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44 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 Meio ambiente Luiz Roberto Guimarães Guilherme Professor Adjunto, Universidade Federal de Lavras, Departamento de Ciência do Solo, Lavras, MG Pesquisador Bolsista do CNPq [email protected] Imagens cedidas pelo autor FUNDAMENTOS DA ANÁLISE DE RISCO Introdução Este artigo apresenta alguns fun- damentos a respeito do que venha a ser a análise de risco e de como esta ferramenta pode ser usada. Antes, porém, é necessário tornar clara a diferença entre o que é o “risco” e o que é o “perigo”. Freqüentemente, há confusão relativa ao significado destes termos. Risco é a probabilida- de e a intensidade de dano (por exemplo, doença) resultante da ex- posição a um perigo. Em contraste, o perigo é um agente (físico, químico ou biológico) ou uma ação que pode causar dano. Por exemplo, doenças humanas têm sido associadas à ingestão de alimentos contaminados com alguns elementos-traço, e.g., o chumbo. O perigo é o chumbo (nas suas mais diversas formas), uma subs- tância (agente) química. O risco re- presenta a quantidade de pessoas que estão ou que podem ser afeta- das de uma forma danosa, dentro do conjunto da população como um todo, informação esta advinda de uma avaliação de risco. Esta distin- ção é apresentada com mais deta- lhes no item Avaliação de riscos para a saúde humana deste artigo. O que vem a ser, então, a aná- lise de risco, e para que finalidade ela é usada? A análise de risco é um processo composto de três partes: avaliação de risco, gerência de risco e comunicação do risco. É usada para avaliar os dados científicos, compa- rar e selecionar as políticas de ação disponíveis e comunicar toda a infor- mação obtida no intuito de prevenir ou controlar riscos não desejados. Conceitos em Análise de Risco ecológica e para a saúde humana Cada um destes elementos da análi- se de risco tem um papel distinto. Os elementos da análise de ris- co são usados por um agente regula- dor qualquer (de saúde pública ou do meio ambiente) na tomada de decisões para prevenir ou controlar riscos. Neste contexto, é importante ressaltar que todas as nossas deci- sões do dia-a-dia - independente- mente se foram tomadas por um indivíduo, um agente regulador ou uma indústria, por exemplo - acon- tecem a partir de uma “análise de risco”. A única diferença é o nível de complexidade que é necessário para se tomar uma decisão após a análise de cada caso. Conceitos envolvidos na análise de risco O problema já previamente le- vantado com relação à terminologia “risco” e “perigo” tem levado a uma série de discussões sobre o uso segu- ro de substâncias químicas, visto que usos os mais diversos têm sido dado a estes termos. No intuito de estabe- lecer um consenso acerca dos ter- mos (e de seus usos) envolvidos no processo de avaliação de risco, cons- tituiu-se um grupo de trabalho den- tro do Programa Internacional de Segurança Química da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (IPCS/OECD), o qual iniciou os trabalhos de padroni- zação de terminologia (Lewalle, 1999) que resultaram então numa publicação posterior a este respeito (Duffus, 2001). Os conceitos apre- sentados a seguir advêm de uma

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44 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005

Meio ambiente

Luiz Roberto Guimarães Guilherme

Professor Adjunto, Universidade Federal de Lavras,

Departamento de Ciência do Solo, Lavras, MG

Pesquisador Bolsista do CNPq

[email protected]

Imagens cedidas pelo autor

FUNDAMENTOS DAANÁLISE DE RISCO

Introdução

Este artigo apresenta alguns fun-damentos a respeito do que venha aser a análise de risco e de como estaferramenta pode ser usada. Antes,porém, é necessário tornar clara adiferença entre o que é o “risco” e oque é o “perigo”. Freqüentemente,há confusão relativa ao significadodestes termos. Risco é a probabilida-de e a intensidade de dano (porexemplo, doença) resultante da ex-posição a um perigo. Em contraste, operigo é um agente (físico, químicoou biológico) ou uma ação que podecausar dano. Por exemplo, doençashumanas têm sido associadas àingestão de alimentos contaminadoscom alguns elementos-traço, e.g., ochumbo. O perigo é o chumbo (nassuas mais diversas formas), uma subs-tância (agente) química. O risco re-presenta a quantidade de pessoasque estão ou que podem ser afeta-das de uma forma danosa, dentro doconjunto da população como umtodo, informação esta advinda deuma avaliação de risco. Esta distin-ção é apresentada com mais deta-lhes no item Avaliação de riscos

para a saúde humana deste artigo. O que vem a ser, então, a aná-

lise de risco, e para que finalidadeela é usada? A análise de risco é umprocesso composto de três partes:avaliação de risco, gerência de riscoe comunicação do risco. É usada paraavaliar os dados científicos, compa-rar e selecionar as políticas de açãodisponíveis e comunicar toda a infor-mação obtida no intuito de prevenirou controlar riscos não desejados.

Conceitos em Análise de Risco ecológica e para a saúde humana

Cada um destes elementos da análi-se de risco tem um papel distinto.

Os elementos da análise de ris-co são usados por um agente regula-dor qualquer (de saúde pública oudo meio ambiente) na tomada dedecisões para prevenir ou controlarriscos. Neste contexto, é importanteressaltar que todas as nossas deci-sões do dia-a-dia - independente-mente se foram tomadas por umindivíduo, um agente regulador ouuma indústria, por exemplo - acon-tecem a partir de uma “análise derisco”. A única diferença é o nível decomplexidade que é necessário parase tomar uma decisão após a análisede cada caso.

Conceitos envolvidos naanálise de risco

O problema já previamente le-vantado com relação à terminologia“risco” e “perigo” tem levado a umasérie de discussões sobre o uso segu-ro de substâncias químicas, visto queusos os mais diversos têm sido dadoa estes termos. No intuito de estabe-lecer um consenso acerca dos ter-mos (e de seus usos) envolvidos noprocesso de avaliação de risco, cons-tituiu-se um grupo de trabalho den-tro do Programa Internacional deSegurança Química da Organizaçãopara a Cooperação Econômica eDesenvolvimento (IPCS/OECD), oqual iniciou os trabalhos de padroni-zação de terminologia (Lewalle,1999) que resultaram então numapublicação posterior a este respeito(Duffus, 2001). Os conceitos apre-sentados a seguir advêm de uma

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tentativa de se adaptar a terminolo-gia descrita na língua inglesa para oportuguês. Os termos consideradosorientadores das ações, conformedescrito no artigo original (Duffus,2001), são apresentados no corpodesse artigo. Alguns outros termosconsiderados básicos dentro do con-texto da avaliação de risco são des-critos no glossário da publicação edi-tada por Borém (2004).

A associação dos diferentestermos descritos a seguir foiestabelecida através de um diagra-ma conceitual, o qual é mostrado nafigura 1.

Antes de iniciarmos a discussãodos termos descritos no diagramaem si, cabe ressaltar a distinção queé feita no trabalho de Duffus (2001)entre as expressões “análise” e “ava-liação”. A análise consiste no examedetalhado de algo complexo, feitocom a finalidade de entender suanatureza ou determinar suas caracte-rísticas essenciais. A avaliação é des-crita como sendo a combinação deanálise de fatos e da inferência depossíveis conseqüênciasconcernentes a um objeto particular.Neste contexto, são destacados doistermos de uso freqüente em avalia-ção de risco, mas que não fazemparte do diagrama da figura 1, quaissejam:

• Indicador ou ponto final da

avaliação (do inglês, endpoint):expressão quantitativa de um fatorespecífico a que um risco pode estarassociado, conforme determinado poruma avaliação de risco apropriada.

• Fator de avaliação: ajustenumérico usado na extrapolação derelações de dose-resposta determi-nadas experimentalmente, para seestimar o nível de exposição a umasubstância acima do qual efeitos ad-versos podem acontecer.

Avaliação do perigo

A avaliação do perigo é o pro-cesso designado para determinarquais são os fatores que contribuempara os possíveis efeitos adversos deuma substância à qual uma popula-ção humana ou um compartimentoambiental poderiam estar ou estãoexpostos. O processo inclui três pas-

sos: identificação do perigo, caracte-rização do perigo e levantamento doperigo (Figura 1). Os fatores acimareferidos podem incluir mecanismosde toxicidade, relações de dose-efei-to e dose-resposta, variações nasuscetibilidade do alvo, etc.

• Identificação do perigo: a pri-meira fase da avaliação do perigo,que consiste na determinação dassubstâncias de interesse e dos efei-tos adversos inerentes que elas po-dem estar causando a sistemas alvosob certas condições de exposição,levando em conta dados sobre suatoxicidade. (Nota: as definições po-dem variar na sua formulação, de-pendendo do contexto. Assim, nocontexto da avaliação de risco, aidentificação de risco consiste naprimeira fase onde são determina-dos os perigos particulares a que umdeterminado sistema alvo pode es-tar exposto, incluindo dados detoxicidade associados).

• Caracterização do perigo: osegundo passo no processo de ava-

liação do perigo, consistindo na des-crição qualitativa e, quando for pos-sível, quantitativa, da natureza doperigo associado com um agentebiológico, químico ou físico, baseadoem um ou mais elementos, comomecanismos de ação envolvidos,extrapolação biológica, relações dedose-resposta e dose-efeito e as suasrespectivas incertezas associadas.

• Levantamento do perigo: oterceiro passo no processo que tempor finalidade a determinação darelação qualitativa e quantitativaexistente entre exposição a um pe-rigo sob certas condições, incluindoas incertezas associadas, e o resul-tante efeito adverso.

Avaliação de risco

A avaliação de risco é o proces-so cujo objetivo é calcular ou estimaro risco que possa existir para umdeterminado sistema alvo em decor-rência da sua exposição a uma subs-tância particular, levando-se em contaas características inerentes da subs-tância em questão, assim como tam-bém as características do sistemaalvo específico. O processo incluiquatro passos: identificação do peri-

go, avaliação da dose-resposta, ava-liação da exposição e caracterizaçãodo risco (Figura 1). É também oprimeiro passo dentro da análise de

risco.

• Identificação do perigo: a pri-meira fase na avaliação de risco,consistindo na determinação dosperigos particulares a que um deter-minado sistema alvo pode estar ex-posto, incluindo dados de toxicidadeassociados: (Nota: vide definição al-ternativa no contexto da avaliação

do perigo).• Avaliação da dose-resposta: o

segundo dos quatro passos da avali-

ação de risco, que consiste na análi-se da relação entre a quantidadetotal de um agente que é absorvidapor um grupo de organismos e asmudanças desenvolvidas no grupoem reação a este agente, assim comoinferências derivadas de tal análisecom respeito à população inteira.

• Avaliação da exposição: pas-so da avaliação de risco que consis-te em uma análise quantitativa equalitativa da presença de um agen-te (incluindo seus derivados) em umdeterminado ambiente e a inferênciadas possíveis conseqüências que elepode ter para uma determinada po-pulação de interesse particular.

• Caracterização do risco:

integração das evidências, dos argu-mentos e das conclusões coletadasnas fases de identificação do perigo,avaliação da dose-resposta e avalia-ção da exposição, e estimativa daprobabilidade, incluindo as incerte-zas a esta associada, de ocorrênciade um efeito adverso se um agenteé administrado, ingerido ou absorvi-do por um organismo particular ouuma população. É o último passo daavaliação de risco. (Nota: na avalia-ção de risco ecológico, a avaliação dadose-resposta é substituída pela ava-liação da concentração-resposta, ou,então, é feita uma estimativa qualita-tiva e, ou, quantitativa, incluindo asincertezas a ela associadas, da seve-ridade e da probabilidade de ocor-rência de efeitos adversos conheci-dos e potenciais de uma substânciaem uma determinada população).

Ainda dentro do contexto daavaliação de risco, procura-se definiro risco aceitável, que é aquele risco

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tal em que os benefícios derivadospara um organismo, uma populaçãoou um sistema ecológico excedemem valor os efeitos adversos quepoderiam resultar da exposição a umagente particular.

Gerência de risco

A gerência de risco constitui-seno processo de tomada de decisãoque envolve a consideração de fato-res políticos, sociais, econômicos etécnicos, bem como informação re-levante proveniente da avaliação derisco pertinente a um perigo, nointuito de desenvolver, analisar ecomparar opções regulatórias e nãoregulatórias e ainda selecionar eimplementar as melhores decisões eações para assegurar a segurançacontra aquele perigo. Essencialmen-te, a gerência de risco é a combina-ção de três passos: avaliação do ris-co-benefício, controle de emissão eexposição e, f inalmente, o

monitoramento do risco (Figura 1).No passo intermediário (controle deemissão e exposição), a expressãocontrole é usada mais num sentidogeral do que com conotaçãoregulatória.

• Avaliação do risco-benefício:

estabelecimento de uma relaçãoqualitativa ou quantitativa entre ris-cos e benefícios, envolvendo o pro-cesso complexo de determinar aimportância dos perigos identifica-dos e dos riscos estimados para aque-les organismos ou pessoas interessa-dos ou afetados. É o primeiro passodentro da gerência de risco.

• Monitoramento do risco: pro-cesso de acompanhamento internodas decisões e ações para averiguarse a redução ou contenção de riscorelativo a um perigo particular estáassegurada.

Análise de risco

Finalmente, após a definição

prévia de alguns de seus termosassociados, a análise de risco é en-tão descrita por Duffus (2001) comosendo o processo usado para contro-lar situações onde populações ousistemas ecológicos poderiam estarexpostos a um perigo. Normalmenteinclui três passos, quais sejam, aavaliação de risco, a gerência derisco e a comunicação do risco (Figu-ra 1). Os termos avaliação de risco

e gerência de risco já foram previa-mente definidos, restando apenas adefinição a seguir:

• Comunicação do risco: trocainterativa de informação sobre riscosentre avaliadores de risco, gerentes,imprensa, grupos interessados e opúblico em geral.

Entendendo melhor a avaliaçãode risco

Após apresentarmos uma tenta-tiva de padronização de terminolo-gia envolvendo a avaliação e a aná-lise de risco, procura-se, nos tópicosa seguir, abordar com mais detalhesalguns aspectos da avaliação de riscode per si. O enfoque desta discussãoé basicamente o mesmo adotadopela Agência de Proteção Ambientaldos Estados Unidos, em documentosconceituais relacionados a este as-sunto (USEPA, 1998; 1992a,b,c).Adicionalmente, procurou-se tam-bém inserir recomendações advindasde relatório específico sobre o as-sunto, edi tado pela AgênciaAmbiental Européia (Fairman et al.,1999).

A avaliação de risco tem se tor-nado uma ferramenta analítica im-portante na tomada de decisãoambiental. Ela pode ser definidacomo a identificação de efeitos ad-versos potenciais a humanos ou aecossistemas que resultam da expo-sição a perigos ambientais. O riscoenvolvido (dano, infecção, deficits

funcionais ou morte) pode ser ex-presso em condições quantitativasou qualitativas. Conforme já descritoanteriormente, o processo de avalia-ção de risco para a saúde humanafreqüentemente envolve os passosseguintes:

1.Identificação de perigo - de-terminação se um poluente afeta

Figura 1. Diagrama conceitual envolvendo as várias etapas da análise de risco.Fonte: Adaptado de Duffus (2001).

Avaliação de dose-resposta

Avaliação do perigo

Identificação do perigo

Caracterização do perigo

Levantamento do perigo

Avaliação de risco

Identificação do perigo

Avaliação da exposição

Caracterização do risco

Gerência de risco Análise de risco

Avaliação do risco-benefício

Controle da emissão e

da exposição

Avaliação de risco

Gerência de risco

Comunicação de riscoMonitoriamento do risco

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adversamente a saúde humana;2.Avaliação de dose-resposta -

determinação da relação entre o ní-vel de exposição e a probabilidadede ocorrência de efeitos adversos;

3.Avaliação da exposição - de-terminação da extensão de exposi-ção;

4.Caracterização do risco - des-crição da natureza e, freqüentemente,da magnitude do risco, incluindo asincertezas acompanhantes.

O fato de pode acontecer simul-taneamente a exposição a muitosperigos potenciais e em magnitudevariada faz com que o processo deavaliação de risco seja complexo. Aavaliação de risco emprega um pro-cesso de avaliação sistemático paradeterminar se um perigo existe eque risco ele poderia representar.Efeitos observados, julgamentos eextrapolações são todos usados noestabelecimento de estimativas e desuas incertezas para apoiar o pla-nejamento e a tomada de decisão.

A aval iação de r isco éfreqüentemente usada no desenvol-vimento de ações regulatórias paraproteger o público da exposição apoluentes tóxicos. A avaliação derisco também é aplicada na análisede ecossistemas e em assuntos comoa depleção de ozônio na estratosferae as mudanças climáticas globais.Devido ao fato de geralmente haverlacunas no levantamento de dadosda avaliação de risco, esforços paracomparar e classif icar r iscosambientais devem sempre levar emconta o julgamento profissional.

Avaliação de risco comparativa

A maioria das avaliações de riscoenvolve a análise de uma substânciaespecífica ou de uma área considera-da problema. Outro uso da avaliaçãode risco como uma ferramenta épara comparar riscos advindos deproblemas múltiplos no âmbito esta-dual, regional, nacional ou global.Este processo de avaliação de riscocomparativo envolve os passos se-guintes.

1.Listagem de todas as áreascom problema na região, estado oupaís;

2.Ranqueamento dos problemascom base no risco (saúde humana,ecológico, bem-estar ou qualidadede vida); esta classificação está base-ada em uma análise de dados dispo-níveis específicos para o problemadaquela região, estado ou país;

3.Desenvolvimento de umaagenda de ações para cuidar dasáreas com problema, baseando-sena classificação de risco e em outrosfatores (por exemplo, viabilidade,opinião pública, etc.).

A avaliação de risco comparati-va é uma metodologia que usa co-nhecimento científico, políticasregulatórias, análise econômica eparticipação das partes interessadaspara identificar e tratar das áreas querepresentam maiores r iscosambientais, provendo uma estruturaorganizacional que permita apr ior ização dos problemasambientais. Os resultados de umaanálise de risco comparativa podem

ser usados para prover uma basetécnica indicativa das ações de con-trole e das prioridades administrati-vas e de uso de recursos.

Um exemplo envolvendo o usoda avaliação de risco comparativa noestabelecimento de prioridades decontrole é aquele adotado pela Agên-cia de Proteção Ambiental dos Esta-dos Unidos (USEPA) e pela Agênciapara Registro de Substâncias Tóxicase Doenças (ATSDR) para a classifica-ção de substâncias consideradaspoluentes prioritários, nos EstadosUnidos. Este levantamento é realiza-do a cada dois anos e, em função dedados atualizados relativos à possibi-lidade de exposição e ao perigoenvolvendo cerca de 275 substânci-as, estas são então ranqueadas. Atabela 1 mostra a classificação das 20principais substâncias, em 2003. Alista completa das substâncias avali-adas encontra-se em http://www.atsdr.cdc.gov/clist.html. Adici-onalmente, informações extensivasrelacionados à toxicidade e compor-tamento ambiental da maioria dessassubstâncias podem ser consultadosem http://www.atsdr.cdc.gov/toxpro2.html.

Um outro exemplo de avaliaçãode risco comparativa é aquele quefoi usado também pela USEPA paraclassificar problemas ambientais con-siderados de alto, médio e baixorisco para a população humana oupara o ambiente, nos Estados Uni-dos, no documento intituladoUnfinished Business: A Comparative

Assessment of Environmental

Problems, publicado em 1987. Estedocumento foi considerado pontode referência sobre o assunto e basepara inúmeros trabalhos futuros, in-cluindo dentre estes um software

desenvolvido em 1995 por pesqui-sadores da Universidade de Purdue(EUA), o qual encontra-se disponívelpara carregamento em http://w w w . e p a . g o v / s e a h o m e /comprisk.html

A figura 2 ilustra a abordagemadotada nesse software e a tabela 2traz a classificação de riscos relativosrepresentados por alguns dos 31 pro-blemas ambientais consideradosprioritários, ranqueados em 4 gran-des categorias de risco, a saber: 1)

Figura 2. Abordagem sistemática para a tomada de decisão envolvendo riscoscomparativos.

Riscos para a Saúde Humana, o

Ambiente e a Qualidade de Vida

Metas

Prioridades

Estratégias

Definição do Problema

Análise dos Dados

Avaliação e

Retroalimentação

Implementação do Plano

de Ação Ambiental

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exemplos apresentados para análisede risco comparativa sejam proveni-entes de um país com condições dedesenvolvimento diferentes daque-las existentes no Brasil, o que éimportante nesse contexto é a ne-cessidade de estabelecimento de pri-oridades. Este é o ponto principal aser considerado quando se pergunta:Por que fazer uma avaliação de

risco comparativa? Independente-mente da situação financeira queatravessa um determinado país, es-tado ou município, não há recursosdisponíveis para tratar de todos aspreocupações ambientais de umacomunidade ao mesmo tempo. Comoos tomadores de decisão trabalhamsempre com restrições orçamentári-as, então esses são obrigados a esco-lher o que deve ser priorizado, querseja através de um processo definidode tomada de decisão, quer sejaatravés de decisões circunstanciais.

Além disso, esses tomadores dedecisão estão sempre enfrentandopressões políticas e da opinião pú-blica para agir no sentido de reduzirriscos ambientais ditos “percebidos”,os quais podem ou não representaruma ameaça atual para a saúde hu-mana, o ambiente ou a qualidade devida.

Relação entre avaliaçãode risco e gerência de risco

Conforme já definido anterior-mente, a gerência de risco é o pro-cesso de tomada de decisão atravésdo qual uma ação ou uma política édesenvolvida uma vez que um riscotenha sido determinado. Ela integraa avaliação de risco com assuntostécnicos, políticos, sociais e econô-micos para desenvolver estratégiasde redução e prevenção do risco. Aintegração de todos esses fatoresenvolvidos na gerência de risco ébastante complexa e um caso espe-cialmente interessante e para o qualtem sido dada uma grande ênfasemais recentemente é o que diz res-peito à análise econômica de bene-fícios ecológicos, visto que as dife-rentes visões e perspectivas de eco-nomistas e ecologistas devem serintegradas visando uma avaliaçãointerdiscipl inar das questões

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r i scos à saúde humana -carcinogênicos; 2) riscos à saúdehumana - não carcinogênicos; 3) ris-cos ecológicos; e, 4) riscos para obem-estar (qualidade de vida).

Um resumo dos resultados des-se estudo de 1987 revela que:

• Nenhum problema foiranqueado como sendo de risco rela-tivamente alto ou baixo em todas as4 grandes categorias de risco;

• Problemas classificados comode médio a alto risco em 3 categoriasforam: poluentes atmosféricos co-muns, depleção da camada de ozô-nio na estratosfera, resíduos depesticidas em alimentos e outrosriscos associados a pesticidas (e.g.,lixiviação, escorrimento superficial);

• Problemas classificados comode alto risco para a saúde e de baixorisco ecológico e para o bem-estarforam: poluentes atmosféricos tóxi-cos ou perigosos, radônio em recintofechado, poluição de ar em recintofechado (exclui radônio), aplicaçãode pesticidas, exposição a produtosde consumo diversos e exposição dotrabalhador a substâncias químicas;

• Problemas classificados comode alto risco ecológico ou para obem-estar foram: efeito estufa, fon-tes pontuais e não pontuais de polui-ção de águas de superfície, alteraçãofísica de habitats aquáticos (incluin-do áreas pantanosas e estuários) erejeitos de mineração.

Ressalta-se que embora os

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1 Classe 1 representa o mais alto risco e classe 5 representa risco de câncer não identificado (número entre parêntesesidentifica ranqueamento dentro das classes); 2 Classificação relativa – alto, médio ou baixo; 3 Número 1 representa omaior risco e 6, o menor (problemas classificados com mesmo número não foram ranqueados); 4 Classificação relativa– alto, médio, baixo ou mínimo (número entre parênteses identifica ranqueamento dentro das classes de alto, médioou baixo risco relativo).

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ambientais. Para informações adicio-nais pertinentes a esta questão suge-re-se uma consulta ao documento AFramework for the Economic

Assessment of Ecological Benefits

recentemente editado pela USEPA(disponível em http://www.epa.gov/osa/spc/pdfs/feaeb3.pdf), bem comoao texto de Guilherme (2000).

A gerência de risco tem quelevar em conta as incertezas associ-adas com as várias suposições e jul-gamentos feitos em cada passo doprocesso envolvendo a avaliação derisco. Quando possível, a avaliaçãode risco deve discutir as incertezasde tal forma que o responsável porgerenciar o risco possa levar isto emconsideração na sua tomada de deci-são. Como ilustração, apresenta-se,na figura 3, a relação entre os ele-mentos da avaliação de risco e dagerência de risco, levando-se emconsideração a saúde humana.

Sumarizando-se as informaçõesconstantes na figura 3, nota-se quediferentes tipos de informação sãousados na avaliação de risco à saúde.A “identificação do perigo” é uma

determinação qualitativa de que umdeterminado agente está casualmenteligado a efeitos específicos à saúde.Dados avaliados neste processo po-dem incluir estudos epidemiológicos,estudos com animais, ensaios de curtaduração e comparações baseadas nasrelações entre atividade e estrutura.Uma “avaliação de dose-resposta” éexecutada por pessoal especializa-do que usa dados disponíveis sobreo indicador ou ponto final de avalia-ção envolvendo a saúde tanto paraestudos com humanos quanto comanimais. Esta avaliação de dose-res-posta inclui o exame de como osdados dos estudos com humanos eanimais são influenciados pelo nívelde exposição ao agente químico,assim como também diferenças en-tre espécies ou na respostatoxicológica de um determinado ór-gão. O componente “avaliação daexposição” usa informação sobre ní-veis ambientais, destino e transpor-te, análises ecológicas, exposiçõesno ponto de contato, modelagemfarmacocinética dos dados e caracte-rísticas demográficas. O componen-

te final, denominado “caracterizaçãodo risco”, é uma medida do risco aoindivíduo ou para a população queleva em conta a informação colecio-nada durante a identificação do peri-go, a avaliação de dose-resposta e aavaliação de exposição, as quais sãocaracterizadas completamente pormeio da discussão e interpretaçãodos pontos fortes e fracos envolven-do os dados, do conhecimento e ouda falta de conhecimento sobre osfenômenos biológicos avaliados esobre as incertezas qualitativas ouquantitativas da análise. Esses passosda avaliação de risco para a saúdehumana são discutidos com maisdetalhes no item a seguir.

Avaliação de riscos para asaúde humana

No sentido mais simples, riscosà população advindos de poluentestóxicos existem em função de doisfatores mensuráveis: perigo e expo-sição. Para gerar um risco, uma subs-tância química tem que apresentarperigo e estar presente no ambiente

Figura 3. Elementos da avaliação e gerência de risco

Observações de

laboratório e de campo

dos efeitos adversos

para a saúde advindos

da exposição a agentes

particulares

Identificação do perigo

(o agente causa efeito

adverso?)

Informações sobre

métodos de

extrapolação de dose

alta para baixa e de

testes com animais

para humanos

Medições de campo,

estimativas de

exposições e

caracterização da

população

Avaliação da dose-

resposta(qual é a

relação entre dose e

incidência do dano em

humanos?)

Avaliação da exposição

(que exposições

ocorrem atualmente ou

podem ser esperadas

sob diferentes

circunstâncias?)

Caracterização do risco

(descrição do risco que

combina resultados de

identificação do perigo,

estudos de dose-

resposta e avaliação da

exposição)

Desenvolvimento de

opções regulatórias e

não regulatórias

Avaliação da saúde

pública e das

conseqüências

econômicas, sociais e

políticas das opções

regulatórias

Decisões das agências

regulatórias e ações

Pesquisa Avaliação de risco Gerência do risco

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em um certo nível tal que sejasignificante. A avaliação de risco éuma interpretação da evidência des-ses dois pontos. A figura 4 procurailustrar isso.

Nota-se na figura 4 que o riscorepresentado pela substância quími-ca ou agente (ilustrado graficamentepela área em cinza claro derivada daintersecção entre o perigo e a expo-sição) será tanto maior quanto maio-res forem a exposição e o perigo(maiores áreas dos círculos). Se aárea de intersecção - que representao risco - puder ser avaliada em ter-mos de quantidade de um agenteperigoso qualquer que atinge umdeterminado indivíduo ou popula-ção, então a mesma poderá ser com-parada com os valores representa-dos pela “entrada diária aceitável”ou “dose de referência” (vide defini-ções em Borém, 2004), obtendo-se,assim, um parâmetro comparativoentre o risco estimado e aquele con-siderado aceitável. Caso o valor esti-mado para o r isco (área daintersecção) seja igual ou menor queo valor que representa a entradadiária aceitável ou dose de referên-cia (área em preto), então uma inter-venção no ambiente afetado poderáser descartada. Do contrário – se orisco estimado for maior que o acei-

Figura 4. Ilustração gráfica do conceito de risco (intersecção das áreas querepresentam o perigo e a exposição), comparando-o com o conceito de entradadiária aceitável ou dose de referência (área em preto).

tável – então há que se proceder auma estratégia de remediação quepossa tornar o local seguro para usoatual e futuro.

Pode-se inferir também pela fi-gura 4 que se o perigo é pequeno(pequeno tamanho do círculo emcinza escuro), então mesmo que aexposição seja grande (círculos embranco), o risco estimado poderá sernegligível ou estar próximo do nívelaceitável. Analogamente, se a expo-sição é pequena, então mesmo queo perigo seja grande, há a possibili-dade de que o risco estimado sejaigual ou menor que aquele conside-rado aceitável. Esse último caso é deespecial interesse, pois controlar aexposição (por exemplo, medianteo uso de equipamentos de proteçãoindividual ou da correta utilização deprodutos químicos) representa amelhor maneira de se reduzir o riscoadvindo de um agente qualquer quepossui um perigo intrínseco a eleassociado. Obviamente, nas circuns-tâncias em que inexiste o perigo e,ou, a exposição a um agente qual-quer, então o risco é consideradonulo. Essa situação de “risco zero”,entretanto, é utópica.

A avaliação de risco permitejulgar se efeitos adversos acontece-rão ou não e, caso aconteçam, quais

seriam os cálculos necessários parase estimar a extensão total dos efei-tos. A estrutura organizacional daavaliação de risco é útil para auxiliarno agrupamento de informações enas interpretações científicas dosfatos, o que ajuda na formulação depolíticas regulatórias e de estratégiasde gerenciamento ambiental. Emcada um dos quatro passos no pro-cesso de avaliação de risco, dadossão agrupados e interpretados visan-do conclusões sobre fatores de risco.Freqüentemente a interpretação dainformação é expressa como sendoo melhor julgamento científico pos-sível por parte dos avaliadores derisco. Para auxiliar no estabelecimentode referências toxicológicas,freqüentemente lança-se mão debancos de dados como aquele daUSEPA (The Integrated RiskInformation System - IRIS), o qualcontém informações resumidas acer-ca de efeitos crônicos à saúde huma-na para aproximadamente 500 subs-tâncias químicas e outros agentes.Esse sistema de informação de riscoinclui seções sumarizando efeitospotenciais da exposição oral a (dosede referência oral) ou da inalação de(concentração de referência para ina-lação) substâncias consideradas nãocarcinogênicas, bem como informa-ção sobre risco de carcinogênicos.Essa base de dados representa umrecurso inicial útil para a identifica-ção do perigo e para a busca deinformações sobre dose-resposta,permitindo ainda que o usuário bus-que informações sobre os dados ori-ginais nos quais a informação foibaseada. Para acessar esse banco dedados, consulte a lista de websites

sugeridos ao final deste artigo.

Identificação do perigo

A Identificação do perigo, o pri-meiro passo no processo de avalia-ção de risco para a saúde humana,envolve o julgamento da evidênciadisponível acerca da possibilidadede uma substância particular causarum efeito adverso para a saúde.Também pode envolver a caracteri-zação do comportamento de umasubstância química dentro do corpoe sua interação com órgãos, células

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ou até mesmo componentes das cé-lulas . Idealmente, estudosepidemiológicos são os mais ade-quados e importantes nesses casos,porém, a disponibilidade destes da-dos é limitada. Estas avaliações de-pendem mais freqüentemente detestes com animais. Estes testes per-mitem o controle rigoroso de muitosfatores que podem gerar incertezas.Porém, sistemas biológicos de ani-mais são diferentes daqueles dosseres humanos. Algumas espéciesde animais parecem ser mais sensí-veis que os humanos a certas subs-tâncias e menos sensíveis a outras.

Avaliação da dose-resposta

A avaliação da dose-resposta é oprocesso de caracterização da rela-ção existente entre a dose recebidade um agente qualquer e a incidên-cia de efeitos adversos na populaçãoexposta. Enquanto a identificação doperigo procura determinar se é pro-vável que uma substância químicacause um efeito particular em huma-nos ou animais, o estudo da dose-resposta quantifica este efeito, ouseja, determina qual é a intensidadede resposta obtida em vários níveisde exposição (dose). A intensidadede dano causado por diferentes subs-tâncias varia amplamente; por exem-plo, uma substância química A eoutra B podem, ambas, causar cân-cer em animais, mas pode ser neces-sário uma dose muito maior da subs-tância A do que da B para produzirtumores em animais testados no la-boratório. Quando os resultados daavaliação da dose-resposta com ani-mais são extrapolados para sereshumanos, devem ser feitos ajustespara se corrigirem diferenças entrehumanos e animais no que diz res-pei to à sensibi l idade e àfarmacocinética (taxa de transforma-ções fisiológicas das substâncias).Normalmente, efeitos de baixas do-sagens são deduzidos de resultadosde estudos de laboratório ouepidemiológicos com altas dosagens.Embora algumas diferenças possamser ajustadas, muitas outras não sãosuficientemente entendidas, geran-do, assim, incertezas (por exemplo,animais e humanos podem diferir

em suscetibilidade em função deidade, sexo, diversidade genética,estado de saúde, estilo de vida ououtros fatores). Para informação atu-alizada relativa a estudos de dose-resposta, sugere-se uma consulta àbase de dados descrita anteriormen-te (IRIS).

Avaliação da exposição

A exposição acontece quandoos seres humanos entram em conta-to com um agente qualquer. Poroutro lado, a dose é a quantidade dasubstância que realmente penetrano organismo. A exposição podeacontecer por ingestão, inalação ouabsorção dermal (Figura 5). A rota deexposição geralmente afeta a exten-são da absorção e, conseqüentemen-te, a dose. Exposição e dose sãoconsideradas ao se avaliar o risco,pois: 1) um agente tem que alcançarreceptores biológicos (por exem-plo, órgãos ou células) para produziruma resposta; 2) a produção de umaresposta e a intensidade da mesmasão relacionadas com a dose do agen-te no receptor; e, 3) a concentraçãoe a rota de exposição afetam signifi-cativamente a dose do agente noreceptor.

A avaliação da exposição estábaseada em moni toramentoambiental ou em modelagem, po-dendo também advir da combinaçãodesses. Ressalta-se, entretanto, quedados concretos provenientes daexposição de humanos bem comodados extensivos de monitoramentosão geralmente limitados, devido alimitações orçamentárias. Um resu-mo dos dados disponíveis sobre vá-rios fatores usados na avaliação daexposição humana, incluindo consu-mo de água potável, consumo dediferentes alimentos (como frutas,verduras, carnes, laticínios e peixes)padrões para solos e massa corpórea,pode ser encontrado nas publica-ções EPA/600/8-89/043 Exposure

Factors Handbook e EPA/600/R-03/

029 CSFII Analysis of Food Intake

Distributions, as quais podem serobtidas consultando-se um doswebsites sugeridos ao final deste ar-tigo (http://www.epa.gov/nepis/).

Caracterização do risco

A caracterização do risco é acombinação da identificação do pe-rigo com informações sobre dose-resposta e exposição. Embora oscálculos finais para se estimar o riscosejam diretos, o modo através doqual a informação é apresentada éimportante. A avaliação final deverevelar toda a informação pertinenteao assunto que estava disponível nomomento da tomada de decisão, in-cluindo aquela relativa a fatores taiscomo a natureza e a relevância daevidência levantada em cada passodo processo, as incertezas associa-das e a distribuição do risco atravésdos vários segmentos da população.

Avaliação de riscos ecológicos

A abordagem usada na avaliaçãode r iscos ecológicos éconceitualmente semelhante àquelausada na avaliação de riscos para asaúde humana. A avaliação de riscosecológicos determina a probabilida-de de que efeitos ecológicos adver-sos estejam acontecendo ou aconte-cerão como resultado da exposição aum ou mais agentes. O termo ‘’agen-te’’ pode ser definido como qualquerentidade química, física ou biológicaque pode induzir efeitos adversosem indivíduos, populações, comuni-dades ou ecossistemas. Esses agen-tes podem ser representados tantopor uma drenagem de uma áreapantanosa quanto pela liberação desubstâncias químicas no ambiente.Assim, a avaliação de riscos ecológi-cos deve ser flexível o suficiente demodo a proporcionar uma estruturalógica e científica que permita aco-modar uma ampla gama de agentesque possam resultar em um risco. Aavaliação de riscos ecológicos podeajudar na identificação de problemasambientais, no estabelecimento deprioridades e no provimento de umabase c ient í f ica para açõesregulatórias. Esse processo podeidentificar riscos existentes ou entãoprever os riscos de advindos de agen-tes que ainda não estão presentes noambiente.

A avaliação de riscos ecológicosinclui três fases primárias: formula-

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ção do problema, análise e caracteri-zação do risco (Figura 6). Durante aformulação do problema, os avalia-dores de risco estabelecem metas eselecionam os indicadores da avalia-ção, preparam o modelo conceituale desenvolvem um plano de análise.Durante a fase de análise, são avali-adas a exposição ao(s) agente(s) e arelação entre nível de exposição eos efeitos ecológicos. Na terceirafase, caracterização do risco, os ava-liadores estimam os riscos com base

no cruzamento das informações deexposição com o perfil de respostaao(s) agente(s). Estes riscos são en-tão descritos, discutindo-se as evi-dências e determinando-se as adver-sidades ecológicas, sendo posterior-mente relatados em um relatório.Uma estreita cooperação entre aspartes interessadas e os avaliadorese gerentes de risco, durante o plane-jamento inicial, bem como a corretacomunicação do risco, ao término daavaliação, são críticos para assegurar

que os resultados da avaliação derisco possam ser usados para supor-tar as decisões de gerência.

Em função da necessidade departicipação de pessoas com notórioconhecimento numa determinadaárea específica (especialmente emavaliações de risco ecológico com-plexas), avaliadores de risco e ge-rentes de risco freqüentementetrabalham em equipes multidiscipli-nares.

Tanto os gerentes quanto os

Figura 5. Rotas principais de exposição na avaliação de risco à saúde humana.Fonte: Adaptado de Fairman et al. (1999)

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avaliadores de risco devem contri-buir significativamente para as ativi-dades iniciais de planejamento daavaliação de risco ecológico. Geren-tes de risco encarregados de prote-ger o ambiente devem identificar ainformação que eles precisam paratomar suas decisões, enquanto queos avaliadores de risco devem asse-gurar que o conhecimento científicoseja usado efetivamente para enfocaras preocupações ecológicas. Juntos,avaliadores e gerentes podem julgarse a avaliação de risco realmentefocalizou os problemas identifica-dos. Ressalta-se que o processo en-volvido nesse planejamento inicial édistinto daquele procedimento cien-tífico requerido para uma avaliaçãode risco ecológico. Esta distinçãodeve assegurar que questões políti-cas e sociais possam ajudar na defini-ção dos objetivos da avaliação derisco sem, entretanto, induzir a deci-sões tendenciosas.

Considerações finais

Conforme foi relatado neste ar-tigo, a análise de risco é um proces-

so de avaliação, gerenciamento ecomunicação usado para avaliardados científicos, comparar e seleci-onar as políticas de ação disponíveise comunicar toda a informação obti-da no intuito de prevenir ou contro-lar riscos não desejados advindos daexposição de um indivíduo ou po-pulação a um agente particular.

A avaliação de risco é um passocrucial nesse processo, pois é nestafase que são levantadas todas asinformações sobre os riscos estima-dos, os quais tendem a ser compara-dos com riscos considerados aceitá-veis, visando respaldar, de maneiraobjetiva, as futuras ações degerenciamento e comunicação derisco. Entretanto, a tentativa de secomparar, em termos quantitativos,um risco calculado (a partir da esti-mativa da exposição de um indiví-duo ou uma população a um agenteperigoso qualquer) com um riscoconsiderado aceitável (valor esteproveniente de testes toxicológicosou ecotoxicológicos), nem sempre épossível, especialmente em se tra-tando de avaliações de riscos ecoló-gicos.

Mesmo sabendo-se que algu-mas incertezas qualitativas e quanti-tativas cercam as estimativas de ris-co para a saúde humana, a possibili-dade de comparação de valores cal-culados com aqueles consideradosaceitáveis traz um referencial maisobjetivo para a tomada de decisãopor parte dos agentes regulatórios.Já no caso da avaliação de riscosecológicos e, mais especificamente,aqueles associados aos organismosgeneticamente modificados (OGMs),a multitude dos indicadores a seremavaliados, aliada ao pouco conheci-mento acerca dos efeitos ecológicosem longo prazo torna o processo decaracterização de risco bem menospreciso e a tomada de decisão bemmais complexa, diante do desafio dedecidir o que venha a ser o riscoaceitável. Esta situação tem levadoalguns autores a sugerir uma aborda-gem do risco de OGMs baseada noprincípio da precaução (Ervin et al.,2000), sem que isto signifique, en-tretanto, uma moratória aos organis-mos geneticamente modificados(Batie, 2003).

No caso da avaliação de riscodos OGMs ou de outro agente qual-quer, embora seja desejável, do pon-to de vista da proteção da saúdehumana e do ambiente, que não hajaefeitos adversos às populações ouaos ecossistemas, é razoável que seadmita, do ponto de vista da gerên-

cia de risco, que a filosofia do “riscozero” é impraticável numa socieda-de onde a intervenção antrópica atin-giu os níveis correntemente obser-vados nas civilizações atuais. Assimsendo, é de se esperar que os bene-fícios derivados para um organismo,uma população ou um sistema eco-lógico excedem em valor os efeitosadversos resultantes da exposição aum agente particular. O uso de vaci-nas (um agente biológico) é umexemplo concreto disso e é facil-mente aceito pela população, já queos benefícios são bastante mais evi-dentes que os prováveis efeitos ad-versos.

Finalizando, vale ressaltar, po-rém, que por ocasião da comunica-

ção de risco para a sociedade, estadeve ser alertada para o fato de quesuas necessidades básicas, bem como

Figura 6. Modelo de avaliação de riscos ecológicos utilizado pela Agência deProteção Ambiental dos Estado Unidos.Fonte: USEPA Risk Assessment Forum (vide website ao final deste artigo)

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os bens de consumo que a cerca - osquais lhe trazem graus variáveis desatisfação ou de benefício - somentepodem existir a partir da exploraçãode recursos naturais que, mesmoque sejam extraídos ou produzidosde modo a gerar o menor efeitoadverso possível ao ambiente, pos-suem uma taxa de renovação ou dereposição geralmente menor do queaquela em que atualmente são con-sumidos.

Literatura Consultada

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Web Sites Sugeridos

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A Citizen’s Guide to Risk Assessments and Public Health Assessments: http://www.atsdr.cdc.gov/publications/CitizensGuidetoRiskAssessments.html

EEA (European Environment Agency): http://www.eea.eu.int/

EEA Multilingual Environmental Glossary:http://glossary.eea.eu.int/EEAGlossary

EEA Reports: http://reports.eea.eu.int/index_table?sort=Thematically

Glossary of IRIS (Integrated Risk Information System) Terms: http://www.epa.gov/iris/gloss8.htm

The Society for Risk Analysis: http://www.sra.org/

Terms of the Environment: http://www.epa.gov/OCEPAterms/

USEPA (United States Environmental Protection Agency): http://www.epa.gov/

USEPA Integrated Risk Information System (IRIS): http://www.epa.gov/iris/

USEPA Office of Research and Development: http://www.epa.gov/ord/

USEPA National Center for Environmental Assessment: http://www.epa.gov/ncea/

USEPA National Environmental Publications Information System: http://www.epa.gov/nepis/

USEPA Comparative Risk Assessment: http://www.epa.gov/seahome/comprisk.html

USEPA Risk Assessment Forum: http://cfpub.epa.gov/ncea/raf/index.cfm