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Marcos Antônio de Oliveira Sérgio Aguilar Silva FUNDAMENTOS ECONÔMICOS DA EDUCAÇÃO Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

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Marcos Antônio de OliveiraSérgio Aguilar Silva

FundAMEntOSEcOnôMicOS dA EducAçãOFundAMEntOS

EcOnôMicOS dA EducAçãO

Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-3174-0

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Marcos Antônio de OliveiraSérgio Aguilar Silva

Fundamentos Econômicos da Educação

IESDE Brasil S.A.Curitiba

2012

2.ª ediçãoEdição revisada

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© 2005-2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: Shutterstock

IESDE Brasil S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________________________O45f Oliveira, Marcos Antônio de Fundamentos econômicos da educação / Marcos Antônio de Oliveira, Sérgio Aguilar Silva. - 2.ed., rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 134p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3174-0 1. Educação - Aspectos econômicos. I. Silva, Sérgio Aguilar. II. Título. 12-7193. CDD: 379.11 CDU: 37.014.54 03.10.12 18.10.12 039632 ________________________________________________________________________________

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SumárioObjetivos e métodos de estudo da relação entre economia e educação ...............................5

O ser humano como um ser social ...........................................................................................................6As organizações sociais se alteram de acordo com a maneira de produzir a riqueza ..............................7Modo de produção ..................................................................................................................................7

As relações entre a economia no escravismo e a educação .................................................13O modo de produção escravista greco-romano .......................................................................................13O modo de produção escravista e a educação .........................................................................................15

A economia feudal e a educação ..........................................................................................19Origens do trabalho servil ........................................................................................................................19Trabalho, economia e produção ...............................................................................................................20O modo de produção feudal e a educação ...............................................................................................21

Tempos de mudança: a crise do feudalismo, a origem da ciência econômica e a inclusão do conhecimento científico aos processos produtivos ......................................25

Melhoria nas técnicas agrícolas e aumento vegetativo da população ......................................................25As cruzadas ..............................................................................................................................................26O renascimento comercial e urbano .......................................................................................................26

O capitalismo e a incorporação da ciência aos processos produtivos ....................................29A escola capitalista ou escola para todos .................................................................................................31

O fordismo keynesiano .......................................................................................................35

O fordismo keynesiano e a educação ..................................................................................41

A teoria do desenvolvimento ...............................................................................................47Do que tratam as teorias do desenvolvimento econômico? .....................................................................47A economia colonial ................................................................................................................................48O processo de desenvolvimento ..............................................................................................................50Teorias de fundo marginalista ..................................................................................................................51Teorias de fundo marxista ........................................................................................................................54Conclusões ...............................................................................................................................................57

A teoria do capital humano ..................................................................................................59Capital humano na história ......................................................................................................................59A teoria do capital humano na vertente americana – Schultz ..................................................................60A teoria do capital humano na atualidade ................................................................................................61

O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra ................................63A crise do fordismo ..................................................................................................................................63O toyotismo .............................................................................................................................................66O toyotismo, a financeirização do mundo e a globalização .....................................................................67

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O toyotismo: qualificação ou competência? ........................................................................73A qualificação no toyotismo ....................................................................................................................73Nova forma de conhecimento exigido pelo toyotismo ............................................................................76Da qualificação à competência ................................................................................................................78

As recomendações das agências financeiras multilaterais (BID e Bird) para a educação ...83O que são “agências multilaterais de desenvolvimento” .........................................................................83As políticas propostas pelas agências para a educação ...........................................................................84As recomendações do Bird ......................................................................................................................85As recomendações da Cepal ....................................................................................................................86As propostas do BID ...............................................................................................................................88Para concluir: os interesses e o modelo de escola definido pela economia .............................................89

A situação fiscal do Estado brasileiro, a reestruturação produtiva e a educação .................91A condição fiscal do Estado brasileiro ....................................................................................................91A reestruturação produtiva no Brasil .......................................................................................................94A situação do trabalho no Brasil ..............................................................................................................100Considerações finais ................................................................................................................................104

A educação no Brasil nos anos 90: o desenvolvimento das políticas públicas de educação e a adequação ao mundo produtivo .................................107

As políticas implementadas na década de 1990 ......................................................................................107A nova LDB – Lei 9.394/96 ....................................................................................................................108Aprovação das DCNs e PCN ...................................................................................................................109A reforma do Ensino Médio ....................................................................................................................110A reforma do ensino universitário e formação de professores ................................................................111A centralidade ao ensino básico ...............................................................................................................112O que é e como funciona o Fundef ..........................................................................................................112

O modelo de gestão empresarial na educação: a escola vista como uma empresa .................. 119A LDB e a transformação da escola em empresa ....................................................................................119A adoção do novo modelo gerencial na educação pública no Paraná e seu sentido ................................121

Referências ...........................................................................................................................129

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Objetivos e métodos de estudo da relação entre economia e educação

Sérgio Aguilar Silva

T rabalharemos nesta parte do curso as relações entre o mundo econômico – da produção – e o mundo da educação. A ideia principal é verificar como a forma de produção de uma determinada sociedade, em uma determinada

época, inter-relaciona-se com a educação. A intenção é fornecer categorias teóricas que permitam, a você leitor, analisar e compreender a situação da educação na atualidade, entendendo-a como uma relação dinâmica e historicamente construída que pode também alterar-se, tão logo mude a estrutura econômica.

Para isso, a metodologia de trabalho se pautará em verificar, nos diversos momentos históricos da sociedade ocidental, a forma de organização econômica e, a partir daí, a organização da educação, entendidas em seus aspectos de trabalho e cotidiano, de valores e de tipo de homem e cidadão que cada momento pretendeu formar.

Nessa perspectiva, é importante lembrar que o relato e a discussão das características da educação, em determinado momento histórico, não é feito aqui por simples diletantismo. Parte-se da ideia de que a vida social, e o próprio ser humano, estão impregnados do tempo histórico em que vivem, uma vez que estes são definidos e condicionados pela maneira como as pessoas vivem concretamente. Em outras palavras, como a maneira de viver depende de como se organiza a produção, pois as mudanças na organização econômica trazem alterações na organização da vida social, nos sistemas de valores e, assim, no próprio ser humano, nosso objetivo é estudar como se processa a relação entre economia e educação, e identificar e discutir os elementos que permitem compreender as mudanças na sociedade, em suas rupturas e continuidades.

Não raro, como nos mostra Huberman (1986), as mudanças na forma de organização econômica, das condições concretas da existência, produzem também alterações nas próprias ideias e concepções econômicas. Assim, verificaremos também como o tempo histórico relaciona-se com o pensamento econômico, e como esse processo atinge a educação.

Em nosso entendimento, somente com base nessa concepção de que a produção, enquanto infraestrutura, e a educação, como superestrutura, estão relacionadas direta ou contraditoriamente, é que teremos condições efetivas de compreender mais racionalmente a educação em nossos dias.

A partir do entendimento desses elementos de análise, que se modificam, mas não deixam de existir de um momento histórico para outro, teremos condições de refletir sobre a situação atual da educação, bem como sobre seu futuro.

* Mestrando em Educação pela Universidade Federal

do Paraná (UFPR). Especia- lista em História pela UFPR e em Gestão do Sistema Estadual de Ensino pela Ponti- fícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Licen- ciado em História pela UFPR. Professor.Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,

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Objetivos e métodos de estudo da relação entre economia e educação

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Dentro das categorias/elementos importantes para que se entenda a relação economia/educação, podemos citar pelo menos três:

o conceito de que o ser humano é um ser social;

de que as estruturas se alteram toda vez que muda a forma de produzir os bens materiais; e

que a base material de produção de bens se organiza em vários modos de produção.

O ser humano como um ser socialA relação entre economia e educação seria praticamente a mesma em

qualquer momento histórico, caso o ser humano fosse apenas um ser natural. Ao contrário, o ser humano é “uma parte natural e grande da civilização”. O homem, ao contrário dos animais, não reage somente por instintos, nem tem uma relação imediata com a natureza, como têm os outros animais. Pelo contrário, o homem se relaciona com a natureza por meio do conhecimento.

Em outros termos, o animal bebe água diretamente do rio, da lagoa ou de outra fonte natural. O homem, ao contrário, apesar de ter a capacidade de relacionar-se com a natureza, não toma água diretamente das fontes naturais. Utiliza as mãos ou geralmente algum utensílio para beber a água e usa todo o conjunto de conhecimentos acumulados pela humanidade para captá-la, tratá-la, armazená-la e transportá-la.

Como essa forma de relacionamento faz as pessoas comportarem-se de uma determinada maneira, podemos dizer que o ser humano não tem apenas um corpo natural, orgânico. Possui, também, um “corpo inorgânico”, constituído a partir da sociedade, com suas formas de viver e suas formas de ver o mundo, o que faz com que se comportem de determinadas maneiras.

Por isso, o homem é um ser social por natureza. Ou seja, não existe homem que não tenha embutido dentro de si um pouco da sociedade onde vive, de seus valores e de sua forma de ver o mundo. Dessa maneira, para entender o homem, objetivo da educação, é necessário entender também a sociedade, uma das bases de estudo da economia.

Como veremos adiante, o tipo de homem que existe em cada momento histórico depende das estruturas econômicas vigentes, ou seja, da forma de produzir a riqueza, porque a maneira deste se relacionar com a natureza, depende do acúmulo de conhecimento que se tem em cada sociedade. Em cada momento histórico há um modelo de homem e de sociedade, trazendo consequências para o mundo educativo.

Como exemplo podemos citar o caso do pensamento humano sobre o trabalho. Enquanto o conhecimento acumulado pela humanidade era relativamente pequeno em comparação ao que é hoje, e os produtos para a sobrevivência eram produzidos somente com a força humana ou animal, era perfeitamente justificável a existência de escravos, que caracterizou principalmente o mundo antigo. Com o maior desenvolvimento do conhecimento, e a incorporação destes aos processos

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Objetivos e métodos de estudo da relação entre economia e educação

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produtivos, houve também o aumento da capacidade humana de produzir os bens de que necessitava para sobreviver, portanto, a ideia de escravo não é mais aceitável.

As organizações sociais se alteram de acordo com a maneira de produzir a riqueza

Essa é, na realidade, a consequência da formulação anterior. Assim, o homem modifica-se de acordo com o acúmulo de conhecimento científico que uma sociedade produz. Cada nova intervenção humana na natureza traduz-se em novo conhecimento, que juntando-se ao estoque já acumulado pela humanidade, leva a uma nova forma de intervenção.

Como as necessidades humanas são atendidas pela intervenção do homem na natureza, essa nova forma de intervenção leva a mudanças nas maneiras dos homens relacionarem-se com esta, de satisfazerem suas necessidades. Assim, a forma de produção dos bens que necessita é um dos constituintes dos seres humanos e da sociedade em geral.

Dessa maneira, a forma de produzir os bens materiais tem como consequência uma ordenação social. Quando alterada essa forma de que necessita uma sociedade, alterações também ocorrem nas estruturas e no ordenamento social, isto é, no tipo de sociedade.

No mundo europeu medieval, por exemplo, a única forma dos cidadãos conseguirem sobreviver, dada a necessidade de defesa frente aos “bárbaros”, era a união do vassalo com o dono da terra. De um lado, o dono da terra protegia o vassalo e, por outro, este servia para produção de alimentos e mão de obra para o proprietário. O vassalo ficava preso à terra, produzindo o bem que o feudo necessitava. Pois bem, tão logo começaram a aparecer as cidades e tão logo outras formas de obter os bens de que necessitavam, apareceu, por meio do comércio, a sociedade mudou, deixando de ser feudal e passando a ser gradativamente mercantil, capitalista.

Como veremos isso terá reflexos na educação, pois o tipo de homem que cada uma dessas sociedades necessita mudará, trazendo um ordenamento educa-cional diferente.

Modo de produção Assim, outra categoria importante para entendermos a escola, a partir de seus

condicionantes econômicos, é a de “modo de produção”. Na realidade, o modo de produção é a forma como a sociedade organiza (combina) os “fatores de produção” (terra, trabalho e capital, ou terra, mão de obra e máquinas) para produzir os bens de que necessita para sobreviver e se reproduzir. A sociedade organiza a forma de produzir os bens de que necessita, conforme um modo de produção determinado, definindo quais são os meios de produção, ou seja, as máquinas, terras e ferramentas, e quem pode geri-los, bem como apropriar-se de seu resultado.

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Objetivos e métodos de estudo da relação entre economia e educação

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No Ocidente, houve pelo menos três modos de produção: o escravista, o feudal e o capitalista, em vigor atualmente. No escravismo e no feudalismo, essencialmente, o dono da terra combinava a terra, praticamente o único meio de produção de riqueza, com um tipo de mão de obra. Uma vez que a produtividade do trabalho na terra era baixa, esses sistemas exigiam um número maior de trabalhadores que, na realidade, deixavam o pouco excedente que produziam para as outras classes. Daí a necessidade do trabalhador estar preso ao dono (escravismo) ou à terra (feudalismo).

No capitalismo, como a produtividade do trabalho é maior, inclusive porque há nesse modo a incorporação de um acúmulo maior de conhecimentos (ferra-mentas e máquinas), não há a necessidade dos trabalhadores estarem presos aos donos dos meios de produção ou à terra. De qualquer maneira, há um excedente produzido por quem trabalha, agora bem maior, que é repassado para os outros setores da sociedade. Daí, inclusive, ser nesse sistema que começam a aumentar a diversidade de formas de satisfazer as necessidades humanas.

A compreensão dos diversos modos de produção é importante porque é esse o grande modelo de organização econômica do qual derivará um tipo de homem, bem como quais relações sociais devem ser trabalhadas pela escola.

Pequeno exemplo de análise da relação economia e educação: a escola antiga/feudal versus escola capitalista

Como exemplo, a seguir expomos uma combinação das categorias trabalhadas para o entendimento do que vem ocorrendo com a educação a partir das mudanças em um de seus condicionantes principais: a economia.

Para isso, podemos citar o caso da escola nos sistemas econômicos vigentes no Ocidente até o feudalismo, contrastando-os com o que ocorreu a partir do momento em que a sociedade passou a ser organizada sob o comando do capital. Até a Idade Média, o trabalho dependia fundamentalmente da força bruta (animal ou humana) para efetivar-se, explorando geralmente a natureza, ou por meio da agricultura, pesca e pecuária, ou por meio do extrativismo mais simples. Nessas sociedades, a maneira de produzir os bens era, portanto, muito condicionada pelas forças naturais, pela natureza, situação esta que era auxiliada pelo baixo conhecimento dos processos naturais. Assim, os produtos e bens (alimentos ou não) vinham diretamente da natureza, sem maior sofisticação ou oriundos de outras necessidades que não as imediatas (alimentar-se, vestir-se, defender-se).

Nessas condições, para a reprodução da sociedade e da vida social, bastava o conhecimento (mesmo que superficial) dos ciclos da natureza. Com isso, a sociedade poderia cultivar seus alimentos, criar seus animais ou mesmo extrair o minério ou outros elementos de que necessitava da própria natureza. Isso, inclusive, era fundante do seu imaginário, que pode ser verificado nos mitos antigos, geralmente ligados à natureza: deuses da chuva, do fogo, do mar etc.

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Se o conhecimento das coisas da natureza bastava para sua reprodução, para que escola, ou por que escola para todos nessa sociedade, uma vez que o conhecimento de que precisava podia ser absorvido e aprendido apenas olhando para o trabalho dos outros? Não é por acaso, portanto, que naquelas sociedades, a escola não existia e nem era para todos: os processos produtivos não necessitavam de conhecimento sistematizado, pelo menos da forma como a sociedade atual necessita. Por que todos deveriam aprender a escrever, se os conhecimentos que a sociedade necessitava para reproduzir eram simplesmente fornecidos pela prática cotidiana? Notem que há uma estreita relação entre escola e economia, entendida como forma de organização e produção dos meios que uma sociedade necessita para reproduzir-se.

Podemos entender o contraste com a escola no capitalismo pelos mesmos elementos, mas agora postos em outros termos. No capitalismo, devido ao conhecimento acumulado pela humanidade ao longo de sua história, os seres humanos têm um grau de domínio da natureza sem precedentes. Com isso, a maneira de produzir os bens de que a sociedade capitalista necessita para reproduzir-se não depende hoje somente da natureza. É evidente que os elementos sempre acabam vindo da natureza, mas a forma como os tratamos, bem como extraímos desta, dependem de outros conhecimentos, previamente construídos por outras gerações de seres humanos.

Nessas condições, não dá para imaginar que nós conseguiremos entender, como era na antiguidade ou no medievo, a maneira de produzir quase tudo que é produzido pela humanidade, apenas vendo a pessoa trabalhar. Por exemplo, alguém consegue produzir um telefone apenas observando-o? Alguém consegue entender como ele funciona, em seus aspectos científicos de transmissão de som, apenas observando uma pessoa falando com outra ao telefone? Evidentemente que não!

Mas por que isso ocorre? Porque todo conhecimento que o homem tinha sobre a natureza, que foi se acumulando ao longo de toda sua história, é hoje utili-zado para produzir novos bens, é incorporado aos processos produtivos. Como as pessoas vivem com esses bens, a sociedade capitalista necessita, para sua repro-dução, que o conhecimento acumulado pela humanidade seja incorporado pelos processos produtivos.

A partir daí, dá para entender porque a escola no capitalismo não existe apenas para poucos, como antes (na antiguidade escravista e no feudalismo). No capitalismo, para que as pessoas possam trabalhar nos processos produtivos, não basta apenas observar o que o outro faz. É necessário, portanto, que todos saibam ler, escrever e fazer contas, pelo menos. Ou seja, para trabalhar nos processos produtivos atuais as pessoas têm que ter acesso ao conhecimento historicamente acumulado pela humanidade. Daí a necessidade da escola para todos. É lógico que no capitalismo a necessidade de conhecimento aprofundado muda de acordo com o local que a pessoa ocupa na hierarquia do sistema de produção, mas a escola só tornou-se universal e para todos, como demonstra Enguita (1994), após o início do capitalismo, em que a maneira de produção dos bens materiais exige isso.

Assim, observa-se que existe uma relação entre economia e educação, que depende da época histórica. Essa relação, portanto, é histórica, uma vez que se altera.

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Para podermos entender também o fundamento econômico da educação, procuraremos refazer as ideias econômicas de cada época histórica. Assim, verificaremos que historicamente teremos um tipo de “paradigma” de organização econômica, que ditará o aparecimento de um tipo de doutrina econômica.

Dessa forma, parece que os problemas com a “grande depressão” nos Estados Unidos, nos anos 30 do século passado, junto com a necessidade do capitalismo reconstruir a Europa Ocidental e partes da Ásia depois da Segunda Guerra Mundial, trouxe a possibilidade de eclosão da doutrina keynesiana. Esta era uma maneira de se pensar a economia de um território, tendo como principal articulador o Estado, para o “bem-estar social” e para a garantia do acesso aos produtos do desenvolvimento para todos. Para o mundo produtivo isso significou o fordismo (produção em massa para o consumo de massas) e, para a escola, significou a possibilidade da educação com base em princípios mais coletivos.

No momento atual de nossa sociedade ocidental, parece que o esgotamento da capacidade dos Estados em financiar o “bem-estar social” está significando a retomada de paradigmas econômicos anteriores ao keynesianismo, com a retomada de doutrinas econômicas mais liberais, mais ao gosto do liberalismo de Adam Smith. Assim, parece haver a tentativa de deixar de lado as iniciativas da resolução dos problemas coletivos para preocupar-se mais com as situações individuais. Como demonstraremos nas próximas unidades, isso significa, para o mundo produtivo, formas toyotistas ou pós-fordistas de produção e organização do trabalho e, para o mundo da educação, o modelo de competências, de trabalho por projetos, de contextualização e avaliação, entre outras “novidades” pedagógicas.

Como podemos perceber, a educação sempre foi, é e será “atravessada” pelos interesses econômicos. Assim, esta possui “fundamentos econômicos”. Entendê-los, portanto, é obrigação de qualquer educador. Diríamos, no limite, que sem esta compreensão ninguém é um verdadeiro educador. Esperamos (e nos esforçamos para tal), que no decorrer do curso, possamos contribuir para sua melhor compreensão das relações dialéticas entre economia e educação, em outros termos, entre a infraestrutura material e social e a superestrutura jurídico- -política, cultural e ideológica, em diferentes momentos históricos.

1. Discuta o que significa dizer que “o homem tem um corpo orgânico e um inorgânico”. Registre as conclusões.

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Objetivos e métodos de estudo da relação entre economia e educação

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2. A escola não é sempre a mesma, nos mais diversos tempos históricos. Discuta como era a escola de seus pais, há 30, 40 ou 50 anos, e como é hoje. O tempo de estudo mínimo necessário era o mesmo exigido hoje? Por quê?

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3. Por que a escola de seus pais, há 40 ou 50 anos, valorizava tanto a educação primária? É assim hoje? Por que houve essa mudança?

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As relações entre a economia no escravismo e a educação

N esta aula, iremos discutir as relações econômicas entre o escravismo da antiguidade greco- -romana e as formas de pensamento e de educação, daquele contexto histórico. Abordaremos a discussão acerca de uma economia baseada no trabalho escravo, na exploração da terra e

no comércio, que não necessitava de conhecimentos complexos sobre os processos produtivos, com a consequente organização de uma escola para o ócio e para as elites.

O modo de produção escravista greco-romanoO auge da civilização grega deu-se por volta do século IV a.C. e a romana entre os séculos II a.C.

e II d.C. Nessa época, essas duas civilizações se desenvolveram do ponto de vista político, militar e econômico, por meio de uma grande expansão colonial pelo mediterrâneo. A diferença é que o mundo grego era fragmentado em diversas cidades-Estado, enquanto a República e o Império Romanos eram unificados e poderosos, pois formaram um dos maiores impérios de toda a história da humanidade.

No auge do mundo grego, Atenas fundava e consolidava a democracia da pólis, na qual todos os cidadãos livres tinham o direito de voto na Assembleia. Já em Roma, aperfeiçoou-se a democracia grega, por meio das lutas sociais dos plebeus, culminando com a conquista dos Tribunos da Plebe na República Romana.

Esses diferentes contextos históricos, tanto para o mundo grego, quanto romano, levaram também a um grande desenvolvimento econômico, do ponto de vista comercial, marítimo, territorial e agrícola. Muitas camadas sociais como os comerciantes e as oligarquias agrárias aumentaram seu poder econômico nesse processo de ascensão comercial, militar e territorial. Como também foram ascendendo socialmente outras camadas da população, como os artesãos, homens livres e plebeus.

Enfim ocorreu um forte processo de urbanização, principalmente entre os romanos, pois sua capital chegou a comportar por volta do século I, cerca de um milhão de habitantes. E à medida em que as cidades-Estado gregas e Roma tornavam-se centros cosmopolitas, as expressões artísticas também ganhavam cada vez mais destaque e difusão.

Por outro lado, todo esse grande desenvolvimento econômico do mundo grego e romano estava fortemente assentado na exploração do trabalho escravo. Isso ocorreu devido à expansão militar e territorial de ambas as civilizações pelo mediterrâneo, que subjugou povos do norte da África, do Oriente Médio e do interior da Europa. Esses povos dominados tornavam-se os principais fornecedores de mão de obra escrava, extremamente necessária aos interesses agrícolas e mercantis gregos e romanos. A grande maioria dos escravos era composta de estrangeiros – espólios de guerra – mera mercadoria nas mãos dos traficantes de escravos, que obtinham altos lucros nessas transações comerciais, duplamente rentável: como mercadoria para o comerciante e mão de obra para o comprador.

A esse predomínio da força de trabalho escravo, nas atividades produtivas, dá-se o nome de modo de produção escravista: todo tipo de trabalho, principalmente os mais pesados, eram feitos pelos escravos, quase sempre estrangeiros submetidos.

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As relações entre a economia no escravismo e a educação

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As atividades produtivas passaram a ser vistas como desprezíveis para o homem livre. Segundo Franco Jr. (1980, p.41), “A ociosidade foi vista desde então como ‘irmã da liberdade’”, e continua ao dizer que para Platão “é próprio de um homem bem nascido desprezar o trabalho”, enquanto Aristóteles afirmava que “o privilégio do homem livre não é a liberdade, mas a ociosidade, que tem por coro-lário o trabalho forçado dos outros, isto é, a escravatura”.

Também segundo Sêneca, filósofo romano do século I, vulgar é a arte dos operários que trabalham com suas mãos; é um trabalho sem dignidade que nem sequer sabe revestir-se de uma aparência de honestidade.

Ou seja, antes do predomínio do modo de produção escravista, nas duas civilizações estudadas, o trabalho era valorizado porque era livre; no entanto, com o advento do escravismo, a visão sobre o trabalho foi modificada, e uma nova mentalidade foi sendo elaborada, como forma de justificativa ideológica da superestrutura econômico-social escravocrata.

Nas cidades comerciais e industriais gregas, a população escrava era maior que a população livre. Em Atenas, por exemplo, num total de 250 000 habitantes, cerca de 140 000 eram escravos. O Estado possuía escravos, tais como varredores de rua, policiais, escrivãos e fiscais. Bem como, os religiosos mantinham escravos em seus serviços.

Em Atenas, a mão de obra escrava foi predominante na indústria artesanal, nas oficinas das cidades comerciais e industriais. Em Roma, a escravidão esteve presente principalmente no trabalho agrícola e nas atividades mantidas e adminis-tradas pelo poderoso Estado romano.

Os escravos eram também alugados, como forma de investimento de capital. De maneira geral, no mundo grego, os escravos eram bem tratados, podendo fugir de um senhor cruel e esconderem-se em templos religiosos para serem vendidos.

Tanto no mundo grego, quanto no romano, os escravos não tinham nenhum direito político, bem como as mulheres e os estrangeiros, mais entre os gregos. Segundo Franco Jr. (1980, p. 42), sobre o mundo grego:

Os cidadãos, únicos a terem direitos políticos e propriedades imobiliárias, foram aos poucos afastando-se de quase todas as atividades econômicas para se dedicarem aos negócios públicos. [...] Procurando estabelecer a igualdade de participação política entre os cidadãos, a democracia ateniense criou a mistoforia, remuneração pelos serviços públicos, permitindo a todo cidadão dedicar-se à política ao garantir sua subsistência. Assim, essa instituição tornou-se verdadeiro “estímulo ao desemprego” criando um pauperismo semissatisfeito, paralisou as iniciativas na classe dos cidadãos e levou-os a abandonar a maior parte do trabalho e dos negócios aos metecos (estrangeiros) e aos escravos.

Além do mais, o preço de um escravo em Roma, por volta do século I, custava 2.500 sestércios, enquanto uma pessoa vivia razoavelmente com dois sestércios por dia. Assim, a economia escravista se revela como fundamentalmente antica-pitalista. Provavelmente, a escravidão talvez tenha sido um dos fatores determi-nantes do atraso tecnológico das civilizações clássicas: não lhes faltava espírito criativo, como se vê por meio de sua arte, filosofia, literatura e mesmo ciência, porém o espírito prático não se desenvolveu em parte em virtude da abundância do trabalho escravo.

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As relações entre a economia no escravismo e a educação

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Platão, um dos maiores filósofos gregos, que viveu em Atenas entre 427 e 347 a.C., tinha uma visão sobre o trabalho que bem representava a mentalidade dos poderosos da época:

[...] uma cidade bem feita seria aquela na qual os cidadãos fossem alimentados pelo trabalho rural de seus escravos e deixassem os ofícios para a gentalha: a vida “virtuosa” de um homem de qualidade, deve ser “ociosa”. [...] Apenas esses homens ociosos correspondem moralmente ao ideal humano e merecem ser cidadãos por inteiro. (VEYNE, 1990, p. 124-125)

O modo de produção escravista e a educação

Como vimos, o trabalho escravo era a base de sustentação das civilizações da Antiguidade Clássica. Principalmente entre os gregos, em que os homens livres, os cidadãos recebiam salários para apenas se dedicarem à pólis, à política. No tocante à Roma, a crise do escravismo no século IV levou à própria decadência do poderoso Império Romano.

Nesse sentido, como a infraestrutura econômica e social se assentava no modo de produção escravista, toda a superestrutura política, religiosa, jurídica e cultural refletia e reforçava a base material. A estrutura política do auge do mundo grego conquistara socialmente a democracia, na qual todos os cidadãos livres tinham o direito de voto, independente da sua condição financeira. Isso, sem dúvida, já era um grande avanço político e social, mas que não incorporava a massa de escravos, na sua grande maioria estrangeiros. Portanto, escravos, estrangeiros e mulheres não eram cidadãos, não tinham diretos políticos.

Isso evidencia que mesmo a democracia grega era escravista, socialmente excludente. Enfim, a pólis não era para o povo, mas somente dos cidadãos que definiam seus rumos. Assim, toda a estrutura política e jurídica do mundo grego reforçava a exclusão social e política dos escravos e estrangeiros, pois estes eram a mão de obra fundamental de toda a riqueza econômica e cultural desenvolvida pelos gregos.

No mundo romano, as estruturas políticas também passaram por mudanças, desde a realeza, à república até o império. Durante a república, a plebe conquistou, por meio de suas lutas, mais direitos civis e políticos. Chegaram a conquistar os tribunos da plebe e conseguiram acabar com a escravidão por dívidas. No entanto, a escravidão por guerras crescia junto com a expansão colonial e militar romana, e também os escravos não tinham direitos políticos nenhum. Podiam exercer as mais variadas profissões, mas não tinham o direito de voto. Nesse sentido, também a república romana, permeada pelas lutas sociais, excluía os escravos do seu funcionamento, pois, novamente, eram estes os trabalhadores que sustentavam a pujante economia romana em expansão. A estrutura romana era ainda mais oligárquica que entre os gregos, pois no senado só eram permitidos os patrícios, a elite agrária romana, os maiores escravocratas da época. Enfim, toda a estrutura política e jurídica romana também excluía socialmente os trabalhadores escravos, e assim reforçava o modo de produção escravista estabelecido.

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Da mesma forma ocorria na filosofia, no teatro e nos esportes gregos e romanos a depreciação do trabalho, e por conseguinte dos trabalhadores escravos. Como vimos anteriormente, muitos filósofos daquelas civilizações, como Platão, Aristóteles e Sêneca, justificavam ideologicamente a inferioridade do trabalho escravo, como um trabalho inferior para inferiores. Somente os cidadãos livres poderiam dedicar-se à política, Arte, à filosofia, aos esportes, pois estas eram atividades que exigiam habilidades superiores, intelectuais, não desenvolvidas pelos escravos, devido à sua forma de trabalho rudimentar, braçal. Segundo a elite econômica e intelectual grega e romana, as atividades chamadas superiores, requeriam o ócio e por isso eram avessas ao mundo do trabalho. Podíamos até mesmo afirmar que o auge da produção filosófica grega só foi possível devido à existência da economia de base escravista, pois não poderia haver ócio senão houvesse quem trabalhasse para sustentar a ociosidade intelectual.

A filosofia, a religião, a arte e os esportes gregos e romanos também enca-ravam com extrema naturalidade a escravidão. Quase não há escritos condenando veementemente o trabalho escravo. Ou a escravidão era natural, como a miséria que presenciamos nas ruas, ou se justificava o trabalho escravo ideologicamente, reforçando e reproduzindo a base econômica escravista da produção.

Não é por acaso que o cristianismo se difundiu rapidamente por todo o Império Romano, pois os seus princípios eram de inclusão e não exclusão social, ou seja, o cristianismo estava aberto a todos, era universal, enquanto as religiões politeístas gregas e romanas fundavam-se numa hierarquia social. Os sacerdotes gregos e romanos eram sempre provenientes das elites, das castas sociais dominantes. Isso também não quer dizer que o cristianismo, no seu início, se posicionou abertamente contra a escravidão, e menos ainda quando se aproximou mais do poder político. É bom lembrar que a Igreja Católica, na época colonial brasileira, nunca se posicionou contra a escravidão negra, pelo contrário, justificava religiosamente o trabalho como salvação, possuindo, também escravos negros, mas era contrária à escravidão indígena. Havia um acordo tácito entre a Igreja e os senhores de escravos, cada um ficando com a sua parte e estavam combinados.

A educação também refletia e reforçava a mentalidade depreciativa em relação ao trabalho, entre os gregos e romanos. A educação estava voltada para as elites, para o ócio, para o corpo e para a guerra. A educação não era para todos, mas para os cidadãos, os homens livres. A retórica, a eloquência e a ginástica eram disciplinas fundamentais para a arte da política e da guerra, enfim, era importante saber argumentar e saber lutar.

O escravo era o pedagogo entre os gregos, aquele que ensinava apenas a ler e escrever, um ofício importante, mas que exigia pouca habilidade superior, era mais treinamento básico que conhecimento superior. As disciplinas como gramática, música, ginástica, geometria, filosofia, equitação e retórica eram conhecimentos tidos como superiores e por isso mesmo eram ensinadas pelos mestres, que não eram escravos, mas cidadãos.

Tanto a educação grega quanto a romana reproduziam no interior da escola a estrutura socioeconômica escravista, quando novamente estabelecia a separação entre educação e intelecto do mundo do trabalho. Mas diferentemente da escravidão

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negra no Brasil, que não admitia a instrução dos escravos, na antiguidade clássica os escravos tinham ao menos o direito de aprender e ensinar a ler e escrever.

Vejamos alguns posicionamentos gregos e romanos sobre a educação: segundo Sólon, um dos maiores legisladores atenienses:

[...] as crianças devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler; em seguida, os pobres devem exercitar-se na agricultura ou em uma indústria qualquer, ao passo que os ricos devem se preocupar com a música e a equitação, e entregar-se à filosofia, à caça e à frequência aos ginásios. (ARANHA, 1989, p. 42)

Já entre os romanos, o escravo instruído tinha mais valor econômico, podendo ser incentivado a estudar pelo seu senhor, mas com o objetivo claro da lucratividade em cima de uma mercadoria de maior qualidade. Como afirmava Plutarco sobre Catão:

[Catão] dava até dinheiro aos escravos que quisessem negociar, para que comprassem crianças, as educassem e instruíssem por sua conta e, ao cabo de um ano, as revendessem. Muitas delas eram compradas pelo próprio Catão, pelo maior preço oferecido, deduzido daí o seu capital. (MANACORDA, 1996, p. 104)

1. No mundo antigo, a escola era pensada para uma elite, que não trabalhava. Consideramos que isso tem uma relação com o mundo produtivo, uma vez que esta sociedade vivia da exploração da terra, da agricultura, da pecuária, do extrativismo ou do comércio. Você concorda com isso? Por quê?

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A economia feudal e a educação

A forma de trabalho servil ou servidão foi típica da sociedade feudal da Europa Ocidental, principalmente entre os séculos V e X, e foi predominante na agricultura. O camponês trabalhava nas terras do senhor feudal e pagava com uma parte da produção com trabalho ou dinheiro pelo

seu uso. Além disso, pagava inúmeros impostos ao senhor feudal, à Igreja e à Corte Real.

A sociedade feudal situou-se na chamada Idade Medieval, período histórico em que a realidade e a fantasia misturavam-se ao medo e ao heroísmo das guerras, ao Catolicismo oficial e à religiosidade popular. Esse misterioso período da Europa Ocidental produziu ricas e fantásticas histórias, tanto de Cavalaria como O Rei Artur e a Távola Redonda, O Mago Merlin, quanto de contos de fadas, como Branca de Neve, A Bela Adormecida, João e Maria, O Gato de Botas, entre outras, que você conhece ou já ouviu falar.

Origens do trabalho servilA servidão, forma de trabalho predominante da Europa Feudal, teve sua origem na união de

diversos fatores, que se deram em plena crise do Império Romano (séculos III e V), e como vimos anteriormente, poderíamos resumi-los nos seguintes itens:

a Pax Romana;

a diminuição do tráfico e o encarecimento da mão de obra escrava, dando origem ao sistema de Colonato;

as crescentes invasões dos povos germânicos (povos do norte da Europa) sobre as fronteiras do Império.

Os germânicos, divididos em inúmeros povos situados além das fronteiras do Império Romano, estavam sendo ameaçados pelas violentas invasões e saques dos hunos provenientes da Ásia. Os hunos eram povos nômades e guerreiros em busca de riquezas e terras férteis. Assim, os povos germânicos se viram forçados a migrar e se incorporar às legiões militares romanas em busca de proteção.

Contudo, eram culturas extremamente diferentes. Os germânicos, antes do século I a.C., eram um povo constituído de agricultores e pastores. Não havia propriedade da terra. Anualmente, os líderes de cada aldeia distribuíam a terra comum para cultivo entre as diferentes famílias da comunidade (clãs). Os rebanhos eram propriedade particular, principalmente do chefe militar, eleito em tempo de guerra. Os homens se dedicavam à atividade guerreira, pois as invasões e saques de outros povos eram constantes, e as mulheres às tarefas domésticas e de plantio. A autoridade maior estava nas mãos da Assembleia de guerreiros da tribo.

Os povos germânicos também eram politeístas. Acreditavam e veneravam as forças da natureza e seus deuses, como Thor, Odin, Freia etc. Acreditavam também que, aquele que morresse lutando, alcan-çaria o Valhala, paraíso de abundâncias onde viviam as Valquírias, mulheres deusas que cuidariam dos guerreiros. Não é à toa que foram grandes guerreiros e deram muito trabalho aos poderosos romanos.

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Lentamente, entre os séculos II a.C. e V, a cultura germânica foi se mistu-rando à cultura romana e modificando suas formas de viver, pensar e trabalhar, acelerando-se após o século III, com o processo de decadência política, econômica, social e religiosa da cultura romana.

Enfim, o feudalismo na Europa Ocidental foi resultado dessa miscigenação cultural ao longo dos séculos de contato. Vejamos como isso deu origem com relação ao trabalho servil, durante o feudalismo.

Trabalho, economia e produçãoNa época romana, a produção distribuía-se entre a agricultura e o pastoreio

no meio rural e uma intensa atividade comercial e artesanal nas cidades mediter-râneas. Entre os séculos V e XIII, aumentou o domínio do meio rural agrícola e pastoril sobre as cidades. A produção rural não estava voltada à movimentação dos mercados urbanos, mas tão somente à sobrevivência ou subsistência da vila, do feudo e sua população. Nesse contexto, percebemos uma característica típica da economia germânica: a agricultura de subsistência, voltada para a comunidade. Isso gerava pouco excedente (sobras) de produção, resultando num comércio pouco desenvolvido e, consequentemente, na pouca importância da cidade medieval. Essa situação começou a se reverter a partir do Renascimento comercial e urbano da Europa após o século XIII, devido ao crescimento populacional, à melhoria nas técnicas de cultivo e à expansão das guerras e relações comerciais com o Oriente Médio e extremo Oriente (China e Índia).

O colonato romano – no qual o camponês trabalhava na terra sem ser seu proprietário e estava preso à ela – incorporou também: o Comitatus germânico – juramento de fidelidade e proteção recíproca entre os chefes e seus guerreiros. Dessa fusão entre o Colonato e o Comitatus, ao longo dos séculos IV e X mais ou menos, originou-se as relações feudo-vassálicas: o camponês, ao trabalhar numa terra que não era sua e pagar pelo seu uso, tornava-se um servo de gleba (preso à terra) e vassalo (submetido) do suserano local, o seu senhor feudal. A servidão camponesa jurava proteção, fidelidade e submissão ao suserano feudal. Os vassalos: servos e trabalhadores livres (vilões), deviam inúmeras obrigações feudais (impostos) ao seu suserano, tais como:

A corveia – trabalho obrigatório no cultivo da reserva senhorial, que podia variar entre dois e cinco dias. Também podiam ser chamados para a construção e recuperação de represas, estradas, pontes etc.

As retribuições – impostos pagos em produtos ou em moeda, pelo uso da terra, como a capitação: pago por cada servo, por cabeça; a talha: pago com uma parte da produção; as banalidades: pagamento pelo uso do celeiro, moinho, moradia, pontes, bosques, lagos etc.; além de ter que presentear o Senhor em datas festivas; taxa de casamento: paga quando o servo se casava com uma mulher de outra propriedade feudal; mão-morta: cobrado após a morte do servo, como forma de registrar oficialmente a transmissão de sua magra herança.

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As prestações – os servos e vilões eram obrigados a serem hospitaleiros com os senhores feudais locais e seus acompanhantes, dando-lhes abrigo e alimentação, além de presentear o senhor feudal em datas festivas.

O dízimo – o servo era obrigado a contribuir para a Igreja o correspon-dente à 10% do que produzia ou em dinheiro.

O modo de produção feudal e a educaçãoComo vimos, a Alta Idade Média caracterizou-se por um processo de rura-

lização da economia, que resultou na enfeudação. O predomínio de uma economia agrícola, com a redução da circulação monetária e comercial, reforçou na Europa ocidental, o desenvolvimento de vilas e aldeias rurais. A intensa vida urbana entre os romanos cedeu lugar aos feudos medievais. Assim, a vida social rural passava a ter mais importância do que a vida social urbana. A cultura cosmopolita urbana entrava em decadência, cedendo lugar novamente a uma cultura mais patriarcal, oligárquica e conservadora, dominada pelos senhores feudais e pela difusão do catolicismo.

A partir desse contexto, a Europa medieval mergulhou num processo social e cultural de fragmentação, isolamento e misticismo. A cultura rudimentar e agrária germânica funde-se com a decadente cultura cosmopolita romana.

Numa época em que o analfabetismo vigorava entre mais de 70% da população, e até mesmo entre os reis e senhores feudais, a Igreja Católica detinha um grande poder, o domínio do saber, do conhecimento, seja conservando ou mesmo escon-dendo manuscritos da cultura greco-romana, seja por meio dos monges copistas, que enclausurados em seus mosteiros, dedicavam sua vida a este resgate cultural.

Por outro lado, foi a Igreja Católica uma das poucas instituições de origem romana que sobreviveu à fragmentação do Império. E foi dessa forma que a Igreja serviu como cimento cultural, numa época de inseguranças, guerras e instabilidades. Consegue se impor numa conjuntura histórica de grande desordem e diversidade, devido à sua unidade interna, seu conhecimento acumulado e, principalmente, ao seu direcionamento rígido na área da educação.

Dessa maneira, exerceu um grande domínio cultural e político no período medieval. Político porque como era uma das poucas instituições consolidadas da época, detinha o saber e por isso era fundamental para a manutenção do poder político descentralizado dos senhores feudais e, mais tarde, das monarquias medievais. Ou seja, além de assessora política do poder medieval, a Igreja estava encarregada da educação das elites feudais. A educação estava a cargo da Igreja, voltada para a formação de seus quadros religiosos, como também para a formação de quadros políticos e administrativos dos inúmeros reinos cristãos da Alta Idade Média, tais como o Império Carolíngio, o Império Bizantino e o Sacro Império romano-germânico.

Enfim, a educação da Alta Idade Média era de inteira responsabilidade da Igreja Católica e de suas ordens regulares. A nobreza feudal, proprietária de terras, tinha pleno direito à educação escolar dirigida pela Igreja. Eram educados para manter a ordem social vigente: ao clero cabia orar, aos nobres guerrear, e aos camponeses e servos, trabalhar.

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Para os camponeses e servos, a educação era apenas religiosa, moral, pois segundo a ordem social estabelecida cabia a eles tão somente trabalhar, e trabalhar era uma atividade menos nobre, inferior e brutal, para a qual não era preciso saber ler e escrever, nem mesmo para ler e entender o evangelho. Os camponeses e servos aprendiam seu ofício trabalhando, vivendo, a partir de suas próprias experiências. A escola medieval era para a nobreza feudal e para o clero.

Vale ainda lembrar que a única forma de um camponês ou servo ter acesso à educação escolar era entrando para um mosteiro ou convento, podendo melhorar de vida. Por isso, muitos pais encaminhavam seus filhos para a vida religiosa, pois sabiam que esta era a única forma de ascenderem socialmente no mundo medieval. Apesar de que para chegar ao alto clero cercado de privilégios políticos e econômicos, também era necessário ter origem nobre, descendência, linhagem. Essa era a sociedade de ordens, ou de castas medieval, na qual a educação era exclusividade de poucos, para que assim se mantivesse a estrutura de exploração do trabalho servil, por meio da ignorância, do misticismo e principalmente do medo.

Vejamos um trecho de Walafried Strabo (806-849), então jovem monge, que nos conta em seu Diário de um Estudante:

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifícios do convento [...] fiquei muito contente pelo grande número de companheiros de vida e de jogo, que me acolheram amigavelmente. Depois de alguns dias, senti-me mais à vontade [...] quando o escolástico Grimaldo me confiou a um mestre, com o qual devia aprender a ler. Eu não estava sozinho com ele, mas havia muitos outros meninos da minha idade, de origem ilustre ou modesta, que, porém, estavam mais adiantados que eu. A bondosa ajuda do mestre e o orgulho, juntos, levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas, tanto que após algumas semanas conseguia ler bastante corretamente [...] Depois recebi um livrinho em alemão, que me custou muito sacrifício para ler mas, em troca, deu-me uma grande alegria. (MANACORDA, 1996, p. 134-135)

Esse é apenas um exemplo no qual percebemos a alegria que os medievais sentiam com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro.

1. Na Idade Média feudal, a educação continuava sendo priorizada para uma elite. Além disso, quem detinha o conhecimento era a Igreja. Discuta os porquês dessa sociedade não necessitar de conhecimentos, pelo menos na forma que nós conhecemos hoje.

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2. É possível, na sociedade atual, um sistema onde as pessoas vivam sem ter acesso ao saber elaborado? Como você acha que seria a vida dessas pessoas ? Explique.

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Tempos de mudança: a crise do feudalismo, a origem da ciência econômica e a inclusão do conhecimento científico aos processos produtivos

A firmamos anteriormente que a economia do feudalismo assentava-se na exploração da terra. Decorrente disso, a sociedade estava toda baseada nas formas de garantir a produção de bens provenientes da propriedade rural. Essas relações de produção forjaram valores que justifi-

cavam as relações sociais entre os senhores feudais, donos da terra, e seus vassalos. Ocorre que as condições que permitiram a estabilidade da sociedade feudal por quase um milênio, estavam, a partir do século XIV, prontas para acarretar alterações sociais de grande impacto. Como veremos neste e no próximo capítulo, isso trará consequências enormes, tanto para o pensamento econômico quanto para a organização da educação. Em seu limite, esse período marcou o nascimento da economia enquanto ramo de conhecimento que se pretende ciência, com objetivos e métodos próprios, bem como com a concretização do modelo de escola de maior acesso.

Os fatores determinantes principais para as mudanças foram:

a melhoria das técnicas de cultivo agrícola, o que possibilitou os excedentes de produção;

o aumento vegetativo da população, que trazia novo condicionante para a economia, em termos de produção e bens;

as cruzadas, que permitiram aos povos europeus entrarem em contato com outros povos, especialmente do Oriente, que viviam numa base material diferente, inclusive consumindo bens raros ou desconhecidos pela maioria dos europeus;

o renascimento comercial e urbano (surgimento dos burgos) na Europa Ocidental.

Melhoria nas técnicas agrícolas e aumento vegetativo da população

Mesmo com um baixo rendimento da terra, é importante lembrar que o trabalho no feudalismo permitiu um certo acúmulo de riquezas e conhecimentos, que contribuiu com o aumento da população europeia.

Já a partir do final do século XIV, houve um grande crescimento demográfico na Europa como um todo, fazendo com que a população recorresse aos recursos naturais como meio de conseguir

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sua sobrevivência. É quando muitos servos abandonam os feudos em direção aos burgos, na esperança de trabalho livre, como artesãos ou mascates, pois ficar atrelado ao senhor feudal e à terra não era mais garantia de sobrevivência.

As cruzadasInicialmente, pensadas como maneira de levar o cristianismo à “Terra

Santa”1 e assim fortalecer as instituições e as relações sociais feudais, as cruzadas para Huberman (1986), tiveram na realidade como grande consequência seu próprio enfraquecimento. Isso ocorreu, segundo o autor, quando os participantes das cruzadas – os cruzados – entraram em contato com outros povos, culturas e outras relações sociais de produção.

É importante lembrar que a maioria dos cruzados eram “vassalos”, europeus empobrecidos que viviam com muita dificuldade, numa época que estava conhecendo crescentes dificuldades para sua manutenção material. Dessa forma, e como as cruzadas duravam alguns anos, pode-se dizer também que eram encaradas por essa população como uma maneira de fugir e tentar a sorte em outra região do mundo.

Com o declínio e o fracasso das cruzadas, esses europeus voltam à sua terra. Contudo, voltam diferentes, contando e lembrando do que viram, bem como pensando em como conseguir ter acesso aos bens agora conhecidos. Como o feudalismo não permitia o atendimento dessas expectativas, a pressão sobre esse regime passou a ser cada vez maior.

O renascimento comercial e urbano O aumento demográfico fez aumentar a disputa pelos recursos naturais,

levando um maior número de pessoas a deixarem os feudos para morar nas cidades. Por outro lado, a pressão dessa população pelos produtos “exóticos”, geralmente especiarias e artigos do Oriente, acabou por desenvolver todo um mecanismo de feiras para vendê-las.

As pessoas que acabam trabalhando e se familiarizando com essa nova forma de atividade econômica mercantil e urbana não retornavam aos seus feudos de origem, tornando-se mais livres. Dessa maneira, o sistema feudal de organização social foi, aos poucos, se desagregando. É interessante notar que as novas maneiras de produzir a riqueza estavam, ao longo do tempo, reorganizando a sociedade feudal.

Paralelamente às alterações econômicas que estavam ocorrendo devido à utilização dos recursos naturais, demandando uma maior produção de novos e diferentes bens, diminuía também o controle do feudo sobre a vida das pessoas. Deixou-se de lado a ideia de que o conhecimento tinha que estar a serviço de Deus, portanto, subordinado aos ditames da Igreja e seus clérigos, como ocorria na Idade Média feudal. Emergia o pensamento de que o conhecimento tem que estar livre, de acordo com as interpretações e necessidades humanas.

1 Região onde suposta-mente teria vivido Jesus

Cristo: Oriente Médio, espe-cialmente Jerusalém.

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Esse processo ficou conhecido como Renascimento porque significou a retomada e a releitura dos ideais e da filosofia dos antigos gregos, que pregavam o bem viver aqui na Terra, ao contrário do pensamento dominante durante quase toda a Idade Média ocidental, em que a vida na Terra era vista como preparação para a vida eterna, se possível no céu.

Com essa mudança de ideal, foi possível o desenvolvimento de estudos em quase todas as áreas do conhecimento, que permitiram um avanço na técnica sem precedentes. Em seu limite, é esse movimento que permite o aparecimento e o desenvolvimento do que se conhece hoje como ciência. Para Galileu, o pai da ciência moderna, um conhecimento passa a ser científico se pode ser demonstrado, se é deixado claro para os outros como foi produzido. Portanto, o Renascimento permitirá a incorporação definitiva do conhecimento científico aos processos produtivos que, como veremos, mudará de vez a economia e a educação. Como dica, diríamos que verificar o trabalho e as lutas de Galileu contra os dogmas antigos é fascinante para entender essa época da história da humanidade.

Os tempos são de crise em todos os sentidos, não só para o ordenamento social. No campo da economia também ocorre um processo de ruptura com o velho.

Até a Idade Média, a terra era praticamente o único meio de obtenção da subsistência e, portanto, de reprodução da sociedade. Não existia um pensamento econômico claro. Nesse contexto, nascia a primeira escola de pensamento econômico, a escola Fisiocrata. Seu principal pensador, François Quesnay, publicou um livro denominado Tableau Equenomiqué, no qual defendia ser a terra a única produtora de riqueza.

Na realidade, Napoleoni (1985) diz que o fato de ser a terra praticamente o único meio de obtenção dos meios de subsistência, não permitia àquela sociedade a visualização de outra forma de produzir valor e riqueza. Hoje, sabemos que o valor e a riqueza são produzidos pelo trabalho, mas naquela época, a ausência dessa concepção impedia a formulação de uma teoria econômica mais clara.

As mudanças que estavam ocorrendo naquele momento histórico, entretanto, trouxeram a formulação de novas teorias e escolas econômicas e mostraram a relação que existe entre as formas de organização social, os sistemas de valores e as próprias ideias econômicas. Nesse contexto, o aumento do comércio levou ao pensamento econômico mercantilista, que justificava a riqueza produzida por uma sociedade, com base na quantidade de comércio que esta fazia e na quanti-dade de moeda que possuía.

Com a crise da sociedade feudal, o aparecimento de outras formas de produzir e acumular riqueza, aberto pela fase mercantilista da história ocidental e a incorporação do conhecimento científico às formas de produzir, via industria-lização, passou a exigir outro modelo de escola, com alterações substanciais, em seus métodos e objetivos. Essas mudanças fundamentais, que ocorreram no final do feudalismo e início do capitalismo, permanecem até hoje. Portanto, devem ser entendidas para poder compreender a educação hoje em seus fundamentos econômicos. O conteúdo e forma em que essas mudanças se operaram, veremos no próximo capítulo.

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Tempos de mudança: a crise do feudalismo, a origem da ciência econômica e a inclusão do conhecimento científico aos processos produtivos

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1. Por que a escola de seus pais, há 40 ou 50 anos, valorizava tanto a educação primária? Hoje é assim? Por que houve essa mudança? Explique.

2. O que se estudava na escola há 40 ou 50 anos é o mesmo que se estuda hoje? Por que ocorreram essas mudanças?

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O capitalismo e a incorporação da ciência aos processos produtivos

O desenrolar das mudanças da sociedade feudal europeia, como a perda de controle do feudo sobre a vida das pessoas e o renascimento comercial e urbano, permitiram ao sistema social então vigente se tornar, gradativamente, capitalista. A principal mudança, do ponto de vista da

economia e, por conseguinte, para a educação, foi o crescente aumento das pesquisas, agora mais livres dos limites da igreja e dos cânones religiosos, permitindo a mudança substantiva nos modos de vida.

Até a Idade Média feudal, o principal meio de produção de riqueza era a terra, uma vez que o acúmulo de conhecimentos por parte da humanidade era relativamente pequeno. Com o pensamento podendo produzir mais livremente as pesquisas, mais brevemente esses conhecimentos puderam ser incorporados aos processos produtivos. Assim, a humanidade começou a não mais depender tanto da natureza para a produção dos bens de que necessitava para sobreviver e manter a sociedade.

Como exemplo marcante dessa época, demarcadora de períodos históricos, podemos citar a invenção da máquina a vapor, pelo inglês James Watt, no século XVIII. Sua máquina, baseada num sistema que produzia vapor a partir de lenha, fogo e água, canalizava esse vapor para dentro de dutos com espaço reduzido, o que aumentava muito a pressão. Esse vapor, quando passava pelas engrena-gens, fazia-as girar, produzindo movimento. Esse movimento podia ser transmitido para praticamente qualquer tipo de máquina, por meio de um sistema apropriado de roldanas e polias.

Evidentemente, o sistema de funcionamento dessa máquina só pôde ser pensado e concretizado a partir do desenvolvimento dos estudos em Física e em Mecânica, que passaram a ser desenvolvidos na Europa depois do Renascimento científico. Com um poder de produzir força incomparavelmente superior à força humana individual, a máquina de Watt passou a ser utilizada para produzir o movi-mento das máquinas já existentes. Além disso, outras máquinas puderam ser pensadas para produzir os bens de que a sociedade necessitava.

Até a invenção da máquina a vapor, praticamente não existia o que hoje conhecemos por indústria. Na Idade Média, a produção dos bens era realizada, geralmente, em pequenas oficinas, de forma artesanal, utilizando a força humana, ou, no máximo, de animais. A quantidade de produtos, bem como a produtividade do trabalho eram relativamente baixas, ajustadas às necessidades da sociedade feudal. Da mesma maneira, a diversidade da produção na oficina artesanal era relativamente pequena.

Essa situação, entretanto, mudou a partir da invenção da máquina a vapor. Se a quantidade de força disponível para a produção de um bem era relativamente pequena até a Idade Média, a partir de sua invenção essa força passou a ser praticamente ilimitada. Assim, a produtividade do trabalho aumentou consideravelmente, dado que reduziu o custo da produção do bem. Com o aumento da produtividade do trabalho, sobrou mais tempo para que os artesãos produzissem mais bens. Além disso, permitiu ainda que os artesãos começassem a modificar os bens produzidos, podendo atender a uma diversidade de gostos e preferências.

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O capitalismo e a incorporação da ciência aos processos produtivos

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Nesse momento, o local de produção dos bens de que necessitava a sociedade deixou de ser a oficina artesanal para tornar-se o que hoje conhecemos por manufatura. Em vez de um mestre-artesão comandando o trabalho coletivo de vários artesãos-aprendizes, que utilizavam a força humana, com o desenvolvimento da manufatura temos máquinas que substituem a força humana. Evidentemente que a quantidade de pessoas na oficina pôde ser reduzida, ou utilizada em outras tarefas, que não a produção diretamente.

Se a manufatura significou a primeira substituição do braço do trabalhador, não significou, contudo, a substituição de sua habilidade, inteligência e criatividade no manuseio das ferramentas. O passo necessário para a transformação da manufatura em indústria, como a conhecemos hoje, foi o fato da humanidade ter percebido que podia utilizar a máquina a vapor para também acionar e movimentar outras máquinas, que substituíam as ferramentas utilizadas pelo trabalhador.

Como exemplo desse processo, podemos utilizar a marcenaria. Até a Idade Média, na oficina artesanal, os trabalhadores cortavam a madeira e depois utilizavam suas habilidades no trabalho com as ferramentas para produzir os contornos de móveis, portas etc. Na manufatura, o processo de corte, antes feito pela força humana, é substituído pela força da máquina, mas os contornos, detalhes e acabamentos do trabalho exigem a intervenção do trabalhador, por meio de ferramentas. Na indústria, o trabalho é feito de maneira diferente, uma vez que a máquina substitui tanto o processo de corte quanto o de acabamento da madeira. Isso é possível, porque os movimentos humanos utilizados para esse acabamento, por meio das ferramentas, agora são realizados por uma máquina- -ferramenta. Como veremos adiante, isso acarretou enormes consequências para a educação, pois não se exigia mais tanta habilidade do trabalhador quanto antes.

Na indústria, o processo de produção de um bem, que ia aos poucos ganhando espaço na economia e aumentando a quantidade de bens produzidos pela socie-dade, exigia mão de obra. Nesse sentido, o processo de industrialização passou a exigir que as pessoas deixassem o trabalho no campo e viessem para as cidades. Como as pessoas até então viviam nos feudos, o processo de industrialização significou a desagregação definitiva do sistema feudal.

Como vimos, houve um contínuo esvaziamento do campo e o aumento das populações nas cidades. Nas cidades, o tipo de vida e os produtos necessários à sobrevivência são outros, o que exige formas diferentes de organizar a sociedade. Novamente nos deparamos com a economia, definida pelo modo de produção de bens que a sociedade necessita e a estrutura determinante das mudanças de uma organização social.

Do ponto de vista econômico, os problemas colocados pela sociedade deixaram de estar atrelados à produção dos bens que as pessoas necessitavam de forma mais imediata, como era até o feudalismo, e passaram a englobar aqueles relacionados à forma de organizar o trabalho no mundo fabril, bem como de justi-ficar o aumento de produtos, em quantidade e qualidade, que estavam à disposição da sociedade naquele momento.

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O capitalismo e a incorporação da ciência aos processos produtivos

Por conta disso, apareceram doutrinas econômicas mais sofisticadas que a Fisiocracia Francesa, que dizia ser a terra a única forma de produção de valor. No final do século XVIII, Adam Smith lançou seu clássico Inquérito sobre os motivos e causas das Riquezas das Nações, explicando a sistematização que fez do trabalho fabril, justificando o aumento da produtividade industrial por meio da divisão do trabalho. De certa forma, seu pensamento estava correto, uma vez que na oficina artesanal o artesão tinha que realizar todas as operações para a efetivação de um produto. Na indústria, e isso terá também consequências importantes para a educação, o trabalhador não mais realizará todas as tarefas, mas cada trabalhador realizará apenas uma tarefa do todo, que corresponderá a uma única parte do produto final.

Além da análise do processo de trabalho no mundo fabril, Smith se esforçará em revelar a necessidade de comércio entre uma nação e outra, sendo o comércio o meio mais adequado de se criar riqueza para uma nação. Daí sua teoria que a riqueza de uma Nação dependia do volume do comércio realizado por ela. Como essa quantidade depende, de acordo com o autor, do tamanho do mercado disponível, há a justificativa do livre comércio entre as nações. É por isso que o autor é considerado o pai do liberalismo econômico.

O momento histórico se explica. A máquina a vapor foi inventada na Inglaterra e esta, portanto, foi a primeira nação a passar pelo que denominamos de Revolução Industrial, processo pelo qual a indústria passou definitivamente a ser hegemônica na economia de um país. Esse país, entretanto, transformado na “grande oficina do mundo”, não tinha matéria-prima suficiente (algodão, princi-palmente), nem tinha um grande mercado interno que permitisse à sua indústria crescer indefinidamente. Dessa maneira, os ingleses venderam a ideia ao mundo de que era necessária a “abertura da economia” dos países para que todos pudessem se desenvolver. Essa doutrina teve, também, consequências para a educação.

No limite, esse processo trouxe o início da queda definitiva da população rural, a hegemonia das cidades e o início de um outro modo de produção, que é o sistema capitalista, em vigor até os dias atuais.

A escola capitalista ou escola para todosComo vimos, nessas oficinas, havia um profissional (o artesão) que detinha

o conhecimento técnico da profissão. Recebia seus pedidos e, dentro de suas necessidades, acertava o ofício de outras pessoas. Essas pessoas entravam na oficina para, inicialmente, aprender o trabalho já conhecido pelo artesão, podendo, com o tempo, tornarem-se um deles. Nesse caso, não havia necessidade de escola para boa parte da população, uma vez que as técnicas, conhecimentos e habilidades necessárias para a produção eram adquiridas diretamente no local de trabalho.

No capitalismo, a quantidade e a diversidade da produção é maior que no feudalismo, dado que o conhecimento científico é incorporado ao processo produtivo.

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O capitalismo e a incorporação da ciência aos processos produtivos

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No relato anterior, vimos que isso permitiu uma mudança social considerável. Dentro da fábrica, houve duas alterações fundamentais. Por um lado, não era mais necessário que os trabalhadores utilizassem todo seu conhecimento para a confecção de todas as operações necessárias à produção, ou seja, estava ocorrendo uma expropriação do seu saber. Por outro, a incorporação da ciência à forma de trabalhar exigiu que os trabalhadores passassem por uma instância de formação, uma vez que não mais se poderia entender a produção, apenas olhando para o trabalho do outro. Por isso, não havia mais facilidade para incorporar-se ao mundo do trabalho sem conhecimentos prévios. Como o trabalhador iria “ler um manual” para ligar ou consertar problemas numa máquina se não tivesse aprendido a ler? No entanto, a fábrica não o alfabetizaria.

Ficou claro para a sociedade que era o modelo de escola que existia até então que tinha que mudar. Dessa maneira, surgiram os primeiros movimentos mais consistentes de reivindicação da escola pública, universal e gratuita. Outros pensadores e estudiosos podem tê-la concebido antes, mas sua concretização somente ocorreu após a Revolução Industrial, quando o sistema econômico, a maneira de produzir os bens conforme a demanda, assim o exigiu. Notamos, novamente, como a mudança na forma de produzir a riqueza altera a organização social e, consequentemente, a escolar.

Como veremos no próximo capítulo, o modelo de organização da escola, contudo, também serviu para a mudança da ideia e da relação social com o trabalho. Se até a Idade Média as pessoas trabalhavam em oficinas, sendo responsáveis por todo o processo de produção dos bens que se propunham a produzir, elas acabavam tendo que conceber e ver o produto de seu trabalho. Sem as máquinas, utilizando apenas ferramentas, ou trabalhando no campo, o ritmo de seu trabalho era mais flexível.

No mundo fabril, as pessoas não mais produziam todo o produto, mas apenas parte dele; não mais viam o produto final de seu trabalho, além de serem obrigadas a adequar-se ao tempo da máquina. De acordo com Enguita (1994), isso não era a vontade dos trabalhadores. Mas, então, como isso foi conseguido? Segundo o autor, a escola teve um papel importantíssimo na passagem do trabalho no campo ou nas oficinas para o trabalho na indústria, uma vez que passou a disciplinar as pessoas aos horários rígidos, e a produzir em conjunto com outros, dividindo tarefas. Isso, de acordo com Enguita (1994), era necessário à adequação do trabalhador ao ritmo e à organização exigida pela fábrica.

No próximo capítulo, estudaremos como foi a forma de organização capi-talista fordista e como ela influenciou a educação. Assim, a relação economia/educação começará a ficar mais clara.

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O capitalismo e a incorporação da ciência aos processos produtivos

1. Para trabalhar no campo, na agricultura, as pessoas precisam de menos escola que para o trabalho numa indústria? Por quê?

2. Foi somente no capitalismo que houve a necessidade da escola para as massas, para toda a população. Por que isso ocorreu somente na forma capitalista de produção da riqueza?

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O capitalismo e a incorporação da ciência aos processos produtivos

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O fordismo keynesiano

V ários autores como Arrighi (1996, 1997), Hobsbawm (1999), entre outros, são unânimes em afirmar que o século XX foi o “século americano”. Essa denominação vem do fato desse século basear-se em empreendimentos que

combinavam os vários setores e elos de uma cadeia produtiva, com a formação de várias empresas, responsáveis por etapas diferentes da cadeia de produção, todos sob o comando e responsabilidade de um único agente: o truste.

Segundo o autor, este derivava sua vantagem da redução dos custos via melhor coordenação da cadeia sob uma única direção, a possibilidade de melhor planejamento de atividades potencializadoras entre si, além do não pagamento da intermediação interempresas ou do pagamento a níveis inferiores em relação a casos nas quais uma empresa procurasse suas matérias-primas fora do circuito estabelecido pelo truste. O enorme volume de recursos em mãos, permitiu à indústria daquele país produzir em escalas e dominar mercados, constituindo-se na máquina que comandou o mundo, pelo menos com ampla hegemonia, durante praticamente todo o século passado.

Um exemplo de algo parecido com um truste, no Brasil, pode ser encontrado no mais famoso grupo de produção de cimentos do país, cuja sede é em São Paulo, mas que tem atuação em todo território nacional. Este, apesar de ter seu foco na produção de cimento, trabalha com vários outros produtos, como cal, argamassas, entre outros produtos para construção. Assim, para dominar esse mercado e auferir os maiores lucros possíveis, o grupo é composto por empresas que extraem a matéria- -prima (geralmente rochas para a produção de cimento e cal), empresas que produzem o papel (utilizado nas embalagens de seus produtos), além de possuir empresas que fazem o transporte desse produto. Recentemente, a empresa está abrindo um banco para financiar, entre outras, as empresas do próprio grupo. Com uma administração centralizada, essas empresas conseguem reduzir sensivelmente seus custos, uma vez que quando prestam serviço ou vendem produtos para empresas do mesmo grupo, o fazem a preços que podem, por exemplo, apenas cobrir seu custo de produção. O lucro de cada empresa, assim, aumenta.

Essa forma de organização econômica, inventada pelas empresas norte- -americanas no século XIX, permitiu o pleno domínio norte-americano no mundo do século XX, sendo somente possível com o fordismo. Este, na realidade, era uma nova forma de organizar o trabalho e produzir a riqueza material.

Idealizado por Henry Ford e colocado em prática pela primeira vez em sua fábrica de Detroit em 1914 (daí seu nome), esse sistema de trabalho tinha como principal objetivo a massificação da produção e do consumo de automóveis. A produção tinha que ser obtida no menor espaço de tempo e pelo menor custo possível. De acordo com Gounet (1999), para conseguir tal resultado, o trabalho teve que deixar de ser concebido e executado pela mesma pessoa, buscando colocar as operações divididas entre pessoas diferentes e adotando os princípios e receitas de Frederick Taylor1, que havia estudado de forma científica, a melhor forma de

1 Engenheiro norte-ameri-cano que estudou, a partir

da ideia de Adam Smith, que o trabalho aumenta sua pro-dutividade quando dividido, como parcelar o trabalho, a melhor maneira de conseguir isso. Para tanto, fez estudos científicos dos tempos e movimentos que o operário tinha que fazer para melhor executar sua tarefa, a parcela da produção total que lhe cabia fazer dentro da fábrica.

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O fordismo keynesiano

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combinar tempos e movimentos para o trabalho industrial. Portanto, o fordismo caracterizava-se por uma racionalização sem precedentes no trabalho.

Eis as principais características do fordismo:a) o parcelamento do trabalho, uma vez que cada trabalhador passou a fazer

apenas uma parte do carro, deixando de ser responsável por todas as tarefas para a produção de uma unidade;

b) a implantação da linha de montagem, como forma de evitar o parcelamento do trabalho e conectar uma operação à outra. Uma esteira rolante permite aos operários, colocados, um ao lado do outro, realizar as operações que lhes cabem. Possibilita também o controle do tempo;

c) economizar tempo: sendo as peças produzidas em massa;

d) gradativa automatização da linha de montagem.

Segundo Gounet (1999), essas transformações permitiram uma revolução na forma de produzir até então conhecida. A forma e o conteúdo do trabalho passam a ser concebidos pelo empresário, o tempo de produção e os desperdícios de tempo e matéria-prima caem extraordinariamente. Consequentemente, os lucros do capitalista aumentavam significativamente. Para o trabalhador, além da intensificação exaustiva da sua jornada de trabalho, este passou a ser parcelado, repetitivo, sob o qual não se exercia mais controle algum.

A consequência é a desqualificação pura e simples do trabalho. Para conseguir a aceitação por parte do trabalhador de um trabalho desse tipo, onde este deixa de ser seu mentor para ser somente o seu executor, Henry Ford propõe o que nenhum capitalista até então tinha proposto: redução da jornada de trabalho para apenas oito horas diárias e o aumento, mesmo que momentâneo, do salário, pagando US$5/dia quando as outras empresas pagavam no máximo US$2,50/dia.

Mas o fordismo não foi somente um sistema de produção. De acordo com Harvey (2001), o fordismo tem que ser visto menos como um mero sistema de produção em massa, do que como um modo de vida total. Para esse autor, produção em massa significava padronização do produto para um consumo, também, em massa.

Assim, para conseguir isso, o fordismo na realidade teve que possibilitar tanto um crescimento econômico estável como um aumento dos padrões materiais de vida por meio de uma combinação de estado de bem-estar social, administração econômica keynesiana e controle de relações de trabalho e salário. Dessa maneira, na realidade, o fordismo pode ser visto como um regime de acumulação. Embora alguns outros autores acusem Harvey de ser regulacionista – ver o sistema capitalista como um sistema autorregulado, em que cada parte constitutiva possui uma função e uma razão de existir a priori –, sua forma de conceber o capitalismo do século XX é muito útil para entendermos as determinações e implicações desse sistema na vida econômica, social, política e mesmo na criação dos valores e formas de pensamento de uma sociedade.

Nessa interpretação, o fordismo, nascido nos Estados Unidos no início do século passado, chegou à Europa pouco antes da Segunda Guerra Mundial, mas só

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O fordismo keynesiano

passou a ser um sistema de produção hegemônico, durante e, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial com o capitalismo passando por uma crise desde 1920 e com o continente europeu praticamente arrasado, aliado ao perigo que represen-tava a possibilidade de uma organização mais viva e orgânica dos trabalhadores, no sentido da tentativa de superação do capitalismo como sistema de produção da vida material, o período pós-guerra reuniu as condições para uma nova etapa no processo de acumulação capitalista. Essa nova etapa combinava uma nova forma de produzir (o paradigma taylorista/fordista), uma nova forma de controle da força de trabalho e um novo arranjo institucional do Estado.

O fordismo, enquanto forma mais eficiente de produção, uma vez que permitiu a potencialização do trabalho humano e reduziu custos, permitiu o atendimento da demanda da população daquele continente pelos produtos que necessitavam, desde os produtos básicos aos mais elaborados.

Mas além de conseguir de maneira até certo ponto satisfatória cumprir com o atendimento da demanda do mercado, o fordismo tinha outro fator a superar: a resistência dos trabalhadores. Para isso, o argumento do capital foi de os traba-lhadores trocarem as suas formas de ataque pela de trabalho parcelado, por um pouco de salário e de compromisso do Estado para com os serviços sociais, que na realidade não passavam de um salário indireto que o capitalista não precisava mais pagar. Mas o consenso não foi imediato. Dessa forma, preparou-se toda uma onda de ataques às formas organizadas do trabalho, mais radicais na luta contra o capitalismo. Isso exigiu o ataque a todas as formas tradicionais de organização do trabalho (organizada para os ofícios). No período do pós-guerra, a pretensa infiltração comunista nos sindicatos permitiu ao Estado estabelecer normas de funcionamento destes, que contribuiu definitivamente ao capital dispor de uma mão de obra dócil e acostumada ao trabalho parcelado da indústria.

Com os trabalhadores disciplinados, o capital pôde instalar-se sob a forma fordista. Assim, a empresa utilizava seu grande poder corporativo para assegurar o crescimento sustentado de investimentos que aumentassem a produtividade, garantissem o crescimento e elevassem o padrão de vida enquanto mantinham uma base estável para a obtenção de lucros. Isso implicava um compromisso corporativo com processos estáveis, mas vigorosos de mudança tecnológica, com um grande investimento em capital fixo, melhoria da capacidade administrativa na produção e no marketing e mobilização de economias de escala mediante a padronização do produto. À empresa cabia, assim, o papel de organizar o trabalho para a produção em massa que permitisse o consumo em massa. O acúmulo de trabalhadores em fábricas de larga escala sempre trazia, no entanto, a ameaça de uma organização trabalhista mais forte, e do aumento do poder da classe trabalhadora. Mesmo assim, as corporações aceitaram a contragosto o poder sindical, particularmente quando os sindicatos procuravam controlar seus membros e colaborar com a administração em planos de aumento de produtividade em troca de ganhos de salário que estimulassem a demanda efetiva da maneira originalmente concebida por Ford.

Finalmente, cabia ao Estado a administração da economia e da sociedade. Na realidade, este tinha várias tarefas, mas o principal era controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas fiscais e monetárias no

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O fordismo keynesiano

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período pós-guerra. Essas políticas eram dirigidas para as áreas de investimento público – em setores como o transporte, os equipamentos públicos etc. – vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa e que também garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também buscavam fornecer um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência médica, educação, habitação etc. Além disso, o poder estatal era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção.

Como podemos perceber, o fordismo foi mesmo muito mais que apenas uma forma de produzir. O Estado entrava com uma regulação da sociedade, facilitando o largo investimento em capital fixo e tentando controlar fortemente as relações entre os dois outros atores do “contrato social” – a empresa e o trabalhador. À empresa cabia produzir em massa para satisfazer um consumo também em massa e ao trabalhador cabia cooperar com o capital, podendo receber em troca um maior salário via aumento da produtividade, queda no custo e, portanto, nos preços dos produtos de que necessitava para sobreviver, ou por meio do aumento dos salários indiretos, via serviços públicos, garantidos pelo Estado.

É bom lembrar, entretanto, que o início do século XX, principalmente após o término da Primeira Guerra Mundial, foi um período de tensões e de conflitos no mundo capitalista, que estava num período de crise após o ciclo liberal que imperou na ciência econômica, entre o final do século XIX até pelo menos os anos 20, e que dizia que o mercado era o grande ordenador das relações econômicas. Com a crise do capitalismo, e para solucioná-la, outra doutrina econômica teve que ser pensada: o keynesianismo, originalmente formulado pelo economista inglês John Maynardes Keynes.

Este se opôs ferrenhamente aos liberais, defendendo que o Estado deveria intervir na economia, estimulando e controlando as atividades econômicas consi-deradas vitais para um país.

No Brasil, como exemplo de uma teoria keynesiana, podemos citar o caso da política de “substituição de importações”, formulada pela Cepal2, política esta formulada, inclusive, pelo economista brasileiro Celso Moura Furtado. Essa política escolhe como primordial estimular a industrialização dos países, inclusive o Brasil.

Dessa forma, começaram a incentivar a criação de indústrias, via isenção fiscal e facilidades na criação de mercados, para que produzissem os produtos até então importados e gerassem empregos dentro do país. Essa política durou, no Brasil, do final da década de 1940 até pelo menos o final dos anos 1970, com a queda dos governos militares. Note que é nessa época que aparecem a Petrobras, a Eletrobras, a Telebras, a Companhia Vale do Rio Doce, entre outras grandes empresas nacionais.

2 Comissão Econômica para a América Latina e

o Caribe, órgão da ONU para pensar o desenvolvimento dos países da América Latina.

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O fordismo keynesiano

1. Explique por que as fábricas modernas ganham mais parcelando o trabalho em várias operações.

2. Explique a frase: “Com o trabalho saindo da manufatura ou oficina e indo para a indústria fordista, os trabalhadores perderam seu saber de ofício”. Você concorda com essa afirmação?

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O fordismo keynesiano

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O fordismo keynesiano e a educação

É evidente que o fordismo keynesiano teve muitas influências sobre a educação, em sua organização e no modelo de homem que devia formar. Aqui, faremos essa discussão em duas partes. Na primeira, discutiremos os efeitos do fordismo para, depois, discutir os efeitos do keynesianismo econômico.

A discussão dos efeitos do fordismo deve começar por apresentar os efeitos desse sistema de produção sobre a qualificação das pessoas para o trabalho.

A primeira constatação que se deve fazer é que o capitalismo tornou possível a separação entre o homem que executa o trabalho e aquele que se apropria do seu produto. Nas diversas formas em que arrumou para organizar a produção sobre esse paradigma – o artesanato, a manufatura e a fábrica moderna –, o capitalismo procurou formas a apropriar o saber do trabalhador. Dessa forma, como vimos, de um trabalho concreto, com o trabalhador podendo conceber seu trabalho, passou-se grada-tivamente a um trabalho abstrato, com o trabalhador não concebendo mais seu trabalho, nem tendo sobre este o mínimo controle.

Isso foi conseguido por meio da concepção de trabalho no fordismo. Nessa etapa da acumulação capitalista, houve definitivamente a divisão dentro da unidade de produção e a separação entre o trabalho intelectual e o braçal. Nesse paradigma de organização do trabalho, como vimos no capítulo anterior, o trabalhador intelectual, concebe, pensa em como produzir as riquezas, já o trabalhador manual, que efetivamente opera as máquinas no intuito de combiná-la com a matéria-prima, apenas executa normas. Nesse sentido, pode-se dizer que existe no capitalismo, sob a predominância fordista, uma separação dentro do trabalho. De um lado os que pensam e de outro os que executam.

Essa era a base visível da forma de produção no fordismo. Uma linha de montagem preconcebida pelos trabalhadores intelectuais, que pensavam em como os trabalhadores manuais iriam executá--la. Dessa maneira, os trabalhadores intelectuais elaboram conhecimentos avançados e científicos objetivando o aumento da produtividade, enquanto os trabalhadores manuais operam apenas com conhecimentos superficiais preconcebidos, no sentido de um saber para o fazer imediato. De acordo com Faria (1997), isso ocorre na indústria norte-americana do início a meados do século passado, sendo conhecidas como teorias x, e sendo exportadas para todo o mundo no pós-guerra.

Dessa forma, segundo Kuenzer (2002, p. 24), [...] o trabalhador era considerado qualificado quando executava tarefas com habilidade, geralmente adquiridas pela combinação entre treinamento e experiência, que se dava por meio da mediação das atividades laborais. Em decorrência da natureza dos processos técnicos, transparentes, rígidos e estáveis, bastavam habilidades psicofísicas, memorização e repetição de procedimentos para definir a capacidade para executar determinadas tarefas, cujas variações pouco significativas ao longo do tempo permitiam uma adaptação quase natural às mudanças.

Como podemos perceber, nessa etapa de desenvolvimento, os processos produtivos exigiam do trabalhador, para sua inserção no mundo laboral, apenas conhecimentos tácitos, aqueles que combi-navam experiência em atividades repetitivas com memorização para sua repetição. Nesse caso, essa experiência bastava, uma vez que o conhecimento necessário para a realização do trabalho podia ser conseguido por meio desta. No geral, não havia necessidade de grandes conhecimentos científicos, com a capacidade de trabalho sendo adquirida por treinamentos diretamente no mundo produtivo.

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Do ponto de vista de Gramsci (1989), isso tinha como objetivo tornar possível a formação do “gorila domesticado”. Segundo o autor, efetivamente Taylor exprime com cinismo brutal o objetivo da sociedade americana: desenvolver ao máximo, no trabalhador, as atitudes maquinais e automáticas, romper o velho nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia uma determinada participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador, e reduzir as operações produtivas apenas ao aspecto físico maquinal. Assim, o fordismo é uma forma de produzir lucro em função do ganho de capital decorrente do estudo científico de tempos e movimentos, nos termos de Taylor, que gerem a maior especialização possível, permitindo redução de custos e ganhos de escala.

Para a educação, o paradigma de produção no fordismo traz como principal consequência a dualidade na educação. Ou seja, traz a necessidade de escolas diferenciadas para cada tipo de futuros trabalhadores: uma para aqueles que irão pensar, conceber os processos produtivos, e outra para aqueles vão apenas executar as tarefas pensadas pelos primeiros.

No Brasil, isso pode ser constatado pela dualidade nos tipos de escola, para as diversas realidades que as pessoas viviam. O antigo segundo grau, chamado também de científico, propedêutico ou clássico, se dirigia às pessoas mais abastadas dentro da hierarquia social, que não precisavam trabalhar. Assim, podiam retardar sua entrada no mercado de trabalho após o término do curso superior. Para estes, portanto, os cursos os preparavam para a entrada na universidade.

De outro lado, para os filhos dos extratos mais pobres da sociedade, que não podiam aguardar o término do curso superior para a entrada no mercado de trabalho, havia os cursos de segundo grau profissionalizante. Estes, entretanto, eram pensados para alguma carreira técnica dentro das organizações produtivas, geralmente pensadas em termos das qualificações para os postos mais subalternos, para os que iriam dentro da organização fordista executar o trabalho. No Brasil, essa dualidade na formação das pessoas durou, pelo menos em termos de lei, até a promulgação da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em dezembro de 1996 (Lei 9.394/96).

Como vimos, a dualidade de processos de trabalho a que eram submetidas as pessoas dentro da fábrica era copiada nos modelos educacionais. Em relação ainda às consequências do modelo de organização fabril dentro da escola, não devemos esquecer que nesse modelo, como a concepção era separada da execução, havia a necessidade de que pessoas trabalhassem observando como era executado o trabalho, o que na fábrica é conhecido por supervisão. Pois bem, em qualquer escola brasileira, ou ainda na imensa maioria delas, existe o cargo de supervisor educacional. Ou seja, nossas escolas ainda estão organizadas dentro do paradigma fordista de organização do trabalho.

Outro elemento importante a ser pensado é em relação ao tipo de educação que se quer. Como a lógica do sistema fordista de produção era a produção em massa para um consumo em massa, isso significava a necessidade de um tipo padrão de trabalhador que iria trabalhar praticamente da mesma forma, bem como consumir praticamente as mesmas coisas. Assim, a escola pôde ser pensada

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O fordismo keynesiano e a educação

a partir de salas de aula com apenas um professor, seguido por um número grande de alunos que eram praticamente obrigados a repetir tudo o que o professor falava. Era o modelo pedagógico tradicional, mas note que essa pedagogia tem raízes também no mundo da produção, não dependendo, portanto, somente da maldade ou do gosto das pessoas.

Do ponto de vista da organização econômica, o modelo fordista esteve atrelado a um planejamento e, portanto, havia um controle maior da economia por parte do governo. Sua doutrina máxima, a do keynesianismo, previa que o Estado pudesse interferir na atividade econômica de forma a buscar o desenvolvimento econômico e o bem-estar das pessoas.

Dessa maneira, no Brasil, esse período foi marcado pela política de subs-tituição das importações, que primava pelos incentivos do Estado ao desenvol-vimento de indústrias dentro do país, voltadas para a produção interna do que era até então importado, consequentemente criando empregos. Esse pensamento começou a ser gestado pelo menos na década de 1930, consolidando-se durante a Segunda Guerra Mundial, quando foram criadas, por exemplo, a indústria de base, aquela que produz os bens necessários para outros ramos industriais. A si-derurgia, por exemplo, produtora de metais (principalmente ferro e aço), somente decolou no Brasil neste período, com a criação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) na década de 1940.

O Brasil estava deixando de ser um país que exportava apenas café e estava, desde os anos 1920-1930, se urbanizando e se industrializando. Dessa forma, os requerimentos dos sistemas produtivos em termos de qualificação e conhecimento por parte da mão de obra, já não eram mais os mesmos que aqueles requeridos pelo trabalho agrícola. Assim, de acordo com Neves (2000), a lógica científica que se espraiou paulatinamente no cotidiano dos centros urbanos passando a exigir do sistema educacional a sua expansão. De acordo com a autora, sendo o sufrágio universal1 imprescindível para consolidação, pelo menos do ponto de vista formal da democracia, a necessidade de saber escrever para votar levou o Estado brasi-leiro a promover a massificação da escolarização.

O limite do desenvolvimento da política econômica keynesiana no Brasil, aqui conhecido por política de nacional-desenvolvimentismo, permitiu ainda mais a intervenção do Estado na economia. Assim, este pôde incentivar como quis, de um lado a modernização conservadora da agricultura e de outro, a consolidação no país da indústria automobilística, além de todo um aparato público-privado de pesquisa para o desenvolvimento econômico do Brasil.

Nesse sentido, é que na década de 1960 é implantado no Brasil o sistema de Pós-Graduação, com mestrado e doutorado, para fazer frente à crescente necessi-dade de pesquisadores demandada pela indústria.

Contudo, como bem lembra Neves (2000), a lógica era ainda fordista, aliada a uma estrutura histórica atrasada da sociedade brasileira, que permitiu a moderni-zação dos sistemas educacionais até certo ponto. Dessa forma, a escola continuou dual, com modelos para os que iriam ocupar cargos diferenciados nas hierarquias organizacionais, para os que iam conceber o trabalho e para os que iam executá-lo. 1 Voto direto.

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O fordismo keynesiano e a educação

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Como veremos no próximo capítulo, as alterações por que passa o mundo na atualidade está trazendo a proposição de um novo tipo de organização econô-mica, o toyotismo, que também trará alterações para o mundo educativo. Antes, entretanto, veremos um pouco mais de fordismo.

1. No fordismo, há uma divisão entre o trabalho intelectual e o manual. O que significa isso? Explique.

2. Você concorda com a afirmação de que a instituição escolar separa o trabalho entre os que pensam e os que executam? Por quê?

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O fordismo keynesiano e a educação

3. Em qualquer escola existe a figura do supervisor escolar. Há alguma relação entre esse cargo, os professores e uma linha de montagem?

4. Existe relação entre uma educação burocrática, tradicional, na qual todos aprendem a mesma coisa, inseridos numa sala com 40 alunos, ouvem e reproduzem o que o professor diz, com o trabalho numa linha de montagem? Por quê?

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O fordismo keynesiano e a educação

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A teoria do desenvolvimento

Neste capítulo, vamos discutir um pouco as teorias que explicam o desenvolvimento econômico capitalista. O objetivo inicial é entender como as teorias explicam os processos de diferenciação que ocorreram no mundo, permitindo a existência de áreas desenvolvidas ou não dentro dos

países, bem como pessoas com maior ou menor poder aquisitivo nos mesmos espaços.

O objetivo deste capítulo é entender a hegemonia de uma dessas teorias, os porquês de sua con-solidação e as consequências que têm para o mundo educativo.

Para fazermos isso, inicialmente discutiremos o contexto do desenvolvimento econômico brasi-leiro, vendo como foi sua economia colonial, o processo e os obstáculos para o seu desenvolvimento. Finalmente, veremos as características dos dois grandes grupos de teorias que explicam o desenvolvi-mento: as teorias marginalistas e as marxistas. Na parte inicial, utilizaremos como referência básica o livro de Paul Singer, Aprender Economia, editado pela Editora Brasiliense, em 1991.

Do que tratam as teorias do desenvolvimento econômico?

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que as teorias de desenvolvimento econômico tratam de entender porque há diferenças entre países ricos e pobres, bem como pessoas ricas ou pobres. A teoria do desenvolvimento econômico procura analisar de que maneira os países que chegaram tardiamente ao processo de industrialização podem recuperar esse atraso histórico.

É necessário lembrar que o cenário da industrialização ocorreu num primeiro momento na Inglaterra, expandindo-se depois para outro grupo de países da Europa, para a América do Norte e para o Japão. Fora da Europa e da América do Norte, são pouquíssimos os países que se poderia considerar como industrializados, embora o número destes esteja crescendo. A grande maioria da população mundial encontra-se em economias chamadas subdesenvolvidas, isto é, em países que não participaram da Revolução Industrial até agora, embora muitos – como o Brasil, por exemplo – alcançaram certo grau de desenvolvimento; alguns deles há décadas em processo de industrialização, ao passo que outros nem sequer o começaram. A análise do processo de desenvolvimento tenta dar conta dessa realidade.

Uma primeira análise mostra que os países que primeiro se industrializaram conseguiram atingir um nível de riqueza que impulsionou ainda mais seu desenvolvimento. Com isso, esses países tornaram-se hegemônicos no processo de desenvolvimento econômico e passaram a integrar o que conhecemos como primeiro mundo. São eles: Estados Unidos, os países da União Europeia, o Canadá, a Austrália e o Japão.

Os outros países, entretanto, não tiveram como entrar de imediato no circuito da industrialização e são, portanto, conhecidos como economias tardias. Estas, inicialmente funcionaram como ofertantes de matéria-prima ou de mão de obra barata para essas nações ou, ainda, foram organizadas de maneira a constituírem-se em mercados consumidores para seus produtos. Em outras palavras, foram constituídas enquanto economias coloniais. O Brasil, infelizmente, situou-se nessa categoria de países.

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A economia colonialPraticamente todos os países que não se integraram ao processo da Revolução

Industrial são considerados colônias ou semicolônias. Geralmente foram ou são totalmente dependentes de uma metrópole. Isso acontece porque ou são locais de extração de matéria-prima ou mão de obra (trabalho) barata para a confecção de seus produtos, ou por serem utilizados como extensão do mercado para as indústrias da metrópole.

A diferença entre uma colônia e uma semicolônia é que a primeira é submetida política e economicamente à metrópole, enquanto a segunda é apenas do ponto de vista econômico. Os países da África, China, Egito e os países da América Latina ou foram colônias ou semicolônias. Os países da América Latina, por exemplo, foram colônias dos países ibéricos (Espanha e Portugal), mas obtiveram sua independência política.

O que caracteriza uma colônia é a economia marcada pela produção de bens primários voltados para o atendimento do mercado externo, com produtos representando a imensa maioria da pauta de suas exportações. Portanto, o que caracteriza uma economia colonial é o forte mercado externo e a fraqueza do mercado interno.

No Brasil, por exemplo, o café constituiu-se no grande produto de nossas exportações até pelo menos a década de 1960, quando chegou a representar mais de 90% das exportações brasileiras.

Numa economia colonial, é o mercado externo o mais dinâmico, sempre crescendo mais que o interno. Via de regra, é o setor mais avançado, comparando sua produtividade à dos principais competidores internacionais. Nossas fazendas de café, por exemplo, tinham e têm o mesmo padrão de produção e produtividade dos principais países produtores do mundo.

Evidentemente, a classe que possuía essa riqueza é a mais poderosa em termos políticos. No Brasil, até o fim da Primeira República, os fazendeiros de café eram a classe mais influente do país. Na Argentina, eram os produtores de gado, entre outros exemplos. Algumas vezes, o mercado externo era diretamente dominado pelo capital imperialista, isto é, pelo capital dos países industrializados. Isso geralmente acontecia quando a produção era mineral, pois esta, além de exigir tecnologia sofisticada, requeria também grandes investimentos, com longa duração e riscos consideráveis. Quase sempre, na economia capitalista, as inversões mineiras costumam ser feitas pelos que vão utilizar o minério, ou seja, pelas companhias compradoras ou associadas aos compradores do minério. O petróleo na Venezuela, o cobre no Peru e no Chile, o estanho na Bolívia, por exemplo, foram, em grande parte, explorados por companhias de capital americano ou inglês.

Quando o setor de mercado externo era constituído por atividades agrícolas ou de criação de gado essa atividade era dominada por grupos locais. Mas a infraestrutura do setor de mercado externo, dos meios de transporte aos bancos, as companhias comerciais, que intermediavam essa produção, eram de controle estrangeiro, normalmente da metrópole. Por isso, havia quase sempre a presença do capital imperialista, da metrópole.

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A teoria do desenvolvimento

A economia dos países coloniais tendia a crescer quando o setor de mercado externo crescia, e tendia, inversamente, a decrescer, quando esse setor entrava em crise. Era o setor dinâmico desses países, mas seu crescimento dependia em última análise da demanda externa, ou seja, do crescimento dos países industrializados.

Muitas vezes acontecia que um produto básico do setor de mercado externo de um país, em consequência da evolução tecnológica, era substituído por outro. Então esse setor de mercado externo entrava em crise e, se o país não conseguisse desenvolver um outro produto para exportar, a economia entrava em crise, e até mesmo em decadência. Outras vezes, não era tanto o produto que entrava em crise, mas o capital imperialista resolvia desenvolver a sua produção num outro lugar, o que acarretava a decadência da região ou do país em que ela originalmente se localizava. O exemplo é o da borracha. A seringueira é uma árvore nativa da Amazônia, explorada extensivamente desde antes da descoberta do Brasil, pelos povos indígenas. No século passado, os métodos de exploração continuavam os mesmos: procuravam-se as seringueiras dentro da floresta e passava-se a sangrá--las. Da seiva extraída fabricava-se a borracha. Os custos de produção eram altos, porque o trabalho de se passar de uma seringueira para outra era muito grande. Era preciso manter o seringueiro vivo e produzindo, pois caso houvesse baixa produtividade isso se reverteria em altos custos de produção e intermediação. Os mantimentos eram levados ao seringueiro, no meio da mata, por comerciantes chamados aviadores, que, em troca, traziam as bolas de borracha crua. Os custos do transporte e os lucros dos aviadores também eram elevados.

A partir de 1870, percebeu-se que seria muito difícil aumentar rapidamente a produção da chamada borracha nativa, porque a maior parte das seringueiras acessí-veis já estava sendo explorada. Então, os ingleses levaram as sementes da seringuei-ra para Londres, trabalharam com ela por muitos anos até desenvolver um tipo de árvore que pudesse ser plantada em clima análogo ao da Amazônia e começaram a cultivar seringais na Malásia e na Indonésia. A partir de 1911, a borracha do Extremo Oriente, de plantações de seringueiras, começou a chegar ao mercado mundial em quantidades cada vez maiores e a um preço bem inferior ao da borracha extrativa da Amazônia. Em pouquíssimos anos, toda aquela economia muito próspera da extra-ção da borracha na Amazônia, que deu a Manaus e a Belém uma certa riqueza e de-senvolveu a infraestrutura de transportes e comunicação na região, entrou em crise, por um acontecimento totalmente externo à economia brasileira.

Havia ainda, na economia colonial, um setor de mercado interno, que era complementar ao setor dinâmico da economia: o setor de mercado externo. Era constituído por uma série de atividades que complementavam a exportação. Destas, a mais importante era a importação.

Com o dinheiro ganho com a exportação de café pelo Brasil, ou de salitre pelo Chile, era preciso importar uma série de produtos manufaturados. Como visto antes, uma das funções da economia colonial era servir de mercado para as nações industrializadas. Assim, pensava-se em toda uma série de produtos e serviços que eram necessários às importações. Disso resultaram estradas, pontes, além de redes de distribuição e varejo. Isso, inclusive, deu origem às cidades importantes do Brasil.

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No Brasil, por exemplo, quando os preços do café subiam, aumentava o pro-gresso. Quando ocorria o contrário, o país entrava em crise. Foi o que ocorreu em 1929, com a queda da Bolsa de Nova Iorque e a recessão econômica mundial, que trouxe a queda nos preços do café e a perda de renda pela economia mundial. Por isso, o setor de mercado interno, na economia colonial propriamente dita, não é mais do que um reflexo do setor de mercado externo.

Havia, entretanto, um setor de subsistência. Na realidade, na maior parte dos países de economia colonial, era minoria a população ocupada na produção para o mercado, em atividades que estariam mais ou menos inseridas no modo de produção capitalista. De acordo com Singer (1990), pode-se estimar que no Brasil, não mais que um terço da população economicamente ativa, no auge da nossa economia colonial – na década de 1920, era absorvida por essas atividades. A maior parte da população não participava dos setores de mercado, constituía uma massa muito grande de camponeses, latifundiários, criadores de gado, pescadores etc., que vivia no interior, numa espécie de economia de aldeia, produzindo para sua subsistência e comercializando um pequeno excedente de produção, o qual alimentava os setores de produção de mercadorias, seja para exportação, seja para o mercado interno.

O processo de desenvolvimentoComo há desenvolvimento? A partir de um fator interno que mude sua

estrutura, uma revolução ou mudanças econômicas externas, uma vez que o dinamismo da economia colonial esteja ligado ao setor externo.

No caso do Brasil o que ocorreu foi um fator externo: a recessão mundial da década de 1930 e as quedas nos preços do café. A economia brasileira deveria arrumar outra forma de funcionar. Não é à toa que nessa época eclodem a Re-volução de 1930, que pretendia tirar o país da política do “café com leite”1, e a Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo, uma vingança por parte da elite paulista pela derrota na Revolução de 1930. Essa mudança, entretanto, per-mitiu que começasse a surgir, no setor de mercado interno, um desenvolvimento autônomo, uma industrialização por substituição de importações.

Assim, o país começou a pensar numa política de substituição das importações, que iria impulsionar o desenvolvimento aproveitando o mercado dos produtos industriais estrangeiros até então importados. Para fazer isso, entretanto, era preciso proteger as novas indústrias contra a competição estrangeira e lhes assegurar suporte financeiro. O governo federal viu-se obrigado, também, a construir redes de energia elétrica e de transporte, a cuidar da formação profissional etc. Esse processo, porém, foi o que permitiu o desenvolvimento do Brasil durante todo o período de 1930 até pelo menos 1950/1960.

A substituição de importações começa a dar problemas quando as escalas de produção exigem um mercado nacional. Então é preciso criar uma rede de transporte que permita às fábricas fornecer seus produtos para o Brasil inteiro.

1Política do Brasil na Primeira República, onde

revezavam-se na presidência do país políticos ou de Minas Gerais (produtora de leite) ou de São Paulo (produtora de café). daí o nome “política do café com leite”.

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É preciso também ter um sistema de correio nacional, de telecomunicações, de energia elétrica etc., para facilitar isso exige investimentos cada vez mais amplos. Todavia, como suporte ao desenvolvimento.

O modelo de substituição de importações foi o mais original e nacional projeto de desenvolvimento para o Brasil. Nesse modelo, que durou do início da década de 1930 ao final dos anos 1970, o Brasil saiu da 40.ª economia capitalista do mundo para ser a 8.ª no início dos anos 1980.

Esse processo, entretanto, teve limites. O primeiro é o tamanho do próprio mercado interno, e o outro é que não se pode substituir todos os produtos importados. Na realidade acaba-se mudando o tipo de importação. Em vez de importar automóveis, importa-se o maquinário que produz o automóvel, e assim por diante. A solução seria a produção interna de todos esses produtos. Isso, no entanto, nunca foi tentado nos países em desenvolvimento.

Portanto, os países da América Latina e o Brasil, em especial, já estavam vivendo nos anos 1960, um processo de crescentes problemas de caixa para fazer frente aos compromissos dessas importações, daí seu constante estrangulamento externo, o que dificultou o desenvolvimento autônomo. Assim, as políticas de desenvolvimento via substituição de importações foram sendo deixadas de lado pelos formuladores das políticas públicas no Brasil.

Mostrado em linhas gerais como foi o processo de desenvolvimento econômico de uma economia colonial até nossos dias, vamos verificar como as teorias econômicas explicam esse processo. Aqui, essas teorias serão divididas em Teorias Marginalistas e Teorias Marxistas. Como veremos na parte final, há hoje o predomínio das teorias marginalistas sobre as marxistas, fato que tem grande influência sobre a educação.

Teorias de fundo marginalista2

São teorias que explicam o desenvolvimento pelo lado individual. A primeira fonte é Adam Smith, economista inglês do século XVIII, que escreveu o livro Riqueza das Nações, em que defendia a tese de que o espírito individual para o trabalho explicava a existência dos ricos e que o comércio internacional explicava a riqueza de alguns países.

Além desses, destacam-se os economistas Jean Bapiste Say, Stanley Jevons, Karl Menger e Leon Walras. Estes propuseram uma nova teoria, que dizia que o valor das coisas dependia exclusivamente da utilidade, ou de quanto daquilo você já tinha. Assim, um copo de água para quem está no deserto tem um valor bem maior do que para quem não tem sede e não está no deserto.

Além desses economistas, fazem parte dos teóricos dessa corrente de pensamento marginalista o norte-americano Milton Friedman e Frederick Hayek. Ambos pregavam abertamente, a partir dos anos 1950/60, que o Estado não deveria intervir na economia, deixando seu desenvolvimento por conta do que fazem os indivíduos e as empresas.

2 Não esquecer que em economia, “marginal” sig-

nifica adicional.

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As teorias de fundo marginalista atribuem a ausência de desenvolvimento basicamente à falta de capital. Países pobres e atrasados são países desprovidos de capital. A prosperidade, o nível de produtividade e, portanto, de consumo de cada país dependem do capital que ele tenha, capital esse que é originado na poupança. O país que não tem poupança não tem capital. Esse é o diagnóstico central das teorias marginalistas do subdesenvolvimento.

Os países subdesenvolvidos, por algum motivo, são pobres e não conseguem gerar uma poupança que lhes dê possibilidades de construir fábricas e modernizar a agricultura. Assim, é preciso ajudar esses países e quem pode ajudar são os países ricos, daí os programas de assistência aos países em desenvolvimento. A conclusão básica desse tipo de teoria é que, sem a ajuda do capital estrangeiro, é impossível sair do abismo do subdesenvolvimento.

Graças aos investimentos externos criam-se setores de produção mais modernos e mais produtivos, que geram renda mais elevada, parte da qual pode ser poupada e iniciar um processo interno de acumulação que tornará o país menos dependente do capital estrangeiro. O capital estrangeiro é visto, pelo menos numa etapa inicial, como fator decisivo para dar partida e sustentar o processo de desenvolvimento.

Além disso, o segundo fator condicionador do subdesenvolvimento, que alguns autores adicionam à falta de capital, é a chamada “falta de espírito empresarial”. Esse não é um fator puramente econômico, sendo formulado a partir de considerações antropológicas ou psicológicas. De alguma maneira, não se teria desenvolvido o desejo do ganho. As pessoas não se empenham em melhorar de vida, em ficar ricas, em competir. Elas têm outros valores éticos ou religiosos, que as tornam fatalistas, conformadas com a pobreza. Na medida em que o elemento dinâmico do processo de desenvolvimento é o empresário, o indivíduo inovador que reúne o capital de uns com o trabalho de outros, a prevalência desses valores constitui um obstáculo ao progresso. Nessas condições, para fomentar o surgimento do “espírito empresarial”, seria importante o exemplo dos empresários estrangeiros, além da criação de escolas de administração etc., de modo a gerar um ambiente cultural favorável aos valores aquisitivos e de competição.

Outro elemento muito citado nos manuais neoclássicos é o “problema da população”. Nos países subdesenvolvidos, a população cresce muito depressa, o que sufoca os esforços de desenvolvimento. Isso se dá porque a mortalidade nesses países baixou independentemente do desenvolvimento, em função de determinadas conquistas da ciência moderna que eliminaram doenças extremamente graves como a tuberculose e a malária. Mas a fecundidade nos países subdesenvolvidos não diminuiu proporcionalmente. As famílias continuam tendo tantos filhos quanto antes, quando a maior parte deles morria na primeira infância. Essas famílias não teriam percebido que, para terem um certo número de descendentes adultos, não precisam gerar tantos filhos como antes. Devido à manutenção de alta fecundidade, a população se torna extremamente jovem – mais ou menos a metade com menos de 14 anos, – o que faz com que o pequeno número de adultos que trabalha tenha que sustentar a maior parte da população que é só consumidora, o que lhe tira qualquer possibilidade de poupança.

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Segundo Singer (1990), um autor americano, Harvey Leibenstein, chegou a desenvolver o conceito da “armadilha da população: tão logo melhora um pouco o padrão de vida da população, cai a mortalidade e tem-se logo muitos filhos”. Para evitar a armadilha da população, ter-se-ia que fazer campanhas de controle da natalidade, tentar convencer ou, se necessário, coagir as famílias a ter menor número de filhos.

O “problema populacional” tende a sugerir que a responsabilidade pelo subdesenvolvimento ou pela ausência de desenvolvimento é, em última análise, da população, sobretudo de sua parte mais pobre e menos instruída, que se mostra incapaz de ajustar sua fecundidade aos níveis mais baixos de mortalidade.

Um outro argumento, frequentemente apresentado por teóricos margina- listas para explicar o pouco desenvolvimento dos países que formam o Terceiro Mundo, é a “irracionalidade” da política econômica posta em prática pelos seus governos. O que esses teóricos condenam é toda política de industrialização, realizada mediante a proteção à indústria nacional e a subvenção pelo Estado das inversões destinadas a substituir importações. A base da crítica à política de industrialização é a Teoria das Vantagens Comparativas, que prevê que os países devem especializar-se na produção daqueles bens que são mais competitivos, que produzem preços menores. Assim os países periféricos deveriam continuar se especializando na produção primária, sem pretender se industrializar. Os teóricos marginalistas se recusam a ver que essa especialização foi a principal razão do não desenvolvimento. Como eles atribuem a ausência do desenvolvimento à falta de poupança, ocasionada pela própria pobreza, pela inexistência de valores aquisitivos e pelo excessivo crescimento populacional, denominam os esforços industrializadores de “irracionais”, pois representariam desperdício de capital, que seria aplicado mais eficientemente na produção agrícola ou mineral. O custo mais elevado dos produtos industriais, fabricados no país, em comparação com os importados, “prova” para eles que toda industrialização promovida pelo Estado não passa de um erro econômico, que leva ao uso ineficaz do fator mais escasso, em países não desenvolvidos, que é o capital.

O primeiro país a pôr em prática essas políticas de liberalização econômica, de inspiração marginalista, na América Latina, foi o Chile, do general Pinochet. Como resultado, a indústria nacional, voltada para o mercado interno, foi inteira-mente desmantelada, desenvolvendo-se apenas os ramos (como mineração, agri-cultura e agroindústria) que produzem para o mercado mundial. Sendo o Chile um país relativamente pequeno, esse desenvolvimento “para fora” pôde compensar, embora não completamente, a ruína das atividades do setor de mercado interno. Mesmo assim, o resultado geral desse tipo de política econômica foi o aumento do desemprego e a concentração da renda. Num país maior, como a Argentina, a aplicação da mesma política resultou num verdadeiro desastre, com o empobreci-mento generalizado da população trabalhadora.

Em suma, as teorias do desenvolvimento de cunho marginalista desconhecem as causas estruturais que fizeram com que alguns países se industrializassem e outros não. Esse fato é atribuído às diferenças de comportamento entre os indivíduos que compõem a população de um e outro tipo de país, sendo a situação

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dos países não desenvolvidos explicada pela pobreza, pela ausência de motivação psicológica, pela manutenção da alta fecundidade e pela tentativa do Estado de promover a industrialização de países cuja “vocação”, em termos de vantagens comparativas, seria a de permanecerem exportadores de produtos primários.

Atualmente no Brasil, principalmente nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, houve a hegemonia das teorias marginalistas com a adoção do Plano Real, que na realidade não passava de um plano contábil e monetarista, que via no controle da liquidez da economia a fonte de controle sobre a atividade econômica. Essa concepção não permitiu a adoção de praticamente nenhuma ação voltada para o desenvolvimento econômico no Brasil.

Além do mais, o Plano pensava em abrir a economia brasileira para o capital internacional, que levaria ao aumento de nossa produtividade industrial e econômica. Como a crença era de que o mercado poderia resolver tudo, não houve política de incentivo às empresas nacionais. Pelo contrário, as políticas desestimu-laram a empresa nacional e acabaram incentivando a indústria estrangeira.

Outro fator foi a retomada na especialização da economia brasileira como produtora de bens primários, como veremos adiante. Isso pode ser verificado na queda da produção de bens de capital no país, no aumento na produção de grãos e na participação desses na pauta de exportações brasileiras, como é o caso da soja, das carnes entre outras.

Teorias de fundo marxistaAs teorias de fundo marxista são originárias das ideias de Karl Marx e

de John Maynardes Keynes. O primeiro formulou, a partir das teorias de David Ricardo, a teoria do valor trabalho, que diz que o valor de algo depende unicamente da quantidade de trabalho necessária para sua fabricação. O segundo propôs abertamente que uma sociedade, mesmo a capitalista, necessita da regulação do Estado para não entrar em colapso. Este teria como funções principais controlar o nível de atividade, emprego, oferta e demanda num dado território econômico.

Essas teorias marxistas explicam o desenvolvimento ou o não desenvol-vimento de uma nação em outros termos. Para elas, na realidade há países ricos porque essencialmente, há outros países pobres, ou seja, países são pobres porque há uma transferência de riquezas dos países menos desenvolvidos aos mais desen-volvidos, e isso se dá de várias formas, desde a época em que foram constituídas as economias coloniais.

Para as teorias marxistas não é verdade que nas economias pobres não há poupança. Na realidade, sempre houve. No Brasil, entre 1870 e 1930, por exemplo, havia enorme concentração de renda nas mãos de uma pequena oligarquia, prin-cipalmente cafeeira, que poderia transformar essa riqueza em capital, investindo parte dela, o que, aliás, aconteceu. Nossa rede ferroviária foi, em grande parte, criada com esses capitais, e isso foi na época um investimento significativo. Não se pode dizer que o Brasil não tinha poupança. O que ocorria é que, simplesmente,

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essa poupança não podia ser aplicada em substituição de importações, porque a aliança das oligarquias do setor de mercado externo e do setor de mercado interno com o imperialismo, com as classes dominantes dos países industrializados, se opunha a políticas que tornassem esse tipo de industrialização viável. Não havia a vontade política de desenvolver o país.

Nesse sentido, a poupança interna de um país que produz bens primários, tem que ser utilizada na produção de bens de maior valor agregado, cujo valor é bem maior entre os países ricos. No Brasil, infelizmente essa estratégia nunca foi colocada em prática, ou foi somente em períodos curtos e raros de sua história. Atualmente, entretanto, colocar essa lógica em prática não é tarefa simples, uma vez que, com o advento da eletrônica e da globalização, quem detém tecnologia para a produção dos bens que nós precisamos são empresas multinacionais, que evidentemente não darão de graça essa tecnologia ao Brasil.

O debate sobre o fato de que se o governo deve continuar incentivando a abertura de indústrias no Brasil não é novo, e, remete-nos à década de 1930, quando começou a crise. Os empresários urbanos emergentes queriam a reserva de mercado para nossa indústria, mas foram vencidos no debate pelos empresários do café e os próprios consumidores urbanos, que queriam continuar consumindo produtos importados. Isso, aliás, não deixa de ser uma herança colonial. Diziam que o Brasil não tinha vocação para a indústria, devendo continuar se especiali-zando na produção de bens primários.

Apesar de a classe média preferir consumir artigos importados, a industria- lização que havia aqui até então era precária e limitada aos artigos de consumo popular. O desenvolvimento dependia de uma ruptura com a divisão internacional do trabalho, o que pressupunha, no plano interno, uma mudança básica, de caráter revolucionário. As formas que essa transformação pôde assumir são as mais diversas. No caso do Brasil, por exemplo, foi a crise mundial da década de 1930 que levou às mudanças políticas que permitiram aos novos setores empresariais subirem ao poder. Foi nesse momento que aconteceu no Brasil a chamada “revolução burguesa”, que foi a queda das classes agrárias como as hegemônicas na condução da economia e da política nacional. Isso ocorreu no México, de 1910 a 1917, envolvendo burgueses, operários, camponeses, e dela resultou a queda da velha oligarquia ligada ao setor de mercado externo e à ascensão de uma nova burguesia industrial. No Brasil, alguns autores dizem que essa revolução ocorreu em 1930, enquanto outros dizem que, na realidade, não ocorreu até o momento.

Sem esse tipo de transformação, no qual segmentos diferentes do mesmo grupo dominante assumem o poder e o usam para promover a industrialização, não há desenvolvimento. Pois implica uma ruptura, pelo menos parcial, com a divisão internacional do trabalho gerada pela Revolução Industrial. Essa ruptura não pode ser total. O país, qualquer que seja o tipo de revolução por que tenha passado, continuará importando para poder se industrializar. Portanto, ele vai precisar continuar a exportar. Tendo herdado do regime anterior um setor de mercado externo, o país vai usá-lo para ganhar as divisas com que adquirir no exterior os elementos necessários à sua industrialização. É uma ruptura, porém, no sentido de que a economia deixa de ser reflexa, deixa de ser dependente da

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demanda externa e passa a ter uma dinâmica própria, dada pela substituição de importações. Isso significa que são as inversões no setor de mercado interno que passam a ter prioridade, sendo a exportação um elemento subordinado, de apoio à industrialização.

O processo de desenvolvimento industrial, no fundo, é um processo de acumulação de capital. Acumular capital significa criar maior capacidade produtiva, criar maiores possibilidades de produzir sob a forma de novas fábricas, fazendas, meios de transporte etc. Significa, em última análise, alocar uma parcela crescente dos trabalhadores na produção de meios de produção. Essa é a essência da acumulação de capital. Para crescer é necessário criar novos setores da economia, o que significa utilizar uma parte do trabalho social de que o país dispõe para alguma coisa que vai criar possibilidades de produção futura, mas que não cria bens ou serviços para o consumo presente. O trabalho que cria capacidade de produção futura é estéril do ponto de vista do consumo imediato.

Assim, por exemplo, em Itaipu necessitou-se de umas 20 mil pessoas construindo, durante anos, uma grande represa e uma enorme central hidrelétrica, que, no futuro, passou a fornecer energia ao parque industrial de uma grande parte do Brasil. Mas, durante esses anos, essas pessoas têm de comer, morar, vestir-se, educar seus filhos, ter assistência médica etc., e não produzem nada que possa ser imediatamente consumido. Isso se reproduz em todos os setores que estão em crescimento. Então é preciso que os setores que sustentam essas pessoas – e o básico é o que produz a comida – aumentem seus excedentes.

Esse é o ponto vital do processo. É preciso que a agricultura produza uma quantidade de bens, principalmente alimentos e mão de obra para poder suprir os outros setores da economia. A pessoa que construiu Itaipu ou está hoje na cidade, provavelmente, produzindo alimentos para consumo próprio e também um excedente comercial, que alimentava pessoas na cidade. Naquele momento, ele está construindo uma usina e precisa ser alimentado por alguém que ficou na agricultura. Em última análise, é preciso criar um sistema capaz de, muito rapida-mente, aumentar a produtividade na agricultura e dirigir os frutos desse aumento de produtividade para fora dela.

Como os países subdesenvolvidos herdaram uma vasta economia colonial, têm a maioria de sua população no campo, no setor de subsistência, e esse é um pro-blema não apenas econômico, mas social e político. É preciso, de alguma maneira, induzir os camponeses a produzirem mais, sem ter uma recompensa imediata.

O processo chinês ou israelense, por exemplo, foi coletivizar a agricultura, foi colocar o conjunto da produção agrícola sob o controle direto do Estado. O processo brasileiro está em subsidiar grandes empresas que expropriam posseiros e pequenos camponeses, transformando-os em assalariados e, portanto, reduzem a participação deles próprios na produção e aumentam a produtividade utilizando métodos mais modernos, e os seus lucros são transformados em excedente alimentar, que é vendido nas cidades. No fundo, a partir principalmente da década de 1960, várias indústrias de bens de capital para a agricultura instalaram-se no Brasil e fizeram boa parte da população rural de então deixar o campo e migrar para as

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cidades. Modernamente, principalmente na década de 1990, o processo brasileiro foi abrir nossa economia ao capital internacional, que permitiu a aquisição de empresas nacionais por empresas estrangeiras, com maior capacidade de gestão, que aumentaram a produtividade da agricultura e da economia brasileira.

Desses diagnósticos das teorias do desenvolvimento, de fundo marxista, se deduzem dois tipos de recomendações:

é preciso promover a substituição de importações mediante uma ação sistemática do Estado de proteção e apoio à indústria nacional, subordi-nando o setor de mercado externo aos requerimentos dessa estratégia; e

deve-se reorganizar a agricultura – possivelmente mediante uma reforma agrária –, de modo a modernizar seu processo de produção, para permitir que uma parcela cada vez menor da população, que fica no campo, possa sustentar um processo de acumulação que necessita de um excedente ali-mentar cada vez maior.

Essas recomendações naturalmente contrastam com as derivadas das análises de fundo marginalista, que enfatizam as mudanças no comportamento individual – criar “espírito empresarial”, controlar a natalidade etc. –, e a impor-tância do capital estrangeiro, encarando a intervenção do Estado no processo de modo negativo. Para as análises de inspiração marxista, pelo contrário, o desen-volvimento não pode ser induzido por mudanças no plano individual, as quais só ocorrem como consequência de transformações institucionais nas relações entre os papéis centrais e periféricos e dentro desses últimos, nas relações entre Estado e sociedade e entre as classes sociais.

ConclusõesComo vimos, podemos pensar a situação e o desenvolvimento econômico

de uma sociedade com base na sua estrutura de produção, base de aquisição de tecnologia, bem como na forma de dividir essa riqueza pelos diversos grupos e classes sociais.

Por outro lado, pode-se tentar entender e explicar as condições de uma sociedade simplesmente pelas condições individuais. Nesse caso, toda culpa pela riqueza ou pobreza individuais ou em uma nação são totalmente atribuídas às condições individuais.

Como veremos nos próximos três capítulos, a crise por que está passando o capital na atualidade está permitindo, em nossa opinião, a afirmação das teorias de desenvolvimento econômico com base nas ideias marginalistas, que colocam os problemas e as soluções destes unicamente nos indivíduos, com a negação a priori da viabilidade de tomada de decisões de intervenção mais forte do Estado na economia.

Aqui, novamente temos a forma de produzir a riqueza material definindo o que se pensa. Para o campo educacional, isso terá profundas consequências. Uma

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A teoria do desenvolvimento

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das primeiras, já explicitadas no próximo capítulo, é a retomada que se constata nos últimos anos da teoria do capital humano. Essa teoria, como veremos, é uma teoria supermarginalista, que joga a culpa da riqueza ou da pobreza das pessoas e nações unicamente nos indivíduos, desconsiderando outras variáveis.

1. Você pode até ainda não ter parado para pensar, mas, no Brasil, os computadores, os carros, os aviões, os navios, as turbinas de usinas hidrelétricas e as máquinas mais sofisticadas utilizadas pelas indústrias são quase sempre importados. Por que isso acontece?

2. No Brasil, existem, de acordo com o governo federal, aproximadamente 55 milhões de pessoas passando fome. Por outro lado, perto de 1% de sua população tem renda per capita em níveis superiores ao das nações mais ricas do mundo. Para você, o que explica a existência de tantos miseráveis num país com tantas riquezas quanto o Brasil?

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A teoria do capital humano

C om base nas mudanças que atualmente estão ocorrendo no mundo e a constante queda na forma keynesiana da gestão do Estado, há uma tendência de supervalorizar o potencial humano, enquanto indivíduo, como o fator de

desenvolvimento das nações. Em geral, qualquer pessoa que já tenha vivido pelo menos uma década já ouviu falar que o “futuro do país” está na educação.

É evidente que uma nação tem que possuir e investir em um povo educado, que tenha acesso à escola e ao conhecimento elaborado. Entretanto, no momento atual, a forma de produzir a riqueza vem exigindo das pessoas, que estas se responsabilizem por sua própria sorte, por sua inserção no mundo. Assim, as mudanças econômicas exigem um novo paradigma de pensamento na área, para justificar as mudanças nas vidas das pessoas.

Essa nova teoria é a teoria do capital humano. Como veremos, tem raízes históricas profundas, mas está sendo tomada neste momento sob uma determinada óptica que justifica o atual momento da economia. Para demonstrar isso, faremos uma análise retrospectiva de como esse conceito foi proposto e chegou aos nossos dias. Após, demonstraremos e analisaremos como o mesmo é utilizado atualmente no mundo e no Brasil. Em nosso entender, compreender isso é fundamental para entender as ideias de educação e as políticas educacionais atualmente vigentes.

Capital humano na históriaA teoria do capital humano é desenvolvida a partir de pressupostos econômi-

cos, nos quais a educação do ser humano representa um investimento importante para o desenvolvimento econômico da sociedade. Essa forma de pensar a educação busca justificar a sua teoria em Aristóteles1, quando afirma que o princípio do inves-timento na educação era a melhor providência para os dias de velhice.

Para o economista inglês William Petty (1623-1687), um ser humano que possui qualificação, consegue realizar mais trabalhos do que muitos seres humanos que não possuem nenhuma qualificação. Para esse economista, a grandeza e a glória de uma nação não dependem do tamanho de seu território, mas do tamanho da qualificação de seus recursos humanos que são muito mais importantes de que os naturais.

No início do século XIX, um outro economista, Thomas Robert Malthus (1766-1834), um dos principais nomes da economia clássica, atribuiu a falta de educação às excessivas taxas de crescimento demográfico e a pobreza generalizada reinante naquela época. Para esse economista inglês, o retorno do investimento em educação de uma pessoa é tão grande que permite a educação de outras. Por outro lado, os pais sem um mínimo de educação não têm condições de atender às necessidades de educação de seus filhos, o que perpetua o círculo vicioso entre pobreza e a falta de educação.

1Filósofo grego que viveu no século IV a. C.

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A teoria do capital humano

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O também economista Adam Smith (1723-1790), escreveu em 1770, a obra intitulada A Riqueza das Nações, na qual define o capital humano como um capital fixo que consiste na soma das habilidades de todos os habitantes ou membros de uma sociedade, os quais contribuem para a valorização desse capital e para o desenvolvimento dessa sociedade. Por isso, para o economista inglês, a educação básica deveria ser generalizada e acessível a todos.

Para Karl Heinrich Marx (1818-1883), a educação desempenha um papel fundamental no desenvolvimento político e econômico. A educação operária é vista como um elemento importante de um programa de libertação dos trabalha-dores de uma sociedade opressora, baseada em um modelo de produção centrali-zador nas mãos de uma classe dominante – os capitalistas.

A teoria do capital humano na vertente americana – Schultz

Entretanto, entre os defensores da teoria do capital humano existem altas taxas de retorno do investimento na formação profissional e no capital humano, que são explicadas pela própria metodologia da teoria do capital humano, segundo a qual um incremento marginal da qualificação do insumo ou do fator trabalho deveria gerar um incremento marginal da produtividade e essa margem, por sua vez, deveria ser repassada ao preço (remuneração) do insumo ou trabalho. Em um país como o Brasil, em que o número de trabalhadores com educação fundamental básica é pequeno e a média de remuneração do fator trabalho é baixa (um dos mais baixos salários mínimos do mundo), qualquer incremento marginal sistemático da qualidade do trabalho, por exemplo, por meio de rápidos treinamentos de 80 a 600 horas, causam um incremento percentual (taxa de retorno) significativo, quando comparado com os trabalhadores que não passaram por nenhum tipo de treinamento.

Embora a importância econômica atribuída aos aspectos ligados à formação dos trabalhadores seja antiga, remontando à economia clássica, é com Theodoro Schultz, na década de 1950, que a teoria do capital humano é alçada ao plano das teorias do desenvolvimento e da equalização social. Esse professor da Universidade de Chicago – EUA – publicou a obra Teoria do Capital Humano que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Economia em 1968.

Para os adeptos da teoria do capital humano, ela é basicamente uma ferra-menta que permite levantar, tratar, analisar e interpretar informações a respeito do potencial humano. Para a precisão na sua interpretação e utilização são necessá-rios conhecimentos básicos de Matemática e Estatística Descritiva e Inferencial2, já que trabalha com taxas de retorno e relações custo-benefício. Ou seja, repre-senta uma ferramenta para medir o valor de um determinado objeto, no caso, a educação e a formação profissional. Se esse objeto não tem valor qualitativo, ou seja, valor social, político e cultural dentro da própria sociedade, necessita medir seu valor quantitativo.

2 Ramos da Estatística, ciência utilizada como

ferramenta para análise de dados tanto nas ciências humanas quanto naturais.

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A teoria do capital humano

Nessa teoria, a educação aparece como o elemento essencial na potenciali-zação da capacidade de trabalho para alcançar o desenvolvimento econômico. Os investimentos em educação explicariam as diferenças dos estágios de desenvolvi-mento entre os países e seriam capazes de reverter essas mesmas diferenças, além de permitir a possibilidade do aprendizado individual.

Podemos notar, na maneira como essa teoria está sendo utilizada, uma forma de fazer as pessoas verem que sua condição educacional é a responsável por sua situação. Assim, alguém é pobre ou rico porque estudou ou não. Da mesma maneira, uma nação é rica ou não dependendo do estoque de conhecimento acumulado por ela. Segundo essa teoria, por exemplo, o Brasil é pobre porque faltaram à sua população condições de estudar e se capacitar para o desenvolvimento de sua economia.

A teoria do capital humano na atualidadeHoje, podemos perceber a teoria do capital humano sendo utilizada por muitas

empresas na concepção e políticas para a formação profissional, haja vista que o modo de produção atual está exigindo um novo tipo de trabalhador, como veremos no próximo capítulo. Essa teoria tem-se adaptado às recentes redefinições do padrão de trabalho, da internacionalização das formas de gestão da produção e da compe-titividade, levando as empresas à adoção de programas de qualidade total e, para alcançar esse objetivo, as empresas necessitam contar com o comprometimento dos trabalhadores no processo produtivo, principalmente quando se trata da operação de equipamentos sofisticados e de alta tecnologia. A mão de obra qualificada passou a ganhar importância no atendimento às novas necessidades das empresas.

Nos últimos anos da década de 1990, a teoria do capital humano voltou a contar com um certo prestígio, relacionando-se às práticas e aos debates que dizem respeito à segmentação do mercado de trabalho, à politecnia, à polivalência, à flexibilização e à qualidade total. Políticas específicas de formação passaram a ser adotadas seguindo os princípios de seletividade dos trabalhadores.

Essa forma de pensar a realidade, que percebe o investimento na educação das pessoas como um dos mais rentáveis, contribuindo tanto para o desenvolvimento dos países, quanto para o crescimento do próprio ser humano, proporcionou uma rápida disseminação da teoria do capital humano, como aquela capaz de solucionar os problemas das desigualdades entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Nos países latino-americanos e de Terceiro Mundo, a divulgação dessa teoria coube a organismos internacionais (BID, BIRD, OIT, Unesco, FMI, Usaid, Unicef) e regionais (Cepal, Cinterfor), que representam a visão e os interesses dominantes, de acordo com Frigotto (1999). O ajuste forçado do Brasil aos interesses do grande capital tem sido motivado pelo Banco Mundial. Esse organismo tem levado os países do Terceiro Mundo à redução ou anulação das suas obrigações sociais, confirmando a tendência cada vez mais nítida de esvaziamento dos Estados Nacionais nos processos de desenvolvimento.

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A teoria do capital humano

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Nesse sentido, há um esvaziamento das políticas keynesianas de controle e desenvolvimento das economias, que são cada vez mais substituídas por políticas de cunho mais liberal. Dessa maneira, a teoria do capital humano pode hoje ser entendida como uma das maneiras de concretização, na educação, das recomendações do Consenso de Washington. Este prega a saída paulatina do Estados Nacionais da economia, a abertura dos países ao comércio e aos fluxos financeiros internacionais, bem como a adoção de políticas econômicas de cunho monetarista, que veem no controle do câmbio3 e na taxa de juros a maneira da economia integrar-se ao mundo globalizado, via entrada de capital estrangeiro. A educação, nessa óptica, deve ser vista como maneira de adaptar as pessoas à economia. Para isso, a teoria do capital humano serve, uma vez que joga para a qualificação das pessoas a capacidade desta obter renda e, consequentemente, fazer um país crescer economicamente.

No próximo capítulo, observaremos como está o processo de crise do modelo fordista para verificar como a teoria do capital humano é hoje utilizada, sendo um dos mecanismos apontados como solução para essa crise e a consolidação de uma nova organização da produção, o toyotismo ou pós-fordismo. Assim, poderemos entender definitivamente os fundamentos econômicos das propostas educacionais da atualidade, no Brasil.

1. Atualmente, há toda uma estratégia das empresas e da mídia em geral, em dizer que “educação é tudo”. O que querem dizer com isso?

2. Você concorda que de fato “educação é tudo”? Por quê?

3 Taxa de troca da moeda nacional ou outras moe-

das estrangeiras.

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O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra

C omo vimos anteriormente, o fordismo foi pensado como uma maneira de conseguir uma regulação, que combinasse tanto a maneira de organizar o mundo da produção, quanto a partir do paradigma econômico keynesiano,

como a própria ação do Estado enquanto planejador da sociedade. Ocorre que esse processo não se sustentou por muito tempo, entrando em colapso pelo início dos anos 1970.

A crise do fordismoO fordismo no Estado de Bem-Estar Social1 necessitava de um constante

aumento da produtividade do trabalho para a geração de lucros e o consequente pagamento de impostos para a manutenção de sua estabilidade fiscal. De acordo com Harvey (2001), a condição do fornecimento de bens coletivos dependia da contínua aceleração da produtividade do trabalho no setor corporativo. Só assim o Estado keynesiano do Bem-Estar Social poderia ser fiscalmente viável.

Ocorre que o capitalismo existe para gerar lucro, necessitando para tanto do constante aumento da mais-valia, relativa ou absoluta, do trabalho. Dessa forma, o aumento do volume de capital nas mãos das empresas e redução do volume de recursos nas mãos dos consumidores colocou o Estado keynesiano em situação de solvência cada vez mais complicada. De um lado, a concentração de capital permitiu às empresas aumentar a capacidade de produção. Entretanto, se por outro lado o volume de recursos nas mãos dos trabalhadores estava sendo reduzido, a capacidade da economia em consumir os bens produzidos estava sendo cada vez menor. Com isso, a capacidade dos Estados arrecadarem impostos e se manterem viáveis frente suas obrigações sociais ficaram progressivamente dificultadas, chegando a um período de total insolvência financeira.

O quadro seguinte demonstra como o mundo vem em uma constante desace-leração de seu crescimento econômico pelo menos desde o início dos anos 1970.

1 O Estado gerido sobre a forma keynesiana, ficou

conhecido como o Estado do Bem-Estar Social, uma vez que permitia ao Estado o financiamento de várias políticas de seguridade social em níveis nunca antes vistos pela humanidade (previdência, saúde, educação, entre outros).

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O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra

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PeríodosTaxas percentuais anuais de mudança

(MA

DD

ISO

N, 1

982,

apu

d H

ARV

EY, 2

001)

Produto Produto per capita Exportação1820 - 1870 2,2 1 4

1870 - 1913 2,5 1,4 3,9

1913 - 1950 1,9 1,2 1

1950 - 1973 4,9 3,8 8,6

1973 - 1979 2,6 1,8 5,6

1979 - 1985 2,2 1,3 3,8

Além desse fenômeno, não se deve esquecer que o sistema de Bem-Estar Social não foi copiado por todos os países do globo. Sendo assim, mesmo as empresas com sede nos países de Bem-Estar, ao tentarem antecipar-se ao fenômeno da queda de suas receitas em seu mercado interno, migraram para outras nações, em especial as do Terceiro Mundo, com o objetivo de explorar uma mão de obra mais barata e ter acesso mais facilitado às fontes de matérias-primas. Com isso essas empresas passaram a exportar sua produção para seus países de origem. O resultado foi o aumento da competição dentro do bloco dos países de Bem-Estar, com as empresas reduzindo os preços de seus produtos para manterem-se nesses mercados e assim reduzindo a base de arrecadação de impostos. A derrocada do Estado de Bem-Estar era questão de tempo.

De maneira geral, o período 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo em conter as contradições inerentes ao capitalismo. Segundo alguns autores (Harvey, 2001; Gounet, 1999), o grande problema do modelo de acumulação fordista/keynesiano era a rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam a flexilibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariáveis. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho.

O capitalismo se via em grave crise quando a rigidez previa um aumento constante nas obrigações do Estado, dificultava a flexibilidade dos processos produtivos – que levariam ao aumento de arrecadação de impostos, restringindo a expansão na base fiscal para gastos públicos. Ao mesmo tempo em que o Estado estava indo para sua falência fiscal, as corporações viram-se com muita capacidade excedente inutilizável em condições de intensificação da competição. Isso as obrigou a entrar num período de racionalização, reestruturação e intensificação do controle do trabalho. A mudança tecnológica, a automação, a busca de novas linhas de produtos e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de controle do trabalho mais fácil, as fusões e medidas para acelerar o tempo de giro do capital passaram ao primeiro plano das estratégias corporativas de sobrevivência.

Como vimos, o capitalismo passou a buscar elementos e formas de uma produção que se desprendessem da rigidez. Em outras palavras, passou a buscar formas mais flexíveis na produção. Em confronto com a rigidez fordista, o capital procurou cada vez mais flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Para resolver a crise, entretanto, o capitalismo

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O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra

precisava de uma forma de produzir que permitisse o retorno ao lucro, mesmo numa época em que a economia não estivesse crescendo. A receita, ditada pelas empresas, era mais flexibilidade.

Houve, a partir de então, a busca de um novo modelo de produção que se baseava muito mais na exploração de modelos de produção, que continuam combinando várias empresas dentro de uma cadeia de produção, mas agora não sob um comando único, como era no truste fordista, mas explorando as vantagens competitivas em termos de redução de custos que cada uma destas, por si própria, consegue atingir. A redução nos custos é assim obtida pela intensificação da exploração do trabalho, bem como da possibilidade de seu constante reaproveitamento em novas atividades surgidas das oportunidades de exploração do mercado capitalista.

Nessa perspectiva, a produção dentro da cadeia está sendo feita pelo sentido da terceirização, em que as empresas produtoras de um determinado bem procuram contratar outras empresas para operar partes separadas do processo de produção. Assim, começam a aparecer empresas ou, mais recentemente, cooperativas de produção ou mesmo de trabalho, que se especializam em produzir apenas uma parte do bem final a ser consumido. Essas empresas não dominam a tecnologia de produção do produto final. No máximo, dominam o conhecimento necessário para a produção da parte que lhes cabem. Os empregos que estas geram, portanto, exigem no máximo o domínio de umas poucas tarefas que as atividades requerem.

Além disso, essas empresas necessitam, para continuar sobrevivendo no mercado capitalista, de uma capacidade muito grande de acompanhar o progresso técnico, não no sentido de estar produzindo conhecimento de ponta, mas de estarem atentas para a capacidade de produzir os subprodutos que as grandes empresas capitalistas necessitam. É nesse sentido que têm a necessidade de estarem constantemente capacitadas a inovar: estar em condições, em tempo hábil, de mudar seus métodos e formas de trabalho. Assim, seus empregados têm que estar aptos e capacitados para, a qualquer momento, ter que alterar sua forma de trabalhar e produzir. Resumindo, há uma alteração da perspectiva taylorista/fordista do trabalho para um modelo mais flexível.

Do lado das empresas que dominam o processo de produção, aquelas que contratam os serviços de outras para produção de subprodutos, ou aquelas que terceirizam, também há mudanças na maneira de produzir. Atualmente, estas trabalham na lógica de organizar a produção dentro daquilo que tem sido chamada de célula de produção. Ao contrário da forma fordista/taylorista de produção industrial, em que o operário especializava-se para a execução de apenas uma tarefa, sem preocupar-se com as atividades ou tarefas dos demais operários, muito menos tinha responsabilidade sobre o que os outros faziam, as empresas hoje dividem a linha de produção em subconjuntos de operações e funções, sob responsabilidade de um conjunto de trabalhadores.

Nesse caso, o trabalhador continua sendo responsável por uma tarefa, mas passa a ser responsável também pelo cumprimento da tarefa final do conjunto do qual faz parte. Assim, o capital consegue derivar sua lucratividade de uma explo-ração exacerbada tanto da criatividade quanto da intensidade e vigilância que a própria mão de obra exerce sobre si.

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O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra

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O toyotismoEssa nova forma de produzir, por ter sido pensada pela primeira vez por

Taichii Ohno na fábrica da Toyota no Japão, é denominada de toyotismo ou ohnismo. A ideia básica dessa forma é aumentar a produtividade mesmo em tempos em que o volume de vendas não está aumentando. Para isso, os engenheiros da Toyota pensaram em duas coisas: reduzir os desperdícios, tanto de tempo quanto de matéria-prima, e aumentar a exploração da mão de obra, no sentido de uma extração ainda maior de mais-valia.

Com a finalidade de reduzir os desperdícios, a produção não deixa de ser puxada para o mercado, mas, agora, quem dá ordem para a produção é a demanda. Ou seja, quem define a produção é a demanda. Assim, nos termos de Gounet (1999, p. 55), o fordismo é “pensado pelo avesso”, uma vez que a fábrica deixa definitivamente de ter consideráveis volumes em estoques. É montado um sistema em que os vendedores acionam a fábrica, que assim produz somente a quantidade necessária para atender a exata demanda do mercado. Para isso, utiliza um sistema de cartões, denominado de kanban: dentro da fábrica, é instalado um sistema em que não existem mais estoques, uma vez que cada etapa de produção, utilizando uma peça, imediatamente avisa ao fornecedor daquela peça que esta deve ser reposta. Para auxiliar no processo de redução de perdas, divide-se a produção em quatro partes: transporte, produção propriamente dita, estocagem e controle da qualidade. Essas etapas são consideradas essenciais e não podem e não devem deixar de ser executadas. Todas as tarefas antes existentes, mas que eram apêndices dessas, são eliminadas.

Para aumentar sua taxa de lucro, o toyotismo deixa de lado o trabalho par-celar, típico do fordismo, onde havia a relação uma máquina/um trabalhador. De agora em diante, cada trabalhador tem que dar conta de cinco ou seis máquinas. Para permitir isso, a indústria inventa o conceito de célula de produção. Nesse caso, o trabalhador não executa apenas uma única tarefa, como no modo de pro-dução anterior, mas realiza todas as tarefas necessárias para a realização de toda uma etapa do processo de produção. Evidentemente, para trabalhar na célula o operário tem que conhecê-la e ser responsável por várias máquinas e operações.

Além disso, o toyotismo também trabalha com a internalização dos controles de produção. Não mais existem controladores de processo ou de produtos. Os trabalhadores são agora obrigados a controlar, eles próprios, a qualidade de sua produção, bem como o trabalho dos outros operários.

Isso é executado por dois fatores. Primeiro instala-se na fábrica um sistema em que, se a produção é feita na célula, continua havendo uma linha formada pelas células. Assim, cada célula tem como cliente a célula seguinte. Ou seja, se algo sair errado numa etapa de preparação do produto final, a célula da próxima etapa logo denunciará e cobrará dos trabalhadores da célula anterior a correção do problema. Dessa forma, instala-se dentro da fábrica um processo de controle da qualidade do produto e de tempo de trabalho que é controlado pelos próprios trabalhadores.

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O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra

Outro fator que facilita o controle da qualidade do produto é o desenvolvi-mento da microeletrônica e da robóptica. Principalmente com a microeletrônica, pode-se conceber anteriormente o trabalho, bem como fazer o monitoramento do processo de execução do produto em tempo praticamente real em relação à ocorrência de panes e problemas. Com isso, a empresa não mais perde tempo de trabalho com o conserto de máquinas, uma vez que pode prever e se prevenir de sua ocorrência, podendo utilizá-lo por completo na produção.

Assim, o mercado de trabalho passou por uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão de obra excedente para impor o regime de contrato de trabalho mais flexível.

Junto a esses contratos mais flexíveis, a nova forma de produzir a riqueza material combina três tipos de trabalhadores:

os centrais, que são trabalhadores em tempo integral, com condição perma-nente e posição essencial para o futuro de longo prazo da organização;

os periféricos, divididos em dois subgrupos. Um primeiro consiste em trabalhadores em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual menos especializado. Um segundo grupo oferece uma flexibilidade numérica ainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratados e estagiários com subsídio público, tendo ainda menos segurança que o primeiro número de periféricos. A tendência do mercado de trabalho é reduzir o número de trabalhadores centrais e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos quando as coisas ficam ruins.

No Brasil, por exemplo, de acordo com o Dieese (2001) e Dupas (1999), essa tendência está se confirmando cada vez mais, com a intensa redução do número de trabalhadores com carteira assinada e o aumento dos postos de trabalho sem carteira assinada, em período não integral e temporário.

O toyotismo, a financeirização do mundo e a globalização

Como o toyotismo está passando a ser a nova forma de organização da produção, passou também a ser o novo paradigma de produção e até de forma de vida e organização do Estado que está imperando nos países do Ocidente desde o início dos anos 1970.

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O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra

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Na interpretação de Arrighi, estando vivendo atualmente o período de derrocada do capitalismo norte-americano, o período hoje vivido pelo mundo é da redução da taxa de lucros da produção real de mercadorias, com a fuga em massa do capital para os processos de intermediação financeira, em que os lucros são maiores. Segundo esse autor: “É nesse momento que o agente principal dos processos sistêmicos de acumulação começa a deslocar seu capital do comércio e da produção, em quantidades crescentes, para a intermediação e a especulação financeira” (ARRIGHI, 1996, p. 248). Uma das grandes mudanças no mundo desde então tem sido denominada pelos economistas e ciências sociais de “financeirização do mundo e do Estado”. É verdade que o equilíbrio entre poder financeiro e poder do Estado sob o capitalismo sempre fora delicado, mas o colapso do fordismo/keynesianismo sem dúvida significou fazer o prato da balança pender para o fortalecimento do capital financeiro.

Na realidade, com a crise do capital e as dificuldades de sustentação fiscal dos Estados de Bem-Estar Social, houve um processo de retorno dos capitais, antes espalhados pelo mundo, a essas nações. Além disso, a própria pressão nesses Estados pela continuidade das políticas sociais, obrigou o retorno dos envios de lucros do capital auferidos nos países periféricos.

Isso criou problemas para os países do mundo não desenvolvido, que não mais tiveram condições de fazer frente ao financiamento de suas políticas econômicas. Ou seja, os países do Terceiro Mundo ficaram reféns de um volume de recursos oriundos do Primeiro Mundo, em moeda forte, para fazer frente à nova forma de funcionamento do capitalismo.

Praticamente todos os países da América Latina tinham financiado seu desenvolvimento com capitais externos, aproveitando-se do aumento da liquidez dos países centrais do capitalismo no período 1945/73 e seu consequente baixo custo. Com a crise do capital após 1973 e os retornos desses capitais aos países centrais, as taxas de juros reais dos empréstimos aumentaram, não permitindo mais a continuidade do processo de financiamento do desenvolvimento desses países a baixo custo. Como resultado, a dívida desses países explodiu. De acordo com Chossudovsky (1999), a dívida externa dos países do Terceiro Mundo, que era de aproximadamente US$62 bilhões em 1970, passou a US$1,95 trilhão em 1996, aumentando 32 vezes no período. Com esse endividamento, os países do Terceiro Mundo, incluindo os da América Latina, passaram a ter uma tutela ainda maior de suas políticas por meio dos países centrais do capitalismo.

Isso se dá por meio de dois processos. Num primeiro momento, a nova forma de produzir, toyotista e flexível, faz com que as empresas exijam dos países cada vez mais facilidades para mover-se em direção às regiões em que os lucros são maiores. Na realidade, com a ampla capacidade de deslocamento pelo mundo, hoje é difícil falar em comércio internacional, nem em setores da economia, mas sim em cadeias produtivas, uma vez que as empresas podem colocar-se em qualquer lugar do mundo, aproveitando-se dos melhores dos dois mundos, controlando amplos processos produtivos, incluindo a produção de uma quantidade e variedade de bens muito superior à empresa da era fordista/keynesiana. Do Primeiro Mundo tira a ciência, a tecnologia; do Terceiro Mundo tira os braços e as matérias-primas

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O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra

baratas, conforme Arrighi (1997). Assim, com o controle da informação e o controle dos processos, viabilizado pela microeletrônica, podem instalar-se em qualquer local do globo. Com os países do Terceiro Mundo endividados e com dificuldades de fazer suas políticas, o poder de extração de mais-valia por parte da empresas em qualquer nação do mundo é muito grande.

Outro processo é o das condicionalidades que os países do Terceiro Mundo estão sendo obrigados a aceitar como resultado de sua dívida externa, passando a ter suas políticas tuteladas pelos interesses dos credores no Primeiro Mundo. As políticas, praticamente todas, necessitam de um aval desses credores para serem efetuadas. A primeira questão é como garantir que o Estado pague suas contas para, após, verificar de que forma as políticas serão regidas. Como geralmente o grande capital tem suas matrizes nos mesmos países credores do Terceiro Mundo, não há muitas diferenças entre as recomendações dos credores e as necessidades das empresas capitalistas. Chesnais (1996, p. 39) chega a afirmar que na realidade o poder de pressão dos governos do Primeiro Mundo é a força mais eficaz na “mundialização do capital”, via abertura de facilidades para a penetração do capital norte-americano ou europeu na economia internacional. Assim, estes conseguem interferir nas políticas dos países do Terceiro Mundo mesmo sem uma quantidade significante de recursos para o financiamento dessas políticas.

Instala-se, assim, um processo de definição externa das políticas a serem seguidas pelos países. É o que autores como Chossudovsky (1999, p. 37) chamam de “controle de países a partir das condicionalidades dos empréstimos”.

O quadro a seguir dá um exemplo das necessidades de financiamento de alguns países menos desenvolvidos.

PaísDívida

corrente em 1987

Valor no mercado (% no valor de)

Desvalorização em US$

Ban

co M

undi

al, C

itado

em

Har

vey.

Argentina 49,4 34 22,5

Brasil 114,5 45,0 63,2

Chile 20,5 62,0 11,8

México 105,5 52,0 50,4

Peru 16,7 96,0 16,0

Desvalorização em US$ – – 174,0

Nesse sentido, não há mais como falar em poder total dos Estados, na defi-nição de suas políticas macroeconômicas: tudo se resumindo ao que as nações e empresas querem do Estado. De acordo com Fiori (1997), “esse é um quadro que vai se generalizando na América Latina, onde os governos locais estão perdendo a capacidade de governar ou pelo menos estão ficando impedidos ou dispensados de governar suas economias”.

Segundo o autor, na realidade, restariam a esses países, como os da América Latina e do Brasil em particular: “[...] a postura passiva de manutenção cada vez mais difícil de equilíbrios macroeconômicos capazes de ‘seduzir’ os investidores internacionais” (FIORI, 1997, p. 64).

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Como percebemos, os Estados não têm mais condições de fazer política pública, uma vez que estão atolados em dívidas com credores externos que exigem a adoção de políticas que garantam o pagamento por parte desses países. Dessa maneira, a forma encontrada nos últimos anos para a gerência do Estado tem sido a de deixar cada vez mais o capital livre para buscar sua acumulação. Nessa estratégia, o Estado deixou de vez seu caráter de Bem-Estar para um caráter neoliberal. Nesse sentido, as saídas adotadas como solução para o problema da falta de recursos do Estado passaram por dois conjuntos de fatores.

O primeiro foi o rompimento com o compromisso keynesiano vigente durante o regime de acumulação fordista. Mas é bom lembrar que esse rompimento se deu somente do lado das demandas sociais, que em outras palavras pode ser expresso no enfraquecimento da política da seguridade social, mas com as empresas “exigindo e recebendo” todas as garantias do Estado para que possa se reproduzir cada vez mais.

Além disso, como uma segunda ordem de fatores, podemos citar a adoção do paradigma da empresa privada na gestão do público. Assim, sob o discurso da “racionalidade” e “dos bons” resultados na gestão do setor público, os recursos do Estado estão à disposição dos capitalistas para a reprodução do capital (FIORI, 2001). A seguridade é deixada de lado.

Assim, as políticas propostas e geridas pelo Estado não fazem mais que tentar colocar a óptica da gerência privada na administração do público. Em nosso entender, isso é fundamental para a compreensão da educação, hoje.

1. Quais as condições que determinaram a derrocada do keynesianismo no mundo ocidental?

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O toyotismo e suas consequências sobre a formação da mão de obra

2. Por que hoje as empresas buscam a organização do trabalho nos termos toyotistas?

3. Que consequências sobre a organização do trabalho escolar tem a organização da produção nas bases toyotistas?

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O toyotismo: qualificação ou competência?

C omo vimos, no sistema de produção toyotista, há uma maneira de produzir, mais flexível, que leva a uma nova forma de organizar a sociedade via mudanças nas ações do Estado. Um ele-mento importante para entendermos a educação hoje é saber qual ou que tipo de qualificação

efetivamente o toyotismo requer dos trabalhadores.

A qualificação no toyotismoComo vimos no capítulo anterior, o modelo de produção na fábrica fordista teve seu momento

de hegemonia no meio produtivo enquanto durou a forma de regulação concebida no ocidente capi-talista conhecida por Sociedade do Bem-Estar Social. Tão logo apareceram os primeiros problemas desse regime de acumulação, o capital teve que arrumar outra forma de produção, que garantisse lucros, mesmo numa época de crise, como a que o mundo vem passando desde pelo menos meados da década de 1970.

Esse modelo, baseado nas normas do que a literatura acostumou chamar de toyotismo, baseia-se não mais somente na exploração das potencialidades psicofísicas do trabalhador nem na divisão fixa e visível entre a concepção e a execução do trabalho. Na realidade, as empresas perceberam que podem, num momento de crise, deixar de trabalhar em empreendimentos que exigem o consumo em massa, para trabalhar com a produção de bens que satisfaçam apenas a nichos de mercado. De um lado, esses nichos podem pagar um valor relativamente alto pelo produto e, de outro, podem ser produzidos a custos cada vez menores.

Para isso, o processo de trabalho no toyotismo não mais trabalha somente com a exploração das potencialidades psicofísicas do trabalhador, mas passa a explorar também as capacidades cognitivas. Isso é realizado com uma finalidade única: retirar do trabalho não somente sua capacidade de executar, mas também sua capacidade de pensar. É importante lembrar que no modelo fordista de produção, o engenheiro pensava em como fazer, e o trabalhador manual executava. Havia um conhecimento da forma de fazer, que se dava e era apropriado somente por quem efetivamente executava a tarefa, que o capital não dominava. O toyotismo permite organizar o trabalho de forma que esse conhecimento seja utilizado pelas empresas para aumentar seus lucros.

Para que isso seja conseguido, há uma combinação de técnicas de gestão da mão de obra e mesmo de tecnologias que permitem ao capital apropriar-se do saber-fazer do trabalho. O advento da microeletrônica permite a regulação de máquinas com os movimentos e tempos que só o executor direto da tarefa consegue fazer; os círculos de controle de qualidade permitem ao capital planejar a melhor forma de executar uma tarefa, juntando conhecimento científico com o empírico e o prático, e ainda economizando em custos via internalização do controle da qualidade. Além disso, o trabalhador deixa de ser monovalente para tornar-se polivalente, ou seja, deixa de executar somente uma tarefa e passa a ser responsável pela execução de várias dessas tarefas, que é conseguido com o advento da troca da linha de montagem pela célula de produção.

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Discutir o tema da qualificação requer adoção de alguns conceitos. Um deles é o de conhecimento instrumental e conhecimento de ofício. Enquanto o conhecimento de ofício é aquele referente ao saber científico que está por trás dos processos produtivos executados pelo trabalhador, o conhecimento instrumental está ligado às habilidades que o trabalhador tem que possuir para poder manusear os instrumentos de seu trabalho. A relação entre esses tipos de conhecimentos e a evolução do capitalismo é dialética. Como a evolução capitalista tende sempre a incorporar ao capital o saber-fazer do operário, sempre que há uma evolução tecnológica, há uma perda de qualificação dos trabalhadores, uma vez que o seu saber de ofício é incorporado às maquinas.

De outro lado, cada novo avanço tecnológico significa instrumentos mais sofisticados para que o trabalhador manuseie. Nesse sentido, há uma qualificação instrumental dos trabalhadores, que cada vez têm que conhecer mais para poder operar esses instrumentos.

Dessa forma, nos parece que no avanço do capitalismo fordista para o toyotista há um avanço tecnológico que incorpora os conhecimentos científicos, e mesmo tácitos (conhecimentos de ofício), aos processos produtivos, que desqualificam o trabalhador do ponto de vista do conhecimento de ofício. Por outro lado, para poder operar as máquinas e o cotidiano produtivo, o trabalhador parece estar necessitando cada vez mais de conhecimentos instrumentais, haja vista que as máquinas e mesmo ferramentas são cada vez mais sofisticadas.

No toyotismo, onde o trabalhador deixa de trabalhar executando uma única operação na linha de produção, que caracterizou o fordismo, e passa a ter que responder por várias tarefas dentro da célula de produção, muitos autores afirmaram que esse processo passaria a requerer trabalhadores mais qualificados e mais ciosos do ponto de vista científico, dos processos de produção. Na realidade, o toyotismo é uma maneira arrumada pelas empresas para poder vencer sua crise, que passa a exigir do trabalhador que este coloque a favor da empresa, além de seu conhecimento científico, seu conhecimento tácito, os conhecimentos que este possui ao relacionar-se com as máquinas e ferramentas utilizadas no dia a dia do trabalho. Isso ocorre porque a fábrica toyotista é flexível e como tal, é organizada não para responder a uma produção para um consumo em massa, mas a nichos de mercado que necessitem ser abastecidos em escalas menores e que, portanto, mudam com maior rapidez. O trabalhador tem que ter condições de estar sempre em mudança em seu ritmo e tipo de trabalho.

Diferentemente do taylorismo, onde valorizava-se o saber-fazer, no toyotismo valoriza-se mais o saber-ser. Ou seja, como os processos eletroeletrônicos permitiram a incorporação do saber de ofício dos trabalhadores às máquinas, estes não são mais obrigados a fazer o trabalho propriamente dito, mas caracterizam-se cada vez mais como vigias das máquinas, que passam a acompanhar o processo produtivo, apenas verificando quando e como os problemas ocorrem. Para conseguir isso, o trabalhador tem que estar apto a utilizar todo conhecimento tácito (aquele construído no cotidiano da produção). Ocorre que, para tirar aproveitamento máximo do tempo, os trabalhadores na realidade têm que entender o mínimo de funcionamento de todo processo produtivo, a fim de evitar que os problemas

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O toyotismo: qualificação ou competência?

aconteçam, antecipando-os, bem como fazendo pequenos consertos nas próprias máquinas o quanto antes.

Assim, verificamos que no toyotismo há a valorização do saber tácito, mas este somente não basta aos trabalhadores. É preciso que tenham o que se chama de amplas capacidades cognitivas. Com relação aos conteúdos, entre esses “novos” requisitos estão não apenas conhecimentos técnicos, mas também habilidades cognitivas e certas características comportamentais e atitudinais, tais como: capacidade de abstração, de raciocínio, de domínio de símbolos e de linguagem matemática para a interpretação e implementação de modelos e antecipação de problemas, aleatórios e previstos; iniciativa, responsabilidade, compromisso, cooperação, interesse, criatividade, capacidade de decisão, disposição para o trabalho em equipe, capacidade de visualização das regras de organização, das relações de mercado etc.

Assim, nos parece ficar claro que o que efetivamente se exige do trabalhador no regime de produção toyotista são conhecimentos atitudinais, para poder resolver os problemas que ocorram na fábrica flexível.

Por outro lado, devemos sempre lembrar que o toyotismo deriva seus lucros da criação de um grupo de trabalhadores centrais e mais qualificados e uma peri-feria flexível, de acordo com Harvey (2001). Dessa maneira, não haveria necessi-dade de maior qualificação para todos na forma de produção toyotista também em função de que nem todos seriam incluídos nessas empresas, de forma central. Por outro lado, haveria trabalhadores para os quais esta nunca seria a realidade, tendo que adaptar-se ao trabalho flexível e precário, quando não à sua falta.

Para finalizar, é importante verificar que entre o fordismo e o toyotismo há uma diferença às demandas por qualificações que terá importantes impactos sobre sua organização, abrindo a possibilidade para o surgimento do modelo de competências, como veremos adiante. Trata-se da relação entre qualificação do posto de trabalho ou do trabalhador. A qualificação no modelo fordista/taylorista segue o modelo job/skills definido a partir da posição a ser ocupada no processo de trabalho e previamente estabelecida nas normas organizacionais da empresa, de acordo com a lógica do modelo taylorista/fordista de organização do trabalho. Na óptica desse modelo, a qualificação é concebida como sendo “adstrita” ao posto de trabalho e não como um conjunto de atributos inerentes ao trabalhador. Como podemos perceber, como o trabalhador iria trabalhar numa única função, havia a possibilidade da relação direta entre posto e qualificação. Nesse caso, os saberes teóricos, formalizados eram os mais valorizados.

Na fábrica toyotista é diferente. Uma vez que o trabalhador terá que dar conta de várias tarefas, a qualificação não está mais centrada no posto de trabalho, mas sim no próprio indivíduo. O trabalhador terá que dispor de conhecimento e vontade suficientes para colocá-los em prática toda vez que o processo produtivo o faz. Como as tarefas que terá que executar não são sempre as mesmas, troca-se definitivamente um modelo de qualificação baseado no posto de trabalho por um modelo em que o indivíduo tem que ter um repertório de competências e habilidades para conseguir enfrentar os problemas em seu cotidiano, tendo a

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capacidade de mobilizar saberes para dominar situações concretas de trabalho e transpor experiências adquiridas de uma situação concreta à outra. A qualificação de um indivíduo é uma capacidade de resolver rápido e bem os problemas concretos mais ou menos complexos que surgem no exercício de sua atividade profissional. O exercício dessa capacidade implicaria a mobilização de competências adquiridas ou construídas mediante aprendizagem, no decurso da vida, tanto em situações de trabalho ou fora deste.

Nova forma de conhecimento exigido pelo toyotismo

Outro elemento que parece ficar claro neste momento de desenvolvimento do capitalismo é que, dos trabalhadores e também das pessoas em geral, não se exige mais conhecimentos aprofundados sobre os princípios científicos que regem o ordenamento e o funcionamento das máquinas, quando falamos do mundo produtivo e das máquinas, aparelhos e utensílios em geral que estão presentes no dia a dia das pessoas. Conforme diz Hobsbawm (1999), uma das características que marcam o mundo atual é a total falta de conhecimento mais específico por parte das pessoas acerca de instrumentos utilizados cada vez mais em seu cotidiano.

Com a microeletrônica, é possível programar todos os movimentos que o trabalhador fazia junto à máquina e era, portanto, por ele colocado na execução do produto, e incorporá-los à máquina. Dessa forma, a máquina deixa de prescindir do trabalho humano direto, podendo produzir o bem final sem a intervenção direta do trabalhador. Além de incorporar a habilidade do trabalhador a uma máquina, a microeletrônica permite que o capitalista também programe as máquinas com todos os últimos avanços da ciência ao processo produtivo.

Dessa maneira, temos duas consequências imediatas sobre a vida moderna. No campo da vida cotidiana, as pessoas não necessitam mais do conhecimento de como funcionam as coisas, mesmo aquelas que mais utilizam no dia a dia, uma vez que a microeletrônica permite a confecção de mecanismos que controlam o funcionamento de quase todos os aparelhos de que a vida cotidiana hoje utiliza. No campo do trabalho, o trabalhador fica destituído da necessidade de conhecer os princípios científicos para a execução de suas tarefas na fábrica.

Com a microeletrônica, pode-se programar o funcionamento da máquina, incorporando conhecimentos científicos, sem que o operador da mesma nem saiba que exista esse tipo de conhecimento. Nesse sentido, como já visto antes, o traba-lhador que já vem perdendo a cada novo avanço tecnológico o seu saber de ofício, também se vê modificando cada vez mais o saber instrumental que o processo produtivo necessitava.

Assim, o mundo atual nos parece indicar hoje a necessidade de uma outra relação com o conhecimento, no sentido de um conhecimento mais prático, mais útil e mais pragmático. O impacto da globalização, uma vez que as formas de produzir são basicamente as mesmas em praticamente todo o mundo, associada

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O toyotismo: qualificação ou competência?

à revolução tecnológica, impõe um novo padrão de conhecimento: menos discursivo, mais operativo; menos particularizado, mais interativo, comunicativo; menos intelectivo, mais pragmático; menos setorizado, mais global; não apenas fortemente cognitivo, mas também valorativo.

Assim, não haveria necessidade de acumular muitos conhecimentos, porque estes podem ser buscados a qualquer momento, graças aos novos recursos tecno-lógicos. É requerido, no entanto, que se saiba como buscá-los corretamente como informação que, para ser acessada, necessita ser permanentemente produzida.

Como podemos perceber, a vida moderna, se não necessita tanto de conhe- cimentos científicos de ponta, requer dos indivíduos mais capacidade de procurar e saber usar o conhecimento do que propriamente possuí-lo. Nesse sentido, é valorizado no mundo moderno o conhecimento para ação, pragmático, para o encaminhamento ou resolução de algum problema.

No mundo do trabalho, isso não é muito diferente, no momento em que, a nosso ver, o tipo de conhecimento que o toyotismo hoje requer dos trabalhadores não é mais aquele requerido em épocas pretéritas. Esse saber refere-se muito mais a um saber comportamental e atitudinal. Comportamental no sentido de que o trabalhador tem que estar trabalhando em equipe, cooperando com seus pares no processo produtivo de maneira a conseguir passar ao capital seus saberes, tácitos ou mesmo científicos. Atitudinal no sentido de que esse trabalhador tem também que ter iniciativa para tomar atitudes, decisões, toda vez que visualizar a possibi-lidade da ocorrência de um problema. Requer-se no trabalho uma cultura colabo-rativa ampla, caracterizada por:

colaboração entre trabalhadores, grupos e equipes de trabalho e entre trabalhadores de produção e dos setores de supervisão e comando;

a codeterminação e participação ativa;

práticas interdepartamentais e interprofissionais colaborativas.

Assim, a forma de produzir atualmente exige do trabalhador cada vez mais conhecimentos de como se comportar no mundo do trabalho, saber para poder se comunicar e entender as várias linguagens. Nesse sentido, a indicação é que o real conhecimento que o mundo do trabalho hoje exige dos trabalhadores é um conhecimento mais instrumental, pragmático, condicionado para o fazer. Assim, só interessa ao trabalhador o conhecimento que pode ser utilizado em seu cotidiano.

Desse modo, um conhecimento mais instrumental e voltado para a ação, parece ser o paradigma de conhecimento atualmente, que inclusive serve bem ao mundo da produção em sua fase toyotista. Por ser instrumental, sempre referido a uma atividade útil, prática e imediata, uma última faceta do novo tipo de conhecimento hoje exigido do trabalhador deve ser também mencionado: sua generalidade. Isto é, atualmente, os processos produtivos valorizam mais o conhecimento básico que o aprofundado, específico. Com os processos produtivos alterando-se com mais frequência e ainda os trabalhadores tendo que trabalhar em multitarefas, não é mais exigido dos trabalhadores um conhecimento mais específico, com estes na realidade tendo que dominar os conhecimentos mais

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amplos e gerais, que permitam entenderem os princípios básicos do funcionamento das máquinas e dos processos produtivos, mas não em profundidade. Parece que as qualificações-chave são de natureza geral e abstrata, as únicas capazes de compensar a desespecialização e de fazer ao desequilíbrio estrutural do mercado. As qualificações-chave são aquelas que permitem ao indivíduo bem pensar, usar o raciocínio para captar a especificidade das situações e dos problemas e encontrar soluções adequadas (PAIVA, 1995, p. 84).

Isso levará a um novo paradigma de qualificação da mão de obra, que agora será chamado de competências, deixando de lado a noção específica de qualificação.

Da qualificação à competênciaNa forma atual de produção que parece estar se consolidando no capitalismo

atual, há a necessidade de um tipo qualitativamente diferente de trabalhador e de homem do ponto de vista de sua qualificação. A essa qualificação, chamaremos de competência. Esse novo tipo de qualificação trará consequências para a educação, fenômeno este que veremos adiante.

De acordo com autores como Ramos (2001), Manfredi, (1998), Desaulniers (1997), Paiva (1995), Ropé e Tanguy (2002), as mudanças estruturais no capitalismo de final de século, que trazem a necessidade de um novo tipo de conhecimento, como foi descrito, são as causas da efetividade do modelo de competências para o trabalho.

Em termos gerais, pode-se dizer que competência é a capacidade que o trabalhador tem em, a partir do entendimento do processo produtivo, poder nele intervir, no sentido de evitar que problemas ocorram e/ou captar nuances que podem melhorá-lo. A capacidade de mobilizar saberes para dominar situações concretas de trabalho e transpor experiências adquiridas de uma situação concreta à outra. A qualificação de um indivíduo é sua capacidade de resolver rápido e bem os problemas concretos mais ou menos complexos que surgem no exercício de sua atividade profissional.

Como se trabalha cada vez mais com instrumentos e máquinas sofisticadas e em equipes dentro de uma célula, os trabalhadores têm que possuir, além da capacidade de entender do ponto de vista da ciência, os princípios e funcionamento do processo produtivo, a capacidade de captar as suas variações e interações com o humano, formando o que alguns autores denominam de competências cognitivas complexas. Assim, verificamos que a noção de competência acaba necessitando tanto de conhecimentos mais formais, necessários por parte do trabalhador ao acompanhamento do processo produtivo, com este acompanhando o funcionamento das máquinas, quanto os conhecimentos tácitos. Estes constituem-se tanto nos conhecimentos adquiridos quando da operação direta dessas máquinas, conhecimentos esses que não são formalizáveis, quanto da capacidade de elevada abstração para poder entender as nuances do processo de trabalho e melhor aproveitamento do trabalho em equipe, exigido na célula de produção.

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Assim, exige-se do trabalhador posse de escolaridade básica, de capacidade de adaptação a novas situações, de compreensão global de um conjunto de tarefas e das funções conexas, o que demanda capacidade de abstração e de seleção, trato e interpretação de informações. Como os equipamentos são frágeis e caros e como se advoga a chamada administração participativa, são requeridas também a atenção e a responsabilidade. Haveria, também, um certo estímulo à atitude de abertura para novas aprendizagens e criatividade para o enfrentamento de imprevistos. As formas de trabalho em equipe exigiriam a capacidade de comunicação global.

Entretanto, uma boa parte do que os autores chamam de competência deve--se aos conhecimentos tácitos. Esses são adquiridos no mundo do trabalho, não parecem ser adquiridos de outra forma senão no local de trabalho. Por isso, sua racionalidade e mesmo conteúdo são ditados pelas condições de produção.

Dessa forma, as competências parecem ter a ideia de adaptar o indivíduo à sociedade capitalista. As dimensões e os atributos apresentados ajustam-se perfeitamente aos princípios da racionalidade técnica capitalista, nos marcos das matrizes de orientação sistêmico-funcionais, o que permite afirmar que a noção de competência que vem sendo explicitada nos discursos dos empresários, técnicos e cientistas sociais empresta seu significado das áreas das ciências da cognição e da educação que adotam como parâmetros teórico-explicativos modelos que não se opõem às premissas e à lógica de organização do capitalismo.

Isso ocorre porque historicamente, de acordo com Ramos (2002; 2001), a qualificação tem pelo menos três dimensões: uma conceitual, uma social e uma experimental. Segundo a autora, a primeira define-a como função do registro de conceitos teóricos e formalizados, associando-a aos títulos e diplomas. A segunda coloca a qualificação no âmbito das relações sociais que se estabelecem entre conteúdos das atividades e classificações hierárquicas, bem como ao conjunto de regras e direitos relativos ao exercício profissional construído coletivamente. Por último, a dimensão experimental está relacionada ao conteúdo real do trabalho, em que se inscrevem não somente os conceitos, mas ao conjunto de saberes postos em jogo quando da realização do trabalho.

Ainda segundo Ramos, estaria havendo o tensionamento da qualificação pela noção de competência em razão do enfraquecimento das duas primeiras dimensões e fortalecimento da última, fortalecimento esse advindo das mudanças na forma de produzir que se coloca atualmente nessa etapa da acumulação capitalista.

A ideia de que a qualificação por competências tem por objetivo a adaptação do indivíduo ao mundo do trabalho, pode ser verificada por dois motivos. Em primeiro lugar, deve-se destacar a alteração do locus da qualificação, que deixa de ser pensada para o posto de trabalho e é pensada para o indivíduo. Nesse sentido, é o trabalhador que tem que procurar qualificar-se na busca do encontro de um lugar nos processos produtivos. É nesses termos que se busca como um dos objetivos centrais da qualificação por competências a necessidade do indivíduo estar constantemente se adaptando aos novos sistemas e formas de vida e de produção. Dessa maneira, há uma justificação da heterogeneidade das condições de vida e trabalho, com a busca por parte do indivíduo do que se chama de empregabilidade.

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Outro motivo é que a competência tem também uma relação estreita com o conhecimento útil. Como vimos, embora haja na sociedade moderna e nos processos produtivos, berço do modelo de competências, a valorização de conhecimentos básicos do ponto de vista dos princípios científicos que regem os processos produtivos, salta aos olhos a valorização do conhecimento útil. Assim, só é valorizado aquele conhecimento que pode resolver alguma coisa. Como podemos observar, isso é perfeitamente compatível com o modelo de produção vigente no toyotismo, onde na realidade, como também já vimos, o trabalhador se ocupa em evitar que ocorram e, quando ocorrem, se ocupa em resolvê-los da melhor maneira possível.

Assim, fica evidente a relação entre o modelo de qualificação pela compe-tência e o conhecimento útil. Dessa forma, fica mais clara a importância que se dá na atualidade ao conhecimento útil: os processos produtivos necessitam hoje dele, sendo indispensável para o trabalhador que vai se inserir no mundo do trabalho.

Pelo que vimos, o modelo de competências advém das necessidades do mundo produtivo. Como os modelos educacionais na atualidade estão buscando pautar-se pelas competências, novamente verificamos o mundo da produção, da maneira de produzir os bens materiais influenciando a educação. Além do modelo de competências, as demais influências do mundo da produção sobre a educação, principalmente no Brasil, serão discutidas nos próximos capítulos. Antes, porém, verificaremos quais são as recomendações das agências de cooperação internacional (BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, BIRD – Banco Mundial e Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe).

1. Por que a forma de produção atual parece exigir mais competências e menos qualificação por parte dos trabalhadores?

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O toyotismo: qualificação ou competência?

2. Como você vê a questão da qualificação do trabalhador atualmente: este necessita de mais ou menos qualificação? Discuta a partir do texto lido e dê exemplos que você conhece.

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As recomendações das agências financeiras multilaterais (BID e Bird) para a educação

D ada a crise e a reestruturação por que vem passando o capitalismo, o sistema econômico nos últimos anos, como vimos pelo menos desde a década de 1970, vem tomando, na atualidade, uma nova forma de pensar a gestão dessa reestruturação.

Uma forma de conseguir essa reestruturação, com base no que desejam as grandes empresas no mundo, é propor alterações no mundo educativo que faça as pessoas irem se acostumando a essa mudança. Nesse sentido, existem autores, como Salm (1980), que dizem inclusive ter a escola perdido todo seu sentido, enquanto formadora do pesquisador, do homem que compreende o mundo, passando a ter a função apenas enquanto formadora do cidadão, mas do cidadão que se adapta ao mundo.

Mesmo não concordando inteiramente com o autor, parece-nos claro que as agências multilaterais de desenvolvimento estão cada vez mais tendo forte influência sobre as políticas adotadas pelos países, especialmente nos não desenvolvidos, inclusive no setor educacional. Assim, nos parece estar claro que as condições econômicas passam a ter uma determinante influência sobre a organização do mundo educativo. Neste capítulo, pretendemos descrever quais as principais recomendações das agências multilaterais de desenvolvimento, bem como fazer uma análise destas, demonstrando sua estreita vinculação com o mundo produtivo.

O que são “agências multilaterais de desenvolvimento”

Primeiramente, é bom esclarecer o que são “agências multilaterais de desenvolvimento”. No mundo ocidental, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, os países capitalistas vencedores (EUA e Inglaterra, principalmente) precisavam reorganizar as economias dos países perdedores, haja vista que importantes nações do globo, com capacidade de consumo estavam arrasadas (Europa e Japão).

Nessas condições, e na tentativa de controlar os fluxos financeiros internacionais, essas nações propuseram e conseguiram criar o FMI (Fundo Monetário Internacional). Para controlar as condições de investimentos nos países, foi criado o Bird (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento), mais conhecido como Banco Mundial. Para controlar e permitir a discussão dos problemas das nações, foi criada a ONU (Organização das Nações Unidas). Para controlar as

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As recomendações das agências financeiras multilaterais (BID e Bird) para a educação

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condições do comércio mundial, foi criado o Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – General Agreement for Tarifs and Trade), que em 1993, após a Rodada Uruguai1 do Gatt, tornou-se OMC (Organização Mundial do Comércio).

Na América Latina, mais perto da realidade brasileira, e espelhando a prevalência das teorias que propunham a intervenção mais sólida do Estado na economia, foi criado o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).

Essas organizações são chamadas de multilaterais por terem como seus sócios vários países. Por exemplo, o Brasil é sócio do Bird, do BID e da OMC. Isso quer dizer que vários países são seus sócios, podendo influenciar em suas decisões, desde que tenham condições de colocar recursos e controlar parte importante do capital votante dessas organizações. Por isso, na realidade quem controla hoje essas organizações são os países ricos.

Já o termo de desenvolvimento é mais ambíguo. Isso se deve ao fato de o próprio termo desenvolvimento permitir várias interpretações. Assim, quando falamos em desenvolvimento, não devemos esquecer que é o pensado pelos países ricos, e, quando estes recomendam políticas, devemos verificar até que ponto é efetivamente interessante para os países em desenvolvimento adotar essas políticas. Como exemplo, podemos citar as exigências de combate à inflação via elevação de taxas de juros no Brasil. Para os países do Primeiro Mundo isso é interessante, pois garante estabilidade econômica e o pagamento de nossa dívida junto a esses países.

As políticas propostas pelas agências para a educação

Já é pública e notória a influência das agências de fomento, como o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sobre a educação brasileira. Talvez não seja tão conhecida a influência da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), mas, como veremos, suas recomendações estão sendo adotadas pelas políticas educacionais no Brasil.

A constatação que se pode fazer das recomendações dessas instituições para a educação é sua subsunção aos interesses do capital, no sentido de dotá-las da racionalidade gerencial privada e da organização do trabalho, do currículo e do próprio conhecimento escolar com base nas demandas do mundo do trabalho. Essa lógica vem da ideia de adequar as economias dos países do Terceiro Mundo, ou periféricos, aos padrões de desenvolvimento dos países centrais. Para isso, segundo essas agências, é necessário compor a formação da mão de obra e os próprios cidadãos para que estes se insiram em processos produtivos de maneira a aproveitar suas “vantagens comparativas” (riquezas naturais e culturais) e conseguir desenvolver suas economias.

Uma das maneiras de se conseguir isso é apostar numa educação que insira os padrões de flexibilidade e de gerência de negócios e vida desde o início do processo

1Rodada de negociações é um período de reuniões

em que os países sentam para discutir temas da agenda de comércio. A Rodada Uruguai, iniciada em 1985 e concluída em 1993, teve esse nome por-que foi realizada no Uruguai. Marcou o início da discussão sobre o reconhecimento dos países do Terceiro Mundo so-bre os direitos de patentes de países do Primeiro Mundo e a redução de subsídios à produ-ção agrícola.

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As recomendações das agências financeiras multilaterais (BID e Bird) para a educação

de escolaridade; se possível, a formação dos indivíduos deve ocorrer ao longo do tempo, e de preferência em serviço. Assim, verifica-se economistas como formu-ladores das recomendações das agências para a educação nesses países. Por isso, a visão que surge nos parece ser bem economicista. De acordo com Altmann, “o Bird defende explicitamente a vinculação entre educação e produtividade, a partir de um visão economicista” (2002, p. 6). Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), para que os países da América Latina se tornem competitivos no mercado Internacional, é necessário que disponham de talentos para difundir o progresso técnico e incorporá-lo ao sistema produtivo. É impres-cindível a aprendizagem mediante a prática, o uso de sistemas complexos e a interação entre produtores e consumidores. Assim, o conhecimento a ser ensinado nas escolas é definida a partir de sua operacionalidade.

Desse modo, fica explícito, dentro da estratégia do Banco Mundial e da Cepal, a necessidade de formação do indivíduo que atenda às necessidades do mundo produtivo. Concordando com a autora, parece que o tipo de saber, que estes valorizam é o saber instrumental, operacional, pragmático, ditado pelas exigências imediatas. Dá-nos a impressão, também, que esse interesse imediato tem muito mais a ver com o mundo produtivo que qualquer outra coisa. Dessa constatação surge outra recomendação importante do Banco Mundial, para a educação, que é o treinamento dos professores.

As recomendações do BirdAs recomendações do Bird nos parecem bem claras no sentido de uma educação

voltada para o mercado, prova de que a economia influencia diretamente a educação.

Para o Bird – Banco Mundial, o pacote de medidas e reformas educativas contêm, entre outros:

Prioridade depositada sobre a educação básica, importante pois, como vimos, a forma de produzir no capitalismo contemporâneo necessita muito mais da capacidade de conhecimentos gerais, não específicos.

Melhoria da qualidade (e da eficácia) da educação como eixo da reforma educativa. A qualidade localiza-se nos resultados e esses se verificam no rendimento escolar. Os fatores determinantes de um aprendizado efetivo são, portanto: bibliotecas, tempo de instrução, tarefas de casa, livros didáticos, conhecimentos e experiência do professor, laboratórios, salário do professor e tamanho da classe. Levando-se em conta os custos dos processos, o banco recomenda investir prioritariamente no tempo de instrução, na oferta de livros didáticos e no melhoramento do conhecimento dos professores, mas pelo treinamento em serviço, não pela formação inicial. Nesse ponto, verificamos a visão economicista do Banco, pautando suas prioridades pelo custo. Além disso, a preferência por formação em serviço demonstra também a vinculação entre as propostas do mesmo e o mundo do trabalho, que como vimos, dá maior importância agora ao treinamento e não mais tanto à formação inicial dos trabalhadores.

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Prioridade sobre aspectos financeiros e administrativos da reforma edu-cativa, entre os quais a importância à descentralização.

Descentralização e instituições escolares autônomas e responsáveis por seus resultados, com os governos devendo manter centralizadas apenas quatro funções: fixar padrões; facilitar insumos que influenciam o rendimento escolar; adotar estratégias flexíveis para a aquisição de insumos; monitorar o desempenho escolar.

Convocação para uma maior participação dos pais e da comunidade escolar nos assuntos escolares.

Impulso para o setor privado e organismos não governamentais como agentes ativos no terreno educativo, tanto em decisões quanto em imple-mentação.

Mobilização e alocação eficaz de recursos adicionais para a educação como temas principais do diálogo e da negociação dos governos.

Definição de políticas e estratégias baseadas na análise econômica.

Assim, verificamos dentro das propostas do Banco Mundial uma relação estreita com o mundo do trabalho, principalmente quando se fala em descentralização, ênfase em treinamento e na educação básica, entre outros. Além disso, há um componente que é o elevado economicismo das propostas, como a ênfase dos custos e a definição de políticas baseadas em análises econômicas. De acordo com Miranda (1997, p. 40), “o Banco Mundial faz defesa explícita da vinculação entre educação e produtividade, numa visão claramente economicista”. Além disso, este vê o investimento em educação como a melhor maneira de aumentar os recursos dos pobres.

Assim, o banco pretende fazer uma revolução nas condições de vida dos mais carentes, aumentando suas capacidades de participar da vida produtiva. Na realidade, como as propostas do banco para as economias dos países pobres são também de se adaptarem à economia globalizada, a esses países resta a adaptação à flexibilidade da força de trabalho hoje exigida pelo capital. Agindo assim, o banco diz que estará permitindo à economia enquadrar-se nos grandes fluxos de capital, o que trará progresso para o país e oportunidades de inclusão para as pessoas.

As recomendações da CepalPor outro lado, a Cepal lançou, em 1990, uma proposta para o setor educacional

chamado Transformación productiva con equidad, que, afirmava que após os anos 1980, uma década de desenvolvimento perdido e de aprendizagem dolorosa, os anos 1990, exigiriam o enfrentamento de desafios extraordinários, como fortalecer a democracia e, ao mesmo tempo, ajustar as economias, estabilizando-as e incorporando-as a uma mudança tecnológica mundial intensificada, ao novo paradigma de desenvolvimento e ao novo reordenamento mundial.

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As recomendações das agências financeiras multilaterais (BID e Bird) para a educação

Como podemos perceber, a intenção da Cepal é a integração das economias latino-americanas, entre elas a brasileira, nos circuitos da mundialização do capital. Para isso, seria preciso uma nova mudança tecnológica. Portanto, a instituição sugere que indivíduo, setores e países devam se tornar competitivos, ou seja, devem adequar-se às exigências do mercado. A competitividade autêntica, segundo o documento, deve diferenciar-se da competitividade perversa, que se baseia na exploração de trabalho com um valor muito pequeno, deve ser substituída pela competitividade autêntica, aquela baseada nos investimentos em capital humano.

Em 1992, a Cepal publica o documento Educación y conocimiento: eje de la transformación productiva con equidad, onde o eixo da vinculação entre formação de recursos humanos e educação permaneceu ainda como o eixo central. Seu objetivo foi esboçar linhas de ação para as políticas e instituições que favorecessem as relações sistêmicas entre educação, conhecimento e desenvolvimento, nas perspectivas da noção de complementaridade entre transformação produtiva e equidade proposta. A estratégia proposta se articula em torno de objetivos (cidadania e competitividade), de critérios norteadores (equidade e desempenho) e delineamento de reforma institucional (integração nacional e descentralização).

A principal ideia-força do referido trabalho é da necessidade de reformas educacionais, simultaneamente, os objetivos de formar para a cidadania e também para a competitividade internacional dos países. As políticas que se propusessem a favorecer a consecução dos objetivos defendidos, deveriam se orientar a partir de critérios de equidade e desempenho. A estratégia proposta para isso é a descentralização do sistema educacional, associada à criação de instâncias de coordenação e avaliação do sistema.

Além dessas, as principais ideias são:

escola flexível e avaliação para o controle de todo o sistema;

descentralização, a autonomia das escolas e a criação de sistemas de avaliação;

formação de professores por meio de cursos rápidos, de preferência junto aos locais de trabalho;

avaliação de desempenho e bonificação por produtividade;

formação de diretores de escolas a partir da noção de que estes seriam gestores;

parcerias com a iniciativa privada no que diz respeito ao financiamento da educação;

a formação dos indivíduos pelos moldes das competências e habilidades;

educação para o trabalho, no sentido de que deve-se formar o aluno com base nos conhecimentos exigidos pelo mundo do trabalho;

flexibilidade de gerência de recursos humanos;

aproximação entre a universidade e a empresa;

criação de educação pós-secundária;

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atenção à educação básica, pré-escolar e a adoção de uma política de livro didático, entre outras.

A Cepal, em seu afã de buscar a inserção do indivíduo no mundo produtivo, coloca como uma das características desejáveis para os modelos educacionais o modelo de conhecimento baseado no cotidiano e na prática, tão importante para a inserção produtiva, como foi visto. Faz isso quando propõe um ensino de ciências pautado na resolução de problemas e a aplicação prática.

As propostas do BID As recomendações do BID para a educação não deixam dúvidas quanto à

necessidade, propostas por esse banco, para o mundo do trabalho, quando reco-menda o trabalho visando um conhecimento prático, pautado no cotidiano e que leva à necessidade da educação por competências.

Este propõe claramente um processo de integração curricular para o ensino médio, o que resulta na exigência de uma educação mais geral, baseada em habi-lidades básicas, nas competências e na contextualização.

Em primeiro lugar, o BID parece estar de acordo com a análise, já feita também pelo Bird, de que há a necessidade da reestruturação do ensino médio, e é apresentado como dual (ou vocacional de um lado, que prepara para o mercado de trabalho, e/ou acadêmico, que prepara os alunos para o ingresso no vestibular). Para o banco, tal estrutura é atrasada e ineficiente.

Pelos documentos do banco, entretanto, este não recomenda a solução dos problemas do ensino médio com a adoção de um ou outro dos dois modelos (academicista e vocacional). Como possível solução para esse impasse, defende- -se, em todos os documentos analisados, a implantação de um currículo acadêmico mais geral, que seja baseado no desenvolvimento de habilidades básicas (basic skills) e de competências. As habilidades a serem desenvolvidas são, por exemplo, a capacidade de comunicar-se efetivamente, habilidades de leitura, conhecimentos matemáticos e conhecimento científico. As competências são compreendidas como a incorporação dessas habilidades na solução de problemas. Esses princípios visam à formação de um indivíduo que, além de estar preparado para entrar no mercado de trabalho, tenha consciência de seu papel na sociedade.

Em relação ao que deve ser ensinado, o banco recomenda a capacidade para a cooperação na solução de problemas e no trabalho em equipe; responsabilidade cívica em uma sociedade democrática; criatividade e inovação; um entendimento do papel da tecnologia na sociedade; conscientização sobre o meio ambiente; e conhecimento de línguas estrangeiras.

Finalmente, o BID recomenda o ensino pela contextualização e pelo conhe-cimento cotidiano. Estes, segundo o órgão, permitirão às pessoas integrarem-se no mundo, seja o cotidiano ou produtivo, de forma mais autônoma.

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As recomendações das agências financeiras multilaterais (BID e Bird) para a educação

Para concluir: os interesses e o modelo de escola definido pela economia

As recomendações dessas agências para a educação deixam clara a relação entre educação e economia. Num mundo em que há a necessidade de formação da mão de obra para o trabalho na fábrica flexível, nada melhor que uma educação flexível, como recomendam esses órgãos.

Para nós, parece claro que essas recomendações estão de acordo com as exigências de trabalho nas indústrias reestruturadas, se possível na célula de produção. Segundo Pereira e Lopes (2002, p. 3):

Na realidade, os crescentes mercados flexíveis de trabalho da nova economia global, um conhecimento geral de matemática, ciências, computadores e linguagem, que prepara graduados para aprender uma variedade de habilidades profissionais específicas, parece estar se tornando mais valioso.

Dessa maneira, percebe-se a relação entre as recomendações das agências e as exigências do mundo do trabalho. Quando se fala em “capacidade para a cooperação na solução de problemas e no trabalho em equipe” e de “criatividade e inovação”, vêm à mente as células de produção, na qual essas habilidades são imprescindíveis.

Além disso, quando se fala de um “conhecimento geral de matemática, ciências, computadores e linguagem” vem à mente um conhecimento voltado para a prática, para resolver os problemas que podem aparecer no cotidiano, tanto na vida quanto no mundo da produção. Quando se fala em “preparar graduados para aprender uma variedade de habilidades profissionais específicas” fica evidente a necessidade que essas agências veem em formar mão de obra que se adapte com facilidade às mudanças que se apresentam no trabalho ou na vida.

Finalmente, como o processo produtivo trabalha na crescente redução da quantidade de trabalho que este necessita para funcionar, dada a incorporação da microeletrônica às máquinas e equipamentos, fica difícil para a economia criar postos de trabalho para todos. Assim, há no mundo atual, e no Brasil em particular, uma crescente precarização do trabalho, significando cada vez mais trabalhadores sujeitos a ocupações temporárias, sem carteira assinada e sem garantia de emprego e renda. Assim, nada mais natural que sugerir uma educação que adapte as pessoas a essas condições.

Para isso, sugere-se mudanças no conhecimento escolar, destacando a defesa de um ensino-aprendizagem contextualizado. Isso significa desenvolver as habilidades e o conhecimento acadêmico por meio da utilização de questões e de temas – apresentados de formas variadas – que sejam relevantes para a vida dos alunos e para a sua experiência profissional, entre os quais podemos citar: trabalho, esporte, cultura etc.

Como veremos ainda, dada a situação de quase insolvência2 e falência do Estado brasileiro, as recomendações das agências para a educação estão sendo concretizadas pelas autoridades. É a continuidade do processo de determinação econômica sobre a educação. 2 Incapacidade de pagar suas

obrigações, suas dívidas.

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As recomendações das agências financeiras multilaterais (BID e Bird) para a educação

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1. Por que as agências multilaterais de desenvolvimento parecem exigir cada vez mais uma educação voltada para o mercado de trabalho?

2. Você já viu alguma das propostas das agências multilaterais de desenvolvimento sendo imple-mentada em alguma escola? Qual ou quais?

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A situação fiscal do Estado brasileiro, a reestruturação produtiva e a educação

S ituação fiscal de uma nação ou de um governo é a sua situação do ponto de vista de suas receitas e despesas, de empréstimos que têm a receber ou a pagar. Portanto, discutir a situação fiscal do Estado brasileiro significa discutir suas condições financeiras e de financiamento.

A discussão desse tema num curso de Fundamentos Econômicos da Educação tem por objetivo verificar, dadas as relações do Estado e governo brasileiros com as agências multilaterais de desen-volvimento, as condições que o país efetivamente tem de discutir autonomamente políticas com estes, ou simplesmente implementá-las.

Infelizmente, como percebemos na atualidade, o Estado brasileiro não vem apresentando condições financeiras apropriadas para uma discussão do que deve fazer em termos de políticas internas, nas mais variadas áreas.

Essas agências possuem recomendações de políticas definidas para a educação, e a situação fiscal do Brasil possui importante papel na definição dos resultados quando do relacionamento entre essas e o governo brasileiro. Isto é, o que o governo faz acaba sendo fruto das recomendações dessas agências.

Dessa maneira, verificaremos e analisaremos as condições de reestruturação da indústria brasileira, pois têm enorme influência sobre o que atualmente está ocorrendo com a educação.

A condição fiscal do Estado brasileiro No Brasil, nossa economia nunca conseguiu ser forte o suficiente para gerar os excedentes que

necessitava e necessita para financiar seu desenvolvimento. Nesse sentido, continua apresentando características de uma economia colonial. Por isso, continua atrelado ao capital externo para financiar seu crescimento. Assim, o Brasil sempre esteve e continua atrelado e vulnerável às condições de financiamento na economia internacional.

Com isso, passado o período de ouro do capitalismo mundial (1945/1973), cujos financiamentos permitiram o “milagre econômico brasileiro”, os juros de nossa dívida aumentaram consideravelmente, impedindo a continuidade do crescimento econômico. Assim, a década de 1980 ficou conhecida como a “década perdida”, uma vez que o país, pela primeira vez depois do Pós-Segunda Guerra Mundial, conhecia um período de estagnação e recessão econômica.

Nos anos 1960 e até o início dos anos 1970 as facilidades de crédito para o financiamento da industrialização, advinda do excesso de crédito externo, permitiram uma razoável industrialização do país. Entretanto, a partir principalmente do primeiro choque do petróleo, em 1973, as dificuldades para o financiamento do desenvolvimento por meio dessa via foram se deteriorando, aumentando a dívida fiscal do Estado e comprometendo a capacidade deste em investir e fazer política. A crise

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A situação fiscal do Estado brasileiro, a reestruturação produtiva e a educação

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pela qual o país passou nos anos 1980 não deixou de ser também um reflexo das dificuldades que o Estado encontrava em saldar suas obrigações com credores internacionais. Assim, é nesse período que o país se socorre pela primeira vez de empréstimos de fundos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e decreta a moratória de sua dívida externa.

Segundo Arrighi (1996), o capitalismo está no final do seu quarto longo ciclo de acumulação, período esse caracterizado pelo maior retorno em termos de lucro por parte da intermediação financeira quando comparado às atividades produtivas em geral. Dessa maneira, acumulado o capital em atividades produtivas sobre a forma de organizar a produção da riqueza sob a hegemonia norte-americana, o capitalismo atual ainda não encontrou, sempre de acordo com Arrighi (1996), outra forma de organizar a produção que dê tanto lucro quanto a intermediação financeira. Assim, o enorme volume de capitais acumulados quando do período de expansão das atividades produtivas hoje são carreados para os empréstimos.

Com isso, a partir do final da década de 1980 e início da década de 1990, as autoridades brasileiras percebem que podem voltar ao circuito de capitais internacionais, não sem antes reescalonar o pagamento de sua dívida externa e atender aos ditames do bom comportamento para um devedor, delineados pelas instituições financeiras internacionais, principalmente do FMI. No limite, isso significará para o país nova oportunidade de trocar crescimento por endividamento.

Assim, a possibilidade de reescalonamento não veio de graça, uma vez que a tentativa dos governos dos países do Primeiro Mundo, principalmente do governo dos Estados Unidos, era o de junto a isso incentivar ainda mais a produção e as exportações das empresas desses países ao resto do mundo. Dessa maneira, intensificou-se nos anos 1990 um processo de desnacionalização da indústria e de reestruturação produtiva, cujos mecanismos e impactos veremos adiante.

Em relação ao Estado brasileiro, a volta ao circuito internacional do capital significou um endividamento crescente e recorrente, que é a principal amarra do governo às condicionalidades de adoção de políticas por parte das autoridades. A dívida interna federal saiu de pouco mais de R$61,7 bilhões em 1994 para atingir R$644,4 bilhões no final de 2002. Esse aumento atingiu também os estados e municípios, fazendo com que a dívida líquida do poder público no Brasil (União, estados e municípios) chegasse a R$881,1 bilhão em dezembro de 2002, de acordo com a revista Conjuntura Econômica-FGV, edição de julho/2003.

Em termos globais, em 2002, o total das receitas da União chegou a R$330,82 bilhões, contra despesas que chegaram a R$338 bilhões, o que significava um déficit de mais de R$7,1 bilhões. Essa receita foi quase dez vezes superior à de 1994, mas naquele ano a diferença entre receita e despesa foi positiva em quase R$1,4 bilhão.

Para percebermos como está a capacidade de investimento do Estado brasileiro, basta verificar que apenas o gasto com os encargos da dívida pública mobiliária federal passou entre 1994 e 2002 de R$3,3 bilhões para mais de R$27 bilhões/ano. Com isso, percebemos que o Estado tem visto sua capacidade de investimento ser cada vez mais reduzida.

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A situação fiscal do Estado brasileiro, a reestruturação produtiva e a educação

Além das amarras para o financiamento da infraestrutura da economia brasileira, o governo optou por uma forma de inserção na economia internacional que dificulta a viabilização de uma política mais consistente de apoio à atividade econômica dentro do país, recorrendo novamente a empréstimos externos. No final do ano passado, a dívida externa total do governo e empresas nacionais chegou a R$210,7 bilhões, 42% acima da dívida externa total no início do Plano Real, em 1994.

A inserção econômica pela via do endividamento externo também trouxe outras necessidades: de um lado, o aumento da taxa de juros interna, paga pela economia brasileira; de outro, as privatizações; ambas como mecanismo que funcionava como ímã ao capital estrangeiro, ou seja, como forma de garantir a entrada de capital no país.

No caso, as taxas de juros tiveram que crescer significativamente para garantir a entrada de reservas em moeda norte-americana no país. Os juros do CDI (Certificado de Depósito Interbancário), por exemplo, que expressam o custo do dinheiro para operações entre os agentes financeiros, que eram de pouco mais de 11% em 1996, chegaram a 23% em 2002 e atualmente estão acima dos 26%.

Quanto às privatizações, essa na realidade foi uma forma de manter a en-trada de capital no país via balanço de capitais. Na realidade, o governo tem que manter no caixa do Banco Central uma reserva considerável de dólares para po-der repatriar aos países de origem toda vez que seus donos o desejassem, e isso somente pode ser conseguido via comércio exterior. Mas como o país passou por um período de queda no saldo da balança comercial em função da valorização do real, que inibia as exportações e incentivava as importações, o governo teve que arrumar outra forma de garantir a entrada de capital no país e financiar seu desenvolvimento. Em 1997, o saldo da balança comercial chegou a ser deficitária em, aproximadamente, US$8,35 bilhões o que, junto com a balança de serviços também deficitários em US$25,86 bilhões, fez o Brasil necessitar da entrada lí-quida de US$30,79 bilhões, valor expresso pelo saldo negativo da balança de tran-sações correntes. A única forma que o governo tinha para garantir a entrada de capitais era por meio da conta de capitais, que naquele ano fechou com superávit de US$25,79 e fez o país fechar o seu saldo com o balanço de pagamentos em apenas US$7 bilhões.

Com a retomada da desvalorização do Real a partir do início de 1999, a balança comercial brasileira voltou a apresentar desempenho positivo, permitindo ao país ter um saldo também positivo na balança de pagamentos. De qualquer forma, as obrigações financeiras do Estado brasileiro e a política de manter o dólar barato via entrada de capitais pela aquisição de empresas nacionais forçou um processo de reestruturação da indústria brasileira nos anos 1990.

Como percebemos, a abertura do Brasil à economia internacional acabou sendo um imperativo para a tentativa de recomposição das condições para nosso crescimento econômico. Entretanto, isso significou um endividamento crescente do Estado brasileiro, que trouxe enormes dificuldades para que este consiga compor as políticas do lado interno da economia de acordo com sua vontade. Com isso, encontramos também no Brasil aquilo que Chossudovsky (1999, p. 37) chama de “controle dos países a partir das condicionalidades”. Ou seja, como o país não

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tem dinheiro suficiente para financiar seu desenvolvimento, e ainda necessita da entrada constante de recursos para manter uma reserva satisfatória de dólar em caixa para fazer o pagamento de seus compromissos no exterior, os países do Primeiro Mundo e as agências multilaterais de desenvolvimento são as principais formuladoras de políticas públicas nesses países. A coisa funciona mais ou menos assim: “colocamos dinheiro em seu país, mas para isso exigimos que façam isso e aquilo”.

Dessa forma, não é preciso que um projeto coloque muito dinheiro na educação comparativamente ao tamanho da economia nacional. Basta que o acerto de contas para, por exemplo, que o país feche acordos com o FMI, como o Brasil fez recentemente, preveja a abertura em alguns setores da economia e exija a adoção de algumas políticas, que as autoridades brasileiras se veem forçadas a fazer. Como veremos no próximo capítulo, é isso que está ocorrendo com a educação, em que as principais medidas vistas no Brasil nos últimos anos saem dessas agências.

A reestruturação produtiva no BrasilOutro elemento importante para entender o atual momento da educação

brasileira, em que alguns tipos de ações estão sendo adotadas, é entender como se dá o processo de reestruturação produtiva no país. Ou seja, como vimos anterior-mente, está havendo no mundo uma mudança na forma de produzir a riqueza, que a cada momento deixa de ser fordista para tornar-se toyotista. Por isso, precisamos verificar como isso está se dando no Brasil. Além disso, temos que lembrar que nosso país sempre foi demandador de tecnologia, tendo sempre que copiar essa tecnologia. Precisamos, portanto, também verificar como está essa situação no Brasil, para podermos averiguar qual a exigência dessa para a mão de obra e as consequências sobre o mercado de trabalho.

Com as mudanças na economia mundial e dadas condições de financiar seu desenvolvimento, como visto anteriormente, o Brasil está passando desde o início dos anos 1990 por um processo de reestruturação produtiva. Dada a heterogeneidade dos setores produtivos e as diferenças de tipo de inserção que cada setor da atividade econômica colocou como mecanismo para assegurar sua competitividade, não é fácil falar em termos de fatores que afetaram uniforme-mente amplos setores da vida econômica.

Para o que aqui nos interessa, faremos uma análise retrospectiva do que ocor-reu com as empresas no Brasil em relação ao uso de tecnologias físicas de produ-ção, imprescindível para verificarmos a real necessidade de uma mão de obra com alto nível de qualificação em termos de conhecimento científico, e à reestruturação produtiva em termos organizacionais, para entendermos as reais necessidades da indústria em termos de adoção das normas de trabalho dentro do novo paradigma que é o toyotismo.

Quando se fala em adoção de tecnologia pela economia brasileira, é importante lembrar que historicamente esta nunca pôde ser considerada como de alto padrão tecnológico. Segundo Abreu (1998, p. 38): “Uma questão que se

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A situação fiscal do Estado brasileiro, a reestruturação produtiva e a educação

levanta, tão logo se inicia uma análise sobre a reestruturação produtiva no Brasil, é o atraso tecnológico de grande parcela do parque industrial nacional, embora a indústria brasileira possa ser considerada a mais moderna da América Latina”. Nesse aspecto, concorda com as autoras Miranda, Resende e Anderson (1999), e Aurea e Galvão (1998).

O processo de abertura da economia brasileira, implementado principal-mente nos anos 1990, com o Plano Real em particular, quis alterar essa situação. De acordo com Miranda, o governo brasileiro tinha a ideia que até a década de 1980, a situação de baixo uso de tecnologia pela indústria brasileira era decorrên-cia de uma proteção exagerada em que esta trabalhava, propiciada principalmente pelas condições macroeconômicas ditadas pelo governo federal. A receita, dado o viés liberal dos governos dos anos 1990, era a abertura comercial, que traria o famoso “choque de competitividade” à indústria nacional. De acordo com o autor, era o pensamento das autoridades brasileiras que:

[...] a abertura comercial associada a um câmbio favorável às importações daria um choque de competitividade na estrutura industrial brasileira capaz de reverter a médio prazo as ineficiências herdadas do regime de substituição de importações; traria ganhos de eficiência alocativa, reduziria custos de produção e preços finais, modernizaria plantas pela redução do custo dos equipamentos importados, ajustaria o mix de produtos das firmas; diminuiria o grau de verticalização produtiva, especializando as empresas segundo suas vantagens competitivas; e aumentaria o volume das exportações, o que compensaria o impacto negativo inicial do aumento das importações sobre o balanço comercial, gerando por fim uma trajetória de crescimento sustentável. (MIRANDA, 2001, p. 10)

Infelizmente não foi bem isso o que ocorreu. Pelo contrário, verificou-se exatamente o inverso do que fora previsto pelas autoridades em muitos casos. De acordo com o mesmo autor e também com Haguenauer et al. (2001), na realidade o que se pode dizer em relação à indústria brasileira nos anos 1990, é que os esforços em termos de ganhos e produtividade foram mais concentrados e intensos naqueles setores onde o Brasil já era competitivo até a década de 1980: as commodities agrícolas e os produtos da extração mineral e/ou vegetal. Ainda segundo Haguenauer et al. (2001, p. 48): “[...] conclui-se que os setores mais competitivos antes da abertura comercial permaneceram sendo os mesmos ao longo da década de 1990, e geralmente estão ligados à disponibilidade de recursos naturais”. Já de acordo com Miranda (2001, p. 11), na realidade: “Acentuou-se, ao longo da década, a divergência dos níveis setoriais de produtividade, obtendo maiores ganhos aqueles setores cujas produtividades já eram elevadas antes da liberalização comercial”.

Em relação à tão esperada elevação e aumento do conteúdo tecnológico das exportações, os resultados da abertura foram também no mínimo pífios, uma vez que, de acordo com Miranda (2001, p. 11):

[...] o choque de competitividade tão anunciado não se concretizou nem em retomada significativa dos investimentos em novas plantas, nem em maior competitividade e diver-sificação do setor de comerciáveis. As exportações mantiveram-se concentradas em 25 produtos, em sua maioria básicos e semimanufaturados [...]

Como se pode perceber, se a abertura econômica dos anos 1990 alterou em algum aspecto a indústria brasileira, não foi no sentido de dotá-la de maior conteúdo tecnológico. Ainda de acordo com Miranda (2001), citando estudo da

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CNI/Cepal, entre 1995 e 1999, o montante total de investimentos na indústria no Brasil apresentou apenas 15% destinados aos setores de material de transporte e farmacêuticos, que segundo Resende e Anderson (1999), podem ser caracterizados como indústrias que requerem sofisticação tecnológica maior. Miranda (2001) cita também outro estudo do MICT (Ministério da Ciência e Tecnologia), que para praticamente o mesmo período, encontra que apenas 7,9% do total dos investimentos industriais no Brasil seriam destinados à indústria eletrônica, de telecomunicações e automação industrial. Para o futuro, deve continuar o processo de investimentos em setores de baixo conteúdo tecnológico pois, mais uma vez, de acordo com Miranda (2001), entre 2000 e 2004 as indústrias multinacionais estão investindo no país US$24,6 bilhões, dos quais, somente US$275 milhões, aproximadamente 10%, em capacidade instalada para a indústria de bens de capital.

Para verificarmos com mais exatidão o significado da abertura em termos de emprego de tecnologia no país, devemos verificar o que ocorreu nos anos 1990 com a indústria de bens de capital. Para isso nos valeremos de três estudos importantes produzidos nos últimos anos. Além do estudo de Miranda Abertura Comercial, Reestruturação Industrial e Exportações Brasileiras na década de 1990, utilizaremos também o estudo de Resende e Anderson Mudanças Estruturais na Indústria Brasileira de Bens de Capital e um terceiro, editado pela Unicamp Estudo da Competitividade de Cadeias Integradas no Brasil: impactos das zonas de livre comércio, o caso da cadeia bens de capital.

De acordo com esses estudos, esta é uma cadeia importante para o país em termos de desenvolvimento e geração de emprego por possuir uma indústria à jusante e à montante que requer tanto fornecimento de matérias-primas, muitas delas já industriais, quanto o consumo de sua produção. Assim, de acordo com Vermulm e Erber (2002, p. 7): “A indústria de bens de capital é uma fábrica de máquinas e equipamentos utilizados pelos demais setores da economia para produzir bens e serviços”. Dessa forma, segundo o mesmo estudo, essa indústria: “[...] incorporando o progresso técnico e sendo utilizados pelos demais setores da economia, os bens de capital atuam como difusores do desenvolvimento tecnológico pelo resto do sistema econômico”.

Conforme esses estudos, uma das primeiras constatações que deve ser feita é a de que essa indústria depende de um bom desempenho da macroeconomia para que possa ter um desempenho favorável. Conforme Vermulm e Erber (2002), isso se deve principalmente ao fato de esta trabalhar com a produção de bens de valor elevado, necessitando de condições de financiamento, bem como de políticas que dificultem a entrada de similares estrangeiros. Como a década de 1990 foi marcada por processos de plena abertura comercial e o Estado brasileiro passou por um processo constante de endividamento e aperto fiscal, o que impedia a este dar apoio mais consistente à indústria, desencadeando enormes dificuldades para ela desenvolver-se.

De fato, segundo Miranda em certo sentido houve no país até um processo de desindustrialização em termos de bens de capital, verificada pela maior participação de empresas estrangeiras na produção de bens de capital e elevação

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da participação de componentes importados. De acordo com esse autor: “[...] a economia brasileira já estaria encontrando uma nova orientação externa em que a participação das importações na produção seria significativamente maior [...]” (MIRANDA, 2001, p. 30). Quanto à capacidade do Estado em financiar a indústria de bens de capital, este ficou completamente comprometido com as privatizações que ocorreram no Brasil nos anos 1990, uma vez que as empresas públicas estatais eram as grandes clientes da indústria brasileira de bens de capital, conforme relatam Miranda (2001); Resende e Anderson (1999); Áurea e Galvão (1998); e Velasco Jr. (1997).

Segundo Miranda (2001), há no Brasil a concentração na indústria de bens de capital mais simples, como a indústria de bens e equipamentos mecânicos, com as indústrias de produtos de base eletrônica ou microeletrônica passando a ser francamente dominada nos anos 1990 por empresas estrangeiras.

Nessas condições, há indicadores de queda na produção de bens de capital no país, de acordo com Resende e Anderson (1999), Vermulm e Erber (2002) e mesmo Miranda (2001). Conforme Vermulm e Erber (2002), citando dados da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), a produção de bens de capital mecânico no país, onde este ainda é um pouco mais competitivo, era superior a US$22 bilhões em 1980, recuando para US$16,77 bilhões em 1990, vindo a apenas US$11,52 em 2000, demonstrando uma contínua queda na indústria de bens de capital no país.

Seguindo com a mesma fonte, o consumo de bens de capital por parte da indústria brasileira também vem recuando, corroborando a tese de especialização da indústria brasileira em setores mais intensivos em mão de obra ou em recursos naturais. Segundo os dados da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas), o consumo aparente de bens de capital chegou a mais de US$24 bilhões em 1980, mas recuou para apenas US$17,3 em 1990 e em 2000 foi de apenas US$14,5 bilhões.

No mesmo sentido, Resende e Anderson (1999), em seu estudo, dividiram a indústria de bens de capital em quatro setores: agrícola, energia elétrica, trans-porte e tipicamente industriais, sugerindo explicitamente que o último era o setor com maior intensidade tecnológica. Os autores constataram que esse setor foi o que menos apresentou crescimento da produção e, por outro lado, foi o que mais apresentou aumento na participação das importações no consumo interno.

Em relação ao comércio internacional, há uma perda de mercado pela indústria brasileira de bens de capital, uma vez que esta conheceu nos anos 90 um crescimento acentuado das importações, sem um correspondente em termos de exportações. De acordo com Resende e Anderson (1999, p. 16):

A análise do intercâmbio comercial do Brasil, a partir de 1989, mostra que o Brasil tende a importar principalmente produtos mais sofisticados, como as fresadoras a comando numérico, retificadoras, máquinas de cortar e retificar engrenagens, alguns tipos de tornos com comando numérico e centros de usinagem. As exportações tendem a se concentrar em produtos menos sofisticados, como os tornos paralelos tipo universal, os tornos horizontais automáticos monofusos e as máquinas para forjar, [...] confirmando a menor sofisticação da máquina-ferramenta exportada em relação à importada pelo Brasil.

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De acordo com os dados da Abimaq, citados em Vermulm e Erber (2002), e que são compatíveis com a base de dados citada nos estudos de Miranda (2001) e de Resende e Anderson (1999), as exportações brasileiras de bens de capital aumentaram levemente na década de 1990, estando atualmente ao redor dos US$3 bilhões/ano. Por outro lado, as importações dessa indústria dispararam, saindo de pouco mais de US$3 bilhões em 1990 para mais de US$6,5 bilhões no final de 2000.

De acordo com esses autores, o Brasil vem perdendo espaço na indústria de bens de capital e se especializando na produção de bens de menor conteúdo tecnológico, mesmo dentro da indústria de bens de capital. Resende e Anderson (1999, p. 16), afirmam: “Como consequência, a indústria de bens de capital concentrou-se na produção de bens de menor conteúdo tecnológico, ao passo que os produtos mais sofisticados são importados [...]”. Com menor produção e demanda, essa situação pode inclusive comprometer todo o desenvolvimento da indústria no Brasil, segundo esses autores.

Como veremos adiante, como são os setores mais intensivos em tecnologia que efetivamente necessitam de trabalhadores mais qualificados do ponto de vista da ciência, verificamos que essa situação trará sérias consequências para a quali-ficação dos trabalhadores.

Portanto, o que ocorreu de novo na indústria brasileira nos anos 1990 parece não ter sido em termos de aumento do uso de tecnologias de produção que reque-ressem maior conteúdo tecnológico. Se alguma coisa ocorreu de novo, a literatura indica que foi do lado das tecnologias de gestão.

Em primeiro lugar, é bom lembrar que a indústria brasileira teve que enfrentar a entrada cada vez maior de produtos similares estrangeiros à sua produção. Segundo Miranda (2001), o processo de abertura levou a um esgarçamento e redução dos mark ups setoriais da indústria brasileira, o que obrigou estas a comprimirem seus lucros para poderem competir com as exportações. Nessas condições, uma das formas de conseguir manter-se competitivas no mercado era por meio da busca da redução de custos, que poderia ser conseguida via terceirização, conforme demonstram os autores. Segundo Miranda (2001, p. 23), a indústria brasileira passou por níveis crescentes de “[...] redução dos níveis de integração vertical [...], reorganização e compactação dos processos e layouts de plantas e redução das hierarquias e níveis organizativos das empresas, o que teve como contrapartida maior profissionalização da gestão empresarial”. Em relação à própria indústria de bens de capital, também Resende e Anderson (1999) concordam que a desverticalização das cadeias foi um fenômeno marcante da reestruturação dessa indústria nos anos 1990.

A maior intensidade de mudanças baseadas nas tecnologias de gestão em comparação a mudanças baseadas no emprego de tecnologia física é encontrada em Vermulm e Erber (2002, p. 27):

[...] à medida que a crise dos anos 1990 inibiu os investimentos e aumentou a concorrência no mercado interno, induziu a que os setores usuários de bens de capital, isto é, o conjunto da atividade econômica, buscasse a redução de custos por meio de modificações dos

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métodos de organização da produção (por exemplo, just in time, terceirização da força de trabalho etc.). Em outras palavras, isso equivale a dizer que o conjunto da economia, ao aumentar a produtividade, conseguiu aumentar e melhorar a sua produção com poucas aquisições de novas máquinas e equipamentos.

Assim, embora seja difícil uniformizar a reestruturação produtiva para todos os setores da indústria, parece que as empresas instaladas no Brasil a fizeram buscando mais pelo lado da adoção de novos layouts e de novos processos de gestão da mão de obra e da produção em si do que pela adoção de novos processos técnicos (SOUZA, 2002).

Quando se fala em reestruturação via tecnologia de gestão, dois aspectos devem ser analisados. De um lado, o fenômeno da terceirização da produção; de outro, a adoção pelas indústrias dos métodos e técnicas ditas toyotistas.

No caso da terceirização, esse é um modelo adotado por algumas empresas no intuito de reduzir os custos de produção naquelas etapas da produção que não afetam o núcleo central de conhecimentos necessários para a produção do bem final. Nesse caso, a redução nos custos ocorre por uma maior especialização das indústrias subcontratadas na produção dos componentes que lhes são encomendados, mas, sobretudo, na economia de mão de obra oriunda da não extensão de salários e benefícios pagos pela empresa-mãe. Ou seja, a economia vem pela incorporação de um contingente de trabalhadores que têm condições de trabalhos mais precários em relação a um grupo mais orgânico à empresa-mãe, nos termos de Harvey (2001).

De acordo com Miranda (2001), a indústria automobilística brasileira, a exemplo do que ocorre no mundo, é o caso perfeito de onde a terceirização da mão de obra é mais necessária e utilizada como forma de reduzir os custos das empresas, sendo uma das pioneiras a introduzir a produção via terceirização de partes dos componentes no país. De acordo com o autor, nessa indústria a concorrência entre as montadoras exige capacidade inovadora, excelência no design, em marketing e infraestrutura tecnológica integrada. “A concentração da oferta dos principais componentes em poucos fornecedores globais descarta a verticalização ou o domínio do ciclo completo de fabricação do produto final como estratégia virtuosa de competição” (MIRANDA, 2001, p. 86). Dessa maneira, pode-se perceber que, na realidade, essa indústria sempre buscou contratar produtos de serviços de terceiros, mas houve um processo de significativo incremento nesse setor no Brasil a partir dos anos 1990. Segundo o autor, inclusive com uma defasagem histórica em relação aos países do núcleo orgânico do capitalismo contemporâneo.

Um balanço sobre a tomada de decisão de todos os setores industriais no sentido da adoção da terceirização ainda não foi feito e até foge aos objetivos desse trabalho. Entretanto, pode-se afirmar que em muitos casos as indústrias estão buscando essa possibilidade. Carleial (2001) estudou o processo de reestruturação industrial via subcontratação na região metropolitana de Curitiba e encontrou que esse é um processo buscado pelas empresas, principalmente aquelas ligadas aos setores de ponta das cadeias a que pertenciam. Isso demonstra que há um processo de terceirização da mão de obra em Curitiba e no Paraná, base geográfica de nosso estudo de caso.

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No que tange às mudanças de layouts e processos de gestão, também não existe um estudo com um inventário completo do processo para os diversos setores econômicos, mas estudos de caso que também apontem sua adoção por parte das empresas. Souza (2002) fez um estudo de caso interessante com uma indústria de copiadoras, em que demonstra que a adoção de tecnologias de gestão da produção e da mão de obra é responsável por ganhos significativos de produtividade e redução de custos. Constata, ainda, o fato de que a efetiva adoção de tecnologias de gestão da era toyotista é mais utilizada para a produção dos bens da empresa que têm como destino o mercado externo. Para os produtos destinados ao mercado interno, prevalece mais a forma de organização fordista.

No mesmo sentido, Harres (2000), em estudo de caso realizado numa indústria de eletrodomésticos na região de Curitiba, também constata que a maior parte dos ganhos de produtividade e redução de custos da empresa veio da adoção de tecnologias de gestão da mão de obra. De acordo com a autora, a reestruturação produtiva na empresa pesquisada foi pautada na alteração do layout e intensificação do ritmo de trabalho, aplicando nova tecnologia de gestão. Entre essas, a autora cita a manufatura celular, kamban, sistematização da qualidade no âmbito interno da empresa e terceirização, no âmbito externo.

A mesma tendência de se valorizar as tecnologias de gestão, em relação à adoção de tecnologia de física de produção, é encontrada por Garcia (2001) em estudo realizado com os trabalhadores de uma indústria de eletrodomésticos também na cidade de Curitiba.

O perfil de uma empresa reestruturada pode ser caracterizado pela convergência de uma nova base técnica, em especial a microeletrônica, e novas formas de organização e gestão do trabalho. Acrescenta-se a isso a capacidade de gerar novas mudanças, graças à rapidez das transformações dos equipamentos e processos. Embora não seja possível homogeneizar toda indústria, de acordo com Abreu (1998, p. 40):

A introdução de novas tecnologias na indústria brasileira pode ser considerada um fenômeno ainda em curso, mas já é possível perceber que, se no início a introdução de novas formas de produção e organização do trabalho acontecia apenas pontualmente, sendo comum uma mesma planta apresentar, lado a lado, dois modelos distintos de produção, hoje já é possível apontar uma tendência de implantação sistêmica de inovações tecnológicas, em especial nas empresas consideradas líderes.

Como percebemos, a reestruturação da indústria brasileira não é definitiva em termos de adoção das técnicas toyotistas de produção. Além disso, a tendência dessa reestruturação é da indústria especializar-se na adoção de tecnologias de menor conteúdo tecnológico e apostar nas tecnologias de gestão. Nesse sentido, há uma controvérsia sobre as reais necessidades de qualificação da mão de obra dos trabalhadores no Brasil.

A situação do trabalho no BrasilO que não resta dúvida é que esse movimento está trazendo também alte-

rações na dinâmica do mercado de trabalho no Brasil. Este será aqui analisado a Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,

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partir de quatro fenômenos: a demanda por trabalho em setores da economia, o perfil de contratação da mão de obra, a escolaridade/qualificação dos trabalhadores e o rendimento do trabalho.

De acordo com o Dieese (2001), apesar desses quatro fatores variarem de acordo com a cadeia produtiva analisada, um fato marcante do mercado de trabalho no Brasil na década de 1990 foi o desemprego. De acordo com o IBGE, a taxa de desemprego aberto era de 4,3% em 1990, chegando em abril desse ano em 12,8%, ou seja, quase quatro vezes superior ao do início da década. A metodologia do Dieese, pouco diferente daquela utilizada pelo IBGE, permite a conclusão que o índice de desemprego é ainda maior.

Ao que tudo indica, a principal causa do aumento do desemprego observado no Brasil na década passada está relacionada à adoção de novas tecnologias pelas empresas, em especial as do setor industrial, que são eminentemente poupadoras de mão de obra. Nesse sentido, a ideia que alguns teóricos tinham de que o decréscimo dos empregos no setor industrial seria compensado pelos empregos gerados nos setores do comércio e serviços não se comprova.

O que ocorreu com o emprego no país nos anos 1990 foi a crescente participa-ção dos setores de comércio e serviços no emprego total e a queda na participação da indústria nesse mesmo quesito, conforme Dieese (2001) e Ramos (2002). Como demonstram os dados do IBGE, há na realidade um processo de desindustrialização da força de trabalho, uma vez que a maior taxa de desemprego na economia brasi-leira atualmente (abril/2003) se encontra nesse setor, com aproximadamente 8% de desocupação, contra 7,5% para o comércio e apenas 5,6% para o setor de serviços. Segundo o Dieese (2001, p. 62):

A queda do emprego na indústria está intimamente relacionada ao padrão de desenvolvi-mento e à forma de inserção internacional escolhidos pelo Brasil. A adoção de medidas como a abertura comercial abrupta, taxas de juros elevadas, câmbio apreciado (com moeda sobrevalorizada) e redução do papel do Estado resultaram numa aceleração e intensificação da reestruturação tecnológica e organizacional das empresas. Esse movimento acabou por eliminar e/ou deslocar postos de trabalho, via racionalização, aumento da produtividade e intensificação do processo de terceirização, nas regiões mais industrializadas.

Além do processo e desindustrialização do trabalho, Moreira e Najberg (1997) encontraram em estudo sobre o crescimento dos empregos na indústria em função da abertura comercial, que este apresentou comportamento diferenciado em função do setor da indústria. Segundo os autores, que separam os setores industriais enquanto intensivos em capital, trabalho e em recursos naturais, houve queda de emprego nos dois primeiros setores entre 1989 e 1996. O contrário ocorreu com o setor da indústria classificado por estes como intensivo em recursos naturais, cuja taxa de crescimento do emprego foi positiva em 16% naquele período. Com isso, verificamos que houve também um processo de concentração dos empregos em setores com menor demanda por trabalhadores com alta qualificação em termos de conhecimentos científicos mais avançados.

Quanto ao perfil (forma) de contratação da mão de obra, pode-se afirmar que houve um processo de precarização das relações de trabalho, uma vez que aumentou a contratação via forma não assalariada aumentou o “crescimento das formas flexíveis de contratação da mão de obra,” de acordo com o Dieese (2001).

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Por formas flexíveis, aquela instituição entende a contratação do trabalhador diretamente pela empresa como assalariado sem carteira assinada, via empresa terceirizada, ou como trabalhador autônomo. Segundo o Dieese (2001), essas formas de contratação aumentaram nos anos 1990 em praticamente todas as regiões metropolitanas no país. Dentro desse aumento, podemos citar a terceirização, a contratação sem carteira assinada e o trabalho por conta própria ou autônomo. Em algumas regiões metropolitanas, São Paulo em particular, o Dieese (2001, p. 70) diz que “a expansão do trabalho por conta própria ocorreu em paralelo à redução do trabalho assalariado”.

Como podemos perceber, nos anos 1990 “houve um acentuado processo de precarização do trabalho nas regiões metropolitanas brasileiras” (RAMOS, 2002, p. 3). O pior é que essa situação não deve alterar-se no futuro próximo. De acordo com o autor, os setores de comércio e serviços tendem a apresentar uma facilidade maior pela contratação, e em formas precárias há a tendência de aumento da participação desses setores no emprego total do país.

Além disso, segundo o Dieese (2001, p. 71): [...] a perda de dinamismo na geração de empregos nos setores econômicos mais dinâmicos, em especial o industrial, teve como contrapartida a elevação das taxas de desemprego e o crescimento das formas de trabalho alternativas. O crescimento ocupacional dessas formas, se não for acompanhado pelo crescimento da economia como um todo, tenderá a tornar cada vez mais vulneráveis as condições de trabalho e menor a capacidade de geração de renda.

Assim, identifica-se uma tendência de redução dos empregos formais nas regiões metropolitanas. Dessa forma, “[...] as modificações verificadas nas estruturas ocupacionais, assim como a elevação das taxas de desemprego nesses mercados, vão no sentido de reforçar sua heterogeneidade e a exclusão social de expressiva parcela dos trabalhadores” (DIEESE, 2001, p. 71).

Quanto à qualificação dos trabalhadores, há uma tendência na literatura a identificar o nível de escolaridade com requerimento de mão de obra qualificada pelos setores da economia. Rosandiski e Silva (1999) dizem que isso é um erro, uma vez que no Brasil ainda não deixou de existir um processo no qual as empresas ainda apoiam sua estratégia de redução de custos via precarização da mão de obra, de acordo com o Dieese (2001). Por outro lado, os autores identificam que devido ao fato de pelo menos o nível formal de escolaridade da mão de obra ter aumentado nos últimos anos, as empresas passaram a ter uma oferta de trabalho com mais tempo de escola. Segundo os autores, a real necessidade de trabalho qualificado deve ser medida com pesquisas que consigam perceber os processos de trabalho e suas reais necessidades de conhecimentos por parte dos trabalhadores. Uma discussão mais detida sobre o tipo e as reais necessidades de qualificação da mão de obra via demanda processo produtivo será feito no próximo capítulo. Apresentaremos como estão as condições do mercado de trabalho no Brasil, referente à sua qualificação via oferta de mão de obra mais escolarizada.

O Dieese (2001) identifica que a maior parte da mão de obra no Brasil possui baixa escolaridade, dado que segundo aquele órgão perto de 60% dos trabalhadores com carteira assinada no Brasil tinham no máximo o Ensino Fundamental (antiga

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oitava série). Entretanto, no processo de aumento do desemprego no Brasil desde o início dos anos 1990, os dados indicam que a maior taxa de crescimento da massa de desempregados ocorre entre aqueles com menos tempo de escolaridade.

Rosandiski e Silva (1999), entretanto, estudando o perfil dos trabalhadores na indústria brasileira e paulista nos anos 1990, encontram que há um recuo nos postos de trabalho ocupados por pessoas consideradas por eles como periféricos baixos (baixa qualificação). Identificam, portanto, uma tendência de aumento no tempo de escolaridade nos empregos formais, mas, como dito, não atrelam isso ao aumento da necessidade da indústria por pessoas mais qualificadas. Segundo os autores, a alta rotatividade da mão de obra, o tempo gasto na procura por um novo posto de trabalho por parte dos desempregados e a estagnação dos salários, deixam em dúvida a tese de que a indústria estaria realmente necessitando de trabalho melhor qualificado. De acordo com os autores,

[...] a melhora no nível de escolaridade da força de trabalho parece encontrar sua melhor explicação mais em uma postura seletiva das empresas no mercado de trabalho do que em uma exigência decorrente da modernização da estrutura produtiva, uma vez que os dados referentes à remuneração e tempo de serviço não refletem o que seria uma valorização do grau de qualificação do trabalhador. (ROSANDISKI; SILVA; 1999, p. 164)

Nesse sentido, o estudo de Moreira e Najberg parece concordar com as afir-mações anteriores, uma vez que estes estudaram o emprego no Brasil em função da abertura comercial para verificar se houve alguma relação entre estas e a variação no número de empregos nos anos 1990 e concluem que houve uma tendência à participação dos empregos mais qualificados. Por outro lado, encontram também que houve o aumento de postos de trabalho por aqueles classificados como de baixa qualificação. Analisando as categorias de ocupação do mercado de trabalho na indústria de acordo com sua qualificação: “a única categoria que apresentou taxa de crescimento positiva (2,4%) foram os setores intensivos em mão de obra de baixa qualificação [...]” (MOREIRA; NAJBERG, 1997, p. 35).

Finalmente, em relação à remuneração da mão de obra, verifica-se na análise desde o início dos anos 1990 que está ocorrendo um processo de queda no valor dos salários pagos aos trabalhadores (Dieese, 2001). De acordo com o órgão, isso se deve ao processo de abertura da economia brasileira, que trouxe a necessidade de aumento de produtividade da indústria nacional via redução de custos e economia de trabalho. O trabalhador brasileiro, em função de sua baixa escolarização, sempre recebeu pouco, chega-se à situação no final dos anos 1990 em que aproximadamente 66% dos trabalhadores com carteira assinada recebiam até três salários mínimos.

Pior que essa situação, é verificar que em 1990 o valor do próprio salário mínimo recuou. De acordo com o Dieese (2001), pegando o valor do salário mínimo de dezembro de 1989 e estabelecendo este como índice 100, em dezembro de 1999, dez anos depois, esse índice era de apenas 65,48, significando que o salário perdeu na década 34,52% de seu valor de compra em termos reais.

De acordo ainda com o Dieese (2001), esse processo não ocorreu somente com o salário mínimo, uma vez que o rendimento médio do salário também recuou no período. Acrescenta-se, ainda, que a queda nos salários se deu não somente para

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os menos escolarizados, mas para todos, incluindo também para os que tinham maior tempo na escola. O fenômeno aconteceu também para todas as ocupações em termos de rendimentos, desde as menores até as de maiores rendimentos.

Como podemos perceber, há no Brasil um processo de aumento do desem-prego, com maiores quedas de emprego no setor industrial, que não consegue ser compensado pelo aumento dos empregos nos setores de comércio e serviços. Com a queda nos postos formais de trabalho, há também um processo de aumento nos postos de trabalhos sem carteira assinada, via terceirização, trabalhos autônomos ou mesmo a contratação direta pelas empresas, mas sem registro. Nesse sentido, não há perspectiva de aumento no nível de escolaridade, nem ganhos reais dos salários para a grande maioria dos trabalhadores, resultando na precarização dos postos e do mercado de trabalho, o que vai de encontro às condições em que está ocorrendo a reestruturação produtiva no Brasil.

Considerações finaisVimos por meio dos dados descritos, que o endividamento atual do Estado

brasileiro não o coloca em condições de dizer não às políticas ditadas pelas agências multilaterais de desenvolvimento.

Por outro lado, quando falamos na situação de desenvolvimento e reestrutu-ração produtiva no Brasil, não devemos deixar de lembrar que a indústria nacional está deixando de produzir tecnologia, para produzir cada vez mais partes ou com-ponentes para outras indústrias, no entanto, a concepção desses componentes é realizada fora do país. Dessa forma, e sendo a indústria de bens de capital aquela que mais necessita de mão de obra qualificada, não concordamos com a teoria de que nossa economia está necessitando de pessoas mais preparadas para o traba-lho do ponto de vista da preparação técnica. Dessa forma, acreditamos ser natu-ral a tendência atualmente verificada no país do crescimento do desemprego, do subemprego e do processo de terceirização da mão de obra. Como veremos no próximo capítulo, essas condições terão influências definitivas sobre o momento atual da educação no Brasil.

1. Você percebe alguma relação entre a necessidade de financiamento externo da economia brasileira, o atraso tecnológico de sua indústria e a adoção pelo país das reformas educacionais propostas pelas agências multilaterais de desenvolvimento? Quais?

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2. Você vê alguma relação entre a explosão do trabalho flexível no Brasil, como visto no texto, e a recomendação do ensino para o “aprender a aprender”?

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A educação no Brasil nos anos 90: o desenvolvimento das políticas públicas de educação e a adequação ao mundo produtivo

E ste capítulo tem como objetivo verificar quais as consequências das grandes tendências do capitalismo e da organização do trabalho no Brasil para a educação. No geral, como pretendemos demonstrar, há uma crescente introjeção do modelo de organização fabril, e da empresa pós-fordista

em particular, interferindo como nunca antes visto no Brasil na organização da educação brasileira.

Neste capítulo, pretendemos verificar quais as relações que existem entre as reformas educativas propostas pelo governo federal na década de 1990 e as relações com o mundo produtivo. Como pretendemos demonstrar, a relação parece ser total. Nessa perspectiva, parece-nos também que as proposituras de reforma no ensino nesse período têm uma relação direta com as recomendações das agências multilaterais de desenvolvimento.

Isso reflete a tendência histórica de definição do modelo de escola a partir do homem que a sociedade quer formar. Pretendemos deixar claro a validade do método de verificar a forma de produção da riqueza de uma sociedade para entender como se organiza sua educação.

As políticas implementadas na década de 1990De forma geral, a educação na década de 1990 foi marcada por constantes e importantes alterações

no conteúdo e na organização da educação no Brasil, principalmente em sua segunda metade. Para autores como Vieira (2000) e Neves (2000), esse processo tem a ver com os processos econômicos por que vinha passando o Brasil, principalmente a definitiva abertura de nossa economia ao comércio internacional e aos padrões de produção então vigentes no chamado Primeiro Mundo. Como esse padrão de produção exige um novo tipo de qualificação da mão de obra, a organização da escola até então vigente no país tornou-se anacrônica. Assim, a palavra de ordem nos anos 1990 no campo educativo eram as reformas, aliás, como tudo mais na sociedade brasileira nesse período de nossa história.

As principais alterações por que passou a educação no Brasil foram:

a aprovação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação – LDB – Lei 9.394/96;

a tentativa de alteração na organização e filosofia das escolas, por meio da aprovação e produção das Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais (DCNs e PCN), que trouxe a necessidade de ensino por competências e contextualizado;

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A educação no Brasil nos anos 90: o desenvolvimento das políticas públicas de educação e a adequação ao mundo produtivo

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a reforma do ensino de segundo grau, agora denominado Ensino Médio;

a reforma do ensino universitário;

a centralidade que pretende-se dar para o ensino básico, em detrimento dos outros níveis de ensino, que trouxe a ideia da criação do Fundef (Fundo de Desenvolvimento e Valorização do Ensino Fundamental).

Como vamos demonstrar, nenhuma dessas alterações tiveram outras moti-vações mais fortes senão os imperativos do mundo produtivo.

A nova LDB – Lei 9.394/96A Lei 9.394/96 veio para substituir a Lei 5.692/71, pensada e promulgada na

época do regime militar, quando o país ainda conhecia bons índices de crescimento econômico e onde esse crescimento necessitava e a lei exigia, portanto, a profissio-nalização compulsória de todos os estudantes até o ensino de segundo grau.

A LDB veio permitir um modelo de organização da educação que, segundo Nunes (2002), não pode ser confundido com um Sistema Nacional de Educação. De acordo com a autora, o Brasil tem atualmente um Sistema Nacional de Avaliação.

Isso fica claro na leitura da LDB, ao se verificar que em nenhum momento há preocupação em estipular critérios de como deveria ser a educação nos mais diversos níveis. Pelo contrário, se coloca a necessidade da flexibilidade da educação, onde os sistemas estaduais e municipais de ensino, ou a própria escola, têm a capacidade e competência para definir sua organização e seu currículo. Nesse sentido, essa política estaria adequada às necessidades do mercado de trabalho e às próprias recomendações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), quanto à formação de um cidadão/trabalhador flexível, em condições de adaptar-se às condições em que vive e ao mundo produtivo, visto pela Cepal como maneira de garantir o crescimento econômico das regiões e/ou países.

De acordo com Kuenzer (2001, p. 32):A partir da nova LDB não mais se pretende adestrar os trabalhadores em formas de fazer, como pretendeu a pedagogia do trabalho taylorista-fordista, mas exigem-se deles capa-cidades intelectuais que lhes permitam adequar-se a uma produção flexível e aos novos procedimentos de gerenciamento do trabalho.

Verifique-se, contudo, que a necessidade vista pelas autoridades brasileiras era de adequação de nossa mão de obra para a vinda ao país de capitais para finan-ciar nosso desenvolvimento. Portanto, nada mais natural que a educação também mudasse para atender essa necessidade.

Numa empresa capitalista pós-fordista, o trabalho flexível numa célula de produção exige a adoção de mecanismos de controle. Na realidade, delega-se a responsabilidade da forma de fazer um produto previamente pensado, mas regula-se a saída. Da mesma maneira, com a flexibilidade, delega-se a forma de fazer, mas o produto que deve sair, o cidadão/trabalhador flexível, já está estabelecido. Daí, a adoção de mecanismos de controle na educação, que são os Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ou o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

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A educação no Brasil nos anos 90: o desenvolvimento das políticas públicas de educação e a adequação ao mundo produtivo

Para Nunes (2002, p. 7-8): Uma das principais novidades da LDBEN (ou simplesmente LDB) é a flexibilidade na base do processo da educação básica que inclui a educação infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. A introdução da elaboração dos projetos pedagógicos nas instituições escolares é decorrente dessa flexibilidade. Ao mesmo tempo, ela criou uma espécie de sistema nacional de avaliação do rendimento escolar, que já está sendo implementada tanto pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), quanto pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e pelo Exame Nacional de Cursos (Provão).

Finalmente, deve-se lembrar que esses aspectos da LDB foram propostos ao Ministério da Educação, de acordo com Bueno (2000), a priori. A autora levanta a suspeita que isso tenha ocorrido em função das relações que julga sempre ter existido entre os técnicos do Ministério e as agências multilaterais de desenvolvi-mento, em especial o BID e Bird.

Assim, parece ficar claro que a intenção maior da LDB é criar as condições para a formação do trabalhador/cidadão flexível, exatamente ao gosto do momento exigido para a acumulação de capital.

Aprovação das DCNs e PCNNa tentativa de dar corpo à flexibilidade e principalmente à avaliação exi-

gidas pela LDB, como visto anteriormente, o governo federal tentou estabelecer critérios de como deveria ser a organização da escola. Esse ponto demonstra bem o que é a flexibilidade e autonomia para as autoridades, deixando claro a relação que toda a reforma do Ensino Médio tem com o mundo produtivo, que libera a forma de fazer, mas controla a qualidade por meio do controle do produto final.

Assim, produziu e fez aprovar, por meio da Resolução 3, de 26 de junho de 1998, o que hoje conhecemos por Diretrizes Curriculares Nacionais, ou sim-plesmente DCNs. No documento, há referências claras ao processo de vinculação entre educação e mundo econômico, via mundo do trabalho, quando diz uma das finalidades do Ensino Médio, por exemplo:

O tratamento contextualizado do conhecimento é o recurso que a escola tem para retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se bem trabalhado permite que, ao longo da transposição didática, o conteúdo do ensino provoque aprendizagens significativas que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade. A contextualização evoca por isso áreas, âmbitos ou dimensões presentes na vida pessoal, social e cultural, e mobiliza competências cognitivas já adquiridas. As dimensões de vida ou contextos valorizados explicitamente pela LDB são o trabalho e a cidadania (DCNEM, 1998, p. 91). Ou ainda: “O trabalho é o contexto mais importante da experiência curricular do Ensino Médio [...]”. (DCNEM, 1998, p. 92)

De acordo com Lopes (2001), a relação entre educação e mundo produtivo ve-rifica-se também na forma como as DCNs definem a integração curricular, que deve ser feito pela tecnologia. A reforma do ensino define três áreas de trabalho em relação às disciplinas: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Huma-nas e suas Tecnologias e Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Com isso, Lopes (2001) afirma que a integração, sendo a tecnologia, deixa claro a intenção da reforma em privilegiar na educação a forma de organização colocada pelo mundo produtivo, onde na realidade deve apropriar-se da tecnologia.

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Nesse sentido, deve ser também entendida a proposta de ensino colocada nos PCNs pelos princípios da contextualização e pelo modelo de competências. Lopes (2001) deixa claro que na realidade estes exigem o ensino por competências para adequar o aluno/cidadão, futuro trabalhador, às exigências de trabalho com o tipo de conhecimento exigido pela organização fabril. Nesse modelo, a contex-tualização é outro princípio fundamental, uma vez que é o momento de concreti-zação das competências.

A reforma do Ensino MédioOutro ponto importante da reforma e que traz relação direta com o mundo

do trabalho, tendo nas formas econômicas de produção seu principal fundamento, é a reforma de primeiros e segundo graus, agora denominados respectivamente de Ensino Fundamental (antiga 1.ª a 8.ª séries) e de Ensino Médio.

Tal concepção de ensino deriva da ideia, influenciada pelo econômico, via mundo do trabalho, de que é necessária uma boa formação básica para que todas as pessoas possam “aprender e continuar aprendendo”. Como no mundo do trabalho exige-se muito mais competências, ou seja, capacidade de utilizar os conhecimentos de uma pessoa no momento exigido, e que as pessoas terão que ter a capacidade de trabalhar em vários postos de trabalho, não há por que trabalhar um ensino que se preocupe com o conhecimento aprofundado de conceitos científicos mais elaborados.

Daí, a necessidade de uma educação básica de “qualidade”. Em outras palavras, uma educação que dê conta dos princípios gerais, não aprofundados, das várias ciências, mas que permita às pessoas adequarem-se aos mais variados postos de trabalho que irá ocupar ao longo de sua vida profissional.

Dentro da reforma do Ensino Médio, outra questão importante foi a separação entre educação básica em si e a educação profissional. Na realidade, o Parecer 15 do Conselho Nacional de Educação (CNE), reconhece que o mundo atual não oferece condições de trabalho para todos, e que a precarização das relações trabalhistas está produzindo uma gama bem maior de cursos profissionalizantes.

Assim, por meio do Decreto 2.208, de 17 de abril de 1997, o governo impôs a divisão do Ensino Médio em duas redes, separadas. De um lado, a educação básica, de outro, a educação profissional. Embora estas possam ocorrer concomi-tantemente, isso significou o reconhecimento de que a educação profissional no Ensino Médio não é para todos.

Além desse reconhecimento, essa reforma do Ensino Médio deve ser vista dentro das condições de financiamento do Estado brasileiro, uma vez que significou uma enorme redução com a manutenção de cursos profissionalizantes, sabidamente mais caros que o Ensino Médio básico.

Por último, deve-se lembrar também que essa medida seguiu recomendação das agências multilaterais de desenvolvimento, especialmente do Banco Mundial (sobretudo no documento Prioridades y estratégias para la educación, editado

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em 1996), como nos lembram Nunes (2001) e Bueno (2000). Segundo as autoras, dois objetivos foram buscados pelos técnicos do Ministério da Educação ao proporem a medida: separação do ensino profissional, técnico, do acadêmico e a redução dos custos com o Ensino Médio. Ambas de acordo com as recomendações do Banco Mundial.

A reforma do ensino universitário e formação de professores

Dentro do bojo das reformas por que passou a educação nos anos 1990, o governo federal também implementou alteração no ensino superior. Dentro dessas medidas, abriu-se a possibilidade da separação do tripé ensino-pesquisa-extensão que historicamente marcava a universidade no Brasil, ao criar os Centros de Edu-cação Superior.

Dessa maneira, se a universidade se caracteriza pelo ensino, mas está vinculada à produção de conhecimento (pesquisa) e à realidade da sociedade onde está localizada (extensão), os centros de educação superior trabalham apenas com o ensino. Assim, temos também dois fenômenos, de um lado, há a possibilidade de uma educação dita “superior” sem a pesquisa e sem a extensão, o que evidentemente reduz os custos com educação, de outro, dentro do paradigma de que o conhecimento valorizado pelo mundo produtivo é aquele que resolve problemas, não caberia mesmo um modelo de instituição superior que estivesse interessada e dispendendo recursos, portanto, na produção e discussão da validade do conhecimento.

Ademais, o próprio ministro da educação, Paulo Renato de Souza, disse certa vez que o Brasil não precisa produzir tecnologia, uma vez que esta já está pronta, o que permitiria ao país viver apenas copiando-a. Assim, e como vimos no capítulo anterior, com a redução da produção de tecnologia no país, parece que essa medida tem relações incontestáveis entre o mundo econômico.

Além disso, é preciso lembrar também que o governo permitiu reformula-ções nos cursos de formação de professores. Isso pode ser verificado no aligeira-mento das licenciaturas, que viram o período necessário para sua conclusão redu-zida. O debate de ideias, para muitos autores importantíssimo para a formação do profissional de educação, fica reduzido a dois anos e meio ou no máximo três, de um total mínimo de quatro anos, vigente até então.

Essa reformulação tem também a ver com o mundo produtivo. Como vimos em capítulos anteriores, a grande maioria dos profissionais na era pós-fordista não mais necessitam de formação específica aprofundada. Assim, a escola dá a esses conhecimentos mais gerais e o restante da formação, quando não a parte mais importante, é realizada na própria empresa, por meio do que se passou a conhecer como formação continuada. Dessa forma, o aligeiramento dos cursos de formação de professores parece ter também essa mesma matriz, uma vez que no meio educativo atualmente se dá muita importância à “formação continuada” em detrimento da formação inicial.

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Assim como nas empresas, é a aposta de que é mais importante para o professor “saber fazer”, deixando de ter tanta importância por parte desse profissional o “saber pensar”. Novamente encontramos relações entre a educação e o mundo produtivo.

A centralidade ao ensino básicoAs empresas estão exigindo dos seus trabalhadores o máximo de tempo

de escola. Entretanto, por razões já expostas, principalmente o fato de o mundo da produção não exigir conhecimentos mais específicos de boa parte dos trabalhadores, mas exigir um certo tipo de comportamento, a educação exigida é a educação básica.

É nesse sentido que o governo federal fez o Congresso Nacional aprovar uma lei que garanta a vinculação direta de no mínimo 15% de todos os recursos para a educação básica. Esse mecanismo concretizou-se com a formação do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental (Fundef). Pelo que vemos, nossas autoridades consideram como ensino básico o ensino de 1.ª a 8.ª séries (atual 1.º a 9.º anos), uma vez que o fundo prevê a destinação de 15% dos recursos da educação para o nível fundamental, correspondente a essas séries da educação formal.

O que é e como funciona o FundefFundef foi instituído pela Emenda Constitucional 14, de setembro de 1996,

e regulamentado pela Lei 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto 2.264, de junho de 1997. O Fundef foi implantado, nacionalmente, em 1.º de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de redistribuição dos recursos destinados ao Ensino Fundamental.

A maior inovação do Fundef consiste na mudança da estrutura de financiamento do Ensino Fundamental no país (1.ª a 8.ª séries do antigo 1.º grau), ao vincular a esse nível de ensino uma parcela dos recursos constitucionalmente destinados à educação. A Constituição de 1988 vincula 25% das receitas dos estados e municípios à educação. Com a Emenda Constitucional 14/96, 60% desses recursos (o que representa 15% da arrecadação global de estados e municípios) ficam reservados ao Ensino Fundamental. Além disso, introduz novos critérios de distribuição e utilização de 15% dos principais impostos de estados e municípios, promovendo a sua partilha de recursos entre o governo estadual e seus municípios, de acordo com o número de alunos atendidos em cada rede de ensino.

Genericamente, um fundo pode ser definido como o produto de receitas específicas que, por lei, vincula-se à realização de determinados objetivos. O Fundef é caracterizado como um fundo de natureza contábil, com tratamento idêntico ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), dada a automaticidade nos repasses de seus recursos aos

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estados e municípios, de acordo com coeficientes de distribuição estabelecidos e publicados previamente. As receitas e despesas, por sua vez, deverão estar previstas no orçamento, e a execução contabilizada de forma específica.

Além dos 60% dos 25% da arrecadação própria que estados e municípios têm que gastar com educação, também compõem o Fundef 15% dos seguintes impostos:

Fundo de Participação dos Municípios – FPM.

Fundo de Participação dos Estados – FPE.

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.

Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações – IPI-exp.

Desoneração de Exportações, de que trata a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir).

Assim, percebemos que o Fundef não passa de um fundo contábil, não significando de forma alguma aumento de arrecadação de recursos para a educação. O que há é apenas a obrigatoriedade do administrador público, a partir da data de início de sua vigência, destinar 15% dos recursos, que já iriam de qualquer forma para a educação, para o Ensino Fundamental. Como 15% do total de recursos ficam com esse nível de ensino, restam apenas 10% dos recursos de estados e municípios para o Ensino Médio e/ou Superior. Isso traz dificuldades para o financiamento do Ensino Médio ou superior nos Estados. Esses níveis de ensino são sabidamente mais caros, mas para estes sobram apenas 10% do orçamento da educação. Ou seja, sobra menos dinheiro para financiar o que é mais caro.

Operacionalmente, o funcionamento do Fundef é relativamente simples. O bolo dos impostos gerados pelo município ou estados é repassado à União (governo federal). Este, no momento que os devolve a esses entes federados, carimba 60% dos 25% que estes têm que destinar à educação, mais 15% dos impostos descritos anteriormente, como formadores do fundo. Depositando esses recursos numa conta específica, o governador ou prefeito não tem como utilizar esses recursos para outra função.

O governo, por meio de uma fórmula, faz o cálculo do custo do aluno/ano, levando em consideração o número de alunos matriculados no Ensino Fundamental no ano anterior e a arrecadação de impostos em cada estado. Desse número, calculado para cada estado, é retirada a média do custo do aluno/ano para o Brasil. Esse número é comparado com a despesa efetiva do estado ou município com cada aluno matriculado nesse nível e ensino. Caso o gasto efetivo tenha sido menor que a média nacional, a União complementa a diferença.

Para 2003, o gasto nacional por aluno/ano tem que ser de R$462,00 para os alunos de 1.ª a 4.ª séries e de R$485,00 para os alunos de 5.ª a 8.ª séries. O estado ou município que gastar menos que isso terá a diferença entre o que gasta e esses valores cobertos pelo governo federal. O problema é que esse custo é muito baixo, o que faz com que o governo acabe colocando recursos em apenas quatro estados (Pará, Bahia, Maranhão e Piauí), estados efetivamente muito pobres.

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Para os demais estados, o Fundef não tem significado, desde sua criação em 1998, nenhum tipo de recurso adicional em educação. No Paraná, por exemplo, o cálculo do custo aluno/ano, para 2003, é de R$824,32 para os alunos de 1.ª a 4.ª séries e de R$865,63 para os alunos de 5.ª a 8.ª séries. Isso significa que no estado do Paraná município algum recebe recursos da União dentro do Fundef.

Os recursos do Fundef destinam-se exclusivamente ao Ensino Fundamental público, devendo ser aplicados nas despesas enquadradas como de “manutenção e desenvolvimento do ensino”, previstas no artigo 70 da Lei Federal 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).

A legislação do Fundef prevê que, no mínimo, 60% dos recursos anuais creditados na conta do Fundo devem ser aplicados na remuneração do magistério, em efetivo exercício no Ensino Fundamental público. Seguindo orientações constantes da Resolução n.º 03, de 8/10/1997, do Conselho Nacional de Educação, nessa rubrica poderão ser realizadas no âmbito do Ensino Fundamental, despesas com remuneração dos professores (inclusive os leigos) e dos profissionais que exercem atividades de suporte pedagógico, tais como: direção, administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional, estando esses profissionais em efetivo exercício em uma ou mais escolas da respectiva rede de ensino (Resolução 03-CNE, de 8/10/97). É importante destacar que a cobertura dessas despesas poderá ocorrer tanto em relação ao profissional integrante do Regime Jurídico Único do Estado ou Município, quanto ao regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inclusive antes da implantação do novo Plano de Carreira e Remuneração do Magistério. Vale destacar ainda que se entende por remuneração, não só o salário direto pago ao professor, mas também todos os demais encargos da folha de pagamento, como INSS, décimo terceiro salário, 1/3 de férias.

Durante os primeiros cinco anos de vigência da Lei 9.424/96, ou seja, entre 1997 e 2001, foi permitida a utilização de parte dos recursos dessa parcela de 60% do Fundef na habilitação de professores leigos, sendo essa utilização definida pelo próprio governo (estadual ou municipal) de acordo com suas necessidades. Apesar de expirado esse prazo, os governos estaduais e municipais podem continuar investindo na formação dos professores, de modo a torná-los habilitados ao exercício regular da docência, sendo que agora utilizando os recursos da parcela de 40% do Fundef, destinada às ações de manutenção e desenvolvimento do ensino.

Por fim, é recomendável que cada município procure orientações junto ao respectivo Tribunal de Contas (estadual ou municipal) a que esteja jurisdicionado, visando a obtenção, se for o caso, de esclarecimentos sobre o tratamento a ser aplicado, no âmbito da respectiva Unidade Federada, no que tange à definição dos profissionais que poderão ser pagos com a parcela de 60% do Fundef. Essa recomendação decorre do fato de alguns Tribunais, no entendimento e aplicação da norma legal, permitirem apenas a cobertura das despesas com remuneração de professores, com os 60% dos recursos do Fundef.

Deduzida a remuneração do magistério, o restante dos recursos (correspon-dente ao máximo de 40% do Fundef) deverá ser utilizado na cobertura das demais despesas previstas no artigo 70 da Lei 9.394/96 (LDB), que permite:

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remuneração e aperfeiçoamento de demais profissionais da educação – são alcançados nessa classificação os profissionais do Ensino Fundamental que atuam no âmbito do respectivo sistema de ensino (estadual ou municipal), seja nas escolas ou nos demais órgãos integrantes do sistema, e que desenvolvem atividades de natureza técnico-administrativa (com ou sem cargo de direção ou chefia), como, por exemplo, o auxiliar de serviços gerais, secretárias de escolas, lotados e em exercício nas escolas ou órgão/unidade administrativa do Ensino Fundamental;

aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino – são alcançados por essa definição despesas com: compra e manutenção de equipamentos diversos, ampliação e construção de escolas, conservação e reforma de prédios, entre outros;

uso e manutenção de bens vinculados ao ensino – por exemplo, locação de um prédio para o funcionamento de uma escola;

levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas, visando principalmente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;

realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento do ensino – vigilância e conservação, por exemplo;

amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos itens anteriores;

aquisição de material didático-escolar e manutenção de transporte escolar.

Para controlar a utilização das verbas, cada estado e cada município deve ter um Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundef, com a atribuição de supervisionar a aplicação dos recursos do Fundo e o Censo Escolar anual. No âmbito dos municípios, a composição mínima desse conselho é de quatro membros, representando:

a Secretaria Municipal de Educação ou órgão equivalente;

os professores e diretores das escolas;

os pais de alunos;

os servidores das escolas;

o Conselho Municipal ou Estadual de Educação, caso ele exista.

Mensalmente, o Poder Executivo estadual ou municipal é obrigado a disponibilizar ao Conselho do Fundef todos os dados e informações sobre os recursos recebidos e sua utilização. O Banco do Brasil, quando solicitado, fornece extrato bancário da conta do Fundef aos membros do conselho, deputados, vereadores, Ministério Público e Tribunais de Contas. Para obter o extrato, basta procurar o gerente da agência do Banco do Brasil onde é mantida a conta Fundef, com documento de identificação que comprove sua condição de representante com acesso à conta. Na internet, também estão disponíveis os dados sobre os valores repassados, nos links localizados no item Recursos.

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O Ministério da Educação, por intermédio do Departamento de Acompanhamento do Fundef, coordena e supervisiona o fundo em nível nacional, cabendo aos Tribunais de Contas a fiscalização sobre a correta aplicação dos recursos, de acordo com o artigo 11 da Lei 9.424/96. Contudo, há que observar o importante papel do Ministério Público de zelar pela garantia constitucional do Ensino Fundamental gratuito, exigindo, para tanto, o cumprimento, pelas esferas de governo responsáveis, dos dispositivos legais que disciplinam e oferecem os meios ao alcance desse importante direito do cidadão.

O governo federal recomenda a seguinte sequência de providências a serem adotadas, por parte dos interessados, em caso de descumprimento da legislação do Fundef:

procurar, primeiramente, os membros do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundef, bem como os governantes do estado/muni-cípio, para alertá-los, formalmente, sobre as impropriedades ou irregula-ridades praticadas, solicitando correções;

na sequência, se necessário, procurar os representantes do Poder Legis-lativo, para que estes, pela via da negociação ou adoção de providências formais, possam buscar a solução junto ao governante responsável;

ainda se necessário, recorrer ao Ministério Público, formalizando denún-cias sobre as irregularidades praticadas, para que a Promotoria de Justiça promova a ação competente no sentido de obrigar o Poder Executivo a cumprir as determinações contidas na lei do Fundef. Recomendamos o encaminhamento dessas denúncias, também, ao Tribunal de Contas a que o município/estado esteja jurisdicionado, tendo em conta a compe-tência do Tribunal na forma prevista no artigo 11 da Lei 9.424/96.

Em caso do não cumprimento das normas do Fundef, há consequências sérias tanto para o município quanto para a autoridade competente. Após a emissão de parecer do Tribunal de Contas rejeitando as contas do Fundef e a rejeição das mesmas pelo Congresso, Assembleia Legislativa ou Câmara de Vereadores, há a intervenção no estado ou município, a impossibilidade destes celebrarem convênios e também a realização de operações de crédito, perda da assistência financeira da União e processo de responsabilidade. A punição, nesse caso, chega a ser a perda do cargo e inabilitação do governador ou prefeito por até cinco anos para o exercício de qualquer função pública.

Finalmente, por crimes contra a lei orçamentária (Lei 1.079/50), o adminis-trador público pode perder o cargo e ficar inapto para o mesmo por até oito anos. Além dessas punições, este pode ser condenado à pena de prisão, que varia de um a quatro anos.

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A educação no Brasil nos anos 90: o desenvolvimento das políticas públicas de educação e a adequação ao mundo produtivo

1. Por que as autoridades brasileiras estão incentivando o aumento do investimento na educação básica?

2. Que relação existe entre a queda no investimento nas universidades, o aumento no investimento na educação básica e o fato de que as indústrias no Brasil estão requerendo menor conteúdo tecnológico? Você considera possível o Brasil voltar a produzir tecnologia investindo maciçamente somente em educação básica? Por que você tem essa opinião?

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A educação no Brasil nos anos 90: o desenvolvimento das políticas públicas de educação e a adequação ao mundo produtivo

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3. Que relação (ões) você enxerga entre o aligeiramento da formação de professores e o mundo da produção hoje, que parece exigir mais conhecimentos comportamentais e atitudinais?

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O modelo de gestão empresarial na educação:a escola vista como uma empresa

Visto o fato e as razões do fenômeno em que a escola passa a ser pautada pelo mundo produtivo, gostaríamos de terminar nosso curso destacando outro fenômeno intrínseco à submissão da escola ao mundo produtivo e que temos observado nos últimos anos no Brasil. Trata-se da transformação

da escola em empresa, fenômeno este que pode ser observado em vários momentos, mas onde se destaca a organização da escola como uma cópia do modelo de organização da empresa privada.

Em nosso entendimento, isso ocorre também em função da necessidade de conformação dos indivíduos ao mundo pós-fordista, onde a ideologia da empregabilidade, da competência e do indi-vidualismo são valores necessários à continuidade do processo de acumulação capitalista. Vemos, novamente, necessidade de organização do econômico definindo o que se faz em educação.

Para entender esse fenômeno, num primeiro momento, vamos explicar como este é incentivado pela própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96). Num segundo momento, embora esse fenômeno esteja ocorrendo em praticamente todo o Brasil, vamos aqui utilizar como exemplo o que foi feito, pelo menos até o ano de 2002, no Paraná. Nesse estado, as duas gestões de Jaime Lerner (1995/1998 e 1999/2002), adeptas da ideologia da transformação da escola em empresa como condição para a melhoria da qualidade em educação, tomou atitudes que nos servem de exemplo para pensar como deve ser uma escola quando gerida pela óptica da empresa privada.

A LDB e a transformação da escola em empresaComo vimos, as determinações atuais do capitalismo estão colocando condicionalidades ao

aparato das políticas públicas às nações. Num país devedor dos grandes bancos internacionais, como é o Brasil, essas condicionalidades e o paradigma de que tudo deve ser gerido como uma empresa, acabam colocando-se na ordem do dia. Essa virada na forma de ver e gerir a educação é consequência do imaginário neoliberal que coloca a empresa como o padrão de referência para tudo. De acordo com Hidalgo (2001, p. 174): “Os objetivos da modernização dos sistemas educacionais presentes nas reformas de ensino trazem em seu bojo a transferência dos princípios da administração de empresas para a gestão da escola”.

Além disso, de acordo com o mesmo autor: “A empresa adquire o status de modelo a ser seguido em razão da capacidade de dar resposta, de adaptação às pressões do mercado e de inovação. Como consequência desse processo, a administração pública é pressionada a desenvolver uma gestão racional” (Hidalgo, 2001, p. 174-175).

Assim, as medidas tomadas pelas reformas no ensino nos anos 1990 têm acentuado a adoção de uma lógica mercantilista e produtivista que acaba por determinar as formas pelas quais se estabelecem os objetivos, as formas de obtenção e avaliação da qualidade em educação.

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O modelo de gestão empresarial na educação: a escola vista como uma empresa

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Isso tem sido colocado nas últimas leis que regem os sistemas de ensino. Nesse sentido, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96) deixa de forma clara a mudança de paradigma para a educação no Brasil: a formação de trabalhadores para a empresa flexível, a transformação da escola em empresa e a adoção de um modelo gerencial da empresa. Nessa lei, dois grandes eixos da transformação da escola em empresa são colocados: o da flexibilidade e da necessidade da periódica avaliação, além da descentralização e a recomendação da avaliação dos alunos por competências.

Quanto à flexibilidade, esta pode ser analisada sob dois ângulos. Um primeiro, que vê a necessidade de um amplo trabalho com os alunos para que possam ter uma formação que os capacite para o trabalho flexível nas empresas. De outro, pode ser entendido como a necessidade da criação de uma quantidade relativamente grande de cursos, uma vez que o mercado capitalista atualmente possui a necessidade de um amplo leque de profissionais, aptos a trabalharem num leque também grande de negócios que estão surgindo atualmente (HARVEY, 2001). Isso pode ser constatado quando a referida lei afirma, no parágrafo 2.º de seu art. 8.º: “Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos da lei”. A ideia da formação de um trabalhador para uma condição de trabalho no paradigma flexível fica claro quando se constata, de acordo com Kuenzer (2000).

Outro eixo que fica claro quando da análise da LDB é a necessidade da avaliação periódica do trabalho pedagógico. Confundindo o trabalho numa escola com o trabalho numa empresa, onde o toyotismo implantou um rígido sistema de controle da qualidade pela avaliação do produto, os alunos passam a ser vistos como o produto da ação pedagógica, sendo necessária a cada momento a avaliação desse para verificar como está indo o processo de educação.

Além disso, a lei prevê a possibilidade da descentralização do ensino. Na realidade, há um processo onde se tem a descentralização das tarefas, sem que ocorra a descentralização da possibilidade das decisões sobre os processos pedagógicos e curriculares. Essa ideia de descentralização das tarefas com a centralização da concepção é retirada também da gestão das empresas, uma vez que na atualidade os diversos mecanismos da microeletrônica, que trouxeram tecnologias de comunicação, estão permitindo às empresas adotarem mecanismos de coordenação eficiente mesmo a longas distâncias. Com isso, há a possibilidade de instalação de filiais de empresas em diversos locais com as mesmas estratégias e gestão centrais. Ou seja, na educação continua sendo válido o conceito fordista da separação entre concepção e execução: enquanto uma equipe central concebe, os professores nas várias escolas executam. Nesse sentido, há quem diga que hoje o Brasil tem um sistema nacional de avaliação, e não um sistema nacional de educação.

Finalmente, a LDB também coloca a necessidade dos sistemas de ensino trabalharem para a formação de alunos competentes, aptos a serem flexíveis no mercado de trabalho. Segundo Kuenzer (2000), a formação por competência é típica e somente adequada na empresa ou num sistema de ensino que busque a formação do indivíduo para o trabalho diretamente, ou seja, na educação profissional. Com isso, verifica-se novamente a verdadeira intencionalidade das alterações curriculares de modo de gestão do ensino no Brasil nos últimos anos.

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O modelo de gestão empresarial na educação: a escola vista como uma empresa

A adoção do novo modelo gerencial na educação pública no Paraná e seu sentido

Em tal perspectiva, verifica-se que o Estado passa a funcionar como um elemento regulador, controlador e fiscalizador do sistema educacional, no sentido de conformação do trabalhador aos processos de trabalho. Todavia, mediante o discurso das vantagens da autonomia escolar e do envolvimento da comunidade, estimula o desenvolvimento de um sistema de competição entre as escolas, para que assumam e desenvolvam isoladamente projetos educacionais autônomos, que visem exclusivamente o atendimento de necessidades imediatas de aprendizagem (HIDALGO, 2001).

Nesse sentido, instalou-se, por exemplo, na gestão da escola pública no Paraná, o paradigma da empresa. Isso pode ser verificado em várias falas, projetos, prêmios e ações administrativas da Secretaria da Educação do Estado do Paraná (Seed). Vejamos:

Transformação do aluno em cliente – por meio de várias formas, mas principalmente na linguagem com que a secretaria da educação passa a tratar os alunos, estes passam a ser vistos não mais como “cidadãos”, mas sim como “clientes”. De acordo com Hidalgo (2001), essa forma de gestão expressa a “racionalidade econômica e os métodos da admi-nistração privada para a escola, passando a conceber o aluno como um consumidor individual”.

Adoção do princípio da eficiência – altamente influenciado pela ideia liberal de que empresa boa é a empresa competitiva e que dá lucro, a reforma educacional atualmente em curso no Paraná traz consigo a ideia de que escola boa tem que ser competente. Assim, deixam de ser veri-ficadas e consideradas como parâmetros de avaliação elementos mais qualitativos ou políticos, como por exemplo que projeto político a escola tem para o público a qual atende. Como uma empresa, onde a eficiência é medida pela produção e produtividade a um custo baixo, passam a ser verificados apenas dados quantitativos, como o número de alunos matri-culados e aprovados.

Dessa forma, a ideia do aumento dos cursos supletivos, a tentativa da Seed em acabar com o ensino regular noturno, além dos projetos de correção de fluxo, nada mais são que tentativas de aumentar a eficiência da escola, aumentando a produção. Como esta tem que ocorrer com o menor custo possível, a reforma no Ensino Médio, por exemplo, pode também ser entendida como uma maneira de também reduzir custo. De acordo com a Seed, o custo de um aluno/ano, no Ensino Médio de educação geral é de aproximadamente R$600,00 contra mais de R$1,8 mil nos antigos cursos técnicos e profissionalizantes.

Estímulo à competição entre as escolas – para estimular a adoção desses princípios entre as escolas, o governo do Paraná está instituindo mecanismos que estimulam a competição entre as escolas. A partir da

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ideia de Smith de que a competição, trazendo benefícios aos indivíduos isolados, traz como resultado uma melhora na condição de competição e, portanto, uma melhora na sociedade, a competição é vista como uma forma de aumentar a eficiência da educação aumentando a eficiência em cada unidade isolada.

A responsabilidade pela inovação passa a ser cobrada da unidade escolar isoladamente, enquanto os sistemas de avaliação se encarregam da divulgação dos melhores resultados e, portanto, das melhores escolas. Esse estímulo pode ser verificado tanto no pagamento maior ao gestor (antigo diretor) da escola que apresenta um número maior de alunos quantos nos prêmios e estímulo à gestão.

Prêmio de estímulo à escola padrão em gestão educacional – como estímulo à adoção de uma gestão mais empresarial, o governo do Paraná instituiu um Prêmio de Gestão Escolar. O interessante é que os ganhadores sempre são aquelas escolas que tentam encontrar formas de conseguir melhor gerir os recursos públicos, ou como buscar com a comunidade interações para que esta se responsabilize, inclusive financeiramente, pela manutenção da escola.

De acordo com o Jornal da Educação, publicação mensal da Seed que chega às escolas, o “objetivo do prêmio é estimular a busca pela exce-lência em administração escolar e a oferta de um ensino de qualidade, com diálogo e parceria com a comunidade” (Jornal da Educação, n. 27, p. 3). Segundo a mesma publicação, para ganhar o prêmio a escola tem que “demonstrar excelência em gestão pedagógica, gestão participativa e estratégica, gestão de pessoas e gestão de serviços de apoio, recursos físicos e financeiros” (Jornal da Educação, n. 27, p. 3 e 4).

Mudança do diretor para o gestor – talvez uma das mais sensíveis mudanças no paradigma de gestão da educação no Paraná: para a Seed não existe mais diretor, mas sim gestor da escola. Como na empresa, onde um gerente é responsável pela efetivação dos planos concebidos pela diretoria, o gestor escolar passa a ser o responsável pela efetivação, na escola, pelos princípios concebidos pela Seed. Para conseguir isso, inclusive, o governo adotou um mecanismo de eleição dos atuais gestores, antigos diretores, que possibilitou ao governo praticamente “escolher” quem seria o vencedor. Nesse sentido, num dos famosos cursos de capacitação em Faxinal do Céu para diretores, cujo tema era Construindo a Gestão Escolar, no documento distribuído para os participantes, pode-se ler que “a atribuição da função de diretor de Instituições Públicas passou a ser ato discricionário (conveniência e oportunidade) da administração” (SEED, 2000). De acordo com a Secretaria da Educação, no mesmo Jornal da Educação n. 27, p. 3: “A gestão da escola pública exige profissionalismo, por isso devemos continuar investindo na capacitação dos diretores como gestores de recursos humanos, físicos e financeiros”.

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Pagamento diferenciado para o gestor – o gestor da escola recebe pagamento, de acordo com recentíssima deliberação da Seed, com uma gratificação diferencial de acordo com o número de alunos matriculados na escola pela qual é responsável. Assim, verifica-se uma inversão de conceitos, próprio da empresa, em que o “melhor gestor é aquele que produz mais”, ou seja, consegue chamar e manter maior número de alunos na instituição escolar. Quem é responsável por isso é o gestor, que será o mais eficiente possível quanto mais parcerias conseguir fazer com a comunidade para ter mais alunos na escola (Jornal da Educação, n. 27).

Outra função prioritária do gestor é buscar, por meio dessas parcerias recursos financeiros para a escola. No referido encontro de gestores, o documento entregue aos mesmos também diz que: “Cabe à escola, juntamente com o Conselho Escolar e a APM, priorizar as necessidades e utilizar, da melhor maneira possível, os recursos recebidos de diversas fontes, tais como: contribuições voluntárias dos sócios, auxílios e subvenções de órgãos públicos, doações de pessoas físicas e jurídicas, campanhas e promoções, convênios, além de outras fontes” (SEED, 2000, p. 19). Com isso verifica-se que a responsabilidade da busca por recursos é obrigação do gestor e da escola.

Descentralização administrativa – a descentralização administrativa que é então levada a cabo pelo atual governo do Paraná é uma tentativa de reduzir seus custos, no momento que a sociedade passa a responsabilizar--se pela manutenção da escola. Isso é facilmente verificado no momento em que não ocorre o mesmo com a reestruturação pedagógica que se deu com a reforma do ensino. Pelo contrário, em vez de deixar as escolas pensarem em seus projetos de currículo, que é permitido pela atual LDB e pelos DCNEM (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio) o governo paranaense simplesmente preferiu, segundo Hidalgo (2001), por motivos de custo, fazer com que todas as escolas de Ensino Médio, por exemplo, adotassem praticamente a mesma proposta curricular, bem como a extinção dos cursos profissionalizantes. De acordo com Gentilli (2001), temos uma educação que é descentralizada para os custos e centralizadas para o pedagógico.

Programa de qualidade na educação – oriundo do paradigma do mundo do trabalho que pensa no gerenciamento da qualidade do produto, esse programa tenta pensar em como aumentar a qualidade da educação. Mas os parâmetros utilizados são os mesmos da empresa privada, no sentido de que, antes de fazer qualquer alteração na forma de produção, é necessário antes mudar a concepção do trabalhador. Assim, criou os cursos de imersão em Faxinal do Céu, onde os professores ficam uma semana inteira imersos num ambiente que tenta criar um “espírito de equipe” entre os profissionais da educação, além de deixar claro sua missão como o grande responsável pela mudança na qualidade na educação, exatamente como na empresa, onde o trabalhador é responsabilizado, cada vez mais pelo produto final.

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Além disso, o programa conta com uma proposta de controle da informação de pessoal, bem como do sistema escolar como um todo, o que permite a adoção, o gerenciamento e a tomada de medidas administrativas em tempo quase instantâneo à ocorrência dos fatos. Com isso, há melhor gerencia-mento de alunos e pessoal, segundo a Seed (Jornal da Educação, n.28). A adoção de tais requisitos permite também saber qual a relação aluno/profes-sor a todo e qualquer momento, permitindo à Seed economizar em recursos humanos, tanto funcionários administrativos quanto de professores.

Criação da Paraná Educação – outra forma de verificar como o governo paranaense cada vez mais adota o paradigma da gestão privada para a escola, portanto para o público, é a criação por parte deste em 1998 de uma empresa, juridicamente uma aberração, pois se trata de uma entidade privada, mas cujo patrimônio provém de recursos públicos, mas que permite ao governo contratar professores sem concurso público: a Paraná Educação. Permitindo esse tipo de contratação, na realidade o governo do Estado passa a ter a possibilidade de uma maior flexibilidade no seu quadro de pessoal, podendo dispor de um quadro maior quando necessário, e dispensá-lo sem maiores custos quando não mais necessário.

Esse é o comportamento adotado pelas empresas, que tratam de exter-nalizar suas atividades menos intelectualizadas, por meio da subcontra-tação de partes do processo produtivo, ou mesmo subcontratar para as tarefas mais simples dentro da empresa. Isso lhe permite dispor de uma mão de obra barata quando a demanda assim exigir, e dispensá-la sem maiores ônus para o capital assim que essa demanda recue.

Adoção de um currículo por competências e habilidades – se depender das diretrizes do atual governo, a escola passará apenas a formar indivíduos aptos a trabalhar na empresa flexível. Para isso, exigiu das escolas que modificassem seus currículos para com o paradigma de buscar competências e habilidades. Entre essas competências, está claramente destacada a capacidade de trabalhar em grupo, de ler informações a partir de diversas fontes e de ter conhecimento para poder resolver problemas do cotidiano e do mundo fabril. O governo do Paraná tentou a todo custo colocar esse modelo na mente dos professores.

Criação do supervisor líder – adotando outro critério da empresa, a Seed está criando, por meio dos núcleos regionais de educação, a função do supervisor líder, com uma gratificação sobre seu salário. Esse supervisor, dentro dessa nova função, passa a trabalhar com os outros supervisores de uma determinada área onde há várias escolas, para que estes trabalhem junto com os professores as propostas colocadas pelo governo. Para isso, este tem que pensar e incentivar, como um líder, a adoção de ações em cada escola que possibilitem a implantação das novas formas de trabalho. É impressionante a relação dessa função (inclusive no nome)

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com o mundo do trabalho numa empresa flexível, em que as células de produção contam com um líder que, entendendo o que a administração quer do produto a ser obtido, passa a planejar, pressionar e incentivar os outros operários à adoção das ações para atingir esse objetivo.

Extinção do Projeto Político Pedagógico – para a Seed não existe mais Projeto Político Pedagógico. Existe sim uma “proposta pedagógica”, pois exigiu das escolas que refizessem seus Projetos Político Pedagó-gicos, redefinindo funções e ações, mas no sentido de trazer maior ins-trumentalidade à proposta da escola, como se o que se ensina na escola não levasse uma concepção política. Na realidade, isso é fruto do pen-samento dominante inserido na sociedade depois da adoção da forma flexível e neoliberal para a superação da crise do capitalismo, de que o cidadão não precisa preocupar-se com política. Esse pensamento provém da concepção de que não existe mais necessidade de discutir para onde vai a sociedade, uma vez que esta já encontrou como deve funcionar e para onde vai. Como percebemos, esse pensamento não encontra a me-nor sustentação empírica, uma vez que um novo projeto de concepção de mundo e de sua regulação está em marcha.

Flexibilização do horário de aula – outra medida adotada pelo governo que obriga a escola a funcionar como uma empresa é a criação dos cursos supletivos não presenciais, em que o aluno matricula-se e estuda em casa, indo à escola apenas quando tem alguma dúvida e/ou para fazer as provas. Nessa modalidade, o aluno não tem mais um horário rígido de aulas, podendo preencher os espaços vazios de que dispõe para estudar.

Embora não possa ser negada a positividade dessa iniciativa pelo governo, uma vez que pelo menos o aluno assim pode ir à escola, coisa que se tornaria difícil ou impossível graças ao horário também flexível em que trabalha, duas questões merecem destaque. Em primeiro lugar não parece haver muita dúvida quanto às vantagens de um regime de estudo presencial, que garante uma continuidade maior dos estudos, mais disciplina, além de um contato maior com uma turma, bibliotecas e professores. Assim, muitas dúvidas pairam sobre a real qualidade de um ensino nesses moldes. Em segundo lugar, é fácil perceber que essa iniciativa é também uma outra forma da busca da conformação do modelo de educação à produção flexível. O capital se beneficia principalmente pela aceitação maior que o trabalhador, estudando num regime como esse, terá por um trabalho com horário flexível. De acordo com o Jornal da Educação, n. 24, são 250 mil alunos matriculados nos conhecidos CEEBJA (Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos).

As mudanças em curso atualmente na educação do Paraná, especialmente a adoção do paradigma, podem ser compreendidas como uma tentativa do capital em racionalizar a compreensão e sobretudo a aceitação por parte da mão de obra de uma nova forma de produzir. De acordo com Gramsci (1989), isso já ocorreu no mundo capitalista para a consolidação do fordismo. Segundo o autor, na época de

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implantação desse sistema de produção, os trabalhadores estavam acostumados ao trabalho organizado na forma de ofícios, o que fez o fordismo encontrar uma forte resistência dos trabalhadores ao apresentar a ideia de um trabalho parcelar, mecanizado e repetitivo. Para conseguir a aceitação dos trabalhadores para um trabalho desse tipo foi necessário, além de salários mais altos, que evidentemente logo recuaram quando o sistema se implantou em todas as indústrias, do apoio e a concordância de outras instituições da sociedade.

Entre essas instituições, uma das mais relevantes foi a escola, no sentido de um local de disciplinamento da mão de obra industrial, acostumada a esse tipo de trabalho. De acordo com Enguita (1994), os alunos, educados a uma vida livre de horários, tinham que ser habituados à obediência a normas rígidas, para que fossem futuros trabalhadores condicionados a aceitarem a autoridade e ao trabalho num horário rígido e não mais livre como até então estavam acostumados.

Ainda segundo Gramsci (1989), uma outra maneira de verificar o papel da escola na sociedade capitalista é que nessa sociedade, classista, os blocos no poder necessitam da obtenção da hegemonia para que continuem se perpetuando no poder. A obtenção dessa hegemonia depende, além do poder da força, do poder da persuação, que trabalha com o consenso da sociedade para que a nova forma de produzir a riqueza seja aceita por todos. Nesse sentido, a escola é um elemento importante na obtenção desse consenso.

São com esses olhos que devem ser entendidas as atuais mudanças nos currículos, nas estruturas e na forma de gestão da educação atualmente em curso no Paraná. Com a possibilidade da consolidação de uma nova forma de produzir, de base flexível, as resistências dos trabalhadores, bem como sua própria dificuldade ao trabalho flexível e precarizado, necessitam de uma escola que tente condicionar o trabalhador a essa nova base de produção.

Por outro lado, no momento atual, onde essa forma de produzir ainda não consolidou-se, as classes que se adonaram do poder durante o regime de acumu-lação fordista/keynesiano precisam de uma nova forma de persuação das outras classes para que não percam a hegemonia e, portanto, sua legitimidade. Como a base material de produção se revoluciona, há a necessidade de um consenso novo, portanto revolucionário, sobre a forma de planejar e ordenar a vida. Assim, de acordo com Katz e Coggiola (1996), a escola estaria contribuindo para uma revo-lução pacífica na sociedade capitalista atual.

Os cidadãos/trabalhadores têm que estar aptos a “trabalhar em equipe”, estar prontos e aptos para “aprender a aprender” e, principalmente, estarem preparados para uma vida em que terão um trabalho que não durará muito tempo. Na realidade, têm que se acostumar a estar, constantemente, mudando de trabalho.

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1. Existe(m) relação(ões) entre o mundo do trabalho e a necessidade do diretor virar gestor, do currículo por competências e habilidades, o uso de termos como “educação de qualidade” ou “educação eficiente”? Explique.

2. Das ações de transformação da escola em empresa, elencadas anteriormente, quais você já presenciou ou ficou sabendo que estava sendo adotada em alguma escola?

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Marcos Antônio de OliveiraSérgio Aguilar Silva

FundAMEntOSEcOnôMicOS dA EducAçãOFundAMEntOS

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Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-3174-0

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