Fragmentos Da Presenca Do Pensamento Idealista Na Historia Da Construcao Das Ciencias Da Natureza

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    DISTORES CONCEITUAIS DOS ATRIBUTOS DO SOM

    FRAGMENTOS DA PRESENA DO PENSAMENTOIDEALISTA NA HISTRIA DA CONSTRUO DAS

    CINCIAS DA NATUREZA

    Antnio Fernandes Nascimento Jnior*

    Resumo: O propsito deste trabalho estabelecer o caminho percorrido pelo idealismo em suaparticipao na construo das Cincias da Natureza desde a antigidade ato final do sculo XX.Para os pensadores antigos, o mundo fsico era governado pela idia, e o modo de apreend-la erapor meio da contemplao da alma ou da observao e da lgica. Na escolstica essa idia Deus.Na renascena, Deus se torna matemtico. Em Galileu a Matemtica do mundo entendida pelaexperimentao. Para Descartes o mundo mecnico e entendido por hipteses dedutivas. Newtonenxerga o mundo mecnico construdo e corrigido pelo Deus gemetra e entendido pela observao

    e experimentao. Os empiristas retiram a idia do universo e a colocam no esprito humano. EmKant as regras que organizam as idias na mente tambm organizam o mundo mecnico. Em Hegel oreal sreal porque racional, e essa racionalidade vem de Deus, que transforma o mundo naturale atinge o esprito humano. Os pensadores, influenciados por Hegel, percebem a incapacidade das leisda mecnica explicarem as leis da vida. Comte e Bergson procuram, de forma diferente, submeter sleis da Fsica s leis das cincias da vida. O universo mecanicista absorvido pelo determinismorelativista e pelo probabilismo quntico. A linguagem da lgica se associa ao empirismo na descrio dacincia procurando retirar dela o idealismo e a metafsica e, aps um perodo de florescimento, acabano tendo sucesso. A dificuldade da apreenso do real volta a ser o problema da cincia no final dosculo XX, e a procura de uma possvel soluo reaproxima a cincia do idealismo.

    Unitermos: Idealismo e Cincia, Filosofia das Cincias da Natureza, Idealismo e Epistemologia,Paradigmas das Cincias da Natureza

    Abstract: The purpose of this work is to set up the way done by the idealism in i ts participation in

    the construction of the natures sciences since the Antiqui ty to the XXth Century. To ancient thinkers thematerial world was governed by the idea and the way to apprehend i t was whether through the soul

    contemplation or through the logic and observation. In the escolastic the idea is God. In renaissance God

    becomes mathematician. To Galileu the worlds mathematics is understood through experimentation. ForDescartes the world is mechanical and understood by deductive hypothesis. Newton perceives the mechanical

    world bui lt and corrected by a geometrician God and understood by the observati on and experimentation.

    The empiricists take out the idea from the universe and place it in the human soul. In Kant the rules thatorganize the ideas in mind also organize the material world. I n Hegel the real only is real because it is

    rational and this rationality comes from God that change the natural world and reaches the human soul.

    The thinkers, i nfluenced by Hegel, perceive the material lawsincapacity to explain li fe laws. Comte andBergson tr y, in di fferent ways, to submit the material laws to life science laws. The mechani cist universe

    is absorbed by the relati vistic determinism and by the quantum probabilism. The logic language joins

    empiricism to describe the science, in order to take from it the idealism and the metaphyscs and, after

    a flourishing period, fini sh with no success. The difficulty to apprehend the reali ty turns to be the

    science problem at the end of the XXth Century and the search for a possible solut ion approaches the

    science to the idealism.

    Keywords: Idealism and Science, Phi losophy of the Nature Sciences, Idealism and Epi stemology, Paradigms

    of the Nature Sciences.

    * Professor Assistente Doutor da rea de Ps-graduao Planejamento Urbano e Regional: Assentamentos Humanosda Faculdade de Arqui tetura, Artes e Comunicao da Universidade Estadual Paulista, UNESP, Campus de Bauru,SP, Brasil (e-mail: [email protected])

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    Este trabalho tem o propsito de apresentar e discutir alguns pontos importantes da trajetria dopensamento idealista na construo das Cincias da Natureza. O pensamento materialista, porsua vez, foi historicamente contextualizado, mas sem um aprofundamento, visto que este assunto

    j foi desenvolvido em dois artigos anteriores (NASCIMENTO JNIOR, 1998 e 2000). Aqui,portanto, a preocupao evidenciar a presena do idealismo na cincia desde os gregos at ofinal do sculo XX.

    A idia determinante sobre as coisas no mundo

    A histria do pensamento idealista se inicia na antigidade grega, em que ospensadores gregos (discutidos por Valverde, 1987) vivem um mundo onde as idias e ascoisas fsicas se encontram em profundas interaes, de tal forma que impossvel separar

    claramente umas das outras. Em Plato as idias so a essncia das coisas no mundo fsicodas aparncias e o modo de se chegar idia essencial por meio da contemplao da alma.As coisas fsicas so constitudas pelos quatro elementos (fogo, gua, terra e ar), construdosa partir de formas geomtricas microscpicas (cada elemento constitudo de uma nicaforma) organizadas por deuses que habitam o mundo das idias, sendo o deus principal, oDemiurgo, quem constri a alma. Assim, no mundo fsico, tudo estsubmetido formageomtrica. Geometria alis da qual Aristteles discorda, como tambm discorda do mundoplatnico dividido entre idias e coisas. O antigo discpulo coloca as idias diretamentedentro das coisas, como seu dirigente; assim, as coisas se deslocam levadas pelas intenesdessas idias e no h, portanto, a necessidade de dois mundos, como vPlato. O modo dese entender a idia dirigente , segundo Aristteles, por meio da observao e da deduo. NaFsica ele revela que as causas no so duas como prope Plato (o que e a que segundoa matria), causa formal e material respectivamente, mas quatro: material, formal, eficiente efinal, que esto relacionadas com a idia de transformao contnua.

    Os pensadores medievais, (segundo Jeauneau, 1968) primeiramente sob a influncianeoplatnica, tomam a idia como Deus e as coisas fsicas do mundo como sua expresso.Entender tais coisas entender Deus por meio de um retorno atividade contemplativa.Num segundo momento, j influenciados por Arstteles, esses autores admitem que aidia Deus e as coisas fsicas do mundo agem sob sua inteno. Dessa forma, entenderas coisas entender as intenes divinas nelas apresentadas por meio de um retorno observao elgica.

    J os pensadores do renascimento (conforme Vedrine, 1972) se dividem no quediz respeito ao entendimento do mundo fsico. H aqueles que entendem que o mundo a expresso de um Deus matemtico (dos neoplatnicos), e outros que acreditam queesse mundo dirigido pelas intenes de um Deus lgico (dos aristotlicos). Desse mododividido de enxergar o mundo emerge Kepler, figura fundamental na substituio do cosmoestruturado e hierarquizado de Aristteles por um universo matemtico construdo, maneirade Plato, de forma geomtrica, onde cada uma de suas partesregida pelas mesmas leis das

    outras partes que o constituem (Koyr, 1973).

    A razo divina construindo matematicamente os mecanismos do mundo

    O mesmo Deus platnico de Kepler o inspirador de Galileu, para quem o con-hecimento matemtico permite ao esprito humano atingir a perfeio do entendimento

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    divino (Koyr, 1943). maneira de Plato, ele acredita que tudo no mundo fsico estsubmetido s formas geomtricas, mas, no entanto, ao contrrio do filsofo grego, osbio italiano um dos primeiros que compreendem a natureza e o papel da experi n-

    cia no conhecimento desse mundo matematizado, pois ele sabe que o experimento uma pergunta feita natureza na linguagem geomtrica e matemtica, e que no bastaobservar o que se passa, preciso formular a pergunta, saber decifrar e compreender aresposta, ou seja, aplicar o experimento s leis restritas da medida e da interpretaomatemtica (Koyr, 1973). Nesse caso, a teoria matemtica determina a estrutura dapesquisa experimental, substituindo o mundo mais ou menos conhecido empiricamentepelo universo racional da preciso, adotando a mensurao como princpio experimen-tal fundamental.

    J, para Descartes, o mundo fsico a matria em movimento cuja ordenao

    mecnica criada por Deusmaneira de um relgio, e funciona sem qualquer intervenosua, a no ser o da construo. O homem, por sua vez, ao nascer jmunido dos elementosbsicos do saber dados por Deus por meio da alma e expressos pela intuio; assim, basta-lhe,por deduo, ampliar seus conhecimentos da compreenso do mundo. Logo, intuio ededuo para Descartes constituem a razo, que a partir de verdades inatas (matemticas),intuitivas e, por deduo, ampliam a compreenso do mundo, onde as regras de inferncia que permitem derivar as proposies de outras proposies, sendo esses os primeirosprincpios estabelecidos pela intuio. As proposies no intuitivas so as hipteses,construdas a partir dos modelos descritos dos mecanismos que constituem as partes domundo. A razo, porm, no suficiente para explicar esse mecanismo, preciso que aexperincia confirme a concluso vinda da deduo, sendo ela fundamental no contexto dajustificativa da concluso. Alm disso, em todas as explicaes, suas causas devem ser levadasem conta (Nascimento Junior, 1998).

    Conforme Koyr(1963), em vez da pluralidade de substncias existentesno universo (como acreditavam os gregos, romanos e cristos), a concepo produz-ida por Descartes admite apenas trs substncias: a substncia extensa (a matria),a substncia pensante (a alma) e o infinito (Deus), e o conhecimento consiste emapreender a essncia da substncia (extensa, pensante ou infinita) e suas operaesfundamentais ( a matria geometrizada, a alma, o intelecto, a vontade, o apetite

    e o infinito), que somente serpossvel por meio do conceito de causalidade. Poroutro lado, sendo o conhecer uma atividade da substncia pensante e o objeto a serconhecido pensante ou extenso, necessrio considerar o conhecimento como rep-resentao, ou seja, a inteligncia no interage com os corpos, e sim pela idia deles.Dessa forma, as relaes causais se estabelecem entre coisas da mesma substncia,sendo que a garantia de que a representao adequada ao objeto a ser conhecidodada pelo mtodo.

    Em substituio noo aristotlica, que admite quatro causas (material, formal,eficiente ou motriz e final), Descartes admite apenas duas: a material e a eficiente (aquelas que

    ocorrem em toda as substncias como relao entre uma causa e seu efeito direto). O prob-lema que, para Descartes, o corpo e alma so substncias distintas, ficando difcil explicar,por exemplo, a vontade de um homem agir sobre seu brao produzindo movimento. O quegarante a relao corpo/alma Deus que, fora da natureza e do tempo, transporta um princ-pio de unidade, agindo de acordo com regras constantes. Assim, para Descartes, a matemticadivina se expressa no mundo fsico na forma de um mecanismo maneira de um relgio, onde

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    a quantidade de movimentosempre constante e onde nadaindeterminado, e, para entend-lo, necessrio construir modelos hipottico-lgicos que representem tais mecanismos para,em seguida, confirm-los por meio da reproduo fsica desses modelos mecnicos.

    Outrossim, se para Descartes a explicao de um fenmeno consiste em levantarhipteses acerca da estrutura mecnica da qual tal fenmeno o resultado, Newton(influenciado pelo indutivismo de Bacon discutido por Nascimento Junior, 1998) no admiteoutra causa seno aquela deduzida dos prprios fenmenos observados, apresentando comisso uma filosofia de experimentao na qual a observao, o clculo e a comparao dosresultados fundamental. A sua idia sobre a lei da gravidade permite tornar o universopenetrvel pelo conhecimento matemtico, retirando a explicao cartesiana, j que noprocura a causa oculta da existncia do peso, afastando assim a necessidade da metafsicano cerne das explicaes dos fenmenos fsicos. O que no quer dizer que Newton despreze

    a metafsica. O que ele faz apresentar toda a descrio dos fenmenos da gravitao emuma frmula matemtica.O mundo newtoniano, por sua vez, um mundo construdo por um Deus que

    coloca todas as coisas em ordem e em movimento, e assim permanecem seguindo leisprprias; depois de um longo perodo, a resistncia e a frico dos planetas no ter diminuema velocidade dos corpos celestes. Deus ento intervm e recupera o movimento perdido,e com isso a quantidade de movimento no constante, graas prpria inrcia e gravitao universal.

    Ao fim do sculo XVII, o Deus newtoniano reina supremo no vazio infinitodo espao absoluto, em que a fora da atrao universal interliga os corpos estruturadosatomicamente do universo incomensurvel e os faz moverem-se de acordo com rgidas leismatemticas (Koyr, 1979). Sua mecnica se compe de trs termos: (1) o espao, descritopela geometria euclidiana e concebidos como puro continente, (2) as part culas, que ocupamo espao, possuindo propriedades cinemticas e a massa, e (3) as foras, produto da interaoentre as partculas.

    As cincias da vida, por sua vez (segundo Hall, 1983), tambm sofrem grandeinfluncia da mecnica newtoniana. Meio sculo antes, Descartes jreduziu o organismovivo complexos mecanismos controlados por elementos metafsicos que fazem funcionaras engrenagens orgnicas. Agora, no mundo newtoniano, os fenmenos mecnicos

    so descritos de forma matemtica, a vida tem origem de Deus, mas o organismo um mecanismo descrito matematicamente e funciona sem a interferncia dos fatoresmetafsicos cartesianos. Esse o mtodo legado por Newton, no qual conceitosso deduzidos de fenmenos observados; a observao como sendo fundamental naproduo e aceitao do conhecimento; a necessidade de quantificao dos fenmenos;a experimentao e a explicao dos eventos naturais da anlise e da sntese produzidaspela induo.

    As idias abandonam a razo divina para habitarem o esprito humano

    Como herdeiro de Bacon na crtica ao pensamento cartesiano, John Locke(Nascimento Junior, 1998) procura mostrar que no hprincpios inatos, tais como moral,justia, f, virtude, e que no hidias inatas, mas que estas advm da sensao ou da reflexode terceiros. As palavras so sinais usados para registrar e comunicar os pensamentos. As sen-saes, a reflexo e a linguagem produzem o conhecimento que, por sua vez, aproxima-se da

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    realidade das coisas na tentativa de atingir a verdade. Dessa forma, para Locke, as idias vmsomente da experincia por meio da sensao das coisas, quea nica fonte de se conhecero mundo.

    Berkeley (Nascimento Junior, 1998), por sua vez, transfere a compreenso danatureza para o esprito, pois, para ele, no esprito sensvel que se originam as idias acercado mundo e no nas propriedades materiais do objeto, como afirma Locke. Os objetosmateriais s existem ao serem percebidos, no podendo existir fora da mente, ou seja, ascoisas so simplesmente uma coleo de idias, produzidas nos sentidos por Deus. Caso amatria fosse real, a existncia de Deus seria intil porque a prpria matria seria a causa detodas as coisas. Porm, na ausncia real da matria, Deus, por meio das idias do esprito,que vai justificar a existncia das coisas sensveis. O esprito, a substncia, por sua vez, quepensa (sendo, portanto, ativa), nada tem a ver com a idia (passageira, mutvel e passiva),

    assim, o esprito permanente, simples e estranho.Conforme Russel (1977), Berkeley considera a cincia da natureza como umagramtica divina, considerando mais os sinais do que as causas reais, em que seu significadosomente pode ser entendido por meio da filosofia. Para Berkeley, a natureza um conjunto dematria inerte onde o movimento produzido por uma coisa externa, ou seja, um conjunto,como explica Collingwood (1986), sem diferenas qualitativas e totalmente descrito deforma quantitativa. No entanto, a quantidade sem qualidade uma abstrao, e qualquerdiferena qualitativa da natureza obra do esprito, e sua existncia emprica uma criaodo esprito. a metafsica de Berkeley.

    Durante a primeira metade do sculo XVIII, o filsofo David Hume (tambmdiscutido por Nascimento Junior, 1998), contesta Berkeley afirmando que a idia daordenao do mundo construda pelas impresses mentais s quais Deus no participa.Assim, Hume alerta para a dificuldade de uma justificativa lgica para a induo e,conseqentemente, para a impossibilidade das certezas. Para o autor, a idia da ordenao domundo construda pelas impresses da mente humana, na qual o entendimento do mundosensvel e perceptivo, porm incerto. o ceticismo de Hume.

    As idias produzidas pela razo humana ordenam o mundo e lhe do

    existncia sensvel.Para Kant, o esprito que faz a natureza no divino, humano; ou seja, um ego

    transcendental que no cria, mas faz a natureza. No prefcio da segunda edio daCrtica daRazo Pura (publicada em 1781) Kant explica

    ... a razo sdiscerne o que ela mesmo produz segundo seu projeto, que ela tem deir frente com princpios dos seus juzos segundo leis constantes e obrigar a naturezaa responder s suas perguntas, mas sem ter de deixar-se conduzir somente por elacomo se estivesse presa a um lao; pois, ao contrrio, observaes causais, fei tas sem

    um plano previamente projetado, no se interconectariam numa lei necessria, coisaque a razo todavia procura e necessita. A razo tem de ir natureza, tendo numadas mos os princpios unicamente segundo os quais fenmenos concordantes entre sipodem valer como leis, e na outra, o experimento que ela imaginou segundo aqueles

    princpios, na verdade para ser instituda pela natureza, no, porm, a qualidade deum aluno que se deixa di tar tudo o que o professor quer, mas na de um jui z nom-

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    eado que obriga as testemunhas a responder s perguntas que lhes prope. (1987, p.XIII).

    Que todo o nosso conhecimento comea com a experincia, no hdvidaalguma, pois do contrrio, por meio do que a faculdade de conhecimento deveriaser despertada para o exerccio, seno atravs de objetos que tocam nossos sentidos eem parte produzem por si prprias representaes, em parte pem em movimento aatividade do nosso entendimento para compar-las, conect-las ou separ-las e, dessemodo, assimi lar a matria bruta das impresses sensveis a um conhecimento dosobjetos que se chama experincia. Segundo o tempo, portanto, nenhum conhecimentoem ns precede a experincia, e todo ele comea por ela. (1987, p.1) Mas emboratodo o nosso conhecimento comece com a experincia, nem por isso ele se origina

    justamente da experincia (...). Portanto,pelo menos uma questo que requer umainvestigao mais pormenorizada e que no pode ser logo despachada devido aos

    ares que ostenta, a saber se hum tal conhecimento independente da experinciae mesmo de todas as impresses dos sentidos. Tai s conhecimentos denominam-se apriori e distinguem-se dos empricos, que possuem suas fontes a posteriori ou seja, naexperincia. (1987, p. 2)

    Os conhecimentos a pri ori so juzos necessrios e universais. Os conhecimentos aposteriori so produzidos pela experincia e so particulares e contingentes, pois anunciam demodo particular algo que pode ser ou no. Por outro lado, como todo juzo, estabelece umarelao entre um sujeito e um predicado, ele pode ser classificado em: elicitativo e ampliativo.O primeiro analtico pois esclarece o sujeito sem que o predicado acrescente nada a este. Osegundo sinttico, jque o predicado acrescenta algo ao conceito do sujeito, havendo assimuma sntese entre sujeito e predicado. Os juzos da experincia so todos sintticos enquantoque os juzos analticos so a priori, como por exemplo a Matemtica.

    Kant prope uma terceira classe de juzo: os juzos sintticos a priori ,sendo que daFsica newtoniana ele obteve os exemplos:

    em todas as mudanas do mundo corpreo a quantidade de matria permaneceimutvel, ou, em toda a comunicao de movimento de ao e reao tem de sersempre iguai s entre si. Em ambasclara no apenas a necessidade, por conseguinte

    a sua origem a priori , mas tambm o fato de serem proposies sintticas. Pois,no conceito de matria, penso no a permanncia, mas somente sua presena noespao pelo preenchimento do mesmo. Portanto, vou efetivamente alm do conceitode matria para pensar acrescido a priori ao mesmo algo que no pensara nele.A proposio no portanto analtica, mas sinttica, e no obstante pensada apriori , e assim nas restantes proposies da parte pura da Cincia da Natureza.(1987, p. 18)

    Utilizando essa classificao de juzos, Kant prope a conjuno entre a razo eexperincia por meio dos juzos sintticos a priori como necessrios para a produo do con-hecimento. Assim, a razo no estsubmetida experincia, mas, ao contrrio, determina oque deve ser observado na natureza a partir do conceito a priori. A experincia produz sen-saes que so a conscincia de estmulos as quais se renem em torno de um objeto no espaoe no tempo, formando a impresso particular do objeto: a percepo. Esta depende do sensodo espao e o do tempo, em que espao e tempo no so coisas percept veis e sim modos depercepo que do sentido s sensaes. Logo, ambos existem a prioripor ser impossvel ter

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    alguma experincia que no os implique, sendo a este primeiro produto do conhecimento (acoordenao das sensaes) denominado por Kant como Esttica Transcendental. Da mesmaforma como o espao e o tempo, a causalidade to inerente a todos os processos de entendi-

    mento queimpossvel conceber qualquer fato sem ela. A causalidade , assim, uma das regrasinatas do pensamento, de forma que esta orienta sua percepo por meio da relao de causase efeitos.

    Assim como as sensaes so ordenadas pelas percepes em torno dos objetos noespao e no tempo, estas percepes tambm so ordenadas pelas concepes em tornodas categorias de quantidade, qualidade, relao e modalidade, que so a estrutura poronde as percepes so classificadas e moldadas em conceitos ordenados de pensamento (aLgica Transcedental de Kant).

    Para Kant, o pensamento que reconhece a ordenao do mundo; j este

    no apresenta uma ordem em si, o que significa que as leis da natureza so as leis dopensamento. A razo possui regras para a ordenao dos juzos empricos de forma queeles estabeleam maneiras de construir teorias cientficas em conformidade com o idealda organizao sistemtica, que somente possvel se for considerada a existncia de umpropsitomaior, capaz de permitir uma experincia unificada para o entendimento danatureza, a partir de leis empricas particulares. a tese kantiana na Crtica da Faculdadedo Juzo (publicada em 1790). Esse propsito da natureza apresentado por Kant naforma de algumas pressuposies: (1) a natureza escolhe o caminho mais curto, (2) anatureza no d saltos, (3) na natureza existe apenas um pequeno nmero de tipos deinterao causal, (4) a natureza apresenta uma subordinao das espcies e de gnerospor ns compreensveis, e (5), na natureza possvel incorporar espcies em gneroprogressivamente mais elevados.

    Essa considerao nos leva a explicaes finalistas, ou seja, teleolgicas que paraKant so particularmente importantes na interpretao dos processos de vida, uma vezque os organismos vivos apresentam uma dependncia mtua da parte ao todo, sendoeste visto como a organizao das partes e a parte como um produto da relao com otodo. Essa dependncia recproca das partes e do todo no pode ser explicada somentepor leis causais, o que implicaria pensar o conceito de organismo sob o prisma de umafinalidade interna.

    Assim, se para Kant o conceito de causalidade parte do conhecimento empricoobjetivo, o conceito de propsito no , sendo isto sim um princpio regulador no quala razo seleciona como seu objetivo a organizao sistematizada de leis empricas. Dessamaneira, o conceito de teleologia de Kant se distancia do conceito escolstico que favoreceas causas finais em detrimento das estruturas e funes dos organismos e coloca a teleologiacomo atividade reguladora da razo, conseguindo assim uma integrao entre as tesesteleolgicas e mecanicistas. O Deus de Kant, porm, totalmente ininteligvel. No queele no exista, mas apenas a sua razo, e, portanto, a cincia, no pode compreend-lo,assim como a alma humana, porque o objeto do conhecimento cient fico no Deus nem

    o esprito, tampouco as coisas em si, mas sim a natureza. O mtodo desse conhecimento uma combinao de sensao e entendimento e, assim sendo, a natureza continua sendo umfenmeno, um mundo de coisas tal como nos aparecem e que, no entanto, por apresentaremregularidade e previsibilidade so cientificamente cognissveis, mas existindo apenas namedida em que se aceitem tais aparncias.

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    A idia (divina) atua sobre as coisas do mundo (natural) conduzindo-as aoesprito (humano) que se supera e avana em direo idia (original)

    Se Kant encerra o sculo XVIII e aponta para o prximo sculo, Hegel o inauguraapontando o caminho para a superao do mundo mecnico newtoniano. Para Hegel, arazo no pode governar a realidade, a no ser que a realidade se transforme em racional,de forma que o racional real e o real racional. Isso quer dizer que possvel construir aracionalidade do mundo e, se este no for construdo pela racionalidade, ele no serummundo real.

    Em vez de reduzir as formas superiores do desenvolvimento da matria formainferior mais simples, mecnica (como se fazia no sculo XVIII), Hegel faz o contrrio, elesubmete as questes mais simpless mais complexas. o reducionismo hegeliano, e, a partir

    da, ele constri o seu sistema (Nascimento Junior, 2000). Partindo da Filosofia do Esprito,Hegel vai descrever o processo de desenvolvimento da conscincia. A primeira parte de seusistemaa Lgica, que vai tratar do Ser em geral ata noo de Conceito. O segundo ponto a Filosofia da Natureza, que parte das leis mecnicas da Fsica, passando pela Fsica-Qumicae chegando vida. O terceiro e ltimo ponto a Filosofia do Esprito, que vai tratardo Esprito Subjetivo do homem (que mbito da psicologia), passando pelo EspritoObjetivo (mbito do direito, do estado, da moral e da pol tica) e chegando ao EspritoAbsoluto (a realizao do Ser).

    Por outro lado, a coisa em si, falada por Kant em Hegel, o ser puro semqualquer particularidade para ser identificado, sendo encontrado no mbito da Cincia dalgica, em que Deus no esprito mas sim a Idia Essencial, o mundo autocriador.Nesse caso, o autor rejeita o idealismo de Berkeley, em que o esprito cria a natureza, eKant, que o considera seu pressuposto; o criador do mundo , pois, a Idia. Outrossim,conforme lembra Collingwood (1986), Hegel considera a natureza dirigida por leisno rgidas porque no descrevem com exatido o comportamento de cada indivduoisolado, mas descrevem sim uma tendncia geral, isso porque hsempre na natureza umapotencialidade que no atinge sua plenitude.

    Na natureza a pedra sujeito enquanto resiste (ao tempo, a picareta, etc.), mas notem histria, nem finalidade interna, ao contrrio da planta (semente, flor, planta acabada),

    que, alm de resistir ao ambiente, possui uma histria interna (seu desenvolvimento) sem,no entanto, pensar sua finalidade. Jo homem (criana, adulto, letrado, racional) pensadorde sua finalidade interna e sendo ele racional, se preserva, enquanto nos estgios anterioreso sujeito apenas se conserva. Ento a forma superior do desenvolvimento a liberdade, naqual, ser um sujeito pleno, para Hegel, significa ser livre, eterno.

    Continuando a anlise de Collingwood (1986), a natureza para Hegel o domnioda exterioridade, que tem duas formas: uma a de que todas as coisas esto fora de todas ascoisas ( o espao) e outra em que todas as coisas esto fora de si prprias (o tempo). A idiade um corpo material a idia de um nmero de partculas distribudas no espao; a idia

    de vida a idia de um nmero de caractersticas distribudas no tempo. Assim, no existenenhum lugar onde a idia de um corpo possa ser exemplificada de forma local e nenhumtempo em que todas as caractersticas da vida possam ser exemplificadas.

    O corpo faz-se sentir sentido atravs do espao (...) e o organismoapenas umaconcreo temporal e local numa corrente de vida que se expande por todos os lados

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    para alm dele, e aqui lo que so denominadas como peculiaridades desse organismoso na verdade caractersticas dominantes dessa corrente de vida em geral(1986,p. 141).

    O pensamento hegeliano introduz, de forma consistente, a idia de finalidadeinterna da natureza associada transformao, mudana e progresso. A natureza umacorrente que internamente flui em direo ao esprito, sendo ela prpria real, mas pro-visria. A viso histrica da natureza, da vida e do esprito humano introduz novos con-ceitos na cosmologia do sculo XIX e aponta na direo a uma viso da natureza e da vida,no mais como a fsica mecanicista do sculo XVIII, mas como a biologia evolucionistado sculo XIX.

    No mundo natural, as leis que regem os mecanismos do movimento noso as mesmas da vida.

    No incio do sculo XIX o fsico Pierre Laplace desloca o controle do sistemasolar para um princpio originado pelas leis do movimento, retirando assim o Deus deNewton do governo do mundo (Canguillen, 1977), ao mesmo tempo em que os novosconhecimentos da Fsica, sobretudo o aparecimento do conceito de energia, ameaam ainterpretao mecanicista do mundo. Na biologia essa concepo jno se mostra suficientepara explicar o que a vida, pois inadimissvel que um mundo de matria interiormente

    morto e mecnico seja capaz de produzir a vida a partir de sua nica capacidade: redistribuir-se pelo espao. Hnas coisas vivas um princpio novo de organizao em atividade que diferequalitativamente do princpio da matria morta e, jque o domnio da matria destitudode diferenas qualitativas, esta no pode produzir tal caracterstica especial (Collingwood,1986). As teorias da evoluo saparecem quando alguns pensadores procuram trabalharcom um novo modelo de mundo muito influenciado pela idia hegeliana de desenvolvimentoe de finalidade.

    Darwin fala constantemente em uma teleologia no consciente da natureza emque a vida concebida como assemelhando-se ao esprito e, diferenciando da matria aodesenvolver-se atravs de um processo histrico, orienta-se por meio desse processo noao acaso mas sim em direo produo de organismos mais aptos para sobreviver emdado ambiente. Esta teoria, em princpio, implica a concepo filosfica de uma fora vital,ao mesmo tempo imanente e transcendente em relao a cada um dos organismos vivos.Imanente por existir personificada nesses organismos e transcendente por procurar realizar-seno apenas na perpetuao do seu tipo especfico, e sim por estar sempre tentando encontrar,por si mesma, uma realizao mais adequada num novo tipo. No plano da filosofia, aconcepo do processo vital como diferente das transformaes mecnicas ou qumicasrevoluciona a concepo de natureza (Collingwood, 1986).

    Outrossim, a teoria cartesiana no totalmente abandonada, pois, conforme

    mostra Canguilhem (1977), Claude Bernard considera os fenmenos vitais como result-antes unicamente de causas fsico-qumicas, mas por outro lado tambm afirma que oorganismo se desenvolve segundo um projeto, um plano de ordem a partir do ovo, umaregularidade cuja organizao leva ao seu equilbrio interno. Na realidade, a fisiologia seapresenta como uma cincia pouco darwiniana e sim como um procedimentos a priorifeito em laboratrio, com preocupaes pouco ligadass flutuaes populacionais como

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    as questes darwinistas e muito mais voltadas para a determinao das constantes fun-cionais dos organismos.

    Assim, a idia da natureza mecnica construda pelos fsicos materialistas do sculoXVIII, sofre profunda influncia da idia de progresso, noo pouco afeita a esses pensadoresem funo das leis newtonianas, as quais esses corpos fsicos apresentam. Tal progresso

    dirigido por uma finalidade, uma teleologia que se debrua sobre a transformao dasestruturas orgnicas mais simples em mais complexas, trazendo o universo fsico ao biolgicoe tornando todos os organismos em um super-organismo. o positivismo de Augusto Comte(Nascimento Junior, 1998) que procura escapar das exigncias metafsicas dos mecanicistas edos idealistas, desprezando as questes antolgicas e valorizando apenas os aspectos relacionaisda cincia.

    Para o materialismo positivista as mesmas divises de funes encontradas nosorganismos tambm so encontradas na sociedade, porque os papis dos integrantes dasociedade humana so como os tecidos de um organismo, no so escolhidos nem passveisde mudanas, mas sim, determinados por uma moral que nasce da fraternidade universal.Tal pensamento acaba por negar o direito da filosofia existir independentemente, declarandoque a cincia , por si mesma, uma filosofia. Por outro lado, na tentativa de superar ametafsica, acaba criando sua prpria metafsica, quando apresenta a substituio de Deuspor um princpio nico: o super-organismo. a metafsica positivista, produzida para negara metafsica na filosofia. No se pode deixar de reconhecer, porm, que o positivismo umproduto do novo modo de se pensar o mundo, uma tentativa de entend-lo inteiramentesem a necessidade de princpios alm dele mesmo, e orientado por essa mesma preocupao,tambm ressalta-se a importncia do aprimoramento do mtodo experimental apresentadopor John Stuart Mill ( Nascimento Junior, 1998).

    Em caminho oposto ao de Comte, por esse tempo Marx e Engels elaboram,com base na dialtica hegeliana, o materialismo histrico, capaz de interpretar de formamais completa a histria da sociedade humana e tomando como eixo fundamental deseu entendimento a luta de classes. No entanto, esses autores debruam-se pouco sobreo estudo de uma dialtica para a natureza, deixando-o para o sculo XX (NascimentoJunior, 2000).

    A idia continua governando as coisas fsicas do mundo (a realidade

    constituda unicamente pelo pensamento logicamente estruturado e semanifesta de diferentes formas).

    Aps 1870, hum retorno a Kant, numa tentativa de superao do pensamentopositivista apresentado como uma teoria crtica da cincia. O movimento, denominadoneokantiano, busca uma superao de Kant, negando a metafsica (coisa em si) e reduzindo afilosofia a uma reflexo sobre a cincia. Assim sendo, so idealistas no sentido epistemolgico,pois para eles o conhecimento cientfico consiste numa criao do objeto e no sua simplesapreenso (Bochenski, 1962).

    Um outro aspecto importante do neokantianismo, tambm apresentado porBochenski (1962), que esse pensamento desvincula a validade do conhecimento do modocomo obtido ou conservado psicologicamente. Assim sendo, o mtodo psicolgico ouqualquer mtodo emprico deve ser substitudo pelo mtodo transcendental.

    Por outro lado (como discute Ziller, 1987) o interesse dos neokantianos dirige-se aos aspectos formais do conhecimento, ao contrrio do positivismo e do empirismo,que se interessam pela matria desse conhecimento e no pela sua forma. Destacam-se

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    nessa linha de interpretao duas grandes escolas, a de Marburg e a de Baden, ambas naAlemanha.

    A escola de Marburg desloca a discusso dos temas metafsicos das causas e do ser

    enquanto ser para a construo de que a cincia moderna um fato, e analisa seus mtodos.Para esta escola a realidade constituda unicamente pelo pensamento e toda a filosofia sereduz lgica. Esta reduo acaba por favorecer o aparecimento do neo-positivismo. Algunsde seus principais representantes so Herman Cohen, Paul Natorp e Ernest Casserir.

    A escola de Baden considera como ponto central da sua questo a cincia crticados valores, sendo que sua principal preocupao noa cincia formal, mas sim as diferentesformas nas quais se manifesta a realidade, vendo o conhecimento como a construo dessarealidade. A escola de Baden admite uma diferena estrutural entre as cincias da natureza edo esprito. No mbito das cincias naturais a realidade pensadaperceptvel, desenvolvendo

    assim leis gerais para tal percepo. Enquanto que as leis do esprito, por sua vez, descrevemacontecimentos singulares e, por no desenvolverem leis gerais, necessitam de uma hierarquiade valores. Seus principais representantes so Guilherme Windelband, Henrique Rickert eJohn Macquarrie.

    Outros autores se aproximam do pensamento neokantiano. Um deles Naville,que em sua Nova Classifi cao das Cincias ( publicada em 1901 e discutida por Kedrov,1976) afirma que o pensamento busca um equil brio constante e um comportamentoadequado ao que se supe verdadeiro na relao com eles. Dessa forma o objeto da cinciano se constitui de fenmenos do mundo real, mas das perguntas que emergem no estudodesse mundo real. Neste caso huma aproximao com a concepo neokantiana.

    Henri Poincarsegue um caminho semelhante ao publicar em 1905 O Valor daCincia, (tambm discutido por Kedrov, 1966), ao analisar alguns problemas filosficosligados Matemtica, a Mecnica e a Fsica e sua relao entre si. O autor considera que asleis da natureza so smbolos, signos convencionais criados pelo homem, jque a realidadeobjetiva da natureza no se encontra fora do homem. Assim, para Poincar, as coisasso grupos de sensaes e a cincia um sistema de relaes. Pearson, Carpeter, Flint,Wundt, Oswalde Ratzel so outros pensadores que se aproximam do idealismo em trilhasparecidas (Kedrov, 1976).

    O mundo natural constitudo de um processo vital responsvel pelaexistncia da vida (a idia criada pela vida cria a matria)

    No incio do sculo XX o pensamento evolutivo retomado como referncia parao entendimento do mundo. com Bergson que essa tese ganha uma grande extenso,a partir da A Evoluo Criadora (publicada em 1907), em que na matria, tudo o queexiste, resultado de uma causa j existente, e os acontecimentos passados implicam nosacontecimentos futuros (os portes do futuro esto fechados); enquanto que na vida (osportes do futuro esto abertos) o processo de mudana um processo criador, levando ao

    aparecimento de inovaes genunas.Em Bergson htrs dualismos; o primeiro ocorre na natureza entre o domnio da

    matria e o domnio da vida, o qual penetrado por meio da teoria do conhecimento, residin-do ao segundo dualismo (entre o intelecto e a intuio). O primeiro raciocina e demonstrae, atuando em princpios rgidos, estcapacitado para entender a matria; o segundo penetrana essncia do seu objeto seguindo o seu movimento, a faculdade mais apropriada para com-

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    preender a vida. Conforme o autor, o esprito humano um produto da evoluo natural e,assim sendo, o intelecto uma faculdade prtica que nos permite atuar no fluxo da natureza,cortando-o em pedaos rgidos e assim, manipulando-o. Dessa forma, surge para Bergson o

    terceiro dualismo: entre conhecimento e a ao, em que o conhecimento obra da conscinciaviva (essencialmente indutivo), penetrando no seu objeto vivo, e a ao obra dessa mesmaconscincia, mas separando-se de seu objeto, matando-o, fragmentando-o e fazendo coisasextradas dele (, pois, manipulativa). o dualismo entre a vida e a matria, aquele que, emBergson, mais contribui para a viso cosmolgica do sculo XX.

    Em Bergson, a vida o poder ou o processo que cria o esprito humano e a matriaa realidade concebida pelo esprito humano para ser por ele manipulada. Mas essa realidade a prpria vida e, em assim sendo, no pode ser matria. Isso quer dizer que a matria uma inveno do intelecto, necessria para os fins da ao, mas no verdadeira. Desse

    modo, na cosmologia de Bergson, a matria eliminada, restando um mundo constitudode um processo vital (o elan vital) e os seus produtos. a evoluo criadora e, como dizCollingwood (1986), uma nova forma de idealismo subjetivo.

    A relatividade amplia o universo newtoniano, refora a idia de causali-dade, mas ameaa o governo das idias sobre as coisas (embora Einsteinpensasse o contrrio)

    Em 1908, o fsico Albert Einstein, embasado na geometria no-euclidiana

    enuncia a Teoria da Relatividade. Suas idias arbacam e ultrapassaram a mecnicanewtoniana, que, como j foi dito, constituda por trs termos: o espao (entendidocomo puro contingente e descrito pela geometria euclidiana), as partculas (quepreenchem o espao e so caracterizadas por suas propriedades cinticas e pela massa)e as foras (representando a interao entre as partculas). A idia relativista, por suavez, constituda por somente dois termos: o espao (que no mais contingente,pois absorve as foras e apresenta propriedades variveis de regio para regio) e aspartculas em seu interior. , no dizer de Ladriere (1970), a geometrizao da Fsicae a fiscalizao da Geometria.

    No entanto, embora modificado, o mundo geometrizado proposto porDescartes e descrito por Newton continua em Einstein. O grande fsico relativista,desprezando Laplace, continua a busca das intenes divinas na construo e nofuncionamento do mundo e, na herana de Descartes e de Newton, converge idiaque levou o cerne de suas concluses: Deus um gemetra e da Geometria Divina seconstri o mundo. Para Einstein ser religioso procurar entender melhor a ordem domundo (Thuller, 1988), e, embasado na metafsica cartesiana, ele corrige Newton e, dealguma forma, resgata Berkeley e mesmo Espinosa, rechaando o ceticismo de Humee atingindo o determinismo relativista, jque o relativismo einsteniano, na esteira domecanicismo de Descartes e Newton, pressupe a existncia de um determinismo fsicobaseado na causalidade.

    O que Einstein nunca imaginou que sua teoria seria a base da demoliodo pensamento kantiano e neokantiano, uma vez que a aplicao prtica da geometriano-euclidiana era uma demonstrao contra o pensamento apriorstico.

    Mais modernamente, Thom (1975), talvez o mais importante pensador con-temporneo a aceitar o determinismo, sustenta a idia de que os modelos matemticos

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    denominados campos morfogenticos so capazes de representar praticamente todas asformas da natureza, sendo eles expresses desse determinismo na natureza.

    As coisas fsicas e vivas do mundo devem ser entendidas somente pormeio da linguagem lgica associada s constataes experimentais (assim,a idia essencial substituda pela lgica associada experimentao).

    Tambm no comeo do sculo XX, a filosofia transcendental neokantiana contes-tada pelo logicismo de Frege, Russel e Wittgeinstein que, ao reduzirem a aritmtica lgica,revelam o seu caracter tautolgico. Completando a crtica esta teoria da relatividade deEinstein, elaborada graasutilizao da Geometria no-euclidiana. Assim, o conhecimentosinttico a priori (as verdades da Geometria euclidiana e da Aritmtica) do pensamento kan-tiano tornam-se insustentveis (Nascimento Junior, 1998).

    No caminho da tentativa da eliminao da metafsica, o pensamento filosficoacaba por enveredar para a sintaxe da linguagem da cincia, atingindo o neo-empirismoe buscando a funo da experincia oriunda do velho empirismo; como a constituiode critrios ou normas de investigao filosfica, o neo-empirismo admite a dicotmicainstaurada por Hume de proposies que se referem a aes entre idias (tais como asmatemticas que tm suas verdades em si mesmas) e as proposies que se referem aosfatos (que s so verdadeiras se forem referendadas pela experincia). Essa a base daeliminao da metafsica, jque suas proposies no entram nem em uma categoria nem

    em outra (Abbagnano, 1984).O avano do neo-empirismo culmina quando Moritz Schlick inaugura o crculo

    de Viena, a partir de 1923. A esses pensadores se liga o grupo de Berlim, a partir de 1928,liderado por Reichenbach, sendo que as discusses desse grupo estimulam as participaes demuitos dos pensadores cuja base de pensamento cientfico inicialmente a verificabilidade.Mais tarde Carnap que prope o mtodo probabilstico para a linguagem empirista,substituindo a verificabilidade pela confirmabilidade e resolvendo, ainda que parcialmente, advida de Hume sobre a validade indutiva (Nascimento Junior, 1998).

    Assim sendo, toda a questo do neo-empirismo pode ser assim resumida: o

    conhecimento cientfico sobre a natureza acumulativo e suas verdades so descobertas apartir da lgica da observao e da experimentao, confirmadas pela estatstica e garantidaspela repetibilidade e pela previsibilidade. Nesse conhecimento acumulado so procedidasrelaes lgicas entres suas partes, de forma a produzirem as hipteses, as teorias e as leiscientficas acerca dos mecanismos da natureza. Assim, o mundo fsico deve ser desvendadopela cincia sem metafsica nem subjetividade, nem convencionalismos nem apriorismos,apenas o mundo fsico, matria funcionando como um mecanismo, regido por leis, extra-humano, extra-esprito, extra-idia, somente matria.

    No entanto, um expressivo pensador envolvido, ainda que no totalmente com ogrupo, Karl Popper em 1934 alerta para a impossibilidade da obteno de verdades gerais apartir de enunciados particulares no desenvolvimento da cincia. Para ele a falseabilidadee no a verificabilidade que fortalece as teorias cientficas. Popper apresenta tambm a teoriados trs mundos, ou seja, partindo da viso platnica do mundo das idias e o mundo dascoisas, o autor prope o mundo dos objetos fsicos ou materiais, o mundo dos argumentos eestados mentais e o mundo dos contedos subjetivos do pensamento, os produtos da mentehumana (Nascimento Junior, 1998).

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    Fora do Crculo de Viena e tambm em 1934, Gaston Bachelard discorda da idiados neo-empiristas, de que a cincia se reduz aos fatos e a experincia, isso porque Bachelardorienta sua epistemologia pela histria da cincia e esta, ao contrrio de um desenvolvimento

    linear, se move por meio de rupturas sucessivas da negao. Para Bachelard, a cincia atoe no representao e construindo, criando, produzindo, modificando, corrigindo que oesprito chega verdade. Suas idias orientam a epistemologia francesa do sculo XX, que seope fundamentalmente ao neo-empirismo (Nascimento Junior, 2000).

    Outro importante grupo de pensadores discordantes dos neo-empiristas aquele deorigem marxista, cujo entendimento da natureza passa por uma dialtica da prpria natureza,como entende Lenin e a Escola Sovitica, e/ou da histria humana, que interfere no olharda natureza a partir da forma de suas organizaes e instituies sociais e econmicas, comoentende a Escola de Frankfurt. Tambm o pensamento dialtico orienta importantes tericos

    crticos do neo-empirismo durante todo o sculo XX (Nascimento Junior, 2000).Mesmo com as ressalvas popperianas, bachelardianas e marxistas, o desenvolvi-

    mento do neo-empirismo intenso ata dcada de 70, sendo que alguns de seus principaispensadores so Hempel, Jevons, Oppenheim, Frank, Nagel, Hesse, Harre Quine, todosdiscutidos por Nascimento Junior (1998).

    As idias retornam ao governo das coisas quando se observa o micro-universo quntico (embora haja controvrsias) mas a causalidade est

    ameaadaAinda nas primeiras dcadas do sculo XX, os trabalhos de Eisenberg em

    Mecnica Quntica indicaram que no possvel conhecer simultaneamente a posio e avelocidade de uma partcula. Com essa concluso denominada de Princpio da Incerteza,Eisenberg (1958) reconduz a discusso do determinismo defendido por Einstein, sendoque suas concluses se inclinavam para o acaso, ou seja, o no-determinismo se opondoradicalmente ao determinismo relativista. Por outro lado Eisenberg e Bohr concluem quea operao de medida (necessria na Fsica clssica para sistematizar as percepes sensveissugeridas pelo processo observado) influencia as propriedades do objeto observado, e considerada como incontrolvel pelos autores. Isso quer dizer que a Mecnica Qunticas se ocupa de fenmenos sugeridos pela operao da medida e produzidos durante aobservao, no se podendo assim conhecer objetos e fenmenos independentes dela. a complementaridade de Bohr. Retorna assim o problema kantiano da dificuldade daapreenso da coisa em si .

    Concomitantemente, o princpio da incerteza, anunciando o movimento proba-bilstico no deslocamento dos quanta (o probabilismo quntico), parece acenar para umcerto retorno no-causalidade de Hume e, diante da impossibilidade de separao entreo observador e a coisa observada, Eisenberg (1958) manifesta-se contrrio ao pensamentomaterialista, afirmando que a Mecnica Quntica rejeita a prpria idia da realidade fsica,isto , a idia do realismo dogmtico(comentado por Cazenave, 1982 e Selleri, 1987).

    Prigogine (1979), tomando a discusso entre o determinismo e o acaso, parte doprincpio de que o tempo caminha de forma irreversvel e, assim sendo, as mesmas causasno podem produzir os mesmos efeitos, pois no podem repetir-se. Para o autor, um sistemaaberto nunca volta ao estgio inicial mas se organiza, se desorganiza e dapode novamente se

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    organizar por meio de infinitos caminhos imprevisveis. Essa mesma no-causalidade encon-tra-se nos trabalhos de Morin (1990), em que o universo constitudo de sistemas complexoscapazes de transformar o meio em que vivem para se adaptarem a ele e adapt-lo a si. A com-

    plexidade de Morin subverte a causalidade de Einstein, colocando dentro dela o acaso, quepermite este efeito caracole , para o autor, a origem da complexidade do universo fsico,da vida e da sociedade.

    As controvrsias sobre a vida

    Na biologia do comeo do sculo XX, de orientao fortemente neo-empirista(segundo Ramn e Cajal, 1934), o modelo probalstico ganhou terreno a partir da presenada gentica de populao na teoria da evoluo (o cerne dos pensamentos biolgico),

    fortalecendo a idia do acaso evolutivo. A necessidade de se proteger dos ataques dodeterminismo religioso levou as teorias da Biologia a recusarem qualquer situao quequestionasse este paradigma. No entanto, nesse acaso biolgico materialista (muito bemapresentado por Monot, 1970), vrios filsofos encontraram uma idia finalista (Bunge,1980) e idealista (Althusser, 1974) oculta em suas entranhas.

    O determinismo de Thom (1975), no deixa de fazer sua incurso ao universovivo a partir de seus modelos matemticos. Para ele os campos morfogenticos criadosa partir desses modelos respondem questes no solucionadas da biologia, pois podemreconhecer as invariantes fsicas de origem espacial, os fenmenos que, para o autor, so

    aqueles verdadeiramente importantes nas explicaes biolgicas.Por outro lado, a no-causalidade tambm chega ao mundo vivo com as teorias dePrigogine (1979) e Morin (1990) principalmente, mas Atlan (1979) que oferece nessa linhauma alternativa inteiramente biolgica, sugerindo que a maioria dos organismos transitaentre duas estruturas antognicas: uma, representada pelo cristal, altamente coesa e indicaa interdependncia dos elementos que constituem o organismo. A outra, ao contrrio, fluida,representada pela fumaa indica a disperso, a autonomia das partes. Entre estes extremosopostos as partes dos organismos se comunicam, sendo que as interferncias que ocorremdurante a comunicao podem levar a destruio ou a reordenao desses organismos.Essa interferncia (o rudo) a origem das transformaes, uma espcie de ordem atravsda desordem.

    Mais prximos do final do sculo XX so muitos os autores que questionam oacaso evolutivo, tais como Barbieri (1984), que toma as regras da evoluo como uma sintaxesemelhante linguagem humana; Laborit (1988), que torna o universo como constitudopor nveis de organizao semelhantes as bonecas russas, que se encaixam umas nas outras;Bounier, (1990) e Lamy (1994) que crem num plano apriorstico na construo do universoou Pelt (1996), que supem a existncia de uma sntese dialtica responsvel pela evoluoque impe escolhas restritas e criadoras ao universo. Assim, tambm na biologia se conflitamas idias deterministas e probabilsticas, inicialmente encontradas na Fsica.

    O entendimento cientfico das coisas se da partir de referncias histricas

    Em 1962, porm, o fsico Thomas S. Kuhn publica A Estrutura das RevoluesCientficas, negando o carter contnuo do crescimento cientfico e revelando o papel do

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    crescimento da cincia em torno de uma referncia fundamental denominada de paradigma.Para o autor, toda cincia de uma poca feita (e, conseqentemente, cresce) em torno deum paradigma estabelecido pela comunidade cientfica da poca em que as grandes mudanas

    vm a partir da substituio de um paradigma vigente por outro. A idia de revoluo desa-grada muitos pensadores, inclusive Karl Popper, com quem Kuhn tem profcuos debates noSeminrio Internacional sobre Filosofia da Cincia de 1965, ocorrido no Bedford College,Regents Park em Londres e publicado por Lakatos e Musgrave (1970). Para Popper difcilaceitar a idia de paradigma e de revoluo, jque seu nico critrio de identificao dacincia a falseabilidade. Dessa mesma dificuldade compartilham os verificacionistas e osconfirmacionistas.

    Nesse mesmo seminrio, Lakatos apresenta o seu conceito de programas depesquisa, que consiste em regras metodolgicas que orientam o caminho da pesquisa, tanto

    no sentido de serem evitados (heurstica negativa), como para serem trabalhados (heursticapositiva). Segundo o autor, a heurstica positiva pode ser formulada como um princpiometafsico. Por outro lado, a caracterstica que define o programa seu ncleo irredutvel,tornado infalsificvel pela deciso metodolgica de seus participantes. Fora do ncleoirredutvel est um cinturo protetor que absorve os desencontros da observao com ateoria propriamente dita.

    Tambm participa desse seminrio, Paul Feyerabend, que mais tarde escreve suaprincipal obra Contra o Mtodo(publicada em 1975 e revista em 1988), na qual

    a cinciaum empreendimento essencialmente anrquico(...). Por exemplo, podemosfazer avanar a cincia procedendo de modo contra-indutivo(...). A condio deexigncia que as novas hipteses concordem com as teorias aceitasi rracional umavez que defende a teoria mais velha e no a melhor

    O autor ainda sugere que seja abolida a distino entre o contexto da descobertae o contexto da justificao entre termos observacionais e termos tericos e, porltimo, afirma que a cincia e a racionalidade so tradies particulares, historicamentedependentes.

    Entre Kuhn, Lakatos e Feyerabend h vrias divergncias, mas todos possuem

    uma notvel convergncia a viso histrica no linear da cincia. Nesse contexto averificabilidade do crculo de Viena, a confirmabilidade de Carnap e da falseabilidade dePopper no resistem a ela.

    O contra ataque da metafsica e as dvidas sobre o que o real e comoapreend-lo

    O questionamento s bases do neo-empirismo comea assim a ganhar terreno e,Chalmers (1976) tece duras crticas ao indutivismo e a falseabilidade, mas tambm critica osprogramas de Lakatos e o relativismo de Kuhn, assumindo a idia de que no huma cincianica mas cincias ligadas a cada rea de conhecimento. Prigogine e Stenger (1979) falamde um saber reconciliador por meio de uma escuta potica da natureza. Thom (1988)defende a tese de que o mtodo experimental um mito. Brockman (1987), aps coordenarvrios debates entre alguns dos mais conhecidos pensadores contemporneos, conclui que ouniverso uma criao da linguagem e da percepo humana.

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    Atlan (1987) afirma que a realidade apresenta muitas formas de entendimento,sendo que a cientfica apenas uma delas e mesmo em seu interior hvrias possibilidades.J, Santos (1987), alerta para a crise das cincias e prope uma racionalidade mais ampla

    e prxima ao senso comum. Serres (1990) considera que tudo que importa na cincia soos pequenos fenmenos aleatrios e, assim, tudo o que se conhece sobre a cincia spos-svel alcanar a partir de singularidades. Portanto, se mudarmos o sistema, mudaremos deverdade.

    Para Morin (1990), as teorias cient ficas no so como o reflexo do real, massim projees do esprito humano sobre o real, ou seja, o que se capta do mundo oobjeto co-produzido por ns, enraizado na cultura e na histria do objeto que se observa.Wunenburger (1990) indica uma crise inclusive da lgica como instrumento para o entend-imento do real,

    onde dominava de maneira i ncontestada uma nica lgica, tida como funcionale ao mesmo tempo verdadeira, esto em concorrncia atualmente pelo menos doistipos de lgica, a que cuida de encerrar o dado numa quadrcula, fci l de vigiar e aque deseja fazer com que se penetrem o exterior e o interior das coisas, o espao e otempo, a identidade e a alteridade. A epistmecontempornea acha-se pois situadanuma bifurcao entre uma lgica parcelar e fechada (...) e uma lgica aberta,pluredimensional e confli tuosa (1990, p. 20-1).

    Paty (1988), define o real como aquilo que estinserido nas estruturas formais das

    teorias, cuja existncia exterior e anterior ao pensamento, sendo que o pensamento racionalpode, por sua vez, aproximar-se do conhecimento desse real atravs de construes opostass determinaes do real. Para Paty (1988) no existem fatos em si, eles emergem de umaconcepo fsica determinada em que o conhecimento cientfico no sai completo dos fatose dados da experincia como julgam os neopositivistas, mas resulta num processo de difusodo pensamento j conhecido em direo ao real desconhecido, estando entre eles umarede simblica e abstrata de mediaes. A realidade material dessa forma roubadapelopensamento conceitual, adquirindo a um sentido e uma funo que no entanto escapadessa priso, retornando ao real externo, sendo novamente capturada por uma construo

    terica mais abrangente, mas no suficiente para aprision-la por inteiro e para sempre. nessa dialtica que repousa o entendimento cientfico.Arsoc (1993) argumenta que, da mesma forma que a informtica manipula

    smbolos sem nunca mergulhar em seu significado, a cincia tambm se limita srepresentaes e no aos objetos em si mesmos. Para o autor

    a cincia explica, no sentido que ela reduz o nmero de coisas necessrias paradar conta dos efei tos observados. Daresulta um domnio intelectual do mundofsico que passa do sensvel para o inteligvel (...). Parece-me impossvel constataro fenmeno da cincia sem nos interrogarmos acerca do signi ficado dela. (1993,

    p. 246)

    Semelhante ponto de vista apresenta Omns (1994), que afirma que a cincia foiconstituda por oposio metafsica por pura necessidade mas, ao contrrio do que se pensa,esta no morreu e hoje somente ela pode alcanar o que a cincia traz em si e no conseguedizer. Para Omns, a cincia (tambm) uma representao abstrata e codificada, mas fiel

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    da realidade, representando o mundo como encerrado numa estreita malha de regras (as leiscientficas). Existem trs categorias diferentes dessas regras: As regras empricas (primrias),os princpios (universais) e as leis propriamente ditas (conseqncias particulares que podemser deduzidas dos princpios e se aplicam a uma categoria especfica de fenmenos). Comotodas as representaes, a cincia evolui atravs da histria, e esse processo parece confirmar a

    existncia de princpios universais, a permanncia das leis por meio dos progressos realizadose seu carter preditivo sugerem que a representao cientfica ultrapassa o limite das aparn-cias mas no alcana a natureza ntima das coisas, jque essa representao trata apenas derelaes, apresentadas nas formas da lgica e das matemticas, conservando certa distncia darealidade.

    Arajo Jorge (1994), por sua vez, entende que a viso generalizada na epistemologiacontempornea sobre a idia da cincia concebida a partir de um universo artificial,sendo que a cincia moderna passou a ser feita de modelos e teorias oriundas desimulaes computacionais construdas no a partir de fenmenos naturais, mas dos modelosmatem

    ticos desses fen

    menos. De forma, num conjunto de modelos

    poss

    veis

    , o real

    apenas o mais vivel, jque o objetivo principal da simulao prevero comportamentodo sistema estudado.

    Despagnat (1995) defende o ponto de vista de que. por um lado, a Fsica ofereceapenas uma alegoria do real, oriunda da realidade (o conjunto dos fenmenos,), por outrolado, a prpria Fsica admite a existncia de uma realidade independente (o conjuntodaquilo que ), oferecendo razes para se aceitar a dualidade entre o ser e o fenmeno.Sendo assim, o ser no pode ser apreendido pela cincia, que apenas metaforiza o conjuntodos fenmenos.

    Consideraes finais

    A escolha da linguagem lgica e a valorizao do empirismo experimentalista naconstruo do pensamento cientfico do sculo XX, que retirou da cincia qualquer contedometafsico e idealista, aderindo-a inteiramente matria que constitui as coisas do mundo,no se revela por fim um sucesso neste final de sculo. As prprias descobertas da cinciarevelam o carter antagnico das concluses, impossibilitando a resoluo das questes queemergem dos estudos fsicos e biolgicas: o determinismo e o probabilismo, empurrandoa questo para a discusso metafsica.

    As questes levantadas por esses crticos de neo-empirismo talvez possam serresumidas em dois problemas: (1) a insuficincia da lgica como meio de se entender o reale (2) a dificuldade de se explicar o que o real. A primeira questo procura ser resolvida coma aliana da lgica a outras maneiras de se apreender a realidade, tais como a arte, o sensocomum. A segunda questo procura busca a explicao do real por meio: (1) da representaodo mesmo atravs da linguagem matemtica ou computacional; (2) da co-produo entre oreal e o pensamento e (3) do movimento entre o real e a teoria pensada. Em todas as coisas ametafsica estpresente, para desgosto dos neo-empiristas.

    A proposta da cincia como representao do real possui um cunho kantiano. opensamento que, em essncia, atribui significado ao real. A segunda proposta no pode seridentificada como materilista, jque o pensamento visto como co-autor do real, e a ltimaproposta, ao considerar a existncia do racional em direo ao real formulando a teoria,uma visooposta a Hegel (que torna o racional como princpio), mas tambm no uma viso materialista,jque torna o real e no a matria o princpio dialeticamente relacionado com a teoria. Nesserealismo no-materialista parecem ressoar, ainda que longnquos, os ecos de Kant.

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    Essas propostas, ao menos em parte revelam o carter construdo do real a partir da idiaque, retirados todos os adornos e paramentas, fica como a essncia desse empreendi-mento em que a compreenso e a construo do mundo se misturam. Uma concluso para

    fazer Kant, em sua residncia no Hades, rir moderadamente; afinal todos sabemos que o velhoKant no afeito a demonstraes extravagantes.

    Agradecimentos

    Antnio Fernandes Nascimento (in memorian), Edith Prado Nascimento (i n memo-rian), Claudine Fernandes Gottardo Nascimento, Alvino Moser, Carmem Maria Gameiro,Rogrio de Morais, Wataro Nelson Ogawa, Jones Tadeu Bento Gomide, JosRoberto Gomesde Paula, Alexandre Firmo Souza Cruz, Tarso Mazzotti Bonilla, Hector Alcides Benoit e

    Roberto Nardi.

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    Artigo Recebido em: 17/04/00Artigo Aceito para Publicao em: 05/07/01

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