na instituição seria necessário: 18 anos completos, curso secundário

ou equivalente (atualmente poderia ser entendido como ensino médio), comprovar idoneidade

moral, atestado de sanidade física e mental, e, para o sexo masculino, certidão de alistamento

militar (MONTENEGRO, 1986).

O curso era oferecido de modo gratuito e contava com um corpo docente voluntário.

Embora a escola recebesse doações, apenas em 1948 a escola passaria a ocupar um prédio

próprio e somente em 1956 começaria a remunerar o corpo docente. A Escola de Serviço

Social foi incorporada à atual Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em 1968.

Até a década de 1980, a UFAM é única instituição formadora de assistentes sociais

em Manaus. Contudo, a partir da década de 1990, as primeiras instituições privadas passam

a ofertar o curso de Serviço Social, aumentando consideravelmente o número de vagas.

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Conforme Lima (2017), em 1998 o Centro Universitário do Norte abre as primeiras vagas para

o curso de Serviço Social. A presença da graduação em Serviço Social nas IES privadas

ganha força nos anos 2000, possibilitando o aumento no número de discentes e egressos em

Serviço Social. No Amazonas, conforme os dados do Cadastro do Ministério da Educação (e-

mec) consultado no primeiro semestre de 2019, 31 instituições possuem autorização para

ofertar o curso de Serviço Social, destas, em consulta ao endereço eletrônico das instituições,

26 oferecem o curso de Serviço Social, disposto nas modalidades de ensino regular-

presencial, semipresencial e ensino a distância, tanto na capital Manaus quanto no interior do

Estado do Amazonas.

3. UM BREVE HISTÓRICO DAS MUDANÇAS NAS DIRETRIZES CURRICULARES: OS

CAMINHOS QUE GUIAM A FORMAÇÃO

No I Congresso Pan-Americano em 1945, as discussões em torno da formação

profissional sinalizam questões como a regulamentação da profissão e a luta para o

reconhecimento profissional. No II Congresso Pan-Americano de 1949 pede-se uma

adaptação do Serviço Social à realidade brasileira, buscando a reformulação do currículo de

maneira a abranger aspectos relativos à economia, sociologia, pesquisa social, planejamento,

entre outros, reforçando as características técnicas da profissão, sem desvincular-se da Ação

Social. O primeiro currículo de Serviço Social é regulamentado em 1953, por meio da Lei 1889

de 13 de junho de 1953.

A partir da década de 1960, conforme Silva (2002), o Serviço Social passa pelo

Movimento de Reconceituação levando a sua prática profissional a um caráter de

cientificidade imposto pela ideologia desenvolvimentista do país. O Projeto Profissional de

Ruptura é identificado a partir de 1970, tornando-se significativo na década de 1980, na Escola

de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais. Esta desenvolve uma alternativa

ao tradicionalismo da profissão, atrelada às preocupações de cunho teórico-metodológico

direcionadas às classes subalternas. Desta forma, o “Método de Belo Horizonte” dá os

primeiros passos em relação à ruptura.

Castro e Toledo (2012) destacam que a partir da década de 1980 inicia-se o processo

de reforma curricular do Serviço Social, o qual leva em consideração o contexto histórico das

transformações no país. A aproximação do Serviço Social com o marxismo indica o caráter

de ruptura, momento em que o serviço social apoia-se mais na ciência e na racionalidade

formal (SILVA, 2002).

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Em 1979, a Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS) realiza o

XXI Convenção Nacional da ABESS que teve como tema a “Proposta de reformulação do

currículo mínimo” no qual envia um documento ao Conselho Federal de Educação – CFE,

aprovando em 1982 o currículo mínimo em Serviço Social. O currículo mínimo aprovado em

1982 pelo Ministério da Educação representa, para Iamamoto (2014), o momento de

transição, pois nele o Serviço Social volta-se para a história, a teoria e a metodologia do

Serviço Social, o que representou um enorme desafio introduzindo a política social no âmbito

acadêmico quando amarra o exercício profissional às políticas públicas. A partir de 1987, a

ABESS conta com o apoio do Centro de Documentação e Pesquisa em Política Social e

Serviço Social – CEDEPSS, órgão que tem a função de estimular a pesquisa na graduação e

pós-graduação (ABESS, 1997).

Na XXIX Convenção Nacional da ABESS, realizada em 1995, elaborou-se a nova

Proposta Básica para o Projeto Profissional de Formação Profissional, incluindo novos

pressupostos, diretrizes, metas e novos núcleos de fundamentação teórica, desenhando um

novo currículo de Serviço Social. Em 1996, a ABESS muda sua nomenclatura para

Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS, buscando vincular

ensino, pesquisa e extensão a partir das novas propostas de Diretrizes Gerais para o Curso

de Serviço Social, aprovado no mesmo ano.

A década de 1990 revela as transformações no processo de produção e reprodução

da vida social aliadas à reestruturação produtiva. Os pressupostos que se inserem na

formação profissional compreendem a nova configuração da divisão sociotécnica do trabalho,

na qual o assistente social está inserido. O currículo mínimo estipulado pela ABESS

organizava-se da seguinte forma:

Matérias Básicas Atividades Indispensáveis integradoras do currículo

Acumulação capitalista e desigualdades sociais; Administração e planejamento em Serviço Social; Antropologia; Ciência política; Direito; Economia política; Ética profissional; Filosofia; Formação sócio-histórica do Brasil; Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social; Pesquisa em Serviço Social; Política social; Processo de trabalho do Serviço Social; Psicologia; Sociologia.

Estágio supervisionado; Trabalho de conclusão de curso.

Quadro 2 – Currículo mínimo a partir da diretriz curricular (1996).

Fonte: Adaptado de Caderno ABESS (1997).

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A carga horária passa a ser de 2.700 horas com duração na média de 4 anos. A

respeito do Trabalho de Conclusão de curso, a lógica curricular de 1996 torna-o exigência

para obtenção do diploma de graduação em Serviço Social. O Estágio Supervisionado é

incluído como atividade curricular obrigatória, tendo como característica a inserção do

discente no espaço socioinstitucional, visando capacitá-lo para o exercício profissional,

estabelecendo a relação entre professor supervisor e pelo profissional em campo, tendo como

carga horária mínima de 15% do total do curso. A carga horária complementar deve

incorporar: palestras, monitoria, extensão, iniciação científica, seminários, entre outros,

definidos pelo plano de curso das instituições.

A partir do Parecer CNE/CES 492/2001 aprovado em 3 de abril de 2001 pelo

Ministério da Educação (MEC), as diretrizes curriculares estabelecem que o perfil profissional

do assistente social deve ser aquele que atua nas expressões da questão social, formulando

e implementando propostas de intervenção para o enfrentamento da mesma. Apto a promover

o exercício pleno da cidadania, capaz de inserir seus usuários no conjunto das relações

sociais e no mercado de trabalho. Iamamoto (2014) faz sua crítica a esta nova diretriz

curricular, a qual, segundo a autora, descaracteriza a direção da formação profissional que

vinha sendo construída ao longo das décadas anteriores. A legislação estabelece a carga

horária mínima de 3.000 horas.

Na legislação promulgada pela MEC, houve a retirada dos objetivos gerais da

profissão o Código de Ética Profissional como parte constitutiva sobre as competências e

habilidades do assistente social. Para Iamamoto (2014), tal descaracterização fragiliza o

projeto profissional, na medida em que a substituição do item tira das instituições a

responsabilidade quanto ao fortalecimento do Código de Ética da profissão.

Outro aspecto a ser ressaltado nesse projeto é a possibilidade de flexibilidade dos

currículos plenos, assegurada na Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (LDB), Lei 9394/1996, por

meio oficinas, seminários temáticos, estágio e atividades complementares. A flexibilização do

ensino abre portas à fragilidade do tripé ensino-pesquisa-extensão, defendido pelos

representantes da categoria profissional.

Dessa forma, a luta pela efetivação das diretrizes curriculares construídas

coletivamente pela categoria segue em processo. Entretanto, não podemos esquecer que

algo que compromete esse processo é a não obrigatoriedade das instituições de ensino em

seguir as Diretrizes Curriculares propostas pela ABEPSS, uma vez que há somente a

obrigação quanto às diretrizes oficiais do MEC, sendo assim, o ensino na graduação abre

brechas para a flexibilização e precarização do ensino superior.

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4. CAMINHOS APÓS A FORMAÇÃO: OS EGRESSOS EM SERVIÇO SOCIAL NO

INTERIOR DO ESTADO DO AMAZONAS

A formação profissional não é restrita à graduação nem mera preparação para

ingresso no mercado de trabalho, mas como processo que conduz à construção do perfil

profissional capaz de “responder às exigências de um projeto profissional coletivamente

construído e historicamente situado” (IAMAMOTO, 2002, p. 163). É o embasamento teórico-

metodológico e ético-político que permitirá o desenvolvimento das competências técnico-

operativas. Nesse sentido, compreendemos a formação como processo contínuo, que

extrapola a graduação e pressupõe leituras, inserção em programas de pós-graduação,

participação em encontros, seminários, eventos, momentos de discussão etc.

Para conhecer a continuidade do processo de formação, entrevistamos egressos de

Serviço Social com formação entre os anos de 2006 e 2017, nos municípios de Coari,

Itacoatiara, Maués e Parintins. O acesso aos egressos foi feito através de contato de rede,

indo às instituições de ensino, no campo de trabalho ou mesmo combinando locais acessíveis

aos egressos para realização da entrevista. Tomamos como referência e apoio o Projeto de

Pesquisa intitulado “Formação Profissional do Assistente Social no Estado do Amazonas”,

financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que

alcançou um universo de 323 egressos, entre capital e interior do Amazonas, do qual tomamos

para o presente artigo um universo de 132 egressos. A pesquisa foi realizada com apoio do

Grupo de Pesquisa Sustentabilidade, Trabalho e Direitos na Amazônia (ESTRADAS) que

realizou viagens aos municípios do interior do Estado para a aplicação dos formulários nos

municípios, o que propiciou um maior alcance no número de egressos entrevistados. Para

situar a localização da pesquisa, fizemos um levantamento no Cadastro do Ministério da

Educação (e-mec) dos municípios que têm a oferta do curso do Serviço Social em todo o

Estado e identificamos, no mapa abaixo, aqueles onde houve a realização da pesquisa:

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Mapa 1 – Municípios do interior do Estado do Amazonas alcançados pela pesquisa. Fonte: Adaptado por GAMA, 2018.

Importante ressaltar que, após a pesquisa de campo, um levantamento mais recente

revela o constante aumento no número de instituições aptas a atuar conforme o E-MEC, tendo

em vista a prevalência de instituições que ofertam o curso na modalidade a distância e sua

expansão pelos municípios do interior do Estado do Amazonas.

Como resultado da pesquisa podemos destacar que, após a graduação em Serviço

Social, os egressos sentiram a necessidade de continuidade da formação profissional,

compreendendo a importância da pós-graduação lato e stricto sensu, não somente como

complementar à formação, mas como requisito para manter-se no mercado de trabalho.

Entre os egressos entrevistados foi possível levantar que 59% procuraram

especialização, mestrado ou doutorado após o curso de graduação. Os cursos de pós-

graduação a distância são regulamentados pelo MEC (BRASIL. Decreto Nº 9.057 de 25 de

maio de 2017), na modalidade lato sensu e na modalidade stricto sensu – esta deve ser

recomendada pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES),

consequentemente a maior incidência na procura dos cursos de pós-graduação encontra-se

principalmente nos cursos de especialização, tendo como menor demanda o doutorado. Dos

egressos que buscaram a pós-graduação, 87% cursaram especialização, 12% mestrado e

1% doutorado.

São poucas as instituições que ofertam os cursos de pós-graduação na modalidade

presencial. Portanto, as especializações ocorrem principalmente por meios dos polos a

distância. As principais áreas de escolhidas pelos egressos no interior do Estado do

Amazonas são: Gestão e Planejamento (38%); Saúde (20%); Educação (14%); Políticas

Públicas (13%); Sociojurídico (10%); Assistência (2%) e outros (3%). Tais áreas são

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justificadas por suas razões principais: a) oferta existente por parte das instituições de ensino;

b) necessidade de conhecimentos e habilidades para a inserção profissional ou para o

desenvolvimento do trabalho profissional.

As áreas de formação buscadas nos revelam estreita relação com as políticas

sociais, por meio das quais os assistentes sociais têm a possibilidade de viabilizar os direitos

dos usuários. Não podemos desconsiderar que o Art. 4º da Lei Federal n° 8662/1993 prevê

que é competência do assistente social a elaboração, implementação, execução e avaliação

das políticas sociais, bem como a elaboração, coordenação, execução e avaliação de planos,

programas e projetos sociais. Nesse sentido, a formação buscada atende a lei de

regulamentação da profissão, como também o Código de Ética Profissional que reconhece o

aprimoramento profissional como um dos direitos do assistente social.

As instituições de ensino que ofertam os cursos de pós-graduação entre os

pesquisados totalizam 29, entre instituições públicas e privadas. Grande parte destas são

instituições que ofertam os cursos na modalidade lato sensu. A Resolução CNE/CES Nº 1 de

3 de abril de 2001 (BRASIL, 2001), que dispõe sobre os cursos de pós-graduação, define em

seu art. 1º que os cursos de pós-graduação stricto sensu são aqueles que ofertam as

modalidade de mestrado e doutorado, que dependem da autorização prévia da Câmara de

Educação Superior do Conselho Nacional de Educação e da avaliação da Fundação

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), tendo a

obrigatoriedade de realizar provas e atividades presenciais. No art. 6º, o Ministério da

Educação (MEC) define que as pós-graduações na modalidade lato sensu são ofertadas por

instituições de ensino superior ou instituições credenciadas, que independem de autorização,

reconhecimento e renovação, devendo atender as normativas da resolução do MEC.

A pesquisa, ao mesmo instante em que nos sinaliza a busca de continuidade do

processo de formação por parte dos egressos, também nos evidencia os limites da política de

educação no interior do Estado do Amazonas, visto que o acesso às instituições que ofertam

os cursos de pós-graduação presencial no interior do Amazonas é limitado, tornando as

especializações lato sensu as principais alternativas de formação para os profissionais. Os

limites da política pública de educação não dizem respeito apenas à pós-graduação, já que

há somente uma instituição que oferta o curso de graduação em Serviço Social na modalidade

presencial, a qual é pública e está localizada no município de Parintins. Com isso, a graduação

na modalidade semipresencial e a distância acaba se impondo, dada a falta de alternativas

públicas para o acesso ao ensino superior.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Ao contextualizar a formação no Amazonas e debater sobre sua continuidade após

a graduação, notamos que o ensino a distância cresce e se fortalece diante da realidade dos

municípios interioranos. A precarização do ensino é percebida diante dos nossos olhos; a

ampliação do número de vagas nem sempre vem acompanhada de qualidade do ensino. O

projeto de formação profissional proposto pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa

em Serviço Social não vem andando de mãos dadas com a maioria das instituições de ensino

presentes no interior do Amazonas.

Os limites da formação profissional no interior do Estado do Amazonas estão ligados

principalmente à distância entre os municípios, que corroboram para a proliferação do ensino

a distância em Serviço Social. Junto com este, a formação profissional de qualidade é

fragilizada pelas instituições que, ainda que universitárias, têm dificuldade de promover a

indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. Tais restrições se devem à falta de

estrutura e recursos, ou mesmo pela falta de interesse das instituições privadas.

Com a prevalência das instituições de ensino privadas, sobretudo na modalidade

semipresencial e a distância, tanto na formação graduada quanto pós-graduada, aos egressos

são restritas as alternativas para a continuidade da formação profissional. Aqueles que

fizeram mestrado ou doutorado precisaram se deslocar à capital do Amazonas ou a outras

unidades da federação.

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04 jul. 2018.

BRASIL. Resolução CNE/CES n° 1 de 3 de abril de 2001. Estabelece normas para o

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