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Introdução Os estudos sobre o período moderno e suas estratégias teóricas freqüentemente desenham sua associação com o formalismo. Entretanto, o termo foi usado de modo tão deliberado, sobretudo por seus atores, que se torna difícil saber o que ele viria a significar. Ultrapassada sua manifestação mais conhecida, o pensamento de Clement Greenberg, um estudo de sua arqueologia submerge o conceito em areia movediça. A apoteose do crítico americano parece mais do que o auge ser a conclusão de um processo de construção reflexiva que vinha se desenhando desde o final do século 19 na Europa. Esse percurso é marcado, entretanto, por movimentos contraditórios. Se a idéia de formalismo exerce um papel central, sendo tomada como eixo de antítese, ela se traduz justamente por seu uso ambíguo em diferentes contextos e campos intelectuais. Por outro lado, o mesmo vínculo entre uma época e um modelo de pensamento merece a seguinte pergunta: por que o movimento moderno escolhera ser formalista? Isto é, se for possível falar deles no singular. Nos cerca de 50, 60 anos que separam o aparecimento do círculo da Pura Visibilidade (Hildebrand, Fiedler, Marées) e a consagração mundial do Expressionismo Abstrato, o adjetivo aparece em inúmeras situações, quase sempre com caráter pejorativo. Gropius distancia Van Doesburg dos planos da Bauhaus por conta dessa suspeita. Ao mesmo tempo, o arquiteto alemão no prefácio de seu livro Internationale Architektur enunciara a arquitetura moderna como uma reação contra o “formalismo academicista”. Não obstante, Hannes Meyer, ao assumir a escola, pronuncia a mesma acusação contra seu antecessor. Meyer Schapiro irá muitas vezes manifestar ressalvas acerca do olhar do MoMA de Alfred Barr. O mesmo museu norte- americano irá presenciar no final dos anos 40 polêmicas acaloradas entre Gropius e os historiadores de arquitetura Henry-Russell Hitchcock e Philip Johnson por conta da teoria de ambos acerca de um “estilo” moderno na arquitetura. Giedion se opõe a estes últimos, o que não impede que a ele seja em certas ocasiões dirigido o mesmo epíteto. Na Europa do pós-guerra, Max Bill, que fundara a Escola Superior da Forma em Ulm inspirado no programa “funcionalista” da Bauhaus, não é poupado de ser acusado por Ernesto Rogers de formalista... Breves histórias selecionadas dos formalismos, de Viena a Nova York Conquanto Roberto Salvini afirme que o recuo em busca das origens de uma lógica formal arrisca perder-se em épocas longínquas, 1 o autor nos auxilia igualmente a identificar o desenvolvimento de uma cultura teórica que irá prosseguir ao longo de todo o século 20. A Pura COLABORAÇÕES • GUILHERME BUENO 85 Formalismo e modernidade Guilherme Bueno Reconhecida a diversidade existente no termo "formalismo", o artigo analisa seu papel na historicização da arte moderna (particularmente a partir do caso norte- americano), assim como a série de encruzilhadas que ele provoca na recepção daquela entre o primeiro e segundo pós-guerras. Formalismo, arte e arquitetura moderna (historiografia), teorias da arte moderna. Il faut être absolument moderne Rimbaud

Formalismo e modernidade Guilherme Bueno

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IInnttrroodduuççããoo

Os estudos sobre o período moderno e suasestratégias teóricas freqüentemente desenhamsua associação com o formalismo. Entretanto, otermo foi usado de modo tão deliberado,sobretudo por seus atores, que se torna difícilsaber o que ele viria a significar. Ultrapassada suamanifestação mais conhecida, o pensamento deClement Greenberg, um estudo de suaarqueologia submerge o conceito em areiamovediça. A apoteose do crítico americanoparece mais do que o auge ser a conclusão deum processo de construção reflexiva que vinhase desenhando desde o final do século 19 naEuropa. Esse percurso é marcado, entretanto,por movimentos contraditórios. Se a idéia deformalismo exerce um papel central, sendotomada como eixo de antítese, ela se traduzjustamente por seu uso ambíguo em diferentescontextos e campos intelectuais. Por outro lado,o mesmo vínculo entre uma época e ummodelo de pensamento merece a seguintepergunta: por que o movimento modernoescolhera ser formalista? Isto é, se for possívelfalar deles no singular.

Nos cerca de 50, 60 anos que separam oaparecimento do círculo da Pura Visibilidade(Hildebrand, Fiedler, Marées) e a consagraçãomundial do Expressionismo Abstrato, o adjetivoaparece em inúmeras situações, quase semprecom caráter pejorativo. Gropius distancia Van

Doesburg dos planos da Bauhaus por contadessa suspeita. Ao mesmo tempo, o arquitetoalemão no prefácio de seu livro InternationaleArchitektur enunciara a arquitetura modernacomo uma reação contra o “formalismoacademicista”. Não obstante, Hannes Meyer, aoassumir a escola, pronuncia a mesma acusaçãocontra seu antecessor. Meyer Schapiro irá muitasvezes manifestar ressalvas acerca do olhar doMoMA de Alfred Barr. O mesmo museu norte-americano irá presenciar no final dos anos 40polêmicas acaloradas entre Gropius e oshistoriadores de arquitetura Henry-RussellHitchcock e Philip Johnson por conta dateoria de ambos acerca de um “estilo”moderno na arquitetura. Giedion se opõe aestes últimos, o que não impede que a eleseja em certas ocasiões dirigido o mesmoepíteto. Na Europa do pós-guerra, Max Bill,que fundara a Escola Superior da Forma emUlm inspirado no programa “funcionalista” daBauhaus, não é poupado de ser acusado porErnesto Rogers de formalista...

BBrreevveess hhiissttóórriiaass sseelleecciioonnaaddaass ddooss ffoorrmmaalliissmmooss,,ddee VViieennaa aa NNoovvaa YYoorrkk

Conquanto Roberto Salvini afirme que o recuoem busca das origens de uma lógica formalarrisca perder-se em épocas longínquas,1 oautor nos auxilia igualmente a identificar odesenvolvimento de uma cultura teórica que iráprosseguir ao longo de todo o século 20. A Pura

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Formalismo e modernidade

G u i l h e r m e B u e n o

Reconhecida a diversidade existente no termo "formalismo", o artigo analisa seu papel

na historicização da arte moderna (particularmente a partir do caso norte-

americano), assim como a série de encruzilhadas que ele provoca na recepção

daquela entre o primeiro e segundo pós-guerras.

Formal i smo, ar te e arqu i te tura moderna (h i s to r iog ra f ia ) , teor ias da ar te moderna.

IIll ffaauutt êêttrree aabbssoolluummeenntt mmooddeerrnnee

RRiimmbbaauudd

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Visibilidade conclui por um lado um conjunto dereferências provindas desde a crítica deBaudelaire até releituras neokantianas do século19, fazendo-as pouco a pouco se relacionaremà constituição de uma prática artística. A defesade uma “produtividade do olho” (Fiedler), assimcomo a “pirâmide visual” de Hildebrand,2desvincula a aproximação da arte de conteúdosilustrativos para entendê-la em uma esferaanterior da percepção e construção de umaplástica espacial. Por mais que permaneçam noslimites de uma crença figurativa (e idealista) ascontribuições aportadas abrem o precedentepara a teoria da “História da Arte sem nomes”,isto é, aquela que abre mão da estruturabiográfica ou belestrista em favor de umarelação por familiaridades e confrontos formais,tal como seria empreendido por seus primeirosleitores, entre os quais Wölfflin, Riegl,Worringer, Roger Fry e Clive Bell. O dadosignificativo dessas leituras é que elas cogitamque esse procedimento do olhar pode ser basede um instrumental historiográfico – e legitimama hipótese de a história da arte se transmutarem uma história de formas.

A década de 1910 assinala o ponto de partidapara o perfil assumido pelo formalismo desde osanos 30 até o final dos 60, posto quetestemunhará a um só tempo a emergênciadessa nova história da arte (e, no que concernea Bell, Worringer e Fry, ela tentará interpretar aarte moderna de seus dias) e a publicação dosgrandes manifestos das vanguardas históricas.Bell, em seu livro Art, publicado em 1914,suscitara a pergunta que daria a pedra de toquedessas empreitadas na arte e naarquitetura.

QQuuee qquuaalliiddaaddee éé ccoommuumm àà SSaannttaaSSooffiiaa ee aaooss vviittrraaiiss ddee CChhaarrttrreess,, ààeessccuullttuurraa mmeexxiiccaannaa ee aa uumm vvaassooppeerrssaa,, aaooss ttaappeetteess cchhiinneesseess ee aaoossaaffrreessccooss ddee GGiioottttoo eemm PPáádduuaa,, ààssoobbrraass--pprriimmaass ddee PPoouussssiinn,, PPiieerroo ddeellllaaFFrraanncceessccaa ee CCéézzaannnnee?? UUmmaa ssóórreessppoossttaa ppaarreeccee ppoossssíívveell:: aa ffoorrmmaassiiggnniiffiiccaannttee.. EEmm ccaaddaa uummaa ddeessssaassoobbrraass,, uummaa ccoommbbiinnaaççããoo ppaarrttiiccuullaarr ddeelliinnhhaass ee ccoorreess,, [[ddee]] cceerrttaass ffoorrmmaass eecceerrttaass rreellaaççõõeess ddee ffoorrmmaass,, ddeessppeerrttaammnnoossssaass eemmooççõõeess eessttééttiiccaass.. EEssssaassrreellaaççõõeess ee ssuuaass ccoommbbiinnaaççõõeess ddeelliinnhhaass ee ccoorreess,, eessssaass ffoorrmmaasseesstteettiiccaammeennttee eemmoocciioonnaanntteess,, eeuu aasscchhaammoo ddee ““ffoorrmmaa ssiiggnniiffiiccaannttee””;; ee ééeessssaa ffoorrmmaa ssiiggnniiffiiccaannttee qquuee éé aaqquuaalliiddaaddee ccoommuumm aa ttooddaass aass oobbrraassddee aarrtteess vviissuuaaiiss..3

O livro de Bell, segundo comentam IrvingSandler e Charles Harrison,4 provocara umimpacto profundo na geração intelectualanglófona formada à sua luz. Não por acaso,seus pressupostos repercutem diretamente nasestratégias de aproximação que alicerçam aspráticas discursivas adotadas inicialmente emtorno do Museu de Arte Moderna de NovaYork. Se Bell, junto com os textos de Apollinairee Kahnweiler, fornece-lhes pouco a pouco umprimeiro corpo teórico acerca do cubismo,caberá nos Estados Unidos a personagens comoBarr, Hitchcock e Johnson avançar esses limiteshistóricos. Das páginas de Vers une Architecture,de Le Corbusier (por meio dos traçadosreguladores), de Internationale Architektur, deGropius (em seu apelo ao gótico comometáfora) e dos ensaios de Mondrian, VanDoesburg e Oud (na afirmativa de umaqualidade elementarista permanente da forma),em todas se fabrica um mecanismo decumplicidade que vai da Antigüidade até as obrasmodernas. Se a teoria crítica e histórica se refazà luz dessas proclamações, ela oferece emcontrapartida uma convicção e uma defesa deinscrição institucional de seus objetos no planouniversal da cultura.

O que se deve apontar nessa consolidação doformalismo prioritariamente nos Estados Unidos– por razões que ultrapassam seu banimento daEuropa desde o final dos anos 20 (destinocomum a qualquer disciplina minimamenteprogressista) para caracterizar as especificidadesde seu novo meio – é a cristalização de

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possíveis significados imprevistos, advindos dolocal onde esse primeiro “retorno à ordem”teórico acontece, e o que ele vai desencadearna historiografia e crítica de arte posterior.5

O episódio de Hitchcock e Johnson a respeitodo Estilo Internacional é sintomático do ritual depassagem intercontinental da arte moderna e desuas teorias. O conceito, decorrente de umaexposição de arquitetura capitaneada pelos doisno MoMA,6 conferirá os parâmetros clássicos doformalismo na teoria arquitetônica. Não se tratade entendê-los como precursores ao pé da letrade Greenberg, mas de reconhecer que em1932 o partido da auto-referência objetual jáencontra seus fundamentos bem dispostos noterreno intelectual norte-americano. Segundo osautores, a arquitetura moderna resultava deum processo derivado de um modelo bipolarde acentos wölfflinianos, organizado em tornode constantes e antíteses que encontram noséculo 20 uma nova síntese. Elas não sórecorrem ao historiador suíço como o“atualizam”. Parte-se da herança da arquiteturados engenheiros, na qual a explicitação denovos métodos construtivos coincide com umanova verdade formal “linear”, resultante de ummovimento de polaridades formais, que,conforme os autores ponderam, permitiria serremontado até o Egito Antigo (!).7

Assumir o processo construtivo como mediumem prol da “forma purificada” e fazer disso omotor de uma dinâmica histórica era algopresente em vários textos polêmicos delinhagem construtiva. Entretanto, à diferençadeles, o programa do Estilo Internacionalsubstitui o papel de síntese das artes pelo objetopuramente visual e estético.

Já em 1932, com o formalismo de Hitchcock eJohnson se rascunha a continuidade natural doEstilo Internacional – uma coleção deexemplares iniciados com Corbusier, Mies,Gropius, Oud, Neutra, Mendelsohn e que embreve iria acolher Skidmore, Owings & Merril,Harrison & Ambramoitz, o próprio Johnson,Lescaze, Wright (de maneira extremamenteconturbada), entre outros – nos Estados Unidos,pensamento que 10 anos depois começaria aser revisto com ares de certeza. O movimentode incorporação da cultura européia se prolongade seus objetos na direção de suas formasreflexivas, e a ciência européia da história da artese torna também a história da história da artenorte-americana. A partir dali o formalismo seráprogressivamente a institucionalização dos EUA

na História da Arte. Essa narrativa rapidamentedisputaria espaço para se firmar como umadas histórias oficiais da arquitetura moderna,e, se isso não bastasse, detecta-se em seu“reconhecimento cultural” quase imediato asedimentação de uma conjuntura comreflexos intensos no pós-guerra8 (e suamigração decidida da arquitetura para as artesseria um passo), consolidando o modelodiscursivo adotado e aclamado em seguidapela Pax Americana.

AA hhiissttóórriiaa ccoommoo aammeerriiccaannaattaa

Not for a second do I regret being American –indeed, I think that a regret typical of very vulgar

people, and I feel sure we are the great comingnation – yet.

Beatrice Blaine em This Side of Paradise, F. ScottFitzgerald

A inscrição do formalismo como métodohistórico por excelência americano pode serentendida como o instrumento de um projetocultural. Ele se consagra como uma história daarte à americana. Mais do que organizar avinda da arte refugiada, ele pretende afirmar osEstados Unidos como conclusão lógica de umahistória de longa duração, mas também seuepicentro dali em diante – “Neste país seganhou a batalha da arquitetura moderna”.9 Porinúmeras razões (artistas que adquirem novanacionalidade, sucessores diretos, etc.), a arteeuropéia nasce agora nesse país, invertendoem cerca de uma década um itinerário secular.É sintomático que a partir do entre-guerras sedemarque uma série de divisas que aderem(mesmo que de modo parcial e passível deinúmeros atritos com setores conservadores) arecepção da modernidade com os mitos da“nação do futuro” e seu ambicionado papel deliderança: exibições como a do Armory, ocrescimento de coleções de arte moderna, afundação do primeiro museu a ela dedicado, asassociações de artistas modernos, ações comoo WAP e o FPA,10 etc. configuram topoi daidentificação entre modernidade e históriacomo estratégia de auto-inscrição decisória no“cânone ocidental”. Transparecia a visão deque, mais do que resguardar a cultura doobscurantismo ou cumprir uma missão,detecta-se a vantajosa contrapartida de, graçasa ela, superar-se o complexo de “subúrbiointelectual”, habilitando-se a partir daí aproduzir manifestações regulares de primeiragrandeza. Essa operação só é possível fazendo-se pertencer de algum modo (relevante) àhistória. Daí o entrelaçamento do impulso

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internacionalista emanado pelos programasmodernos com a adoção de uma “história deformas” representar um acontecimento central.Pode-se mesmo dizer que o formalismo é suaprecondição indispensável.

Naquele momento, graças à forma significante,algo aparentemente inédito parecia ocorrer: àcultura norte-americana fora facultadoprotagonizar o diálogo com a tradição; mais doque isso, rearticular essa noção a seu favor,fazendo-a mesmo sua razão final.11 A formasignificante transparente, mais do que derrubar afalsa barreira levantada pelo academicismo entrearte (histórica) e arte moderna, se invalidava, ede repente ambas eram tornadas não sócompatíveis como tautológicas (por exemplo, acontinuidade entre templos gregos, catedraisgóticas, a Ville Savoye, a Bauhaus e os arranha-céus norte-americanos). Se o valor da forma étransistórico e essencialista, ela vence os limitesdo significado de tradição como emulação deum terroir intelectual regionalista, assumindodesse modo uma perspectiva global. Por meioda forma, a tradição seria tornada umpatrimônio universal da humanidade e nãoapenas “toscano”, “francês”, “alemão” ou“europeu”.12 O formalismo, que nascera sob osigno da história da arte sem nomes, passava aser agora a história da cultura sem fronteiras.Teoricamente, nada mais útil para uma culturaressentida da sensação de desamparo einferioridade (às vezes, ao contrário, certa auto-suficiência) diante do “peso” da tradição. Emalguns momentos isso favorecia o mito do país“a-histórico” e jovem, quando comparado àsnações européias; em outros ela também sealimenta da ficção da história que semprecaminha para a frente e não se imobiliza,acorrentada ao passado.

Ora, essa (i)migração não deixa contudo depagar o preço de seu visto. Permanece umavontade transformadora inerente, mas ela passaa existir sob a forma de transcendência, desublimação; a forma ganha o estatuto iluministade implantar uma nova consciência, mas retirariaseus pés da terra. À semelhança do princípio dahistória kantiano, em que cada geração contribuicom sua cota para o progresso perpétuo rumoa um futuro harmonioso, o mesmo procedecom o formalismo. A forma catalisa umaexperiência de fundo distante, e a arte moderna,ainda que decisiva, se torna uma etapa de algoexistente no horizonte.

O efeito colateral marcante dessa mudança dediretrizes é testemunhado no pós-guerra,quando tanto Hitchcock (na arquitetura) quanto

Greenberg (nas artes), ao estabelecerem acultura norte-americana como expressãoautorizada e paradigma da cultura universalmoderna, adicionam-lhe a metáfora datransformação do público final da arte moderna,do super-herói proletário no cidadão de classemédia.13 É a imagem invertida das tensõesrevolucionárias da Europa do entre-guerras paraa procissão neokantiana na 11 West 53 Streetde Nova York. Ainda é a história sem fronteiras,mas com novo centro irradiador (em nenhummomento pareceu ser cogitada a hipótese dehaver nisso um paralogismo).

Tais ajustes correspondem no fundo a umdilema intrínseco do formalismo. O que édefender uma história da e para a modernidade?Conforme já indicamos, não é difícil perceber oquanto a noção de forma disponibilizava uminstrumental discursivo para tanto. Todavia,talvez não seja tão simples notar que seu valorse configura simultaneamente como um ato desuspensão – e, por mais estranho que pareça,tende às vezes à evasão – frente a situaçõesextremas lançadas no entre-guerras quepareciam intencionalmente conduzir todas essasexperiências a uma encruzilhada. Sabemosgrosso modo a importância da História para osatores modernos nestes dias, mas nem semprecom exatidão o(s) seu(s) lugar(es) ou modos deocorrência. Por essa razão, não é gratuitolembrar aqui que todos os pensadoresformalistas insistiram – à parte diferençasinternas – nas idéias de arte, estética e de umelo inescapável entre ambas (e que em virtudede suas interações a arte tinha, enfim, suahistória e sobrevida garantidas), uma vez queisso acaba por indicar seus limites. Essas crençasacabam radicalizando aqueles descompassosconcorrentes para a inflexão representada pelamudança de centro da arte do século 20.

IInntteerrllúúddiioo

Para situar esse desvio de rota é necessáriorever um problema bastante conhecido dahistória do formalismo que será o estopimde sua crise: a difícil relação com odadaísmo e o funcionalismo.

Uma das muitas crises do entre-guerraseuropeu é a da estética enquanto modelohistórico de experiência da arte.Reciprocamente, da arte como prática, quetambém historicamente cristalizava os valores deuma civilização. Assim como o funcionalismoquer uma história revolucionária, o dadáproclama a morte da história como atividadehumanista. Fato é que tanto o funcionalismo

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quanto o dadá (e, sob um ângulo maiscorrosivo, o ready made) evidenciavam acoisificação do objeto em uma esferaabsolutamente alheia à estética e, por extensão,a seu percentual contemplativo de experiência –arte, se alguém quiser insistir nela, pode ser nãoartística. Seja em Hannes Meyer ou emDuchamp, nos dois casos se coloca, emprimeiro lugar, que o objeto não existe comosensação pura, mas que ela é antes umainvenção (também histórica) da “arte”. Emsituações mais radicais, será interessante notarque o teor derrisório de tais proposições levaráà substituição, ao menos no caso da arquitetura,dessa palavra por “construção” (Baukunst),assinalando uma ruptura com um modelo vistocomo sobrevivente da cultura burguesa doséculo 19.14

A ambigüidade do formalismo está em suaatitude de revalidar in toto a hegemonia daestética e da disciplina “arte” comosingularidades autoprotegidas. Não é descabidolembrar a recusa de todas essas produções quefogem a seus preceitos em nome do juízo degosto e da reificação de um “belo” moderno.15

O formalismo opera em termos de uma históriasensorial, conferindo, aliás, a esta última umaregularidade que, independente de suasoscilações, mantém um ritmo contínuo – a

seqüência de constantes estruturais.Se em determinado momento,em nome da “salvação ocidental”,a opção por “essa” históriagarantiria aparentemente asobrevivência da arte (e por maisestranho que pareça, pelo olhardos movimentos transformadoresmais extremos, essa permanênciada Arte é exatamente o problemaa ser vencido), são seusmecanismos internos queconcorrerão para nos anos 60conduzir a seu próprio colapso.

HHiissttóórriiaa ccoommoo aammeerriiccaannaattaa,, IIII;; aaffoorrmmaa ddeeppooiiss ddoo ffoorrmmaalliissmmoo;;ccoonncclluussããoo

Qual a relação entre esse colapso ea deterioração interna doformalismo enquanto sistemas dehistoricização da arte (nisso seincluindo a demanda por umahistoricidade da arte)? Sua raiz podeser vista no conflito interno de suasinúmeras variáveis internacionalistas

aliadas a suas respectivas pretensões de emitirum juízo universal.

Se até o momento falamos do formalismo esuas relações com os Estados Unidos, convémassinalar sua trajetória diferente em outras partesdo continente americano. Aqui podemoschamar Max Bill para nos auxiliar. Seu manifesto“Arte Concreta” (em grande parte uma releiturae aprofundamento de idéias originadas em TheoVandoesburg) permite notar o tipo de credoque iria profetizar tanto na Europa quanto naAmérica do Sul. Bill afirmaria continuamente ovalor da estrutura formal conforme à potênciaperceptiva do objeto, dedutível de“instrumentos de realização” (segundo opróprio) como cores, espaço e luz. Suapresença fundava uma outra história egenealogia de formas apropriada pelos artistassul-americanos (como nos episódios que nossão familiares do concretismo e doneoconcretismo). Todavia, se há coincidências –quase sempre a Bauhaus –, como situarperspectivas “universalistas” discordantes, postoque, por exemplo, o Malevich absorvido noBrasil é aquele refugado já nos anos 40 porGreenberg? O que significa esse xadrez de“histórias universais”?

Tal contraste permite-nos observar mais do queuma disputa geográfica da História da Arte, aopacidade inerente à ficção de universalidade econsenso do juízo supostos pelas teoriasformalistas. As narrativas modernas, porimperativamente necessitarem se constituircomo histórias de certezas – em razão dosembates travados ao longo de sua afirmação –vão ruir quando seu fiel (a forma) permitir duasou muitas versões a partir de um mesmo fato,porque, curiosamente, ela não logra em últimainstância a constatação de uma “concórdiahistórico-sensorial” e parece reiterar o discursoda arte também como um jogo de potências.

Não bastasse a evidência de tais fragilidadesimplícitas, o reencontro com as vanguardashistóricas – que vai da redescoberta doConstrutivismo soviético até Duchamp –reincide em uma tensão basilar. A“redescoberta” de Duchamp, simultânea aodesgaste do Expressionismo Abstrato (nosEstados Unidos) e das derivações mais imediatasdo Concretismo da Escola de Ulm – a própriaidéia de “desgaste” de “repertórios formais”indica a fugacidade da crença em umaperenidade ou constância da forma –,representa mais do que o desvio de um modelode arte, em certo ponto, sua autodestruição. O

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“retorno” de Duchamp implode a unidadeinterna dos discursos historiográficos modernose a lógica demonstrativa de seus três elos –forma/experiência estética/projeto histórico.Com o ready made não é mais possívelacreditar nem em uma potência elucidativaabsoluta da forma, nem em sua transparênciacristalina como revelação de uma interioridadeiluminista, tampouco nessas duas como fiadorasautônomas de um sujeito integralmenteemancipado. O ready made traz à tona não só anomeação das componentes daquilo quelegitima um enunciado de arte (a opacidade docircuito, do sistema, do mercado), como,decorrente disso, desestabiliza sua condiçãoprimária: se há um juízo estético, ele não se dáde modo tão desinteressado quanto faria supora crítica kantiana, ou seja, embora não lhe sejaconferida independência plena, ele écondicionado desde o início à proposição deobjetos habilitados a serem esteticamenteexperimentados como obras de arte.

O desinvestimento da forma de sua centralidadeestética esvai também sua condição exemplar.Se a arte não cumpre mais esse percurso,naturalmente o discurso formalista não conseguemais cumprir a etapa final de seu juízo “estético-tautológico”. Não se trata de simplesmentedeclarar sua abolição, mas sim de enfatizar aperda do que era um lastro incorruptível dosistema “arte”. Mais além, essedesmantelamento faz patente a aderênciaoperada entre a autonomia do objeto“formalista” com sua despolitização/repolitizaçãodesde o entre-guerras. Pois entre Paris,Moscou, Zurique, Dessau e Nova York seprocessaria uma radical transformação, de suacapacidade elucidativa (“Os objetos devemtornar-se nosso amigos” – Rodchenko) paraseu estatuto de mercadoria qualificada esublimatória a longo prazo (a arquiteturamoderna é “atrativa e prestigiosa”, no dizer doHitchcock do pós-guerra16).

A falência desses sistemas, entretanto, resultaránão só de seus conflitos – afinal, o períodomoderno se desenvolve entremeado pordisputas –, mas do cancelamento de suasestruturas bipolares. O esvaziamento da formanão é necessariamente sua extinção, porémretira-lhe a exclusividade de competênciadecisória. Se a Pop o faz por meio dodescolamento de forma e imagem (ainda vistopelas óticas formalistas como uma continuidadeda tensão entre abstração x figuração), ominimalismo rebaixa-a de sua interioridade“compositiva” e transforma sua objetidade, quese situa na contingência de um espaço

transitório. Nas poéticas de desmaterialização, aimagem é um registro que renega a presençahic et nunc intrínseca à forma plástica e estética,como admitiria, aliás, outro personagem dacrítica moderna, Harold Rosenberg.17 Aindanessas poéticas, a imagem também passa a sersituada como um elemento processual, o qualdeixa, contudo, de corresponder a sua razãofinal, como no caso das investidas conceituais.

Se o fim da “forma formalista” acentua aconclusão de uma era histórica da arte – umsintoma apontado por seus próprios artífices –,permanece em aberto o desenho do campo“arte” aberto pelas pesquisas “pós”-modernas. Écerto que, se isso indicou um limite de umaexperiência, sua transposição sinalizaprincipalmente as contribuições e desafioslançados desde então. Uma arte sem modelo ecom muitas hipóteses, posto que não seorganiza mais por estruturas binárias (não raroimperativamente antitéticas). Em suanegatividade, a forma “informe18” talvezpersista hoje como um índice operativo peloqual outras escritas da arte – no plural –pensem as agendas contemporâneas.

Guilherme Bueno é historiador e crítico de arte, doutor em ArtesVisuais pelo PPGAV-EBA-UFRJ. Este artigo é parte de sua pesquisade pós-doutorado júnior intitulada “Formalismo e modernidade”,financiada pelo CNPq.

NNoottaass1 “Querer determinar rigorosamente quando e onde devem

ser colocados os inícios de uma estética da forma nacrítica de arte, e com eles os primeiros esboços de umaposição visibilista frente às obras de arte figurativa, nãopode conduzir senão a dissecações arbitrárias e mortifi-cantes sobre o corpo vivo da história. Na realidade,uma consciência obscura de que a arte é forma, ou mel-hor, de que é igualmente forma, é velha como omundo, e podem-se encontrar índices certos, porexemplo, na crítica dos gregos (...).” Salvini, Roberto.Pure Visibilité et Formalisme dans la critique d’art au débutdu XXe siècle. Paris: Klincksieck, 1988: 9. CollectionL’Esprit et les Formes.

2 “A representação plástica se compõe, portanto, derepresentações visuais de linhas e de superfícies simplesligadas entre elas por representações cinéticas. Ela nãoconhece, pois, forma unitária senão através deconteúdos bidimensionais – as figuras ditas geométricas.A terceira dimensão intervém assim que se modifica oponto de vista (...) nós não temos, pois, imagemhomogênea para o complexo tridimensional senão naimagem distanciada, apresentando ela a única concepçãounitária da forma, no sentido do ato de percepção erepresentação” Hildebrand, Adolf von. Le problème dela forme dans les arts plastiques. In: Salvini, op. cit: 118.

3 Bell, Clive. L’Hypothèse Esthétique (publicado originalmenteem inglês pelo autor em seu livro Art. Londres: Chatto eWindus, 1914). Esse trecho foi retirado da traduçãofrancesa de extratos editada em Salvini, op. cit.: 212.

4 Irving Sandler comenta esse fato, ao informar sobre “(...) ainfluência que havia produzido nele [Alfred Barr] a leiturade Visão e Desenho, de Roger Fry, e de Arte, de CliveBell – dois textos básicos para os jovens de sua geraçãocom inquietações artísticas e de natureza aventureira –, oque mais lhe interessava eram os valores formais.” Barr,Alfred, Sandler, Irving (int.), Gian Castelli (trad.). La

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definición del arte moderno. Madrid: Alianza Editorial,1989: 13. Charles Harrison também contextualiza arecepção desses escritos dos anos 10: “[Bell] e seuamigo Roger Fry foram em grande medida responsáveispela divulgação do movimento moderno na arte para opúblico inglês (e para o público americano por meio deautores como Sheldon Cheney, que leu os livros deles eabsorveu suas idéias). O livro de Bell, Art, esteve à vendadurante todos os anos 20 e 30”. Harrison, Charles.Impressionismo, Modernismo e Originalidade. In:Franscina, Francis et al. Modernidade e Modernismo.Pintura Francesa no século XIX. São Paulo: Cosac e Naify,1998: 154. Vale acrescentar que a epígrafe de aberturautilizada por Hitchcock e Johnson em Estilo Internacionalé uma citação de “Apolo”, de Cheney.

5 Se o formalismo, apesar de seus paralelismos, não é umadisciplina uniforme (basta notar pelas discrepânciasapontadas na Introdução ou pela interrogação acerca doque poderia existir entre correntes originadas emmatrizes heterogêneas), ainda assim, caso seja possívelum dia determinar com maior rigor o que viria a ser umconceito unificado de “moderno”, uma premissa inicialconsistiria em acentuar o quanto este último se alterouem função dos novos rumos percorridos no hemisférionorte do Novo Mundo.

6 “Modern Architecture: International Exhibition”, cujo catálogoe o livro que a acompanhava – The International Style:Architecture since 1922 –, escrito por Hitchcock eJohnson (com prefácio de Barr) exerceria durante trêsdécadas profunda influência na leitura histórica domovimento moderno.

7 Em resumo, a teoria do Estilo Internacional organiza-sesegundo três princípios fundamentais: (1) uma novaconcepção de arquitetura baseada sobre a noção devolume, em substituição àquela antiga idéia de massa(alvenaria “pictórica”), na qual o esqueleto se redefinegraças à liberdade estrutural permitida pelo concretoarmado; (2) o emprego do conceito de regularidadesubstitui a simetria axial no desenho rítmico da“composição” e distribuição dos volumes, favorecendo apureza e independência das formas e (3) a abolição doornamento, privilegiando a evidência dos materiaisconstrutivos como estrutura “decorativa”. Este últimoprincípio refere-se tanto aos procedimentos dedetalhamento do edifício (pano de vidro, brise-soleil,esquadrias, maçanetas, materiais de acabamento) quantoao uso de cores, à presença de obras de arte e sua“aplicação”, etc.; enfim, tudo aquilo que interfere napercepção gestáltica da caixa cristalina.

8 Até pelo fato de rapidamente se estabelecer nos anos 50uma equivalência teórica entre o Estilo Internacional e o“Estilo Americano” como sua última forma dedesenvolvimento. Ou seja, declara-se que ointernacionalismo passa a ser irradiado de um novocentro, algo que nem a Escola de Paris lograra.

9 Carta de Alfred Barr a Philip Goodwin, 1944. Citada porSandler, op. cit.: 43.

10 FAP (Federal Art Project(, sucessor do WAP (Public Worksof Art Project) foram alguns dos braços dos programasdo New Deal de Franklin Roosevelt. Neles foram criadasvagas de trabalho para artistas mediante encomendaspúblicas para os edifícios governamentais.

11 Nesse caso, fazendo-se entender por norte-americanas atéobras de artistas europeus produzidas nos EstadosUnidos. Nos anos 50, Mies e Gropius, com novacidadania, já são compreendidos e chamados dearquitetos americanos, assim como, na década anterior,fora enfatizada em certo sentido uma americanização naobra final de Mondrian.

12 Uma observação nesse caso é fundamental: oacademicismo já produzira a seu modo uma espécie de“universalidade” da arte sob o signo dos “repertóriosestilos” reproduzidos mundo afora. Porém entre essemodelo e os modernos (até mesmo aqueles queconstruíram uma complicada e ambígua reformulação do

conceito de “estilo”) se colocava uma enorme diferençade valor dessa universalidade. As plataformas modernasprocuravam investi-la de um estatuto horizontal,enquanto no academicismo ela servia como a epítome, aconclusão da exemplaridade do espírito, do “gênio” localem contraposição ao de outros povos. Trata-serealmente de um problema extenso, para o qual só cabeno momento a menção. A esse respeito, dois ensaiossão seminais para uma introdução a tal estudo: Schapiro,Meyer. A introdução da arte moderna nos EstadosUnidos: a exposição do Arsenal. In: Arte Moderna:séculos XIX e XX. São Paulo: Edusp, 1996, e Panofsky,Erwin. Three decades of Art History in the United States.In: Meaning in the visual arts. Londres: Peregrine, 1983.

13 No que se refere a Greenberg, esse fato assume outromatiz, já que o crítico partira em seu início de carreira deuma oscilação entre a busca de uma “elite da elite” e odestino universal e revolucionário da vanguarda,conforme se pode reconhecer em seu artigo inicial“Vanguarda e Kitsch”. Contudo, o problema surgeexatamente no mesmo período, quando se refere a suarecepção à obra de Brecht. Sua mudança pode sersentida já em 1944, em seu artigo “Mr. Eliot and notionsof culture: a discussion”. No caso de Hitchcock, estapassagem surge como uma crítica ao funcionalismo:“Freqüentemente nas Siedlungen européias, osfuncionalistas construíam para algum super-homemproletário do futuro” In: Hitchcock, Henry-Russell, PhilipJohnson. The International Style: Architecture since 1922.Nova York: Norton, 1966 (reedição fac-símile do originalde 1932): 92-93. Ver adiante, a título de comparação, anota 16 deste artigo.

14 Veja-se a título de cotejo esta passagem de Giedion: “Oconceito de arquitetura está ligado ao material da pedra.Peso e monumentalidade pertencem à natureza domaterial, assim como a clara divisão entre as partessuportantes e suportadas (...) A arquitetura está ligada aoconceito de ‘monumentalidade’. Quando novos materiaisde construção – ferro e concreto armado – assumem aforma de gravidade e ‘monumentalidade’, eles sãoessencialmente mal utilizados”. Giedion, Siegfried. Bauenin Frankreich, Bauen in Eisen, Bauen in Eisenbeton (1927).Tradução inglesa: Building in France, building in Iron,Building in Ferro-concrete. Santa Monica: The GettyCenter for the History of Art and Humanities, 1995: 90.

15 Em 1944, Elizabeth Mock, fazendo uma revisão daarquitetura americana desde 1932, reafirma essa crençaem uma das inúmeras passagens em que defende o livrode Hitchcock e Barr: “A insistência sobre a estética eraparticularmente saudável naquele tempo, uma vez queera oposta à teoria extremamente materialista do“funcionalismo”, um credo tão irreal que ele jamais foirealmente praticado nem mesmo por aqueles que eramos seus defensores mais articulados. Em um período dedepressão, o slogan popular do “funcionalismo” foi umapromoção valiosa para a arquitetura moderna, mas eleera freqüentemente usado como uma desculpa especialpara o desenho ruim”. Mock, Elizabeth (ed.), Philip L.Goodwin. Built in USA. 1932-1944. Nova York:MoMA, 1944: 12.

16 “A arquitetura não é meramente o aspecto do lado práticoda civilização, suas funções não são meramentemateriais; e, do jovem casal segurando seu orçamento(straining their borrowing power) para contratar Wright, atéas grandes corporações e instituições buscando prestígiocom o emprego de um Saarinen ou de um Louis Khan,isso é muito mais prontamente reconhecível do que háapenas alguns anos”. Hitchcock. Built in USA – Post WarArchitecture. Nova York: Simon & Schuster, 1952: 18.

17 Ver seu artigo “Desetetização” in: Battcock, Gregory. A novaArte. São Paulo: Perspectiva, 1975: 215-224.

18 A esse respeito ver tanto o hoje consagrado ensaio“Escultura no Campo Ampliado”, de Rosalind Krauss,como o catálogo “L’Informe”, da mesma autora emparceria com Yve-Alain Bois, que acompanhou aexposição homônima organizada por ambos no CentreGeorges Pompidou em 1996.

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