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04-5567 CDD-126 Índices para catálogo sistemático: 1. Consciência e mente: Filosofia 126 Mihai Drãgãnescu Menas Kafatos Mário Sérgio Rocha Andrew Lohrey Benny Shanon Petrópolis 2004 Francisco Di Biase Richard Amoroso (organizadores) EDITORA Y VOZES Tradução de Vera Lúcia Joscelyne Karl Pribram Stanislav Grof Ruppert Sheldrake Amit Goswami A REVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA NOVAS DESCOBERTAS SOBRE A MENTE NO SÉCULO XXI #,,,\JfO~ $.~ ÃA\' ~i"~ASs <~; t:" ~ ODIW1O~· COLEÇÃO UNI PAZ - PSICOLOGIA TRANSPESSOAL Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A revolução da consciência: novas descobertas sobre a mente no século XXI / Richard L. Amoroso, Francisco Di Biase, (organizadores) ; tradução de Vera Lúcia Joscelyne. - Petrópolis, RJ : Vozes, 2004. ISBN 85.326.3069-3 Título original: Science and the primacy of consciousness : intimation of a 21 st century revolution. V ários autores. Bibliografia. I. Ciência - Filosofia 2. Consciência- Pesquisa 3. Cosmologia 4. Filosofia da mente 5. Neurociências 6. Psicologia - Filosofia 7. Teoria quântica I. Amoroso, Richard L. lI. Di Biase, Francisco. COLEÇÃO UNI PAZ - TRANSPESSOAL Coordenadores: Pierre Weil e Roberto Crema A Transpessoal é um ramo da Psicologia que estuda os diferentes es- tados de consciência pelos quais passa o ser humano. Em cada estado de consciência é experienciada uma forma específica da realidade. A Psico- logia Transpessoal estuda a relação destes estados de consciência e a vi- vência da realidade, mais particularmente a consciência cósmica. - As fron teiras da regressão - Origens da consciência cósmica Pierre Weil - O homem holístico - A unidade men te-natureza Francisco Di Biase - Iluminação espiritual- A emelgência do sagrado Lilian Costa Pinto - A revolução da consciência: novas descobertas sobre a mente no século XXI Richard Amoroso e Francisco Di Biase

Francisco Di Biase a Revolução Da Consciência

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Page 1: Francisco Di Biase a Revolução Da Consciência

04-5567 CDD-126

Índices para catálogo sistemático:1. Consciência e mente: Filosofia 126

Mihai DrãgãnescuMenas Kafatos

Mário Sérgio RochaAndrew LohreyBenny Shanon

Petrópolis2004

Francisco Di BiaseRichard Amoroso

(organizadores)

• EDITORAY VOZES

Tradução de Vera Lúcia Joscelyne

Karl PribramStanislav Grof

Ruppert SheldrakeAmit Goswami

A REVOLUÇÃO DACONSCIÊNCIA

NOVAS DESCOBERTAS SOBRE A MENTENO SÉCULO XXI

#,,,\JfO~$.~ÃA\'~i"~ASs<~; t:" ~ODIW1O~·

COLEÇÃO UNI PAZ - PSICOLOGIATRANSPESSOAL

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A revolução da consciência: novas descobertassobre a mente no século XXI / Richard L. Amoroso,Francisco Di Biase, (organizadores) ; traduçãode Vera Lúcia Joscelyne. - Petrópolis, RJ :Vozes, 2004.ISBN 85.326.3069-3

Título original: Science and the primacy ofconsciousness : intimation of a 21 st centuryrevolution.

Vários autores.

Bibliografia.I. Ciência - Filosofia 2. Consciência­

Pesquisa 3. Cosmologia 4. Filosofia da mente5. Neurociências 6. Psicologia - Filosofia7. Teoria quântica I. Amoroso, Richard L.lI. Di Biase, Francisco.

COLEÇÃO UNI PAZ - TRANSPESSOALCoordenadores: Pierre Weil e Roberto Crema

A Transpessoal é um ramo da Psicologia que estuda os diferentes es­tados de consciência pelos quais passa o ser humano. Em cada estado deconsciência é experienciada uma forma específica da realidade. A Psico­logia Transpessoal estuda a relação destes estados de consciência e a vi­vência da realidade, mais particularmente a consciência cósmica.

- As fron teiras da regressão ­Origens da consciência cósmicaPierre Weil

- O homem holístico - A unidademen te-naturezaFrancisco Di Biase

- Iluminação espiritual- A emelgência do sagradoLilian Costa Pinto

- A revolução da consciência: novas descobertas sobre a mente noséculo XXIRichard Amoroso e Francisco Di Biase

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Título original inglês: Science and the primacy ofconsciOUSlless: intimation of a 21st centwy revolution

Direitos de publicação em língua portuguesa:Editora Vozes Ltda.Rua Frei Luís, 100

25689-900 Petrópolis, RJInternet: http://www.vozes.com.br

Brasil

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderáser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou

quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia egravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados

sem permissão escrita da Editora.

Este volume é composto de 11 capítulos, selecionadosdentre os 39 do original inglês, a partir da organização

conjunta de Francisco Di Biase e Richard Amoroso.

Editoração: Sheila Ferreira NeivaProjeto gráfico e capa: AG.SR Desenv. Gráfico

ISBN 85.326.3069-3 (edição brasileira)ISBN 0-9678687-1-8 (edição inglesa)

Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.

SUMÁRIO

Apresentação - Ciência e consciência na Era da Informação (Fran­cisco Di Biase), 7

PARTE 1- NEUROBIOLOGIA, 11

1. O primado da experiência consciente (Karl H. Pribram), 13

PARTE 11- FILOSOFIA DA MENTE, 25

2. Consciência, uma definição radical: o dualismo dasubstância soluciona o Hard Problem (Richard L.Amoroso), 27

3. Princípios fundamentais gerais na Filosofia da Ciência(Mihai Drãgãnescu e Menas Kafatos), 50

PARTE 111- FÍSICA QUÂNTICA E COSMOLOGIA, 73

4. Simetria: A Teoria do Tudo (Andrew Lohrey), 75

5. Ciência e consciência: um novo paralelismo,quântico-psicofisico (Amit Goswami), 101

PARTE IV - PSICOLOGIA TRANSPESSOAL, COGNITIVAE PARAPSICOLOGIA, 115

6. O futuro da psiquiatria e da psicologia: desafiosconceituais da pesquisa clínica da consciência (StanislavGroff), 117

7. A mente ampliada (Ruppert Sheldrake), 159

8. Ayahuasca, mente e consciência (Benny Shanon), 196

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PARTE V - INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, REDES NEU­RAIS E CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO, 221

9. Computação Quântica Evolucionária: seu papel nocérebro, sua realização como hardware eletrônico e suasimplicações para a Teoria Pampsíquica da Consciência(Ben Goertzel), 223

PARTE VI - INFORMAÇÃO E TEORIA DOSSISTEMAS, 245

10. Informação, auto-organização e consciência - Rumo auma teoria holoinformacional da consciência (Francisco DiBiase, Albert Schweitzer e Mário Sérgio F. Rocha), 247

PARTE VII - FÓRUM DE DEBATES, 269

11. A ciência e o primado da consciência (Karl Pribram,Rupert Sheldrake, Stanislav Grof e Amit Goswami ­Moderador: Benny Shanon), 271

Índice, 297

APRESENTAÇÃOCiência e consciência na Era daInformação

Francisco Di Biase

Neurocirurgião, Grand PhD,AEI-WIDU, Bélgica - Professorhonorório da Albert SchweitzerInlernalional Universily, Suíça

Desde Descartes no século XVII, a questão da natureza daconsciência foi sendo progressivamente relegada a um plano se­cundário, sendo praticamente esquecida pelos meios acadêmicosnos últimos séculos. Graças às modernas pesquisas nos camposdas Neurociências, Física Quântica, Dinâmica Cerebral Holográfi­ca e Teoria da Informação Quântica, Psicologia Transpessoal eCognitiva, Inteligência Artificial e Ciências da Computação, Pa­rapsicologia, Cosmologia e Filosofia da Mente, a consciência tor­nou-se na atualidade um dos principais temas de estudo e discus­são da ciência.

A consciência não é um problema científico qualquer, pois é anossa própria consciência que queremos entender. A compreensãode sua natureza pode nos conduzir a uma nova visão de nós mes­mos e de nosso lugar no universo. Pela primeira vez na história lm­mana, temos as condições científicas necessárias para entendermosa consciência e sua relação com o universo.

Richard Amoroso, organizador do livro nos Estados Unidos,levanta o problema da consciência com as seguintes indagações:"Como pode a consciência surgir no universo?" "É a consciência

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um fenômeno emergente dos processos cerebrais, ou é o cérebroum fenômeno emergente da consciência?"

Os autores, todos experts em estudos da consciência, sinteti­zam os desenvolvimentos e as múltiplas perspectivas resultantesdo moderno estudo da consciência, revelando dimensões que a cul­tura ocidental somente agora está começando a compreender. Sta­nislav Grof, um dos criadores da Psicologia Transpessoal, afirmaneste livro: "As experiências transpessoais têm muitas característi­cas estranhas que rompem todas as premissas metafisicas mais bá­sicas do paradigma cartesiano-newtoniano e da visão materialistado mundo". É este aspecto revolucionário, e ao mesmo tempo fun­damentador, do emergente paradigma holístico, que a meu ver, tor­na este livro único.

Encontramo-nos neste início de milênio, em um ponto de mu­

tação da cultura ocidental, em que os pilares da ciência acadêmicado século XX, tais como a fisica newtoniana e a neurociência me­canicística do funcionamento cerebral e da consciência, estão sen­

do minados por uma moderna ciência holística de natureza sistêmi­ca, quântica e não-reducionista, que vem solucionando o antigodualismo cartesiano que separou mente e matéria, e homem e uni­verso. É neste contexto que situamos este livro, como a mais atual eabrangente obra acerca dos modernos estudos da consciência jápublicada no Brasil. Sua leitura proporciona ao leitor um saltoquântico, revelando de modo elegante e paradigmático o padrãoholístico que une matéria, vida e consciência à consciência univer­sal e à dimensão espiritual.

Entre os autores deste volume estão alguns dos maiores expo­entes mundiais da área de estudos da consciência, como Stanislav

Grof, psiquiatra, um dos pais da Psicologia Transpessoal, KarlPribram, neurocientista criador da Teoria Holonômica do funcio­namento cerebral, Ruppert Sheldrake, biólogo e parapsicólogo,criador da Teoria dos Campos Mórficos, Amit Goswami, fisicoquântico, criador de uma teoria quântica da consciência, e Ri­chard Amoroso, psicólogo e cosmologista do Noetic AdvancedStudies Institute, da Califórnia, criador da Teoria do Campo Noéti­co da consciência.

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Os artigos que compõem o livro são as conferências apresenta­das durante o congresso internacional Science and the Primacy ofConsciousness, realizado no período de 22 a 24 de abril de 1998, naUniversidade de Lisboa, em Portugal. A conferência sobre a TeoriaHoloinformacional da Consciência, apresentada por mim, foi aúnica contribuição latino-americana publicada no livro originalnos USA.

Durante o congresso tive a maravilhosa oportunidade de con­viver tête-a-tête com Karl Pribram, moderador do caloroso debateque se seguiu à minha controvertida apresentação, e de quem guar­do gratas recordações, não só pelo apoio dado às minhas idéias,mas principalmente pela amizade espontânea que nasceu entrenós. Durante o debate, eu havia sido interpelado por um outro con­ferencista, que de forma sutil tentou desviar o entusiasmo da pla­téia para com minha apresentação para a sua, que também utilizavabases infonnacionais. Pensando que estaria me colocando em umaenrascada, me solicitou que definisse infonnação dentro do con­texto que eu acabara de apresentar. No silêncio que se seguiu, meucérebro, como que num passe de mágica, fez mil associações deidéias instantaneamente, e de um modo mais intuitivo do que lógi­co-racional, respondi em poucos segundos: "nesta concepção, in­formação deve ser entendida como uma propriedade intrínseca, ir­redutível e não-local do universo, capaz de gerar ordem, auto-orga­nização e complexidade, e deve ser considerada mais básica do queo princípio da conservação da matéria e energia". Ao ouvir isto,Karl se levantou de um pulo, e encaminhando-se em minha dire­ção, me cumprimentou efusivamente, afirmando: "com o que con­cordo totalmente", emudecendo assim todo o restante da platéia.Recordo-me com saudades dos momentos de lazer, durante os al­moços nos restaurantes de Lisboa, entre um copo de vinho e outro,em que tivemos a oportunidade de manter um diálogo extrema­mente produtivo, acerca de seu monismo ontológico. como ele gos­ta de definir sua posição filosófica, e de discutir suas restrições emrelação ao interacionismo-dualismo de Sir Jolm Eccles de quemele sempre foi grande amigo e admirador. Demonstrou-me que,apesar de pern1anecer um monista, acredita ser viável, como Ecclessugere, a possibilidade de um dualismo epistemológico, ou um plu­ralismo, como coloca Popper.

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Gostaríamos de agradecer à Faculdade de Psicologia e Ciên­cias Educacionais da Universidade de Lisboa e à Fundação Bialpelo apoio dado à realização do congresso do qual se originou estelivro, e ao Journal of COl1sciousness Studies pela publicação domesmo, e, especialmente, a todos os participantes e organizadoresdesta aventura do conhecimento que foi este evento seminal.

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PARTE I

NEUROBIOLOGIA

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1o primado da experiência consciente

Karl H. Pribram

Radfard Universily, USA

Resumo

Nos dias atuais, esforços para compreender a dualidade men­te/cérebro vêm despertando cada vez mais interesse. Isso se deveem parte ao sucesso extraordinário das ciências psicológicas e neu­rológicas. A lacuna aparente entre mente e matéria está sendo preen­chida com uma p1etora de dados que estabelecem finnemente, e emgrande detalhe, as possíveis relações entre nossa experiência e aorganização do cérebro. O sucesso desse empreendimento nos fazrecordar os sucessos recentes da teoria darwiniana, onde a lacunaevolucionaria existente entre seres humanos e primatas não-huma­nos está sendo preenchida com novas descobertas quase que dia­riamente.

1. Uma história sinótica da dualidade mente/cérebro

Atualmente, a distinção rígida entre mente e matéria é nonnal­mente atribuída a Descartes. No entanto, René Descartes (1634)articulou uma dualidade que remonta às origens das elocuções pro­posicionais: um sujeito, um objeto e um verbo que atribui ao sujei­to um aspecto compartilhado pelo objeto, ou uma "intenção" di­recionada para o objeto. Holofrases, tais como OM em sânscrito eYaveh em hebraico que querem dizer "ser", escondem, ou melhor,falham em expor, significados proposicionais. Diz-se que as holo-

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frases precederam as elocuções do desenvolvimento das lingua­gens, da mesma forma que as holofrases precedem o desenvolvi­mento da linguagem em crianças. O processo de ser se transformaem um ser, um sujeito com uma barba que entrega os mandamentosa Móises, um objeto.

Para Descartes, o pensador é sujeito; todo o resto é objeto.Emanuel Kant, no entanto, mostrou que os objetos do pensamentosão idéias e que as idéias têm duas fontes: experiência de fenôme­nos iniciada sensorialmente (imagens de objetos) e númenos, ascontribuições da razão do pensador. Com isso, tanto o pensadorquanto o conteúdo do pensamento se tomam subjetivos - e o co­nhecimento do aspecto "material" e objetivo do mundo toma-se"incerto" .

Arthur Schopenhauer, incomodado com essa indetenninação,com essa nossa incapacidade de "realmente" conhecer o mundodevido ao nosso envolvimento nele, chegou a dar ênfase ao papeldo pensador, da energia e da "vontade", das intenções, no desema­ranhamento da imprecisão das imagens. Ele observou que o dese­maranhamento do "nó do mundo", que é resultado do emaranha­mento dos fenômenos e dos númenos, depende de nós. Isto nos dá aliberdade de explorar e também as oportunidades de moldar omundo que habitamos. Hoje em dia muitas vezes ouvimos dizerque a solução para alguns de nossos problemas sociais não é so­mente dinheiro, mas vontade política. Essa visão é muito seme­lhante à de Schopenhauer.

Em um certo sentido, Schopenhauer retoma à totalidade que aholofrase abrange e indica que os seres humanos, pelo fato de ope­rarem de um modo semelhante à proposição, têm, por meio de suasintenções, a oportunidade de moldar as imagens ou representa­ções que vivenciamos e, conseqüentemente, a nossa interpretaçãodo mundo. Voltaremos a isto brevemente.

2. Entra a ciência do cérebro

Descartes, Kant e Schopenhauer sabiam que a organização daexperiência psicológica depende em parte do modo como o cére­bro funciona. Nos últimos dois séculos, uma profusão de detalhesfoi sendo acrescentada. Inicialmente, foi demonstrado que certas

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"faculdades" psicológicas eram dependentes do funcionamentonormal de sistemas que poderiam ser mais ou menos localizadosno cérebro. A conectividade anatômica desses sistemas e sua res­

posta eletrofisiológica ao estímulo sensorial já foram descritas.

Com o passar do tempo e à medida que as técnicas melhoresiam ficando disponíveis, as antigas descobertas básicas foram apri­moradas. No momento atual, com procedimentos revolucionárioscomo tomografia computadorizada e as imagens por ressonânciamagnética nuclear, os estudos que procuram identificar as relaçõesentre os tipos de experiência psicológica e os sistemas cerebraisganham fúrça.

Na convexidade do cérebro, podemos distinguir grosseira­mente um modelo de três camadas para esses sistemas. Cada siste­ma sensorial principal estimula, de uma forma relativamente dire­ta, determinadas áreas do córtex. Circundando essas áreas existemoutras que, quando estimuladas eletricamente, dão origem a movi­mentos da musculatura associados com cada um dos órgãos dossentidos (por exemplo, músculos oculares para visão, músculosauditivos para a audição e músculos do corpo para sensações so­máticas). Essas áreas estão conectadas extrinsecamente, ou seja,conectadas a órgãos da periferia do corpo e, conseqüentemente, for­necem perspectivas que relacionam o corpo ao mundo à sua volta.

Ao redor dessas áreas extrínsecas, existem áreas sensoriais es­pecíficas que são principalmente conectadas de maneira intrínse­ca, ou seja, a outras estruturas cerebrais.

Essas áreas fornecem perspectivas - tais como as que são for­necidas pela cor e constância do objeto - que são intrínsecas às en­tidades percebidas. Finalmente, existem áreas que operam ao rece­ber estímulos de uma variedade de sentidos que relacionam suasperspectivas umas às outras. Todas essas áreas e os sistemas cere­brais que elas representam estão envolvidos na organização denossas percepções dos fenômenos. A tenninologia atual, os cha­mados de aspectos da percepção direcionados sensorialmente (vejaPribram, 1991).

Outro grupo de sistemas, mais "numenísticos" em sua função,está localizada na parte frontal e na borda mediallímbica dos he­misférios cerebrais. Esses sistemas e suas funções na organizaçãode nossa experiência serão abordados na parte final deste ensaio.

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Entretanto, existem tipos de experiência psicológica que nãopodem ser assim tão facilmente classificados de acordo com ossistemas cerebrais que os organizam.

Aspectos da percepção consciente, armazenamento e recupe­ração (lembranças) de memórias e a capacidade de transferir o quefoi aprendido em uma situação para outra, ou o que foi aprendidode uma forma para outra (por exemplo, com uma mão para a outramão). O que foi descoberto é que esses dois tipos de interpretaçãodo emaranhado do mundo dependem, em parte, de processos queestão distribuídos pelo cérebro. Uma vez mais, técnicas recentesestão fortalecendo a investigação: dessa vez, o desenvolvimentode arquiteturas computacionais maciçamente paralelas e o uso degravações múltiplas com microeletrodos.

3. O Hard Problem (problema difícil)

Alguns filósofos (por exemplo, David Chalmers) classificam aquestão mente/cérebro em difícil e fácil: "o que estamos realizan­do, afirmam eles, é a parte fácil". Mostram que, em uma extensãoconsiderável, a revolução cognitiva na psicologia experimental, esua influência na neuropsicologia, não só está tendo êxito na for­mulação de uma verdadeira ciência psicológica que leva a sério aexperiência subjetiva, mas, ao mesmo tempo, está preenchendo oabismo mente/cérebro. No entanto, eles também observam que émuito mais difícil transpor a distância entre nossa experiência pes­soal e a experiência alheia, que validamos através da comunicaçãopor meio de comportamentos verbais ou instrumentais.

Os filósofos insatisfeitos realmente têm alguma razão, e essarazão nos leva de volta a Descartes, Kant e Schopenhauer. Existeuma dualidade entre minha experiência subjetiva e a dos outros.Apesar disso, creio que os filósofos atuais estão errados quandorestringem o hard problem à percepção consciente de nossa expe­riência. A dualidade de Descartes foi corrigida por Kant: todas nos­sas experiências envolvem representação fenomênica e "núme­nos". Nem nossos sentidos nem nossa cognição nos fornecemprontamente réplicas não adulteradas daquilo que "está lá fora". Eé por isso que devemos nos esforçar por entender a percepçãoconsciente, mas também as origens de todas as nossas experiên-

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cias. Em suma, o hard problel'n se aplica a todo o conhecimento, atoda ciência, não somente ao estudo da consciência.

O hard problem é o problema do conhecimento, o problemaontológico da epistemologia. É o problema de desemaranhar o nódo mundo, quase voltando ao problema cartesiano do cognitivo ver­sus todo o restante. No entanto, a maneira nova pela qual Kant eSchopenhauer entenderam, todo restante deve ser incluído no hardproblem e para solucionar esse problema no plano que eles estabele­ceram requer um envolvimento ativo, intenção, vontade. Pesquisaneuropsicológica e neurocientífíca é a expressão atual desse intento.

Uma última observação. Enquanto os psicólogos e os neuro­cientistas estão solucionando a dualidade mente/matéria de uma

perspectiva, os físicos quânticos vêm abordando a questão de outroângulo. Bohr, Heisenberg, Dirac e Wigner, cada um de sua manei­ra, observaram que a forma como abordamos uma observação emgrande parte a determina.

Como me foi descrito pessoalmente por Wigner, na física quân­tica já não temos mais observáveis, somente observações. Os princí­pios de complementaridade de Bohr e de indeterminação de Heisen­berg propõem o mesmo argumento kantiano (veja Stapp, 1972).

Toda ciência, não apenas a ciência psicológica, deve algo aohard problem.

4. A dualidade na experiência subjetiva

Como observamos na introdução, no próprio cogito de Des­cartes, várias concepções diferentes, e dualidades distintas, cha­maram a atenção dos filósofos. Uma delas, mais claramente articu­lada por Franz Brentano, é a dualidade entre aquele que percebe e acoisa percebida (Brentano 1973). Isso também reflete a dualidadecartesiana: aquele que percebe está mentalizando; todo o restante éo que está sendo percebido e mentalizado.

Mas, ao contrário de Descartes, Brentano está menos interes­sado naquilo que está sendo percebido e mais naquele que percebe.Tonalidades de Schopenhauer emergem na medida em que aqueleque percebe "intenciona" suas percepções - pode até intencionarperceptos "inexistentes" tais como unicómios.

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A pesquisa sobre o cérebro já demonstrou (veja Pribram &Bradley, 1998) que os sistemas que ocupam a convexidade posteriordos hemisférios cerebrais estão envolvidos na organização da duali­dade de Brentano. Quando os sistemas do lóbulo parietal são danifi­cados é possível que o paciente comece a ter a sensação de que o bra­ço do lado oposto à lesão cerebral não é seu próprio braço. Um demeus alunos, que sofreu uma lesão deste tipo, apelidou seu braço deAlice e afinnou que "Alice não vive mais aqui". Apesar dessa perdado sentimento de pertencer, o braço continua a desempenhar tarefasrotineiras, como levar um xícara de café até a boca, para enorme sur­presa desta quando percebe o que está acontecendo.

Lesões na parte ainda mais posterior da convexidade produz"visão cega".

Aqui também a pessoa pode desempenhar tarefas rotineirasque exigem aferência óptica do lado cego, mas o paciente não estáconsciente daquele input. Com o cérebro intacto, estamos consci­entes tanto de nós mesmos, enquanto "aqueles que vêem", quantodaquilo que está sendo visto.

Nesses exemplos e em outros semelhantes, a consciência denosso self corporal e do ambiente estão prejudicados. "Alice já nãofaz mais parte de mim; o comportamento cego, guiado opticamen­te, não é meu." A partir de observações <:omoessas podemos dedu­zir que, nonnalmente, esses sistemas cerebrais funcionam parapennitir a ocorrência da consciência de um "mim" corpóreo. Quan­do isso é prejudicado, já não existe mais a distinção entre aqueleque percebe e a coisa percebida - da mesma maneira que um daltô­nico não consegue distinguir o vermelho do verde. Na ausência dediferenciação, nenhuma das duas cores existe para aquela pessoa.Na ausência da consciência da diferença entre aquele que percebe ea coisa percebida, nem um nem outro existem.

Há ainda uma outra dualidade totalmente distinta que preocu­pou os filósofos. Além de um self de um eu, eles se preocuparamcom uma consciência transcendental de nossa união com uma or­

dem maior, mais universal. Os arquétipos de Cárl Jung abordamesse aspecto da experiência (Jung, 1933). Paradoxalmente, essaexperiência é tão intensamente pessoal quanto holística. A expe­riência não pode ser analisada como um "aqui dentro" versus "láfora", como no caso da intencionalidade de Brentano. Ao contrá-

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rio, ela faz parte de uma consciência holística saudável, sem quais­quer fronteiras.

A ciência psicológica e neurológica fez grandes progressos re­centemente com respeito à compreensão desse tipo de percepção.Primeiramente, Endel Tulving (veja Bradley & Pribram, 1998) es­tabeleceu a diferença entre dois tipos de memória humana: um tiposemântico ou de dicionário e outro que lida com episódios de nossaprópria experiência. Ao mesmo tempo, a pesquisa com primatasnão-humanos estabeleceu a diferença entre os sistemas cerebrais

que lidam com memória referencial e os que lidam com tipos deprocessamento de tentativas e erro.

Há evidência suficiente, obtida através da pesquisa neuropsi­cológica humana, que permite a diferenciação entre processos res­ponsáveis pela memória semântica e os relativos à memória refe­rencial. Esses processos são prejudicados quando a convexidadeposterior do cérebro é lesada. A dualidade de Brentano envolvejustamente o "referencial", a capacidade de estar consciente da dis­tinção entre aquele que percebe e a coisa percebida.

Há também bastante evidência obtida com animais de que oprocessamento através de tentativa e erro conduz à lembrança deexemplos únicos e, portanto, ao processamento de episódios. Oprocessamento episódico é prejudicado por qualquer lesão nos sis­temas límbicos que se encontram na borda interior (daí o termolímbico) dos hemisférios cerebrais.

A deterioração do processamento episódico conduz a uma di­ficuldade surpreendente. Pacientes com tipo de lesão têm aspectonormal e são capazes de interagir socialmente momento a momen­to graças ao seu processamento semântico/referencial intacto. Noentanto, qualquer interrupção ou distração simplesmente impediráo episódio de ter uma consciência futura como se aquele único epi­sódio nunca tivesse ocorrido. Portanto, com o passar do tempo e deepisódios sucessivos, não é estabelecido um "eu" narrativo, qual­quer hermenêutica pessoal.

O processamento episódico que leva à experiência de um "eu"narrativo é diferente daquele que conduz a um "mim" corpóreo.Crianças que têm lesão bilateral nos sistemas límbicos desde o nas­cimento conseguem aprender a ler e outros aspectos do processa­mento semântico não são prejudicados. Um estudo de caso de-

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monstra, de maneira dramática, a deficiência na construção de um"eu" narrativo.

Uma criança que nasceu com cistos enormes envolvendo aparte límbica e frontal do cérebro foi submetida a duas operaçõesantes dos seis meses. Ela nunca mostrou qualquer evidência da pre­sença de memória episódica; no entanto, foi capaz de aprender alinguagem verbal em níveis adequados para sua idade. Com oitoanos era capaz de dizer seu nome, idade, aniversário e nomes dosmembros da família. Durante os testes, declarou quais eram seujogo e seu programa de televisão favoritos e sua cor preferida. Ashabilidades de expressão lingüística eram adequadas para a idade ea criança não tinha problemas evidentes com a gramática. Apesardisso, não era capaz de se lembrar do que tinha comido no café damanhã algumas horas antes. Não era capaz de identificar correta­mente um dos examinadores com quem tinha trabalhado aquelamanhã em um grupo de quatro pessoas, não conseguia dizer o quetinha comido no almoço e o valor do restaurante.

É claro que o processamento episódico não é necessário para oestabelecimento do processamento semântico normal. O reversotambém é verdadeiro: crianças que sofrem dano nos sistemas queprocessam o "mim" corpóreo, como, por exemplo, aqueles que sãoespásticos de nascimento, não têm problemas com o processamen­to episódico e desenvolvem um "eu" narrativo normal.

Essas crianças também desenvolvem um processamento se­mântico normal, indicando que o "mim" tem dois aspectos distin­tos: um relacionado com estímulo sensorial e outro com a reaçãomotora. Essa separação entre habilidades motoras e consciênciacorporal é devida à importância cada vez maior desses sistemasmotores somáticos. Os sentidos de distância dependem de seuscomponentes motores principalmente para aprimorar o processa­mento sensorial. Ao contrário, o sistema motor somático tem a ca­pacidade de mudar - com grande habilidade e de forma dramática- o estímulo ambiental. Como resultado, com sistemas motores emprimatas, inclusive os dos seres humanos, tornam-se mais distinta­mente separados dos sistemas somáticos de estímulos sensoriais,enquanto no caso dos sentidos de distância existe maior superposi­ção entre o estímulo e o resultado.

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Os sistemas cerebrais que organizam o processamento episódi­co também têm estímulos e respostas e esses também se superpõemconsideravelmente. Um sistema motor mediobasal cobre as porçõesanteriores do córtex límbico e centros na amígdala, um gânglio ba­sal. A estimulação elétrica desse córtex produz mudanças marcantesno ritmo cardíaco e respiratório, na pressão sangüínea e nas contra­

ções gastrintestinais. Em contraste com os resultados da estimulaçãodo córtex motor somático que somente produz um desvio grosseirodo corpo e dos olhos para o lado oposto ao estimulado.

Além disso os estímulos vindos do corpo nascem principalmen­te dos tratos relacionados com estímulos viscerais, anatômicos, do­lorosos e térmicos. Juntos, esses inputs podem ser classificados comomediadores dos aspectos emocionais hedônicos (agradáveis/desa­

gradáveis) da consciência. Portanto, não é surpreendente a existên­cia de uma relação anátomo-fisiológica entre os processamentos he­dônico e episódico. Afinal de contas o "eu" narrativo vivencia osepisódicos, e a pesquisa demonstrou que as recompensas e as puni­ções são essenciais para "fixar" um episódio a fim de que este passea ser uma parte lembrada da narrativa pessoal.

Schopenhauer enfatiza a importância do corpo na organizaçãoda intenção, da vontade, mas falha em distinguir o corpo como um"mim" qualificado e o corpo como um "eu" hedônico. Plans andthe structure of behavior (Miller et ai., 1960) separou esses aspec­tos da vontade ao distinguir motivações (hedônicas) como predis­posições, e intenções como disposições. Por sua vez, as intençõessão subdividas em estratégicas (intenções apriori) e táticas (inten­ções na ação, como foram chamadas por John Searle, 1983).

Existe uma relação entre emoção, motivação, estratégia e táti­ca. Como indicou William James (1950), as emoções param napele, as motivações (denominadas, na literatura da época, de ins­tintos) vão mais além. Para implementar as motivações, desenvol­vemos intenções, tanto estratégicas quanto táticas. Sistemas cere­brais distintos estão relacionados com cada uma dessas categoriascomportamentais. A amígdala à emoção; o caudado putâmen àmotivação; o córtex frontal anterior às estratégias; e o frontal maisposterior, o córtex pré-central, às táticas.

Embora familiarizado com os Upanishades, Schopenhauer nãoos acompanha na ênfase que dão aos aspectos hediônicos da totali-

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III1I

dade como exemplificado pela jardinagem ou pelo ato sexual e,portanto, falham em entender completamente o aspecto holísticotranscendental do "eu". Apesar de seus esforços para dar à vontadeuma base corporal, a elaboração de Schopenhauer sobre o envolvi­mento do corpo no desemaranhamento do nó do mundo resulta emum "mim" corpóreo, não em um "eu" holístico. As conseqüênciasdessa falha fizeram com que ambas as filosofias nazista (idealista)e comunista (materialista) negligenciassem o incentivo ao indivÍ­duo e paradoxalmente contribuíssem para o surgimento de uma so­ciedade doentia, não-holística e profana.

Se seguirmos as diretrizes dos materialistas elimina listas nos­sa sociedade pode terminar de forma similar. Como observou umjuiz em uma reunião recente dedicada a estudos da consciência, re­duzir a psicologia aos neurônios é um erro de categoria que destrui­ria toda nossa estrutura moral: não podemos responsabilizar os neu­rônios por nosso comportamento. Um dos eliminalistas, FrancisCrick (1994), observou que categorias são invenções humanas enormalmente as mudamos à medida que nosso conhecimento au­menta. Porém, isso é irrelevante: um erro de categoria não tem aver com a maneira como categorizamos per si, e sim com o nível ouescala que a categoria abrange. O erro da categoria não é apenasum artificio filosófico sem importância - cometer um erro dessepode ter conseqüências pesspais e sociais sérias.

Em 1989, B.F. Skinner, um dos pioneiros do behaviorismo ra­dical, que durante toda sua vida lutou contra a psicologia popular(Folk Psychology) em defesa de uma ciência comportamental do"organismo vazio", terminou sua carreira um ano antes de morrercom a seguinte idéia revisada, que nos dá uma alternativa saudávelà eliminação: existem duas lacunas inevitáveis no contexto beha­viorista: uma entre a ação estimulante do ambiente e a resposta doorganismo e outra entre conseqüências e a mudança do comporta­mento resultante. Só a ciência do cérebro pode preencher essas la­cunas. Ao fazê-lo, ela completa o contexto; ela não faz um relatodiferente da mesma situação (13-18).

Onde isso nos deixa? Em outros ensaios, observei que nossoenorme interesse na dualidade mente/matéria foi estimulada pelaRevolução Industrial. A maioria dos cientistas é materialista e ge­rou mentalistas (como por exemplo Roger Sperry [1980] e Jolm

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Searle [1983]) que percebem falhas na posição materialista. Masmaterialismo e mentalismo estão relacionados um com o outro as­sim como "para baixo" está relacionado com "para cima" - um nãoexistiria sem o outro. O que vem primeiro, nossa experiência domundo material ou o cérebro material que torna essa experiência

possível? Será que a galinha é uma forma ovular de se reproduzirou será o contrário?

A revolução da informação está começando a virar as costas

para aquele enorme interesse em uma dualidade mente/matéria e avoltar-se para a questão com que se preocupou Platão e Aristóteles:o ideal versus o real. Alguns matemáticos (por exemplo, RogerPenrose [1989]) já se declararam - não surpreendentemente - a fa­vor de Platão. Dualidades tais como essa são extremamente úteisna exposição de questões, mas são instrumentos relativamente pri­mitivos. Pragmatismos holísticos pré-socráticos, tais como os pra­ticados por Pitágoras ao dividir uma corda vibrante em duas paradescobrir o princípio da oitava ou, do mesmo modo, o pragmatis­mo americano de Charles Pierce (1934), contribuíram para colocaressas dualidades em uma perspectiva adequada.

Kant (que estudou Direito) e Schopenhauer, e mesmo antes osUpanishades, focalizaram essa alternativa sadia à eliminação: ahumilde compreensão de que o caminho para o conhecimento éconsistente; que o hard problem envolve todo o conhecimen­to; e que é preciso o envolvimento pessoal e dedicação ao trabalhopara desemaranhar o nó do mundo.

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PARTE II

FILOSOFIA DAMENTE

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2Consciência, uma definição radical:o dualismo da substância soluciona oHard Problem

Richard L. Amoroso

Noetic Advanced Studies Institute, USA

Estou abrindo caminho por entre osterrenos sem trilhas do reino das Musas

Pierianas, onde antes ninguém jamaispisou. Que alegria é subitamenteencontrar fontes virgens e beber desuas águas. Que alegria é arrancarflores novas e colher para a minhafrente uma guirlanda maravilhosa decampos cuias flores nunca foramtrançadas pelas Musas ao redor dequalquer cabeça. Essa é minharecompensa por ensinar esses tópicossublimes, por lutar para livrar asmentes humanas dos nós apertados dasuperstiçõo e para fazer brilhar; emcantos escuros, o raio brilhante de

minha cançõo que irradia tudo com ofulgor das Musas (Lucrécio, ca. 55 a.c.).

Resumo

A metodologia científica atual, ao descrever a consciência comoum Hard Problem que reduz a mente a processos nem"ais no cére­bro, parece incapaz de compreender a consciência devido a limi­tações na avaliação e na interpretação da necessária metafisica

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subjacente. Uma definição radical de consciência é apresentada apartir de uma "perspectiva noética" que incorpora métodos de in­vestigação científicos, filosóficos e teológicos, com isso amplian­do os limites da ciência para representar uma epistemologia com­pleta. A mente I'P" > é uma cosmologia quantificável fisicamenteque compreende três estados-base integrados. A natureza triúnadeste número da consciência é descrita em tennos de dois aspectos

complementares: 1) Inteligência Elementar I'P, > e 2) O Princípiode Ordenação Cosmológica l'Pc >. Esses estados interagem com océrebro definido como um aparato clássico IBI'Pb >da fenomenolo­gia; um domínio para interação mental no quantum local e no nívelunitário não local. Esse é o dualismo da mente e do corpo e que fi­nalmente fornece uma resposta às críticas de que o dualismo desubstância cartesiano está além dos métodos empíricos da fisica. Apostulação de uma base fisica para a mente prepara o terreno paratestar experimentalmente o modelo interacionista. A mente tempropriedades de campo quântico e depende de um campo noéticounitário não local para mediar a interação com o cérebro. O bósonmediador é chamado de Noeon. Esses componentes da consciênciainteragem com o cérebro no nível dos microtúbulos docitoesquele­to e de outras estruturas de escala nanométrica tais como a fenda si­

náptica ou os canais iônicos onde sabemos que ocorrem os efeitosquânticos. O pensamento é descrito como um esvanecimento dinâ­mico local de energia consciente, que se propaga continuamenteatravés dos estados tribásicos por mediação do "campo noético vi­tal" quantizado, auto-organizado e não-local. A dinâmica dos esta­dos-base integrados forma uma hierarquia de projeções subespaçoHD, também envolvida na formação de 3(4)D espaço-tempo darealidade habitual. Um modelo preliminar para a "luz da consciên­cia" ou noeon é apresentada com uma descrição rudimentar da psi­coes/era - o limite total da mente consciente individual.

Introdução

A consciência só foi definida através de generalizações poucoconvincentes pertinentes aos vários campos de trabalho ou para sa­tisfazer as necessidades de um pesquisador específico. Além disso,

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essa nomenclatura refere-se principalmente ao conteúdo da cons­ciência e não à própria consciência, principalmente porque a natu­reza da consciência ainda não foi compreendida o suficiente para

permitir uma definição operacional. ~~ e~tanto, não é possívelprosseguirmos com os estudos da conSClenClasem um modelo me­lhor para a formulação dessas investigações. Por esse motivo estecapítulo não aborda nem o conteúdo da consciência, nem seus esta­dos _ temas principais dos debates no passado e uma das razões

principais para que a consciência ainda esteja sem uma definiçãoadequada. Em vez disso, esboça-se aqui a base fisica fundamentaldo "nÚIDeno" da consciência, mediado por um campo no ético teleo­lógico vital e unificado como uma definição operacional para aju­dar a pesquisa. Essa formulação tem uma "perspectiva noética"que requer um passo evolucionário na direção de novas e radicaisfronteiras da epistemologia ao exigir uma abordagem ontológicamais holística para o estudo da mente.

Écerto que as primeiras dúvidas do homo sapiens no despertardo ser humano estavam relacionadas com a natureza da consciên­cia. A explicação para essa questão fundamental da existência per­maneceu elusiva durante milênios; a lacuna se ampliou com a se­paração entre o empirismo científico e a epistemologia teológicaocorrida há uns trezentos ou quatrocentos anos com a revoluçãode Galileu. Mas a ciência e a teologia não são mutuamente exclu­sivas, apenas pólos opostos de um amplo espectro de possibilida­des para a compreensão humana. Nunca houve uma teoria "real"de dualismo/interacionismo; apenas generalizações filosófi­cas/teológicas não satisfatórias para os mais pragmáticos. O dua­lismo de substância noética nos oferece um modelo abrangente etestável empiricamente que "fisicaliza" a mente. Isso sugere queuma "metafisica empírica" seja uma possibilidade prática; e iráromper a barreira entre a 3U e a lU pessoa. Hoje, após décadas deser jogado nos mares da inefabilidade e fustigado pelos ventos daevasiva (as faculdades universitárias não tinham autorização parasequer mencionar o termo "consciência" seriamente), parece queum consenso para tentar entender a consciência finalmente ga­nhou corpo. A literatura recente mais conhecida (Freedman,1994; Horgan, 1994) coloca a consciência na lista das grandesq.uestões não respondidas e a considera um dos maiores misté­nos da ciência. "Será uma das conquistas de que mais nos orgu­lharemos se conseguirmos desmistificar a consciência" (Flanni­gan,1992).

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o Simpósio de Atenas sobre Ciência e Consciência concluiuque "A ciência fez muito pouco progresso no entendimento do fe­nômeno, ou mesmo em decidir sobre o que ele é" (Josephson &Rubik, 1992). A importante conferência de Tucson utilizou umaabordagem interdisciplinar mais promissora, mas a busca cruza osmais diferentes ramos da ciência que acham dificil a comunicação.A conferência de Arizona terminou definindo consciência como

"um problema dificil" (Hard Problem): "não há nada mais dificilde explicar" (Chalmers, 1995; 1996). Hard Problems sendo aque­les nos quais o progresso da ciência é quase impossível; mas na his­tória da ciência "problemas dificeis" surgem normalmente quandoos princípios subjacentes não foram bem compreendidos. É nossaintenção aqui mostrar que o modelo adequado para definir a cons­ciência revela que ela não é assim um problema dificil tão inexpri­mível. É claro que os problemas científicos fáceis muitas vezesconstituem um desafio. Os estados-base que compreendem a cos­mologia noética da consciência sãofisicos e, portanto, abertos à in­vestigação empírica. Isso remove o erro de categoria da atual abor­dagem à filosofia da mente que indaga "que processos no cérebrodão origem à consciência". São os aspectos extracorpóreos não-lo­cais que são pré-requisitos essenciais.

Um esforço considerável vem sendo feito para trazer os estu­dos sobre a consciência para a linha de frente. No entanto, aindaexiste uma séria preocupação de que a própria base da ciência pre­cisa ser rompida e reformulada para incluir nela uma metafísi­ca mais ampla (Harman, 1991; James, 1912; Amoroso, 2000) quealcance a ontologia mais profunda do llúmeno da consciência. Anoética (do grego antigo nous, que significa mente), uma disciplinaque abrange ciência, filosofia e teologia, oferece um modelo para asolução potencial. A interpretação padrão da Teoria Quântica cha­mada de interpretação de Copenhague, que surgiu com Bohr e ou­tros na virada do século passado, é uma interpretação epistemoló­gica. Fundamenta-se em uma abordagem fenomenológica ou natu­ralista darwiniana na qual a realidade é baseada em uma medida euma observação que são feitas à medida que aquela realidade écompreendida pela mente do observador. Mas, no final das contas,a realidade é mais complicada do que se aceita atualmente. Umunitarismo mais profundo não disponível correntemente devido aoproblema da mensuração (Amoroso & Martin, 1995) exige uma in-

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terpretação ontológica da Teoria Quântica que vá além do modelopadrão. Essa teoria mais ampla precisa também incluir a não-loca­lidade, não apenas os tipos I e II como descritos pelo modelo pa­drão, mas também um tipo de não-localidade III do campo unitário

(Kafatos & Nadue, 1990) que é considerado obrigatório para en­tender a cosmologia da consciência e da mente. Einstein disse quetoda a fisica baseia-se unicamente em dois únicos sistemas de me­dir: o da duração e o da extensão (Amoroso, 2000). Nós estamosembebidos nesses modos de medir, e somos feitos deles. Isso é par­te do motivo para o princípio de incerteza. A ciência limitou-se a"observar" unicamente o fenômeno percebido; não o númeno sub­

jacente - ou a coisa propriamente dita atrás do "véu da realidadeperceptual" em cuja progressão temporal nós surfamos.

1. Os problemas da ciência

Com relação ao potencial para progredirmos, a discussão pare­ce envolver três arenas principais:

1) Continuar usando os métodos extremamente bem-sucedidosda ciência como estão, como vimos fazendo durante os últimos sé­culos, na expectativa de descobrir variáveis ocultas ou até que algu­ma nova descoberta radical rompa os dilemas atuais e impulsione ascoisas para adiante. Essa é uma posição de poder aparente porquemesmo nos períodos mais negros a ciência sempre acabou se salvan­do com enorme sucesso ao descrever o mundo material. No entanto,é altamente provável que esse método de progredir seja finito e quetenhamos alcançado limites de medida com respeito ao materialis­mo redutivo. Além disso, como mencionei brevemente acima, aciência não progrediu muito na compreensão da mente e provavel­mente precisa ser refonnulada para abordar essa tarefa.

2) Físicos matemáticos, como Roger Penrose, propõem umaciência de não-computabilidade para solucionar o problema. Pen­rase ainda não foi capaz de definir plenamente o que significanão-computabilidade; mas certamente resolvendo o problema da

d.efiniçãa da computabilidade das interações de probabilidade se­na um passo significativo para a compreensão da natureza da razão

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que parece não-computável devido a sua natureza não-linear e acau­sal (Penrose, 1994).

Já surgiu alguma esperança com a descoberta da ordem oculta

na teoria do caos. Embora promissor em muitas áreas o caos pareceser um artefato da transição entre causalidade e acaso, marcando olimite entre descrições da mecânica clássica e quântica, e somenteum ponto de entrada superficial na ontologia mais profunda do uni­verso consciente. O estocástico emerge na interface em que nossatemporal idade "surfa" diante da eternidade. Existe um processo deredução dimensional contínuo; e os efeitos estocásticos no caosdo vácuo de Dirac representam os graus extras de liberdade ne­cessários para conter e processar teleologicamente nossa realidade(Amoroso, 2001).

Com o cancelamento do Superconducting super collider e acerteza de que os aceleradores de partículas de tamanho galácticonão vão surgir, fisicos foram obrigados a buscar alternativas para"a grande ciência". Cline (1994) fala de caminhos de baixa energiapara observar fenômenos altamente energéticos. Ao examinar cor­rentes neutrais que mudam de sabor (algumas das quais foram ob­servadas recentemente) reações que eram proibidas pelo modelopadrão podem ser observadas. A terceira família dos quarks e lép­tons foi completada recentemente com observações do quark topoCom um super conducting super collider superior uma quartafamília poderia ser observada, se existir. Mas partículas cada vezmais pesadas na hierarquia quark-Iépton têm mais probabilidadede ser uma metáfora para a estrutura espaço-tempo semelhante aoprocesso de estimular os elétrons para que galguem a hierarquia deníveis energéticos no modelo do átomo de Bohr, assim produzindouma imagem inversa e ilusória do quadro da realidade profundaque estamos realmente procurando. Em palavras mais simples, atémesmo um acelerador de partículas do tamanho do universo não

pode penetrar no campo unitário. Esse método epistemológico domodelo padrão tenta utilizar uma força irresistível contra um obje­to impassível. O caminho para a ontologia unitária passa pela sin­cronicidade e não pela medida do estado, destrutivo.

3) Postergar a incorporação inevitável da subjetividade comoferramenta é de uma inutilidade pueril e dogmática. Esse problema

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não pode ser ignorado simplesmente porque é dificil e tradicional­mente repleto de problemas. Como diz Searle (1984), "a existênciada subjetividade é um fato objetivo da biologia". E mais, "se o fatoda subjetividade contraria uma certa definição de 'ciência' , então éa definição e não o fato que devemos abandonar". A maneira comofunciona a experiência subjetiva é a essência da questão que os es­tudos da consciência desejam investigar; insistir que ela não temum lugar na caixa de ferramentas é absurdo. Precisamos elaboraruma metodologia adequada que satisfaça os controles exigidos

pelo empirismo. Por definição a ciência baseia-se no empirismo;mas se algo obviamente existe, ele não pode ser veementemente ig­norado apenas porque momentaneamente a metodologia adequadanão está disponível. Mas essas são, é claro, as alternativas do dile­ma. A ciência está como está devido à teimosia e à mente estreita

de teólogos em posições de poder. Hoje a ciência tornou-se equiva­lente ao próprio Leviatã.

2. O dualismo de substância - Interacionismo

A posição de Descartes, no século XVII, de propagar o dualis­mo da mente e do corpo que lhe havia sido revelado por Deus (Ke­fatos & Nadeau, 1990) durou até hoje porque a intuição inerenteestabelece que o selfé separado do mundo. Tem também a ver coma natureza acausal da racionalidade ou livre-arbítrio, em oposiçãoao determinismo evidente no universo externo. A violação da se­gunda lei da termodinâmica e do fluxo da entropia nos sistemas vi­vos e a fragilidade de nossa percepção da realidade em comparaçãoà inefabilidade ou descontinuidade de suas origens no cérebro de­monstra a inadequação de nosso pensamento atual. O dualismo desubstância afirma que a mente tem uma existência independente docorpo, mas age de acordo com ele (Pagels, 1988). Tradicionalmen­te além da fisica, porque, por definição, somente quantidades men­suráveis existem, essa perspectiva levou a maior parte dos cientis­tas a acreditar, erroneamente, que o cérebro é igual à mente. Comoo cérebro é um objeto fisico, cientistas acreditaram que o cérebro éa base para a elaboração de uma teoria fisica da mente.

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A crítica ao pensamento atual refere-se aos limites da investi­

gação que é restrita por sua base metafisica míope. A ciência se en­quadra na definição básica de uma teologia devido a sua rígida ade­rência a seus princípios. Essa heresia não é um apelo para que aciência abrace uma filosofia a priori; desde Galileu, aprendemosbem o valor do empirismo. Mas as limitações finitas que envolvem

o problema de medida e a necessidade de uma abordagem mais on­tológica em vez da atual, epistemológica, sugerem fortemente quevoltamos ao ponto de partida, onde é hora de exigir outro passoevolucionário para melhorar: 1) A capacidade de fazer perguntasbásicas e empíricas e 2) As técnicas para a coleta e avaliação de da­dos que aceitem inputs em termos ontológicos ou subjetivos ouambos. É provável que não haja alternativa a não ser integrar umaciência com base noética para que possa haver progresso. A filoso­

fia perene, atribuída a Kant e outros, afirma: 1) A divindade existe;2) é reconhecível; 3) fornece um caminho para encontrá-Ia (Smith,1989). Os beneficios da utilização da filosofia perene incluem uminsight sobre a natureza da verdade absoluta (Kimball, 1978) quepromete uma bússola mais eficaz para testar a realidade; e um in­sight sobre a utilidade da subjetividade ao desenvolver uma meto­dologia aceitável para instituir o empirismo radical de James (Ja-mes, 1912).

Aspectos das premissas que se seguem baseiam-se em "umaperspectiva no ética" utilizando elementos da modalidade cartesia­na (instituição e verificação por revelação ou insight meditativo).Eles são introduzidos de forma axiomática como um apelo ousado

para que essa hipótese seja testada. É preciso enfatizar que a utili­zação da "modalidade cartesiana" não tem que interferir com opragmatismo do método empírico. É apenas uma fonna de econo­mizar tempo; se um modelo correto é "adivinhado", economizan­do centenas de anos de busca, ainda assim ele terá de ser verificado

experimentalmente. A distinção que Descartes faz entre res exten­sa e res cogitans não foi testada. E se, no final, isso acabar sendo omodelo correto como está sendo apresentado aqui, será tão surpre­endente assim que tão pouco progresso tenha sido feito, se nin­

guém procura no lugar onde se esconde a resposta?

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3. O enigma da atual nomenclatura

O uso contemporâneo do tenno consciência nos dá uma des­crição inadequada e confusa, que se refere, principalmente, ao con­teúdo abstrato da mente, que inclui processos psicológicos e feno­menologia sensorial. O tenno "consciente" é usado como o proces­so de estar alerta. A consciência é o estado alerta, e o estado deconsciência é a totalidade dos processos mentais (Chaplin, 1985;Dorland, 1982). Esse estado total, quando inclui o presente e o pas­sado, é usado como um sinônimo de mente. Definições mais elabo­radas do vernáculo das várias disciplinas acabam levando à mesmatautologia. Como nos informa Penrose (1988), isso exibe tonalida­des do paradoxo de Godel: uma coisa não pode ser descrita em seuspróprios termos.

Precisamos livrar-nos desta flatland (terra plana) (Abbott,1884) de raciocínio circular e míope se quisermos encontrar aconsciência. A estrutura através da qual o modelo padrão está bus­cando a teleologia da consciência toma essa descoberta impossí­vel; especialmente quando se despreza um componente teleológi­co de um universo consciente. As descrições fenomenológicas sãonegligentes quando delineiam o númeno da consciência, nem sãoelas capazes de fazê-Io. O interacionismo fisico nos diz que existeum númeno da mente; atualmente uma abordagem radical nos cír­culos científicos onde a regra geralmente aceita da neurociência re­ducionista e emergente ainda presume que a mente não existecomo um "objeto" e só é investigada como qualidades abstratasque surgem dos estados cerebrais.

4. A complementaridade da consciência

O númeno da consciência tem dois aspectos complementares.Todas as qualidades da mente se originam de uma dessas raízes, oude ambas, que em termos de funcionamento estão integradas aocérebro e ao corpo fisico. Primeiramente a inteligência elementarsignifica a primeira demarcação ou limite perene de qualquer self

ou unidade individual. Em segundo lugar, um princípio cosmoló­gico de consciência preenche e ordena a imensidão do espaço.

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As disciplinas teológicas dizem que existe uma raiz e uma ra­mificação na alma (Smith, 1833). A alma é aqui definida como oespírito no corpo, o que, é claro, tem conotações tanto temporaisquanto eternas. O espírito é um quantum de ação baseado em bó­sons. Uma primeira impressão poderia imaginar essas qualidadescomo os pés firmados no firmamento da Terra, e o corpo e os mem­bros estendidos no arouno espaço, como oramo, vibrando no espí­rito que preenche a imensidão. Esta seria uma perspectiva ingênua.A tradição médica oriental diz que os intestinos - ou o umbigo ­são significativos enquanto local de entrada da força vital. Mais es­pecificamente, no vaso meridiano de governo, a entrada da vidaestá na base da coluna. Como será discutido mais adiante, inicial­

mente os gregos pareciam acreditar que a "cabeça" como sede dasemoções estava centralizada no seio. As filosofias védicas india­nas falam de centros de energia semelhantes, os chacras. Pareceque o cérebro pode ser uma raiz ou local de entrada da força N(f) docampo noético da consciência, um nodo para transferir os dadossensoriais para a mente; e que o tradicional complexo coração-in­testino chacra-meridiano são nodos importantes para a ramifica­ção ou saída no ciclo do fluxo da consciência. Querendo dizer comisso que o cérebro é somente uma porta para a mente e não contémou dá origem a ela como as abordagens materialistas exigiriam.Isso confundiu a verdadeira função do cérebro e criou obstáculospara qualquer progresso genuíno no estudo da natureza da cons­ciência. Para provocar a maioria dos cientistas neoclássicos que seopõem vigorosamente a esse conceito, chamemos o cérebro deuma verruga gigante infestando a cabeça - o que é basicamente oque os gregos pensavam há milhares de anos. Quando isso foi su­gerido a John Searle (1994) ele respondeu que "Nós agora sabemosmais que os gregos, ora, nós sabemos até mais que Aristóteles".Apesar do humor de Searle, aceitamos a importância de seu argu­mento, mas a verdadeira natureza da consciência irá revelar queambos aspectos são importantes e necessários para o funciona-·mento da mente. Se a mente não é um estado do cérebro emergentee, como foi dito, o cérebro é, ao contrário, um local de entrada paracampos de consciência primários e não locais, qual é, então, a fun­ção do cérebro e qual o motivo de sua complexidade? A resposta

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mais simples é que ele controla o corpo, a difícil é que ele mantém auniformidade da realidade.

Uma onda estacionária não é uma conceitualização verdadei­ra, mas pode ser usada como metáfora para ilustrar o argumento. Oponto de vista apresentado s~gere que o cérebro material é um ins­

trumento transiente temporal que modula os aspectos atemporaisda mente numênica e da consciência. Nossa cultura genética ou in­

consciente coletivo fez com que nos acostumássemos à miragemde 3(4) dimensões que chamamos de realidade. Sabemos bem quea musculatura, mesmo quando não está em atividade, está constan­temente preparada para disparar, em um ponto equilibrado de ex­tensão e contração. Inúmeros autores em uma miríade de subdisci­plinas relatam efeitos somáticos da mente. Não podemos deixar de

aceitar que uma grande quantidade de processamento ocorre per­manentemente em um cérebro relegado à função corporal e ao pro­cessamento neurossensorial. No entanto, há dois aspectos na metá­fora da onda estacionária. O cérebro-corpo é um processador entrea temporalidade e a atemporalidade. A tarefa corporal é semelhan­

te à função última do cérebro. O corpo atua como uma garrafa mag­nética para acoplar e dar uma base para a onda estacionária da reali­

dade percebida e para abrigar, temporariamente, a alma. Nós pen­samos o corpo como um veículo para a locomoção, mas é provávelque essa outra tarefa seja mais importante - a raiz e ramificação denodos RI e R2 de uma onda estacionária que permite que a cons­ciência numênica seja projetada, por assim dizer, para dentro docomplexo corpo-mente. É provável que oscilações hemisféricastambém façam parte desse mecanismo. O espaço-tempo e todos osátomos estão infundidos com esse campo noético. Portanto, o cor­po inteiro, e não somente o cérebro, é parte da mente.

Nosso atual estado evolucionário faz um uso mínimo da per­cepção interior. A maior parte do trabalho do cérebro no processa­mento da consciência é utilizada em modulação sensorial externa.

Não é necessário que isso seja assim, e isso é uma boa razão para anecessidade de uma ciência subjetiva. Existem dois níveis de fun­cionamento cerebral: 1) A: regulação cérebro-corpo; B: modula­

ção sensorial cerebral; e 2) A: integração cérebro mente; B: regula­ção cerebral da consciência. O próximo passo é fazer um uso maisou menos igual dos complementos de nossa inteligência interiores

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e exteriores, atemporais e temporais, locais e não-locais - opsi nãoé "extra-sensorial" mas utiliza os mesmos sentidos acoplados auma ontologia mais profunda. Portanto, não é um sexto sentido esim uma acoplagem implícita em vez de um uso exterior explícitodo mesmo aparelho. Isso é vagamente parecido com comer versusjejuar. Quando comemos, extraímos os sucos do estômago que fo­ram ingeridos para obter energia, mas quando jejuamos há umamudança de circuito no local de acoplagem interior e passamos aextrair energia dos estoques interiores do corpo. O campo noéticopode estar acoplado à realidade externa ou não acoplado e voltadopara dentro através da meditação. A acoplagem externa obedece aoprincípio de exclusão Pauli e estimula a individualidade através dobloqueio do estado descontínuo colapsado. A acoplagem internaestimula a unidade através da sincronicidade. Tal mecanismo está

oculto dentro dos seres humanos aguardando o momento de ser rea­lizado mais plenamente, e generalizadamente, não só para indiví­duos iluminados, raros e aleatórios, mas sim representando um es­tágio evolucionário profundo para a humanidade, tão importantecomo a fronteira entre o macaco e o homo sapiens. Talvez seja o mo­mento de criar um clube para lucis sapiens (Amoroso et aI., 2002).

Do ponto de vista científico, esse trabalho ainda é bem dificil,mas a arena filosófica já está preparada e a integração da teoria ho­lonômica do cérebro com os efeitos quânticos no soma cerebralestá começando a fazer progresso. O verdadeiro salto começaráquando a ciência finalmente escapar da deificação do cérebro edescobrir que existe um princípio teleológico governando um uni­verso consciente.

5. Inteligência elementar

A inteligência elementar como uma unidade base da mentefornece um padrão de referência para a individualidade e existefora do espaço-tempo e dos limites da realidade fenomenológicarestrita ao espaço Minkowski observado. Sabe-se que esse limite,embora atualmente seja em terreno indefinível que ainda não pos­sui uma base empírica e espera pela quantização do vácuo e umacompreensão mais profunda da não localidade para abrir o cami-

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nho para uma explicação, existe apenas através de uma percepçãonoética. O complemento implícito está localizado mais além das

mais elevadas dimensões compactadas do espaço, no domínio pri­mal do númeno envolvendo a inteligência elementar individual.Em poucas palavras, se a inteligência individual não tem um cam­po definido, isto é, não está delimitada de alguma maneira, ela nãopode existir com qualquer conotação de individualidade. Parece

que temos tantas coisas atrás da cortina da realidade quantas as quevemos diante de nós.

Primeiramente, a individualidade deve ser separada do um emalgum nível, pois unidade absoluta é, mais uma vez, nada, e o nadanão tem limites nem pode existir por sua própria definição. Pois até

mesmo a demarcação do nada propriamente dito exige sua qualifi­cação por algo existente que lhe dá existência. Isso também não é

entendido como no sentido abstrato do vermelho, por exemplo.Embora ao vermelho não se atribua "ser uma coisa" ele tem exis­

tência na percepção dos sentidos e, portanto, não pode ser apenas"nada". Esse é o conteúdo abstrato da consciência muitas vezesconsiderado sem importância. No entanto, segundo as normas da

Teoria do Campo Noético (Amoroso, 1998), a idéia, ou percepçãodo vermelho, é uma configuração numenal fisica do campo noéti­co, codificada com informação. Portanto, a abstração pode agoraser relegada à tangibilidade; assim é que a barreira entre a 3a e a 1a

pessoa será venci da. Em séculos anteriores, a tabela periódica doselementos químicos foi detalhada; agora começa o mapeamento damétrica noética numenal dos elementos mentais!

Em segundo lugar, sem alguma forma de separação da unidadenão há qualquer auto-identidade. Sem essa identidade ou limitesqualquer coisa desapareceria na unidade ou no nada, como disse­mos antes. No sentido filosófico pleno, a unidade "absoluta" é o

nada, não pode existir e não pode ser compreendida. Além disso,esse complemento da inteligência elementar é fixado não local­mente e estimula a separação essencial para a individualidade.

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às diferenças funcionais e de domínio e ao fato de que o númeno daconsciência é um estado complementar tanto da unidade como dadesunião. Esse é o ponto-chave: e também porque um monismo es­piritual absoluto não é intelectualmente atraente. Somos aspectoscomplementares tanto da unidade como da separação.

O aspecto cosmo lógico da consciência existe em toda a maté­ria e é em si mesmo um material puro que obedece às estatísticas deBose. No entanto, como os fótons ordinários de Bose se originamem geometrias atômicas acopladas às propriedades que terminamno espaço Minkowski, ospsychons de base noeons se originam nasgeometrias pré-espaciais de quiralidade projetiva que seguem asvárias linhas nulas resultantes. Nesse sentido, não "verdadeiras"ou mensuráveis no espaço Minkowski. Néons noéticos são confi­nados como os quarks - e por essa razão não são mensuráveis pelosmétodos normais da fisica e pela mesma razão é necessário umaextensão ontológica de QT rompendo a incerteza.

A consciência permeia os átomos, é o poder organizador maisprofundo do que a gravitação que controla o universo, causa a gra­vitação e o fluxo do qual surge a vida (A gravitação é causada pelomovimento do espírito). A vida vegetal não parece fazer uso diretoda inteligência elementar, e sim unicamente do princípio de orde­nação cosmológica e do estado Fermi. A suscetibilidade às sensa­ções é resultado da integração autopoiética da inteligência elemen­tar e cosmológica. Essa estrutura holística básica incorpora as or­dens implícita e explícita descritas por Bohm.

MatériaTipo 11

Pregeometria Twistors Spinors Strings Quarks(curvadores)

Noumenons

Transições caóticas

Corrente Não localidade Complementaridade Não localidade Condensação Boseepistemológica Tipo 111 profunda

A estrutura hierárquica do universo conhecida em termos da mente,

começando com a holopaisagem cerebral e atravessando a matriz Heisen­berg, a sede da interação mente-corpO através do condensado Bose-Eins­tein da Transição FQB para o númeno de não localidade onde a fronteiraatemporal da inteligência elementar é acessada através do psychon esca­lar essencial para a teoria holonômica de Pribram.

Gravidade Quântica

Projetor dimensionalTwistors Spinors Strings Grupo de fibras QuasipartículasTipo I

Eternidade Gravitação Espaço Twistor Pré-espaço Espaço-tempo Cérebro

Atemporalidade Vácuo Zero

Gravidade cosmo lógica Quantização do vácuo Flutuações do pontoFermions psychons

(acoplados ao vácuo)~

neurõnios~

,,'- 'J \.J t' -~r--- (\. dendrons

'.) )9 a hOlosca~e" (l o Mt's

C:J ~ ....f' ~Bósons

(acoplados ao projetor O)

Matriz Heisenberg

7. A consciência tem qualidades substantivas

6. A consciência é um princípio universal

O segundo complemento da consciência é um princípio cos­mológico que preenche e ordena a imensidão do espaço e fornece oelan vital ou faísca da vida, além de ser também a luz da mente. Emcontraste com a inteligência elementar acima, este aspecto não éfixo, pois representa fluxo e promove a unidade. Essa é a raiz doproblema mente-cérebro. Embora o interacionismo pressupostoaqui tenha uma base fisica, em oposição à sua intangibilidade defi­nida historicamente, é concebível que desenvolvimentos futurospossam indicar que a mente e o corpo são compostos do mesmomaterial, à medida que a natureza da matéria for redefinida (Wolff,2001); mas a diferença entre mente e corpo ainda existiria devido

A consciência não é um conceito abstrato imaterial e sim umnúmeno fisico. Essa idéia surgiu com os atomistas gregos princi­palmente Demócrito em 500 a.C. e Lucrécio em 55 a.c. que acredi­tavam que o universo era composto de átomos de tamanhos dife­rentes. A visão científica teve início com Descartes no séculoXVII; mas na época moderna, conceitos sobre uma substânciamental separada (dualismo de substância) foram considerados iló­gicos e em conflito com a suposta ordem científica. Hoje em dia, amaioria dos cientistas acredita que a mente é de natureza material(Searle, 1992), mas que essa materialidade é equacionada unica­mente com o cérebro, miopicamente deixando de lado a cosmolo­gia noética mais profunda e essencial. No entanto, é preciso que fi-

I\!.I:!

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que totalmente claro que esse materialismo biológico que sugereque os fenômenos mentais podem ser reduzidos à neurofisiologiacerebral, à emergência ou à bioquímica quântica está incompleto.Somente quando esse conflito for solucionado é que o verdadeirotrabalho sobre a consciência irá começar.

A consciência não é um estado cerebral, epifenômenos, umprocesso emergente ou um algoritmo heurístico. O númeno daconsciência é uma cosmologia material distinta por si mesma. Osgregos achavam que:

"O que posso chamar de cabeça e a força dominante no corpointeiro é aquele princípio orientador que chamamos de intelecto.Esse está firmemente localizado na região central do seio. Aqui é olugar onde o medo e o susto pulsam. Aqui se sente o toque carinho­so da alegria. Aqui então é a sede do intelecto e da mente" (Lucré­cio, 55 a.C.).

A lógica de Lucrécio é a mesma lógica usada pelos "adorado­res do cérebro" de hoje. Assim como a terra não é o centro do uni­verso, tampouco o cérebro é o centro da consciência. "É um dos er­ros mais comuns considerar que o limite de nosso poder de percep­ção é também o limite de tudo que existe para ser percebido" (atri­buído a C.W. Leadbeater). Não podemos culpar os gregos ou osneurocientistas atuais; temos uma tendência inata a aceitar o quevemos originalmente. Mas é preciso irmos mais fundo.

8. A sutileza do cérebro

O cérebro é um mecanismo clássico que atua como um pro­cessador para a fenomenologia somática e sensorial com com­plementos mentais numenais de inteligência elementar e princípiocosmológico. O que temos de mais certo no momento sugere queos eventos quânticos no microtúbulo e em outros objetos de escalananométrica são suficientes para processar a quantidade necessá­ria de informação para satisfazer as necessidades da consciência.Os estados conformacionais do dímero da tubulina estão acopla­dos aos momentos do dipolo de Van der Wall. Cada estado confor­macional poderia representar um bit para o intercâmbio de informa­ção (Hameroff, 1990).

Existem vários tipos de microtúbulos no citoesqueleto que pare­cem ter características complementares tais como subunidades bási-

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cas e ácidas da tubulina. Descobriu-se que o dímero polipeptídio datubulina tem sete espécies alfa e mais de dez espécies beta. Outrasdiferenças incluem uma taxa de turnouver com variância, dinâmicaou estável. Os microtúbulos estão envolvidos em uma ampla varie­dade de funções celulares. Eles formam os fusos durante a mitose e ameiose, o corpo citoesqueletal desempenha um papel fundamentalna morfologia celular, os microtúbulos ajudam a movimentação emantêm locais da superficie celular tais como as cápsulas receptoras(Schulze, 1987; Webster, 1987; Cleveland, 1985).

Os microtúbulos não detêm todo o processamento da informa­ção dos estados mentais. Há um sistema integrado de processa­mento de dados que inclui o DNA, a topologia celular, os microtú­bulos, cAMP e água (Koruga, 1992), não apenas no cérebro, mastambém acoplando o campo noético através de todo corpo modula­do pela dinâmica muscular, pelo pensamento e por outros proces­sos da psicoesfera (Amoroso & Martin, 1995; Amoroso, 1998).Para uma discussão mais completa do citoesqueleto veja referên­cias de Hameroff & Koruga. Aqui não chegamos nem a começar adiscutir os aspectos adicionais da psicoesfera incluídos no "in­consciente coletivo" de Jung.

Estado.alta ••

Estado nbeta UA. Dímero da tubulina

B. Segmento do microtúbulo

A: As configurações alfa e beta dos dÍmeros protéicos da tubulina for­

necem um modelo de estado de bits para o processamento de infonnaçãono nível quântico nas estruturas celulares. B: Segmento de um microtúbulo

composto de anéis de tubulina. Os de cor escura representam a ordenaçãoconfonnacional como dados de modelos 1/0 em estados quânticos ativoscOmo uma base para a dinâmica da consciência ao nível cerebral.

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9. Um modelo para reflexão

Qualquer teoria completa da consciência deve explicar de ma­neira adequada o problema do conexão na interface mente-cére­bro. O problema de conexão é uma questão simples na Teoria doCampo Noético. Os princípios da Teoria de Campo Noético (Amo­roso, 1998) sugerem que a mente IYM> é um estado com proprieda­des quantificáveis. Esse númeno da consciência é formado por trêsprincipais estados-base integrados: inteligência elementar IY. >,princípio de ordenação cosmológica IYc > e o cérebro definidocomo um aparato clássico IBIYb>' Os estados-base da mente intera­gem nos níveis quânticos e do pré-espaço, como descrito geral­mente na equação (2) ou como a soma representada em (1)

IyM>:d\Ye>+IY.>+IB\Yb> (1)

equação 2 onde N é os estados-base superimpostos

za Z.

IYM > == ( Ni \ IY,> (2)

A esfera para a atividade mental denomina-se psicoesfera. Aestrutura da psicoesfera é a conexão complexa, uma hiperestruturacontendo a totalidade da consciência e a abrangência de sua in­fluência. Isso significa tanto localmente, no cérebro e nos campos

corpóreos, como não-localmente no subespaço. A psicoesfera in­clui uma hiperesfera dimensional superior ou tesseracto para inte­rações não-locais. Esse é o domínio onde Bose pychons coerentescondensam e interagem com os estados Fermi dos microtúbuloscerebrais e outras estruturas quânticas como foi apresentado na se­

ção anterior. A mente, o pensamento e o cérebro têm característicascomplementares no sentido sugerido por Bohr. A complementari­dade no aspecto cerebral sugere que o pensamento seja uma quan­tização local da energia consciente, dinamicamente acoplada comuma matriz Heisenberg como um scanning raster operacional­mente ligado com coeficientes Fourier ao substrato biomolecularda holopaisagem no interior da psicoesfera (Amoroso & Martin,1995,1998; Pribram, 1991). Existem relatos dessa ocorrência coma condensação quântica dos correlatos Bose-Einstein no microtú­bulo (Hammeroff, 1990). Esses conceitos são esclarecidos melhoratravés da teoria holonômica do cérebro usando as relações de

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Fourier e Gabor (Pribram, 1991); e a Dinâmica Cerebral Quântica(Jibu & Yasue, 1995).

Do lado da mente esse sistema é superimposto com parâmetroscoerentes não-locais do númeno da consciência. Com esse modelo

em mente, presume-se que se a consciência é mediada por noeonstensores a principal singularidade do cone de luz é modulada poruma fase do campo do noeon twistor (curvador). O modelo twistorpychon-noeon depende também do desenvolvimento do modelode gravitação Sakarov (Puthoff, 1989) para a integração da relati­vidade geral e da gravidade quântica como uma flutuação do vá­cuo. O autor tem alguns trabalhos que mostram que o gráviton éuma forma de fóton confinada (Amoroso et ai., 1998).

São necessários novos trabalhos antes que o pychon-noeonpossa ser isolado. Como é que ele surge do campo noético unitário?Com o surgimento da não-localidade como um princípio da nature­za, e à medida que mais cientistas começam a compreender que ateoria do quantum está incompleta, a não-localidade que ocorrenas dimensões mais profundas do espaço-tempo deverá ser partede qualquer nova teoria.

Atualmente não existe qualquer consenso para o número de di­mensões, mas sabe-se que o espaço é quantificável e o trabalhocontinua para levar a cabo essa tarefa. Todas as partículas da maté­ria são transientes, criadas e destruídas devido a uma espuma departículas virtuais no plenum. É do conhecimento geral que as par­tículas Fermi (matéria atômica) são compostas de quarks. Nestenível, os pontos não existem e suspeita-se que os quarks sejamcompostos de objetos unidimensionais chamados de superstrings.Essa é a face do subespaço, a torre HD Kaluza - Klein ou espaçotwistor. Segundo a teoria, as strings são formadas de feixes de fi­bras ou pares de spinors. Os spinors são compostos de configura­ções de twistors que são as singularidades das quais o espaço é pro­jetado para representar nossa realidade observada. Uma boa visãogeral de alguns desses conceitos é fornecida por Peat, 1988. Váriostipos de twistors projetam bósons, grávitons ou férmions. Os bó­sons são atemporais e representam um aspecto da eternidade. Osférmions que obedecem ao princípio de exclusão de Pauli são rele­gados à temporalidade espaço-tempo.

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As dimensões ocultas são uma estrutura necessária que forne­ce um mecanismo para traduzir o domínio da fenomenologia tem­poral no númeno da eternidade. A incerteza fornece a lubrificaçãopara esse processo. Uma ciência de não-computabilidade é neces­sária para superar a incerteza, mas como o argumento desenvolvi­do acima sugere, é preciso a espiritualidade ou a unidade da não-lo­calidade através da ontologia da sincronicidade para que isso acon­teça. A metodologia da mensuração não pode ser invasiva ou des­trutiva como costuma ser a fonua normal de medição; ela precisaser uma ontologia - uma transformação ou superposição com o sis­tema ou estado, de tal forma que toda a informação seja comparti­lhada através da unidade. É dessa forma que a não-computabilida­de funciona e não existe o problema da conexão (binding problem)devido à mesma superposição inerente da ontologia subjacente donúmeno em um universo consciente.

Conclusão

A compreensão da mente irá fazer com que as próximas déca­das sejam as mais estimulantes na história da humanidade. Emborao conhecimento da natureza da consciência possa ser mais apavo­rante que a utilização da energia nuclear, em geral, os beneficiosserão muito maiores que os riscos. A psicologia finalmente pas­sará a ser uma ciência "dura" e a medicina sofrerá mudanças pro­fundas, com o fato de que etiologias até aqui incuráveis como adoença de Alzheimer (Amoroso, 1992) ou a colite começarão aser compreendidas e reclassificadas como doenças noéticas daconsciência (Osoroma, 2000). Uma ação mais profunda do queaquilo que é hoje considerado psicogenético ou psicossomático.A telepatia também será compreendida e sua dificuldade históri­ca será explicada. Novas formas de arte usando os "telecerebros­copes", aparelhos que permitem ver à distância as imagens mentaise de sonhosjá serão possíveis (Amoroso, 1994). Não parece que oser humano merece realmente conhecer a mente; mas como esseconhecimento é necessário para sua evolução, esperemos que aoportunidade venha a ser aproveitada da melhor maneira possível,à medida que, ao entrar no novo milênio, o ser humano dê esse de­safiador passo evolucionário.

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3Princípios fundamentais gerais naFilosofia da Ciência

Mihoi Drãgãnescu

Romanian Academy, Romênio

Menos Kofotos

George Mason Universily, USA

Resumo

A ciência atual não consegue explicar totalmente a vida, a mentee a consciência, e nem a natureza da matéria e a realidade em geral.Na tentativa de descobrir princípios fundamentais que possam ser

usados para guiar a ciência futura, apresentamos aqui uma explora­ção na filosofia da ciência. Os princípios fundamentais propostos es­tão em parte apoiados em fatos científicos, e em parte baseados emconsiderações filosóficas que extrapolam dados científicos recentesainda não incorporados ao sistema da ciência existente.

Introdução

Estamos envolvidos em um programa de pesquisa para uma

nova exploração das bases da ciência. Existem bons motivos paracrer que a ciência atual não só é incapaz de explicar totalmente avida, a mente e a consciência, mas tampouco pode explicar a natu-

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reza da matéria e a realidade em geral. A exploração da filosofia daciência que propomos é uma tentativa de encontrar princípios fun­damentais que serão usados para guiar a ciência futura. Emboranão estejamos desprezando as realizações extraordinárias da ciên­cia durante seu desenvolvimento nos últimos séculos, aqui damosênfase ao futuro.

Os sucessos da ciência são realmente extraordinários se consi­derannos seu desenvolvimento contínuo nos últimos séculos. No

entanto, acreditamos que a ciência atual precisa ser ampliada alémde seus limites presentes, e precisa também de um novo modeloontológico da realidade, uma nova filosofia da ciência, bem comouma revisão da metodologia para adequá-Ia às mudanças.

A incapacidade da ciência fisica de solucionar problemas rela­cionados com a natureza da realidade final e também de contribuir

para um entendimento da natureza da vida e da consciência podeestar indicando que, em vez de seguir caminhos diferentes na tenta­tiva de entendê-Ios, devemos considerar essas realidades em con­junto, como um todo indivisível. É possível que não possamos ex­plicar a vida, a mente e a consciência sem conhecer a natureza darealidade subjacente. Portanto é provável que seja necessário ex­plorar a estrutura básica dessa realidade subjacente. Uma aborda­gem axiomática como essa pode levar à pergunta: "é possível que aconsciência seja o nível subjacente fundamental mais profundo daexistência?", pergunta cuja resposta ainda parece estar fora do al­cance da ciência. Questões relacionadas, tais como "a existênciamais profunda possui os ingredientes necessários para a emergên­cia da vida e da mente como as conhecemos?"; ou, "qual é a relaçãoentre energia, substância e infonnação e os princípios da realidadesubjacente?" e assim por diante.

Quando observamos que, talvez, uns poucos princípios funda­mentais sejam a fonte de todos os esforços científicos e filosóficos,podemos ter a impressão de que existe o risco de que o reducionis­mo (um dos principais princípios operacionais da ciência moder­na) se reinstale nas novas abordagens filosóficas e científicas. Épreciso desenvolver uma abordagem fundamental para garantirque não há qualquer risco de reducionismo absoluto e completo.Na verdade, na exploração de princípios fundamentais podemosre-examinar se o próprio reducionismo é conseqüência de um prin-

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I"

cípio generalizado de simplicidade: um todo é composto de partesmais simples que produzem distinções. O reducionismo, então, se­ria a metodologia para explorar a distinção e os relacionamentos

que dela surgem.Podemos supor que a própria existência consiste de princípios

complementares em suas bases mais profundas. Podemos suporque das profundezas da existência um único universo (ou mundo)se manifesta (ou muitos universos se esses não estão conectados denenhuma forma) e pode manter uma conexão direta com os princí­

pios fundamentais originais e com os níveis subjacentes. Podemossupor também uma variedade de outras possibilidades, no sentidode também serem possíveis níveis diferentes de existência ou deuniversos. Assim, toma-se necessário um modelo ontológico danatureza total da realidade, um novo modelo que seja capaz de so­lucionar esses problemas e responder à necessidade de compreen­der modelos ontológicos precedentes, sejam eles filosóficos ou su­

geridos por cientistas, porque quase todos os modelos históricosrefletem alguma verdade parcial. E, é claro, a expectativa é que onovo modelo ontológico clarifique os limites da ciência.

1. Princípios fundamentais e teorias físicas

Princípios fundamentais são mais essenciais que as teorias fí­sicas (Kafatos, 1998 a). Mas, apesar disso os princípios fundamen­tais têm de depender de um modelo geral da existência e precisamser desenvolvidos de uma maneira sistemática. Consideramos quea existência inteira tem duas partes ou componentes principais:uma realidade subjacente profunda (Kafatos & Nadeua, 1990;

Drãgãnescu 1985, 1979/1997) e um ou mais universos, não conec­tados uns com os outros. Esses dois componentes não estão exata­mente separados, porque universos ou mundos nascem da realida­de subjacente profunda e mantêm contacto com ela. A realidadesubjacente profunda é uma matriz sobre a qual o universo se desen­volve; e o substrato do universo também é parte dessa realidadesubjacente profunda.

Vistas do interior de um universo específico, as leis físicas sãosobretudo formais, ou estruturais. As leis físicas da realidade sub­

jacente profunda são, por outro lado, principalmente semânticas

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em seu caráter (Rosen, 1988; Drãgãnescu, 1990; 1993; 1996).Nossa ênfase em principalmente é resultado da compreensão que arealidade subjacente profunda, como parte de um universo, intro­duz, por sua vez, a influência de suas leis semânticas para suple­mentar as leis físicas do universo, formais e estruturais.

A existência de tais processos no universo é confirmada peloreconhecimento em anos recentes de que o fenômeno mental daexperiência é, por si mesmo, uma realidade objetiva, que ultrapas­sa sua forma subjetiva de manifestar-se na consciência humana.Miahi Drãgãnescu (1985, usando o conceito de sentido mentalfenomenológico), David Chalmers (1995; 1996), Henry P. Stapp(1993), Willis W. Harman (1996), Yves Kodratoff (1996), J.G.Taylor (1998), Francesco Varela (1998), Richard Amoroso (1998),Menas Kafatos (1998) e outros mais reconhecem a existência obje­tiva do fenômeno experiencial e consideram que ele já não pode sernegligenciado pela ciência.

Para David Chalmers e Mihai Drãgãnescu, o fenômeno expe­riencial é um dos fenômenos fundamentais da natureza. Drãgãnes­cu, ao considerar seu caráter semântico, chamou-o de sentido feno­menológico, considerando que ele deve ser um fenômeno geral queocorre na existência profunda e que se manifesta em muitos pro­cessos da natureza, inclusive em processos físicos. As proprieda­des semânticas específicas do sentido fenomenológico lhe confe­rem o caráter de informação. Éclaro, essa informação é totalmentedistinta da informação estrutural e pode ser caracterizada comouma espécie de informação fenomenológica. Sem essa informa­ção, existente na natureza das coisas, nem a matéria nem a infor­mação estrutural fariam qualquer sentido. Por outro lado, o sentidofenomenológico tem de se manifestar através de uma dinâmicafísica específica em um novo tipo de realidade física, que podeser chamada, para todos os objetivos, de informatter (Drãgãnescu,1985, 1997/1979). Como a informação é tanto fenomenológica quan­to estrutural ela é, portanto, ontologicamente universal.

O modelo que propomos, como uma base dos princípios for­mativos fundamentais na filosofia da ciência, presumiria a existên­cia de uma realidade subjacente profunda e o reconhecimento doprimado do sentido fenomenológico que, no caso específico de fe­nômeno mental, pode ser chamado de experiência, tanto no nívelfísico como no nível informacional da realidade.

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Um modelo da realidade que reconhece o primado do senti­do fenomenológico é um modelo da realidade estrutural-fenome­nológico. Da mesma forma, um modelo da realidade que reconhe­ce a realidade subjacente profunda é um modelo ortofisico (Drãgã­nescu, 1985). A verdade sobre a existência e o primado da realida­de subjacente profunda (se decidirmos considerá-Ia como matériaprofunda ou como existência profunda) é inferida por forte evidên­cia científica e também por considerações filosóficas (Kafatos &Nadeau, 1990; Drãgãnescu, 1985).

Uma visão ortofisica da realidade tem de lidar com uns poucosdetalhes ou muitos deles na medida em que esses estão relaciona­dos com a realidade. Além disso, a expectativa é de que uma filoso­fia ortofisica da ciência irá, ao mesmo tempo, ser equivalente à fi­losofia da ciência estrutural-fenomenológica e estaria de acordocom as previsões e sucessos científicos sobre o universo fisico (ouestrutural). Isso é o que ocorre com a teoria estrutural-fenomenoló­gica ortofisica de um de nós (Drãgãnescu 1985, 1997/1979). Ade­mais, uma teoria estrutural fenomenológica da mente e da cons­ciência e com outras alusões, na medida em que está relacionadacom toda a realidade, foi apresentada por David Chalmers (Chal­mers 1995a; 1995b; 1996; veja também Drãgãnescu 1997b). Final­mente, o modelo recente, ainda em desenvolvimento, apresentadopor Richard Amoroso, relativo a uma teoria quântica do cérebro(Amoroso, 1997), que recorre a uma realidade subjacente profundacom alguns sugestões detalhadas relativas à sua organização, pro­cessos e fenômenos, também é um tipo de teoria ortofisica.

A seguir, examinaremos um grupo de princípios fundamentaispropostos para a existência total, para a realidade subjacente pro­funda e para o(s) universo(s) correspondente(s).

2. Princípios relacionados com a existência total

Aqui levaremos em consideração os seguintes princípios fun­damentais que se aplicam à existência total ou à realidade como foidefinida acima: complementaridade (P 1); a natureza fisica e infor­macional da existência (P2); as leis semânticas e as tendências dovir a ser (P3); auto-organização (P4); consciência fundamental daexistência (P5).

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2.1. Complementaridade

Tendo lançado seu princípio de complementaridade na mecâ­nica quântica, que serviu como um modelo lógico na construçãoconsciente da realidade, em Como, na Itália, em 1927, Niels Bohrcomeçou também a aplicá-Io a outras disciplinas, tais como biolo­gia e psicologia, abrindo caminho para uma interpretação ontoló­gica de seu princípio. Após o reconhecimento da realidade subja­cente profunda (Kafatos & Nadeau, 1990) e dos sentidos fenome­nológicos (fenômenos experienciais), a resposta para as perguntas"a complementaridade é fundamental?" (Kafatos, 1996) e "a com­plementaridade é uma marca que atesta a autenticidade do univer­so?" (Kafatos, 1996; 1998b) passou a ser que a complementarida­de é um princípio fundamental da estrutura do universo (Kafatos,1998a). Portanto, a complementaridade passa a ser uma catego­ria ontológica (Drãgãnescu, 1997a) e a própria existência toma-se"complementar" em suas raízes e em suas manifestações (Drãgã­nescu, 1998a). Com isso, temos:

A complementaridade é um princípio fundamental da existên­cia (Pl), que se aplica em todos os níveis, do nível da existênciaprofunda até os domínios quânticos e cosmo lógicos.

O princípio ontológico da complementaridade é inferido atra­vés de várias evidências e de dados recentes na ciência, baseadosno princípio de Bohr. Pode ser usado na moldura de um modelo on­tológico da realidade, como o que foi apresentado acima, para ob­ter teorias que possam ser verifica das por uma metodologia cientí­fica ampliada e adaptada às novas facetas da realidade.

A complementaridade se manifesta no comportamento total!parcial da realidade, nas propriedades energéticas/informacionaisda realidade profunda, na dualidade onda/partícula no universo,nos aspectos estruturais/fenomenológicos da consciência, nas pro­priedades locais/não-locais do universo, nos fenômenos contí­nuos/descontínuos, para mencionar apenas alguns.

A aplicação do princípio ontológico de complementaridadepode ser muito útil para a solução de algumas situações de impassena ciência atual. Uma dessas situações pode ser, por exemplo, o en­tendimento da vida, da mente e da consciência, que não podem sertotalmente explicadas e, na verdade, não podem nem sequer ser en-

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tendidas quando usamos somente os elementos estruturais reco­nhecidos pela ciência estrutural contemporânea. Para explicar eentender a vida é preciso tentar encontrar um ingrediente comple­mentar à parte estrutural de um organismo.

Na descrição do universo existem horizontes do conhecimentoresultantes da observação e horizontes teóricos do conhecimento(Kafatos & Nadeau, 1990; Kafatos, 1989). Ao abordar um hori­zonte de conhecimento, os dados resultantes de observações dispo­níveis "impedem que decidamos inequivocamente como esses tes­tes confirmam ou rejeitam modelos teóricos específicos" (Kafatos,1989). Esses modelos representam construtos complementares eo universo está, naquele horizonte de conhecimento, emergindocomo uma fronteira entre esses construtos.

Os horizontes de conhecimento estão presentes não só na cos­mologia, mas também em outros campos. Pode ser útil observarque um horizonte de conhecimento implica complementaridade ouem fatos naturais e/ou em explicações teóricas. Quando a expe­riência foi reconhecida como um fato objetivo, a ciência alcançouum horizonte de conhecimento para fenômenos mente-cérebro.Aqui está presente uma complementaridade estrutural-fenomeno­lógica. Complementaridades estruturais-fenomenológicas podemser encontradas também em outros horizontes de conhecimento,por exemplo, fenômenos vitais. Juntos, esses dois horizontes espe­cialmente, isto é, para a vida e para a mente/consciência, estão, atual­mente, a fronteiras da ciência, que se caracteriza por uma das com­plementaridades principais da natureza.

2.2. A natureza da existência

A afirmação a natureza da existência é tanto jisica quanto in­formacional (P2) é um princípio fundamental da existência. Esseprincípio contém a complementaridade das partes fisicas e infor­macionais, que estão manifestando a realidade total. Além disso, ainformação não pode existir fora do domínio físico (que, por si só,depende do aspecto informacional), a manifestação da natureza daexistência é sobretudo jisica (P2). A informação é contida no físi­co, embora ela possa se desenvolver de maneira independente, devárias formas, em inúmeras possibilidades, e possa influenciar ou

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guiar/comandar a parte física. Não há nada fora do físico, nemmesmo a informação.

O físico significa material, matéria, substância, energia. A ma­téria tem formas diferentes na realidade profunda e no(s) univer­soes) que se originam da realidade subjacente profunda. O conteú­

do da matéria no universo, que pode ser substância, espaço-tempo,campos, etc. é dado pela realidade profunda com sua própria infor­mação. Embora ela contenha uma consciência fundamental (prin­cípio P5 abaixo), de um modo geral, a matéria, com sua informa­

ção, é independente (Drãgãnescu, 1990: 85-90; 1993; 1996), ounão há nada fora da matéria. Não existem idéias imateriais fora do

físico, e nenhum ser fora dele. Pode-se entender que a concepçãodas idéias de P1atão aplica-se na interface entre um universo e a

realidade profunda, porque a última está fora do espaço e do tempo(vej a abaixo) e como sua informação não tem localizações espaciais,pode parecer que ela está fora do espaço do universo consideradocomo a única realidade material.

O princípio (P2) pode ser considerado como um princípio deum materialismo informaciona1 na filosofia. Isso realmente impli­ca dua1ismo - embora uma forma de dualismo atenuado - e não há

qualquer contradição fundamental entre a informação e a matéria,elas são apenas complementares.

Um aspecto importante da existência total é sua energia. Existeenergia na existência profunda com propriedades específicas. Po­demos chamá-Ia de orto-energia. A física quântica indica que o vá­cuo contém grandes quantidades de energia, que, de fato, é a ener­gia da realidade profunda e que pode se manifestar sob uma forma

adequada no universo. E todos os elementos quânticos (partículaselementares, ou supercordas, oup-branes e quanta de espaço) con­têm energia. A energia presente no universo é a base principal deSua dinâmica.

Portanto (Drãgãnescu, 1990; 1993; 1996), a energia é umprin­cipio universal ontológico da existência (P2a). Da mesma forma(Drãgãnescu, 1990; 1993; 1996), que a informação é um princí­pio universal ontológico da existência (P2b).

Por sua natureza a matéria inclui tanto energia quanto informa­ção e contém também uma consciência fundamental.

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l\tl\\~I

Na realidade subjacente profunda, a informação fenomenoló­

gica desenvolve-se através de processos físicos e compreende tan­to aspectos físicos quanto informacionais. A informação fenomeno­lógica é um sentimento, um tipo de experiência naquele nível, e en­volve conseqüências múltiplas: causa as leis semânticas fundamen­tais do vir a ser (veja parágrafo 3.3 abaixo); compreende a consciên­cia fundamental da existência; estabelece as leis físicas de um uni­verso por meio de processos não deterministas, ou através de proces­sos deterministas induzidos por uma consciência; e participa de fe­nômenos experienciais no universo. Em um universo, a informaçãotambém se transforma em estrutural (como informação digital) ouestrutural-fenomenológica (como encontrada em organismos, namente e na consciência). A informação é, portanto, uma realidadefundamental da existência, e a física pode acomodá-la como parteda ciência da física somente após o reconhecimento da existênciada informação (experiencial) fenomenológica.

2.3. Leis semânticas e as tendências do vir a ser

Os aspectos fenomenológicos da realidade subjacente profun­da, pelo menos os mais importantes, são, por natureza, equivalen­tes a leis semânticas porque dão as tendências da evolução (Drãgã­nescu, 1990; 1993; 1996). Essas são as leis mais fundamentais daexistência e o princípio das leis semânticas e as tendências do vir aser (P3) é um princípio fundamental. Robert Rosen expressou aidéia de que as leis da natureza podem não ser inteiramente sintáti­cas e podem ter componentes semânticos que "não podem ser for­malizados em uma maneira finita" (Rosen, 1988). A fonte das leissemânticas da natureza encontra-se na existência profunda, masessas leis são transferidas no universo em formas adotadas pelassuas leis fonnais e também, de uma maneira mais direta, por alguns

possíveis processos fenomenológicos em organismos vivos (Drã­gãnescu, 1985) bem assim como na consciência humana.

As leis semânticas da natureza são fenomenológicas e têm ten­dência a evoluir. Como essas leis estão na origem das leis formaisde um universo, as mais recentes levam as tendências das anterio­res. Evoluções físicas e biológicas, e até mesmo as evoluções cul­turais, científicas, tecnológicas e sociais têm sua origem ou na fon­te ou nas leis semânticas fundamentais.

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Portanto, as tendências do vir a ser são uma propriedade geralda existência e o princípio (P3) é ontologicamente universal. A leisevolucionárias ou "do vir a ser" estão na origem da causalidade,que se manifesta por fenômenos deterministas, estatístico-deter­ministas e até mesmo não deterministas. Dessa forma, todos os

processos têm uma causa, a não ser a realidade subjacente profun­da. O não-determinismo é uma forma de manifestação de causali­dade já que um processo não-detenninista é ele próprio produzi­do por uma lei de tendências. Em um estudo interessante sobrecausalidade, VJ. Perminov (Perminov, 1988/1979), considera, semqualquer referência explícita aos processos fenomenológicos, quea conexão causal "não pode reduzir-se à regularidade temporal doseventos, não se identifica com a idéia da conexão entre estados [...]é baseada na noção de produção (geração)". E mais: "A produção éa única exigência obrigatória para a conexão causal. Todas as ou­tras exigências emitidas com o título de necessária e universal nãosão, defato, o que pretendem ser; elas só refletem a especificida­de da conexão causal em uma situação ou outra" (Perminov,1988/1979). Em nossa opinião, o determinismo (inclusive o deter­minismo estatístico) e o não determinismo são complementares e,segundo Perminov, isso é uma generalização do princípio de com­plementaridade de Niels Bohr.

Essa complementaridade não-determinista/determinista se ma­nifesta em eventos não-formais/formais da realidade profundae em processos formais/não-formais na mente humana em atos deintuição e criação e em muitos outros processos e fenômenos. Afonte das leis semânticas são a infraconsciência da existência e aconsciência fundamental. A primeira contém a tendência do vira ser que gera novos atributos fenomenológicos por processos não­deterministas. A segunda pode gerar sentidos fenomenológicospor processos deterministas, usando também eventos não-determi­nistas. Como a primeira é o núcleo da segunda, as duas formamuma unidade.

2.4. Auto-organização

Se as leis semânticas da existência e os pensamentos da cons­ciência (fundamentais, humanos/sociais ou até mesmo de outrosorganismos) estão estabelecendo tendências de vir a ser e de evolu-

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ção, essas tendências são, então, realizadas na moldura do princí­pio ontológico de auto-organização (P4). A auto-organização érealizada nos domínios estruturais da realidade e em domínios fe­nomenológico-estruturais ou estrutural-fenomenológicos, na rea­lidade profunda e no(s) universo(s) associado(s). É um princípiofundamental.

No domínio estrutural, a auto-organização é produzida devidoa leis formais específicas que governam este domínio ou seus sub­domínios. A gravidade leva a objetos auto-organizados como pla­netas, estrelas, galáxias e grupos de galáxias. Os átomos e molécu­las são formados por auto-organização. Os núcleos são objetosauto-organizados de quarks. A não-linearidade e os processos go­vernados pela dinâmica não-linear são essenciais para uma gran­de quantidade de estruturas auto-organizadas. A auto-organizaçãoatua em estruturas como autômatos celulares, sistemas adaptativos

complexos, sistemas de vida artificial, processos caóticos determi­nistas, todos esses formando os domínios mais recentes da ciênciaestrutural (a ciência neo-estrutural). São contribuições importan­tes para a ciência, mas ainda assim são ciência estrutural.

Os fenômenos de auto-organização também estão presentes nonível social (insetos sociais e sociedades humanas). O surgimentoda Internet é um exemplo de auto-organização.

A emergência de vida em um universo é um processo de au­to-organização que, em um primeiro estágio, envolve somente umaauto-organização estrutural até que, ao ser alcançado um ponto de­terminado, a auto-organização estrutural-fenomenológica inter­vém. O acoplamento das partes estruturais e fenomenológicas deum organismo vivo é um fenômeno de auto-organização resultantede leis naturais. A vida não é traz ida de fora do organismo; elaemerge após um processo de auto-organização. A vida se auto-or­ganiza. O processo de auto-organização pode ser usado pela cons­ciência humana (como é o caso na construção de estruturas nano­métricas). Na realidade subjacente profunda, após a emergência deum grupo de sentidos fenomenológicos, isso é seguido por um pro­cesso de auto-organização que pode gerar um universo, ou por umaintervenção em um universo. A própria consciência fundamentalpode usar os processos de auto-organização. A auto-organizaçãoconstrói coisas mais complexas com coisas mais simples. Um de

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nós (Kafatos, 1998b) propôs que a auto-organização, em relação àsimplicidade e à complexidade, seja examinada como candidata aoprincípio fundamental na filosofia da ciência. O princípio de au­to-organização é realmente tão importante quanto os outros princí­pios fundamentais. A auto-organização está presente em todos osníveis da existência e pode-se dizer que é constante em escala.

Com relação à complexidade/simplicidade a situação é bas­tante ambígua. Se a existência fosse somente estrutural e as partí­culas elementares fossem os únicos tijolos de construção do uni­verso, então poderíamos dizer que o universo é extraordinariamen­te simples em níveis fundamentais, já que bastam umas poucas si­metrias elegantes para descrever as partículas fundamentais. Paraum universo estrutural, a matemática é o idioma que o descreve, e aMecânica Quântica e a Teoria Geral da Relatividade são elegante­mente simples. A complexidade em um universo estrutural se ma­nifesta em níveis cada vez mais altos devido à auto-organização.

Se, no entanto, existirem mais níveis fundamentais que o daspartículas elementares, e isso é o que ocorre, será que a simplicida­de continua até esses níveis mais profundos? Parece que a respostaneste caso é não. Em níveis mais profundos, encontramos partici­pação fenomenológica, leis semânticas, consciência fundamental,e a situação não parece ser mais simples do que no nível das partí­culas elementares.

No domínio estrutural do universo, sabe-se que as estruturas efenômenos complexos se manifestam, em muitos casos, na base deequações matemáticas muito simples. Os fenômenos do caos e osfractais são aparentemente complexos, mas são simples em suasraízes nas equações básicas. Talvez uma complexidade maior este­ja presente nos Sistemas Adaptativos Complexos (CAS), um con­ceito apresentado no Instituto Santa Fé (Kaufmann, 1995; Coveny,High-field, 1995; John Holland, 1995; Morowitz 1995). É possíveltambém observar que, mesmo no domínio estrutural, a complexi­dade ainda não é um conceito científico único e bem definido. Um

dos principais fundadores do Instituto de Santa Fé observa que"qualquer definição de complexidade é necessariamente depen­dente do contexto, até mesmo subjetivo" (Gell-Mann, 1994).

Várias noções de complexidade são úteis para uma caracteri­zação pragmática de vários tipos de sistemas. Uma medida geral

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inicial da complexidade estrutural foi proposta por Kolmogorov eChaitin na informação algorítmica. Essa parecia ser uma boa medi­da da complexidade porque a informação algorítmica é determina­da pelo comprimento, em bits, do programa mínimo que descreveum sistema. Infelizmente, embora seja possível encontrar um pro­grama tão mínimo quanto possível para descrever um sistema, nãose pode nunca ter certeza, em princípio, que esse é o mínimo abso­luto ou o menor de todos. Como o programa mais curto não é com­putável, a complexidade não pode, assim, ser medida corretamentecom a informação algorítmica.

Gell-Mann define uma "complexidade efetiva" pela extensãode uma descrição concisa da regularidade de um sistema (Gell­Mann, 1994). Para um organismo, por exemplo, a complexidadeefetiva será encontrada no genoma. O comprimento da parte rele­vante do genoma representa uma medida da complexidade efetiva.A complexidade efetiva se aplica à classe dos sistemas adaptativoscomplexos, que são sistemas constituídos de uma grande quantidadede agentes com memória ou um modelo interno, com propriedadesadaptativas, como são os organismos e outros sistemas.

A ciência contemporânea tenta explicar uma grande parte darealidade através da complexidade de processos estruturais. Aocontrário, Robert Rosen considera que tudo que é estrutural não énecessariamente complexo: "Eu chamei de sistema simples, oumecanismo, um sistema material que tenha apenas modelos com­putáveis. Chamo de complexos os sistemas que não sejam simplesnesse sentido. Um sistema complexo deve, portanto, ter modelosnão computáveis" (Rosen, 1997). Esse é um ponto de vista radical.Modelos não computáveis implicam, em nossa opinião, tambémprocessos fenomenológicos e, portanto, seria melhor fazer umadistinção entre a complexidade estrutural e a complexidade estru­tural-fenomenológica (Stefan, 1997); a primeira sendo redutível aalgum grau de simplicidade, a última sendo uma complexidadeverdadeira. Os organismos são realmente complexos, a consciên­cia humana é complexa, a realidade profunda é complexa, a cons­ciência fundamental da existência é complexa. A esfera estruturalé, portanto, complexa. Se não considerarmos os objetos do domí­nio estrutural como complexos, então a complexidade está implíci­ta nos processos fenomenológicos. Só se reconhecennos a comple­xidade estrutural como sendo a verdadeira complexidade - o que

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pode não ser certo -, só então a complexidade seria, por si mesma,um princípio fundamental. Essa questão continua em aberto parafuturas investigações.

Se a existência profunda, que é complexa, der origem a domí­nios estruturais com base na simplicidade, como foi mencionadoacima no caso das partículas elementares, e a evolução dessas es­truturas desenvolver objetos complexos com partes fenomenológi­cas, então existe um movimento ou fluxo complexidade>simplici­dade>complexidade.

Pode ser verdade que, na realidade profunda, a infraconsciênciada existência, que é o sentido da existência mais fundamental e feno­menológico, ou o próprio sentimento de existência, possa ser muitosimples, como a energia profunda, mas abranja tudo para gerar com­plexidades. Nesse caso, o movimento ou fluxo mencionado seriasimplicidade>complexidade>simplicidade>complexidade.

Poderemos então formular um princípio fundamental relativotambém à simplicidade e à complexidade.

2.5. A consciênciajimdamental da existência

Nos últimos tempos, a idéia de um universo consciente (Kafa­tos & Nadeau, 1990) ganhou um certo ímpeto (Drãgãnescu, 1997a)e foi amplificada com o conceito da consciência fundamental daexistência (Drãgãnescu, 1998a; 1998b) através da proposição queela é um princípio fundamental (Kafatos, 1998b). Com isso, pode­mos postular que a consciênciajimdamental da existência (P5) éum princípio fundamental importante.

Richard Amoroso considera que a consciência cósmica é umprincípio universal para ser usado em teorias físicas (Amoroso,1997a). Essa consciência existe a priori, antes do verdadeiro uni­verso (Amoroso, 1997b). Acreditamos que a realidade básica não éapenas mente. Tampouco é consciência, embora a consciência fun­damental seja uma parte essencial ou básica da realidade e da exis­tência total. A consciência fundamental ainda possui um tipo demente, um tipo de mente cósmica.

A consciência pode ser de dois tipos: a) a consciência humanaem um ambiente social, e também as formas de consciência de ou-

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tros organismos e b) a consciência fundamental da existência. Aconsciência humana é hoje objeto de estudos intensos. O problemaé identificar quais partes são os princípios mais importantes daconsciência que sejam válidos para os dois tipos e quais as diferen­

ças entre eles. A consciência fundamental não é antropomórfica(Kafatos & N adeau, 1990). Sua existência depende principalmenteda natureza da realidade subj acente profunda, usando os elementos

e propriedades dessa realidade, coexistindo com ela, e envolvendouniversos como estruturas para a inteligência (Drãgãnescu, 1998a;1998b). A verdadeira possibilidade da consciência fundamental,antes de tudo, depende da manifestação fenomenológica da reali­dade profunda. Um sentido fenomenológico que garanta a unidadeda realidade profunda e com ela a unidade da existência total, é o

que se manifesta como um sentimento de existir, ou uma infracons­ciência da existência. Ao redor dessa infraconsciência uma cons­ciência se desenvolve usando a energia profunda para formar es­truturas. Para "saber", para tomar-se reflexiva, ela deve usar estru­

turas para obter inteligência. Essas estruturas não podem ser nadamais que universos criados com a ajuda de atributos fenomenoló-. .glCOSe energia.

Os universos estão envolvidos na consciência fundamental da

existência (Drãgãnescu, 1998a), sob o comando das leis semânti­cas da realidade e da própria consciência. Portanto, a consciênciafundamental é estrutural- fenomenológica, implicando a existência

total, e por esse motivo é um princípio fundamental. A consciênciahumana é estrutural-fenomenológica. Essa é uma diferença impor­tante entre esses dois tipos de consciência. No entanto, tambémocorre que a consciência é fundamental de uma maneira geral, enão é um acidente evolucionário.

Isto significa que a existência está "viva", se ela tem um todoconsciente? Talvez os atributos da vida, que envolvem também amortalidade dos organismos no universo, não sejam adequados paraa consciência fundamental. Ao ser imortal, fora do espaço e do tem­

po, podemos então usar o antigo termo filosófico de ser para ela. Po­demos observar também que a consciência é complementar à exis­tência fisica, e podemos dizer que "O universo e a consciência estãorelacionados um com o outro da mesma maneira que o corpo e amente estão relacionados um com o outro" (Kafatos, 1998b).

3. A natureza da realidade subjacente profunda

A existência profunda (a realidade subjacente profunda) é aprimeira e última realidade, que existe fora do espaço e do tempo(Kafatos & Nadeau, 1990; Drãgãnescu, 1990; 1993; 1996).

A realidade subjacente profunda (P6) é um princípio funda­mental na proposta da filosofia da ciência que, a nosso ver, precisaser aceita antes de qualque.r; outra coisa. Talvez seja muito dificilcompreender, com nossa mente normal, a qualidade de ser fora doespaço e do tempo e, portanto, precisamos de uma mente mais filo­sófica para aceitar essa afirmação. E ainda há mais coisas, porquetemos de imaginar alguns detalhes relacionados com a unidade e amultiplicidade dessa existência. Idéias interessantes referentes aosdetalhes da realidade profunda poderão ser encontradas na filoso­fia de Plotino e na filosofia do principal filósofo romeno deste sé­culo, Lucian Blaga, em um trabalho recente de Richard Amoroso(Amoroso, 1997a) e em um dos autores do presente trabalho (Drã­gãnescu, 1985).

Para passar da unidade para a multiplicidade,já que isso é ine­vitável se considerarmos a geração de um mundo quântico, a reali­dade profunda precisa se dividir em algum tipo de "célula" quepode se organizar em comunidades comandadas por alguns senti­dos fenomenológicos específicos. Devido ao sentido fenomenoló­gico de existir e da unidade cada uma das células é vizinha de qual­quer outra célula. Portanto, os sentidos fenomenológicos, ou umaparte deles, podem ter algumas tendências topológicas para orga­nizar as células de várias maneiras.

Embora a realidade profunda exista sem espaço, sem dimen­sões, ela pode possuir espaços "abstratos" ordenados por váriossentidos topológicos. De certa forma, essas são as raízes subjacen­tes para o espaço comum de um universo. As comunidades das cé­lulas na realidade profunda podem organizá-las em espaços multi­direcionais até uma infinidade de direções ou dimensões. É inte­ressante que a mente humana possa conceber esses espaços. Umafutura teoria da realidade profunda poderia usar essa possível pro­priedade para descrever pelo menos uma parte do comportamentofisico e informacional. O espaço de 11 dimensões dos conceitosteóricos quânticos do universo pode ser conseqüência de um espa­ço "abstrato" multidirecional.

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A real~dade profunda também deve ter raízes para o tempo nouniverso. E possível que tenha um chronos, um tempo rudimentar,sem direção ou duração, para comandar o aparecimento dos senti­dos fenomenológicos, da mudança e da auto-organização. O chro­

nos pode ser imaginado como uma vibração de relaxamento, e ossentidos fenomenológicos como a vibração produzida pelos im­

pulsos do chronos (Drãgãnescu, 1985; 1996). Essas "vibrações" nainjormatéria são os sentimentos dos sentidos fenomenológicos.

Um fenômeno importante da realidade profunda é o acopla­mento, sob circunstâncias específicas, entre a informação feno me­nológica e a energia profunda, a primeira da injormatéria e a se­gunda daquilo que poderia ser chamado de energo-matéria, isto é,um acoplamento desses componentes da matéria profunda. O prin­cípio acima (P6), que tem bastante fundamento hoje em dia, possi­bilita a especulação sobre modelos possíveis da realidade subja­cente profunda e que se proponha, no futuro, princípios fundamen-tais específicos para essa parte da realidade.

4. O universo

Se um universo for gerado pela realidade profunda e a ela co­nectado, os princípios governando o universo com um caráter as­sim aberto devem ser um reflexo dessa condição.

O primeiro desses princípios é (Kafatos & Nadeau, 1990; Ka­fatos, 1998b) não_localidade/totalidade (P7). A não-localidade semanifesta no universo devido ao fato de que as partículas elemen­tares, na realidade profunda, são semelhantes a ondas e isso permi­te a integridade ou totalidade. Atualmente, a não-localidade já estáfirmemente estabelecida (Kafatos, 1998a). Na moldura do modelo

padrão da mecânica quântica, uma não localidade espacial ou dotipo I produz um emaranhamento de partículas elementares (porexemplo, de fótons) através de regiões distintas no espaço, mesmoem escalas astronômicas; uma não-localidade temporal ou do tipo

Il que afinna que um caminho seguido por uma partícula (por ex.um fóton) não está determinado até que seja feita uma escolha

experimental demorada (per Wheeler), como se o passado fosseunido ao presente. Na moldura de uma teoria de campo unifi­cado, seria esperado um tipo III de não-localidade (Kafatos & Na-

deau, 1990), envolvendo a convergência do todo unificado do es­paço-tempo para a unidade integridade da realidade subjacenteprofunda. As não-localidades de tipo I e tipo 11são, na verdade, fa­cetas da não-localidade tipo m.

Hoje em dia aceita-se que o universo estrutural é um sistemaquântico. O universo completo não somente é quântico, mas tam­bém é fenomenológico, portanto o seguinte princípio fundúnentalé aplicável a ele (Drãgãnescu, 1998a).

O universo é quântico-jenomenológico (P8), que é mais amploque a afirmação de que "o universo estrutural é um sistema quânti­co" (embora essa afirmação também seja verdadeira, mas não tema natureza de um princípio fundamental).

Em uma primeira aproximação, o universo é estrutural e aciência estrutural trabalhou com essa aproximação, que para os de­mais efeitos era bastante útil. Como exemplo, uma característicainteressante da estrutura e da ordem estrutural do universo é dada

pelos Diagramas Universais (Kafatos, 1986; Kafatos & Nadeau).Diagramas Universais (UD) representam os relacionamentos entreas quantidades fisicas (massa, tamanho, luminosidade, temperatu­ra da superficie, entropia irradiada, etc.) de objetos de partículaselementares e os átomos, moléculas, organelas subcelulares (cro­mossomos, etc.) células, outras entidades biológicas, objetos in­dustriais e fabricados pelo homem, cidades, planetas, estrelas, ga­láxias, grupos de galáxias, supergrupos, etc. Os diagramas mos­tram a continuidade nos relacionamentos descritos das várias clas­

ses de objetos no universo. Se, em algumas regiões onde há conti­nuidade de curvas ou linhas em escalas logarítmicas não existempontos representando objetos, é de se esperar que esses serão des­cobertos um dia (como grandes planetas, super-supergrupos etc.).

O princípio (P8) é confirmado por todos os fenômenos da ex­periência. A forma pela qual o universo é quântico-fenomenológi­co é tema de pesquisas na filosofia da ciência e na ciência. Aindaprecisamos trabalhar muito para construir modelos quânticos-fe­nomenológicos do universo. A expansão permanente da teoriaqUântica estrutural e os novos esforços para definir uma teoria quân­tica do cérebro (Amoroso, 1997a) podem oferecer insights para umateoria quântica fenomenológica do universo.

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Outra conseqüência da posição peculiar do universo que pos­sui um substrato de realidade profunda, que por sua própria totali­dade é mais parecido com um continuum, é a manifestação, para osobservadores, de propriedades complementares contínuas/descon­tínuas. Esta completaridade não poderia estar presente em um uni­verso puramente estrutural, mas somente em um universo estrutu-ral fenomenológico.

A objetividade da continuidade observada entre os organismose a mente humana no universo é devida à ação fenomenológica dainformatéria acoplada às estruturas dos organismos. O universo éessencialmente descontínuo quando consideramos quanta de es­

paço, partículas elementares e talvez "quanta" de informatéria,mas ele ainda tem suas raízes no substrato contínuo da realida­de profunda. Os quanta da "informatéria" estão produzindo meiospara a intra-abertura do universo e estão mergulhados na realidadeprofunda contínua, que é também uma continuidade da informaté­ria. Do "ponto de vista da existência profunda" o universo é umatotalidade (com multiplicidades em um continuum), do "ponto devista do universo" ele é descontínuo e ambos os pontos de vista es­tão fundidos na complementaridade descontínua/contínua.

Quando o ser humano percebeu que ele possuía um corpo, umcorpo contínuo, ele viu unicamente corpos (não-viventes e viven­tes) e principalmente continuidades a seu redor. Quando ele perce­beu que os corpos podem ser divididos em partes, e essas partes emoutras, em breve começou também a perceber a descontinuidadedo universo. As leis contínuas do universo tais como as teorias darelatividade, especial e geral, refletem essas circunstâncias e, poresse motivo, não são subjetivas, já que refletem as propriedades

objetivas profundas da existência. E é por isso que elas são passí­veis de verificação através de experimentos.

Segue-se um importante princípio fundamental, ou seja, os ob­jetos com vida, mente e consciência em um universo são estrutu­rais-fenomenológicos (P9), o que define a natureza completa des-ses objetos.

O universo é estrutural-fenomenológico porque é quântico-fe­nomenológico, e também porque seus fenômenos de vida, mentee consciência são estrutural-fenomenológicos. Acreditamos que aevolução ou o aprofundamento da atual teoria quântica permitirá

que as fontes fenomenológicas e as que contêm energia sejam ex­ploradas. Com relação aos objetos viventes, ocorre que nesses ob­jetos, por si mesmos, por auto-organização, dá-se um acoplamentodas partes estruturais e fenomenológicas que emerge como umapropriedade geral da natureza. Esse acoplamento pode ser a basepara solucionar "a lacuna explanatória" do problema cérebro-men­te (Drãgãnescu, 1998c). Esse acoplamento é diferente do acopla­mento da energia e da informação fenomenológica na realidadeprofunda. Parece que existem muitas formas de acoplamento de ob­jetos e fenômenos.

Conclusão

Os princípios fundamentais propostos neste artigo são em par­te baseados em fatos científicos e, em parte, em considerações filo­sóficas que extrapolam novos dados científicos ainda não incorpo­rados ao sistema científico existente. Uma mistura de ciência e filo­sofia da ciência pode ser uma ponte entre a ciência antiga e a nova,sob construção. Esses princípios podem ser usados como hipótesesoperacionais para ampliar a ciência, para elaborar novas teorias ci­entíficas. Com os novos avanços da ciência, eles poderão ser apri­morados. Ao examinar a lista sugeri da (P 1) a (P9) de princípios fun­damentais podemos nos perguntar: qual é o paradigma ou paradig­mas sugeridos pela filosofia da ciência que abarcam esses princí­pios? Candidatos para os novos paradigmas são: a realidade subja­cente profunda; o sentido fenomenológico (experiência, informa­ção fenomenológica); a consciência fundamental da existência.

Com relação à metodologia da ciência, a ciência estrutural ba­seia-se na teoria, especialmente em modelos matemáticos e medi­das. É possível que a parte mais crítica do método científico hojeseja o papel das medidas. Lord Kelvin disse uma vez (citado porRobert A. Millikan (Millikan, 1935): "Quando você pode mediraquilo sobre o que está falando e expressá-lo em números, vocêsabe algo sobre ele, e quando você não pode medi-lo, quando nãopode expressá-lo em números, seu conhecimento é pobre e insatis­fatório. Pode ser o começo do conhecimento, mas você mal chegouaté o estágio científico".

Hoje a ciência estrutural aceita provas indiretas da teoria, comoOcorreucom a teoria dos quarks. Essas partículas não foram isoladas

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e medidas, mas a prova indireta de sua existência validou a teoria.Provas indiretas se tomaram mais importantes, até mesmo funda­mentais, com a ampliação ou aprofundamento da teoria quântica,mesmo no domínio estrutural. Para a nova ciência, que parece tor­nar-se estrutural-fenomenológica e ortofisica, são necessários no­vos princípios metodológicos. De qualquer forma, por enquanto,podemos acrescentar o princípio fundamental seguinte à metodolo­gia da ciência estrutural (Drãgãnescu, 1990; 1993; 1996).

A ciência estrutural é insuficiente e incompleta para descrevera realidade total (P 1O),ou, dito de outra maneira, a ciência estrutu­ral é insuficiente para descrever objetos com processos fenomeno­lógicos, ou objetos com vida, mente e consciência, bem assimcomo a existência profunda, a consciência fundamental da existên-cia e a natureza geral da existência.

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PARTE III

FÍSICA QUÂNTICA ECOSMOLOGIA

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4Simetria: A Teoria do Tudo

Andrew Lohrey

Universidade da Tasmânia, Austrália

Resumo

Este trabalho faz uma crítica às teorias reducionistas de tudo

(Teoria do Tudo) e propõe, em vez delas, um esboço para uma Teo­ria do Tudo holístico baseada na simetria. A simetria é onipresenteno universo, tem uma arquitetura relacional e pode ser caracteri­zada por seus potenciais formativos, energéticos e infinitos, bemcomo por sua base na significação e na consciência. Essas caracte­rísticas inclusivas e genéricas combinam - se para fornecer a basenecessária para uma teoria holística do tudo - uma teoria que incluiuma concepção de Deus.

Introdução

A história da fisica é a história da unificação da ciência. New­ton, Maxwell, Eistein e Bohr desenvolveram, individualmente,uma série de conexões simétricas antes desconhecidas. Talvez de­vido a esses desenvolvimentos isomórficos, a busca de uma Teoriado Tudo (TOE - the01Y of everything), uma teoria que possa expli­car as leis básicas de todo o universo em todos seus detalhes infini­

tamente sutis, parece mais que um ato de fé. No coração de umaTOE situam-se os conceitos de unidade e unificação que foram osfrutos da fisica nos últimos trezentos anos. A idéia de uma Teoria

do Tudo continua a despertar o interesse dos fisicos teóricos. Este

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interesse tem como base a crença de que somente as leis da fisicapodem explicar as leis básicas da criação. Segundo Davis e Brown(1988: 1), essa crença é estimulada pela filosofia do reducionismo.Essa perspectiva assume que a psicologia pode ser reduzida à bio­logia, a biologia à química e a química à fisica: "a seta da compre­ensão aponta para baixo, para o nível mais profundo da realidadeaté que, no final das contas, tudo possa ser explicado em termos dosconstituintes fundamentais da matéria".

1. Reducionismo

Em sua introdução a Superstrings: A Theory o/ Everything,Davis & Brown dizem que, para ser bem-sucedida, uma Teoria doTudo teria que ter três características gerais: a) deveria explicar porque os fisicos observam as partículas elementares e não outras; b)deveria poder explicar as interações entre as partículas e c) deveriaser capaz de explicar os cálculos da dispersão (scattering) das am­plitudes e as taxas de decaimento etc., entre partículas. Em suma,uma Teoria do Tudo bem-sucedida deveria ser capaz de expli­car "todos os parâmetros de mensuração da fisica das partículas".Quase como uma reflexão posterior os autores acrescentam queuma Teoria do Tudo bem-sucedida deveria também "fornecer uma

topologia de espaço-tempo e um relato convincente de como sur­giu o universo" (1988: 5).

O que é interessante sobre o perfil que Davis & Brown fazemde uma Teoria do Tudo bem-sucedida é que ela se enquadra perfei­tamente com a filosofia reducionista que eles criticam tanto. Suaabordagem, por exemplo, não é um perfil interdisciplinar de umaTeoria do Tudo e sim um tipo de abordagem especializada em que apermissão básica é que também a subjetividade, a consciência, sig­nificados discurso cultura, sociedade, loucura, fisica de partículas"é ampla o suficiente para explicar, de forma adequada, "tudo", jáque a abrangência de uma Teoria do Tudo deveria também incluirum explicação sobre essas outras considerações interdisciplinares.

Não há duvida de que esse seria o objetivo de uma Teoria doTudo bem-sucedida; sua abrangência deveria se totalmente inclu­siva e seus elementos interdisciplinares não devem ser tacitamenteassumidos ou vistos como periféricos. Deveriam ser tão explicita-

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mente detalhados como parâmetros da fisica de partículas. UmaTeoria do Tudo bem-sucedida deveria então implicar uma unidadeuniversal que seria, necessariamente, um aspecto inclusivo de to­dos os estudos disciplinares, da fisica de partículas à psicologia, emais além, à análise de discursos, aos estudos culturais e à teologia.Esse é o argumento inclusivo que Stephen Hawking defende quan­do afirma que uma teoria unificada nos permitiria conhecer a men­te de Deus (1991: 185).

A visão reducionista das Teorias do Tudo muitas vezes se ori­

gina da linguagem que é utilizada para descrever essas teorias.Por exemplo a " seta explicativa" que aponta para baixo não éuma metáfora inclusiva e não pode explicar processos auto-re­flectivos ou circulares da própria "explicação" ou discursos, ou adinâmica da subjetividade produzida por tipos diferentes de ex­plicações. Em outras palavras, uma Teoria do Tudo não deveriaser sobre uma seta de explicação que aponta para baixo e sim so­bre um modelo essencialmente circular e discursivo onde a subje­tividade, na forma de percepção, explicação e teoria, pode intervirem todos os pontos possíveis no espaço-tempo. A metáfora maisadequada para essa perspectiva não é uma seta linear e sim um CÍr­culo holístico, comum aos modelos do caos auto-semelhantes ehierarquicamente estruturados.

Uma outra crítica às abordagens reducionistas à Teoria doTudo é que essas perspectivas têm a tendência de reproduzir a ar­madilha que Whitehead chamava de "concretude mal colocada".Vemos evidência disso na própria terminologia usada na fisica departículas. Nesse campo, termos concretos são utilizados para in­dicar processos que não são essencialmente concretos ou fisicos.O termo" partícula" é um desses casos. As partículas são basica­mente interações/relacionamentos, mas o termo "partícula" tendea obscurecer esse significado. Comentários semelhantes podemser feitos sobre a teoria da corda que propõe que os "objetos" bá­sicos do universo não são partículas e sim "coisas" que são como"um pedaço de corda infinitamente fina" (Hawking, 1991: 168).Esses termos embutem uma "concretude mal-colocada" em qual­quer Teoria do Tudo, e com isso reforçam tacitamente as premis­sas reducionistas fazendo com que tenhamos a expectativa deque é possível descobrir um processo fisico fundamental que ex­plique tudo.

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Essas críticas sugerem uma abordagem alternativa. Este estudobusca uma Teoria do Tudo interdisciplinar e holística. Ela será umexercício discursivo que utiliza modelos autocirculares e não a con­cretude mal colocada e será capaz de descrever e valorizar os proces­sos não-fisicos como sendo não-fisicos. As diferenças entre uma Teo­ria do Tudo reducionista e uma Teoria do Tudo holística são claras edecisivas. Um abordagem reducionista presume que uma explica­ção de tudo no universo pode se originar de constituintes irredutíveisda matéria, ainda não descobertos. Ao contrário, uma perspectivaholística examina as características genéricas do conceito de "tudo",

isto é, a possibilidade de identificar aquelas características "muni"inter-relacionadas embora tão diferentes que são totalmente inclusi­vas e interdisciplinares e verdadeiramente universais.

Para aventurar-nos nesse processo holístico, começamos abor­

dando algumas considerações estruturais relacionadas com o con­ceito de "ordem". Com efeito, isso significa analisar as relações

que criam hierarquia, pois é a hierarquia que está implícita quandousamos o termo "ordem".

2. Rede

Uma ordem hierárquica não deve ser confundida com uma redede relações. O conceito de conhecimento científico como uma redede relações na qual nenhuma parte é mais fundamental que as outrasrepresenta a filosofia "bootstrap" (cadarço de bota) auto-sustentá­vel de Geoffrey Chew (Capra, 1997: 39). A vantagem da filosofia"bootstrap" é que ela abandona a idéia de que a base fisica da nature­za apóia-se em blocos de construção fundamentais. A desvantagemé que ela rejeita todas as posições fundamentais. Assim, para ela, ne­nhum aspecto da rede de relações que compõe o conhecimento cien­tífico é fundamental. Portanto, não há nada que se assemelhe a uma

hierarquia de relações, pois o simples fator que liga as inter-relaçõesdetermina a estrutura de toda a rede ou de todas as relações.

No entanto, o termo "inter-relações" nos oferece uma frágil ex­

plicação da natureza da estrutura e, em termos do conceito hierárqui­co de "ordem", as inter-relações não têm nada a dizer. Portanto, opoder explicativo desse tenno de conexão é limitado e não deve serúnico como se fosse uma categoria fundamental e detenllinante de

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explicação. Podemos concordar que as relações são anteriores aosestados derivativos chamados objetos e entidades fisicas, mas "rela­ções" é um termo por demais amplo para nos dar uma visão profun­da do conteúdo estrutural de uma ordem hierárquica. Para que issoocorra temos de examinar os tipos de relações e, em particular, a re­lação fuandamental de simetria. Mas, antes de nos voltarmos para asimetria, são necessários primeiramente alguns comentários sobrea hierarquia de ordens implícitas e explícitas de Bohm.

2.1. Bohm

O fisico teórico David Bohm desenvolveu um modelo hierár­

quico que tem sérias inferências para uma Teoria do Tudo holísticabem-sucedida. O sistema de Bohm tem como base o conceito de

causalidade primária que é expressa através do holomovimento. Oholomovimento é uma totalidade indivisível de toda a existência. Éum movimento indivisível, flutuante, sem limites, uma ordem naqual a totalidade da existência está introjetada em cada ponto docontinuum espaço/tempo (Bohm, 1983: 172). O holomovimentopode ser comparado à função de onda primordial do universo, umafunção de onda que interconecta um universo não dividido.

Em Wholeness and the implica te order (a Totalidade e a ordemimplícita) Bohm diz que as características do holomovimento são"indefiníveis e imensuráveis"; e assim ele clama por uma holono­mia, isto é, a lei da totalidade. Além disso, produz alguma álgebrarelevante para o holomovimento. Essas qualificações parecem in­dicar que Bohm resistiu à possibilidade de uma descrição parcial,se não de alguma mensurabilidade, dessa misteriosa ordem primá­ria que tem o estado de "primazia" cosmo lógica.

Embora a fisica não proíba a idéia de uma função de onda cós­mica, a ciência reducionista certamente não correu para abraçar oholomovimento de Bohm. Talvez isso seja porque, como indicouBohm, o holomovimento não pode ser medido. Talvez tambémhaja alguma relutância devido às implicações cosmo lógicas deuma função de onda universal. Certamente o holomovimento temalgumas contradições aparentes. Como aponta Gordon Globus, oholomovimento de Bohm tem primazia ontológica sobre o mundoem virtude de estar criando-o (Globus, 1991: 376). Ao mesmo tem­po, a localização desse campo foi muitas vezes descrita como um

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vácuo. Como essas duas concepções - uma, de causalidade primá­ria e a outra de um vácuo - podem ser compatíveis? Esse é o dilemaprincipal criado pela teoria do big-bang na qual nos dizem que acausa primária do universo, isto é, sua emergência, se originou dovácuo de uma simetria primal.

3. Ciência e religião

Para a ciência, as questões sobre a causalidade primária fazemsurgir o espectro de uma história de conflito com a religião. No en­tanto, essa história não deu à ciência uma posição firme sobre aquestão da causalidade primária. Durante os últimos 150 anos, anoção religiosa de um único criador onisciente foi muitas vezeserodida pela secularização social, no entanto, a ciência tem resulta­do em assumir plenamente a alternativa ateísta, em proclamar comcerteza que o universo é dirigido por forças cegas e sem propósito.Muitos dos grandes cientistas deste século, e muitos que recebe­ram o Prêmio Nobel, não concordaram com a alternativa ateísta dacausalidade sem propósito. Outro fator que dificulta ainda mais asituação da ciência é a imposição histórica de uma escolha que, in­felizmente, deixa muito pouco espaço entre "um criador único" e"forças mecânicas" para aqueles que atribuiriam característicascausais ao vácuo.

No entanto, uma causa primária é essencial para a ciência. Acausa está sempre implícita todas as vezes que um cientista se refe­re às "leis da natureza". Tais leis, se é que elas estão realmente alémdas relatividades culturais das regularidades observadas, devemsignificar algumas das características causais últimas naquilo queBohm chamou de holomovimento. Em outras palavras, como abase ontológica dessas Leis deve estar além do visível, do explícitoe do observável (ou não teriam um aplicação geral), aquele lugar"mais além" deve ser um campo determinante primário, cujas di­mensões Bohm descreveu como holomovimento.

4. As ordens implícita e explícita

O holomovimento de Bohm é a expressão universal de doismovimentos ou ordens inter-relacionadas e complementares que

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estão evidentes em todos os níveis da realidade - do micro ao ma­cro, das partículas às pessoas. Ele chamou o primeiro movimentode ordem "implícita" porque esta se esconde introjetando a infor­mação e as estruturas do mundo em si mesma. O segundo mo­vimento ele chamou de ordem "explícita" porque esta revela o

.mundo que somos capazes de conhecer através da observação.Assim, objetos, físicos, entidades e processos são da ordem explí­cita. Sua existência material foi o resultado do desdobramento deondas de movimento implícitas e, como entidades físicas, elas sãodestruÍdas ao serem envolvidas (introjetadas) novamente dentro daordem implicada.

Portanto, a existência material com suas causas e efeitos mecâ­nicos e suas forças que empurram e puxam representam a ordemexplícita. O próprio significado do conceito de "existência" é as­sim condicional, já que se refere à existência na ordem explícita. O"ser" e a existência, portanto, nunca podem se referir a um estadoda ordem implícita, pois a ordem implícita é um movimento uni­versal invisível ao qual falta espaço, tempo e substância, mas que éeterno, onipresente e absolutamente não-local. Em outras palavras,um estado de "existência" implica resultados relativamente está­veis de um desdobramento da ordem implícita, um desdobramentoque cria as entidades da ordem explícita. As ordens implícita e ex­plícita, portanto, não são opostas, mas tampouco são um par biná­rio. Ao contrário, elas são altamente integradas por meio de ondasconstantes de transformação entre uma e outra. Essa função deonda de introjeção (inclusão) e extrojeção ocorre em todos os ní­veis, do micro ao macro e do macro ao micro de modo que as ondaspodem se movimentar do micro ao macro e do macro ao micro,para se tomarem funções de onda do universo. Nesse nível de tota­lidade está o holomovimento. O que nos interessa para a presentediscussão com relação à ordem e à hierarquia é que a ordem implí­cita de Bohm, e sua extensão na ordem superimplícita do holomo­vimento, é sempre o campo determinante primário. Em contraste,a ordem explícita, que é construída com as substâncias observá­veis da existência material, é a ordem secundária e derivativa. Omodelo do holomovimento de Bohm com suas ordens implícita eexplícita, portanto, representa um modelo holístico, não reducio­nista, apropriado para o desenvolvimento de uma Teoria do Tudode sucesso.

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5. Outras implicações

A linguagem do holomovimento de Bohm com suas ordensimplícita e explícita é muito diferente da terminologia científicanormal que se refere ao terreno e ao lugar de nascimento do univer­so como sendo o vácuo. O termo "vácuo" é redutivo e tecnológico

e implica um estado morto de vacuidade. No entanto, essa vacuida­de fecunda ferve com criatividade a tal ponto que alguns fisicos re­ferem-se a ela como "espuma do espaço-tempo" (Swimme, 1996:93). A contradição aparente de um vácuo que fervilha com criativi­dade se origina de resultados experimentais, que vão além do signi­ficado exclusivo de uma terminologia anacrônica e redutiva (vá­cuo), comum a uma visão newtoniana do mundo.

Durante muitos anos os cientistas elaboram uma série de expe­rimentos interessantes com aceleradores de partículas que investi­

gam a estrutura do vácuo e muitos tipos de formas novas de matériavirtual foram descobertos. Portanto, o vácuo não é um "nada" iner­

te, e, sim, umplenum cheio de vibrações virtuais, quanta virtuais epartículas virtuais. Parece assim que o vácuo tem um potencial in­finito. No entanto, a realidade virtual criada pelos aceleradores de

partículas não fornece uma base para uma Teoria do Tudo bem-su­cedida, seja ela holística ou reducionista. O motivo para isso é queas realidades virtuais que o vácuo gera são de um tipo explícito ediferencial. Em outras palavras, com os aceleradores de partículaos cientistas estão criando uma nova ordem completa de existência

física. Éportanto uma ordem explícita e virtual. Uma ordem dessetipo sempre será uma ordem derivativa e secundária e nunca umaordem primária.

As práticas científicas lidam quase que exclusivamente com aordem explicada por meios e métodos também explícitos. Comoregra geral, tais práticas consideram os processos físicos como pri­mários quando na verdade eles são secundários. Quando isso ocor­re, cria-se o reducionismo e a ciência confunde o entendimento eo conhecimento necessários para elaborar uma Teoria do Tudobem-sucedida. Confusões desse tipo sempre surgem devido a uma

dependência exclusiva de práticas explícitas, que continuamentese desviam, por omissão ou negligência, da realidade unificadora efecunda da ordem implícita subjacente.

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6. Simetria

Embora Bohm estivesse errado com relação à definição e àmensuração do holomovimento, esses são exatamente os passosnecessários para desenvolver uma Teoria do Tudo holística. No en­tanto, na tentativa de seguir esses passos é essencial usar métodos ediscursos não reducionistas. Como prosseguir?

Uma das sugestões colocadas por este autor (Lohrey, 1997) éque o holomovimento de Bohm tem uma arquitetura simétrica.Essa arquitetura se evidencia pelas suas características de não-lo­calidade, atemporalidade e pré-espacialidade. Mas esse tipo de es­trutura simétrica precisa conter também a energia formativa ne­cessária para a emergência (desdobramento) contínua e destruição(introjeção) da ordem explícita do universo. Propõe-se, portanto,que o holomovimento é um movimento simétrico infinito e su­til, que não é percebido pela percepção humana, mas que funcionacomo contexto por ser anterior às realidades físicas da ordem ex­plícita. Em suma, é a simetria do holomovimento que é o princípiocausal primário através de todo o universo.

Ao propor que o holomovimento tem uma arquitetura simétri­ca e atua como a causa primária do universo, estamos dizendo algobem diferente da abordagem comum às grandes teorias unificadasadotadas, por exemplo, por Stephen Hawking. Hawking nos dizque o primeiro passo necessário para uma teoria assim seria combi­nar a relatividade geral com o princípio de incerteza (1991: 165).Essa perspectiva se origina de uma tradição que considera que a ta­refa da física moderna é descobrir as simetrias do mundo. Como

disse Heinz Pagels, "a maior parte da história da física moderna é adescoberta de novas simetrias" (1982: 304).

Se acreditarmos que o objetivo da ciência é revelar novas si­metrias, então a descoberta de uma simetria entre a relatividade ge­ral e a mecânica quântica parece um dos primeiros passos essen­ciais para uma teoria unificada. No entanto, esse é o caminho quecoloca a simetria ou como uma propriedade do universo físico oucomo uma função matemática. O holomovimento de Bolun não énenhum dos dois. Ao contrário, ele é uma realidade causal defini­da - um campo universal de causalidade primária. A proposta aquié que esse campo primário é um campo de simetria e, como tal, es-

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tamos menos interessados em descobrir novas simetrias a fim de

desenvolver uma Teoria do Tudo do que em definir a natureza daprópria simetria. Essa é a questão mais básica para uma Teoria doTudo e uma questão que presume a primazia do holomovimento. Étambém uma questão que revela o motivo pelo qual a tarefa da fisi­ca moderna é descobrir novas simetrias: porque a simetria é o esta­do mais básico (ground state) do universo.

Que base existe na fisica moderna para que possamos conside­rar a simetria como o princípio causal primário do universo? Her­mann Weyl disse: "que eu saiba, todos as afirmações feitas apriorina fisica têm sua origem na simetria" (Wade, 1993: 17). Diz-seque, pouco antes de morrer, Werner Heisenberg argumentou "queaquilo que era verdadeiramente essencial na natureza não eram aspartículas propriamente ditas, mas as simetrias que se encontramalém delas" (Peat, 1987: 94). Outras indicações de que um camposutil de simetria existe anteriormente ao universo fisico e explícitopodem ser encontradas no relacionamento que campos tipo "gau­ge" (gauge fields) têm com os quatro campos fundamentais de in­teração. Por exemplo, hoje os fisicos acreditam que esses quatrocampos, o gravitacional, o eletromagnético e os campos nuclearesforte e fraco, são baseados em gauge fields que são, eles próprios,resultados da simetria (Pagels, 1982: 264-79). Cada um dos quatrocampos de interação tem características simétricas, e os gauge fi­elds são campos de interações simétricas. Portanto, a simetria podeser considerada como uma característica inerente a cada um desses

campos, assim como primária a eles.

Um campo simétrico também ocupa um lugar primário emsubjetividade, isto é, como processos inconscientes anteriores àpercepção consciente explícita (que discutiremos mais tarde). Asmesmas ordens implícita e explícita também operam na linguagemcom significado implícito e explícito. Cada um desses três níveis: ocósmico, o individual e o discursivo, está envolvido na produçãode qualquer teoria científica. Em outras palavras, se o holomovi­mento é um campo verdadeiramente universal ele teria de estaronipresente, isto é, presente em cada uma dessas dimensões. Essainferência nos leva a uma questão mais geral acerca da natureza daprópria simetria. Mas ela também implica a possibilidade de umaTeoria do Tudo holística. Se algumas das características da sime­tria podem ser definidas, e se a simetria é uma causa primária uni-

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versal, suas características se enquadrarão com as característicasgerais de uma Teoria do Tudo bem-sucedida, já que uma Teoria doTudo deve, por definição, ter aplicação universal.

O que se propõe aqui é que a simetria seja a base de uma Teoria

do Tudo já que a simetria representa o estado mais básico (groundstate) do universo (o holomovimento) que pode ser descoberto em

todos os pontos do espaço/tempo. Essa proposição implica que ascaracterísticas da simetria podem nos dar uma base para a teoriaholística do tudo, uma teoria na qual o princípio de unidade, na for­ma de simetria, é tanto uma causa primária (infinita) quanto estátambém presente em toda a miríade de formas derivativas (finitas)do universo.

7. Características universais

Como então idéntificar algumas das características universais

da simetria, o estado mais básico do universo, um estado que émuitas vezes descrito como um nada, um ponto zero, um vazio?Como já foi indicado, a abordagem da ciência moderna à simetria

é colocá-Ia como um propriedade de alguma mudança fisica (umarranjo proporcional). Na mineralogia, por exemplo, acredita-seque a simetria refere-se às estruturas angulares dos cristais, en­quanto, na geometria, ela é uma característica de certas formas emoldes. Na matemática, a simetria é considerada uma função detransformação. Portanto, existe uma diferença considerável entreessas descrições funcionais e elementares da simetria e a atualabordagem holística.

Em Fearful Symmetry, Stewart & Golubitsky (1993) definemsimetria em termos de sua característica mais geral, a de transfor­

mação. Uma transformação simétrica é um processo no qual algomuda e algo permanece o mesmo. Normalmente, demonstra-se aocorrência de uma transformação simétrica em formas geométri­cas que giram ou refletem. No tempo, a transformação simétricatem o caráter de periodicidade ou ciclicidade. Uma transformaçãosimétrica no entanto é um processo que inclui outras relações alémde relações simétricas e, na medida em que outras relações são in­cluídas, elas tendem a obliterar o significado direto de simetria. Denosso ponto de vista, a transformação não é tanto o significado da

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simetria e sim seu efeito mais potente, universal e imediato. Nãopodemos definir simetria apenas examinando seus efeitos. Deve­mos começar por focalizar diretamente nesse próprio campo sutil,misterioso e oculto.

Parte do significado de simetria é encapsulado em palavras taiscomo "invariância", "unifonnidade", "vácuo", "nada" (nothing­

ness) e "ponto zero". O símbolo de igual "=", na matemática tam­bém transmite o significado de simetria. A simetria pode tam­bém ser descrita de maneira negativa por aquilo que não é, porsua não-localidade, sua atemporalidade e sua pré-espacialidade.Esses termos identificam parte do sentido de simetria mas nemmesmo começam a explicar os potenciais formativos desse cam­po primário universal. Esses potenciais, que se manifestam atra­vés de todas as transformações, são infinitos. De várias maneiras,o significado direto de simetria é místico e deve permanecer ummistério para nossos estados comuns de percepção explícita, umaparticularidade a que retomaremos mais tarde. Portanto, emborao significado de simetria possa ser dificil de captar, podemos co­nhecer muito sobre ela através da lógica isomórfica (a lógica da si­milaridade e inferência) de suas muitas características. A primeiradelas e a onipresença.

Um exemplo da onipresença da simetria encontra-se na trans­formação. A transformação ocorre em todas as partes e níveis douniverso. Ocorrem na matemática, na fisica, na biologia, na cons­

ciência e em processos informais e simbólicos. Todas as transfor­mações têm sua base na simetria e, portanto, deveriam ser chama­das de transfonnações simétricas. Através dos processos de trans­formação, a simetria é imanente em tudo, e o conceito de "tudo" fazsua presença onipresente. Como podemos aplicar o conceito detransformação simétrica igualmente bem ao tempo, às fonnas geo­métricas e à criação universal, uma característica da simetria é queela é tanto uma força primária (na criação) quanto é imanente emtodas as transformações. Uma de suas características principais é,portanto, a onipresença.

Além da onipresença, podemos dizer que a simetria tem poten­ciais infinitos. Os potenciais infinitos da simetria do holomovimen­to são potenciais formadores e fonllativos ou, mais simplesmente,potenciais causais. São os potenciais cósmicos que criam as for­mas visíveis e diferenciais do universo explícito. Aqui então está a

segunda característica da simetria, campo primário da causalidade.Os potenciais da simetria manifestam-se através dos processos detransformação - quando, por exemplo, a simetria perfeita é trans­formada em não-simetria. Um estado de "transformação" repre­senta os estados de desdobramento e introjeção (inclusão), isto é,um desdobramento da ordem explícita de Bohm através da trans­formação da simetria perfeita em não-simetria e uma introjeção(inclusão) da não-simetria de volta à simetria. Esses são atos decriação e destruição e representam um poder causal universal tãopoderoso que pode ser descrito como onipotente.

Ainda uma terceira característica da simetria envolve intera­

ções e relacionamentos. As relações são ubíquas, isto é, são univer­sais, ocorrendo em todos os pontos no espaço/tempo. A simetria,portanto, é relacional. As relações simétricas, que são relações deuniformidade, igualdade e invariância, não são, no entanto, sim­plesmente relações que se interligam, conectam e integram. É ver­dade que fazem tudo isso, mas essa interligação, conexão e integra­ção são conseguidas, não arbitrariamente ou de maneira unidimen­sional, mas sim dentro dos limites de uma ordem universal unifica­dora. Essa ordem cósmica tem uma estrutura hierárquica geradapela primazia das relações simétricas (a ordem implicada) e a "se­cundariedade" das relações transformadoras (a ordem explícita).Essa hierarquia cósmica é, então, transcendente e imanente. Ela étranscendente em sua primazia como ordem implícita e imanentenas transfonnações que são sempre secundárias e comuns à ordemexplícita. As relações dessa hierarquia cósmica, portanto, forne­cem a estrutura e a arquitetura para todas as formas explícitas, oque significa, na verdade, toda a matéria inorgânica e todas as for­mas de vida orgânica.

Uma quarta característica da simetria está relacionada comseus potenciais fonnativos e causais. Esses potenciais fornecem "acapacidade de gerar trabalho", em outras palavras, eles são a ener­gia inerente aos potenciais simétricos. A quinta característica da si­metria está relacionada com significado e consciência. Significadoe consciência são características que fogem dos discursos científi­cos normais sobre simetria e precisarão ser mais detalhados.

Em suma, como um campo primário, a simetria tem essas cin­co características gerais: onipresente, onipotente, transcendente eimanente, energética, possui significado e consciência.

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Neste breve trabalho será preciso fazer alguns outros comen­tários sobre essas características afim de indicar que a simetria

pode ocupar o lugar da Teoria do Tudo. Épreciso observar que es­sas características não estão em qualquer formação seqüencial.

mas, apesar disso, são altamente integradas.

8. Onipresença

A onipresença é uma referência à abrangência universal da si­metria e a suas dimensões omni ou infinitas e não-locais. Essa é sua

qualidade totalmente inclusiva, abrangente e sem exceção. O queisso significa é que não há nenhum local, espaço, dimensão ou es­tado em todo o universo que não tenha simetria. A abrangênciadeste campo, portanto, é universal e também são universais as suasdimensões. Encontra-se a simetria em todos os lugares e assim, deuma maneira contraditória típica da simetria, ela está implicita­mente em todas as partes e explicitamente em nenhuma.

Alguns exemplos da sua onipresença são o Princípio de Exclu­são de Pauli ao qual atribuem a responsabilidade de todas as orga­nizações que ocorrem na natureza. Além disso, o espaço e o temposão ambos simétricos no sentido de que ambos possuem uma inva­riância mesmo quando ocorre alguma forma de translação paraeles. Mais formal é a simetria que é inerente a toda a matemática e

está representada diretamente pelo sinal de igual "=". Outro exem­plo da generalidade universal da simetria é a natureza do significa­do implícito. O significado implícito representa a maior parte dossignificados em todas as linguagens e discursos (Lohrey, 1997).

A simetria também é uma característica permanente e primária

da subjetividade. Por exemplo, ela é a natureza da subjetividadepré-refletida e também do inconsciente freudiano. Nessa última for­ma, ela é pré-racional em seu agrupamento arbitrário (identificação)de impressões passadas, sensações e memórias. A racional idade in­trínseca da simetria é evidente em outros campos, quando se trata da

simetria do pré-espaço ou quando nos referimos a alguma coisacomo sendo atemporal ou não-local ou como tendo uma conexãoinstantânea. A simetria também é um fator-chave em uma série de

condições estudadas pela parapsicologia, tais como a telepatia, a cla­rividência, a psicocinesia, pré-cognição e percepção extra-sensorial.

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Cada um desses fenômenos possui relações simétricas como sua ca­racterística não-racional central. A simetria também é uma caracte­rística básica do hábito (através da repetição) que ocorre em todas asformas de vida e que é uma parte importante de todo aprendizado,seja ele em um pântano ou em uma sala de aula.

A onipresença da simetria abrange duas dimensões: a infinita ea finita. Como uma causa infinita e primária ela tem uma "prima­zia" no esquema das coisas. A simetria também está presente emtodas as transformações, e as transformações podem ocorrer em to­dos os pontos no espaço-tempo.

9. Transcendência e imanência

A transcendência da simetria - juntamente com sua imanênciaatravés de transformações (que são sempre secundárias) - é explica­da estruturalmente por referência às relações. Relações e não partí­culas ou supercordas são a base do universo. As relações são onipre­sentes e metafisicas. As relações são fecundas e podem criar formas.Uma forma pode ser sólida, líquida, gasosa ou simbólica. Uma for­ma de qualquer tipo é uma expressão de uma certa regularidade deestrutura. Uma regularidade de estrutura, ou padrão, é um conjuntode relações. Assim, o estado sólido da matéria é gerado quando seestabelece um equilíbrio entre um conjunto de relações que se atra­em e se repelem. Uma forma simbólica é criada de maneira seme­lhante, quando um equilíbrio assimétrico é estabelecido entre umconjunto de relações simétricas e não-simétricas (Lohrey, 1997). Noentanto, embora possamos falar de uma maneira familiar sobreconjuntos de relações, raramente nos ocorre perguntar "o que é umarelação?" Essa questão é central para a natureza da simetria.

Uma relação pode ser uma relação se ela se conecta simetrica­mente? Podemos dizer, no caso de conexões instantâneas observa­das em experimentos destinados a demonstrar conexões não-lo­cais, que essas são relações? Se aceitarmos que são, e acho que te­mos de aceitá-lo, então obviamente um relacionamento de simetriaenvolve algo mais que o conceito inanimado de um "elo" ou atémesmo de um vácuo ponto-zero. Se há um holomovimento de rela­ções simétricas, então todos os pontos zeros no continuum espa­ço-tempo estarão cheios de relações simétricas e essas relações es-

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tarão em todas as partes no universo inteiro e estarão sendo cone c­tadas instantaneamente o tempo todo. Com isso, a não-localidadeserá a característica dominante do holomovimento. Essa é uma des­

crição próxima da unidade sem forma que é típica dos ensinamen­tos místicos de todas as religiões.

Uma importante mudança paradigmática - do reducionismoao holismo - ocorre se nos concentrarmos nas relações e não noconceito de ser ou existência. Como disse Gregory Bateson, as re­lações devem ser a base de todas as definições (Bateson, 1988: 17).No entanto, a identificação de novas partículas exóticas vem sendoo objetivo das ações da fisica durante a maior parte deste século.Levar a cabo um discurso sobre fisica, química, biologia, psicolo­gia ou lingüística com um foco em entidades em vez de em relaçõesé entregar-se à "concretude mal-colocada". Quando isso ocorre,nossos discursos nessas disciplinas irão construir tacitamente umaordem inversa do mundo onde o fisico e o concreto têm prioridade,

têm primazia.

Esse é o modo convencional de expressão na fisica, na quími­ca, na biologia e na psicologia onde o foco da interpretação está so­bre a existência e processos fisicos. Essa estratégia interpretativatende a relegar as relações a um papel secundário e, em alguns ca­sos, a ob1iterá-las completamente. Por exemplo, diz-se que as par­tículas têm interações, o que implica que as interações não têm par­tículas. Nesse sentido concreto, as interações (relações) estão posi­cionadas como posteriores, como algum tipo de propriedade quepertence às partículas - como um produto secundário ou um sub­produto das partículas. Sabemos que isso não ocorre. As partículasquânticas elementares são definidas unicamente em termos das re­lações que as transformam. Além disso, as interações de partículasrepresentam as relações sociais de um grupo e, portanto, não são apropriedade de uma única partícula. O próprio conceito de uma"partícula" como uma entidade fisica ou formal por si mesma é,portanto, uma ilusão. Considerar as interações como sociais étransfonnar o significado de "interação", transfonnando-a de umapropriedade passiva das partículas, por elas possuída, em um con­ceito de um agente social ativo e anterior, tendo poder e energiapara criar partículas individuais e também para afetar seu com­portamento. É neste sentido ativo que as relações são anteriores àspartículas porque elas criam essas constituintes ao mesmo tempo

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em que criam o comportamento interativo das partículas constitu­intes. Portanto, as relações têm o papel fonnativo e causativo decriar aquilo que nós chamamos de "quanta", "partículas", "entida­des" - as coisas diferenciais da ordem explicada.

Se as relações são formativas e causativas, elas devem ter tantoenergia quanto estrutura, e tanto movimento quanto arquitetura.Esses atributos são as características de toda quanta, mas chega­mos a isso por meio das relações. Assim, as relações são aqui con­sideradas agentes ativos do universo, o que significa que é unica­mente através das relações que a energia se movimenta e vibra.Mas isso é dizer muito mais do que meramente que "todas as vi­brações têm uma estrutura relaciona!". O poder formativo das rela­ções é evidente nas relações simétricas as quais, segundo nos diz aciência, criaram o universo inteiro. Se as relações são agentes ati­vos do universo, elas representam as condições metafisicas onipo­tentes e onipresentes do cosmos - metafisicas porque as relaçõessão anteriores ao fisico, o que é simplesmente o resultado de umequilíbrio de relações.

As relações também são arquiteturais no sentido de que forne­cem a estrutura de qualquer campo, quanta, partícula ou entidade.Em The meaning of cOl1sciouness (Lohrey, 1997) propõe-se que aarquitetura cósmica do universo é estruturada por meio de apenastrês relações fundamentais: a simetria, a não-simetria e a assime­tria. Essas três relações são arquetípicas, isto é, elas fornecem abase universal para a ordem e a hierarquia cósmicas. Essas três re­lações também fornecem a base para todas as transformações e,além disso, todas as outras relações também se originam dessastrês básicas. Qualquer hierarquia, em qualquer situação, irá repro­duzir uma ordem transfonnacional que reflete a hierarquia cósmi­ca dessas três relações.

A hierarquia arquetípica dessas três relações é estabelecidaquando a assimetria (uma relação irreversível) emerge da não-si­metria (uma relação de diferença) e a não-simetria emerge da sime­tria (uma relação de uniformidade pré-racional). Essa ordem deemergência é evidente em todas as hierarquias em todos os cam­pos. Toda a ordem, desordem e caos, ao lado de todas as hierar­quias e todas as relações, em última instância se originam dessastrês e elas, por sua vez, emergem de uma relação fundamental e pri­mária: a simetria.

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o termo "simetria-interrompida" não é utilizado aqui porquenos concentramos em relações e não em processos fisicos ou enti­dades. As entidades podem ser interrompidas, as relações não. Oconceito de uma simetria interrompida é resultado de uma concretu­de mal-colocada que distribui atributos fisicos às relações. Uma re­lação não pode nunca se romper porque as transformações só criamnovas relações. Isso é o mesmo que dizer que as relações nunca sãofisicas embora elas possuam energia poderosa e sutil. A teoria dobig-bang fala sobre energias altíssimas que existiram nos primeirosnanossegundos da origem do universo, e, à medida que o tempo foipassando, o universo esfriou e a simetria perfeita começou a se rom­per. Em relatos como esse, a temperatura surge como a força que criao rompimento da simetria. No entanto, os agentes da mudança nes­se drama não são os processos fisicos, são as relações. Esse é o casoem termos como "calor", "temperatura", "partículas" e "intera­ções", cada um deles representando um conjunto de relações.

De uma perspectiva holística, os fatores genéricos em todas astransformações são as próprias relações e a energia e a temperaturasão subprodutos das circunstâncias contextuais da transformaçãosimétrica. Isso significa que em contextos diferentes serão gera­das temperaturas diferentes pelas circunstâncias das transforma­ções simétricas. Por exemplo, o calor produzido no big-bang nãopode ser comparado ao calor gerado pela transformação geométri­ca da rotação. Tais mudanças na geometria também serão menoresque a temperatura produzida pelas transformações emocionais dedeclarar nossos medos. Em cada uma dessas circunstâncias, o big­bang, a geometria e as emoções, o calor é produzido, mas não comoum agente causal da transformação. O agente causal é sempre aspróprias relações.

Como aqui nosso foco é nas relações, substituímos o termo "si­metria interrompida" por "não-simetria" sem modificar o sentido.

Portanto, embora troquemos esses termos, as transformações si­métricas designadas pela terminologia distinta permanecem e as­sim a não-simetria irá sempre surgir da simetria, não importa ocontexto ou a circunstância. Isso é o que ocorre seja no big-bang,ou no ato de perceber um objeto, ou na lógica, ou em nossa vidaemocional, ou nos processos que geram o discurso - ou, aliás, emqualquer outro lugar. O significado de uma transformação simétri-

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ca é, portanto, a emergência de relações não-simétricas de umabase de relações simétricas.

O último passo nessa tríade cósmica é o desdobramento de umsistema as simétrico de relações a partir de relações não-simétricas.Isso ocorre quando um número suficiente de relações não-simétri­cas é desdobrado para produzir um processo de feedbaek de refe­rências cruzadas, complexo o bastante para produzir irreversibili­dade. As três relações básicas com suas propriedades emergentesestabelecem assim uma ordem cósmica fundamental que começacom a simetria tendo a primazia, a não simetria o segundo lugar e aassimetria o terceiro lugar.

No entanto, a ordem arquitípica dessas relações não se encai­xa, simplesmente e de uma forma reducionista, à hierarquia de dis­ciplinas acadêmicas que vai das preocupações micro da fisica e daquímica até os objetos macro da biologia e das humanidades. Aocontrário, essas três relações se transformam holisticamente emconfigurações circulares, que se realimentam em todos os níveisdo universo. Esse é um modelo clássico de complexidade e, emprincípio, pode ser ampliado indefinidamente, como ocorre na ma­temática de sistemas fractais.

O que é significativo sobre essa hierarquia cósmica não é tantosua lógica holística, circular e semelhante a si mesma, e inerente aseus sistemas que se expandem eternamente, mas sim toda a suacoesão arquitetural universal produzida pelas relações, e especial­mente o poder formativo do relacionamento orioginal: a simetria.Portanto, podemos dizer que o universo inteiro - todos os campos,quanta, partículas ou entidades - têm uma arquitetura relacionalque é modelada nessa tríade cósmica de assimetria, não-simetria esimetria e essas relações, por sua vez, emergiram do estado trans­cendente (o holomovimento) da simetria universal.

10. Significado e consciência

Em The meaning of eonsciousness (Lohrey, 1997) foi sugeridoque o significado ocupa a mesma localização que a consciência.Seu relacionamento é um relacionamento de simetria perfeita, noqual não surge qualquer distinção (não-simetrias): c=m e m=c.Portanto, podemos falar da consciência em termos do significado

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sem prejudicar o sentido e podemos sempre nos referir ao signifi­cado como consciência. Essa simetria nos leva a concluir que todosos tipos de significado representam um tipo de consciência e quecada qualidade da consciência é também do significado. O signifi­cado implícito, portanto, irá representar a estrutura do inconscien­te, enquanto o significado explícito fornece a estrutura para a aten­ção e a percepção consciente. Essa simetria da consciência e dosignificado sempre foi implícita em toda a literatura de uma grandevariedade de disciplinas por milhares de anos.

Significado e consciência entram em nossa descrição das ca­racterísticas de uma Teoria do Tudo porque têm a mesma arquitetu­ra relacional que o resto do universo, isto é, o significado e a cons­ciência são estruturados pelas relações de simetria, não-simetria eassimetria. Eles também exibem a mesma hierarquia que o resto douniverso como foi retratado pelas ordens emergentes de Bohm: asordens implícitas e explícitas. Por exemplo, a ordem implícita pri­mária da subjetividade é o significado implícito, pré e não-racionalde vários estados inconscientes. Esses estados estão sempre domi­nados pela relação simétrica e são primários em todas as transfor­mações de subjetividade. A ordem explícita secundária da subjeti­vidade é representada por todos os significados explícitos da per­cepção consciente. Esse tipo de significado é estruturado pelasrelações não-simétricas. Mais que isso, a percepção consciente éformada por meio da própria emergência de sistemas de relaçõesnão-simétricas.

Portanto, a menor unidade na percepção consciente é sempreum sistema, isto é, um grupo de relações assimétricas. (Relaçõesnão-simétricas só são concebíveis - ou seja, só existem - no con­texto de um grupo mais amplo de relações assimétricas que cons­troem a percepção consciente.) Devido à hierarquia estrutural dasubjetividade (simetria, não-simetria, assimetria) a relação de si­metria será algo assim como um mistério para a percepção cons­ciente,já que sempre é anterior a ela. Em outras palavras, a percep­ção consciente está em terceiro lugar na ordem desse grupo arque­típico enquanto a simetria, que é uma relação oculta e inconsciente,está sempre em primeiro lugar e o terceiro nunca pode ser uma pri­mazia. A inferência dessa hierarquia arquetípica é que a simetrianão pode ser vivenciada por meios simbólicos ou diferenciais. Talexpectativa seria o equivalente a colocar a simetria em terceiro lu-

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gar e a seguir tentar vivenciá-la através do terceiro lugar, isto é,através de métodos explícitos. Isso é uma abordagem racional eempírica. Ao contrário, o método precisa envolver auto-reflexão,um processo que combina um discurso auto-referenciado com sig­nificado inefável. Esse é um grupo de processos que cria ressonân­cia e harmonia entre a primazia e o terceiro lugar. Essa é uma abor­dagem isomórfica ou pós-racional.

Uma diferença-chave para ajudar-nos a entender como a cons­ciência se relaciona com uma Teoria do Tudo é a compreensão deque a estrutura e a organização da percepção consciente não são amesma coisa. Como a consciência está estruturada por três relações,assim também a percepção consciente pode ser organizada de trêsmaneiras diferentes (Lohrey, 1997). Em suma, esses três paradigmassão: um simetrizado, um não-simetrizado e um isomórfico. De ummodo geral, uma percepção consciente simetrizada é pré-racionale inconsciente de suas raízes inconscientes e está organizada pormeio de super-reações e emoções desequilibradas, faltando-lhe va­lores diferenciais apropriados. Uma percepção consciente orientadanão-simetricamente é racional e vai para o outro extremo ao negarsua própria base simétrica através da supervalorização de não-sime­trias, relações que são normalmente chamadas de diferenças. Essaconsciência é demasiado racional e friamente intelectual. Finalmen­

te, a percepção consciente pode ser organizada isomorficamente.Esse tipo de consciência é pós-racional. Ela aceita as implicaçõesque fazem parte de sua base simétrica e tende a encontrar uma res­sonância com um universo inter-relacionado, através de um dis­curso que cria distinções em uma unidade mais ampla.

Cada um desses três paradigmas da consciência produz seupróprio discurso que reflete e reforça as orientações básicas do pa­radigma. Por exemplo, uma consciência simetrizada produzirá ge­neralizações exageradas, estereótipos e discursos que fazem dife­renciações do tipo preto e branco. Uma consciência não-simetrica­mente organizada criará, reproduzirá e será reforçada por discur­sos racionais/empíricos, enquanto uma consciência isomórfica cri­ará, reproduzirá e será reforçada por discursos integradores queproduzem harmonia entre as diferenças.

O papel da consciência e do discurso com relação a uma Teoriado Tudo é que eles são os principais sistemas de feedbaek em uma

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Teoria do Tudo. Esses sistemas circulares de auto-refletividade po­dem ser ampliados e aprimorados por um discurso que reitera suaprópria natureza reflexiva. Ao contrário, quando o discurso traba­lha contra sua própria refletividade, negando seu próprio papel me­diador ou criando uma sensação de separação e objetividade, a au­to-refletividade é reduzida. Mas quando o discurso é isomórfico esua refletividade inerente está em ressonância com outros proces­sos unificadores, essa harmonia pode, às vezes, adaptar-se à sime­tria subjacente da natureza. Quando essa ressonância harmônica écriada ela é vivenciada como beleza, admiração ou "assombro ex­tasiado". Quando isso ocorre com um cientista tão dedicado comoEinstein, é como um sentimento religioso que

toma a forma de um assombro extasiado diante da

harmonia da lei natural, que revela uma inteligênciade tal superioridade que, comparado a ela, todo o pen­samento sistemático e a atuação dos seres humanossão apenas um reflexo totalmente insignificante. Essesentimento é o princípio orientador de sua vida e desua obra, na medida em que ele consegue manter-selivre das algemas do desejo egoísta. Não há dúvida al­guma de que é (um sentimento) muito próximo da­quele que domina os gênios religiosos de todas asépocas (Einstein, 1935: 28).

A questão da abrangência da consciência também é importantepara uma Teoria do Tudo holística. A consciência não é apenas umatributo pessoal chamado de subjetividade individual, mas temtambém uma dimensão holística e universal. O presente autor(Lohrey, 1997) propôs que existem três níveis gerais ou "camadas"da consciência. Estes são: a) o contexto holomovimento da cons­ciência cósmica do qual o mundo fisico, explícito, emerge e noqual desaparece; b) o contexto da subjetividade individual, que éuma reflexão estrutural do significado cósmico; e c) o contexto dodiscurso, a manifestação da consciência cultural, que emerge docontexto anterior de subjetividade. Esses três contextos têm a mes­ma arquitetura relacional, a mesma ordem e hierarquia, e tambémoperam com base nas transformações simétricas.

Como cada um dos três níveis da consciência têm a mesma ar­

quitetura relacional, infere-se que todas as relações são relações de

significado e consciência. Dessa forma, o universo é transformado,deixando de ser uma máquina cega e sem objetivo e passando a serum mundo animado, onde a consciência funciona como a força for­mativa na mecânica da fisica, nos campos e nos quanta. Nesse sen­tido, a consciência fornece o impulso energético para a vida em to­dos os organismos vivos e é, ela própria, o significado de nosso ob­jetivo neste mundo. Assim, vivemos nossas vidas em um oceanode significados que é cósmico, individual e discursivo. O fato deque alguns entre nós achamos que falta sentido à vida - que ela ésem sentido e desconexa - pode ser explicado como função de umparadigma de consciência simetrizado ou não-simétrico.

Se todas as relações contêm significado e consciência, então, achamada "informação", evidente através de todo o universo, daspartículas às pessoas, não é aquilo que parece. Informação é umtermo tecnológico envolvendo códigos mecanicísticos e inanima­dos. "Informação" é um termo que se origina de uma concretudemal-colocada. Sob todas e quaisquer circunstâncias a informaçãonão é possível a não ser que ela transmita um significado. A infor­mação representa um formalismo abstrato que cerceia a base deseu próprio significado, que é o significado. Colocar de lado o ter­mo "informação" e substituí-Io por significado, no contexto da pre­sente discussão, é desistir de parte do delírio gerado pela concretu­de mal-colocada, e começar a ver o mundo como animado, comopossuindo consciência.

Éo papel arquitetural e estrutural do significado e da consciên­cia, e sua onipresença em todos os níveis do universo, que fornecefidelidade à proposta do "primado da consciência". Em contraste,o fisico, o material ou o substancial não podem ordenar nada e nãopoderiam jamais fornecer a estrutura para uma hierarquia, simples­mente porque "ordem" e "hierarquia" são unicamente relacionais.Como tais, são estados de significado e consciência. E mais ainda,o conceito de "ordem" não é algum tipo de estado transcendentalacima do significado e da consciência, como alguns matemáticosplatônicos gostariam de acreditar. A ordem é criada pela próprianatureza a priori hierárquica, das relações cardinais de simetria,não-simetria e assimetria, e pela maneira pela qual essas relaçõesse manifestam nas três camadas da consciência: consciência cós­mica, subjetividade e discurso.

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Finalmente, se a consciência tem como base a simetria, então a

simetria, ocupando a posição de primazia sobre todas as coisas,será uma consciência que é transcendente. Em outras palavras, a si­metria terá os potenciais de tudo saber, de ser onisciente.

11. Uma ciência da simetria

Essas cinco características gerais da simetria - onipresente,onipotente, relacional, energética e onisciente - representam as ca­racterísticas genéricas do holomovimento de Bohm. Representamtambém o esboço básico para uma teoria holística de tudo. A fim derefutar essa teoria, é apenas necessário encontrar evidência de umúnico exemplo, em que a não-simetria - a diferença - esteja sozi­nha e não seja precedida por um contexto de simetria. Tal desco­berta tomaria imediatamente nula e sem valor a hipótese de que asimetria é o estado básico do universo, e é evidente em todos ospontos no espaço/tempo.

Estudantes de teologia reconheceram que essas cinco caracte­rísticas também representam a maior parte dos atributos conven­cionais de Deus. Que Deus possa ser discutido em termos de signi­ficado, consciência e das relações de simetria, não-simetria e assi­metria, seria do interesse tanto dos estudantes de teologia como dosde ciência. Que Deus possa ser considerado tão simétrico como oholomovimento de Bohm pode talvez causar mal-estar em algunsteólogos, mas não deveria surpreender ninguém que tenha um leveinteresse na história inter-relacionada da ciência e da religião.

A ciência é e deve ser uma atividade inspirada pela religião e,ao inverso, a devoção religiosa precisa do apoio animador dos dis­cursos científicos contemporâneos. A aparente separação dessesdois domínios, da ciência e da religião, não precisa persistir, se der­mos atenção à questão acadêmica geral da interdisciplinaridade,assim como aos princípios universais da unidade. Essencialmente,isso significa concentrar-nos na ciência da simetria.

A presente proposta de uma Teoria do Tudo baseada na sime­tria é apenas um esboço de futuras possibilidades. O que precisa­mos é de uma ciência da simetria que possa produzir aquilo queBohrn chamou de holol1omia, isto é, "a lei do todo". Essas leis pre-

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cisariam levar em conta a natureza recursiva do sistema total, seusvários níveis de consciência, suas várias habilidades reflexivas em

cada um dos níveis e, muito importante, os tipos de processos queproduzem equilíbrio, ordem e integração, e o tipo de relações quecriam desequilíbrio, desordem e entropia.

Poderíamos levantar a hipótese de que essas duas variáveis ge­rais (que em outros contextos podem ter sido chamadas de bem emal) percorrem todos os três níveis, mas se manifestam de formadiferente em cada um deles. Por exemplo, a ordem nos processosmórficos e a desordem da entropia são, normalmente relacionadoscom a organização e desorganização da matéria, mas essas condi­ções, consideradas do ponto de vista das relações, deveriam tam­

bém funcionar na subjetividade. Talvez com a ajuda de mais pes­quisas possamos descobrir que a estrutura relacional subjacente aessas duas variáveis se manifesta na subjetividade como amor e

medo - o amor sendo um equilíbrio de relações ordenado, integra­do e isomórfico, enquanto o medo dissipa energia no processo desupervalorizar a diferença, conduzindo à desordem e à desorgani­zação. Uma vez mais, no nível do discurso, essas duas variáveis ge­rais devem também encontrar alguma forma de expressão. Senti­

mo-nos tentados a propor que elas podem se manifestar, por umlado, como discursos que são abertos, interrogativos e altamenteauto-reflexivos, e, por outro, como discursos fechados, cheios depreconceitos, fixos, tradicionais e não-reflexivos.

Entretanto, a ciência da simetria poderia ela mesma atuar como

um processo mórfico muito importante, integrando todo aquele co­nhecimento passado que parece tão díspar e tão separado, pois ofoco na simetria é um meio de explicar a unidade fundamental de to­das as coisas. Como a simetria é o primeiro relacionamento na com­

plexa hierarquia do significado e da consciência, sua elucidaçãopode ajudar a dissipar a confusão de como um universo assim tão di­verso pode ter uma unidade totalizadora suprajacente. Essa é uma

questão tanto mística quanto científica. Éuma pergunta que todos osdevotos espirituais têm de enfrentar quando viajam através da "noite

escura da alma". Para encontrar Deus dentro de nós mesmos, e emtodos os outros lugares no universo, é necessário uma circularidadeestrutural da consciência que só é possível devido ao caráter recursiVodessa ordem hierárquica baseada na simetria.

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5A ciência na consciência: um novoparalelismo quântico-psicofísico

Amit Goswami

University of Oregon, USA

Resumo

Desenvolvo um novo paralelismo psicofisico baseado em umanova ciência fundamentada na fisica quântica e no primado daconsciência. É demonstrado que, com uma ampliação da definiçãoda psique, e usando idéias da fisica quântica, podemos integrar mo­delos orientais e ocidentais de psicologia e de saúde.

Introdução

o paralelismo psicofisico é uma filosofia antiga. Na filosofiade dualismo interacional, a mente e o corpo (o cérebro) são consi­derados corpos separados, feitos de substâncias totalmente dife­rentes. Mas surge então a crítica - como é que esses dois corpos in­teragem sem um intermediário? Uma solução seria o paralelismopsicofisico - a mente e o cérebro são entidades paralelas: corres­pondendo a cada estado cerebral existe um estado mental. No en­tanto, isso também tem um dualismo sutil- o que é que mantém oparalelismo?

Uma nova interpretação da mecânica quântica, baseada naconsciência (Goswami, 1989; 1990; 1993) tem a resposta para a úl­tima pergunta: a consciência - considerada a base do ser (e não um

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epifenômeno do cérebro) - media as ações paralelas da mente e docérebro.

Para entender como a consciência pode atuar como mediadorada interação mente-cérebro e como mantenedora do paralelismopsicofisico, precisamos da mecânica quântica. Atualmente está fir­memente estabelecido que os objetos materiais obedecem à mecâ­nica quântica. Isso significa que os objetos materiais são descritos,em termos matemáticos, como ondas de possibilidades; para cadapossibilidade pode ser calculada uma probabilidade, e nada mais.Com isso, a previsibilidade da fisica quântica é limitada a um gran­de número de objetos, eventos ou ambos. Para eventos individuais,a redução da onda de possibilidades (também chamada de colapso)para uma única passibilidade não pode ser prevista. A redução, oucolapso, é descontínua e não-local. Não podemos oferecer um me­canismo para o colapso, e assim, nenhuma máquina material podeprecipitar um colapso.

Na interpretação da mecânica quântica baseada na consciên­cia, reconhece-se que a consciência é tanto necessária quanto su­ficiente para realizar a tarefa de colapsar a onda de probabilidade.A suficiência é fácil de perceber: sempre que observamos algo, ve­mos realidade, não possibilidade. Conseqüentemente, a observa­ção consciente deve ser suficiente para colapsar a possibilidade emrealidade. Que a consciência também é necessária, pode ser con­cluído, reconhecendo-se, com von Neumann (1955), que, se envi­armos uma série de máquinas materiais (que também obedecem aocálculo de probabilidade quântica) para executarem a tarefa de rea­lizar o colapso, cada uma delas aumenta o escopo de possibilidadesda mensuração prévia, mas não pode reduzi-lo à realidade. Precisa­mos de algo não-material que transcenda a mecânica quântica.Esse algo não-material também deve estar relacionado com o co­nhecimento porque, como reconheceu Heisenberg, o colapso cer­tamente aumenta o nosso conhecimento do sistema. Obviamente,então, o agente que provoca o colapso é necessariamente a cons­ciência, nossa facilidade de conhecer. Uma análise detalhada de­monstra (Goswami, 1993) que a consciência deve ser a base do serno qual a matéria existe como possibilidade e que a consciênciadeve ser unitiva (isto é, nossa individualidade é um epifenômenoilusório). Mais importante, o colapso é emaranhado hierarquica­mente - não podemos dizer que o sujeit%bservador colapsa a

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onda de possibilidade do objeto como em uma simples hierarquia;ao contrário, o resultado da mensuração quântica descontínua (ocolapso) é a nossa experiência dividida entre sujeito-objeto emuma observação. O sujeito supostamente colapsador e o objeto co­lapsado aparecem de forma co-dependente.

Agora podemos facilmente formular um novo paralelismo psi­cofisico se postularmos que, como o cérebro fisico, a mente tam­bém consiste de ondas de possibilidades, embora de uma substân­cia não-material diferente. Devido a sua experiência, a consciêncianão só colapsa as ondas de possibilidade material no cérebro, mastambém as ondas de possibilidade mental na mente "não-local­mente correlacionada".

Elaboremos, então, o conceito puramente quântico de correla­ção não-local. Na fisica quântica, dois objetos podem tornar-se tãocorrelatos em fase que quando um deles colapsa por meio de umaobservação consciente, o outro fica bloqueado para ser colapsadoem um estado fase-relacionado sempre que for observado. No ex­perimento do fisico Alain Aspect (Aspect et ai., 1982) um átomode cálcio decai emitindo dois destes fótons correlacionados em

fase; um fóton viaja em uma direção, o outro na direção oposta. Osfótons têm um atributo bivalorado chamado de polarização. Cadaum dos fótons é uma superposição de duas possíveis polarizações.Mas sempre que observamos um deles colapsando um estado defi­nido de polarização para si, sempre encontramos o outro fóton emum estado de polarização idêntico quando o observamos.

No experimento de Jacobo Grinberg-Zylberbaum (Grinberg­Zylberbaum et ai., 1994), observou-se que duas pessoas se tor­nam correlacionadas através da não-localidade quântica quandomeditam juntas durante vinte minutos e mantêm a intenção de co­municação direta durante a meditação e pelo resto da duração doexperimento. Os sujeitos são separados depois de vinte minutos,colocados em câmaras isoladas eletromagneticamente, e seus cé­rebros são conectados a máquinas individuais de eletroencefalo­grama (EEG). Quando se mostra a um dos sujeitos uma série deflashes luminosos, a atividade elétrica de seu cérebro é registradapela máquina EEG como um potencial evocado. A interação dosdois sujeitos é demonstrada pelo aparecimento de um potencialtransferido de energia e fase similares ao potencial evocado no

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cérebro do segundo sujeito conforme registrado pelo EEG, em­bora esse sujeito não tenha visto nenhum flash luminoso, e nemsequer esteja ciente de queflashes luminosos estão sendo mostra­dos ao primeiro sujeito.

No experimento de Grinberg-Zylberbaum, é claro que a cons­ciência estabelece e mantém a correlação (via intenção). É claro,também que a consciência escolhe estados de realidade pratica­mente idênticos nos dois cérebros interconectados, a partir daspossibilidades avaliáveis em ambos os cérebros - ou seja, a cons­ciência é o mediador para a interação dos dois cérebros.

Da mesma forma, a consciência atua como mediador de nossamente e cérebro. Para cada estado mental, a consciência colapsa umestado do cérebro que pode ser chamado um mapa do estado mental.

Para que serve a mente? Para pensar, é claro, mas para que servepensar? Pensar dá sentido ao mundo a nossa volta (Goswami, 1998).O cérebro é semelhante ao hardware de um computador, ele proces­sa símbolos. A mente dá sentido a esses símbolos. O mapa da menteno cérebro que a consciência faz ao gerar o colapso da mente e do cé­rebro simultaneamente, pode ser compreendido como um softwarede computador. A consciência, claro, é o programador.

Mas a psique é mais do que a mente, do que o pensar. O psicó­logo Carl Jung (1971) explorou a idéia de que temos quatro facul­dades: perceber, pensar, sentir e intuir. Dessas quatro, o perceberclaramente envolve o mundo fisico e o pensar, o mental. A que cor­respondem os outros dois?

No Vedanta do Oriente há referências não só aos corpos fisicoe mental da consciência, mas também a dois outros corpos: um cor­po de prana (pranamaya kosha) e um corpo de vijnana - contextodo conhecimento (vijnanamaya kosha). A palavra prana em sâns­crito pode ser traduzida como energia vital e o corpo prânico comocorpo vital. Esse corpo vital está relacionado com sentimentos eemoções. O vijnanamaya kosha, ou corpo de contextos, relacio­na-se com a criatividade (que em seu nível mais fundamental é adescoberta de novos contextos de pensamentos) e o intelecto.

Não necessariamente devido à descoberta da biologia molecu­lar nos anos cinqüenta, o corpo vital foi banido da biologia oficial(como dualismo desnecessário), mas retomou recentemente sob o

nome de campos morfogenéticos - campos relacionados com o de­senvolvimento das formas características de uma espécie, a partirdo embrião unicelular. A questão é a seguinte: os genes são instru­ções para fazer proteínas. Mas o que instrui as células a "ligarem"certos genes em vez de outros, para que as células possam se dife­renciar, o que é a chave para a morfogênese. Em outras palavras,precisamos de um programa para a elaboração das formas - oscampos morfogenéticos.

O biólogo Rupert Sheldrake (1981) reconheceu corretamen­te que os campos morfogenéticos devem ser não-locais e fora domundo fisico da matéria. Mas ele não os chamou de corpo vital de­vido a controvertida história anterior desse conceito.

No entanto, agora que a questão do dualismo já foi resolvida eque já se descobriu um meio de formular o paralelismo psicofisico,a história pode ser revertida. Ampliemos, então, a definição de psi­que, dizendo que ela consiste de três corpos diferentes: o corpo vi­tal, que dá forma aos seres vivos; o corpo mental que dá sentido aosmundos vital e fisico; e o corpo intelectual que dá o contexto domovimento do corpo fisico, do vital e do mental. Finalmente, reco­nheçamos que tanto o corpo fisico quanto a psique estão mergu­lhados na consciência que transcende a todos eles. A consciência

transcendente é chamada de corpo da iluminação (anandamayakosha) em Vedanta.

Agora, estamos prontos para fazer ciência na consciência. Tra­tarei primeiramente de biologia, a seguir de psicologia, e, final­mente, de medicina.

1. A nova biologia

A nova biologia começa quando reconhecemos que a maneirade distinguir entre a vida e a não-vida é através da mensuraçãoquântica auto-referencial. Como enfatizou o biólogo HumbertoMaturana (1980) é a cognição sujeito-objeto - a capacidade de dis­tinguir entre si mesmo e o seu ambiente - que é especificamente di­ferente nos seres vivos em comparação aos objetos não vivos.

Conseqüentemente, temos de reconhecer que até mesmo umaúnica célula é auto-referente porque ela tem a capacidade para a

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mensuração quântica hierárquica emaranhada, dando lugar a suahabilidade de experiência dividida entre sujeito-objeto. No proces­so da mensuração quântica, a consciência se identifica com a célulaviva, e é essa identidade consciente que a faz viva em oposição ànão-viva. Então a consciência colapsa ondas de possibilidades emuma célula viva escolhendo entre superposições de possibilidadesdistinguíveis macroscopicamente a única realidade se manifestan­do em uma mensuração quântica específica. A oportunidade deuma escolha criativa, selecionando uma nova possibilidade emer­gindo de contingências tais como a mutação, agora se apresenta.Essa é a chave para a compreensão da evolução da vida.

Como está sendo agora gradualmente reconhecido, o neodarwi­nismo é uma teoria de adaptação e homeostasia; não é uma boa teo­ria da evolução. Uma teoria muito melhor é a do equilíbrio pontuado(Eldredge & Gould, 1972). Aqui complementamos a lenta evoluçãodarwiniana com a rápida evolução "quântica", pois os marcos depontuação complementam a prosa de uma frase que, de outro modo,seria contínua. No entanto, a teoria do equilíbrio pontuado não teve

grande aceitação, porque seus autores não foram capazes de de­monstrar um mecanismo responsável pela evolução rápida.

A abordagem da criatividade quântica nos dá uma explicaçãopara o equilíbrio pontuado. Uma das maiores dificuldade para aexplicação darwiniana das grandes mudanças evolucionárias é aquestão de como as muitas variações ou mutações necessárias po­dem se acumular sem serem selecionadas outra vez Uá que mu­

tações únicas normalmente não são vantajosas). Na abordagemquântica, simplesmente aceitamos que as acumulações necessáriasocorrem todas em forma de possibilidade. Quando a consciência,através do processamento inconsciente (ou seja, sem colapso), en­contra a gestalt total que conduz à nova espécie, ela colapsa todasas mudanças necessárias possíveis em realidade, de um só golpe(Goswami, 1997a).

No entanto, há algo mais sutil aqui, e é por isso que o corpo vi­tal e seus campos morfogenéticos são essenciais. A probabilidadede reconhecer a gestalt de possibilidades para uma mudança criati­va é muito pequena. Felizmente, a consciência tem uma idéia vitalpreexistente (o campo morfogenético) para o qual está tentandoencontrar forma no fisico. Isso faz com que o reconhecimento sejamais fácil (Goswami, 1997b), sendo algo como uma sintonia de

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freqüências, como na recepção de rádio [analogia de Sheldrake(1981)]. Esta geração criativa de formas conduz a evoluções maise mais complexas para as idéias vitais do ser vivo, tais como repro­dução, manutenção (arte da qual é a eliminação dos dejetos), auto­conhecimento, auto-expressão, intuição e integração.

2. A nova biologia e a compreensão dos chacras

No corpo humano, empiricamente, foram identificadas seteáreas mais importantes e muitas outras menos importantes ondeocorre a elaboração dos mapas das idéias do corpo vital, em formasno corpo fisico. No Oriente, essas áreas são chamadas de chacras.Os sete chacras principais são:

1) na base da coluna vertebral (chamado de chacra raiz) rela­cionado com os órgãos de eliminação;

2) no órgão sexual (chamado de chacra sexual) relacionadocom os órgãos de reprodução;

3) no umbigo (chacra umbilical) relacionado com os órgãos demanutenção (por exemplo, digestão);

4) à direita do coração (chacra do coração) relacionado com osórgãos de circulação e o sistema imunológico correspondendoà idéia do self;

5) na garganta (chacra da garganta) relacionado com os órgãosde auto-expressão;

6) na junção das sobrancelhas (o terceiro olho) relacionadocom os órgãos da intuição;

7) no topo da cabeça (o chacra da coroa) relacionado com aidéia de integração.

Descobriu-se que esses chacras desempenham um papel im­portante na nova psicologia das emoções e também em nosso en­tendimento da cura.

3. A Psicologia das Emoções

Até a pouco tempo, as emoções costumavam ser um mistério.Gradualmente estamos descobrindo o que está envolvido nas emo-

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ções. Por exemplo, foram descobertas algumas das moléculas rela­cionadas às emoções (Pert, 1997). Pesquisas na área de psiconeu­roimunologia e em áreas corelatas mostraram que a mente e o cére­bro estão conectados (uma conexão de mão dupla) com os váriosórgãos do corpo não só através do sistema nervoso, mas tambématravés dessas moléculas da emoção.

No entanto, os modelos materialistas da emoção ignoram a co­nexão do corpo vital com as emoções e, é claro, com o experiencia­dor (consciência). Observe cuidadosamente quando você sentiruma emoção e procure descobrir como, além de um componentemental e de um componente fisico, há um ingrediente óbvio, umasensação interna; essa sensação interna é nossa percepção direta deum movimento do corpo vital associado com a sua emoção.

A sabedoria popular conhece esses movimentos do corpo vitalassociados com as emoções desde a Antigüidade. No Ocidente, as­sociamos o dia de São Valentin com romance, mas é simbolizadopelo coração. Quem não sentiu pequenos murmúrios à direita docoração físico quando apaixonado? Mais sangue que flui? Pou­co provável. É o movimento do corpo vital que os habitantes dasÍndias Orientais chamam de prana, os chineses de chi, e os japone­ses de ki, em conjunção com o chacra do coração que está associa­do com a expansão dos limites do self.

Da mesma forma, a sensação de "borboletas no estômago" quesentimos às vezes são movimentos do prana ou energia vital, emconjunção com o chacra umbilical. Uma secura na garganta quan­do falamos pela primeira vez depois de algum tempo calados é re­sultado da falta de fluxo da energia vital em conjunção com o cha­cra da garganta, e sentir calor no terceiro olho (o local entre as so­brancelhas) quando nos concentramos em um esforço de compre­ensão intelectual é uma experiência de energia vital conectada como chacra do terceiro olho.

Quando fazemos uma correlação entre nossas emoções e omovimento de energia vital em conjunção com um chacra adequa­do, os elementos de uma psicologia das emoções começam a tomarforma facilmente. Os psicoterapeutas definem a emoção de umamaneira geral como um sentimento intenso que produz mudançasfisiológicas e mentais. Podemos agora identificar esse sentimentointenso como um movimento da energia vital. A consciência si-

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mu1taneamente colapsa superposições macroquânticas de possibi­lidades do corpo vital, does) órgão(s) fisico(s), do chacra correlato

respectivo e do cérebro (que está ligado a todos os órgãos do corpoatravés do sistema nervoso e das moléculas da emoção) e da menteque está correlacionada com o cérebro. A realidade resultante, dequatro componentes, é o que vivenciamos como emoção.

As emoções podem também ser classificadas como negativase positivas dependendo se os efeitos fisiológicos e mentais são po­sitivos ou negativos com respeito a nossa saúde fisica e mental.Medo, lascívia, raiva, ciúme e orgulho são exemplos de emoçõesnegativas; amor, altruísmo, satisfação, exaltação - emoções asso­ciadas com a experiência máxima da criatividade - são exemplosde emoções positivas.

A questão mais importante da psicologia das emoções é comolidar com emoções negativas prejudiciais (Krishnamurthy, 1998).No Ocidente, orientado para a ação, o condicionamento cultural in­duz a suprimir as emoções. Isso toma os ocidentais eficientes emações orientadas para o exterior, mas seu mundo interno sofre de

solidão e isolamento. No Oriente, o condicionamento cultural pre­dominante induz à expressão de emoções, o que toma os orientaisineficientes. O caminho do ioga, que transcende as duas culturas eque ajudaria a nem suprimir nem expressar as emoções, seria a so­lução. No entanto, ele exige muita sutileza.

O que é o ioga? A palavra ioga significa união. Temos umaidentidade em dois níveis: um nível universal que chamo de selfquântico e um nível individual que é normalmente chamado deego. A ioga tem como objetivo a união desses dois níveis.

Como surge a identidade em dois níveis? A mensuração quân­tica de um estímulo produz a divisão entre sujeito-objeto de nossaexperiência de percepção. Na percepção primária produzida porum estímulo, a experiência do selfé universal- essa é a experiênciaquântica do self. Mas as experiências geram memórias. Um estí­mulo aprendido (vivenciado anteriormente) normalmente é viven­ciado outra vez após refletir no espelho de todas as memórias pas­sadas do estímulo e das respostas. Esse reflexo no espelho da me­mória produz uma tendência no conjunto de probabilidades dasrespostas possíveis (Mitchell e Goswami, 1992). Como resultado,a consciência não é completamente livre para escolher entre todas

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as possibilidades quânticas disponíveis, mas se toma condicionadapara responder a favor de comportamentos passados. Esse padrãode hábitos condicionados, ao lado da história pessoal contida emtoda a memória acumulada, é nosso ego.

Portanto, no nível do ego de nosso ser, falta-nos o livre-arbítriopara escolher uma emoção positiva quando emoções negativas nosdominam. O objetivo do ioga - e a prática específica, nesse caso, éa meditação - é recuperar o livre-arbítrio para escolher o positivoem vez do negativo. Mas a meditação aqui consiste não somente nameditação comum sobre padrões mentais do pensamento, mas tam­bém meditação sobre padrões de energia vital.

O olhar meditativo sobre nossoS padrões de pensamento tomamais lentos os processos de nossa percepção secundária (os refle­xos no espelho da memória passada), bastante envolvidos com opensamento condicionado, para criar uma brecha entre o pensa­mento e a ação. É esse espaço que nos permite dizer "não" ao com­portamento negativo condicionado a que normalmente nos levamas emoções negativas. Ainda mais sutil é a prática da meditação so­bre nossos padrões de energia vital.

Um meio muito eficaz, desenvolvido sobretudo na Índia, échamado de pranayama, a observação da inalação e exalação darespiração. A respiração está relacionada com todos os órgãos docorpo e a observação da respiração faz com que respiremos maislentamente, e ao fazê-Io toma mais lentos os padrões de percepçãosecundária da energia vital, associados com os chacras. Isso nos per­mite dizer "não" ao movimento condicionado da energia vital noschacras "inferiores" (as energias dos instintos, associadas com oschacras raiz, sexual e umbilical) correspondentes à emoção negati­va, e gera espaço para o salto quântico criativo em direção aos movi­mentos da energia vital que correspondem às emoções positivas, en­volvendo os chacras superiores, e começando com o do coração. Naliteratura oriental, esse movimento criativo de energia vital é chama­do de ascensão da kundalini shakti (a palavra kundalini em sânscri­to quer dizer enroscada, e shakti significa energia vital).

Há ainda mais sutileza aqui. Nossos instintos não são necessa­riamente prejudiciais. Foram elaborados, pela evolução, para quepossamos agir de maneira adequada em certas situações ambien­tais. O que ocorreu com a civilização é que as emoções são evoca-

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das até mesmo sem estímulo apropriado e freqüentemente são re­sultado de fantasias. São essas emoções ilusórias que conduzem auma situação desequilibrada em relação aos movimentos da ener­gia vital e fisiológica.

Fisiologicamente falando, as emoções ilusórias transformamsituações ordinárias em situações emergenciais e ativam o sistemanervoso simpático. Essa é a resposta normal do estresse. A medita­ção mental ajuda a estabelecer a resposta de relaxamento e umaação mais equilibrada entre os sistemas nervosos parassimpáticoe simpático.

Da mesma forma, a meditação baseada nas energias vitais atra­vés do pranayama (e outras técnicas tais como os movimentos cor­porais do Tai Chi e Aikido) conduz a uma ação equilibrada dos mo­vimentos de energia vital.

É claro, estamos apenas arranhando a superfície aqui. Mui­ta pesquisa será necessária antes que tenhamos um entendimentoprofundo da psicologia das emoções.

4. A integração das medicinas oriental e ocidental

A medicina ocidental é uma medicina materialista - baseia-se

no paradigma de que a vida é um fenômeno da biologia molecular eque tudo que não funciona nos sistemas vivos só pode ser consertadocom algo fisico ou químico. A medicina oriental opera com base emum sistema de crenças diferente. Aqui, a ênfase é sobre o corpo vital.Acredita-se que a doença é causada por desequilíbrios do corpo vitalque levam a um mapeamento incorreto no fisico. Alternativamente,se algo sai errado nos mapas fisicos, novos mapas podem ser feitos apartir das idéias do corpo vital que ainda estão disponíveis.

Em um certo sentido, podemos dizer que a medicina ocidentalé adequada para os aspectos mais grosseiros da doença e a medici­na oriental para os aspectos mais sutis. Quando as bactérias nosatacam ou sofremos um ataque cardíaco, os antibióticos e uma ope­ração, respectivamente, podem ser o melhor recurso. Mas quandosomos atacados por uma doença crônica, a medicina ocidental éineficaz e pode até ser perigosa devido aos efeitos colaterais damaioria dos remédios. Nesses casos, algo sutil é mais adequado, amedicina oriental.

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Como funciona a medicina oriental? Tanto na medicina india­

na (ayurveda) como na chinesa, ervas empiricamente testadas sãoutilizadas e quando ingeri das pelo paciente podem restaurar oequilíbrio da energia vital necessário. Incidentalmente, a homeo­patia levou essa abordagem a um nível ainda mais sutil, ao notarque algumas ervas podem ser bastante venenosas em níveis físi­cos, mas são úteis para restaurar o equilíbrio da energia vital.Assim, a homeopatia elimina substancialmente a parte física daservas (por diluição progressiva) e usa unicamente seu aspecto vitalcomo remédio.

A medicina chinesa também usa a acupuntura. Pontos no cor­po, empiricamente descobertos, quando estimulados por agulhas,induzem a consciência a colapsar as idéias do corpo vital necessá­rias para a saúde, de modo que novos mapas possam ser elaboradosno nível físico.

É claro, portanto, que a medicina ocidental atua com base nosprincípios da física clássica, nos aspectos físicos mais grosseirosda doença, enquanto a medicina oriental dá ênfase à cura quântica- uma frase que o autor e médico Deepak Chopra (1990) tomou fa­mosa - evocando a consciência e movimentos quânticos do sutilcorpo vital. Assim, na medicina oriental a consciência é importantee a intenção do paciente desempenha um papel importante. Nessesentido, a medicina oriental é semelhante à medicina mente-corposobre a qual já escrevi em outro lugar (Goswami).

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6o futuro da psiquiatria e dapsicologia: desafios conceituais dapesquisa clínica da consciência

Stanislav Grof

Transpersonal Psychology, Mill Valley, USA

Resumo

A pesquisa moderna de estados holotrópicos (um grande sub­grupo especial de estados não-ordinários de consciência) tais comopsicoterapia experiencial, trabalho clínico e de laboratório comsubstâncias psicodélicas, antropologia de campo, tanatologia, eterapia com indivíduos passando por crises psicoespirituais ("emer­gências espirituais") gerou uma pletora de observações extraordi­nárias que abalaram algumas das premissas mais fundamentais dapsiquiatria, psicologia e psicoterapia modernas. Algumas dessasdescobertas questionaram seriamente os dogmas filosóficos maisbásicos da ciência ocidental relacionados à interação entre matéria,vida e consciência. Este trabalho faz um resumo das mais impor­tantes revisões que terão de ser realizadas em nosso entendimentoda consciência e da psique humana saudável e enferma para aco­modar esses desafios conceituais.

Introdução

I) Ao contrário do que diz a ciência acadêmica, o software dapsique humana não se limita à biografia pós-natal e ao inconsciente

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individual freudiano. A psique individual humana inclui duas ou­tras dimensões importantes - o domínio perinatal, intimamente re­lacionada com o trauma do nascimento, e o reino transpessoal, afonte de experiências que transcendem o corpo-ego - e é essencial­mente equivalente a toda a existência.

2) Os distúrbios emocionais e psicossomáticos de origem psi­cogenética não podem ser explicados de forma adequada por even­tos traumáticos pós-natais; eles têm raízes perinatais e transpesso­ais significativas. Por esse motivo, a psicoterapia, para ser eficaz,precisa incluir esses domínios transbiográficos que vão mais alémda biografia e não pode se restringir ao trabalho com o material davida pós-natal.

3) Além da manipulação do material biográfico que é usadoatualmente pelas várias escolas de psicoterapia ocidental, os esta­dos holotrópicos oferecem mecanismos de cura experiencial pode­rosos que se tomam disponíveis nos níveis perinatais e transpesso­ais da psique, tais como revi ver o nascimento biológico e a expe­riência da morte e renas cimento psicoespiritual, experiências devidas passadas, seqüências arquetípicas, episódios de unidade cós­mica e outros mais.

4) Os estados holotrópicos, sejam espontâneos ou induzidos,mobilizam forças de cura intrínsecas ao organismo. Quando com­preendidos e apoiados de forma adequada, eles podem resultarem curas emocionais e psicossomáticas, transformações positi­vas da personalidade e evolução da consciência. Oferecem possi­bilidades terapêuticas que são radicalmente diferentes e superio­res aos esforços convencionais para entender racionalmente a di­nâmica dos distúrbios emocionais e tratá-Ios por meio de inter­venções verbais psicoterapêuticas que refletem as crenças das vá­rias escolas de psicoterapia.

5) A espiritualidade em sua forma genuína é uma dimensão le­gítima e importante da existência e é incorreto rejeitá-Ia como pro­duto da ignorância, da superstição, do pensamento mágico primiti­vo ou da patologia. Experiências místicas não devem ser conside­radas indicações de doença mental, e sim manifestações normais ealtamente desejáveis da psique humana que possui um potencialextraordinário para curas e transformações.

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6) Muitas experiências em estados não-ordinários da cons­ciência contestam seriamente não só as atuais teorias psiquiátricase psicológicas, como também as premissas filosóficas básicas daciência materialista ocidental referente à natureza da realidade e à

relação entre matéria e consciência. À luz de novas descobertas, aconsciência não é um produto dos processos neurofisiológicos docérebro, mas sim um aspecto fundamental da existência que é me­diada, mas não produzida, pelo cérebro.

1. Experiências holotrópicas e seu potencial heurÍsticoe de cura

A fonte das observações examinadas neste artigo tem sido umestudo sistemático de longo prazo, daquilo que a psiquiatria acadê­mica chama de "estados alterados de consciência" ou "estados

não-ordinários da consciência." Os focos primordiais dessa pes­quisa foram experiências que representam uma fonte útil de dadossobre a psique humana, e aquelas que têm um potencial de cura,transformador e evolucionário. Para esse objetivo, o termo "esta­dos não-ordinários da consciência" é demasiado geral; inclui umasérie muito ampla de condições que não são interessantes ou rele­vantes para nosso ponto de vista.

A consciência pode ser profundamente modificada por umavariedade de processos patológicos - por traumas cerebrais, por in­toxicações com produtos químicos venenosos, por infecções, oupor processos degenerativos e circulatórios no cérebro. Tais condi­ções podem provocar mudanças mentais profundas que seriam in­cluídas na ampla categoria de "estados não-ordinários da consciên­cia". No entanto, eles causam "delírios triviais" ou "psicoses orgâ­nicas", estados associados com desorientação geral, deterioraçãodo intelecto e amnésia subseqüente. Essas condições são muito im­portantes do ponto de vista clínico, mas não são de grande interessepara os pesquisadores da consciência.

Este capítulo sumariza as observações que dão ênfase a umsubgrupo amplo e importante de estados não-ordinários da cons­ciência para os quais a psiquiatria contemporânea não tem um ter­mo específico. Cheguei à conclusão que, devido a suas característi­cas peculiares, eles merecem ser diferenciados dos demais e colo-

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cados em uma categoria especial. Por esse motivo, eu lhes dei onome de holotrópicos. Essa palavra composta significa literalmen­te "orientado para a totalidade" ou "indo na direção da totalidade"(do grego holos = todo e trepein = indo para ou na direção de algo).O significado geral do termo e a justificativa para seu uso ficarãomais claros mais adiante neste trabalho. Este nome sugere que,em nosso estado de consciência cotidiano, estamos fragmentados enos identificamos apenas com uma pequena fração daquilo que re­almente somos.

Nos estados holotrópicos, a consciência é modificada qualita­tivamente de uma maneira muito profunda e fundamental, mas nãosofre uma deterioração grosseira como no caso de psicoses orgâni­cas ou de delírios triviais. Vivenciamos a invasão de outras dimen­sões da existência que podem ser muito intensas e mesmo engol­fantes. No entanto, ao mesmo tempo, em geral permanecemos to­talmente orientados, e não perdemos totalmente o contato com arealidade cotidiana. Os estados holotrópicos caracterizam-se poruma transformação específica da consciência associada com mu­danças perceptuais dramáticas em todas as áreas sensoriais, emo­ções intensas e muitas vezes incomuns e alterações profundas nosprocessos do pensamento. Eles são também comumente acompa­nhados por uma variedade de intensas manifestações psicossomá­ticas e formas não convencionais de comportamento.

O conteúdo dos estados holotrópicos é muitas vezes espiritualou místico. Podemos vivenciar seqüências de morte psicológica erenascimento e um amplo espectro de fenômenos transpessoais,tais como sentimentos de união e identificação com outras pessoas,com a natureza, com o universo e com Deus. Podemos descobrir oque parecem ser memórias de outras encarnações, encontrar figu­ras arquetípicas poderosas, comunicar-nos com seres desencama­dos e visitar inúmeras paisagens mitológicas. Nossa consciênciapode se separar de nosso corpo e ainda assim manter a capacidadede perceber o ambiente imediato e lugares remotos.

Os psiquiatras ocidentais estão cientes da existência de expe­riências holotrópicas, mas, devido a sua estrutura conceitual estrei­ta, limitada à biografia pós-natal e ao inconsciente individual freu­diano, não têm qualquer explicação adequada para eles. Conside­ram-nos como produtos patológicos do cérebro, sintomáticos de

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uma doença mental séria, a psicose. Essa conclusão não é corrobo­rada por evidência clínica e, no mínimo, é altamente problemática.Referir-se a essas condições como "psicoses endógenas" pode pa­recer extraordinário para uma pessoa leiga, mas é pouco mais do

que uma admissão da ignorância dos profissionais com relação àetiologia dessas condições.

É difícil imaginar o que e como um processo patológico afe­tando o cérebro possa produzir o rico e intrigado espectro expe­riências holotrópicas, envolvendo fenômenos como seqüênciasdevastadoras de morte e renas cimento psicoespiritual, encontroscom seres arquetípicos, visitas a reinos mitológicos, cenas da vidapassada de outras culturas, ou visões de discos voadores e expe­riências de seqüestro por alienígenas. Além disso, um estudo cui­dadoso da natureza dessas experiências e a informação que elastransmitem diretamente contradizem tal interpretação. Um dos ob­jetivos deste trabalho é explorar o estado ontológico das experiên­cias holotrópicas e demonstrar que elas são fenômenos sui generis- manifestações normais da psique humana que têm um grande po­tencial heurístico e de cura.

Culturas antigas e aborígines gastaram muito tempo e energiadesenvolvendo técnicas poderosas de alteração da mente que podeminduzir estados holotrópicos. Essas "tecnologias do sagrado" com­binam de várias maneiras o canto, respiração, tambores, danças rít­micas, jejum, isolamento social e sensorial, dor física extrema e ou­tros elementos (Eliade, 1964; Campbell, 1984). Com esse objetivo,muitas culturas usavam materiais botânicos contendo alcalóides psi­codélicos (Stafford, 1977; Schultes & Hofmann, 1979).

Os mais famosos exemplos dessas plantas são várias varieda­des de cânhamo, cogumelos "mágicos", o cacto mexicano conhe­cido como peote, o rapé sul-americano e caribenho, o arbusto afri­cano eboga e o cipó da floresta amazônica, Banisteriopsis caapi, afonte do iagê ou ayahuasca. Entre os materiais psicodélicos de ori­gem animal estão as secreções da pele de algumas rãs e a carne dopeixe kyphosusfuscus, do Oceano Pacífico.

Outros importantes desencadeadores de experiências holotró­picas são as várias formas de práticas espirituais sistemáticas queenvolvem meditação, concentração, respiração e exercícios demovimento corporal, que são usados nos vários sistemas do ioga,

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, .y •.•""unu UU Len J:judlsmo, a Vajrayana tibetana, o Taoísmo,o misticismo cristão, o Sufismo e a Cabala. Outras técnicas eramusadas nos mistérios antigos da morte e renascimento, tais comoas iniciações dos templos egípcios de Ísis e Osíris e a baeehanaliagrega, os ritos de Attis e Adonis e os mistérios de Elêusis. Os deta­lhes dos procedimentos envolvidos que esses ritos secretos conti­nuam em sua maior parte desconhecidos, embora seja provávelque as preparações psicodélicas tenham desempenhado um papelimportante neles (Wasson et al., 1978).

Entre meios modernos de induzir estados holotrópicos de cons­

ciência estão os princípios ativos puros isolados das plantas psico­délicas (mescalina, psilocibina, e derivados da triptamina, har­malina, ibogaina, cânabis e outros). Substâncias sintetizadas nolaboratório [LSD, anfetamina e ketamina (Shulgin & Shulgin,1991)] e formas experienciais poderosas de psicoterapia, tais comoa hipnose, abordagens neo-reichianas, terapia primal e o renasci­mento. Minha esposa Cristina e eu desenvolvemos um trabalho derespiração holotrópica, um método poderoso que pode desencade­ar estados holotrópicos profundos por meios muito simples - res­piração consciente, música evocativa e trabalho corporal focado(Grof, 1988).

Existem também técnicas de laboratório muito eficazes paraalterar a consciência. Uma delas é o isolamento sensorial, que en­volve redução significativa de estímulos sensoriais importantes.Em sua forma extrema, o indivíduo é privado de qualquer estímulosensorial submergindo-a em um tanque escuro à prova de som,cheio de água na temperatura corporal (Lilly, 1977). Outro métodobem conhecido para alterar a consciência é o biofeedbaek, onde oindivíduo é guiado por sinais eletrônicos de feedbaek até que entreem estados não-ordinários de consciência caracterizados pela pre­

ponderância de certas freqüências específicas de ondas cerebrais(Green & Green, 1978). Poderíamos também mencionar aqui astécnicas de privação do sono e de sonhos e o sonho lúcido (La Ber­ge, 1985).

É importante enfatizar que episódios de estados holotrópi­cos de duração variada podem também ocorrer espontaneamente,sem qualquer causa específica identificável e muitas vezes contra avontade das pessoas envolvidas. Como a psiquiatria moderna não

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diferencia entre os estados místicos e espirituais e as doenças men­tais, pessoas vivenciando esses estados são muitas vezes conside­radas psicóticas e são hospitalizadas e submetidas a tratamentos

psicofarmacológicos supressivos. Minha esposa e eu considera­mos esses estados como crises psicoespirituais ou "emergências

espirituais". Acreditamos que se eles forem apoiados adequada­mente e tratados, podem ter como resultado curas emocionais e

psicossomáticas, transformação positiva da personalidade e evolu­ção da consciência (Grof & Grof, 1989; 1990).

Culturas antigas e pré-industriais valorizavam os estados ho­lotrópicos imensamente, praticavam-nos regularmente em con­textos socialmente sancionados, e gastavam muito tempo e energiadesenvolvendo técnicas seguras e eficazes para induzi-Ios. Essesestados têm sido o veículo principal para sua vida ritual e espiritu­al, como um meio de comunicação direta com os domínios arquetí­picos de divindades e demônios, forças da natureza, o reino animale o cosmos. Usos adicionais incluíam o diagnóstico e a cura de do­enças, o desenvolvimento da intuição e da percepção extra-senso­rial (PES), e a obtenção de inspiração artística, bem como objeti­vos práticos, tais como a localização da caça e de objetos ou pes­soas perdidas. Segundo o antropólogo Victor Turner, partilhar es­ses estados em grupos também contribui para a união tribal e tendea criar uma sensação de conexão profunda (eommunitas).

A psiquiatria e a psicologia ocidentais não consideram os esta­dos holotrópicos (à exceção de sonhos que não são recorrentes ouassustadores) como fontes potenciais de informações valiosas so­bre a psique humana e sobre a cura, e sim, basicamente, como fenô­menos patológicos. Os clínicos tradicionais tendem a usar indiscri­minadamente os rótulos patológicos e a medicação supressivasempre que esses estados ocorrem espontaneamente. Michael Har­ner, um antropólogo com excelente reputação acadêmica, que sesubmeteu a uma iniciação xamânica durante seu trabalho de campona selva amazônica e pratica o xamanismo, sugere que a psiquiatriaocidental é seriamente preconceituosa em pelo menos dois modossignificativos (Harner, 1980).

Ela é etnoeêntriea, o que significa que ela considera que a suaprópria visão da psique humana e da realidade é a única corretae Superior a todas aquelas compartilhadas por outros grupos cultu-

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rais. Dessa perspectiva, as experiências e comportamentos para osquais não existe nenhuma explicação psicanalítica ou behaviorista,são atribuídas à doença mental. Segundo Hamer, a psiquiatria oci­dental também é cognicêntrica (uma palavra mais exata poderiaser "pragmacêntrica"), querendo dizer com isso que ela só leva emconsideração experiências e observações no estado ordinário daconsciência. A falta de interesse e o menosprezo que a psiquiatriatem pelos estados holotrópicos teve como resultado uma aborda­gem culturalmente insensível, e uma tendência a considerar comopatologia todas as atividades que não podem ser compreendidas noestreito contexto do paradigma materialista monístico. Isso inclui avida espiritual e ritual das culturas antigas e pré-industriais e toda ahistória espiritual da humanidade.

Se estudarmos sistematicamente as experiências e observa­ções associadas com os estados holotrópicos, veremos que isso le­vará a uma revisão radical de nossas idéias básicas sobre a cons­

ciência e sobre a psique humana e a uma abordagem totalmentenova à psiquiatria, à psicologia e à psicoterapia. As mudanças queteríamos de fazer em nosso pensamento se dividem em várias gran­des categorias: 1) Nova compreensão e nova cartografia da psi­que humana; 2) A natureza e arquitetura dos distúrbios emocio­nais e psicossomáticos; 3) Mecanismos terapêuticos e o processode cura; 4) A estratégia da psicoterapia e auto-exploração; 5) O pa­pel da espiritualidade na vida humana; 6) A natureza da realidade.

2. Nova compreensão e cartografia da psique humana

A psiquiatria e a psicologia acadêmicas tradicionais usam ummodelo da psique que é restrita à biografia pós-natal e ao inconsci­ente individual freudiano. Para explicar todos os fenômenos queocorrem em estados holotrópicos, nosso entendimento das dimen­sões da psique humana tem de ser ampliado drasticamente. Eumesmo sugeri uma cartografia ou modelo da psique que contém,além do nível biográfico comum, dois domínios transbiográficos:o domínio perinatal, relacionado com o trauma do nascimento bio­lógico; e o domínio transpessoal, que explica fenômenos tais comoa identificação experiencial com outras pessoas, animais e plantas,visões de seres e reinos arquetípicos e mitológicos, experiências

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ancestrais, raciais e cármicas e identificação com a mente univer­sal ou o vazio (Orof, 1975). Essas são experiências que foram des­critas através dos tempos na literatura religiosa, mística e ocultista.

3. Biografia pós-natal e o inconsciente individual

o nível biográfico da psique não exige muita discussão,já queé bem conhecido através da literatura profissional oficial. Aliás, éaquilo de que tratam a psiquiatria, a psicologia e a psicoterapiatradicionais. No entanto, existem algumas diferenças importantesentre explorar esse domínio através da psicoterapia verbal e atra­vés de abordagens que usam estados holotrópicos. Primeiramen­te, em terapias experienciais intensas, nós não só lembramos deeventos significativos emocionalmente, ou os reconstruímos indi­retamente a partir dos sonhos, de lapsos lingüísticos ou de distor­ções de transferência. Vivenciamos as emoções originais, as sen­sações jisicas e até as percepções sensoriais em uma regressãoetária total. Isso significa que, quando revivemos um trauma im­portante da primeira infância ou da infância em geral, nós real­mente temos a imagem corporal, a percepção ingênua do mundo,as sensações e as emoções que correspondem à idade que tínha­mos à época.

A segunda diferença entre o trabalho com material biográficoem estados holotrópicos, quando comparado com psicoterapiasverbais é que no primeiro, além de enfrentar os traumas psíquicosde sempre, as pessoas muitas vezes têm de revi ver e integrar trau­mas que eram primordialmente de natureza física. Muitas pessoastêm de processar experiências de quase-afogamento, operações,acidentes e doenças infantis, principalmente aquelas associadascom sufocação, tais como a difteria, a coqueluche, ou a aspiraçãode um objeto estranho.

Esse material emerge bastante espontaneamente e sem qual­quer programação. À medida que ele vem à tona, as pessoas com­preendem que esses traumas físicos realmente desempenharam umpapel significativo na psicogênese de seus problemas emocionais epsicossomáticos, tais como a asma, a enxaqueca, e uma variedadede dores psicossomáticas, fobias, tendências sadomasoquistas oudepressão e tendências ao suicídio. Reviver essas memórias trau-

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máticas, e sua integração, podem então ter conseqüências terapêu­ticas de longo alcance. Isso contrasta nitidamente com as atitudesda psiquiatria e psicologia acadêmicas que não reconhecem que in­júrias fisicas podem ter uma influência direta na fonnação de trau­mas psíquicos.

Outra informação nova sobre o nível de relembranças biográ­ficas da psique que surgiu com minha pesquisa psicodélica e holo­trópica foi a descoberta de que as memórias emocionalmente rele­vantes não são armazenadas no inconsciente como um mosaico de

impressões isoladas, mas na forma de constelações complexas edinâmicas. Eu cunhei para essas constelações o nome sistemascoex que é uma abreviação de "sistemas de experiência condensa­da". Um sistema coex consiste de memórias impregnadas de emo­ções de períodos diferentes de nossa vida que se parecem umascom as outras em termos da qualidade da emoção ou da sensaçãofisica que compartilham. Cada coex tem um tema básico que per­meia todas suas camadas e representa seu denominador comum.As camadas individuais contêm, então, as variações desse tema bá­sico que ocorreram nos vários períodos da vida da pessoa.

A natureza do tema central varia consideravelmente de um coex

para outro. As camadas de um sistema específico podem, por exem­plo, conter todas as memórias mais importantes de experiências hu­milhantes, degradantes ou vergonhosas que prejudicaram nossa au­to-estima. Em outro sistema coex o denominador comum pode ser aansiedade, vivenciada em várias situações chocantes ou aterradorasou sentimentos de sufocação e claustro fobia evocados por circuns­tâncias opressivas e de confinamento. A rejeição ou a privação emo­cional que danifica nossa capacidade de confiar nos homens, nasmulheres ou nas pessoas em geral, é outro motivo comum. Situaçõesque geraram em nós sentimentos profundos de culpa e uma sensaçãode fracasso, eventos que nos deixaram a convicção de que o sexo éperigoso ou asqueroso, e encontros com agressão e violência indis­criminada podem ser acrescentados à lista acima como exemplos ca­racterísticos. Particularmente importantes são os sistemas coex quecontêm memórias de encontros com situações perigosas para a vida,para a saúde ou para a integridade do corpo.

Quando descrevi pela primeira vez os sistemas coex nas pri­meiras fases da minha pesquisa psicodélica, pensei que eles gover-

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nassem a dinâmica do nível biográfico do inconsciente. À medida

que minha experiência com estados holotrópicos tomou-se maisrica e mais extensa, compreendi que as raízes dos sistemas coexsão muito mais profundas. Cada uma das constelações coex parecesuperimpor um aspecto específico do trauma do nascimento, anco­rando-se nele. Além disso, um sistema coex típico vai ainda maislonge e tem suas raízes mais profundas nas várias formas de fenô­menos transpessoais, tais como experiências de vidas passadas, ar­quétipos junguianos, identificação consciente com vários animais,e outras. Atualmente eu considero os sistemas coex como princí­pios gerais organizadores da psique humana. O conceito de siste­mas coex parece, até certo ponto, com as idéias junguianas sobrecomplexos psicológicos (Jung, 1960) e com os sistemas dinâmi­cos trans- fenomenais de Hanskare Leuner (Leuner, 1962) mas têmmuitas características que os diferenciam de ambos conceitos.

Os sistemas coe~ desempenham um papel importante na nossavida psicológica. Podem influenciar a maneira como percebemos anós mesmos, outras pessoas, e o mundo e como nos sentimos a res­peito deles. Eles são as forças dinâmicas por trás de nossos sinto­mas emocionais e psicossomáticos, dificuldades de relacionamen­to com outras pessoas e comportamento irracional. Existe uma in­teração dinâmica entre os sistemas coex e o mundo externo. Even­tos externos em nossa vida podem especificamente ativar sistemascoex correspondentes e, ao contrário, sistemas coex ativos podemnos fazer perceber e nos comportarmos de tal maneira que recria­mos seus temas centrais em nossa vida presente (Grof, 1975).

Antes de continuar nossa discussão da nova cartografia ampli­ada da psique humana, é importante mencionar brevemente umacaracterística muito importante e extraordinária dos estados holo­trópicos que desempenharam um papel muito significativo no ma­peamento dos territórios experienciais da psique e que também éinestimável para o processo de psicoterapia. Os estados holotrópi­cos tendem a "ligar" algo assim como um "radar interno" que auto­maticamente traz à consciência os conteúdos do inconsciente quetêm a carga emocional mais forte e que são mais relevantes psi­codinamicamente naquele momento. Isso representa uma gran­de vantagem em comparação à psicoterapia verbal, onde o clienteapresenta uma série ampla de informação de vários tipos, e o tera-

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peuta tem de decidir o que é importante, o que é irrelevante e o queo paciente está bloqueando.

Como não há qualquer concordância geral sobre as questõesteóricas básicas entre as várias escolas, tais avaliações serão sem­pre idiossincráticas, refletindo as perspectivas da escola do tera­peuta e suas visões pessoais. Os estados holotrópicos evitam que oterapeuta tenha de tomar essas decisões tão dificeis, e elimina mui­tas das tendências pessoais e profissionais das abordagens verbais.Essa seleção automática de material relevante por parte da psiquedo paciente também espontaneamente guia o processo de auto-ex­ploração mais além do nível biográfico e o orienta para os níveisperinatal e transpessoal da psique. Esses são domínios transbiográ­ficos que não são reconhecidos nem aceitos pela psiquiatria e psi­cologia acadêmicas.

4. O nível perinatal da psique

Quando nosso processo de profunda auto-exploração experi­encial vai além do nível das memórias dos primeiros anos e da in­fância e alcança o próprio nascimento, começamos a nos depararcom emoções e sensações fisicas de intensidade extrema, que mui­tas vezes ultrapassam qualquer coisa que anteriormente considerá­vamos humanamente possível. A essa altura, as experiências tor­nam-se uma combinação estranha dos temas de nascimento e mor­te. Elas envolvem uma sensação de aprisionamento que ameaça aprópria vida e uma luta desesperada e decidida para nos libertar­mos e sobreviver. Esse relacionamento íntimo entre o nascimento e

a morte no nível perinatal reflete o fato de que o nascimento é umevento que pode ser um risco de vida. A criança e a mãe podem re­almente perder suas vidas durante o processo e crianças podemnascer arroxeadas por asfixia, ou até mesmo mortas e precisandoser ressuscitadas.

A revivência de vários aspectos do nascimento biológico podeser muito autêntica e convincente e muitas vezes repetimos o pro­cesso em detalhe fotográfico. Isso pode ocorrer mesmo em pessoasque não têm qualquer conhecimento intelectual de seu nascimentoe a quem faltam informações sobre obstetrícia, mesmo as mais ele­mentares. Podemos, por exemplo, descobrir através da experiência

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direta que nascemos de nádegas, que foi usado um fórceps duranteo parto ou que nascemos com o cordão umbilical enrolado no pes­coço. Podemos sentir a ansiedade, a fúria biológica, a dor fisica e asufocação associadas com esse evento atemorizador e até reconhe­cer, com precisão, o tipo de anestesia usada quando nascemos. Issoé, muitas vezes, acompanhado por várias posturas e movimentosda cabeça e do corpo que recriam corretamente a mecânica de umtipo específico de parto. Todos esses detalhes podem ser confirma­dos se existem registros precisos do nascimento ou testemunhaspessoais fidedignas.

A forte representação do nascimento e da morte em nossa psi­que e a íntima associação entre eles pode surpreender psicólogos epsiquiatras tradicionais, mas na verdade isso é lógico e facilmentecompreensível. O parto termina bruscamente com a existência in­tra-uterina do feto. Ele ou ela "morrem" como organismo aquático enasce como uma forma de vida que respira o ar, e é fisiológica e atémesmo anatomicamente diferente. E a própria passagem pelo canaldo nascimento é uma situação dificil e que pode ameaçar a vida.

O que não é tão fácil de compreender é por que a dinâmica pe­rinatal também regularmente inclui um componente sexual. Quan­do estamos revivendo os estágios finais do parto no papel do feto,isso é tipicamente associado com uma excitação sexual extraordi­nariamente forte. O mesmo ocorre com as mulheres durante o par­to, que podem vivenciar uma combinação de medo da morte e deexcitação sexual intensa. Essa conexão parece estranha e surpreen­dente, sobretudo no caso do feto, e certamente merece umas pala­vras de explicação.

Parece existir um mecanismo no organismo humano que trans­forma sofrimento extremo, especialmente quando é associado comsufocação em uma forma peculiar de excitação sexual. Essa cone­xão experiencial pode ser observada em uma variedade de situa­ções além do nascimento. Pessoas que tentaram se enforcar e fo­ram salvas no último momento tipicamente descrevem que, noauge da asfixia, sentiram uma excitação sexual quase insuportável.Sabe-se que homens que são executados por enforcamento normal­mente têm uma ereção e ejaculam.

A literatura sobre tortura e lavagem cerebral descreve que so­frimento fisico desumano muitas vezes provoca êxtase sexual. Nas

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seitas de flagelantes, que regularmente se submetem à tortura au­to-infligi da, e nos mártires religiosos que foram submetidos a tor­mentos inimagináveis, a dor fisica extrema, em um determinadomomento, se transforma em excitação sexual e eventualmente pro­voca arroubos extáticos e experiências transcendentais. Em umaforma menos extrema, esse mecanismo opera em várias práticassadomasoquistas que incluem estrangulamento e sufocação.

O espectro experiencial do domínio perinatal do inconscientenão se limita a emoções e sensações fisicas que podem ser originá­rias de processos biológicos, envolvidos no parto. Também en­volve um rico imaginário simbólico que é extraído dos domíniostranspessoais. O domínio perinatal é uma interface importante en­tre os níveis biográficos e transpessoais da psique. Representa umapassagem para os aspectos históricos e arquetípicos do inconscien­te coletivo no sentido junguiano. Como o simbolismo específicodessas experiências têm sua origem no inconsciente coletivo, e nãonos bancos de memórias individuais, ele pode se originar de qual­quer contexto geográfico e histórico, assim como de qualquer tra­dição espiritual do mundo, de forma bastante independente de nos­so contexto racial, cultural, educacional ou religioso.

A identificação com o bebê enfrentando a penosa experiência dapassagem através do canal do nascimento parece dar acesso a expe­riências de pessoas de outras épocas e culturas, de vários animais eaté de figuras mitológicas. Écomo se, ao conectar com a experiênciado feto lutando para nascer, atingíssemos uma conexão íntima, qua­se mística, com a consciência da espécie humana e com outros seressencientes que estão, ou já estiveram, em um apuro semelhante.

A confrontação experiencial com o nascimento e a morte pareceter como resultado, automaticamente, uma abertura espiritual e adescoberta de dimensões místicas da psique e da existência. Parecenão fazer qualquer diferença se esse encontro com o nascimento e amorte ocorre em situações reais da vida, tais como no caso de mulhe­res dando à luz e no contexto de experiências de quase morte, ou se épuramente simbólico. Seqüências perinatais intensas em sessõespsicodélicas e holotrópicas ou durante crises psicoespirituais espon­tâneas ("emergências espirituais") parecem ter o mesmo efeito.

O nascimento biológico tem três estágios distintos. No primei­ro, o feto é apertado pelas contrações uterinas sem ter qualquer

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chance de escapar dessa situação, já que o cérvix está firmementefechado. As contrações contínuas empurram o cérvix sobre a cabe­ça do feto até que ele esteja suficientemente dilatado para permitira passagem através do canal do nascimento. A dilatação total docérvix e a descida da cabeça para encaixar-se na pelve marcam atransição do primeiro para o segundo estágio do parto que é carac­terizado pela gradual e dificil propulsão através das vias do nasci­

mento. E finalmente, no terceiro estágio, o recém-nascido emergedo canal do nascimento e, depois que o cordão umbilical é cortado,ele ou ela se tomam um organismo anatomicamente independente.

Em cada um desses estágios o bebê vivencia um conjunto deemoções intensas e sensações fisicas específicas e típicas. Essasexperiências deixam marcas inconscientes profundas na psiqueque, mais tarde, irão desempenhar um papel importante na vida doindivíduo. Reforçadas por experiências emocionalmente impor­tantes da primeira infância e da infância em geral, as memórias do

nascimento podem formar a percepção do mundo, influenciar pro­fundamente o comportamento cotidiano e contribuir para o desen­volvimento de vários distúrbios emocionais e psicossomáticos.

Nos estados holotrópicos, esse material inconsciente pode virà tona e ser vivenciado plenamente. Quando nosso processo de au­to-exploração profunda nos leva de volta ao nascimento, descobri­mos que reviver cada um dos estágios do parto se associa com umpadrão experiencial distinto, caracterizado por uma combinaçãoespecífica de emoções, sensações fisicas e imagens simbólicas.Refiro-me a esses padrões da experiência como matrizes perinataisbásicas (MPBs).

A primeira matriz perinatal (MPB I) é relacionada com a expe­riência intra-uterina que imediatamente precede o nascimento e astrês matrizes restantes (MPB 11- MPB IV) com os três estágios clí­nicos do parto descritos acima. Além de conter elementos que repre­sentam um replay da situação original do feto em um estágio especí­fico do nascimento, as matrizes perinatais básicas também incluem

várias cenas naturais, históricas e mitológicas com qualidades expe­rienciais semelhantes extraídas de domínios transpessoais.

As conexões entre as experiências dos estágios consecutivosdo nascimento biológico e várias imagens simbólicas associadas

com elas são muito específicas e consistentes. O motivo pelo qual

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elas emergem juntas não faz sentido em termos da lógica conven­cional. No entanto, isso não quer dizer que as associações sejam ar­bitrárias ou ao acaso. Elas têm sua própria ordem profunda cujamelhor descrição é "lógica experiencial". O que isso significa éque a conexão entre as experiências características dos vários está­gios do nascimento e os temas simbólicos concomitantes não estãobaseados em alguma similaridade externa formal, mas sim no fatode que elas partilham os mesmos sentimentos emocionais e as mes­mas sensações físicas.

4.1. Primeira Matriz Perinata! Básica (MPB I)

Ao experimentar os episódios de uma existência embriônicaserena (MPB I), muitas vezes encontramos imagens de vastas re­giões sem quaisquer fronteiras ou limites. Às vezes as identifica­mos com galáxias, espaço interestelar, ou o cosmos inteiro, outrasvezes temos a sensação de estar flutuando no oceano ou de estar­mos nos transformando em vários animais aquáticos tais como pei­xes, golfinhos ou baleias. A experiência uterina serena pode tambémabrir para visões da natureza - seguras, belas e incondicionalmentenutritivas, como um bom útero (a Mãe Natureza). Podemos ver po­mares exuberantes, campos de milho maduro, terraços agrícolas nosAndes ou ilhas da Polinésia ainda não exploradas. A experiência doútero bom pode também dar acesso seletivo ao domínio arquetípi­co do inconsciente coletivo e mostrar imagens de paraísos ou céuscomo são descritos nas mitologias de culturas diferentes.

Quando estamos revi vendo episódios de distúrbios uterinos,ou experiências de "útero mau" temos uma sensação de ameaçaoculta e geral, e muitas vezes sentimos como se estivéssemos sen­do envenenados. Podemos ver imagens que retratam águas poluí­das ou depósitos de lixo tóxico. Isso reflete o fato de que muitosdistúrbios pré-natais são causados por mudanças tóxicas no corpoda mãe grávida. A experiência do útero tóxico pode ser associadacom visões de figuras demoníacas assustadoras do reino arquetípi­co do inconsciente coletivo. A revivência de interferências mais

violentas durante a existência pré-natal, tais como um aborto natu­ral iminente, ou uma tentativa de aborto provocado, é usualmenterelacionada com uma sensação de ameaça universal ou com visõesapocalípticas e sangrentas do fim do mundo.

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4.2. Segunda Matriz Perinata! Básica (MPB IJ)

Quando a regressão experiencial atinge a memória do começodo nascimento biológico, normalmente sentimos que estamos sen­do tragados por um rodamoinho gigantesco ou engolidos por algu­ma fera mítica. Podemos também sentir como se o mundo inteiro,ou até mesmo o cosmos estivessem sendo tragados. Isso pode serassociado com imagens de monstros arquetípicos que agarram oudevoram, tais como leviatãs, dragões, cobras gigantescas, tarântu­Ias e polvos. A sensação esmagadora de risco de vida pode provo­car ansiedade intensa e uma desconfiança de tudo que é quasecomo uma paranóia. Podemos também vivenciar uma queda nasprofundezas do submundo, no reino da morte, ou no inferno. Comoo mitólogo Joseph Campbell descreveu de forma tão eloqüente,esse é um tema universal nas mitologias da viagem do herói (Camp­bell, 1968).

.Reviver o primeiro estágio do nascimento biológico em suaplena evolução, quando o útero está se contraindo, mas o cérvixainda não está aberto (MPB 11)é uma das piores experiências queum ser humano pode ter. Sentimo-nos presos em um pesadeloclaustrofóbico monstruoso, sofremos dores físicas e emocionaisextremas e temos uma sensação de impotência e desespero total.Nossos sentimentos de solidão, de culpa, do absurdo da vida e o de­sespero existencial podem atingir proporções metafísicas. Perde­mos conexão com o tempo linear e ficamos certos de que essa si­tuação nunca chegará ao fim e que não há absolutamente nenhumasaída. Não há dúvida em nossa mente que o que nos está ocorrendoé aquilo a que as religiões chamam de inferno - tormento físico eemocional insuportável sem qualquer esperança de redenção. Comefeito, isso pode ser ainda acompanhado por imagens arquetípicasde diabos e paisagens infernais de culturas diferentes.

Quando estamos enfrentando a situação de nenhuma saída eestamos nas garras das contrações uterinas, podemos nos conectar,experiencialmente, com seqüências do inconsciente coletivo queenvolvem pessoas, animais e até seres mitológicos que estão emuma situação dolorosa e desesperada semelhante. Identificamo­nos com prisioneiros em masmorras, internos de campos de con­centração ou de hospícios e com animais presos em armadilhas.Podemos vivenciar as torturas intoleráveis de pecadores no inferno

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ou de Sísifo rolando sua pedra gigantesca montanha acima, noabismo mais profundo do Hades. Nossa dor pode transformar-sena agonia de Cristo perguntando a Deus por que Ele o havia aban­donado. Parece-nos que estamos enfrentando a perspectiva decondenação eterna. Este estado de escuridão e desespero profun­dos é conhecido na literatura espiritual como a Noite Escura daAlma. De uma perspectiva mais ampla, apesar dos sentimentosde total desespero que ele envolve, esse estado é um estágio im­

portante de abertura espiritual. Se vivenciado em sua profundida­de total, pode ter um efeito expurgado r e liberalizante para aquelesque o VlvenClam.

4.3. Terceira Matriz Perinatai Básica (MPB III)

A experiência do segundo estágio do nascimento, a propulsãoatravés do canal do nascimento depois que o cérvix se abre e acabeça desce (MPB I1I), é extraordinariamente rica e dinâmica.Enfrentando as energias conflitantes e as pressões hidráulicas en­volvidas no parto, somos inundados com imagens do inconscientecoletivo representando seqüências de batalhas titânicas e cenas deviolência e tortura sangrenta. É também nessa fase que nos defron­tamos com impulsos sexuais e energias de natureza problemática eintensidade extraordinária.

Já descrevemos anteriormente que a excitação sexual é uma

parte importante da experiência do nascimento. Isso coloca nossoprimeiro encontro com a sexualidade em um contexto muito precá­rio, em uma situação em que nossa vida está ameaçada, onde esta­mos sofrendo e infligindo dor e em que não podemos respirar. Aomesmo tempo, estamos vivenciando uma combinação de ansieda­de vital e fúria biológica primitiva, a última sendo uma reação

compreensível por parte do feto a essa experiência dolorosa e ame­açadora de sua vida. Nos últimos estágios do nascimento, podemostambém encontrar várias formas de material biológico - sangue,muco, urina e até mesmo fezes.

Devido a essas conexões problemáticas, as experiências e ima­

gens que encontramos nessa fase normalmente apresentam o sexode uma maneira profundamente distorcida. A combinação estra­nha de excitação sexual com dor fisica, agressão, ansiedade vital ematerial biológico leva a seqüências que são pornográficas, aber-

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rantes, sadomasoquistas, escatológicas ou até mesmo satânicas.Podemos ser dominados por cenas dramáticas de abuso sexual,perversões, estupros e assassinatos por motivos eróticos.

Ocasionalmente essas experiências podem adotar a forma departicipação em rituais de que participam bruxas e satanistas. Issoparece estar relacionado com o fato de que a revivência desse está­gio do nascimento envolve a mesma combinação estranha de emo­ções, sensações e elementos que caracterizam as cenas arquitípicasda Missa Negra e dos Sabás das Bruxas (Noite de Walpurgi). É umamistura de excitação sexual, ansiedade aterrorizante, agressão, amea­ça vital, dor, sacrificio e encontro com materiais biológicos nor­malmente repulsivos. Esse amálgama experiencial peculiar é asso­ciado com uma sensação do sagrado ou numinoso que reflete o fatode que tudo isso está se desenvolvendo em muita proximidade auma abertura espiritual.

Esse estágio do processo do nascimento pode também ser as­sociado com inúmeras imagens do inconsciente coletivo retratan­do cenas de agressão assassina, tais como batalhas cruéis, revolu­ções sangrentas, massacres ensangüentados e genocídio. Em todasas cenas violentas e sexuais que encontramos nesse estágio, alter­namos entre o papel do perpetrador e o da vítima. Esse é o momen­to de um encontro importante com o lado escuro de nossa persona­lidade, a Sombra de Jung.

À medida que essa fase perinatal culmina e se aproxima dofim, muitas pessoas vêem Jesus, o Caminho da Cruz e a crucifica­ção ou até mesmo vivenciam uma espécie de identificação totalcom o sofrimento de Jesus. A esfera arquetípica do inconscientecoletivo contribui para essa fase com figuras mitológicas heróicase divindades representando a morte e o renascimento, tais como odeus egípcio Osíris, as divindades gregas Dioniso e Perséfone ou adeusa sumeriana Inana.

4.4. Quarta Matriz Perinatai (MPB IV)

A revivência do terceiro estágio do processo do nascimento, daverdadeira emergência no mundo (MPB IV) normalmente tem iní­cio com o tema fogo. É possível ter a sensação de que nosso corpoestá sendo consumido e chamuscado pelo calor, temos visões de ci-

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dades e florestas pegando fogo, ou nos identificamos com vítimasde imolação. As versões arquetípicas desse fogo podem tomar aforma das chamas purificadoras do Purgatório ou do legendário

pássaro Fênix, morrendo no calor de seu ninho queimado e emer­gindo das cinzas renascido e rejuvenescido. O fogo purificador pa­rece destruir tudo o que seja corrupto em nós e preparar-nos para orenascimento espiritual. Quando estamos revi vendo o momentomesmo do nascimento, o vivenciamos como a extinção total e o re­nascimento e a ressurreição subseqüentes.

Para entender por que sentimos a revivência do nascimentobiológico como se fosse morte e renascimento, temos de compre­ender que o que ocorre conosco é muito mais do que meramenteum replay do evento original do nascimento. Durante o parto, esta­mos totalmente presos no canal do nascimento e não temos meiosde expressar as emoções e sensações extremas que estão emjogo.Assim, nossa memória desse evento permanece psicologicamentemal-digerida e mal assimilada. Grande parte de nossa autodefini­ção futura e de nossas atitudes com relação ao mundo são forte­mente contaminadas pela lembrança constante e profunda da vul­nerabilidade, inadequação e fragilidade que vivenciamos durante onascimento. Em um certo sentido nascemos anatomicamente, mas,emocionalmente, não nos damos realmente conta de que a emer­

gência e o perigo já passaram.

O "morrer" e a agonia durante a luta para o renas cimento refle­te a verdadeira dor e ameaça à vida que ocorre no processo do nas­cimento biológico. No entanto, a morte do ego que imediatamenteprecede o renascimento é a morte de nossos antigos conceitos dequem somos e de como é o mundo, que são forjados pela marcatraumática do nascimento. À medida que estamos expurgando es­

ses programas antigos de nossa psique e de nosso corpo, deixan­do-os emergir na consciência, estamos diminuindo sua carga ener­gética e restringindo sua influência destrutiva em nossa vida. Deuma perspectiva mais ampla, esse processo tem, na verdade, a ca­pacidade de curar e de transformar. E no entanto, quando nos apro­ximamos de sua resolução final, podemos paradoxalmente sentirque, como as antigas impressões estão abandonando nosso siste­ma, estamos morrendo com elas. Às vezes, não só temos uma sen­sação de aniquilamento pessoal, mas também da destruição do mun­do como o conhecemos.

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Embora só um pequeno passo nos separe da experiência de li­bertação radical, temos uma sensação de ansiedade que tudo per­meia e de uma iminente catástrofe de enormes proporções. A im­pressão de fim iminente pode ser muito convincente e arrebatadora.O sentimento predominante é que estamos perdendo tudo aquilo queconhecemos e que somos. Ao mesmo tempo, não temos nenhumaidéia do que pode estar do outro lado, ou mesmo se há qualquer coisalá. É devido a esse medo que, nesse estágio, muitas pessoas, se po­dem, desesperadamente resistem ao processo. Em conseqüênciadessa resistência, elas podem ficar psicologicamente presas nesseterritório problemático por um período indefinido de tempo.

O encontro com a morte do ego é um estágio da viagem espiri­tual em que provavelmente precisaremos de muito encorajamentoe apoio psicológico. Quando conseguirmos vencer o medo metafi­sico associado com essa importante conjuntura e decidirmos dei­xar que as coisas aconteçam, vivenciamos extinção total em todosos níveis imagináveis. Isso inclui destruição fisica, desastre emoci­onal, derrota intelectual e filosófica, fracasso moral final e até con­denação espiritual. Durante essa experiência, teremos a sensaçãode que todos os pontos de referência, tudo que é importante e signi­ficativo em nossas vidas foi destruído impiedosamente.

Logo após a experiência de extinção total- "chegando ao fundodo poço cósmico" - seremos dominados por visões de uma luz quetem um brilho e beleza supematurais e que normalmente é conside­rada sagrada. Essa epifania divina pode ser associada com a apariçãode lindos arcos-íris, desenhos de penas de pavão diáfanas e visões dereinos celestiais com seres angélicos ou divindades surgindo na luz.Esse é também o momento quando podemos vivenciar um encontroprofundo com a figura arquetípica da Grande Deusa Mãe ou comuma de suas muitas formas ligadas às várias culturas.

A experiência de morte e renascimento psicoespiritual é umpasso importante na direção do enfraquecimento de nossa identifi­cação com o corpo-ego, ou com o "ego-encapsulado na pele",Como o chamou o escritor e filósofo anglo-americano Alan Watts,e da re-conexão com a esfera transcendental. Sentimo-nos redimi­

dos, libertados e abençoados e temos uma nova percepção de nossanatureza divina e status cósmico. Normalmente também sentimos

uma forte onda de emoções positivas com relação a nós mesmos, às

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outras pessoas, à natureza, a Deus e à existência em geral. Ficamoscheios de otimismo e temos uma sensação de bem-estar emocionale fisico.

É importante enfatizar, também, que esse tipo de experiênciade cura e de mudança de vida ocorre quando os estágios finais donascimento biológico tiveram uma evolução mais ou menos natu­ral. Se o parto foi muito debilitante ou tornou-se confuso devido auma anestesia muito forte, a experiência do renascimento não tema qualidade de emergência triunfal na luz. Será mais semelhan­te a um despertar, ou como a recuperação de uma ressaca comtonteira, náusea e uma consciência confusa. Nesse caso, é prová­vel que muito esforço psicológico seja necessário para trabalharessas questões adicionais e os resultados positivos serão muito me­nos surpreendentes.

A esfera perinatal da psique representa uma encruzilhada ex­periencial de importância crucial. Ele é não só o ponto de encontrode três aspectos absolutamente essenciais da existência biológicahumana - o nascimento, o sexo e a morte - mas também a linha di­visória entre vida e morte, o indivíduo e a espécie e a psique huma­na individual e o espírito universal. A plena experiência conscientedo conteúdo desse domínio da psique com uma boa integração sub­seqüente podem ter conseqüências de longo alcance e conduzir auma abertura espiritual e a uma profunda transformação pessoal.

5. Domínio transpessoal da psique

o segundo maior domínio que tem que ser acrescentado à car­tografia da psique humana da psiquiatria dominante quando traba­lhamos com estados holotrópicos é hoje conhecida com o nomede transpessoal, querendo dizer, literalmente, além do pessoal outranscendendo o pessoal. As experiências que se originam nessenível envolvem a transcendência dos limites normais do indiví­

duo (seu corpo e ego), e das limitações do espaço tridimensional edo tempo linear que restringem nossa percepção do mundo no es­tado normal da consciência. A melhor maneira de definir as expe­

riências transpessoais é contrastá-Ias com a experiência cotidianade nós mesmos e do mundo - como devemos vivenciar a nós mes­

mos e ao ambiente, para que passemos por "normais" de acordo

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com os padrões de nossa cultura e da psiquiatria contemporânea(Grof, 1975; 1988).

No estado ordinário ou "nonnal" da consciência, nos vivencia­mos como objetos newtonianos, existindo dentro dos limites denossa pele. Como mencionei anteriormente, Alan Watts referiu-sea essa experiência de nós mesmos como associada ao ego encapsu­lado pela pele. Nossa percepção do ambiente é restrita pelas limita­ções fisiológicas de nossos órgãos sensoriais e pelas característicasfisicas do ambiente.

Não podemos ver objetos de que estejamos separados por umaparede sólida, ou navios que estejam além do horizonte, ou o outrolado da lua. Se estivermos em Praga, não poderemos ouvir o quenossos amigos estão conversando em São Francisco. Não podemossentir a maciez de uma pele de cordeiro a não ser que a superficiede nosso corpo esteja em contato direto com ela. Além disso, só po­demos sentir vividamente, e com todos nossos sentidos, os eventosque estão acontecendo no momento presente. Podemos nos lem­brar do passado e antecipar eventos futuros ou fantasiar sobre eles;no entanto, essas são experiências muito distintas da experiênciaimediata e direta que temos do momento presente. Nos estadostranspessoais da consciência, no entanto, nenhuma dessas limita­ções é absoluta e qualquer uma delas pode ser ultrapassada.

As experiências transpessoais podem ser divididas em três gran­des categorias. A primeira delas envolve primordialmente a trans­cendência das barreiras espaciais comuns, ou das limitações doego encapsulado pela pele. A esta categoria pertencem as experiên­cias de fusão com outra pessoa em um estado que pode ser chama­do de unidade dual, em que se assume a identidade da outra pessoa,identificando-se com a consciência de todo um grupo de pessoas(ex. todas as mães do mundo, toda a população da Índia, ou todosos internos dos campos de concentração), ou até mesmo vivencian­do uma ampliação da consciência que parece abranger toda a hu­manidade. Experiências desse tipo já foram descritas inúmeras ve­zes na literatura espiritual mundial.

Da mesma maneira, podemos transcender os limites da expe­riência especificamente humana e identificar-nos com a consciên­cia de vários animais, plantas ou até uma forma de consciência queparece ser associada com objetos e processos inorgânicos. Nos ca-

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sos extremos, é possível sentir a consciência de toda a biosfera, denosso planeta, ou de todo o universo material. Por mais incrível eabsurdo que isso possa parecer a um ocidental envolvido com omaterialismo monístico, essas experiências sugerem que tudo quenós vivenciamos em nosso estado de consciência cotidiano como

sendo um objeto tem, nos estados não-ordinários da consciênciauma representação subjetiva correspondente. É como se tudo n~universo tivesse seu aspecto objetivo e seu aspecto subjetivo, comoé descrito nas grandes filosofias espirituais orientais (por exemplo,no hinduísmo, tudo que existe é uma manifestação de Brahma, ou,no taoísmo, uma transformação do Tao).

A segunda categoria de experiências transpessoais caracteri­za-se sobretudo pela ultrapassagem de limites temporais em vez delimites espaciais, através da transcendência do tempo linear. Já fala­mos sobre a possibilidade de uma revivência vívida de memórias daprimeira infância e do trauma do nascimento. Essa regressão históri­ca pode ir mais além e envolver memórias autênticas fetais e embriô­nicas, de períodos distintos da vida intra-uterina. Tampouco é inco­mum vivenciar, no nível de consciência celular, uma identificação to­tal com o espermatozóide e o óvulo no momento da concepção.

Mas a regressão histórica não pára aqui, e é possível ter expe­riências de vida de nossos antepassados humanos ou animais, ouaté aquelas que parecem vir do inconsciente coletivo e racial comofoi descrito por C.G. Jung (Jung, 1956; 1959). Com bastante fre­qüência, as experiências que parecem estar ocorrendo em outrasculturas e períodos históricos são associadas com uma sensação delembrança pessoal. Nesse caso, as pessoas falam que estão revi­vendo memórias de vidas passadas, de encarnações anteriores.

Nas experiências transpessoais descritas até aqui, o conteúdoreflete vários fenômenos que existem no espaço-tempo. Elas en­volvem elementos da realidade cotidiana familiar - outras pessoas,animais, plantas, materiais e eventos do passado. O que é surpreen­dente aqui não é o conteúdo dessas experiências e sim o fato quepodemos observar ou nos identificarmos plenamente com algo quenormalmente não é acessível a nossa experiência. Sabemos queexistem baleias grávidas no mundo, mas não deveríamos ser capa­zes de ter uma experiência autêntica de ser uma delas. O fato de aRevolução Francesa ter existido é facilmente admissível, mas não

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deveríamos poder ter uma experiência vívida de estar lá, deitadose feridos nas barricadas de Paris. Sabemos que há muitas coisasacontecendo no mundo em lugares onde não estamos presentes,mas é normalmente considerado impossível vivenciar algo queestá ocorrendo em localidades remotas (sem a mediação da televi­são e de um satélite). Podemos também ter a surpresa de encontrara consciência associada com animais inferiores, plantas e com anatureza inorgânica.

No entanto, a terceira categoria de experiências transpessoaisé ainda mais estranha que as duas anteriores. Aqui a consciênciaparece estender-se a domínios e dimensões que a cultura industrialocidental não considera "reais". A essa categoria pertencem as inú­meras visões de seres arquetípicos e paisagens mitológicas, encon­tros ou até identificação com divindades e demônios de várias cul­

turas e comunicação com seres desencamados, guias espirituais,entidades supra-humanas, extraterrestres e habitantes de universosparalelos. Nos seus casos extremos, a consciência pode se identifi­car com a Consciência Cósmica, ou com a Mente Universal, co­nhecida sob muitos nomes diferentes - Brahma, Buda, o CristoCósmico, Keter, Alá, o Tao, o Grande Espírito e muitos outros. Aexperiência máxima parece ser a identificação com o vazio supra­cósmico ou metacósmico, o vazio misterioso e primordial e o nadaque é consciente de si mesmo e é o berço último de toda existência.Ele não tem um conteúdo concreto e, no entanto, parece contertudo que existe em uma forma germinal e potencial.

As experiências transpessoais têm muitas características es­tranhas que rompem todas as premissas metafisicas mais básicasdo paradigma newtoniano-cartesiano e da visão materialista domundo. Os pesquisadores que estudaram esses fenômenos fasci­nantes - ou os vivenciaram pessoalmente - compreendem que astentativas da ciência oficial de menosprezá-los considerando-osprodutos irrelevantes da fantasia e imaginação humanas ou comoalucinações - produtos erráticos de processos patológicos no cé­rebro - são ingênuas e inadequadas. Um estudo não preconcei­tuoso da esfera transpessoal da psique tem de chegar à conclusãode que essas observações representam um desafio crucial, não sópara a psiquiatria e para a psicologia, mas também para toda a fi­losofia da ciência ocidental.

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Embora as experiências transpessoais ocorram no processode profunda auto-exploração individual, não é possível intelpre­tá-las simplesmente como fenômenos intrapsíquicos no sentidoconvencional. Por um lado, elas aparecem no mesmo contínuo ex­periencial das experiências biográficas e perinatais e, portanto,vêem de dentro da psique individual. Por outro lado, elas parecemser capazes de recorrer, diretamente e sem a mediação dos senti­dos, a fontes de informação que estão claramente muito além doalcance convencional do indivíduo. Em algum lugar no nível peri­natal da psique, um estranho estremecimento como o do matemáti­co Moebius parece ocorrer e aquilo que até então era uma investi­gação intrapsíquica passa a ser uma vivência do universo comoum todo através de meios extra-sensoriais.

Essas observações indicam que podemos obter informaçõessobre o universo de duas maneiras radicalmente diferentes: além

da possibilidade convencional de aprender através da percepçãosensorial e da análise e síntese de dados, podemos também desco­brir a respeito de vários aspectos do mundo através de uma identifi­cação direta com eles em um estado holotrópico da consciência.Cada um de nós, portanto, parece ser um microcosmo contendo, deuma maneira holográfica, a informação sobre o macrocosmo. Nastradições místicas, isso era expresso por frases tais como "tudo oque está em cima é igual a tudo o que está embaixo" ou "tudo o queestá fora, é igual a tudo o que está dentro".

Relatos de sujeitos que vivenciaram episódios de existênciaembriônica, o momento da concepção, e elementos de consciênciacelular, tecidual e dos órgãos, abundam em insights médicos apu­rados sobre os aspectos anatômicos, fisiológicos e bioquímicosdos processos envolvidos. Da mesma forma, memórias ancestrais,raciais e coletivas e experiências de encarnações passadas nos dãomuitas vezes detalhes muito específicos sobre arquitetura, costu­mes, armas, formas artísticas, estrutura social e práticas religiosase rituais das culturas e períodos históricos envolvidos, ou até mes­mo sobre eventos históricos concretos.

As pessoas que vivenciam experiências filo genéticas ou iden­tificação com formas de vida existentes não só acham que elas sãoextraordinariamente autênticas e convincentes, mas também ad­quiriram nessa experiência insights extraordinários relacionados

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com a psicologia, a etologia, hábitos específicos ou ciclos reprodu­tivos pouco comuns de animais. Em alguns casos, isso era acompa­nhado por inervações musculares arcaicas não características dosseres humanos, ou mesmo comportamentos tão complexos como odesempenho de uma dança de "fazer a corte".

O desafio filosófico associado com as observações já descritas,por mais extraordinário que possa ser em si mesmo é ainda maiorpelo fato de que as experiências transpessoais que refletem correta­mente o mundo material, muitas vezes aparecem no mesmo contí­nuo e intimamente emaranhadas com outras que contêm elementosque o mundo ocidental industrial não considera verdadeiros. Aquipertencem, por exemplo, as experiências que envolvem divindadese demônios de várias culturas, domínios mitológicos tais como céuse paraísos, e seqüências lendárias ou de contos de fadas.

Podemos, por exemplo, ter uma experiência do céu de Shiva,do paraíso de Tlaloc, o deus da chuva asteca, do submundo sumeri­ano, ou de um dos infernos quentes budistas. É possível tambémsentirmos como se fôssemos Jesus na cruz, ou termos um encontrosurpreendente com a deusa hindu Kali, ou identificar-nos com Shi­va Dança. Esses episódios podem até fornecer novas informaçõescorretas sobre simbolismo religioso e temas míticos que eram ante­riormente desconhecidos pela pessoa envolvida. Observações des­se tipo confirmam a idéia de C.G. Jung de que, além do inconscien­te freudiano individual, podemos também acessar o inconscientecoletivo que contém o patrimônio cultural de toda a humanidade(Jung, 1959).

A existência e natureza das experiências transpessoais violamalgumas das premissas mais básicas da ciência mecanicística.Envolvem noções tão aparentemente absurdas como a relativida­de e a natureza arbitrária de todos os limites fisicos, as conexõesnão-locais no universo, a comunicação através de meios e canaisdesconhecidos, a memória sem um substrato material, a não-linea­ridade do tempo, ou a consciência associada com todos os organis­mos vivos, e até com a matéria inorgânica. Muitas experiênciastranspessoais envolvem eventos do microcosmo e do macrocos­mo, domínios que normalmente não podem ser atingidos pelossentidos humanos sozinhos, ou de períodos históricos que prece­dem a origem do sistema solar, a formação do planeta Terra, a apa-

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rição de organismos vivos, o desenvolvimento do sistema nervosoe a emergência do homo sapiens.

A pesquisa dos estados holotrópicos, portanto, revela um para­doxo desconcertante com relação à natureza dos seres humanos.Ela claramente demonstra que, de uma maneira misteriosa e aindainexplicável, cada um de nós contém a informação sobre o universointeiro e sobre toda a existência, tem acesso experiencial potencial atodas suas partes e, em um certo sentido, na medida em que somosapenas uma parte infinitesimal da rede cósmica e uma entidade bio­lógica separada e insignificante, somos também a rede cósmica emsua totalidade. A nova cartografia reflete esse fato e retrata apsiqueindividual humana como sendo essencialmente equivalente ao cos­mos inteiro e à totalidade da existência. Por mais absurda e implau­

sível que possa parecer essa idéia a um cientista qualificado e aonosso sentido comum, ele pode ser reconciliado, sem muita dificul­dade, com os novos desenvolvimentos revolucionários que são nor­malmente chamados de o novo ou emergente paradigma (Bohm,1980; Sheldrake, 1981; Laszlo, 1994).

A cartografia ampliada esboçada acima é de importância cru­cial para qualquer abordagem a fenômenos tais como o xamanis­mo, os ritos de passagem, o misticismo, a religião, a mitologia, aparapsicologia, as experiências de quase-morte e estados psicodé­licos. Esse novo modelo de psique não é apenas uma questão de in­teresse acadêmico. Como veremos nas sessões que se seguem, eletem implicações profundas e revolucionárias para a compreensãode distúrbios emocionais e psicossomáticos, inclusive psicoses, eoferece perspectivas novas e excitantes para a terapia.

6. A natureza e a arquitetura das doenças emocionais e psi­cossomáticas

A psiquiatria tradicional usa como explicação para os váriosdistúrbios que não têm uma base orgânica ("psicopatologia psico­gênica") modelos explicativos que se limitam à biografia pós-natale ao inconsciente freudiano individual. Esses modelos dão ênfase a

fatores tais como influências traumáticas na primeira infância e nainfância em geral e, da vida tardia, o potencial patogênico do con-

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flito psicológico, a importância da dinâmica familiar e dos relacio­namentos interpessoais e o impacto do ambiente social.

As observações do estudo de estados holotrópicos de cons­ciência mostram que os distúrbios emocionais e psicossomáticos,inclusive muitos estados atualmente diagnosticados como psicóti­cos, não podem ser adequadamente compreendidos apenas atravésdas dificuldades no desenvolvimento pós-natal. Segundo aos no­vos insights, essas condições têm uma estrutura multidimensionale de vários níveis, com raízes importantes adicionais no nível peri­natal (trauma do nascimento) e no domínio transpessoal (memó­rias ancestrais, raciais e coletivas, experiências cármicas e dinâmi­ca arquetípica). Levando esses elementos em consideração temosum quadro radicalmente novo muito mais amplo e completo da"psicopatologia. "

O reconhecimento das raízes perinatais e transpessoais dosdistúrbios emocionais não implica que os fatores biográficos pós­natais, descritos pela psicanálise, sejam irrelevantes para seu de­senvolvimento. Os eventos na primeira infância e na infância emgeral certamente continuam a desempenhar um papel importanteno quadro geral. No entanto, em vez de representar a fonte des­ses distúrbios, eles passam a ser determinantes importantes para aemergência de material psicológico de níveis mais profundos doinconsciente.

O registro inconsciente das experiências associadas com onascimento representam uma rede universal de emoções dificeis esensações fisicas que constituem uma fonte potencial para váriasformas de psicopatologia. Se sintomas e síndromes manifestas irãorealmente se desenvolver, e que forma irão tomar, depende, en­tão, da influência reforçadora de eventos traumáticos na históriapós-natal ou, ao contrário, dos efeitos mitigantes dos vários fatoresbiográficos. Além disso, os distúrbios emocionais e psicossomáti­cos podem ser co-determinados por vários fatores transpessoais,tais como elementos cármicos, arquetípicos ou filogenéticos. Elessão, assim, o resultado de uma rede complexa de influências recí­procas entre fatores biográficos, perinatais e transpessoais.

Assim, por exemplo, uma pessoa que sofre de asma psicogené­tica pode atribuir a origem desse distúrbio a uma situação de quaseafogamento na idade de sete anos, memórias de ser quase estrangu-

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lado por um irmão mais velho, um episódio de coqueluche na pri­meira infância, asfixia durante o parto e experiências de vidas pas­sadas envolvendo estrangulamento e enforcamento. Da mesma ma­neira, o material subjacente à claustrofobia pode incluir memóriasinfantis de ser trancado repetidamente em um armário ou em umporão na infância, o uso de cueiros, um parto dificil e episódios devida passada de encarceramento em uma masmorra medieval e umcampo de concentração nazista, e assim por diante.

A abrangência deste trabalho não me permite demonstrar quãoprofundamente as novas observações mudam nossa compreensãode um espectro amplo de distúrbios emocionais e psicossomáticosespecíficos. Tenho de sugerir ao leitor interessado que leia uma pu­blicação anterior minha onde fiz essa demonstração com um deta­lhamento considerável (Grof, 1985). Neste contexto, posso apenasenfatizar que o novo modelo conceitual nos oferece explicações,muito mais completas e convincentes para muitas formas de "psico­patologias" e seus vários aspectos, que não poderiam ser adequada­mente explicados pelas escolas existentes de psicologia profunda.

7. Mecanismos terapêuticos e o processo de cura

o novo entendimento das dimensões da psique humana e daarquitetura dos distúrbios emocionais e psicossomáticos descritosacima têm implicações profundas para a terapia. A psicoterapiatradicional conhece apenas mecanismos terapêuticos que operamno nível do material biográfico, tais como a lembrança de eventosesquecidos, a remoção da repressão, a reconstrução do passadoatravés de sonhos, a revivência de memórias traumáticas da in­fância e a análise de transferência. O trabalho com estados holo­

trópicos revela muitos outros mecanismos importantes adicionaispara a cura e a transformação da personalidade que se tomam dis­poníveis quando nossa consciência atinge os níveis perinatais etranspessoais.

Essa abordagem pode ser denominada de estratégia holotrópi­ca de psicoterapia. Ela representa uma alternativa importante àstécnicas de várias escolas de psicologia profunda, que enfatizam ointercâmbio verbal entre oCa) terapeuta e o paciente, assim como

àquelas terapias experienciais que são levadas a cabo em estados

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ordinários da consciência. O princípio básico da terapia holotrópi­ca é que os sintomas dos distúrbios emocionais representam umatentativa do organismo de se livrar de impressões traumáticas anti­gas, de se curar, e de simplificar seu funcionamento. Portanto, nãosão unicamente um incômodo e complicação na vida, mas tambémuma oportunidade importante.

A terapia eficaz, portanto, consiste em ativação temporária, in­tensificação e subseqüente resolução dos sintomas. Esse é um prin­cípio que a terapia holotrópica compartilha com a homeopatia.Um terapeuta homeopata tem a tarefa de identificar e utilizaro remédio que, em pessoas saudáveis, durante os chamados tes­tes, produz exatamente os sintomas manifestados pelo paciente(Vithoulkas, 1980). O estado holotrópico da consciência tende afuncionar como um remédio homeopático universal no sentido deque ele ativa quaisquer sintomas existentes e exterioriza os sinto­mas que estão latentes.

Esse entendimento não se aplica unicamente a neuroses e dis­túrbios psicossomáticos, mas também a muitas condições que psi­quiatras da corrente oficial diagnosticariam como psicótico e con­sideram como sendo manifestações de doença mental séria (crisespsicoespirituais ou "emergências espirituais"). A incapacidade dereconhecer o potencial de cura dessas condições extremas reflete aestreiteza do modelo conceitual da psiquiatria ocidental que é limi­tada à biografia pós-natal e ao inconsciente individual. As expe­riências para as quais esse modelo não fornece uma explicação ló­gica são então atribuídas a um processo patológico de origem des­conhecida.

Uma análise cuidadosa da fenomenologia das emergências es­pirituais demonstra que elas constituem várias combinações deexperiências perinatais, transpessoais e biográficas. Como a novacartografia ampliada inclui os elementos de todos esses domínios,um modelo conceitual que o incorpora não tem de explicar a ori­gem do conteúdo desses episódios. Seus elementos experienciaispertencem a níveis profundos da psique humana per se, compreen­didos dessa forma abrangente (a anima mundi de Jung).

A explicação teórica só deve explicar o fato de que algumaspessoas necessitam envolver-se em práticas espirituais sistemáti­cas, respirar mais rápido ou ingerir uma substância psicodélica

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para atingir esses níveis da psique, enquanto que para outras o con­teúdo mais profundo emerge no meio de sua vida cotidiana. Os pa­drões específicos das experiências que constituem esses episódiospodem ser entendidos através dos princípios gerais que governama dinâmica da psique (coex) (sistemas, matrizes perinatais, dinâ­mica arquetípica, etc.).

8. A estratégia da psicoterapia e da auto-exploração

O objetivo na psicoterapia tradicional é alcançar uma compre­ensão intelectual de como a psique funciona e por que os sintomasse desenvolvem e extrair dessa compreensão uma técnica e uma es­tratégia que tornaria possível corrigir o funcionamento emocionaldos pacientes. Um sério problema com essa abordagem é a falta ex­traordinária de acordo entre os psicólogos e psiquiatras sobre ques­tões fundamentais, o que resulta em um número surpreendente deescolas de psicoterapia que competem entre si. O trabalho com es­tados holotrópicos nos mostra uma alternativa radical surpreen­dente - a mobilização da inteligência interna profunda dos pró­prios pacientes que guia o processo de cura e transformação.

Uma premissa importante da estratégia holotrópica é que emnossa cultura uma pessoa média opera de um modo muito abaixode seu real potencial e capacidade. Esse empobrecimento ocorreporque elas se identificam apenas com um aspecto de seu ser, o cor­po fisico e o ego. Essa falsa identificação leva a um modo de vidainautêntico, pouco saudável e insatisfatório e contribui para o de­senvolvimento de distúrbios emocionais e psicossomáticos de ori­gem psicológica. O surgimento de sintomas que não têm qualquerbase orgânica pode ser considerado como uma indicação de que oindivíduo que opera com premissas falsas chegou a um ponto ondeficou óbvio que sua antiga maneira de ser no mundo não funcionamais e tornou-se insustentável.

À medida que a orientação com relação ao mundo externo en­

tra em colapso, o conteúdo do inconsciente começa a emergir naconsciência. Esse colapso pode ocorrer em uma certa área limitada

da vida - tal como o casamento, a vida sexual, a orientação profis­sional e a bpsca de realização de várias ambições pessoais - ou afli­gir simultaneamente a totalidade da vida do indivíduo. A abran-

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gência e profundidade dessa situação correlaciona-se, aproxima­damente, com a seriedade da doença resultante - desenvolvimentode fenômenos neuróticos ou psicóticos. Uma situação como essarepresenta uma crise ou até uma emergência, mas também umagrande oportunidade.

O objetivo principal da estratégia holotrópica de cura é ativar oinconsciente e libertar a energia presa aos sintomas emocionais epsicossomáticos, que converte esses sintomas em uma corrente deexperiência. A tarefa do facilitador ou terapeuta na terapia holotró­pica, então, é dar apoio ao processo experiencial com total confian­ça em sua natureza curadora, sem tentar direcioná-lo ou modifi­cá-lo. Esse processo é orientado pela própria inteligência curadorado paciente. O termo terapeuta é usado aqui no sentido do gregotherapeutes, que significa a pessoa que ajuda no processo de cura,e não um agente ativo cuja tarefa é "consertar o paciente".

Algumas experiências curadoras e transformadoras poderosaspodem não ter qualquer conteúdo específico; consistem de seqüên­cias de construção intensa de emoções e de tensão fisica e subse­qüente libertação e relaxamento profundo. Com freqüência, os in­sights e conteúdos específicos emergem mais tarde no processo oumesmo nas sessões seguintes. Em alguns casos a resolução ocorreno nível biográfico, em outras em conexão com o material perina­tal ou com vários temas transpessoais. Curas dramáticas e transfor­mações pessoais com efeitos duradouros muitas vezes resultam deexperiências que totalmente eludem a compreensão racional. É im­portante que o terapeuta apóie o desdobramento experiencial, mes­mo se ele ou ela não o entendem racionalmente. Naturalmente,com mais experiência, o terapeuta acumula um conhecimento sig­nificativo dos princípios gerais que servem de base ao processo,mas isso não evita que ele ou ela tenha surpresas. A dinâmica dapsique é maravilhosamente criativa e não pode ser capturada emum conjunto de fórmulas rígidas aplicáveis de forma rotineira.

9. O papel da espiritualidade na vida humana

Na visão do mundo da ciência materialista ocidental só a maté­

ria existe realmente e não há lugar para qualquer forma de espiri­tualidade. Ser espiritual é visto como um sinal de falta de instrução,

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de superstição, de um pensamento mágico primitivo, de fantasiasambiciosas e imaturidade emocional. Experiências empíricas dasdimensões espirituais da realidade são consideradas como mani­

festações de doença mental séria, de psicoses. A pesquisa sobre es­tados holotrópicos da consciência trouxe evidências de que, se pro­priamente compreendida e praticada, a espiritualidade é uma di­mensão natural e importante da psique humana e do esquema uni­versal das coisas.

Para evitar a confusão e o desentendimento que no passadoatormentou as discussões sobre a vida espiritual e criou um falsoconflito entre religião e ciência é essencial deixarmos bem clara adiferença entre espiritualidade e religião. A espiritualidade é ba­seada em experiências diretas de dimensões da realidade que nor­malmente estão ocultas. Ela não exige, necessariamente, um lugarespecial, ou uma pessoa especial mediadora do contato com o divi­no, embora os místicos possam certamente se beneficiar de uma

orientação espiritual e de uma comunidade de pessoas que buscama mesma coisa. A espiritualidade envolve um relacionamento es­

pecial entre o indivíduo e o cosmos e é em sua essência algo pes­soal e privado. No advento de todas as grandes religiões ocorreramas experiências visionárias (perinatais e transpessoais) de seus fun­dadores, profetas, santos e até mesmo seguidores comuns. Todas asgrandes escrituras espirituais - os Vedas, o Canon Pali Budista, oAlcorão, o Livro dos Mórmons e muitas outras - são baseadas emrevelações em estados holotrópicos.

Por comparação, a base da religião organizada é atividade gru­paI institucionalizada que ocorre em um local designado (templo,igreja, sinagoga), e envolve um sistema de mediadores oficiais.Idealmente, as religiões deveriam dar a seus membros acesso a ex­

periências espirituais diretas, e apoio durante essas experiências.No entanto, o que ocorre muitas vezes é que, tão logo a religião setorna organizada, ela mais ou menos perde a conexão com sua fon­te espiritual e passa a ser uma instituição secular explorando asnecessidades espirituais humanas sem satisfazê-Ias. Em vez disso,ela cria um sistema hierárquico que tem como foco a busca do po­der, do controle, da política, do dinheiro e outras possessões. Nes­sas circunstâncias, a hierarquia religiosa tende a desencorajar ati­vamente, e até a suprimir, as experiências espirituais diretas de

ISO

seuS membros, porque elas estimulam a independência e não po­dem ser controladas de maneira eficaz.

As observações do estudo dos estados holotrópicos confir­mam as idéias de c.G. Jung referentes à espiritualidade. Segundoele, as experiências de níveis mais profundos da psique (em minhaterminologia, experiências perinatais e transpessoais) têm umacerta qualidade que Jung denominou de numinosidade (conformeRudolph Otto). Os sujeitos que estão tendo essas experiências sen­tem que estão encontrando uma dimensão que é sagrada, santa, ra­dicalmente diferente da vida cotidiana, pertencente a uma outra or­dem da realidade. O termo numinosidade é relativamente neutroe com isso preferível a outros, tais como "religioso", "místico","mágico", "santo", "sagrado", "oculto", e outros mais, que foramusados muitas vezes em contextos problemáticos e podem facil­mente levar a erro.

As pessoas que têm experiências de dimensões numinosas darealidade abrem-se à espiritualidade encontrada nas ramificaçõesmísticas das grandes religiões do mundo ou em suas ordens monás­ticas, não necessariamente em suas organizações oficiais. A verda­deira espiritualidade é universal e abrange tudo e baseia-se em umaexperiência mística pessoal, e não em um dogma ou nas escriturasreligiosas. As religiões oficiais organizadas unem as pessoas loca­lizadas na área de seu raio, mas tendem a ser divisivas porque colo­cam seu próprio grupo contra todos os demais e muitas vezes ten­dem a convertê-Ios ou a erradicá-Ios. Não pode existir nenhumconflito entre a verdadeira espiritualidade e a ciência entendidacorretamente. As experiências transpessoais são uma manifesta­ção natural da psique humana e não há nada não-científico em sub­metê-Ias a um estudo sério.

10. A natureza da realidade

As revisões necessárias que discutimos até este momento fo­ram relacionadas com a teoria e a prática da psiquiatria, da psicolo­gia e da psicoterapia. No entanto, o trabalho com estados holotró­picos traz desafios de uma natureza muito mais básica. Muitas dasexperiências e observações que ocorrem durante esse trabalho nãopodem ser compreendidas no contexto da abordagem materialista

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monística da realidade e, com isso, solapam as premissas metafisi­cas mais fundamentais da ciência ocidental.

O mais sério desses desafios conceituais refere-se à afirmação,por parte da ciência materialista, de que a matéria é a única realida­de e de que a consciência é seu produto. Essa tese já foi apresentadamuitas vezes com grande autoridade como um fato científico quejá está comprovado sem qualquer dúvida razoável (Dennett, 1991;Crick, 1994). No entanto, quando o submetemos a um exame maisminucioso, fica claro que essa afirmação não é e nunca foi uma de­claração científica séria e sim uma premissa metafisica disfarçadade afirmação científica. A brecha entre matéria e consciência é tãoradical e tão profunda que é dificil imaginar que a consciência pos­sa simplesmente surgir como um epifenômeno da complexidadede processos materiais no sistema nervoso central.

Temos ampla evidência clínica e experimental que mostra cor­relações profundas entre a anatomia, a fisiologia e a bioquímica docérebro e os processos conscientes. No entanto, nenhuma dessasdescobertas nos dá uma indicação clara de que a consciência é ver­dadeiramente gerada pelo cérebro. A origem da consciência na ma­téria é simplesmente presumida como um fato óbvio e auto-eviden­te, com base na crença do primado da matéria no universo. Em toda ahistória da ciência, ninguémjamais ofereceu uma explicação plausí­vel sobre a geração da consciência através de processos materiais,ou até mesmo sugeriu uma abordagem viável para o problema.

A idéia de que a consciência é um produto do cérebro natural­mente não é totalmente arbitrária. Seus proponentes normalmente sereferem aos resultados de muitos experimentos neurológicos e psi­quiátricos, e a um corpo vasto de observações clínicas específicasoriundas da neurologia, neurocirurgia e psiquiatria para sustentarsua posição. Quando questionamos essa crença tão profundamenteenraizada, estaremos querendo dizer que duvidamos da veracidadedessas observações? A evidência para uma forte conexão entre aanatomia do cérebro, a neurofisiologia e a consciência é inquestio­nável e avassaladora. O que é problemático não é a natureza da evi­dência apresentada, e sim a interpretação de seus resultados, a lógicado argumento e as conclusões que são extraídas dessas observações.

Embora esses experimentos mostrem claramente que a cons- .ciência está intimamente ligada aos processos neurofisiológicos e

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bioquímicos do cérebro, eles têm pouca relação com a natureza ea origem da consciência. Examinemos mais detalhadamente asobservações clínicas relevantes e os experimentos de laboratório,bem assim como as interpretações da evidência forneci da pelaciência tradicional. Não há dúvida de que os vários processos nocérebro estão intimamente associados e correlacionados com mu­danças específicas na consciência. Um golpe na cabeça que provo­que uma concussão cerebral ou uma compressão das artérias caró­tidas limitando assim o fornecimento de oxigênio para o cérebropode causar perda de consciência. Uma lesão ou tumor no lobotemporal do cérebro é freqüentemente associado com mudançasmuito características da consciência que são surpreendentementediferentes daquelas observadas nas pessoas com um processo pa­tológico no lobo pré-frontal.

Os sintomas associados com as várias lesões do cérebro são

muitas vezes tão diferentes que podem ajudar o neurologista aidentificar a área afetada pelo processo patológico. Às vezes umaintervenção neurocirúrgica bem-sucedida pode corrigir o proble­ma e a experiência consciente volta ao normal. Esses fatos são nor­malmente apresentados como evidência conclusiva de que o cére­bro é a fonte da consciência humana. À primeira vista, essas obser­vações podem aparecer impressionantes e convincentes. No entan­to, elas não se sustentam se as submetemos a um exame mais minu­cioso. Para ser mais preciso, tudo o que esses dados demonstraminequivocamente é que mudanças no funcionamento do cérebroestão intimamente e bem especificamente relacionadas com mu­danças na consciência. Mas eles dizem muito pouco com relação ànatureza da consciência e sobre sua origem. Na verdade, deixamessas questões totalmente em aberto. É certamente possível pensarem interpretações alternativas que usariam os mesmos dados, maschegariam a conclusões diferentes.

Isso pode ser ilustrado se examinarmos o relacionamento entreo aparelho de TV e a programação. A situação aqui é muito maisclara, já que envolve um sistema que é feito pelo homem e incom­paravelmente mais simples. A recepção final do programa de TV, aqualidade da imagem e do som dependem de uma maneira muitocrítica do funcionamento adequado do aparelho e da integridade deseus componentes. Mau funcionamento de suas várias partes terácomo resultado mudanças muito diferentes e específicas na quali-

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dade do programa. Algumas delas levam a distorções na forma, nacor, no som, outras à interferência entre os canais. Como o neurolo­gista que usa mudanças na consciência como uma ferramenta paraajudar o diagnóstico, uni mecânico de televisão pode inferir, pelanatureza das anomalias, que partes do aparelho e que componentesespecíficos estão funcionando mal. Quando o problema é identifi­cado, o conserto ou a substituição desses elementos corrigirá asdistorções.

Como conhecemos os princípios básicos da tecnologia da te­levisão, é óbvio para nós que o aparelho simplesmente intermediao programa, e que ele não o cria, nem contribui em nada para ele.Nos riríamos de alguma pessoa que tentasse examinar e esmiuçartodos os transístores relés, e circuitos do aparelho de televisão eanalisar todos os seus fios na tentativa de descobrir como ele criaos programas. Mesmo se estendermos esse esforço mal-orientadoaté os níveis molecular, atômico ou subatômico, ainda assim nãoteremos a menor idéia de por que, em um determinado momento,um desenho animado do camundongo Mickey, ou um capítulo doStar Trek, ou um clássico de Hol/ywood aparecem na tela. Ofato deque existe uma correlação assim tão próxima entre ofuncionamentodo aparelho de televisão e a qualidade do programa não significanecessariamente que todos os segredos do programa estão no pró­prio aparelho. No entanto, é exatamente esse tipo de conclusão quea ciência materialista tradicional extraiu de dados comparáveis arespeito do cérebro e sua relação com a consciência.

Portanto, a ciência materialista ocidental ainda não foi capazde produzir nenhuma evidência convincente de que a consciência éum produto de processos neurofisiológicos no cérebro. Aliás, elasó foi capaz de manter sua posição atual resistindo, censurando eaté ridicularizando um corpo vasto de observações indicando que aconsciência pode existir e funcionar independentemente do corpoe dos sentidos fisicos. Essa evidência vem da parapsicologia, daantropologia, da pesquisa sobre LSD, da psicoterapia experiencial,da tanatologia e do estudo de estados holotrópicos da consciênciaque ocorrem espontaneamente.

Todas essas disciplinas colecionaram dados impressionantesque demonstram claramente que a consciência humana é capaz defazer muitas coisas que o cérebro (como ele é entendido pela ciên-

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cia oficial) não poderia fazer de jeito algum. Há, por exemplo, am­pla evidência sugerindo que a consciência tem acesso à infonnaçãoque não está - e nem poderia estar - armazenada no cérebro. Aodiscutir as características das experiências transpessoais, referi-mea várias situações nas quais estados visionários davam acesso a as­pectos precisos do universo que eram anteriormente desconheci­dos do sujeito e que não poderiam ter sido adquiridos por meio doscanais convencionais. Estudos de caso específicos ilustrando essefenômeno podem ser encontrados em muitos de meus livros (Grof,1975; 1985; 1988; 1992; 1998).

No entanto, deixem focalizar em evidência ainda mais surpre­endente que sugere que a consciência pode, em certas circunstân­cias, desempenhar funções que vão muito mais além das capacida­des do cérebro. O que tenho em mente é a existência de experiên­cias fora-do-corpo (Obes) com percepção exata do ambiente. Essasexperiências podem ocorrer espontaneamente, ou em uma varieda­de de situações facilitadoras que incluem o transe xamânico, ses­sões psicodélicas, hipnose, psicoterapia experiencial e particular­mente experiências de quase-morte (NDE) (Moody, 1975; Ring,1982; 1985; Sabom, 1982). Em todas essas situações a consciênciapode se separar do corpo e manter sua capacidade sensorial, aomesmo tempo em que se movimenta livremente para lugares pró­ximos ou distantes.

De interesse especial são as OBE verídicas em que verifica­ção independente prova a exatidão da percepção do ambiente nes­sas circunstâncias. Recentemente os tanatólogos Ring & Cooper(1997) publicaram um estudo fascinante indicando que tais expe­riências podem ocorrer até mesmo em pessoas que são congenita­mente cegas. Inúmeros relatos que confirmam a possibilidade des­sa "aparente visão sem olhos", como Ring a chamou, deve, por sisó, dar aos cientistas oficiais razões suficientes para questionar se­riamente suas crenças referentes ao relacionamento entre a cons­ciência e o cérebro e, em geral, entre a consciência e a matéria.

Conclusões

Neste trabalho, tentei fazer um breve sumário de algumas dasobservações mais surpreendentes e desafiadoras dos mais de qua-

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!

renta anos de minha pesquisa sobre os estados holotrópicos daconsciência, focalizando, primordialmente, três áreas: terapia psi­codélica, trabalho de respiração holotrópica e trabalho clínico comindivíduos passando por crises psicoespirituais espontâneas ("emer­gências espirituais"). O escopo deste artigo não me permitiu in­cluir exemplos específicos e histórias de caso para sustentar minhaposição. No entanto, espero que, mesmo nessa forma sintética, eutenha conseguido demonstrar que os estados holotrópicos mere­cem a séria atenção de pesquisadores e teóricos.

Os fenômenos associados com os estados holotrópicos sãoverdadeiramente extraordinários, e não há dúvida de que eles nãopodem ser explicados em termos das teorias atuais de psiquiatria epsicologia. Além disso, eles também questionam seriamente aspremissas filosóficas básicas da ciência ocidental, especialmenteseu materialismo monístico. Os círculos acadêmicos ignoraram ounão levaram a sério a evidência que foi coletada por várias verten­tes da pesquisa moderna sobre consciência a esse respeito. Foramassim capazes de evitar a crise conceitual radical que teria sido pro­vocada por uma avaliação crítica e não preconceituosa dos dadosexistentes. Creio firmemente que essa avaliação levaria a uma mu­dança radical em nosso entendimento da natureza humana e da na­tureza da realidade, que se assemelharia, em sua profundidade esignificância, aos efeitos da revolução na fisica que ocorreu no co­meço do século vinte.

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7A mente ampliada

Ruppert Sheldrake

Parapsychology Research, Inglaterra

Resumo

Aqui tratarei do paradoxo da consciência segundo a visão ci­entífica e a história do pensamento sobre a psique ou a alma, na Eu­ropa. E a seguir aparesentarei um exame de alguns experimentosrealizados recentemente que demonstram que a consciência é mui­to mais abrangente que o cérebro.

***

Depois de um longo período em que os cientistas preferiamnem falar sobre ela, hoje a consciência retoma à pauta científica. E,por mais estranho que pareça, mesmo na psicologia, o estudo daconsciência tem um certo ar de vanguarda um tanto perigoso. Emuma reunião na Sociedade Britânica de psicologia a que assisti re­centemente haviam acabado de criar um grupo sobre consciência etodos os membros estavam temerosos de estarem no limite e se ar­

riscando; haviam muitas pessoas contrárias porque psicólogos fa­lavam sobre consciência. Para as pessoas alheias à psicologia,isso pode parecer um estranho paradoxo, mas o fato é que, emboraa consciência tenha se transformado em um tópico de moda e real­mente importante, no campo da ciência, grande parte do pensa­~ento sobre a consciência ainda está limitado pela visão materia­lIsta que equipara consciência ao cérebro. Como cientistas, todosnós fomos criados acreditando que a consciência está localizadadentro de nossa cabeça e na ciência institucional, a maioria das pes-

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soas acha que a consciência é apenas uma atividade do cérebro. Ébom lembrar que, ao contrário, as tradições espirituais e religiosassempre tiveram uma visão muito mais ampla da consciência e têmmuito pouco contato com a visão científica muito mais restrita.

Falarei por alguns minutos sobre a história da visão científica edo pensamento europeu sobre a psique ou a alma. A seguir, fala­rei sobre alguns experimentos que venho realizando recentementeque demonstram que a consciência é muito mais ampla que o cére­bro e que a mente vai muito mais além do cérebro. Durante esta pa­lestra, explicarei por que acho que a mente está interconectada tan­to através do espaço quanto do tempo, e é muito mais extensa queos limites físicos do cérebro. A idéia de que a alma - ou a psique - émuito mais que o cérebro é obviamente aceita sem discussão emqualquer parte e essa visão ampla da psique era a visão normal naEuropa. Na Grécia Antiga, Aristóteles a formulou de uma maneiramais sistemática. Para ele, todos os seres vivos tinham uma psiqueou alma. A alma das plantas, a alma vegetativa organizava a formada planta e, portanto, um carvalho em crescimento era estimuladopela psique da planta a se transformar na forma madura do carva­lho. Seria algo como um plano invisível da árvore. Os animais tam­bém têm almas vegetativas, que organizam o crescimento do em­brião, o desenvolvimento do corpo e sua manutenção em um esta­do saudável. Mas, além disso, os animais tinham almas de animaisrelacionadas com os movimentos, a sensibilidade e os instintos. E,é claro, a palavra animal vem do latim anima que quer dizer "umser com alma". Nós os seres humanos, além de termos uma alma

vegetativa, que nos liga a todas as plantas, teríamos uma alma ani­mal, que nos liga a todos os animais e uma alma intelectual, aqueleaspecto especificamente humano da psique, que tem a ver com opensamento, a razão e a linguagem. Essa era a visão adotada na Eu­ropa Medieval e por Santo Tomás de Aquino. Essa visão grega dapsicologia foi incorporada pela teologia cristã. E essa foi também avisão dos seres humanos e da natureza que foi ensinada nas univer­sidades por toda a Europa até o século dezessete.

A revolução cartesiana no século dezessete mudou o curso dopensamento acerca da psicologia na tradição científica. Para Des­cartes, todos os animais e plantas, como todo o universo, eram ape­nas máquinas. Assim, a alma foi retirada de toda a natureza, já nãohavia qualquer princípio dando vida aos animais e às plantas. Por-

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tanto, se o mundo é uma máquina, se os animais são máquinas, po­demos ter uma ciência totalmente mecânica e essa ainda é a base

em que se apóia toda a ciência institucional. Se pensarmos que osanimais são máquinas sem sentimento, sem pensamentos, então, éclaro, podemos tratá-Ios de qualquer maneira: cientistas podemcortá-Ios para experimentos, os agricultores podem criá-Ios em fá­bricas; o fato é que muitas das bases do pensamento moderno sobreanimais, agricultura e vivisseção apóiam-se nessa visão. Para Des­cartes, a única coisa que não se enquadrava nessa visão mecânicaera a mente racional dos seres humanos. O corpo humano passou aser uma máquina como a de qualquer animal mas, em algum lugardo cérebro, essa misteriosa mente racional interagia com o tecidonervoso de uma maneira que Descartes não conseguia entender.Ele imaginou que essa interação ocorria na glândula pineal. A teo­ria moderna da natureza humana e da consciência é essencialmente

a mesma que a de Descartes e, a não ser pelo fato de que o local daalma andou uns 5 centímetros até o córtex cerebral, esse ainda é otipo de visão que encontramos predominantemente hoje em dia. Osmaterialistas dizem: "bem, como ninguém pode dizer o que é essamisteriosa alma humana e como ninguém pode dizer como ela in­terage com o cérebro, vamos partir do princípio que ela simples­mente não existe, e que o cérebro é apenas maquinaria, é apenas umcomputador e a consciência é, de alguma forma, gerada pela ativi­dade da maquinaria computacional do cérebro". Essa metáforacom o computador, uma versão atualizada da antiga metáfora quecomparava a vida a uma máquina, passou a dominar uma grandeparte do pensamento sobre consciência, particularmente nos de­partamentos de psicologia. Todas essas perspectivas, ou seja, tantoa visão interacionista, que diz que a consciência interage com umaparte do cérebro, como a visão materialista, localizam a consciên­cia dentro da cabeça. O resto do corpo é apenas maquinaria, e todoo nosso sistema médico baseia-se nesse paradigma, ou nesse mo­delo do meio ambiente e da natureza humana.

O que vou lhes sugerir esta manhã é que essa visão é demasia­do limitada. É claro, já descobrimos muita coisa sobre o funciona­mento do cérebro e dos nervos e esse é um conhecimento valioso e

importante, e obviamente a consciência está diretamente relacio­nada com o cérebro, mas acho que ela é muito mais do que isso.Para começar, gostaria que pensássemos sobre o que ocorre na

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consciência durante a percepção, é um começo por meio de umaexperiência muito simples e direta. Usemos como exemplo vocêsme vendo parado aqui. A explicação normal é que a luz, refletidade mim, viaja através do campo eletromagnético, através da lentede seus olhos, a imagem é invertida na retina, muda nas células reti­nianas, os impulsos seguem pelos nervos ópticos, gerando mudan­ças complexas no córtex óptico e em outras partes do cérebro. Atéaí tudo bem. Tudo o que pode ser analisado, foi analisado pelos mé­todos da neurofisiologia, e assim por diante. Mas então algo muitoestranho ocorre: vocês formam uma imagem subjetiva de mim, em

algum lugar dentro de sua cabeça. Bem, não existe nenhuma expli­cação para que você deva formar essa imagem, na verdade, algu­mas pessoas chamariam isso de o hard problem o problema difícilda consciência. Mas ainda mais misterioso é o fato de que você não

sente que a minha imagem está localizada dentro de sua cabeça. Oque imagino é que você vivencia sua imagem de mim, como se elaestivesse localizada no lugar onde eu estou. O que vou sugerir ago­ra é uma idéia tão simples que fica muito difícil de entender. Essaidéia é que sua imagem de mim é uma imagem - ela está na suamente. Mas ao mesmo tempo, sua imagem de mim está localizadaexatamente onde parece estar, ou seja, aqui, e não dentro de sua ca­beça. Ela está localizada fora de sua cabeça, no ambiente, onde aimagem parece estar. Esse fato tão simples da experiência é algoque todos nós aprendemos a negar ou a rejeitar. Os dados mais ime­diatos de nossa experiência foram rejeitados a favor de uma teoriaatribuída a Descartes e a outros filósofos, e o curioso é que essa vi­são das coisas domina nosso pensamento, e com isso faz com que

neguemos nossa experiência mais imediata.

Os alunos de psicologia, pelo menos na Grã-Bretanha, que fo­ram criados tendo essa rejeição reforçada - no primeiro ano de seucurso lhes ensinam que, no passado, pessoas burras e ignorantes

pensavam que a percepção ocorria porque algo saía de seus olhosenquanto que nós, modernos, pessoas inteligentes e instruídas, sa­bemos que ela ocorre porque a luz entra nos olhos. A teoria da in;tromissão da percepção é tratada como se fosse a única verdade. Eclaro, as teorias tradicionais não negam que algo entra nos olhos,mas na maior parte do mundo acredita-se que a visão envolve ummovimento para fora, bem assim como um movimento para den­tro. E essa idéia de que algo entra e sai é o que estou lhes sugerindo

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agora. Acho que quando vemos coisas nós projetamos imagens da­quilo que estamos vendo, que normalmente coincidem com o lugaronde as coisas que estamos vendo estão, ou seja, sua imagem demim projetada coincide com o lugar onde eu estou. Se não fosse as­sim, ela seria uma ilusão ou uma alucinação. Eu acho que, em certosentido, nossas mentes literalmente se estendem para tocar tudoque vemos e se olhamos as estrelas no céu à noite, nossas mentes li­teralmente se estendem por distâncias astronômicas para tocaraquilo que estamos olhando. E se isso não é apenas um jogo de pa­lavras, se nossas mentes realmente se estendem para tocar o que es­tamos olhando, nós deveríamos ser capazes de influenciar as coi­sas simplesmente olhando-as. Quando pensei nisso pela primeiravez, pensei, "bem, como é que podemos provar isso?" E então pen­sei "bem, que tal se escolhermos algo que possa ser bastante sensí­vel, por exemplo, as pessoas". Será que o fato de serem olhadas po­deria influenciar as pessoas? É claro, se você vir que estou lheolhando, você será influenciado pelas razões psicológicas nor­mais, mas e se olharmos uma pessoa pelas costas e ela não souberque estamos ali? As pessoas sentem quando estão sendo olhadaspelas costas? No momento em que você faz essa pergunta, vocêcompreende que a sensação de ser olhada fixamente pelas costasé uma experiência cotidiana, muito comum. Levantamentos naGrã-Bretanha mostraram que 90% da população já tiveram essaexperiência. Existem pequenas diferenças de gênero - mais mu­lheres do que homens tiveram a experiência de serem olhados e dese virarem e mais homens que mulheres tiveram a experiência defazer com que outras pessoas se virassem olhando para elas. Cercade 90 por cento da população já teve essa experiência e eu imaginoque a maioria das pessoas nesta sala já vivenciou esse fenômenode uma forma ou de outra. Temos aqui um fato muito interessante:inúmeras pessoas crêem poder influenciar outras simplesmente olhan­do para elas, ou que elas sabem quando uma outra pessoa estáolhando para elas pelas costas.

O que é que a ciência tem a nos dizer sobre esse fato tão conhe­cido? A maioria dos cientistas acha que só porque a maioria daspessoas acredita nesse fato, ele deve ser falso. Isso é um argumentomuito estranho: é claro que se muitas pessoas acreditam em algu­ma coisa isso não prova que ela é verdadeira, mas certamente tam­bém não prova que ela é falsa, e é uma boa justificativa, se ela é

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uma ilusão, pelo menos para examinar como surge essa ilusão. Noentanto, esse fenômeno é uma espécie de tabu, e esteve totalmentefora da pauta científica. É possível ler toda a literatura publicadasobre esse assunto no espaço de uma única tarde ou, se lermos o su­mário dele em meu livro Seven experiments, levaremos uns 10 mi­nutos. Há menos que 10 trabalhos publicados sobre o assunto des­de 1890 e essa é uma área que foi incrivelmente negligenciada.Acho que os psicólogos a negligenciaram porque tiveram todas es­sas aulas em seu primeiro ano lhes dizendo que só pessoas burras eridículas acreditam na idéia de que algo sai do olho, e eles não que­

rem parecer burros, é claro, e por isso nunca mencionam o fato empúblico. Mas penso que o verdadeiro motivo para isso ter sido umtema tabu é porque, à época do Iluminismo, quando muitos intelec­tuais na Europa tiveram a idéia da marcha do progresso da ciência eda razão, o que eles queriam deixar para trás eram coisas como a re­ligião, a superstição e a irracionalidade, e esse fenômeno da in­fluência dos olhos foi classificado como superstição e rejeitado pe­los cientistas.

Acho que uma das razões que contribuiu para que ele fosseclassificado como superstição é que no mundo todo existe muitofolclore sobre o poder dos olhos, do olhar. Acreditam que vocêpode influenciar as pessoas - ou animais, ou crianças, ou coisas ­olhando para elas, apenas olhando para elas. Na Índia, acreditamque se um homem santo ou uma mulher santa olhar para você, vocêrecebe uma bênção desse olhar, do darchan porque darchan signi­fica literalmente olhar, e, portanto, há um efeito positivo no olhar.Mas no mundo todo encontramos também muitas crenças popula­

res que dizem que se uma pessoa olha para outra, ou para umacriança, ou para um animal, com raiva, ou especialmente com in­veja, o olhar dela terá um efeito prejudicial naquilo que foi olhado.Em inglês, chamamos isso de evil eye (olho mau); em portuguêsdiz-se "mal olhado" e há um nome em quase todas as línguas paraesse fenômeno. E por que existe uma crença tão forte nisso, e porque ela era tão forte em toda a Europa e ainda é forte em muitas par­tes da Europa e por todo o mundo árabe, na Índia e na África, en­contramos essa crença em praticamente todos os lugares, eu acho

que essa é uma das razões pelas quais os cientistas nunca quiseramlidar com o assunto. Eles a classificaram como superstição e a reje­itaram totalmente. Acho que essa criação de tabus e rejeição de áre-

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as inteiras de investigação é uma das maneiras de limitar o conhe­cimento científico. O que quero dizer agora é que esse fenômeno,se é verdadeiro, tem muita coisa a nos dizer sobre a natureza damente. Sugere que nossa mente realmente se estende para influen­ciar aquilo que estamos olhando. Se nossa mente pode influenciaroutras pessoas ou outras coisas à distância, isso é uma coisa muito,muito importante a ser levada em consideração, porque mostra quea mente pode ter efeitos não-locais.

Será, então, que as pessoas realmente sabem quando estão sen­do olhadas pelas costas? É possível elaborarmos experimentos ex­tremamente simples para testar essa idéia. Em meu livro Seven ex­periments that could change the world um de meus experimentosestá voltado para esse fenômeno, a sensação de estar sendo olhadopelas costas. Meu objetivo no livro era pensar sobre experimentosradicais que pudessem mudar nossa visão da realidade e que pu­dessem ser realizados com orçamentos de 20 dólares ou menosporque, a não ser pela oferta maravilhosa que tivemos essa manhãda Fundação Bial, normalmente não é possível conseguir fundospara pesquisas científicas radicais. Portanto, a forma de lidar comessa situação é realizar experimentos tão baratos que não necessitemde doações. E o experimento para testar a sensação de estar sendoolhado fixamente é praticamente grátis - esse, na verdade, é de gra­ça. É algo que todos nesta sala podem fazer e tem as mais profundasconseqüências. Já foi realizado em grande escala: os resultados fo­ram extraordinariamente positivos e significativos; é um experi­mento que pode ser facilmente repetido. Eu o descreverei para vocêsrapidamente. Nesse experimento básico, as pessoas trabalham empares. Uma pessoa senta de costas para a outra; as duas usam umavenda - eu uso essas vendas da Virgin Atlantic Airways, uma formaconveniente de venda. A outra pessoa senta atrás da primeira e, emuma seqüência aleatória, elas ou olham para a nuca da outra ou não.Há uma série de 20 tentativas. Para indicar o começo de uma tentati­va elas dão um sinal, que é feito com um clique mecânico, para evitarque sejam dadas deixas - eu uso essas coisas de plástico que tiro decabides que vêm das lojas de roupas Marks and Spencer e eles indi­cam o começo de um teste. A pessoa que está sentada ali tem deadivinhar se está ou não sendo olhada. Nos testes de olhar, a pessoaolha fixamente para a nuca da outra e nos testes de não olhar olhapara o outro lado e pensa em outra coisa. Esses experimentos muito

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simples são os testes básicos, que eu tenho realizado. Mais tarde fa­larei sobre versões mais sofisticadas. Mas esses experimentos dãoresultados incrivelmente consistentes.

Vocês podem ver aqui os resultados da percentagem de suposi­ções corretas em alguns experimentos. Esses foram os primeirosexperimentos que fiz com grupos de adultos em oficinas e seminá­rios. Os resultados gerais - 50% é o nível de probabilidade e nor­malmente 55% das suposições estavam corretas e 45% erradas. Nãoé um efeito muito grande, mas algumas pessoas são muito mais sen­síveis que outras. Esse é um efeito médio em grandes grupos de sujei­tos não selecionados, com observadores também não selecionados,

porque algumas pessoas olham melhor que as outras, têm um olharmais intenso. Mas aqui vocês vêem uma marca muito característicadesse efeito. Nos testes de olhar, os sucessos eram cerca de 60% enos testes de não olhar é mais ou menos no nível da probabilidade.

Esses experimentos foram repetidos em uma série de escolas na Ale­manha e na América, realizados por professores sob minha orienta­

ção. Nesse caso vocês vêem exatamente o mesmo padrão outra vez,só que o efeito é maior. As crianças são mais sensíveis a esse testedo que os adultos e agora faço esses experimentos principalmentecom crianças, porque elas são melhores.

Aqui vocês vêem uma vez mais que o efeito do olhar nos testesé grande, e que não há nenhum efeito nos testes de não olhar; os to­tais são a média dos dois. A princípio, quando pensamos nisso, fi­

quei intrigado, mas faz sentido: se realmente existe uma sensaçãode ser olhado, é de se esperar que a sensação funcione quando a

pessoa está sendo olhada. Nos testes de não olhar, nos testes decontrole, você está pedindo aos participantes que descubram a au­sência de uma sensação. Na vida real, normalmente não temos prá­tica em descobrir quando não estão nos olhando. Essa é uma situa­ção completamente artificial e irrealista, e nos testes de não olharas pessoas estão apenas adivinhando, os resultados não são melho­res que a probabilidade. Esse padrão, que é uma marca característi­ca desses resultados experimentais, é interessante de outro pontode vista, porque também atua como um controle interno contra frau­des ou deixas sutis. Se os alunos estivessem trapaceando falandobaixinho um com o outro, ou fazendo sinais, seria de se esperar quemelhorassem sua contagem no caso de olhar, e também no caso denão olhar, não se poderia esperar um efeito seletivo indicando que

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eles só teriam trapaceado nos testes de olhar e, de alguma forma,fosse lá qual fosse o sinal, as pessoas não reconheceriam a ausência

nos testes de não olhar. Isso não seria coerente nem com trapaça nemcom deixas sutis. Ora, esses experimentos já foram feitos em umaescala gigantesca e eu sintetizei os resultados cumulativos, até ago­ra, um total de cerca de 18.000 suposições. Aqui estão os testes denão olhar e esses são os totais de suposições, corretas e incorretas.

Essa aqui é uma outra maneira de fazer a contagem dos resulta­dos. Aliás, estatisticamente essa é melhor, ela me foi sugerida porum cético, o Professor Nicholas Humphrey, um dos mais impor­tantes estudiosos do assunto, mas, como ele também é amigo meu,nós muitas vezes discutimos esses resultados. Ele sugeriu que amelhor maneira de fazer a contagem é a seguinte: pegar cada umdos participantes que faz 20 testes, descobrir quantos participantesobtêm 11 ou mais suposições corretas, pessoas que acertam maisvezes do que erram - quantos participantes obtêm 9 ou menos cor­

retas - pessoas que erram mais do que acertam - e ignorar as pes­soas que obtêm exatamente meio a meio. Quando examinamos ostestes dessa maneira, os participantes que acertaram mais do queerraram por comparação aos que erraram mais do que acertaramsão os dos testes de olhar.

A significância estatística desse efeito é 1 em 10 elevado a 37que representa uma probabilidade de trilhões e trilhões contra um.São efeitos incrivelmente significativos. No caso dos testes de nãoolhar, a significância foi nula. Então, nesse caso, temos uma enor­me significância e no outro nenhuma significância, essa é uma di­ferença dramática. E nesses resultados aqui, que, é claro, são acombinação dos outros dois, o efeito geral, a significância é de 102

para 1, contra a possibilidade de casualidade. Portanto, aqui temosum método experimental que é extremamente fácil de ser repetido,que não custa nada, que pode ser feito nas salas de aula dos colé­gios ou universidades e já está sendo realizado em escolas emtodo o sistema escolar do estado de Connecticut na América, e naGrã-Bretanha em escolas no norte da Inglaterra como uma aulaprática padrão para as crianças explorarem fenômenos que não es­tão no mapa psicológico comum. As crianças adoram fazer esses~Xperimentos porque estão interessados no fenômeno, todas elasJá .Ouviram falar dele. Os professores também gostam porque ascnanças têm um experimento que realmente querem fazer. Todo

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o mundo gosta porque é de graça, e eu gosto porque obtenho mui­tos dados produzidos de graça, porque as pessoas me enviam seusdados. Se algum de vocês quiser fazer esses experimentos, com seusamigos ou alunos, pode baixar o procedimento completo, inclusiveas folhas para a contagem dos pontos já ponderadas, do meu site naInternet e eu gostaria de encorajá-Ios a tentar fazer o experimentoporque é um procedimento que pode ser repetido. Éclaro, para obterresultados estatísticos são necessárias amostragens bem grandes. Oresultado não seria estatisticamente significativo com apenas dez ouvinte pessoas fazendo o teste uma única vez, seria preciso um poucomais do que isso, mas se alguém aqui fizer o experimento, por favor,me mande os resultados. Sobre os dados que eu incluí aqui, os céti­cos dizem: "Bem, se as pessoas mandaram os resultados, então elassó irão mandar se obtiverem resultados positivos, e com isso você te­ria um viés". Na verdade, os dados que incluí aqui são aqueles emque eu tinha séries completas. Em Connecticut, a universidade es­tadual fez com que os professores realizassem esse experimentocomo parte do curso e com isso eu tenho todos os dados de lá, e emmeus próprios experimentos eu incluí todos esses dados. Portanto,esse fenômeno é realmente passível de repetição.

Recebi muitos comentários de céticos sobre isso e um desses

comentários é um argumento sutil, que diz que se as pessoas estãona mesma sala poderia haver mudanças na respiração, pequenossons, etc. Portanto, para testar essa possibilidade, fizemos os últi­mos experimentos através de janelas. Colocamos as crianças emuma sala de aula e as outras crianças sentadas na outra direção, auns 100m de distância, usando aquelas máscaras, portanto não hápossibilidade de que elas possam ouvir ou ver as crianças na sala deaula ou sentir o cheiro delas e esses efeitos funcionam através de ja­nelas, funcionam através de espelhos, e até mesmo através da tele­visão de circuito fechado. Esses experimentos agora já foram reali­zados em um número de universidades através da televisão de cir­

cuito fechado e em vez de perguntarem às pessoas se elas estão sen­do olhadas ou não, monitora-se a resistência de sua pele automati­camente. E há mudanças na resistência da pele quando as pessoasestão sendo olhadas de uma tela de televisão por alguém numa ou­tra sala. O interessante é que na vida real há muito conhecimentosobre esse efeito. Entrevistei alguns detetives particulares, pessoalda vigilância na polícia, pelotões antiterrorismo da Irlanda do Nor-

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te e outras pessoas cujo negócio é olhar outras pessoas. A maioriadas pessoas fica constrangida de olhar fixamente para outra pessoadurante muito tempo, mas há pessoas cujo trabalho é fazer exata­mente isso o dia todo e, é claro, elas têm muito mais experiênciaque a maioria. A maior parte dessas pessoas que são observadoresprofissionais dos demais está muito consciente desse fenômeno, ealguns daqueles que operam sistemas de segurança em shoppings,edificios, aeroportos e hospitais também estão muito conscientesdesse efeito. Em uma das principais lojas de departamento de Lon­dres, os detetives da loja disseram que podiam olhar as pessoas naloja através de uma TV e quando viam alguém roubando, um gatu­no, muitas vezes perceberam que se olhassem para essa pessoamuito intensamente pela tela da TV, a pessoa começava a olhar aseu redor procurando as câmeras escondidas e depois devolvia oque tinha tirado e saía da loja. Um segurança em um hospital disseque onde isso dava mais certo era com uma câmera oculta que co­bria uma área onde as pessoas iam fumar, embora não fosse permi­tido fumar no hospital, mas quando ele observava os fumantes atra­

vés da televisão de circuito fechado eles imediatamente começa­vam a parecer constrangidos e apagavam seus cigarros e saíamdali. Portanto, há muitas experiências práticas. No SAS britânico,que são as forças especiais usadas para tomar de assalto terroristasem embaixadas e lugares semelhantes, parte do treinamento ensinaque se você está se aproximando cuidadosamente de uma pessoapor trás, para esfaqueá-Ia nas costas, você não deve olhar fixamen­te para as costas dela, porque é quase certo que, se o fizer, ela vai sevirar e lhe fazer alguma coisa horrível. E a primeira lição que umdetetive particular aprende sobre seguir alguém é que você nãoolha para quem está seguindo, porque se olhar ele vai se virar e seudisfarce terá sido descoberto, a pessoa o verá e você já não poderásegui-Ia. Por isso, não se deve olhá-Ios fixamente.

Existe uma enorme quantidade de experiências práticas sobreesse fenômeno. Pessoas comuns já o vivenciaram, e existe também

muita experiência individual. Tenho coletado relatos que as pes­soas fazem desse fenômeno. Portanto há uma grande quantidadede história natural, há forte evidência experimental, e acho que seexistem no reino humano, também existem entre os animais. Co­

mecei recentemente alguns experimentos nos quais examino pás­saros e outros animais para ver se eles sabem quando estão sendo

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olhados. Parece que sim. Acabei de mencionar o procedimento queelaboramos para isso: temos uma câmera de vídeo, para uma situa­ção real, que fica ligada continuamente observando pássaros, porexemplo; a seguir, um observador se esconde em algum lugar, oufica atrás de um espelho de duas faces ou de vidro enfumaçado, eesse observador fica olhando os pássaros por um minuto e depoisnão olha por um minuto; com isso você terá uma seqüência aleató­ria de testes de um minuto. Ao analisar o vídeo depois, que pode ser

contado por uma terceira pessoa neutra, você descobre se os pássa­ros ficaram mais agitados durante os períodos em que estavam sen­do olhados do que quando não estavam. Os resultados preliminaressugerem que ficam. Animais parecem ser sensíveis ao olhar e, nomomento em que você pensa nisso, você vê que os animais sabemquando outros animais estão olhando para eles, e se uma presa sou­ber quando um predador está olhando para ela, isso teria valor evi­dente para a sobrevivência. E isso é de importância fundamental noreino animal provavelmente porque as pressões da seleção seriammuito fortes para que eles desenvolvessem essa sensibilidade. Elapoderia estar presente por pelo menos cem milhões de anos, ou, tal­vez, 200 milhões de anos, desde a evolução dos olhos. Eu acho queo que a princípio parece uma curiosidade, um fenômeno secundá­rio na vida humana, essa sensação de ser olhado pelos outros, podeter uma importância biológica significativa. É claro, na evolu­ção dos relacionamentos presa/predador, se as presas ficassem boasdemais na arte de saber quando os predadores estavam olhandopara elas, os predadores passariam fome. Portanto, é de se esperarque os predadores desenvolvem meios de não se trair, talvez elespossam atuar como os membros do SAS britânico, ou como deteti­ves particulares, não olhando demasiado. Mas, essa é uma área aqual não se dá muita atenção, a etologia animal, portanto só pode­mos depender de relatos de naturalistas. Mas aqui há uma enormeárea de biologia, de história natural, de psicologia que não foi ex­plorada cientificamente e que poderia ser explorada sem grandesgastos e que tem imensas conseqüências para nossa compreensãoda natureza da mente.

Acho que essas áreas são a conexão entre a pessoa que estáolhando e aquilo que está sendo olhado, o que ocorre através daqui­lo que poderíamos chamar de campo perceptual, e no meu caso, eupenso neles como sendo campos mórficos e são um aspecto da mi-

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nha hipótese geral sobre campos mórficos, campos que conectamcoisas que formam um todo. O observador e o observado, como osfisicos muitas vezes nos dizem, estão conectados um ao outro. Nafisica já não é heresia dizer que o observador e o observado têmuma conexão entre eles. Na biologia, é claro, isso ainda é herético,mas, é claro, isso é realmente senso comum. E esses experimentosajudam bastante a trazer o fenômeno para a biologia oficial e pen­so, portanto, que a idéia da mente, da percepção, precisa ir maisalém da noção de que tudo se passa dentro da cabeça, e precisamosver o processo como um processo muito mais amplo.

Bem esse é meu primeiro argumento, a primeira noção queaponta para a idéia da mente ampliada. O segundo ponto que euquero expor sobre a mente ampliada é que nossa mente não estásimplesmente localizada dentro de nossa cabeça. Acho que a idéiade que a mente está dentro de nossa cabeça nos dá uma idéia falsade nosso relacionamento com nossos próprios corpos. As psicolo­gias tradicionais achavam que a psique ou alma estavam espalha­das pelo corpo todo e até mesmo ao redor dele, conectando com oambiente e até com os ancestrais. Portanto as psicologias tradicio­nais têm a idéia de que existem muitos centros psíquicos, não só acabeça ou o córtex cerebral, mas que existem centros no coração,por exemplo. Os sistemas hindus e budistas falam de chacras,como sendo os centros psíquicos através do corpo. Na Europa Oci­dental existia também uma idéia semelhante, nas liturgias cristãs,por exemplo ainda falamos dos "pensamentos do coração", as pes­soas falam de "sentimentos viscerais". Portanto, a idéia de centrospsíquicos ainda sobrevive e muito bem no Ocidente, embora nãona agenda oficial. A partir de Descartes e da visão mecanicista, ocoração passou simplesmente a ser uma bomba, não um centro depensamentos. A idéia da psique permeando o corpo é fundamentalna visão tradicional no mundo todo.

Acho que, de várias maneiras, no mundo moderno, o conceitocientífico que nos permite nos aproximarmos mais da idéia tradi­cional da alma é o conceito de campos. No mundo antigo as pes­soas acreditavam que o universo inteiro mantinha-se unido graçasà alma do mundo, a anima mundi. Hoje acreditamos que tudo semantém unido graças ao campo gravitacional universal, que é oque mantém as estrelas em seu lugar, e mantém o universo integra­do, portanto o campo gravitacional de Einstein ocupou o lugar da

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alma do mundo. Até o século dezessete as pessoas pensavam queos fenômenos elétricos e magnéticos dependiam da alma do imã. Ocampo magnético da Terra era considerado um aspecto da alma daTerra. Hoje os chamamos de campos magnéticos e elétricos, e as­sim como a alma que organizava as plantas e os animais que Aris­tóteles chamava de "alma vegetativa", uma idéia muito parecidafoi incorporada desde a década de 1920 ao termo "campo morfoge­nético", campos formativos que organizam o embrião em desen­volvimento, e o corpo, e ajudam a manter o corpo saudável, e são abase de seus processos regenerativos. Como biólogo, comecei combiologia do desenvolvimento e passei uns vinte anos trabalhandocom esse tipo de biologia e a idéia dos campos morfogenéticos foimeu ponto de partida para essa investigação mais ampla.

Quando começamos a tratar da relação do campo do corpo,que, a meu ver, podíamos imaginar como sendo uma espécie depsique, realidade psíquica, no velho sentido de alma, e, é claro, ocampo do corpo e o próprio corpo, normalmente são relacionados,da mesma maneira que um campo magnético é relacionado comum imã. O campo magnético está dentro do imã, e também a seu re­dor, mexendo-se o imã, o campo se mexe. Penso, por exemplo, queo campo de meu braço está dentro de meu braço e ao redor dele.Mas, o que é interessante é que se eu perdesse meu braço, se ele ti­vesse sido cortado como resultado de um acidente ou uma opera­ção, eu ainda sentiria o braço. Pessoas que tiveram suas pernas oubraços amputados têm membros fantasmas, quase todas elas, e es­ses membros fantasmas parecem reais. Um dos grandes problemasem hospitais onde são feitas amputações de membros é que algunsdias depois da operação a pessoa tenta se levantar e andar, porque aperna ainda parece tão real que ela tenta andar apoiando-se nela, ecai no chão. Essas pernas e braços, esses fantasmas, continuam pa­recendo verdadeiros por muito tempo, na verdade, duram indefini­damente. Há pessoas ainda vivas hoje que têm braços e pernas fan­tasmas de membros que perderam na Segunda Grande Guerra, hámais de 50 anos. Quando alguém tem um braço ou uma perna falsa,uma prótese, na literatura médica o termo que usam para isso é di­zer que, quando colocam um braço falso, o fantasma do braço dávida à prótese, encaixa-se como uma mão em uma luva. E as pou­cas pessoas que não têm fantasmas têm muita dificuldade de adap­tar-se à prótese, portanto, essa animação do membro artificial -

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animação é o próprio termo usado pelos médicos - acho que nosdiz algo sobre a natureza do fantasma.

A visão médica, é claro, é que o fantasma é produzido dentrodo cérebro e é meramente referido ou projetado para o lugar do bra­ço, mas ainda está no interior do cérebro. Eu acredito que é possívelque o braço ou perna fantasma está, na verdade, onde parece estar,é o campo do braço ou da perna. Normalmente não é possível sepa­rar o braço verdadeiro do campo do braço, mas no fenômeno domembro fantasma é possível separá-los, você tem o campo sem obraço ou perna materiais. Portanto, será que esse campo está real­mente lá? Como podemos detectar esse campo? Essa é a maneiraperfeita de detectar o campo do corpo, é uma situação extraordiná­ria, maravilhosa para fazê-lo. É muito triste para os que tiveramseus membros amputados, mas é uma sorte para nós que estamosinteressados nessas questões mais amplas, porque aqui temos umaseparação clara entre a experiência subjetiva, o que eu chamaria decampo do membro, e a estrutura material. O que é que está real­mente lá? Há algumas pessoas que afirmam serem capazes de vercorpos sutis, auras, há outras envolvidas na chamada medicinaenergética, ou medicina da energia sutil, que afirmam serem capa­zes de sentir esses campos corporais. Há até algumas pessoas quepraticam a técnica chamada de "toque terapêutico", que desco­brem que podem aliviar a dor nos membros fantasmas massagean­do-os. Éclaro, eles estão massageando um membro que não está lá,mas eles afirmam que podem sentir o membro que, com a prática,podem realmente detectar o membro.

Bom, eu desenvolvi um experimento muito simples para testaros membros fantasmas. Esse é um experimento que desenvolvimuito recentemente. Mencionei uma versão mais antiga dele nomeu livro, mas recentemente elaborei uma versão melhor que, porenquanto, só tive tempo de experimentar uma vez e o experimentonão deu certo. Mencionei isso porque a técnica é simples, e é algoque alguns de vocês podem querer tentar se tiverem a oportunida­de. Acho que não funcionou porque eu estava trabalhando com umvedor, uma pessoa que normalmente procura água subterrânea outesouros enterrados, e ele nunca tinha feito esse tipo de coisa antes,teria sido melhor fazê-lo com algum terapeuta ou praticante deenergia sutil. O experimento foi feito na casa de uma pessoa, atrásda porta pusemos pedaços de papel, seis pedaços de papel colados

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atrás da porta, numerados. A seguir a pessoa sem braço ficou atrásda porta com meu assistente, que jogou um dado, obtendo um nú­mero de um a seis, e a pessoa colocou o braço fantasma através daalmofada da porta com o número correspondente. Imagine, então,que eu sou uma pessoa que amputou o braço e agora estou passan­do meu braço fantasma através de uma dessas almofadas, e você éum vedor ou um terapeuta de energia sutil, e você tem que me dizero número da almofada. Se você puder fazer isso corretamente vá­rias vezes, isso seria uma boa evidência tanto para a existência debraços fantasmas quanto para o resultado dessas técnicas de diag­nósticos sutis. Portanto, é um procedimento bastante simples. Noentanto, há um problema com isso: quando fizemos o experimentoo vedor ficou dando as respostas erradas, que eram as respostascertas no teste anterior. Ele disse que a memória se agarrava à por­ta. Esses vedores muitas vezes dizem que a memória das coisas é

um problema para eles, portanto, a solução para isso teria sido reti­rar os pedaços de papel e colocá-los em outra porta, e como a maio­ria das casas e instituições tem muitas portas, é possível usar uma

porta nova para cada experimento.

Outro método seria tentar detectar o fantasma por meio de ins­trumentos. Se o fantasma interagir com qualquer tipo de instru­

mentação, haveria uma forma de colocar isso sobre uma base cien­tífica muito mais rigorosa, porque mostraríamos que essas coisas

poderiam ser detectadas não só por pessoas, mas também por meiode instrumentos. O método mais simples seria se as pessoas commembros fantasmas os colocassem dentro de vários tipos de apare­lhos científicos, por exemplo, um aparelho de televisão: se alguémcolocasse seu braço fantasma no tubo catódico de um aparelho detelevisão e se uma sombra de sua mão aparecesse na tela, isso seriamuito dramático. Se eles os colocassem em um detector de cintila­

ção ou em um espectrômetro de massa e se, em um deles, houvesseuma mudança no ponteiro, isso seria uma descoberta muito produ­tiva. Infelizmente, ainda não consegui convencer nenhuma pessoacom um membro amputado a fazer isso, porque, embora os médi­cos lhes tenham dito que é tudo imaginação e que o fantasma é umailusão, quando você lhes pede que coloquem o braço fantasma den­tro de um aparelho de TV eles ficam com medo de levar um choqueelétrico. Essa é uma área em que fiz apenas algumas investigaçõespreliminares, porque tenho estado muito ocupado fazendo alguns

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dos outros experimentos, mas o menciono porque há muitas opor­tunidades para esse tipo de pesquisa, onde é possível expandirmosnossa visão das coisas, no momento em que abandonemos as limi­tações estreitas de uma visão convencional e possamos ver que hámuitas oportunidades para pesquisas científicas usando métodosestatísticos que podem ampliar nossa visão. Isso teria imensa rele­vância para a medicina alternativa bem assim como para o conhe­cimento teórico sobre a relação mente/corpo.

Penso que nossas mentes podem também influenciar o queocorre no mundo a nossa volta. Alguns pesquisadores psíquicosestudaram fenômenos de psicocinesia, a mente controlando a ma­téria, e a estudaram em relação a decaimento radioativo e em rela­ção aos fenômenos que envolvem processos aleatórios. A meu ver,um dos experimentos mais interessantes é aquele que foi feito porRenee Pehoc, na França, que usou galinhas, aliás, pintinhos. Eletem uma máquina robótica que se movimenta de acordo com umgerador de números aleatórios. Ele pega pintinhos com um dia devida e eles se fixam (imprint) nessa máquina. Como vocês sabemos pintinhos com um dia de vida se fixam em qualquer objeto mó­vel, é um de seus primeiros procedimentos de aprendizagem. Elesse fixam em pessoas, em brinquedos, em qualquer coisa que mexa.Então, eles se fixam nessa máquina. A seguir ele põe os pintinhosem uma gaiola, em um lado da sala, e a máquina no chão. Como es­tão fixados na máquina, eles querem chegar perto dela, mas os mo­vimentos da máquina são totalmente aleatórios, gerados por umafonte aleatória. Quando os pintinhos não estão presentes, os movi­mentos da máquina pela sala são totalmente aleatórios, ela se mo­vimenta pela sala aleatoriamente. No entanto, quando os pintinhosestão na sala, a máquina vai para aquele lado e passa a maior partedo tempo perto da gaiola. O desejo deles de que a máquina che­gue mais perto influencia a máquina de tal forma que encontramosdesvios padrões extraordinariamente altos nesses experimentos.Esses são experimentos fascinantes e foram repetidos por outraspessoas. Renee Pehoc também já fez o mesmo experimento comoutros animais além de pintinhos, como coelhos.

Acho que esses são os resultados mais interessantes. Acho quea psicocinesia, os efeitos da mente sobre a matéria, se eles existem,ocorrerão quando as pessoas têm um motivo forte. O problemacom a maioria das pesquisas parapsicológicas é que ela envolve ta-

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refas bastante sem sentido. Ou seja, influenciar a direção de um

gráfico no computador não é muito importante para a maior partedas pessoas e adivinhar cartas de um tipo totalmente insignificanteque estão sendo olhadas por um estranho em uma outra sala, pen­sem bem, não poderíamos imaginar uma situação em que a proba­bilidade da coisa funcionar fosse menor. É surpreendente que eles

consigam qualquer resultado, porque os fenômenos da vida realdependem de coisas que realmente importam para as pessoas. Seestamos procurando efeitos da mente sobre a matéria, o melhor lu­gar para procurá-Ios seria nos laboratórios científicos, especial­mente laboratórios químicos, fisicos e biológicos. Os cientistastêm fortes expectativas sobre o que querem encontrar. Eles têm umtabu extraordinariamente forte contra a possibilidade de que pos­

sam ter qualquer influência paranormal sobre aquilo que aconteceem seus experimentos e têm uma crença ingênua em sua total obje­tividade. Isso cria condições ideais para a manifestação de fenôme­

nos psicocinéticos. Ora, sabemos que no domínio da psicologia eda medicina os efeitos do pesquisador são bem descritos e docu­mentados. Na medicina, o efeito placebo ocorre quando as pessoas

esperam que uma pílula nova tenha poderes de cura maravilhosos,e médicos e pacientes acreditam isso. Se eles não sabem qual é a pí­lula falsa, e qual é o remédio, o efeito placebo muitas vezes funcio­na bem. Éclaro, se você disser às pessoas "essa é o placebo, é uma

pílula falsa, e essa é o remédio maravilhoso", as pessoas que toma­rem o placebo não se beneficiam dele. Só funciona se você nãosouber o que está tomando. De qualquer forma, os testes duplo-ce­gos são padrão na medicina clínica. Na psicologia, a importânciade técnicas experimentais cegas é amplamente reconhecida, e hálivros inteiros sobre o efeito experimental. Isso mostra que as pes­soas, os pesquisadores, podem influenciar o que ocorre. Ninguémjamais explicou por que eles têm uma influência assim tão forte so­bre o resultado de testes médicos e psicológicos, e, é claro, issotambém funciona com animais. Como aqueles entre vocês que es­

tudaram psicologia provavelmente sabem, Robert Rosenthal e ou­tros fizeram experimentos em que as pessoas testam ratos ou ou­tros animais, e se eles acreditam que os ratos que estão sendo testa­dos são inteligentes, astutos, os ratos têm resultados melhores noteste do que no caso em que eles acreditam que os ratos são burros,mesmo que os ratos tenham sido tirados de um mesmo grupo e

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selecionados aleatoriamente. Portanto, existem grandes efeitos damente sobre a matéria na psicologia e na medicina.

E nas demais ciências? Bom, ninguém sabe. Ninguém jamaistestou a influência do pesquisador nas ciências físicas e aquelesque praticam a física e a química, normalmente consideradas asmais objetivas das ciências, são totalmente ignorantes de técnicasde simulação. A fim de examinar até que ponto elas são levadas emconsideração na prática da ciência normal, eu fiz um levantamen­to recentemente de publicações científicas importantes para verquantos trabalhos publicados envolviam o uso de técnicas cegas.No primeiro grupo de publicações importantes de física e químicado tipo Journal O/lhe American Chemical Society, dos 237 traba­lhos que examinamos nenhum deles envolvia técnicas de simula­ção. Nas ciências biológicas, dos 914 trabalhos que examinamosapenas 7 envolviam essas técnicas. Em coisas como o BiochemicalJournal, Cell Heredity, nenhum deles. Nas ciências médicas 5,9%dos experimentos publicados envolviam técnicas cegas. Mais doque a biologia, mas mesmo assim abaixo daquilo que seria de se es­perar. Na psicologia e no comportamento animal, 4,9%, tambémmuito menos do que seria de se esperar, considerando-se a cons­ciência que os psicologistas têm desse fenômeno. Na parapsicolo­gia foram 85%, portanto a parapsicologia está bem na frente de to­das as outras ciências no uso de metodologias objetivas e rigorosas,e nas ciências físicas as técnicas são praticamente desconheci­das. Quando fizemos um levantamento das universidades, nasonze melhores universidades na Grã-Bretanha, Oxford, Cambrid­ge, Londres, Edinburgh, e assim por diante, para ver quantos de­partamentos usavam métodos cegos em pesquisa, ou os ensinavama seus alunos, o resultado foi o seguinte: na química inorgânica, ne­nhum em 7; na química orgânica, nenhum em 7; na física 1 em 9 eesse departamento de física só os usava porque tinham um contratoindustrial que estipulava seu uso.

Não sou o tipo de pessoa que diga "vamos falar mal dos ou­tros", acho que devemos sempre tentar encontrar uma abordagempositiva, e o experimento que estou sugerindo aqui é para ver seexistem efeitos da mente sobre a matéria na ciência regular. O ex­perimento que proponho é o seguinte: em aulas práticas laborato­riais normais, do tipo que os estudantes fazem normalmente, diga­mos, uma aula prática de bioquímica - normalmente, numa aula

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prática desse tipo as pessoas comparam uma amostra do teste comuma amostra de controle, por exemplo, uma enzima ativada comuma enzima de controle - eu sugeriria que nessas aulas práticasmetade dos alunos fizesse tudo como sempre faz, sabendo o que é oquê, e a outra metade faça um teste cego, e as amostras sejam rotu­ladas de A e B. Você verá que não há qualquer custo envolvido nis­so; estamos fazendo a aula prática normal, a única diferença é a eti­quetagem dos tubos. A seguir você faz uma análise da divergênciaentre os resultados para ver se há alguma diferença dos resultadosdo teste cego e do teste feito em condições abertas. Se os resultadosnas condições cegas forem diferentes, isso mostraria a existênciade um efeito do pesquisador. Essa técnica simples pode ser utiliza­da em qualquer ramo da ciência, e pode ser que em alguns ramos dafísica e da química não haverá efeitos do pesquisador, e então, pelaprimeira vez, haveria evidência experimental para a suposta objeti­vidade das ciências físicas. Mas, se existirem efeitos do pesquisa­dor, o que eu acho que haveria, então temos que ver o porquê. Seráapenas tendência do observador? É porque as pessoas registram osdados de uma maneira tendenciosa, de acordo com suas expectati­vas? Ou são os próprios sistemas que dão resultados diferentes deacordo com suas expectativas? Poderia haver uma espécie de efei­to psicocinético real nas enzimas ou nos próprios sistemas sob in­vestigação, afinal de contas,já ficou demonstrado que eles influen­ciam os processos de decaimento radioativo.

Acho que esses efeitos da mente sobre a matéria, a interaçãoentre o observador e a coisa observada, podem desempenhar umpapel essencial na ciência. Éclaro, quando muitas pessoas esperamum resultado específico, quando se constrói um consenso científi­co, há uma tendência para que o resultado apareça repetidamentenos experimentos. Mas até que ponto a construção de consenso ci­entífico é a descoberta de uma realidade objetiva e até que ponto é acriação ou uma moldagem da realidade de acordo com nossas ex­pectativas. Ninguém sabe a resposta para essa pergunta até o mo­mento porque ninguém fez os experimentos. Acho que a menteampliada poderia se ampliar até o próprio coração da ciência. Pu­bliquei um trabalho recentemente com esses resultados no Journalof Seientifie Exploration e tenho cópias se alguém quiser.

Entro agora em uma outra área de experimentação que achoparticularmente importante e interessante. Com relação a efeitos

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psíquicos - efeitos da mente à distância - a maior parte das pesqui­sas até o momento foram feitas na área de parapsicologia humana.Na verdade, alguns parapsicólogos definem sua disciplina como oestudo das capacidades humanas extraordinárias. A meu ver, noentanto, estamos olhando no local errado se quisermos realmentedescobrir mais sobre esses fenômenos. Acho que se essas coisasexistem, elas provavelmente serão muito mais freqüentes em ani­mais do que em seres humanos. Pessoas urbanas e modernas sãoprovavelmente o último lugar onde devemos procurar fenômenospassíveis de repetição como esses. Quando comecei a pensar no as­sunto, pensei "como estudaríamos esses fenômenos nos animais?"Éclaro, os comportamentalistas de animais têm os tabus normais e

não estudam essas coisas em animais selvagens. As pessoas queverdadeiramente as observam são as que têm animais domésticos.Metade dos domicílios na Grã-Bretanha, provavelmente um poucomenos em Portugal, tem animais domésticos, as pessoas têm ani­mais porque gostam de tê-Ios por perto, têm algum tipo de ligaçãocom eles. O relacionamento entre humanos e animais é algo muitoantigo, e é claro, sociedades rurais tradicionais estão sempre envol­vidas com animais, gatos, cachorros, carneiros, cavalos, burros,galinhas, etc. e antes disso, nas sociedades dos caçadores-coleto­res, as atividades xamânicas eram em grande parte relacionadascom animais e espíritos de animais. Portanto, acho que essa cone­xão com animais é essencial para nossa humanidade. Tem sido as­sim por toda a história humana, e creio que nossa consciência evo­luiu junto a esse relacionamento com animais. Nas sociedades

urbanas modernas as pessoas não têm necessidade de animais quetrabalhem, como no caso dos agricultores, mas, apesar disso, elastêm animais domésticos em casa, embora seja um hábito caro, elesdão trabalho, têm cheiro forte, etc. As pessoas realmente queremesses relacionamentos com animais. As pessoas que têm animaisdomésticos os observam dia a dia, semana a semana, ano a ano,muito mais do que cientistas e laboratórios que apenas os exami­nam durante algumas horas. Donos de animais e agricultores estãoestudando seus animais o tempo todo, e há um enorme corpo de in­formações sobre o comportamento animal entre esses donos. Masessa infonnação foi completamente negligenciada pela ciência or­ganizada, porque acham que não pode ser levada a sério e, uma vezmais, há a questão do tabu, essa arrogância que, a meu ver, foi um

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mal da ciência por tanto tempo: as mentalidades arrogantes dizem:"não escutem o que dizem os donos de animais, eles são apenaspessoas ignorantes e sem instrução que querem acreditar nessascoisas sobre seus animais, porque têm esse relacionamento emo­cional antinatural com eles". É muito fácil para as pessoas dizeremisso, e rejeitarem esse conhecimento, e esse tabu significa que umafonte preciosa de informação que pode ser oferecida pelos donosde animais foi completamente menosprezada. Nas escolas e uni­versidades veterinárias existe hoje uma área em crescimento cha­mada de "estudos de animais companheiros" mas o único financia­mento para isso, na verdade, busca examinar o beneficio que ani­mais domésticos trazem para os seres humanos. Essa área estudacomo ter animais domésticos reduz a probabilidade de ataques car­díacos ou faz as pessoas idosas se sentirem menos sozinhas, e as­sim por diante. Mas, na verdade, ela não examina os animais.

Portanto, essa área foi completamente menosprezada. Há umtabu sobre levar animais domésticos a sério, assim como sobre le­

var paranormais a sério. Mas quando examinamos as coisas que osdonos de animais dizem, há uma fonte preciosa de informação. Amaioria dos donos de animais acredita ter uma ligação telepáticacom seus cães ou gatos. Isso foi descoberto através de levantamen­tos, e há inúmeras histórias que podem ser coletadas, como eu ve­nho coletando, de donos de animais sobre coisas que seus animaisfazem, que sugerem uma sensibilidade para com o pensamento e aintenção humanos, que podem funcionar à distância. Por exemplo,a capacidade que muitos cães ou gatos têm de saber quando seusdonos estão vindo para casa. Muitas pessoas observaram que cães,gatos ou outros animais, especialmente papagaios, ficam nervosos10, 15 minutos, meia hora, às vezes até uma hora antes de seu donochegar em casa. Os cães normalmente vão esperar perto da porta,ou os gatos vão olhar por uma janela, ou mostrar algum comporta­mento característico que significa que parece que sabem quandoseu dono está a caminho de casa. A primeira vez que eu ouvi essahistória fiquei muito surpreso. Pessoalmente eu nunca tinha obser­vado isso com nenhum de meus animais, mas comecei a perguntar

a amigos e parentes e descobri que isso é extremamente comum.Então fiz um apelo nos Estados Unidos para que as pessoas envias­sem histórias sobre isso e colecionei muitas delas, o que me fez

pensar que era um fenômeno que realmente merecia ser investiga-

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do. Desde então venho colocando anúncios emjornais e revistas naGrã-Bretanha, na Alemanha, na Suíça e na França solicitando his­tórias desse tipo. Hoje tenho mais de 2.000 histórias, classificadasem várias categorias, em um banco de dados informatizado e issome dá uma história natural básica desses fenômenos com animais

domésticos. Deixe-me dar um exemplo, do tipo de histórias que re­cebemos neste banco de dados, sobre um c~chorro que sabe quan­do seu dono está chegando em casa. Essa é de uma pessoa no Ha­vaí: "Meu cachorro Debby sempre fica esperando na porta umameia hora antes de meu pai chegar em casa do trabalho. Como meupai estava no exército, ele tinha um horário de trabalho muito irre­gular. Não fazia diferença se meu pai ligava antes, e uma época euachei que o cachorro reagia à chamada telefônica, mas isso obvia­mente não era o caso porque às vezes meu pai dizia que estava vin­do para casa mais cedo, mas tinha que ficar até mais tarde. Às vezesele nem telefonava. O cachorro nunca se enganava, portanto eu eli­minei a teoria do telefone. Minha mãe foi a primeira pessoa que no­tou esse comportamento. Ela estava sempre preparando o jantarquando o cachorro ia para a porta. Se o cachorro não fosse até a por­ta, nós sabíamos que papai ia chegar mais tarde. Se ele chegassetarde, o cachorro mesmo assim o esperava, mas só quando ele já es­tivesse no caminho de casa". Como vocês podem ver, temos agoraem nosso banco de dados cerca de 580 relatos de cachorros que fa­zem isso, cerca de 300 relatos de gatos que fazem isso, com essetipo de qualidades.

O cético de carteirinha irá dizer "bem é apenas uma rotina"mas na maioria dos casos não é uma rotina, se fosse as pessoas nemnotariam. A maioria das pessoas não é idiota, e se fosse apenas umarotina, elas estariam conscientes dessa possibilidade. Na maior partedos casos é óbvio que não é uma rotina. O próximo argumento do cé­tico de carteirinha é "bom, o que deve acontecer é que as pessoas dacasa sabem quando o dono está vindo e com isso seu estado emocio­nal muda, e o animal capta essa mudança através de deixas sutis".Bem, é claro que isso é possível se as pessoas realmente prevêemque alguém está vindo para casa, seu estado emocional pode mudar,elas podem ficar excitadas ou talvez deprimidas e o animal podecaptar essa mudança emocional e reagir a ela. Mas, em muitos doscasos, as pessoas na casa não sabem quando a outra está vindo paracasa, é o animal que lhes diz e não elas que dizem ao animal.

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Quando eu estava discutindo esse assunto com NicholasHumphrey, meu amigo cético disse: "bem, tudo isso ainda não eli­mina a possibilidade de que eles ouvem o barulho do motor do car­ro, um motor de carro familiar a 30, 40 quilômetros de distância", eeu disse: "isso é obviamente impossível". E ele: "pelo contrário,

apenas demonstra como a audição dos cachorros é aguçada". Foiessa discussão que levou à idéia de fazer um experimento. Eu dis­so: "OK, e se eles vierem para casa de táxi, ou no carro de um ami­go, ou de trem, ou de bicicleta da estação em uma bicicleta empres­tada, para que não haja sons familiares?" E ele disse: "nesse caso, ocachorro não reagiria", e desde a publicação deste livro eu já des­cobri muitos cachorros, gatos e outros animais que fazem isso. Eufalarei do experimento em um momento, mas, primeiro, direi algu­ma coisa sobre o levantamento que fizemos. Já fizemos quatro le­vantamentos domiciliares usando amostras aleatórias que pergun­tavam aos donos de animais a respeito das habilidades de seus ani­mais. Vemos aqui o resultado de dois levantamentos na Grã-Breta­nha e dois nos Estados Unidos, um nos subúrbios de Los Angeles eum em Santa Cruz, Califórnia, um em Londres e outro em Rams­bottom, uma cidadezinha perto de Manchester, no nordeste daInglaterra. Telefonamos para pessoas escolhidas aleatoriamenteusando técnicas padronizadas de amostragem e perguntamos seelas tinham animais. Dos donos de animais, havia mais donos decachorros do que de gatos na maior parte das localidades, a não serem Santa Cruz onde havia mais donos de gatos do que de cachor­ros. Perguntávamos: então "seu animal parece saber previamentequando um membro da família está vindo para casa?" Aproxima­damente 50% dos donos de cachorro em todas as localidades disse­

ram que sim - em Los Angeles foram mais de 60% - e podemos veratravés desses resultados que os gatos em todas as localidades fa­zem isso menos que os cachorros. Portanto há uma diferença claraentre gatos e cachorros, mas eu acho que não é necessariamenteporque os gatos sejam menos sensíveis que os cães, apenas que amaior parte deles simplesmente está menos interessada. Portanto,há uma diferença óbvia entre gatos e cães, os gatos também fazem,mas no caso dos cachorros são muitos, pois cerca de 50% dos ca­

chorros parecem mostrar esse comportamento prévio. Estamos fa­lando de milhões de cães só na Europa. Todas as cidades e aldeias

provavelmente têm um cão que faz isso, ou vários deles. Portanto

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temos aqui um fenômeno muito bem conhecido. Há uma grandequantidade de experiências que sugerem que isso realmente ocor­re, e o que estamos fazendo agora são experimentos em que real­mente testamos se os cachorros sabem quando as pessoas estãovindo para casa. Nos primeiros experimentos que foram feitos, pe­díamos às pessoas que anotassem em um caderno o comportamen­to do cachorro, mas os céticos disseram: "bem, assim você temuma tendência subjetiva". Portanto, agora nós fazemos uma fita devídeo de todos os experimentos. Temos uma câmera de vídeo emum tripé, apontando para o lugar onde o cachorro ou o gato espe­ram pela pessoa que vem para casa. Há um controle de tempo na câ­mera e ela fica funcionando por horas. Então, temos horas de filmeque irão mostrar se o cachorro ou o gato vão até a janela, e porquanto tempo ficam lá, um registro objetivo e perfeito. Éclaro, es­ses filmes não são muito interessantes de ver, centenas de horas decapachos de portas da frente não são lá um tema muito emocionan­te, mas, felizmente, há um botão para acelerar e passar rapidamentepelos pedaços em que nada está acontecendo. O que vou lhes mos­trar daqui a pouco é um vídeo de um desses experimentos que foifeito com um cachorro com que trabalhei principalmente na Ingla­terra. O cachorro chama-se JT e o nome de sua dona é Pam. Quan­do Pam sai, ela deixa JT com seus pais, que vivem no apartamentoao lado do dela. Eles observaram há muitos anos que JT sempre iapara a janela quando Pam estava a caminho de casa, ou quase sem­pre. Esse experimento foi filmado profissionalmente pela televisãoestatal austríaca, e por essa razão a trilha sonora é em alemão, em­bora seja um cachorro inglês. Portanto, eu explicarei o que estáacontecendo em inglês para aqueles cujo alemão não é lá muitobom. O importante, aqui, é que o experimento foi genuíno, eu con­cordei em realizar esse experimento para a televisão estatal austría­ca, se eles filmassem com duas câmeras, para que pudéssemos vero cachorro e a pessoa que estava na rua ao mesmo tempo. E se elesescolhessem as horas de sua vinda para casa de maneira aleatória,que nem ela mesma soubesse previamente, que ninguém soubessepreviamente; o operador filmando o cachorro, e nem ela nem seuspais sabiam previamente quando ela viria para casa, e ela viria paracasa de táxi para eliminar a possibilidade de sons de carros familia­res. Esse, portanto, é um experimento que foi realizado dentro des­sas condições.

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Na vida real, Pam não vem para casa em horas escolhidas alea­toriamente, e que ela própria desconheça previamente. Quandoestá no trabalho, ou quando sai para fazer compras ou visitar ami­

gos, ela vem para casa em vários momentos diferentes, e nós moni­toramos regularmente as horas em que ela volta, mais de 200 expe­rimentos foram monitorados, temos dezenas deles em vídeo. O ca­chorro nem sempre reage, cerca de 85% das vezes JT realmente es­

pera por ela quando ela está vindo para casa, cerca de 15% ele não ofaz. Analisamos as ocasiões em que ele não faz, a maioria das vezes

ocorreu quando a cadela do apartamento vizinho estava no cio. Issomostra que JT pode se distrair. Isso também ocorreu algumas vezesquando havia visitas na casa ou outro cachorro, e algumas vezessem nenhum motivo. De qualquer forma, JT normalmente reage

quando Pam decide que vai para casa. Naquele filme vocês viramque ele não começa a reagir quando ela entra no táxi, e sim quandoela estava pronta para ir para casa. Na vida real ele não reage quan­do ela entra no carro para ir para casa, e sim quando ela começa a se

despedir dos amigos e pensando "bem, vou-me embora". Ele pare­ce captar essa intenção dela. E este é o número de segundos no pe­ríodo de dez minutos em que JT está esperando perto da janela. Ébem verdade que ele vai até a janela ocasionalmente quando Pamnão está a caminho de casa, normalmente porque vai latir para um

gato que passa na rua ou está olhando alguma coisa que está acon­tecendo do lado de fora. Nesses gráficos incluímos todos esses ca­

sos, embora fique claro no vídeo que ele não está esperando, mascomo os céticos dizem que se você usar evidência seletiva isso de­monstra que você inventou a coisa toda, não fizemos nenhuma se­leção aqui. Às vezes há uns trechos barulhentos, quando ele vai atéa janela de qualquer maneira, mas podemos ver que isso é a médiade 12 ocasiões diferentes quando ela estava fora por mais de 3 ho­ras. O tempo que ele está esperando na janela é maior aqui e aqui,quando ela está no caminho de casa do que quando ela não está. Ve­mos um pequeno aumento antes de ela ir para casa, que, a meu ver,tem que ver com esse efeito antecipatório. O tempo em que ela estávoltando é o tempo em que ela já está no carro, portanto, ela está sepreparando para vir no momento imediatamente anterior a esse.Essas são ausências de tempo médio, seis ausências de tempo mé­dio e uma vez mais aqui vemos essa antecipação nos dez minutosantes de ela sair. É bastante claro, mas JT está obviamente esperan-

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do por ela principalmente quando ela está no caminho de casa.Essas aqui são ausências curtas, essas são alguns experimentosmais barulhentos, mas eles mostram o mesmo resultado. O que éclaro nesses gráficos é que JT não vai para a janela com mais fre­qüência quanto mais tempo ela estiver fora. Ele obviamente estámuito mais na janela aqui, quando ela está no caminho de volta,do que nos períodos correspondentes aqui. Esses efeitos têm umaenorme significância estatística. Vários tipos de análise mostramsignificâncias que vão mais além da escala de meu computador.Esses efeitos são do tipo p é menor que .00001.

Esses resultados foram amplamente publicados na Grã-Breta­nha, nos jornais, e é claro foram criticados pelos céticos, que estãosempre prontos para dizer que nada semelhante poderia ocorrer.Esses experimentos foram criticados por um dos céticos mais ati­vos na Grã-Bretanha, cujo nome é Richard Wiseman. Segundo ele,eu não tinha usado procedimentos adequados, não os tinha regis­trado de forma adequada, etc. Eu fiz também muitos experimentoscom horas de retomo aleatórias. Pam tem um pager em seu bolsoque eu ativei por telefone de Londres e ela vem para casa em mo­mentos verdadeiramente aleatórios, usando um desses pagers datelecom. De qualquer forma, ele criticou os detalhes, então eu dis­se: "Tudo bem, por que você mesmo não faz o experimento? Eu or­ganizo tudo para que você possa fazê-Io com o mesmo cachorro.Emprestamos uma câmera de vídeo, Pam irá onde você quiser, oseu ajudante ficará observando-a". Na verdade, então, o próprioWiseman filmou o cachorro e ficou no apartamento dos pais daPam, enquanto seu ajudante ia com a Pam para pubs, ou outros lu­gares, até que em um momento determinado aleatoriamente fossedecidido que eles voltariam para casa. Eles checavam o tempo todopara garantir que não haveria chamadas telefônicas secretas, ne­nhum meio de comunicação invisível, nenhuma fraude ou trapaça.

Wiseman é um mágico, e ele é um desses céticos que está sem­pre afirmando que tudo pode ser feito por trapaça ou ilusionismo.Bem, ele mesmo esteve lá, e eles estavam se protegendo de tudo, eele realizou três experimentos com Pam na casa de seus pais, e es­ses foram os resultados dos três experimentos que ele fez, usandotodos seus controles rigorosíssimos, seu próprio procedimento ale­atório, e outras coisas mais (os resultados são exatamente iguaisaos outros; o público ri). Portanto, esses resultados são sólidos,

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mesmo com um cético, que ao fazer o experimento na verdade nãoquer que ele dê certo. E agora estamos trabalhando com outros ca­chorros e gatos e encontramos resultados semelhantes, e se vocêsestiverem procurando temas para projetos de pesquisas essa é umaárea extremamente produtiva e interessante. As pessoas leigas aacham fascinante, porque elas geralmente estão interessadas emanimais domésticos e as implicações são enormes, mas também ésimplesmente divertido e pode ser feito com um custo muito baixo,você precisa de uma câmera de vídeo pra esses experimentos, mascâmeras de vídeo são bastante baratas hoje em dia e muitas pessoasas têm. Atualmente realizo uma série de experimentos em SantaCruz, Califórnia, com um tipo de periquito italiano que mostra omesmo tipo de reação: eles guincham quando o dono está vindopara casa, e obtemos quase o mesmo tipo de gráficos, mostrandoque os guinchos vão aumentando de intensidade quando o donoestá a caminho de casa em horas aleatórias.

Portanto, provavelmente aqui em Portugal, seria possível fa­zer esses experimentos com cães e gatos, na verdade acho queessa pesquisa pode ser feita em qualquer lugar. É uma pesquisamuito, muito interessante. Como o contribuinte paga pela maiorparte da ciência, e como a maior parte dos contribuintes tem ani­mais domésticos, se a ciência for refletir o interesse das pessoasque pagam por ela, esse tipo de pesquisa estaria no topo da agendacientífica. Nas circunstâncias atuais chega a estar proxímo ao úl­timo lugar. Mas eu acho que é o tipo de pesquisa que dá uma novaperspectiva à ciência, uma nova maneira de olhar o mundo, quefaria a ciência muito mais importante e significativa, e certamen­te muito mais interessante, e daria grandes projetos para alunosde escolas e universidades.

Embora divertidos, esses experimentos nos mostram muita coi­sa sobre o comportamento animal e confirmam a maior parte dascoisas que os donos de animais dizem que seus animais fazem. Issofaz com que eu leve muito mais a sério essas histórias de donos deanimais. Existe conjunto enorme de experiências, cerca de 8 ou 9fenômenos diferentes, que estamos investigando atualmente comanimais domésticos, e também com cavalos. São divertidos, e tam­bém são evidência para fenômenos do tipo psíquico. Acho que essefenômeno é semelhante à telepatia e, se quisermos estudar essascoisas, é muito melhor estudar animais do que pessoas. Uma das

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dificuldades da pesquisa parapsicológica tradicional é que nessesexperimentos um tanto monótonos os pontos geralmente vão dimi­nuindo, porque os participantes ficam entediados. Bem, felizmenteos cachorros nunca ficam entediados com a chegada de seus donosem casa, e podemos fazer esse tipo de experimento milhares de ve­zes. Esses são fenômenos muito mais sólidos do que os fenômenosmeio efêmeros da parapsicologia.

Essa é uma área de pesquisa muito produtiva e o que demons­tra é que cães ou gatos ou outros animais podem captar as intençõesde seus donos. Eles captam essas intenções quando os donos estãoem casa, mas nesse caso, é claro, é muito mais dificil eliminar osefeitos de sugestões sutis, linguagem corporal, efeito Clever Hans,e assim por diante. Quando eles estão a quilômetros de distância,como no caso desse experimento que acabamos de ver com o JT,que foi feito com distâncias maiores que 8 quilômetros, muitascom 15 ou 20 quilômetros, quando estão a uma larga distância, aidéia de sugestões sutis, efeitos Clever Hans e outras coisas mais éeliminada. O que eles mostram é que as intenções humanas podemter um efeito à distância, a intenção de ir para casa irá afetar o ca­chorro e, se o cachorro pode reagir a uma intenção humana a mui­tos quilômetros de distância, pode ser que um ser humano tambémpossa responder a uma intenção humana a muitos quilômetros dedistância. A interconexão de pessoas através da intenção a grandesdistâncias é, é claro, algo que as culturas tradicionais pressupõem.Mas é uma daquelas áreas que sempre foi um tabu para o tipo dedogmatismo racionalista da ciência moderna. Acho que esse estu­do de intenção à distância abre uma enorme área de diálogo poten­cial com tradições espirituais. No decorrer dos últimos anos, venhomantendo uma série de diálogos com Mathew Fox, um padre e teó­logo norte-americano, uma pessoa com mente aberta e interessan­te, e exploramos como essas novas idéias oriundas desse tipo depesquisa pode nos dar uma idéia mais ampla da noção de alma e dapsique em geral. Também abre uma nova possibilidade de pensa­mento sobre o poder da oração, que tem muito que ver com inten­ção. As pessoas que rezam acreditam que suas intenções podem terresultados à distância sem saber bem como isso funciona e, se cãespodem reagir a intenções à distância, então há uma nova área dediálogo abrindo-se aqui, que é extremamente interessante. Discuti­mos isso em nosso livro Natural grace, que é uma série de diálogossobre questões desse tipo.

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o ponto de vista convencional, é que, se você rezar, tudo o queacontece é uma série de pequenas mudanças elétricas e químicasem sua cabeça e é praticamente impossível que isso tenha algumefeito à distância. Bem, a meu ver a mente e os efeitos da mente seestendem no espaço, através da percepção, através da intenção eatravés daquilo que queremos que aconteça no mundo. Eu dei al­guns exemplos de experimentos simples que podem ser examina­dos e outros que podem também mostrar que a mente pode estarrelacionada ao corpo, através do fato de que ela se estende espaci­almente por toda a área onde a imagem de nosso corpo está. Achoque esses efeitos são mediados por campos mórficos que mantêmunidas partes de sistemas auto-organizadores, e quando você estálidando com animais domésticos e seus donos, por exemplo, amaneira como os campos mórficos se organizam depende do fatode que cada sistema, em todos os níveis de organização, tem umcampo mórfico, e esses poderiam estar em átomos, em moléculas,em cristais, em órgãos, em organismos, em sociedades, e achomesmo que cada sociedade tem um campo mórfico para todo oagrupamento social. Um cão e um ser humano, quando formamuma união entre eles, são parte de um grupo social. Os cães sãoanimais intensamente sociais, eles descendem dos lobos que têmuma vida social intensa. Portanto, eu acho que o que ocorre quandouma pessoa sai de casa, é que ela ainda continua conectada pelocampo mórfico da família, do qual o cão é parte. O campo mórficose estica, por assim dizer, mas eles ainda estão ligados por essecampo mórfico, e é devido a essa conexão contínua invisível que ainformação pode viajar, as intenções da pessoa podem afetar o ca­chorro em casa.

Portanto, eu interpreto tudo isso em termos de campos mórfi­coso É claro, outras pessoas podem querer interpretá-Io em termosde outras coisas, e pode ser que isso esteja relacionado com anão-localidade quântica, ninguém sabe. Existem na fisica quânti­ca, fenômenos não-locais misteriosos, sistemas que foram cone c­tados como parte do mesmo sistema, e quando são separados retêmessa conexão não-local e não separável à distância. Bem, uma pes­soa e um cachorro, que estiveram conectados por terem vivido jun­tos como companheiros, quando se separam podem ter uma cone­xão não-local semelhante. Mas ninguém sabe se essa não localida­de quântica se estende aos fenômenos macroscópicos ou não. Não

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há razão para que isso não aconteça, que eu saiba, mas, por enquan­to, eu falo sobre isso em termos de campos mórficos. Acho que es­ses campos têm uma espécie de memória, essa é minha idéia de res­sonância mórfica, o que significa que cada tipo de campo mórficotem uma memória de sistemas passados semelhantes, por meio deum processo de ressonância através do espaço e do tempo. Os cam­pos são locais, estão dentro e ao redor do sistema que eles organi­zam, mas sistemas semelhantes têm uma influência não-local atra­

vés do espaço e do tempo, oriunda da ressonância mórfica que dáuma memória coletiva para cada espécie. Não tenho tempo de ex­plicar os detalhes da teoria da ressonância mórfica, a não ser paradizer que cada espécie neste planeta teria uma memória coletiva.Todos os ratos extrairiam memórias da memória coletiva de ratos

anteriores. Se ratos aprenderem um novo truque no laboratório, ou­tros ratos em outros locais deveriam ser capazes de aprender omesmo truque mais rapidamente. Há já evidência, que eu discutiem meus livros, de que isso realmente ocorre. No reino humano, seas pessoas aprendem uma nova habilidade, como windsurf, ou an­dar de skate, ou programação de computador, o fato de que muitaspessoas já aprenderam a mesma coisa deveria fazer com que fossemais fácil para os outros aprenderem. Bem, essa é uma teoria que,claramente, é muito polêmica, e eu a descrevi em detalhe em meuslivros A new science of life e A presença do passado. A presençado passado foi traduzido em português e publicado pelo InstitutoPiaget, portanto está disponível aqui.

Já houve um número considerável de testes experimentais equando um número grande de pessoas está envolvida, eles dão re­sultados positivos; com uma amostra pequena (20, 30 pessoas)aprendendo algo novo, os resultados são às vezes positivos e às ve­zes não significativos. Esses efeitos são relativamente pequenos edifíceis de detectar no contexto de variações individuais. Mas hácertos tipos de evidência que surgiram espontaneamente, que sãorelevantes aqui, e um deles está relacionado com testes de QI.Como vocês sabem, os testes padrão de QI vêm sendo ministradospor muitos anos para medir a inteligência e esses mesmos testessão aplicados ano após ano, todos os anos as médias expressas emporcentagens. Foram feitos estudos para examinar a contagem detestes de QI no decorrer do tempo; quando examinamos o desem­penho absoluto nesses testes - e aqui estamos falando de testes fei-

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tos por milhões de pessoas - os testes mostram um efeito muito in­teressante que foi descoberto pela primeira vez por James Flynn, eportanto é chamado de Efeito Flynn: há um aumento misterioso einesperado nas porcentagens do QI com o correr do tempo. Aquitemos um gráfico mostrando resultados de testes de QI. Isso foi ti­rado de um número recente da revista Scientific American, de umadiscussão do Efeito Flynn. As porcentagens aumentaram uns trêspor cento a cada década, não só nos Estados Unidos, mas tambémna Inglaterra, na Alemanha, na França, provavelmente em Portu­gal. O que quero dizer é que, onde quer que fosse que eles exami­nassem os dados, descobriram esse aumento. Por que o QI é uma

questão polêmica na psicologia, tem havido muita discussão sobrea razão pela qual isso aconteceu: melhor nutrição, escolas melho­res, mais experiência com os testes, e assim por diante. Mas nenhu­ma dessas teorias foi capaz de explicar mais do que uma fração des­se efeito. O próprio Flynn, após IO anos pensando sobre isso, e tes­tando todas essas explicações, chegou à conclusão que o efeito édesconcertante, não há explicação para ele na ciência convencio­nal. No entanto, é apenas o tipo de efeito que seria de se esperarcom a ressonância mórfica. Não é porque as pessoas estão real­mente ficando mais inteligentes, não há nenhuma evidência inde­

pendente para um aumento na inteligência. O que está acontecendoé que elas simplesmente estão mais eficientes quando fazem os tes­tes de QI, e eu acho que estão mais eficientes porque milhões depessoas já fizeram os mesmos testes. Portanto, acredito que o queestamos vendo aqui é um efeito de ressonância mórfica, que pode­ria explicar esse fenômeno. A meu ver existem muitos fenômenosde memória coletiva que poderiam ser testados experimentalmentee, em meus livros, eu sugiro algumas maneiras de como isso pode­ria ser feito.

A idéia de memória coletiva não, é claro, unicamente associa­da com essa teoria. Com relação aos seres humanos, Jung, o psicó­

logo, já tinha sugerido uma idéia semelhante com sua noção do in­consciente coletivo. Mas o que estou sugerindo é que algo como oinconsciente coletivo não é apenas um fenômeno humano, animaistambém o têm, todas as espécies o têm e, com efeito, acho que essetipo de processo da memória opera em toda a natureza. Se você fi­zer um novo cristal que nunca existiu antes, não poderia existir umcampo mórfico para esse cristal. Essa teoria se aplica também a

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cristais e a moléculas. Se você o cristalizar repetidamente o campomórfico ficará mais forte, e ficaria mais fácil para a substância secristalizar. Na verdade isso é um fato bem conhecido dos químicos,isso é que os novos compostos se cristalizam com mais facilidadecom o passar do tempo nos vários laboratórios. A explicação des­ses químicos é que isso ocorre porque fragmentos dos cristais ante­riores são levados de um laboratório para o outro, nas barbas dequímicos migrantes ou que foram transportados da atmosferacomo partículas invisíveis de poeira. Mas eu estou sugerindo queisso poderia ser um efeito da ressonância mórfica e essa é uma dasáreas em que ela pode ser testada. Na química existem também ou­tras áreas onde ela pode ser testada.

O quadro mais importante desse fenômeno de ressonânciamórfica é que as chamadas leis da natureza podem não ser pré- fixa­das, pode ser que nem todas elas estivessem lá no momento do bigbang, como uma espécie de código napoleônico cósmico. Ao con­trário, as leis da natureza podem ter evoluído com o passar do tem­po, talvez elas sejam mais como hábitos, dependendo da memóriainerente na natureza. A ciência convencional é baseada na idéia de

que as leis sempre foram fixas, e até a década de sessenta pensa­va-se que o cosmos era fixo e não evolucionário. Hoje temos umacosmologia radicalmente evolucionária, onde a antiga idéia de leisestabelecidas não faz realmente muito sentido. Pelo menos preci­samos considerar a idéia de que elas puderam evoluir e que isso, eupenso, é uma maneira de compreender a evolução das regularida­des da natureza em termos de hábito. Mas de uma certa forma isso

também tem conseqüências diretas e práticas para a compreensãodo patrimônio biológico, da memória humana e de uma série bemampla de fenômenos psicológicos. Portanto, acho que nossas men­tes se estendem não só no espaço, mas também no tempo. Que de­pendemos da memória coletiva daqueles que existiram antes denós e, por sua vez, todos nós contribuímos para essa memória cole­tiva. Portanto, nossas mentes, em vez de serem coisas individuaisisoladas na privacidade de nossos crânios, são extremamente maisinterconectadas com as demais através do espaço e do tempo. Sãomuito mais permeáveis às demais, e somos afetados pelos pensa­mentos de outras pessoas, bem como por suas ações. E por sua vez,podemos afetar outras pessoas, através de nossos pensamentos eatitudes. Isso é algo que a maioria das tradições religiosas nos ensi-

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naram através dos tempos, mas que é negada pela teoria da cons­ciência isolada, que se enquadrou tão bem com o atomismo socialdas teorias sociais do Ocidente moderno, particularmente na partedo mundo que fala inglês.

Finalmente, eu queria dizer que quando pensamos sobre aconsciência deveríamos ampliar nossos horizontes e abandonar apreocupação tão limitada com os sistemas nervosos e cerebrais, eseres humanos e cães e gatos e assim por diante. A maioria das pes­soas que pensam na consciência diz "bem, é claro que somos cons­cientes" e além disso existem muitos debates hoje em dia na litera­tura sobre psicologia animal sobre se os cães são ou não conscien­tes. É claro, por muitos anos achava-se que eles não o eram, queeram supostamente máquinas. Hoje é bastante respeitável na etolo­gia cognitiva se dizer que os animais pensam, mas isso é o pontomáximo a que o debate chegou. Eu penso que é possível que hajamuitas, muitas formas de consciência no universo. Acho muito di­ficil acreditar que 15 bilhões de anos de evolução cósmica tiveramcomo resultado unicamente a evolução da consciência humananeste planeta, com uma possível versão reduzida dela nos cães eoutros animais, e enquanto isso todo o resto do universo é total­mente inconsciente. Essa é a visão que a ciência nos dá e na astro­nomia ou na cosmologia não há qualquer discussão sobre cons­ciência. Mas penso que deveria haver. Gostaria de terminar comuma nota bastante provocativa que é uma consideração da cons­ciência do sol. Ora, a idéia de que corpos celestiais possam estar vi­vos é familiar à maioria das pessoas hoje em dia através da teoria deGaya. Se a Terra Gaya é um organismo vivo, se a Terra está viva,então será que a Terra pensa? Será que ela poderia ser conscien­te? Essa é uma questão que raramente vemos ser discutida, mas euacho que é um tema muito importante para discussão.

Mas ainda mais relevante é a questão do sol. Todas as religiõestradicionais tratam o sol como sendo consciente. É um deus, na re­ligião grega. Na Índia, Surya é um deus e os devotos saúdam o solde manhã. Eu mesmo faço um exercício de ioga chamada Suryanamascar que é uma saudação matinal ao sol. Portanto, essas sãotradições que existem em todas as partes, mas, é claro, para nós,com uma estrutura científica, o sol é apenas uma grande explosãonuclear do tipo que ocorre o tempo todo emitindo radiação. No en-

tanto, se você pensar no assunto, mesmo aceitando o ponto de vistamaterialista, que a interface entre a consciência e o cérebro temalgo que ver com os padrões elétricos de atividade no cérebro, eessa é uma visão bastante geral, que esses campos elétricos mutan­tes são de alguma forma uma interface entre a estrutura fisica docérebro e a consciência. E muitas vezes nos dizem que o cérebrohumano é a coisa mais complexa do universo, e que somos os maisconscientes. Na verdade, em termos de padrões elétricos, nosso cé­rebro é deploravelmente atrasado em relação ao sol. O sol, sabe­mos hoje em dia, tem uma série incrível de mutações de ressonân­cia elétrica e magnética ocorrendo em seu interior: ciclos de onzeanos, explosões de manchas solares, dinâmica caótica, freqüênciasressonantes. No momento existem dois programas principais inter­nacionais de observação solar, Soho e Gaun como são chamados.Um é um sistema de observatórios solares espalhados por todo omundo, e o outro é um satélite que está observando o sol continua­mente. Atualmente esses sistemas estão monitorando, com um de­talhamento anteriormente considerado impossível, essas incríveismudanças eletromagnéticas - minuciosas e complexas - que estãoocorrendo no sol. Bem, se padrões elétricos complexos são uma in­terface suficiente para a consciência e o cérebro humano, por que éque o sol não poderia tê-los também? Por que o sol não poderiapensar? E se ele está pensando, sobre o que estará pensando? Essasnão são o tipo de questões para as quais esperamos ter uma respostaimediata, pois não são exatamente aquelas sobre as quais os manu­ais de astronomia irão nos ajudar, embora eu pense que os detalhesda eletrofisiologia do sol está sendo estudada de uma maneira mui­to sofisticada. Um grupo do qual fizemos parte reuniu-se na Ingla­terra no solstício de verão do ano passado, e realizamos uma confe­rência sobre a consciência do sol com alguns fisicos, cosmólogos,pessoas com tradições místicas, e discutimos esse assunto durantetrês ou quatro dias. Foi uma discussão fascinante já que ninguémsabe nada sobre isso. Ficamos livres de quaisquer limitações espe­cíficas, fomos forçados a lançar-nos em especulações totais e, éclaro, se o sol é consciente, por que não as estrelas? E se as estrelassão conscientes, por que não as galáxias? Essas últimas teriam umaconsciência de um tipo muito mais inclusivo do que a das estrelasque elas contêm. E se as galáxias, por que não os grupos de galá-

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xias? Então teríamos uma idéia de níveis hierárquicos de consciên­cia por todo o universo. Éclaro, na tradição ocidental, como em to­das as tradições, temos uma idéia exatamente desse tipo. A idéiadas hierarquias dos anjos na Idade Média não era a de seres comasas, isso era apenas uma maneira bastante ingênua de represen­tá-los. Eles eram compreendidos tradicionalmente como níveis deconsciência além do humano. Havia nove níveis dos quais três oumais eram relacionados com as estrelas e com a organização decorpos celestiais. Eles eram as inteligências das estrelas e dos pla­netas, os três níveis intermediários dos anjos. Portanto, já existe atradição no Ocidente sobre uma consciência super-humana. MathewFox, eu mesmo, e os principais textos ocidentais sobre anjos, e umlivro nosso chamado Afisiea dos anjos, publicado recentemente,retomam o texto principal de Santo Tomás de Aquino, Hildegardde Bingen e de Dionísio o Areopagita, as principais autoridadesocidentais em anjos, e examinam o que eles significavam, e quenovo significado eles poderiam ter à luz da cosmologia moderna.Ora, como vocês podem imaginar, esse não é o tipo de livro que vaiestarnas listas de leitura das universidades, e é obviamente especu­lativo, mas foi nossa tentativa de explorar essa questão, sobre aqual, a meu ver, os cosmólogos nos desapontaram bastante, de ex­plorar a questão de lidar com os níveis superiores de consciênciaque podem existir em todas as sociedades, que, tradicionalmente,acredita-se existirem por todo o universo. Podemos não saber mui­to sobre eles, mas, é claro, eu tampouco sei muito sobre sua cons­ciência. Éum problema notoriamente dificil de se provar, até mes­mo que um outro ser humano está consciente. Portanto, se é difícilprovar que o sol e a galáxia são conscientes, temos de lembrar quetampouco isso é uma coisa fácil de provar, mesmo com pessoas ouanimais. Mas, penso realmente que precisamos ter uma perspecti­va ampla quando estivermos pensando sobre psicologia transpes­soal, sobre a consciência, sobre os novos paradigmas nas ciências,devemos tentar evitar o tipo de ehauvinismo humano antropocên­trico, ou até mesmo o chauvinismo terrestre, e reconhecer que épossível que haja muitas formas de consciência no universo. Pensoque estamos no limiar de um período inteiramente novo de desco­bertas e investigações científicas, e creio também que esta é uma

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época muito estimulante para estar vivo, e estou muito contente deque seja possível discutir essas idéias.

Referências bibliográficas

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- (1994). Seven experiments that could change the world. Londres,Fourth Estate.

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- (1999c). How widely is blind assessment used in scientific research?Alternative Therapies, 5, p. 88-90.

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8Ayahuasca, mente e consciência

Benny Shanon

lhe Hebrew University, Israel

Resumo

Este trabalho é parte de um projeto de pesquisa em curso atual­mente que investiga, de uma perspectiva cognitivo-psicológica, ainfusão psicotrópica ayahuasca. Até o momento, a ayahuasca foiestudada principalmente pelos cientistas ditos naturais (botânicos,farmacólogos e fisiologistas) ou pelos cientistas sociais - principal­mente antropólogos. Nosso argumento é que, se quisermos apreciarverdadeiramente o que é especial a respeito da ayahuasca, necessi­tamos de uma investigação cognitivo-psicológica das experiênciassubjetivas peculiares que a bebida induz. Por um lado, o modelocognitivo psicológico serviria para estabelecer as bases para um es­tudo sistemático da fenomenologia da experiência com a ayahuas­ca. Por outro, o estudo da ayahuasca pode introduzir ao psicólogocognitivo novos territórios mentais antes nunca mapeados e, assim,também oferecer-lhe novas questões e novas perspectivas para o es­tudo da mente. Neste trabalho, focalizo as várias mudanças que aayahuasca induz no estado de consciência das pessoas, e destaco ogrande potencial que o estudo da experiência com a ayahuasca podeter para o estudo do fenômeno da consciência humana.

1. A ayahuasca e sua investigação científica

A ayahuasca é uma infusão psicotrópica consumi da em todaa região do Alto Amazonas (para uma discussão geral, veja Rei-

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chel-Dolmatoff, 1975; 1978, as várias contribuições em Hamer,1973 e Luna, 1986a; para uma bibliografia abrangente veja Luna,1986 b). A infusão é feita de duas plantas - normalmente a primeiraé a Banisteriopsis caapi, um cipó da família das Malpighiáceas, e asegunda é aPsychotria viridis, um arbusto. Na linguagem popular,o termo ayahuasca é utilizado para referir-se não só à infusão, mastambém à primeira das duas plantas constituintes. Quimicamente,os principais ingredientes ativos na poção são os alcalóides N, N­dimetiltriptamina ou DMT, a harmina, a harmalina e a beta-Iepta­florina (para um exame clássico sobre a botânica e a farmacologiada ayahuasca, veja Schultes, 1972; para mais informações atuali­zadas veja Ou, 1993; 1994). Os povos indígenas da região amazô­nica usam a ayahuasca há milênios. Na vasta região que inclui ooeste do Brasil e as áreas leste do Equador, do Peru e da Colômbia,a ayahuasca é a coluna central da cultura (para uma análise históri­ca, veja Naranjo, 1983). No passado, a ayahuasca era usada paratodas as decisões principais de uma tribo, particularmente para lo­calizar a caça e para declarar guerra; era também parte essencialdos ritos de iniciação. Hoje ela é o instrumento básico dos xamãs edos curandeiros de toda a região. Dizem que a ingestão da bebidafaz com que os curandeiros sejam capazes de ver a constituição in­terior de seus pacientes e com isso fazer o diagnóstico correto e rea­lizar o tratamento.

No século XX, como resultado de contatos inter-raciais, emvárias seitas sincréticas que se estabeleceram no Brasil, as tradi­ções indígenas da ayahuasca se juntaram a elementos culturaiscristãos e a outros não indígenas, particularmente africanos. En­tre essas seitas a mais importante é a Igreja do Santo Daime e aUnião do Vegetal (UdV). Na última década os dois grupos se ex­pandiram significativamente por todos os centros urbanos brasilei­ros e recentemente também estabeleceram comunidades no ex­

terior (para informação geral a respeito da Igreja do Santo Daime,veja Monteiro da Silva, 1983; Polari, 1984; 1992; Froes, 1986;MacRae, 1992; Groisman & SeU, 1995, e o Centro de Memória eDocumentação, 1989, para o UdV).

O consumo da ayahuasca provoca visões poderosas assimcomo também alucinações em todas as outras modalidades percep­tuais. Efeitos cognitivos não-perceptuais pronunciados também semanifestam. Esses incluem ideações, tanto espirituais quanto inte-

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lectuais, insights pessoais profundos e várias experiências místi­cas. Além disso, a ayahuasca introduz as pessoas que a tomam aoque parece ser outras realidades. Assim, aqueles que consomem ainfusão podem sentir que estão ganhando acesso a novas fontes deconhecimento e que os mistérios e verdades últimas do universolhes estão sendo reveladas. Tudo isso é muitas vezes acompanhado

daquilo que só pode ser descrito como um encontro com o Divino.

Praticamente toda a pesquisa científica sobre a ayahuasca sedivide em duas categorias. A primeira é a das ciências naturais ­botânica e etnobotânica, farmacologia, bioquímica e fisiologia docérebro. A segunda categoria é a das ciências sociais - sobretudo aantropologia. As disciplinas da primeira categoria tentam determi­nar a identidade das plantas com as quais se prepara a ayahuasca,analisar os ingredientes químicos ativos nelas, e descobrir a açãofarmacológica que elas geram e os efeitos fisiológicos que produ­zem nos seres humanos. Parece que a essa altura os cientistas jádescobriram respostas bastante definidas para essas perguntas. Osantropólogos, por sua vez, estudam como a ayahuasca é utilizadanas várias sociedades e grupos. Eles registram os ritos religiosos oumedicinais nos quais a bebida é consumida e o comportamento daspessoas que deles participam. Estudam também como a ayahuascae seus rituais estão relacionados às várias outras facetas das cultu­ras sob estudo - sua estrutura social, mitologias, música, crenças

religiosas, arte e artefatos. (Além dos trabalhos citados acima, su­gerimos ao leitor Dobkin de Rios, 1972; 1973; Reichel-Dolmatoff,1975; Langdon, 1979; 1992; Luna, 1986a, bem assim como umnú­mero especial da revista América Indígena, 1986.)

A meu ver, por mais importantes que sejam, nenhuma dessasinvestigações aborda o núcleo da questão. Ambas observam aayahuasca de fora, por assim dizer. A ayahuasca desperta curio­sidade devido às experiências extraordinárias que provoca naspessoas. Claramente, essas experiências são psicológicas. As vá­rias ciências naturais nos dizem de que é feita a ayahuasca e queeventos cerebrais ela produz, mas não dizem nada - na verdadenão podem dizer nada - sobre as experiências especiais associa­das com a bebida. As ciências sociais também olham as coisas defora. Normalmente, os antropólogos descrevem como as pessoasde um dado grupo étnico ou social (de um modo geral, grupos quenão sejam os seus próprios) usam a bebida. Focalizam o contexto

do consumo, mas o que podem dizer sobre o fenômeno propria­mente dito é bastante limitado.

É bem verdade que o Ocidente não teria conhecido a ayahuas­ca se não fosse pelas aventuras ousadas de botânicos e antropólo­gos. No entanto, uma vez descobertas, as experiências especiais,talvez até misteriosas, que a ayahuasca oferece, não são nem botâ­nicas nem antropológicas. Como já observamos acima, o que é es­pecial sobre a ayahuasca são as experiências subjetivas extraordi­nárias que ela provoca. Portanto, os verdadeiros enigmas associa­dos a essa infusão não pertencem nem ao cérebro nem à cultura esim à mente humana. Como tal, o estudo da ayahuasca pertenceem primeiríssimo lugar ao domínio da psicologia, e mais especifi­camente à psicologia cognitiva. Essa é a disciplina envolvida noestudo empírico e teórico da vida mental dos seres humanos. Suasáreas de envolvimento paradigmáticas são a linguagem, a memó­ria, os processos do pensamento, os aspectos psicológicos do co­nhecimento e, por fim, mas igualmente importante, a consciência.

Deixe-me ainda explicar a diferença de perspectiva entre a psi­cologia cognitiva e a antropologia. Essa diferença, é claro, não éespecífica ao tema da pesquisa sobre ayahuasca. A diferença a serobservada é dupla. Primeiramente, o ponto de partida do antropó­logo é o estudo das sociedades e da cultura. Em comparação, o pon­to de partida do psicólogo é o indivíduo. Segundo, os antropólogosestudam o Outro e tentam entender sua cultura estrangeira. O psi­cólogo cognitivo investiga as estruturas comuns e os mecanismosque formam a mente humana. Obviamente, as pessoas são mem­bros de culturas diferentes, mas, ainda assim, enquanto seres hu­manos, elas são, em algum sentido básico, todas iguais. Assim,para o antropólogo a ayahuasca é interessante primordialmenteporque ela apresenta a novidade de práticas socioculturais. Aocontrário, para o psicólogo cognitivo a ayahuasca é um instrumen­to para descobrir novos territórios, até então desconhecidos, damente humana - seja ela a mente de um indiano ou de um ociden­tal. Na verdade, a meu ver, a ayahuasca não é um meio para estudaro Outro e sim um instrumento para estudar-me a mim mesmo, a nósmesmos (para maior exposição dessa idéia, veja Shanon, 1998).

Posso acrescentar que, a meu ver, o esforço cognitivo é orien­tado por uma perspectiva semelhante àquela que serve de base para

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a pesquisa biológica. Naturalmente, as mentes das pessoas dife­rem, da mesma maneira como diferem seus narizes e seus fígados.No entanto, da mesma forma como o anatomista estuda a estruturado nariz humano (embora os narizes de pessoas diferentes pareçamdiferentes) e da mesma forma como o físiologista estuda a função dofígado (embora fígados diferentes se comportem de maneira dife­rente), assim também o psicólogo cognitivo estuda a mente humana.As mentes de pessoas diferentes podem ser diferentes, mas em setratando das mentes de membros de uma mesma espécie é claro quefaz sentido falar daquele sistema que é comum a todos os membrosdo homo sapiens - a mente humana. Ao dizer que a disciplina maispertinente para o estudo da ayahuasca é a psicologia cognitiva, es­tou também estabelecendo uma comparação com outras subdiscipli­nas da psicologia, principalmente a psicologia médica, a psicologiaclínica e a psiquiatria. Os poucos estudos psicológicos existentes so­bre a ayahuasca pertencem a essas áreas (veja, por exemplo, Naran­jo, 1973a; 1973b). Isso é mais do que natural, dado os usos medici­nais da infusão. Meu próprio objetivo é diferente: quero investigaro que é a experiência ayahuasca e conseguir entender a dinâmica eos processos cognitivos a ela associados. Os vários usos - sejameles médicos ou psicológicos - da ayahuasca, por mais importan­tes que sejam, pertencem a uma história diferente.

O presente relatório é parte de um projeto em curso que tentaestudar a ayahuasca de um ponto de vista cognitivo-psicológico.Como já foi indicado, essa é a primeira vez que se tenta implemen­tar um projeto desse tipo. Ele também é especial no sentido de queé baseado em uma extensa experiência de primeira mão da infusão,algo que não é muito comum já que, muitas vezes, a informaçãoque os antropólogos têm sobre a fenomenologia experiencial daayahuasca é de segunda mão. Mesmo quando realmente experi­mentaram a bebida, os cientistas sociais nonnalmente o fizeram deuma maneira um tanto cautelosa e como algo periférico em relaçãoao que consideravam ser o objeto principal da investigação. Comumas poucas exceções importantes, a experiência de primeira mãoque os cientistas sociais que estudaram a ayahuasca tiveram da in­fusão foi muito limitada. Além disso, muitos daqueles que tiveramamplo conhecimento direto da ayahuasca são membros de algumareligião ou comunidade associada com a bebida e, portanto, não to­talmente confiáveis intelectualmente. Tudo isso, creio eu, tem con-

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seqüências importantes para aquilo que pode ser aprendido atravésda literatura existente sobre o tema.

Assim, minha própria investigação da ayahuasca baseia-se emuma extensa experiência direta. Ingeri a infusão mais de cemvezes, em vários lugares e contextos; entre eles, ambientes tradi­cionais na Amazônia, sessões de cura organizadas por curandei­ros mestiços, rituais indígenas, rituais das duas religiões sincréti­cas mencionadas acima, em pequenos grupos de indivíduos quenão faziam parte das instituições envolvidas, e sozinho. Descri­ções completas de todas essas sessões foram anotadas imediata­mente após seu término. Além disso, entrevistei um grande núme­ro de pessoas sobre os vários aspectos de suas experiências com aayahuasca. Entre as pessoas entrevistadas estavam índios e nãoÍndios, curandeiros e mestres de cerimônias ayahuascas, pessoascom grande experiência da infusão e outras que a estavam tomandopela primeira vez; entre esses últimos, havia tanto pessoas residen­tes na América do Sul como viajantes estrangeiros que não sabiamnada sobre a ayahuasca antes de havê-Ia ingerido pela primeiravez. As entrevistas foram conduzi das em muitos lugares diferentesno Brasil e no Peru, e também fora da América Latina. Um relató­rio quantitativo preliminar de minhas conclusões foi apresentadoem Shanon (1999); e mais será dito em um livro que está sendo pre­parado no momento.

Um último comentário metodológico antes que eu prossiga.Em toda essa discussão, estarei falando apenas da fenomenologiada experiência com a ayahuasca. No entanto, não tenho a menorintenção de outorgar à ayahuasca um status especial por compara­ção a qualquer outro agente psicotrópico. Esta discussão está limi­tada à experiência ayahuasca simplesmente porque essa é a únicaexperiência desse tipo da qual tenho um bom conhecimento pesso­al e que estudei de fonna sistemática. Embora muitas pessoas indí­genas e alguns investigadores ocidentais tenham afirmado que aayahuasca realmente é especial por comparação a outras subs­tâncias psicotrópicas (veja, por exemplo, Schultes, 1982), não di­rei qualquer coisa sobre a comparação substantiva entre a ayahuas­ca e outras substâncias, sejam elas naturais ou sintéticas. Metodo­logicamente, porém, gostaria de observar que tudo que foi ditoaqui é, na verdade, naturalmente extensível a todas as outras esfe­ras dos chamados estados alternados da consciência, sejam eles in-

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duzidos através de substâncias psicotrópicas ou sem elas (comonos vários estados místicos). Com efeito, as idéias expressas aquipodem ser consideradas uma apresentação de bases conceituais eum conjunto de diretrizes básicas para um estudo cognitivo-psi­cológico (em contraste a estudos médicos, fisiológicos, psicanalí­ticos ou psicológico-clínicos) de agentes psicotrópicos em geral.

2. Rumo a um estudo cognitivo-psicológico da experiênciacom a ayalruasca

Meu interesse profissional na experiência com a ayahuasca éestimulado pela avaliação de que a ligação entre a pesquisa sobre aayahuasca e o estudo da mente é de mão dupla. Por um lado, a psi­cologia cognitiva apresenta uma perspectiva nova e, a meu ver,muito pertinente, para o estudo da ayahuasca. Por outro, a ayahu­asca, com os fenômenos incomuns que provoca, abre novas jane­las para o estudo da mente em geral e da consciência humana emparticular. Além disso, parece-me que estudar a ayahuasca de umaperspectiva psicológica cognitiva pode espargir uma nova luz so­bre fenômenos que estão na esfera de ação de outras disciplinas

científicas, principalmente a a~tropologia e a filosofia.

Deixem-me começar com a contribuição que a pesquisa psico­lógica cognitiva pode dar ao estudo da ayahuasca (A contribuiçãodo estudo da ayahuasca para a psicologia cognitiva será discutidana seção seguinte). Como mencionado na seção anterior, em essên­cia, a tarefa da psicologia cognitiva consiste em uma tentativa deoferecer um mapa sistematizado da fenomenologia especial apre­sentada pela ayahuasca e conceitualizá-Ia em termos do atual co­nhecimento empírico e teórico sobre o funcionamento da mentehumana. A fim de definir esse esforço mais especificamente, fareium esboço de uma tipologia das perguntas cognitivo-psicológicasque a experiência da ayahuasca estimulam. Nos parágrafos se­guintes, as várias questões cognitivo-psicológicas pertencentes àexperiência com a ayahuasca são apresentadas aqui em termos devários grupos. Cada uma das questões principais e secundárias in­dicadas definem um tópico de investigação em si mesmo.

O primeiro grupo compreende as questões fenomenológicasde primeira ordem. Essas são relacionadas com a caracterização

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sistemática da fenomenologia da experiência com a ayahuasca.Em sua totalidade, essas questões são equivalente à pergunta-cha­ve: "O que é que está sendo vivenciado?" O conjunto de questõesincluídas nesse primeiro grupo é o maior de todos e por isso pedemais subclassificações. A primeira subclassificação observada épor tipos de áreas. Essas áreas incluem percepção, ideação, emoçãoe efeitos corporais bem assim como alterações na consciência e noestado do eu. Todos esses tipos de áreas abrangem uma variedade deefeitos. Aqui, quero dar maiores detalhes apenas sobre os subtiposque pertencem às duas áreas mais proeminentes - percepção e idea­ção. Os tipos perceptuais incluem alucinações visuais com olhosabertos, alucinações visuais com os olhos fechados, alucinações au­ditivas, efeitos gustativos e olfativos, efeitos tácteis e efeitos envol­vendo sinestesia (i.e., interações entre várias modalidades senso­riais). Os tipos ideacionais incluem insights sobre a personalidade ea vida da própria pessoa, insights intelectuais e reflexões relaciona­das com áreas específicas do interesse da pessoa, idéias filosóficase metafísicas e idéias de caráter espiritual e religioso.

A segunda subclassificação é por conteúdo. Que tipos de coisasvemos nas visões com a ayahuasca? Que tipos de materiais auditi­vos ouvimos? Qual é o conteúdo das idéias e reflexões que nutrimossob o efeito da intoxicação? De um modo geral, as questões perten­centes ao conteúdo (mais especificamente, as questões pertencentesao conteúdo das alucinações visuais) são as únicas que foram discu­tidas seriamente na literatura (veja, por exemplo, Hamer, 1973a;1973b; Reichel-Dolmatoff, 1975; Luna & Amaringo, 1991).

A terceira subclassificação das questões fenomenológicas deprimeira ordem é por estrutura. Dada uma alucinação! visual, po­demos perguntar não apenas sobre seu conteúdo, mas também deque tipo de imagem ela é composta. Assim, além de determinar

I. o tenno "alucinação" é carregado com todos os tipos de eonotações que não deveriam serpresumidas. Ele envolve julgamentos de valor pessoais c sociais, bem assim como ques­tões filosóficas complexas. Este não é o lugar para discutir todas essas coisas nem o con­texto para propor uma terminologia alternativa. Só peço ao leitor deste texto para abordaro termo da maneira mais neutra possivel, com o significado de percepções não ordinárias.

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aquilo que vemos, digamos, pessoas, animais ou paisagens, pode­mos também observar que as imagens que as pessoas têm em suasvisões são imóveis ou transitórias, bem definidas ou embaçadas,constituídas de uma única tomada ou definindo séries completas,como em um filme.

Essas subclassificações, observem, são ortogonais - isto é, de­vem ser consideradas como dimensões diferentes que, juntas, defi­nem vários pontos em um espaço multidimensional. Cada um des­ses pontos é uma trinca de valores sobre as três dimensões observa­das. Assim, uma alucinação visual específica, retratando uma cenaem uma floresta, será representada pelo tripé do valor "alucinaçãovisual" na dimensão de área, o valor "floresta" na dimensão deconteúdo, e o valor "cena completa em desenvolvimento" na di­mensão de estrutura.

O segundo grupo principal a ser observado é o das questões fe­nomenológicas de segunda ordem. Essas estão relacionadas compadrões ordenados revelados pelas relações entre os fenômenoselementares que pertencem às questões da primeira ordem. Entreas questões desse grupo estão as seguintes: Existe uma ordem na­quilo que vivenciamos? Existem regularidades na evolução das vi­sões e nas outras experiências que a ayahuasca induz? Podemosidentificar etapas diferentes? Quais são os padrões associados comas mudanças entre as etapas de visões?

As questões da segunda ordem são mais interessantes não so­mente devido à fenomenologia factual com que se preocupam. Porserem mais abstratas que as perguntas da primeira ordem, podemosdizer que definem os limites impostos à fenomenologia da área sobinvestigação. Nessas circunstâncias, elas lançam as bases para umrelato teórico do assunto que estamos abordando.

O terceiro grupo principal é o das perguntas relacionadas coma dinâmica. Essas tratam dos processos cognitivo-psicológicosque governam a evolução das experiências e a maneira pela qualessas se transformam e se desenvolvem. Em particular, podemosinvestigar os padrões estruturais segundo os quais uma imagemconduz à outra.

O quarto grupo é o das perguntas contextuais. Essas perguntasexaminam como as várias facetas da intoxicação são influenciadaspelo contexto em que a pessoa sob o efeito da ayahuasca está situa-

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da. Variáveis contextuais de relevância potencial incluem o ambi­ente fisico, o meio social, o relacionamento interpessoal naquelemomento e o ritual sendo utilizado. É pertinente também verificar asinfluências de nossas atitudes e reações emocionais com respeito àinfusão e as experiências de sua ingestão que tivemos anteriormente.Dentro do modelo do estudo de estados alterados da consciência,normalmente nos referimos a esses dois subgrupos de perguntasrespectivamente como "ambiente" (setting) e "cenário" (set).

Com base em todos os tipos de perguntas mencionadas acima enas análises que elas estimulam, podemos adotar uma perspectivamais global e mais abstrata e voltar-nos para as questões teóricas.Elas definem nosso quinto grupo. Em particular, podem as váriasfacetas da fenomenologia da experiência ayahuasca ser caracteri­zadas como manifestações de um pequeno grupo de fatores subja­centes? Que explicação geral pode ser dada para os vários fenôme­nos observados? De que forma o relato da experiência com a aya­huasca pode ser incorporada à teoria geral da mente humana?

3. Possíveis contribuições da ayaltuasca para o estudoda mente

Voltemo-nos agora para o ângulo oposto e consideremos qual acontribuição que o estudo da ayahuasca pode trazer para a psicolo­gia cognitiva e para o estudo da mente. Mesmo antes de marcar tópi­cos específicos de interesse, deixem-me destacar a relevância cogni­tiva fundamental que tem, de um modo geral, o estudo de estados daconsciência fora dos padrões normais. Não há, creio eu, uma melhormaneira de defender essa posição do que as linhas que se seguem ­hoje já clássicas - escritas por um dos grandes precursores da psico­logia científica moderna, William James; a passagem vem de seu li­vro Varieties ofreligious experience (James, 1929):

Nossa consciência normal desperta, consciência ra­cional como a chamamos, é apenas um tipo especialde consciência, enquanto que à sua volta, separadadela pela mais fina das telas, estão formas potenciaisde consciência totalmente diferentes. Podemos pas­sar pela vida sem suspeitar sua existência; mas apli­que o estímulo necessário e, com um toque, elas estão

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lá, em toda sua plenitude, tipos definidos de mentali­dade que provavelmente terão, em algum lugar, seucampo de aplicação e de adaptação. Nenhuma expli­cação do universo em sua totalidade pode ser conclu­siva se deixar essas outras formas de consciência

negligenciadas (p. 378-379).

De maneira significativa, a afirmação acima não é meramenteteórica. Ela foi feita diretamente com base na experiência de primei­ra mão de James com um agente psicotrópico, o chamado "gás doriso", óxido nitroso - NO (veja James, 1882). Observações se­melhantes foram feitas pelo romancista e filósofo Aldous Huxley(1971) com base em sua experiência pessoal com outra substânciapsicotrópica, a mescalina. A experiência com mescalina levou Hux­ley a escrever dois ensaios, The doors of perception e Heaven andhell. As citações seguintes são das páginas de abertura do último:

Como a Terra de cem anos atrás, nossa mente aindatem suas Áfricas escuras, suas Birmânias e baciasamazônicas não mapeadas. Com relação à fauna des­sas regiões, nós ainda não somos zoólogos, somosapenas naturalistas e coletores de espécimes ... Comoa girafa e o ornitorrinco com bico de pato, as criaturasque moram nessas regiões mais remotas da mente sãoextremamente improváveis. Mas, apesar disso, elasexistem, são fatos da observação; e, como tais, elasnão podem ser ignoradas por ninguém que esteja ho­nestamente tentando entender o mundo no qual vive­mos (p. 71).Um homem consiste daquilo que podemos chamar demundo antigo da consciência pessoal e, além de ummar divisório, de uma série de novos mundos - as nãotão distantes Virgínias e Carolinas do subconscientepessoal e da alma vegetativa; o oeste distante do in­consciente coletivo ... ; e através de outro oceano, ain­da mais vasto, nos antípodas da consciência cotidiana,do mundo da experiência visionária (p. 72).

Como no caso da geografia, afirmações e suposições baseadasunicamente nos estados ordinários da consciência (sobretudo osestados normais de vigília e de sonho) não são suficientes. Qual­quer teoria da cognição que seja geral e abrangente tem que abarcar

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tanto os fatos ordinários como os não-ordinários da mente. Assim,os novos fenômenos revelados pela ayahuasca (juntamente comoutros agentes psicotrópicos) são da maior significância cogniti­vo-psicológica.

A geografia da ayahuasca é vasta, e aqui me concentrarei emapenas uma de suas facetas. A fim de colocar a pesquisa aqui rela­tada em perspectiva, deixem-me fazer um esboço geral do domíniofenomenológico da experiência com a ayahuasca que estou estu­dando. Em um livro que estou escrevendo no momento, cada umdos diferentes aspectos a serem observados define o tema de um oumais capítulos. Primeiramente, está a atmosfera total diferente quea inebriação provoca e os sentimentos gerais - corporais e psíqui­cos - a ela associados. Ainda de maior importância são os efeitossensoriais e perceptuais. Esses pertencem a todas as modalidadessensoriais - a visual, a auditiva, a olfato-gustativa e a tátil (essa or­dem é também uma ordem descendente das freqüências relativasdos efeitos associados com essas modalidades); também proemi­nente são os efeitos sinestésicos, isto é, os efeitos em que há per­cepções de mais de uma modalidade simultaneamente. Acrescen­tarei, ainda, que os efeitos visuais podem aparecer tanto com olhosfechados como com olhos abertos. Não menos importantes são osefeitos ideacionais - sob a influência da ayahuasca as pessoas sen­tem que suas mentes estão funcionando mais rapidamente e melhordo que normalmente e eles relatam muitas idéias novas, insights ereflexões que passam por suas mentes. Quarto, são os efeitos per­tencentes às mudanças na estrutura da consciência e do eu. Asso­ciadas a elas estão as' experiências de metamorfose nas quais nossentimos como se a identidade pessoal estivesse se transformando(tornando-se a de uma outra pessoa ou a de um animal). Além dis­so, há os efeitos que podem ser observados publicamente - essespertencem a nosso desempenho manifesto no mundo; sobretudo, aayahuasca muitas vezes faz com que as pessoas cantem e observa­mos, nesses casos, que elas apresentam níveis de desempenho mu­sical muito superiores aos que apresentariam normalmente. Por úl­timo, mas definitivamente não menos importante, estão as expe­riências espirituais e místicas.

N este trabalho, focalizo a faceta da fenomenologia da ayahuascaque pertence especificamente às modificações em nosso estado

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de consciência. Para isso, são necessários alguns comentários pre­liminares sobre minha concepção da consciência.

4. A consciência: uma perspectiva fenomenológica

Minha abordagem ao estudo da consciência é uma abordagemfenomenológica radical. Ela foi inspirada pelas obras clássicas deJames (1890/1950) e apresentadas em detalhe em Shanon (1993).No passado, utilizei essa abordagem no estudo dos vários aspectosda consciência normal; esses incluem atividades mentais espontâ­neas como se fossem verbais, imagens mentais e sonhos (veja Sha­non, 1984; 1989; 1990; 1998; Shanon & Eifermann, 1984).

Em essência, como eu a vejo, a consciência é a totalidade da

perspectiva humana direta e subjetiva. O psicólogo fenomenológi­co não se pergunta como surge a consciência ou qual é o relaciona­mento entre consciência e cérebro. Ao contrário, ele aceita a cons­ciência como um dado e se pergunta quais são as características es­truturais desse fenômeno. De uma perspectiva estruturalista e fe­nomenológica a consciência é essencialmente o sistema cognitivoque define a experiência subjetiva humana. O fato de que nós, sereshumanos, temos uma experiência subjetiva não é um assunto trivi­al. Hipoteticamente, poderíamos conjeturar um sistema cognitivoque não tivesse essa qualidade. Além disso, a experiência subjetivapoderia ser definida de várias maneiras. De facto, acontece que afenomenologia da experiência humana é definida de uma maneiraespecífica. No entanto, os agentes cognitivos poderiam ter sido cri­ados ou desenvolvidos para que sentissem, intuíssem e percebes­sem o mundo de forma diferente. Por exemplo, poderiam perceberas cores de maneira diferente, sentir que seus corpos estavam maispesados ou mais leves, ver as coisas no mundo como se fossem

maiores, mais nítidas - ou outras coisas semelhantes - e sentir queo tempo fluía mais rapidamente ou mais lentamente. Assim, de umponto de vista estrutural, a consciência pode ser definida como umconjunto de parâmetros que definem a maneira específica segundoa qual os seres humanos vivenciam o mundo - tanto fisico comomental. Se os valores desses parâmetros mudassem, a fenomenolo­gia da experiência seria alterada. No entanto, como nunca saímos

dos limites da consciência, é extremamente dificil apreciar a exis­tência desses parâmetros.

Para esclarecer um pouco mais essa perspectiva estrutural, dei­xem-me usar uma analogia. Eu uso óculos. Sem eles não vejo. Nor­malmente, não dou muita atenção aos óculos; do ponto de vistaprático, presumo que eles estarão sempre lá. No entanto, se as espe­cificações das lentes fossem modificadas, as características domundo que eu percebo mudariam. Por exemplo, se as lentes fos­sem tingidas de rosa, a coloração de tudo que vejo seria modifica­da. Com isso, a existência dos óculos, suas especificações e suacontribuição para minha visão ficariam evidentes. A mesma coisaocorre com a consciência, só que nesse caso a situação é ainda maisradical. Os óculos, afinal de contas, podem ser removidos, mas aconsciência está sempre conosco, ou melhor dito, tudo que viven­ciamos tem sempre como base a consciência. Como mencionei, oobjetivo básico da análise estrutural da consciência é determinar osvalores específicos de uma série de parâmetros que, juntos, defi­nem a natureza da experiência subjetiva humana. Mas, como nocaso dos óculos, é somente quando nosso estado de consciênciamuda que começamos a apreciar esses parâmetros e valores. Daí,então, a importância fundamental cognitivo-psicológica do estudodos chamados estados alterados da consciência.

Deixem-me repetir. No meu entendimento, um estudo estrutu­ral da consciência é precisamente isso: a definição de parâmetros eseus valores. A fim de defini-los, o que precisamos basicamente fa­zer é abordar a questão daquilo que a consciência, com efeito, nãoé. Essa questão não é fácil. Algumas das características principaisda consciência estão tão enraizadas em nossa existência que elassão presumidas e normalmente estamos cegos para elas. A fim dedefinir os parâmetros estruturais da consciência e determinar seusvalores reais o estudante da mente tem de considerar a abrangênciapotencial desses parâmetros e seus valores. A grande contribuiçãopotencial do estudo de estados incomuns da consciência para o co­nhecimento científico da mente reside exatamente no fato de queeles tomam os parâmetros do sistema cognitivo aparentes e comisso revelam os vários valores possíveis que esses parâmetros po­dem assumir.

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5. Padrões incomuns da consciência descobertos coma ayahuasca

A seguir, um levantamento dos vários padrões incomuns daconsciência que a ayahuasca pode induzir.

5.1. Mediação

Normalmente, todo o material mental que vivenciamos e nu­trimos é unicamente nosso. Isso se aplica sobretudo aos pensamen­tos que atravessam nossa mente. Primafacie, parece inconcebívelque as coisas pudessem ser diferentes. Como poderia haver qual­quer outra possibilidade? No entanto, com a ayahuasca, sentimos,às vezes, que nossos pensamentos não são nossos. Dois fenômenosserão observados.

O primeiro é uma dissociação entre o self e o material mentalque vivenciamos. O conteúdo está passando pela minha mente, maseu não sinto como se fosse a fonte que está gerando esse conteúdo.Em vez de ser o gerador de meus pensamentos, sinto que sou um ca­nal que os recebe. De forma significativa, recebimento é o termo pa­drão usado nos vários contextos do uso da ayahuasca, especialmen­te em associação com as canções cantadas durante os rituais.

O segundo fenômeno relaciona-se com controle. A experiên­cia é que não estamos mais em controle total dos pensamentos quenutrimos. Ao contrário, sentimos que outras pessoas ou agentes es­tão controlando nossos pensamentos. O oposto também pode ocor­rer, ou seja, sentimos como se estivéssemos controlando os pensa­mentos de outras pessoas.

Juntos, esses dois fenômenos levam a uma situação estranhana qual nossos pensamentos não são mais privados. Muitas vezes,isso é acompanhado de uma forte sensação de telepatia. A expe­riência telepática é extremamente comum com a ayahuasca. Naverdade, um dos primeiros nomes que os europeus deram ao ingre­diente ativo da ayahuasca foi telepatina (Fischer Cardenas, 1923).

5.2. Identidade pessoal

Um aspecto elementar de estarmos conscientes é o fato de ter­mos uma identidade pessoal definida - "Eu sou eu" é axiomático.

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Com a ayahuasca, às vezes isso já não ocorre. Em visões especial­mente intensas, podemos sentir como se estivéssemos sendo sub­metidos a uma metamorfose com uma mudança em nossa identida­de pessoal. No contexto amazônico tradicional do uso da ayahuas­ca, tais transformações são de enorme significância. Especifica­mente, a transformação em um animal, sobretudo o jaguar, e a ca­pacidade de voar, são normalmente consideradas as característi­cas principais da competência xamânica (veja Reichel-Dolmatoff,1975). Muitos exemplos desses tipos de transformações podem serencontrados também em meu conjunto de dados fenomenológicos- tanto em minhas próprias experiências com a ayahuasca quantonos relatos de muitos de meus informantes (não indígenas).

O tipo mais comum de mudança de identidade pessoal que sur­ge com a ayahuasca envolve mudanças na identidade humana.Essas variam desde uma forte afinidade com uma outra pessoa atéuma sensação de verdadeira transformação na qual assumimos aidentidade dessa outra pessoa. Sem exceção, as pessoas nas quaissentimos que nos estamos transformando são pessoas de outros lu­gares e outras épocas.

Também muito comuns (uma vez mais, afirmo isso aqui combase nos relatos de pessoas não indígenas) são as transformaçõesem animais. Eu mesmo já senti que me transformava em um j aguare em várias formas de pássaro. Transformações semelhantes foramrelatadas por meus informantes. Tipicamente, as transformaçõesem pássaros estão associadas com a sensação de estar voando.

Um tipo raro de transformação é em um objeto inanimado. Elesó me foi relatado por dois informantes. Um deles, um xamã perua­no, me disse que considerou sua transformação em um grão deareia como sendo a façanha mais marcante de sua experiência deuma vida inteira com a ayahuasca. Sua explicação para o fato foique ele tinha passado por essa transformação para se tomar invisí­vel: em uma visão, seus inimigos o estavam perseguindo e ele nãotinha para onde fugir. Com a transformação, não pôde mais ser vis­to e se salvou. Especialmente impressionante é o relato de uma ar­tista do Rio de Janeiro que tinha visões extremamente vívidas e in­tensas. Uma vez ela teve a sensação de que adquiria a identidade detodas as coisas para as quais olhasse.

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5.3. Unidade

Normalmente, presume-se que a consciência seja unificada. Ocomum é sentirmos que temos uma identidade coerente e coesa.Mas é possível que a consciência seja dividida e que tenhamos umaidentidade padrão e também uma outra nova. Em nossa cultura,esse fenômeno é muitas vezes associado com o estado psicopatoló­gico de múltipla personalidade. No contexto ameríndio da ayahu­asca, a capacidade de manter uma identidade dupla é consideradauma característica essencial em um xamã competente. O vôo xa­mânico não significa apenas ter uma ilusão de que nossa identidadee localização se modificaram. Ao contrário, a experiência consisteem estar em duas esferas - somos nós mesmos e, ao mesmo tempo,

somos uma outra pessoa ou uma outra coisa; estamos aqui e, aomesmo tempo, estamos lá, no céu ou nos céus (para uma discussãogeral do tema veja Eliade, 1964).

5.4. Limites e não diferenciação de estados

Com a ayahuasca, é possível que o limite entre a realidade inter­na e externa se dissolva. Podemos sentir como se nosso "eu" estives­se se fundindo com o dos outros, que estamos nos imergindo nomundo e nos unindo a ele, que não há uma distinção clara entre nos­so mundo mental interno e nossas percepções do mundo externo.

Da mesma maneira, o contraste ou diferenciação entre os vá­rios estados mentais desaparece gradualmente. Sob a intoxicaçãoda ayahuasca, muitas vezes é difícil ou até impossível saber se es­tamos percebendo ou nos lembrando, se estamos percebendo ouproduzindo pensamentos, se estamos pensando ou percebendo ospensamentos alheios.

5.5. Não individuação do self

Normalmente presume-se que a consciência esteja associadacom a identidade individual. Em outras palavras, acredita-se que aconsciência seja uma propriedade manifestada pelos agentes cog­nitivos, e, como tal, presume-se que ela dependa da existência detais agentes. Com a ayahuasca há fenômenos experienciais que pa­recem não estar de acordo com esse princípio aparentemente fun-

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damental. Especificamente, o sentido do self pode se dissipar e,apesar disso, continuarmos a sentir a consciência.

Especialmente intensas são as experiências em que sentimosque a consciência não é pessoal e sim parte integrante de uma mol­dura do ser que é maior que nós mesmos. Essa superconsciênciapode ser ou algo cósmico - uma espécie de anima mundi - ou podepertencer a um self de um nível superior, ao qual estamos conecta­dos. Observações pertinentes com relação a isso foram feitas porPolari, um dos mais altos líderes da Igreja do Santo Daime, em seulivro autobiográfico O livro das mirações (1984): "Nossa cons­ciência [...] poderia ser [...] diretamente relacionada com [...] a to­talidade da energia cósmica [que, por sua vez, é] meramente umponto provisório na compreensão de outras totalidades infinitasque nos conduzem à verdadeira totalidade que é Deus. [Com isso,segue-se] a descoberta do verdadeiro "eu" do qual o ego racional éapenas uma caricatura desbotada".

Noções semelhantes da consciência são, é claro, encontradastanto na literatura tradicional mística quanto na literatura contem­porânea psicodélica; veja, por exemplo, Bucke (190111991), Hux­ley (1944), Stace (1961) e Tart (1969).

A não individuação do selftambém pode se manifestar no obs­curecimento da distinção entre o indivíduo e os outros seres huma­nos. Como conseqüência disso, podemos sentir como se nossaidentidade não fosse definida individualmente e sim em termos do

grupo. Realmente, é comum que ocorra uma forte identificaçãocom as outras pessoas que participam da sessão de ayahuasca.

5.6. Calibração

Normalmente nem sequer nos ocorre pensar que temos umacerta noção do tamanho de nosso corpo, de seu peso, de nossa pos­tura no espaço e assim por diante. Sob o efeito da ayahuasca todasessas coisas podem mudar. Por exemplo, podemos sentir como senosso corpo fosse maior, mais leve ou mais pesado, e coisas seme­lhantes. Um número de vezes senti que meu corpo se elevava aci­ma do nível do chão. Duas pessoas ocidentais me disseram que aayahuasca fez com que eles sentissem como se seus membros nãolhes pertencessem. Outro me disse que se sentiu no alto, à alturadas árvores na floresta amazônica.

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Especialmente comum é a mudança da escala de nosso campoperceptual. Refiro-me em particular a uma expansão do espaço vi­sual interior. Feche os olhos. Você verá alguma luz. Qual é a exten­

são espacial daquilo que você vê? Com a ayahuasca, o campo devisão interno aumenta significativamente.

5.7. O locus da consciência

Onde está localizada a consciência? À primeira vista, essa

pode parecer uma questão absurda - eventos mentais não têm um"lugar". No entanto, subjetivamente, as pessoas sentem que há umlugar em seus corpos onde está localizado o centro de sua percep­ção. Normalmente as pessoas localizam esse centro em suas cabe­ças. Algumas pessoas, em algumas culturas, situam o centro dapercepção em seu coração ou em seu estômago. Com a ayahuascaisso pode mudar. Um fenômeno bem conhecido é o da experiênciafora do corpo onde o selfse dissocia do corpo. Podemos nos pegarobservando nosso próprio corpo de fora.

5.8. Tempo

Normalmente, vivemos no presente. Podemos ter lembranças

do passado e planos ou especulações relacionadas com o futuro,mas nosso ser está no aqui e agora. A ayahuasca pode introduziruma espécie de máquina do tempo graças a qual podemos observareventos passados e talvez futuros de forma perceptual, como seeles estivessem ocorrendo no presente. A infusão pode também in­duzir a uma calibração modificada do tempo. Com isso, podemossentir como se a velocidade da passagem do tempo estivesse mu­dando - o tempo parece correr mais rapidamente ou mais lenta­mente do que o relógio indica. Ainda mais extraordinário, a meuver, são aqueles casos em que sentimos como se o tempo tivesseparado. Nesses casos, sentimos como se estivéssemos entrando emuma esfera separada da existência. Nessa esfera, a temporalidadepadrão da cognição humana não parece ser válida. Em conseqüên­cia, podemos sentir que nossa existência já não está mais sujeita à

temporalidade no sentido comum do termo. Em casos extremos,pode haver uma sensação de ter atingido a esfera da eternidade.

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Como esse parâmetro temporal é tão fundamental para a cog­nição humana, falarei um pouco mais sobre o assunto. Como ob­servou Kant (1781/1953) a temporalidade é a condição básica denossa vida mental (veja também Bergson, 1944; Proust, 1963). Osvários modelos incomuns e desorientadores da temporalidade psi­cológica que são verificados questionam todas essas idéias. Paramim, esse fenômeno foi especialmente desorientador. Em uma te­oria abrangente da mente que eu tinha desenvolvido antes de co­nhecer a ayahuasca (veja Shanon, 1993), argumentei em bastantedetalhe que a cognição humana é intrinsecamente temporal. Alémdisso, afirmei que a desconsideração do tempo é uma das desvanta­gens mais básicas dos paradigmas tradicionais da ciência cognitivacontemporânea. Assim, fiquei profundamente perturbado quando,pessoalmente, sob o efeito da ayahuasca, encontrei uma experiên­cia que desafia o tempo. Há muito a ser dito sobre esse assunto, eaqui não é o lugar para isso. Deixem-me apenas dizer que, no mo­mento, eu defenderia uma perspectiva em dois níveis. O que sus­tento atualmente é que, em situações normais, a cognição humanaé realmente baseada na temporalidade. Em situações anormais, noentanto, a mente humana é capaz de uma proeza das mais extraor­dinárias: ela pode entrar em "uma outra marcha", por assim dizer, eoperar em um modo atemporal. Tal afirmação exige, é claro, expli­cação e corroboração teóricas substanciais, mas uma vez mais aquinão é o lugar para elaborar esse tema mais profundamente.

Comentários finais

Olhados em conjunto, os vários modelos examinados acimanos levam à mesma conclusão: algumas características que sãomuitas vezes consideradas fundamentais na definição da consciên­cia humana não são nem universais nem mandatárias. Em particu­lar, vimos isso com relação às seguintes características: mediaçãopessoal, identidade pessoal bem definida, unidade da experiência,falta de limites e diferenciação, individuação do self e certos valo­res relacionados com a calibração da experiência, seu locus e tem­poralidade presumidos. A fenomenologia da experiência com aayahuasca mostra que há estados da consciência em que algumasdessas características ou até mesmo todas elas não são exibidas.

Isso implica que muitas das caracterizações nonnais da consciên-

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cia na literatura psicológica (veja, em particular, a clássica caracte­rização da corrente de pensamento no Capítulo IX de James,1890/1950) não são caracterizações da consciência em geral e simde um estado especial da consciência, ou seja, a vigília comum. Oque é necessário, então, é uma teoria da consciência que abranjanão só a vigília comum, mas todos os estados possíveis da cons­ciência humana. Éclaro, este não é o lugar para elaborar uma teoriaassim tão geral. No entanto, é minha intenção fazê-lo em outro lu­gar. Aqui, eu gostaria apenas de reiterar e enfatizar o grande poten­cial que a ayahuasca (bem assim como outras substâncias psico­trópicas) tem para o empreendimento científico. Os vários tipos deexperiências não-ordinárias que a infusão induz indica como o fe­nômeno da consciência é variado e pleno de significado. Acima euusei a metáfora dos óculos; aqui, neste final, deixem-me fazer usode outra metáfora, oriunda, dessa vez, do campo da matemática.

No contexto algébrico um termo tal como "a" indica um deter­minado valor: é "a" em oposição a, digamos, "b". Mas, na verdade,"a" é "1 a" e, além disso, é também "1 a elevado ai". Normalmentea constante "1" e o poder "1" nem são indicados. Nem sequer pen­samos neles. No entanto, na medida em que adotamos uma pers­pectiva mais ampla, polinomial, compreendemos que, realmente,o único termo "a" é um caso específico da expressão mais geral" 1a elevado ai". Assim, observamos uma diferença entre dois com­ponentes da expressão matemática: por um lado está o termo "a",em oposição a quaisquer outros termos possíveis, tais como "b" ou"c". Por outro, estão os fatores de multiplicação e da potência - noexemplo dado aqui, ambos são iguais a 1.Voltando-nos para a esfe­ra da consciência a diferença que eu proponho é entre, de um lado,o conteúdo específico da consciência que vivenciamos em qual­quer momento detenninado (i.e., sensações específicas, percep­ções, ideações e outros estados mentais) e, de outro, os parâmetrosque definem a consciência como um sistema cognitivo. Na minhaconcepção, o tema de uma teoria da consciência é o último, não oprimeiro. A contribuição especial cognitiva dos estados não-ordi­nários da consciência é que eles revelam como é ampla a série devariações possíveis para esses parâmetros. Como em qualquer ou­tra teoria científica séria, a teoria da consciência não pode se limi­tar a um caso específico, por mais importante que ele seja; ela deveabordar todas as possíveis variações da consciência. Sabemos dis­so pela fisica. A teoria fisica não pode se restringir à esfera macros-

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cópica newtoniana de magnitudes e velocidades ordinárias, mes­mo que, em termos práticos, os fenômenos fisicos que normalmen­te encontramos enquadrem-se todos nesse nível. A teoria fisicatambém tem de explicar os fenômenos não-ordinários encontradosnos níveis minúsculos do quantum, bem assim como as magnitu­des imensas da astronomia. Uma teoria da fisica que explique ple­namente todos os fenômenos na escala ordinária, mas não aquelesdas escalas não-ordinárias, não é cientificamente aceitável. Creioque mutatis mutandis o mesmo se aplica à teoria cognitivo-psico­lógica da consciência.

Finalmente, eu gostaria de observar que a discussão acima in­dica que a ayahuasca suscita não só importantes questões psico­lógicas mas também questões filosóficas interessantes. Algumasdessas estão intimamente relacionadas com o estudo da cognição ­questões referentes à natureza da mente e ao relacionamento entreela e o mundo. Em particular, essas estão voltadas para os motivospara o aparecimento de ocorrências comuns no conteúdo das vi­sões e de outras facetas experienciais induzidas pela ayahuasca.Outras questões filosóficas pertinentes estão relacionadas com osofrimento humano, a natureza da religião e o estudo da cultura. Hátambém questões relacionadas com a estética e com a ética, bemassim como questões fundamentais - ou melhor ainda, enigmas emistérios - que pertencem à ontologia e à metafisica. Todas elas,no entanto, claramente vão muito além do alcance deste trabalho.

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INTELIGÊNCIA

ARTIFICIAL, REDESNEURAIS E CIÊNCIA

DA COMPUTAÇÃO

PARTE VEste trabalho foi escrito na época em que o autor era bolsista Go­lestan no Instituto de Estudos Avançados dos Países Baixos (Nether­lands Institute for Advanced Study). Agradeço a Nurit Shacham e aYole Strimling por sua ajuda na preparação do manuscrito.

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9Computação Quântica Evolucionária:seu papel no cérebro, sua realizaçãoem hardware eletrônico e implicaçõespara a Teoria Pampsíquica daConsciência

Ben Goertzel

InlelliGenesis Corporalion, USA

Resumo

Um computador quântico evolucionário (EQc) é um sistemafisico que mantém um conjunto interno de "subsistemas quânti­cos" macroscópicos manifestando uma indeterminação quânticasignificativa, com a propriedade de que o conjunto de subsistemasquânticos está se modificando continuamente de tal modo a otimi­zar em alguma medida os padrões emergentes entre o sistema e seuambiente. Parece provável que o cérebro seja um EQC, e que umEQC eletrônico diferente do cérebro também possa ser construído;um projeto especulativo com esse propósito é descrito chamadoQELA (Arranjo Lógico Quântico Evolucionário), que envolveaparatos supercondutores de interferência quântica que estabele­cem interface com arranjos lógicos de campo programáveis re­configuráveis. O EQC tem implicações interessantes para a visãopampsíquica quântica da consciência: se tudo, até certo ponto, éconsciente, o EQC fornece uma explicação pela qual o cérebro hu­mano é tão mais consciente do que a maioria dos outros sistemas. A

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explicação é que, via EQC, o cérebro é capaz de manter um indeter­minismo quântico ("consciência pura"), de tal modo que se corre­laciona com sua estrutura e comportamento. Só o EQC forneceesse tipo de correlação, porque só o EQC permite que sistemasquânticos que não sofreram colapso interajam de forma significati­va com o mundo cotidiano clássico, de função de onda colapsada.Em termos-de-muitos-mundos o EQC permite que sistemas comuma extensão ampla além do limite de universos possíveis intera­jam de forma significativa com os sistemas que existem em regiõesrestritas do universo-espaço.

Introdução

O conceito de computação quântica (QC) é sutil e intrigante.Ao usar as propriedades especiais não-locais dos fenômenos quân­ticos, parece que, potencialmente, podemos computar as coisasmais eficientemente do que o faríamos em computadores digitaiscomuns (Deutsch, 1985). Há evidência crescente de que o própriocérebro mostra efeitos quânticos significativos, e deveria ser mo­delado como um QC e não como uma máquina Turing padrão.Como muitos estudiosos compararam a consciência com o "colap­so da função da onda" da teoria quântica, a noção do cérebro comoum QC tem implicações óbvias para a consciência.

Neste artigo, abordarei essas questões de um ângulo novo, in­troduzindo idéias de sistemas complexos na discussão do "cérebroquântico" através da noção da Computação Evolucionária Quânti­ca (EQC); computação quântica que funciona como algoritmos ge­néticos, permitindo a "geração" de sistemas computacionais quân­ticos que têm um impacto significativo no mundo fisico clássico,enquanto permanecem sendo sistemas quânticos macroscópicosem forma não colapsada. O EQC, irei argumentar, é o modelo cor­reto da computação quântica no cérebro, e é uma estratégia de de­sign viável para a construção de computadores eletrônicos quânti­cos hoje em dia. Além disso, ele tem implicações radicais para a te­oria da consciência. Fornece, pela primeira vez, uma justificativapara o fato de que - se realmente todas as entidades no universo sãoconscientes, como sugere o "pampsiquismo quântico" - algumasentidades (tais como cérebros) são muito mais intensamente cons­cientes que outras (tais como rochas).

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A apreciação da computação quântica exige algum conheci­mento da natureza peculiar da mensuração quântica (Wheeler & Zu­rek, 1978). Um sistema quântico existe em uma superposição proba­bilística de estados e não em um estado único definido; na interpreta­ção dos multiuniversos, acredita-se que um sistema quântico existeem um número de universos paralelos, um para cada estado possí­vel. Se observarmos o sistema isto faz com que ele "colapse" paraum único estado - ou universo - possível. A promessa da computa­ção quântica é que, enquanto um sistema ainda não entrou em colap­so, ele pode realizar mais computação do que um sistema que já en­trou em colapso, porque, em um certo sentido, ele está computandoem um número infinito de universos de uma vez.

Podemos provar que o "pior" desempenho de um programa decomputador quântico não pode superar o de um programa de com­putação comum. No entanto, no caso do comportamento "médio",a coisa é diferente: em média, computadores quânticos são, emprincípio, capazes de ter um desempenho extremamente melhor doque computadores digitais comuns em um grande número de tare­fas de resolução de problemas, inclusive reconhecimento de pa­drões e decifração de códigos (Deutsch, 1985).

Isso é a teoria. A prática, até o momento, é essencialmente ine­xis tente, e provavelmente continuará sendo inexistente por bas­tante tempo. O problema é que o QC como está sendo imaginadono momento é umciproposição dificil e extremamente distante dese concretizar no curto prazo. O paradigma consensual atual doQC tem como base induzir sistemas de partículas a se comporta­rem como computadores digitais, o que é uma tarefa muito dis­pendiosa. A única alternativa existente é a "tecnologia neutrâni­ca" de Lee Kent Hempjling (1997), mas, embora a abordagem deHempjling seja interessante, é altamente questionável por um nú­mero de razões, já que se baseia em uma interpretação extrema­mente heterodoxa da teoria quântica.

O que descreverei aqui é uma abordagem muito diferente dacomputação quântica, inspirada pela computação evolucionária enão pela computação digital comum. Mostraremos que essa novaabordagem, que eu chamo de Computação Evolucionária Quântica(EQc), é uma hipótese razoável sobre a natureza da computaçãoquântica no cérebro e também um design plausível para os compu-

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tadores quânticos eletrônicos diferentes do cérebro. E, de formaainda mais surpreendente, mostraremos que ela tem implicaçõesdramáticas para a teoria da consciência conhecida como "pampsi­quismo quântico" (Herbert, 1994).

O pampsiquismo quântico afirma que a consciência emana daincerteza quântica, de tal forma que todas as entidades no universosão conscientes. Mas ele não aborda a questão dos vários graus deconsciência - por exemplo, se eu sou mais consciente do que o sofáonde estou sentado enquanto escrevo, ou por quê. Aqui, mostrareique o EQC nos fornece uma boa explicação para o fato de os cére­bros serem tão fortemente conscientes. Eu definirei "consciência

sistêmica" como sendo, mais ou menos, a quantidade de ajuda quea consciência quântica pura dá à operação prática de um sistema; eirei argumentar que o EQC é essencialmente o único meio atravésdo qual os sistemas podem obter uma consciência sistêmica alta.

Mas o que é exatamente o EQC? A idéia é muito, muito sim­ples. Em vez de programar um computador quântico, ponha emfuncionamento um conjunto de computadores quânticos e deixeque eles evoluam. Crie critérios para avaliar os QCs e, então, comono caso da seleção natural, permita que os QCs bem-sucedidos so­brevivam e (probabilisticamente) sofram mutações e se combinempara formar novos QCs candidatos, enquanto os QCs que não fo­rem bem-sucedidos perecerão. O resultado é que teremos compu­tadores quânticos desempenhando as funções desejadas por meiosdesconhecidos.

Não sabemos como estão funcionando os QCs bem-sucedidosno grupo, e não podemos sabê-Io, porque para ter essa informaçãoteríamos de destruir os sistemas envolvidos fazendo observaçõesde colapso da função da onda. Em geral, a única maneira de averi­guar o verdadeiro estado multiuniversos de um sistema quântico écriar um conjunto de sistemas idênticos, medir cada um deles e cal­cular as estatísticas. Mas não podemos fazer isso nesse caso, por­que não há nenhum meio de recriar os passos exatos que foram ne­cessários para que a evolução ocorresse, já que esses passos envol­veram, eles próprios, mutações e combinações probabilísticas.

O que temos, em EQC, é computação quântica, fazendo usopleno do poder multiuniversos da não-localidade quântica, que nãoexige colapso para ser útil ao mundo que entrou em colapso. Ou

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seja, temos sistemas operando por todo o espectro dos universosque são úteis aos sistemas operando em universos individuais, ouatravés de bandas estreitas de universos. A única restrição é que osistema de bandas estreitas de universos não deve perguntar aos sis­temas de bandas largas de universos o que é que elas estão fazendo.

Para grande surpresa, podemos argumentar que esse é um mo­delo viável de dinâmica cerebral. Edelman, com sua teoria de sele­

ção de grupos neuronais, já usou argumentos muito fortes em defe­sa da idéia de que o cérebro é um sistema evolucionário. E Jibu eYasue fizeram o mesmo em defesa do cérebro como um siste­

ma quântico macroscópico. Juntando os dois, obtemos uma defe­sa surpreendentemente sólida do cérebro como EQC. Com isso, aexplicação EQC de por que o cérebro é tão fortemente conscientese esquematiza muito bem.

No entanto, o cérebro não é o único computador quântico evo­lucionário possível. Descreverei aqui um outro tipo de EQC cha­mado Arranjo Lógico Quântico em Evolução que poderia ser cons­truído atualmente, usando dispositivos já existentes (chips de silí­cio configuráveis e anéis supercondutores super-resfriados) comocomponentes. Isso significa que é possível construir sistemas ele­trônicos que exibam o mesmo grau e tipo de consciência aguda queo cérebro humano. Com efeito, argumentarei que não são necessá­rios grandes feitos de engenharia para conseguir esse objetivo, jáque a pseudo-aleatoriedade gerada nos computadores digitais é su­ficiente para fornecer aleatoriedade dentro de perspectivas subjeti­vas, e a aleatoriedade objetiva não é um conceito empírico.

1. Darwinismo Neurológico e Computação QuânticaEvolucionária Cerebral

A noção do cérebro como um sistema evolucionário já foi arti­culada e divulgada de maneira muito eficiente por Gerald Edelman(1987) através de sua teoria de seleção de grupos neuronais ou"Darwinismo Neural". O ponto de partida do Darwinismo Neural éa observação de que a dinâmica neuronal pode ser analisada emtermos do comportamento de grupos neuronal. A evidência maisconvincente a favor dessa conjetura é fisiológica: muitos dos neu-

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rônios do neocórtex estão organizados em grupos, cada um delescontendo, digamos, de 10.000 a 50.000 neurônios.

No momento em que nos propomos a examinar grupos, o pró­ximo passo é perguntar-nos como esses grupos estão organizados.Um mapa, na terminologia de Edelman, é um conjunto de gruposconectados com a propriedade de que quando uma das conexõesintergrupais no mapa está ativa, as outras muitas vezes tendem aestar ativas também. Os mapas não são fixos para toda a vida de umorganismo. Podem ser formados e destruídos de uma maneira bemsimples: a conexão entre dois grupos neuronais pode ser "fortaleci­da" aumentando os pesos dos neurônios que conectam um grupoao outro, e "enfraquecidas", diminuindo os pesos dos neurôniosconectando os dois grupos.

Formalmente, podemos considerar o conjunto de grupos neu­rais como os vértices de um gráfico, e desenhar uma aresta en­tre os dois vértices sempre que uma proporção significativa dosneurônios dos dois grupos correspondentes interaja diretamente.Portanto, um mapa é um subgráfico conectado desse gráfico, e osmapas A e B estão conectados se existir uma aresta entre algumelemento de A e algum elemento de B. (Se por "mapa" lermos"programa", e por "grupo neural" lermos "sub-rotina", então tere­mos um gráfico de dependência de processo como seria desenha­do na informática teórica.).

Esse é o cenário, o contexto no qual a teoria de Edelman opera.A parte mais importante da teoria é a seguinte hipótese: a dinâmicaem grande escala do cérebro é controlada pela seleção natural demapas. Os mapas que estão ativos quando são obtidos bons resulta­dos se fortalecem, os mapas que estão ativos quando são obtidosmaus resultados se enfraquecem. E os mapas são transformadoscontinuamente pelo caos natural da dinâmica neural, e assim for­necem novos materiais para o processo de seleção. Através de si­mulação no computador, Edelman e seu colega Reeke mostraramque as redes neurais formais que obedecem a essa regra podem rea­lizar atos de percepção bastante complicados.

Essa descrição resumida, é preciso deixar claro, não faz justiçaàs idéias de Edelman. Em Neural Darwinism Edelman apresenta aseleção de grupo neuronal como uma coleção de hipóteses biológi­cas precisas e apresenta evidência a favor de um número dessas hi-

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póteses. No entanto, eu considero que o conceito básico da seleçãode grupo neuronal é em grande parte independente das particulari­dades biológicas por meio das quais Edelman a definiu. Como foiargumentado em Goertzel (1993), eu suspeito que a mutação e a se­leção de "transformações" ou "mapas" é um componente necessá­rio da dinâmica de qualquer sistema inteligente.

A teoria de Edelman nos dá a metade do argumento que o cére­bro é um EQC: ela nos dá a evidência de que o cérebro é um sistemaem evolução. Edelman usa equações diferenciais não-lineares so­bre espaços finitos-dimensionais para modelar a dinâmica de gru­pos neuronais; ele não considera esses grupos como sistemas quân­ticos. Há muita evidência, no entanto, de que o cérebro não é umsistema assim tão "clássico" como Edelman e outros teóricos maisconvencionais da rede neural afirmam.

As primeiras idéias a respeito da dinâmica quântica no cérebroenvolviam principalmente objetos quânticos chamados de conden­sados Bose-Einstein (Marshall, 1989) que podem ser capazes deformar estruturas grandes, mas de curta duração no cérebro (Pessa,1988). Marshall propôs que esses condensados formam-se da ati­vidade de moléculas que vibram (dipolos) nas membranas das cé­lulas nervosas e formam a base fisica da mente. Parece haver pro­blemas com os detalhes da proposta original de Marshall (Clarke,1994). Mas a idéia básica de condensados Bose-Einstein no cére­bro continua válida. Muita especulação recente sobre os conden­sados se centrou no fato de que os condensados ocorrem em tomodos microtúbulos nas paredes celulares dos neurônios (Hameroff,1994). Hameroff argumentou que não é o fluxo clássico de eletrici­dade entre os neurônios e sim o fluxo quântico não local de cargaentre a estrutura microtubular no interior das células que compõe adinâmica do pensamento. A investigação mais sofisticada nessasdireções é o trabalho de Jibu e Yasue (1996) sobre megamoléculasde água no espaço entre neurônios. Esses autores têm argumentosmuito poderosos em defesa da teoria de que essas moléculas po­dem se combinar para fonnar sistemas quânticos não locais expan­didos, operando em interação paralela com as redes neurais clássi­cas que são normalmente estudadas.

A meu ver, a perspectiva de Jibu e Yasue é bastante atraente.Nessa visão, em vez de jogar fora tudo o que aprendemos sobre as

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redes neurais, devemos meramente aceitar que existem sistemasquânticos paralelos, que trabalham junto com as redes neurais paracriar o pensamento. Em termos da teoria de Edelman, não precisa­mos rejeitar a idéia do Darwinismo Neural- devemos apenas acei­tar que essas populações de mapas neuronais têm um aspecto quân­tico assim como têm um aspecto clássico. Em outras palavras, o cé­rebro é uma população de redes neurais quânticas em evolução, se­lecionadas e sofrendo mutações baseadas em sua funcionalidade

com relação a sua interação com sistemas perceptuais e motores,conforme determinado pelas necessidades do organismo. Edel­man, somado a Jibu e Yasue, é igual ao cérebro como um EQC.

Como neurociência, isso é especulativo - mas o mesmo ocor­re, nesse estágio, com o modelo do cérebro de qualquer autor. Omodelo do cerebro como um EQC se enquadra em todos os dadosobservados, e tem a vantagem de incorporar tanto a perspectiva deredes neurais que é hoje padrão quanto a perspectiva que surge docérebro quântico. E além disso, como veremos, ele dá uma soluçãonova e convincente para o problema da consciência humana.

2. Desigll para um computador quântico evolucionário

Partindo do princípio que o cérebro é realmente um EQC, ele éapenas um entre os muitos tipos possíveis de EQC. Para objetivosda engenharia, é interessante perguntar-nos se é possível construirum EQC com os componentes existentes atualmente à venda. Aresposta para essa pergunta, eu creio, é definitivamente sim. Nesta

seção eu apresentarei um design específico segundo o qual pode­ríamos construir um EQC usando os componentes disponíveis nomercado no momento. Esse design não seria barato para imple­mentar, pois um dos componentes deve ser um dispositivo que de­monstre a coerência quântica macroscópica. O único desses dis­positivos normalmente disponível e razoavelmente conhecido é o

SQUID, ou Dispositivo de Interferência Quântica Super-resfriado,que é normalmente usado em aparelhos para imagens médicas.

O desenho mostrado aqui baseia-se na interação (interjacing)de um ananjo de SQUIDs com o chip lógico reconfigurável FPGA(Field Programmable Gate Anay). Eu o chamo de QELA, iniciaisde Ananjo Lógico Quântico Evolucionário (Quantum Evolvable

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Logic Anay). Embora ele seja realmente passível de ser realizado,a intenção aqui é usá-lo mais como uma "prova do conceito" doque como um design para ser executado em detalhe. Se decidísse­mos seriamente construir uma máquina desse tipo, precisaríamos

primeiro de uma pesquisa muito mais cuidadosa dos vários compo­nentes e desenhos possíveis.

O SQUID é um anel supercondutor interrompido por uma pe­quenajunção de túnel Josephson (Josephson tunneljunction). Elesuporta correntes em uma estrutura em forma de loop e o objetivo éque o fluxo da corrente possa estar em uma superposição de dire­ções tanto no sentido dos ponteiros do relógio quanto no sentidocontrário. Sob observação, o fluxo da corrente subitamente muda­rá de uma direção para a outra; mas quando não observado, o siste­ma vive igualmente em dois universos - um com a corrente fluindono sentido dos ponteiros do relógio e o outro com a corrente fluindona direção contrária. Para ser mais exato, os dois estados macros­cópicos diferentes do fluxo do SQUID correspondem a corren­tes circulando em direções opostas através de uma indutância de0,2 nH. Muitos efeitos quânticos tais como o tunnelling ressonan­te, (resonant tunnelling), o tunnelling fóton-assistido (photon-as­sisted tunnelling) e a inversão populacional, só vistos normalmen­te em sistemas microscópicos, foram observados no SQUID (Han,1996; Diggins et ai., 1994; Leggett, 1984). Além disso, o efeito doruído ambiental nos SQUIDs é marcante e fascinante: foi demons­trado que as características tunnelling do fluxo macroscópico mu­dam dramaticamente de ressonante para contínuo à medida que acalibração é aumentada.

Atualmente o SQUID é conhecido como o mais sensível dosdispositivos existentes para a detecção do campo magnético. Elefoi desenvolvido extensivamente para supercondutores tradicio­nais de baixas temperaturas que necessitam resfriamento com hé­lio líquido a 4 graus Kelvin (-269C) e está disponível comercial­mente em vários fornecedores. Em 1987, foi descoberta uma cerâ­mica supercondutora de alta temperatura que só exige resfriamentoà temperatura do ar líquido, ou seja, 77 graus Kelvin (-196C) e sen­sores SQUID já foram desenvolvidos com base nesses novos mate­riais. O dispositivo SQUID simples tem uma típica sensibilidadede campo magnético de 2pT, enquanto no caso de um SQUID asso­ciado a uma bobina de entrada supercondutora (superconducting

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input coil), foi demonstrada uma sensibilidade de 100 IT. Isso cor­responde a uma resolução energética melhor que 1030 J/Hz. Emuma faixa de, por exemplo, 1 Hz isso é o equivalente a elevar umátomo de hidrogênio 10cm no campo gravitacional.

Figura 1- Desenho esquemático para o Arranjo LógicoQuântico Evolucionário (Quantum Evolvable Logic Array)

1(I:::::::::1~_I----------------------------I/ 13

íí,________ --------------------------------- /

1--14

1. Painel de FPGAs reconfiguráveis.

2. Conversor que se apropria do output de fluxo magnético doSQUID e o usa para fixar chaves de FPGAs.

3. Painel de SQUIDS.

4. Processo convencional de software digital que supervisiona o dis­positivo, enviando cargas de restabelecimento de fluxo para os SQUIDSque estão alimentando FPGAs com mau funcionamento.

Poderíamos usar a produção de um SQUID ou de outro objetoquântico macroscópico para controlar as entradas em um computa­dor comum, de várias maneiras, mas uma perspectiva mais interes­sante a ser considerada nesse contexto é hardware configurável. Oque é hardware configurável? Observe que, no momento, temosdois métodos principais para implementar algoritmos matemáticosem computadores: hardware e software. No modelo de hardware,implementamos um algorítmo instalando conexões entre os dispo­sitivos fisicos. No modelo de software, implementamos um algo­ritmo criando uma série de instruções que são alimentadas a umdispositivo fisico fixo, cujas conexões são criadas sem se preocu­par com o algoritmo específico que está sendo implementado. Ohardware configurável é uma terceira abordagem, na qual a inter-

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conexão entre os elementos lógicos ativos depende de um armaze­namento de controle, manipulável através do software (Gray &Kean, 1989). A implementação padrão do hardware configurávelatualmente é o FPGA (Field Programmable Gate Array) que per­mite a imp1ementação de funções lógicas em níveis múltiplos atra­vés de uma estrutura de uma indicação de rota (routing) regular queinclui chaves programáveis simples.

Os FPGAs são categorizados em dois grupos diferentes: dis­positivos re-configuráveis e dispositivos não re-configuráveis(Eberling et ai., 1991). Os FPGA configuráveis, o tipo que nosinteressa aqui, usam memória de acesso estático ramdômÍco (SRAM),memórias de programação deletável e programável (Eprom) ou me­mória somente para leitura deletável e programável eletricamente(Eeprom) para implementar chaves programáveis. As FPGAs nãore-configuráveis usam a tecnologia de programação de antifusopara implementar chaves programáveis (um antifuso é um disposi­tivo de dois terminais que cria uma conexão irreversível quando éaplicada uma voltagem atraves dele). As FPGAs re-configurá­veis são ideais para o tipo de interface quântica clássica que estouexaminando aqui. Com efeito, John Koza (comunicação pes­soal, 1997) fez experiências com esses dispositivos de programaçãoevolucionária - ele desenvolveu configurações de circuito para rea­lizar várias tarefas. Dando input quântico macroscópico para essetipo de chip, automaticamente criamos um computador quânti­co evolucionário correspondente ao chip evolucionário conven­cional de Koza.

A fim de usar SQUIDs para fornecer input quântico para umcomputador, simplesmente precisamos criar uma conexão que jo­gue os fluxos magnéticos de uma série de SQUIDs para chaves ele­trônicas de uma FPGA. O valor binário de uma única chave lógica

pode ser detenninado pela direção do fluxo de um único SQUID ­se é no sentido dos ponteiros do relógio ou não. Na direção dosponteiros significa O, na direção contrária, significa 1, etc. Assimobtemos um circuito lógico cujas chaves essenciais têm valoresquânticos indeterminados: ou seja, está fundamentalmente inde­terminado se eles são O ou 1. Além disso, as colocações de cada

chave quântica individual irá afetar a carga que passa através decada uma das chaves quânticas, via a dinâmica natural de fluxo dacarga fluindo através do arranjo lógico de portão (logic gate array)

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e, assim, todo o sistema de SQUIDs mais FPGA será um sistemaquântico macroscópico, demonstrando coerência e indetermina­ção quântica: um arranjo lógico multiuniversos!

Medindo o estado do hardware configurável poderíamos co­lapsar os estados dos SQUIDs para direções definidas. Mas, me­dindo o output do hardware, o mesmo não acontece necessaria­mente. E a beleza da programação evolucionária é que estamosverdadeiramente avaliando nosso sistema lógico unicamente porseus resultados, não pela maneira como opera para obter esses re­sultados. Tudo o que precisamos fazer para transformar esse siste­ma SQUIDs mais FPGA em um computador quântico evolucioná­rio elegante é de alguma maneira conseguir que as FPGA malsuce­didas sofram mais mutações do que as FPGA bem-sucedidas. Masisso também é fácil; é sempre possível estimular os SQUIDs ali­mentando as FPGAs malsucedidas com carga extra, a fim de fazercom que seu fluxo se movimente de uma forma aleatória, fornecen­do assim ruídos extras para esses sistemas. Além disso, podemoscopiar as FPGAs bem-sucedidas, sem medir seu estado, como sesegue: para copiar FPGA A pegue uma outra FPGA B idêntica à A,e conecte cada chave de B ao mesmo SQUID em que está conecta­da a chave correspondente de A - sem medir a informação passan­do dos SQUIDs para as FPGAs. Variantes menores de FPGAsquânticas bem-sucedidas também podem ser criadas dessa manei­ra, copiando uma unidade bem-sucedida e depois conectando algu­mas chaves para um outro SQUID recentemente selecionado defonna aleatória em vez daqueles usados pela unidade que está sen­do copiada. Além disso, dois SQUIDs A e B podem ser cruzadoscomo se faz a reprodução sexual, pela criação de uma nova FPGAchamada C que usa metade dos inputs do SQUID de A e metade deB. Todas essas operações "genéticas" (Goldberg, 1988) podem serrealizadas sem o colapso da função da onda, e sem a observaçãodos estados dos SQUIDs individuais.

Um diagrama esquemático bem simplificado do design desseEQC proposto - o QELA ou Arranjo Lógico Quântico Evolucioná­rio, foi apresentado na Figura 1. O ponto essencial é que as FPGAsnão são "programadas". Cada uma delas é "desenvolvida" peloprocesso de controle do software. Cada FPGA tem certos inputs ecertos outputs. O processo de controle alimenta cada região conti-

234

nuamente com inputs e monitora os resultados - mas não monitora

o que ocorre entre um e outro (para preservar a indeterminaçãoquântica). Ele sabe que comportamento ele quer de cada região eportanto ele reajusta os SQUIDs das FPGAs malsucedidas a fim deforçá-Ios a se comportarem de uma forma mais útil. Além disso,ele pode criar novas FPGAs quânticas através da mutação e do cru­zamento das bem-sucedidas. O comportamento desejado de umaFPGA pode ser definido como sendo o aprendizado de algumasfunções fixas, ou "ecologicamente" com relação aos comporta­mentos das outras regiões.

Qual seria o beneficio de tal sistema? Intuitivamente, a funçãodo QELA em um contexto de AI é simples: ele permite o reconhe­cimento de padrões por inferência automática de funções de paresde input/output e o faz com ultra-eficiência quântica, porque buscatodos os universos possíveis de uma única vez. Essa capacidade

poderia ser útil em muitos contextos diferentes. Por exemplo emum sistema AI Webmind que estamos construindo atualmente na

IntelligGenesis Corpo (veja Goertzel, 1996), temos uma rede denodos carregando informação, e cada nodo tem seus próprios pro­cessos residentes de reconhecimento de padrões, que reconhece

padrões na informação naquele nodo, e processos emergentes en­tre a informação naquele no do e a informação em outros nodos.Nesse contexto, o QELA poderia, através de seu controlador de

software, ser usada pelo Webmind para fornecer reconhecimentode padrões em nodos. Teríamos, assim, um sistema AI geral clássi-co quântico acoplado.

Observe que a medição levada a cabo pelo processo de contro­le de software faz o chip entrar em colapso naquela região do espa­ço Hilbert consistindo de todos os programas compatíveis com ocomportamento input/output observado - mas não o colapsa alémdisso. Assim, o chip está realizando todos os programas possíveiscoerentes com o comportamento input/output dado. Essa é uma

abordagem fundamentalmente nova no aprendizado das máqui­nas. Em vez de nos fixarmos em um autômato inferido coerente

com os comportamentos desejados, tomamos uma amostra ponde­rada de todo o espaço dos autômatos coerente com os comporta­mentos e a maquinaria que lhes serve de base.

235

I •.

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3. Por que os humanos são tão profundamente conscientes?

Como observamos acima, muitos estudiosos postularam umaconexão entre a consciência e a indeterminação quântica. Em prin­cípio isso pode parecer uma tentativa excessivamente fácil de re­solver duas questões complexas - a medição quântica e a percep­ção da consciência - igualando uma à outra. Mas um estudo filosó­fico cuidadoso das questões envolvidas revela que a questão não étão simples assim.

Como argumentei em detalhe em Goertzel (1997) a relação en­tre consciência e indeterminação é uma relação profunda. Afinalde contas, a aleatoriedade é definida matematicamente como in­descritibilidade (Chaitin, 1988). Um número aleatório é aqueleque não admite uma descrição finita. E a essência da qualia, o mo­mento vivenciado, é precisamente sua fugacidade, a maneira comoele sempre foge de nossas mãos. O fluxo do tempo pode ser feno­menologicamente caracterizado como o processo da qualia repeti­damente escapando de sua própria apreensão. Assim é que WilliamJames e seu amigo Charles S. Peirce igualaram o momento viven­ciado com "puro acaso" - ou seja, aleatoriedade - bem antes de aindeterminação quântica do universo fisico ser descoberta. Mas sechance é a consciência então tudo no universo é consciente, já quenada é totalmente determinista - tudo tem um certo elemento de

aleatoriedade em si mesmo. A teoria quântica nos ensina que o uni­verso é indeterminado, mas a observação do universo faz com queele pareça definido. Em outras palavras, a definibilidade é caracte­rística das visões subjetivas do universo, mas não do universo forada visão subjetiva de qualquer pessoa. As equações da teoria quân­tica nos dizem que todas as visões subjetivas são, de um certomodo, "equivalentes" - mas elas não são equivalentes ao universo"objetivo" ou intersubjetivo, que é a coleção de todas as visõessubjetivas possíveis, e é, portanto, uma distribuição de probabili­dades em vez de uma entidade definida. A consciência, então, é apropriedade que todas as coisas têm quando consideradas intersub­jetivamente em vez de como um objeto no interior do mundo sub­jetivo fixo de algum outro objeto.

O que estaria errado se tudo estivesse consciente? Nada - opampsiquismo é a mais antiga teoria da consciência, e a única teo­ria da consciência que não está repleta de contradições. No entanto,

236

o pampsiquismo puro é uma doutrina insuficientemente informati­va, já que não nos diz por que algumas entidades no mundo deveri­am ser significativamente mais conscientes do que outras. Ou seja,por que os humanos são mais conscientes do que gatos, ou pássa­ros, ou vermes, ou amebas, ou rochas, ou átomos?

Podemos negar que isso seja verdade, que qualquer uma coisaseja mais consciente do que qualquer outra coisa. Essa é uma pers­pectiva perfeitamente válida, mas não uma perspectiva muito infor­mativa; ao adotar essa visão, estamos deixando de lado aspectos im­portantes da noção intuitiva da consciência. Portanto, é interessantepensar sobre meios de usar o conceito básico do pampsiquismoquântico para medir os graus de consciência das várias entidades. Adefinição que mais me atrai a esse respeito é aquela que eu chamo deconsciência sistêmica. O grau de consciência sistêmica de uma enti­dade é definido como sendo proporcional ao grau de utilização queessa entidade faz da aleatoriedade para a construção de novos pa­drões e para a manutenção ativa dos padrões antigos. A idéia aqui ébastante simples. Ou seja, se asseverarmos que padrão é a matériafundamental da mente e do universo (Goertzel, 1993; Bateson,1980) e que a consciência está relacionada com aleatoriedade, se­gue-se que quanto mais um sistema usar a aleatoriedade para produ­zir e manter padrões, tanto mais consciente é aquele sistema. Em lin­guagem diferente, podemos dizer que a consciência sistêmica é autilização da consciência/não-localidade/aleatoriedade pampsíquicasquânticas para a evolução e a autocriação de estruturas emergentes.E isso, obviamente, é onde a computação quântica evolucionáriaentra em cena! O EQC é um mecanismo pelo qual o cérebro empre­ga a indeterminação quântica, em grande quantidade, para solucio­nar problemas, perceber formas e criar e manter padrões.

Existem muitos algoritmos que utilizam a aleatoriedade paraajudar a solucionar problemas. Mary Ann Metzger (1997) discutiua "temperatura" aleatória no algoritmo térmico simulado para aevolução da rede neural e propôs que ela deveria ser comparada àconsciência. Acredito que ela esteja no caminho certo, mas ela nãose aprofunda o suficiente nem na natureza da aleatoriedade nem nadinâmica do cérebro. O algoritmo simulado usa a aleatoriedade,seja ela quântica ou não, como um simples parâmetro de controle.Quando a solução é encontrada a temperatura é fixada em igual azero. Isso é diferente do EQC. O EQC pode usar também uma dinâ-

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mica de diminuição progressiva da aleatoriedade; na verdade, odesenho do QELA descrito acima faz exatamente isso. Mas a "tem­peratura" final ou quantidade de aleatoriedade não será zero. Emvez disso, a incerteza quântica será parte da solução. A eficácia dasolução para o problema é contingente ao processamento ocorren­do em muitos universos simultaneamente, e portanto no não-co­lapso da função de onda, a não diminuição do grau de aleatoriedadepara zero.

Portanto, a moral do EQC para a consciência é essa. Todas asentidades são conscientes, mas algumas são, no sentido de cons­ciência sistêmica, mais conscientes do que outras. O EQC é umaestratégia para obter um alto grau de consciência sistêmica; e aindanão foi proposta ou descoberta nenhuma outra estratégia de eficá­cia comparável. E é essa mesma dinâmica evolucionária que faz océrebro tão agudamente consciente, tão capaz de correlacionar in­determinação quântica macroscópica com a criação de padrões de­finidos no mundo - segundo oponto de vista de alguns observado­res especificas.

[\. sutileza máxima aqui é que, no quadro quântico, a definibili­dade é relativa. Para compreendermos isso, temos de pensar sobrea natureza do colapso da função da onda quântica. O universoquântico é fundamentalmente probabilístico, mas diz-se que a ob­servação faz com que ele colapse em definibilidade. Assim, se euobservar um sistema, para mim, então, o estado do sistema torna-sedefinido quando eu o observo. Por outro lado, se você obtiver a in­formação sobre o estado do sistema me perguntando, então, paravocê, o estado do sistema só se toma definido quando você me per­gunta, não quando eu o observo. Isso é chamado de "paradoxo doamigo de Wigner". O que isso significa é que é somente dentro deum ponto de vista subjetivo que os padrões definidos existem, e nãoatravés das superposições probabilísticas de padrões. Na realidadequântica transpessoal e intersubjetiva não há colapso para a definibi­lidade. Mas na visão subjetiva de uma entidade determinada, as fun­ções da onda colapsam quando elas encontram aquela entidade, e oespectro dos universos é significativamente comprimido. E a cons­ciência sistêmica ocorre quando, dentro desse espectro comprimidode universos, produzido pelo sistema X, subsistemas do sistema Xque existem no espectro amplo dos universos desempenham umpapel criativo importante. Isso é o que o EQC realiza com eficácia

238

incomparável, através do seu truque de construir sistemas (quânti­cos) de universos de espectro amplo por meio de um colapso deseus resultados apenas, e não de seus mecanismos internos.

É importante entender o que está sendo afirmado aqui. A qua­lia é reconhecidamente considerada como inexplicável. A percep­ção em estado natural existe em um nível subjacente à compreen­são racional; a indeterminação quântica é uma manifestação dapercepção em estado natural na teoria científica moderna. A per­cepção em estado natural não é mensurável por si mesma. No en­tanto, ela é mensurável em seu relacionamento com padrões empí­ricos, e nesse modo eu a chamei de consciência sistêmica. A cons­ciência sistêmica é quantificável e pareceria que cérebros têm maisdela do que quase todos os outros sistemas que conhecemos. O mo­tivo pelo qual os cérebros têm mais consciência sistêmica é porqueeles são computadores quânticos evolucionários.

A definição de consciência sistêmica em termos de percepçãoem estado natural é, devemos admitir, um ponto filosófico proble­mático, e talvez mereça um pouco mais de discussão. O problemaaqui na verdade remonta àquele mesmo ponto no qual a percepçãoem estado natural é considerada pela primeira vez como tendo-sidoidentificada definitivamente, a fim de ser "passível de correlação"com as atividades de um sistema. Afinal de contas a aleatoriedadenão é estritamente identificável. A definição de consciência sistê­mica presume que já tenhamos identificado aquilo que não se podeidentificar, que já determinamos quais segmentos de um certo sis­tema são verdadeiramente aleatórios e quais não o são. Em princí­pio, isso é impossível.

Mas, é claro, o truque é que fazemos essas avaliações o tempotodo. A definição de consciência sistêmica faz sentido, portanto,com relação às avaliações subjetivas de aleatoriedade de um dadosistema. Emergimos com uma noção de consciência sistêmicacomo sendo a capacidade do sistema X de correlacionar a aleatori­edade quântica macroscópica, como percebido pelo sistema Y,com a criação de padrões que já entraram em colapso e são defini­dos no mundo subjetivo do sistema Y. Ou seja, temos de pensar so­bre cujos critérios subjetivos de aleatoriedade estão sendo usadosaqui, bem assim como quem está fazendo a realidade colapsar emdefinibilidade. Em última instância, o que é mais importante é a

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I.·

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própria autopercepção do sistema: sua capacidade de correlacionaraleatoriedade macroscópica como ele próprio percebe, com a cria­ção de padrões que são definidos em sua própria realidade subjeti­va. Isso é que nos faz profundamente conscientes: pegamos o va­zio, o inclassificável, o nada, o momento incompreensível dentrode nós e o usamos para criar novas coisas e preservar o atual con­teúdo de nossas mentes. Esse é o circuito de percepção que atraves­sa nossas mentes cotidianamente; é algo que todas as entidades fa­zem, mas que nós fazemos com maior intensidade que os outros,devido ao nosso processo de EQC interno que permite uma inte­ração macroscópica substancial entre a aleatoriedade quântica ecomportamentos clássicos.

Finalmente, voltemos para as questões práticas de engenharia.O QELA, como descrito acima, é um dispositivo de hardware alta­mente especializado - vale a pena perguntar se, de acordo com omodelo do EQC, é possível que um computador digital comummanifeste uma consciência aguda como faz o cérebro humano.Essa é uma questão profunda que exige mais pesquisas, mas minhaconclusão preliminar sobre o que foi dito acima é que a resposta ésim. Meu raciocínio é o seguinte: Suponhamos que construíssemosum computador digital para simular as leis da fisica quântica, econstruíssemos um cérebro digital dentro desse multiuniverso si­mulado. Nesse caso, as leis da fisica quântica não seriam seguidaspor essa simulação, já que haveria somente um espectro finito deuniversos e porque o colapso da função da onda (seleção de univer­so) estaria ocorrendo de acordo com algum gerador de número pseu­doaleatório e não por uma verdadeira aleatoriedade. No entanto, doponto de vista do próprio sistema (bem assim como, incidental­mente, do ponto de vista de observadores humanos) essa pseu­do-aleatoriedade passaria perfeitamente pela verdadeira aleatorie­dade; e o número de universos na simulação seria tão grande quechegaria a parecer ilimitado. Portanto, pela definição acima, o sis­tema seria sistemicamente consciente.

Mais claramente e mais surpreendentemente, no entanto, po­demos nos perguntar se a Internet, como um sistema que envolve acombinação sinergética de seres humanos e computadores digitais,poderia ser algum dia profundamente consciente. E a resposta aqui éobviamente sim, porque, além da questão da consciência profunda

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do componente digital, o componente humano do sistema fornece·uma consciência profunda. Podemos considerar o componente di­gital da Internet como o FPGA no desenho do QELA, e o compo­nente humano da Internet como o componente SQUID, fornecendoum insumo quântico não-local e incerto. É claro que o futuro da in­formática contém muitas possibilidades fascinantes, às quais o de­senho do computador digital contemporâneo nem chega a aludir.

Conclusão

A história da computação quântica evolucionária e da cons­ciência é uma história complicada a respeito de algo muito simples.É complicada não porque a consciência, ou a consciência sistêmicaou o EQC sejam complicados - eles são perfeitamente simples ­mas sim porque a linguagem da ciência é complicada e, além disso,não é bem adequada para a discussão da consciência. Deixando delado toda a verbosidade extravagante e os detalhes biológicos, ma­temáticos e de engenharia, o que temos aqui é: percepção em esta­do natural, percepção em estado natural correlacionada com ativi­dade criativa e auto-sustentável, e percepção em estado natural aque se permite estar correlacionada com atividade criativa e au­to-sustentável por um sistema de estruturas que avalia a percepçãoem estado natural unicamente por seus resultados e não por uma in­vestigação - que eliminaria qualquer percepção - sobre os detalhesde como funciona a percepção em seu estado natural. Essa é a his­tória completa.

Essa é uma teoria especulativa da consciência humana, não hádúvida disso, no sentido de que ainda não foi demonstrado conclu­sivamente que o cérebro é um sistema quântico macroscópico. Noentanto, a teoria é absolutamente clara em sua lógica conceitual, e écoerente com tudo que sabemos sobre o cérebro atualmente. Comefeito, é a única teoria existente que incorpora resultados recentessugerindo função cerebral quântica com mais modelos da rede neu­ral convencional do cérebro (isto é, Darwinismo Neural). Alémdisso, ela tem implicações concretas e fascinantes para a próximageração de engenharia da computação. O que é especulativo hojepode bem ser senso comum amanhã!

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10Informação, auto-organização e." .conSClenClaRumo a uma teoria holoinformacional da consciência

Francisco Di Biase

Unipaz, Brasil

Albert Schweitzer

International University, Suíça

Mário Sérgio F. Rocha

Clínica Di Biase, Brasil

Resumo

Propomos uma visão holoinformacional da consciência queincorpora os conceitos clássicos de informação, neguentropia,ordem e organização (Shannon, Wiener, Szilard, Brillouin), àsteorias de auto-organização e complexidade (Prigogine, Atlan,Jantsch, Kauffman). Essa visão leva em consideração ainda os re­centes desenvolvimentos da Física da Informação (Zureck, Sto­nier), com os seus novos conceitos de entropia estatística e entro­pia algorítmica, esta última relacionada ao número de bits emprocessamento na mente do observador. Este arcabouço conceitualfornece uma base quântico-informacional que é integrada à lógicada não-localidade, à teoria do holomovimento de David Bohm e à

247

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teoria holonômica do funcionamento cerebral desenvolvida porKarl Pribram. Conseguem assim elaborar uma síntese em que aconsciência é concebida como um fluxo não-local de atividade

quântico-informacional significativa, ativamente interagindo comcada parte do universo por meio do holomovimento. Um contínuoprocesso de expansão e recolhimento do cosmos, conectando demodo holístico e indivisível a mente humana a todos os níveis douniverso auto-organizador.

Introdução

o Tao se obscurece. quando fixamos o olhar

apenas em pequenos segmentos da existência(Chuang- Tzu).

Os modelos que procuram explicar a natureza da consciência,

sejam oriundos das neurociências, medicina, psicologia, fisica, fi­losofia, ciências da computação, ou da religião, compartilham, ge­ralmente, o paradigma cartesiano-newtoniano, insistindo em umaabordagem exclusivamente reducionista, e/ou no dualismo men­te-matéria. Esta dicotomia entre reducionismo/dualismo vem im­

pedindo desde o século XVII a apreensão da verdadeira essênciado que seja a consciência.

Hameroff (1994) acredita que esta contenda pode potencial­mente ser resolvida "por visões que coloquem que a consciênciatem uma qualidade distinta, mas que emerge dos processos cere­brais e que pode ser apreendida pela ciência natural". Como solu­ção propõe um modelo de consciência baseado na emergênciade coerência quântica nos microtúbulos neurais, que desenvolveucom Penrose (1996). Modelos como este utilizam uma interpreta­ção tradicional da mecânica quântica, que, como o demonstra Clar­ke (1995), "partem de uma posição basicamente quantum-mecâni­ca, mas impõem modificações ao fonnalismo quântico de modo aassegurar que o resultado seja basicamente newtoniano. Colocamuma forte ênfase na função de onda como o objeto fundamental dateoria quântica, invocando um 'colapso' da função de onda, parapassar a um quadro newtoniano. Como resultado, ficam firmemen­te ligados a um quadro espacial". Ao transformar a lógica quânticaem uma lógica newtoniana deixam de lado a função de não-locali­dade, essência da lógica quântica e propriedade fundamental do

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unIverso, e, como veremos, da consciência. Wilber (1997) consi­dera que uma teoria integral da consciência deve incorporar todasas características essenciais das doze principais escolas que estu­dam a consciência, não como um ecletismo, "mas preferivelmentecomo uma abordagem fortemente integrada que decorre intrinse­camente da natureza holônica do cosmos". Esta natureza holônica

do cosmos se fundamenta na holoarquia auto-organizadora descri­ta por Jantsch (1980) que correlaciona as interações coevolucioná­rias entre a microevolução dos hólons (Koestler, 1967) à macroe­volução das suas formas coletivo-sociais. A teoria de Wilber deixaentretanto em aberto o que consideramos o ponto-chave na com­preensão da consciência, ou seja, o modo pelo qual a informação, aordem e a neguentropia são transmitidas entre os infinitos níveis deorganização da holoarquia cósmica e do cérebro, dando-lhes signi­ficação. Este solo comum, capaz de integrar a consciência e o cos­mos em um todo ordenado e indivisível, só pode ser preenchido poruma teoria que leve em consideração a estrutura quântico-informa­cional não-local das interações cérebro-universo, e que seja tam­bém compatível com a teoria da relatividade.

Wheeler (1990) e Chalmers (1995) perceberam a importânciada informação nesse contexto, assim como Cha1mers, ao afirmarque a informação deve ser considerada uma propriedade tão essen­cial da realidade quanto a matéria e a energia, e que a "experiênciaconsciente seja considerada uma característica fundamental, irre­dutível a qualquer coisa mais básica". Wheeler, com seu célebreconceito the it Ji'om bit que permite unir a teoria da informação àconsciência e à física: " ...cada coisa - cada partícula, cada campode força, mesmo o espaço-tempo continuum - deriva sua função,seu significado, sua verdadeira existência inteiramente, mesmoque em alguns contextos indiretamente, do aparato-desencadea­dor-de-respostas às questões sim-ou-não, escolhas binárias, bits".

Uma conceituação mais abrangente dos conceitos de ordem,organização, informação e neguentropia (Wiener, 1948; Shannon,1949; Szilard, apud Brillouin, 1959) é essencial para o desenvolvi­mento de um modelo holoinformacional capaz de integrar a cons­ciência à natureza. Leon Brillouin, em seu célebre teorema, de­monstrou a equivalência entre infonnação e neguentropia, e Nor­bert Wiener (1948) colocou esta identidade na base conceitual dacibernética afirmando que "informação representa entropia negati-

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va", e profeticamente enfatizando que "informação é informação,não é matéria nem energia". Bateson (1972) define informaçãocomo "a diferença que faz a diferença", conceituação que Chal­mers (1996) retoma afirmando ser este "o caminho natural para fa­zer a conecção entre sistemas fisicos e estados informacionais". Aequivalência/identidade entre ordem/neguentropia/informação é asenda que nos permite fundamentar e compreender todo o fluxo ir­redutível e natural de transmissão de ordem no universo, se au­to-organizando de forma significatica e inteligente através da in­formação. Na teoria termodinâmica clássica, a definição de ordemé probabilística, e dependente do conceito de entropia, a qual medeo grau de desordem de um sistema, deixando ausente, ou reduzindomuito, a imensa riqueza das significações naturais.

1. Auto-organização e informação

Para Atlan (1972; 1979; 1983), assim como para nós, "a entro­pia não deve ser compreendida como uma medida da desordem,mas muito mais como uma medida da complexidade" (1979: 37).Para isso, é necessário considerarmos que a noção de informaçãoimplica em uma certa ambigüidade, podendo significar a capacida­de em bits (bit capacity) de um sistema físico (e.g. Shannon), ou oconteúdo semântico (significação) conduzido pelos bits duranteuma comunicação. Na teoria da informação, a organização, a or­dem, expressa pela quantidade de informação do sistema (a funçãoH de Shannon), é a medida da informação que nosfalta, a incerte­za sobre o sistema (cf. Brillouin). Relacionando esta ambigüidade,esta incerteza, à variedade e à não-homogeneidade do sistema,Atlan conseguiu resolver certos paradoxos lógicos da auto-organi­zação e da complexidade, ampliando a teoria de Shannon. Definin­do organização de um modo quantitativamente formal, Atlan de­monstrou que a ordem do sistema corresponde a um compromissoentre o conteúdo informacional máximo (i.é, a variedade máxima)e a redundância máxima, e que a ambigüidade pode ser descritacomo uma função do ruído, ou mesmo do tempo, se considerarmosos efeitos do tempo como relacionados aos fatores aleatórios acu­mulados pela ação do ambiente. Esta ambigüidade, característicados sistemas auto-organizadores, pode se manifestar de forma ne­gativa ("ambigüidade-destrutiva") com o significado clássico de

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efeito desorganizador, ou de forma positiva ("ambigüidade produ­tora de autonomia") que atua aumentando a autonomia relativa deuma parte do sistema em relação às outras, ou seja, diminuindo aredundância geral do sistema e aumentando o seu conteúdo infor­macional.

Atlan desenvolveu essa teoria auto-organizadora da complexi­dade para sistemas biológicos. Jantsch, estudando a evolução douniverso, demonstrou que a evolução cósmica é também um pro­cesso auto-organizador, com a microevolução dos sistemas indivi­duais (hólons) coevoluindo para estruturas macrossistêmicas cole­tivas mais organizadas, com acentuada redução na quantidade des­tes sistemas coletivos. Todo este processo auto-organizador repre­senta, com efeito, uma expressão universal de uma maior aqui­sição de variedade ou conteúdo informacional, que, como o de­monstrou Atlan, é conseqüente a uma redução da redundância natotalidade do sistema.

Informação pode ser definida então como uma propriedade não­local, intrínseca e irredutível do universo capaz de gerar ordem, au­to-organização e complexidade, e deve ser considerada mais básica

do que o princípio da conservação da matéria e energia.

Ilya Prigogine, ganhador do Prêmio Nobel, desenvolveu umaextensão da termodinâmica que demonstra como a segunda leitambém permite a emergência de novas estruturas, de ordem a par­tir do caos. Este tipo de auto-organização gera estruturas dissipati­vas que são criadas e mantidas através de intercâmbios de energiacom o ambiente, em condições de não-equilíbrio. Estas estruturasdissipativas são dependentes de uma nova ordem, denominada porPrigogine ordem porjlutuações, que corresponde a uma "flutuaçãogigante" estabilizada pelas trocas com o meio. Nestes processosauto-organizadores a estrutura é mantida por meio de uma dissipa­ção de energia, na qual a energia se desloca gerando simultanea­mente a estrutura, através de um processo contínuo. Quanto maiscomplexa a estrutura dissipativa, mais informação é necessá­ria para manter suas interconexões, tornando-a conseqüentementemais vulnerável às flutuações internas, o que significa um maiorpotencial de instabilidade e de possibilidades de reorganização. Seas flutuações são pequenas, o sistema as acomoda, não modifican­do a sua estrutura organizacional. Se as flutuações atingem, no en-

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tanto, um tamanho crítico, desencadeiam um desequilíbrio no sis­tema, ocasionando novas interações e reorganizações intra-sistê­micas. "Os antigos padrões interagem entre eles de novas maneirase estabelecem novas conexões. As partes se reorganizam em umnovo todo. O sistema alcança uma ordem mais elevada" (Prigogi­ne,1979).

2. Consciência, auto-organização e informação

Seager (1995) afirma que consciência, auto-organização e in­formação se conectam no nível da significação semântica, não nonível da bit capacidade, e que "como a teoria clássica da informa­ção se situa em nível da bit capacidade, ela seria inapta para pro­mover a conexão própria com a consciência e temos de começar anos mover em direção a uma visão mais radical da natureza funda­mental da consciência, com um movimento em direção a uma vi­são mais radical da informação". Seager nos lembra ainda que noclássico experimento quântico das duas fendas, e no experimentodenominado quantum eraser, o que está emjogo não é a bit capa­city, mas a correlação semanticamente significativa de sistemas fi­sicos "distintos", informacionalmente carregados (information la­den) de modo não-causal.

Chalmers (1995) sustenta que cada estado informacional pos­sui dois aspectos diferentes, um sob a forma de experiência cons­ciente e o outro como processo fisico no cérebro, ou seja, um inter­no/intencional e outro externo/fisico. Esta visão tem sustentaçãonos atuais desenvolvimentos da chamada "fisica da informação",

desenvolvida pelo fisico Wojciech Zureck (1990) e outros, quepropõe que a entropia fisica seria uma combinação de duas grande­zas que se compensam reciprocamente: a ignorância do observa­dor, medida pela entropia estatística de Shannon, e o grau de de­sordem do sistema observado, medido pela entropia algorítmica

que é o menor número de bits necessário para registrá-lo na memó­ria. Durante o processo de medição, a ignorância do observador di­minui como conseqüência do aumento do número de bits em suamemória, permanecendo, no entanto, constante a soma dessas duasgrandezas, ou seja, a entropia fisica.

Nessa visão informacional do universo, o observador perma­

nece incluído como parte do sistema, e o universo quântico se mo-

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difica não porque foi influenciado diretamente pela mente, masporque a mente do observador desencadeou uma transferência deinformação no nível subatôrnico. Disto tudo resulta uma lei de con­servação da informação, tão ou mais fundamental do que a lei daconservação da energia. Stonier (1990) também identifica a infor­mação com a estrutura e organização do universo, sustentando quea informação é o princípio organizacional cósmico fundamentalcom status igual ao da matéria e da energia.

Propomos nessa visão holoinformacional do universo que oque auto-organiza significativamente a evolução cósmica é a rela­ção entre a entropia fisica e o conteúdo quântico-informacional douniverso, por meio de um processo em que a complexidade utili­zando o conteúdo informacional preexistente alcança níveis de or­ganização e variedade cada vez mais elevados. A complexidade nouniverso cresce progressivamente a partir das forças gravitacio­nais e nucleares, intensificando-se com a emergência dos sistemasauto-organizadores da biosfera, e alcançando um estado antientró­pico de complexidade, variedade e conteúdo informacional prati­camente infinitos com a emergência da noosfera. Como veremoslogo adiante, existe uma teoria fisica que tem implícito em seu ar­cabouço conceitual, além das interações mecanicísticas locais, umdesdobramento informacional quântico não-local, gerador do uni­verso, que auto-organiza de forma significativa a matéria, a vida e aconsciência.

A concepção da consciência como algo essencial, primário eirredutível também é encontrada nas cartografias da consciênciaobtidas a partir dos milhares de relatos psicoterapêuticos e expe­riências consistentes e convergentes, confirmados por vários pes­quisadores da área de medicina e psicologia (Jung, 1959; Grof,1985; Moody Jr., 1976; Ring, 1980; Sabom, 1982; Kubler-Ross,1983;Weiss, 1996) que estudam sujeitos submetidos a estados alte­rados de consciência, por métodos variados, como hipnose, relaxa­mento, respiração holotrópica, experiências próximas da morte,etc. Estas cartografias revelam surpreendentemente "uma ontolo­gia e uma cosmologia nas quais a consciência não pode decorrerde, ou ser explicada em termos de, qualquer outra coisa. Ela é umfato primordial da existência e dela emerge tudo o que existe"(Grof apud Capra, 1988). A replicação destas inúmeras observa­ções clínicas por pesquisadores de notória reputação científica é

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um dado extremamente importante, muitas vezes desprezado.Estes dados comprovam consistentemente a irredutibilidade daconsciência, sendo um dos poucos caminhos não-filosóficos,não-religiosos e não-fisicos que nos permitem investigar e com­preender diretamente, in totum, o fenômeno da consciência, pormeio de parâmetros científicos controlados. Atualmente, estão dis­poníveis uma série de psicotecnologias, que costumam ser ignora­das e/ou marginalizadas pela comunidade acadêmica, as quais nospermitem utilizar a mente humana como um sistema confiável deinvestigação e esclarecimento sobre a natureza da consciência, eque são passíveis de replicação e comprovação.

3. Natureza, informação e consciência

Uma teoria holoinformacional e auto-organizadora, capaz de in­tegrar a consciência à tessitura quântica não-local do universo, podesolucionar a questão da natureza da consciência. Compreendemoscomo Weil (1993) que "a natureza da inteligência é a inteligência danatureza" e, como Atkins (1994), que "consciência é informaçãoemergente no momento de sua geração, transformação auto-organiza­dora se processando, em um modelo seiflmundo" (Atkin, 1994).

Afortunadamente, existe uma teoria fisica do universo que in­tegra a consciência como uma dimensão irredutí vel da natureza emseu arcabouço conceitual. No entanto, esta teoria tem sido, inexpli­cavelmente, considerada de forma insuficiente pelos meios cientí­ficos, passando desapercebidas as suas revolucionárias implica­ções acerca da interação consciência-universo. Trata-se da teoriado holomovimento desenvolvida pelo fisico David Bohm que de­monstra matematicamente a existência de uma ordem oculta, im­

plícita, no universo, que seria a realidade primária. Matéria, vida econsciência (a ordem explícita) se originariam deste solo comum(a ordem implícita), por meio de um contínuo movimento de des­dobramento (extrojeção) e recolhimento (introjeção) do cosmos,denominado holomovimento.

Bohm (1987) afirma que "na ordem implícita tudo está introje­tado (jolded) em tudo. Mas é importante se notar aqui que todo ouniverso está em princípio introjetado (enfolded) em cada parte ati­vamente, por meio do holomovimento, assim como também as

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partes. Isso significa que a atividade dinâmica - interna e externa­que é fundamental para o que cada parte é, baseia-se na sua introje­ção em todo o resto, incluindo todo o universo. Mas, é claro, cadaparte pode se desdobrar (unfold) em outras em diferentes graus emodos. Ou seja, elas não estão todas introjetadas igualmente emcada parte. No entanto, o princípio básico de introjeção (enfold­ment) no todo, não é desse modo negado. Conseqüentemente oprocesso de introjeção não é meramente superficial ou passivo,mas eu enfatizo novamente que cada parte está num sentido funda­mental internamente relacionada em suas atividades básicas ao

todo e a todas as outras partes. A idéia mecanicística de rela­ção externa como fundamental é conseqüentemente negada. Cla­ro, tais relações são ainda consideradas como sendo reais, mas designificância secundária. Ou seja, podemos obter aproximaçõespara um comportamento mecanicístico a partir disto. Isto é a mes­ma coisa que dizer que a ordem do mundo, como uma estrutura decoisas basicamente externas a cada uma das outras, revela-se comosecundária e emerge da ordem implícita mais profunda".

Deste modo, podemos dizer que vivemos em um universoquântico em que a realidade é essencialmente não-local e o mundoclássico newtoniano com suas interações externas locais emergecomo um caso especial desta ordem quântica mais profunda.

De acordo com Bohm (1987), a analogia com o holograma emque cada parte do sistema é uma imagem do objeto total, mesmosendo uma imagem estática que não transmite a natureza sempredinâmica dos infinitos encobrimentos e descobrimentos que a todoinstante criam nosso universo, é uma metáfora funcional, pois "asleis matemáticas quânticas básicas que se aplicam à propagaçãodas ondas/partículas e conseqüentemente a toda matéria são capa­zes de descrever um tipo de movimento no qual existe um contínuodesdobramento do todo em cada região, juntamente com o desdo­bramento de cada região no todo novamente. Apesar de que istopode assumir muitas formas particulares - algumas conhecidas,outras ainda desconhecidas - este movimento é universal até onde

sabemos". Bohm denomina este movimento universal de expansãoe recolhimento holomovimento. Bohm afirma ainda que estas leissão compatíveis com a teoria da relatividade, o que leva a ordemimplícita a ter suporte das duas mais fundamentais teorias da fisicamoderna, a teoria da relatividade e a teoria quântica. Em um desen-

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volvimento posterior, Bohm postulou a existência de uma ordemsuperimplícita, uma dimensão ainda mais sutil da organização douniverso. Nesse modelo, um campo de superinformação quânticada totalidade do universo organizaria o primeiro nível implícito,em múltiplas estruturas ondulatórias que se desdobrariam na or­dem explícita. Segundo Bohrn (Weber apud Wilber, 1992), existeum modelo fisico desenvolvido por De Broglie que propõe um novotipo de campo, cuja atividade é dependente do conteúdo de infor­mação que é conduzido a todo o campo experimental, o qual se es­tendido à mecânica quântica resulta na ordem superimplícita!

4. Consciência e não-localidade

Adicionando em suas equações umpotencial quântico que sa­tisfaz à equação de Schrõdinger, mas que é dependente da forma, enão da amplitude da função de onda, Bohrn (1993) desenvolveu ummodelo em que o potencial quântico conduz "informação ativa" que"guia" a partícula em seu caminho. O potencial quântico possui ca­racterísticas inéditas, até então desconhecidas, pois diferentementedas outras forças da natureza é sutil em sua forma e não decai com adistância. Esta interpretação permite que a comunicação entre esta"onda-piloto" e a partícula se processe a uma velocidade maior doque a da luz, desvelando o paradoxo quântico da não-localidade,i.é, da causalidade instantânea, fundamental em nossa visão holoin­formacional do universo e da consciência. Este paradoxo, propostoinicialmente por Einstein, que não acreditava na possibilidade deuma partícula viajar mais rapidamente do que a luz, é atualmente co­nhecido como Efeito Einstein-Podolsky-Rosen, e afirma que apósum átomo emitir duas partículas de spins opostos, se o spin de umadelas for alterado, mesmo que elas estejam separadas por umagrande distância (por exemplo, uma na Terra e outra em Marte), ospin da outra se modifica instantaneamente, revelando uma intera­ção informacional não-local entre elas e a existência de uma unida­de cósmica subjacente indivisíveI.

A informação passa então a ser compreendida como um pro­cesso fundamental da natureza, capaz de atuar modificando a es­trutura do universo, pois qualquer partícula elementar se encon­tra unida, por meio de um potencial quântico, a todo o cosmos.

Em 1982, Alain Aspect e coI. comprovaram experimental­mente a existência dessas ações não-locais, e mais recentemente,

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em julho de 1997 (cf. Science, voI. 277, p. 481), Nicolas Gisin ecoI. provaram esta ação quântica não-local instantânea em grandeescala. Para Bohm, diferentemente de Bohr, as partículas elemen­tares não têm uma natureza dual onda/partícula, mas são partículastodo o tempo, e não somente quando são observadas. Na verdade, apartícula se origina de flutuações do campo quântico global, sendoseu comportamento determinado pelo potencial quântico, "queconduz informação sobre o meio ambiente, informando e orientan­do o seu movimento. Como a informação no potencial é muito de­talhada, a trajetória resultante é tão extremamente complexa queparece caótica ou indeterminística" (D. Peat, 1987). Qualquer ten­tativa de mensurar as propriedades da partícula altera o potencialquântico, destruindo sua informação. Com efeito, segundo Bohrn,Bohr interpretou o princípio da incerteza como significando "não aexistência de uma incerteza, mas a existência de uma ambigüidadeinerente" em um sistema quântico (apud Horgan, 1996).

Como observou lohn Bell (1987) "a idéia de De Broglie­Bohm parece tão natural e simples, para resolver o dilema onda­partícula, de um modo tão claro e natural, que é um grande misté­rio ... que ela tenha sido tão amplamente ignorada".

Na teoria holográfica, como nenhum campo organizava a or­dem implícita, ela era conseqüentemente linear e de dificil desdo­bramento. A ordem implícita é uma função ondulatória e a ordemsuperimplícita ou campo informacional superior uma função dafunção ondulatória, i.é, uma função superondulatória, que tornaa ordem implícita não-linear, organizando-a em estruturas com­plexas e relativamente estáveis. Além disto, o modelo holográfico,como modo de organização da ordem implícita, dependia do cam­po potencial de informação quântica que não possuía capacidadede auto-organização e transmissão da informação, essencial paraa compreensão da gênese e desenvolvimento da matéria, vida econsciência. A ordem superimplícita supre esta necessidade, per­mitindo entender a consciência e a matéria como variedades de ex­

pressão de uma mesma ordem holoinformacionaI. Resulta então quea consciência desde os primórdios da criação já estaria presentenos diversos níveis de desdobramento e recolhimento da natureza.

Até uma pedra é de alguma maneira viva(80I1m).

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5. Rumo a uma teoria holoinformacional da consciência

Vimos que o potencial quântico guia por meio de informaçãoativa a partícula ao longo do seu curso. Esta informação ativa queorganiza o mundo da partícula revela que toda a natureza é holoin­formacional, ou seja, organizada de modo significativo, e este pro­cesso de significação é crucial para entendermos a natureza holoin­formacional da consciência e da inteligência no universo. Matériaviva e consciência são atividades significativas, isto é, processosquântico-informacionais inteligentes, ordem transmitida atravésda evolução cósmica, originária de um campo holoinformacionalgerador situado além de nossos limites de percepção. Conseqüen­temente, este tipo de universo estruturado, como um campo quânti­co holoinformacional não-local, pleno de potencial quântico comatividade de significação, é um universo inteligente (com informa­ção significativa) funcionando como uma mente, como Sir JamesJeans já tinha notado. Assim, como a consciência sempre estevepresente nos diversos níveis de organização da natureza, matéria,vida e consciência não podem ser consideradas como entidades se­paradas, capazes de ser analisadas em um arcabouço conceitualcartesiano fragmentador. Com efeito, devem ser melhor considera­das como uma unidade indivisível, com todos os seus processosquântico-informacionais interagindo por meio de relações não-lo­cais (holísticas), internas, e simultaneamente por meio de relaçõesexternas locais (mecanicísticas), gerando capacidades de transfor­mação, aprendizagem e evolução. Esta visão de um continuum ho­loinformacional, de uma ordem geradora fundamental, com umfluxo quântico-informacional criador, permeando todo o cosmos,permite compreender a natureza básica do universo como uma to­talidade inteligente auto-organizadora indivisível, i.é, uma cons­ciência. Uma forma de consciência universal se desdobrando de

modo "holográfico" em uma infinita holoarquia.

As flutuações quântico-informacionais geradas a partir destaconsciência universal através do holomovimento se auto-organi­zam nos níveis informacionais básicos do universo: o código nu­clear (cosmosfera), o código genético (biosfera) e o código neural(noosfera). Estes códigos holoinformacionais, ou seja, esta ordemque é transmitida de um modo significativo e inteligente através de

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todos os níveis de complexidade do universo, são a auto-organiza­ção neguentrópica da informação.

N esta visão holoinformacional da consciência, ofluxo quânti­co-informacional não-local, em um contínuo holomovimento de ex­pansão e recolhimento, entre o cérebro e a ordem superimplícita douniverso, é a consciência universal, se auto-organizando em mentehumana. A característica essencial de não-localidade quântica desteprocesso dinâmico de interação holoinformacional toma a questãosobre a qualidade fenomenal (qualia) da experiência consciente, le­vantada por Chalmers (1995), multicontextual, multidimensional,relativa não só ao observador, mas também ao processo de observa­ção e ao que se observa, isto é, à informação holográfica do todo emquestão. O nível desta qualidade informacional é capaz de aumentarou diminuir, em uma transição de fase, dependendo da quantidadede informação contida na parte do holograma universal em foco, edo referencial de relações em questão, que pode ser externo (meca­nicístico) ou interno (campo holoinformacional).

O hard problem da consciência proposto por Chalmers é so­mente difícil e problemático em um contexto cartesiano-newtonia­no, mecanicístico e reducionista, no qual a consciência e o univer­so são considerados entidades separadas. Em um contexto holoin­formacional de relações internas, indivisíveis e não-locais, ele dei­xa de existir, pois os subníveis auto-organizacionais do universoque se estruturam de modo mecanicístico-local são compreendi­dos como manifestações secundárias da natureza harmônica, ho­lística e não-local do continuum universal holoinformacional. Ma­téria, vida e consciência são expressões deste campo holoinforma­cional, com relações quânticas não-locais fundamentais se desdo­brando em miríades de possibilidades.

Teoricamente, isto nos remete também à questão do inconsci­

ente, que deste modo poderia ser hipoteticamente compreendidocomo a parte da consciência holográfica universal desdobrada nocérebro/mente que se "desfoca", se "obscurece", quando se au­to-organiza como consciência humana, tal como em um hologra­ma, em que a parte contém o todo de forma menos nítida. A cons­ciência holoinformacional quando estruturada (incorporada) nocérebro humano reduz a qualidade (qualia) da percepção da unida­de/totalidade (holos) da natureza, fazendo com que estes aspectos

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permaneçam habitualmente inconscientes, restringindo o campoconsciencial do ser, limitando-o mental e simbolicamente. Isto po­deria explicar a metáfora da queda do homem encontrada com vá­rias nuances em muitas tradições espirituais.

Matéria, vida e consciência nunca serão compreendidas pormeio de um emergencialismo fragmentador e reducionista queconsidere somente as relações externas e mecanicistas. Isto é umerro de percepção, já apontado pelas tradições orientais há milha­res de anos, com o nome de maya. Como seres simbólicos que so­mos, podemos compreender melhor este processo através da metá­fora da flor e do fruto. Podemos dizer que o fruto é originário daflor. Entretanto, o fruto já se encontra implícito na semente, nãosendo possível afirmarmos que ele se origina somente e essencial­mente da flor. Isto seria um reducionismo, uma fragmentação per­ceptiva da realidade. Com efeito, nem mesmo a semente origina ofruto. O fruto se origina de uma totalidade indivisível, claramen­te inteligente e holorrelacionada: sol, chuva, terra, ar, vento, raioscósmicos, estações do ano, clima, microorganismos, insetos, pás­saros, semente, seiva, tronco, folhas ... ad injinitum, em uma ordemholoinformacional irredutível.

6. Consciência e a mente humana

As redes cibernéticas de reações cíclicas hierárquicas por meiodas quais procuramos caracterizar a vida e a consciência se in­ter-relacionam em uma dinâmica multinível de "hiperciclos" (Ei­gen & Schuster, 1979), se auto-organizando em ciclos "autocatalí­ticos" (Prigogine, 1979; Kauffman, 1995) no "limite do caos" (Le­win, 1992). Ciclos autocatalíticos se auto-organizam em níveis su­periores, por meio de hiperciclos catalíticos (e.g. um vírus) capa­zes de evoluírem para estruturas mais complexas e mais eficien­tes, até a "emergência de conjuntos, de conjuntos de ... de con­juntos de neurônios" (Alwin Scott, 1995). Deste modo a rede gera"'loops' criativos" (Erich Harth, 1993) e "hiperestruturas" (NilsBaas, 1995) capazes de se integrarem em sistemas com padrões deconectividade distribuídos e paralelos, como o Global Workspace(N ewman & Baars, 1993), e o Extended Reticular- Talamic Activa­tion System - Ertas, de James Newman (1997).

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Sistemas não-lineares dinâmicos como o cérebro humano,com estes "correlatos neurais" da consciência, são gerados não so­mente por estas complexificações das relações externas mecani­císticas da matéria, mas, como já vimos, também primordialmentepor um desdobramento harmônico de um campo de consciênciauniversal e indivisível. Este campo holográfico inteligente au­to-organizador, auto-suficiente e auto-referente continuamentecria (desdobra) e recria (replica) a si mesmo, experimentandocontinuamente novas possibilidades de existência e não-existên­cia, num eterno e sempre novo ciclo de expansão e recolhimento. A"cosmologia não big-bang autoconsistente" de Prigogine-Gehe­niau et aI. descreve as principais características deste cenário deaprendizagem multicíclica, no qual a evolução cósmica é o resulta­do de uma interação entre o vácuo quântico e as partículas de maté­ria sintetizadas nele. Laszlo (1993) acrescenta a este cenário "opostulado de acordo com o qual o vácuo quântico é o quinto campouniversal interagindo com a matéria", afirmando que "o campoatua como um meio holográfico, registrando e conservando atransformação de onda escalar da configuração dos espaços 3n-di­mensionais assumidos pela matéria no espaço" (p. 204).

Este quinto campo universal não é inferido das interações es­pácio-temporais como as forças gravitacionais, eletromagnéticas eas forças nucleares fraca e forte. Neste novo tipo de campo espaçoe tempo se tomam implicados, introjetados, como descrito mate­maticamente por Bohm. O quinto campo é espectralmente holo­graficamente organizado, e constituído pela energia presente nospadrões de interferência das ondas. As transformações da ordemespácio-temporal para esta dimensão espectral são descritas porformulações holográficas matemáticas. Este tipo de formulaçõesfoi primeiramente descrito por Leibniz que criou a concepção demônadas. Dennis Gabor, em nosso século, descreveu os princípiosmatemáticos da holografia, e definiu um quantum de informaçãoque denominou logon, um canal que é capaz de conduzir uma uni­dade de comunicação com a menor quantidade de incerteza.

Pribam em sua teoria holonômica do funcionamento cerebral

propõe que todo o processamento informacional quântico-holo­gráfico interconectando o cérebro e o cosmos que ocorre no nívelsubatômico interage simultaneamente com um processo holográfi­co de tratamento da informação, o holograma neural multiplex dis-

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tribuído por todo o córtex cerebral, dependente dos chamados neu­rônios de circuitos locais que não apresentam fibras longas e nãotransmitem os impulsos nervosos comuns. "São neurônios quefuncionam no modo ondulatório, e são sobretudo responsáveis pe­las conexões horizontais das camadas do tecido neural, conexõesnas quais padrões de interferência holograficóides podem ser cons­truídos" (Pribam, 1980). Ele descreve uma "equação de onda neu­ral" (1991) resultante do funcionamento das redes neurais do cére­bro, similar à equação de onda da teoria quântica.

Pribram (1991) demonstrou que a hiperestimulação do cére­bro anterior fronto-límbico leva os primatas, inclusive humanos, aoperar em um modo holístico semelhante ao holográfico. A exci­tação elétrica destas áreas cerebrais relaxa a coerção Gaussianacomo o coloca Laszlo. "Enquanto durante os níveis ordinários deexcitação do sistema fronto-límbico o processamento do sinal criaa usual consciência narrativa, quando a excitação deste sistema ex­cede um certo limiar, a experiência consciente é dominada porprocessos holográficos incoercíveis. O resultado é uma sensaçãoatemporal, aespacial, acausal, 'oceânica'." Pribram descobriu quenestes estados o sistema nervoso se torna, como ele diz, "sintoniza­do com os aspectos holográficos - da ordem similar ao holograma- do universo" (Laszlo, 1993: 179).

Temos no cérebro uma mais sutil e menos conhecida rela­

ção mente/corpo do que os mapas neurofisiológicos representa­dos pelo célebre homúnculo de Penfield. O homúnculo revela so­mente as relações espaciais entre a superficie do corpo e o córtexcerebral. Com efeito, o campo receptor dos neurônios corticais rea­ge seletivamente a múltiplos modos sensoriais fazendo as curvasde harmonia dos campos receptores adjacentes se misturarem(mix) como em um piano. Deste modo, o campo de harmonia docórtex origina uma ressonância tal como um instrumento de corda.As formulações matemáticas que descrevem a curva harmônica re­sultante são as transformações de Fourier que Gabor aplicou nacriação do holograma, enriquecendo estas transformações com ummodelo que pode ser reconstruí do pela aplicação do processo in­verso. Esta organização holográfica é o que Bohm denomina or­dem implícita, um modelo que inclui o espaço e o tempo em sua es­trutura como uma dimensão implicada. Funcionando neste modoholográfico nosso cérebro pode "matematicamente construir a rea-

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lidade objetiva", interpretando freqüências originárias de uma ou­tra dimensão, de uma ordem fundamental, um campo holoinfor­macional situado além do espaço e do tempo.

Como o cérebro tem a capacidade de funcionar tanto no modoholográfico não-local quanto no modo espaço temporal local, acre­ditamos que estamos lidando aqui com o conceito de complemen­taridade de Bohr, no funcionamento quântico do sistema nervosocentral.

A teoria holonômica do funcionamento cerebral de Pribram e a

teoria quântico-holográfica do universo de Bohm, acrescidas coma contribuição de Laszlo sobre o quinto campo citada acima, mos­tram-nos que somos parte de algo muito maior e vasto do que nos­sas mentes individuais. Nossa mente é um subsistema de um holo­

grama universal, acessando e interpretando este universo holográ­fico. Somos sistemas interativos ressonantes e harmônicos, comesta totalidade auto-organizadora indivisível. Somos este campoholoinformacional da consciência, e não observadores externos aela. A perspectiva de observadores externos nos fez perder o senti­do e o sentimento da unidade ou identidade suprema, gerando asimensas dificuldades que temos para compreender que somos umcom o todo, e não uma parte dele.

Nós não viemos a este mundo: viemos dele,

como as folhas de uma árvore. Tal como ooceano produz ondas, o universo produzpessoas. Cada indivíduo é uma expressão detodo o reino da natureza, uma ação singular douniverso total. Raramente este fato é, se é quealguma vez chega a seI; sentido pela maioriados indivíduos (Alan Watts).

Considerações finais

Além de delinear os fundamentos de uma teoria holística não­

local, auto-organizadora e holoinformacional da consciência, estaabordagem fornece também bases para se compreender a informa­ção como o princípio unificador capaz de conectar a consciência aouniverso e à totalidade do espaço e do tempo. Pennite ainda umamelhor compreensão de fenômenos e teorias relacionados à cons­ciência que até agora não conseguíamos explicar ou compreender

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Page 132: Francisco Di Biase a Revolução Da Consciência

adequadamente, tais como sincronicidades, arquétipos, incons­ciente coletivo (Jung), complexos inconscientes (Freud), expe­riências próximas da morte (Moody Jr.), sonhos premonitórios,psicocinesia e telepatia (Rhine), campos morfogenéticos e resso­nância módica (Sheldrake), memória extracerebral (Stevenson),lembranças de existências anteriores (Weiss), entre outros.

Brian D. Josephson, Prêmio Nobel de fisica, acredita que a teo­ria da ordem implícita de Bohm pode até levar à inclusão, algumdia, de Deus na rede da ciência. Acreditamos que a perspectivaholoinformacional da consciência que tem na teoria quântica deBohm um de seus fundamentos implica a inclusão no arcabouço daciência de uma Consciência Cósmica, uma Inteligência Universalque origina, permeia, mantém e transforma o universo, a vida e amente através do processo holoinformacional.

Finalmente, podemos afirmar que no paradigma cartesiano­newtoniano reducionista a pergunta sobre a natureza da consciên­cia é irrespondível. Ela pode ser útil para desdobrar novos conheci­mentos e gerar novas perguntas e respostas. Entretanto, a fragmen­tação inerente a esta perspectiva obscurece cada vez mais nossacompreensão do que seja a realidade e a consciência.

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PARTE VII

FÓRUMDEDEBATES

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11A ciência e o primado da consciência

Karl Pribram

Rupert SheldrakeStanis/av GrofAmit Goswami

Benny ShanonModerador

1. O que é consciência?

Karl Pribram: No dicionário, a definição de consciência vemde conscire - fazer ciência em conjunto, adquirir conhecimentoem conjunto. Portanto, é aquilo que podemos partilhar em ter­mos de conhecimento. Quanto a minha própria visão de cons­ciência, como sou um cientista do cérebro, estou interessado emnossa experiência consciente e não nas definições mais amplas egerais da consciência divina; definições que pessoas diferentes,grupos religiosos diferentes, civilizações diferentes deram aomundo - que alguns de nós chamamos de Deus, alguns de nóschamamos de ordem na natureza, há várias maneiras de falar sobrea consciência divina.

Outra questão que eu gostaria de mencionar é que em francês,e talvez em outras línguas européias, não existem palavras separa­das para conscience e consciousness. Existe algum tipo de conexãoem muitas das definições de consciência que têm uma implicaçãomoral e ética. Portanto, uma vez mais, não só adquirindo conheci­mento em conjunto, mas também adquirindo o conhecimento comum objetivo. Em inglês nós separamos essas funções totalmente.

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Em um trabalho que escrevi há algum tempo, voltei para a defini­ção do dicionário; uma definição de que gosto, que vai bem comessa coisa de que a consciência tem um aspecto ético, é: ser cons­ciente é tentar. Tentar (to try) em inglês tem dois significados: 1.es­forçar-se para realizar alguma coisa e 2. julgar. Portanto, uma vezmais, nos embrenhamos nessa questão do sentido duplo de cons­ciência. Na verdade, não sei de onde vem isso e não explorei o as­sunto o bastante.

Rupert Sheldrake: Bem, para mim a gênese de nossa cons­ciência individual obviamente vem de "conhecer com outros"como disse Karl. Cada um de nós fica consciente em um campo deconsciência que já existe - com nossa família, nossa sociedade enossa cultura. Portanto tentar gerar uma compreensão de consciên­cia a partir da consciência individual me parece tentar começarpelo lado errado. Cada um de nós, de alguma forma, para começar,cristaliza ou individualiza alguma coisa, que é maior do que nós.Por isso eu acho que esse sentido de conhecer com que está embuti­do na própria base da palavra, em sua própria etimologia, é real­mente importante.

Quanto à questão do que é a consciência; não é uma questãocom a qual luto há muito tempo. E o que me faz desistir de me preo­cupar com ela são coisas como o Journal ofConsciousness Studiesem que artigos e mais artigos, números e mais números, por filóso­fos e outras pessoas mais [tratam disso]. Tento ler alguns dessestrabalhos, mas temo dizer que eles me fazem dormir. É o tipo da coi­sa boa para ler na cama se estamos com insônia. Eu tinha mais inte­resse na consciência antes de ela se transformar em uma indústria

acadêmica importante; e agora, para expressar uma opinião, preci­samos lutar contra páginas de jornais, pilhas de jornais e dezenasde livros que são publicados todos os anos sobre o assunto.

Minha opinião, na verdade, é que a consciência deve ser algoque tem que ver com a esfera de possibilidades. Essa é a única pala­vra que a meu ver abrange as possibilidades múltiplas e os signifi­cados de consciência; que ela é alguma coisa que tem que ver com aesfera de possibilidades (Pribram - "Isso significa tentar"). É, su­ponho que sim, e acho que provavelmente seu contexto social e suagênese podem ter mais que ver com o aspecto da consciência que se

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refere a nossas relações com os demais. Assim, para mim, ela temalgo que ver com a esfera de possibilidade; e tem algo que ver coma escolha entre ações possíveis. Acho que a maior parte de nossaconsciência está voltada para a ação.

Em minhas idéias, fui muito influenciado pelo filósofo francêsHenri Bergson. Bergson enfatizou que até mesmo um ato de per­cepção é uma ação potencial porque em cada percepção separamose potencialmente damos nome às coisas que estamos percebendo.Portanto há uma ação potencial envolvida até na percepção cons­ciente. Acho que tem que ver com possibilidade, possibilidades ori­entadas para a ação e escolhas entre possibilidades. Acho que as for­mas que a consciência assume, as formas que as percepções assu­mem e a forma que nossa atividade consciente assume estão molda­das por aquilo que chamamos de campos. Portanto, acho que a cons­ciência é uma esfera de possibilidade estruturada por campos; e queesses campos não estão simplesmente confmados no interior do cé­rebro, embora eles interajam obviamente com o cérebro. É urna es­fera de possibilidade, algo assim como - um campo de campos.Esses campos têm estrutura, têm hábitos e significados em si mes­mos, por isso acho que a memória é inerente a esses campos mórfi­coso Com isso a função da consciência é... mas talvez essa seja apróxima pergunta. Por isso me interrompo aqui, no meio da frase.

Stanislav Grof: Eu compartilhei com você meu passado mate­rialista, fui educado em uma faculdade de medicina, na psiquiatriatradicional. Está muito claro que a consciência é urna espécie de re­cém-chegado na cena cósmica. Algo que surge da complexidade dosistema nervoso e está lá para nós, para refletir a existência objetiva.

Após 40 anos de trabalho com estados não ordinários e expe­riências de estados não ordinários, ela mais ou menos deu meiavolta. Para mim a consciência é uma espécie de fenômeno primárioda existência. De alguma maneira, para mim é mais fácil compre­ender a criação da experiência do mundo material a partir da cons­ciência do que ser capaz de entender a consciência surgindo de pro­cessos materiais. Para mim, portanto, para poder, de alguma ma­neira, explicar tudo que já vivenciei, tudo que já vi, eu teria que ir aum dos sistemas de filosofia oriental. Meu sistema favorito é o Shi­

vaísmo de Kashmir. No Shivaísmo de Kashmir o princípio supre-

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mo no universo é chamado Shiva. Não é o Shiva do panteão hindu.É o princípio supremo.

Quando conhecemos um importante defensor do Shivaísmoem Kashmir, eu perguntei por que vocês chamam isso de Shiva senão é o Shiva que conhecemos da mitologia? Ele disse que era por­que os indianos gostam do nome Shiva. Assim, para o Shivaísmode Kashmir, Shiva, o princípio supremo no universo, é o fato daconsciência. Não em qualquer conteúdo específico, mas apenas ofato da existência, o fato de que algo existe que é uma coisa fantás­tica por si só. Por que as coisas teriam que existir? O fato é que esseprincípio é autoconsciente e tem a capacidade de criar esse mundoinfinito de fenômenos, seja de mundos arquetípicos ou de mundosfenomenais da realidade material. Esses mundos serão vistos como

realidades virtuais que são criadas pela atividade, assim por umaespécie de tecnologia dessa consciência absoluta, um jogo dessaconsciência cósmica. Para mim, portanto, é o mistério final. Éaquela coisa totalmente irredutível da qual toda a existência, de al­guma forma, se origina.

Aroit Goswaroi: Uma vantagem de ser o último é poder dizerque os oradores anteriores já falaram tudo. Mas realmente concor­do com praticamente tudo que foi coberto nas apresentações dostrês oradores anteriores. Acho que contar a minha história podeajudar um pouco aqui. Quando comecei a lidar com o trabalho teó­rico quântico com a consciência, os fisicos muitas vezes ficavammuito aborrecidos por eu utilizar essa idéia de uma forma muitomais ampla do que a proposta originalmente por von Neumann;porque a teoria de Neumann era muito dualista e, dando-lhe subs­tância, foi possível transformá-Ia em uma teoria monística crívelque já está sendo usada por algum tempo e na qual ninguém foi ca­paz de encontrar nada errado. E nem vão encontrar, porque, em ter­mos lógicos, é uma teoria muito sólida. Mas os fisicos em particu­lar, muitos deles pelo menos, ficaram aborrecidos. Perguntavam"por que um conceito de psicologia deve ser invocado para expli­car algo na fisica", porque para eles a fisica é a disciplina mais fun­damental, a ciência mais fundamental.

A segunda coisa que os perturbava é "o que é consciência?"Como é possível solucionar um problema que é tangível, tão im-

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portante como uma medição quântica, com um conceito que nãopode ser explicado ou definido de uma maneira definitiva. E elesentão perguntam qual é a definição. Porque vocês ouviram o queStan disse agora mesmo; e eu não vou refutar o que ele disse. Háessa qualidade misteriosa. Então, é importante definir a consciên­cia. De um certo modo, sim, mas vejamos o problema. Quandoanalisamos a medição quântica; e, senhoras e senhores, eu estoulhes dizendo realmente, na verdade não há qualquer outra explica­ção para a medição quântica. Henry Stapp, eu e muitos outros; Da­vid Bohm lamentava em sua última obra que ele não podia incluir aconsciência. Sua teoria estava próxima de ser uma teoria causal;mas sua teoria nunca chegou a se equiparar totalmente à mecânicaquântica.

E, com isso, ele não podia fazê-Io [incluir a consciência]; nin­guém, apenas com a ajuda da metafisica material, pode resolver oproblema da fisica quântica, da interação quântica, da mediçãoquântica. A única solução que existe no momento, muitos mundosfracassaram gravemente, é um fato conhecido. Assim, a única quecontinua de pé; a única que é vigorosamente científica é aquela queinvoca a consciência e invoca a consciência como a base de todo o

ser. Estamos diante disso; mas vejamos o problema. Se a consciên­cia é a base de todo o ser, ela é o absoluto, como Stan estava dizen­do. Ela é a posição do Shivaísmo de Kashmir, ela é a posição de Ve­danta, ela é a posição de toda a tradição mística.

E então será possível definir a base de todo o ser? Vejamos oproblema; não, não é possível. E se fosse possível, a definição teriaum estado superior à consciência, em termos lógicos; mas a cons­ciência é a base de todo o ser. Ela se recusa a ser definida em termos

de qualquer outro conceito. Um outro conceito que então teria umestado superior em termos lógicos. Então, esse é o paradoxo emque nos encontramos. Mas há uma resposta. O grande matemáticoJ. Spencer Brown trouxe-nos algo assim como - "Se você quiseraprender música, vá ver um músico e o músico poderá falar muitosobre música com você, e ainda assim não lhe dará a menor idéiado que é a música. Por isso um bom músico sempre manda o alunosentar ao piano ou outra coisa semelhante". Da mesma maneira,um bom definidor da consciência, como vocês sabem, os místicos,eles nunca irão tentar definir consciência para vocês; eles dirãomedite e descubra.

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Há um episódio muito bonito no Upanishads que diz tudo. É ahistória de um filho que vai até seu pai para aprender sobre realida­de, consciência; e o pai diz: medite. O filho medita e dá uma res­posta, que é a primeira resposta, e o pai diz: medite outra vez. O fi­lho medita outra vez, volta para o pai, e o pai, OK, medite mais ain­da. Isso continua por muito tempo e finalmente o filho descobre aconsciência. E aí ele não vai até seu pai, porque não há motivo. Elesabe. Mas esse conhecimento é o conhecimento que não pode ser

expresso. Isso é o que Lao Tsu expressou ao dizer que o Tao quepode ser expresso não é o Tao absoluto. Temos que concordar comisso tanto científica como filosoficamente; não há outra solução.Portanto, aqui está uma pergunta que devemos deixar com aqueleelemento de mistério. Sem ele não temos a consciência. Nós a co­

nhecemos, ou nós podemos conhecê-Ia, nós a intuímos, que é pro­vavelmente a melhor maneira de expressar isso.

Mas as outras definições são muito boas. Estou muito satisfei­to porque Rupert a define com uma escolha que é fisica quântica.Isso deixa as coisas bem claras. Eu escolho e portanto eu sou. E ficomuito grato a Karl porque ele apontou para esse "saber com". Issome sugere a não-localidade quântica. "Saber com" mas não commeios locais, vejam bem. Com uma pessoa e interações locais sig­nificaria que poderíamos fazer uma série de coisas com outra pes­soa. Mas máquinas também poderiam fazer vários tipos de coisasumas com as outras se houvesse qualquer mecanismo disponívelpara intercâmbio de energia. Mas nós realmente interagimos dessaforma? Realmente interagimos dessa forma? Qualquer pessoa quejá conheceu o amor sabe que podemos e diretamente. Não precisa­mos ter o experimento de Grinberg para nos dizer que há uma co­municação direta entre duas pessoas. O experimento de Grinberg ébom para usar em conversas com materialistas. Mas todos nós sa­bemos que o amor existe quando não há comunicação local. Co­municação se dá diretamente, não-local; e isso é o que, a meu ver, osentido etimológico capta. A etimologia é muito sábia: "sabercom" e saber com a não-localidade quântica da consciência.

Benny Shanon: Eu gostaria de acrescentar umas poucas pala­vras e voltar, como um psicólogo, para aquilo que o professor Pri­bram estava dizendo. Acho que temos realmente que distinguir en-

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tre duas noções de consciência que prevalecem em disciplinas di­ferentes. Uma é a noção estritamente psicológica de experiênciasubjetiva que computadores definitivamente não têm e não podemter. A outra é a questão mais ontológica e metafisica de algum prin­cípio básico de ser. E a questão é se podemos estudar a primeirasem a segunda. A posição normal nas ciências cognitivas contem­porâneas é que, sim, devemos estudar a experiência subjetiva sema ontologia. Talvez isso esteja errado. Acho que na última palestrade Amit houve muitos argumentos contra isso. Quero fazer um co­mentário; minha primeira disciplina foi a lingüística, e acho queetimologistas das línguas antigas são repositórios de muita sabedo­ria. Em hebraico as palavras são (o inglês não é muito bom paraisso). No hebraico há duas palavras para consciência. Ambas têm amesma raiz que conhecimento, não "conhecimento com" mas co­nhecimento direto. A raiz para conhecimento direto é como vocêdisse captar. É a raiz da mão. Aquele conhecimento é sempre algodireto. Um problema com a metáfora do computador em psicolo­gia é precisamente que o computador, como John Searle observouem seu famoso trabalho sobre a sala chinesa, é um sistema que sómanipula informação. Os símbolos do computador nunca podemsair de sua própria moldura. Ele nunca pode saber, nunca pode to­car; e ele nunca pode ter consciência.

Passemos à próxima questão.

2. Por que temos consciência?

Benny Shanon: Cada um dos palestrantes está livre para inter­pretar consciência ou no nível psicológico, ou no nível ontológicoou em ambos. Por que existe esse fenômeno neste mundo? Talvezpossa existir um mundo onde tudo pode ser a mesma coisa semconsciência. Os filósofos atuais falam de zumbis. Zumbis são cria­

turas que são idênticas a nós mas que não têm consciência. O mun­do poderia existir sem consciência e considerando que ele temconsciência, por que a tem?

Karl Pribram: Bem, voltarei para aquilo que Amit disse háum momento. O título de nosso simpósio é Ciência e o Primado daConsciência, mas você não está fazendo perguntas sobre o prima-

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do. O que quero dizer é que se é primária, é primária. É aquilo comque todos nós começamos. Nosso próprio, e eu diria que nossa pró­pria experiência consciente. Acho que Rupert disse isso tão bem,que os periódicos sobre consciência, estou indo para um simpósiosobre consciência, estou esperando descansar lá porque não irei atodas as palestras. A coisa fica dando voltas porque eles estão fa­zendo a pergunta errada. Se ela é primária, é primária. O problemadifícil, como dizem acerca da consciência. Como juntamos suaconsciência e a minha, esse é o problema difícil. Não é. O problemadifícil é como sabemos qualquer coisa. Quero dizer, é tudo a mes­ma coisa; eu tenho minha experiência, você tem a sua. Todos nóstemos nossas experiências, e com isso que começamos, e depoistentamos, através da ciência, partilhar nossas experiências. Não épreciso que seja ciência no sentido técnico; mas acontece que elaé um meio de partilhar. Você pode escrever romances ou outrosmeios de partilhar sua própria experiência consciente. É essa parti­lha, captando, como você disse, Shannon, captando com a mão, oque é exatamente aquilo tudo, eu acho que é assim que começa­mos. Não devemos perguntar qual a vantagem dela. Ela é.

Rupert Sheldrake: Como eu estava dizendo antes, acho quetem muito a ver com ações e escolhas potenciais. No que se refereàs ações potenciais, grande parte de nosso comportamento é basea­do em hábitos e uma das características mais óbvias dos hábitos é

que não precisamos pensar sobre eles. Aliás é uma boa coisa que amaior parte de nosso comportamento seja habitual, porque não po­demos pensar em muitas coisas ao mesmo tempo; talvez só umacoisa de cada vez. Podemos fazer uma grande quantidade de coisasde forma habitual. Podemos, por exemplo, andar sem pensar aondevamos pôr os pés. Podemos dirigir sem pensar sobre o que estamosfazendo, posso andar de bicicleta, posso falar inglês sem pensar so­bre as palavras que vou dizer. Uma grande parte funciona de formahabitual. A maior parte disso ocorre inconscientemente. Existemmuitos hábitos nos animais também, e neles provavelmente ocor­rem inconscientemente exatamente como acontece conosco. Mas

sempre que seja preciso escolher, sempre que os hábitos não este­jam reinando sobre tudo o mais, aí é preciso existir a consciênciapara que possa ocorrer qualquer base para a escolha. Mesmo quan­do olhamos o comportamento dos animais.

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Estou lendo um livro sobre o pensamento dos animais, por Do­nald Griffin. A atenção que os etologistas dão ao pensamento dosanimais mostra quanto do comportamento animal envolve esco­lhas que não podem simplesmente ser atribuídas aos instintos e aocomportamento automático. Os predadores e as presas, por exem­plo. Quando um predador está tentando pegar uma presa, há muitoslugares em que ele poderia ir procurar essa presa. Há muitos tiposde comportamento que ele poderia ter com relação à presa. Algunsdesses tipos de comportamento poderão fazer com que a presa fujae ele não a pegue. As presas também têm uma variedade de esco­lhas sobre onde irão se alimentar. E sobre como reagir quandovêem um predador se aproximando. Ou como o grupo de animaisreage, permanecendo juntos, ou se separando. Há todo o tipo de de­cisões que precisam ser tomadas, momento a momento, e imaginoque nenhuma situação jamais é a mesma entre predadores e presasna administração dos seus negócios cotidianos.

Esses animais são conscientes como nós somos conscientes,conscientes de estar fazendo escolhas entre possibilidades. Nãoquero aqui me envolver com os debates de que os filósofos tantogostam sobre a diferença entre a consciência animal e a consciên­cia humana ter algo que ver com autoconsciência. Estou certo deque essa é uma questão importante, mas sempre fico confuso quan­do começo a pensar nisso. Escolhas entre possibilidades é vital.

Se falarmos sobre a consciência do universo e a consciência

que pode estar envolvida no processo evolucionário que Amitmencionou agora, temos que lembrar que a evolução e tudo o maispermaneceriam os mesmos e se repetiriam de forma habitual. Mas,na verdade, o processo cósmico é um processo de criatividade con­tínua. Para onde tudo está indo ninguém sabe, mas a evolução cós­mica, a evolução biológica e a evolução humana envolvem criati­vidade contínua. Assim, a escolha é uma atividade da consciênciano processo cósmico, portanto eu acho que alguns desses mesmosprincípios podem se aplicar aqui também.

Stanislav Grof: Gostaria de voltar ao que Karl disse e apoiá-Ioatravés de algumas observações a partir de estados não ordináriosde consciência. Em estados não ordinários, como mencionei hojede manhã, temos a capacidade de nos movimentar através da gran-

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de corrente do ser em vez de identificar-nos experiencialmentecom diferentes seres sensíveis tanto do espaço-tempo como do

mundo arquetípico. No final, quando todos os limites se dissol­vem, podemos vivenciar a nós mesmos como o princípio último- seja qual for o nome que queiramos usar para ele. Mas isso pa­rece ser essa incrível fonte de luz que também é dotada de cons­ciência, com uma inteligência criativa incrível que simplesmenteparece existir.

Assim, esta questão na verdade está invertida e deveria serelaborada do seguinte modo: por que existem formas no mundo, enão por que a consciência está no mundo. Em outras palavras, porque a consciência absoluta escolheu entrar no processo de cria­ção. Escrevi sobre isso bastante no Cosmic Game, que é o últimolivro que escrevi. Quando as pessoas têm essa experiência, por­que podemos nos identificar com aquele princípio, não apenas oencontramos, na verdade, podemos nos dissolver nele. Podemosnos transformar nele e depois obter insights sobre a criação, e por­que ela ocorre.

Assim, as várias dimensões não se diferenciam e têm enormepotencial. Ele está consciente de seu potencial imenso e quer co­nhecer a si mesmo. Encontramos isso na Kabala. Uma das razões

para a criação é que o rosto queria ver o rosto, ou Deus queria verDeus. O princípio só pode descobrir seu próprio potencial exterio­rizando-o. Transformando-se nas várias coisas em que pode setransformar.

Outro princípio mencionado com freqüência é essa enormeabundância transbordando em criatividade, e não sendo capaz decontê-Ia. Necessitando distribuí-Ia da mesma maneira que artistas,no nosso nível, estão como que grávidos da criação. Outra coisaque ouvi é que esse princípio compreende que está sozinho. Eletem uma necessidade incrível de dar e receber amor. Acredita-se

que isso flui através da criação de uma forma disfarçada.

Outra coisa que ouvimos é que, de alguma forma, esse princí­pio deseja ardentemente tomar-se aquilo que não é e ter aquilo quenão tem. Ele é etéreo, é espiritual, é eterno, é infinito, então desejaalgo tangível, algo concreto. Há uma imagem muito interessanteno códice asteca que mostra Quetzacotl como espírito, a serpenteemplumada, dançando uma dança de cortesia que simboliza a ma-

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téria. Portanto, há complementaridade entre o espírito e a matéria.Esse princípio encontra na criação tudo o que lhe falta em sua for­ma original e pura.

Às vezes as pessoas mencionam a monotonia, mas na verdadeé um estado fantástico de se estar, mas é sempre o mesmo. Ele entrano processo de criação como uma espécie de plano divino, ou paradiversão própria - aquilo que os hindus chamam de Lila. Esses sãoos vários "motivos" para a criação que podemos vivenciar quandonos transformamos naquele princípio. Mas não se trata da pergunta"qual é a função da consciência"? É simplesmente um aspecto pri­mário da existência.

Mas por que há mais do que isso, por que a criação é necessária?Ela é muito importante porque em muitos sistemas espirituais nosdizem que aqui é o nível do lixo; que aqui é o vale de lágrimas, é oatoleiro de morte e renascimento e queremos sair daqui. Queremosentrar no Nirvana. O termo original Nirvana em Ayana é relacionadocom o vento, é evanescência. Algo assim como soprar as tochas davida e ir na direção da não-existência. Mas, mais tarde no Vahayana,isso se toma a eliminação da raiva, dos apegos e da ignorância.

Em muitos sistemas religiosos a idéia é que aqui é o nível baixoe queremos de volta a união com o divino, e assim por diante. Masquando finalmente temos aquela experiência, há um problema por­que compreendemos que ela não é apenas o objetivo da viagem es­piritual. É também a fonte da criação. Por isso, se aquele estado,por si só, fosse pleno, e completo e satisfatório, a criação não esta­ria lá. Esses níveis fenomenais não estariam lá. Portanto uma inte­

gração realmente boa de todas essas experiências no final seria tra­zê-Ia de volta aqui e validar este nível e transformar nossa estadaaqui, para que consigamos o melhor de ambos os mundos. De umcerto modo, temos experiências de seja lá o que for que este níveltem a oferecer. Este é o único nível onde podemos nos apaixonar,ou fazer amor, ou ter filhos, ou comer bouillabaisse, ou praticarmergulho, ou escalar montanhas, etc.

Mas se acreditarmos completamente que não somos nada maisdo que "egos encapsulados pela pele" indo da concepção à morte,então haverá sofrimento e dor envolvidos. Por isso parece impor­tante complementar essa vida, essa existência cotidiana com al­gum tipo de auto-exploração sistemática, onde tomamos consciên-

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cia dessas outras dimensões, e também de nossa verdadeira identi­dade, que é o próprio princípio criativo, e de lá voltar e abraçar sejalá o que for que esteja disponível aqui.

Benny Shanon: A propósito, o auto conhecimento é aqueledado por Jung em Resposta a Já - Porque Deus criou o homem.

Amit Goswami: Stan abordou maravilhosamente algumasdas coisas que eu ia dizer; talvez eu possa ilustrar um pequeno ar­gumento. Como eu fui um cientista materialista por muito tempo,conheço essa questão muito bem. Qual é a utilidade da consciên­cia, qual é a função da consciência? Porque, para o materialista, oproblema é muito dificil. Se a fisica newtoniana estava correta, en­tão, como argumentou Henry Stapp muito, muito bem, eu não pos­so destruir seus argumentos tão bem quanto ele, mas não é real­mente necessário dar a esse ponto uma discussão completa. Pode­mos mostrar com bastante rigor que na fisica newtoniana a cons­ciência só pode existir como um epifenômeno do cérebro, um efei­to secundário dos processos dinâmicos no cérebro. Algum tipo deefeito de emergência. Todos eles querem dizer a mesma coisa. Aconsciência não é um agente causal, não causalmente potencial.Sua causa emerge das interações de partículas elementares em al­gum nível, algum nível material, talvez holístico, mas ainda assima consciência não é um agente causal por si mesma. Se você aceitarisso, se a consciência é um epifenômeno, a única alternativa é o du­alismo, mas nós já descartamos o dualismo por um bom motivo.Portanto, vamos ficar com esse mesmo. Então, que filosofia pode­mos adotar que seja bem conhecida? Todo o mundo já ouviu falardo pós-modernismo, do desespero, do existencialismo, todas essasidéias vêm da simples sensação de que se tudo é newtoniano, se asinterações materiais são tudo o que existe, então nunca há nada quese origine da consciência. A consciência não serve para nada.Então tudo o que podemos dizer é, uma vez mais, algo assim vago,algo do tipo a consciência tem valor para a sobrevivência. Essa éuma resposta que alguns biólogos tentam dar. A razão para o deses­pero de pensar qual o valor da consciência, ou qual é a função daconsciência, e que nós trouxemos para dentro da filosofia newto­niana aquele determinismo de ter um sistema fechado, que nos dáuma resposta direta algorítmica para tudo.

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Quando nos voltamos para a fisica quântica, é claro, isso nãoexiste, como já lhes expliquei, aquele problema se modifica, masfiquemos com os materialistas por um momento. Para o materialis­ta a posição essencial que o Stan, por exemplo, esclareceu de umamaneira tão maravilhosamente otimista, não faz sentido. Para omaterialista, essa posição a que você chega, um estado perfeito, oestado de perfeição sobre o qual Stan falou, o estado que os místi­cos do mundo dizem ter obtido. Isso não tem sentido porque essessão estados de ordem perfeita, onde a felicidade existe em sua per­feição. O mundo newtoniano é um mundo tanto de caos como deordem. Ordem e caos existem juntos. Há movimentos aleatórios,sistemas caóticos e ao mesmo tempo há sistemas como o das estre­las que se movimentam de uma maneira bastante metódica, os pla­netas que giram ao redor do sol em um movimento bastante metó­dico. Portanto, há ordem, mas também há desordem e essa é a natu­reza do mundo.

Não podemos ter felicidade perfeita, e com isso voltamos outravez a salientar para os materialistas que, olhem, se vocês medita­rem, vocês podem se transformar e descobrir diretamente a ques­tão que Rupert acabou de enfatizar: vocês podem descobrir direta­mente que têm escolha. Com efeito, uma definição da ioga queachamos muito consoante com a fisica quântica é que a ioga éaquela prática que lhe dá a escolha de volta. Não preciso fazer isso.Posso fazer outra coisa. Essa escolha é o primeiro passo da viagemtransformadora. Quando nos transformamos, descobrimos que po­demos ficar mais felizes do que éramos antes. Uma vez que nostransformamos encontramos ... ouvimos uma linda palestra ontempor Krishnamurti quando ele falou sobre emoções positivas e sobrecomo passar das emoções negativas para positivas.

Psicólogos, psiquiatras estão descobrindo isso à medida queusam a terapia da ioga. Descobrem que podem dar a seus pacientesuma prática que realmente introduz mais e mais felicidade em suasvidas. Podemos escolher felicidade de uma forma metodológica seolharmos a vida de uma maneira consciente. Então o melhor tipode resposta para os materialistas e essa pergunta só interessa real­mente aos materialistas, é a questão levantada por eles, e a respostatambém deve ser para eles: olha aqui, meus caros, enquanto vocêsse recusarem a meditar, enquanto vocês se recusarem a entrar emprogramas específicos para serem mais conscientes, enquanto vo-

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cês ficarem nessa posição de separação do ego, então não há espe­rança de que possam sair desse desespero. Então, para vocês, nãohaverá função para a consciência. Vocês estão vivendo como zum­bis e estão contentes assim. Daniel Dennett, em uma conferência,concordou que ele está feliz como zumbi. Portanto, não tenho nadaa dizer a Daniel Dennett. Mas há alguns entre nós que reconhecemque a felicidade é muito mais interessante do que o tédio. A meuver, é realmente absurdo que as pessoas possam escolher infelici­dade se sabem que há felicidade.

Então, o que temos que fazer é botar vendas em pessoas comoDaniel Dennett e deixá-Ios fazer os exercícios respiratórios queStan faz, e deixá-Ios mergulhar na felicidade inconscientemente,para que eles entendam o porquê da consciência e qual é a funçãoda consciência. Énos trazer a totalidade para que possamos usufru­ir a separação - o jogo de uma maneira mais completa. Se estiver­mos gostando do jogo na separação, o prazer se torna ... o prazer semultiplica na proporção de dez ao quadrado. Ou seja, cem vezesmais, mil vezes mais. Realmente vai nessa proporção. Estamosperdendo tudo isso. Há algo que um materialista não pode compre­ender. Se você disser que está perdendo toda essa alegria eu achoque essa é nossa maior janela, nossa maior oportunidade de entrarem seu coração, de convencê-Ios a praticar alguma coisa ou pelomenos a ler mecânica quântica.

Benny Shanon: Eu quero me referir a seu comentário sobre ofato de que a consciência para o materialista é epifenomenal. Issoocorre também com a pessoa na área da informação. Se a mente, osistema cognitivo é apenas um processador de informação, nãoprecisamos da consciência. Vindo dessa tradição, eu me perguntopor que necessitamos ... não em um nível ontológico, já que é pro­vavelmente inevitável pensar sobre isso, mas apesar disso comosistemas cognitivos, por que necessitamos da consciência? Se elaexiste, provavelmente precisamos dela. Acho que o que a existên­cia de experiências subjetivas nos mostram é que nós não somosmáquinas processadoras de informação, como a maioria dos psicó­logos pensam hoje, mas sim somos seres que vivenciam. Sabemospela experiência, e a experiência na psicologia tem dois aspectos.Um é percepção, e o outro é aquilo que você mencionou, Rupert - é

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a ação. Eu acho uma coisa incrível que normalmente nós olhemos apercepção como algo que pertence ao mundo externo. Eu vejo aspessoas aqui, vejo meus colegas, mas nós também temos essa ca­pacidade surpreendente de perceber o que está ocorrendo em nos­sos próprios sistemas, de estar conscientes de nós mesmos. Achoque há muitos aspectos da consciência e esse é um deles. Portanto,eu gostaria de introduzir uma pergunta. Antes de passarmos para apróxima pergunta. Uma noção que Rupert mencionou em seu co­mentário anterior sobre a noção de autoconsciência. Gostaria desaber se as pessoas querem falar alguma coisa sobre isso.

3. Comentários sobre autoconsciência

Karl Pribram. Não sei se posso, tenho algo a dizer, mas nãosei se vai sair. Émelhor que eu fique consciente (Shanon: "Mediteprimeiro"). Está certo. Há uma coisa que você disse, Benny, coma qual não concordo. Começarei daÍ. Se realmente entendermos oprocessamento da informação no sentido gaboriano ou shanno­niano, a informação é a redução da incerteza e a definição do pen­samento é redução ativa da incerteza. Portanto, realmente muitopróxima à idéia de Rupert sobre escolha, quando estamos falandode uma maneira sofisticada sobre o processamento da informa­ção, não da maneira normal. Por isso eu acho que eu gostaria dediscordar. Eu fui criticado por ainda estar preso à maneira de pen­sar sobre como o cérebro funciona que vem da área de processa­mento de informação. Mas de uma maneira sofisticada, a coisa nãoé assim tão diferente.

Ora, se é a redução de incerteza o que temos aqui realmente - eaqui tenho que discordar de Amit e do que ele disse. Não conhece­mos nenhum mecanismo cerebral que funcione como um grava­dor. Ele tinha dois mecanismos cerebrais: um que funciona comoum gravador e o outro que é muito mais quântico. Bem, o gravadorestá fora. Não há nada que eu tenha jamais encontrado em minhapesquisa sobre o cérebro, ou lido em algum lugar que chegue pertode parecer com um gravador - o que, é claro, se encaixa com a tesede Amit de que o cérebro é parte desse processamento quântico.Ora, se é isso que ocorre, ainda temos o problema de que estamosreduzindo incerteza, em outras palavras, algum tipo de apresenta-

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ção de escolhas possíveis. Espero, Rupert, que eu esteja dizendoisso de maneira adequada e nós provavelmente vamos ter re-repre­sentações daquilo. E são nas re-representações que nós começa­mos a dizer: "Oh, eu tenho todas essas escolhas" e "Eu", o se/f,pode fazer essas escolhas. Portanto nós temos várias hierarquiasaqui de re-representação e re-representação e elas são dois aspec­tos do selfmuito diferentes. Eu os chamo de o "mim" e o "Eu". O"mim" é manipulado pela parte traseira do cérebro e é basicamente oeu corpo, o eu corpóreo. Não perderei tempo agora dando um exem­plo, mas amanhã lhes falarei sobre a evidência para isso que estoudizendo, histórias de casos etc. A outra parte, o "Eu", é a parte frontale límbica do cérebro dianteiro onde nós construímos narrativas. Nanarrativa Eu, você sabe onde estava dez anos atrás, não sabe? Háuma história pessoal que nós elaboramos sobre nós mesmos, umanarrativa "Eu". Esses dois aspectos do cérebro são totalmente passí­veis de dissociação. Você pode ter um e não ter o outro; pode ter ooutro e não o primeiro. Como eu disse, falarei sobre eles amanhã.

Mas enquanto estou com o microfone, quero dizer que a pales­tra do Amit hoje foi uma introdução quase perfeita para minha pa­lestra de amanhã de manhã. A única correção que farei é que meulivro foi publicado em 1991, e ele disse que essas coisas não acon­teciam até a década de 1990. Todos os dados que coletamos no fimda década de 1960 e nas décadas de 1970 e 1980 realmente modifi­

caram a hipótese holográfica e fizeram dela aquilo que eu cha­mo de holonômica ou é agora muitas vezes chamado de holografiaquântica. Tem havido um grande impulso naquela direção a partirdos dados que coletamos. Não exatamente teoria no sentido de

mera especulação, mas os dados empurraram as coisas naquela di­reção. É sobre isso que eu irei falar amanhã e tentarei tomá-Io rele­vante para vocês, é claro.

Rupert Sheldrake: Bem, existem obviamente vários tipos deautoconsciência. Quero dizer um tipo a que as pessoas normalmen­te se referem na linguagem cotidiana quando sentem que todo omupdo está olhando para elas. Elas enrubescem e ficam envergo­nhadas ou constrangi das. Esse tipo de autoconsciência, acho, ba­seia-se em um reflexo da consciência do grupo. Acho que grandeparte de nossa consciência tem que ver com nossas relações com o

grupo social e está localizada na consciência do grupo e porquecada um de nós pertence a um número de grupos diferentes. Nóssomos parte deste grupo, desta conferência agora. Quando formospara casa seremos parte dos nossos grupos familiares e quando es­tivermos em nossos locais de trabalho seremos parte de outros gru­pos. Pertencemos a muitos grupos diferentes e em cada um dessesgrupos temos um papel social diferente ou uma persona social.Cada um desses grupos, a meu ver, tem uma espécie de campomódico. É um campo grupal que está acima do indivíduo dentro dogrupo. Assim, em cada um desses grupos temos um papel e uma re­lação com os demais. Quando passamos de um desses planos so­ciais para outro, acho, então, que temos visões de nós mesmos nes­ses grupos diferentes e isso nos dá uma espécie de autoconsciência,uma consciência de nosso self em um contexto diferente.

Inevitavelmente, passamos de um grupo para outro e acho queparte de nossa autoconsciência surge dessa maneira. Possivel­mente, no entanto, a autoconsciência depende da existência de umgrande número de planos sociais referenciais. Talvez as sociedadesanimais que são mais simples que as nossas tenham menos capaci­dade para esse tipo de papel em grupos múltiplos. Em uma socieda­de de chimpanzés, há uma espécie de subgrupos; mas em uma col­méia grupos diferentes de abelhas executam tarefas diferentes.Mas nenhum deles tem referências grupais múltiplas que se imbri­cam como fazem as nossas. Procuraria parte de nossa autocons­ciência, aliás, muito dela, nesses papéis múltiplos que desempe­nhamos em grupos diferentes, e grupos sociais, mais do que no tipode coisa a que me referi anteriormente.

Quando os filósofos começam a falar sobre autoconsciência éem um nível totalmente abstrato. É nesses casos que eu acho muitodificil acompanhar os argumentos e começo a cochilar. Mas quan­do eu a vejo no contexto de muitos grupos, e muitos termos de re­ferência, e os papéis diferentes que desempenhamos neles, e asmuitas personalidades que cada um de nós tem, porque, realmen­te, nós temos esses contextos sociais diferentes, nos quais nósoperamos, inclusive contextos de nós mesmos, intemalizados.Quando estou escrevendo um livro, quando estou lendo um livro,há uma espécie de comunidade social de pessoas envolvidas atémesmo nessas atividades porque pensamos nos leitores poten­ciais, pensamos sobre outras pessoas que já leram o livro. Exis-

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tem ainda comunidades mais abstratas ou virtuais. Mas eu procura­ria grande parte da resposta para a pergunta sobre autoconsciêncianesses muitos papéis e referências.

Stanislav Grof: Eu abordarei o assunto de um ângulo diferen­te, elaborando sobre aquilo que já foi dito antes. Uma perguntamuito interessante emerge nas pessoas que têm alguns estados nãoordinários muito poderosos, particularmente experiências de suaprópria divindade. Se isso é verdade, que nossa identidade é conec­tada com tudo que existe, nós somos uma espécie de campo total deexistência. Por que optamos por isso? Em outras palavras, o queAlan Watts chamou de tabu contra saber quem somos. Que nosidentificamos com aquilo que é chamado de Namarupa em sâns­crito que é o nome e a forma. Se somos esse incrível e infinito ser,todos nós, no final das contas, então, é uma coisa misteriosa. Porque nós extraímos com tanto esforço, um certo aspecto desse teci­do da existência espacialmente, limitando-o ao corpo e depois his­toricamente a nossas memórias desse momento específico da vida,chamando apenas uma vida de nossa vida, em vez de estar em co­nexão com todas as vidas.

A melhor resposta que já ouvi foi de um homem em Baltimorecom quem eu estava trabalhando que, de alguma forma, considera­va a existência como Li/a - como ojogo divino. Ele estava pergun­tando por que seria que nós optamos por essa vida, e ele disse bem,posso ver que o princípio criativo se prende na armadilha de suaprópria perfeição. Se a tarefa do processo criativo é criar uma có­pia verossímil do mundo material onde há entidades separadas eum mundo que tem características newtonianas, quanto melhorisso for feito, tão mais verossímil ele será. Se vamos ver um filmebem feito, ficamos presos nele e temos uma reação muito fortea ele. Já vi pessoas que tiveram que sair correndo do cinema ouiriam começar a vomitar, em filmes como o Exorcista, e outrosmais. Portanto, se alguma coisa é realmente bem feita ela se apro­xima da realidade. A idéia seria que esse jogo cósmico é executadocom tal perfeição que as unidades divididas da consciência ficampresas nele. Que ele se torna totalmente verossímil. O homem disse

que ele achava que uma invenção particularmente engenhosa dessejogo no plano cósmico era a introdução do trivial, do banal e do

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feio. Ele disse que nós todos éramos esses seres etéreos flutuandono ar e absorvendo a energia do sol e olharíamos para a direita e láestá o grande cânion, e à nossa frente o pôr-do-sol sobre o Pacíficoe há auroras boreais e olhamos para cima e lá estão as estrelas, e amúsica de Beethoven está tocando, e há esculturas de Michelange­10 a nossa volta. Seria por demais óbvio se isso fosse uma esfera di­vina. Então estávamos em Baltimore que é uma cidade muito feia eele disse, olha só o que acontece. Olha esses quilômetros de casasfeias, vermelhas e pretas e as pessoas que vivem vidas ordinárias.Todas essas funções físicas, arrotando, vomitando, soltando gases,os lavatórios com grafite, os lixões, etc. A perfeição divina é dadasó em pequenas doses aqui e ali para que, em sua totalidade, sejaverossímil que isso é apenas uma realidade comum.

Uma das tarefas principais na viagem espiritual é ser capaz dedescobrir o divino naquilo que há de mais baixo, no mais comum. Émuito fácil e rápido vê-lo no eclipse solar. A outra coisa que ele dis­se que também está embutida no jogo cósmico - são rotas de escapeonde podemos sentir a dissolução dos limites. Vivenciamos a nósmesmos como outras pessoas, como animais e seres arquetípicos epodemos voltar para nossa verdadeira identidade. Mas essas rotas deescape não são fáceis. As pessoas que tinham experiências místicasna Idade Média tiveram que enfrentar a Inquisição, muitas delas fo­ram torturadas, mortas, queimadas. Hoje temos comas de insulina,choques elétricos e diagnósticos. Quando surgiram os psicodélicos,eram um meio relativamente fácil de olhar esse jogo cósmico, antesde sabermos que havia uma ameaça de dano cromossomial, e de sequestionar a qualidade da substância que passou a ser ilegal e a serutilizada de uma maneira descuidada e irresponsável. Desse modoisso apenas faz o enredo mais interessante, não oferece uma saídamuito fácil. Assim, ele viu tudo isso, mais ou menos entre a perfei­ção com a qual o jogo divino é executado, e as dificuldades associ­adas com essas diferentes rotas de escape que nos prendem nacrença de que somos apenas egos encapsulados na pele. Não é im­possível nos libertarmos disso, mas tampouco é fácil.

Karl Pribram: Posso dar uma palavra aqui, algo que venhoquerendo dizer sobre Stan. Todos vocês sabem que ele vem da Re­pública Tcheca e tem um temperamento eslovaco que combina

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com esse mundo totalmente depressivo em que ele vive. Eu vi issocom freqüência em Praga, à medida que as pessoas vão ficandomais velhas ficam cada vez mais assim. Por isso eu só queria dizerque Einstein tinha uma visão um pouco diferente, achando que aciência tinha beleza, buscando as equações belas, e tudo o mais.Existem outros temperamentos. Não temos que nos afundar tãoprofundamente no lixo e no esgoto.

Amit Goswami: Talvez eu possa dar uma perspectiva integra­dora de tudo isso. Antes de tudo, a autoconsciência, como expli­quei anteriormente parece realmente surgir da memória cerebralmas essa não precisa ser necessariamente a memória gravada deKarl. Poderia também ser a memória holográfica. Tomemos, porexemplo, a memória clássica; ela é clássica, essa é a questão. De­pois há esse condicionamento que é nossa modificação da probabi­lidade que é explicitamente quântica. Você está totalmente certoquando diz que ainda não sabemos os mecanismos de tudo isso de­talhadamente; temos apenas o mecanismo básico. Em termos dasmodificações da mecânica quântica, podemos provar apenas ocaso básico. Ninguém sabe a equação de Schrodinger do cérebro; enenhum detalhe é conhecido no momento. Mas isso é apenas umaparte. Portanto a autoconsciência é produzida por dois tipos decondições, a história e, é claro, os padrões habituais das condiçõesquânticas. Portanto, isso é fácil.

Duas perguntas são interessantes. Uma é esse agrupamentoque Rupert está mencionando, não-local e coletivo, isso também éinteressante. A consciência por definição, acho que é uma coisaque surgiu desta conferência desde o começo. Rupert deu o tom. Aconsciência é maior que o indivíduo. Portanto há esse aspectonão-local, claramente. Portanto é ao aspecto não-local que quere­mos ganhar mais acesso. E aí é que está a alegria, é aí onde está o vi­ver, é aí que está a comunidade, é aí que a consciência está - porqueo prefixo com, como vocês sabem, é mesmo "com" - de comuni­dade, é a mesma raiz etimológica. Isso é que é gozado.

A individualidade não é divertida e a prova disso é que os psi­cólogos estão notando cada vez mais que as pessoas estão infelizesporque estão solitárias. Quando a solidão acaba, deixamos de estarinfelizes. Édificil estar infeliz quando não estamos sozinhos - fica-

mos felizes. Portanto a solidão é a pior infelicidade, a solidão, a se­paração. Em outras palavras, a totalidade desaparece completa­mente e eu sou identificado completamente em minha individuali­dade - isso é solidão. Essa é a separação máxima. Portanto há a se­paração e há a totalidade que é única. Essa é a única consciênciaque é a unidade, e depois há essa jornada da qual já falamos. Sevocê definir essa jornada como umajornada criativa então fica cla­ro - porque os dois. Por causa da natureza da criatividade. A criati­vidade - Rollo May expressou isso maravilhosamente - é um en­contro, um encontro entre o ego e aquilo que eu chamo de selfquântico e que as tradições chamam de Atman, espírito santo, selftranspessoal, consciência cósmica, seja lá como for que nos ex­pressemos. Mas esse selfinterior, esse selfmaior, esse selfgrupal,esse self que une e o ego do indivíduo, ambos são essenciais nojogo criativo. Ora, por que ambos são essenciais?

O self quântico, o único, traz alegria, trás a capacidade para aliberdade de escolha para que possamos escolher o novo, para quepossamos criar o novo, que é o jogo. O jogo, vocês se lembram da­quilo que Stan disse antes, é buscar a consciência, é vê-Ia separadade si mesma em manifestação, não em possibilidade. Se a cons­ciência se satisfizesse com possibilidade, as possibilidades nuncase manifestariam e a dinâmica quântica não seria necessária. Mas omundo foi construído dessa maneira porque a consciência quer sever separada de si mesma. Mas quão separada, essa é a questão queestá em debate. Obviamente, se ela está totalmente separada, nósnão podemos criar nada. Nesse caso estamos solitários e não pode­mos criar, então temos que estar menos separados do que isso. Te­mos que ter alguma liberdade. Alguns experimentos realizados porBenjamin Libet mostraram que nós retemos alguma liberdade; eessa liberdade é a liberdade elementar da capacidade de dizer nãoao condicionamento. Isso é o que começamos a discernir quandofazemos ioga. Discernimos muito rapidamente que temos a capaci­dade de dizer não e ponto final.

Carl Rogers costumava dizer que tudo que podemos fazer parater criatividade é ter uma mente aberta. É tudo o que podemos fa­zer. O indivíduo está imobilizado. A pessoa limitada realmente nãotem mais nada a fazer. Nós chamamos de criatividade os próxi­mos estágios do processamento consciente, enquanto não fazemosnada. Portanto a criatividade, dizemos, é como o jingle de Frank

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Sinatra, do be do be do. Vocêfaz e é alternativamente. Quando issoocorre, então reconhecemos que, quando nos alternamos dessa for­ma, já estamos criando o encontro, porque aofazer nós estamos noego e no indivíduo e no separado. Sendo, somos um; somos uniti­vos, não somos separados. Portanto, se reconhecemos essa dinâmi­ca fundamental da criatividade, começamos a ver porque ambossão necessários. O ego nos dá o ponto de referência. O ego nos dá acapacidade algorítmica, o ego nos dá a capacidade de raciocinar, oego nos dá a capacidade de nos manifestar, de aparecer, e a auto­consciência quântica a capacidade de saltar - um salto quântico, acapacidade de ter a liberdade de escolha completa. Isso é que fazcom que este lugar seja tão interessante.

Agora, a outra questão, realmente é muito importante reconhe­cer, e não quero atacar sua história desenvolvimentista necessaria­mente, mas acho que não é necessário levar esse homem de Balti­more muito a sério, porque minha própria experiência me diz ocontrário. Em 1973 eu era um fisico, tinha que ir a conferências defisica e elas eram extremamente competitivas. Lembro que fui auma conferência em 1973, em um lugar muito bonito chamadoAsilomar. É provável que muitos de vocês já tenham ido aos Esta­dos Unidos e conheçam esse lugar maravilhoso na Califórnia, per­to do mar. É lindo. E o dia inteiro, o que é que eu tentava fazer? Eutentava jogar o jogo que na América chama-se de one up man ship,ou seja, de como ser melhor que os outros. Não sei se vocês jogamesse jogo em Portugal, mas provavelmente vocês conhecem pes­soas que jogam. Portanto eu jogava esse jogo o dia todo, cheio deinveja, muito insatisfeito e muito separado. Muito separado e mui­to infeliz. Então, de noite, lá pela uma hora da manhã, eu tinha be­bido bastante e ainda estava me sentindo sozinho e muito separado.Então saí. A brisa do mar vinha na minha direção, olhei o céu, e derepente uma pergunta gigantesca surgiu, do fundo do meu coração.E a pergunta era: por que vivo assim? Por que vivo assim? E essapergunta mudou minha vida.

O que eu descobri após uma investigação que envolveu ioga,meditação, fisica quântica e muita coisa do tipo nova era ocidental,foi que tudo isso junto eventualmente começou a me conduzir paraestados de consciência cada vez mais felizes. Então minha própriaexperiência foi que esses estados de consciência mais felizes, doser mais feliz são realmente mais felizes. Não sinto falta da violên-

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cia, não sinto falta da necessidade de ser sempre melhor que os ou­tros, não sinto falta da competição. Realmente vivo em meu mundocom harmonia e felicidade; e realmente funciona. Não temos quesentir o cheiro do lixo. Isso é o que os místicos como Shaurabinda es­tão mostrando. O próximo estágio da evolução humana provavel­mente não terá todo esse trabalho que Carl Jung identificou como"arte da sombra", os arquétipos maus, como são chamados. Nós ostranscenderemos; em outras palavras, já fizemos o trabalho que eranecessário para poder ficar sem eles. Depois iremos para o próximonÍvel- e acredite em mim - a criatividade ainda existe. A criativida­de existe mesmo sem o desespero. Não precisamos ser existencialis­tas para escrever bons romances e boa poesia. É verdade, a criaçãotambém pode surgir da felicidade. Não precisamos da infelicidadepara viver no mundo. Portanto, essa é minha visão da evolução hu­mana. Estamos indo na direção de mais e mais felicidade.

Stanislav Grof: Vejo que vocês não entenderam muito bem oexemplo do homem de Baltimore. Longe de mim recomendar quenós devêssemos ter um mundo como aquele; mas o fato é que o te­mos. Por um lado, ele contribui, de alguma maneira, para a possibili­dade de ver nada mais que o mundo material, e o fato de que estamosalienados da dimensão espiritual também contribui para fazer omundo assim. O que quero dizer é que se estivéssemos conscientesde nossa divindade e da divindade de tudo, provavelmente limparía­mos o meio ambiente. Construiríamos casas melhores. Teríamosmuita conexão com a natureza e assim por diante. Portanto, eu vejoque há um círculo vicioso. Não é uma recomendação que é necessá­ria. (Pribram: Eu expliquei justamente isso.) Eu sei, mas certamenteespero que à medida que fiquemos mais conscientes, uma das coi­sas que faremos será transformar o ambiente em que vivemos.

Benny Shanon: Antes de chegarmos à última pergunta - mui­to rápida - eu queria fazer dois comentários sobre o que Stan e Ru­pert disseram. A descrição do filme me fez lembrar de uma passa­gem no Upanishad, que, realmente, essa existência inteira é sonhodo divino. À medida que o sonho ia progredindo ficava tão maravi­lhoso que o divino começou a acreditar que era tudo verdade. Eportanto é verdade.

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Page 147: Francisco Di Biase a Revolução Da Consciência

E para Rupert existem realmente alguns psicólogos que afir­mam que a consciência, a autoconsciência, ou a minha consciênciade mim mesmo é dependente da minha consciência do outro. Pri­meiro há a consciência do outro, depois há a autoconsciência. Apessoa que mais elaborou sobre esse tema foi um psicólogo sovié­tico, Vygotsky; mas existem outros psicólogos desenvolvimentis­tas que se aprofundaram nesse assunto.

A última pergunta - com ela terminamos - exige apenas umabreve resposta de cada participante. Se você tivesse um bom aluno,um bom aluno de graduação que viesse até você e perguntasse:Estou interessado em consciência, qual seria o melhor assunto ouos melhores assuntos para eu estudar no momento? Então, apenasuma volta rápida ao redor da mesa e terminaremos com esse tema.

Karl, por favor.

4. Conselhos sobre boas questões acerca da consciência

Karl Pribram: Estude bioquímica.

Rupert Sheldrake: Bem, eu lhe daria um livro inteiro de seteexperimentos e ainda tenho mais. Precisaria muitos universitários.Acho que há uma série de assuntos que podemos abordar de umaforma bastante prática como eu estava tentando explicar ontem etodos eles no final das contas estão destinados a nos dar uma maior

compreensão da consciência.

Benny Shanon: Eu sou o próximo. Eu diria: 1) não estude océrebro, mas 2) estude aquilo que chamo de coreografia da cons­ciência, como Amit disse em seu último comentário. O movimentoentre consciência e autoconsciência e de volta à consciência é mui­to sutil. A separação e o retorno, mesmo em estados normais daconsciência. A experiência pode ser, por um lado, muito, muito in­tensa e, por outro, muito sutil. E como você navega entre todos es­ses territórios diferentes da consciência. Acho que primeiro é umadança maravilhosa, e segundo, é uma questão científica muito boa.

294

Karl Pribram: A resposta a sua pergunta é fazê-Io através doestudo do cérebro.

Stanislav Grof: Na verdade, vários alunos, ou pessoas de ummodo geral, que querem estudar a consciência vêm me procurar.Tenho que dizer algo diferente. Tenho que dizer que no tipo de tra­balho que estou fazendo, na psiquiatria, na verdade estou usandomuito pouco dos meus estudos de medicina, muito pouco dos meusestudos de psiquiatria. Estou usando muito mais o que aprendi napsicologia junguiana. E acho, por exemplo, a mitologia e a com­preensão dos arquétipos muito mais útil do que qualquer coisa queaprendi na faculdade de medicina. Quando sabemos que estamostrabalhando com pessoas que são razoavelmente saudáveis, então,no processo seguinte vejo muito pouca medicina e certamente nãomuita psiquiatria no sentido tradicional da palavra.

Já fiz isso com algumas pessoas. Temos escolas transpessoais.Temos várias escolas na Califórnia onde você pode conseguir ummestrado ou um doutorado em psicologia transpessoal. Portanto,pode-se estudar bem especificamente esse tipo de disciplina.

Benny Shanon: Terminamos com um homem feliz.

Amit Goswami: Bom, do ponto de vista da felicidade, a únicacoisa que pode ser dita é o conselho que já dou a meus alunos. Te­nho me esforçado bastante, e espero que todos vocês possam, juntocomigo, estabelecer um programa de estudos da consciência nomundo inteiro que vá investigar as várias avenidas dos estudos daconsciência. Essa conferência está ficando bem clara, mas é muito

clara se a pessoa tiver uma mente aberta e quiser investigar a cons­ciência, a consciência que tem muitas dimensões diferentes. Di­mensões da psique, dimensões que já discutimos, é claro, a parte fi­sica, o cérebro, neurofisiologia, o aspecto do contentamento e tam­bém da totalidade.

E como fazemos isso? Combinando temas acadêmicos, com­binando ciências "duras" como a biologia, a neurofisiologia e a fi­sica quântica. Mas também combinando isso tudo com o estudo docorpo vital, das energias vitais, combinadas com o estudo da criati-

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Page 148: Francisco Di Biase a Revolução Da Consciência

vidade mental e intelectual, combinadas com o estudo da psicolo­gia transpessoal. Porque é lá que podemos estudar os meios essen­ciais para acabar com essa separação entre o ego e o self quântico.Na cura da mente e do corpo, as energias vitais tomam-se impor­tantes uma vez mais. Portanto todos esses componentes têm queser incluídos, mas eles também precisam ser suplementados, com­plementados com a verdadeira prática. Porque os estudos da cons­ciência sem a transformação do que a estuda, como já examinamosaqui repetidamente, realmente não têm muito sentido.

296

"Indice

Sumário, 5

Apresentação - Ciência e consciência na Era da Informação(Francisco Di Biase), 7

Parte I - Neurobiologia, 11

1. O primado da experiência consciente (Karl H. Pribram), 13

Resumo, 13

1. Uma história sinótica da dualidade mente/cérebro, 13

2. Entra a ciência do cérebro, 14

3. O Hard Problem (problema dificil), 16

4. A dualidade na experiência subjetiva, 17

Referências bibliográficas, 23

Parte II - Filosofia da mente, 25

2. Consciência, uma definição radical: o dualismo dasubstância soluciona o Hard Problem (Richard L.Amoroso), 27

Resumo, 27

Introdução, 28

1. Os problemas da ciência, 31

2. O dualismo da substância - Interacionismo, 33

3. O enigma da atual nomenclatura, 35

4. A complementaridade da consciência, 35

297

Page 149: Francisco Di Biase a Revolução Da Consciência

5. Inteligência elementar, 38

6. A consciência é um princípio universal, 40

7. A consciência tem qualidades substantivas, 41

8. A sutileza do cérebro, 42

9. Um modelo para reflexão, 44

Conclusão, 46

Referências bibliográficas, 47

3. Princípios fundamentais gerais na Filosofia da Ciência(Mihai Drãgãnescu e Menas Kafatos), 50

Resumo, 50

Introdução, 50

1. Princípios fundamentais e teorias fisicas, 52

2. Princípios relacionados com a existência total, 54

2.1. Complementaridade, 55

2.2. A natureza da existência, 56

2.3. Leis semânticas e as tendências do vir a ser, 58

2.4. Auto-organização, 59

2.5. A consciência fundamental da existência, 63

3. A natureza da realidade subjacente profunda, 65

4. O universo, 66

Conclusão, 69

Referências bibliográficas, 70

Parte 11I- Física Quântica e Cosmologia, 73

4. Simetria: A Teoria do Tudo (Andrew Lohrey), 75

Resumo, 75

Introdução, 75

1. Reducionismo, 76

2. Rede, 78

2.1. Bohm, 79

3. Ciência e religião, 80

298

4. As ordens implícita e explícita, 80

5. Outras implicações, 82

6. Simetria, 83

7. Características universais, 85

8. Onipresença, 88

9. Transcendência e imanência, 89

10. Significado e consciência, 93

11. Uma ciência da simetria, 98

Referências bibliográficas, 100

5. A ciência na consciência: um novo paralelismoquântico-psicofisico (Amit Goswami), 101

Resumo, 101

Introdução, 101

1. A nova biologia, 105

2. A nova biologia e a compreensão dos chacras, 107

3. A Psicologia das Emoções, 107

4. A integração das medicinas oriental e ocidental, 111

Referências bibliográficas, 112

Parte IV - Psicologia Transpessoal, Cognitiva e Parapsicologia, 115

6. O futuro da psiquiatria e da psicologia: desafiosconceituais da pesquisa clínica da consciência (StanislavGraft), 117

Resumo, 117

Introdução, 117

1. Experiências holotrópicas e seu potencial heurístico ede cura, 119

2. Nova compreensão e cartografia da psique humana, 124

3. Biografia pós-natal e o inconsciente individual, 125

4. O nível perinatal da psique, 128

4.1. Primeira Matriz Perinatal Básica (MPB I), 132

4.2. Segunda Matriz Perinatal Básica (MPB 11), 133

299

Page 150: Francisco Di Biase a Revolução Da Consciência

300

4.3. Terceira Matriz Perinatal Básica (MPB III), 134

4.4. Quarta Matriz Perinatal Básica (MPB IV), 135

5. O domínio transpessoal da psique, 138

6. A natureza e a arquitetura das doenças emocionais epsicossomáticas, 144

7. Mecanismos terapêuticos e o processo de cura, 146

8. A estratégia da psicoterapia e a auto-exploração, 148

9. O papel da espiritualidade na vida humana, 149

10. A natureza da realidade, 151

Conclusões, 155

Referências bibliográficas, 156

7. A mente ampliada (Rupert Sheldrake), 159

Resumo, 159

Referências bibliográficas, 195

8. Ayahuasca, mente e consciência (Benny Shanon), 196Resumo, 196

1. A ayahuasca e sua investigação científica, 196

2. Rumo a um estudo cognitivo-psicológico daexperiência com a ayahuasca, 202

3. Possíveis contribuições da ayahuasca para o estudo damente, 205

4. A consciência: uma perspectiva fenomenológica, 208

5. Padrões incomuns da consciência descobertos com aayahuasca, 210

5.1. Mediação, 210

5.2. Identidade pessoal, 210

5.3. Unidade, 212

5.4. Limites e não diferenciação de estados, 212

5.5. Não individuação do self, 212

5.6. Calibração, 213

5.7. O [ocus da consciência, 214

5.8. Tempo, 214

Comentários finais, 215

Referências bibliográficas, 217

Parte V - Inteligência Artificial, Redes Neurais e Ciência daComputação, 221

9. Computação Quântica Evolucionária: seu papel nocérebro, sua realização como hardware eletrônico e suasimplicações para a Teoria Pampsíquica da Consciência(Ben Goertzel), 223

Resumo, 223

Introdução, 224

1. Darwinismo Neurológico e Computação QuânticaEvolucionária Cerebral, 227

2. Design para um computador quântico evolucionário, 230

3. Por que os humanos são tão profundamenteconscientes?, 236

Conclusão, 241

Referências bibliográficas, 242

Parte VI - Informação e Teoria dos Sistemas, 245

10. Informação, auto-organização e consciência - Rumo a umateoria holoinformacional da consciência (Francisco DiBiase, Albert Schweitzer e Mário Sérgio F. Rocha), 247

Resumo, 247

Introdução, 248

1. Auto-organização e informação, 250

2. Consciência, auto-organização e informação, 252

3. Natureza, informação e consciência, 254

4. Consciência e não-localidade, 256

5. Rumo a uma teoria holoinformacional da consciência, 258

6. Consciência e a mente humana, 260

Considerações finais, 263

Referências bibliográficas, 264

301

Page 151: Francisco Di Biase a Revolução Da Consciência

Parte VII - Fórum de debates, 269

11. A ciência e o primado da consciência (Karl Pribram,Rupert She1drake, Stanislav Grof e Amit Goswami ­Moderador: Benny Shanon), 271

1. O que é consciência, 271

2. Por que temos consciência, 277

3. Comentários sobre autoconsciência, 285

4. Conselhos sobre questões importantes daconsciência, 294

302

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