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Gastronomia e Turismo - Regina G. Schluter

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Gastronomia e Turismo

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— c o l í ç Ao ------

ABCDO TUm SM O

Gastronomia e Turismo

Regina G. Schiüter

Os legados históricos estão entre os mais importantes atrativos para o turismo. Basta obsen/ar as multidões que visitam Machu Picchu e os castelos e catedrais da Europa.

No entanto, os aspectos tradicionais da cultura, como as festas, as danças e a gastronomia, também fazem parte do consumo turístico. Nesse contexto, as receitas culinárias constituem um bem cultural tão valioso quanto um monumento, já que possibilitam entender a história de um lugar por meio de sua gastronomia.

Com a cozinha atual sendo afetada pela globalização, que padroniza tudo, esse interesse do turismo pela gastronomia pode ajudar a resgatar antigas tradições que estão prestes a desaparecer.

Este livro despertará o leitor para o fascinante mundo da gastronomia e saciará sua curiosidade sobre vários aspectos deste rico segmento do turismo.

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GASTRONOMIA E TURISMO

Regina G. Schlüter

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Copyright © 2003 by Editora Aleph Coleção ABC do Turismo - Gastronomia e

C r é d it o s

S u p e r v isã o e d it o r ia l ; Betty Fromer Piazzi T r a d u ç ã o : Roberto Sperling CAPA: André Felipe de Paula Il u s t r a ç ã o d a CAPA: Nathalia de Castro e PaulaC o o r d e n a ç ã o e d it o r ia l ; Adriano Fromer Piazzi e Débora Dutra VieiraR e v is ã o : H e b e Ester LucasP r o d u ç ã o g r á f ic a : José Roberto PetroniR e v isã o t é c n i c a : M aria Genny CaturegliP r o je t o GRÃFICO: Neide SiqueiraE d it o r a ç ã o e f o t o l i t o s ; Jo in Bureau

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n° 9 .6 1 0 de 19/2/1998. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida seja qual for a forma ou o meio - eletrônico, mecânico por fotocópia, gravação ou outro - sem a permissão dos proprietários de direitos autorais.

Aleph Publicações e Assessoria Pedagógica Ltda.R. Dr. Luiz Migliano, 1110 - cjs. 301/302 05711 -0 0 1 - São Paulo - SP - Brasil Telefone: (11) 3 7 4 3 -3 2 0 2 www.editoraaleph.com.br [email protected] .br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Schlüter, Regina G.Gastronomia e turismo / Regina G. Schlüter ; tradução Roberto

Sperling. - São Paulo : Aleph, 20 0 3 . - (Coleção ABC do Turismo)

Título original : Gastronomia y turismo Bibliografia.

1. Cultura 2 . Gastronomia 3. Turismo L Título. II. Série.

0 3 -0 3 7 0 C D D -3 0 6 .4 8 1 2

'ERIOR

índices para catálogo sistemático;

1. Gastronomia e turismo : Cultura ; Sociologia 3 0 6 .4 8 1 22. Turismo e gastronomia ; Cultura : Sociologia 3 0 6 .4 8 1 2

2“ Edição Revista 2 0 0 6

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SUMÁRIO

Apresentação................................................................ 7

1. Introdução.......................................................... 9

2. Cultura e Alimentação...................................... 13

3. Consumo de alimentos...................................... 19

4. Gastronomia e estilos de vida........................... 27

5. Cenários gastronômicos.................................... 39

6. Ritos e rituais da mesa...................................... 51

7. Festa e festivais.................................................. 57

8. Gastronomia e turismo cultural...................... 69

9. Rotas gastronômicas......................................... 73

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10. A gastronomia nos museus.............................. 81Museu da Cerveja Kunstmann -Valdivia, Chile..................................................... 84

11. Comentário final................................................ 89

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Referências Bibliográficas........................................... 91

Sobre a autora ............................................................. 95

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APRESENTAÇÃO

D inâmica e promissora, abrangente e eclética, a área de Turismo surge como um verdadeiro ma­

nancial de oportunidades profissionais, exigindo de seus estudantes uma ampla gama de conhecimentos técnicos e generalistas. E como estar por dentro de tan­tos assuntos quando o tempo é curto e, muitas vezes, o dinheiro também?

A necessidade estava ali, e do espírito inovador do amigo Marcos Mendonça, da MJ Livros - um apaixona­do por livros e por turismo - nasceu a idéia pela qual lhe somos profundamente gratos: publicar uma coleção de títulos que tivesse por objetivo fixar conceitos e esclare­cer dúvidas sobre os principais tópicos da área de uma forma rápida, mas eficiente. Sucinta, mas interessante. Simples, mas conclusiva.

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C oleção ABC d o Turismo

NÓS demos asas a essa idéia e agora ela levanta vôo com a Coleção ABC do Turismo. Em volumes com­pactos, linguagem fácil e visual atraente, os estudantes de Turismo e Hotelaria encontrarão conteúdos de alta qualidade e informações atualizadas em textos elemen­tares escritos por alguns dos mais conceituados profis­sionais do segmento. Não há nada igual no mercado.

Agora é com você, leitor. O conhecimento está aqui, pronto para ser absorvido com clareza, objetividade e, por que não dizer, com muito prazer.

Editora Aleph

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1. INTRODUÇÃO

/ j s estudiosos em ciências sociais ainda discutem as origens do turismo. Não obstante, há coincidên­

cia no aspecto de que quando as pessoas sentiram-se livres para deslocar-se segundo seu gosto e conveniên­cia, o patrimônio exerceu um papel preponderante.

Desde o Grand Tour dos jovens aristocratas ingle­ses, passando pela Wanderlust dos alemães dos princí­pios do século XX, e continuando com as mais recentemente popularizadas modalidades turísticas, como o ecoturismo e o turismo urbano, o turismo tem sua raiz nas diferentes manifestações patrimoniais, sejam elas naturais ou culturais.

Embora em grande parte do mundo falte informa­ção empírica sobre o turismo baseado no patrimônio, sabe-se que os locais históricos encontram-se entre os mais importantes atrativos para o turismo internacio­

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nal. Para avaliar sua importância basta observar as multidões de turistas que visitam Machu Picchu, as pirâmides maias e os castelos e catedrais da Europa.

No entanto, não só o legado monumental arquite­tônico ou artístico “visível” constitui um foco de aten­ção. Os aspectos tradicionais da cultura, como as festas, as danças e a gastronomia, ao conter significados sim­bólicos e referirem-se ao comportamento, ao pensa­mento e à expressão dos sentimentos de diferentes grupos culturais, também fazem parte do consumo turístico, sejam por si mesmas ou como complemento de outras atrações de maior envergadura.

A partir de 1997 a Unesco introduziu o conceito de patrimônio intangível, ao qual definiu como o conjun­to de formas de cultura tradicional e popular ou fol­clórica, ou seja, as obras coletivas que emanam de uma cultura e se baseiam na tradição. Essas tradições são transmitidas oralmente ou mediante gestos e se modi­ficam com o transcurso do tempo por um processo de recriação coletiva. Incluem-se nelas as tradições orais, os costumes, as línguas, a música, as danças, os ri­tuais, as festas, a medicina tradicional e a farmacopéia, as artes culinárias e todas as habilidades especiais re­lacionadas com os aspectos materiais da cultura, tais como as artes e o hábitat.

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G astron om ia e turism o

O patrimônio intangível concerne a cada pessoa, já que todo indivíduo é portador do patrimônio de sua pró­pria comunidade. De outra forma, também é sumamente frágil devido às mudanças naturais ocorridas na socieda­de e às viagens, que somadas à exposição dos meios de comunicação de massa fazem com que nas últimas déca­das tenhamos visto uma “homogeneização da cultura”, que tende a ressaltar as expressões culturais dos países industrializados em detrimento dos hábitos locais. Isso é particularmente notório entre os grupos minoritários e nas sociedades afastadas dos grandes centros de poder.

( Como destacam os estudiosos, a gastronomia está assumindo cada vez maior importância como mais um produto para o turismo cultural. As motivações princi­pais encontram-se na busca pelo prazer através da ali­mentação e da viagem, mas deixando de lado o standard para favorecer o genuíno. A busca pelas raízes culiná­rias e a forma de entender a cultura de um lugar por meio de sua gastronomia está adquirindo importância cada vez maior. A cozinha tradicional está sendo reco­nhecida cada vez mais como um componente valioso do patrimônio intangível dos povos. Ainda que o prato esteja à vista, sua forma de preparação e o significado para cada sociedade constituem os aspectos que não se vêem, mas que lhe dão seu caráter diferenciada^

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/Esse interesse do turismo pela gastronomia pode

ajudar a resgatar antigas tradições que estão prestes a desaparecer./Atualmente a cozinha tradicional não s_á foi ãFétâda pela globalização, que padroniza tudo, mas também sofreu os efeitos de uma pós-modemidade que, se muitas vezes representa um sincero esforço de re- novação irnaginatíva. outras tantas utilizã^glacês, ge- latinas , flambados, musselinas e aromas evanescentes de forma gratuita e trivial.

Essajsituação implicou ultimamente a necessidade de revalorizar o patrimônio gastronômico regional, já que é um dos pilares sobre os quais deveria se fundamentar em grande p ^ e p desenvolvimento do turismo cultural. É importante mencionar que durante o congresso da Unesco sobre Turismo Cultural na América Latina e no Caribe, realizado em Havana, Cuba, elaborou-se um do- cumento-l^se que define as receitas culinárias como um bem cultural tão valioso quanto um monumento, e no quai se destaca que toda política cultural bem conce­bida deve assumir o jito de comer, visto como uma tradição e, ao mesmo tempo, como um ato de criativi- dade, não sendo simplesmente um ato alimentar.

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1. Preparado culinário de que há várias espécies - doces e sal­gadas e de carnes e peixes - todas as quais levam ovos, sobretudo claras em neve. (N. do T)

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2. CULTURA E ALI/WENTAÇÃO

A alimentação cumpre com uma função biológica ao fornecer ao corpo as substâncias indispensá­

veis para sua subsistência. Os alimentos permitem in­corporar elementos que proporcionam ao organismo os nutrientes indispensáveis para sua existência, ra­zão pela qual faz-se necessária uma seleção em fun­ção das atividades que o homem realiza. A alimentação é um processo consciente e voluntário que se ajusta a diferentes normas segundo cada cultura, e no qual p ser humano é socializado desde o seu nascimento. Desse modo, o conceito de alimentação implica tanto os processos nutritivos e a regulagem e o controle dieté- ticos como o marco cultural e social em que se locali- ^ m esses comportamentos e normas alimentares.

Levando em conta os fatores biológicos relaciona­dos com o sistema digestivo e as necessidades básicas

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de um organismo para a sua sobrevivência, faz-se ne­cessária uma dieta bem equilibrada que contemple a ampla gama de alimentos disponíveis, tanto de proce­dência animal como vegetal. Praticamente não há gru­pos humanos que sejam somente carnívoros ou vegetarianos. O que predomina é uma maior quanti­dade de carne ou de vegetais na preparação dos pra­tos. Em geral, considera-se que o gaúcho se alimenta somente com carne assada, mas embora ela seja consumida em abundância, sempre está acompanha­da pelo mate, que lhe oferece os elementos necessá­rios para completar sua dieta. Da mesma forma, os vegetarianos geralmente ingerem uma variada gama de produtos obtidos sem sacrificar os animais, como lácteos, ovos, etc.

Assim mesmo, há fatores genéticos hereditários relacionados com a intolerância a certos alimentos. En­tre eles cabe mencionar três, de caráter biológico, que definem a ausência de determinados alimentos na di­eta de diferentes culturas: a intolerância à lactose, à sacarose e ao glúten.

A lactose encontra-se unicamente no leite, e a lactase, a enzima que a metaboliza, está presente em alguns grupos humanos apenas durante a infância, enquanto que em outros essa presença se estende ao

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longo de toda a vida. Originalmente pensava-se que o leite era “saúde engarrafada”, até que em 1965, com base em diferentes estudos realizados nos EUA, desco­briu-se que a maioria dos adultos não pode digerir o leite. Os grupos étnicos com marcada intolerância à lactose e, por conseguinte, ao leite de búfala e ao de vaca (o leite de ovelha e o de cabra a contêm em me­nor quantidade), incorporam em suas dietas somente produtos derivados, como queijos e iogurtes. Atual­mente enfatiza-se os problemas que derivam do con­sumo do leite em populações intolerantes à lactose: diarréia, vômitos, hemorragias, dores estomacais, etc., devido às campanhas indiscriminadas que se realizam nos meios de comunicação de massa sobre suas virtu­des, da mesma forma que a inclusão do leite nos pla­nos de assistência às populações carentes.

A incorporação do açúcar nas dietas de grupos ét­nicos que tradicionalmente não o consumiam criou problemas como, por exemplo, o surgimento de enfer­midades como o diabetes. Algo semelhante se observa no mundo ocidental industrializado, caracterizado pelo sedentarismo, onde o açúcar passou de um bem escas­so a um produto de fácil obtenção.

A sensibilidade ao glúten é hereditária e se mani­festa naquelas sociedades que se desenvolveram no

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âmbito das áreas onde se cultivavam cereais, particu­larmente o trigo. As pessoas que apresentam uma mar­cada intolerância a alguns cereais (trigo, aveia, centeio e cevada - TACC) estão recebendo mais atenção a cada dia que passa.

No entanto, o alimento não é simplesmente um objeto nutritivo que permite saciar a fome, mas algo que também tem um significado simbólico em uma determinada sociedade. Partindo de elementos simila­res, distintas culturas preparam sua alimentação de di­versas formas. Essa variedade na preparação dos pratos está condicionada pelos valores culturais e códigos so­ciais a partir dos quais as pessoas se desenvolvem.

Do mencionado anteriormente depreende-se que os hábitos alimentares variam de uma cultura para outra. Apesar de a alimentação ser um ato individual, na escolha dos alimentos intervém uma série de con­dicionamentos que fazem com que tudo o que é co­mestível não seja consumido necessariamente em todas as sociedades.

No ato da alimentação o homem biológico e o ho­mem social ou cultural estão estreitamente ligados e reciprocamente implicados, já que nesse ato pesa um conjunto de condicionamentos múltiplos, unidos me­diante interações complexas: condicionamentos e

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regulagens de caráter bioquímico, termodinâmico, metabólico ou psicológico; pressões de caráter ecoló­gico; modelos socioculturais; preferências e aversões individuais ou coletivas; sistemas de representações ou códigos (prescrições e proibições, associações e exclu- sões); “gramáticas culinárias”, etc. Tudo isso influi na escolha, na preparação e no consumo de alimentos.

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3. CONSUMO DE ALIMENTOS

D iferentemente dos animais, o homem não só par­tiu para a caça e coleta, mas também aprendeu a

cultivar plantas, criar animais e cozer seus alimentos. Isso teve uma grande influência em tornar comestí­veis os produtos que originalmente não o eram e no desenvolvimento de uma série de técnicas relaciona­das com a confecção de recipientes e utensílios de co­zinha, de normas para a utilização de talheres, jogos de mesa, etc. que, por sua vez, se traduziram em um elaborado sistema de regras de etiqueta conhecidas como boas maneiras.

É possível distinguir dois sistemas alimentares, o tradicional e o atual. O primeiro caracterizava-se pelo consumo de produtos básicos que podiam ser obtidos durante todo o ano, quer fossem frescos, quer prepa­rados de maneira tal que pudessem servir como ali­

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mento. Como exemplo podemos mencionar os cereais, cuja existência deu origem a verdadeiras culturas alimen- tares, tendo um valor simbólico e afetivo. O sistema tradi­cional complementava-se com produtos de estação ou secundários, como legumes, frutas e verduras.

As sociedades tradicionais foram aprendendo, atra­vés do tempo, a prolongar o consumo de produtos sa­zonais mediante técnicas de elaboração como conservas, embutidos^ e o processo de agregar sal, principalmente a carnes e pescados.

Na atualidade é possível comer qualquer alimento, em todo momento e lugar e na quantidade desejada, caso se disponha do dinheiro necessário. Muitos fato­res atuam na alimentação dos países modernos. Não há dúvida de que o prazer gastronômico e a busca de prestígio tendem a aumentar, todavia a condição fi­nanceira aparece como uma variável maior explicativa do comportamento.

Embora hoje as restrições alimentares estejam as­sociadas ao poder de compra das pessoas, é importan­te fazer algumas considerações de caráter cultural que

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2. Intestinos de animais recheados com carne, semelhantes à lingüiça. (N. do T.)

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se relacionam não só ao campo religioso e festivo, mas também à alimentação cotidiana.

Entre esses aspectos, cabe ressaltar o que é comestí­vel para um grupo de pessoas e não o é para outro. Com base em diferentes estudos, é possível distinguir o processo que as pessoas utilizam quanto ao que consi­deram alimentos, classificados nas seguintes categorias:

1. Alimentos não comestíveis: Em primeiro lugar encontram-se os venenosos, seguidos por aqueles associados a tabus como o são em algu­mas culturas os animais mortos por enfermida­des desconhecidas, animais cuja alimentação baseia-se em carniça, etc.

2. Comestíveis para os animais mas não para mim: Aqui se enquadram alimentos que geralmente constituem a base da dieta dos ani­mais de granja, como determinados cereais, in­setos, rãs, caracóis, etc.

3. Comestíveis para os humanos mas não de minha categoria: São alimentos reconhe­cidamente consumidos em outras culturas, em­bora o consumo não seja tolerado na própria, por exemplo, a carne de cães, gatos, coelhos, insetos, etc., que constituem um manjar em

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determinadas culturas, mas não são aceitas na própria.

4. Comestíveis para os humanos mas não para mim: Aqui se estabelece uma relação em função das preferências pessoais ou das restri­ções por questões de saúde.

5. Comestíveis para mim: São todos aqueles alimentos que constituem parte da dieta pes­soal dos indivíduos.

Também são atribuídas propriedades afrodisíacas aos alimentos. Os órgãos sexuais dos animais conside­rados fortes são oferecidos aos jovens para que assimi­lem essas propriedades. Por exemplo, ainda hoje, na área rural argentina, quando se retiram os testículos de um bezerro macho, eles são preparados especial­mente para os varões com o objetivo de que “fiquem fortes como um touro”. Muitas sociedades associam determinados alimentos com propriedades afrodisíacas. Um exemplo são as ameixas, que na época da rainha Elizabeth I da Inglaterra eram oferecidas gratuitamente nos prostíbulos por suas propriedades afrodisíacas.

Da mesma forma que na análise das motivações turísticas, a teoria de Maslow pode ser aplicada aos hábitos alimentares:

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1. Satisfação das necessidades básicas:Constitui a etapa mais básica e se relaciona com a aquisição de alimentos para a sobrevivência.

2. Necessidade de segurança: Uma vez satis­feitas as necessidades básicas, pode-se pensar em armazenar comida para o futuro. Geralmen­te compreende enlatados, embutidos, conser­vas, etc.

3. Necessidade de pertinência: É aquela co­mida que indica fazer parte de um grupo, como, por exemplo, a carne assada ou o mate para os argentinos.

4. Status: Há alimentos que se associam a deter­minadas classes sociais, como o caviar ou o sal­mão. Poder consumir esse tipo de alimento permite mostrar uma ascensão para o grupo de referência.

5. Auto-realização: Aquelas pessoas que, por se encontrarem em uma posição tal que o consu­mo de qualquer tipo de alimento está ao seu alcance, tentarão experimentar pratos exóticos e diferentes.

Para o antropólogo brasileiro Roberto da Matta, a comida não é apenas uma substância alimentícia, mas

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também um modo, um estilo e uma maneira de alimen­tação. Da mesma forma, o modo de comer define não só aquilo que se come, mas também a pessoa que o inge­re. O que merece ser destacado é que o ato de comer cristaliza estados emocionais e identidades culturais.

Por exemplo, fora do país pode haver um prato re­gional tido como emblema da identidade nacional, como a feijoada no Brasil; mas dentro do país é possí­vel identificar muitas regiões e até famílias pela forma como preparam e servem certos alimentos. Basta men­cionar o Nordeste brasileiro, onde, segundo comenta Roberto Sperling, as opções gastronômicas oferecidas nas cidades são ricas e variadas. Sob as influências eu­ropéia, africana e indígena, a culinária da região se esmerou e adquiriu sabor próprio. Com suas múltiplas formas de preparo e sabor, a cozinha nordestina dele­ga ao visitante uma árdua tarefa: descobrir qual é a melhor tradução do espírito desse povo. Marcada por pratos que possuem forte presença e que retratam a verdadeira cultura da região, a gastronomia nordesti­na possui importante valor atrativo. Formada basica­mente por um conjunto que une frutas, peixes, pratos derivados da farinha, da tapioca, etc., a gastronomia representa para a região Nordeste não apenas algo ne­cessário, mas um elemento de forte importância. Não

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há quem viaje para a Bahia e não coma o famoso acarajé com vatapá, ou quem vá a Fortaleza e não coma tapioca, ou a quaisquer outras cidades da região nor­destina e deixe de tomar sucos de cajá, de graviola e de caju, entre outros.

No Norte do Brasil, a gastronomia conta com sucos e sobremesas preparados com frutas regionais como cupuaçu, açaí, graviola, buriti, araçá, camu-camu, abacaba e taperabá. O peixe é o forte da cozinha da região: tambaqui, matrinxã, jaraqui, sardinha, pacu, pirarucu e tucunaré. São mais de 2 mil espécies na região, muito apreciadas tanto pela população local, como por aqueles que vêm de outras regiões. Há vá­rios tipos de pimentas, o açaí na cuia com farinha de tapioca, a banana frita e tantas outras especialidades da culinária amazonense.

A correlação entre o que as pessoas comem, de que maneira as demais as percebem e como se caracteri­zam a si mesmas é muito grande. Sobre a base de um estudo realizado por especialistas nos EUA é possível demonstrar que, em função de um determinado regi­me alimentar, podem-se estruturar cinco tipos de per­sonalidade; a) vegetarianos: são pacifistas e gostariam de dirigir um carro importado: b) gourmets: liberais e sofisticados; c) comidas saudáveis: ativistas antinu-

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cleares e pertencentes ao partido Democrata; d) fast- food: religiosos, conservadores e com marcada prefe­rência pela roupa de material sintético; e) enlatados: compartilham as características dos amantes do fast-food.

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4. GASTRONOMIA E ESTILOS DE VIDA

D iferentes autores afirmam que a gastronomia de ^ uma sociedade constitui uma linguagem median- ;

te a qual está expressa sua estrutura de maneira in­consciente. Geralmente as sociedades utilizam para y preparar seus pratos elementos que se desenvolvem bem na área em que residem e que polarizam a afetividade e o enfoque simbólico^ando origem em certas ocasiões a uma verdadeira cultuj^com o por exemplo, a do milho.

O milho é um dos cereais mais antigos de que se tem notícia. Já era cultivado no México há mais de 5 mil anos e no Peru foram encontrados restos fósseis de mais de 2.500 anos. No sul do Brasil, o cultivo de mi­lho teve início aproximadamente no século XVI, se bem que era conhecido pelos aborígenes, que usavam a mandioca e o milho para preparar a farinha, a pamo-

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nha, a canjica e a pipoca, que se encontram presentes na gastronomia local até hoje.

Quando a dieta se baseia em um alimento princi­pal (batata, milho, peixe, carne, etc.), geralmente é complementada com alimentos secundários, ou seja, aqueles que são sazonais. Isso levou Pia, um reconhe­cido estudioso espanhol, a afirmar que “a cozinha de um país é uma paisagem posta na caçarola”.

Não obstante, muitas sociedades incorporam à sua dieta alimentos que não se podem produzir na região. Por um lado se encontra o desejo de não se verem li­mitadas ao autoconsumo e de incorporar à cozinha elementos que realçam o sabor. Por outro, também há considerações de caráter religioso que as obrigam a utilizar ou a privar-se de determinados produtos du­rante certas épocas do ano. Os cristãos, por exemplo, abstinham-se de comer came às sextas-feiras. Embora esse costume tenha caído praticamente em desuso, ain­da se observa abstinência na Sexta-feira Santa ante­rior à Páscoa e, em menor número, na Quarta-feira de Cinzas que marca o início da Quaresma.

No caso dos judeus, as regras alimentares são mui­to mais severas, particularmente para os ortodoxos. Regem-se pelas leis aHmentares - ou “kashrut” - esta­belecidas no Torah e explicadas no Talmude. Essas leis

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podem ser agrupadas da seguinte maneira: a) animais que são e não são permitidos como alimentos; b) for­ma de matar o animal; c) inspeção do animal cameado; d) partes do animal cameado que se podem comer e partes que não; e) preparação da comida; f) a lei da carne e os lácteos; g) produtos derivados de animais proibidos e h) determinação da existência de insetos e lombrigas em frutas e verduras.

No Islã a alimentação é considerada um ato de de­voção. Espera-se que os fiéis ingiram alimentos para manter um bom estado físico e a gula é proibida. Nunca se deve desperdiçar comida nem tratá-la com desprezo e, quando não se utilizam talheres para comer, usa-se somente a mão direita, já que a esquerda é considerada impura. Tampouco pode-se comer came de porco, ani­mais de quatro patas que caçam sua presa com a boca e aves de rapina que caçam com suas garras. As regras para abater animais são bem similares às dos judeus.

Os horários de trabalho e o tipo de trabalho que se realiza, da mesma forma que a distância que se deve percorrer para chegar, incidem na aUmentação. Não só afetam a quantidade de calorias que se deve ingerir, mas também se relacionam com as possibilidades de degustar uma comida caseira ou de comer calmamente em um restaurante.

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Se considerarmos a alimentação como parte de uma cultura, as normas que a regem criam diferenças de ordem social e, inclusive, de gênero, estabelecendo-se

( uma diferença entre o elegante e o vulgar, o bom e o mau, o comestível e o não comestível. Alimentos que

/ se énrònfrãnTem grandes quantidades podem ser re­jeitados por serem considerados “repugnantes”, por serem proibidos por questões religiosas ou por esta­rem associados à “comida de pobres ou camponeses”.

Assim mesmo, é importante estabelecer uma divisão entre a comida das “elites” e a do restante da popula­ção. Os sistemas culinários das elites desenvolveram- se a partir de especializações produtivas, da superação da sazonalidade e das redes de mercado, do mesmo modo que a difusão de seus conhecimentos culinários foi independente., ^ té o início da segunda Revolução Industrial (mea-

/ dos do século XIX), só as pessoas endinheiradas tinham acesso a todo tipo de produtos aiimentícios, razão pela qual a gordura era considerada indicador de prestígio, enquanto as pessoas mais pobres, ao não ter acesso a uma dieta básica, eram extremamente magras. Isso se modificou na atualidade, já que os alimentos básicos e de menor custo são os que incidem no aumento de

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peso e as pessoas com bom poder econômico contam com recursos suficientes para uma dieta saudável e equilibrada, o que, somado ao tempo livre para a prá­tica de esportes, determinou que a magreza seja sinô­nimo de prestígio e poder,|Também deu origem a dois padecimentos modernos; a bulimia e a anorexia.

Com respeito à diferenciação segundo o gênero, é interessante destacar a cultura do amendoim, que é considerada por diferentes historiadores brasileiros como intrinsecamente feminina. Segundo antigas cren­ças, se um homem participa do plantio, é provável que nenhuma planta nasça.

Ao mesmo tempo que a alimentação possibilita a ascensão a uma classe social, ela atua como um fator de diferenciação cultural, pois, ao comer, incorporam- se não apenas as características físicas dos alimentos, mas também seus valores simbólicos e imaginários, que, à semelhança das quaUdades nutritivas, passam a fa­zer parte do próprio ser. Assim, a comida não só é boa para comer e para pensar (na adjetivação de materia­listas e estruturalistas), mas, inclusive, muito boa para ser e se diferenciar. A gastronomia serve também para manifestar situações de poder, competência, prestígio e dependência, que se manifestam na tendência à “es­mola em alimentos”.

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A comida também é boa para se comunicar. O que as pessoas comem relaciona-se diretamente com sua ocupação e a ocupação com o nível de renda, jfor sua vez, a educação pode influir sobre os conhecimentos de nutrição de cada pessoa.

A alimentação é um fator de diferenciação cultural que permite a todos os integrantes de uma cultura (sem importar seu nível de renda) manifestar sua identida­de. A identidade é uma construção simbólica, uma for­ma de classificação que cria uma posse. As posições diferentes produzem percepções distintas da realida­de e outros valores pelos quais aparecem as disputas simbólicas entre os diferentes setores para impor sen­tidos, valores e fronteiras entre uns e outros.

A identidade também é expressa pelas pessoas atra­vés da gastronomia, que reflete suas preferências e aversões, identificações e discriminações, e, quando imigram, a levam consigo, reforçando seu sentido de pertencimento ao lugar de origem. Dessa forma vai-se criando uma cozinha de caráter étnico, explorada com muita freqüência no turismo para ressaltar as caracte­rísticas de uma cultura em particular.

Em um estudo sobre a afirmação da herança italia­na no sul do Estado de Santa Catarina, no Brasil, Savoldi observou que, nas festas típicas, a comida é

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introduzida no contexto festivo para reforçar a auten­ticidade da italianidade. O churrasco é substituído pelo frango, as massas ou a polenta sempre são acompa­nhadas pelo vinho. A polenta, anteriormente conside­rada comida de tempos difíceis, acompanhada por frango, passou a ser a comida emblemática dos italia­nos de Nova Veneza. Atualmente é preparada ao estilo antigo, em grandes recipientes, permitindo a demons­tração e a degustação pelos participantes, enquanto se busca “exorcizar” o típico churrasco, emblemático das festas tradicionais brasileiras do sul do país.

Existe uma tendência generalizada de associar as massas à Itália, o arroz ao sudeste asiático e a carne bovina à Argentina. Assim como a Buenos Aires se as­socia o tango, o resto do país é visto como uma imensa planície, conhecida como “pampa”, onde pastam livre­mente as vacas dispostas a dar o melhor de si para satisfazer os paladares mais exigentes do mundo, ape­sar de as novas tendências culinárias serem mais ori­entadas ao consumo de verduras ou hortaliças e de os pratos regionais incorporarem outros tipos de alimen­tos para a elaboração de suas iguarias.

Em países como Brasil, Argentina ou Chile a cerve­ja está associada à recriação de um ambiente alemão. Apesar de as festas da cerveja (também conhecidas

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como Oktoberfest) serem as mais promovidas para atrair correntes turísticas, também há outras que uti­lizam pratos típicos para recriar o espírito tipicamen­te alemão. Em um estudo realizado por Steil (2002) em Gramado e Canela sobre aspectos relacionados com o Natal, ele faz referência a três grandes feiras de características bem diferenciadas: a Feira de Natal, ou Christkindelsmarkt, o Parque de Natal, ou Weinachtspark e a Feira de Gastronomia. Esta última oferece uma variada gama de pratos típicos alemães e italianos que se pode degustar em numerosos restau­rantes especializados.

Na área da cordilheira da Patagônia, destaca-se a localidade turística de San Carlos de Bariloche, tam­bém chamada “a Suíça argentina”. Ali se assentaram principalmente alemães, austríacos, sérvios e suíços, e não só utilizaram a arquitetura para dar à área um caráter diferenciado, mas com a gastronomia impuse­ram sua marca. Produzidos pelos descendentes dos pri­meiros colonos, destacam-se a truta e o salmão defumados, o patê de javali, as framboesas e cerejas em conserva, geléias, chocolates e uma ampla gama de produtos típicos de países do centro da Europa. Os turistas, principalmente brasileiros, chegam em gran­de número durante o inverno, não só para desfrutar a

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neve mas para gozar de um ambiente totalmente exó­tico, onde a gastronomia constitui uma ferramenta vi­tal para criar um ambiente diferenciado.

A confeitaria centro-européia, particularmente a ale­mã, é atração em Valdivia, Chile, onde se é convidado a conhecer sua herança alemã provando suas tortas, cho­colates e marzipã. Em Villa General Belgrano, na Ar­gentina, a torta Floresta Negra (Schw arzw alder Kirschtorte) alcançou o status de “símbolo étnico” da localidade. As autoridades municipais “oficiaUzaram” a receita por temor de que uma torta não preparada segundo a tradição poderia afetar negativamente a imagem da cidade. A receita original é composta por um biscoitinho de chocolate com cobertura de creme batido, cerejas e Kirsch (licor de cerejas).

Os descendentes de galeses que residem na Argen­tina se destacam por refletir sua cultura por meio da gastronomia. Assentaram-se às margens do rio Chubut, nas proximidades da costa atlântica da Patagônia. Quando chegaram os primeiros contingentes de turis­tas para observar a fauna marinha, integrada por ba­leias, pingüins, elefantes e lobos marinhos, ficaram surpresos ao encontrar uma pequena localidade onde os residentes ainda mantinham o idioma e os costu­mes trazidos de Gales há mais de um século.

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A tradição galesa de servir o chá no vale do Chubut remonta a 1866, quando se preparou o primeiro chá com o objetivo de celebrar a sobrevivência durante um longo ano de penúrias. A partir de então, em todos os 28 de julho (data do desembarque) serve-se chá em alguma das capelas evangélicas da colônia, tradição que se estendeu ao novo assentamento ao pé da cor­dilheira dos Andes, conhecido como Colonia 16 de Octubre (ou Cwym Hyjyd, para a comunidade galesa). Quando a colônia prosperou, as donas de casa utiliza­ram os excedentes de farinha, ovos, creme e manteiga para a preparação de tortas, criando desta maneira uma confeitaria própria muito diferente da de seu país de origem.

De todas as variedades de tortas, a que mais popu­laridade obteve foi a torta negra, conhecida pelos ar­gentinos como torta galesa, e em Gales como torta da Patagônia (Cacen Ddu Patagônia). Era servida em fes­tas importantes e uma de suas características mais des­tacadas é o rum que se adiciona, fazendo com que se mantenha por um tempo considerável quando as tem­peraturas não são altas. Outras contribuições rea­lizadas pela colônia de Chubut à cultura gastronômica galesa são a torta de creme (Teisen Hufen Patagônia) e o pudim de cenoura (Pwdin Moron Patagônia), que.

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supostamente, se origina de uma antiga receita, já que nas épocas em que o açúcar era caro, utilizavam-se cenouras como adoçante.

Quando se trata de bebidas, o uísque é o sinte- tizador de identidade por excelência, fazendo, sem dúvida, clara referência à Escócia, onde é a bebida nacional. Como assinala Denegri (2002), em todos os lugares a referência a um bom escocês não aponta para uma pessoa. Todos sabemos a que nos referimos quan­do fazemos essa menção. Existe um código que não necessita ser decifrado: um argentino é um homem nascido na Argentina, um belga é um cidadão da Bél­gica, mas um escocês é um uísque.

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5. CENÁRIOS GASTRONÔMICOS

omer é um ato que raramente se faz em solidão. V < A comida e a bebida são, em geral, atos sociais em que a família ou os amigos se reúnem ao redor da mesa em algum lugar, porque a comensalidade deve ser vista a partir dos lugares onde se produz essa inte­ração social^Esses verdadeiros cenários gastronômicos podem ser tanto privados (salas de jantar nos centros urbanos e cozinhas no campo), como públicos (res- taurantes, cafés, bares, etc.).|^ conversas de café, às quais os habitantes de Buenos Aires são tão propen­sos; as longas conversas familiares à mesa, após as re­feições; as reuniões de domingo, o churrasco ou os encontros acompanhados pelo mate, etc. cumprem uma função de comunicação entre grupos semelhan­tes que atua ao mesmo tempo como forma de diferen­ciação de outros grupos em um espaço determinado.^

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O mate é a infusão por excelência do Uruguai, da Argentina, do Paraguai e do sul do Brasil (onde é co­nhecido com o nome de chimarrão), que, de modo geral, se ingere no âmbito privado e já em sua forma de preparar emite mensagens desde quem o oferece até quem o recebe. É preparado a partir da erva Rex Paraguayensis, pertencente à família das Aqüifoliáceas, que encontra as melhores possibiUdades para seu cres­cimento na área que hoje corresponde ao Paraguai. A princípio crescia em forma selvagem, até que os jesuí­tas começaram a cultivá-la no século XVII. Já em mea­dos do século XVIII o mate era uma infusão popular entre os membros de todas as classes sociais. É uma espécie de chá verde, servido em uma cabaça com uma bombilha dentro.

Apesar de o mate ser uma infusão que se pode in­gerir a qualquer hora e em qualquer lugar, geralmente constitui uma cerimônia que implica uma espécie de comunhão entre um grupo de pessoas, devido ao fato de que todos compartilham a mesma bombilha. Os vi­ajantes que chegavam ao sul do continente americano o consideravam um “chá” típico dos residentes do lu­gar e faziam referência à forma como se bebia com poucos elogios. Destacavam que se servia em um pe­queno globo geralmente de prata, ao qual se aplicava

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um tubinho e que passava de mão em mão nas reu­niões (prática considerada não muito higiênica). Al­guns cronistas destacavam que quando viam pela primeira vez a bombilha na boca das damas, supunham que elas estavam fumando. Acrescentavam que o sa­bor do mate não era desagradável, mas que não se podia compará-lo com o chá, assinalando que se dizia que fazia mal aos dentes. Para muitos, sua semelhan­ça com o cachimbo fazia que o vissem com desagrado nas mãos das senhoras.

O mate é a bebida por excelência no âmbito rural e é mostrado continuamente nos postais como símbolo do “ruralismo”. Em Porto Alegre é utilizado a qualquer momento como símbolo de toda a região, e é o suvenir favorito em lojas de lembranças e de artesanato. Na Argentina, adquiriu o status de “patrimônio gastro­nômico nacional”, ainda que por questões práticas o café o substitua - particularmente no entorno urbano - e em Buenos Aires constitua uma verdadeira insti­tuição, da mesma forma que nas grandes capitais eu­ropéias, ainda que com características próprias.

Não há registros sobre quando foi criado o primei­ro café de Buenos Aires, mas sabe-se que no início de 1532, quando a cidade foi fundada por Pedro de Mendoza, algumas precárias construções foram desti­

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nadas para funcionar como lugares de sociabilização. Eram tabernas em que à noite se reuniam soldados, colonos e “mulheres enamoradas” - termo com que os espanhóis chamavam as mulheres de vida fácil que inte­gravam a expedição fundadora - para beber, cantar, jo ­gar cartas e dançar. Já no século XVIII surgiram os cafés cuja fama chega à atualidade. Em 1858 inaugurou-se o café Tortoni (que deve seu nome ao Café Tortoni de Paris), que foi o centro de reunião de grandes perso­nalidades das letras, da música, da ciência, dos espor­tes, das artes, da política, etc., tanto argentinas como estrangeiras; está localizado na clássica e muito espa­nhola Avenida de Mayo, por onde passaram todas as pessoas de destaque do país.

Na Áustria e na Alemanha os lugares onde se serve café destacam-se pelos excelentes doces servidos. O estilo do Kaffe und Kuchen é observado até nos desti­nos turísticos distantes, onde os habitantes desses paí­ses constituem o mercado principal. A Áustria herdou da ocupação turca o amor pelo café e credita-se a esse país a paternidade do Strudel de maçã e da Sachertorte. Esta última foi o centro de uma disputa nos tribunais de Viena durante sete anos - entre o Hotel Sacher e a famosa Confeitaria Demel - pelos direitos da receita. Evidentemente ganhou o Hotel Sacher ...

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Os restaurantes dos grandes e luxuosos hotéis tam­bém são lugares propícios para encontros e sociabi­lizações. Fazendo referência ao Bristol Hotel, de Mar do Plata, Argentina, Barili (1991) assinala que foi o ponto de concentração das figuras mais destacadas da Argentina, verdadeiro rendez vous do grande mundo metropolitano que freqüentava esse balneário desde a sua fundação. Em 8 de janeiro de 1888, quando de sua inauguração, foi servido o seguinte menu: melão com presunto cru; consommé double en tasse; lagostim americano; suprême de chapon^ a la Bristol; médaillon de boeufgrillée, pommes paille; salade quirinale-, biscuit glasé cinquantenaire; café. Em 16 de abril de 1944 fe­chou suas portas com um menu composto por paté de fo ie gras à la gelée; creme de alface; consommé cabelo- de-anjo, consommé frio; filet de pejerrey"^; pequeno tournedo grisette; abobrinhas refogadas Bordolaise; franguinho de granja grelhado ao bacon; tomates com molho de salsa; salada de alface; cassata siciliana e biscoitinhos.

Em outro contexto encontram-se os locais àe fast- food, entre os quais se destaca o McDonald’s, um em-

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3. Capão - galo castrado. (N. do T.)4. Peixe marinho da ordem dos Teleósteos. (N. do T.)

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preendimento que, a partir de um único local de ven­da de hambúrgueres nos EUA, converteu-se em “uma teia de aranha internacional de milhares de estabele­cimentos” localizados em ruas centrais das cidades, aeroportos, locais históricos e qualquer lugar onde haja grande circulação de pessoas.

Os estudiosos dos EUA concordam que o McDonald’s é um local onde os americanos se sentem à vontade e no qual se sentirão “em casa” em qualquer lugar do mundo, já que a estratégia da empresa repousa em parte na uniformidade associada a cada estabeleci­mento; comida, entorno, arquitetura, ambiente, atos e palavras. A isso se soma a possibilidade de comer seguindo o horário habitual de refeições, sem ter de se ajustar aos, por vezes, complexos horários impostos por culturas diferentes. Entretanto, o ritual de comer no McDonald’s está confinado à vida cotidiana, uma vez que esse ato e as festas religiosas encontram-se distri­buídos de forma complementar na vida norte-ameri­cana. A maioria dos norte-americanos consideraria inadequado comer em um restaurante/o5t-/ood no dià de Natal, de Ação de Graças, Domingo de Ramos ou Domingo de Páscoa, porque em seu contexto cultural essas datas são consideradas dias familiares, ocasiões de reunião de parentes e amigos próximos.

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Com o surgimento do conceito de valorização das diferenças regionais e nacionais em um mundo globalizado, encontra-se em franco crescimento o in­teresse pelos restaurantes étnicos que, em sua maio­ria, serve a gastronomia tradicional sem um valor agregado, representado por elementos que permitam uma melhor compreensão da cultura. Aqui é impor­tante mencionar um restaurante, o Durski, que serve comida polonesa, ucraniana e russa, e que está locali­zado no centro da cidade de Curitiba, Estado do Paraná. Ainda que a ambientação do local não escape ao tradi­cional - vestimenta típica e quadros - , o lugar conta com um espaço de artesanato e oferece a possibilidade de se ver danças típicas. A diferença, no entanto, está no menu, no qual são ressaltadas as principais carac­terísticas dos pratos eslavos, ou seja, que utiliza pouco óleo e quase tudo é assado, cozido ou defumado. Faz- se menção, também, ao prato mais tradicional, que em polonês se conhece por Pierogi e que é chamado Verneneke em ucraniano: uma massa em forma de pas­tel, recheada com batatas cozidas, requeijão fresco (ri­cota) e um pouco de cebola bem picadinha, cozido rapidamente na água fervente e servido com um tradi­cional molho de lingüiça defumada. O prato russo mais importante é o Borstch, sopa de beterraba com coste-

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linha de porco defumada, repolho, endro^ creme de leite e temperos. Outra característica do menu é tra­zer acima do nome do prato, de sua descrição e preço, uma fotografia de sua apresentação.

As bebidas, em particular as alcoólicas, contam com espaços próprios ao redor dos quais se desenvolvem relações de caráter social. Na Irlanda, as primeiras bebidas alcoólicas ou licores foram administrados como tratamento de diversos distúrbios físicos e mentais, mas posteriormente seu gosto, antes considerado desagra­dável, acabou sendo aceito. Com o decorrer do tempo, as bebidas converteram-se em sinônimo de hospitali­dade, ainda que quase nunca estivessem associadas a alimentos, como ocorre em outras sociedades euro­péias. Os numerosos períodos de jejum que os irlande­ses respeitavam ao longo do ano restringiam apenas o consumo de alimentos sólidos, e os que sentiam fome durante o jejum estavam autorizados a beber. Além disso, uma longa história de abastecimentos alimenta- res incertos, bem como terríveis períodos de escassez, contribuíram para configurar os costumes irlandeses em matéria de bebida. Pode-se dizer que, como medida

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5. Tempero semelhante à erva-doce.

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de proteção, os irlandeses adotaram um comportamen­to cultural caracterizado por uma tendência a comer irregularmente e a jejuar voluntariamente por senti­mento de vergonha, ao não dispor de bons alimentos para oferecerem quando deveriam ser hospitaleiros. Nessas circunstâncias o álcool substituía, além da sa­tisfação social e psicológica de ter algo para oferecer, as calorias habitualmente proporcionadas pelos alimen­tos em outras sociedades.

O pub - abreviatura de public house sinônimo de taberna ou bar, é o cenário para a socialização centrada em uma bebida. Durante a década de 1990, em Buenos Aires, instalaram-se os pubs irlandeses, que tiveram um grande significado social. Ali serve-se a cerveja Guinness de cor escura, que tem grande aceitação en­tre os jovens, em particular os yuppies, que ao sair de seus escritórios à tarde freqüentam esse tipo de bar. Os locais têm seus próprios rituais e, em muitos deles, as mulheres sozinhas são vistas como alguém em bus­ca de companhia, razão pela qual sempre vão acom­panhadas. Esses pubs despertaram tanto interesse entre os clientes que, antes da grande desvalorização da moe­da argentina, o consulado da Irlanda recebia continua­mente inúmeras consultas sobre as possibilidades de visitar o país.

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Mas, tratando-se de cenários gastronômicos, não se deve esquecer os mercados onde se vendem todos os ingredientes para preparar pratos típicos, que, em geral, constituem uma magnífica oportunidade para provar alguma especialidade local. Ao fazer referên­cia ao mercado Ver-o-Peso, da cidade de Belém, Ro­berto Sperling menciona que é o símbolo da cidade, onde moradores e visitantes costumam ir para com­prar artigos típicos da região amazônica. A origem do nome deve-se aos portugueses, quando estes resolve­ram cobrar impostos de todos os produtos que entra­vam e saíam da Amazônia. O mercado está localizado no mesmo lugar onde o governo vistoriava os pesos e medidas desses produtos.

Por isso, criou-se, em 1688, a casa do Ver-o-Peso, que apesar de parecer um grande varejão, possui uma mistura de cores, cheiros e objetos que a tornam bas­tante interessante, além de folclórica. São comerciali­zadas ervas medicinais e para banho, frutas regionais e exóticas da Floresta Equatorial com os mais diferen­tes sabores, artesanatos, utilidades domésticas, carnes, peixes e temperos. Do complexo Ver-o-Peso, faz parte o mercado de peixe e de carne, todo em ferro importa­do da Inglaterra. As carnes íícam penduradas nas co­lunas e nas escadas por ganchos.

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Possui 26.500 metros quadrados e reúne 2 mil bar­racas e camelôs por toda a parte. Hoje, o mercado aju­da a economia local, pois diversos barcos chegam às docas trazendo produtos do rio e da floresta, que de­pois serão vendidos nas barracas amontoadas no pátio junto ao mercado.

Faz parte também do complexo Ver-o-Peso, a Feira do Açaí, onde, além da venda do açaí proveniente das ilhas próximas, há bares em que os freqüentadores po­dem experimentar bebidas e comidas típicas ao lado da baía de Guajará. O complexo Ver-o-Peso possui, ainda, a Praça do Relógio, do Pescador, dos Velames, o Solar da Beira e os Mercados Municipal e de Ferro. Este últi­mo, todo em ferro da Inglaterra, foi desmontado no páis de origem e trazido para Belém, onde foi monta­do novamente.

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6. RITOS E RITUAIS DA MESA

O s comportamentos rituais são formais, estilizados, repetitivos e estereotipados. Realizam-se em lo­cais especiais e em momentos definidos. Incluem or­

dens litúrgicas: seqüências estabelecidas de palavras e de ações instituídas por alguém diferente dos atuais participantes. Transmitem, também, informação sobre os participantes e sobre suas tradições culturais. Reali­zados ano após ano, geração após geração, os rituais traduzem mensagens, valores e sentimentos do mo­mento. São atos sociais em que alguns participantes sentem-se mais envolvidos do que outros.

De todos os rituais, o da comida é o mais comum, já que se pratica em todos os lugares e é um fator de diferenciação social e cultural com base na forma de preparar e ingerir a comida, naquilo que se come, com quem e nos ciclos da alimentação diária. A diferença

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entre o fato de se limitar a comer para consumir alimen­to e o ato de comer como forma de sociabilidade consti­tui o autêntico núcleo do que se denomina cultura.

Os estudiosos do comportamento às refeições fazem referência às normas da mesa e mostram que surgem à raiz da necessidade que sentiam os seres humanos de se diferenciar dos animais, já que a alimentação centrava-se na came (em grandes quantidades para os ricos e muito pouca para os pobres), que era consumida com as mãos. Assim, surge, no século XVI, o garfo, que, à mesa, permitia manter os dedos afastados da carne para levá-la à boca. Nesse mesmo século, Erasmo de Roterdam publicou um livro sobre etiqueta para crian­ças, no qual enumerou normas para o comportamento à mesa:

Ao tomar um guardanapo, colocá-lo sobre o ombro ou 0 braço esquerdo.O copo e a faca, devidamente limpos, devem estar à direita, o pão à esquerda.Algumas pessoas metem as mãos nos pratos no momento em que se sentam à mesa. Os lobos fazem isso ...É de má educação molhar os dedos no molho. Deve- se tomar o que se deseja com ajuda da faca e do gar­fo ; não se deveria mexer por todo o prato, como

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costumam fazer os epicuristas, devendo-se tomar o que esteja mais próximo.É de má educação chupar-se os dedos manchados de gordura ou limpá-los na jaqueta. É melhor utilizar a toalha de mesa ou o guardanapo. (Muir 2001: 157)

O que comer ou beber e quando fazê-lo também apre­sentam suas diferenças de acordo com cada cultura.

Q^a Inglaterra, um novo vizinho pode ser convidado para um chá com bolo; os conhecidos casuais espe­ram uma reunião noturna com queijo e vinho; aos sócios de negócios se lhes oferece um bujfet; os ami­gos íntimos são convidados a sentar-se à mesa e com­partilhar uma refeição completa, enquanto que um coquetel, em que se oferecem alimentos sólidos, cons­titui um ponto intermediário entre a intimidade dos jantares e a distância das “taças”. (Jesús Contreras 1993: 157)~

Nem todas as sociedades têm o mesmo número de refeições diárias. Nas sociedades ocidentais, destacam- se três: café da manhã, almoço e jantar. Os firanceses, por exemplo tomam um café da manhã leve, compos­to de café com leite, croissant, manteiga e geléia, co­

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nhecido como “café da manhã continental”. Por outro lado, no Reino Unido esse desjejum é muito mais subs­tancial, com cereais, ovos preparados de diferentes maneiras, salsichas ou peito defumado, torradas, man­teiga e geléia. Os cafés da manhã dos EUA incorporam suco de laranja, e nos do Brasil se observa uma grande quantidade de sucos e frutas.

O almoço é a principal refeição na Espanha, em algumas partes da Argentina e no México. Sendo pos­sível, realiza-se uma “siesta” depois do repasto, que consiste de vários pratos (entrada fria ou sopa, ou ambas, prato (s) principal (is), sobremesa e café) e é servido depois do meio-dia. Na Espanha o jantar é ser­vido tarde, geralmente por volta das nove ou dez da noite, e é precedido pela merenda no meio da tarde. Na Inglaterra o chá do meio da tarde pode transfor­mar-se em um jantar, recebendo então o nome de high tea, que é servido acompanhado de diferentes tipos de pães e frios variados.

Os tempos modernos alteraram os tradicionais ri­tos da mesa. A jornada de trabalho já não está subor-

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6. Tradicional soneca após o almoço, praticada em vários paí­ses hispânicos. (N. do T.)

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dinada às refeições, mas a refeição está subordinada à jornada de trabalho. Mudou, também, o papel da mu­lher ao trabalhar fora do lar, assim como as refeições rápidas ou congeladas que substituíram a cozinha tra­dicional. Além disso, as recomendações sanitárias fi­zeram com que muitas pessoas modificassem seus hábitos tradicionais ao adotar uma dieta light que, por sua vez, promete longa vida e um corpo esguio.

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7. FESTAS E FESTIVAIS

A comida adquire caraterísticas particulares durante as celebrações, seja durante os rituais de cerimô­

nias pessoais (casamentos, batizados, etc.) ou durante os de importância coletiva (Natal, Ramadã, festas na­cionais, etc.). Nessas ocasiões consomem-se alimentos que raras vezes estão presentes durante o resto do ano.

Por outro lado, o caráter festivo da alimentação não se esgota no cotidiano, mas se expressa também com grande intensidade no âmbito religioso, quando cada festa ou celebração conta com pratos especialmente preparados.

E possível distinguir quatro diferentes tipos de fes­tas com sua correspondência gastronômica:

• Ecofestas: são aquelas que se relacionam com acontecimentos “astronômicos” ou com as esta­

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ções, e geralmente estão associadas a rituais an­tigos destinados à obtenção e manutenção de reserva suficiente de comida.

• Teológicas: celebram acontecimentos religiosos.• Seculares: são aquelas que festejam fatos rele­

vantes do país em seu conjunto, de uma região ou de algum acontecimento próprio da locali­dade. Basicamente visam à criação de uma coe­são social nos diferentes níveis (nacional, estadual, municipal ou regional).

• Privadas: correspondem aos ritos de transição que se observam na vida das pessoas.

Entre as ecofestas do mundo ocidental, uma das mais conhecidas é, sem dúvida, o Thanksgiving, ou Dia de Ação de Graças, que se celebra todos os anos no final de novembro. Foi levada aos EUA pelos primeiros europeus e é a combinação entre um antigo festival britânico relacionado à colheita e a celebração reali­zada pelos peregrinos em seu novo lar para agradecer a colheita após um ano de grandes penúrias. Segundo a tradição, os aborígenes americanos também partici­param do ritual e, na atualidade, é um dos feriados mais importantes dos EUA, sendo celebrado por todas as comunidades do país, independentemente de sua

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origem étnica ou religiosa. O feriado começa em uma quinta-feira e estende-se por todo o fim de semana, de maneira que a família possa se reunir ao redor da mesa, onde o peru é o grande protagonista. Geralmente a comida é preparada segundo a “receita da avó", trans­mitida de geração em geração, e é composta pelo re­cheio do peru, molho de uvas, purê de abóbora e batatas doces denominadas yam, preparadas com mel. Os novos imigrantes introduziram modificações. Em Miami, por exemplo, sente-se a influência cubana, e lá tempera-se o peru com alho, cebola e pimenta, e quase sempre é recheado com porco ou com feijão preto e arroz. Outra variação recebe influência espa­nhola, e recheia-se o peru com picadinho de porco, nozes e uvas passas.

As Festas Juninas são ecofestas muito importantes no Brasil, país para onde foram levadas pelos portu­gueses durante a época colonial. Originaram-se no hemisfério norte, em virtude do início do verão no mês de junho, e seu objetivo era auspiciar boas colheitas para garantir o bem-estar da comunidade. Os roma­nos deram a essas festas o nome de Junônias, em hon­ra à deusa Juno. Com a chegada do cristianismo, foram adaptadas à concepção cristã, associando-as às festas de três importantes figuras do catolicismo: Santo Antô­

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nio, São João e São Pedro. Essas festas caracterizam-se pelas danças, pela alegria reinante e pela gastronomia. A comida se destaca por utilizar produtos típicos de cada região, razão pela qual os pratos que se preparam, as­sim como as bebidas, têm características próprias.

A Oktoberfest, festa secular que goza de grande popularidade no sul da Alemanha, da mesma forma que no sul da América do Sul, foi uma ecofesta em suas origens. Entre meados de setembro até meados de outubro dever-se-ia consumir a cerveja expressa­mente preparada para o verão, deixando, assim, espa­ço para armazenar a cerveja que se consumiria durante o inverno. A cerveja consumida no verão era prepara­da segundo um critério especial para evitar os proble­mas causados pelo calor. Recebeu o nome de Mãrzenbier (cerveja de março), porque sua fabricação não pode estender-se além desse mês. As principais caracterís­ticas da Mãrzenbier são: ligeiramente forte, maltada, cor de âmbar, translúcida e com uma fermentação de­rivada do método vienense de preparação. A partir de 1810, ano em que celebraram seu compromisso matri­monial o príncipe herdeiro da Baviera e Teresa da Saxônia, no mês de outubro, a festa foi instituída como evento anual. A mais importante é a que se realiza em Munique, em um grande edifício conhecido como

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Theresenwiese (por Teresa, o nome da noiva, e Wiese, que faz referência à pastagem). A Oktoberfest começa em um sábado e dura 16 dias, dos quais participam todos os fabricantes de cerveja de Munique. Durante o primeiro domingo realiza-se um grande desfile, e até o seu final as 5 a 6 milhões de pessoas que visitam a feira regularmente desfrutam da variada oferta de cerveja.

A Oktoberfest foi trazida ao Brasil e levada à Ar­gentina pelos imigrantes alemães que se instalaram em seus territórios. Ainda que haja uma grande quan­tidade de festas de outubro, a que adquiriu maior transcendência no âmbito do Mercosul é a que se rea­liza na cidade brasileira de Blumenau, Estado de San­ta Catarina. A primeira festa realizou-se em 1984 e, embora tenha buscado imitar o padrão festivo da festa bávara, ao realizar-se em um contexto diferente, assu­miu um caráter marcadamente étnico. Realizam-se desfiles em que participam diferentes clubes e apre­sentam-se grupos folclóricos. A duração é de 18 dias e predomina a música, a dança e os trajes típicos, além de pratos tradicionais alemães e cerveja. Entre os pra­tos que podem ser adquiridos nos cinqüenta pontos de venda encontram-se as costeletas Kassler (costeletas de porco defumadas) acompanhadas por salsichas brancas ou vermelhas, purê e chucrute. Também é

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possível degustar Eisbein (joelho de porco) com purê, chucrute e salsicha branca ou vermelha, da mesma forma que pratos típicos da região como churros, co- doma recheada, batatas assadas, batatas fritas, etc. Um restaurante serve um bufê alemão completo.

Com o passar do tempo, foi aumentando a quanti­dade de pessoas e de Utros de chope consumidos. Em 1984 participaram 102 mil pessoas, e na festa consu­miu-se 103 mil litros de cerveja. Em 2001 esta cifra ascendeu a 626.620 participantes, que em seu conjun­to beberam 265.342 litros de chope.

Na Europa as festas religiosas mais importantes são o Natal e a Páscoa. Sua influência estendeu-se por todo o continente americano pelas sucessivas ondas migratórias.

O Natal, que celebra o nascimento de Cristo, tam­bém coincide com uma festa tradicional anterior ao cristianismo e que se enquadra dentro das ecofestas: a celebração do solstício de inverno. A árvore de Natal, cujas velas se acendem em 24 de dezembro, é uma remanescência dessa antiga tradição. Essa árvore é mantida até a Epifania (Dia de Reis), que se celebra em 6 de janeiro. A comida que se serve no Natal in­clui, em geral, um peixe denominado carpa, lebre ou ganso assado acompanhado de batatas, maçãs e no­

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zes. Entre os doces destacam-se os de marzipã em for­mas de frutas e animais (o porco de marzipã geral­mente se guarda para o Ano-Novo como oferenda para dar sorte). Outros doces muito populares são massas e biscoitos preparados com mel e especiarias, que vão desde o gengibre até a pimenta [Pfernusskuchen e Lebkuchen), e um pão doce com frutas, nozes e avelãs que se denomina Stollen, que em sua forma e prepara­ção é muito similar ao pão de Natal checo e eslovaco denominado Vanocka.

Esse tipo de pão doce é consumido no Natal em diferentes países. Varia a forma e os ingredientes e, em muitos casos, se lhe adiciona água de flor de laran­jeira. Na Itália recebe o nome de Panettonne, mas em vez de ter uma forma plana, é cilíndrico. Há diferen­ças do tipo ritual entre os panetones de diferentes re­giões da Itália, em especial entre o genovês e o de Milão. Essa diferença é observada no corte que se faz na parte superior para que a massa cresça e se relaciona com a crucificação de Cristo. O panetone foi levado pelos itali­anos aos lugares onde se instalaram. No sul do Brasil começou a fixar-se no princípio da década de 1950.

O Natal coincide com a festividade judaica conheci­da como Hanukkah ou Festival das Luzes. Ele é celebra­do ao longo de oito dias para comemorar a recuperação

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do templo de Jerusalém no ano 169 antes de Cristo. Consiste em acender uma nova vela no candelabro a cada noite, de modo que no último dia todas estarão acesas. Geralmente serve-se panquecas de batata, cha­madas latkes.

A Páscoa tem como elemento dominante os ovos duros delicadamente decorados e os coelhos prepara­dos com marzipã ou chocolate. É a festa principal na Hungria, sendo ainda muito difundida em todos os países da Europa central.

No que diz respeito às festas seculares, cabe men­cionar o estudo que fizeram Bernard e Dominguez (2001) em Cholula, México. Dentre as festas, observa­ram que as de casamentos são as de maior magnitude e solenidade. Ressaltam que há 50 anos era costume que os pais do noivo levassem um padre para fazer o pedido da mão da noiva. Os futuros sogros, nesta ceri­mônia, deviam se apresentar com quatro bandejas ou cestas cilíndricas sem asa, com pão ou com frutas, dois ramos de flores e um punhado de velas de cera. Entre­gava-se à noiva a bandeja com um tipo especial de biscoitos redondos cobertos com açúcar colorido, ou com um pastel. Em algumas comunidades também se presenteava com uma garrafa de vinho. Depois da ceri­mônia, presenteavam-se os convidados com biscoitos e

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uma bebida forte como o pulque ou com licor de xe­rez. Em alguns povoados esse oferecimento acontecia de madrugada e, posteriormente, oferecia-se um des- jejum. Ao visitar os padrinhos de casamento, se lhes presenteava uma cesta com pão ou com frutas e algu­mas velas de cera. A refeição depois do casamento ci­vil se fazia na casa do noivo, onde, entre outras coisas, oferecia-se um cozido de Puebla®, pulque e bebidas alcoólicas ou água fresca. O casamento religioso cele­brava-se com um desjejum na casa da noiva, onde se oferecia chocolate, broa de milho, atole e pão; e com um almoço formal na casa do noivo, que consistia em caldo, um cozido, arroz, puchero^”, broa de folha de milho, feijão e panquecas. Os padrinhos recebiam de presente uma cesta com a comida que tinha sido ofe­recida no evento e uma com as flores.

Na atualidade o sacerdote já não participa do pedi­do da mão da noiva e o pulque foi substituído por co-

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7. Aguardente à base de cacto. (N. do T.)8. Cozido à moda da região de Puebla - México (N. do T.)9. Bebida espessa feita geralmente com farinha ou fubá diluido

e fervido em água ou leite. Pode conter outros ingredientes como açúcar, canela, chocolate e mel (N. do T.)

10. Cozido de legumes e hortaliças com carne. (N. do T.)

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nhaque ou cidra. A refeição formal, depois do pedido da mão e do casamento civil, realiza-se na casa da noiva, onde o prato favorito se denomina mixiote e consiste de carne de carneiro acompanhada de um molho muito condimentado cujo ingrediente caracte­rístico é o anato^\

, Á gastronomia também pode se constituir no cen- tro de um evento por si mesma ou associada a alguma festividade. Um exemplo do primeiro caso é a Festa da Bagnacuada (prato típico italiano) na província de Santa Fé, Argentina, não obstante serem as províncias do Noroeste do país as que mais se destacam por suas festas associadas a um prato típico ou a um produto do campo. Mas em áreas caracterizadas pelo assenta­mento de imigrantes, como acontece no sul do Brasil e em grande parte da Argentina, a culinária é uma for­ma de mostrar a identidade de cada grupo étnico me­diante a preparação de pratos específicos. Essas festas dos imigrantes, tanto quanto as danças típicas, mos­tras de artesanato e pratos étnicos, constituem o ímã que atrai tanto a população residente como os turistas.

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11. Arvore de pouca altura cultivada em zonas quentes da Amé­rica Central, de folhas ovaladas e flores perfumadas. (N. do T.)

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Um exemplo que merece ser destacado é a Feira das Comunidades de Comodoro Rivadavia, Argentina. Ali se apresentam estandes de todas as coletividades as­sociadas, onde se vendem pratos de comida, bebidas e artigos regionais típicos de cada país, além da apre­sentação de danças tradicionais. Ao longo de sucessi­vas edições, a feira projetou-se no âmbito nacional e adquiriu significativa importância. Surgiu no marco da Guerra das Malvinas, quando, por iniciativa do Ban­co Província de Chubut, realizou-se em 1982, nas ime­diações da Plaza Roca, uma feira de pratos típicos de cada comunidade com o objetivo de reunir alimentos, roupa e guloseimas para serem enviados aos soldados que se encontravam lutando no Atlântico Sul.

A Feira, que na atualidade se desenvolve ao longo de todo um íím de semana próxima a 8 de setembro, expandiu suas atividades culturais a outros eventos e atividades que se desenvolvem nas semanas preceden­tes. Entre elas cabe mencionar a Mostra Cultural, com estandes de cada uma das nações, representadas por seus trajes típicos, sua música e acompanhadas de imagens turísticas (fotografias ou projeções cinemato­gráficas). Continua com a Noite de Gala, quando se apresentam diferentes grupos de danças folclóricas e, em seguida, ocorre a “eleição da Rainha”, para então

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finalmente inaugurar a Feira. É neste local que se ma­nifesta toda a atividade desenvolvida pelos membros das diferentes comunidades estabelecidas em Como­doro Rivadavia, entre as quais se destaca a apresenta­ção de diferentes pratos típicos (com certas adaptações argentinas, inclusive patagônicas), cujas receitas cons­tituem outro dos elementos culturais que melhor con­servaram. Com respeito à comunidade croata, cabe mencionar o Sarma od küselog kupusa (folhas de repo­lho, chucrute, recheio de carne bovina e de porco acom­panhadas com toucinho defumado) e o Cevape (lingüiça feita com carne de vaca, porco e cordeiro). Entre as sobremesas destacam-se as variantes clássicas da con­feitaria centro-européia como o Strudel de maçãs iSavijaca od jabu ka), o Buhtli (massa recheada de ameixas ou damascos) e o Pita od Sira ó Pita od Jabuka (biscoitos de queijo ou maçãs).

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8. GASTRONOMIA E TURISMO CULTURAL

A dimensão social e cultural da gastronomia de­terminou incorporá-la “ao complexo emaranha­

do das políticas de patrimônio cultural”/O uso turístico . do patrimônio faz com que a gastronomia adquira cada ( vez maior importância para promover um destino e ^ para atrair correntes turísticas. ^

Para que algum elemento de uma cultura seja con­siderado patrimônio, deve ser previamente reconheci­do, ou seja, deve ser considerado como tal por um agente social interessado em propor uma versão da identidade e conseguir adesões para a mesma. As di­versas iniciativas de reconhecimento de determinados referenciais patrimoniais são representações simbóli­cas dessas versões da identidade, já que não é somen­te algo que se leva dentro e se sente, mas que também é necessário expressar publicamente.

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Por outro lado, também pode haver um reconheci­mento turístico do patrimônio, já que é possível en- contrar-se elementos de escasso significado para uma determinada comunidade, mas que para o consumo do turista pode ser relevante.

O reconhecimento social do patrimônio gastronô­mico na Argentina partiu de um conjunto de órgãos públicos, privados e ONGs. Entre os alimentos consi­derados patrimônio gastronômico nacional estão o mate, o doce de leite e uma variedade de vinho tinto conhecida como Malbec.

A gastronomia como patrimônio local está sendo incorporada aos novos produtos turísticos orientados a determinados nichos de mercado, permitindo incor­porar os agentes da própria comunidade na elabora­

ra ção desses produtos, assistindo ao desenvolvimento sustentável da atividade.

(js. gastronomia faz parte da nova demanda por par­te dos turistas de atrativos culturais. O desenvolvimento do turismo cultural é estimulado em razão de sua ca-

A pacidade de gerar receita e empregos no lugar em que \ se manifestajNão obstante, é conveniente levar em 'conta que nem todos os turistas são movidos exclusi­vamente pela cultura, já que alguns o são em parte, enquanto outros consideram a cultura um elemento

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A^nculado a outra motivação principal; e para outros, ainda, a cultura é um atrativo simplesmente acidental.

Como raras vezes a gastronomia é o principal motivador de um deslocamento turístico, geralmente se recorre à criação de rotas temáticas e culturais que permitam integrar em um único produto os elementos que isoladamente não despertam interesse suficiente ou que contam com certas dificuldades de promoção ou comercialização. Torna-se possível oferecer, assim, um produto final que, no todo, agrega maior valor do que a soma das partes, incrementando seus benefícios econômicos e sociais.

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9. ROTAS GASTRONÔMICAS

f / ^ om o objetivo de potencializar o atrativo das di- ferentes gastronomias locais, criou-se, em dife­

rentes localidades, uma rota que compreende lugares onde a gastronomia tem características similares^

As rotas podem estar organizadas em função de um produto ou de um traço cultural característico que lhe dá nome. As primeiras buscam promover o consu­mo de um produto que se encontre em abundância para promover o desenvolvimento de uma área rural (maçã, vinho, frutas finas, etc.). Este foi o critério apli­cado na Argentina ao se criar o Plano Nacional de Tu­rismo Rural, que envolve a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Pesca e a Secretaria de Turismo. As rotas foram estruturadas em torno de um produto-chave que lhes caracteriza e dá nome. Essas rotas foram proje­tadas como instrumento de desenvolvimento regional.

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Na atualidade, tenta-se implementar sete rotas: do caprino, do marisco, da truta, da pêra e maçã, da fruta fina, do ovino e a rota do cervo. As rotas se superpõem com diversas culturas e em muitos casos, como na rota do marisco, a população não incorpora em sua dieta o produto que se promove.

A Unesco elaborou seu próprio conceito de rota e estabeleceu que sua função é a de promover o conhe­cimento entre diferentes civilizações, culturas e reli­giões, mostrando suas inter-relações e influências recíprocas. Este conceito, denominado Rotas do Diálogo, abrange os aspectos dinâmicos resultantes do encontro entre as pessoas e a transmissão de conhecimentos sobre seus usos, costumes e crenças. Esses projetos de diálogo intercultural através do conceito de rota deve­riam facilitar a comunicação entre costumes, religiões e tradições diferentes em um contexto globalizado, com o objetivo de que as pessoas conheçam a si mesmas e, por sua vez, ao “outro”. Embora uma vez proposta mas nunca concretizada, existe a possibilidade de uma rota dos imigrantes que envolva os países emissores (prin­cipalmente europeus) e a América do Sul. Dessa ma­neira poder-se-ia traçar interessantes roteiros desde a Alemanha até a Rússia, e daí até a costa do Brasil, adentrando a seguir a Argentina. Ainda que este caso

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faça referência concreta aos alemães do Volga, seria muito interessante analisar as mudanças produzidas por séculos de contatos com culturas diferentes e sua incidência na ocupação do espaço, nas danças e na gastronomia.

lAs rotas gastronômicas associadas à cultura têm por objetivo mostrar os valores culturais de determi­nadas localidades tendo como eixo os pratos típicos da regiãoi Na Argentina, há várias propostas, mas ain­da não foram implementadas. Entre elas encontra-se a rota dos imigrantes, que faz referência à implanta­ção de novos hábitos alimentares, à introdução de es­pécies não nativas e ao patrimônio arquitetônico relacionado com a elaboração desses produtos.

Outra proposta de caráter cultural é o circuito dos moinhos de farinha. Eles surgiram e se desenvolveram em lugares onde atualmente já não se cultiva o trigo, mas contam com um valor patrimonial significativo. Por outro lado, não são suficientes para atrair corren­tes turísticas significativas se não explorar determina­dos traços culturais que lhe são próprios, e que se manifestam através da gastronomia.

No Brasil, já se projetaram rotas culturais centradas na gastronomia e cujo objetivo é o desenvolvimento rural. Um exemplo é a Rota dos Italianos, que possibi­

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lita conhecer os costumes e tradições dos primeiros colonos italianos que chegaram ao sul do país até o final do século XIX. Além da apresentação dos pratos típicos, enfatiza-se a produção do vinho, cujo eixo temático é a uva. Em outras localidades da Região Sul também foram estabelecidas diversas rotas que ado­tam os imigrantes como tema.

O projeto Roteiros de Turismo Rural e Patrimônio da Imigração Italiana foi iniciado e coordenado pelo município de Caxias do Sul/RS, com a participação dos municípios de Bento Gonçalves e Flores da Cu­nha. Recebeu a adesão de diferentes províncias italia­nas e um financiamento por parte da União Européia. Esses projetos deram origem a uma série de rotas como os Caminhos da Colônia, criada em 1997; a Estrada do Imigrante, criada em 1998; a Rota dos Tropeiros, iniciada em 2000; a Rota Vale Trentino, em fase de estruturação e que se encontra no distrito de Forqueta; e o Roteiro de Criúva, o lado campeiro de Caxias, tam­bém em fase de desenvolvimento. Estas rotas, se va­lem da gastronomia como elemento de revalorização cultural. Estão sendo realizadas tarefas de resgate da gastronomia tradicional por meio de receitas e livros de cozinha antigos em parceria com universidades, es­pecialistas em história, arquitetos, etc. e conseguiu-se

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recuperar “segredos de família” que foram passados de mãe para filha por quatro gerações.

No México as propostas gastronômicas são muito variadas devido à combinação de produtos resultantes da grande quantidade de climas e solos do país, soma­dos à miscigenação cultural entre as civilizações origi­nais e os conquistadores espanhóis. Isso permitiu a criação de diferentes rotas, tanto no âmbito rural como no urbano.

No contexto rural, Alicia Bemard e Patrícia Domínguez (2001) elaboraram três rotas no Estado de Oaxaca, selecionado por sua riqueza étnica, cultural e gastro­nômica, onde em muitas comunidades ainda está em plena vigência o uso de utensíUos indígenas para a preparação de alimentos. Dessa maneira permite-se ao turista cultural conhecer sociedades pouco modifica­das pelo avanço do progresso. As rotas resultantes fo­ram a Mixteca, a Mística e a rota Istmenha.

Da mesma forma, foram projetadas rotas gastronô­micas em cidades históricas mexicanas declaradas Pa­trimônio da Humanidade pela Unesco. A metodologia utilizada pode ser sintetizada da seguinte maneira:

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la) criação de uma base de dados com todos os atra­tivos turísticos, culturais e gastronômicos;

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b) preparação de um mapa onde se localizam os atrativos mais importantes;

c) Projeto de circuitos que combinem arte e gas­tronomia, assim como outros aspectos de inte- resse turístico.

d) realização de visitas de campo para assegurar que os serviços oferecidos reúnam um mínimo de qualidade e o tempo estima J , para as visitas seja correto;

e) submissão das propostas a um painel de especia­listas, composto por operadores de turismo e agentes de viagem das cidades onde se quer cap­tar o fluxo turístico, para conhecer sua opinião^

r,^Com o objetivo de avaliar o potencial das rotas,

realizaram-se entrevistas e aplicou-se um questioná­rio que continha as seguintes perguntas semi-estru- turadas:

• Você considera que pode haver turismo interes­sado em circuitos de arte e gastronomia?

• Você considera que os circuitos propostos po­dem ser de interesse?

• Que tipo de mercado pode interessar-se pelos circuitos propostos?

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• Que tipo de promoção você considera ser mais adequada para esta proposta?

• Você acredita que se dispõe da infra-estrutura mínima necessária?

• Você considera que as cidades com Patrimônio Histórico necessitam de mais promoção?

• Você considera que as rotas devam combinar-se com asQfe outro Estado?J^(Alicia Bernard e Patrícia Domínguez)

Esse modelo também pode ser aplicado como um instrumento de integração turística dos países do Mercosul. Neste caso, simplesmente haveria a necessi­dade de unir esforços em torno do já realizado em cada país no que se refere às rotas culturais dos imigrantes.

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10. A GASTRONOMIA NOS MUSEUS

T ambém é importante considerar a gastronomia nos museus.

Nos últimos anos, em virtude do desenvolvimento do turismo cultural, o patrimônio converteu-se pro­gressivamente em importante recurso econômico. Os museus, por sua vez, transformaram-se em protago­nistas da vida cultural dos países, conservando os bens patrimoniais e contribuindo para a economia.

O surgimento do turismo cultural, que aumenta ano a ano, traz consigo conseqüências enormes para a con­servação do patrimônio, e a isso não Cstão indiferen­tes os museus. Por um lado, é uma realidade que tem uma importantíssima transcendência econômica e que contribui para que muitas pessoas melhorem seu nível de vida. Por outro, dezenas, e mesmo centenas de mi­lhares de visitantes circulando ano após ano por um

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mesmo espaço cultural não deixam de ter um impacto negativo sobre sua conservação. Com efeito, um enfoque do patrimônio cultural que prime pelo aspec­to de recursos econômicos não está isento de perigos: basta voltar-se para as conclusões do foro de Sri Lanka, de 1993, que alertava sobre o risco de trivializar o pa­trimônio e, inclusive, de sua desaparição física como conseqüência das massas de visitantes. É aí que os museus representam um importante papel a cumprir com a custódia desse patrimônio, com a função de não permitir a “trivialização” do mesmo, e com a missão de difundi-lo.

Essa ambivalência e tensão entre a exploração do patrimônio como recurso econômico por um lado, e a responsabilidade moral da sua preservação para o fu­turo por outro, é apenas um dentre inúmeros temas preocupantes e suscetíveis que se poderia citar para um debate social. Ele leva à conclusão de que a con­fluência de tantos e tão complexos aspectos sobre o fato cultural do patrimônio, distantes de todo critério voluntarista ou amador, torna imprescindível uma ges­tão profissional do mesmo, estando nesse lugar os museus e seus especialistas.

Classificam-se os museus em diferentes tipos, aten­dendo à natureza de suas coleções; e quanto maior

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sua capacidade de atração sobre os diversos públicos, maior número de visitantes serão capazes de captar.

O público em geral e os turistas, em particular, se dirigem principalmente aos museus representativos da história, da cultura e das tradições do país anfitrião no afã de conhecer o que lhes pareça mais inédito e espe­cial. Tal é o caso das instituições de caráter regional ou local, onde é mais direta a relação com as comunidades.

As coleções excepcionais de interesse universal, tanto de arte, de arqueologia ou de outra disciplina, são desfrutadas por um crescente número de pessoas, como visitantes permanentes, estabelecendo-se uma relação museu-comunidade muito interessante para conhecer uma sociedade e seu comportamento.

Esse interesse estende-se à apresentação do patri­mônio intangível, em particular a alimentação. Diver­sos estudiosos assinalam que é necessário partir do conceito de sistema de alimentação e considerar cinco grandes processos envolvidos nesse sistema; crescimen­to, armazenamento, cocção, comida e limpeza, que corresponderiam, respectivamente, às fases de produ­ção, distribuição, preparação, consumo e eliminação; como também determinadas localizações: terrenos agrícolas, depósitos, mercados, cozinha, mesa e pia. Independentemente da forma como é entendido o fun­

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cionamento dos sistemas alimentares, é importante que todos os seus componentes e conexões componham as representações que os museus fazem da alimentação.

Ainda que a gastronomia faça parte dos museus etnográficos ao mostrar as diferentes maneiras de pro­duzir e consumir alimentos de diversas culturas, não são muitos ainda os museus dedicados exclusivamen­te a um produto alimentar ou a um prato em particu­lar. Talvez as bebidas alcoólicas tenham ganho terreno a respeito. Junto às adegas, que mostram as diferentes formas de elaborar o vinho como atração turística com­plementar, cabe mencionar o Scotch Whisky Heritage Centre (Centro Patrimonial do Uísque) de Edimburgo, Escócia, onde se pode fazer um percurso interativo com o objetivo de conhecer as formas ancestrais de elabora­ção do uísque, e o Museu da Cerveja de Valdivia, Chile.

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MUSEU DA CERVEJA KUNSTMANN - VALDIVIA, CHILE

Em Valdivia, a indústria da cerveja está ligada à colonização alemã no sul do Chile e a um de seus mem­bros, Carlos Anwandter, que, aproveitando seus conhe­cimentos de farmacêutico, começou a fabricação de

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cerveja para suprir as necessidades de sua numerosa família e de seus amigos. Ainda que esse projeto tenha se perdido pelas vicissitudes econômicas e climáticas, em 1993, um dos descendentes dos primeiros colonos fundou a cervejaria Kunstmann.

Com o objetivo de obter um produto de qualidade, a fabricação devia se ajustar ao critério de pureza (Reinheitsgebot) ditado por Guilherme, Duque da Baviera, em 1516, que dispunha que a cerveja devia ser elaborada unicamente com cevada maltada, lúpu­lo e água (se possível, água de vertente). Desse modo, buscava-se a diferenciação com outras cervejas que utilizavam aditamentos para obter um corpo leve, ba­ratear a produção e que se fabricavam inclusive na Alemanha, mas em cidades do norte do país.

O Reinheitsgebot, porém, não surgiu exatamente como medida em benefício da saúde, mas como prin­cípio destinado à proteção da integridade do produto. Ainda que se trate de uma disposição antiga e tendo falhas, possui o mérito de ser simples e de mostrar a cerveja como um produto honesto, ou seja, puro e sau­dável. Devido à extraordinária leveza da água de Valdivia' e à aplicação do Reinheitsgebot, a cerveja Kuntsmann conseguiu um lugar destacado tanto no mercado chileno como no internacional.

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Foi integrado à fábrica de cerveja um ambiente no qual se pode degustar pratos típicos alemães acompa­nhados de diferentes tipos de cerveja fresca e crua, como Lager, Bock, Toro Bayo, Ale, etc. Esse lugar, co­nhecido como A Cervejaria, é um dos mais visitados de Valdivia, tanto pelos moradores como pelos turis­tas. Conta com uma loja de venda de suvenir, onde é possível adquirir uma ampla variedade de artigos, como cerveja (garrafa, latas), camisetas, bonés, etc., que, quando possível, levam a inscrição “das gute Bier” (a boa cerveja) - Valdivia. O lugar se complementa com um museu.

O museu permite observar uma importante quan­tidade de elementos referentes às origens da cerveja: antigos processos de elaboração, maquinaria utilizada em diferentes processos de produção, principais ingre­dientes, garrafas antigas e etiquetas. A maior parte dessa informação é apresentada ao público mediante painéis explicativos.

Com referência às origens e história da cerveja, apresentam-se três painéis. Em um deles faz-se uma breve menção à antiga região mesopotâmica, onde se acredita que tenha surgido a cerveja, ainda que fosse uma bebida um tanto rudimentar, já que essa cultura não tinha conhecimento da levedura nem do álcool. O

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segundo painel mostra o desenvolvimento da indús­tria da cerveja na cidade de Valdivia durante os anos 1855-1960, período no qual a cerveja alcançou um importante desenvolvimento e deu um grande impul­so a cidades como Talca, Concepción, Santiago, Valparaiso e Valdivia. O terceiro painel faz alusão ao ressurgimento, em 1993, da indústria cervejeira ao inaugurar-se a Cervejaria Kuntsmann.

Com respeito aos antigos processos de elaboração da cerveja, pode-se observar um painel com uma série de lâminas em que se descrevem diferentes modos de produção utilizados para fabricar a bebida ao longo da história, especialmente do século XVI ao XVII.

Outra série de lâminas permite observar as fotos de cada um dos ingredientes que são utilizados na elabora­ção da cerveja, a saber: levedura, água, cevada e lúpulo.

Mostra, ainda, uma vitrine com uma importante quantidade de antigas garrafas de cerveja e chope, jun­to a folhetos nos quais são descritas as propriedades de cada uma das variedades de cerveja elaboradas na atualidade. Do mesmo modo pode-se observar um pai­nel com “etiquetas antigas de cervejas chilenas”.

O museu também conta com diferentes máquinas que servem para moer os grãos utilizados como ingre­dientes para a fabricação da cerveja.

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11. COMENTÁRIO FINAL

A gastronomia, sem dúvida, está ganhando terre- no como atração tanto para residentes como para

turistas^ Não só nutre o corpo e o espírito, mas faz parte da cultura dos povos.

Cada sociedade conta com uma ampla bagagem de tradições e costumes, e o turismo vale-se delas para atrair os visitantes interessados em diferentes mani­festações culturais que se observam tanto no âmbito urbano como no rural. Não obstante, é no âmbito ru­ral onde se têm realizado os maiores esforços.

Ainda que sejam muito valiosas as tentativas de incentivar o turismo rural com base nos produtos mais característicos e abundantes de cada região, talvez haja um interesse e um significado maior em harmonizar os recursos “da terra” com os valores culturais mani­festados na gastronomia de outros grupos que se esta­

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beleceram posteriormente, mas que muito contribuí­ram para o desenvolvimento local.

Tanto as viagens como os meios de comunicação de massa tornam homogêneas as pautas culturais e fazem com que a gastronomia pareça pouco diferenci­ada. No entanto, as diferenças existem e as possibili­dades de intercâmbio se expandem.

Além de importante para a confecção de produtos de turismo cultural, o conhecimento das pautas cultu­rais associadas à gastronomia é fundamental para aque­les que atuam na indústria da hospitalidade em seu conjunto.

O fato de poder apreciar como se foram intercam- biando, através do tempo e do espaço, os recursos e as pautas culturais sobre a base de saboreie coresfcerta- mente abrirá um novo espaço para o turismo cultural.

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12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SOBRE A AUTORA

Regina G. Schlüter é bacharel em Turismo pela Uni- versidad Argentina John F. Kennedy e doutora em Psicolo­gia Social pela mesma instituição.

Atualmente é diretora do Centro de Investigações e Estudos Turísticos da cidade de Buenos Aires, Argentina; editora-diretora da revista acadêmica Estúdios y Perspecti­vas en Turismo e professora da Universidad Nacional de Quilmes, Argentina.

Escreveu diversos livros e tem colaborado com artigos para publicações tanto em espanhol como em inglês de diferentes partes do mundo. Também tem ministrado cur­sos de pós-graduação em várias universidades da Espanha e da América Latina.

Além de Gastronomia e Turismo - Coleção ABC do Turismo, a autora tem publicado, em português, o livro Metodologia da Pesquisa em Turismo e Hotelaria, também pela Editora Aleph.