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FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO III SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP ENTRE A CIDADE E AS REDES: O ESPAÇO HÍBRIDO DA AÇÃO POLÍTICA NO URBANO. Aluno: Kayê Martinez - [email protected] Orientadora: Sonia Nussenzweig Hotimsky - [email protected] Resumo Visando refletir sobre novas formas de organização política, buscamos compreender como estariam relacionados o uso das tecnologias de informação e comunicação nos processos de articulação e mobilização política; sobretudo o uso que os cidadãos mais jovens fazem destas ferramentas. Desta forma, conduzimos um trabalho de campo que acompanhou as atividades do coletivo Movimento Passe Livre São Paulo em seu trabalho regional em São Mateus através de observação participante, entrevistas informais, acompanhamento de suas atividades “on-line” (site oficial, páginas no Facebook, e-mails, etc.). No interior deste recorte pudemos observar: 1) O coletivo em si enquanto organização política; 2) As pessoas que aderem à causa, mas que não são, necessariamente, militantes; 3) O uso das tecnologias de informação e comunicação no processo das atividades. Estes fatores operam em um modelo no qual a organização em torno de uma pauta ocorre simultaneamente entre um ambiente que é virtual, proporcionado pelas TIC’s, representado como um espaço de maior autonomia se comparado com as mídias tradicionais de informação, assim como um meio mais veloz de propagar estas informações, e o espaço urbano da cidade, palco onde a política ocorre. É da sinergia entre estes dois ambientes que se configura o espaço que estamos nos referindo como híbrido. O potencial de transformação que repousa neste tipo de movimentação está em sua capacidade de interferir no fluxo habitual da cidade e oferecer, mesmo que de maneira efêmera, uma experiência política que se abre quando uma situação não ordinária ocorre. Palavras-chave: Antropologia urbana, Internet, novas tecnologias, participação política.

FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO … · Visando refletir sobre novas formas de organização política, buscamos ... status quo, como as questões da desigualdade

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FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO

III SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP

ENTRE A CIDADE E AS REDES: O ESPAÇO HÍBRIDO DA AÇÃO POLÍTICA

NO URBANO.

Aluno: Kayê Martinez - [email protected]

Orientadora: Sonia Nussenzweig Hotimsky - [email protected]

Resumo

Visando refletir sobre novas formas de organização política, buscamos

compreender como estariam relacionados o uso das tecnologias de informação e

comunicação nos processos de articulação e mobilização política; sobretudo o uso que

os cidadãos mais jovens fazem destas ferramentas. Desta forma, conduzimos um

trabalho de campo que acompanhou as atividades do coletivo Movimento Passe Livre

São Paulo em seu trabalho regional em São Mateus através de observação

participante, entrevistas informais, acompanhamento de suas atividades “on-line” (site

oficial, páginas no Facebook, e-mails, etc.). No interior deste recorte pudemos

observar: 1) O coletivo em si enquanto organização política; 2) As pessoas que

aderem à causa, mas que não são, necessariamente, militantes; 3) O uso das

tecnologias de informação e comunicação no processo das atividades. Estes fatores

operam em um modelo no qual a organização em torno de uma pauta ocorre

simultaneamente entre um ambiente que é virtual, proporcionado pelas TIC’s,

representado como um espaço de maior autonomia se comparado com as mídias

tradicionais de informação, assim como um meio mais veloz de propagar estas

informações, e o espaço urbano da cidade, palco onde a política ocorre. É da sinergia

entre estes dois ambientes que se configura o espaço que estamos nos referindo

como híbrido. O potencial de transformação que repousa neste tipo de movimentação

está em sua capacidade de interferir no fluxo habitual da cidade e oferecer, mesmo

que de maneira efêmera, uma experiência política que se abre quando uma situação

não ordinária ocorre.

Palavras-chave: Antropologia urbana, Internet, novas tecnologias, participação

política.

Introdução

Com o avanço das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC’s) em

todo o mundo nas últimas décadas, podemos constatar a presença permanente destas

ferramentas em praticamente todos os segmentos da sociedade (processo decorrente

do barateamento nos custos da produção destas tecnologias). Assim como ocorre,

igualmente, com os serviços de internet banda larga.

Mesmo que ainda distante da realidade de muitos brasileiros (devido aos

custos e falta de instrução para utilização destes recursos), o acesso à internet no país

experimentou crescimento bastante notável nestes últimos anos que não deve ser

desconsiderado ou visto com ingênuo entusiasmo - ainda existe muito para se avançar

no sentido de garantir que o acesso à banda larga seja garantido como direito.

O acesso à informação representa, hoje, direito tão essencial quanto os outros

para o desenvolvimento e avanço da democracia, em nosso entendimento. Isto por

que representa certo nível de emancipação frente à informação distribuída

majoritariamente através dos canais tradicionais da grande mídia (publicando

informações sob o pretexto do jornalismo imparcial, mas submetido a interesses

específicos). O acesso às fontes alternativas de informação significa que o indivíduo

esteja capacitado a formar sua própria opinião, através de um maior acesso a outras

narrativas que fujam do discurso geral, generalizante. Isto só para dar um exemplo

que consideramos como fundamental ao processo do que chamamos por

amadurecimento da democracia (existem outros pontos interessantes de análise que

repousam sobre o tema – assim como outros pontos de vista -, mas que não

trataremos aqui por reconhecer nossa falta de aprofundamento em tais questões e

também como uma forma de restringir aqui, deliberadamente, este debate ao ponto do

acesso a canais alternativos de informação).

Para demonstrar os avanços ocorridos no acesso a estas tecnologias nos

últimos anos, recorremos a uma pesquisa realizada no ano de 2011. De acordo com o

PNAD (Pesquisa nacional por amostra de domicílios), divulgado pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase metade da população brasileira

com 10 anos ou mais de idade (46,5%) acessava a internet em 2011. O índice é mais

do que o dobro do percentual registrado em 2005, quando aproximadamente 21% da

população havia acessado a internet nos últimos três meses por computador ou

notebook. No mesmo período, a população nessa faixa etária cresceu 9,7%1.

Em outra pesquisa, realizada pelo instituto FGV em parceria com a Telefonica

no ano de 2012, podemos constatar a relação direta entre a exclusão digital e a

exclusão social e econômica, tornando a questão da inclusão digital mais complexa do

1O relatório completo pode ser acessado em:

<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000001296230512201323401624212

7.pdf>

que simplesmente aumentar os pontos de acesso gratuito à internet (por exemplo,

através de programas como o Telecentros, programa da prefeitura existente na cidade

de São Paulo, que consiste em espaços espalhados pela cidade que funcionam como

lan-houses gratuitas para a população). Trata-se de uma questão social mais profunda

que merece a atenção das políticas públicas. Segundo a pesquisa, a chance de

acesso da classe AB é 11,8 vezes superior à da classe E, e 4,5 vezes à da classe C.

As regiões mais pobres registram a maior quantidade de lan houses e o menor acesso

à banda larga. As metrópoles apresentam 50% mais chances de acesso à web do que

as demais áreas urbanas. Na área rural, o valor para o acesso à rede é 4,5 vezes

maior devido à dificuldade de oferta de infraestrutura em áreas de população

dispersa2. A idade também é fator relevante para o resultado geral da pesquisa, pois a

maioria da população que acessa a internet é composta por jovens e adolescentes. A

partir dos dados, o Mapa da Inclusão Social 2012 aponta uma necessidade de o

Estado massificar o acesso à banda larga, visto que as concessionárias de telefonia

não têm interesse em levar o serviço ao interior do Brasil. O crescimento acelerado da

banda larga tem ocorrido, sobretudo, em municípios com maior potencial econômico.

Tratando-se de uma juventude urbana que reside em uma grande metrópole

como São Paulo, onde a presente pesquisa foi conduzida, não representa novidade

alguma que o uso destas tecnologias já está profundamente arraigado no modo como

estes cidadãos interagem entre si, se informam e se organizam, seja politicamente ou

para diversos outros fins.

Em um artigo de Severine Macedo, secretária nacional da juventude, publicado

no Le Monde Diplomatique Brasil (2014), foram divulgados alguns dados

interessantes, resultantes da pesquisa Agenda Juventude Brasil, realizada por esta

secretaria. Entre eles, chamamos a atenção para alguns números que parecem

confirmar a relação existente entre a presença incisiva das novas tecnologias de

informação e comunicação e o modo de organização política. Se os jovens estão,

cada vez mais, vivendo e se relacionando em rede, através da internet, o resultado de

sua organização política irá refletir este fato:

Computador e internet são usados por 75% dos jovens e 89%

têm celulares. Para se informar sobre o que acontece no Brasil

e no mundo, 83% usam a televisão aberta, 56% a internet, 23%

os jornais impressos, 21% as rádios comerciais e 17% a TV

paga. Enquanto a TV aberta é o meio de informação mais

acessado por 91% dos jovens de baixa renda, a internet figura

em primeiro lugar entre os mais ricos (73%). (MACEDO, 2014,

p. 8)

2 Para mais detalhes sobre a pesquisa, acessar o Mapa da Inclusão Digital (2012) em

<http://www.cps.fgv.br/cps/telefonica/>

E, também:

Para mudar as coisas no Brasil, “a participação e mobilização

nas ruas e ações diretas” é a opção mais mencionada pelos

jovens (45%). Em seguida vêm a “atuação em associações ou

coletivos que se organizam por alguma causa” (44%), a

“atuação em conselhos, conferências, audiências públicas ou

outros canais de participação deste tipo” (35%), a “atuação pela

internet” (34%) e a “atuação em partidos políticos” (30%).

(Idem, p. 9)

Cabe ressaltar que esta pesquisa foi realizada em abril e maio de 2013, isto é,

antes das manifestações de junho.

Antes de prosseguir, vale lembrar que o Movimento Passe Livre (objeto de

trabalho desta pesquisa etnográfica) não é uma organização que se orienta muito para

a internet. Quando questionados sobre o assunto, os militantes parecem demonstrar

certa indiferença. Seu objetivo real é o trabalho feito a partir de demandas locais

(trabalhos regionais realizados em bairros periféricos da cidade) e na ação direta,

sempre em torno de pautas concretas, por vezes em conjunto com outros movimentos

sociais. O coletivo luta por um transporte público que seja reconhecido como um

direito (como educação, lazer, saúde etc), e, portanto entendem que deva ser um

serviço gratuito e gerido não pela iniciativa privada, mas pela população e os

trabalhadores. Segundo os próprios integrantes, em sua carta de princípios3, “o MPL

não tem fim em si mesmo, deve ser um meio para a construção de uma outra

sociedade. Da mesma forma, a luta pela Tarifa Zero não tem um fim em si mesma. Ela

é o instrumento inicial de debate sobre a transformação da atual concepção de

transporte coletivo urbano, rechaçando a concepção mercadológica de transporte e

abrindo a luta por um transporte público, gratuito e de qualidade, como direito para o

conjunto da sociedade; por um transporte coletivo fora da iniciativa privada, sob

controle público (dos trabalhadores e usuários)”.

Diferente dos partidos tradicionais de esquerda, o MPL não busca conduzir a

massa por um suposto caminho que levará a emancipação da classe trabalhadora.

Como bem afirma Pablo Ortellado (2013), o MPL integra um tipo de movimento que

frequentemente valoriza mais o processo do que o resultado:

[...] É o meio pelo qual atuam, a horizontalidade, a democracia

direta, assim como a criatividade das suas ações, que dão a

eles sabor e sentido. As lutas são ao mesmo tempo

experiências vivas de uma democracia comunitária e espaço

de auto expressão contracultural. Algumas vezes, essa

dimensão processual é sobrevalorizada e mesmo contraposta

3 Divulgada no site oficial do movimento. Disponível em: <

http://saopaulo.mpl.org.br/apresentacao/carta-de-principios/>

aos resultados práticos da ação política. (ORTELLADO, 2013,

p.227)

Configurando assim uma organização política que reconhece e busca apoiar as

lutas espontâneas e outros movimentos sociais (aqueles que se reconhecem

partilhando de uma mesma ideologia libertária e que se pretende transformadora do

status quo, como as questões da desigualdade social, especulação imobiliária, direito

à cidade, repressão policial entre outros), por entenderem as pessoas como células de

poder.

Estas características do movimento refletem-se na identidade das

manifestações do MPL. Estas têm um número reduzido de bandeiras (mas não

excluem partidos); não existe a figura de um líder que fala através de um megafone,

por exemplo, pois a liderança no interior do movimento é distribuída, não se

“cristalizando” na figura de um indivíduo apenas. Isto é, existe uma rotatividade dos

postos de liderança no interior do grupo: alguns militantes são escolhidos para serem

porta-vozes do coletivo para a imprensa, outros para recolherem assinaturas para um

abaixo-assinado que busca implementar a tarifa zero, de acordo com o perfil dos

indivíduos. Ao invés desta figura que fala através do megafone, é utilizado o recurso

do jogral, no qual uma pessoa ou um conjunto pequeno toma a frente de um discurso

dizendo-o em voz alta e pausadamente para que o restante dos manifestantes repitam

as frases - se com elas concordarem.

O recurso à teatralidade também constitui característica essencial das

manifestações organizadas pelo coletivo. Um exemplo disto é o ritual da queima da

catraca. Ele ocorre ao menos uma vez em cada manifestação do MPL, em geral no

momento de encerramento dos atos. Este ritual consiste em dispor de uma ou mais

catracas (às vezes uma catraca real, outras feita de papelão) em meio à manifestação,

abre-se espaço em torno delas, e então é ateado fogo sobre estes objetos enquanto

os manifestantes observam as chamas; quando o fogo diminui é comum que alguns

manifestantes pulem as catracas ainda em chamas, em alusão ao costume de pular a

fogueira em festas de São João. A estética das chamas, ateadas nas catracas,

significam um ataque direto a este objeto que é considerado pelo coletivo seu principal

alvo (é quase uma contemplação observá-las queimando); assim, ludicamente se

exclui este elemento de restrição do pleno usufruto da cidade e da cidadania ao

manter uma tarifa para a locomoção e ao acesso aos equipamentos públicos – é como

se as catracas existissem para além dos ônibus, metrô e trem, mas estivessem

espalhadas por localidades da cidade na medida em que seu acesso está restrito

devido aos valores tarifários do transporte público, anulando o direito à cidade em seu

sentido mais amplo.

Entendemos que ha uma preocupação deste coletivo em manter a identidade

do movimento fiel à sua proposta de luta pelo transporte público e gratuito, buscando

evitar que seja desvirtuada – ou pior, cooptada. Ao mesmo tempo, o uso das redes

digitais é hoje resultado de uma tendência histórica, fazendo parte da vida da maioria

destes jovens. Sua utilização, mesmo que não seja central, acaba refletindo no modo

de organizar-se e agir politicamente.

Método e técnicas de pesquisa

Um pouco antes do início desta pesquisa ser apresentada em forma de projeto,

ainda no início de 2013, se evidenciou a necessidade de um maior aprofundamento

das questões envolvidas para além da pesquisa bibliográfica. A questão central partiu

da seguinte premissa: As TIC’s estão influenciando novas formas de organização

política. Buscamos refletir sobre como estariam relacionados o uso das TIC’s,

enquanto instrumentos de luta política e de uma sociabilidade mediada pela interface

gráfica4 da internet, e uma maneira de organiza-se horizontalmente, em grupos de

lideranças difusas, que se distanciam dos canais institucionais tradicionais.

Desta forma, ficou estipulado, com auxílio da orientação, que a metodologia

mais adequada para a proposta seria a realização de uma etnografia com um grupo já

estruturado e atuante; no caso, o Movimento Passe Livre São Paulo. Tendo

apresentado o projeto no início do mês de junho, antes do que ficou conhecida por

“jornadas de junho”, a pesquisa foi realizada entre setembro de 2013 e junho de 2014.

Esta fez uso das técnicas de observação participante de atos e manifestações, bem

como reuniões de um trabalho sendo realizado em um bairro popular, entrevistas

informais, o acompanhamento dos múltiplos usos das TICs pelo coletivo; e, o uso de

fontes secundárias, inclusive artigos, livros, e material de imprensa sobre as

manifestações de junho e o MPL de modo geral.

Da bibliografia consultada e utilizada destacamos, nesta seção, como modelo

metodológico, um artigo de John Postill (2012), antropólogo especializado no estudo

de mídias digitais, no qual este autor expõe os resultados de duas pesquisas

etnográficas efetuadas na Malásia e na Espanha, respectivamente. Postill advoga em

favor da antropologia no estudo de processos políticos envolvendo o uso de mídias

digitais, pois esta oferece a este nascente campo de estudos um rico léxico político,

que inclui a análise processual, comparações a posteriori e observação participante

assim como outras ferramentas da etnografia clássica para o estudo do que denomina

“política digital”- que se traduz em processos políticos mediados digitalmente.

4 O sistema operacional Windows seria uma interface gráfica, por exemplo, que se utiliza da estética das

“janelas” que permite ao usuário interagir com o sistema sem que seja necessário que ele domine a

linguagem binária numérica da qual o computador opera os comandos e processos. Neste sentido, a

interface gráfica e também física dos navegadores e servidores da rede mundial de computadores

proporciona um instrumento mediador interativo de sociabilidade entre os indivíduos conectados a essa

rede. De um lado temos as práticas de sociabilidade face-a-face, que são mantidas ao modo “tradicional”,

de outro, está presente esta especificidade da sociabilidade em termos virtuais (DORNELLES, 2004).

Postill alerta que não se deve estabelecer uma dicotomia entre as

comunidades e as redes quando o pesquisador se propõe a estudar mídias digitais em

contextos locais. Isso poderia representar uma armadilha e comprometer o trabalho,

pois efetivamente as comunidades não estão sendo impactadas por forças externas e

desconhecidas, que seriam as redes da internet. Antes, segundo Postill, devemos nos

focar na análise do “campo dos assuntos residenciais”. Este termo foi empregado para

denominar as práticas e relações sociais cotidianas que estariam estreitamente

ligadas às tecnologias digitais, como por exemplo, e-mail, portais, fóruns on-line, blogs

e telefones móveis. Em suas próprias palavras, a armadilha:

[...] consiste em reduzir a pluralidade e as formações dos fluxos

sociais e políticos, que invariavelmente são encontrados em

localidades contemporâneas (ex.: grupos de pares, cortes,

associações, gangues, clãs, seitas, mesquitas, facções,

famílias, comitês de ação, grupos de e-mail, grupos de

Facebook, tendências de Twitter), em uma dicotomia simplista

entre comunidade vs. rede. Isto tem sua origem na ideia

errônea de que nossas “comunidades locais” estão sendo

impactadas por uma sociedade em rede global e pela “rede das

redes” conhecida por Internet. (POSTILL, 2012, p.170)

Tal perspectiva, histórico-processual dos fatos, é influenciada, sobretudo pelos

estudos colaborativos realizados pela Escola de Manchester (Gluckman, Turner,

Epstein e outros) durante as décadas de 60 e 70, cuja abordagem conceitual marcou

uma ruptura no campo da antropologia com o paradigma estrutural-funcionalista

vigente na época. Menos rígido que o estrutural-funcionalismo, este modelo de análise

voltou-se para as dinâmicas próprias que são encontradas em campo, e que poderiam

ser facilmente perdidas caso o pesquisador levasse consigo a priori seus modelos

estruturais de análise, por vezes exteriores ao objeto em si.

No contexto da presente pesquisa, e buscando aplicar modelo semelhante ao

exposto acima, detivemo-nos sobre três principais elementos de análise, a saber: a) O

MPL SP em sua atuação enquanto organização política atuando como “mediador”

entre demandas locais e o Estado. Privilegiamos na pesquisa de campo, uma de suas

frentes de trabalho regional realizado no bairro de São Mateus. Porém, também

tivemos a oportunidade de acompanhar algumas manifestações realizadas no centro

de São Paulo. Procuramos descrever e analisar o modo de organização do MPL,

assim como as características que marcam sua identidade. Como entendem a cidade

e buscam agir sobre ela? Quais seus “rituais”; sua ideologia e suas formas de

organização política?; b) As pessoas que contribuem com a causa, mas que não são

militantes do movimento. Podemos utilizar o termo “atores do movimento” (movement

actors) (MAECKELBERGH, 2009), deixando o termo “militante” apenas para os casos

que pode ter-se certeza, pois, existem pessoas que não se identificam como

“militantes” ou “ativistas” por estas palavras trazerem consigo uma conotação de uma

categoria privilegiada, quase como algo que remete a “profissionais”. Além disso, o

termo ‘atores do movimento’ é mais inclusivo por contemplar os atores envolvidos nos

processos, seja um envolvimento temporário ou mais duradouro. Esta categoria, mais

flexível, é essencial para apreender as formas de organização do tipo da qual estamos

interessados; por último, c) Apropriação das tecnologias da informação e comunicação

como instrumentos de articulação e mobilização política, sobretudo a internet para a

comunicação, divulgação, criação e modificação de conteúdo. Incluímos que entre as

TICs apropriadas por nossos sujeitos estão: plataformas como o Facebook, Youtube, e

listas de e-mail.

Observamos o campo dos “assuntos residenciais” no contexto do bairro de São

Mateus, onde o MPL-SP se articulara com moradores e professores locais para

fomentar uma luta pelo retorno de algumas linhas de ônibus que foram cortadas na

região e articular um trabalho regional neste local. Após isto, a análise que fizemos

recaiu para além do bairro e se deteve em uma manifestação que ocorreu no centro

da cidade, em uma reunião aberta entre a população, o MPL-SP e o secretário de

transportes, Jilmar Tatto.

Participação política – O canal organizacional

Existem três grandes vias ou tipos de canais de participação política , segundo

Lúcia Avelar (2004, p.225): 1) o canal eleitoral, que abrange todo o tipo de participação

eleitoral ou partidária, conforme as regras constitucionais do sistema eleitoral de cada

país; 2) os canais corporativos, que são instâncias intermediárias de organização de

categorias e associações de classe para defender seus interesses no âmbito fechado

dos governos e do sistema estatal; 3) o canal organizacional, que consiste em formas

não institucionalizadas de organização coletiva como os movimentos sociais,

subculturas políticas etc.

O Movimento Passe Livre enquanto movimento social se localiza e atua no

terceiro canal; a participação por este tipo de canal:

Abrange as atividades que se dão no espaço não

institucionalizado da política. Um exemplo é o dos movimentos

sociais, que se articulam para objetivos de médio e longo

prazos, com períodos de maior envolvimento e visibilidade,

dependendo da agenda da organização. Seus membros são

chamados de militantes que se unem em redes de relações

informais, compartilhando crenças que, no geral, contestam os

valores correntes de uma sociedade, lutando para superá-los,

porque são restritivos, inferiores, ao justificar uma estrutura

social que marginaliza grande parte da sociedade. A eficácia

dos movimentos depende da densidade da rede social

produzida, o que depende do esforço de cooperação dos seus

membros e da identificação com os interesses comuns.

(AVELAR, 2004, p.226)

A origem do Movimento Passe Livre remonta ao ano de 2003, em Salvador,

quando milhares de pessoas ocuparam as ruas por mais de três semanas para barrar

o aumento da tarifa de ônibus na capital baiana em um episódio que ficou conhecido

por “revolta do busu”, mas é somente em 2005, no Fórum Social Mundial de Porto

Alegre, que o movimento foi fundado e constituído da forma como vigora até hoje

(POMAR, 2013).

Atualmente o MPL-SP segue ativo em algumas frentes de trabalho, chamados

de trabalhos regionais, que consistem em articular com a população local de bairros

da periferia da cidade de São Paulo atividades que visam dar visibilidade e fazer

pressão frente ao Estado para que demandas relacionadas ao transporte público, mas

que não se limitam apenas a esta questão, como veremos adiante, sejam

atendidas/melhoradas/modificadas.

Trabalho regional em um bairro da periferia de São Paulo

Em um momento inicial do trabalho regional realizado pelo MPL no bairro de

São Mateus, zona leste da capital, aproximei-me desta atividade quando participei

pela primeira vez de uma reunião aberta no mês de outubro de 2013, inaugurando o

trabalho de campo. Existem trabalhos que se iniciaram há mais tempo em outras

regiões da cidade, mas naquele momento estavam visando uma maior participação na

zona leste. As reuniões com os moradores da região fazem parte das atividades

regionais e representam um momento onde um grupo de militantes, escolhidos entre

os integrantes do coletivo, geralmente consultando previamente a agenda pessoal de

cada um, se encontram e debatem algumas questões sobre transporte público com os

habitantes locais, e estes expõe suas demandas, dificuldades e opiniões sobre o que

pode ser feito em termos de mobilizações e que contatos poderiam ser interessantes

de serem realizados para tais finalidades.

A reunião, divulgada com antecedência de uma semana através de uma

página no Facebook intitulada de “Luta pelo transporte em São Mateus”, contava com

uma frase utilizada de slogan na descrição do evento, sintetizando a proposta deste

tipo de trabalho: “Reunião aberta do Mov. Passe Livre

Venha discutir os problemas de transporte do bairro!” (Disponível em:

<https://www.facebook.com/events/182733565248246/?ref_dashboard_filter=calendar

>) ocorreu em uma praça em frente ao Terminal São Mateus, no dia 12/10/2013.

Neste dia, fizemos uma divisão das pessoas ali presentes em 3 grupos, cada grupo

com um tema, com o objetivo de criar um texto de coautoria sobre cada tema. Ao todo,

haviam 15 pessoas presentes, sendo 10 pessoas interessadas e 5 militantes do MPL.

Fiquei com o tema “Lotação” (situação do excesso de passageiros no transporte

público), formando um grupo com outras 3 pessoas e um militante do MPL. Para tanto,

um ativista do MPL anotou os e-mails de cada pessoa ali presente e foi enviado um e-

mail com cópia para todas as pessoas para a manutenção dos contatos, para

combinar a data da próxima reunião e a realização da atividade dos textos, que seriam

utilizados futuramente. Porém, logo nos dias que se seguiram esta atividade teve de

ser cancelada, pois dali duas semanas, no dia 26 de outubro, já estava marcado o “Ato

por TARIFA ZERO na semana do transporte público” 5, o que exigiu da organização

interna dos militantes um foco maior para este evento.

No mesmo dia que ocorreu o ato por tarifa zero, 26 de outubro, foram

anunciadas as mudanças que foram feitas em pelo menos 80 linhas de ônibus na zona

leste de São Paulo6. Estas mudanças significaram diversas linhas cortadas, sob a

alegação que a criação de novos terminais de ônibus, melhoraria a qualidade dos

serviços prestados e um menor tempo de espera nos pontos e terminais de ônibus. Na

região de São Mateus foram cortadas 43 linhas de ônibus, sendo que algumas delas

constituíam importantes trechos no itinerário entre estes bairros e o centro da cidade.

Na realidade, o que foi vivenciado por milhares de cidadãos paulistanos foi uma

situação caótica de desorganização e falta de informação em relação aos novos

itinerários. A SPTRANS e a prefeitura de São Paulo não consultaram previamente a

população sobre qualquer possibilidade de estudar quais linhas poderiam afetar mais

ou menos o cotidiano da população antes de programar e implementar estas

mudanças.

Houve duas manifestações em São Mateus após os cortes que não contaram

com o envolvimento do MPL. O MPL apoiou e fez a chamada à população para uma

terceira manifestação; o “3º ato contra o corte de linhas em São Mateus” aconteceu

em 07/11/13. Como de costume, um militante ficava com a atribuição de criar um

evento no Facebook com a data e horário dos atos que iriam ocorrer, através da

página “Luta pelo transporte em São Mateus”

(<https://www.facebook.com/lutatransportesaomateus?ref=profile>), como forma de

divulgar ao maior número possível de pessoas7.

O espaço que é proporcionado pelo evento no Facebook, isto é, a interface

gráfica mais a conexão à rede, permite às pessoas uma interação virtual, através da

5 “Todos os anos, celebramos a semana do dia 26 de outubro como uma ocasião de luta. Essa data é

importante porque remonta às mobilizações e conquistas da Revolta da Catraca de 2004, em

Florianópolis, uma das lutas que deu origem ao Movimento Passe Livre. É preciso manter viva a memória

para sempre lembrar que nossa luta não começou agora - e que só vai terminar com o fim de todas as

catracas”(recorte.MPL,2013)disponível em:

<https://www.facebook.com/events/1397777973788282/?ref=2&ref_dashboard_filter=calendar> 6 Notícia sobre as mudanças na imprensa, publicada na época: <<http://g1.globo.com/sao-

paulo/noticia/2013/10/veja-mudancas-nas-linhas-de-onibus-na-zona-leste-de-sp.html> Acessado em:

30/10/13 7 Endereço para o evento criado no Facebook, com as informações do 3º ato contra o corte de linhas:

<https://www.facebook.com/events/617606711631577>).

possibilidade de postarem no mural da página referente ao evento suas opiniões,

suscitando debates. Também é comum que postem links de outros materiais que

possam estar relacionados direta e indiretamente com o tema central, incluindo

vídeos, notícias e também eventos de outras manifestações de outros coletivos e

movimentos sociais. Abaixo, um exemplo de como se dá este tipo de interação via

interface gráfica mais a conexão em rede: um indivíduo publicou no mural do evento

criado no Facebook um breve relato da reunião que ocorreu dias antes do “3º ato

contra o corte de linhas...” entre alguns moradores, militantes do MPL e funcionários

da SPTRANS. A publicação foi feita um dia antes do ato.

Interface básica (curtir, comentar e compartilhar) do sistema da rede social Facebook, que

permite a interação entre seus usuários (este recorte é referente ao mural do evento do 3º Ato

pelo retorno das linhas em São Mateus).

Ainda se tratando da mesma página de evento referente ao ato ocorrido no dia

07/11/13, destacamos outro exemplo de interação entre os usuários da rede: Um

vídeo amador gravado por uma garota, no qual ela mesma se filmava e expunha sua

experiência com os cortes8. Indignada, a garota pretendia que outras pessoas em

semelhante situação tomassem posição frente aos ajustes arbitrários das empresas de

transporte e da prefeitura de São Paulo (o vídeo foi postado na seção de comentários

da página do evento criado pelo “Luta do transporte em São Mateus” pela própria

pessoa que o gravou, recebendo como resposta comentários de apoio e aprovação de

pessoas que se sensibilizaram ou se viam na mesma situação). Além dela, um rapaz,

por iniciativa própria, buscou se articular com o MPL para realizar este ato em São

Mateus. No mural do evento ele expressa, através de um pequeno texto em formato

de imagem, algumas de suas opiniões:

“Recentemente participei dos protestos pela revogação do aumento da

passagem de ônibus. Nunca tinha ido a um protesto, pois tinha medo, preguiça e

sempre acreditei que protestar não daria em nada. Até que um dia eu vi um monte de

gente indo às ruas mesmo com a polícia recebendo ordens para descer o cacete até

quando a manifestação estava pacífica e com parte da mídia partidária chamando de

vândalos e baderneiros aqueles que lutavam por algo que beneficiaria a mim também.

A vergonha de permanecer de braços cruzados começou a se unir a um bom senso

que surgia dentro de mim. Decisão tomada!”.9

Há de se ressaltar que este recurso de criação de evento no Facebook,

bastante comum aos usuários da rede, funciona sobremaneira como forma de

divulgação devido ao seu caráter viral. Isto é, ele se espalha facilmente através dos

convites, da sugestão entre os usuários, como forma de divulgar também fora da rede,

copiando o link do endereço do evento e sugerindo que as pessoas acessem “para

mais informações”. Isto pode acabar levando mais pessoas ao evento em simples

consequência ao maior número de pessoas informadas a respeito através da

divulgação, mas não garante que isto aconteça. Por exemplo, é comum que o número

de pessoas “confirmadas” (que selecionaram na página do evento uma confirmação

de que estarão presentes no local, no dia e na hora do evento) seja maior que a

quantidade de pessoas que se encontra no evento de fato. Ao mesmo tempo, cabe

ressaltar que a página de um evento é um espaço de divulgação que proporciona

debates e continua fomentando a criação de outros eventos, pois esta permanece

online mesmo após o evento ter ocorrido. A página de um evento acaba funcionando

como um histórico; mas pertence ao Facebook o poder de apagar ou não este tipo de

conteúdo, não sendo possível saber até quando essas páginas ficarão à disposição.

8 O vídeo pode ser visto no Youtube através do endereço: <

http://www.youtube.com/watch?v=R89TcGcHr2E>. 9 O texto inteiro faz parte de um arquivo em imagem postado no mural do evento “3º Ato contra o corte

de linhas em São Mateus”: <

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10152317440214045&set=gm.621886747870240&type=1&t

heater>

No dia do ato de 7 de novembro, apenas cerca de 30 a 40 pessoas

participaram, embora 10 mil foram convidados via Facebook, e 556 pessoas

“confirmaram”10 a participação., A manifestação partiu do Terminal São Mateus e

caminhou até uma importante avenida da região. O ato seguiu pela via pública,

reduzindo a velocidade do trânsito da via, onde carros e motos desviavam como

podiam das pessoas que seguiam atrás de uma grande faixa preta com letras brancas

"contra o corte de linhas”. Funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego

(CET) estavam presentes. Um pouco antes de a manifestação sair em caminhada,

militantes do MPL conversavam a respeito do trajeto que seria percorrido com estes

funcionários.

Após estes três atos, uma linha de ônibus voltou a operar em 23/11/13: a

407E/10 Jardim Santo André – Metrô Carrão. Esta linha não operava na região de São

Mateus, mas no Jd. Santo André, também na zona leste da capital. Porém, o sucesso

obtido nesta luta fomentou de modo positivo o trabalho efetuado pela articulação entre

militantes do MPL e moradores locais, ou “atores do movimento” em São Mateus em

prol da reativação da linha 3354-10 Jd.Colonial – Pq. Dom Pedro II, linha antes

responsável por ligar diretamente o bairro ao centro da cidade. A volta desta linha

tornou-se um dos principais objetivos da frente do trabalho regional em São Mateus a

partir de então.

No final de 2013 estas reuniões abertas pararam de acontecer e foram

retomadas novamente no início deste ano. No dia 22/02/14 aconteceu novamente uma

reunião com um pequeno grupo de 10 pessoas, ao todo, envolvidas no trabalho de

São Mateus; entre estes “atores do movimento” se incluem jovens estudantes, alguns

professores de história e sociologia que lecionam em escolas da região, e uma

senhora moradora do bairro. Esta reunião11 foi mais divulgada que as anteriores que

ocorreram durante o ano de 2013. Uma semana antes da data marcada para ocorrer a

reunião houve bastante divulgação através do Facebook, com publicações de imagens

e textos.

A página “Luta pelo transporte em São Mateus” divulga os eventos que são

criados pelo MPL SP visando esta região, mas também é utilizada como meio de

divulgar vídeos, textos e outros links em geral. Foram publicadas – com maior

frequência durante o ano de 2013 - imagens de teor político e, algumas vezes, de

humor como recurso de contestação do modo como está organizado o modelo de

transporte público atual. Uma ilustração de um ônibus lotado de gado com os dizeres

“dia após dia, tratados feito animais” foi uma delas, seguido de, na seção de

10

Este fato gera debates entre os próprios usuários, no mural de comentários, que frequentemente

questionam qual seria então a intenção das pessoas que confirmam presença no evento se não pretender ir

de fato. As pessoas associam a confirmação de presença virtual com o apoio que elas sentem com a causa

em questão. Também fazem isto como forma de divulgar o evento para seus contatos pessoais (redes de

relacionamentos pessoais). Ainda assim, esta questão continua sendo bastante debatida. 11

Disponível em: <https://www.facebook.com/events/1443753105861743/?ref=ts&fref=ts>.

comentários, um comentário da própria página com o link do evento que continha

informações sobre a reunião a ser realizada no dia 22 de fevereiro. Esta maior

divulgação se refletiu no número de confirmações na página do evento, que chegou a

marcar 65 confirmações, o dobro da média que costumava ocorre nos eventos criados

pelo "Luta do transporte em São Mateus" para divulgar as reuniões abertas.

Comum nas redes sociais, este tipo de montagem12 se utiliza de humor, com

doses de ironia, como forma de fomentar debates em torno de temas específicos e

atuais; devido ao seu potencial viral, de fácil elaboração - exigindo apenas recursos

básicos de edição de imagens para unir frases a fotografias digitalizadas ou outro tipo

de imagem -, são bastante conhecidos por usuários de redes sociais por se

espalharem rapidamente pelo feed de notícias. Abaixo, uma imagem que ilustra bem o

uso deste tipo de recurso: através do Google Mapas (sistema gratuito de busca de

posicionamento global por satélite – GPS) elaborou-se uma visualização das áreas

afetadas pelo corte da linha 3354-10 como uma forma de demonstrar o tamanho do

impacto do corte de uma linha de ônibus na vida das pessoas que dependem deste

tipo de serviço.

Imagem publicada na página do “Luta pelo transporte em São Mateus” em 18/03/14 para divulgar um

evento criado da próxima reunião aberta.

12

Trata-se de uma mistura simples de uma imagem com alguma frase. Geralmente, será apenas engraçado

para quem estiver habituado com esta linguagem e minimante informado do debate do qual está sendo

referenciado. É comum que se façam estas montagens logo após os acontecimentos, versando sempre

sobre os temas mais atuais.

Na reunião, que ocorreu em um dos bancos da praça, foi realizado um

levantamento de quais ações seriam necessárias e de como fazê-las para atingir o

objetivo de "trazer" de volta a linha de ônibus Jd. Colonial – Pq. Dom Pedro II (3354-

10), que passava pela mesma avenida onde estávamos (Av. Maria Cursi) e era uma

ligação direta do bairro ao centro. No início, um morador do bairro que também é

militante e a senhora moradora expuseram ao grupo a experiência que tiveram na

reunião com a SPTRANS. Os dois, mais outros dois moradores, que não estavam

presentes na reunião naquele momento, estiveram com uma equipe que os recebeu

para tratar do corte da linha 3354-10. Quanto ao retorno da linha, a equipe da

SPTRANS lhes disse que seria impossível, e que estariam realizando estudos para

possíveis soluções ao problema dos moradores do Jd. Colonial dentro de um prazo de

30 dias. Uma alternativa que a SPTRANS deu como resposta foi a possibilidade de

fazer um desvio de outra linha que não é muito utilizada , segundo os moradores, para

fazer o trajeto da Av. Maria Cursi até a Av. Mateo Bei, muito importante na região.

Durante aproximadamente quarenta minutos foram levantadas e discutidas

algumas ideias para o estabelecimento das diretrizes para as futuras ações. Uma

questão que surgiu logo no início foi a de “enviar” uma resposta de insatisfação por

parte dos moradores antes da data de 30/05/14 estabelecida pela SPTRANS para

demonstrar que não estão estariam esperando passivamente pela resposta. Esta ideia

foi colocada por um militante do MPL. Com isso em mente, foram estipuladas duas

principais ações: 1)Ato em frente à subprefeitura de São Mateus, parando a Avenida

Ragueb Chohfi, via pública importante da região; 2)Ato em frente à Secretaria de

Transportes em conjunto com os outros bairros que também estão sofrendo as

consequências dos cortes de linhas (Vila Gomes, Campo Limpo, Cidade Tiradentes

entre outros) - o primeiro ato ocorreu no dia 30/05/214 e o segundo acabou não

acontecendo. Além disto, também foi levantada uma ideia de se aproximar dos

cobradores e condutores de ônibus para sondá-los sobre o que eles pensam sobre os

cortes e o sistema de transporte, visando, talvez, uma possível parceira entre estas

pessoas e o MPL-SP nesta causa de São Mateus. Esta foi uma ideia considerada

delicada e difícil de ser realizada devido ao vínculo empregatício destas pessoas, que

poderiam temer a demissão como resposta à suas posições. Porém, acharam que

poderia ser interessante de se tentar, pois a insatisfação com as longas horas de

trabalho é um fato. Após a reunião, o grupo manteve o contato através de uma lista de

e-mails com aproximadamente 15 pessoas no Gmail. Esta lista permitiu a todos

aqueles que estavam inclusos nela visualizarem as mensagens trocadas pelas

pessoas do grupo. Isso possibilitou que as questões centrais, estabelecidas em

reunião presencial, continuassem sendo debatidas e administradas enquanto a

próxima reunião presencial não acontecia. Desta forma, manteve-se a articulação e a

comunicação entre as pessoas do grupo. Este tipo de trabalho regional ocorre sempre

baseado na divisão de tarefas entre os militantes, que buscam sempre administrar

suas agendas pessoais e suas redes de relações conforme as diretrizes e os objetivos

estabelecidos para todo o grupo.

Na reunião seguinte já não havia mais o caráter de debate aberto com os

moradores, mas de um encontro deste grupo que estava realizando o trabalho em São

Mateus com o intuito de dar continuidade ao que fora estipulado. Não houve

divulgação de evento, a data e o horário foram marcados via e-mail, sendo

desmarcadas duas vezes antes por conta da indisponibilidade de pessoas que seriam

centrais ao trabalho, sobretudo moradores do bairro que são militantes por serem os

responsáveis pela rede de relações locais. Um consenso mínimo sempre é buscado

em relação às datas, diretrizes e divisão das tarefas.

Tendo estabelecido a data e a confirmação dos militantes, moradores e não

moradores do bairro, a reunião ocorreu com 7 pessoas presentes, duas das quais

eram moradores do bairro. A reunião teve como foco a dinâmica em torno das

atividades que seriam realizadas em escolas públicas da região. Foram levantadas a

possibilidade de fazer atividades em 4 escolas, mas havia a possibilidade real em

iniciar o trabalho naquele momento em apenas uma delas, pois havia um contato na

escola estadual Sapopemba (um morador da região e militante que integrava o grupo

lecionava aulas de História nesta escola). Além da questão das atividades na escola

Sapopemba também foi discutido e melhor elaborado a ideia de realização de um ato

na região, já previsto para ocorrer desde a reunião anterior. Questões como rota de

percurso, data e horário foram levantadas para a realização do ato que fora pensado

para ocorrer em frente à subprefeitura de São Mateus no dia 30/05/14. Ficou

deliberado também que se criassem e-mails do RiseUp para as pessoas do grupo

(RiseUp é uma plataforma de mensagens que funciona como uma conta de e-mail,

com a diferença de que seus dados pessoais estão garantido contra espionagem ou

sejam “vendidos” para empresas (como ocorre com os serviços tradicionais como o

Gmail). Criado por militantes que garantem o total anonimato e a certeza de que não

irão utilizar os dados para outros fins que não sejam os que estão declarados, esta

plataforma é utilizada por outros militantes de diversos movimentos sociais engajados

em causas sociais libertárias e se mantem através de doações). Para criar um email

deste é necessário que se receba um convite de alguém que já esteja dentro da rede

ou através do envio de algumas informações a respeito de que movimento social a

pessoa faz parte, a cidade onde mora etc. Vale ressaltar que neste período estava

havendo uma forte pressão por parte da polícia para levar militantes do MPL SP a

depor em um inquérito. Tal medida foi entendida pelo coletivo como uma forma, ilegal,

de mapear e guardar informações a respeito dos militantes do MPL e uma tentativa de

criminalizar os movimentos sociais de um modo geral.

Na semana seguinte à reunião, as atividades ficaram concentradas no trabalho

a ser realizado na escola estadual Sapopemba. Nesta escola o contato e a realização

das atividades foram possíveis através do D, militante e morador do bairro, também

professor de História do ensino fundamental e médio nesta escola. Ele conversou

previamente com a diretoria da escola e arranjou um espaço para o MPL SP conversar

com os alunos do ensino médio durante o período das aulas de Sociologia do

professor R, amigo de D que estava ministrando aulas sobre movimentos sociais

naquela semana. R obviamente simpatizava com o MPL e, por isso, cedeu o espaço

de suas aulas para a realização destas atividades. Estabelecemos os dias e o período

(manhã ou noite) nos quais cada um iria comparecer, formando alguns grupos de no

mínimo duas pessoas. Comprometi-me em comparecer em uma sexta-feira no período

da manhã.

Este tipo de atividade na Escola Sapopemba representa bem o modo de

trabalhar do MPL, que consiste em conversar abertamente com os alunos, sem a

pretensão de conduzi-los, mas buscando fomentar o desejo de mudança destes

jovens. Foi este tipo de trabalho que levou aos primeiros atos de junho de 2013,

quando se tratava exclusivamente da pauta da redução da tarifa. Neste dia, 7/5/14,

compareci na escola para auxiliar um militante que estava sozinho conduzindo a

atividade.

Questões como o preço da passagem, a qualidade dos serviços, a

superlotação etc. são muito bem conhecidas por essa parcela da população, não

precisando entrar em maiores detalhes, muito menos se esforçar para que seja

reconhecida a exploração que ocorre. Porém, questões mais técnicas, como é o caso

das peculiaridades deste modelo atual do transporte, que é considerado público, e

está organizado por empresas que seguem a lógica do lucro, como operam e como

são favorecidas por alguns políticos não é muito simples e não são todas as pessoas

que o entendem. Este tipo de atividade busca também a conscientização e reflexão

em torno de temas como o direito ao Lazer, à Saúde e à Educação. Abria-se um

espaço para os alunos falarem dos equipamentos e locais da cidade que ofereciam

acesso a estes direitos – logo apareciam coisas como: Parques, cinema, pistas de

skate, shopping, casa do namorado (a), emprego, comércio, hospital, boteco, etc. Com

tudo isto escrito em uma parte da lousa da sala de aula, se indagava aos alunos se o

direito à cidade existia, de fato, isto é, se o acesso a estes equipamentos de lazer,

saúde e educação por eles mencionados eram garantidos a todos ou se eram restritos

e limitados pela disponibilidade de linhas de ônibus específicas e pelo preço das

tarifas, que muitos brasileiros não podem pagar. Durante o período de uma aula

fizemos esta atividade dinâmica com todas as turmas que teriam aula com o professor

R naquele dia. Ao final sempre se deixava o endereço da página oficial do MPL-SP no

Facebook e o “Luta pelo Transporte em São Mates” na lousa, assim como a data e o

horário do próximo ato que iria ocorrer na frente da subprefeitura de São Mateus no

dia 30/05/14.

Canal alternativo: debate a céu aberto com o Secretário

No dia 20/02/14, paralelamente ao trabalho regional em São Mateus, ocorreu

um evento na região central de SP organizado pelo MPL SP. Em resposta a um

pronunciamento do Secretário de Transportes, em entrevista à imprensa, afirmando

que se dispunha a debater com o movimento sobre o corte de linhas e o modelo de

organização do transporte, na hora em que quisessem, sem problemas13, o MPL

organizou um ato. O debate foi então marcado sob as condições definidas pelo MPL

SP.

Com algumas semanas de antecedência foi publicado e divulgado, através do

perfil oficial do MPL São Paulo no Facebook, um evento contendo a data e o local

agendados para o debate com o Secretário. No mural do evento podia-se ler uma

chamada a todos àqueles interessados – por estarem sendo diretamente afetados

pelos cortes ou não: “A linha de ônibus que você pegava foi cortada? Alguém

consultou os passageiros antes? Você sabe o motivo? Quem ganha com os cortes de

linhas? Venha ao debate e faça essas perguntas e todas as outras que você quer

saber diretamente com Secretário de Transportes, que diz estar aberto para explicar”

14.

O MPL-SP chamou algumas pessoas a participarem do debate. Estas pessoas

foram diretamente afetadas pelos cortes e, algumas delas, tiveram a chance de falar

ao microfone, que estava aberto para ser usado mediante uma lista de nomes que

obedecia uma regra para organizar o tempo.

Realizado em frente à prefeitura, o debate ocorreu a céu aberto, sendo

montadas cadeiras de plástico e um sistema de som improvisado. Compareceram

militantes do MPL, “atores do movimento” de diferentes bairros populares cujas linhas

haviam sido cortadas, transeuntes curiosos, a imprensa e o Secretário de Transportes,

Jilmar Tatto.

A experiência, ao mesmo tempo em que abriu espaço para algumas

manifestações espontâneas, foi claramente planejada segundo certa estratégia.

Buscando promover um espaço aberto de debate, o MPL organizou a ocasião para

que atores que dificilmente se encontrariam de outra maneira pudessem dialogar.

Diálogo que não ocorreu em uma igualdade de forças, já que o Secretário dispõe de

muito mais poder político. A simbologia da ocasião, no entanto, é bastante poderosa:

13

Declaração feita por Jilmar Tatto para o portal de notícias R7. Disponível em:

<http://noticias.r7.com/sao-paulo/secretario-de-haddad-nega-favorecimento-aos-empresarios-e-critica-

mpl-estao-enganados-08112013> Acessado em: 25/01/14

14

Disponível em: <https://www.facebook.com/events/489572097820669>

fora do prédio da prefeitura, o Secretário de transportes se encontrava sentado em

uma cadeira de plástico, junto com uma aglomeração de pessoas que se agitavam em

volta. Algumas gritavam alto pela volta de algumas linhas - “volta azulzinho!”, por

exemplo, se referindo a um ônibus de cor azul que fora retirado de circulação e depois

voltou no bairro de Vila Gomes.

O Secretário buscava, de forma bem humorada, sair da melhor maneira

possível da situação e chegou até a prometer o congelamento dos cortes e a devida

divulgação destes se viessem a acontecer novamente. No mais, muita coisa ficou em

aberto e o argumento utilizado foi o de existir um plano para implementação de um

sistema estrutural de transporte público paulistano e 150 quilômetros de faixas

exclusivas para ônibus, que estavam sendo implementados na época.

No final do debate, uma militante do MPL entregou ao Secretário uma catraca

dourada, representando um troféu, o “2ºTroféu Catraca”, pelos serviços prestados aos

empresários do transporte. Estes elementos teatrais fazem parte da maneira lúdica

com que o MPL busca questionar a política de transportes e a explicitar os interesses

que ela realmente atende. O ritual de pular uma catraca, presente em todas as

manifestações do coletivo, fechou o evento.

Considerações finais

O MPL SP, como grupo intermediador/canal de diálogo entre população e

poder público, busca operar através de uma forma horizontal, onde podemos

contemplar um modo de fazer política que se situa fora do âmbito institucional

tradicional. Sendo assim, a maneira de interferir no espaço urbano através da ação

direta mais a forma distribuída da liderança, ou seja, o modo de entender que os

indivíduos são células de poder e que podem e devem reivindicar seu direito à cidade,

fruto de seu próprio trabalho, apresentou uma forma de articulação política que se

distancia da maneira de atuar dos partidos políticos tradicionais. A filiação, neste caso,

requer tão somente um sério engajamento do indivíduo em atuar de forma a incorporar

as mudanças que acredita ser necessárias à sociedade e tomar para si a

responsabilidade desta mudança.

Um encontro casual entre diferentes agentes não pressupõe, necessariamente,

uma conotação política - isto ocorre cotidianamente no espaço urbano de uma grande

metrópole como São Paulo. O encontro torna-se político por razão de seu contexto,

que ocorre somente quando uma situação extraordinária desvela-se, como no caso

que vivenciamos no debate com o Secretário de Transportes junto com distintos atores

em uma configuração improvável, extraordinária. As formas habituais de relacionar-se

na e com a cidade são formas conservadoras deste sistema de coisas, no qual apenas

reproduzem-se os mecanismos de dominação e repressão dos desejos. Uma

manifestação no interior deste sistema deve acionar uma ruptura no fluxo habitual das

relações e, então, ocorre um momento político. Segundo Michel Agier (2011):

Criações artísticas ou ações políticas podem, de maneira

efêmera, pôr em relação indivíduos diferentes – e não apenas

os anônimos da multidão. Todos à procura de conexões e de

associações que procuram existir contra o vazio de sentido e

de relações que espreitam, como uma ameaça, qualquer

habitante das cidades. A partir de encontros ritualizados,

localizados, essas situações e as pessoas que são

mobilizadas fazem, por conseguinte, viver a cidade a longo

prazo ao mesmo tempo que fazem aparecer as comunidades

de movimento. (AGIER, 2011, p. 174)

Neste sentido, se levarmos ainda em conta o espaço de trocas

comunicacionais que ocorre no ambiente essencialmente virtual da internet, temos

fluxos ainda mais fluídos e descentralizados – mas não menos reais. Se na rotina

diária, onde o que impera é o tempo das relações de trabalho, o espaço

comunicacional dinâmico e aberto da internet representa um ambiente onde estas

conexões podem ser restabelecidas, criadas, ou então fortalecidas. Além disto, o

espaço virtual oferece um canal alternativo e, portanto mais autônomo em relação aos

meios da grande imprensa. A conectividade das redes permite também que seja

possível o engajamento em frentes simultâneas.

O que se configura a partir desta sinergia entre os dois ambientes, urbano e

virtual, é denominado por Castells (2012) de espaço híbrido. Segundo o autor

Esse híbrido de cibernética e espaço urbano constitui um

terceiro espaço, a que dou o nome de espaço da autonomia,

porque só se pode garantir autonomia pela capacidade de se

organizar no espaço livre das redes de comunicação; mas, ao

mesmo tempo, ela pode ser exercida como força

transformadora, desafiando a ordem institucional disciplinar, ao

reclamar o espaço da cidade para seus cidadãos. Autonomia

sem desafio torna-se retirada. Desafio sem uma base

permanente para a autonomia no espaço dos fluxos equivale a

um ativismo interrompido. O espaço da autonomia é a nova

forma espacial dos movimentos sociais em rede. (CASTELLS,

2013, p.16-17)

Em se tratando de uma juventude urbana que vive em uma grande metrópole

como São Paulo, são vivenciadas situações extenuantes de um modo de vida cada

vez menos voltado para o indivíduo e mais para a especulação imobiliária, o capital

financeiro e uma urbanização mais interessada em tornar a cidade vitrine para

negócios do que proporcionar condições mínimas de vida digna através de políticas

públicas. Sendo assim, com um sistema representativo desacreditado, resta mobilizar-

se com aqueles que se sentem da mesma maneira na experiência urbana. Dominando

o uso das novas TIC’s, estes indivíduos se apropriam delas como instrumentos de luta

política, ao mesmo tempo em que seguem inovando antigas formas de organização na

medida em que estas lutas vão se desenrolando.

Eunice Durham (2004) em uma reflexão sobre os movimentos sociais que

surgiam na década de 80 na cidade de São Paulo aponta para que se atente à

questão da consolidação de um sentimento de comunidade que repousa na vivência

de uma mesma carência. Este termo não é o mais adequado para ser utilizado em um

contexto atual, pois, não se trata mais de carências – como no caso de falta de

saneamento básico nas regiões da periferia da cidade em que estavam sendo

conduzidos os estudos na época -, mas de insatisfações que a experiência urbana

impõe a milhares de pessoas, negando-lhes o direito ao transporte público, e, por

conseguinte, o acesso a outros direitos sociais. Isso não invalida o conceito da

constituição de um sentimento de igualdade ou comunidade que repousa em uma

negatividade em comum. A experiência deste sentimento é bastante poderosa durante

o tempo em que persiste e pode ser transformadora.

É importante investigar, então, esse processo de criação

interna de igualdade (mítica?) que se consubstancia na

categoria comunidade, termo que permeia todo discurso

produzido pelos movimentos sociais. Podemos dizer que a

construção dessa igualdade se dá por meio de uma

negatividade específica. Vimos que os movimentos se

articulam pela formação de uma carência coletiva. Os

indivíduos mais diversos tornam-se iguais na medida em que

sofrem a mesma carência. A igualdade da carência recobre a

heterogeneidade das positividades (dos bens, das

capacidades, do trabalho, dos recursos culturais). No

movimento, diante da mesma carência, todos se tornam iguais

e vivem a experiência da comunidade. Os movimentos sociais

se constituem, portanto, como um lugar privilegiado onde a

noção abstrata da igualdade pode ser referida a uma

experiência de vida. (DURHAM, 2004, p. 289-290).

Portanto, o que está em jogo nada mais é do que a continuação das lutas dos

movimentos sociais, que sempre foram os produtores de novos valores e objetivos em

torno dos quais as instituições da sociedade se transformaram a fim de representar

esses valores criando novas normas para organizar a vida social (CASTELLS, 2013).

Se estas novas formas ainda não se consolidaram em instituições, que

entendemos ser o caso deste momento em que nos encontramos, é de suma

importância que se continue a luta não apenas no âmbito virtual, mas se utilizando

destas ferramentas para o debate e articulação política, assim como as manifestações

de ação direta no espaço urbano, pois como bem aponta Castells,

Uma vez que o espaço público institucional – o espaço

constitucionalmente designado para a deliberação – está

ocupado pelos interesses das elites dominantes e suas redes,

os movimentos sociais precisam abrir um novo espaço público

que não se limite à internet, mas se torne visível nos lugares

da vida social. É por isso que ocupam o espaço urbano e os

prédios simbólicos. (CASTELLS, 2013, p.14)

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