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Revista Portuguesa de Educação ISSN: 0871-9187 [email protected] Universidade do Minho Portugal Gomes Machado, Rui Genealogia do Ensino Secundário Unificado: Uma nova matriz social Revista Portuguesa de Educação, vol. 14, núm. 2, 2001, p. 0 Universidade do Minho Braga, Portugal Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=37414208 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

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Revista Portuguesa de Educação

ISSN: 0871-9187

[email protected]

Universidade do Minho

Portugal

Gomes Machado, Rui

Genealogia do Ensino Secundário Unificado: Uma nova matriz social

Revista Portuguesa de Educação, vol. 14, núm. 2, 2001, p. 0

Universidade do Minho

Braga, Portugal

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=37414208

Como citar este artigo

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Page 2: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

Genealogia do E

nsino Secundário U

nificado:U

ma nova m

atriz social

Rui M

achado Gom

esU

niversidade de Coim

bra, Portugal

Resum

o

Anossa tese principal sobre a criação do E

nsino Secundário U

nificado (ES

U)

é a seguinte: o Ensino S

ecundário Unificado foi criado em

resultado da

recolocação de Portugal no sistem

a mundial e das novas problem

atizações

do governo da educação. Asua concretização não se pode com

preender

enquanto cumprim

ento de princípios igualitários de governo ou como ruptura

provocada por movim

entos sociais igualitários. Não porque estas retóricas

ideológicas não tenham o seu papel na integração institucional do m

odelo,

mas porque a criação do E

SU

utiliza tais retóricas apenas como form

a de

validação externa,

embora

a sua

necessidade enquanto

tecnologia de

go

vern

o

da

s e

xpe

ctativa

s so

ciais

m

uito

e

stivesse

e

nu

ncia

da

.

Escasseavam

porém as condições de racionalidade e as tecnologias que lhe

permitissem

a

sua constituição.

Foram

essas

condições que

se criaram

progressivamente no período analisado (1974-1991). A

nalisamos neste artigo

o surgimento de um

a nova tecnologia que torna mais extensa e desagregada

a problematização das trajectórias escolares.

O E

nsino Secundário U

nificado: uma nova decom

posiçãoda população e do espaço escolar

Tudo leva a crer que o Estado N

ovo teria concretizado o Ensino

Secundário U

nificado (ES

U), com

essa ou com outra nom

enclatura, sem que

isso tivesse

como

consequência a

aproximação

do princípio

moral

da

equidade. Mais do que um

a ruptura programática, o E

SU

expressa a medida

de política educativa de maior continuidade com

o caminho que a R

eforma

Page 3: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

Veiga S

imão vinha seguindo. C

omo é aliás reconhecido por R

ui Grácio, um

do

s p

rincip

ais

imp

ulsio

na

do

res

da

re

form

a,

nu

m

do

s te

xtos

ma

is

documentado e interessante que escreveu sobre o E

SU

: «não obstante

contextos político-ideológicos constrastados tendo Abril de 74 por m

arco de

sep

ara

ção

, se

ve

rificara

m

du

ran

te

a

dita

du

ra

me

did

as

e

pro

jecto

s

governamentais que podem

inscrever-se na mesm

a linha tendencial: assaz

tímidas e retardadas sem

dúvida, pelos anos 60, mais ousadas e procurando

explicitamente acelerar o processo pelo início dos anos 70»

(Grácio, 1985:

88). As m

edidas tendenciais a que se refere Rui G

rácio traduziam-se em

decisões de

política e

projectos tais

como

a extensão

da escolaridade

obrigatória a oito anos, quatro dos quais de um tronco com

um de ensino

pre

pa

rató

rio,

a

ab

ertu

ra

de

ce

rca

de

se

ssen

ta

esco

las

secu

nd

ária

s

polivalentes e a criação do ensino liceal nocturno. Na verdade, todas estas

medidas se destinavam

a atenuar a distância entre o ensino liceal e o ensino

técnico. Em

especial, a criação das escolas secundárias polivalentes, fazendo

coexistir no mesm

o estabelecimento cursos diferenciados, dava um

passo

simbólico m

uito importante no sentido da unificação, facilitando a m

udança de

orie

nta

ção

, se

m

ne

cessid

ad

e

de

sa

ir d

o

me

smo

e

stab

ele

cime

nto

.

Antecedendo estas m

edidas, o Gabinete de E

studos e Planeam

ento da Acção

Educativa

havia publicado

entre 1970

e 1972

uma

dezena de

estudos

descritivos sobre as estruturas de ensino unificado em nove países europeus,

Brasil e E

stados Unidos da A

mérica que confirm

avam as duas orientações

principais da Unesco, da O

CD

E e do C

onselho da Europa: substituir os

modelos paralelos diferenciados por m

odelos globais integrados; adiar a

selecção escolar para um ponto m

ais tardio do percurso escolar, fazendo

prevalecer a orientação escolar apoiada.

Com

a criação, em 1975, do ensino secundário unificado, toda a

morfologia do sistem

a educativo se vê alterada1. P

ortugal entra, com atraso

considerável, na

tendência geral

da m

aior parte

dos países

europeus,

ocidentais e de leste, implantarem

um tronco com

um de ensino no prim

eiro

segmento do ensino secundário. À

escolaridade básica obrigatória de seis

anos, seguir-se-ia agora um ciclo unificado de três anos que viria a culm

inar,

em 1986, com

o alargamento da escolaridade obrigatória para nove anos. A

s

finalidades do ES

U são desde logo anunciadas: rom

per com a distinção entre

ensino liceal

e ensino

técnico; rom

per com

a

dualidade entre

escola e

Page 4: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

comunidade e adiar as opções de trajectória escolar para os quinze anos. A

criação de uma via única procura, segundo o nº 1 do despacho de criação do

ES

U, «um

a adequação do ensino às exigências políticas, económicas e

culturais da sociedade portuguesa». É a ruptura com

a dualidade escola-

comunidade que tom

a a dianteira nesta finalidade, por que, como diria R

ui

Grácio (1985: 107), o binário em

pobrece uma e outra: «em

pobrece a escola

e a educação formal por se privarem

do estímulo directo dos problem

as

concretos do meio natural e social, dos recursos hum

anos comunitários (pais,

oficiais de todos os ofícios, grupos organizados, instituições diversas), das

actividades produtivas

e sociais

(...) 2.

Em

pobrece a

comunidade

e a

educação não formal, por se privarem

dos recursos humanos, m

ateriais e

logísticos disponíveis nas escolas». Não por acaso, a tem

ática das relações

entre a escola e a comunidade vinham

adquirindo foros de primeiro plano nas

agências internacionais. Em

1973, a OC

DE

/CE

RI 2

realiza pela primeira vez

uma conferência sobre o tem

a das relações entre a escola e a colectividade,

que dá origem a um

relatório (OC

DE

/CE

RI, 1975) que influenciará grande

pa

rte

do

s d

eb

ate

s p

oste

riore

s. S

ob

a

p

ressã

o

do

s m

ovim

en

tos

de

desescolarização, o debate cristaliza em torno das alternativas da educação

formal e não form

al, mas em

todo o caso pondo em questão o m

onopólio da

escola. Ficam

a partir de então enunciados os quatro tipos de interacções

entre a escola e a comunidade que m

arcarão os discursos educativos durante

as décadas de 70 e 80: a) interdependência entre escola e comunidade na

partilha dos recursos materiais e hum

anos, em nom

e do interesse geral e do

desenvolvimento

colectivo; b)

adaptação da

escola às

necessidades da

economia local e nacional; c) participação nos processos de decisão dos

agentes políticos e dos grupos de interesses locais; d) escolarização dos

grupos minoritários por interm

édio de estratégias de integração nas escolas

normais ou da criação de escolas alternativas. E

mbora o debate não tenha

sido conclusivo foi indubitavelmente no âm

bito das construções escolares que

mais se avançaria.

Adaptando um

a formulação que costum

a ser usada para outros fins,

diríamos que a criação do E

SU

foi determinada por elem

entos de integração

supra-nacionais, mas sobredeterm

inada por elementos de desenvolvim

ento

interno do próprio sistema educativo. D

estes factores, o mais decisivo é, sem

dúvida, a crescente procura de educação secundária, com expressão m

uito

Page 5: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

significativa na expansão da rede de liceus entre 70-74 e na triplicação dos

matriculados nesse m

esmo período (G

rácio, 1986: 131). Os elem

entos sociais

exteriores, em especial os do contexto dom

éstico e da produção, tiveram

neste caso um papel secundário, em

bora se deva recordar a heterogeneidade

intrínseca do sistema educativo e, portanto, a presença destes contextos no

seu interior em proporções variáveis. O

crescimento da pequena-burguesia e

as expectativas de mobilidade social ascendente das fam

ílias tiveram o seu

papel, bem

com

o a

maior

influência política

das correntes

económicas

desenvolvimentistas. N

o entanto, estes factores externos não haviam tido

ne

m

o

tem

po

n

em

o

s re

curso

s p

ara

se

tra

nsfo

rma

rem

e

m

no

vas

problematizações de governo.

Com

o curto-circuito provocado pela crise revolucionária de 74-75 tais

problematizações entram

pela porta dos fundos da administração. Todas as

experiências conhecidas de unificação tinham sido antecedidas de grandes

estudos estatísticos

que m

ostravam

as correlações

entre origem

social,

resultados escolares e destinos sociais da população escolarizada. Durante o

Estado

Novo,

a produção

de tais

estatísticas restringia-se

a algum

as

iniciativas limitadas realizadas no âm

bito do GIS

(Gabinete de Investigações

Sociais) ou de trabalhos académ

icos (ver Ângelo, 1975). R

ealizados em larga

escala, em outros países europeus, perm

itiram determ

inar, por exemplo, a

magnitude da «perda de talentos» provocada pelos sistem

as educativos

selectivos (Husén, 1960). E

ntre as problematizações m

ais importantes que as

novas tecnologias estatísticas permitem

encontra-se a da desigualdade social

face à educação. Apartir dos anos 60 as estatísticas europeias sofisticam

-se

ao ponto de medirem

as consequências educacionais das atitudes parentais,

do tipo de envolvimento habitacional, dos recursos culturais, do estatuto

sócio-profissional ou dos estilos de ensino (Husén, 1972; H

usén, 1975). Os

resultados revelam, invariavelm

ente, que os filhos da classe operária, em

comparação

com

os grupos

sociais m

ais elevados

na hierarquia

social,

estavam em

desvantagem, tanto no plano do acesso com

o no dos níveis

educacionais obtidos.

Esta

nova representação

dos sistem

as educativos

pro

ble

ma

tiza

dire

ctam

en

te

a

qu

estã

o

da

o

ptim

izaçã

o

do

s re

curso

s

educativos, em benefício da elevação do padrão educativo dos grupos em

desvantagem. C

hegar ao padrão já atingido por uma elite, reduzindo os

de

spe

rdício

s, e

ra

o

ob

jectivo

p

rincip

al

do

g

ove

rno

d

a

ed

uca

ção

. A

Page 6: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

generalização de programas de educação a grupos até então afastados da

ed

uca

ção

se

cun

ria

foi,

certa

me

nte

, o

rien

tad

a

pe

las

exig

ên

cias

de

reconstrução nacional

do pós-guerra.

O

círculo virtuoso

da econom

ia,

ancorado no modelo fordista da produção em

massa, tailorizada, com

acesso

ao consumo de m

assas e à providência estatal, também

teve o seu papel.

Porém

, a unificação do ensino em vários países europeus, é m

uito menos a

consequência de um m

andato democrático, decorrente de um

direito moral

eterno ao desenvolvimento integral das capacidades de cada um

, do que um

efeito das novas tecnologias de representação e de planeamento de governo

da população, decorrentes da procura de mais riqueza, de m

aior harmonia e

de

m

aio

r e

ficácia

n

a

mo

biliza

ção

d

a

po

pu

laçã

o.

Co

m

efe

ito,

as

problematizações introduzidas pelas novas categorias estatísticas dos anos

50 e 60 antecedem a unificação e garantem

a integração de todos os grupos

sociais no mesm

o espaço das preocupações de governo. Ao contrário da

maioria dos países europeus, este tipo de problem

atização faz-se a par da

decisão de lançamento do E

SU

. Não que os responsáveis pela decisão

política não tivessem consciência da necessidade de o fazer, m

as porque se

poderia perder a oportunidade política. Com

efeito, desde o seu lançamento

que o ES

U foi atacado por diferentes sectores políticos e corporativos, dentro

e fora do Ministério

3. Rui G

rácio, já depois de ter abandonado a Secretaria de

Estado da O

rientação Pedagógica haveria de justificar a urgência da m

edida

nos seguintes termos: «com

a urgência, improvisa-se, e pode com

prometer-

se o melhor. M

as apetece inventar um adágio que não há: ‘m

ais vale cedo que

nunca...’. Eu pergunto seriam

ente: com ‘o novo curso da vida política’, com

forças ascendentes de pressão direitista a proporem o referendo da futura

Constituição que está a ser preparada por um

a Assem

bleia com legitim

idade

representativa, a proporem que a R

eforma A

grária, com toda a legitim

idade

revolucionária, e

a da

lei, seja

suspensa do

voto da

futura Assem

bleia

Legislativa – eu pergunto, ressalvadas naturalmente todas as proporções, se

o ensino secundário unificado não tivesse nascido para o ano lectivo de

1975/76, chegaria a ver a luz do dia em 76/77»

4. Desde o início que os

decisores políticos têm a consciência de que a m

edida sofrerá problemas de

legimitação

se não

se tom

arem

medidas

adequadas de

legitimação

a

posteriori. Previstas m

edidas de avaliação desde o lançamento do 7º ano

unificado, estas viriam a ser concretizadas em

dois planos, um de natureza

Page 7: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

política, com a discussão pública do docum

ento sobre o lançamento do 8º ano

de escolaridade5, outra de natureza técnico-científica, com

o GE

Pa ser

encarregado, a

partir de

Maio

de 1976,

da avaliação

do 7º

ano de

escolaridade6. E

ste processo de avaliação viria depois a alargar o seu âmbito,

estendendo-se aos três anos de escolaridade do ES

U, bem

como a prolongar

o tempo de duração, decorrendo até 1981. N

o seu conjunto, constitui o

exemplo m

ais conseguido, no sistema educativo português, de aliança entre

discurso científico, político e administrativo. M

ais do que a retórica política de

legitimação do E

SU

, seria a lógica de legitimação técnico-científica que a

partir de agora tomaria o prim

eiro plano, facto de que os próprios avaliadores

têm

plena consciência:

«a E

ducação tornou-se,

cada vez

mais,

um

instrumento através do qual a S

ociedade podia ser mudada e profundos

objectivos políticos (tais como a igualdade) serem

atingidos. Ao darem

à

Educação

um

papel central

no sentido

da m

udança, as

estratégias de

planeamento tinham

de ser conduzidas com base em

modelos m

ais racionais

e pragmáticos, nos quais as decisões fossem

tomadas com

base em estudos

científicos, na experimentação e na avaliação»

7.

Em

Portugal, este novo espaço de objectivos e expectativas sociais

apenas será introduzido por força da crise revolucionária, antecipando assim

a problematização da adm

inistração, incipiente no final do Estado N

ovo e

paralisada durante a crise. E daí, tam

bém, a ilusão ideológica

de que teria

sido a inscrição do princípio da educação para todos na Constituição e nos

sucessivos programas de governo provisório a com

andar a racionalidade da

un

ificaçã

o.

An

ossa

te

se

é

dife

ren

te

e

ofe

rece

u

m

po

nto

d

e

vista

complem

entar para a análise: foram as problem

atizações realizadas a par do

lançamento do E

SU

e, consequentemente, as racionalidades e as tecnologias

mobilizadas que sustentaram

, legitimaram

e ampliaram

os efeitos da sua

criação. Deste m

odo, a chamada licealização do ensino unificado não pode

ser considerada como a dem

onstração do fracasso da aplicação do princípio

do desenvolvimento igualitário das capacidades de cada um

e de todos, por

que tal princípio não existia.

Acrise revolucionária produziu, segundo S

antos (1990: 35), um E

stado

dual caracterizado pela existência de um núcleo central da burocracia estatal

resistente às novas solicitações e pela criação de instituições paralelas, mais

abertas às contradições, entretanto desencadeadas e, em alguns casos, com

Page 8: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

fun

cion

ário

s a

ctivam

en

te

ide

ntifica

do

s co

m

os

mo

vime

nto

s so

ciais

revolucionários. No cam

po educativo, a tentativa de articular o Estado com

os

movim

entos estudantis e dos professores foi uma constante evidenciada na

relação de legalidade de continuidadeinstituída. O

recurso à legalização

estatal assumia um

formato adocrático, devido, em

regra, à iniciativa dos

movim

entos sociais que se apoiavam nos técnicos da m

áquina paralela.

Alguns saneam

entos, bem com

o a substituição dos reitores por comissões de

gestão são um exem

plo evidente das novas formas de legalização (ver Lim

a,

1992). Para além

das formas de legalização que incluíam

também

a inovação

legislativa, o principal mecanism

o de influência consistiu na introdução, nos

estudos da administração do sistem

a educativo, dos indicadores de contexto

social que provocavam a selecção escolar.

Ateoria dos sistem

as autopoiéticos de Niklas Luhm

ann (1982; 1990a)

tem aqui um

papel na compreensão dos fenóm

enos de auto-referencialidade

dos sistemas educativos: os sistem

as alteram-se a si próprios, de um

modo

imprevisto, por interm

édio da descoberta de novas estruturas e tecnologias. A

criação de uma adm

inistração aberta à influência dos movim

entos sociais,

seja por força da influência política partidária ou pela adesão não organizada,

ajudou a criar redes de problemáticas que deixaram

uma m

emória no sistem

a.

Tal mem

ória permaneceu m

esmo após o fim

da crise revolucionária e do

Estado dual.

Aestandardização é a condição prática que os sistem

as educativos

construíram para garantir a sua form

a particular de justiça, segundo a qual

cada indivíduo deve ser julgado de acordo com o seu próprio m

érito. O E

stado

Novo havia introduzido grandes distorções ao funcionam

ento deste princípio,

embora as estruturas que tradicionalm

ente o sustentam estivessem

intactas e

tivessem transitado para o período pós-revolucionário: program

as de ensino

definidos por

um

poder regulam

entar central,

uma

carta escolar

para a

implantação dos estabelecim

entos escolares, sectorização pedagógica para a

distribuição dos alunos e graus nacionais para a colocação de professores.

Entretanto, estas garantias sim

bólicas que estruturam em

grande medida o

princípio de confiançana escola viram

-se abaladas. Novas racionalidades e

novas tecnologias foram m

obilizadas para as actualizar ou reactivar.

Page 9: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

Novas racionalidades e novas tecnologias de governo da

educaçãoN

outro trabalho

abordámos

mais

profundamente

o conceito

de

racionalidades de

governo8.

Neste

artigo farem

os apenas

um

excurso

suficiente ao estabelecimento dos lim

ites conceptuais em que é utilizado.

Para G

ordon (1991), a racionalidade de governo consiste num sistem

a de

pensamento sobre a natureza das práticas de governo: quem

pode governar,

o que é governar, quem ou o que é governado? Tal sistem

a não se esgota nos

circuitos fechados de controlo do Estado, alargando-se a todas as zonas de

interacção sujeitas às problematizações do governo. F

oucault contrapõe ao

monolítico objecto postulado pelas teorias do E

stado oregim

e múltiplo da

governamentalidade, concluindo pela necessidade de tornar m

enos rígidas as

tradicionais fronteiras entre Estado e sociedade civil. D

este modo cham

a a

atenção para

a m

ultiplicidade de

formas

de poder

em

circulação na

sociedade. Também

Boaventura S

. Santos (1994: 105-117) desenvolveu esta

tese da distinção Estado/sociedade civil referindo que tal distinção im

põe uma

concepção homogénea de poder político-jurídico com

origem no E

stado,

diluindo todas as outras formas de poder na fam

ília, nas empresas e nas

instituições não estatais. Tentando superar a falta de especificidade das

formas de poder exteriores ao E

stado, encontrada em F

oucault, apresenta

quatro modos básicos de produção de poder que se articulam

de maneiras

específicas: o patriarcado no espaço doméstico, a exploração no espaço da

produção, a dominação no espaço da cidadania e a troca desigual no espaço

mundial.

Form

ulada esta

proposta, S

antos (1994:

113-117) aplica-a

à

sociedade portuguesa nas suas três características semiperiféricas: grande

heterogeneidade interna dos vários espaços estruturais, centralidade e défice

de hegemonia do E

stado, excesso de autoritarismo do E

stado.

Para S

antos, a centralidade do Estado português, por força do seu

autoritarismo e fraqueza hegem

ónica, tornaria mais difícil determ

inar onde o

Estado acaba e a sociedade civil com

eça. É neste contexto teórico que

Santos (1993: 31) identifica o fenóm

eno do Estado paralelo: «um

Estado

form

al

qu

e

existe

p

ara

lela

me

nte

a

u

m

Esta

do

in

form

al;

um

E

stad

o

centralizado que

endossa as

atitudes contraditórias

dos m

últiplos m

icro-

Estados existentes no seu seio; um

Estado oficial m

aximalista que coexiste,

lado a

lado, com

um

E

stado não

oficial m

inimalista».

Por

seu lado,

a

Page 10: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

heterogeneidade dos espaços estruturais, em especial do espaço dom

éstico

e do espaço de produção, criariam autonom

ias relativas em cada um

destes

espaços estruturais da sociedade portuguesa, cujo efeito seria o bloqueio

relativo da actuação do Estado. É

neste contexto teórico que Santos (1993:

33) identifica uma das estratégias estatais de regulação social sem

iperiférica:

a construção de novos actores sociais.

Em

bora o mapa estrutural dos m

odos de produção do poder apresente

potencialidades interessantes

no nosso

próprio trabalho,

o seu

grau de

generalidade e abstracção é excessivo, não permitindo captar a totalidade

dos processos em causa no sistem

a educativo. Dentre os processos que é

possível analisar

com

este m

apa conceptual

sobressaem

os que

dizem

respeito à construção de novos actores sociais nas articulações possíveis

entre os espaços da cidadania, da produção e da família no interior do

processo educativo. Aprim

azia do espaço da cidadania na educação, sob a

forma do E

stado, coexiste com a sua dependência em

relação aos outros

espaços e por essa via a forma do poder de E

stado exerce-se, muitas vezes,

em com

binação com as form

as típicas de outros espaços estruturais. Por

exemplo, quando o processo educativo estatal reconhece a necessidade de

produzir competências para o m

ercado de trabalho local está a conferir

grande particularismo à sua actuação. E

sta derivação do interesse geral para

o interesse particular é tornada logicamente necessária pela necessidade de

ligar a escola à vida activa e o trabalho intelectual ao trabalho manual,

fazendo coincidir retoricamente os interesses do «tecido em

presarial» com o

inte

resse

g

era

l. D

este

m

od

o

se

inco

rpo

ram

o

s p

articu

larism

os.

Tal

particularismo pode resultar tam

bém da interpenetração do espaço dom

éstico

e do espaço da cidadania, por exemplo, no caso em

que a actuação do

Esta

do

e

o

e

xercício

d

a

cida

da

nia

o

de

leg

ad

os

form

alm

en

te

em

Associações de P

ais ou, informalm

ente, nas famílias. C

ontrariamente ao

espaço estatal da cidadania, o espaço doméstico apresenta-se atom

izado na

diversidade e dispersão das famílias existentes num

a dada sociedade. O

poder patriarcal, embora se possa exercer noutras relações sociais, tem

no

espaço dom

éstico a

unidade de

prática social

preeminente.

Não

se

apresentando ligadas por uma rede funcional e por um

a estrutura hierárquica

semelhantes

aos departam

entos que

compõem

o

Estado,

as fam

ílias

dificilmente conseguem

superar a dispersão que lhes limita a participação

Page 11: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

política. Precisam

para tanto de mudar de form

a quando mudam

de unidade

de prática social. É o que se passa com

a regulação associativa que lhes

permite um

a certa intervenção nos assuntos e nas decisões das escolas.

Deste m

odo, o espaço doméstico sofre um

a alteração, por força da politização

da sua

representação. E

sta politização

é m

ultidimensional.

Envolve,

em

primeiro lugar, as relações na escola: o que distingue a intervenção atom

izada

das famílias, da intervenção por interm

édio dos seus representantes são as

características da sua racionalidade. Enquanto a prim

eira tende a ser parcial,

pontual, particularista, centrada nos laços pessoais e afectivos e destinada a

proteger o

filho; a

segunda, tende

a ser

global, geral,

impessoal

nas

apreciações e

destinada à

defesa do

interesse geral

das fam

ílias. E

m

segundo lugar, a politização do espaço doméstico envolve as relações na

família. A

lgumas vezes, a presença m

aioritária das mulheres na organização

e direcção das associações, tende a reduzir as relações de dominação

patriarcais da família, assentes na discrim

inação sexual. Porém

, outras vezes,

o associativismo das fam

ílias é também

uma form

a de confirmar a m

atriz a

partir da

qual outras

formas

de poder

são legitim

adas para

produzir

discriminação social. É

que a conquista de um espaço de intervenção das

famílias pode ser obtido à custa da total separação entre o espaço da

cidadania e o espaço escolar. Não é evidente que a um

a maior representação

corporativa das famílias na vida escolar corresponda um

a maior participação

na vida política. Pode m

esmo postular-se a hipótese contrária: a intervenção

associativa das famílias e a representação política, no âm

bito de cada escola,

podem

ser decisivas

para trivializar

as relações

de poder

escolares,

ancoradas em

m

ecanismos

imunes

à dem

ocracia representativa.

Neste

sentido, os eventuais ganhos obtidos pelos pais-cidadãos podem ser obtidos

em detrim

ento dos cidadãos-pais, na medida em

que a participação no

espaço escolar esgota e isola, e por isso camufla no seu paroquialism

o, todas

as energias de participação cívica.

Mas outros processos de governo da educação não se podem

incluir

neste modelo conceptual. D

entre os processos que não é possível analisar

destacamos

dois que

assumem

um

papel

central no

nosso trabalho:

a

fertilização cruzada

entre diferentes

agências e

especialistas, públicos

e

privados e a mobilização sim

bólica do mítico espaço com

unitário. O prim

eiro

processo resulta da articulação entre os espaços da cidadania e o espaço das

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ciências que mais directam

ente intervêm na educação, designadam

ente as

Ciências

da E

ducação e

a P

sicologia. Tam

bém

nestas articulações

são

construídos novos

actores sociais.

O

nosso argum

ento considera

que,

embora

este espaço

não tenha

constituído ainda

uma

homogeneidade

estrutural do mesm

o nível do espaço da cidadania, a crescente mobilização

dos especialistas para programas de governo, bem

como a autonom

ia da sua

região discursiva, aconselham a um

a análise mais m

atizada dos dispositivos

de poder que deles decorrem9. O

segundo processo resulta do conjunto de

relações sociais, reais ou imaginadas, que tendem

a vincular os indivíduos e

os grupos a certos territórios. As relações sociais que decorrem

neste espaço

geram novos actores sociais com

poder desigualmente distribuído em

função

de identidades primordiais tais com

o a etnia, a zona de habitação ou a

reputação local,

dando lugar

a dispositivos

de poder

assimétricos

ou

nive

lad

os,

ma

s, e

m

qu

alq

ue

r ca

so,

ba

stan

te

dife

ren

tes

da

s m

íticas

comunidades educativas

convivenciais e isentas de contradições.

O Q

uadro 1 faz uma prim

eira aproximação m

ais específica destes

con

texto

s a

p

artir

da

s n

oçõ

es

de

te

cno

log

ias

e

racio

na

lida

de

s d

a

governamentalidade, tendo por referência o P

rojecto de Avaliação do E

nsino

Secundário U

nificado (PA

ES

U).

Num

a primeira análise do quadro sobressaem

os diferentes modos de

reflexão e de impulso ético que subjazem

ao objectivo de equalização de

oportunidades educacionais

para diferentes

grupos sociais.

De

forma

esquemática,

podemos

dizer que

nestes quatro

conjuntos form

ados por

racionalidades e tecnologias, com ponto de aplicação no E

SU

, se encontram

os impulsos essenciais que m

arcarão todo o período analisado. Afractura,

que é simultaneam

ente uma articulação, entre os objectivos técnicos de

governo e o direito moral à auto-realização já se encontra presente nos quatro

domínios que, no nosso m

odelo de análise, constituem as principais criações

do ES

U, a saber:

i) Acriação de um

nova matriz socialque, ao integrar todos os grupos

sociais na

problematização

das trajectórias

escolares, estabelece

novos

critérios de desigualdade escolar através da medida, entre outras, das «taxas

de desperdício» (abandono e repetição) por grupo socioeconómico.

Page 13: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

Quadro 1 - P

roblematizações de governo da educação inscritas na

avaliação do Ensino S

ecundário Unificado

ii) Acriação de um

a nova cartografia de inserção da escolaque, ao

estabelecer as regiões administrativas, as zonas e os casos (estabelecim

entos

específicos) como o espaço de observação e avaliação do sistem

a educativo,

desloca também

o campo privilegiado de intervenção das políticas educativas.

LU

GA

R-C

OM

UM

RA

CIO

NA

LID

AD

ES

TE

CN

OL

OG

IAS

MA

TR

IZ

SO

CIA

L

Dem

ocratização

Igualdade deoportunidades

Quantidade

Interesse Geral

Indicadores estatísticos:

distância casa-escola,

tipo de transporte, modo de

deslocação, número de

pessoas em casa, núm

ero de

divisões, periodicidade daleitura de jornais, núm

ero de

livros.

Escalões sócioeconóm

icos

Classificação: m

ais favorecido, m

édio superior, médio inferior,

menos favorecido.

Osocial: encarregados de

educação e empresas.

CA

RT

OG

RA

FIA

ES

PA

CIA

L

Regionalização

Lealdade Nacional/

Local

Lealdade Territorial

Regiões adm

inistrativas

Estudos de caso

Zonas: urbana, suburbana, rural

Dim

ensão das escolas

SU

BJE

CT

IVID

AD

EIndividualização

Autonom

ia

Auto-estim

a

Motivação

Laços Pessoais

Investigação individual

Trabalho em

grupo

Critérios de avaliação (partici-

pação, progressão, aquisição, aplicação)

Capacidades individuais

Participação nas aulas

Trabalho de casa

Disciplina

Pedagogia por O

bjectivos

Expectativas quanto ao

prosseguimento de estudos e

inserção profissional

VO

CA

BU

RIO

Unificação

Eficácia

Com

petência

Criação de novas disciplinas

Ressurgim

ento dodesenvolvim

ento curricular InterdisciplinaridadeIntradisciplinaridade

Page 14: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

iii) Acriação de um

novo vocabuláriocom

um aos diferentes níveis do

sistema

educativo que,

ao constituir

homologias

linguísticas, estabelece

novas formas de coordenação discursivas onde as antigas form

as estruturais

parecem falhar.

iv) Acriação de um

a nova forma de individualização do aluno por

intermédio da escolarização que, ao constituir um

conjunto de métodos e

estratégias de

auto-regulação e

autonomia,

inscreve novos

atributos da

subjectividadeno corpo social.

Neste artigo apenas nos adentram

os na análise da nova matriz social.

O lugar-com

um utilizado na criação de um

a nova matriz social é o da

igualdade de

oportunidades e

da dem

ocratização: «a

importância

da

educação numa sociedade tecnicam

ente avançada transforma a educação

num instrum

ento para planeamento económ

ico e cumprim

ento de programas

políticos. É objectivo básico de um

a democracia garantir a igualdade de

oportunidades, numa sociedade de bem

-estar, através do acesso à educação.

Aunificação

de um

sistem

a educativo

diferenciado resulta,

portanto, da

necessidade de garantir a todos uma base educativa a partir da qual possa

ser escolhida uma educação posterior e possa ser encontrado um

lugar no

mercado de trabalho»

10.

Estes lugares-com

uns utilizados para formar o com

munis principiu

são

lugares de quantidade: «a igualdade de oportunidades só é possível com m

ais

alunos no ES

U». C

omo expressam

ente nota Perelm

an (1969, 1996: 98), o

lugar da quantidade fundamenta certas concepções de dem

ocracia devido à

superioridade do que é admitido pelo m

aior número e do m

érito atribuído às

pessoas ou instituições que prestam serviços a um

maior núm

ero. Porém

, o

lugar da quantidade é frágil e evolui facilmente para o lugar da qualidade:

«esperar que a escola, por si só, compense as desigualdades sociais é, hoje,

para qualquer educador ou político consciente, domínio do m

ito, da utopia ou

da ignorância. Assim

, esperar que a escola opere milagres só porque se

garante, dentro dos seus muros, um

a apregoada 'igualdade de oportunidades'

que não está consonante com a realidade extra-escolar, deverá ser tam

bém

matéria cuja não veracidade se deve encarar (...) A

análise do rendimento

escolar dos alunos e a sua relação com as variáveis de caracterização

socioprofissional parecem apontar neste sentido: o insucesso escolar, as

repetências, os níveis mais baixos de rendim

ento escolar fazem parte da

Page 15: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

bagagem dos estratos socioprofissionais situados nos escalões inferiores da

hierarquia social» (Idem, Ibidem

, p. 515-516) .

Aescola é apresentada com

o fazendo parte das contradições da

sociedade, sendo

a reform

a «lenta,

morosa

e difícil,

porque im

plica a

interiorização desses novos objectivos; este processo de interiorização é tanto

mais

moroso

quanto não

é acom

panhado por

medidas

e estruturas

adequadas» (Idem, Ibidem

, p. 516). O grande núm

ero dá assim lugar ao que

é difícil, raro e distintivo. Apresentar a reform

a como difícil ou rara é um

meio

de valorizá-la, mas a sua precariedade é um

valor qualitativo oposto ao valor

quantitativo. São as tecnologias de distinção, separação e classificação que

asseguram esta passagem

lógica da quantidade para a qualidade: escalões

socioeconómicos, taxas de abandono e repetição, indicadores de condições

de vida, indicadores de consumo cultural dem

onstram as assim

etrias sociais

e, portanto, a (im)probabilidade de um

a transição simples para a igualdade de

oportunidades.

No m

odelo de avaliação apresentado, cujo objectivo declarado é o de

compatibilizar filosofia política e pragm

ática da avaliação11, a distinção entre

o estado

ideal das

pessoas e

as pessoas

em

si-mesm

as, m

edidas por

indicadores estatísticos,

ocupa um

lugar

central. É

esta

operação de

julgamento dos indivíduos em

situação que permite a passagem

do princípio

formal de acesso dem

ocrático à incerteza dos mom

entos críticos. Aanálise

desses mom

entos permite-nos verificar com

o a incerteza de aplicação do

princípio deve, simultaneam

ente, enfrentar as contingências da situação e

justificar-se segundo princípios gerais.

Ap

rob

lem

atiza

ção

cria

situ

açõ

es

de

p

rova

o-p

rese

ncia

is

semelhantes às situações de prova presenciais analisadas por B

oltansky e

Thévenot (1991). N

estas situações os actores devem pôr à prova ou fazer

prova de que a sua definição de situação ou a sua proposta de acção é a

melhor em

face das propostas de outros. Nas situações de problem

atização o

registo de comunicabilidade é garantido por um

enunciado aparente de todas

os princípios racionais possíveis para aquela situação de prova. Afim

de

tornar este exercício não presencial possível é suposto que a estes princípios

se possam associar objectos m

ensuráveis com os quais as pessoas se

comparem

e do mesm

o lance comparem

a validade dos princípios. Esta

situação de prova conduz as pessoas a pôr-se de acordo sobre a importância

Page 16: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

relativa dos seres e objectos envolvidos na situação, sejam eles recursos,

programas, disposições regulam

entares, alunos, professores, etc.. Sublinhe-

se que não se trata de um acordo sobre o princípio ou princípios envolvidos,

por que estes podem estar sujeitos ao diferendo, m

as do acordo quanto à

ligação e disposição dos seres e objectos numa m

ontagem suficientem

ente

coerente para

que a

sua articulação

tenha verosim

ilhança, para

que o

julgamento possa ser possível e para que os processos esperados se possam

efectivar.O período revolucionário é m

arcado por tendências contraditórias em

outros cam

pos onde

o princípio

da igualdade

de oportunidades

deveria

aplicar-se. Não obstante a centralidade da quantidade, as problem

atizações

técnicas com

eçam

a responder

a questões

que são

mais

abertamente

discutidas no

contexto político.

Adem

ocratização do

acesso levantara

problemas urgentes no final do ensino secundário, por força do acesso

maciço

à U

niversidade. A

s preocupações

principais com

o

excesso de

quantidade acolhiam

-se então

no S

erviço C

ívico estudantil 12.

Com

o se

depreende da discussão realizada no Conselho de M

inistros de 21 de Outubro

de 197513

(pp. 6-8): «o Prim

eiro Ministro [P

inheiro de Azevedo] afirm

ou que

estavam em

discussão dois pontos de vista totalmente distintos. O

primeiro

defendia que o serviço cívico era no fundo uma parte da educação da

juventude e que a consequência lógica seria a sua obrigatoriedade com o

consequente planeamento e postos de trabalho fixos; segundo o segundo

ponto de vista o serviço cívico justificar-se-ia unicamente para perm

itir ao

aparelho de Estado a recuperação do seu atraso em

matéria de construções

escolares e

formação

de pessoal

docente e

neste caso

deveria ser

meram

ente facultativo». Entretanto, o M

inistro da Educação [V

ítor Alves]

clarifica a sua posição nos seguintes termos: «na prática efectivam

ente o

serviço cívico havia funcionado como um

a medida de tam

pão para impedir a

entrada na universidade de indivíduos que esta já não comportava e que

actualmente se deveriam

decidir certos tipos de problemas m

uito concretos,

nomeadam

ente quem superintendia no serviço cívico e se deveria ou não

admitir-se

os num

erus clausus

na universidade.

Quanto

à questão

das

construções escolares o Ministro afirm

ou que no seu entender o Governo se

deveria concentrar no ensino de base como prioridade». D

epois de uma

pro

lon

ga

da

d

iscussã

o,

as

ten

tativa

s d

e

con

sen

so

são

a

be

rtam

en

te

Page 17: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

contraditórias, como se infere da síntese tentada pelo prim

eiro-ministro e pelo

relator: «o Prim

eiro-Ministro depois de profunda discussão do assunto tirou o

consenso do Conselho de M

inistros que ia no sentido da manutenção do

serviço cívico sobre responsabilidade do ME

IC, m

antendo-se o seu carácter

obrigatório e definindo-se que deveria começar o m

ais cedo possível (...) Foi

então amplam

ente discutido se o serviço cívico estudantil devia ou não ter

carácter obrigatório, inclinando-se o Conselho para que efectivam

ente ele não

tivesse características obrigatórias».

No interior desta contradição encontra-se tacitam

ente equacionada a

resistência cada vez maior dos estudantes e das associações de pais ao

serviço cívico. Os estudantes de direita opunham

-se ao serviço cívico porque

ele comprom

etia os tradicionais privilégios sociais da classe média (M

ailer,

1977); as associações de pais reagem fortem

ente pelo mesm

o motivo, opondo

à primazia do critério da origem

social no acesso à universidade, o princípio do

mérito de cada um

14; os estudantes de algumas organizações de esquerda

criticam a contradição de o princípio de ligação às classes trabalhadoras ser

organizado e planeado por um governo de natureza capitalista (S

toer, 1986:

190-192). Também

neste caso se utilizou o formato do grupo de trabalho

especializado como form

a de dissipar as contradições. AC

omissão conclui,

entretanto, que se devem m

anter os objectivos estabelecidos, actualizando-os

do seguinte modo: «a) assegurar aos estudantes um

a adequada integração na

sociedade portuguesa e um m

ais amplo contacto com

os seus problemas a par

de uma m

elhor compreensão das necessidades e carências da população; b)

prepará-los, assim, para intencionar o seu curso no sentido de dar resposta

aos problemas vividos da com

unidade nacional; c) contribuir, pelo trabalho

concreto realizado para melhorar as condições de vida das populações m

ais

necessitadas»15. A

s conclusões reforçam, noutro contexto e por outra via, o

mesm

o tipo de problematização da relação entre escola e sociedade que se

fazia no caso do ES

U: «com

o o sistema escolar tem

que responder, ao mesm

o

tempo,

às exigências

da vida

activa e

de um

m

ercado de

trabalho

diferenciado, a igualdade da educação é definida no âmbito da noção de um

a

sociedade meritocrática. A

igualdade da educação é, assim, vista com

o a

garantia dada a cada indivíduo de desenvolver iguais possibilidades, aptidões

e capacidades, sendo essas capacidades que darão a cada um, um

lugar no

mercado de trabalho»

16.

Page 18: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

Problem

atizada nestes termos probabilísticos, a relação entre escola e

sociedade induz a construção de duas esferas de acção: por um lado, a

localização geográfica, o estatuto socioeconómico, a constituição da célula

familiar, a afectação de recursos, a dim

ensão das turmas e os transportes,

entre outros, são dados de condição — «os factos», segundo os R

elatórios —

em relação aos quais pouco se pode fazer a não ser conhecê-los; por outro

lado, há os objectivos, os programas, as condições pedagógicas, as atitudes

e capacidades dos alunos, dos encarregados de educação e das empresas

que se inscrevem no voluntarism

o político necessário à melhoria da sua

situação.Estas duas esferas de acção tornam

-se visíveis nas recomendações

do Relatório final: «a curto prazo situam

-se os problemas cuja solução pode

ser imediata, porque se apresenta sim

ples, garantida que seja a intenção de

a encontrar. Pensam

os que os serviços executivos encontrarão na leitura dos

diferentes relatórios

publicados ao

longo do

Projecto,

a enum

eração de

problemas

para os

quais não

lhes será

difícil, se

quiserem

e puderem

,

en

con

trar

rem

éd

io.

Essa

ta

refa

n

ece

ssitará

, p

oré

m,

da

to

ma

da

d

e

consciência, por parte desses serviços, das suas próprias limitações e do seu

espaço de actuação. Os problem

as de solução a longo prazo apresentam-se

mais com

plexos já que têm que ver com

a consciencialização dos problemas

educativos como problem

as fundamentalm

ente sociais e a que a sociedade

terá que dar resposta, necessitando por isso de assumir claram

ente aquilo

que pretende que sejam as gerações futuras» (p. 527).

Dentre os factores que progressivam

ente serão problematizados com

o

factores de

intervenção encontram

-se as

opiniões das

empresas

e dos

encarregados de educação. Aincorporação do espaço dom

éstico e do espaço

da produção no interesse geral é realizada através do questionamento e da

construção de indicadores no nível social. O nível social é aqui representado

por uma am

ostra de encarregados de educação e por uma am

ostra de

em

pre

sas.

No

p

rime

iro

caso

, o

s e

nca

rreg

ad

os

de

e

du

caçã

o

são

problematizados a partir de dois eixos centrais: qual o prolongam

ento que

estão capazes de fazer no contexto doméstico das opções pedagógicas da

escola? Quais os handicaps sócio-culturais que lim

itam a pedagogização da

família?

17N

o caso

das em

presas procura-se

sobretudo verificar

qual a

adequação dos objectivos do Unificado às expectativas sociais 18. E

m am

bos,

Page 19: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

a operação de transformação destes dois contextos estruturais parcelares,

limitados e particularistas em

contextos de referência do social é realizada por

uma operacionalização de indicadores estatísticos, os quais obtêm

como

única validação a necessidade de medir o grau de legitim

ação das medidas

de política educativa tomadas: «o estudo que nele se relata, procurou analisar

qual o impacto e significado da R

eforma nos sectores m

ais directamente

ligados às funções de ‘produção’, às empresas e, sim

ultaneamente, detectar

quais as exigências e aspirações manifestadas por aquelas relativam

ente a

este sector de ensino»19. Inverte-se assim

a lógica de legitimação típica das

democracias liberais: da lógica da oferta, que era a do estado-educador,

transita-se, pouco

a pouco,

para a

lógica da

procura20.

O

projecto da

modernidade incluía nos seus pressupostos iniciais um

potencial democrático

qu

e

se

ala

rga

va

a

do

mín

ios

ma

is a

mp

los

qu

e

o

da

d

em

ocra

cia

rep

rese

nta

tiva21.

Ne

ste

estu

do

, a

pre

sen

ta-se

u

ma

p

rob

lem

atiza

ção

pre

cisam

en

te

a

con

trario:

pro

cura

-se

no

s co

nte

xtos,

en

treta

nto

despolitizados, a fonte de aceitação e legitimação das políticas estatais. A

teoria política liberal transformou a cidadania num

espaço especializado de

exercício da democracia representativa, relegando as restantes dim

ensões da

prática social, designadamente as do espaço dom

éstico e da produção, para

uma zona não-política. N

esta zona privada, o autoritarismo, a ausência de

partilha de autoridade e mesm

o o despotismo, encontram

-se protegidos pelo

direito de propriedade e pelo direito da família. E

mbora o E

stado-Providência

constitua a forma m

ais adentrada de cidadania no espaço doméstico, as suas

cara

cterística

s e

spe

cificam

en

te

incip

ien

tes,

no

P

ortu

ga

l d

em

ocrá

tico,

andaram a par da devolução de algum

as tarefas sociais para o interior das

famílias. E

specialmente visíveis são os efeitos negativos que tal devolução

tem

na sobrecarga

de tarefas

domésticas

sobre as

mulheres

22, na

subsistência das desigualdades entre os géneros 23e na m

anutenção da

especialização fem

inina nas

tarefas reprodutivas 24.

Para

que a

família,

enquanto tal, possa legitimam

ente aspirar a um escrutínio directo sobre as

po

líticas

da

cid

ad

an

ia,

de

veria

, sim

etrica

me

nte

, a

brir-se

ta

mb

ém

à

identificação das suas específicas formas de poder. E

o mesm

o se pode dizer

da

s re

laçõ

es

socia

is d

e

pro

du

ção

q

ue

, p

ara

p

od

ere

m

asp

irar

à

codeterminação nas decisões escolares deveriam

sujeitar-se a um processo

de politização recíproco, de participação alargada dos trabalhadores nas

Page 20: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

decisões da

empresa,

designadamente

na com

ponente que

envolve os

processos de trabalho e de produção. Com

o sublinha Santos (1994: 235),

embora seja possível detectar na fábrica instituições isom

órficas do campo

político liberal, estas são muito m

ais despóticas. Com

efeito, a representação

dos trabalhadores, o direito da produção e do trabalho ou a lealdade à

empresa

são cada

vez m

ais polarizadas

e descaracterizadas:

«no pólo

be

ne

vole

nte

, sã

o

de

tectá

veis

rela

çõe

s d

e

pro

du

ção

re

lativa

me

nte

horizontalizadas, com um

a convivência entre capital-trabalho que mais parece

organizada segundo o princípio da comunidade do que segundo o princípio do

mercado; são as em

presas-comunidade, onde trabalha a nova aristocracia do

operariado. No pólo despótico, pululam

as sweat shops do fim

do século e a

exploração do trabalho infantil, caracterizados por relações de produção cuja

violência as aproxima da pilhagem

típica da acumulação prim

itiva; são as

empresas-cam

pos de

concentração onde

trabalham

os hilotas

do nosso

tempo». N

o seu conjunto e tudo somado, o em

pobrecimento do projecto

de

mo

crático

n

os

con

texto

s d

om

éstico

e

d

a

pro

du

ção

, re

sulta

n

um

empobrecim

ento da

participação dem

ocrática das

famílias

no contexto

escolar e na imposição do particularism

o privatista das empresas. D

esde logo,

porque as relações entre a escola-estatal, as empresas e as fam

ílias não se

resume a um

processo isomórfico único, devendo distinguir-se processos

distintos de antroponomia

25; depois, porque não existe a família m

as antes

famílias 26; finalm

ente, porque ao investir as necessidades das empresas e

das famílias do estatuto de inevitabilidade, tende a incorporá-las no discurso

educativo sem qualquer possibilidade de controlo político da cidadania. É

que

ao serem tratadas com

o representação estatística das necessidades sociais

tendem a deixar de ser consideradas políticas, quer dizer, sujeitas à tensão

entre a lógica democrática da igualdade e a lógica liberal da liberdade.

Notas

1O

Ensino S

ecundário Unificado foi criado por despacho m

inisterial publicado em 1

de Agosto de 1975. C

riado ao abrigo do decreto-lei nº 47587 de 10 de Março de

1967, conhecido como o decreto das experiências pedagógicas, o despacho dá

continuidade à circular nº 3/75 do Ministério da E

ducação e Cultura que, em

27 deJunho de 1975, estabelece os objectivos do 7º ano de escolaridade. A

circular e odespacho culm

inam os trabalhos e as propostas do S

ecretariado da Reestruturação

Page 21: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

do Ensino S

ecundário criado pelo Secretário de E

stado da Orientação P

edagógica[R

ui Grácio] por despacho de 15 de M

aio de 1975. Segundo a interpretação do

própio Rui G

rácio, num extenso artigo de balanço publicado m

ais tarde (Grácio,

1985: 53-154),

o S

ecretariado situou

os seus

trabalhos na

continuidade da

avaliação dos 3º e 4º anos experimentais do curso preparatório lançado pela

Reform

a Veiga S

imão: «F

oi a estes últimos, com

o também

ao 5º ano sequencialcham

ado de transição, que se foram buscar, sem

exclusão dos demais cursos

referidos, elementos im

portantes para a fixação do currículo e dos programas de

ensino e actividade do secundário. Cabe aqui dizer: a avaliação científica daqueles

3º e 4º anos foi entregue a um grupo que, no âm

bito do Gabinete de E

studos eP

laneamento, desenvolveu o seu trabalho sob a orientação técnica da especialista

norte-americana F

rances Link, destacada pela OC

DE

, e que para o efeito sedeslocou várias vezes a P

ortugal durante o ano lectivo de 1974-75. Em

bora ostrabalhos não estivessem

concluídos quando se preparou a decisão de unificar osecundário, a opinião do grupo, então ouvido, foi a de que os resultados apuradosse m

ostravam favoráveis à ‘experiência’. O

que foi tomado na devida conta»

(Grácio, 1985: 108). N

a tradição de outras reformas análogas, e colhendo tam

bémda

experiência do

Secretariado

da R

eforma

Educativa,

que havia

ficado na

dependência directa do Ministro V

eiga Sim

ão, o Secretariado da R

eestruturação doE

nsino Secundário pretende contornar a lógica adm

inistrativa das direcções-gerais,adoptando para tanto um

a racionalidade e um aval de tipo científico. O

Secretariado

será extinto durante o I Governo C

onstitucional pelo despacho nº 247/76 de 9 deA

gosto.

2O

C

ER

I (C

entre pour

la R

echerche et

l’Innovation dans

l’Enseignem

ent)é

inicialmente constituído, em

Janeiro de 1968, por um período lim

itado de dois anos.Im

pulsionado por Michael H

arris, que aproveita as suas relações privilegiadas coma F

undação Ford, o C

entro não tem nos seus prim

órdios um estatuto de plena

integração na OC

DE

. Na verdade, até 1971, data em

que o financiamento passa a

a ser feito inteiramente pelos países m

embros da O

CD

E, o C

ER

I é financiado pelaF

undação Ford e pela R

oyal Dutch S

hell. Segundo os term

os do relatório da OC

DE

que está na origem da sua constituição, os tem

as da mudança e da inovação,

especialmente dos conteúdos e dos m

étodos pedagógicos, passam a ser centrais

na reacção dos sistemas educativos às pressões legítim

as do mundo m

oderno (InO

CD

E, La m

odernisation de l’enseignement: la réform

e des programm

es et ledéveloppem

ent de l’education, 1966). Paradoxalm

ente, a atenção renovada sobreos

programas

é o

resultado das

medidas

drásticas tom

adas pela

OC

DE

, na

sequência de uma avaliação dirigida pelo seu secretário-geral adjunto M

ichaelH

arris, em 1964 (ver G

eorge Papadopoulos (1994) L’

OC

DE

face à l’Éducation,

1960-1990, Paris: O

CD

E), que concluira pela ineficácia dos program

as de ajudadirecta aos projectos experim

entais em cada país. D

esta avaliação resultariamm

edidas tais

como

a cessação

do financiam

ento do

Projecto

Regional

doM

editerrâneo e a supressão de muitas actividades ligadas à form

ação de pessoaltécnico

e científico.

Em

substituição

destes program

as, cujos

mecanism

osprincipais eram

a imposição e a standardização

de objectivos de política educativam

uito específicos

e de

alcance lim

itado, o

CE

RI

inaugura a

fase em

que

adissem

inaçãoé o m

ecanismo central de influência sobre as políticas educativas de

cada país.

Sendo

a persuasão

o principal

processo de

estabelecimento

das

Page 22: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

agendas de politica educativa, o seu alcance multiplica-se por diferentes áreas.

Com

efeito, os programas da O

CD

E que envolviam

directamente os seus técnicos

em dezenas de projectos experim

entais eram onerosos e de extensão reduzida,

enquanto o CE

RI pretendia antes m

obilizar os escassos recursos consagrados porcada país à Investigação e D

esenvolvimento, nom

eadamente daqueles que m

enosgastavam

, para

apoiar e

aproveitar da

experiência dos

países m

ais dotados.

Criaram

-se deste modo grupos de interesse nacionais, m

ormente no seio da tecno-

estrutura ligada

à pesquisa

e ao

planeamento,

favoráveis aos

temas

e às

metodologias utilizadas pelo C

entro.

3A

Interassociações de pais e encarregados de educação foi uma das m

ais activasorganizações na tom

ada de posição contra o ES

U. E

ntre os dias 26 de Junho de1974 e o dia 20 de D

ezembro de 1975, esta organização realizou várias reuniões

com

o M

inistério da

Educação,

aproveitando para

criticar recorrentem

ente a

indefinição da política de ensino, considerando que tal indefinição era uma form

adeliberada

de «por

forma

subreptícia, em

áreas

pontuais e

bem

escolhidas,estabelecer um

a orientação de raízes exclusivamente m

arxistas e materialistas

naturalmente avessas ao sentir da m

aioria dos portugueses e, como tal, registadas,

de maneira a, pela táctica do facto consum

ado, conseguir posições que, em diálogo

aberto e

democrático,

não seriam

atingíveis»

(In R

esumo

de reuniões

dasInterassociações e M

EIC

e ME

IC e Interassociações, entre 26 de Junho de 1974 e

20 de Dezem

bro de 1975, p. 3, Espólio V

ítor Alves). M

ais tarde, em notas e

comentários sobre o lançam

ento do 7º ano de escolaridade, emitidas em

Fevereiro

de 1976, a Interassociações tomaria um

a posição mais frontal, não se lim

itando acríticas procedim

entais: «somente através do D

G nº 197, 1ª série, pp. 1239-40, de

27 de Agosto de 1975 é conhecido um

despacho ministerial do dia 1 daquele m

êsque, ao abrigo do D

L47587 de 10 de M

arço de 1967, fixa os objectivos gerais do7º ano de escolaridade (...) U

m grupo específico, dentro do M

EC

preparou todo o7º ano de escolaridade e conseguiu im

pô-lo ao povo português numa m

anobragolpista e traiçoeira. Tal m

anobra foi avalisada pelo então ministro, m

ajor JoséE

mílio da S

ilva. Assinala o aludido despacho de 1 de A

gosto de 1975, na sua parteintrodutória que ‘com

esta medida se procurará um

a adequação do ensino àsexigências

políticas, económ

icas e

culturais da

sociedade portuguesa.

Ora,

aconstituição não está aprovada, vivem

os num período transitório, quem

, pois,legitim

amente, pode definir as exigências da sociedade portuguesa» (p.2).

4E

ntrevista publicada in O Jornal, 6 de F

evereiro de 1976.

5D

espacho 523/75 de 22 de Dezem

bro de 1975.

6O

primeiro passo desta avaliação teve com

o referência o ano lectivo de 1975/76 efoi

apresentado num

sem

inário realizado

em

1976 no

âmbito

do Acordo

deC

ooperação Luso-Sueco. D

iscutida neste seminário a possibilidade de cooperação

entre Portugal e a S

uécia para a avaliação do ES

U, viria esta a concretizar-se em

1977 num P

rojecto de colaboração entre o GE

Pe o Instituto Internacional de

Educação de E

stocolmo e, a partir de 1978, num

a colaboração entre o GE

Pe o

Instituto de Educação de E

stocolmo. O

Projecto decorreria até ao final de 1981,

sendo publicados dezassete relatórios. Porque estes relatórios constituem

uma das

principais fontes deste capítulo menciona-se desde já a referência discrim

inada enum

erada: 1-

Breve

introdução à

avaliação em

educação.

1977. 2-

Ensino

Secundário U

nificado. Avaliação da aprendizagem

da Matem

ática, 7º e 8º anos. I.

Page 23: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

Testagem. M

aio de 1978. 3- Ensino S

ecundário Unificado. F

requência do 7º ano deescolaridade

75/76. B

reve análise

estatística retrospectiva.

1978. 4-

Ensino

Secundário U

nificado. Aaprendizagem

da Matem

ática em 1977/78, 7º e 8º anos.

Novem

bro de 1980. 5- Ensino S

ecundário Unificado. R

elatório de Avaliação do 7º

ano de escolaridade, 1975/1976. Junho de 1979. 6- Ensino S

ecundário Unificado.

Avaliação do 8º ano de escolaridade, 1977/78. E

studos de caso. Abril de 1980. 7-

Ensino S

ecundário Unificado. R

elatório de Avaliação do 7º ano de escolaridade,

1976/77. F

evereiro de

1980. 8-

Ensino

Secundário

Unificado.

Inquérito a

professores do 9º ano de escolaridade, 1978/79. Fevereiro de 1980. 9- E

nsinoS

ecundário Unificado. R

elatório de avaliação do 7º. 8º e 9º ano de escolaridade de1977/78. Julho de 1980. 10- E

nsino Secundário U

nificado.Aaprendizagem

daM

atemática em

perspectiva: o 9º ano de 1978/79 e sua relação com os 7º e 8º anos

de 1977/78. Julho de 1980. 11- Ensino S

ecundário Unificado. A

aprendizagem da

Matem

ática: influência da escola e da família - 7º, 8º e 9º anos de escolaridade de

1977 a

1979. M

aio de

1981. 12-

Ensino

Secundário

Unificado.

Relatório

deavaliação do 9º ano de escolaridade de 1978/79. Inquérito a C

onselhos Directivos.

Maio de 1981. 13- E

nsino Secundário U

nificado. Relatório de avaliação do 9º ano

de escolaridade de 1978/79. Os alunos. M

aio de 1981. 14. Ensino S

ecundárioU

nificado. Relatório de avaliação do 9º ano de escolaridade de 1978/79. E

ntrevistasa E

ncarregados de Educação do 6º, 9º e 10º anos. Julho de 1981. 15- E

nsinoS

ecundário Unificado. A

aprendizagem da M

atemática: a capacidade em

cálculobásico m

atemático. S

etembro de 1981. 16- E

nsino Secundário U

nificado. Relatório

de avaliação:

impacto

social da

reforma

do E

nsino S

ecundário U

nificado.E

ntrevistas a empresas, 1979/80. N

ovembro de 1981. 17- E

nsino Secundário

Unificado. A

caminho dum

a Reform

a do Ensino S

ecundário Unificado. R

elatórioF

inal. Dezem

bro de 1981.

7In E

nsino Secundário U

nificado. Acam

inho duma R

eforma do E

nsino Secundário

Unificado. R

elatório Final. D

ezembro de 1981, p. 4.

8V

er Rui G

omes, Legitim

ação e Contingência na E

scola Secundária P

ortuguesa,1

97

4-1

99

1.

[Arq

ue

olo

gia

, G

en

ea

log

ia

e

Sim

lica

da

E

scola

], Te

se

de

doutoramento, Lisboa: U

niversidade Técnica de Lisboa, 2000, pp. 111-123.

9E

sta problem

ática está

desde o

início presente

na am

biguidade orgânica

doprojecto de avaliação do E

SU

, dirigido pela tecno-estrutura do ministério que, a par

da função avaliativa, junta também

a função de planeamento da política educativa

avaliada. Na verdade, reconhece-se desde logo, no prim

eiro relatório do projecto(B

reve introdução à avaliação em educação, Lisboa: G

EP, N

ovembro de 1977, pp.

5-6) que «o problema do uso desta estratégia para a m

udança educativa que foim

uito discutida na Suécia é que sendo o m

esmo organism

o o responsável quer pelaim

plementação quer pela avaliação, a avaliação não dará um

a perspectiva nova ecrítica sobre o sistem

a educativo. Ao contrário, a avaliação funciona na realidade

como justificação e legitim

ação dos planos educativos produzidos pelo National

Board of E

ducation. Um

a maneira de resolver este problem

a é evidentemente

organizar a

avaliação de

modo

a que

ela exista

económica

e juridicam

enteindependente dos organism

os de planeamento. Isto significa pelo m

enos um tipo de

independência necessária para uma avaliação em

educação que possa trabalharcriticam

ente e como base real para decisões políticas». Todavia, ao centrar a

problemática

da autonom

ia do

campo

científico da

avaliação no

seu form

ato

Page 24: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

orgânico, faz-se crer que as relações de poder entre política e ciência se passamsobretudo nesta possibilidade de contam

inação provocada pela concentração nom

esmo organism

o das funções de planeamento e avaliação. Tam

bém por este

motivo, as reflexões introduzidas pelo P

AE

SU

terão um papel im

portante no modelo

utilizado, posteriormente, na cooptação dos especialistas para diversos grupos de

trabalho e para a Com

issão de Reform

a do Sistem

a Educativo. A

externalidadeprogressiva destes, integrados que estão na vida académ

ica, garante-lhes uma

autonomia orgânica que não corresponde, autom

aticamente, à possibilidade de

fazer trabalho crítico sobre as decisões políticas. Ainda assim

, neste primeiro

mom

ento, é notória a diferença entre a tradição das Ciências da E

ducação naS

uécia, que já fizera o percurso da cooptação orgânica para a discussão pública, ea tradição portuguesa, ainda constrangida pela dependência hierárquica. O

conflitodesencadeado por um

artigo publicado por Stefan H

aglund no Diário de N

otícias(intitulado E

scola e Mudança) é a este propósito m

uito elucidativo. Em

reacção aesta iniciativa do coordenador sueco do P

rojecto, o grupo português dirige-se aoD

irector do GE

P, em 18 de Janeiro de 1980, nos seguintes term

os: «this groupthinks that, from

a professional point of view, it w

as not correct to publish this articletaking

into account

the follow

ing considerations:

the author

of the

article is,

simultaneously, co-ordinator for the S

wedish part of the P

roject of the Evaluation of

Ensino U

nificado which gives him

access to the data. Agreat part of the inform

ationreferred to is based on data already analysed but not yet published. It is the opinionof this group that data not yet published should be used in individual reports orarticles, only after it has been m

ade public by the Governm

ental Institution where the

Project is located; G

EP

within the M

inistry of Education». A

o que Stefan H

aglundresponde, em

carta dirigida ao engº Mário C

ordeiro, da direcção-geral do ensinosuperior, explicando, sim

plesmente, que «in S

weden, it is norm

ally the case thatduring a research or developm

ent work, even though the w

ork is not completed, a

public discussion is held round the issue».

10In E

nsino Secundário U

nificado. AC

aminho dum

a Reform

a do Ensino S

ecundárioU

nificado. Relatório F

inal.D

ezembro de 1981, p. 87.

11A

necessidade de fazer este balanço é constantemente repetida em

passagenscom

o a que segue: «a unificação do sistema escolar é, ao m

esmo tem

po, base deresposta para exigências de produção e para o cum

primento de objectivos políticos

fundamentais num

a sociedade democrática de bem

-estar. Assim

, a estratégia parao desenvolvim

ento tem sem

pre que se centrar sobre como equilibrar o ensino

unificado e a diferenciação dentro e através da educação» (Idem, Ibidem

, p. 88).

12O

Serviço C

ívico Estudantil foi criado, depois de algum

as hesitações iniciais, pelodecreto-lei 270/75 de 22 de M

aio de 1975.

13In S

úmulas das R

euniões do Conselho de M

inistros(23 de S

etembro de 1975 a

Julho de 1976), Espólio V

ítor Alves.

14E

ntre outras posições públicas, a Interassociações de pais e encarregados deeducação opõe-se ao serviço cívico estudantil num

comunicado sobre P

olíticaeducativa, datado de 5 de S

etembro de 1975, nos seguintes term

os: «o decreto queinstitue

o serviço

cívico com

o condição

obrigatória para

o acesso

ao ensino

superior, excepto para os trabalhadores estudantes ou não tem em

conta asrealidades da sociedade em

que vivemos ou tem

objectivos que se não coadunam

Page 25: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

com os princípios propalados, de igualdade de acesso à cultura e de preferência

pela competência. B

asta ter em conta dois pontos: 1º A

grande maioria dos pais

opor-se-á ao serviço cívico, não autorizando, sobretudo as raparigas, o afastamento

dos lares paternos. Certam

ente que raparigas de 16, 17 e 18 anos, dentro dasociedade portuguesa actual, não serão logicam

ente, autorizadas pelos pais aseguirem

em bandos de rapazes e raparigas, ao D

eus dará, por esse país além(D

esejar-se-á dificultar o acesso das mulheres às F

aculdades?). 2º As prioridades

para o acesso às Universidades em

que a primeira é atribuída à origem

social, poroutras palavras, aos filhos dos trabalhadores (m

as o que são trabalhadores?) eapenas em

quarto lugar se considera o aproveitamento escolar! (A

competência é

menos im

portante que a origem do indivíduo)».

15O

despacho 156/76 de 11 de Junho cria uma com

issão para «repensar globalmente

a problemática do S

erviço Cívico E

studantil, sua organização e funcionamento em

função dos

objectivos que

o justificam

e

atendendo à

experiência entretanto

adquirida e às críticas que por diversas entidades e sectores de opinião lhe têm sido

formuladas». E

sta comissão, presidida pelo coronel João C

orte-Real A

raújo Pereira

e constituída por Duartina B

arbosa da Silva, José A

ugusto Seabra, A

dérito Sedas

Nunes, A

ntónio Manuel H

espanha, Maria M

anuela Silva e M

aria Teresa Dória

Monteiro G

omes viria a apresentar o seu relatório em

20 de Julho de 1976.

16In

17- E

nsino S

ecundário U

nificado. A

Cam

inho dum

a R

eforma

do E

nsinoS

ecundário Unificado. R

elatório Final.

Dezem

bro de 1981, p. 88.

17O

estudo é realizado através de entrevistas a encarregados de educação de alunosdos 6º, 9º e 10º anos de escolaridade. A

entrevista está dividida em quatro blocos,

cada um dos quais trata as seguintes tem

áticas principais: a) atitude do educandoface

à escola:

grau de

interesse pela

escola, grau

de sucesso,

quais as

expectativas profissionais do filho, carências da escola; b) atitude do encarregadode educação face à escola: frequência de contactos com

a escola, importância

atribuída a essa relação, tipo de comunicação e de relação entre a criança e a

família, atitude face aos professores; c) atitude do encarregado de educação face

ao sistema de ensino e à sociedade: funções da escola, grau de conhecim

ento doensino unificado, expectativas profissionais para o filho; d) caracterização escolar eprofissional do entrevistado.

18O

guião

das entrevistas

às em

presas estende-se

por um

extenso

leque de

dezasseis temas, dos quais referim

os aqui os seis temas sujeitos a um

a análise noR

elatório 16: 1) conhecimento e análise crítica dos objectivos do ensino unificado;

2) adequação dos objectivos à expectativa social; 3) adequação dos objectivos àsestruturas física e pedagógica das escolas; 4) conhecim

ento e análise crítica dasinovações curriculares; 5) dificuldades na execução da reform

a; 6) inserção doensino unificado no sistem

a escolar.

19In 16- E

nsino Secundário U

nificado. Relatório de avaliação: im

pacto social dareform

a do

Ensino

Secundário

Unificado.

Entrevistas

a em

presas, 1979/80.

Novem

bro de 1981, p. 14. Ver tam

bém, a propósito da justificação das entrevistas

a encarregados de educação, o relatório 14. Ensino S

ecundário Unificado. R

elatóriode avaliação do 9º ano de escolaridade de 1978/79. E

ntrevistas a Encarregados de

Educação do 6º, 9º e 10º anos. Julho de 1981, pp. 19-23.

Page 26: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

20B

ernard Charlot (1987) esquem

atiza do seguinte modo esta transição. A

lógica deoferta tradicional seguia um

vector com a seguinte sequência: S

aberes estruturadosem

disciplinas/ Valores culturais e sociais – Transm

issão dos saberes e inculcaçãodos valores – F

ormação do indivíduo – A

cesso ao emprego. A

lógica subjacente àprocura percorre um

vector diferente com a seguinte sequência: N

ecessidades daprodução – P

rocura de qualificações das empresas – O

ferta de empregos no

mercado de trabalho – E

xpectativas de formação da fam

ília – Definição de um

aform

ação de qualidade.

21V

er sobre este tema e neste m

esmo sentido a discussão de B

oaventura Sousa

Santos no capítulo «S

ubjectividade, cidadania e emancipação» de P

ela mão de

Alice,

Porto: A

frontamento, 1994, pp. 203-241.

22C

f. em

especial

a distância

entre as

representações dos

jovens portugueses

casados, favoráveis à partilha das tarefas domésticas e dos cuidados com

os filhose a divisão real do trabalho dom

éstico que os mantém

concentrados nas mulheres

(cf. Pais, 1985, p. 362).

23V

er, entre outros, Nunes (1984), R

uivo (1986), Ferreira (1993), C

anço e Joaquim(1994).

24C

f. Vasconcelos (1998: pp. 215-305): analisando um

questionário aplicado a uma

amostra de jovens portugueses, conclui que a m

aioria (59,5%), independentem

entedo género, continua a considerar com

o traço marcante da condição fem

inina oprim

ado da maternidade sobre a realização profissional. E

sta mesm

a tendênciahavia sido encontrada tam

bém num

estudo anterior de Alm

eida e Guerreiro (1993,

p. 212).

25S

eguimos de perto, neste particular, a designação introduzida por D

aniel Bertaux

em

Destinos

pessoais e

estrutura de

classe, Lisboa:

Moraes,

1978. O

autor,

partindo da analogia entre processos económicos e processos antroponóm

icosreserva para estes a reprodução intergeracional da ordem

económica, distinguindo

então os

processos de

consumo,

de reprodução

e distribuição

de hom

ens.E

nquanto nos

processos de

consumo

e distribuição

a em

presa é

a unidade

institucional central,

nos processos

de reprodução

são a

família

e o

sistema

educativo que assumem

esse papel nuclear: «aos aparelhos de distribuição Fam

íliae E

scola, alguns acrescentam, com

o bons weberianos, o m

ercado de trabalho. No

entanto, isto nada traz de novo. Ou então lim

itam-se a verificar que no ‘m

ercado’osproprietários de m

eios de produção estão mais bem

colocados do que os nãoproprietários, e que os titulares de diplom

as estão mais bem

colocados do que osnão titulares: ora é evidente que não se está a falar da m

esma coisa, que não há

‘um’m

ercado, mas vários (sem

contar que é verdadeiramente por eufem

ismo que

se pode falar de mercado para designar a passagem

dos poderes do industrial parao filho) (...) O

erro desta problemática é procurar pensar a questão da distribuição

dos seres humanos independentem

ente daquilo que vêm a ser depois no m

undo dotrabalho e do capital, no m

undo da economia política. S

eguimo-los crianças e

estudantes de liceu, através de famílias e escolas, depois abandonam

o-los à suasorte; com

o se essa sorte não tivesse desde o princípio orientado toda a trajectória.P

reocupamo-nos com

as aspirações dos jovens, sem procurar saber o que é que

os aspira»(B

ertaux, 1978: 49-50).

26A

ssim com

o não há um m

ercado mas vários m

ercados, também

não existe a família

mas

várias fam

ílias. A

introdução da

variável estatuto

sócio-profissional nas

Page 27: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

entrevistas e questionários administrados aos encarregados de educação não

ilustra o reconhecimento da assim

etria da condição familiar devida à classe social,

mas,

contrariamente,

a incorporação

desta variável

independente na

variáveldependente ilustrada pelas suas atitudes. É

nesta inversão que reside o principalefeito de problem

atização da família enquanto representação do social, quando o

contrário pareceria ser mais adequado. C

omo sublinha B

ertaux (1978: 285-286)«concentrar-se na relação m

ãe-filho para tentar mostrar as diferenças de práticas

educativas consoante os meios, sem

ter passado pela estrutura de classe e pelosseus efeitos sobre as relações intrafam

iliares, é praticar um erro m

etodológicom

onumental. C

om efeito, se há qualquer coisa de com

um às diferentes classes, são

precisamente certos traços da relação da m

ãe com os filhos».

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GY

OF

PO

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UG

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SE

CO

MP

RE

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NS

IVE

SC

HO

OL: A

NE

W S

OC

IAL

MAT

RIX

Abstract

Our m

ain thesis about the origin of the Portuguese com

prehensive school

claims that it em

erges from the new

place of Portugal in the w

orld system and

Page 29: Genealogia do Ensino Secundário Unificado - redalyc.org · ancorado no modelo fordista da produção em massa, tailorizada, com acesso ao consumo de massas e à providência estatal,

from the new

problems of education governance. Its im

plementation can’t be

understood as a manifestation of an underlying principle of dem

ocracy and

equality of government or as a struggle of a collective subject or popular

resistance that

takes charge

of its

equal form

ation. T

hose ideological

discourses play a role in the institutional integration of the model, but as

legitimation and external validation, though its need as governm

ent technology

of social demands w

as expressed a long time ago. H

owever, the conditions

of rationality and the technologies that allow it w

as a scarce resource. Those

conditions gradually emerges during the analysed period (1974-1991).

ALO

GIE

D

E

L’EN

SE

IGN

EM

EN

T

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ND

AIR

E

UN

IFIÉ

: U

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RIC

E S

OC

IAL

Résum

é

Notre principal thèse sur la création de l’E

nseignement S

econdaire Unifié

(ES

U) est la suivante: L’E

SU

a été crié comm

e résultat du repositionnement

de Portugal dans le systèm

e mondiale et des nouvelles problém

atiques du

gouvernement de l’éducation. S

a concrétisation ne peut pas être compris en

tant qu’application des principes d’égalité de la part du gouvernement ou

mêm

e comm

e rupture géré par des mouvem

ents sociaux. De quelque façon

ces rhétoriques idéologiques ont son rôle dans l’intégration institutionnelle du

modèle dans la m

esure que la création de l’ES

U utilise ces rhétoriques pour

se valider internement. D

’abord il manquait des conditions de rationalité et les

technologies qui permettraient sa constitution. C

’étaient ces conditions qu’ont

étaient criées progressivement dans le période analysé (1974-1991). O

n

analyse ici le surgissement d’une nouvelle technologie qui rends plus vaste et

incohérent la problématique des trajectoires scolaires.

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Rui M

achado Gom

es, Av.

Colum

bano Bordalo P

inheiro, 73 - 3º Esq., 1070-061 Lisboa, P

ortugal, Telef.: 217274304; e-mail:

ramgom

[email protected]