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  • FUNDAMENTOS FILOSFICOS

    DO PENSAMENTO MODERNO

  • SUMRIO DA DISCIPLINA

    Plano da Disciplina ................................................................................................................................... 126

    UNIDADE I

    A ORIGEM DA FILOSOFIA

    Texto 1: Mito e fi losofi a ............................................................................................................................ 128Texto 2: Philo sophia: o signifi cado da refl exo fi losfi ca ........................................................................ 128Texto 3: Physis e nomos: leis naturais e leis humanas ............................................................................... 132Texto 4: Perodos da fi losofi a: cronologia e representao ...................................................................... 134

    UNIDADE II

    A METAFSICA

    Texto 5: O signifi cado da metafsica ........................................................................................................ 138Texto 6: A metafsica de Plato ................................................................................................................ 138Texto 7: A metafsica e a lgica de Aristteles ......................................................................................... 139Texto 8: As tradies metafsicas e o cristianismo ...................................................................................140

    UNIDADE III

    O ADVENTO DA FILOSOFIA MODERNA

    Texto 9: Descartes e a fi losofi a do cogito ................................................................................................. 142Texto 10: A separao entre fi losofi a e cincia ......................................................................................... 144Texto 11: A fabricao da natureza: a physis tal qual o nomos ................................................................. 145

    Glossrio .................................................................................................................................................. 147

    Referncias bibliogrfi cas ........................................................................................................................ 148

  • 126

    Quadro-resumo da unidade

    Assuntos Onde Encontrar Atividades complementares

    Texto 1: Mito e fi losofi a Pgina 128Filmes Indicados Scrates (1971).Obs.: Atentar para a histria de vida de Scrates, a qual se confunde com a encarnao da atividade de pensar.O advogado do diabo (1997).Obs.: Atentar para a defesa do professor feita pelo advogado logo no incio do fi lme. Compar-la com o discurso sofstico.Tria (2004).Obs.: Atentar para a importncia da honra nessa sociedade e para a narrativa sobre os mitos gregos.

    Texto 2: Philo sophia: o signifi ca-do da refl exo fi losfi ca Pgina 128

    Texto 3: Physis e nomos: leis natu-rais e leis humanas Pgina 132

    Texto 4: Perodos da fi losofi a: cro-nologia e representao Pgina 134

    Plano da Disciplina

    Carga Horria Total: 30h/atividadesCrditos: 02

    Relevncia da Disciplina

    A fi losofi a nos permite compreender a estrutura do pensamento moderno que entende as coisas a partir da uti-lidade que elas possam ter e do progresso que elas possam ocasionar. O que no pode cair em esquecimento e pode ser estudado pela fi losofi a que a pergunta pela utilidade j marca a estrutura do pensamento moderno que se cristaliza na prpria universidade, assim como todo o nosso fabricar, seja na educao, na sociedade, nas relaes afetivas, seja no prprio fenmeno da vida. Enfi m, estudar a estrutura do pensamento moderno a partir da fi losofi a se justifi ca pela oportunidade de compreendermos o que ns, operadores da cincia moderna, estamos fazendo.

    Objetivo da Disciplina

    Discutir acerca da estrutura e da formao do pensamento moderno marcado pela compreenso de que tanto os fenmenos sociais quanto o fenmeno da vida podem ser objeto da fabricao humana. Isso ser realizado por meio do estudo dos diferentes perodos histricos da fi losofi a, considerando alguns de seus principais re-presentantes.

    Unidade I: A Origem da Filosofia

    Tempo estimado de autoestudo nesta unidade: 10h/atividades

    Objetivos: Compreender o surgimento da fi losofi a em ruptura com a mitologia, a dinmica da refl exo fi lo-sfi ca, os objetos de estudo dos pr-socrticos e dos sofi stas e reconhecer os perodos histricos da fi losofi a e seus principais representantes.

  • 127Unidade II: A Metafsica

    Tempo estimado de autoestudo nesta unidade: 10h/atividades

    Objetivos: Compreender o signifi cado da metafsica e como ela foi pensada por Plato, Aristteles e a tradi-o crist.

    Quadro-resumo da unidade

    Assuntos Onde Encontrar Atividades Complementares

    Texto 5: O signifi cado da metaf-sica Pgina 138

    Filmes Indicados Show de Truman o show da vida (1998).Obs.: Faa uma leitura do texto Alegoria da Ca-verna, de Plato, e compare-o com o fi lme citado.Alexandre (2004).Obs.: Atentar para a presena de Aristteles como preceptor de Alexandre.O Incrvel Exrcito de Brancaleone (1965).Obs.: Atentar para a constituio dos feudos e a legitimao religiosa das diferenas entre os ho-mens.O nome da Rosa (1986).Obs.: Atentar para a constituio dos feudos e a legitimao religiosa das diferenas entre os ho-mens.

    Texto 6: A metafsica de Plato Pgina 138

    Texto 7: A metafsica e a lgica de Aristteles Pgina 139

    Texto 8: As tradies metafsicas e o cristianismo Pgina 140

    Unidade III: O Advento da Filosofia Moderna

    Tempo estimado de autoestudo nesta unidade: 10h/atividades

    Objetivos: Compreender como se forja o pensamento moderno em ruptura com a tradio fi losfi ca clssica; questionar se, a partir de Descartes, iniciamos um processo de ausncia de distino entre physis e nomos no limiar da capacidade da cincia moderna em, de alguma forma, fabricar a natureza.

    Quadro-resumo da unidade

    Assuntos Onde Encontrar Atividades ComplementaresTexto 9: Descartes e a fi losofi a do cogito Pgina 142

    Filmes Indicados Gattaca a experincia gentica (1997).Matrix (1999). Blade Runner (1992).Obs.: Os trs fi lmes se referem ao poder da tecno-logia modifi cando a natureza.

    Texto 10: A separao entre fi loso-fi a e cincia Pgina 144

    Texto 11: A fabricao da nature-za: a physis tal qual o nomos Pgina 145

  • 128

    Indagar sobre a origem do mundo e sobre o signifi -cado das coisas que existem sempre foi uma tarefa do homem. Hoje em dia, remetemos esse tipo de interro-gao cincia por meio de livros, bibliotecas, salas de aula. No entanto, ns, homens, j remetemos essas mesmas interrogaes aos deuses. Quem eram esses deuses? Como e onde eles existiam?

    Palavras-chave: mito; fi losofi a; pensamento.

    na Grcia que encontramos os deuses que marca-ram a histria da civilizao ocidental. Esses deuses, que eram responsveis pelo destino, fortuna e des-ventura dos homens, existiam na crena que possu-amos neles e se fortaleciam entre ns por meio do mito. A palavra mito se traduz para o portugus como narrar, contar, anunciar e, portanto, os deuses, de al-guma forma, se materializam atravs das narrativas feitas acerca deles e de suas determinaes, as quais forneciam as respostas e as explicaes que busc-vamos sobre, por exemplo, como o universo passou a existir, sobre o que a justia ou sobre o que o amor (CHAU, 1998).

    A crena neles era transmitida de gerao a gerao por meio da narrativa que chegava at os homens tra-zida pelo poeta rapsodo. Esse poeta era algum que narrava algo que testemunhou ou lhe foi revelado pe-los deuses ao permitirem que ele visse a origem de todas as coisas e de todos os seres para que pudesse transmitir a verdade aos ouvintes. Sua palavra era do-

    UNIDADE I

    A ORIGEM DA FILOSOFIAA ORIGEM DA FILOSOFIA

    Texto 1Texto 1: Mito e Filosofia

    tada de autoridade, pois o poeta rapsodo era um eleito dos deuses (Ibid.).

    No entanto, algumas descobertas e invenes rea-lizadas pelos homens fi zeram com que percebessem que verdades antes reveladas pelos deuses se torna-vam questionveis. Por exemplo, com as descobertas martimas, foi possvel constatar que onde os deuses diziam haver monstros e seres fabulosos moravam seres humanos como quaisquer outros. Assim, a ver-dade revelada comea a ser substituda pelas explica-es fornecidas ao homem pelo prprio homem. Por outro lado, a inveno da poltica props que todos eram capazes de discutir ideias e solues para a vida social. Mas, para propor e discutir, era preciso exer-citar a atividade de pensar, era preciso produzir res-postas por meio do pensamento, ou seja, as respostas e explicaes para as indagaes humanas passaram a ser produzidas pelos prprios homens (Ibid.).

    A poltica valorizou a discusso, a persuaso e a deciso racional, criando condies para o surgimen-to da fi losofi a. Ou seja, a capacidade de explicar o mundo e as coisas que existem no mundo passou a ser feita com o uso da razo e no mais por meio dos deuses. Dessa forma, surge a fi losofi a na Grcia entre os sculos VII e VI a. C. (Ibid.).

    Podemos afi rmar que o nascimento da fi losofi a mar-ca uma ruptura com a mitologia e que, nessa ruptura, homens e deuses se abandonaram. Mas como pode-mos defi nir e entender o que seja fi losofi a?

    Texto 2Texto 2: Philo sophia: o Significado da Reflexo Filosfica

    A fi m de conhecer o que seja fi losofi a, iniciaremos nossa discusso considerando o signifi cado etimo-lgico da palavra. Assim, fi losofi a signifi ca amor ao saber, uma vez que philos origina philo e quer dizer amizade ou amor, e sophia signifi ca saber. Assim, se philo-sophia (fi losofi a) o amor ao saber, aquele que exercita a fi losofi a, ou seja, o fi lsofo, no um s-bio e sequer um detentor da sabedoria, mas sim um amante do saber.

    Palavras-chave: fi losofi a; pensamento; refl exo.

    Mas o que compreendemos acerca da fi losofi a e do fi lsofo se apenas mencionamos para defi ni-los pala-vras to pouco concretas como amor e amante? Para responder a essa interrogao inicial, examinemos o contedo da palavra amor.

    Em primeiro lugar, preciso esclarecer que foram os gregos, entre os sculos VII e VI a. C., que for-maram a palavra fi losofi a e, portanto, amor deve ser compreendido no sentido grego e no no sentido cris-to, como conhecemos atualmente em nossa cultura.

  • 129O amor, como Eros, signifi ca, antes de tudo, uma falta, refere-se a uma ausncia, o desejo daquilo que no se tem e que no est presente. Os fi lsofos amam e desejam a sabedoria e comeam a fi losofar exatamente porque no so sbios. Portanto, fi losofar uma forma de tornar presente aquilo que est fal-tando, est ausente. Para tornar presente aquilo que o fi lsofo reconhece que no possui (a sabedoria a respeito de algo) ele comea a falar e a pensar sobre o que lhe falta. Comparativamente, sabemos que esse tambm o recurso daquele que ama algum: quanto mais o amante fala sobre seu amado mais este aparen-ta se tornar presente.

    importante considerarmos que o amor do fi lsofo est sempre ligado ausncia da coisa amada. exa-tamente porque, no sendo sbio, ele deseja o saber; porque no sendo belo, deseja a sabedoria acerca da beleza; porque no sendo corajoso, deseja a sabedo-ria acerca da coragem, enfi m, trata-se de um amor desejante e poderemos compreender melhor isso se formos origem da palavra desejo.

    Podemos pensar a origem da palavra desejo no na Era Clssica (perodo histrico em que surge a fi lo-sofi a), mas j em sua raiz latina e, ainda assim, apro-ximarmo-nos daquilo que nos interessa, ou seja, do amor desejante da fi losofi a.

    Desejo em lngua portuguesa origina-se da palavra latina desiderare. Por sua vez, desiderare origina-se de sideris que quer dizer astro ou estrela. Bem, e qual relao est mantida entre desejo (desiderare) e es-trela (sideris)?

    Na Roma Antiga, os adivinhos analisavam as estre-las para descobrir o que aconteceria no futuro. Por exemplo, um guerreiro prximo a uma batalha recor-ria a um advinho para saber qual seria a sua sorte, se ele seria vencedor ou perdedor. Assim, o advinho, com sua capacidade toda especial, analisava as estre-las e fazia a previso do futuro daquele guerreiro. A esse ato de analisar as estrelas os romanos chamavam considerare, que em portugus originou o verbo con-siderar, avaliar, analisar.

    Mas onde se encontra a origem da palavra desejo que tanto nos interessa? Para os romanos, quando al-gum estava absolutamente sem esperanas quanto a uma situao futura e no tinha nimo sequer para consultar os adivinhos, dizia-se desiderare. Ou seja, para a certeza de que algo no era possvel, que no adiantava qualquer esperana de obt-lo, dizia-se desiderare. E somente dizia essa palavra aquele que tinha a certeza da impossibilidade, a certeza da ausn-cia. Portanto, para ns latinos, a palavra desejo, que origina-se de desiderare, signifi ca tambm certeza da ausncia. No verdade que desejamos exatamente aquilo que sabemos que est ausente?

    Ainda que tenhamos feito referncia etimologia da palavra desejo em latim, seu signifi cado serve muito bem para compreendermos o amor desejante do fi l-sofo, daquele que ama o saber. Ele ama aquilo que tem certeza que est ausente e, embutido dessa certe-za de ausncia, fala e pensa acerca do seu objeto de amor em uma tentativa de torn-lo prximo e presen-te, embora saiba que nunca o possuir plenamente. Neste sentido, a fi losofi a uma busca constante do ausente.

    Bem, se compreendemos que philos-sophia o amor ao saber e que a natureza desse amor desejante inspira o fi lsofo, devemos agora compreender que natureza possui esse saber. Qual a natureza dessa sophia?

    Para responder a essa nova questo, faremos um ca-minho desconstrutivo e conheceremos o signifi cado da nossa sophia pela diferena em relao ao saber que temos familiaridade, ou seja, o saber da cincia e o nosso saber ordinrio que nos orienta na vida co-tidiana.

    Est claro para todos ns que o saber da cincia deve ser seguro e exato. Afi nal, esperamos do mdico exatido em um diagnstico de doena e, mais ain-da, esperamos que a medicina nos oferea o melhor tratamento e a cura da enfermidade. Sabemos tam-bm que as cincias mdicas so objetivas e querem chegar a um resultado em suas pesquisas: o mdico pesquisador entra no laboratrio para descobrir a cura da AIDS, a vacina contra determinada doena etc.

    Ainda no que diz respeito ao saber da cincia, pode-mos dizer que ele demonstrvel e um bom exemplo disso pode ser dado pelo engenheiro, que, ao ser con-vocado para construir uma passarela, demonstra em seus clculos quanto de material de construo ser utilizado, em quais etapas o servio ser feito e quan-do fi car pronto. Neste sentido, o saber da cincia tambm calculativo, ou seja, capaz de avaliar como ser e quando ser o resultado fi nal.

    Nosso saber cotidiano tambm muito semelhante ao da cincia. Por exemplo, calculamos os ingredien-tes de um bolo e como melhor mistur-los; dizemos tal coisa com o objetivo de agradar um amigo; tenta-mos agir com preciso quando dirigimos nosso carro; temos interesse na nova ttica adotada pelo tcnico do nosso time, pois, se a conhecemos, podemos emitir uma opinio a respeito; e h mesmo quem diga que ir ao Maracan ver seu time jogar uma atitude lgica e objetiva, pois serve para sentir emoo.

    muito fcil citar caractersticas do saber tpico da cincia e do saber cotidiano, pois com estes estamos plenamente familiarizados. Mas tudo se torna muito diferente quando se trata do saber da fi losofi a, daque-la nossa sophia, como dissemos anteriormente.

  • 130Como j anunciado, vamos nos aproximar do sa-

    ber fi losfi co por diferena em relao ao saber da cincia e ao saber cotidiano. Mas antes precisamos de uma advertncia, pois essa tarefa que agora espera por ns rdua e se escreve em linhas pouco habitu-ais. No deixemos que a estranheza inicial provocada pelas consideraes que sero feitas se transforme em hostilidade ao que novo e em consequente rejeio. Deixemos cair por terra nossas armas sempre apon-tadas para tudo que est a nossa volta; deixemos de lado, como diz o Cazuza, a velha metralhadora cheia de mgoas. preciso ainda esclarecer que aquele saber da cincia e do cotidiano possui uma natureza diferente do saber da fi losofi a, mas para os trs sabe-res vigora o pensamento. A cincia e o cotidiano (que ser chamado daqui para frente de senso comum) possuem o pensamento dotado daquelas caractersti-cas que mencionamos anteriormente e podemos dizer que ambos se ocupam em conhecer para mais tarde empregar esse conhecimento.

    Com a fi losofi a, j dissemos, diferente. O pensa-mento na fi losofi a se preocupa com o signifi cado que as coisas tm e no como elas podem ser utilizadas. O saber fi losfi co de outra natureza e, portanto, possui outras caractersticas. Para a fi losofi a, o pensamento assume outra feio. Na fi losofi a, no mais para fa-zer diagnsticos que pensamos; no para construir passarelas e nem opinar sobre uma nova ttica que exercemos a atividade de pensar. Na fi losofi a, tanto o saber quanto o pensamento que busca esse saber se apresentam em uma forma diferente daquela em que se apresentam o saber e o pensamento da cincia e do senso comum. Para que possamos nos aproximar da natureza desse saber que vigora na fi losofi a, elegemos trs instncias, as quais foram denominadas: origem, caminho e lugar.

    A ORIGEM

    A origem da fi losofi a, e portanto do pensamento fi -losfi co, sempre dada por uma interrogao. Essa mesma interrogao nasce do espanto que os gregos denominavam thauma. Trata-se de um espanto dife-rente daquele que sentimos quando assistimos a um fi lme de terror. um espanto admirativo em que per-manecemos perplexos e sem saber o que dizer acerca daquilo que nos espantou. Exatamente porque no sa-bemos o que dizer que comeamos a interrogar e neste sentido que o incio do pensamento dado por uma interrogao. Notem que no estamos falando em origem como datado que possua dia, ms e ano. O pensamento atemporal e inaugura-se no mundo, potencialmente, com o nascimento de todo e qualquer homem. Podemos ainda dizer que a interrogao fa-vorece o pensamento, pois ela que o desencadeia.

    Uma vez que a interrogao surja, o que fazemos com ela? Bem, poderemos lhe dar um tratamento fi -

    losfi co e assim mant-la em seu vigor interrogativo, dando continuidade ao pensamento. Mas podemos tambm sufoc-la, conferindo-lhe uma resposta ime-diata e, assim, matar o pensamento. Podemos dar um exemplo simples, porm signifi cativo: quando per-guntamos a algum que horas so? e este algum responde, no temos mais o que interrogar e neste sentido dizemos que a prpria interrogao est mor-ta, ou seja, que perdeu o seu apelo interrogativo, pois foi sufocada pela resposta e no h mais nada que se pensar a respeito. Por outro lado, se nos surpreende-mos com a pergunta o que o tempo? e no encon-tramos para ela nenhuma resposta conceitual e defi ni-tiva, mas, ainda assim, mantemos viva a interrogao e continuamos buscando o signifi cado do tempo, ento podemos dizer que comeamos a fi losofar, ou que comeamos a pensar.

    Se j sabemos que o pensamento nasce de uma in-terrogao, podemos dizer tambm que o pensamento pathos, afetao, algo sofrido por ns e nunca provocado. O pensamento aquilo que nasce espon-taneamente e que nos acomete nos apanhando de sur-presa, sem que pudssemos prever sua chegada.

    O CAMINHO

    Sendo o pensamento algo sofrido por ns e no pro-vocado, sabemos que seu caminho circular. Mas por qu? Para responder, pensemos sobre a natureza do crculo.

    Em um crculo, incio e fi m esto unidos; as vol-tas dadas sobre ele passam sempre nos mesmos pontos; um crculo se encerra em si mesmo e gira em torno de seu foco. Da mesma forma se d o pen-samento fi losfi co, que est sempre empenhado em pensar, em vrias voltas, o mesmo assunto. Como o crculo, o pensamento fi losfi co se encerra em si mesmo sem nenhuma sada possvel e gira em tor-no do seu foco, que dado por aquela interrogao que o desencadeia.

    Por se encerrar em si mesmo, podemos dizer que o pensamento fi losfi co aportico, ou seja, no pos-sui poros. E isso signifi ca dizer que o pensamento no vaza, no sai de si, est empenhado em ocupar-se consigo mesmo o tempo todo. O contrrio ocorre com a cincia, pois ela se utiliza de seu pensamento calculativo para mais tarde empregar seus resultados na vida prtica. Ou seja, esse tipo de pensamento vaza para o exterior, se materializa no mundo em forma de descobertas cientfi cas, medicamentos, pontes, viadu-tos construdos etc.

    Neste sentido, podemos concluir que o pensamento fi losfi co no possui ordem prtica, ou seja, o fi lsofo no se dedica a pensar para descobrir algo novo nas cincias. O que ele deseja permanecer entregue ao exerccio de pensar. Para compreender melhor, pode-

  • 131mos fazer a seguinte comparao: existem pessoas que fazem caminhadas dirias e dizem que isso aju-da a manter a sade e embelezar o corpo, mas, alm disso, dizem sentir muito prazer quando caminham. Bem, o fi lsofo no pensa com nenhum objetivo. Ele no o faz para se sentir bem de sade e nem mais prestigiado e bonito. Pensa pelo prazer de pensar, como se houvesse um caminhante que caminhasse apenas pelo prazer de caminhar sem se preocupar com as consequncias disso.

    Por no possuir ordem prtica, o pensamento fi los-fi co livre e no produz provas como faz a cincia, que prova que determinada vacina efi ciente contra tal doena. Neste caso, em comparao cincia, po-demos dizer que o saber fi losfi co um saber intil, pois no aplicvel na vida prtica. Ora, se a fi losofi a intil, por que estud-la? Por que a universidade se ocupa com ela?

    Bem, antes que seja tomada a deciso apressada de abandonar a fi losofi a porque ela no til, po-demos fazer algumas novas consideraes acerca do assunto.

    O que a utilidade? Podemos responder: utilidade aquilo que til, que traz benefcios e progressos, que melhora a sade, que promove o bem-estar, que faz ganhar dinheiro etc. Se essa pode ser a resposta, ento, de fato, a fi losofi a intil, pois com ela no alcanamos nada do que foi mencionado acima. Bem, se nossa deciso for a de abandonar a fi losofi a porque ela no til, devemos saber que se isso for feito es-taremos tomando uma atitude logo aps o momento em que fi zemos uma investigao fi losfi ca. Como assim? Ora, fomos tomados por uma interrogao: o que a utilidade? Demos ela uma resposta apres-sada e logo decidimos pelo abandono da fi losofi a ao reconhecer que ela intil. Ok, mas quem garante que a prpria interrogao sobre a utilidade ir nos abandonar? Quem garante que daqui a pouco a mes-ma pergunta no vir at ns e de forma inquietante fi car martelando em nossa cabea? E ainda mais: o que e quem podem nos garantir que nossa deciso de abandonar a fi losofi a foi correta?

    Tentativa de resposta: quanto a nossa suposta deci-so de abandonar a fi losofi a, no existe nada no mun-do que possa nos garantir que ela foi acertada ou erra-da. Algum pode comprovar, com o passar do tempo, que agiu corretamente ao abandonar um amigo ingra-to ou um vcio perverso, mas o mesmo no se aplica fi losofi a. Podemos dizer algo mais alm da mera deci-so sobre abandonar a fi losofi a: embora ela seja intil e no possua nenhuma aplicao prtica no mundo, no temos como abandon-la pois a philo sophia (o nosso amor ao saber) no nada como um amigo que encontramos ou um vcio que adquirimos. O amor ao saber, a fi losofi a, nasce com a gente, se inaugura no

    mundo em todo recm-nascido e somente poderemos abandon-la quando deixarmos de ser homem, ou seja, na condio extrema de nossa morte. Portanto, desprovida de sentido a deciso de abandonarmos a fi losofi a, pois, mesmo que o desejssemos, no ter-amos como faz-lo. No temos como impedir que as interrogaes venham sobre ns, como no podemos impedir que nos venham a chuva e o calor do sol. O que podemos fazer procurar um abrigo que nos proteja deles. Porm, devemos estar conscientes de que o abrigo somente passou a existir porque antes existiram a chuva, o sol e o pensamento em forma de interrogao que se despejaram sobre ns.

    Bem, j sabemos que a fi losofi a intil, ou seja, que o saber fi losfi co intil em comparao ao saber da cincia e do senso comum. Sabemos tambm que, embora seja intil, no tem como ser completamente neutralizado, no mximo pode ser evitado, sem que por isso deixe de existir.

    Mesmo sendo intil, o pensamento fi losfi co no igual a nada. A poesia de Fernando Pessoa, a msi-ca de Bethoven e as telas de Picasso so to inteis quanto as obras fi losfi cas e, no entanto, tambm no so iguais a nada. Possuem signifi cado, embora no sejam teis ao ponto de curar doenas ou construir viadutos e passarelas.

    No mesmo fcil conviver com todo esse emba-rao que o pensamento provoca, ainda mais quan-do temos que enfrentar situaes pouco habituais e desconcertantes. por isso que o pensamento , em geral, risvel. Todavia, no podemos confundir aquilo que risvel com o que irnico e debocha-do. O pensamento somente risvel porque capaz de nos retirar daquele ambiente familiar e plausvel que o ambiente cotidiano e nos colocar em uma posio bem distinta daquela em que normalmente nos encontramos quando estamos ocupados demais com as coisas mundanas e no estamos pensando. O fi lsofo (todo o amante do saber) aquela fi gura risvel exatamente porque est sempre ocupado com questes embaraosas, como: o que o tempo?, o que a beleza?, o que o amor?, como possvel conhecer? etc.

    O LUGAR

    Qual o lugar do pensamento? Sabemos que o pensa-mento encontra-se nas obras fi losfi cas tanto quanto na poesia, nas belas artes, na msica etc. Mas sabe-mos tambm que ele no tem forma e nem tang-vel. Sabemos mais: o pensamento invisvel em um mundo de aparncias, no se manifesta quando, de fato, est em plena realidade. Neste sentido, podemos dizer que seu lugar o lugar nenhum.

  • 132No entanto, quando estamos pensando, demostra-

    mos essa atividade que o pensamento atividade que exercemos quando estamos quietos, solitrios e completamente desocupados das atribuies cotidia-nas. Como exemplo, relembremos o caso de Tales de Mileto, um fi lsofo pr-socrtico.

    Tales caminhava durante a noite olhando as estrelas enquanto pensava acerca da beleza e da harmonia dos astros. Completamente distrado, no percebeu que havia um poo em seu caminho e caiu dentro dele. Uma camponesa, que assistiu a toda a cena, riu muito e disse: ora, to ocupado com as coisas do cu e no v o que est abaixo do seu nariz e dos seus ps.

    Bem, esse exemplo nos remete a algumas caracte-rsticas do pensamento. Vamos a elas: nosso fi lsofo, enquanto pensa, desliga-se das atribuies mun-danas e tem seu pensamento interrompido ao se ver ocupado com algo prtico como ter que sair do poo em que caiu. Sua situao tornou-se risvel aos olhos da camponesa que no estava, como ele, envolvida com o pensamento. E, por fi m, sabemos que Tales no caiu no poo porque era cego ou porque possua al-guma defi cincia. Ao contrrio, sabemos que ele caiu porque estava distrado pelo pensamento e pensar implica se tornar alheio s coisas da vida cotidiana. Ento, est a mais uma caracterstica do pensamento: embora seja invisvel e seu lugar seja o lugar nenhum, mostra-se a ns no alheamento ao qual nos entrega-mos toda vez que pensamos.

    De acordo com Plato, sabemos que o pensamento acontece por meio do dilogo sem som de mim co-migo mesmo. Aqui, importante atentar que o pen-samento no um monlogo; ao contrrio, ele supe dois para que haja um dilogo, pois Plato nos diz que um dilogo de mim comigo mesmo. Mas o que signifi ca isso? Trata-se de um desdobramento que fazemos sempre que pensamos: eu, que sou um em minhas atividades cotidianas, desdobro-me em dois quando comeo a pensar e esses dois entram em dilogo que a forma de acontecimento do pen-

    samento. Mas, sempre que as atividades cotidianas me requisitam, o desdobramento desencadeado pelo pensamento interrompido e eu que, quando estava pensando, era dois, unifi co-me novamente voltan-do a ser um.

    Para Scrates, o pensamento pode ser comparado ao vento. Os ventos so invisveis, mas, quando se apro-ximam de ns, percebemos; e chegam para colocar tudo em desordem, para tirar as coisas do lugar. Da mesma forma o pensamento; invisvel, mas perce-bemos sua chegada. Como o vento, o pensamento pe tudo em desordem, demove nossas antigas opinies, altera o que j havamos estabelecido como verdade; corri nossos critrios a respeito de costumes e re-gras de conduta e obriga-nos a uma nova arrumao. A esse propsito podemos lembrar a letra de uma msica gravada pelo grupo de msica popular Baro Vermelho:

    E quem tem coragem de ouvirAmanheceu o pensamentoQue vai mudar o mundo Com seus moinhos de vento

    Ao fi nal do nosso texto, a quais concluses pode-mos chegar? Bem, difcil estabelecer concluses quando se estuda fi losofi a. Podemos mesmo dizer que o conceito e a defi nio so os aprisionadores da fi losofi a e que no nos deixam livres para pensar a respeito do que seja esse amor ao saber. Contudo, possvel conhecer um pouco a respeito de fi loso-fi a e foi isso que tentamos fazer at aqui. Fizemos essa tentativa de conhec-la quando nos aproxima-mos das caractersticas do pensamento e podemos mesmo igualar a fi losofi a ao pensamento, desde que fi que claro que o pensamento que se pratica na fi lo-sofi a possui uma natureza completamente distinta do pensamento, que est presente na cincia e no senso comum. Esse pensamento corresponde a sophia da nossa philo sophia, corresponde a um tipo de saber especial que, embora esteja cada vez mais afastado, somos capazes de exercer.

    Texto 3Texto 3: Physis e Nomos: Leis Naturais e Leis Humanas

    No texto anterior, compreendemos como surgiu a fi -losofi a. Agora, devemos compreender quais foram os primeiros fi lsofos e sobre o que estudavam. Por que foram considerados fi lsofos?

    A existncia do mundo e das coisas que existem nele sempre foram objetos de interrogao para os homens: o que existe?, por que existe?, por que

    algo veio a existir?, por que as coisas aparecem, mudam e desaparecem?, por que existem coisas que mudam e existem coisas que nunca mudam, por exemplo, a regra nascer, crescer e morrer?.

    Palavras-chave: physis; nomos; pr-socrticos; sofi stas.

  • 133Responder a essas perguntas a partir do uso da espe-

    culao racional e sem o auxlio dos deuses, caracte-rizou, como estudamos anteriormente, o surgimento da fi losofi a. A historiografi a da fi losofi a considerou que os primeiros fi lsofos deveriam ser nomeados pr-socrticos. A grande questo que desafi ava os seus estudos era a natureza: por que chove?, por que anoitece e amanhece?, por que as estaes do ano so diferentes?. Bem, a princpio, essas pergun-tas possuem uma densa objetividade e parecem requi-sitar respostas to objetivas que hoje podemos supor que o lugar delas seria com a biologia ou a fsica. No entanto, foram objeto dos fi lsofos. O que h, ento, de fi losfi co nessas questes?

    A forma como elaboravam essas perguntas e as respostas que esperavam para elas o que delineia o trao fi losfi co dessas investigaes. Pois os pr-socrticos buscavam entender o princpio que causa e ordena tudo que existe na natureza. Uma vez que as coisas existem e mudam, o que as faz existirem e mu-darem? O que organiza e ordena a sada do inverno e a chegada do outono? O que essa fora natural, perene e imortal subjacente s mudanas?(CHAU, 1998: 209). Assim, esses fi lsofos buscavam a estru-tura causal que rege os fenmenos naturais.

    Aristteles nomear os primeiros fi lsofos de physi-logos, ou seja, estudiosos da natureza, o que em gre-go se diz physis (MARCONDES, 1998). Devemos entender physis (natureza) como os gregos: physis designa tudo que nasce, brota, emerge, surge, cresce e vem a ser por si mesmo. Como a natureza vem a ser por ela mesma, ela tambm produz e obedece as suas prprias leis. Essas leis so imutveis, voltemos ao exemplo anterior: nascer, crescer e morrer um princpio (uma lei) imutvel, pois submete a todos os seres vivos (IGLSIAS, 1997). Um outro exemplo: podemos desejar que uma determinada noite nunca acabe, mas independente da nossa vontade, existe uma lei que far o dia se sobrepor a essa noite que gostaramos de perpetuar.

    O termo cosmo (em grego, Kosmos) se refere ao universo em sua ordem, harmonia e beleza1. O cosmo (mundo organizado e ordenado) tanto o mundo na-tural quanto o espao celeste e tambm a realidade que se ordena segundo os princpios naturais. Nessa ordenao, h uma hierarquia em que os princpios mais bsicos ocasionam os mais complexos. Portan-to, a causalidade a lei principal. Como o homem dotado de razo, torna-se possvel para ele compre-ender essa racionalidade natural (MARCONDES, 1998). Vamos insistir: essa racionalidade natural in-depende dos deuses, essa racionalidade posta na natureza pela prpria natureza.

    A partir do sculo V a. C., um novo objeto de inte-resse tomou conta da fi losofi a. Em oposio aos as-suntos naturais, os sofi stas descobriram os assuntos humanos. Por que podemos falar em descoberta dos assuntos humanos em oposio aos assuntos naturais, a physis?

    A grande oposio se encontra na ideia de ordena-o. Os fi lsofos pr-socrticos descobriram uma na-tureza ordenada por leis imutveis. Por sua vez, os sofi stas perceberam que os assuntos humanos no so ordenados por leis imutveis. Eles perceberam que a lei que rege os assuntos humanos pode ser fundada sobre o prprio arbtrio humano. E, como sabemos, esse arbtrio mutvel. Portanto, os assuntos huma-nos no esto submetidos nem s leis rgidas da na-tureza e nem s leis inquestionveis dos deuses mi-tolgicos. Ou seja, os assuntos humanos resultam da conveno humana (IGLSIAS, 1997).

    Considerando que os sofi stas so os primeiros fi l-sofos que descobriram as caractersticas dos assuntos humanos, tornaram-se os professores da tcnica de construir os discursos que deveriam expor as ideias pensadas. Assim, tornaram-se professores de retrica para os cidados que faziam poltica. Devemos con-siderar que a poltica grega, em especial a de Atenas, era feita em Assembleias constitudas por homens li-vres e que todos tinham o direito palavra. Aquele que melhor defendesse as suas ideias, que soubesse melhor conduzir o seu discurso, ganharia a adeso dos demais, consequentemente, o poder poltico e, especialmente, ganharia admirao (Ibid.).

    Assim, dava-se o ensinamento sofstico: aulas que pretendiam preparar os jovens para a composio de discursos. No entanto, Plato ir tecer crticas con-tundentes aos sofi stas. Ir afi rmar que eles no esto preocupados em fazer com que os jovens desenvol-vam o exerccio de pensar. Dir que os sofi stas trans-mitem um saber pronto e sem compromisso com a verdade, pois o grande objetivo , apenas, o de vencer a disputa verbal (Ibid.).

    Em oposio aos sofi stas, Plato faz referncias a Scrates (469-399 a. C.). Para ele, seu mestre o fi -lsofo por excelncia, o grande interrogador. Onde havia uma certeza, Scrates trazia uma interrogao e fazia o seu interlocutor desencadear a atividade de pensar. Valia-se desse expediente para tambm pensar mais uma vez sobre a mesma questo. As caractersti-cas da refl exo fi losfi ca que trabalhamos no item 1.2 do nosso curso foram encarnadas em Scrates.

    1A ideia de beleza fazendo parte da organizao do cosmo se perpetua em nossa lngua portuguesa atravs da palavra cosmtico (MAR-CONDES, 1998).

  • 134Texto 4Texto 4: Perodos da Filosofia: Cronologia e Representao

    A seguir, iremos estudar os principais perodos his-tricos da fi losofi a. Isso equivale a dizer que iremos olhar para a histria e tentar entender o que estava acontecendo com a fi losofi a, ou seja, como a fi losofi a reagia s transformaes sociais, polticas e econ-micas, como ela infl uenciava e era infl uenciada pela sociedade.

    Palavras-chave: fi losofa; histria; fi lsofos.

    Filosofia Antiga (do Sculo VI a.C. ao Sculo VI d.C.)

    A fi losofi a antiga pode ser dividida em quatro pero-dos histricos, os quais sero descritos a seguir.

    1. Perodo pr-socrtico ou cosmolgico (fi nal do sculo VII ao fi nal do sculo V a. C.). As preocupa-es fundamentais eram quanto origem do mundo e as causas das transformaes na natureza.

    Principais representantes: Tales de Mileto; Anax-menes de Mileto; Anaximandro de Mileto; Herclito de feso; Pitgoras de Samos; Parmnides de Elia; Zeno de Elia; Empdocles de Agrigento e Dem-crito de Abdera.

    2. Perodo socrtico ou antropolgico (fi nal do scu-lo V e todo o sculo VI a. C.). As investigaes fi los-fi cas se relacionavam com as questes humanas, isto , com a tica, a poltica e as tcnicas.

    Principais representantes: Scrates; Plato e os fi -lsofos sofi stas Protgoras de Abdera; Grgias de Leontini e Iscrates de Atenas.

    3. Perodo sistemtico (fi nal do sculo IV ao fi nal do sculo III a.C.). Perodo de reunio e sistematizao dos escritos fi losfi cos sobre a cosmologia e a antro-pologia. O grande interesse era o de ressaltar que tudo pode ser objeto para a investigao fi losfi ca.

    Principal representante: Aristteles.

    4. Perodo helenstico ou greco-romano (fi nal do sculo III a.C. at o sculo VI d.C.). Esse perodo j abarca os pensadores de Roma e os primeiros padres da Igreja Catlica. Seus grandes temas de discusso so a tica, o conhecimento humano, as relaes entre o homem e a natureza e a relao destes com Deus. Inscrevem-se aqui quatro grandes sistemas fi losfi -cos: o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo e o neo-platonismo.

    Principais representantes: Ccero; Pirro de Elis; Sexto Emprico; Sneca e Epicuro (CHAU, 1998).

    Filosofia Patrstica (do Sculo I ao Sculo VII)

    Inicia-se com as Epstolas de So Paulo e o Evan-gelho de So Joo. A fi losofi a patrstica se esforou em conciliar os princpios da fi losofi a antiga com os dogmas do cristianismo e o objetivo disso foi converter os pagos doutrina catlica. Assim, a fi losofi a patrstica ir discutir a possibilidade de conciliar razo e f na busca da verdade. Isso ir dividir as opinies, gerando trs correntes de pen-samento diferentes. So elas:

    1. Os que acreditavam que a razo e a f no se con-ciliavam e que a f superior a razo. O lema dessa corrente de pensamento : creio porque absurdo;

    2. Os que acreditavam que a razo e a f so conci-liveis, mas que a razo inferior a f. O lema dessa corrente de pensamento : creio para compreender;

    3. Os que acreditavam que a razo e a f so incon-ciliveis e que possuem campos de conhecimento di-ferentes. Assim, a razo deve se ocupar com tudo que se refere vida temporal dos homens e a f com tudo que se refere alma e eternidade (Ibid.).

    Filosofia Medieval (do Sculo VIII ao Sculo XIV)

    Os temas de discusso da fi losofi a medieval ver-savam sobre Deus e o infi nito; corpo e alma; a hie-rarquizao do Universo em que os superiores go-vernam os inferiores, condensando o mundo celeste e o terreno atravs da hierarquia dada entre Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais, vegetais e minerais. Alm disso, tal qual a fi losofi a patrsti-ca, discutia a possibilidade de conciliar a razo e a f. A partir do sculo XVII, a fi losofi a medieval denominada de Escoltica por ser ensinada nas escolas. Seus maiores infl uenciadores foram Plato e Aristteles (Ibid.).

    Filosofia da Renascena (do sculo XIV ao sculo XVI)

    Esse o perodo que tenta fazer renascer o vigor dos pensamentos de Plato e Aristteles, que foram sufocados pelos dogmas da Igreja catlica em toda a Idade Mdia. Algumas obras de Plato que eram des-conhecidas na Idade Mdia passam a ser lidas, assim como so recuperadas as obras de grandes autores e artistas gregos e romanos.

  • 135Os nomes mais importantes desse perodo so: Dan-

    te, Marclio Ficino, Giordano Bruno, Campannella, Maquiavel, Montaigne, Erasmo, Toms Morus, Jean Bodin, Kepler e Nicolau de Cusa (Ibid.).

    Filosofia Moderna (do Sculo XVII a Meados do Sculo XVIII)

    Esse perodo marcado pelo uso e primazia da razo e a fi gura do sujeito do conhecimento ganha a cena, respondendo pela pergunta sobre a verdade em opo-sio forma de conhecer presente na Idade Mdia, que era baseada na verdade revelada e presente nas obras de Deus. Esse perodo da histria da fi losofi a tambm conhecido como o Grande Racionalismo Clssico. O surgimento do sujeito do conhecimento e a concepo de que esse sujeito deve construir os seus objetos de conhecimento a partir de suas pr-prias representaes mentais caracterizam esse fase do pensamento fi losfi co (Ibid.).

    Os principais pensadores desse perodo foram: Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Espinosa, Leibniz, Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi (Ibid.).

    Filosofia da Ilustrao ou Iluminismo (Meados do Sculo XVIII ao Comeo do Sculo XIX)

    Esse perodo tambm marcado pelo uso e pela pri-mazia da razo. A ideia de ilustrao e de iluminismo advm das luzes que devem se opor ao obscurantismo que caracterizou toda a Idade Mdia. Acreditava-se que por meio da razo o homem seria capaz de con-quistar a liberdade e a felicidade social e poltica, o que infl uenciou diretamente a concepo da Revolu-o Francesa em 1789. As artes sero eleitas como o lugar onde sero expressos o grau de progresso da civilizao e a ideia de evoluo ser uma tnica desse perodo, tornando-se presente na biologia e na fi losofi a da vida.

    Os principais pensadores do perodo foram: Hume, Voltaire, DAlembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fi-chte e Schelling (Ibid.).

    Filosofia Contempornea

    A fi losofi a contempornea se estende de meados do sculo XIX at os dias de hoje. As diferenas e as ca-ractersticas das correntes fi losfi cas desse momento histrico ainda esto se desenhando para ns, da a difi culdade em defi ni-las (Ibid.).

    Exerccios

    1. Eleja alguns deuses da mitologia grega que voc tem notcia. Pesquise sobre as suas origens e os seus signifi cados.

    2. Por que possvel afi rmar que a fi losofi a surge em ruptura com a mitologia?

    3. Observe os versos de uma msica popular gravada pelo conjunto brasileiro Baro Vermelho:

    E quem tem coragem de ouvirAmanheceu o pensamentoQue vai mudar o mundoCom seus moinhos de vento

    possvel afi rmar que Scrates, o parteiro das ideias, mantm alguma relao com o signifi cado dos versos citados? Justifi que a sua resposta.

    4. Texto integrador (extrado de IGLSIAS, Maura. O que fi losofi a e para que serve. In: REZENDE, Antnio. Curso de Filosofi a. Rio de Janeiro; Zahar, 1997. p. 16).

    Ora, uma das belezas que nos revela a anlise etimolgica da palavra fi losofi a a modstia com que o fi l-sofo se apresenta: ele no um sbio, ele amante da sabedoria. A fi losofi a no tanto um saber como uma atividade: a da busca, a do cultivo do saber. O primeiro espanto talvez tenha sido involuntrio; mas, depois que se torna amante da sabedoria, o fi lsofo torna-se amante do prprio espanto, que a experincia que o joga na busca do saber, que o objeto do seu amor. O fi lsofo algum que sabe manter viva a capacidade de espantar-se. L mesmo onde todo mundo est instalado, dentro do bvio mais ululante, o fi lsofo aquele que

  • 136chega e, com toda espcie de perguntas engraadas, d uma sacudida e faz ver que nada bvio, e que tudo realmente de pasmar! Nada escapa ao seu questionamento: nem Deus, nem o homem e suas instituies, nem as cincias, seus mtodos e seus resultados, nem os resultados do questionamento fi losfi co, nem o prprio direito do fi lsofo de questionar. Filosofi a o saber de todas as coisas e saber crtico. Nem ela prpria pode escapar ao seu questionamento e sua crtica.

    De acordo com o texto acima e com os conhecimentos adquiridos at aqui, responda: a) Por que o fi lsofo apresenta-se como o amante do saber e no como aquele que possui e detm o saber?

    b) O que signifi ca a capacidade de se espantar tpica do pensamento fi losfi co? Qual a sua importncia para o pensamento?

    5. Entre as alternativas abaixo, assinale com um X a resposta correta e justifi que por que voc a considera correta.

    a) A mitologia compreende o mundo e as coisas que existem no mundo a partir das explicaes dadas pelo Deus cristo, e toda a fi losofi a ocidental, por sua vez, compreende o mundo a partir das explicaes dadas pelos deuses gregos.

    b) O pensamento mitolgico realiza uma ruptura com o pensamento fi losfi co, que est absolutamente dis-posto a conhecer a verdade por intermdio dos deuses gregos.

    c) O pensamento fi losfi co realiza uma ruptura em relao ao pensamento mitolgico em funo da capaci-dade refl exiva exercitada pelos homens em abandono aos deuses.

    d) Todas as alternativas anteriores esto incorretas.

    6. Considerando a etimologia da palavra fi losofi a, podemos considerar que:

    a) Filosofi a signifi ca amor ao saber e isso se refere busca incansvel e apaixonada que o fi lsofo trava para tentar alcanar o conhecimento.

    b) Filosofi a signifi ca amor ao saber, mas isso nunca fez sentido para o Ocidente.c) Filosofi a signifi ca amor ao saber e isso se refere tentativa do fi lsofo de encontrar o conhecimento mes-

    mo sabendo que sua tentativa um eterno recomeo, dada a capacidade que o pensamento fi losfi co possui de ocupar-se infi nitas vezes com a mesma questo.

    d) Filosofi a signifi ca amor ao saber e isso se refere ao compromisso do fi lsofo de comprovar cientifi camente a intensidade do seu amor.

    e) As afi rmaes em a e em c esto corretas.

    7. Por que Plato dizia que os sofi stas eram charlates e ilusionistas e no os considerava fi lsofos?

    8. De acordo com o enunciado abaixo, assinale com um X a resposta correta.

    Sabemos que Scrates considerado um divisor de guas na histria da fi losofi a ocidental, a ponto de nomear os fi lsofos que o antecederam de pr-socrticos. Podemos consider-lo de tal maneira, pois:

    a) Foi somente a partir desse fi lsofo grego que os homens, de fato, abandonaram os deuses e, como forma de alcance da verdade, passaram a especular racionalmente a respeito do mundo e de tudo que existe no mundo.

    b) Scrates foi considerado dessa maneira pois foi o primeiro bombeiro hidrulico a se destacar na histria da fi losofi a grega.

    c) Scrates foi um estudioso do nomos e isso o diferenciava dos fi lsofos pr-socrticos que estudavam os assuntos humanos. A partir de Scrates, se inaugura uma nova linha de estudos na fi losofi a ocidental.

    d) Scrates foi um estudioso da physis e, diferente dos fi lsofos anteriores a ele, preocupava-se com os assun-tos naturais, ou seja, com todos os assuntos que possuam origem neles mesmos e no dependiam dos homens para que pudessem existir.

    e) Scrates foi um estudioso do nomos, diferindo-se dos fi lsofos antecedentes e, por isso, inaugurou na fi lo-sofi a uma nova linha de interesse.

  • 1379. Assinale com um X a alternativa correta.

    a) Os sofi stas foram professores de retrica e contriburam para educar os fi lsofos gregos.b) Os sofi stas foram professores de retrica e contriburam para formar a oratria dos cidados gregos.c) Os sofi stas foram professores de retrica e Plato os considerava fi lsofos por excelncia.d) Os sofi stas eram charlates e ilusionistas, por isso no podiam ser professores de retrica.e) Todas as alternativas anteriores possuem erro conceitual.

    10. Sabemos que Scrates e os sofi stas se interessavam pelos assuntos humanos. Sabemos tambm que ambos diferiam quanto forma pela qual tratavam os assuntos humanos. Isso posto, podemos afi rmar que:

    a) Os sofi stas preocupavam-se com a retrica, ou seja, com a arte de bem argumentar e Scrates preocupava-se em elaborar o discurso refl exivo.

    b) Os sofi stas preocupavam-se em vencer a disputa verbal. Scrates, igualmente, preocupava-se com a arte de bem falar e em destruir o argumento dos demais.

    c) Scrates preocupava-se com a refl exo e os sofi stas, igualmente, preocupavam-se em refl etir e fazer os outros refl etirem.

    d) Scrates preocupava-se com a retrica, ou seja, com o discurso refl exivo. Os sofi stas preocupavam-se com a arte de bem falar.

    e) Scrates preocupava-se com o discurso refl exivo e considerava que os sofi stas eram mestres no exerccio da refl exo.

    11) Sabemos que a fi losofi a surge em ruptura com a mitologia. Sabemos tambm que os primeiros fi lsofos foram considerados pr-socrticos. Quanto inaugurao da fi losofi a no mundo, podemos dizer que:

    a) Os primeiros fi lsofos foram os sofi stas e estudavam a physis, ou seja, os assuntos naturais. b) Os primeiros fi lsofos foram os pr-socrticos e estudavam a physis, ou seja, os assuntos naturais. Os so-fi stas estudavam o nomos e, tal qual Scrates, estavam preocupados com a retrica.

    c) Os primeiros fi lsofos foram os pr-socrticos, que estudavam a physis e foram sucedidos pelos sofi stas, que estudavam o nomos, ou seja, a engenharia gentica.

    d) Os pr-socrticos estudavam os assuntos naturais, os sofi stas estudavam os assuntos humanos e Scrates estudava a engenharia gentica.

    e) Os fi lsofos pr-socrticos estudavam a physis, ou seja, os assuntos naturais. Scrates e os sofi stas estuda-vam o nomos, ou seja, os assuntos humanos.

    0bs.: A correo dos nossos exerccios ser on-line.

  • 138 UNIDADE II

    A METAFSICAA METAFSICA

    Texto 5Texto 5: O Significado da Metafsica

    Vimos no texto 3, Physis e nomos: leis naturais e leis humanas, que os fi lsofos pr-socrticos se es-pantavam com a realidade que os cercava e tentavam compreender o que era e como era esse mundo real. Assim perguntavam: por que anoitece?, por que chove?, por que faz sol?, por que as coisas exis-tem, mudam e desaparecem?. Nessas indagaes, estava pressuposta a existncia das coisas, estava pressuposta a existncia da realidade2.

    Palavras-chave: fsica; metafsica; conhecimento.

    Os pr-socrticos tentavam entender a origem do mundo ordenado, a origem do cosmos, por isso a fi -losofi a nasce como uma cosmologia. Essa ordenao estava pressuposta na Natureza, ou seja, nos minerais, vegetais, animais, humanos, astros e em tudo que acontece com eles, ou seja, porque e como se fazem o dia e a noite, as estaes do ano, nascimento, trans-formao e morte, sade e doena, etc. Assim, esses fi lsofos estavam preocupados com essa ordenao da natureza, com a physis, que se traduz para a gente como fsica (CHAU, 1998).

    No entanto, a histria nos mostra que o pensamento fi losfi co abandonou a preocupao pr-socrtica que indagava o que a realidade? e passou a indagar como podemos conhecer a realidade?. Nessa nova in-terrogao, o sujeito do conhecimento e a teoria do co-nhecimento passaram a ocupar os embates da fi losofi a. Deixamos de estudar a physis, a fsica, e passamos a es-tudar a metafsica (Ibid.). E o que signifi ca metafsica?

    Andrnio de Rodes (ano 50 a. C.), utilizou a expres-so ta meta ta physika para designar os escritos de Aristteles. Ou seja, Andrnio de Rodes organizou os textos aristotlicos e os situou aps os textos que se ocupavam com os estudos da fsica, justamente por-que ta meta se traduz para a gente como aps, depois, alm e ta physica, como fsica. A partir dessa expres-so grega, construmos a palavra metafsica que, eti-mologicamente, segue o mesmo princpio: alm da fsica (Ibid.).

    No entanto, a fi losofi a dar um novo signifi cado para a palavra metafsica. Aristteles afi rma que seus estudos se ocupam dos primeiros princpios e das causas primeiras de todos os seres, assim estuda o que deve vir antes de tudo, porque condio de tudo que existe. Para Aristteles, vir antes signifi ca estar acima dos demais, ser superior ao que vem depois, ser a condio de alguma coisa. Nesse sentido, a me-tafsica compreendida como o estudo do que est alm das coisas fsicas ou naturais e que, por isso, a condio de existncia dessas coisas. Assim, abando-namos a ideia de que a metafsica o estudo dos es-critos que esto aps os estudos da fsica dos fi lsofos pr-socrticos. A metafsica pode ser entendida como a possibilidade de explicar a realidade por meio dos conceitos formulados pelo pensamento, mas tais con-ceitos independem da realidade, eles so formulados de forma apriorstica, ou seja, antecedem a realidade.

    Texto 6Texto 6: A Metafsica de Plato

    Plato nasceu em Atenas, Grcia, em 428 ou 427 a.C. e morreu em 348 ou 347 a. C. Seu interesse pela fi losofi a se inicia na juventude por intermdio de Cr-tilo. Posteriormente, torna-se discpulo de Scrates (PESSANHA, 1997).

    Palavras-chave: Plato; metafsica; dialtica.

    Aproximadamente em 387 a.C., Plato funda a primeira instituio destinada ao ensino superior no Ocidente. Trata-se da Academia, que possua como

    objetivo realizar investigaes cientfi cas e fi losfi cas e tambm preparar os alunos para a atuao na vida poltica tendo como princpios a busca da verdade e da justia. A partir da, toda a vida de Plato dedica-da s atividades de ensino, pesquisa e de elaborao de suas obras escritas (Ibid.).

    As obras de Plato so divididas e classifi cadas por fases e nomeadas assim: a) dilogos da juventude ou socrticos; b) dilogos da maturidade; c) dilogos da velhice (Ibid.). E o que Plato entende por dilogo?

    2 preciso salientar que essa concepo metafsica vigorou, aproximadamente, at o sculo XVIII. A partir da, novas concepes foram estabelecidas. No entanto, no sero contempladas em nossos estudos.

  • 139Para Plato, o dilogo um embate de conscincias

    em que o pensamento deve percorrer um caminho ri-goroso e prosseguir abandonando o plano da opinio (em grego, doxa), o qual relativo, e deve buscar as formas permanentes de conhecimento, as quais so li-vres da instabilidade da doxa. Tal mtodo denomina-se dialtica ascendente e pretende explicar as coisas que vemos por meio de seus fundamentos, que so suas causas intemporais e permanentes. Assim, Pla-to pretende sair do mundo sensvel, onde conhece-mos as coisas por meio dos sentidos, e dirigir-se ao mundo inteligvel, onde residem as ideias perfeitas. Aqui, nos deparamos com a teoria platnica dos dois mundos: o mundo sensvel e o mundo inteligvel. No mundo sensvel, encontram-se os homens e os obje-tos, ou seja, tudo que corpreo e mutvel. No mun-do inteligvel, encontram-se as ideias perfeitas (Ibid.).

    O que Plato compreende por ideias e por ideias perfeitas diferente do que compreendemos ordi-nariamente quando admitimos que as ideias brotam das mentes humanas como representaes mentais. O fi lsofo pressupe que as ideias (essncias ou for-mas) existem nelas mesmas e servem como modelos perfeitos e eternos para os objetos que as representam no mundo sensvel. Portanto, as coisas que existem no mundo sensvel so cpias imperfeitas das ideias que existem no mundo inteligvel. Da mesma forma, nossos sentidos (audio, olfato, paladar, tato e viso) somente podem captar aquilo que material, dotado de concretude e que se encontra no mundo sensvel. Para alcanar as ideias perfeitas que esto no mundo inteligvel devemos nos valer do intelecto (Ibid.).

    Para que se possa conhecer as ideias perfeitas, que so incorpreas e intemporais, Plato estabelece uma outra hiptese: o homem dotado de alma. Essa alma encontra-se aprisionada ao corpo, mas antes

    desse aprisionamento pode contemplar as ideias. Ao prender-se ao corpo, a alma esquece o conhecimen-to adquirido anteriormente. Mas, quando os sentidos apreendem os objetos do mundo sensvel, a alma capaz de reconhecer neles as essncias anteriormente contempladas. Portanto, a alma capaz de reconhe-cer as ideias nos objetos, pois essas compartilham com ela a mesma natureza incorprea e intemporal. Assim, se estabelece a teoria da reminiscncia em Plato, em que conhecer , na verdade, reconhecer, relembrar (Ibid.).

    Plato, ao fundar a Academia, escreve em seu prti-co Aqui no entre quem no souber geometria. Ten-tar entender a relao que se estabelece entre fi losofi a e matemtica remeter-se, necessariamente, a doutri-na fi losfi ca das Ideias em Plato, a qual discutimos anteriormente. E como a matemtica ganha relevn-cia no pensamento de Plato? De vrias formas, uma delas por meio do Mtodo dos Gemetras.

    O Mtodo dos Gemetras descreve-se a partir do le-vantamento de uma hiptese para a resoluo de um determinado problema. Uma vez que tal hiptese se mostre sufi ciente, passa-se a verifi car se ela se auto-sustenta ou se supe uma outra hiptese mais geral e assim sucessivamente. Dessa forma, criada uma cadeia de hipteses todas interdependentes que, no entanto, necessitam de uma sustentao ltima. Ao encontrar essa sustentao ltima, estaramos diante de uma no-hiptese que estaria pairando sobre as de-mais hipteses, subordinando-as (Ibid.).

    Para Plato, os conceitos matemticos so como as ideias perfeitas, so imutveis e eternos e possuem existncia independente de ns, sujeitos do conheci-mento.

    Texto 7:Texto 7: A Metafsica e a Lgica de Aristteles

    Aristteles nasceu em Estagira, Grcia, em 384 a. C. e morreu em 322 a. C. Aos 18 anos, foi para Atenas e tor-nou-se discpulo de Plato. Em 343, Aristteles passa a ser o preceptor de Alexandre, O Grande (FARIA, 1997).

    Palavras-chave: Aristteles; metafsica; lgica.

    Mesmo sendo discpulo de Plato e concordante com muitos aspectos de sua fi losofi a, Aristteles re-jeita a teoria dos dois mundos e oferece uma nova for-ma de explicar a realidade, constituindo o Realismo Aristotlico (Ibid.).

    Essa teoria compreende que a explicao para a rea-lidade no est no Mundo Inteligvel como Plato previa. Para Aristteles, a explicao da realidade,

    daquilo que o real concreto e mutvel, possvel por meio de defi nies e conceitos que devem perma-necer inalterados. Mas, para isso, preciso que seja estabelecido o que deve ser conhecido acerca do ser, distinguindo aquilo que deve ser considerado mera-mente ocasional ou acidental (Ibid.).

    Aristteles considera que o Universo ordenado se-gundo leis constantes e imutveis. Tal ordenao rege tanto os fenmenos da natureza quanto os fenmenos de ordem poltica, moral e esttica. Para o fi lsofo, existe um cincia primeira nomeada Sabedoria, que estuda o ser. A funo dessa cincia Sabedoria, defi -nir a natureza dessa ordem que fundamenta a existn-cia de todos os fenmenos. Posteriormente, a cincia Sabedoria ser nomeada Metafsica (Ibid.).

  • 140Aristteles pretende desfazer o dualismo entre

    os mundos inteligvel e sensvel e funde esses dois mundos no conceito de substncia. A consistncia da substncia se d a partir da estrutura prpria aos ob-jetos que existem para ser conhecidos. Na fi losofi a aristotlica, as coisas que devem ser conhecidas esto nas prprias coisas e no em uma esfera superior a elas, transcendente, como entendia Plato. Nessa ci-ncia, a forma inteligvel das coisas extrada delas pelo exerccio da abstrao (Ibid.).

    As coisas que existem para que sejam conhecidas so compostas por matria (em grego, hyle) e forma (em grego, eidos). A matria o princpio da indivi-dualizao e a forma corresponde a maneira como, em cada indivduo, a matria ir se organizar. Por exemplo, todos os cavalos tm a mesma forma, mas diferem do ponto de vista da matria. Assim, de al-gum modo, pode-se pensar que o dualismo platnico (sensvel e inteligvel) estivesse fundido em um s objeto, no se apresentasse mais separado, fazendo com que matria e forma fossem indissociveis, ou seja, a matria somente existe porque possui deter-minada forma e esta, por sua vez, sempre forma de um objeto material concreto (MARCONDES, 1998).

    Sendo assim, Aristteles considera que no existem formas puras ou ideias puras como no mundo inte-ligvel platnico. Para Aristteles, a separao entre matria e forma, que dada no processo de conheci-mento da realidade, realizada pelo intelecto humano por meio da abstrao. Graas a nossa capacidade de abstrair, somos capazes de separar, por exemplo, os animais em tipos gerais, gneros e espcies. Portanto, no podemos afi rmar que exista o cavalo, mas po-demos afi rmar que existe esse cavalo ou aquele cavalo, pois o cavalo como um tipo geral apenas resultado do processo de abstrao, que capaz de

    identifi car e separar a forma do cavalo em cada ca-valo individual. Portanto, e mais uma vez, possvel afi rmar que, para Aristteles, as formas ou ideias no existem em um mundo inteligvel independente do mundo dos objetos individuais (Ibid.).

    Aristteles tambm desenvolveu um instrumento para o conhecimento que foi, posteriormente, no-meado lgica. O objeto da lgica a proposio. A proposio expressa por meio da linguagem, que se utiliza do pensamento para emitir juzos (CHAU, 1998). Mas, o que uma proposio?

    Uma proposio uma atribuio de signifi cado a um sujeito, por exemplo, todo homem mortal. O encadeamento dos juzos constitui um raciocnio que se exprime por intermdio da conexo de proposi-es. A tal conexo chamamos silogismo (Ibid.).

    O silogismo constitudo por trs proposies. So elas: premissa maior, premissa menor e concluso que, necessariamente, deve ser inferida das premissas por meio de um termo mdio, cuja funo ligar os termos extremos das premissas. Assim, temos:

    Todo homem mortal. (Termo extremo maior.)

    Scrates homem. (Termo extremo mdio.)

    Logo, Scrates mortal. (Termo extremo menor.)

    Note-se que a concluso deve conter o termo maior e o termo menor e jamais deve conter o termo m-dio, pois a funo do termo mdio ligar os extremos (Ibid.).

    Texto 8:Texto 8: As Tradies Metafsicas e o Cristianismo

    O surgimento do cristianismo marcado por um desafi o: como evangelizar e converter para a Igreja Catlica crentes de outros credos? Entre vrios m-todos, os cristos descobriram tambm que deveriam converter os intelectuais gregos e romanos, tanto os que pertenciam a outras religies quanto os que ha-viam sido educados na tradio racionalista fi losfi ca (CHAU, 1998).

    Palavras-chave: neoplatonismo; estoicismo; gnosticismo.

    A fi m de cumprir o objetivo de converso desses intelectuais, os Padres da Igreja e os seus tericos,

    como So Paulo, So Joo, Santo Ambrsio, Santo Eusbio, Santo Agostinho e demais, fi zeram leituras da fi losofi a luz dos dogmas da Igreja (Ibid.).

    As primeiras elaboraes metafsicas crists foram o neoplatonismo, o estoicismo, e o gnosticismo, que sero descritas a seguir.

    O neoplatonismo faz uma retomada do pensamento de Plato, incorprando-lhe um contedo mstico. As-sim, os neoplatnicos afi rmavam a existncia de trs realidades distintas: o mundo sensvel; o mundo inte-ligvel e, acima desses dois mundos, a existncia de uma realidade suprema e inalcanvel pelo intelecto

  • 141humano chamada de Uno ou de Bem. Essa realidade suprema era a causa e fundamento dos mundos sens-vel e inteligvel (Ibid.).

    Por sua vez, o estoicismo negava que os mundos sensvel e inteligvel fossem separados. Mais do que isso: afi rmava que no existia nenhum mundo supe-rior a esses. Na verdade, os estoicos acreditavam na existncia de uma Razo Universal, ou Inteligncia Universal, que seria a governante de toda a realidade. Esse governo era feito de acordo com um plano que recebia o nome de Providncia e a forma de participar da racionalidade universal se dava pela ao moral, que inclua a renncia a todos os instintos e a todos os desejos em favor da Providncia. (Ibid.).

    A palavra grega gnosis signifi ca conhecimento e, para os gnsticos, o conhecimento intelectual capaz de al-canar a verdade e, ao mesmo tempo, afastar o homem dos poderes materiais do mal. Vejamos como a seguir.

    O gnosticismo fundava-se em um dualismo metaf-sico, afi rmando a existncia de dois princpios origi-nadores de toda a realidade: o Bem (a luz imaterial) e o Mal (a treva material). Para os gnsticos, a ori-gem do mundo sensvel est na vitria do Mal sobre o Bem. No entanto, existia um caminho de salvao: era preciso libertar-se do corpo por intermdio do conhecimento intelectual e do xtase mstico, sendo essa a forma do homem aproximar-se do Bem e afas-tar-se do Mal (Ibid.).

    Exerccios

    1. Elabore uma comparao entre as metafsicas platnica, aristotlica e crist, ressaltando as suas semelhan-as e diferenas.

    2. Pesquise na internet o texto Alegoria da Caverna, escrito por Plato. Procure o texto na ntegra e no um comentrio sobre ele. Faa uma leitura e tente identifi car, com base nos nossos estudos, o momento da dialtica ascendente e as possveis referncias que Plato faz ao mundo sensvel e ao mundo inteligvel.

    0bs.: A correo dos nossos exerccios ser on-line.

  • 142 UNIDADE III

    O ADVENTO DA FILOSOFIA MODERNAO ADVENTO DA FILOSOFIA MODERNA

    Texto 9:Texto 9: Descartes e a Filosofia do Cogito

    A seguir, iremos compreender a estrutura do pen-samento que caracteriza a Era Moderna. Elegemos Ren Descartes (1596-1650) como o fi lsofo repre-sentante desse perodo histrico, tendo em vista que os seus escritos marcaram e caracterizaram, decisiva-mente, tanto a fi losofi a quanto as cincias modernas.

    Palavras-chave: Descartes; dvida; certeza.

    A metafsica de Descartes parte de dois princpios bsicos que caracterizam toda a metafsica moderna, so eles: a realidade existe nela mesma e pode ser ob-jeto de conhecimento para o homem e as ideias so um conhecimento verdadeiro da realidade. Isso por se ter em vista que a verdade a correspondncia entre as coisas que existem no mundo e os pensamentos, ou entre o intelecto e a realidade (CHAU, 1998).

    Podemos afi rmar que a fi losofi a de Descartes se fun-damenta na dvida. O que entendemos acerca dessa dvida da fi losofi a de Descartes?

    A natureza da dvida moderna e sua resoluo marcam a singularidade do pensamento dessa poca histrica. A descrena no aparato sensorial, a dvi-da como forma sistemtica de se chegar certeza e a construo da verdade no interior da prpria mente garantem a diferena do pensamento moderno em re-lao ao pr-moderno.

    Descartes, elabora uma obra intitulada Meditaes Metafsicas, composta por seis meditaes. Iremos trabalhar, a seguir, a primeira e a segunda, tentando entender as bases que estruturam o pensamento mo-derno.

    Descartes, em sua Primeira Meditao (DESCAR-TES, 1973), fala acerca da inconfi abilidade de suas antigas opinies, que se baseavam, at ento, nos sentidos: ... experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e de prudncia nunca se fi ar inteiramente em quem j nos enganou um vez (Ibid.: 94). Com a fi rme certeza de que os enganos promovidos tendem a ser constantes, ou seja, que eles enganaro sempre e de forma permanente, o fi lsofo concebe a necessidade de colocar no algumas, mas todas as suas antigas opinies sob suspeita posto

    que a runa dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifcio (Ibid.).

    A constncia e a permanncia dos enganos promo-vidos pelo aparato sensorial reconhecida por Des-cartes aps Galileu ter, por meio de um instrumento, fl agrado o espao csmico e descoberto que o movi-mento que o Sol realiza diariamente diante dos olhos dos homens iluso do aparato sensorial. A despeito da descoberta feita por Galileu, o engano perceptivo permanece, ou seja, o homem continua tendo a sen-sao de que quem se movimenta o Sol. Para Des-cartes, a permanncia do engano foi defi nitiva para faz-lo crer que os sentidos que enganaram uma vez enganaro sempre. Com o objetivo de se proteger dos enganos, o fi lsofo d dvida uma natureza hiper-blica e universalizada, que abrange todos os pontos, ou seja, duvida desde os fatos que aparecem na vida cotidiana at os fatos que aparecem nas cincias.

    A grande novidade que a inveno do telescpio trouxe foi a de um instrumento ter sido capaz de fornecer a verdade demonstrvel. As especulaes e imaginaes de fi lsofos e astrnomos, at ento, quanto a um sistema geocntrico, jamais puderam ser postas prova, ou seja, jamais puderam ser com-provadas empiricamente. O frescor da novidade que marca a Era Moderna reside aqui: trata-se do fato de um instrumento trazer a verdade, verdade que, se de-pendesse do aparato sensorial, seria para sempre inal-canvel.

    Descartes compreende que os sentidos so engano-sos e reconhece que, em toda a antiguidade pag e he-braica, a fi losofi a secular e a fi losofi a crist valeram-se da falsa crena de que o aparato sensorial, a razo e a f divina esto aptos a receber a verdade e que a verdade se revela por si.

    Uma vez enganado pelos sentidos e de pru-dncia nunca se fi ar em quem j nos enganou umavez Descartes fala do Gnio Maligno, que ardi-loso, embusteiro e enganador. Esse Gnio que nas palavras do fi lsofo um artifcio psicolgico teria o poder de ter dotado o homem da noo de verdade, apenas para conferir-lhe outras faculdades tais que ele jamais poder alcanar qualquer verdade, jamais ser

  • 143capaz de estar certo de alguma coisa. Assim, a coisa chamada verdade, se que existe, parece estar em lu-gar defi nitivamente inalcanvel para a compreenso humana e parece ainda mais certo que seja necessrio criar um mecanismo que, ao menos, proteja o homem dos ardis, embustes e enganos do Gnio Maligno, em que, ao invs de o homem pensar que encontrou a verdade, tenha a certeza de que est apenas diante da indstria de um Deus Enganador. Com Descartes, os sentidos que enganaram uma vez enganaro sempre e suas antigas opinies devero estar defi nitivamen-te sob suspeita, pois a runa dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifcio. As novas opinies que adviro aps a instaurao da dvida devero estar aliceradas na mesma sus-peita, s que agora resguardadas dos ardis, embustes e enganos do Gnio Maligno que extremamente habilidoso em conferir uma aparncia enganosa aos fatos que, por sua vez, sero apreendidos pelos senti-dos no menos enganadores. Sob o domnio do Gnio Maligno, esto no somente os sentidos, mas tambm todos os fatos. Se os sentidos se enganam ao perce-berem os fatos, os mesmos fatos criam as aparncias enganadoras. O que se depreende daqui que ser e aparncia esto defi nitivamente separados no pensa-mento de Descartes e, ainda mais do que separados, eles parecem compor um contraste, uma oposio. No pensamento cartesiano, ser e aparncia formam uma dupla embusteira: a aparncia no apenas escon-de o ser, mas tambm o ser cria uma aparncia hbil para enganar, inclusive para dar a entender o contr-rio daquilo que realmente .

    O que Descartes procura em repouso assegurado numa pacfi ca solido (Ibid.: 93) um mecanismo que resguarde o homem da indstria do Gnio Malig-no. Ao colocar sob suspeita todas as suas antigas opi-nies e ao procurar libertar-se dos enganos em suas novas opinies, Descartes reconhece que existe algo que nem mesmo um gnio enganador pode retirar de sua confi ana: este algo a capacidade do homem de, em seu pensamento, duvidar. Ao se livrar de tudo que possa lhe promover enganos em suas novas opinies, Descartes reconhece que existe algo que nem mes-mo um Gnio Enganador pode retirar de sua confi an-a: este algo a capacidade do homem de, em seu pensamento, duvidar. Ao se livrar de tudo que possa lhe promover enganos e buscar algo certo e indubi-tvel, Descartes encontra a si mesmo em estado de dvida: Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo so falsas; persuado-me de que jamais existiu de tudo quanto minha memria repleta de mentiras me representa; penso no possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a fi gura, a extenso, o movimento e o lugar so apenas fi ces de meu esprito. O que pode-r, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a no ser que nada h no mundo de cer-to (Ibid.: 99). Esse movimento que em um primeiro momento desconstrutivo no pensamento do fi lso-

    fo nada h no mundo de certo ganha, em um se-gundo momento, uma grande funo: sistematizar o pensamento usando a dvida e colocando-a a servio da certeza. Essa certeza, que nasce da existncia do algo pensado aps ter resistido regra da dvida, o produto do mtodo cartesiano de duvidar. Sobretudo, a prpria dvida que garante a Descartes a existn-cia de algo certo e indubitvel.

    O certo e indubitvel o pensamento em estado de dvida. Em sua Meditao Segunda, Descartes realiza um movimento construtivo em relao ao duvidar. Aps persuadir-se de que nada existia no mundo, o fi lsofo se pergunta: no me persuadi tambm, portanto, de que eu no existia? Certamente, eu no existia sem dvida, se que eu me persuadi, ou apenas, pensei alguma coisa (Ibid.:100). Nessa passagem, o pensamento quando mais tarde Des-cartes pronunciar o eu penso logo existo resiste regra da dvida, no cai na inexistncia. De que o fi lsofo pensa, nem um Deus Enganador poder tirar-lhe a certeza, mas, sobretudo, para que seu pensamen-to se livre dos ardis e embustes desse Enganador, preciso que se sustente sempre acompanhado da d-vida. E ele segue em sua Meditao: Mas h algum, no sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda sua indstria em enganar-me sem-pre. No h pois dvida alguma de que sou, se ele me engana; e por mais que me engane, no poder jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa (Ibid.).

    Descartes prossegue em sua Meditao sustentando o argumento que privilegia o pensamento duvidante, com a concluso de que a existncia a realidade, a certeza e a verdade so dadas pelo seu mtodo de pensar , cumpre por fi m concluir e ter por constan-te que esta proposio, eu sou, eu existo, necessa-riamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu esprito(Ibid.). Note-se que o fi lsofo usa uma expresso condicionante para o seu eu penso, eu existo. Trata-se da frase necessaria-mente verdadeira todas as vezes que eu a enuncio em meu esprito. Sem qualquer pretenso ou arrogn-cia em acreditar que as palavras de Descartes possam ser melhoradas, mas sim tentando-se um exerccio de compreenso de seu pensamento, pode-se dizer que como se ele enunciasse: quando concebo em meu es-prito o pensamento de algo, mas submetendo o algo pensado ao mtodo da dvida, certifi cando-me que nenhum dos sentidos enganosos infl uenciaram em minha concluso acerca de sua existncia, e que sua existncia pode ser comprovada pelo pensamento de qualquer outro algum desde que siga o mesmo m-todo que eu, ento esse algo pensado existe. Assim, possvel concluir que os processos que se passam na mente do homem so dotados de certeza prpria e podem ser objeto de investigao na introspeco.

  • 144Em repouso assegurado numa pacfi ca solido,

    Descartes encontra suas prprias conjecturas. A ver-dade, porque passa a ser um objeto de sua mente na introspeco, retorna ao mundo como veracidade. Da mesma forma, a realidade, ao ingressar no pensamen-to, ganha em seu interior a confi abilidade como forma de sua expresso no mundo. Seja o que for, somente

    ganhar veracidade e confi abilidade aquilo que se tor-nar um processo da mente, pois sabido que os sen-tidos so enganosos e os fatos se servem de enganos em suas aparncias. Assim, restam como seguros e indubitveis os processos da mente investigando seus objetos, e somente a partir deles, o homem pode co-nhecer alguma coisa.

    Texto 10:Texto 10: A Separao entre Filosofia e Cincia

    At a Era Moderna, fi losofi a e cincia no eram con-cebidas separadamente. Mas, na modernidade, fi loso-fi a e cincia se separaram. Vamos entender por qu.

    Palavras-chave: Galileu; Descartes; cincia.

    Descartes o fundador da fi losofi a moderna e Gali-leu, o fundador da cincia moderna. A inveno do te-lescpio por Galileu trouxe ao conhecimento humano a certeza de que no era o Sol que girava em torno da Terra; ao contrrio, era a Terra que girava em torno do Sol. A certeza de que se mudava de um sistema geo-cntrico para um sistema heliocntrico no era confe-rida ao homem nem pela razo, nem pela especulao e nem pela contemplao. A certeza de um sistema geocntrico foi dada por um instrumento feito pela mo do homem, instrumento que deixou para o pas-sado a confi ana de que o aparato sensorial, a razo e a f eram sufi cientes para que o homem vivesse no mundo e pudesse inferir a realidade que o cercava.

    Mais do que uma mudana nas leis da astrofsica, a inveno do telescpio trouxe consigo a compreen-so de que a verdade e a realidade no so dadas, e que nem uma nem outra se apresenta como de fato . Portanto, somente na eliminao das aparncias pode haver esperana de atingir-se o verdadeiro conheci-mento. Foi um instrumento construdo pela mo do homem que trouxe a certeza que nem o aparato senso-rial e nem as aparncias so confi veis. Mais do que isso, as aparncias podem dar a entender o contrrio daquilo que realmente so. Sejam quais forem as con-cluses retiradas das aparncias, estas s podem ser ilusrias.

    A trajetria que o Sol descreve diariamente fi cou para sempre como um engano perceptivo aps o te-lescpio ter fl agrado o movimento da Terra. E mais signifi cativo do que isso foi a nova certeza do pen-samento moderno: as aparncias so ativamente en-ganosas, o aparato sensorial, a razo e a f so ina-dequados para receber a realidade, e que preciso averiguar as aparncias com um instrumento constru-do por processos de sua mente.

    Descartes, com seu pensamento apaixonado, destri a confi ana que se possua no senso comum ao re-

    conhecer que os sentidos, por serem enganosos, no poderiam conferir realidade alguma ao homem. Se era o sexto sentido ao unir os cinco sentidos com o parecer de outras pessoas que compartilhavam o mesmo contexto onde as coisas apareciam que ga-rantia a realidade de algo, Descartes, ao se recusar a esses cinco sentidos internos, recusa-se realidade que conferida por eles. O mundo introjetado em sua mente transforma-se em realidade, pois tornou-se um objeto da introspeco - porque o fi lsofo pensa, o mundo existe. A mundanidade do sexto sentido, do senso comum , que era garantida pela realidade, abandonada e, na modernidade, a realidade, que era o sentimento compartilhado por muitos, passa a ser garantida pelos processos solitrios do pensamento duvidante.

    O que era comum a todos o comumente compar-tilhado pertencia a um mundo externo ao homem. Suas sensaes internas, seus cinco sentidos, o ade-quavam a viver com outros homens e a compartilhar em comum no mundo, o que lhes era, aparentemente, o mais interno e pessoal os cinco sentidos que, a rigor, jamais podem ser os mesmos, mas que torna-vam-se comuns (em comum-idade), orientando-os no mundo.

    Descartes, na solido do pensamento, procura tra-zer realidade que se manifesta no mundo externo a natureza particular da atividade de pensar, e o faz a partir do pensamento duvidante que descr da rea-lidade conferida pelos cinco sentidos. O pensamento moderno passa a ter esta caracterstica: se relaciona com o mundo a partir de uma estrutura de raciocnio comum o pensamento duvidante em que a reali-dade passa a ser dada pelos processos da mente. Estes passam a ser o que os homens tm em comum e isso os faz estar em comum com o mundo quanto rea-lidade, a qual passa a ser comum porque deriva do mesmo processo de raciocnio. Os homens modernos passam a ter em comum o processo de produo da realidade, dado por meio do pensamento duvidante.

    Assim, conclumos que, para compreender o que uma coisa , devemos construir esse objeto de conhe-cimento no interior de nossa prpria mente. Assim, toda a realidade pode ser um objeto da construo hu-

  • 145mana. Portanto, no importa qual seja o objeto a ser construdo, pois a mente capaz de realizar qualquer construo. Assim, podemos fabricar a sociedade, os processos educacionais e, inclusive, o que sempre nos foi percebido como dado e gratuito: a natureza. Afi -nal, no isso a que temos assistido a partir das tec-nologias sofi sticadas que ingressam no curso natural da vida, por exemplo, a produo dos transgnicos e dos clones?

    Da mesma forma, podemos concluir que cincia e fi losofi a se separaram na Era Moderna porque a fi -

    losofi a no capaz de cumprir uma exigncia espe-cial da cincia moderna, pois incapaz de produzir provas, de demonstrar seguramente as suas verdades produzidas. Modernamente, compreendemos que co-nhecimento confi vel aquele que produz provas e produz resultados. Estudamos na Unidade I do nos-so curso que o flego do pensamento fi losfi co est, justamente, nessa capacidade de refazer o que ele mesmo fez sem se preocupar com a comprovao do seu resultado no mundo. Mas isso se indispe frontal-mente com o que deseja a cincia moderna. Por isso a separao que anunciamos inicialmente.

    Texto 11:Texto 11: A Fabricao da Natureza: a Physis tal qual oNomos

    Vamos utilizar esse ltimo momento do nosso curso para uma refl exo, realizando alguns questionamen-tos, sem, com isso, ter a pretenso de produzir quais-quer concluses.

    Palavras-chave: physis; nomos; fabricao.

    A cincia j capaz de realizar tecnologias sofi sti-cadas em relao natureza, como realizar a transfe-rncia de embries, a produo de animais e vegetais transgnicos e os clones. Isso atesta o ingresso da tc-nica moderna na espontaneidade da natureza.

    A justifi cativa para se falar em espontaneidade de-ve-se ao fato de que a natureza sempre foi entendida como aquilo que aparece no mundo a partir de si mes-ma, como autofundada e isso sem que seja necessria nenhuma interferncia externa. Nascer, surgir, apare-cer a partir de si mesma sempre foi um carter autoe-vidente dos seres vivos e fundado na espontaneidade. Aqui, devemos, novamente, relembrar os estudos que fi zemos sobre a physis.

    A tcnica, ao se introduzir na natureza, de alguma forma, altera seu curso natural nascer, crescer e morrer. O objetivo da tcnica o de ingressar nesse fenmeno natural para, de alguma forma, aprimor-lo. Assim, de se esperar que animais e vegetais pro-duzidos a partir da cincia tenham maior e melhor desempenho produtivo em relao queles que nas-ceram naturalmente.

    No entanto, a natureza, que pode ser produzida em laboratrio e que pode se tornar objeto produzvel pela cincia, sempre apareceu no mundo fundada na

    espontaneidade. No momento em que se possa ter ateno para o fato de que a vida est sendo produzi-da pela cincia, que seres vivos esto vindo ao mun-do por meio de recursos cientfi cos fabricadores, possvel tambm ter a ateno despertada para o fato de que a natureza sempre se caracterizou por surgir a partir de si mesma.

    Mas, sendo a natureza fundada na espontaneidade, como ela pode, de alguma forma, ser fabricada pela tcnica moderna? A natureza que sempre apareceu espontaneamente e a partir de si mesma passa a apa-recer graas s tcnicas da fabricao. No entanto, aparecer espontaneamente e aparecer por intermdio da fabricao conferem vida formas de apario opostas. Se possvel reconhecer que a espontanei-dade que funda a natureza e, ao mesmo tempo, que a tcnica a fabrica, o que h em sua constituio que permite essa fabricao? O que a natureza para que possa ser fabricada?

    Ser que podemos supor que atualmente confundi-mos a physis com o nomos? Pois, se a physis produz e obedece as suas prprias leis e o nomos o produto da conveno humana, ser que, graas cincia mo-derna, transformamos a physis tambm em uma con-veno humana que se sujeita ao nosso livre arbtrio?

    Podemos nos abster de dar a essa interrogao uma resposta positiva. Vamos deix-la ser tratada pelo seu prprio poder interrogativo o que, a rigor, a oportunidade para que o pensamento se desencadeie. Desta forma, podemos, momentaneamente, encerrar o nosso curso (e o nosso per-curso) alimentados pela oportunidade de pensar em nossa interrogao.

  • 146Exerccios

    1. Observe a seguinte passagem da primeira meditao cartesiana:

    Visto que a runa dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifcio, dedicar-me-ei ini-cialmente aos princpios sob os quais minhas antigas opinies estavam apoiadas. Considerando o signifi cado da passagem citada para a fi losofi a de Descartes, podemos afi rmar que:

    a) Descartes considera que os alicerces arruinados correspondem aos nossos sentidos e que todo o resto do edifcio diz respeito ao conhecimento adquirido por toda a fi losofi a e cincia modernas.

    b) Descartes considera que os alicerces arruinados correspondem a todo o conhecimento adquirido pela fi lo-sofi a e pela cincia pr-modernas e que todo o resto do edifcio corresponde ao conhecimento gerado pela fi losofi a e pela cincia modernas.

    c) Descartes considera que os alicerces arruinados correspondem a toda a forma como a fi losofi a e a cin-cia pr-modernas adquiriram conhecimento, ou seja, por meio dos sentidos e da revelao divina. Considera tambm que todo o resto de edifcio corresponde aos conhecimentos gerados pela fi losofi a e cincia pr-modernas.

    d) Descartes considera que as minhas antigas opinies correspondem fi losofi a e cincia pr-modernas, que eram aliceradas em bases arruinadas dadas pelos sentidos e pela contemplao divina, os quais foram geradores do edifcio condenado, que corresponde a toda cincia e fi losofi a pr-modernas.

    e) As afi rmaes em c e d esto corretas e so complementares.

    2. A regra da dvida em Descartes um artifcio construdo pelo fi lsofo, a qual possui um determinado ob-jetivo. Quanto a isso, podemos afi rmar que:

    a)Trata-se de um argumento ilusrio que possui por objetivo confundir o ouvinte.b) Trata-se de um artifcio que tem por objetivo encontrar o conhecimento certo, seguro e indubitvel.c) Trata-se de um artifcio engenhoso que tem por objetivo no obter conhecimento algum.d) Trata-se de um artifcio, uma alegoria, que pretende apontar o fi lsofo como aquele que capaz de bem

    governar a cidade.e) Trata-se de um artifcio que tem por objetivo por em dvida todos os conhecimentos e comprovar a tese de

    que no possvel conhecer com segurana.

    3. Disserte sobre a forma de como a inveno do telescpio infl uenciou a fi losofi a de Descartes.

    4. Disserte acerca da regra da dvida em Descartes.

    5. Por que, modernamente, podemos afi rmar que physis e nomos se confundem?

    0bs.: A correo dos nossos exerccios ser on-line.

  • 147Glossrio

    Alheamento: estado de distrao.

    Aparato sensorial: conjunto dos cinco sentidos: audio, viso, tato, paladar, olfato.

    Arbtrio: decises dependentes somente da vontade do homem.

    Ardiloso: astucioso; sagaz.

    Embusteiro: falso; mentiroso.

    Etimologia: parte da lingustica que estuda a origem e o signifi cado das palavras.

    Geocntrico: movimento cosmolgico que considera que a terra o centro do universo.

    Hiperblica: exagerada; amplifi cada.

    Hiptese: suposio; teoria provvel.

    Indubitvel: incontestvel; que no passvel de dvida.

    Introspeco: observao ou exame dos prprios pensamentos.

    Persuaso: capacidade de convencer.

    Proposio: expresso de um juzo; assero.

    Reminiscncia: lembrana; recordao.

    Risvel: passvel de riso.

  • 148Referncias Bibliogrficas

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