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JULIO NEVES PEREIRA GÊNERO AUTO-AJUDA ESTRATÉGIAS LINGÜÍSTICO-DISCURSIVAS Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP São Paulo – 2005

GÊNERO AUTO-AJUDA ESTRATÉGIAS LINGÜÍSTICO … NEVES... · Resumo Realizou-se a análise do gênero auto-ajuda, em um corpus formado por três livros, a fim de descrever seu funcionamento

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JULIO NEVES PEREIRA

GÊNERO AUTO-AJUDA

ESTRATÉGIAS LINGÜÍSTICO-DISCURSIVAS

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP São Paulo – 2005

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JULIO NEVES PEREIRA

GÊNERO AUTO-AJUDA

ESTRATÉGIAS LINGÜÍSTICO-DISCURSIVAS

Tese apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para

a obtenção do título de DOUTOR em Língua Portuguea, sob a orientação da

Profª. Drª. Maria Teresa Strongoli

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP São Paulo – 2005

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BANCA EXAMINADORA

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Resumo Realizou-se a análise do gênero auto-ajuda, em um corpus formado por três livros, a fim de descrever seu funcionamento semiótico. A análise centrou no nível discursivo. Sua abordagem se dá a partir da interação entre o ponto de vista greimasiano e bakhtiniano refletida nos seguintes princípios: todo discurso resulta do percurso gerativo do sentido em que ocorrem conversões estruturais; discurso e formação social articulam-se, lingüisticamente, por meio da enunciação; no processo de textualização, fatores internos e externos interferem no processo de conformação ao gênero; todo ato de comunicação (persuasão) ocorre por meio de um gênero. Assim sendo, verificou-se a relação entre enunciador e enunciatário, descrevendo os procedimentos retórico-discursivos pergunta e caso particular, bem como o processo de utilização de símbolos e semi-símbolos. Analisou-se também a projeção da enunciação, verificando como o discurso se comporta tendo em vista os critérios de subjetividade e de objetividade, por meio do processo de debreagem. Disto constatou-se, de um lado, que, na relação entre enunciador e enunciatário: (1) o discurso tende a ser monológico e monossêmico; (2) o ethos que se corporifica no discurso é a de sujeito firme, absoluto, portador e doador da verdade; (3) as estratégias persuasivas (pergunta retórica e caso particular: ilustração e modelo) constroem a maneira de agir e de ser dos sujeitos, tidos neste discurso como déspota (dono absoluto de um saber) e o discípulo (sujeito ignorante), neste processo há destituição da voz do enunciatário; (4) na manifestação visual da capa, os procedimentos de semi-simbolização (estratégia persuasiva) estão em segundo plano, a favor do procedimento de simbolização, o que evidencia ser este discurso altamente previsível, dotado de crenças e valores estereotipados. De outro, constatou-se que, na projeção da enunciação,: (5) por ser um discurso temático, encontram-se figuras que o recobrem parcialmente; (6) há um narrador-onisciente dotado de um saber e um narratário dotado de um não saber; (7) a relação destes actantes do discurso estrutura-se em torno da promessa da mudança de estado cognitivo (não-saber saber); (8) o discurso tende a ser prescritivo (dever fazer) e programador (saber fazer); (9) ocorre a alternância de debreagem (enunciva enunciativa): ora o discurso é subjetivo ora é objetivo; (10) neste discurso tende-se criar o efeito de anulação das oposições entre o científico e o religioso. Esta configuração discursiva é um passo para que se realizem outros estudos, os quais, a partir deste e de outros já realizados, busquem a configuração discursiva que faça saber a especificidade do gênero.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................1 CAPÍTULO 1 - GÊNERO E CONTEXTO DE PRODUÇÃO: ARTICULAÇÕES TEÓRICAS..................................................................................................................6

1.1 Introdução ............................................................................................................6 1.2 Linguagem: pontos de vista..................................................................................7

1.3 O problema da articulação indivíduo e sociedade................................................9

1.4 Gênero: conceito e função .................................................................................13

1.5 Gênero e Manipulação .......................................................................................16

1.6 A abordagem do gênero.....................................................................................22

1.7 O contexto de produção do discurso de auto-ajuda – algumas considerações..24

1.7.1 A auto-ajuda: visão geral.................................................................................25

1.7.2 contexto de produção dos livros e o início da construção da imagem

do enunciador............................................................................................................34

CAPÍTULO 2 - A CAPA DE LIVROS DE AUTO-AJUDA: SIMBÓLICA OU SEMI-SIMBÓLICA?............................................................................................................41

2.1 introdução............................................................................................................41

2.2 Signo, Símbolo e semi-símbolo..........................................................................42

2.3 As cores no discurso da capa ............................................................................64

Conclusão parcial.....................................................................................................74

CAPÍTULO 3 - AS ESTRATÉGIAS RETÓRICO-DISCURSIVAS NO DISCURSO DE AUTO-AJUDA....................................................................................................76

3.1Introdução............................................................................................................ 76

3.2 Contrato: o projeto fiduciário – observações gerais............................................ 76

3.3 A estratégia Pergunta e sua função retórico-discursiva.......................................83

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3.3.1 O déspota e discípulo: papéis retórico-discursivos no discurso

de auto-ajuda ...........................................................................................................93

3.3.2 A Pergunta no discurso de auto-ajuda........................................................... 104

3.4 A utilização do caso particular como fundamento do real no discurso de auto-

ajuda. .....................................................................................................................103

3.4.1 O caso particular nos livros analisados e o problema da figurativização ......108

3.4.2 Figurativização, discurso abstrato (temático) e discurso figurativo ...............109

3.4.3 A ilustração e a materialização da lei no discurso de auto-ajuda ..................115

3.4.4 O modelo e a conduta acertada de agir ........................................................125

3.4.5 O papel discursivo da ilustração e do modelo ...............................................130

3.5 Conclusões parciais .........................................................................................137

CAPÍTULO 4 - AS PROJEÇÕES DA ENUNCIAÇÃO NO DISCURSO DE AUTO-AJUDA ...................................................................................................................155

4.1 Introdução ........................................................................................................155

4.2 Os modos de projeção da enunciação .............................................................157

4.3 O ato de enunciar no discurso de auto-ajuda...................................................159

4.4 Auto-ajuda: entre o discurso científico e o religioso .........................................186

4.5 Conclusões parciais .........................................................................................190

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................192

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 206

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INTRODUÇÃO

Pode-se convencer os outros por suas próprias razões, mas não se os pode persuadir senão pelas razões deles.

Joubert1

As dificuldades para se alcançar o sucesso pessoal ou profissional têm

crescido de tal forma no mundo contemporâneo que a presença dos livros de auto-

ajuda tornou-se uma realidade incontestável, comprovada pelo grande número de

títulos de autores nacionais e estrangeiros no mercado editorial. O objetivo

fundamental desses autores é convencer o leitor a modificar seu olhar sobre o

mundo e sobre si próprio a fim de que este adquira competência para explorar suas

qualidades e ter sucesso em suas relações consigo e com o outro. Esses textos,

conseqüentemente, desenvolvem estratégias e procedimentos que visam, na

relação entre os sujeitos, "fazer-crer" e "fazer aderir". São estratégias que se

assemelham àquelas descritas por Algirdas J. Greimas (1983:124) quando diz:

Tudo se passa como se a operação "con-vencer", re-semantizando um pouco esse termo, consistisse em uma serie de procedimentos situados no plano cognitivo, visando à vitória, mas uma vitória completa, aceita e partilhada pelo "vencido", que se transformaria por esse fato, em "convencido".

Acredita-se que tais procedimentos, norteando a composição de inúmeras

obras, tornam imprescindível a realização de estudo sobre essa literatura. Assim, a

partir da visão epistemológica de que o objeto de estudo do lingüista não se resume

à descrição da estrutura textual, julga-se útil analisar essa manifestação lingüístico-

1 Citado por Greimas (1983: 123)

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discursiva que marca intensamente a interação entre os actantes da comunicação,

visto que, como apregoa Mikhail Bakhtin (1981:31-2), toda produção humana

manifesta-se por meio da linguagem e é por sua análise que se chega aos sentidos

implícitos e às ideologias que explicitam a natureza do homem.

Nessa perspectiva, a pesquisa centrou-se em um corpus composto de três

livros de auto-ajuda que versam sobre o tema sucesso pessoal e/ou profissional,

escritos por autores brasileiros, a saber: Lauro Trevisan, João Dória Junior e

Alexandre Henrique Santos. As obras escolhidas são, respectivamente, O poder

infinito de sua mente, Lições para vencer e Você pode conseguir o que quer.

Após ter se tornado um fenômeno editorial, essa literatura tem motivado

estudos, principalmente, no campo das ciências humanas, mas tais estudos têm

privilegiado o aspecto sócio-histórico e psicanalítico de sua criação e de sua

expansão na sociedade. Assim, alguns estudiosos, como F. Rüdiger (1996), não se

preocupam com a organização de processos discursivos, mas com as condições

externas de sua produção, procurando reconstruir as causas histórico-universais da

formação da auto-ajuda e sua estruturação no inconsciente. Outros voltam seu

interesse para as relações entre poder e controle dos indivíduos, descrevendo tais

relações sem levar em conta o texto em que elas se manifestam, pois buscam

respostas para questões sociológicas e psicológicas. Dentre as pesquisas, destaca-

se, contudo, a de Anna F. Brunelli (2004: 3) que, situando-se no campo da

observação do texto, investiga a atividade discursiva, focalizando-a como “uma

realidade integralmente lingüística e integralmente histórica”. Entretanto, embora sua

abordagem vise à análise do discurso, ela se contrapõe à concepção de que o

discurso possui “um lugar em que sua especificidade estaria condensada” (op.cit.,

4), negando a presença de um processo em que se possa opor estrutura de

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superfície e estrutura de profundidade e, conseqüentemente, negando o princípio de

que os sentidos são gerados em um processo de conversão estrutural.

Assim, os trabalhos desta tese desenvolvem-se de modo contrário ao dessa

autora, pois propõem a descrição do gênero de discurso auto-ajuda, examinando

seu corpus a partir das contribuições da semiótica discursiva, cujo instrumental

metodológico se organiza em torno do pressuposto de que todo texto é constituído

por um percurso gerativo do sentido, no qual três níveis interdependentes o

estruturam: o fundamental, o narrativo e o discursivo, considerando-se que, na

produção do sentido, as estruturas passam, a cada nível, por conversões,

assumindo outras sintaxes ou outras semânticas.

Para alcançar tal proposta julgou-se pertinente que, na delimitação da

pesquisa, fosse privilegiada a análise do nível discursivo para que os trabalhos se

desenvolvessem no sentido de responder às seguintes perguntas:

1. de que maneira o enunciador age sobre o enunciatário e como tal ato

configura seu modo de ser?

2. Que estratégias retórico-argumentativas e discursivas caracterizam este

modo de ser?

3. Como os sujeitos da enunciação estão projetados no discurso e que

implicações decorrem dessa projeção?

4. As imagens utilizadas na capa são construídas a partir de símbolos (processo

de simbolização) ou semi-símbolos (processo de semi-simbolização) e que

efeitos de sentido um ou outro recurso constroem?

As respostas a estas perguntas implicaram o seguinte objetivo: descrever e

caracterizar o gênero auto-ajuda, estudando sua sintaxe e semântica discursivas.

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Os estudos nortearam-se por quatro hipóteses, cuja comprovação envolveu

pontuações retiradas de vários referenciais teóricos, pontuações indicadas na

explanação de cada hipótese. Destaca-se, contudo, que tais referenciais ou, mesmo,

suas pontuações não são explorados em sua totalidade, ao contrário, procedeu-se à

delimitação de seu emprego conforme sua pertinência no exame das

particularidades analíticas em questão.

A primeira hipótese diz respeito à possibilidade de a teoria de gênero

construída por Bakhtin (2003) ser articulada à visão semiótica do processo de

geração dos sentidos, tendo como princípio que os gêneros, entidades estáveis e

organizadoras, agem no momento da textualização (A. J. Greimas & J.

Courtés,1979, passim) pela interrupção do percurso gerativo e conseqüente

linearização do discurso, por meio de fatores externos e internos interferindo nesse

processo. Para essa articulação teórica, utilizar-se-ão as contribuições pontuais de

vários estudiosos, tais como: a) a de Diana L. de Barros (2001), fundamentada no

princípio hipotético de que a articulação entre aspectos ideoletais (individual) e

socioletais (social) se dá lingüisticamente pela enunciação; b) a do conceito de uso,

formulado por Louis Hjelmslev (1991) e retomado por Denis Bertrand (2003) que

trata da incorporação de alguns pressupostos da pragmática à teoria semiótica; c) a

de José L. Fiorin (1998) que focaliza a ideologia, situando-a no nível discursivo.

A segunda hipótese é a de que, nas capas dos livros, as imagens se

configuram por um processo de simbolização e não de semi-simbolização. Nessa

perspectiva, a análise parte da diferença entre signo e símbolo, postulada por

Ferdinand de Saussure (1973), aprimorada e ampliada por Hjelmslev (1975),

Greimas (AGUILAR,s/d) e Jean-Marie Floch (1990). Assim, de modo geral, o

símbolo é entendido como um não signo, de estatuto monoplanar em contraponto ao

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signo, que é biplanar. Além dessas concepções teóricas, trabalha-se também com o

conceito de símbolo de Roland Barthes (2003) e de Jean Chevalier (2002). O

primeiro mostra a importância do estudo do símbolo como elemento semiológico e o

segundo mostra sua importância mística e religiosa. Tais concepções são

importantes, pois, embora o símbolo não pertença ao quadro teórico da análise

semiótica, auxilia a desenvolver a hipótese que focaliza estratégias persuasivas que

se confrontam com elementos que envolvem posições religiosas ou místicas, além

de crenças e valores tanto do enunciatário como do enunciador. Por isso, far-se-á

também um vínculo com a noção de símbolo veiculada por Perelman (1993/2002).

Além disso, emprega-se a teoria das cores de Dondis (2000), que as trabalha como

elemento fundamental da comunicação visual, evidenciando sua função no discurso.

A terceira hipótese é a de que, no discurso de auto-ajuda, a relação entre o

enunciador e o enunciatário é presidida por uma dessimetria, configurando uma

relação autoritária que poderá ser reconhecida nos procedimentos retórico-

discursivos e argumentativos. Para proceder à análise recorrem-se aos estudos de

Perelman (op.cit.) sobre a ilustração, o modelo e o exemplo; à concepção de

Christian Plantin (1991) sobre o procedimento da pergunta, evidenciando sua função

retórico-discursiva, bem como os trabalhos de Hugo Blair (s/d), que trata da função

afetiva da pergunta (simpatia), de H. Lausberg (1972) e de Aristóteles (s/d), ambos

examinando a definição de pergunta retórica e sua função.

Por fim, coloca-se como quarta hipótese o fato de, no discurso de auto-ajuda,

a projeção da enunciação é realizada de modo peculiar no sentido de que existe

uma alternância de debreagem. Para pesquisar essa projeção, a análise recorre aos

conceitos de debreagem e embreagem da semiótica discursiva, especificamente, as

desenvolvidas por Fiorin (2002) sobre a tipologia desses mecanismos e por Barros

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(2001) sobre os tipos de narradores projetados no discurso. À primeira vista, tais

recursos parecem apontar para a existência de estratégias que estabelecem graus

de relacionamentos entre os sujeitos da enunciação, cujos efeitos de sentido são,

alternadamente: identidade, objetividade, imparcialidade, cientificidade e

religiosidade.

A composição da tese compreende as seguintes partes: esta Introdução,

quatro Capítulos, Considerações Finais, Referência Bibliográfica.

O primeiro capítulo trata da questão teórica dos gêneros de modo que se

evidenciem as relações entre a teoria das propostas bakhtinianas e greimasianas,

além de discorrer sobre o contexto sócio-histórico da auto-ajuda, bem como a

contextualização dos livros e seus autores analisados.

O capítulo dois analisa as capas dos livros com objetivo de verificar se o

processo de significação é semi-simbólico ou simbólico, procurando examinar as

cores que compõem a capa e a possível relação de suas funções com o gênero.

No capítulo três, são analisadas as estratégias empregadas pelo enunciador

para persuadir o enunciatário a aderir ao contrato proposto; a função discursiva

dessas estratégias na configuração do modo de ser do enunciador e do enunciatário,

e o papel persuasivo dos processos de figurativização nesse discurso.

O capítulo quatro aprofunda a análise das projeções da enunciação,

verificando os mecanismos de debreagem e embreagem e quais relações são

estabelecidas. A referência Bibliográfica traz indicações sobre as obras e autores

citados no trabalho.

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Capítulo 1

GÊNERO E CONTEXTO DE PRODUÇÃO: ARTICULAÇÕES TEÓRICAS

A linguagem – a fala humana – é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana.

Hjelmslev2

1.1 Introdução

O discurso, para a semiótica, constitui-se da sobreposição de níveis e de sua

articulação em um percurso, em que conversões sintático-semânticas vão sendo

operadas de modo que estruturas simples e abstratas, nível profundo, tornam-se

mais complexas e concretas, nível superficial. Neste percurso, encontram-se

estruturas sêmio-narrativas (nível mais abstrato), estruturas discursivas (nível mais

concreto) e estruturas textuais (textualização), as quais, para Greimas (1979:208),

estão fora do percurso gerativo.

Considerar a produção do discurso nestes moldes é importante porque, de

acordo com Diana Luz (2001), sua apreensão em determinadas camadas abre

possibilidades de descrições autônomas e aprofundadas, determinando etapas e

modos de abordagem, conforme os níveis. Assim,

2 In: Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo:Ática. 1975. p.1.

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Cada um dos níveis desse percurso é, na realidade, uma janela aberta para um conjunto de problemáticas que, separadamente, foram objetos de inúmeras investigações entre os semioticistas. (BERTRAND, 2003:48)

Nesta perspectiva, o discurso será o foco a ser descrito neste trabalho, tendo

como entendimento que ele resulta de um processo dinâmico, que compreende

fases diferenciadas e autônomas, já que, no processo de significação, as estruturas

discursivas encarregam-se da retomada das estruturas semióticas de superfície e as

põe em “discurso”, segundo o fazer da enunciação. A discursivização ocorre guiada

por regras sintáticas – actorialização, temporalização e espacialização – e por regras

semânticas, cujo produto são discursos figurativos e temáticos.

Analisar as estruturas discursivas é ater-se à enunciação e à manifestação de

valores basilares do texto; portanto a questão dos gêneros deve ser discutida tendo

em vista as projeções da enunciação no enunciado, os recursos persuasivos

utilizados pelo enunciador a fim de manipular o enunciatário e o processo de

cobertura das estruturas abstratas por meio de figuras.

1.2 LINGUAGEM: PONTOS DE VISTA

Discutir gêneros é colocar-se no centro de um problema epistemológico

secular. Neste trabalho, não será verticalizada essa discussão porque requereria

retomar toda a controvérsia epistemológica que circunda os estudos da linguagem.

De todo modo, serão situados alguns princípios a fim de que se possa, nos limites

do trabalho, executar os recortes teóricos necessários para a efetuação das análises

do gênero auto-ajuda.

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As discussões, via de regra, situam-se, de um lado, no entendimento de que

existe uma entidade abstrata reguladora das atividades de linguagem (ato de

enunciação), cuja existência independe de sua realização. De outro, no

entendimento de que os fatores sócio-históricos são os determinadores das

estruturas abstratas, portanto, sua existência está atrelada ao contexto em que se

encontra o falante. Em relação a esta concepção, o princípio norteador é o de que

não se podem tratar os problemas do ato de linguagem sem antes saber dos fatores

externos que os determinaram. O que daí deriva é a negação veemente de

conceitos como Sistema (inventário), e, por extensão, a negação da idéia de

imanência do sentido. O ato de linguagem, nessa perspectiva, só pode estar

vinculado aos contextos sociais e históricos em que vivem os homens e sua

interpretação reside no desocultamento das formações sociais.

Quanto àquela concepção que defende a necessidade de reconhecer a

existência de uma entidade abstrata, invariável e objetivada que não rendesse às

mudanças situacionais, Louis Hjelmslev em seu Prolegômenos caracteriza bem essa

questão, ao delinear com precisão o objeto de estudo da lingüística,

Uma teoria que procura a estrutura específica da linguagem com a ajuda de um sistema de premissas exclusivamente formais, deve necessariamente, ao mesmo tempo em que leva em conta as flutuações e as mudanças da fala, recusar atribuir a tais mudanças um papel preponderante; deve procurar uma Constância que não esteja enraizada numa “realidade” extralingüística; uma constância que faça com que uma determinada língua permaneça idêntica a si mesma através de suas manifestações mais diversas; uma constância que, uma vez encontrada e descrita, se deixe projetar sobre a “realidade” seja qual for a natureza dela [...] de modo que esta “realidade” se ordene ao redor do centro de referência que é a linguagem, não mais como um aglomerado, mas sim, como um todo organizado que tem a estrutura lingüística como princípio dominante.” (1975:7)

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De acordo com o teórico, para que toda e qualquer língua seja linguagem, é

necessário entendê-la como uma forma estável, constante, despregada da

realidade, mas que age sobre esta, visto que a linguagem ordena o real

(categorização). Sem ela o mundo seria caos. O homem vê, ordena o mundo,

portanto, segundo aquilo que o inventário da língua permite a ele ver. Desse modo, o

problema é colocado diferentemente: não é apegando-se a critérios sociológicos,

exteriores à língua, que se podem evidenciar as questões ideológicas, mas,

contrariamente à concepção sociológica da língua, deve-se entender que

A língua [...] não é neutra e sim complexa, pois tem o poder de instalar uma dialética interna, em que se atraem e, ao mesmo tempo, se rejeitam elementos julgados inconciliáveis. Os vários percursos semêmicos de um lexema explicam-se por essa polivalência da língua. As ideologias, sobretudo a dominante, tentam colocar o signo acima da luta de classes e esconder suas contradições internas, tornando-o monovalente e “neutro”. (BARROS, 2001:151)

Se de um lado não se pode apegar-se exclusivamente aos fatores

extralingüísticos, de outro, é necessário compreender que estes fatores de alguma

forma interagem na e por meio da linguagem. Assim, longe de qualquer

maniqueísmo, e entendendo que o objeto de estudo é produto do ponto de vista de

quem o analisa, o presente capítulo visa, de um lado, a situar a questão do gênero

no âmbito da semiótica, discutindo a pertinência de seu estudo; de outro, a

conceituar gênero tendo como base os pressupostos teóricos semióticos,

acentuando os contatos existentes entre estes pressupostos e a visão de Bakhtin

(2003) acerca do tema, para, no fim, vincular, ao nível discursivo, especificamente à

sintaxe discursiva, o estudo do gênero.

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1.3 O PROBLEMA DA ARTICULAÇÃO INDIVÍDUO E SOCIEDADE

A semiótica, como ciência da produção do sentido, volta-se sempre para

reflexões críticas acerca do sujeito e da realidade sem perder de vista o que lhe é

fundamental: a realidade do objeto textual, pois “fora do texto não há salvação”. No

horizonte das análises semióticas, buscando equacionar os esforços teóricos, parte-

se sempre da concepção de que, na produção do sentido, uma progressiva

conversão estrutural ocorre de modo dinâmico e contínuo, de modo a caracterizar o

percurso da transformação como “o percurso de complexificação”, visto que

enriquecimentos de ordem gramatical (sintáticos e semânticos) vão sendo

agregados às estruturas em seus níveis correspondentes (fundamental, narrativo e

discursivo). Assim, as análises semióticas devem pressupor que a enunciação é

constituída pelo conjunto deste percurso. Ou melhor, o percurso gerativo do sentido

é um modelo (metalingüístico) da enunciação.

Dessa forma, a semiótica discursiva parte do princípio de que fora do texto não

há como evidenciar as ideologias que circulam nas atividades sociais dos sujeitos.

Porque é por meio da linguagem que o homem se constitui. Nela, as práticas

discursivas podem ser desvendadas.

José Luiz Fiorin (1998:17-18) explica que o processo de estruturação do

discurso – conversão das estruturas narrativas em estruturas discursivas

(revestimentos) – é o momento em que o sujeito da enunciação, manipulador

consciente da materialidade da língua por meio de procedimentos e estratégias

lingüístico-discursivos, de certo modo, é determinado inconscientemente pelo

“conjunto de elementos semânticos habitualmente usado nos discursos de uma dada

época, ao quais constituem a maneira de ver o mundo numa dada formação social”.

Dessa maneira, no nível discursivo, encontra-se a identidade ideológica do sujeito, o

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que evidencia que o percurso gerativo do sentido prevê o estágio em que a relação

entre o indivíduo e a sociedade manifeste-se no processo.

A esse respeito, Bertrand (2003), ao tentar demonstrar que os pressupostos

semióticos não excluem as questões sócio-históricas, deixa claro que o fundador da

semiótica francesa, Greimas, sem romper com os pressupostos teóricos que

erigiram a teoria geral dos signos, faz a articulação entre os fatores textuais e

contextuais. Um destes pressupostos é a manutenção, por parte da semiótica, da

noção de uso, sempre defendida pelo lingüista Hjelmslev (1991), que notou a

necessidade de substituir a dicotomia saussuriana língua / fala pela tricotomia

esquema /norma/ uso.

Para Louis Hjelmslev (ibid:84), uso é “como um simples conjunto de hábitos

adotados numa dada sociedade e definido pelas manifestações observadas”. A

importância da noção de uso, como se observa, reside no fato de que, enquanto a

noção de fala remete a uma ação criativa do indivíduo, a de uso vai além, pois

remete aos aspectos socioletais, ou seja, às práticas socialmente sedimentadas em

que se marca o hábito lingüístico e cultural. O conceito de uso assim entendido

acaba por articular sistema, fala e história, o que implica a afirmação de que existem,

no ato de linguagem, determinadas coerções de ordem interna (categorias

morfossintáxicas) e determinados limites de ordem externa (categorias

socioculturais), a funcionar como diretrizes da enunciação.

Fica claro que a enunciação individual está intimamente ligada ao inventário da

língua, de modo que as escolhas e as combinações lingüístico-discursivas (o ato de

linguagem) só ocorrem mediadas pelo “já dado” depositado na memória cultural.

Desse modo, compreende-se a enunciação como a mediadora entre o sujeito e o

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sistema social da língua, por um processo de assunção que leva em conta a relação

intersubjetiva.

Diana Luz de Barros (2001), ao abordar as questões centrais do discurso,

como a problemática da relação entre o individual e o social, afirma que a semiótica

pode e deve fazer a relação entre fatores lingüístico-discursivos e fatores contextuais

constitutivos do discurso, porque,

[...] nessa perspectiva, o problema da co-presença do social e do individual no discurso, afirmando que, nele, coexistem a invariável sistêmica social e as variáveis, também sociais, de realização, forjadas pelas determinações sócio-ideológicas. Se a significação nasce da variação, como propuseram Barthes (1964 1966) e Greimas (1966), é da relação entre a invariante do sistema e a variação social que surge o sentido do discurso. A articulação do discurso com a formação social não é, por conseguinte, fortuita e ocasional ou secundária e acessória. Reconhecendo a pertinência da dimensão histórica para a análise do discurso, mas também as muitas dificuldades encontradas na determinação das relações entre formações sócio-ideológicas e formações discursivas, propõe-se [...] a hipótese, conciliatória entre os dois grupos, de que essas relações podem e devem ser estabelecidas pela mediação lingüística da enunciação. Tenta-se, assim, definir enunciação pelo duplo papel de mediação ao converter as estruturas narrativas em estruturas discursivas e ao relacionar o texto com as condições sócio-históricas de sua produção e de sua recepção. (p. 4-5)

As relações entre o social e o individual processam-se via mediação lingüística

da enunciação, a qual, além de realizar a conversão das estruturas narrativas em

discursivas, também estabelece a relação do texto com as condições sócio-

históricas. A hipótese da autora permite conceber o estudo do gênero como o estudo

da enunciação, já que, retomando Bertrand (2003), a enunciação regula a relação

entre o sistema social da língua e a assunção deste por um sujeito em constante

diálogo com o outro (intersubjetividade).

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É nesta perspectiva que o trabalho discutirá gênero: parte-se do princípio de

que o estudo do discurso, em semiótica, vê a enunciação como resultante da

complexificação estrutural. Nesse momento de revestimento complexo das

estruturas mais abstratas, entram em jogo a memória da língua, suas coerções, a

situação sócio-histórica de produção do texto e, conseqüentemente, em função

desta situação, os modelos estabilizados que orientam, no nível da manifestação, os

projetos de escrita e de leitura, que veiculam modos de ver o mundo.

Isto significa que na textualização, momento em que o percurso gerativo do

sentido sofre uma interrupção, um conjunto de procedimentos é convocado para a

organização de uma sintaxe textual (constituição de um contínuo discursivo). E, ao

que tudo indica, nesse processo, o gênero, como será caracterizado adiante,

também participa, necessariamente, da constituição textual.

1.4 GÊNERO: CONCEITO E FUNÇÃO

Para definir gênero, Mikhail Bakhtin (2003), em Estética da Criação Verbal,

relaciona todos os campos da atividade humana com o uso da linguagem. Afirma

que o emprego dela possui caráter multiforme devido ao vínculo estreito com a vida,

e, por conseqüência disso, com as necessidades prementes suscitadas dessa

ligação.

Bakhtin defende que discursos oral ou escrito refletem, em sua estrutura, a

situação de produção não apenas por causa dos conteúdos temáticos e do modo de

utilizar a língua, mas, sobretudo, pela sua “construção composicional”. Todo

enunciado (texto), na sua visão, além de

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[...] particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gênero do discurso3. (262)

Tas tipos mais ou menos estáveis, conforme a comunidade, a época e os

conteúdos, diferem-se tanto em sua forma de comunicação, como em seus temas.

As formas produzidas imbricam-se aos temas de modo que se entende que todo

querer dizer só é passível de ser realizado, como texto, por meio de um discurso

social específico, o que implica a utilização de determinados recursos lingüísticos

que estruturam o texto em uma unidade orgânica resistente. Assim, as formas de

comunicação solicitam a adequação necessária ao modo de dizer: não se diz nada

fora de um contexto; um ato de linguagem só é possível se estruturado em um

gênero.

O conceito de gênero, nesses termos, pressupõe uma interação entre fatores

textuais e contextuais, na medida em que para Bakhtin (2003):

As formas de gênero, nas quais moldamos o nosso discurso, diferem substancialmente, é claro, das formas da língua no sentido da sua estabilidade e da sua coerção (normatividade) para o falante. Em linhas gerais, elas são mais bem flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua. Também neste sentido a diversidade dos gêneros do discurso é muito grande. Toda serie de gêneros sumamente difundidos no cotidiano é de tal forma padronizado que a vontade discursiva individual do falante só se manifesta na escolha de um determinado gênero e ainda por cima na sua entonação expressiva. [...] A diversidade desses gêneros é determinada pelo fato de que eles são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da comunicação4 [...] (283)

3 Grifo nosso. 4 Grifo nosso.

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De um lado, portanto, o gênero é uma categoria discursiva que recobre todos

os textos que circulam na sociedade; seu surgimento está atrelado às necessidades

cotidianas. Por isso, pode ser considerado o resultado das condições sócio-

históricas em que estão imersos os sujeitos da comunicação. De outro, o uso que

este sujeito faz do gênero em determinado contexto, ao que parece, liga-se a um

certo pragmatismo, no sentido de que o ato de linguagem deve estar estruturado em

um gênero para ter eficácia.

Para Maingueneau (2001:65), tal afirmativa tem procedência. Ele defende que

a utilização dos gêneros de discurso segue de perto critérios de êxito, o que implica

que os atos de linguagem são submetidos a certas condições para que a

intencionalidade do enunciador obtenha sucesso. Por isso, a escolha do gênero

deve obedecer a uma finalidade reconhecida, para permitir que, na situação

comunicativa, os sujeitos, que devem ser legitimados, desempenhem

adequadamente seus papéis, pois “um discurso não é delimitado à maneira de um

terreno, nem desmontado como uma máquina. Constitui-se em signo de alguma

coisa, para alguém, em um contexto de signos e de experiências5”

(MAINGUENEAU,1993:34)

Segundo Bakhtin,

O gênero do discurso não é uma forma da língua típica do enunciado; como tal forma, o gênero inclui certa expressão típica a ele inerente. No gênero a palavra ganha certa expressão típica. Os gêneros correspondem a situações típicas da comunicação discursiva, a temas típicos, por conseguinte, a alguns contatos típicos dos significados das palavras com a realidade concreta em circunstancias típicas [...] (op.cit., 293)

5 Grifo do autor.

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De modo geral, as regras e normas que representam e regulam um gênero

são constituídas por relações entre forma de conteúdo e forma de expressão; isto é,

entre uma determinada temática e um determinado modo de dizer. Assim, a

caracterização do gênero ocorre pela correlação sistêmica entre a presença de um

determinado modelo de situação comunicativa, com traços retórico-formais,

elementos pragmáticos e semânticos, que presidem a relação entre enunciador e

enunciatário, possibilitando diferenciar um gênero de outro; e por um determinado

modelo de forma de conteúdo, representado por elementos semânticos e

pragmáticos histórico-sociais, que visam, no contexto sociocultural e no processo de

interação social, à eficácia comunicativa, segundo a intencionalidade do sujeito da

persuasão.

A caracterização se configura também por meio de um determinado modelo

de forma da expressão, resultante de normas e convenções estilísticas que regulam

as microestruturas formais do texto (coesão) e as normas e convenções retórico-

argumentativas e composicionais, que regulam as macroestruturas textuais

(coerência).

Todo enunciado, enfim, é produzido sob determinadas condições históricas e

ideológicas. Essa situação age sobre as escolhas do enunciador a exigir uma

espécie de ajuste da estrutura lingüística à realidade em que ela será concretizada.

Essa mediação é realizada pelo gênero.

1.5 GÊNERO E MANIPULAÇÃO

Na analise narratológica, Greimas (1979) distingue dois tipos de relações

entre actantes: a que ocorre entre o sujeito e o objeto, a construir o simulacro das

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ligações existentes entre homem e mundo e a ação transformadora daquele sobre

este. A outra relação se dá entre o destinador e o destinatário, actantes da

comunicação: o primeiro age sobre o segundo doando-lhe competências, para

transformá-lo ou subjugá-lo. Essa ação visa à instituição de um contrato em que o

sujeito da enunciação, desdobrado em enunciador e enunciatário, estabelece um

jogo de manipulação em que há um fazer persuasivo (enunciador), e um fazer

interpretativo do segundo.

Analisando a posição de Bakhtin à luz de alguns princípios semióticos, Barros

(1996) conclui que se deve estudar a relação desses actantes da comunicação, que

se relacionam entre si como sujeitos ativos, não como simples ato de informar e

conhecer, mas como ato dialógico.

Nesse ato, o sujeito procura interpretar ou compreender o outro sujeito: [...] trata de uma relação entre sujeitos, Destinador e Destinatário, e a compreensão aparece como uma espécie de resposta a questões colocadas pelo texto interpretado [...]. (p.25)

Esses actantes da comunicação estão associados um ao outro por meio de

uma relação contratual fiduciária regulada tanto pelas intenções da enunciação –

fazer com que o sujeito da interpretação aceite como verdadeiro o dizer do

enunciador e passe agir conforme essa crença (ou fé) –, como pelas condições

sociais inerentes ao ato comunicativo que implicam o emprego de várias estratégias

em razão da eficácia comunicativa (fazer: crer, querer ou dever, fazer, saber e

poder). Assim, conforme Diana Luz, a manipulação

[...] prevê um primeiro contrato fiduciário, em que são decididos os valores dos objetos a serem enunciados ou trocados. No nível do discurso, o contrato fiduciário é um contrato de veridicção, que determina o estatuto veridictório do discurso. A verdade ou a

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falsidade do discurso dependem do tipo de discurso, da cultura e da sociedade [...] (2002:93)

O fato de o efeito de verdade ou de falsidade do discurso, vinculado ao

contrato, atrelar-se a um tipo discursivo e a fatores de ordem extralingüística, implica

a afirmativa de que o percurso de manipulação (comunicação) orienta-se de acordo

com um gênero específico, marcado, como já se evidenciou acima, tanto por fatores

internos como externos, voltados para a eficácia comunicativa.

Para Bakhtin, (2003:281-282)

Em cada enunciado [...] abrangemos, interpretamos, sentimos a intenção discursiva de discurso ou a vontade discursiva do falante, que determina o todo do enunciado, o seu volume e as suas fronteiras. Imaginamos o que o falante quer dizer, e com essa idéia verbalizada, essa vontade verbalizada (como a entendemos) é que medimos a conclusibilidade do enunciado. Essa idéia determina tanto a própria escolha do objeto (em certas condições de comunicação discursiva, na relação necessária com os enunciados antecedentes) quanto os seus limites e a sua exauribilidade semântico-objetival. Ele determina, evidentemente, também a escolha da forma do gênero na qual será construído o enunciado6 [...]

E continua:

A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero de discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes, etc. A intenção discursiva do falante, com toda a sua individualidade e subjetividade, é em seguida aplicada e adaptada ao gênero escolhido, constitui-se e desenvolve-se em uma determinada forma de gênero. Tais gêneros existem antes de tudo em todos os gêneros mais multiformes da comunicação oral cotidiana, inclusive do gênero mais familiar e do mais íntimo. Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. Dispomos de um rico repertório de gêneros de discurso orais (e escrito). Em termos práticos, nós os empregamos de forma segura e habilidosa, mas em

6 Grifos do autor.

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termos teóricos podemos desconhecer inteiramente a sua existência7.

Os gêneros, como se observa, devem ser entendidos como condição básica

para que possa ocorrer a comunicação (manipulação), porque, na busca do

estabelecimento da crença (e da fé) entre o enunciador (fazer persuasivo) e o

enunciatário (fazer interpretativo), essa interação é mediada por uma forma

discursiva relativamente estável de estruturação de um todo (gênero), de uma forma

padrão que ancora os textos que pertencem a ela, segundo uma unidade orgânica

resistente. Quer dizer que o enunciador, ao manipular o enunciatário, tem de fazê-lo

a partir da perspectiva de que a dimensão ideoletal (fazer semiótico individual)

articula-se a uma dimensão socioletal (fazer semiótico social).

Bertrand (2003), a esse respeito afirma:

[...] a enunciação individual não pode ser vista como independente do imenso corpo das enunciações coletivas que a precederam e que a tornam possível. A sedimentação das estruturas significantes, resultante da história, determina todo o ato de linguagem. Há sentido “já-dado”, depositado na memória cultural, arquivado na língua e nas significações lexicais, fixado nos esquemas discursivos, controlado pelas codificações dos gêneros do exercício individual da fala, convoca, atualiza, reitera, repete ou, ao contrario, revoga, recusa, renova, e transforma. O impessoal da enunciação rege a enunciação individual e esta às vezes se insurge contra ele. A fala, “idealizada como livre, [...] se fixa e se cristaliza no uso, dando origem, por redundâncias e amálgamas sucessivos, a configurações discursivas e estereótipos lexicais que podem ser interpretados como tantas outras formas de ‘socialização’ da linguagem” [...] (87-88)

O fazer semiótico individual, modo pelo qual a linguagem se manifesta

necessariamente, processa-se em interação com fatores de ordem social, porque a

forma de comunicação verbal específica, que traduz os aspectos sócio-ideológicos

7 Grifo do autor.

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motivadores da forma, apresenta-se como necessária, ligando os temas (objeto de

sentido) a determinados modos de dizer (gêneros) condizentes com o contexto em

que se processa a comunicação. A assunção da língua ocorre regida por condições

de ordem social, numa dimensão intersubjetiva.

Greimas (1979), ao especificar melhor o papel dos sujeitos da enunciação no

ato comunicativo, concebe a relação entre os sujeitos actantes da comunicação não

como uma relação de passividade, como já se afirmou; ao contrário, enunciador e

enunciatário são produtores ativos do discurso, visto que a parceria não se limita a

passar e a receber informações, mas a estabelecer um jogo persuasivo, em que o

enunciador age em consonância com a situação discursiva, na medida em que, na

produção de seus enunciados, os conhecimentos a priori a respeito do enunciatário

– seus saberes supostamente compartilhados – são previstos no seu projeto de

manipulação, enquanto o enunciatário, ativamente, reconhece a verdade ou a

falsidade do enunciado. Nesse processo, o papel deste tu (para quem se escreve ou

fala) é, portanto, relevante. Segundo Bakhtin (2003), o destinatário da mensagem

deve ser considerado um “índice substancial (constitutivo) do enunciado” pois este é

elaborado em função de uma “compreensão responsiva”, de uma reação-resposta,

de uma interpretação.

Todo enunciado, além de requerer um tipo de autor específico, de objetivar

alcançar algo, de estruturar-se em torno de propósitos definidos, é dirigido a alguém

específico, a partir de que enunciatário faz o discurso tomar determinada orientação.

Sendo assim, o enunciador assume, como hipótese de produção discursiva,

determinados enunciados possíveis de serem realizados em função da situação

dialógica em que se encontra; age como se realizasse um cálculo de possibilidade

do que dizer e de como dizer; cálculo este que se dá a partir de expectativas (o que

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é necessário dizer, o que ele quer ouvir etc). O enunciado é, portanto, construído,

além dos outros fatores, segundo uma expectativa de possíveis respostas.

Isso significa que o enunciador, no ato comunicativo, detém a iniciativa no

processo de interpretação, no sentido de que age discursivamente segundo a

imagem que faz do outro. Aqui cabe lembrar que os simulacros são imagens,

figuras, que intervêm na comunicação a partir de seu caráter necessário e de sua

condição de ser algo prévio a qualquer comunicação. Nessa concepção, os

simulacros são considerados objetos imaginários determinadores eficazes da

relação entre os sujeitos (BARROS, 1996).

Disto resulta um discurso com estilo e composição próprios, adequados aos

interlocutores, porque essa atitude implica sobremaneira a particularização, a

diferenciação no estilo e na composição retórico-estilística. Vale ressaltar que a

adequação implica em manter-se na esfera de determinado gênero, visto que este

solicita um destinatário típico e apropriado. Para Patrick Charaudeau (2001);

Essa relação contratual [...] depende do “desafio” construído no e pelo ato de linguagem, desafio este que contém uma expectativa (o ato de linguagem vai ser bem sucedido ou não). Isso faz com que os parceiros só existam na medida em que eles se reconheçam (e se”construam”) uns aos outros com os estatutos que eles imaginam [...] (p.30)

Todorov, a este respeito, explica que

É pelo fato de os gêneros existirem como uma instituição que funcionam como “horizonte de espera” para os leitores, e como “modelos de escrita” para os autores. Estas são, com efeito, duas vertentes da existência dos gêneros [...] os leitores lêem em função do sistema genérico, que conhecem através da crítica da escola, do sistema de difusão do livro, ou simplesmente por ouvir dizer [...] (1978: 52)

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Assim, retomando os conceitos desenvolvidos, conclui-se que os gêneros são

entidades mais ou menos estáveis, que, no processo de textualização, momento em

que ocorre um movimento do percurso gerativo de sentido rumo à manifestação,

moldam o dizer do enunciador em uma composição retórico-estilística reconhecível

como sendo inerente a eles. Tal procedimento age no nível superficial do texto,

segundo as coerções semióticas e a exigências de fatores contextuais e esse

vínculo ocorre de maneira tal que a comunicação verbal só é (pensável e) realizável

quando, na textualização, ocorrem os ajustes da sintaxe textual ao gênero, porque,

dependendo da época, dos grupos sociais, os repertórios produzem suas formas e

temas, o que implica que o gênero é uma organicidade indestrutível do ponto de

vista de que seus recursos lingüísticos especificam o discurso (Bakhtin,2003).

1.6 A ABORDAGEM DO GÊNERO

Concebendo texto como modalidade composicional resultante do processo

comunicativo interacional e gênero como articulações discursivas organizadoras e

definidoras que agem na textualização, pode-se entender que todo gênero é

passível de ser descrito em suas “formas de enunciação”, buscando estabelecer

suas especificidades lingüístico-discursivas. Mesmo porque, de acordo com Bakhtin

(2003), analisar os gêneros é extrair das atividades lingüístico-discursivas os fatos

lingüísticos em pleno funcionamento, portanto, vivos, uma vez que:

O desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as peculiaridades das diversidades de gênero do discurso em qualquer campo da investigação lingüística redundam em formalismo e em uma abstração exagerada, deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações da língua com a vida. Ora, língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos que a vida entra na língua.(264)

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Greimas (1979:202) também não aceita a análise em que um formalismo

fortuito e gratuito tome a vez de uma análise global e contextualizada, porque, para o

semioticista, descrever o gênero, definir uma tipologia dos discursos só tem validade

se for para trazer a tona os postulados ideológicos implícitos que norteiam as

categorizações:

Dependente de um relativismo cultural evidente e fundada em postulados ideológicos implícitos, tal teoria nada tem de comum com a tipologia dos discursos que procura constituir-se a partir do reconhecimento de suas propriedades formais específicas. O estudo das teorias dos gêneros, característico de uma cultura (ou de uma área cultural) dada, não tem interesse senão na medida em que pode evidenciar a axiologia subjacente à classificação: ele pode ser comparado à descrição de outras etno ou sócio taxionomias.

Para abordar, semioticamente, os gêneros, é preciso, portanto, partir dos

seguintes princípios: (1) gênero é resultante de um processo interativo socioletal e

ideoletal, uma forma discursiva relativamente estável de estruturação de um todo,

que ancora textos; (2) é uma unidade orgânica resistente, em que categorias

lingüístico-discursivas e contextuais são reconhecíveis; (3) todo discurso resulta do

percurso gerativo do sentido (simulacro do processo enunciativo); (4) discurso e

formação social articulam-se, lingüisticamente, por meio da enunciação (conversão

das estruturas narrativas em estruturas discursivas); (5) no processo de

textualização, nível da manifestação, as condições sócio-históricas, as coerções

lingüístico-discursivas e a atividade responsiva do enunciatário (sujeito interpretativo)

interferem no processo (o texto conforma-se ao gênero); por fim, todo ato de

comunicação (persuasão) ocorre por meio de um gênero.

Estuda-se a literatura de auto-ajuda fundamentando-se nesses princípios que

possibilitam compreender que esta literatura apresenta, no nível do discurso e da

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manifestação, um determinado modelo de forma da expressão e as normas e

convenções retórico-argumentativas e composicionais, utilizados com fins

persuasivos para a manipulação do enunciatário. Além disso, na projeção dos

sujeitos da enunciação, estudam-se os mecanismos que a possibilitam.

Assim sendo, com base no percurso gerativo do sentido, realiza-se uma

análise no nível discursivo, para verificar a relação entre enunciador e enunciatário,

descrevendo determinados procedimentos retórico-discursivos importantes para o

funcionamento do gênero. Em trabalho complementar, analisa-se a projeção do

sujeito da enunciação, examinando os mecanismos de embreagem e debreagem,

para verificar como o discurso se comporta tendo em vista os critérios de

subjetividade e de objetividade.

1.7 O CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO DISCURSO DE AUTO AJUDA -ALGUMAS CONISDERAÇÕES

Na análise do discurso de auto-ajuda, parte-se dos princípios de que os

gêneros resultam da interação de fatores socioletais e idioletais; apresentando uma

forma estável organicamente, composta por categorias lingüístico-discursivas e

contextuais reconhecíveis. Suas condições sócio-históricas, suas coerções

lingüístico-discursivas e a atividade responsiva do enunciatário (sujeito interpretativo)

interferem no processo de textualização.

Trata-se, assim, de um discurso contextualizado que apresenta em sua

composição retórico-discursiva algum nível de estabilidade, responsável por

possibilitar sua descrição e interpretação.

Antes de dar início à abordagem do corpus, far-se-á um breve histórico com o

objetivo de situar este tipo de literatura dita de auto-ajuda, demonstrando alguns de

seus princípios norteadores de sua conformação e de sua função social. Para,

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depois, apresentar o contexto dos livros e de seus autores. Não se tem a intenção

realizar uma análise sociológica nem antropológica, mas entendendo o contexto

como um componente do discurso, o que se pretende é considerar que a relação

contratual existente entre os sujeitos da enunciação realiza-se articulada a

determinadas condições discursivas. Não se objetiva, como ficou claro na exposição

sobre gênero, partir dos fatores sócio-históricos, concebendo a literatura como

reflexo destes, mas, ao contrário, partindo do texto, entender como este fatores

estão discursivizados, sobretudo na relação entre os sujeitos da enunciação, pois,

como afirma Greimas:

O objeto primeiro da teoria semiótica não é a análise da referência [...], mas a determinação das condições de produção e apreensão do sentido, tanto é verdade que os ‘estados de coisas’ jamais darão conta, sem a participação ativa e primordial do sujeito, da assunção pelo homem das significações do mundo. (apud. BERTRAND, 2003:97-98)

1.7.1 A AUTO-AJUDA: VISÃO GERAL

A auto-ajuda pode ser classificada, grosso modo, como um conjunto de

práticas articuladas textualmente, baseadas no princípio de que todos possuem um

poder interior solucionador de todos os problemas, os quais, embora se originem de

fatores sociais, apresentam-se como de natureza pessoal.

Para Francisco Rüdige (1996), estes textos estão divididos em duas

categorias: os destinados ao desenvolvimento de capacidades objetivas: sucesso

nos negócios, comunicação em público, manutenção do patrimônio; os destinados

ao desenvolvimento das capacidades subjetividades: auto-estima, saber envelhecer,

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vencer a depressão etc. No geral, essa literatura pretende se projetar em todos os

campos da vida – desde o sucesso pessoal e empresarial ao da saúde, passando

pelo êxito nos relacionamentos –, ao mesmo tempo em que apresenta tratados de

crescimento pessoal para responder de forma sistêmica às demandas pela auto-

realização introduzida pela modernidade.

Assim, embora ela, desde a sua disseminação nos meios sociais e culturais,

tenha passado por transformações conceituais importantes, com o advento da

democratização e da propagação de um estilo individual, contextualmente, é uma

manifestação discursiva que nasce de uma visão de mundo, que há muito perpassa

a sociedade capitalista: o individualismo.

O desenvolvimento desta literatura no Brasil coincide com o momento em que

o país está preste a consolidar a democracia, após vários anos de ditadura. Com a

redemocratização, marcado pelas eleições diretas, ocorridas em 1990, o discurso da

liberdade individual e do consumo passa cada vez mais a se incorporar no dia-a-dia

das classes média e popular que pretendem consumir os produtos importados

sobejamente oferecidos na era Collor. Inicia-se, nesse contexto, a sensação de

instabilidade que passa a fazer parte do cotidiano brasileiro.

Nos anos 90, a produção de textos de auto-ajuda por autores brasileiros é

impulsionada de modo efetivo, porque chega, rapidamente, a níveis de vendas

incríveis, tornando-se, fora os best sellers norte-americanos, a literatura de massa

mais procurada. Sua classificação em jornais e revistas é sempre entre os dez mais

vendidos e seu público-alvo é bastante diversificado.

Com um índice de vendagem expressivo, vieram também os contra-discursos:

críticas de jornalistas, de críticos literários, de especialistas em psicanálise e em

psicologia e, até mesmo, de filósofos. No entanto, as críticas não abalam sua

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posição no mercado. Articulistas de jornais e revistas de grande circulação procuram

entender o apelo de venda que tais livros contêm,

Por que alguém deveria se chocar com estas listas? Em 1851, o filósofo Arthur Schopenhauer já dizia: “ Estes livros usurpam o tempo, o dinheiro e a atenção do público a que, por lei, pertencem os bons livros e seus nobres objetivos, enquanto os livros ruins foram escritos com a única finalidade de gerar dinheiro ou propiciar emprego. Não são portanto, apenas inúteis mas positivamente daninhos. Nove décimos de toda nossa literatura não tem outra finalidade a não ser de tirar alguns centavos do bolso do público: com este objetivo conspiram o autor, editor e o crítico”. Mesmo reconhecendo que esse tipo de literatura encontrou, em diferentes épocas, um público ávido e fiel, a verdade que esta lista expõem é desanimadora. (...) raramente os livros resenhados irão atingir a mesma cotação dos “mais vendidos” apesar de não ocuparem ao longo do ano grandes espaços na imprensa escrita, os livros de auto-ajuda correm por fora e ocupam os primeiros lugares da lista. (MAIS!, 1994:4-6 ).

Justificativas para a publicação de obras de auto-ajuda, porém, não

faltam. Nota-se, por exemplo, na revista VEJA sua preocupação em justificar a

categorização desse tipo de literatura, sugerindo que ela nasce de uma

demanda cada vez mais real e consistente, o que torna impossível negá-la

como uma categoria literária (no sentido amplo do termo) que merece destaque

e classificação. Nas palavras dessa publicação,

Ao criar uma lista para esse tipo de literatura, VEJA está seguindo uma tendência apontada pelas livrarias, editoras, que já estabelecem essa distinção. Já faz tempo que os livreiros reservam um espaço separado, em suas prateleiras, para publicações esotéricas e de auto-ajuda. Em geral, por sua ótima vendagem, ocupam um lugar privilegiado nas bancada e vitrines. “Essas publicações estão para as livrarias assim como o pão e o leite para as padarias”, compara Raphael Blanco Coelho, diretor comercial da rede Saraiva “. Funcionam como chamarizes, e o consumidor, uma vez dentro da livraria, acaba comprando outros gêneros (...)”. (VEJA, 1994:224)

E acrescenta:

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29

A mudança de critério pretende facilitar a vida do leitor e não promover, ou desvalorizar, esse ou aquele gênero. Os livros de auto-ajuda e esotéricos, independentemente de méritos ou falhas, não podem ser confundidos com a arte da literatura. Nem por isso deixarão de ter seu espaço no mercado e o respeito a seus leitores. “É uma onda mundial. As pessoas querem melhorar suas vidas e por isso recorrem a quem tem fórmulas para isso”, diz Pedro Madureira, editor do Grupo Siciliano. (ibid)

Trata-se, dessa forma, de um discurso que se impõe socialmente de tal forma

que os meios de comunicação passam a aceitá-la como uma literatura de massa

que goza de legitimidade. Assim, criam-se espaços que acomodam tantos os livros

denominados esotéricos quanto os denominados auto-ajuda.

Hoje, essas publicações de auto-ajuda estão baseadas na valorização da

estima do indivíduo, porque se parte do princípio de que o sucesso é conseguido por

meio de ações isoladas que refletem a força interior de cada indivíduo, o que vai de

encontro a explicações sócio-político-econômicas da miséria, da desigualdade

existente na sociedade.

Muitas são as opiniões acerca deste discurso de auto-ajuda. Há os que

apregoam tratar-se ele de uma forma de racionalização dos problemas, em que o

indivíduo por meio de suas receitas recebe reforço positivo e aprende a viver

resolvendo seus problemas. Este reforço, para muitos, funciona na superficialidade

da problemática, criando a ilusão de cura. Mas há os que afirmam que esta literatura

pode causar danos importantes na psicologia do indivíduo, uma vez que pode

desencadear, naquele que se encontra no caminho do desamparo e da solidão, a

falsa sensação de onipotência, levando-o a agir egoisticamente.

Essas técnicas utilizadas para determinados fins, como progredir

profissionalmente, financeiramente, priorizam somente a individualidade em

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detrimento da alteridade, porque se baseiam em um modelo individualista,

competitivo, vinculado ao surto consumista que caracteriza a sociedade

contemporânea.

Apesar de não estar sendo tratado de aspectos meramente históricos, é

necessário saber que a literatura de auto-ajuda nem sempre foi baseada nos

princípios atuais. Antes da Renascença, os sujeitos viviam em um estado de

coletividade, traduzida pelas relações baseadas em ações comunitárias. Mas com as

mudanças sócio-comportamentais ditadas pelo surgimento de problemas

existenciais até então não vividos, o objeto-valor passou a ser o individualismo como

resposta para as novas questões do homem. Essa alteração ocorreu na era da

modernidade, momento em que se exigiram do sujeito ações mais individuais e

individualizantes.

De acordo com Harold J. Laski (1973: 90 -1) que trata do liberalismo europeu:

Desfez as tradições essenciais (...). Mesmo quando (...) o pensamento seiscentista desenvolve concepções místicas, a ênfase íntima dessa tendência é de caráter individualista; e o seu resultado necessário é, por conseguinte, um afastamento da dependência da autoridade coletiva. O verdadeiro encargo do século, na especulação filosófica, consistiu em dar ao universo um padrão cujas leis tinham de ser repensadas e reformuladas em termos inteiramente novos.

O mesmo autor explica ainda que se passa, nessa época, a ter como verdade

que os “apetites dos homens” são naturais, e o controle destes seria unicamente a

razão: “(...) o único juiz da medida em que tais apetites devem ser satisfeitos ou

reprimidos”. (ibid. p.91)

Assim assevera Laski:

O abismo entre as sanções dessa concepção e as do mundo medieval é espantoso. É ampliado, em todos os pontos, pela

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natureza do meio que encontra. É racional; é materialista; busca dominar, naturalmente, todo o poder que se situe fora da autoridade do eu humano. Tende a medir a validade desse poder pelo efeito que exerce sobre os desejos individuais. (ibid. p. 92)

A modernidade funda-se sob essa concepção em que o desejo e a razão –

norteadora deste – sobrepujam a visão medieval (e metafísica) do mundo. Observa-

se, pois, a valorização das necessidades do sujeito, que se torna, com seus

“apetites”, centro de referência para as tomadas de decisão em todos os campos da

sociedade. Como conseqüência, ocorrem o inclinar-se para a auto-reflexão do

indivíduo e a geração de projetos conscientes da construção social de uma

subjetividade autocentrada, os quais são administrados, em maior ou menor grau,

pelo próprio sujeito.

A esse afastamento, devido ao progresso da modernidade, equivaleu, de

acordo com Francisco Rüdige (1996), a um processo de desintegração profunda da

personalidade em conseqüência da fusão desse indivíduo com sistemas de ação

complexos.

Dessa privação dos modelos de convivência veiculados pela tradição que

auxiliavam o sujeito, adveio a necessidade de criação de monitoramentos constantes

e atualizações permanentes do modo de ser do sujeito, com a finalidade de

preservação tanto de sua autonomia (fazer por si) como de sua individualidade (ser-

se). Dessa forma, na modernidade, o que se nota é que, proporcionalmente ao

aumento da liberdade humana, a individualidade perde sua independência, o que

gera perda de identidade, mas ainda conserva uma certa margem de liberdade e

consciência (individuais).

A decorrência disso é, de acordo com M.L.Von Franz (In: JUNG,1969), um

número cada vez maior de atores sociais, principalmente, os que vivem em grandes

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centros, encontrarem-se sensibilizados pelo sentimento de vacuidade e de

transitoriedade; por essa razão, buscam a todo modo disjungir deste estado

patêmico, utilizando-se de vários instrumentos.

Nesse contexto, o capitalismo ensaia o surgimento da cultura de massa, a

qual passa a ditar condutas em todos os setores da vida pública e privada, no

mesmo momento em que o racionalismo rege as condições materiais para o

nascimento e o fortalecimento do mercado, que oferecerá os pretensos recursos

necessários para a resolução individual dos problemas criados por essa cisão entre

o sujeito e a tradição. Com a democratização dos princípios de ordenamento da

vida, foi conferido o estatuto de fórmulas gerais de subjetivação às condutas,

instaladas por todas as camadas sociais.

Especificamente na América do Norte, a democracia de massa constituiu-se

da dispersão de sujeitos, cada qual um universo a cuidar de si, mas compondo o

todo. Este discurso de auto-ajuda foi fundado no princípio de que o desenvolvimento

da personalidade deve estar ligado ao da espiritualidade. Nessa visão, defende-se a

dedicação em relação à capacidade criadora e moral residentes no interior de cada

um; por isso, deveria haver o mesmo empenho que se dá ao desenvolvimento das

habilidades e negócios, conciliando-se, interacionalmente, cultura e profissão.

Assim, além do desenvolvimento de habilidade técnicas para viver bem no

mundo, apregoava-se a necessidade do cultivo da formação espiritual do sujeito

como fonte principal do bem-estar no mundo.

Mas o alastramento das fórmulas gerais de subjetivação iniciada pela

indústria cultural capitalista redimensionou os padrões e as perspectivas societárias,

promovendo a formação da cultura subjetiva de massa, que passou a ser a matriz

das ações em sociedade no mundo contemporâneo.

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Conforme Rüdiger (op.cit.), a literatura de auto-ajuda origina-se da visão de

mundo anglo-saxônica, pois se vincula, estreitamente, ao seu modo de vida popular,

constituindo-se como um conjunto de práticas que espelham fielmente a moderna

cultura industrial – que transformou, como se viu acima, a sociedade ocidental. São

práticas que fazem crer que levam o indivíduo ao descobrimento de seus recursos

interiores. Seu cultivo e emprego têm por finalidade a superação das fraquezas

humanas e o conseqüente aperfeiçoamento do indivíduo.

O criador do conceito de auto-ajuda (self-help) foi Samuel Smiles. Ele é

considerado o primeiro autor inglês a estabelecer relação direta entre a tradição

inglesa e a idéia de individualismo. Smiles apregoava que não eram as reformas

institucionais que garantiam o progresso social, mas a capacidade humana de se

aperfeiçoar por meio da disciplina e de seu caráter. Ou em suas palavras,

O caráter é uma das maiores forças motrizes do mundo. Nas suas mais nobres expressões, representa a natureza humana em toda a sua grandeza, porque mostra o homem sob o seu melhor aspecto. Os homens verdadeiramente superiores em qualquer situação de vida quer pela sua indústria, ou integridade, quer pela elevação de princípios, ou pureza e rectidão de intenções impõem espontaneamente o respeito. É natural crer em taes homens, ter confiança n’ elle e imital-os. tudo o que é bom é sustentado por elles, e sem elles não valeria a pena viver n’este mundo. (s/d: 1-2)

Essa cultura moral dependente do dever ser foi consolidada no século XIX,

em que se combinavam o princípio da liberdade individual com as obrigações

sociais. Com a consolidação cultural, desenvolveu-se um moralismo rigoroso

associado à crença de que a lealdade à disciplina da profissão deveria reger a vida

moral dos homens de modo que a moralidade confundiu-se com a obediência a

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determinadas regras, justificadas socialmente por meio de uma mistura de

argumentos religiosos, utilitários e racionalistas.

O discurso do sucesso na vida, por conseguinte, não se baseava em

satisfação de necessidades puramente individuais, como são hoje, mas do

desenvolvimento do caráter, ou seja, buscavam-se regras de condutas objetivando o

aprimoramento do relacionamento humano no que tange à realidade moral e ao

trabalho. Por isso, Smiles (op.cit.) construiu seu tratado um discurso que se constrói

sobre categorias morais que espelham as soluções comuns para os problemas da

vida diária. Sua base era, pois, os valores tradicionais, como a devoção para com a

família, os serviços prestados à comunidade, e o princípio de que a riqueza deveria

ser fruto de uma profissão honrada e estar voltada para o bem comum.

Já na Américad Norte, autores como Ralph W. Emerson, Parker, Whitman,

Channing, entre outros, foram os interpretes do movimento self-help. Tratava-se de

intelectuais que pretendiam pôr no centro das discussões sua crença de que o

homem podia fazer muito por si mesmo a partir do cultivo individual – o self-made

man – e de que a educação aperfeiçoa as instituições. O advento da modernidade e

da democracia acarretou essa idéia de self-made man, mas o sentimento de vazio

provocado por essa cisão de mundo – desvinculação do sujeito com o sentido de

coletividade –, por sua vez, implicou a necessidade premente de haver um self-help

man, cuja função seria a reconstrução das bases morais da personalidade.

O diferencial substancial entre os dois discursos, inglês e o americano, é a

introdução neste da noção do componente espiritualidade. Seria necessário, na

modernidade, construir a crença de que o indivíduo deve descobrir e fortalecer tanto

as faculdades espirituais como o seu potencial criativo, cujo resultado seria a

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formação da personalidade, o caráter harmonizável com as necessidades do

homem.

Entretanto, a literatura de auto-ajuda, nos dias de hoje, embora pretenda, de

um lado, dar aos indivíduos a possibilidade de meditar sobre sua realidade por meio

de um conjunto de informações sobre modos e direções a serem seguidos e, de

outro, mediar a relação entre o homem e a sua necessidade de construção do eu,

passa a ser um produto mercadológico, o que afasta este sujeito dos objetivos

primeiros: o gerenciamento de recursos interiores e do enfrentamento dos problemas

modernos, que desintegrou as representações coletivas e os simbolismos comuns

que uniam os propósitos pessoais aos propósitos comunitários.

Esse essa visão mercadológica torna-se o centro do projeto, ligando-se a

empresas de engenharia de alma, que seguem os preceitos modernos do mercado

cultural, por meio dos quais a idéia do desenvolvimento da personalidade e a da

procura da auto-realização associa-se, necessariamente, aos clichês disseminados

por meio de técnicas das “práticas de si”, diminuindo, em muito, seus conceitos e,

por isso, transformando-os em simples fórmulas de propaganda.

Estabeleceu-se, assim, um esquema de planejamento mercadológico da

produção em série, o que, conseqüentemente, contribui para, de um lado, extirpar do

sujeito, como salienta Rüdige (1996), a autonomia anterior e, por outro, para a

transformação do gênero em fenômeno de massa transnacional.

Tal concepção, que passa pela psicologia e pela sociologia, é importante para

o trabalho porque situa a literatura no seguinte contexto: é uma literatura que possui

uma dimensão psicologizante que pretende que o sujeito venha a ser aquele que

resolva seus problemas; ao mesmo tempo, é uma prática discursiva que pretende

ser a própria solução para os problemas da contemporaneidade. Estes aspectos

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impõem, em algum nível, um modus operandi (uma maneira de agir

discursivamente) que articule estas pretensas metas, aparentemente contraditórias:

manipular o sujeito a resolver os seus próprios problemas e ser o livro a própria

solução dos problemas.

Por se tratar de um discurso que pretende mudar atitudes e até mesmo formá-

las, pressupõe-se que o seu enunciador deva ter algumas características que

possibilitem uma interação eficiente com o seu destinatário. Isso significa que o

sujeito discursivizado em autor deverá construir a imagem de quem, no mínimo, é

equilibrado e resolvido, sabe lidar com as intempéries da vida, o que lhe garante

credibilidade e legitimidade.

1.7.2 O CONTEXTO DE PRODUÇÃO DOS LIVROS E O INÍCIO DA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO ENUNCIADOR

Toda a ação comunicativa visa a um fim determinado: a manipulação.

Colocando-se a questão de outra forma, busca-se por esta ação influenciar o

enunciatário aderir a uma crença e a fazer algo. Na relação entre os actantes da

enunciação, em que um contrato será a base do relacionamento, o sujeito da

persuasão buscará criar identidade com o enunciatário. Tal processo pressupõe que

as imagens construídas ajam como modelos a serem incorporados pelo sujeito da

interpretação de tal forma que a adesão às imagens estereotipadas significará (como

efeito construído) a plena inserção e participação do enunciatário na comunidade

imaginária em que circulam valores socialmente especificados.

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Maingueneau (2004:99) denomina este processo de incorporação em que o

sujeito da interpretação passa a ter em seu próprio corpo a qualidade do ethos

(corpo) do enunciador. Assim, parece que o enunciatário, como um sujeito da

interpretação, toma, para si, certos valores, apropriando-se do “modo de ser do

enunciador” (ethos). Essa incorporação, no caso da biografia dos autores, pode se

dar pela “vontade” de estar no lugar do outro.

A partir de informações sobre os autores, contidas nos livros analisados

(biografia, comentários do editor), observa-se que o modo de apresentação já é o

estabelecimento de um jogo persuasivo que visa fazer com que o sujeito da

interpretação reconheça na imagem construída (ou que se pretende construir) por

meio da biografia e do comentário do editor, um sujeito competente, realizado, que

pertence a um grupo seleto de pessoas de sucesso.

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Imagem 1

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Imagem 2

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Imagem 4

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Todos os enunciadores-autores são homens que simulam serem vencedores,

auto-suficientes, felizes, empreendedores, sábios, mas sensíveis aos problemas dos

outros, pois têm “ações sociais”, como denotam as imagens simbólicas da capa.

Apresentam-se como sujeitos voltados para o trabalho, e ecléticos, pois querem que

se acredite que transitam em várias áreas do conhecimento e, por extensão, têm,

desenvolvidas, várias habilidades. Outro simulacro é o de serem homens que

possuem ao mesmo tempo qualidades racionais e espiritualistas.

Produz-se, assim, uma imagem euforizada que se apóia em valores sociais e

éticos, construídos no senso comum: responsáveis, guiados por valores humanos e

pelo senso de dever ajudar, pois querem o bem do outro. Assim delineados tais

simulacros buscam inspirar confiança, simpatia, generosidade, altruísmo. Com isso

se pretende que o enunciatário sinta-se parte, no caso do discurso de auto-ajuda, de

um grupo socialmente aceito devido à sua ascensão (ou vontade de ascender) a

uma posição social de prestígio (homens de sucesso): por meio dessa identificação,

eles experimentarem o sentimento de formar corpo como outros enunciatários, ou

seja, pessoas que individualmente conseguem curar-se, atingir um objetivo. A

assunção deste discurso implica gozar, como os outros, a plena felicidade e

sucesso.

Desse modo, para exercer um poder de captação, o enunciador constrói sua

imagem segundo a conjuntura ideológica, com base no individualismo, e se projete

no discurso como um estereótipo motivador da identificação; discurso este que é

validado pelo discurso do editor, que serve como caução daquilo que se faz parecer.

O resultado disso é que o enunciatário passa a ter o ethos como referencial que

projeta verdades, as quais apóiam-se nas representações sócio-culturais partilhadas

pelos sujeitos.

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Como se pode observar no histórico realizado, a literatura de auto-ajuda

passou por mudanças motivadas pelos novos interesses sociais, culturais, políticos e

econômicos. De guardiã e veículo da tradição, passou a ser uma espécie de fórmula

para atingir o sucesso em todas as áreas da vida. Há, acredita-se, um modo de dizer

que particulariza este discurso e o diferencia de outros. Já na biografia e no discurso

do editor sobre o autor, vê-se a construção de uma imagem estereotipada que busca

a identificação do enunciador para, neste estágio, adquirir o livro.

O livro é uma fórmula para resolver os problemas dos indivíduos. Assim, é

construído segundo princípios discursivos que levam em conta diversos fatores

contextuais e textuais a fim de conseguir eficácia comunicativa, como já ocorre na

apresentação biográfica. Desse modo, pergunta-se: que estratégias são utilizadas

neste gênero para persuadir o enunciatário que (supostamente) comprará o livro?

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CAPÍTULO 2

A CAPA DE LIVROS DE AUTO-AJUDA: SIMBÓLICA OU

SEMI-SIMBÓLICA?

2.1 Introdução

O capítulo visa verificar nas capas dos livros de auto-ajuda os procedimentos

utilizados para que se efetive a manipulação a fim de firmar um contrato fiduciário, a

partir de um efeito de sentido de veridicção. Conquanto as capas apresentem a

interação de duas linguagens (verbal e visual), não se processará efetivamente uma

análise sincrética, mas, nos limites do trabalho, tratar-se-á de verificar como os

elementos visuais estão estruturados, observando que sistema predomina: se o

simbólico ou o semi-simbólico. Verifica-se também qual o possível papel da cor na

persuasão.

A hipótese é a de que as capas de auto-ajuda, estrategicamente, são

compostas por símbolos, cujo intuito é o de promover a identidade entre enunciador

e enunciatário ao lhe apresentar elementos cristalizados que remetem a situações

sociais e históricas de sua problemática, mas sempre do ponto de vista de quem irá

superá-la. Dessa forma, no plano da expressão, o sujeito da enunciação utiliza-se de

cores prenhe de simbolismo, as quais remeteriam à problemática sustentada pelo

tema.

Nessa exploração, recorre-se ao conceito de semi-simbolismo e símbolo, bem

como às teorias da cor.

2.2 SIGNO, SÍMBOLO E SEMI-SÍMBOLO

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Discutir a diferenciação entre símbolo e semi-símbolo é retornar à discussão

sobre o caráter arbitrário do signo. Saussure (1973), quando do estabelecimento da

teoria geral da Lingüística, preocupou-se em distinguir símbolo de signo, O laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo lingüístico é arbitrário8. [...] queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade. (p. 81)

Para o pai da Lingüística moderna, portanto, o signo comporta dois

constituintes básicos, cuja relação se dá por um processo de arbitrariedade, na

medida em que não há entre eles nenhum tipo de motivação, no sentido de que um

significado evoque naturalmente uma forma, nem que o significante faça o mesmo

em relação ao conteúdo: o elo que os une origina-se de uma convenção social

imposta aos usuários da linguagem. Esta relação intrassígnica, apesar de se dar, no

caso do signo, sem que haja ligação essencial nem natural entre o significante e o

significado, não resulta de uma ação individual e particular sobre o sistema, longe

disso, essa relação é determinada por uma instituição social.

Contudo a ligação intrassígnica pode assumir outra qualidade, quando é

compreendida a partir do estreito laço entre o significante e o significado. Nessa

relação, existe, em alguma medida, um vínculo natural construído entre a parte

material e concreta do signo e a sua parte abstrata, cujo resultado é geração de um

símbolo. Diferentemente do signo, neste caso, é revelada uma espécie de

comunhão entre os constituintes básicos porque

8 Grifo do autor.

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[...] o símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o significado (ibid., 82).

Há, nesse estreitamento, portanto, uma motivação, de maneira que se possa

dizer que conteúdo e forma amalgamam-se e se tornam unos, por uma relação de

contigüidade.

Na visão de Hjelmslev (1975), os símbolos, embora sejam passíveis de

receberem um sentido de conteúdo, e por isso, sejam interpretáveis, são

monoplanares, apresentam apenas um plano, visto que a introdução de uma forma

(expressiva) no conteúdo implica, necessariamente, a identidade natural entre

ambos de modo que assumem, expressão e conteúdo, unicidade; esses planos do

símbolo conformam-se um ao outro de tal forma que passa a ser impossível analisá-

los separadamente, perde-se o caráter diferencial.

Não há, no caso do símbolo, a discriminação entre o que é conteúdo e o que

é expressão, caso houvesse, sua essência seria rompida: contextualmente, a cruz é

o cristianismo, nenhum outro objeto poderia sê-lo; fato semelhante ocorre com a

foice e o martelo (comunismo) e com a dança em círculos das abelhas, que são,

inseparáveis de seu sentido de distância de algum alimento e da direção deste. Isto

significa, nas palavras do estudioso dinamarquês, que

[...] Parece existir um parentesco essencial entre as peças interpretáveis de um jogo e os símbolos isomorfos, pois nenhum deles admite a análise ulterior em figuras, que é característica dos signos [...] (ibid. p. 117).

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Segundo Greimas (1979), devido a essa condição de ser um objeto

indecomponível em figuras – fator básico para a configuração de um sistema –, o

símbolo deve ser considerado uma grandeza que, por suas limitações internas,

permite ao analista apenas uma única interpretação em determinado contexto sócio-

cultural. Partindo do princípio saussuriano de arbitrariedade do signo, compreende-

se que o símbolo, por sua natureza motivada, é um não-signo e, portanto, um objeto

não semiótico.

Por outro lado, o signo pode vir a ter seus constituintes manipulados a fim de

produzirem uma “certa motivação” entre eles. Há signos em que se observam que o

conteúdo está relacionado à expressão de um modo especial, não porque houve

algum tipo de vinculo natural que os aproximasse, mas porque, por uma construção

raciona

l, a expressão está correlacionada a um conteúdo sem se tornar um símbolo

nos moldes já discutidos acima.

É o caso do sistema de semi-símbolos, que, diferentemente do sistema de

símbolo, é construído quando se passa a correlacionar, arbitrariamente, significante

e significado a fim de produzir significação. Este sistema, portanto, explica Greimas

(1975:12), surge desse jogo em que as articulações do significante e do significado

estão unidas clara e distintamente para a criação da “ilusão referencial”, assumidas

como verdadeira, “cuja sacralidade fica assim fundamentada em sua materialidade”

(ibid.), O que significa que

[...] a motivação poética (portanto, semi-símbolo), (é) suceptível de ser definida como a realização das estruturas paralelas e comparáveis que estabelecem correlações significativas entre os dois planos da linguagem fornecendo, com isso, um estatuto específico aos signos-discursos assim manifestados. (ibid. p. 29),

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Quando ocorre essa conversão de estruturas virtuais em estruturas atuais, de

acordo com Edward Lopes (1993), é o momento em que categorias do plano da

expressão e as do plano do conteúdo homologam-se, gerando semi-símbolos. A

construção do semi-símbolo se dá pelo incessante processo de re-configuração das

relações sígnicas internas e arbitrárias, em que categorias vão sendo

correlacionadas uma a uma. Ocorre, nesse processo, o estabelecimento de relação

semi-motivada entre significante e significado, o que não quer dizer que o signo seja

puramente símbolo, visto que o caráter arbitrário ainda preside o liame entre os

planos.

O resultado desse processo de abertura (construção semi-simbólica) é a

ruptura com conteúdos cristalizados, arraigados na cotidianidade e a instauração de

uma nova consciência do objeto, implicando a aquisição de um novo saber e o

redimensionamento do mundo, por meio de diversos procedimentos discursivo-

textuais, ao contrário do que ocorre na figurativização semântica, que visa à

produção do reconhecimento do mundo, produzindo um discurso que quer criar o

efeito de sentido “ser o real” (altamente referencializado), fechado e centrado no “já

dito”.

Assim, o semi-símbolo se presta à análise semiótica, enquanto o símbolo não.

No entanto, como no símbolo são encontradas práticas sociais cristalizadas,

assumidas pela sociedade, é importante que se encare sua aparição em

determinados discursos.

De acordo como Barthes (2003), deve-se atribuir ao símbolo importância

fundamental para o estudo dos discursos, de tal sorte que se deva concebê-lo em

sua dimensão profunda, já que é constituído pela superposição do significado e do

significante, em que

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[...] Existe a consciência de uma espécie de relação vertical entre a cruz e o cristianismo: o cristianismo está sob a cruz, como massa profunda de crenças, de valores, e de práticas mais ou menos disciplinadas ao nível de sua forma. A verticalidade da relação traz duas conseqüências: por um lado, a relação vertical tende a parecer solitária: o símbolo parece manter-se de pé no mundo, e mesmo quando se afirma que ele abunda, é sob a forma de uma “floresta” , isto é, de uma justaposição anárquica de relações analógicas: a forma se parece (mais ou menos, mas sempre um pouco) [...] com o conteúdo, como se ela fosse em suma produzida por ele, de modo que a consciência simbólica recobre talvez um determinismo mal liquidado: existe pois o privilegio maciço da semelhança (mesmo quando se sublinha o caráter inadequado do signo). [...] o símbolo dispõe de um prestígio mítico, o da “riqueza”: o símbolo é rico, eis por que , dizem, não se pode reduzi-lo a um ‘simples signo’ (pode-se hoje duvidar da ‘simplicidade’ do signo): a forma é nele incessantemente transbordada pelo poder e o movimento do conteúdo; é que de fato, para a consciência simbólica, o símbolo é muito menos uma forma (codificada) de comunicação do que um instrumento (afetivo) de participação. [...] (ibid. p. 44).

Desta visão, cumpre reter, de um lado, que a todo símbolo subjaz uma

“massa de crenças, de valores e de práticas” conformadas à forma; de outro, que ele

tem a função de ser um instrumento afetivo de participação; instrumento que deve

ser visto como uma estratégia importante na operação de persuasão, pois, a partir

do símbolo, mobilizam-se valores, crenças. E, de modo geral,

Os atos simbólicos desempenharão um papel muito diferente e terão um significado muito diferente daqueles que não o são: eles reagem de uma maneira mais violenta sobre os seres que lhes são solidários, que são responsáveis por eles. As técnicas de ruptura ou de refreamento entre ato e pessoa não poderão ser utilizadas quando o ato é considerado simbólico, porque tais técnicas implicam certa racionalidade. (PERELMAN & OLBRECHTS - TYTECA, 2002:379)

O papel persuasivo do símbolo é importante na medida em que ele, na

argumentação, possibilita ao enunciador criar vínculos efetivos com o enunciatário,

porque não cria o efeito de sentido afastamento total do real e de seu

redimensionamento; conseqüentemente, não afeta a percepção do sujeito da

interpretação, abrindo-lhe significâncias; mas, ao contrário, porque fecha sentidos,

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delimita a percepção. Persusivamente, “o aspecto simbólico de um ato será tanto

mais facilmente aceito quanto menos plausível for outra interpretação” (ibid. p. 380).

Nesse sentido, recorrer ao símbolo é ter em mãos uma estratégia que

aumenta o poder persuasivo. Esse poder advém de sua propriedade de ser mais

concreto, mais manipulável que o simbolizado, o que lhe confere a capacidade de

fazer vir à tona e de imediato o sentido, dando-lhe presença. Essa presença tem a

finalidade de fazer o sujeito da interpretação reconhecer os laços que o une ao

enunciador e à temática que este aborda.

Na comunicação da capa dos livros9, o que se pode perceber é que ela se

apresenta como portadora de uma intencionalidade, e as informações se

apresentam de maneira clara e enfática, por meio das cores, do tipo e tamanho de

letra e nos títulos e subtítulos. As qualidades do livro (de seu conteúdo) são

apresentadas, persuasivamente, com toda transparência, cujas intenções estão

amplamente declaradas.

Não há ocultação de algo, para criar um discurso opaco, mas, ao contrário, os

elementos que a compõem tornam-na um discurso cristalino. Em todo o caso, ao

proceder à análise das imagens, vê-se que se podem realizar determinadas relações

categoriais entre os planos. Isso se dá porque, via de regra, o texto visual tende a

ser biplanar. Mas, essa relação parece tender para um certo fechamento que, no

dizer de Lopes (1993), passará a veicular sentidos únicos, fechados.

A capa do livro 1 apresenta um plano de fundo, constituído por imagens

icônicas, e o primeiro plano, constituído basicamente por caracteres tipográficos

(letras).

9 Os livros serão tratados por Livro 1, referindo-se ao livro O poder da mente; livro 2, referindo-se ao livro Lições para vencer; livro 3, referindo-se ao livro Você pode conseguir o que quiser.

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Imagem 4

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Ao plano de fundo, encontram-se pontos brancos concentrados e difusos, de

tamanho e de forma irregulares, a constituir círculos concêntricos dispostos de modo

que os maiores englobem os menores a partir de um centro branco (núcleo), único e

denso. Quando mais próximos do centro, encontram-se mais concentrados, mais

densos e com formas pouco definidas, tendendo ao disforme; quando mais

afastados do centro, os pontos tornam-se mais dispersos e esparsos, mas com a

forma bem definida.

Estes pontos brancos se superpõem e se confundem com sua base azul-

arroxeada. O efeito dessa disposição é a criação do simulacro de um movimento de

expansão constante, que parece irradiar-se, harmonicamente, pois tudo parece girar

no mesmo sentido e no mesmo instante.

Sobrepondo-se a este fundo e a este se contrastando, há uma faixa

retangular na cor vermelho-claro, com bordas brancas. Nela, escritas em cor branca,

constam informações como: a qualidade do livro (BEST SELLER DO BRASIL), o

número de exemplares vendidos bem destacado pelo tamanho da letra (770.000) e,

em cor preta, o número de edições publicadas (331ª), disposto transversalmente no

canto superior esquerdo do retângulo. Esta cinta, pela sua localização e forma,

divide o texto-capa em duas partes desiguais: uma alta, de maior extensão e outra

baixa, de menor extensão.

Na parte de cima, próximo ao núcleo, encontra-se, na extremidade (posição

marginal superior), o nome do autor, destacado por letras amarelas grandes

desenhadas, sobressaindo ao fundo. Um pouco mais abaixo, também sobressaindo

ao fundo e tomando quase toda a extensão da parte alta, encontra-se, inclinado em

direção aparentemente para cima, o título do livro, destacado por letras grandes

vermelhas e cheias, com bordas amarelas. Observa-se que a inclinação e a

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presença do amarelo nas bordas criam identidade entre o título da obra e o nome do

autor, visto que os olhos do enunciador-espectador são obrigados, pela configuração

estratégica destes elementos, a relacioná-los de modo indistinto: Lauro Trevisan = O

Poder Infinito de sua Mente.

Na parte de baixo, onde a cor de fundo azul-arroxeado assume tonalidade

mais escura e os pontos brancos estão mais dispersos e em menor quantidade,

encontra-se um enunciado escrito de forma mais discreta em relação às outras,

porque as letras, escritas na cor amarela, encontram-se em caixa-baixa e o seu

tamanho é menor que as letras dos enunciados acima deste.

A cor amarela parece estabelecer o elo entre o enunciatário (leitor) e o

enunciador (autor) e parece indicar a “possibilidade de mudança topológica” que

equivaleria sair do espaço reduzido (disforizado) para o espaço ampliado

(euforizado), mediante a compra do livro representada pela faixa, que, de certo

modo, ao mesmo tempo em que demarca os pólos opostos, faz também a

intermediação entre eles. Esse valor de mudança encontra eco no enunciado de

promessa veiculada ao enunciatário, que está marcado pelo pronome de segunda

pessoa VOCÊ.

A capa apresenta, portanto, a oposição construída topologicamente, a qual é

reforçada por uma oposição tipográfica, se assim pode-se dizer. O contraste

estabelecido advém da presença da cinta que estabelece duas posições topológicas:

alto versus baixo. Quanto à parte alta, apresentam-se nela elementos que remetem

à valorização positiva deste espaço: é o lugar de maior extensão, presença do nome

do autor no topo da capa, presença do nome da obra; é onde se encontra, como

pano de fundo, a imagem do “núcleo irradiador” e todas as letras dos enunciados

nesse espaço encontram-se em caixa-alta.

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Embaixo, apresentam-se os elementos tipográficos e imagens figurativas (as

nuvens esparsas) que remetem à valorização negativa do espaço: dimensão

espacial reduzida; fora do eixo central, pequena quantidade de imagens (alguns

poucos astros), pouca claridade, as palavras estão escritas em caixa-baixa e em

letra de tamanho reduzido.

Essa conformação implica a oposição semântica: abundância (excesso)

versus escassez (falta), oposição a qual, neste contexto de livro de auto-ajuda,

remete às categorias fundamentais euforia versus disforia. Assim, pretendendo

uma análise semi-simbólica, a categoria espacial alto versus baixo e a categoria

tipográfica caixa alta versus caixa-baixa parecem equivaler, no plano do conteúdo,

respectivamente, às categorias euforia (abundância) versus disforia (escassez).

Essa homologação parece ser validada pela localização destes elementos,

pois, como explica Greimas (apud. AGUILAR,s/d), advindas de uma convenção

cultural ou de natureza universal, pode-se, sem preocupação, homologar alto como

sendo eufórico e baixo como sendo disfórico.

Além das oposições apresentadas, pode-se afirmar que, tipograficamente,

dois discursos estão em diálogo nesta capa: o discurso do enunciador-autor e o

discurso do editor. O tipo de letra do enunciado presente na cinta (faixa vermelho-

rosado) é diferente dos outros, porque ele sugere mais formalidade. Suas bordas (as

do tipo de letra em questão) parecem realizar uma separação bem definida

instalando o discurso publicitário, o qual, por causa da tipografia e das cores

presentes nele (branco, preto e vermelho rosado), constitui-se como um discurso

mais objetivo em contraposição a um discurso mais subjetivo presentes no título

(letras grandes, desenhadas), no nome do autor (desenhada) e no enunciado (letras

menores, presença da segunda pessoa, informações de dados numéricos).

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Assim, em síntese, a capa deste livro se presta a uma análise semi-simbólica.

No entanto, essa configuração significante – círculos concêntricos, formados por

pontos claros, profusos e irregulares –, remete à imagem icônica, facilmente

reconhecível, espaço sideral: reconhecem-se figuras referentes a astros, galáxia,

nuvens e céu. Cada um destes elementos age, neste contexto, como signos que

evocam significados sedimentados culturalmente na sociedade.

O conjunto dos elementos não produz um signo, mas um símbolo. Levando

em conta a relação do plano da expressão e do conteúdo, como já se disse mais

acima, as formas descritas são a reprodução bastante aproximada (mimeses) do

espaço sideral (do universo), em que se reconhecem astros, céus e nuvens.

As figuras que compõem o espaço sideral (figura de fundo) agem, neste

contexto como signos que evocam significados sedimentados culturalmente na

sociedade; fazem com que o enunciatário associe o universo à idéia de origem

(caos), de organização (cosmo), de infinito e de mistério, não por uma relação

arbitrária, mas motivada.

Essas imagens remetem, por associação (portanto, quase que

automaticamente), a conteúdos “já dados”. As esferas (círculos concêntricos), no

conjunto, representam a expansão ilimitada de uma força a partir de um centro e

simbolizam o céu com seu movimento permanentemente circular, ao mesmo tempo

em que projetam outros significados relacionados a céu, ele próprio um símbolo, o

qual, segundo Chevalier e Gheerbrant (2002), exprime quase que universalmente a

crença em um ser divino celeste, criador do universo e responsável pela

fecundidade; representa também a manifestação direta do poder, pois, no senso

comum, o simples fato de ser elevado, de encontrar-se em cima ou acima (de),

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equivale, necessariamente, a ser poderoso, ter sucesso (não se fala de um sujeito

de sucesso indicando-o abaixo de quem fala, mas olhando para cima).

Os astros também remetem a significados simbólicos. Em geral, participam

das qualidades de transcendência e de luz que caracterizam o céu, fixando o sentido

de regularidade inflexível, comandada por uma razão natural e misteriosa ao mesmo

tempo. Estes significados, apesar de apontarem para uma dimensão mais

inconsciente, não deixam de carregar neles significados do senso comum. As

pessoas olham o céu como algo superior, misterioso, constituído por uma força

capaz de resolver problemas ou de ocasioná-los (o religioso olha para cima, e,

ajoelhado, para evocar a força de seu deus; o crente fervoroso fá-lo o mesmo ao

agradecer uma dádiva alcançada ou para pedir ajuda). O alto sempre remete ao

significado da ascensão (subir na vida/ ascender na carreira/ Para o alto e avante/

olhar para frente e para cima sempre...).

De modo geral, o enunciatário, ao entrar em contato com estes elementos

visuais que compõem o texto-capa, faz a associação com os significados previsíveis:

poder, infinito, mistério. Significante e significado identificam-se e tornam-se

inseparáveis, e o signo já não pode ser re-fundado, perdeu sua arbitrariedade. O

objeto construído, na mensagem, não é afastado do real, para que se produza o

efeito de desreferencialização; não se estabelece uma ruptura entre o objeto e o seu

referente, mas simplesmente o reforço e a cristalização dos sentidos, o que leva o

enunciatário ao reconhecimento do objeto, sem operar reflexão.

Os significados suscitados pelas imagens de fundo são reforçados pelo

próprio título que as sobrepõe. A relação estabelecida entre os signos verbais e os

signos visuais é de contigüidade, pois o título fecha o sentido das figuras e elas

reforçam o significado do título. Há uma homogeneidade que faz com que as

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qualidades do espaço sideral (significados como poder, mistério) tornem-se

qualidades da mente. Assim, a ilustração do universo pretende ser uma metáfora

(figurativização) do funcionamento da mente: o poder da mente equivale ao poder do

universo.

O enunciador coloca-se, com a utilização de tais recursos, na posição de ser

o sujeito que detém o saber do mistério, como sugerem título e subtítulo. No entanto,

não se trata de uma metáfora criativa nem criadora, mas de uma catacrese, uma vez

que essa relação estabelecida analogicamente é usual e corrente. Há, portanto, um

significado fechado, de modo que as figuras presentes na capa não se abrem para

outras possibilidades de significação, separadamente ou em conjunto, a não ser às

que se quer fixar no contexto.

No livro 2, João Dória Júnior, como a capa anterior, observam-se

determinadas homologações, mas que não chega a caracterizar a ilustração como

uma construção de um novo ponto de vista. Nela também se encontram um primeiro

plano e um plano de fundo, o qual está dividido em duas partes, tomando-se como

base a presença de um espaço escuro que corta a capa transversalmente em uma

linha sinuosa. Com isso, obtêm-se, igualmente, as duas categorias: alto e baixo.

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Imagem 5- livro 2

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Na parte alta, encontram-se formas brancas, irregulares, que parecem estar

movimentando-se de formar a constituir um espaço central circular de fundo azul.

Estas formas são reconhecidas como “nuvens brancas sobre o céu azul”. As nuvens

que se encontram adensadas e em maior quantidade são as que estão próximas da

linha divisória da capa; nessa parte, a tonalidade é mais escura. O adensamento e a

tonalidade escura causam o efeito de pesado. Já, as nuvens que se encontram

menos adensadas, mais esparsas são as que se encontram próximas à extremidade

superior da capa; estas são mais claras. A condição de estarem mais esparsas,

menos adensadas e mais claras cria o efeito de leveza e simula o movimento de

abertura do céu.

Na parte de baixo, encontram-se pedras arredondadas de diferentes

tamanhos, justapostas umas às outras de modo que, quanto mais próximo da

margem inferior da capa, maiores e mais arredondadas elas são; quanto mais

próximas do céu, menores e menos esféricas se tornam.

Com essa disposição das pedras, associada ao modo como a luz incide sobre

elas – maior incidência de luz ocorre no centro do conjunto de pedras e a menor

incidência nas periferias (sombra) –, cria-se o simulacro de subida. Esse efeito

advém do formato triangular da imagem, formato conseguido com a ausência de luz

nas extremidades e com a progressiva diminuição do tamanho das pedras bem

como da perda de seu formato arredondado, à medida que se aproxima da parte

média da capa em direção ao alto (céu). Essa configuração remete ao efeito de

sentido caminho penoso a ser enfrentado, uma vez que o signo pedra evoca, no

contexto, significados tais como os de dureza e obstáculo.

Esse plano de fundo dialoga com o plano que lhe sobrepõe. Na extremidade

superior do primeiro plano, encontra-se o nome do autor escrito em amarelo-ouro,

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bem próximo ao espaço arredondado, no qual as nuvens estão menos adensadas

como a simular um céu limpo aberto. O nome do autor escrito em amarelo-ouro

ganha bastante destaque porque fica praticamente envolto das nuvens brancas

como se elas fossem sua auréola, conferindo-lhe brilho e prestígio.

Na extremidade oposta, encontra-se um pequeno retângulo preto,

centralizado e sobreposto às pedras maiores, parte que recebe bastante luz,

indicando, parece, o início da caminhada. Nele há o nome da editora, escrito em

letra cursiva branca e sublinhado por um traço também branco. Esse logotipo, no

qual palavras que parecem ser escritas à mão, cria o efeito de sentido de tratar-se

de uma empresa sensível às questões do homem, efetivando uma espécie de

relação com o nome da editora: Gente, capaz de indicar o caminho do sucesso.

Entre o nome do autor (marginal superior) e o nome da editora (marginal

inferior), verifica-se a existência, na posição central, de um quadrado, no interior do

qual há um triângulo amarelo ouro, com o cume voltado para cima em direção ao

nome do autor e ao espaço circular azul (o céu). Sobreposto ao triângulo, está o

título do livro, escrito com letras grandes em azul-celeste. Na base da figura

geométrica, está o subtítulo, escrito com letras menores em amarelo-esverdeado; A

posição em que este quadrado se encontra faz parecer que o triângulo integra a

“montanha de pedra”, simulando ser o pico (cume).

Pela descrição pode-se afirmar que há, como na capa do primeiro livro, uma

construção mínima semi-simbólica dos elementos que compõe a capa. Nela,

encontrou-se a categoria topológica: alto versus baixo: no alto, estão o nome do

autor, o céu e o movimento de dispersão de nuvens, que, no senso comum, remete

ao significado tempo bom, melhoria do tempo, são sentidos positivos, eufóricos; na

parte de baixo, estão terra, pedras, montanha, que remetem a significados como os

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de caminhada penosa, dureza, obstáculos. Assim, homologam-se: alto X baixo ::

euforia X disforia :: céu X terra (:: vitória X derrota).

Como na capa anterior, observa-se que determinadas figuras, as quais

remetem ao mundo, carregam uma carga semântica cristalizada, pois evocam

sentidos conhecidos, assim, ao enunciatário não é proposto um novo ponto de vista

dos objetos, mas apenas seu reconhecimento. A capa foi construída,

estrategicamente, por meio de símbolos: as pedras, o quadrado e o triângulo pelo

modo como estão organizados, fazem com que se associe a esse conjunto de

imagem a idéia de montanha, que, de acordo com Chevalier e Gheerbrant (2002),

devido à sua posição vertical, próxima do céu com o vértice apontando para este,

remete à simbologia da transcendência e ascensão, sentidos presentes também no

livro 1, mas por outro revestimento.

A montanha, por exemplo, é utilizada como símbolo da vitória, basta lembrar a

bandeira colocada no seu pico por um homem que “venceu os obstáculos”. O

triângulo com o seu vértice para cima, por representar uma montanha, simboliza,

também, a elevação em sentido ao céu, a indicar que este (e por extensão a

montanha) é o meio de entrar em relação com a Divindade, simbolizando o retorno

ao princípio, como afirma os estudiosos de símbolos. Entretanto, contraditoriamente,

levando em consideração a simbologia das figuras geométricas: triângulo e

quadrado, pode-se dizer que o vértice do triângulo encostado no quadro simboliza

também a possibilidade de romper o obstáculo, visto que o quadrado simboliza,

entre outras coisas, a estagnação, a solidificação; e o triângulo, a superação disso.

Essa relação opositiva também é encontrada entre céu e montanha, os quais

indicam, simbolicamente, a oposição dinâmico versus estagnação.

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Depreende-se, que o trajeto da vitória e da ruptura será cumprido com a

compra do livro, que é posto para o enunciatário como o instrumento de ajuda para a

superação dos obstáculos: é possível chegar ao espaço positivo por meio dele e

assumir, como o próprio autor, o lugar da vitória, representada pelo amarelo.

Os elementos figurativos que compõem a capa sinalizam, portanto, para uma

compreensão simbólica deles. São elementos que não sofrem transgressão, no

sentido de que a relação entre o significado e o significante seja uma construção

arbitrária. Ao contrário, todos os elementos remetem a relação termo a termo e, por

isso, a significados cristalizados, o que permite o seu reconhecimento. Dessa forma,

o enunciador ao organizar os elementos visuais não pretende, neste discurso, criar

sentidos novos, mas reafirmar os “já dados”, assim como ocorre na capa anterior.

Observa-se que, de um lado, no discurso da capa, sobressaem imagens

estereotipadas que se realcionam aos temas de sucesso, vitória, poder; de outro,

além de visarem ao reconhecimento, nos contextos em que aparecem, os símbolos

restringem a interpretação, já que as figuras utilizadas tendem a remeter a

significados místicos e religiosos: força transcendente, mistério etc. Isso pode indicar

que o livro tem um destinatário bastante definido, pois, como afirmam Perelman e

Olbrechts-Tyteca (2002), os símbolos só funcionam persuasivamente quando o

enunciatário partilha dos significados.

No livro 3, essa configuração não é diferente, mas encontram-se outras

características que fazem com que o seu discurso crie o efeito de sentido menos

místico e religioso. A capa apresenta duas disposições topológicas: na primeira, o

lado direito e o lado esquerdo; na segunda: alto e baixo. Também apresenta primeiro

plano e plano de fundo.

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Imagem 6

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No primeiro plano, registra-se uma divisão, realizada por uma espécie de tarja

colorida retangular, disposta longitudinalmente, cujas cores vão do rosa ao verde (no

sentido de cima para baixo). Nessa faixa, aparece, no espaço rosado, a imagem de

uma peça de xadrez: o cavalo. Paralela a essa imagem, no flanco esquerdo, está, na

parte superior, o nome do livro escrito também verticalmente e em negrito. O

tamanho da imagem do cavalo no flanco direito e o tamanho dessa seqüência de

palavras são proporcionais.

Tais elementos encontram-se na parte alta da capa juntamente com o nome

do autor que está mais acima, escrito em cor azul e situado bem próximo à borda

(superior). Já se pode dizer que, como nas capas anteriores, a parte superior

congrega elementos eufóricos: cavalo, o título e o nome do autor e que a disposição

entre os elementos cria, espacialmente, a identidade entre a figura do cavalo e a do

enunciador, tornando-o, de certo modo, sujeito que já está em “ascensão”,

legitimado, portanto, para doar um saber, assim como os enunciadores da outras

capas.

Do lado oposto e situado na parte baixa da capa, há outra imagem de peça

do xadrez, a torre, na mesma linha do nome da editora. Ela está inclinada, o que, em

relação ao cavalo, já marca um valor negativo, disfórico tanto por essa inclinação

como por se encontrar na parte baixa da capa, visto que quando um cavalo, no jogo

do xadrez, “assalta” uma torre, praticou-se uma jogada de mestre. Esta inclinação da

torre por extrapolar o retângulo, cria um efeito de sentido que sugere também

rupturas, mudança de estado.

Paralelamente à torre, na parte esquerda, apresenta-se outra seqüência de

palavras (o subtítulo), cuja disposição formal faz contraste com a do título, tanto pelo

tipo e tamanho como pelo tom fraco da cor preta que preenche as letras do subtítulo.

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O nome da editora e a o número da edição são encontrados na parte mediana da

capa, agindo como “ponte” (ligação) para o lado eufórico, parte superior em que se

encontra o sujeito realizado.

No plano de fundo, vê-se, com pouca nitidez, uma figura que remete à

imagem de um braço, o qual, por sinédoque, evoca a idéia de um homem. A imagem

simula que este homem faz uma jogada que parece ser certeira, segura e definitiva,

o que remete a idéia de vencedor, o que se confirma por sua posição topológica:

espaço superior. E entre a mão e as peças, no lado direito, está o nome da editora

criando o efeito de sentido de elo entre o homem e a riqueza, entre as estratégias e

seus resultados. O que reforça a idéia de que o livro é um instrumento que

possibilitará o enunciatário conseguir atingir suas metas.

Observa-se, ainda, que a sobreposição do subtítulo sobre o tabuleiro de

xadrez, em que estão algumas pedras, estabelece uma relação associativa entre

estes elementos, de modo que as pedras passam a figurativizar (como metáforas

visuais) as poderosas ferramentas, que auxiliarão o enunciatário a sair do pólo

disfórico rumo ao eufórico. A relação entre figura de fundo e primeiro plano, entre as

cores e entre os flancos, constrói o simulacro do autor como um sujeito realizado

plena e inequivocamente.

Assim, podem-se estabelecer as oposições: alto (cavalo, o nome do autor,

título) X baixo (torre inclinada, subtítulo); ereto (cavalo, título) X inclinado (torre,

subtítulo), letra grande X versus letra pequena, em que as categorias do plano de

expressão, alto, ereto, letra grande, podem ser homologadas às do plano do

conteúdo, vitória, sagacidade, habilidade, ascensão (euforia); as categorias: baixo,

inclinado, vazio e pequeno podem ser homologadas às categorias derrota,

inabilidade, estagnação (disforia).

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A capa projeta uma relação em que o enunciatário encontra-se, portanto, em

um espaço disfórico (torre inclinada, baixo) e o autor em um espaço eufórico (ereto,

vertical, alto), ao mesmo tempo, como nas outras capas, apresenta-se a promessa

de mudança de estado, desde que, neste caso, o enunciatário venha a aprender a

planejar sua vitória com habilidade, a partir da leitura do livro.

Mas não se pode novamente dizer que a comunicabilidade da capa reside na

força da semi-simbolização. Ao contrário, a força parece residir nos sentidos

evocados pelas figuras do cavalo, da torre, do xadrez, que são elementos que

funcionam como símbolos. No geral, o cavalo representa força, virilidade, assim

como a torre; o xadrez evoca, no senso comum, a idéia de racionalidade, cálculo,

meticulosidade. Quando se quer representar um homem que planeja com minúcia o

seu futuro, o jogo de xadrez é uma boa ilustração, enquanto o de dama já não o é.

Além disso, a própria jogada é um símbolo que simula o fato de a vitória ter

resultado de estratagemas, o que remete à essência do jogo de xadrez. Segundo o

dicionário de símbolos (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2002: 966), o jogo de xadrez

põe em ação essencialmente a inteligência e o rigor; simboliza o controle e o

autocontrole, a aceitação e o domínio da alternância.

Assim, apesar da semimotivação que se observou na capa, na verdade a

força da persuasão está no fazer o enunciatário depreender da configuração

imagético-verbal apenas uma interpretação, pois os signos se fecham em um

sentido. Além disso, o fato de o jogo de xadrez ter sido escolhido para figurativizar o

tema da (possibilidade de) vitória já produz a imagem de um enunciatário com um

certo conhecimento e com determinadas habilidades a serem desenvolvidas; assim,

os símbolos dirigem-se para alguém que os identificará com uma certa facilidade, o

que aumenta a força persuasiva.

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Dessa forma, portanto, as capas revelam um procedimento discursivo que

perpassa o texto de auto-ajuda: ele é construído por um processo de simbolização,

uma vez que, no símbolo, encontram-se depositados valores, crenças e práticas

harmonizados em uma forma a qual, em alguma medida, espelha esses conteúdos,

já que o plano da expressão e do conteúdo passa a ser homogêneo. Isso implica

afirmar que ele é empregado pelo enunciador como estratégia para a efetivação do

contrato; nesse sentido, o emprego de símbolos visa à persuasão, pois, eles podem

evocar, na consciência do enunciatário, os desejos, anseios, tornando o livro a

solução dos problemas e o preenchimento das necessidades, no caso de saber

vencer as dificuldades, ser feliz, ter sucesso etc. Estes símbolos não sofrem nenhum

tipo de reorganização a fim de construir novas significações. A semi-simbolização

que ocorre fica em segundo plano; na verdade, sua recorrência nos três livros (a

respeito da categoria tópica e sua homologação) indica que já há um processo de

fechamento de sentido, simbolização.

2.3 AS CORES NO DISCURSO DA CAPA

Ao analisar as capas do ponto de vista de sua constituição simbólica e semi-

simbólica, tendo em vista sua finalidade persuasiva, observou-se que as cores têm

papel importante neste processo de fazer com que o enunciatário venha a aderir ao

contrato proposto pelo enunciador. Elas são apelativas, pungem o olhar do

enunciador-espectador, quer por sua própria natureza, quer pela combinação

efetuada. Partindo do princípio de que

O mundo natural, do “senso comum”, na medida em que é logo de saída instruído pela percepção, constitui em si mesmo um universo significante, ou seja, uma semiótica. Ver não é apenas identificar

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objetos do mundo, é simultaneamente apreender relações entre tais objetos, para construir significações. As percepções fazem sentido na medida em que os objetos percebidos se inserem em cadeias inferenciais que os solidarizam, como se infere o fogo a partir da fumaça [...] (BERTRAND, 2003: 159)

busca-se entender como as cores, categorias do plano da expressão, estabelecem

relações significativas que acabam por colaborar no processo de manipulação.

Nos livros analisados, são as cores que primeiro tocam os sentidos, trazendo

a tona sensações partilhadas socialmente. Somente depois vêm as figuras,

reforçando, mutuamente, os sentidos construídos pelo universo significante das

cores.

De acordo como Donis A. Dondis:

Sempre que alguma coisa é projetada e feita, esboçada e pintada, desenhada, rabiscada, construída, esculpida ou gesticulada, a substância visual da obra é composta a partir de uma lista básica de elementos. Não se devem confundir os elementos visuais com os materiais ou o meio de expressão, a madeira ou a argila, a tinta ou o filme. Os elementos visuais constituem a substância básica daquilo que vemos, e seu número é reduzido: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a dimensão, a escala e o movimento. Por poucos que sejam, são a matéria-prima de toda informação visual em termos de opções e combinações seletivas. A estrutura da obra visual é a força que determina quais elementos visuais estão presentes, e com qual ênfase essa presença ocorre. (2000:51)

A cor, substância básica dos objetos visuais, deve ser analisada, no contexto

das capas de livros de auto-ajuda, do ponto de vista de sua força persuasiva, pois,

como se disse anteriormente, o contato é realizado primeiramente pela cor, apesar

de as figuras e as letras serem trabalhadas com esta mesma intenção fática.

Segundo vários estudos da comunicação visual, a força expressiva da cor é

dependente de suas coerções e regras a ela inerentes, de seu valor no conjunto de

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todas cores. A cor age sobre o enunciatário por sua realidade sensorial. Ao atingi-lo,

desperta sensações visuais criadoras de efeitos de sentido.

Tudo isso, além da escolha estar condicionada aos costumes sociais (o

vestido de noivas deve ser branco, pois representa pureza), vincula-se também à

intencionalidade do enunciador, ao seu querer atrair a atenção do sujeito da

interpretação, para que este seja manipulado no sentido de aderir à proposta. Por

isso, a construção de determinados efeitos de sentido para realizar seu intento leva

em conta que a junção de cores pode provocar efeitos de harmonia, de tensão,

sensação de movimento, de envolvimento, de compulsão, de repulsão, de expansão,

de agressividade, sensação de vazio, de distância, de profundidade, de proximidade.

Tal conhecimento dessas possibilidades significa entender que, por sua

capacidade de ação sobre a percepção do destinatário, as cores podem ser

empregadas a fim de persuadi-lo a aderir ao contrato por um ato deliberado de

utilizar as qualidades das categorias cromáticas.

As cores que compõem a capas são: vermelho, amarelo, azul, azul-

arroxeado, branco, preto, vermelho (puxado para o rosa), rosa, verde, marrom. Em

relação à sua categoria, elas, além das acromáticas (branco e preto), as cromáticas

se agrupam em matizes primários (amarelo, vermelho e azul) e em matizes

secundários (roxo, rosa, verde). Dos três livros, apenas o terceiro apresenta um

fundo (quase) acromático, pois, o tom que sobressai (há um certo vestígio de

amarelo, sobretudo próximo ao tabuleiro de xadrez) é o branco. Nos outros dois

livros, o fundo é cromático (azul-arroxeado, no livro 1, e azul, com partes

esbranquiçadas, acrescida do marrom, no livro dois).

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Comparando, podem-se dividir de um lado os livros 1 e 2, fundo cromático; de

outro, o livro 3 com fundo acromático. Em relação aos primeiros, observa que a cor

tende à saturação, portanto ao excesso e o terceiro, a contensão.

Dondis (2000) afirma que a saturação, que diz respeito à pureza da cor,

assume a qualidade de primitiva, sendo a preferida por artistas populares e pelas

crianças. De acordo com ele, a cor saturada não oferece complicação devido ao seu

caráter explícito e inequívoco. Tal saturação é composta pelos matizes primários e

secundários. Já as cores menos saturadas podem provocar neutralidade cromática e

ausência de cor, o que pode provocar o efeito de sutileza. Assim o emprego de uma

cor muito saturada provoca “as emoções”, a afetividade (proximidade); já o emprego

de uma cor pouca saturada provoca mais distanciamento.

Desse modo, pode-se dizer que a capa do livro 1 e a do livro 2 são mais

subjetivas, com carga maior de emoção, e a capa do livro 3, mais objetiva, com

menor carga de emoção, dado que é reforçado pelas figuras já analisadas. Enquanto

os dois primeiros livros figurativizam o universo, o céu, as nuvens, para criar uma

ambiência de mistério, de imponderável (remetendo o enunciatário a questões

místicas e de religiosidade), o terceiro utiliza-se de peças de um jogo considerado

totalmente racional e de pleno controle, como o subtítulo da obra indica: “Poderosas

ferramentas para você planejar e atingir as metas de sua vida”. Note-se que as

palavras-chave são planejar e meta, em contraponto aos subtítulos dos outros dois

livros (Agora você vai viver a vida de seus sonhos [...]; Do sonho a conquista), que

trazem a palavra sonho como palavra-chave, a qual, segundo os dicionários, evoca,

primeiro, os sentidos de fantasia, ilusão, devaneio e depois o de ideal, aspiração,

objetivo.

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Além desse aspecto de saturação da cor como um componente de

significação, as cores empregadas implicam um procedimento persuasivo. As cores:

amarelo, azul, azul-arroxeado, branco, preto, vermelho (tendendo para o rosa), rosa,

verde, marrom, como já se evidenciou, estão agrupadas em cores primárias,

secundárias e acromáticas. Essa presença evidencia um jogo entre cores quentes

(vermelho, amarelo, marrom, rosa) e frias (azul e verde), mas as primeiras

sobressaem às segundas.

O amarelo, segundo Donis (op. cit.), é uma cor muito próxima à luz e ao calor;

o vermelho incide mais sobre a percepção, por ser uma cor mais ativa e emocional;

o azul, ao contrário, é uma cor passiva e suave. As duas primeiras e suas variações

são cores expansivas (cores quentes) e a última, tende à contração, pertencendo à

categoria de cor fria. Por serem cores quentes, o vermelho e o amarelo e suas

variações tendem a aproximar o enunciatário do objeto, pois são facilmente

reconhecíveis e por sobressaírem às outras.

O azul, embora seja uma cor de retração e, conseqüentemente, não

estabeleça aproximação entre os actantes livro e leitor, pelo contraste, reforça a

expressividade das cores quentes que se encontram em primeiro plano nos dois

primeiros livros; entretanto, no terceiro, limita-se a indicar o nome do autor. De toda

forma, estas primárias, quente e frias, em geral, têm apelo popular – por isso,

segundo estudiosos da comunicação visual, são muito utilizadas para a promoção

de produtos. Assim, a sua utilização implica que seu enunciador almeja estabelecer

também o efeito de proximidade, juntamente com o recurso de saturação. Mas, note-

se que nas capas 1 e 2, devido à saturação e ao aglomerado de figuras, tornam-se

“capas mais emocionais”, de maior expressividade e, portanto, de maior apelo

popular.

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Desse modo, na oposição cores quentes versus cores frias, as que

predominam na interação entre os sujeitos da enunciação são as quentes, as quais,

por seu caráter primário tendem a produzir o efeito de subjetividade. Esse efeito

varia de um livro para outro, podendo-se dizer que os dois primeiros tendem mais à

subjetivação e o terceiro mais à objetivação.

Além dessas características que evidenciam uma preocupação persuasiva, há

a indicação de que as cores, no contexto dos livros de auto-ajuda, são escolhidas

também segundo sua simbologia. De acordo com Dondis (op. cit. p. 64-65), toda cor

é prenhe de informações perceptivas e sócio-culturais,

A cor está, de fato, impregnada de informação, e é uma das mais penetrantes experiências visuais que temos todos em comum. Constitui, portanto, uma fonte de valor inestimável para os comunicadores visuais. No meio ambiente compartilhamos os significados associativos da cor das árvores, da relva, do céu, da terra e de um número infinito de coisas nas quais vemos as cores como estímulos comuns a todos. E a tudo associamos um significado. Também conhecemos a cor em termos de uma vasta categoria de significados simbólicos. O vermelho, por exemplo, significa algo, mesmo quando não tem nenhuma ligação com o ambiente. O vermelho que associamos à raiva passou também para a "bandeira (ou capa) vermelha que se agita diante do touro". O vermelho pouco significa para o touro, que não tem sensibilidade para a cor e só é sensível ao movimento da bandeira ou capa. Vermelho significa perigo, amor, calor e vida, e talvez mais uma centena de coisas. Cada uma das cores também tem inúmeros significados associativos e simbólicos. Assim, a cor oferece um vocabulário enorme e de grande utilidade para o alfabetismo visual.

A percepção da cor “é o mais emocional dos elementos específicos do

processo visual”, sua expressividade permite que se intensifique ou não a

informação. Seu significado simbólico é universalmente compartilhado por meio de

experiências, por isso, apresenta um valor específico. As cores, geralmente, por um

processo de contigüidade, ligam-se, quase que naturalmente a um significado,

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dependendo do contexto comunicativo. Apresentam-se três quadros10 que indicam

alguns significados culturais. Tais estes significados culturais das cores evidenciam

que as selecionadas para o livro – vermelho e suas variações, amarelo, branco,

verde – evocam sempre qualidades eufóricas, excetuando-se o marrom, que traz

uma certa carga negativa, uma vez que está associada aos sentimentos de pesar e

de melancolia. Tal cor está presente no livro 2, em que figurativiza um caminho de

pedras, o qual, como já se viu antes, constitui o lugar discursivo disforizado em que

se encontra o enunciatário.

Em relação aos valores simbólicos, várias associações, culturalmente e

psicologicamente, podem ser realizadas com as cores. Segundo Danger (1973), a

associação do azul com a lei, por exemplo, data de tempos romanos, quando os

magistrados usavam mantos azuis; púrpura “real” é da mesma época. Muitas dessas

associações possuem uma base mais racional – azul com o mar e com o frescor,

verde com os campos, amarelos com o sol, e assim por diante. Há certas

associações, mais especificas: o vermelho é considerado universalmente como o

símbolo fundamental do princípio de vida, com sua força, seu poder e seu brilho; o

amarelo simboliza a eternidade, o poder; o azul relaciona-se com o vazio, vacuidade.

Quadro 1 - SENSAÇÕES CROMÁTICAS

SENSAÇÕES VISUAIS

OBJETO SIGNIFICADO

Branco Vestido de noiva

Pureza

Preto

Noite

Negativo

10 Os quadros foram retirados de http://aprenda.html.vilabol.uol.com.br/cores.htm.

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Cinza Manchas imprecisas

Tristeza, coisas amorfas

Vermelho

Sangue

Calor, dinâmismo, ação, excitação

Quadro 2 - SENSAÇÕES ACROMÁTICAS

BRANCO

• Associação material - batismo, casamento, cisne, lírio, primeira

comunhão, neve, nuvens, nuvens em tempo claro, areia clara. • Associação afetiva - ordem, simplicidade, limpeza, bem, pensamento,

juventude, otimismo, piedade, paz, pureza, inocência, dignidade, afirmação, modéstia, deleite, despertar.

PRETO

• Associação material - sujeira, sombra, enterro, noite, carvão, fumaça,

condolência, morto. • Associação afetiva - tédio, tristeza, decadência, velhice, desânimo,

seriedade, sabedoria, passado, finura pena.

CINZA

• Associação material - pó, chuva, ratos, neblina, máquinas, mar sob

tempestade. • Associação afetiva - mal, miséria, pessimismo, sordidez, tristeza,

frigidez, desgraça, dor, temor, negação, melancolia, opressão, angústia. É alegre combinados com certas cores.

Quadro 3 - SENSAÇÕES CROMÁTICAS

VERMELHO

• Associação material – rubi, cereja, guerra, luta, sinal de parada, perigo,

vida, sol, fogo, chama, sangue, combate, lábios, mulher, feridas, rochas vermelhas.

• Associação afetiva - dinamismo, força, baixeza, energia, revolta, movimento, barbarismo, coragem, furor, esplendor, intensidade, paixão, vulgaridade, poderio, vigor, glória, calor, violência, dureza, excitação, ira, interdição.

LARANJA

• Associação material - outono, laranja, fogo, pôr do sol, luz, chama, calor, festa, perigo.

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• Associação afetiva - força, luminosidade, dureza, euforia, energia, advertência, tentação.

AMARELO

• Associação material - flores grandes, terra argilosa, palha, luz, topázio,

verão, limão, chinês. • Associação afetiva - iluminação, conforto, alerta, gozo, ciúme, orgulho,

esperança.

VERDE

• Associação material - umidade, frescor, diafaneidade, primavera,

bosque, águas claras, folhagem, tapete de jogos, mar, verão, planície. • Associação afetiva - adolescência, bem-estar, paz, saúde, ideal,

abundância, tranquilidade, segurança, natureza, equilíbrio, esperança, serenidade, juventude, suavidade, crença.

AZUL

• Associação material - montanhas longínquas, frio, mar, céu, gelo. • Associação afetiva - espaço, viagem, verdade, sentido,

intelectualidade, paz, advertência, precaução, serenidade, infinito, meditação.

ROXO

• Associação material - noite, janela, igreja, aurora, sonho, mar profundo.• Associação afetiva - fantasia, mistério, profundidade, eletricidade,

dignidade, justiça, egoísmo, grandeza, misticismo, espiritualidade, delicadeza, calma.

MARROM

• Associação material - terra, águas lamacentas, outono, doença. • Associação afetiva - pesar, melancolia.

Chevalier e Gheerbrant (2002) afirmam que todo objeto pode ser revestido de

valor simbólico, e aqui, inclui-se o objeto cor, ressaltando-se que para os autores,

símbolo, por sua condição de afetividade e dinamismo, transcende o significado sem

abolir este, mas fica à mercê da interpretação, sendo da ordem da subjetividade.

É necessário reafirmar que aludir ao símbolo não é pretender uma análise

semiológica ou, mesmo, uma análise transcendental, a qual romperia os limites de

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um olhar semiótico. Mas como o princípio norteador do trabalho é o de que, no nível

discursivo, especificamente, na esfera comunicacional, em que se observa a relação

entre o enunciador e o enunciatário, são utilizadas estratégias a fim de fazer crer e

fazer aderir a uma tese enunciada, compreende-se a utilização de símbolos com

valor místico, mítico e até religioso como uma estratégia da enunciação que conhece

seu enunciatário e a ele ajusta os procedimentos persuasivos. A seguir apresentam-

se algumas simbologias, pretendendo mostrar, superficialmente, certas relações que

parecem ocorrer nas três capas.

Tendo como parâmetro o Dicionário de Símbolos, tem-se que o amarelo

representa a luz de ouro que se torna um caminho de comunicação, um mediador

entre os homens e os deuses. Está associado ao mistério da renovação e remete

sempre ao poder dos príncipes, dos reis e monarcas. Isso parece condizer muito

com o discurso dos livros 1 e 2 que se utilizam desta cor no título e subtítulo – mas

ela também está presente no livro 3, nas pedras de xadrez.

O vermelho é considerado como símbolo fundamental do princípio da vida,

devido à sua força, poder, brilho, incita à ação. É lugar da batalha, instinto de poder.

Sua presença é marcante no livro 1, especificamente, no título. O rosa simboliza

perfeição acabada, uma realização sem defeito, a taça da vida, a alma, o coração, o

amor. Tal cor está presente no livro 3, como fundo da figura cavalo e também no

livro 1, no qual há um vermelho-rosado.

O verde, segundo o dicionário, fica situado entre o azul e o amarelo, é uma

cor humana, tranqüilizadora, que simboliza a volta da esperança, e, por esconder um

segredo, remete a um conhecimento profundo, oculto das coisas e do destino; é a

imagem das profundezas. Ela está presente no livro 3, como fundo da figura torre

inclinada.

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O azul é uma cor profunda, é a mais imaterial das cores, provoca um clima de

irrealidade ou de super-realidade; ela separa os homens dos deuses. Ela está

presente nos três livros, mas sua presença é maior nos livros 1 e 2 (neste é azul-

arroxeado) , figurando como pano de fundo e representando o céu e o universo.

O branco é a cor do candidato (candidus: aquele que vai mudar de condição),

da revelação, da graça, da transfiguração e da manifestação de Deus; está

relacionada ao ouro. Ela está presente nos três livros. No livro 3, é pano de fundo.

Prepondera, portanto, a presença de conteúdos cristalizados,

referencializadores, que remetem a um discurso místico e religioso, pois se pretende

criar o efeito de mistério, de imponderável e, ao mesmo tempo, um discurso mais

racional, no sentido dado por Jung (1964), que vê o símbolo como o elemento que

funde contradições. Além disso, produz-se o reconhecimento das coisas, por meio

do qual o enunciatário se identifica, pois estão discursivizados simulacros de seus

problemas pessoais, profissionais etc.

2.4 CONCLUSÃO PARCIAL

Pelas analises, observou-se que a parte eufórica da capa sempre está

vinculada à categoria topológica alto e a disfórica, à categoria baixo. Não houve

subversão dessa ordem, o que indica padronização, e, portanto, um processo de

simbolização. Dito de outro modo, o sistema semi-simbólico não sobredetermina o

sistema simbólico, no sentido que Floch (1995: 101-192) dá, ao chegar à conclusão

de que, em alguns anúncios publicitários que lhe serviram de corpus de análise, os

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sistemas simbólicos são reorganizados e re-explorados de modo a constituírem

sistemas semi-simbólicos. O que não ocorreu na configuração das capas.

Dessa forma, todas as capas apresentaram imagens simbólicas, pois

remetem à interpretação única, reforçada sempre pelos enunciados verbais, aos

quais estavam, no contexto da capa, associados e identificados.

Com exceção do livro 3, as imagens dos outros dois vinculam o livro a

conteúdos místicos e religiosos (na verdade religiosidade, pois não se refere

especificamente a um deus de determinada religião). Em relação a esses tipos de

conteúdos, notou-se que os elementos visuais (cores, formas) de alguma forma

remetem a conteúdos simbólicos registrados no Dicionário de Símbolos, o que

denota a preocupação do enunciador em trabalhar com determinados elementos, ao

quais dizem respeito a um tipo de enunciatário específico.

Assim, não é sem intenção a utilização de figuras que remetem sempre ao

discurso místico e religioso (esoterismo), trata-se de uma estratégia que pretende

alçar o enunciatário por sua identificação com estes elementos simbólicos que

tendem a criar uma aura de mistério. Tal presença deve ser vista como estratégia de

construção de vínculos identitários entre o enunciador e o enunciatário, pois uma

das temáticas deste tipo de discurso é a ascensão tanto material quanto espiritual.

Finalmente, na capa, é estabelecida a promessa de transformação do sujeito, em

que se simula o provável e desejável deslocamento da posição inferior para a

posição superior, cujo instrumento (cognitivo) é o livro, que deverá ser comprado e

lido.

Tanto a capa quanto os paratextos dirigem a um enunciatário em vias de

comprar o livro; desse modo, as estratégias tratadas neste capítulo e no anterior

pretendem fazer o enunciatário-leitor efetivar a compra.

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Tomando como pressuposto que a compra foi realizada, pergunta-se: como a

persuasão se efetiva para garantir a leitura do livro e estabelecer a crença de que

este realmente é um instrumento de mudança de estado e que o enunciador traz

uma verdade inconteste?

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CAPÍTULO 3

AS ESTRATÉGIAS RETÓRICO-DISCURSIVAS NO

DISCURSO DE AUTO-AJUDA

Nós persuadimos pelo caráter, quando o discurso consegue tornar o orador digno de fé, porque as pessoas honestas nos inspiram maior e instantânea confiança sobre todas as questões em geral, e inteira confiança sobre estas que não comportam nenhuma certeza, e dão lugar à dúvida. Mas é preciso que essa confiança seja um efeito do discurso, não de uma idéia preconcebida sobre o caráter do orador.

Aristóteles11

3.1 Introdução Tendo em vista que a imagem do enunciador-autor, por meio da biografia, e

dos comentários do enunciador-editor (e da foto) já convocam o enunciatário-leitor a

uma identificação, incorporando em si o corpo que se constrói discursivamente, a fim

de que se compre o livro e, evidenciando-se, no capítulo anterior, o fato de as capas

apontarem para uma intenção de utilizar o símbolo como uma estratégia, ao

construir um discurso altamente previsível e controlado, este capítulo verifica o modo

como o enunciador se coloca diante do enunciatário que, possivelmente, tenha

adquirido o livro.

Entre as estratégias retórico-argumentativas e discursivas utilizadas, as

análises apontaram a necessidade do aprofundamento de duas, as quais, julga-se,

podem caracterizar a relação estabelecida neste gênero. Ao mesmo tempo, por

11 In: MARI, H. Análise do discurso: Fundamentos e práticas, M.G: Fale/UFMG, 2001.p.210.

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serem estratégias que aparecem em todos os livros analisados, tornam-se um

indicativo de que seu emprego seja uma marca deste gênero discursivo.

3.2 CONTRATO: O PROJETO FIDUCIÁRIO – OBSERVAÇÕES GERAIS

O ato de comunicação pressupõe a ação do homem sobre o homem. Em uma

visão narratológica do discurso, esse agir consiste na manipulação de um sujeito

sobre o outro a fim de estabelecer a conjunção com um objeto investido de valor,

seja este modal ou descritivo. Os sujeitos – enunciador (autor) e enunciatário (leitor)

– estão pressupostos como instância de enunciação.

No ato comunicativo, enunciador e enunciatário são produtores do discurso,

visto que sua relação não se limita a passar informações, mas a estabelecer um jogo

persuasivo. Neste relacionamento discursivo, o enunciador é aquele que inicia o

processo de comunicação, direcionado pela função fazer crer, que busca o

estabelecimento de um contrato de veridicção (por isso é considerado o destinador

implícito da comunicação); age em numa espécie de consonância com a situação

discursiva, pois na produção de seus enunciados, seus conhecimentos a priori do

outro (enunciatário), saberes supostamente compartilhados, são previstos no seu

projeto de escrita.

O enunciatário é aquele que interpreta o fazer do enunciador e está

modalizado pelo crer, o que lhe imputa a condição e a necessidade de convocação

de modalidades necessárias para a aceitação (ou não) das propostas-contratuais

que recebe, pois atribuirá ao enunciado o estatuto de verdade ou não.

Greimas (1979) afirma que o contrato fiduciário põe em jogo um fazer

persuasivo da parte do destinador e, em contrapartida, a adesão do destinatário.

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Segundo ele, se o objeto do fazer persuasivo é a veridicção (o dizer-verdadeiro) do

enunciador, o contra-objeto, cuja obtenção é esperada, consiste em um crer

verdadeiro que o enunciatário atribui ao estatuto do discurso-enunciado; trata-se de

um contrato fiduciário e de veridicção.

Segundo Jacques Fontanille (2001: 256), nessa interação pelo contrato, deve-

se ter a compreensão de que um texto manifesta-se, estrutura-se e progride

conforme os "modos de existência" que, modalizam a presença dos sujeitos.

Pressupostamente, no discurso de auto-ajuda, parece que o enunciatário (e o

próprio enunciador) vai assumindo à medida que realiza o percurso da leitura,

modalizações, já que o discurso compõe-se de actantes em interação balizada pelo

contrato e pela disposição de que ele seja efetivado ou não, de modo que se prevê

que o sujeito a ser ajudado deverá partir do modo potencializado (crenças),

passando pelo virtualizado (as motivações) e chegar ao realizado (perfórmance).

Tal passagem ocorre pela mediação de verbos denominados modais: crer,

querer, dever, saber e poder – os quais se associam a ser e fazer, e se caracterizam

por determinar o estatuto que rege o modo da predicação de base de um enunciado

se manifestar; em outras palavras, os predicados modais modificam a feição dos

predicados de base, marcando as particularidades de sua presença no discurso.

Nos livros de auto-ajuda analisados, levando-se em conta as apresentações e

“as falas de fechamento” dos livros, pode-se demonstrar que em todos eles existe

este trajeto, ou melhor, existe o simulacro de um percurso dos modos de existências

(de sujeito potencializado a sujeito atualizado e realizado), a fim de que transite de

seu estado disfórico para o eufórico. Dessa forma, a seguir, analisam-se alguns

fragmentos das obras, os quais sinalizam os modos de existência dos enunciadores

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deste discurso, para depois, tratar das estratégias retórico-discursivas (e

argumentativas) que visam, no ato de manipulação, efetivar tais mudanças.

LIVRO 1 – LAURO TREVISAN

Apresentação

A partir deste momento você está começando uma viagem fascinante e vai entrar na aventura mais fantástica de sua vida: a descoberta de um novo mundo, o mundo dos seus sonhos.

E ser-lhe–á dado conhecer o segredo que vai transformar os seus sonhos em realidade.

[...] Palavras finais Você está começando uma nova vida. O primeiro milagre já está acontecendo, aqui e agora, em você. Muito outros se

seguiram (sic). Que sua colheita seja abundante e eterna e o sorriso da felicidade e do sucesso

sempre enfeite os seus lábios.

LIVRO 2 - JOÃO DÓRIA JÚNIOR

Apresentação Esteja certo de que o primeiro passo na busca da oportunidade é estar com o coração

aberto para que elas possam desabrochar em sua vida. Tenha certeza de que o coração que busca coisas boas sempre atrai boas energias.

[...] Espero que este livro o ajude a ver dentro de você a flor que há muito tempo quer

desabrochar.

Palavras finais Encare o livro que acabou de ler como um investimento em si próprio, como uma

ajuda em seu processo de auto-avaliação. Ficarei feliz em saber que algumas destas páginas

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poderão lhe servir de degraus valiosos para você desenvolver seu potencial ao máximo e aproveitar as oportunidades que o aguardam lá fora. Quem sabe já na próxima esquina.

Boa sorte.. e sucesso!

LIVRO 3 – ALEXANDRE H. SANTOS

Apresentação Inúmeros depoimentos de pessoas participaram de work-shops sobre o tema,

ministrado no Brasil e no exterior, asseguram a validade dos procedimentos expostos a seguir. Contudo, entre o querer e o conquistar há chão a ser percorrido, há labor a ser realizado. O sucesso, mais que algo aleatório, é um resultado construído. E a missão deste livro é ajudá-lo, como útil e fiel aliado, na concretização do seu projeto.

Palavras finais Ao finalizar, não lhe direi “boa sorte” em sua luta. Se o fizesse, estaria desejando ou

admitindo que seu triunfo dependesse de um acaso, e não do seu empenho. E a missão deste livro é justamente auxiliar quem queira subir ao podium conduzido pelo próprio merecimento. É a única maneira de fazer jus à coroa de louros que o Universo reservou para você.

Como despedida, quero desejar-lhe, do fundo do coração, com o mais sincero sentimento, algo muito mais poderoso e valioso que a tal da “boa sorte” ...

Gambatte!!!

Faça o melhor que você pode!

Talvez você tenha assistido ao filme “De volta para o futuro” e se lembre do super carro com o qual as pessoas viajavam no tempo. Aquela máquina fantástica era alimentada por um capacitor de fluxo de energia, localizado num painel atrás do banco do piloto. Quando o vi, constatei surpreso que o desenho que eu havia criado em minha cabeça da Fonte do poder era exatamente igual.

Fonte do poder? Isto mesmo. Todos nós temos, conscientes ou não, uma nascente

de energia pessoal. É a idéia central deste capítulo e ficará clara ao longo dos próximos parágrafos

Sua nascente de energia pessoal é um bem inalienável, e só você poderá mantê-la atualizada e generosamente nutritiva. Isso exigirá transformações diversas em seu modo de

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estar no mundo e de encarar sua missão nele. Algumas mudanças serão fáceis de executar. Outras, irão exigir coragem e sacrifícios, como talvez a renúncia a padrões anacrônicos mas queridos e arraigados, ou a vícios e demais tipos de apegos. Felizmente, cabe a você decidir-se e superar-se. De que maneira? A seguir há um caminho

Como se observa nos fragmentos, o enunciador tenta estabelecer a crença de

que o livro será um instrumento importante para a realização de algo: descoberta de

um mundo de sonhos, transformação da realidade, desabrochar da flor (metáfora de

capacidade de reconhecer oportunidades), concretização dos projetos. Nota-se que

o primeiro livro apresenta-se como um instrumento “divino”, “milagroso”; o segundo,

como instrumento “autoconhecimento” e o terceiro, como um instrumento de

estratégias. Seja qual for a “missão” do livro, em todos se encontra a promessa de

doação de competência cognitiva e de resolução dos problemas, desde que o

enunciatário cumpra sua parte e passe a ser o sujeito realizado.

O enunciador do livro 1 faz supor que o simples fato de adquirir o livro já faz

do sujeito da interpretação alguém em plena transformação; insinua que o término

da leitura inaugura uma nova etapa na vida do enunciatário: a “colheita” das coisas

boas. Ele parte do pressuposto de que o enunciatário já esteja em conjunção com o

saber (sujeito atualizado). Contudo, na verdade, não há transformação ao término da

leitura, somente a promessa reafirmada, pois, espera-se, na realidade, que o

enunciatário passe a ser um sujeito da performance, o que efetivamente alteraria o

estado em que este se encontra.

No livro 2, o enunciador se coloca como alguém que “torce” para que o

enunciatário consiga operar a transformação e coloca o livro como “degrau”,

indicando que se deverá voltar a ler este livro sempre, até que seja dotado do saber.

Nota-se que este enunciador, diferentemente do primeiro, compromete-se menos

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com a realização da promessa. É uma questão do “coração”: se o enunciatário não

assumir para si os conhecimentos e não os colocar em prática, nada ocorrerá. Aqui

parece que o enunciatário ainda não está atualizado, ainda é um sujeito

potencializado.

Já no livro 3, o enunciador, após dar garantias de que o livro traz

procedimentos que funcionam, aponta para a necessidade de que o enunciatário

venha a desenvolver-se como sujeito que tenha motivação para aderir às propostas

a fim de mudar de estado. Mas o pressuposto parece ser o de que o destinatário

seja um sujeito atualizado, detentor de um saber, necessitando, contudo, como no

primeiro caso, mudar seu estado.

Assim, discursivamente, não se espera, por parte do enunciador dos livros,

que o enunciatário venha, ao final da leitura, a ser um sujeito realizado de fato. O

que fica é sempre a promessa de mudança e a garantia de que o livro traz um saber

inequívoco capaz de transformação, mas este, sem a perfórmance do enunciatário

não poderá ocorrer.

A partir desse pressuposto, estratégias são empregadas para fazer o leitor

crer no enunciador e, com isso, ler o livro como sendo as informações nele contidas

como verdades. Para tanto, parece existir o que se pode denominar projeto de

escrita (ou de fala), o qual possibilitará a construção da imagem ideal para criar

identidade entre as instâncias enunciativas.

Partindo dos princípios de que, semioticamente, em meio a um jogo de

imagens ditado pelo contexto em que ocorre, os gêneros resultam de um processo

interativo socioletal e ideoletal, em que categorias lingüístico-discursivas e

contextuais são reconhecíveis no processo de textualização, este capítulo investiga

como o enunciador ou destinador (pressuposto) constrói seu projeto de confiança e

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de adesão do outro. Além disso, busca-se saber que imagens são construídas,

levando em conta que além de o enunciador-autor projetar de si uma imagem para

aquele a quem ele escreve, o mesmo ocorre no pólo contrário, em que o

enunciatário-alvo constrói, do enunciador, também uma imagem. Esse embate

imagético deixa entrever a existência de atendimento de expectativas intersubjetivas.

Para poder determinar e descrever essas imagens construídas no texto é

necessário analisar seu modo de construção, porque no “como dizer” está “o que se

dá a ver de si e do outro”.

3.3 A ESTRATÉGIA PERGUNTA E SUA FUNÇÃO RETÓRICO-DISCURSIVA

No levantamento das estratégias importantes que se apresentam no discurso

de auto-ajuda, constatou-se que uma das que são utilizadas pelo destinador para

manipular o destinatário é a pergunta. Acredita-se que seu estudo seja relevante,

primeiro, porque é recorrente nos três livros que compõe o corpus; depois, porque se

apresenta em quantidade expressiva em cada um deles: no livro de Lauro Trevisan,

ocorre em vinte e seis parágrafos; no de Alexandre Henrique, em trinta e quatro e no

de João Doria Junior, em vinte e nove parágrafos. Além das ocorrências em

parágrafos, nos dois últimos livros, algumas perguntas abrem seções ou capítulos.

O princípio que orienta as análises é o de que este recurso, em alguma

medida, participa da construção da imagem do enunciador e do enunciatário e,

conseqüentemente, configura a maneira como ocorre a relação entre estes sujeitos

da enunciação.

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Desde a Antiguidade, o recurso pergunta é visto como fundamental em

determinadas situações comunicacionais. Aristóteles (s/d:218) via no seu emprego

um modo apropriado de agir sobre o outro, porque para ele:

O emprego da interrogação é particularmente oportuno, quando acontecer que o adversário, depois de ter expresso uma das partes da alternativa, à menor interrogação suplementar, responde um absurdo (...) emprega-se a interrogação, quando, sendo evidente um primeiro ponto, é manifesto que, a seguir, à interrogação, o adversário concederá o outro; alias, quando nos informamos sobre uma premissa única, não devemos por interrogação, suplementar acerca do que é evidente, mas sim enunciar a conclusão (...) Podemos ainda empregar a interrogação, quando há possibilidade de mostrar que o adversário se contradiz ou que suas afirmações são paradoxais (...) usamo-la quando o adversário é obrigado a responder de maneira sofistica , para destruir a asserção proposta (...)

A pergunta, nesta perspectiva, possibilita o desarmar do oponente, ao marcar,

sua contradição e o direcionamento de seu raciocínio para a conclusão que não lhe

seja favorável, forçando-o, por isso, a dar uma resposta que destrua sua própria

asserção inicial. Nesse sentido, é um instrumento eficaz do orador que pretende,

com o embate, o descrédito do interlocutor, principalmente, quando este pretende

sofismar.

Entretanto, a este recurso também são conferidas outras funções. Muitas das

perguntas além de servirem a este propósito de “desarme”, objetivam, de outro

modo, fazer com que um saber pré-construído, um saber “já dado”, torne-se o centro

da argumentação. É o caso das perguntas retóricas que visam tratar de

conhecimentos partilhados e, conseqüentemente, de expor uma opinião corrente,

um saber inquestionável, uma verdade inconteste aos atores do ato comunicativo. A

respeito deste tipo de pergunta, H. Lausberg (1972: 259), em Elementos de retórica

literária, explica que

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A “pergunta retórica” (interrogatio, interrrogatum) fustiga os afectos, por meio da evidencia de que é desnecessária uma formulação interrogativa. Por isso, não se separa uma resposta a essa pergunta, pois que ela é, já por si, a formulação, próxima da exclamatio de uma afirmação (...)

O uso dessa estratégia, portanto, não representa uma real dúvida, por parte

de quem as profere, mas, ao contrário, uma certeza absoluta. Seu emprego,

portanto, ao que parece, visa ao realce de uma afirmação. Mas se as perguntas

desarmam o oponente e realça uma convicção, elas somente o podem fazê-lo

devido a sua força afetiva.

Hugh Blair (s/d), em Leçons de rhétorique et de belles-letres, afirma que a

interrogação é uma figura passional e, mais do que isso, constitutiva da linguagem

natural da paixão, por isso seu uso é extremamente freqüente. De acordo com o

autor, isso é facilmente percebido em uma conversa corriqueira, em que os

interlocutores, ao se impacientarem com algo, fazem uso dela de modo bastante

abusivo a fim de levar o outro a “sentir sua paixão”. Assim, acredita Blair (op. cit.),

este recurso propicia ao enunciador exprimir de modo contundente a firme confiança

na verdade de seus sentimentos e fazer com que seu interlocutor passe a

compartilhá-los.

A interrogação, entretanto, alerta o estudioso, é empregada também em

discursos que não se destinam à produção de emoções vivazes, como ocorre na

discussão séria. A exemplo de outras figuras passionais da linguagem, ela age sobre

o interlocutor por meio da simpatia. O que se depreende dessa visão do autor é que

agir sobre o interlocutor para lhe despertar a simpatia é criar afinidade por meio de

um poder resultante, metaforicamente, “do olhar e do gesto do feiticeiro”, como

sugere o dicionário Houaiss.

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Nesse sentido, consoante às idéias do autor, a simpatia é um princípio

poderoso, pois cria afinidade entre os sujeitos não pelos sentimentos que

verdadeiramente o enunciador sente, mas pelos sentimentos que ele faz parecer

sentir; desse modo, por meio das perguntas, criam-se simulacros de sentimentos e

de paixões para manipular persuasivamente o enunciatário.

A pergunta, portanto, é um recurso importante no processo de adesão do

enunciatário às propostas contratuais do enunciador, visto que, pela paixão que

desperta, pode impelir o enunciatário a interpretar favoravelmente ou não as

propostas do enunciador.

Contudo, esse recurso parece se prestar (em muito) a dizer mais de quem o

utiliza, no sentido de que pode dar ao analista o modo de ser dos sujeitos que o

empregam no momento em que se processa a manipulação.

A pergunta, na verdade, não deve ser estudada no discurso de auto-ajuda

como um mero instrumento retórico, como alias, está indicado nos estudos de Hugh

Blair (op.cit.), ao dizer das intenções passionais do enunciador. Só o fato de que ele

a considerada “um signo que faz o outro ”sentir o que eu sinto”, faz com que se tome

o cuidado de entender que seu emprego se destina não ao mero efeito de

ornamento, mas à construção significativa de simulacros.

Entender o emprego do recurso de enunciados interrogativos nessa

perspectiva exige do analista uma visão mais ampla: é necessário verificar a

utilização do recurso pergunta além do seu estatuto retórico de figura de ornamento,

entendendo-a como um procedimento de discurso, que possibilita encontrar, no seu

emprego, os efeitos de sentido produzidos por ela.

Para a consecução deste objetivo, é mister lembrar que o ato de enunciação

constitui, nos termos da semiótica discursiva, o lugar em que o enunciador (autor

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pressuposto) e enunciatário (leitor pressuposto) interagem com base no processo de

manipulação em que duas ações são efetivadas: a da persuasão, de

responsabilidade do enunciador; e da interpretação, de responsabilidade do

enunciatário. Além disso, ao propor o contrato, o enunciador projeta para o seu par

uma imagem, ao mesmo tempo em que constrói a imagem deste sujeito. Neste

sentido, ocorre um embate de imagens, que a semiótica denomina de simulacros,

que são representações (sem existência real) fundamentais para a eficiência

comunicativa, portanto, para a eficácia da manipulação.

Para caracterizar a maneira como o sujeitos interagem por meio da pergunta,

buscam-se as contribuições teóricas de Chistian Plantin (1991), que tratou do estudo

discursivo da pergunta retórica. Segundo ele, o conhecimento que se tem a respeito

da relação entre frases interrogativas e argumentação advém dos estudos de

Anscombre e Ducrot, que as estudaram como recursos argumentativos de língua.

Nestes estudos, os teóricos defendem a tese da orientação argumentativa das

frases interrogativas, o que, segundo este autor, foi um avanço em relação à visão

retórica de tal recurso, pois denota que seu uso é motivado por uma

intencionalidade.

Mas, o avanço de tais estudos, ao invés de manter a visão retórica da

interrogação, dela se desfazem, o que para o estudioso não deveria ocorrer, pois ele

a julga necessária para ultrapassar os limites de uma análise meramente lingüística;

assim, deve-se tocar na questão do funcionamento retórico e no funcionamento

argumentativo das perguntas, ultrapassando o texto em direção ao discurso.

A retórica antiga, argumenta Plantin (op. cit.), sempre foi entendida como um

método auxiliador da produção de argumentos, mas, agora, deve ser entendida a

partir de outra perspectiva: como um método de analise de discurso, que possibilita

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encontrar, na materialidade deste, as intencionalidades e os seus efeitos de sentido,

a fim de expor “as máscaras ideológicas” que revestem o discurso, porque, para ele,

não se procede a uma analise das frases interrogativas apreendidas na língua, mas

o papel que representam a interrogação e o questionamento nos discursos

monológico ou dialógico, claramente, argumentativos. Na inquirição, por exemplo, o

estudo de sua manifestação é necessário e produtivo porque possibilita saber como

são utilizadas as técnicas e as noções retóricas, levando em consideração os

horizontes diferentes da Retórica antiga e da reflexão moderna sobre argumentação.

Essa visão do autor é importante para este trabalho no sentido de que busca

escapar de uma análise exclusivamente lingüística e exclusivamente retórica, para,

no entrecruzamento de ambas, realizar um estudo do discurso. Ao invés de ater-se à

mera análise da pergunta e do questionamento em uma frase isolada, descrevendo-

a como uma figura de ornamento, propõe-se partir do pressuposto de que ela está a

serviço de um sujeito da persuasão que quer levar o enunciatário a interpretar o seu

dito como sendo digno de fé.

Assim sendo, toma-se de empréstimo o postulado deste analista segundo o

qual existem dois tipos de discurso altamente argumentativos, que podem ser

apreendidos quando do emprego de certas perguntas: o discurso monológico e o

discurso dialógico. Esta categorização permite indagar sobre o papel retórico-

discursivo da pergunta e a partir daí opor dois tipos de situação argumentativa: uma

de cooperação (discurso dialógico) e outra de “destituição12” (discurso monológico).

As perguntas, portanto, devem ser entendidas a partir da relação que se

estabelece entre enunciador e enunciatário, pois, dependendo da intencionalidade

que as rege, pode-se obter um processo dialógico, em que os sujeitos da 12 O autor denomina de processo de fagocitose (fagociteé), pareceu-nos que seria interessante e correto traduzir este processo não como a destruição do outro, como procede os glóbulos brancos em função de corpos estranhos, mas como destituição do outro.

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enunciação interagem ou um processo monológico, em que ocorre a “destituição” da

voz do outro. Por isso, reafirma-se o fato de que a utilização da pergunta não pode

ser tratada como um mero instrumento de ornamento, mas como uma estratégia

discursiva que indica os papéis dos actantes da comunicação.

Apresentam-se, neste momento, os tipos de perguntas postuladas por este

autor e sua relação com determinados papéis discursivos de que estão investidos o

enunciador e o enunciatário, para em seguida operar as análises. A partir das

contribuições da Retórica clássica e da Teoria da Argumentação, o autor afirma

existir os seguintes tipos de perguntas: perguntas tópicas, perguntas inventivas e

perguntas retóricas.

De modo geral, a pergunta inventiva se caracteriza por uma abordagem única

de questionamento sistemático. É uma técnica heurística13 que deve permitir o

questionamento não somente para o recolhimento sistemático das informações

pertinentes para a discussão sobre algo em questão, mas também para resolver os

problemas à medida que surgem na comunicação. Os questionamentos são

projetados sobre um acontecimento, ao mesmo tempo em que, esquematicamente,

vai ocorrendo o levantamento de tudo o que já foi dito, sem, contudo, emitir juízo de

valor.

Nesse processo, pode ocorrer que as respostas preexistam à questão ou que

elas sejam mediatizadas por um processo argumentativo contraditório que engendra

as perguntas. Neste método, não há a resposta certa (“La vraie réponse n’existe

pas”), nem definitiva.

Nos questionamentos tópicos, por sua vez, as perguntas têm o mesmo teor

argumentativo e retórico praticados nos diálogos socráticos e sofistas. Tais

questionamentos se distinguem dos inventivos notadamente pelo fato de que

permitem um desfecho (as perguntas levam necessariamente a uma conclusão),

13 A heurística, segundo o dicionário Houaiss, é a arte de inventar, de fazer descobertas, ciência que tem por objeto a descoberta dos fatos.

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pois o diálogo, diferentemente das inventivas, é regulado por questões que são

proferidas com o intuito de chegar a um final esperado: a resposta adequada,

segundo as diretrizes embutidas nas próprias perguntas.

Um método utilizado nesse tipo de pergunta é o dialético, que é capaz de

resolver as contradições que surgem no diálogo, pois a argumentação repousa

sobre a utilização sistemática de “princípios de encadeamento”, cujo intuito é chegar

à verdade pelo par pergunta-resposta. Neste tipo de questionamento, as regras são

dadas a priori e são, plenamente, admitidas pelos interlocutores, o que parece

garantir sua eficácia. Além disso, o acordo prévio das regras torna a figura do árbitro

secundária, o qual, segundo o autor, passa “a cuidar da boa aplicação das regras e

a se pronunciar sobre o resultado do jogo”:

Cet énchange fournit um exemple simples de “jeu dialogique”, d’ un usage réglé du dialogue interrogatif-argumentatif à des fins de communication cognitive. Son but n’est ni plus ni moins que la determination de la vérité avec pour seul instrument le langage. Ce but ne peut être atteint que grâce à un double système de normes fixées a priori et strictement acceptées par les protagonistes du dialogue, un jeu de transformations sur les énoncés (de “topois”) qui définit lê enchaînements acceptables, et un ensemble de conventions portant sur le cadre dialogique. La caractéristique principale de ce cadre est son asymétrie; les positions de locuteur et d’interlocuteur ne sont pas permutables, et cela se manifeste par un fonctionnement bien particulier de l’interrogation. (PLANTIN, In: ORECCHIONI: 1991: 72-73)

É, portanto, um método assentado sobre o princípio da assimetria em que as

posições dos sujeitos da enunciação são impermutáveis. Esta assimetria, de acordo

com Plantin (op. cit.), ocorre de modo que o proponente realize suas proposições

“opinativas” sempre em acordo com as respostas do enunciatário, que tem o direito

de se manifestar em concordância ou em desacordo:

Le proposant a l’initiative des propositions “opinables”, qu’il soumet à l’acceptation du répondant; ce répondat, n’a guère le droit que de

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manifester son accord, son désaccord ou son trouble par oui, non, je ne coprends pas14 [...] (ibid.)

Assim, enquanto no questionamento “inventivo”, os sujeitos buscam a

verdade possível na contradição instaurada no processo pergunta-resposta, no

questionamento “tópico”, buscam a verdade, pautados por um regulamento

apresentado a priori e aceito pelas partes.

Como se observa, os tipos de perguntas desenvolvidas acima são de caráter

dialógico porque se dão sob princípios de interação no sentido de que há uma troca,

mesmo que a relação seja assimétrica. O importante é entender que nem aquele

que pergunta nem aquele que responde é de alguma forma excluído tacitamente do

processo, seja pela presença de uma sistemática de perguntas, que impele a

participação do enunciatário, seja pelo caráter tópico delas que direcionam o

raciocínio por meio de encadeamento de perguntas que surgem, dialeticamente, das

respostas dadas pelo enunciatário.

Diferentemente, ocorre no caso em que o enunciador, na comunicação,

emprega uma pergunta que já contenha a resposta (pergunta-resposta): o processo

deixa de ser interacional, pois afasta o enunciatário do processo como um sujeito

capaz de dar respostas, de aceitar, de recusar; ou seja, deixa de ter atitude

responsiva (Bakthin, 2003) e passa a ter (ou espera-se que tenha) apenas uma

conduta.

Un autre stade est franchi lorsqu’ on passe aux questions monologique ou la parole de l’ autre, coopérant ou opposant, est phgocyttée dans um discours interrogatif. (Ibid. p. 64)

14 Grifo do autor.

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Este processo é denominado de “parole phagocytée15”, em que se pode

entender que a pergunta que já contém a resposta representa a destituição da voz

do enunciatário. Ocorre, neste processo, a nulidade do actante; de maneira

diferentemente do questionamento inventivo e do tópico, o enunciatário é forçado a

assumir como sendo sua a afirmação camuflada na pergunta. Essa manobra

objetiva fazer com que o enunciatário assuma-se como enunciador de um discurso

que não é seu, cuja conseqüência é o processo de monologização, em que voz e

vontade são suprimidas a favor da voz e da vontade do enunciador.

Assim, o autor postula que estes três tipos de questionamentos implicam três

maneiras de ser do enunciador, e, por contra ponto, três maneiras de ser do

enunciatário. O enunciador, dependendo do uso que faz da pergunta, desempenha o

papel: (1) daquele que sabe, o déspota ou o dono da pergunta. A resposta

encontra-se na própria pergunta do déspota; o enunciatário se vê na condição de

discípulo (no sentido de que não traz consigo nenhum tipo de conhecimento),

portanto, em posição inferior a quem profere a pergunta. (2) Daquele que busca e

encontra, o investigador, é o inquiridor, aquele que faz a pergunta que reúne as

qualidades adequadas na direção da resposta (dirige a resposta); o enunciatário é

colocado na posição de assumir a diretriz traçada na própria questão, assumindo ou

não a resposta embutida antecipadamente na pergunta, segundo uma lógica de

participação igualitária. E, por fim, (3) daquele que erra, o ignorante (o que tem

dúvida); o interlocutor é posto na posição “alta” de conselheiro (o oráculo).

15 Tradução livre: Fala que destrói a outra

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3.4 O DÉSPOTA E O DISCÍPULO: PAPÉIS RETÓRICO-DISCURSIVOS NO

DISCURSO DE AUTO-AJUDA

A partir dessa categorização, é possível analisar as perguntas que integram

os livros de auto-ajuda do corpus, o que permite saber a sua função discursiva

delas nesta literatura, ao mesmo tempo em que possibilita caracterizar a maneira de

agir e de ser do enunciador no processo de persuasão (manipulação) do

enunciatário. Metodologicamente, não serão analisadas todas as ocorrências das

perguntas que aparecem nos três livros; em vez disso, analisam-se as perguntas

que aparecerem no primeiro capítulo de cada livro; as perguntas analisadas no livro

1 estão presentes na primeira seção do primeiro capítulo.

3.4.1 LIVRO 1 – O PODER DE SUA MENTE

O primeiro conjunto de perguntas encontra-se no primeiro parágrafo da

primeira seção:

Muitas vezes você deve ter-se perguntado: por que algumas pessoas são felizes e outras desgraçadas? Por que alguns têm sucesso na vida e outros vivem e morrem marginalizados? (TREVISAN, 1980:13)

O motivo do emprego destas perguntas não parece ser a de provocar no

enunciatário uma atitude de resposta, do tipo: sim, eu já me perguntei muito sobre

isso; ou: não, eu nunca me perguntei sobre isso; ou: talvez, eu tenha algum dia me

perguntado sobre isso. Não representam, na realidade, uma dúvida do enunciador,

que parece não esperar nenhuma resposta, porque o modo como estão

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formalizadas faz com que pareçam ser uma afirmação, mais um certificar-se daquilo

que o enunciatário sente do que uma incerteza, uma hesitação.

A função destas perguntas iniciais, na realidade, parece estar atrelada ao

movimento argumentativo que se quer construir no discurso, pois, por meio delas, o

sujeito-autor manipula a atenção do sujeito-leitor para o problema-assunto a ser

tratado: a existência de diferenças sociais e emocionais entre as pessoas.

Entretanto, seu uso parece não se limitar a esta função textual: estrategicamente, o

enunciador ao simular a antecipação de uma dúvida, não de quem as profere, mas

para quem elas são proferidas, constrói a imagem de que é o detentor de um

conhecimento prévio acerca do sentimento de aflição pelo qual o enunciatário passa

e, ao mesmo tempo, a imagem de que é detentor da solução do problema.

O modo como introduz a questão seguinte mantém as funções acima

observadas:

Você já se perguntou por que existem pessoas alegres e despreocupadas, quando milhões de outras são deprimidas e atormentadas por neuroses e medos? (ibid. 13)

Nesta questão (parágrafo 4º), é reafirmada a posição do sujeito emissor como

aquele que detém um saber e o enunciatário como sujeito da ignorância, pois ela

apresenta o mesmo conteúdo proposicional que as do parágrafo anterior, mas

pontuando uma diferença nesta relação enunciativa, quando deixa de utilizar no

enunciado interrogativo o verbo “dever”, o qual, segundo Neves (2000: 62), pode ser

utilizado para modalizar um enunciado, dando a este, dependendo da situação

discursiva, um valor epistêmico ou deôntico.

No caso em que se encontra (no primeiro enunciado interrogativo), o

conteúdo proposicional refere-se ao conhecimento que o enunciador tem acerca do

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enunciatário (o enunciatário possui uma dúvida) e não a um enunciado que veicule

uma obrigatoriedade; portanto, está funcionando como um modalizador epistêmico.

Neste sentido, a ausência do verbo “dever”, nesta pergunta, faz parecer que o

enunciador tenha uma real dúvida, porém, do mesmo modo que as anteriores, o que

este enunciado veicula não é uma dúvida, mas a certeza de que o enunciatário não

sabe o porquê da existência das diferenças. E, contextualmente, por que motivo ele,

o enunciatário, vive cercado de pessoas que vivem bem enquanto ele não; assim, o

que o enunciador faz é dirigir o enunciatário para o centro do problema e indicar-lhe

a causa.

Tal procedimento discursivo parece ser uma constante. As perguntas que

sucedem (parágrafos 7º e 8º), embora ocorram de modo diferente, também não

podem ser caracterizadas como perguntas “inventivas” ou “tópicas”, pois não

mobilizam necessariamente uma resposta, nem contraditória nem baseada na lógica

que encerram; na verdade, simulam, ou pretendem simular, um certo estado de

afeto, para atingir, com veemência, a simpatia do outro, no sentido dado por Blair

(op. cit..), na medida em que o enunciador faz parecer estar na posse de uma certa

perplexidade diante de um enunciatário que se encontra “sem rumo certo”, com

idéias arraigadas que dirigem suas ações. Dessa forma, ao lançar estas perguntas

de caráter existências (ou pretensamente filosóficas) e de modo enfático, quer fazer

o outro sentir verdadeiramente sua indignação e desespero, preparando o terreno

para apresentar a solução única do problema, ou, nos termos de Maingueneau

(2001), fazer o enunciatário passar por um processo de incorporação. Finalmente,

aqui você descobrirá o seu verdadeiro destino”. (p.14). Trata-se, portanto, de

perguntas-resposta.

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As que vêm a seguir continuam direcionando os argumentos e também

parecem não serem verdadeiramente uma pergunta. Elas reafirmam, agora, mais

explicitamente, a imagem de um enunciador que detém uma verdade e de um

enunciatário ignorante. Estrategicamente, surgem logo após o enunciado assertivo

com traços de condicional:

(...) Se não conseguiu, alguma coisa deve estar errada em você. O que é?16 (ibid. 14)

O enunciado deixa implícito que qualquer um consegue ter a vida repleta de

felicidade, entre outros sentimentos positivos; assim, como o enunciatário-leitor não

consegue obter o mesmo êxito que os outros, algo está errado com ele

(incompetência). Construindo, dessa forma, o enunciado conduz, necessariamente,

à pergunta o quê?, a qual está materializa logo a seguir, no parágrafo subseqüente

(o que lhe confere mais força argumentativa). Na seqüência, também em forma de

pergunta, o enunciador afirmar que a responsabilidade pela infelicidade, pela falta de

dinheiro etc., é um problema exclusivo do enunciatário.

Neste sentido, as perguntas, como as anteriores, não requerem respostas,

mas, somente marcar, ao encerrarem nelas certezas, os lugares discursivos dos

sujeitos: de um lado, o sujeito que parece saber qual o problema, sua origem e

solução; de outro, um sujeito ignorante que deverá ser levado a obter estes

conhecimentos para melhorar na vida.

Utilizando-se da tipologia discursiva proposta por Plantin (1991), estas

questões, apesar de conterem um direcionamento, não se caracterizam nem como

perguntas “inventivas” nem como perguntas “topicas”, o que significa que não

objetivam fazer o enunciatário chegar a uma verdade, a qual nasce de uma

16 Grifo nosso.

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contradição ou de uma lógica inerente às próprias perguntas, mas, pelo contrário, a

aceitar a verdade que já está incrustada nas próprias perguntas-resposta. Assim,

são de caráter monológico, pois não há evidencias de uma participação ativa do

enunciatário no sentido de ele encontrar-se inserido em uma situação de

cooperação, mas de destituição de sua voz, do que se conclui que a verdade não

será construída, mas imposta por um déspota a um discípulo, do qual se espera uma

conduta. Estas perguntas, portanto, são de natureza retórica, argumentativa e

determinadora dos papéis discursivos representados pelos sujeitos da enunciação.

Nos outros livros, as questões parecem seguir a mesma orientação retórico-

discursiva.

3.4.2 LIVRO 2 – LIÇÕES PARA VENCER – DO SONHO À CONQUISTA – JOÃO

DORIA JÚNIOR

Nos excertos abaixo, que constam do primeiro capítulo do livro de João Doria

Junior, encontramos várias perguntas. A primeira pergunta presente no texto

(parágrafo 3):

Pois bem, o que é uma história interessante?17 É uma história repleta de novas oportunidades. As chances simplesmente surgem para os personagens, como a famosa maçã que teria caído na cabeça de Newton, propiciando-lhe o insight sobre a gravitação. (DORIA JUNIOR, 2001:23)

Não se pretende que o enunciatário venha a respondê-la, apropriando-se da

palavra para explicar o que viria a ser em sua visão uma “história interessante”. Ela

17 Grifo nosso.

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tem, no primeiro momento, a função argumentativa de focar determinado conteúdo

da expressão “história interessante”, delimitação necessária para o desenvolvimento

de toda a argumentação posterior. Além desta função de especificar, esta pergunta

parece auxiliar também na construção da imagem do enunciador.

O enunciado, como está construído, pressupõe um enunciador-autor que

conhece (ou simula conhecer) aquele a quem se dirige, o que o autoriza a realizar a

pergunta e a passar a idéia de que tem condições de antecipar uma provável dúvida

do sujeito-leitor e dar a este as repostas.

Assim também ocorre com a questão seguinte (parágrafo 6):

Por que é tão fácil?18 Ora, porque é um filme. Ali está a mão do diretor, que estabelece os movimentos da câmara e decide o que você vai ver, conforme o caso, antes do personagem que é contemplado pela oportunidade. Há um roteiro prévio. Como você o ignora, é como se tudo acontecesse ao acaso, temperado pelo elemento surpresa, E então você se delicia com o filme. (ibid, 24)

Nela, antecipa-se uma provável constatação do sujeito leitor; na verdade o

enunciado encerra um juízo valorativo do enunciador, o qual é transferido

discursivamente para o enunciatário. A resposta (Ora, porque é um filme) apresenta

um tom de obviedade, do qual se infere que a pergunta pressupõe que o

enunciatário não deveria ter esta dúvida. De fato, o enunciado não apresenta uma

dúvida real, mas a certeza do sujeito da persuasão diante da argumentação que

desenvolve.

Algo semelhante ocorre nas perguntas realizadas no parágrafo 7,

Quando a história chega ao fim, e você dá outro clique no controle remoto, ou vê as luzes do cinema se acenderem e reencontra os rostos dos demais espectadores, o que acontece? Bem, é claro, em

18 Grifo nosso.

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primeiro lugar isso quer dizer que o filme acabou, e é hora de pensar no jantar ou em algum outro programa. Porém, o fato mais contundente, dito de maneira das oportunidades, você outra vez está de volta àquilo que se chama de “vida real”, onde as coisas são mais ou menos previsíveis, sem o romantismo do inesperado. Mas será mesmo assim, no fim das contas, ou apenas nos habituamos a pensar assim?19 (idem)

Elas também não requerem, como nas outras, uma resposta. Sua presença

visa ao movimento argumentativo específico pelo qual se apresenta um

conhecimento advindo do senso comum (o ato de acabar o filme é uma espécie de

retorno à “vida real”) e outro que busca relativizar este conhecimento (será que é isto

mesmo?). Por conseguinte, a primeira se liga ao esperado (já dado) e a segunda o

desdiz, apresentando um outro ponto de vista. A segunda reformula a primeira por

contraposição, porque funciona como contra-argumento de forma a marcar o

posicionamento do enunciador-autor diante do enunciatário-leitor. Este modo de

conduzir a argumentação, discursivamente, mantém o enunciador no lugar do sujeito

que detém um saber e o enunciatário, no pólo contrário, no lugar do sujeito da

ignorância.

Em outro enunciado interrogativo esta condição parece persistir:

Por que Woody Allen não atendeu Fellini ao telefone? Por que Tony Sheridan, a exemplo do dono da gravadora, esnobou os Beatles?20 Ora, porque não tinham, naqueles momentos-chave, elementos para julgar uma situação conforme a vemos agora, pelo espelho retrovisor. (ibid, 26)

O sujeito persuasivo focaliza nos fatos a atitude que julga ser o ponto que une

os dois acontecimentos: o despreparo dos personagens no momento em que se

19 Grifo nosso. 20 Grifo nosso.

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exigia uma atitude de desprendimento. Nesse sentido, as perguntas não estão

colocadas com a finalidade de levar o enunciatário a buscar respostas, mas, como

nas outras ocorrências, elas estão nas próprias perguntas, direcionando os

argumentos.

No entanto, há, nestes enunciados, também um certo tom de obviedade da

resposta, dando a mesma impressão anterior de que “qualquer um responderia

desta forma”, obviedade que se faz notar pela partícula “ora”, que confere ao

enunciado uma certa espontaneidade. Contudo, em seguida à resposta que o

enunciador fez parecer ser evidente e certa, outra pergunta redireciona o raciocínio:

Mas será que não havia mesmo elementos ou terá faltado, isto sim, atenção aos detalhes, presença de espírito, algum vislumbre de que ali se ocultava uma preciosa oportunidade?21 Já vimos que uma linha muito fina separa o que é apenas um acontecimento comum daquilo que pode representar uma porta de acesso a um campo de possibilidades. (28)

Neste enunciado interrogativo, a resposta dada como única na pergunta

anterior passa a ser negada. A partícula “mas”, que, de acordo com Neves (2000),

pode, no discurso, redirecionar um argumento anteriormente posto, negando-lhe

totalmente ou parcialmente, reorienta o raciocínio em direção a confirmação da tese

do enunciador: é preciso ter atenção nos detalhes mais insignificantes do cotidiano.

Como conseqüência deste raciocínio, verifica-se que esta pergunta não marca

uma hesitação do seu proponente, como parece ocorrer, mas, ao contrário, marca

sua firme convicção, como bem sinaliza o articulador argumentativo “isto sim”, que

revela o posicionamento assertivo do sujeito.

21 Grifo nosso.

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Dessa forma, chega-se à conclusão de que o recurso pergunta utilizado neste

livro, assim como no anterior, funciona não só como orientador argumentativo, mas

também como auxiliador na construção da imagem do autor como um sujeito do

saber e o enunciatário como o sujeito da ignorância.

São perguntas diretivas; mas sua diretividade não caracteriza o procedimento

como sendo hermenêutico, nos moldes socráticos; ao contrário, como em Trevisan,

com seu emprego, o enunciador pretende a adesão inequívoca e sem reflexão à

tese central que vai se delineando como verdade inquestionável, à medida que o

texto avança.

Este movimento argumentativo marca, discursivamente, o modo de

relacionamento entre enunciador e enunciatário, em que o primeiro age também

como um déspota, pois impõe sua verdade e o segundo, como um mero discípulo

que está em posição inferior, por isso, deve acatar todas as informações como

sendo verdades, o que representa, conseqüentemente, um discurso que tende para

a monologia.

Apesar das semelhanças, porém, é preciso reconhecer que ao se comparar

os dois livros, afora a coincidência na imagem dos seus enunciadores, nota-se que,

neste, as perguntas são proferidas de um modo diferente, porque não se referem

diretamente aos problemas do enunciatário, já que dizem respeito a conceitos e

problemas ocorridos com terceiros (identidade indireta). Se no primeiro livro, o

enunciador por meio da pergunta assevera a condição disfórica do enunciatário de

modo direto, neste, as perguntas de modo indireto produzem a identificação com as

situações. No livro 1, as perguntas começam se referindo a um terceiro, por meio do

uso de substantivos genéricos, da terceira pessoa, até direcionar as perguntas para

o enunciatário-leitor, criando um ambiente de inquirição; dessa forma, a maneira

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déspota de ser do enunciador Doria Junior é mais atenuada que a do enunciador

Trevisan.

Outro dado importante colhido até aqui revela que, embora o enunciador

Doria Junior tenha uma relação mais branda com o seu destinatário, ela é menos

apaixonada, se fizer uma relação com o modo de Trevisan, cujas perguntas evocam

sempre a paixão indignação, o que implica o fato de este busca mais

emocionalmente o enunciatário que Doria Junior.

3.4.3 LIVRO 3 – VOCÊ PODE CONSEGUIR O QUE QUER – ALEXANDRE H. SANTOS

As perguntas realizadas no primeiro capítulo do livro de Alexandre H. Santos,

embora elas apareçam neste capítulo somente duas vezes, tem sua análise vista

como importante na medida em que possibilita verificar se tais ocorrências

confirmam os resultados dos outros livros em relação à sua função, e à maneira de

ser do enunciador.

Após o autor apresentar um exemplo para poder figurativizar sua tese – a

existência em todo ser humano de um poder fenomenal – no parágrafo seguinte, o

autor faz uma pergunta, a qual cumpre, no primeiro momento, o papel de coesivo

pelo qual se retoma, por repetição, um elemento lingüístico apresentado: fonte do

poder:

Talvez você tenha assistido ao filme “De volta para o futuro” e se lembre do super carro com o qual as pessoas viajavam no tempo. Aquela máquina fantástica era alimentada por um capacitor de fluxo de energia, localizado num painel atrás do banco do piloto. Quando o vi, constatei surpreso que o desenho que eu havia criado em minha cabeça da Fonte do poder era exatamente igual. Fonte do poder?22 Isto mesmo. Todos nós temos, conscientes ou não, uma nascente de energia pessoal. É a idéia central deste capítulo e ficará clara ao longo dos próximos parágrafos.

22 Grifo nosso.

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Em seguida, este recurso desloca a atenção do enunciatário para a

explicação do que vem a ser fonte do poder. A realização desta pergunta sinaliza

também a dimensão patêmica do enunciatário diante da suposta informação nova

(espanto e surpresa), ao mesmo tempo em que faz parecer que é o enunciatário que

tem esta dúvida e não o enunciador, como dá a entender a resposta “isto mesmo”.

Assim, logo de início, a questão já marca o lugar do enunciador como o

sujeito que detém um saber e o enunciatário como o sujeito da ignorância. Além

disso, a pergunta aponta para a estratégia de fazer o outro crer que o sentimento

espanto, surpresa é partilhado, ou no sentido de Blair (s/d), é uma estratégia de

“pegar o outro pela simpatia”, o que, vale dizer, significa que esta primeira pergunta

também não se presta a suscitar respostas; ela está sendo utilizada como orientador

argumentativo, porque abre caminho para o enunciador definir fonte do poder e é

uma pergunta que não representa uma dúvida necessariamente, por mais que

pareça, mas a certeza da existência do tal poder.

A outra pergunta que aparece neste capítulo não muda seu estatuto:

Sua nascente de energia pessoal é um bem inalienável, e só você poderá mantê-la atualizada e generosamente nutritiva. Isso exigirá transformações diversas em seu modo de estar no mundo e de encarar sua missão nele. Algumas mudanças serão fáceis de executar. Outras, irão (sic) exigir coragem e sacrifícios, como talvez a renúncia a padrões anacrônicos mas queridos e arraigados, ou a vícios e demais tipos de apegos. Felizmente, cabe a você decidir-se e superar-se. De que maneira?23 A seguir há um caminho. (2001:22)

Nesse fragmento, a interrogativa também não marca uma dúvida nem

provoca uma resposta, embora o modo como foi empregada faça parecer que o

enunciador antecipa uma duvida do sujeito-leitor e indique, discursivamente, o

estado cognitivo e passional deste, pois o sujeito que enuncia se demonstra capaz 23 Grifo nosso.

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de apresentar o problema, dar a solução e os caminhos para executá-la, bastando

ao enunciatário apenas continuar a leitura.

Assim, a pergunta realizada tem a mesma função: marcar o enunciador como

sujeito da certeza e do saber verdadeiro e o enunciatário como o sujeito da dúvida

(incrédulo) e da ignorância e, além disso, prestar-se ao movimento argumentativo

tornando-o mais persuasivo, visto que, como a anterior, focaliza o conteúdo

proposicional que será apresentado, dirigindo a atenção do enunciatário-leitor para o

modo que possibilita ser mais decidido e superar os próprios limites.

Portanto, do mesmo modo que as perguntas empregadas nos outros livros,

estas também caracterizam uma relação discursiva monológica que leva o

enunciatário a assumir como sendo suas as duvidas e paixões simuladas pelo

enunciador; cabendo-lhe apenas seguir as orientações que lhe são imputadas.

Cabe ressaltar que o modo como o enunciador deste livro emprega as

perguntas, apesar de também denunciar seu papel de déspota, como em Doria

Junior, não colocam em seu centro o enunciatário, caracterizando uma relação

menos tensa e mais didática, ao contrário do que ocorre no livro 1.

3.5 A PERGUNTA NO DISCURSO DE AUTO-AJUDA

A comunicação, como já se viu, é considerada um processo intersubjetivo de

manipulação, no qual estratégias são utilizadas para a efetivação de um contrato

entre os sujeitos da enunciação. A partir desse princípio, procurou-se analisar o

recurso pergunta, verificando sua função retórico-argumentativa e discursiva e,

conseqüentemente, seu papel na caracterização da relação entre o enunciador e o

enunciatário, evidenciando a maneira de agir e de ser de cada um no discurso de

auto-ajuda.

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Para tanto, optou-se por uma visão mais ampla do emprego desta estratégia,

seguindo de perto as contribuições de Christian Plantin (1991), que permitiram não

somente descrever suas funções retórico-argumentativas, analisando-as, como

também caracterizar os papéis discursivos dos actantes da comunicação.

As perguntas analisadas indicaram que o tipo de relação existente entre os

actantes da comunicação é baseado no saber exclusivo do enunciador, o qual, a

todo o momento, quer provar, argumentativa e discursivamente, que o enunciatário

deve, obrigatoriamente, aceitar todas as informações como sendo verdadeiras e

direcionadoras de seu modo de ver o mundo e de agir sobre ele.

Isso fica bastante evidente no livro 1, em que o autor age, discursivamente, de

modo imperativo sobre seu destinatário apresentando a este questões existenciais,

que expõem suas fraquezas e limitações sem atenuações. Entretanto, mesmo

quando as questões abordam o enunciatário indiretamente, não o colocando em

uma posição de questionado, o modo como toda a argumentação está construída

coloca o sujeito da interpretação na condição de destituído de um saber ser e ter,

como fica muito claro no livro dois, o qual estabelece uma relação mais branda se

comparado com o primeiro, o que também ocorre com o enunciador do livro três, em

que o número reduzido de perguntas não deixa de o caracterizar também como um

déspota, mas com a diferença de que elas, as perguntas, simulam que o enunciador

compartilha a “paixão do outro”. São perguntas que parecem mais funcionar como

orientador argumentativo, e que, contudo, pela analise semio-discursiva, evidenciam

um modo despótico de agir e de ser.

Como conclusão parcial, os sujeitos enunciação, no discurso de auto-ajuda,

mantêm uma relação calcada no processo de monologização, pelo qual, a pretexto

de orientar e levar o enunciatário a conseguir o que deseja, o enunciador faz com

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que este, por meio do procedimento pergunta, assuma o papel de (mero) discípulo e

passe a agir conforme a conduta ditada pelo déspota (enunciador), porque o único

ponto de vista a ser considerado na relação será o do enunciador. Esse processo de

afastamento da voz do enunciatário torna-o um simples reprodutor de discurso.

Pressupõe-se que haja o contra-argumento de que todo processo

comunicativo é, efetivamente, intersubjetivo, portanto interativo. No entanto, é

preciso reconhecer que, assim como nos regimes ditatoriais, a imagem que o

enunciador-ditador faz de seu enunciatário é a de um sujeito cordato que age, não

segundo sua vontade, mas segundo a de seu ditador, no discurso de auto-ajuda tal

imagem está construída e, a partir dela, desenha-se todo o agir do enunciador. Se

este processo não evita, em regimes ditatoriais, que haja respostas à altura por um

discurso de confronto: guerrilhas, guerras etc, trata-se, de qualquer forma, de um

processo de monologização, no qual somente o saber do destinador deve ser

considerado e todo esforço para tanto será realizado.

Deste modo, partiu-se do entendimento de que determinados tipos de

perguntas caracterizam maneiras de agir e de ser tanto do enunciador como do

enunciatário. Mas, deve-se ressaltar que, em cada livro, o enunciador-déspota

procura abrandar ou camuflar esse seu modo de ser. Verifica-se, por exemplo, a

simulação de inquirição em Lauro Trevisan, em que faz parecer que será o

enunciatário que descobrirá a verdade. Isso se dá porque as perguntas aparecerem

em maior quantidade e umas próximas das outras, sugerindo ser um dialogo sobre

pressão, incisivo.

Tais perguntas ocorrem em enunciados diretos e curtos, com distanciamento

irregular, em relação a sua ocorrência: às vezes os enunciados interrogativos estão

concentrados em um mesmo parágrafo; em outras, são parágrafos de uma só frase.

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Assim, obtêm-se ora distanciamento longo (por exemplo, as realizadas no

primeiro parágrafo e as realizadas nos parágrafos 6 e 7), ora curto (o parágrafo 6 em

relação ao 7). Esse modo de dizer provoca no texto um ritmo “acelerado” que evoca,

textualmente, a ambiência da inquirição (inquisição), em que o enunciatário vê-se na

posição de réu (sendo “bombardeado”). Tal ritmo parece cumprir a função de

persuasão, porque é um modo intencional de o enunciador-autor dirigir-se ao

enunciatário-leitor de modo intimidador, colocando-se em posição de soberania. De

modo mais específico, nesse ato em que uma voz destitui a outra, presentifica-se a

paixão do sujeito leitor: indignação ante a uma situação injusta; ódio e pesar

motivados pela prosperidade e alegria de outrem. Para, em seguida, fazê-lo (o

enunciatário) se perceber como sendo a origem do problema.

Já em Doria Junior, é simulada uma investigação dos fatos para saber por

que eles ocorreram daquela forma e não de outra. Isso de um modo mais distenso

que no livro 1, pois não há o “bombardeamento” de perguntas diretamente dirigidas

para o leitor, ao contraio, são proferidas de modo mais indireto, simulando uma

relação de cooperação, mas que na verdade é uma relação de destituição. Na obra

de Alexandre H. Santos, ocorre algo semelhante: as perguntas vão encaminhando,

argumentativamente, o enunciatário-leitor, demonstrando que todas as inquietações

que se apresentam são solucionadas no próprio livro. As perguntas se apresentam

de um modo brando, mas diretivas.

Esses simulacros parecem dar aos modos de embate entre o enunciador e o

enunciatário certo nuance em que se pode vislumbrar um déspota-excessivo (Lauro

Trevisisan) e um déspota-contido (Dória Júnior e Santos) – mas de qualquer modo, é

preciso lembrar que estes efeitos de abrandamento são um modo de camuflar a

relação estabelecida entre os sujeitos: déspota e discípulo.

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Considera-se, portanto, que, nestes livros, além de outras estratégias, o

enunciador estabelece as bases do relacionamento de captação do outro por meio

de perguntas. Tudo indica que elas são um recurso fundamental, pois marcam

discursivamente a pretensão de manipulação do destinador em face ao destinatário

para que ocorra a mudança de estado: disjunção de crenças arraigadas, de

pensamentos e posturas considerados do ponto de vista do enunciador, incorretos,

para entrar em conjunção com o saber verdadeiro e com a conseqüente conduta de

um “homem de sucesso”.

3.6 A UTILIZAÇÃO DO CASO PARTICULAR COMO FUNDAMENTO DO REAL NO

DISCURSO DE AUTO-AJUDA

De modo geral, observou-se, na parte anterior, que a estratégia pergunta, na

medida em que o sujeito da persuasão age de modo impositivo, dando a ver uma

autoridade legitimada pelo seu saber em relação à ignorância do outro, demarca

uma maneira despótica de relacionamento entre enunciador e enunciatário que

destitui a voz e a vontade deste a favor das imposições daquele.

Além do emprego deste recurso retórico-discursivo, todos os três autores, em

maior ou menor grau, empregaram também, no processo de persuasão, um tipo

argumento baseado em relatos de casos particulares. Nesta parte do capítulo,

busca-se analisar esta estratégia, observando o tipo de caso empregado e sua

função retórico-discursiva na interação entre o sujeito da persuasão e o sujeito da

interpretação. Assim, é preciso lembrar o princípio de que a relação entre o

enunciador e o enunciatário é estudada no âmbito da sintaxe discursiva, ou seja,

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estuda-se o emprego do caso particular, especificando sua classificação no discurso

de auto-ajuda para descrever o fazer persuasivo e o fazer interpretativo.

3.7 O CASO PARTICULAR NOS LIVROS ANALISADOS E O PROBLEMA DA FIGURATIVIZAÇÃO

Nos livros de auto-ajuda, de modo geral, encontram-se casos que simulam

serem reais e casos que simulam serem fictícios – mas não inventados pelos

enunciadores, pois se trata de piadas e de pequenas histórias de domínio público.

No geral, os casos referem-se ou a fatos do cotidiano, envolvendo pessoas comuns,

como amigos, familiares, clientes, pacientes e o próprio enunciador-autor ou à vida

de grandes personalidades do mundo empresarial, científico, filosófico, religioso,

artístico, literário, político etc.

Os casos, geralmente, apresentam-se em pequenos relatos (cf. quadro 1),

constituídos por narrador, personagens e diálogos (cf. quadros da referência L).

Alguns deles, sobretudo no livro 1, lembram a fábula no que diz respeito à sua

estrutura constituída por um acontecimento seguido de comentários, os quais

funcionam como uma moral. Os relatos se apresentam também na forma de menção

a determinadas personalidades e à suas qualidades específicas (Cf. quadros de ref.

M).

Para a análise destes casos, recorre-se aos preceitos de argumentação

tratados por Perelman & Olbrechts-Tyteca ((2002). Mas, antes, é necessário lançar

mão da visão semiótica a fim de que se possa analisar as figuras dos livros, visto

que seu uso tem implicações no processo de adesão, ao contrato proposto, por

parte do enunciatário.

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3.8 FIGURATIVIZAÇÃO, DISCURSO ABSTRATO (TEMÁTICO) E DISCURSO FIGURATIVO

A figurativização é o processo de (re)-construção do real. Considerando-se o

percurso gerativo de sentido, que vai do mais simples e abstrato ao mais concreto e

complexo, trata-se do revestimento necessário nas estruturas abstratas para que

tomem corpo no processo de conversão sintático-semântica, de que resulta a “ilusão

referencial”: um efeito de sentido que faz ver, no discurso, uma realidade sensível

construída analogamente às “experiências perceptivas mais concretas” (Bertrand,

2003). Esta construção análoga não se refere à relação entre discurso e mundo, no

sentido de que aquele seja cópia fiel deste; ao contrário, há a mediação de um corpo

que sente (experiências perceptivas) e o mediatiza por meio da linguagem, já não é

o mundo tal como ele é, mas como se o percebe, porque

Como escreve Michel de Certeau num comentário de O visível e o invisível, de Merleau-Ponty: “Ver já é um ato de linguagem. Esse ato faz das coisas vistas a enunciação da invisível textura que as ata,” Observação que faz eco a uma reflexão do próprio Merleau-Ponty acerca da experiência da percepção: “essa experiência nos põe em presença do momento em que se constituem para nós as coisas [...] ela nos fornece um logos no estado nascente”. [...] A percepção assimila a co-presença das coisas, integra a causa e a conseqüência, “lembra-se e antecipa, arremete e retroage”, ela é expectativa e previsão, associa “defesa e a apropriação”, nas palavras do filosofo Maurice Pradines. (ibid. p. 161-162)

O discurso não produz uma referência direta do mundo. As coisas não são

simplesmente designadas, mas, ao contrário, devido à correlação entre o mundo

natural e a percepção, são apreendidas, no processo intersemiótico, relações entre

os objetos, de modo que se construa, com isso, significações. Todavia, como

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defende Barros (2001), esta relação entre discurso e referente deve ser tratada

também no âmbito da relação contratual entre enunciador e enunciatário.

O contrato de veridicção é a condição básica para que o discurso tenha

reconhecido nele uma verdade (a verdade do discurso), mas o reconhecimento

(atitude de interpretação) desta verdade depende da existência de um processo

persuasivo capaz de levar o enunciatário a crer no dizer do enunciador (contrato

fiduciário) para que este passe a aderir às posições cognitivas propostas. Nesse

processo, a utilização de figuras no discurso pode ser utilizada com esta finalidade

contratual, pois faz com que o enunciatário, reconhecendo aquilo que vê como

coisas do mundo, creia serem verdadeiras as figuras criadoras de tal ilusão

referencial. A figurativização deve ser entendida, conseqüentemente, como uma

estratégia que se encontra vinculada diretamente ao contrato de veridicção, na

configuração dos modos de existência do enunciatário simulados no discurso.

O processo figurativo, nesse sentido, vai além de seu funcionamento de

cobertura das abstrações em um processo de apreensão. Especificamente, entende-

se que a construção de um discurso abstrato ou de um discurso figurativo é um

procedimento do fazer crer. De acordo com Denis Bertrand (2003), os gêneros

discursivos são regidos pela figuratividade neles presentes, e, por isso, podem ser

organizados, segundo o grau dessa presença, em dois grandes blocos discursivos

opostos: os abstratos (temáticos) e os figurativos; evidentemente, essa configuração

está atrelada aos fatores contextuais, que, de alguma forma, na textualização,

marcam uma certa maneira de ser do discurso, segundo as coerções (internas e

externas) do gênero.

Os limites entre esses dois discursos não são rígidos. Em um texto abstrato

(temático), a compreensão e aceitação de uma idéia que nele se defende podem se

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dar por meio de um raciocínio abstrato, em que os argumentos são apresentados

conforme uma lógica estabelecida entre os termos. Contudo, muitas vezes, para que

isto ocorra eficazmente, é necessário, no tecido argumentativo, lançar mão de

recursos que dêem, à idéia a ser compreendida e aceita, uma certa corporeidade a

fim de pungir os sentidos e torná-la mais crível. De outro modo, em determinados

textos figurativos, desenvolve um processo que Bertrand (op.cit.) denomina de

“profundidade do figurativo”, pois, se observa que figuras, que se encontram na

superfície discursiva, fazem vir à consciência, de modo direto, essa profundidade de

qualidade imaterial, que se materializa ao ter agregadas em si figuras, veiculando a

mensagem abstrata, de modo que ela seja compreendida em sua totalidade, como é

o caso da fábula. Nesse processo, portanto, não serão as relações lógico-dedutivas

o centro da argumentação, mas uma ordem analógica e não-dedutiva de figuras;

mas, como acentua Bertrand (op.cit), de qualquer modo, vê-se caracterizar um

raciocínio figurativo que leva o enunciatário diretamente ao tema que “ata” as

figuras.

Dessa forma,

O investimento figurativo pode ser esporádico e não recobrir totalmente os percursos temáticos, ou duradouros e espalhar-se pelo discurso todo, que se organiza em isotopias figurativas. No primeiro caso, encontram-se, entre outros, os discursos científicos e políticos, em que não se determinam leituras figurativas completas. [...] o segundo tipo de procedimento para tornar os discursos figurativos caracteriza, entre outros, os textos literários e históricos, em que um ou mais investimentos figurativos recobrem o discurso inteiro. Esses discursos, graças aos recursos de figurativização, criam efeitos de realidade ou de irrealidade e percorrem o caminho que vai da figuração à iconização [...] (BARROS, 2003:118-119)

Portanto, o processo de figurativização, dependendo do uso que se faz dele

no discurso, pode manifestar-se gradativamente. De todo modo, para o intento do

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estudo ora realizado, atém-se à idéia de que figurativização é um processo

importante na relação entre os actantes da comunicação, envolvidos no processo de

fidúcia e de veridicção. Outro ponto importante é o fato de que a persuasão pode se

dar exclusivamente por um processo lógico-dedutivo, num raciocínio extremamente

abstrato, mas que não prescinde de sua função de persuadir pela presença

imagética daquilo de que se fala (efeito de realidade), ou seja, pela presença, neste

tipo de discurso, de figuras “esparsas” (ibid.) que produzam ilusão referencial.

A partir do princípio de que os textos não podem ser opostos segundo

critérios que os classificam como referenciais reais ou referenciais fictícios, mas

distingui-los conforme “os jogos de verdade que o discurso instala em seu interior”

(ibid.), deve-se verificar, como no caso das perguntas retóricas, o modo de adesão

do enunciatário ao contrato proposto pelo enunciador, observando os efeitos

produzidos no discurso de auto-ajuda.

Ao entrar em contato com os casos relatados nos três livros, observou-se a

necessidade de diferenciá-los, já que eles se apresentam em forma de narrativa e de

menção. Tais casos parecem cumprir duas funções: de um lado, dar, a uma lei

posta, existência real com o intuito de clarificá-la; de outro, criar um padrão

adequado de conduta. A diferenciação deve ocorrer segundo a classificação

proposta por Perelman & Olbrechts-Tyteca (2002), que partem do princípio de que o

caso particular pode ter atribuições específicas conforme sua aparição no discurso.

De acordo com estes autores, o caso particular pode ser classificado em:

exemplo, ilustração e modelo (este último compreende também o antimodelo).

Todos estes casos comungam o fato de serem argumentos que não se baseiam na

estrutura do real, mas, antes, o fundamentam. Apesar disso, todos guardam

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particularidades de seu funcionamento e de seus objetivos, pois seus papéis

vinculam-se à intencionalidade no discurso.

Para estes estudiosos, a argumentação por meio de exemplos é baseada na

pressuposição de que eles dão concretude a regras (princípios, preceitos); assim,

seu uso tem efeito generalizante, de modo que se entenda que o sujeito da

persuasão constrói sua argumentação partindo de um fato (concreto) em direção à

regra (abstrato); a regra passa a existir a partir do exemplo:

A argumentação pelo exemplo implica – uma vez que a ela se recorre – certo desacordo acerca da regra particular que o exemplo é chamado a fundamentar, mas essa argumentação supõe um acordo prévio sobre a própria possibilidade de uma generalização a partir de casos particulares ou, pelo menos. Sobre os efeitos da inércia (ibid. p. 401)

Diferentemente do exemplo, a ilustração é empregada não para fazer existir

uma regra, a partir de um acordo prévio, a fim de o tornar um preceito geral, mas,

em esta regra já tendo existência, deve passar a presentificá-la na consciência do

enunciatário, com a finalidade de que ele adira aos preceitos do enunciador; a

ilustração é um revestimento concreto da regra (já conhecida) que possibilita “vê-la”

(entendê-la) como realidade, o que confere a ela credibilidade. De acordo com

Perelman (1993):

A ilustração difere do exemplo em razão do estatuto da regra que uma e outro serve, para apoiar. Enquanto o exemplo era incumbido de fundamentar a regra, a ilustração tem a função de reforçar a adesão a uma regra conhecida e aceita, fornecendo casos particulares que esclareçam o enunciado geral, mostram o interesse deste através da variedade das aplicações possíveis, aumentam-lhe a presença na consciência. (p.407)

Mas, Perelman & Olbrechts-Tyteca (op.cit.) também lembram que nesta

separação entre exemplo e ilustração é preciso considerar também que cada caso

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tem sua força, na condição em que estão sendo empregados. Por isso, se forem

utilizados como exemplos, deverão, necessariamente, ter a qualidade de

incontestável, para que tenham força de dirimir controvérsias. Se forem, de outro

modo, empregados como ilustração, não precisam gozar deste estatuto, porque não

precisam fundar uma regra, mas apenas fazê-la ser sentida.

De qualquer modo, partindo de sua premissa de que a ilustração visa tornar a

regra o mais presente possível na mente do enunciatário, dando-lhe visibilidade, ele,

de certo modo, estabelece alguns papéis específicos da ilustração: enunciar uma

regra aos moldes de um provérbio, pois, não substitui o abstrato pelo concreto, mas

nela se vê uma imagem; facilitar a compreensão da regra por meio de um caso

indiscutível; fazer apreciar o alcance de uma regra por meio de um fato; ironizar com

a antífrase; comparar (sem avaliação) para confirmar a regra (ilustrar um caso por

meio de outro, sendo ambos aplicações da mesma regra); servir para dar uma

qualificação genérica por meio de um caso concreto (semelhante a um clichê); servir

para efetuar uma referência a uma regra totalmente implícita. Assim, mesmo sendo

a ilustração um modo geral de fazer ver a regra, isto pode se dar de maneiras

diferentes de acordo com o discurso em que aparecem.

Já em relação ao modelo, tem-se que quando, em um caso narrado é posta

em evidência uma pessoa que desfrute de valores amplamente reconhecidos na

sociedade (pessoa de notoriedade inquestionável), ela pode se tornar um paradigma

de comportamento, um modelo de conduta a ser imitado, pois,

[...] só se imitam aqueles que se admiram, que têm autoridade, prestígio social, devidos à sua competência, às suas funções ou ao extracto social a que pertencem. (op.cit.,123).

O emprego de casos denominados modelo visa, mais que ilustrar ou

exemplificar, modificar um comportamento.

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3.9 A ILUSTRAÇÃO E A MATERIALIZAÇÃO DA LEI NO DISCURSO DE AUTO-AJUDA

Passa-se, agora, a tratar dos casos empregados nos livros de auto-ajuda.

Observe-se que estes casos têm em comum o fato de que sempre estão atrelados a

algum princípio exposto pelo enunciador anteriormente e são, geralmente, relatos

construídos para produzirem o efeito de veracidade e de histórias ficcionais. Tomam-

se para análise os quadros de 1 a 6 (ref.L.1.IL24) em que todos eles fazem parte da

mesma seção do capítulo: Faça seus sonhos tornarem realidade.

Neste enunciado-título, já se observa uma ordem determinada pelo imperativo

faça. Tal ordem parte do pressuposto de que o enunciatário já pode realizar algo

que deseja, pois possui competência cognitiva; mas, sabendo-se que o livro é o

espaço da aprendizagem (aquisição do saber), no enunciado está marcada também

uma privação desse sujeito: ele não detém um saber tornar os sonhos realidade.

Privação que se marca, com a respectiva proposta de solução, na seção seguinte,

denominada Saiba como alcançar o que deseja. Em virtude disso, são apresentadas

sete ilustrações.

A primeira e a quinta ilustrações são relatos relacionados a algo que

aconteceu com o próprio enunciador; a segunda refere-se a um acontecimento que

se deu com um “senhor”; a terceira é relacionada a um acontecimento com uma

amiga pessoal, é uma ilustração de caráter geral; a quarta e a sexta estão

relacionadas a fatos ocorridos com personalidades do mundo, é uma ilustração de

caráter específico, pois nomeia os personagens (Henry Ford e Marconi). 24 Referência livro 1 - Ilustração

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ref.L.1.IL25

Quadro 1 FAÇA OS SEUS SONHOS TORNAREM –SE REALIDADE

Certa manhã de verão eu percorria as praias ensolaradas de Torres, no Rio Grande

do Sul, quando, de repente, deparei com esta frase escrita na areia: “Se não puderes fazer a tua vida conforme teus sonhos, faças da tua vida um sonho”. Em outras palavras, se não puder fazer dos sonhos uma realidade, faça da realidade

um sonho. Sem dúvida, uma frase poética, bonita, filosófica. Mas, não totalmente verdadeira,

porque, quem conhece o poder da mente, sabe que todo sonho pode tornar-se realidade. Tudo o que é pensável é realizável. Tudo o que é desejável é realizável. Inclusive seus sonhos. Você mesmo teve sonhos,

em outros tempos, que lhe pareciam inatingíveis, mas que hoje são realidades na sua vida.

Quadro 2

Há tempos esteve conversando comigo um senhor, que me contou o seguinte: – Poucos anos atrás eu estava sentado na Praça Saldanha Marinho, de Santa Maria,

contemplando os edifícios de apartamentos, que estavam diante de mim. Então eu disse, convicto, para mim: “Um dia eu terei um desses apartamentos”. Hoje eu tenho um daqueles apartamentos. Naquele tempo me parecia um sonho quase impossível, porque minha situação financeira era minguada. Quadro 3 Há poucos meses, uma jovem, amiga minha, confessou-me que desejava muito ter um carro, mas não tinha condições para comprá-lo.

- Se você quer, pode adquiri-lo. Mentalize o seu carro. - Mas, como é que vou pagar? - O que você tem a fazer é mentalizá-lo com fé, com a certeza de que já possui o

carro. Veja-o diante de sua casa, sinta-se dirigindo o carro. O resto deixe para a sabedoria do seu subconsciente. Ele sabe como você pode conseguir o seu carro.

A jovem começou a mentalizar o carro de noite, de manhã e algumas vezes por dia. Cerca de três meses depois, precisamente no dia do seu aniversário, seu pai lhe deu um automóvel, e eu mesmo vi quando o carro foi entregue para ela, pouco antes do jantar que ela ofereceu aos amigos, em sua casa. O pai deu a entrada para a compra do carro e paga a metade das prestações, ficando para ela uma parte das prestações que podia pagar tranqüilamente. Quadro 4

Certo dia, Henry Ford imaginou seu famoso motor V-8. Queria construir um motor com oito cilindros num só bloco. Mandou seus engenheiros fazerem um projeto da nova máquina. Os engenheiros foram taxativos em dizer que era impossível um motor de oito cilindros numa

25 Referência livro 1 - Ilustração

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só peça. - Façam-no de qualquer maneira – mandou Ford. - Mas é impossível – retrucaram os engenheiros. - Continuem o trabalho e sigam em frente até conseguirem, não importa quanto tempo

levem. O velho ordenara e os engenheiros não tiveram outra alternativa senão darem-se ao

trabalho, porém incrédulos e sem muito entusiasmo. Passaram todo o ano em cima do projeto e nada aconteceu. Todas as experiências falharam.

Passado o ano, Ford reuniu os engenheiros para ver os resultados e nada de positivo puderam oferecer-lhe.

- Vão em frente – insistiu Ford. – Quero-o e obterei. Finalmente, depois de mais alguns insucessos, quase por acaso o segredo foi

descoberto e surgiu o conhecido Ford V-8. Foi da imaginação de pessoas visionárias e sonhadoras que surgiram tantas

invenções, como a lâmpada elétrica, o rádio, o cinema, o avião, as usinas atômicas, as cápsulas espaciais, as máquinas industriais. Quadro 5

Marconi sonhou com um sistema que pudesse utilizar o éter. Se sonho tornou-se

realidade e está ai materializado em cada aparelho de rádio e televisão. E é bom lembrar que, quando Marconi anunciou que tinha descoberto o princípio do qual poderia enviar mensagens pelo ar, sem auxílio de fios ou de qualquer outro meio físico de comunicação, alguns de seus “amigos” o forçaram a internar-se num hospital psiquiátrico para exames mentais.

Você deve entender, no entanto, que não é um simples anseio, vago e impreciso, que vai ter força capaz de tornar-se realidade física.

Você deve criar forte convicção e não apenas alguma esperança. Se você tem convicção, sua idéia surgir á, a cada instante, eletro magnetizada e essa

força emocional sensibilizará o subconsciente, fazendo-o agir na concretização desse desejo.Saiba, no entanto, que não se exige maior esforço para um alto objetivo na vida do

que para manter-se em estado de miséria e de pobreza. O sucesso chega para aqueles que têm certeza do sucesso, e, conseqüentemente,

caminham na direção dele. Nunca diga que algo é impossível. Todo desejo reforçado pela fé torna-se realidade física.

No quadro 1, o enunciador apresenta primeiramente um caso particular em

que conta sobre uma determinada frase escrita na areia em uma praia de Torres:

“Se não puderes fazer a tua vida conforme teus sonhos, faças da tua vida um

sonho”.

Este enunciado traz um princípio que vai contra ao que é defendido desde o

início do capítulo: A mente subconsciente tem força infinita capaz de realizar todos

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os desejos, mas nunca age por conta; ela age, de modo todo especial, determinada

pelo pensamento (p. 25); assim, o enunciador defende que todo sonho é realizável

pela ação da mente. A intenção do uso deste caso é apresentar uma tese geral que

será desqualificada e refutada como está demonstrado no excerto: “Sem dúvida,

uma frase poética, bonita, filosófica. Mas não totalmente verdadeira”

O emprego da expressão epistêmica sem dúvida, juntamente com os

adjetivos avaliativos de valor eufórico: poética, bonita, filosófica, demonstra que o

enunciador simula estar de acordo com o princípio geral que ela encerra; no entanto,

a presença do contrajuntivo mas aponta sua oposição para aquele argumento do

senso comum e introduz um contra-argumento: Mas, não totalmente verdadeira,

porque, quem conhece o poder da mente, sabe que todo sonho pode tornar-se

realidade.

A presença do advérbio totalmente no enunciado atenua o tom assertivo da

contra-proposição (mas não totalmente verdadeira) sem, no entanto, deixar de focá-

la como negativa (disfórica). Nesta história, o enunciador projeta duas imagens de

enunciatário: a do que, possivelmente, adere ao ponto de vista expresso pela frase

encontrada (compartilha do conhecimento do senso comum) e a daquele que não

pode aderir a ela, pois, como indica o articulador porque, quem já possui o saber

verdadeiro não toma como verdade tal conteúdo expresso no enunciado, esse modo

de relacionar sonho e realidade. Por isso retoma uma de suas premissas básicas

para reafirmar o saber doado: Tudo que é pensável é realizável. Tudo o que é

desejável e realizável. Inclusive seus sonhos.

Em seguida à refutação da tese como verdade universal, começa a introduzir

cinco casos particulares ilustrativos de que a mente, determinada pelo pensamento,

realiza os sonhos de pessoas comuns e de pessoas consagradas. Esses casos são

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apresentados, primeiro se referindo a pessoas comuns, depois, a personalidades do

mundo empresarial (Henry Ford) e científico (Marconi). Encontram-se nas ilustrações

figuras que remetem a pessoas, espaço e tempo exteriores (praias ensolaradas de

Torres, no Rio Grande do Sul, Certa manhã, um senhor, uma jovem amiga), os quais

conferem à história o efeito de realidade, a fim de que aquilo que se conta seja

interpretado como verdade.

O primeiro dos casos (quadro 2) é o que faz referência a uma conversa tida

com um senhor. O enunciador para conseguir o efeito de realidade delega a voz ao

personagem, que assume o diálogo e passa a contar como conseguiu seu

apartamento. Não há um comentário após este relato, pois outro caso segue

imediatamente a ele.

Na apresentação de outra ilustração (quadro 3), o enunciador assume-se

como narrador-personagem e conta como ensinou sua amiga a conseguir comprar

um carro por meio do pensamento positivo. Essa forma de apresentação da

personagem é diferente do que ocorreu nas anteriores, visto que aqueles

personagens eram mais afastados do autor, diferente dessa, que, como a expressão

amiga minha sugere, é próxima. Tal aproximação é verificada no emprego do verbo

confessar, que reporta à idéia de cumplicidade; verifica-se ainda que ocorre,

contribuindo para a criação do efeito de realidade, um diálogo direto entre narrador-

personagem e a personagem Amiga e entre esta e o pai.

Tal comentário é realizado após a apresentação de dois outros casos

referentes a pessoas comuns. Essa ocorrência parece visar fazer o enunciatário

inferir que ele mesmo, uma pessoa comum, pode chegar a ter “verdadeiros

impérios”.

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Na seqüência do comentário, as ilustrações passam a utilizar personalidades.

No caso seguinte, o enunciador se instala como narrador-personagem para conta

sobre o conteúdo de uma enciclopédia O tesoura da juventude. Comenta que

guardou este livro porque nele continha a prova “por uma série de argumentos

considerados científicos, que era impossível chegar até a lua”.

Contudo, bastou o homem sonhar em ir a lua que conseguiu, mesmo com

todas as evidências de que isto poderia ser impossível. A enciclopédia tornou-se,

assim, uma prova cabal de que as idéias do sujeito-autor são, necessariamente,

críveis. Esta ilustração, como na fábula, apresenta uma espécie de moral da história,

que traz embutida uma espécie de conclusão que retoma a tese central: “Tudo que é

pensável, é realizável”.

Interliga-se um caso a outro (quadro 4), mas, desta vez, é sobre uma

personagem da História, um desses homens que figurativizam o sucesso individual.

Nesse relato, o que chama a atenção é que o modo como são apresentadas as

autoridades, pois a maneira de contar sobre o personagem Ford cria o efeito de

sentido de que ambos, narrador e personagem viveram na mesma época e

participaram juntos a todo o processo de construção do motor V8.

Ao contar como ocorreu o episódio do motor, fá-lo como narrador onisciente,

o que conduz ao efeito de sentido “vivenciado o fato”. Além disso, o uso da

expressão enunciva de tempo certo dia simula também ter ocorrido o fato num

tempo muito próximo ao do diálogo realizado; tudo isso leva à construção do efeito

de sentido de realidade, e aproxima as características de empreendedor ao

enunciador.

Por fim, conta outro caso ocorrido com uma personalidade do meio científico

(quadro 5), Marconi para provar que, às vezes, o sonho parece loucura, mas a

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obstinação, a persistência e a crença o tornam realidade. A construção do discurso

parte do princípio de que o enunciatário detém o conhecimento de quem seja

Marconi, como sugere o enunciado: “E é bom lembrar que....”

Se de um lado, a ilustração mostra que as idéias propostas pelo enunciador,

assim como as de Marconi, não são fora da realidade, nem são expressas por um

louco, mas, ao contrário, pelo simulacro de um gênio (identidade entre enunciador e

o Marconi). Por outro, marca o embate entre a crença e a descrença do sujeito da

interpretação, presentificada no enunciado “(...) alguns de seus ‘amigos’ os forçaram

internar-se num hospital psiquiátrico para exames mentais”. Em seguida, reforça-se

a idéia de que é preciso estar investido das paixões da obstinação, ou perseverança,

como está indicado em forte convicção e em não apenas alguma esperança. No fim

dessa ilustração é apresentado um comentário.

Todos estes casos figurativizam o mesmo tema: a realização dos sonhos, o

que permite ao enunciador “fazer o enunciatário ver como real aquilo que se

apregoa”. Estas figuras cumprem o papel de mostrar os valores cognitivos (saber

fazer) e passionais (obstinação, pertinácia) ao enunciatário. Elas são o suporte

figurativo do tema em questão, enquanto este cumpre a função, segundo Bertrand

(2003) de

[...] dotar uma seqüência figurativa de significações mais abstratas que têm por função alicerçar os seus elementos e uni-los, indicar sua orientação e finalidade, ou inseri-los num campo de valores cognitivos ou passionais. (p. 212)

Desse modo, as figuras que aparecem nas ilustrações para serem

compreendidas necessitam serem organizadas em torno de um tema que atribuirá a

cada uma um determinado valor. O tema articulador das figuras já está textualizado,

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muitas vezes já no título e, com certeza, sustentado, por assim dizer, por cada

comentário realizado. Este funcionamento argumentativo remete ao funcionamento

da fábula.

De acordo com Bertrand (op. cit.), que discute a relação entre o temático e o

figurativo, a significação temática pode se dar em segundo nível, quando, no texto, o

tema encontra-se implícito, portanto, não textualizado, no entanto, a significação

temática pode, ao contrário, estar textualizada. Para o autor, significação temática e

abstrata pode também ser desenvolvida como uma unidade discursiva de

comentário combinado ou agregado à significação figurativa da narrativa. Assim,

ocorre, entre outros casos, com a fábula e sua moral. A primeira dispõe em

expansão figurativa aquilo que a última condensa abstratamente. A relação e a

equivalência entre as duas unidades de discurso podem ser formalmente

comparadas àquela que une a palavra à sua definição. Mas o par fábula/moral,

reformulado como figurativo/temático, realiza sobretudo uma das regras básicas da

retórica aristotélica: a persuasão se dá, quer por meio de exemplos, quer por meio

de raciocínios. (212-213)

Nos livros analisados, via de regra, o enunciador utiliza-se do par figurativo /

temático para persuadir. Esta ligação que ocorre entre a ilustração e sua definição

parece servir para garantir que a interpretação seja monossêmica e de caráter

direcionador, no sentido de garantir que o enunciatário creia na existência de uma

“verdade única”.

Em ref. L2- IL, quadros 6 e 7, não é diferente: utilização do caso particular se

presta também a demonstrar o ponto de vista do enunciador a respeito de algo: o

porquê das pessoas não reconhecerem uma oportunidade quando ela surge. O

modo de emprego é o mesmo.

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Quadro 6

WOODY ALLEN NEM ACREDITOU Recordo um episódio em que estiveram envolvidos dois grandes personagens do

cinema mundial. Pouca gente ficou sabendo. Até porque, na verdade, foi algo que não aconteceu. Na década de 1980, Woody Allen chegou à capital italiana e hospedou-se num dos grandes hotéis do centro. Sendo já a essa altura uma celebridade do cinema, viu-se cercado por uma barreira de guardiães da sua privacidade. Enquanto Allen descansava, o hotel recebeu um telefonema de um certo senhor que se identificou como Federico Fellini, que desejava saudá-lo e desejar-lhe boa estada em Roma, embora os dois não se conhecessem pessoalmente. O diretor americano, ou quem sabe algum de seus assessores, dispensou sumariamente o suposto impostor. Não lhe passou pela cabeça que o próprio Fellini, sumo sacerdote do cinema e personagem recluso, arredio, pudesse tomar a iniciativa de umcontato com um diretor mais jovem e estrangeiro. Era Fellini. Mas Allen só ficaria sabendo disso bem depois, por intermédio do ator Marcello Mastroiani, íntimo amigo do amigo do diretor italiano. Não é demais imaginar que esse contato direto entre Fellini e Allen pudesse ter sido a semente de uma colaboração importante entre os dois. O certo é que o americano dava tanta importância ao outro que chegou a duvidar da autenticidade do telefonema. Temos aqui um exemplo de oportunidade perdida. E perdida por um homem de cinema que busca, ele próprio, encontrar oportunidades significativas na vida de seus personagens, para assim enriquecer o enredo de seus filmes. Olhando para trás, revendo o roteiro de sua existência, você haverá de reconhecer que a vida lhe pareceu oportunidades. O que se pode dizer é que muitas vezes não as reconheceu no devido tempo. Avaliou mal. Não pensou nos possíveis desdobramentos daquela chance que apareceu no horizonte. E novamente aqui podemos recordar uma história ocorrida no âmbito de pessoas de sucesso, porém numa época em que tal sucesso ainda não parecia plausível. Quadro 7

VALORES FLUTUANTES E PERMANENTES

Quando falo nesse quadro de valores refiro-me “aqueles que são, por assim, dizer, “flutuantes”“. Mudam segundo o tempo e o lugar. Saber percebê-los e levá-los em conta é um quesito fundamental no mundo do trabalho.

Esses valores “flutuantes”, por sua própria natureza, exigem um aprendizado constante e dizem respeito sobretudo à vida adulta. É em nossa trajetória pessoal e profissional, no próprio acúmulo de experiências, nas comparações que fazemos que nos educamos para a diversidade.

Porém existem ainda outro quadro de valores que poderíamos chamar de “permanentes”, ligados muito mais ao tipo de educação que recebemos em casa e na escola. Aí se encaixam, por exemplo, a honestidade e o sentido ético. Quando não se traz esses valores na brasa, dificilmente se consegue adquiri-los no curso da vida adulta ou no campo profissional.

Existe uma história pueril, mas extremamente significativa do folclore africano, contida n’O livro das virtudes II, de Willian J. Bennett, que ilustra bem o que estamos discutindo.

Antigamente, os cinco dedos ficavam bem juntos na mão, lado a lado. Eram todos amigos. Aonde um ia, seguiam os outros. Trabalhavam juntos, brincavam juntos; lavavam, escreviam e cumpriam seus deveres juntos.

Um dia, os cinco dedos estavam descansando numa mesa quando espiaram um anel de ouro largado ali perto.

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– Que anel brilhante! – exclamou o primeiro dedo. – Ficariam lindo em mim – declarou o segundo dedo. – vamos pegá-lo! – sugeriu o terceiro dedo. – Depressa! Agora que ninguém está olhando! – cochilou o quarto dedo. Já iam pegar o anel quando o quinto dedo, chamado Polegar, falou: – Esperem! Não devemos fazer isso! – gritou. – Por que não? – perguntaram os outros dedos. – Porque o anel não nos pertence – disse o Polegar. – É errado pegar uma coisa que

não é sua. – Mas quem vai saber? – perguntaram os outros dedos. - Não – disse o Polegar. – Isso é roubo. Então os outros quatro começaram a zombar do Polegar. – você está com medo! – disse um deles – Ai, que bonzinho que ele é... – comentou outro. Mas o Polegar balançava a cabeça. – Não ligo para o que vocês falam. Eu não vou roubar. – Então não fique mais junto de nós! – gritaram os quatro dedos em uníssono. – Você

não pode ser mais nosso amigo. E saíram em grupo, deixando o Polegar sozinho. No começo, acharam que ele iria

segui-las e implorar para voltar a ficar junto. Mas o Polegar sabia que estavam errados e ficou leal aos seus princípios. É por isso que, hoje, o Polegar fica isolado dos outros quatro dedos.

Nota-se que no quadro 6, antes de apresentar uma ilustração, nas seções

anteriores, o enunciador de antemão apresenta um princípio geral que norteia os

temas: “a desatenção e a incredulidade” (no reconhecimento de uma oportunidade):

Muitas vezes, o que impede as pessoas de reconhecer uma oportunidade é a pura e simples falta de atenção. Ou até de credulidade. (p. 26).

Em seguida, passa a ilustrá-la, apresentando pessoas renomadas que

vivenciaram uma situação em que não aproveitaram uma oportunidade devido à sua

falta de atenção e à sua incredulidade. A utilização de pessoas de renome (Wood

Allen e Tony Sheridan) tem o objetivo evidente de provar que qualquer pessoa pode

se encontrar desatenta e perder uma boa oportunidade na vida. Esta ilustração está

sendo regida, assumida pelo tema que a direciona no sentido da finalidade

estabelecida.

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No outro caso, quadro 7, ocorre processo idêntico em que há a articulação

entre tema (textualizado) e figura, sendo o tema o da falta de valores na vida.

A mensagem que se evidencia é a de que quando não se cultivam valores

como honestidade e sentido ético na base da formação do indivíduo, dificilmente

este consegue adquiri-los no curso da vida adulta ou no campo profissional. A

seguir, apresenta uma ilustração, a qual deve ser lida como uma pequena história

imaginária. Nela se demonstra, por meio de quatro personagens, os dedos das

mãos, que os valores quando estão totalmente internalizados, graças à boa

educação, guiam as ações das pessoas em consonância com a ética e a moral,

preservando, assim, o caráter da pessoa. Cada um dos dedos figurativiza um

caráter, um valor ético-moral (flutuante ou permanente), e a história se desenvolve

na esteira da euforização da atitude do Polegar e da disforização dos outros dedos.

O comentário não está no final, mas no início; contudo o efeito é o mesmo: a

definição do que se ilustra está textualizada, e, de acordo com Perelman &

Olbrechts-Tyteca (2002:408), a ordem do discurso não é essencial, caso as

ilustrações de uma regra cabalmente aceita podem preceder seu enunciado.

Todo o procedimento argumentativo por meio do caso particular se repete nos

mesmos moldes nos quadros da Ref.L3-IL; o enunciador-autor lança mão de casos

para produzir o efeito de realidade e, conseqüentemente, leva o enunciatário a

interpretar os casos como uma lei (regra) digna de fé, pois está condizente com a

realidade (a construída no discurso); além do mais, isso é feito sempre com o tema

posto explicitamente.

Para exemplificar, veja-se o quadro 8 (Ref. L3 – IL), em que o enunciador para

ilustrar sua tese conta um fato ocorrido com ele quando assistiu ao filme De volta

para o futuro.

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Ref. L3 – IL Quadro 8

A CONGRUÊNCIA

1. Talvez você tenha assistido ao filme “De volta para o futuro” e se lembre do super carro com o qual as pessoas viajavam no tempo. Aquela máquina fantástica era alimentada por um capacitor de fluxo de energia, localizado num painel atrás do banco do piloto. Quando o vi, constatei surpreso que o desenho que eu havia criado em minha cabeça da Fonte do poder era exatamente igual.

2. Fonte do poder? Isto mesmo. Todos nós temos, conscientes ou não, uma nascente de energia pessoal.

É a idéia central deste capítulo e ficará clara ao longo dos próximos parágrafos. 3. No filme mencionado, o tal “capacitor de fluxo de energia” era representado por

uma espécie de triângulo, no qual três correntes de luz convergiam de suas extremidades para um núcleo central resplandecente, o fulcro energético do poder. Observando aquele fluxograma, pude visualizar, de maneira simplificada e dinâmica, um processo extremamente sutil, refinado e profundo, e que apenas começamos a descobrir e entender. Não pude deixar de sorrir, eu tinha encontrado uma metáfora feliz.

4. Tais idéias não são minhas, não são originais e nem são novas. Em toda literatura conhecida que reconhece no homem uma manifestação do divino, da Bíblia à Torá, dos Rigvedas ao Corão, encontramos, sob diferentes formas, a referência constante às palavras, aos pensamentos e às obras, como aspectos essenciais da vida do homem. Não é casualidade. A confluência destas três energias, aparências interdependentes e complementares da unidade ou do todo, origina um eixo singularmente poderoso, o manancial da vitalidade, aqui chamado de congruência.

5. Reforçando: a congruência se realiza através da “soma” das expressões verbal, mental e ativa da vontade de viver, da esperança, da fé, do amor, do trabalho. do perdão, da amizade, da gratidão, da paz, do entusiasmo, da liberdade, da segurança, da saúde, da alegria, do prazer, da justiça, da prosperidade, do merecimento, da celebração e demais estados expansivos. Mas também através do oposto disso tudo. Pois congruência é afinação: se alguém afina seus pensamentos, suas expressões verbais e seus afazeres com um sentimento de natureza limitante, como a raiva, por exemplo, ficará “poderosamente enraivado”. É claro que tamanha ferocidade poderá ser útil em algumas situações, mas se predominar, em todas elas, envenenará o sangue. Isto posto, se se trata de coerência, é bom ficar atento.

Algumas figuras da semiótica natural são reconhecíveis: carro; pessoas;

viagem; máquina; alimentava; painel, banco do piloto; desenho; cabeça; triangulo;

correntes de luz dão concretude ao conceito “fonte de poder”, ou seja,

desempenham a função de criar a “ilusão referencial”.

Tal figurativização do texto, já em seu momento inicial, não é sem propósito,

porque tratar do tema fonte do poder exige um grau de concretização grande a fim

de tornar visível tal fonte e, conseqüentemente, crível sua existência. Quando o

enunciador apela para elementos que remetem ao mundo natural, permite ao

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enunciatário reconhecer um conceito, que, via de regra, explica-se por meio de

operações abstratas (conexões lógicas e lingüísticas). Ao recobrir o tema (fonte do

poder) com figuras tais como triângulo, correntes de luz, materializa-o na

consciência, porque incorpora as formas que o ilustram, dando-lhe existência real.

Note-se que o enunciador, logo após relatar sua surpresa quanto á

coincidência entre o que ele desenhou em sua cabeça e o capacitor, delimita sua

tese: todos possuem uma fonte de poder. E em seguida, passa a comentar as

relações entre o filme e sua idéia proposta; gradualmente, passa-se do mais

concreto (parágrafos 1, 2 e 3) ao mais abstrato. Ou seja, após ter dado certa

materialidade e forma passa-se a conceituar, explicar e a comentar a tal fonte do

poder.

Dessa forma, no livro de auto-ajuda, como se observa, não há a tendência de

se partir de um fato concreto em sentido a uma generalização, visto que, primeiro é

apresentada uma regra (lei, princípio ou premissa). Neste sentido, o enunciador

tende a empregar, estrategicamente, o caso particular como ilustração. Enquanto o

exemplo não pode oferecer no processo de persuasão nenhum tipo de dúvida, a

ilustração prescinde deste estatuto, pois ela, menos que ser inconteste, deverá muito

mais impressionar vivamente a imaginação para impor-se à atenção. (Perelman &

Olbrechts-Tyteca, 2002: 407).

A eficácia reside, pois, em sua força de provocar no enunciatário uma espécie

de comoção em prol da adesão da tese do enunciador, por meio do revestimento da

regra (tema) com imagens (figuras) que a tornem presentes na imaginação.

Semioticamente, o desenvolvimento temático se dá pela combinação entre

comentário e significação figurativa, o que lembra, como se apontou, a estrutura de

uma fábula. A implicação é que não se abre para o enunciatário a possibilidade de

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livre interpretação. A responsabilidade desta interpretação fica a cargo do

enunciador, que a oferece pronta.

O modo como são apresentados os casos, nos livros, corrobora a idéia de

que não há a preocupação, por parte do enunciador, em apresentar fatos

incontestáveis. Pode-se questionar a validade de todas as ilustrações, mas o que se

pretende é causar no enunciatário esta “impressão vívida”, o sentido de que a

totalidade dos fatos pode ocasionar essa ilusão que faz ver e cria uma realidade, a

qual é desejada pelo enunciatário; cria-se uma cenografia (Maingueneau, 2001).

Com esse recurso, espera-se que as ilustrações, de algum modo, possam levar o

sujeito da recepção a interpretá-las como verdades, e como uma verdade possível

de ser vivenciada no discurso.

3.10 O MODELO E A CONDUTA ACERTADA DE AGIR

O emprego da ilustração, ao criar o efeito de sentido de realidade,

proporcionando visibilidade aos princípios básicos da auto-ajuda, cria um campo

discursivo baseado na crença de que os sucessos e os fracassos relatados estão

associados totalmente à adesão do enunciatário a estes princípios. Tal adesão

deverá ser traduzida em condutas; por isso, o sujeito da persuasão faz parecer que

está modalizado por um querer fazer o enunciatário mudar suas condutas. De

acordo com Perelman & Olbrechts-Tyteca,

Quando se trata de conduta, um comportamento particular pode não só servir para fundamentar ou ilustrar uma regra geral, como para estimular a uma ação nele inspirada. (op. cit:413)

Há casos particulares empregados, nesta literatura, que não estão voltados

nem para generalização da regra nem para dar visibilidade a ela, mas para moldar

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uma conduta. Nos quadros pertencentes à ref.L-M26, por exemplo, o enunciador age

sobre o enunciatário para que este passe a assumir uma conduta condizente com

determinados princípios apregoados a fim de alterar positivamente os modos de agir

em várias situações e alcançar o sucesso.

A conduta a ser alterada, ou mesmo construída, diz respeito à “conduta ético-

moral”, à “conduta psicológico-emocional” e à “comportamental”. O sujeito da

persuasão quer interferir tanto no modo de agir socialmente como no modo de agir

psico-emocionalmente, para tanto lança mão de figuras do mundo exterior,

personalidades que são consideradas socialmente modelos, enfim, figuras que

personificam temas como objetividade, sagacidade, “empreendedorismo”, entre

outros.

Em ref.L1-M, quadro 9, por exemplo, o enunciador inicia a seção partindo do

princípio de que o enunciatário já vislumbra o caminho do sucesso. Mas, na verdade,

nela se observa que o objetivo é opor-se ao modo de pensar do sujeito da recepção,

ou em termos narratológico, é fazer com que o enunciatário entre em disjunção com

um saber equivocado (seu modo de pensar) e entre em conjunção com o saber

verdadeiro. Sua estratégia visa, primeiramente, a manipular o enunciatário,

associando a imagem atual deste às figuras que tematizam a incompetência; tais

figuras remetem a pessoas comuns que “agem” negativamente por meio de seus

pensamentos e têm o hábito de culpar os fatores externos como sendo os artífices

de seus problemas.

Depois do processo de disforização da imagem, o enunciador passa a fazer o

enunciatário ver a urgência para operar a mudança de estado, como as figuras

esparsas demonstram..

26 Referência Livro – Modelo

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Outras figuras utilizadas tematizam o sucesso, a vitória, os grandes feitos; são

figuras que remetem a personalidades que marcaram época por causa de alguma

ação no mundo. Sua presença visa levar o sujeito da interpretação a crer que o

melhor é se espelhar nos modelos socialmente aceitos, pois eles realizaram ações

que dignificaram o mundo, e ele, o enunciatário, também poderá assim proceder. O

enunciador, estrategicamente, vincula a capacidade de realização destas

personalidades às capacidades de estabelecer grandes metas:

Grandes homens começaram como você, mas se tornaram grandes porque alimentaram permanentemente grandes pensamentos, grandes metas. (TREVISAN, 1980:18)

Estabelece-se o seguinte raciocínio: como o enunciatário não teve e não tem

a mesma atitude (pensar grande) que os grandes homens, não se tornou um homem

de sucesso, por isso, é necessário passar a ter grandes metas para alçar ao

sucesso. Evidencia-se o processo de levar o enunciatário, primeiro, a reconhecer

seu problema (ele era como eu, mas teve sucesso porque pensava grande); depois,

identificar-se com as personalidades (preciso ser grande, pensar grande como estes

homens, afinal, eles eram iguais a mim), passando por um processo de incorporação

dos modelos.

Isso se repete nos outros casos como o do quadro 10, quando o mesmo

enunciador emprega figuras que remetem a nomes bíblicos, dando-os ao

enunciatário como modelo de ”atitude de fé”: preconiza-se que para se alcançar

algo, tem de ter a mesma atitude dos grandes personagens da bíblia. O emprego de

figuras de homens religiosos como modelos procura persuadir o enunciatário a se

identificar não só com os homens de grandes feitos, na vida empresarial, filosófica,

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artística etc, mas também com os que se tornaram santos. Tenta-se, assim, levar o

sujeito da interpretação a crer que o sucesso está vinculado a um tipo de atitude

religiosa: ter fé, crer cegamente e agir segundo este crer.

Nos casos retirados dos outros livros, também se observa a mesma

estratégia.

Ref. L2-M Quadro 11

SEGURANÇA VEM DE DENTRO

O instinto faz como que você esteja mais seguro do que outras pessoas de que tal proposta, tal caminho é a alternativa correta em dada circunstancia. Se alguém lhe perguntasse por quê, talvez você não soubesse responder. No entanto, você sente. E isso, acredite, faz grande diferença no mundo dos negócios.

Silvio Santos, por exemplo, mesmo sem ser um homem de grande qualificação acadêmica, tornou-se um bem-sucedido apresentador de tv e empresário. Ninguém duvidaria de seu formidável instinto para se mover no meio em que atua.

Tudo o que posso lhe dizer é: siga seu instinto. Em algum momento, ele vai lhe ser útil. E, eventualmente, pode até salvar sua vida, por que não? Basta recordar, por exemplo, o senhor que perdeu aquele vôo que acabou em tragédia próximo ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Ele estava lá, mas na hora de se apresentar para o embarque alguma coisa o travou. Perdeu o vôo – e sobreviveu. São fatos inexplicáveis do ponto de vista estritamente racional, lógico e argumentativo. E, no entanto, plena, ente compreensíveis se pensarmos que o instinto, embora para nós uma força insondável, está claramente associado a uma forma de conhecimento que se situa muito além do domínio da lógica. (40)

Há primeira vista, o objetivo de citar Silvio Santos é o de ilustrar a questão de que o sucesso não está vinculado necessariamente ao grau de escolaridade, mas ao seguir o instinto, que segundo João Dória Júnior dá mais segura. Mas a ênfase parece recair não na questão da qualificação acadêmica mas a atitude de agir por instinto: Ninguém duvidaria de seu formidável instinto para se mover no meio em que atua. Quadro 12

A FORÇA DA MATURIDADE Conheço várias pessoas que se lançaram em empreitadas de fôlego numa fase da

vida em que a maioria já se acomodou ou pendurou a chuteira. San Walton abriu a primeira loja Wal Mart aos 44 anos de idade. Roberto Marinho

criou a Globo, que se tornaria a quarta maior rede televisiva do mundo, quando já tinha 60 anos e podia, se quisesse, simplesmente vestir o pijama e se aposentar. Alcides de Gasperi (19 881 – 1954). Líder da democracia cristã italiana, já entrava na casa dos 70 quando se tornou primeiro-ministro da Itália, na fase de florescimento econômico do pós-guerra. Enfim, não faltam nomes de grandes realizadores para provar que a idade não conta quando se trata de perseverança e obstinação.

O importante é cultivar tais atributos o mais cedo possível. A perseverança nem sempre é inata. Minha experiência mostra que ela também pode ser conquistada, construída com os amplos recursos dessa estranha forma de engenharia que sustenta o caráter de um homem.

Edson de Godoy Bueno nasceu em Guaratã, no interior de São Paulo , perdeu o pai e

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foi criado pelo tio. As dificuldades o levaram a trabalhar como engraxate na estação ferroviária da cidade (...). Criou um serviço de engraxataria em domicilio, o delivery , como se diria hoje. Ele, porém, criou isso cós anos 50 (...)

Ele construiu uma competente carreira como médico, gerente e depois como proprietário de clinica num dos lugares mais miseráveis do mundo: o município de Caxias, no Estado do Rio (...)

Edson superou a dureza de ter perdido o pai tão cedo, as provações materiais, a desconfiança e a inveja. Em sua história, encontramos o principal ingrediente: a perseverança. Ela foi um dos segredos de Edson. Dele e de muitos outros que abriram caminho para o sucesso em meio ao mundo dos destinos impossíveis. Para uma pessoa perseverante, nem o céu é o limite. (92)

Quadro 13

LIÇÕES DE OBJETIVIDADE

Ao longo de minha carreira, tive a oportunidade de conhecer algumas pessoas cuja eficiência se baseia, entre outras coisas qualidades, num elevado grau de objetividade. Um desses casos pe certamente o de Edemar Cid Ferreira, presidente do Banco Santos e, ao mesmo tempo, continuar empenhado de corpo e alma em sua atividade empresarial. Não é possível harmonizar tão bem essas coisas se a pessoa não consegue organizar sua agenda de forma inteligente.

Outro nome que não posso deixar de citar é do empresário Antonio Ermírio de Moraes. Não sei onde ele conseguiu desenvolver de forma tão exemplar seu sentido de objetividade e coerência. Talvez devido à sua formação de engenheiro, profissão na qual se aprende a buscar o caminho mais curto e mais lógico para cada questão. Posteriormente, a absorvente atividade como empresário, no Grupo Votorantim, com certeza deu o arremate final em um pendor natural para as coisas praticas. Esse traço pessoal de Antonio Ermírio, nada tecnocrático, permite que ele dê atenção ao lado ético e humano da vida, àquilo que não pode exprimir em números.

Por fim, outro ícone da objetividade que igualmente admiro é Ozires Silva. Em 1999, ele assumiu o cargo de presidente-executivo da Varig com o desafio de mantê-lo na liderança das companhias aéreas nacional num momento de indefinições (...) um dos grandes trunfos para de mover no mundo empresarial é a objetividade. Além, é claro, da grande influencia acumulada nas esferas federais(...).

A agenda de Ozires silva tem de ser do tamanho do Maracanã. Cabe lembrar que ele pertence a conselhos administrativos de quase uma dezena de empresas (...).

Num mundo ágil, competitivo, pessoas objetivas serão sempre mais valorizadas do que as prolixas. E não apenas porque ao administrar bem o tempo conseguem desempenhar múltiplas funções. Também conta o fato de que uma postura objetiva impõe respeito e, não raro, desperta admiração. (122)

Ref. L3-M Quadro 14

SOBRE O SONHO E A REALIDADE

Senna quis ser campeão mundial. Conseguiu. Arlete quer trocar de carro. Está poupando dinheiro. Renato planeja abrir seu próprio negócio. Estuda as possibilidades. Pedro arriscou ser autônomo e não deu conta. Ícaro queria voar até o sol. Da Vinci desejava tão-somente voar...

A verdade é que não existe um único objetivo que não tenha sido precedido de um

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sonho. E embora na nossa cultura a maioridade represente uma passagem irresistível para o terreno árido da “realidade”, sonhar é uma função básica inerente ao ser do homem, e não um predicado apenas reservado apenas reservado e permitido e pimpolhos e adolescentes. Por isso Marc Chagall defendeu como ninguém o direito de todos à “imaginação infantil”; e já idoso, o magistral pintor concluiu: “eu levei a vida inteira para voltar a pintar como uma criança de sete anos”.

Filosofia a parte, você sabe que para se construir a casa idealizada é necessário trabalho concreto. Noutras palavras, ouse sonhar e sonhe; mas arregace as mangas e trabalhe com garra para realizar e merecer na matéria o que em sonho já lhe pertence. (48) Quadro 15

O MÉRITO A QUEM FAZ POR MERECER

O merecimento é a canção que chama a vitória. Portanto, é imprescindível você cantar com entusiasmo. Porém, se você duvida de estar à altura da meta pretendida, invista em si próprio e trabalhe. O mérito só aparece para quem o constrói com a força e a habilidade das mãos; e se a gente vence sem ele a conquista não tem graça: é insípida, tíbia e olvidável. (...)

Há uma passagem famosa da vida de Beethoven, que pode agora nos servir de guia: Após brigar com o príncipe que o hospedava, o compositor retirou-se do castelo e foi passar a noite numa humilde estalagem. Contudo não deixou por menos; redigiu um bilhete e enviou para o prepotente ex-anfitrião: “Você é o que é por sorte ou por nascimento. Eu sou o que sou graças a mim mesmo. Existiram e existirão outros príncipes, mas existirão apenas um Beethoven!”

E sabemos que, além do seu genial talento, o compositor chegou a ser quem foi graças a uma formidável capacidade de fazer. Este é o principal segredo do merecimento. (128)

Quadro 16 O QUE A META EXIGIRÁ DE VOCÊ FISICAMENTE?

Quer seu objetivo solicite ou não performances especiais, este tópico deve ser

analisado em particular. Há compatibilidade entre seu estado de saúde e seu propósito? Necessita de algum ajuste nessa área? Seu corpo físico é o invólucro que contém você: é um lugar sagrado sem religião. Independentemente do que ambiciona, a prática de um esporte ou atividade de lazer, alimentação mais adequada, regime ou fim de um vício, aumentarão sua resistência e vitalidade. Cuide-se.

Estar com o corpo são e em forma nunca é demais. Desconheço quem tenha deixado de atingir uma meta porque dispunha de um bom condicionamento físico. Mesmo Tom Hanks precisou de muita saúde para perder 14 quilos e interpretar o aidético Andrew Beckett, em Filadélfia, e levar o Oscar de melhor ator! (75) Quadro 17

O QUE A META EXIGIRÁ DA SUA MENTE?

A saúde mental e o conhecimento técnico que você tem são suficientes? Chegamos ao know-how, a competência atestada num fazer específico. É o que o dito popular cunhou no “quem sabe, sabe, e quem sabe, faz!”

Faça uma auto-avaliação. Evite começar se julgando o máximo ou o mínimo. Ache-se apenas uma pessoa em saber o que o caminho eleito irá exigir, intelectualmente, de si. Elabore um quadro do que constata (...) você pode precisar de uma atualização, de um curso técnico ou começar a falar alemão. Como no kaisen – sistema japonês de aperfeiçoamento

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continuo do qual falamos paginas atrás – é possível melhorar a cada dia. E aí, é respirar fundo, encher o peito e partir para o ataque. Guardo na carteira um pequeno e já amarelecido recorte de jornal sobre a inglesa Tabitha Baker que aos 106 anos entrou para a faculdade... (76)

Seu emprego não pretende simplesmente que o enunciatário venha a imitar

por um ato de inércia27 – como geralmente se diz ocorrer na relação familiar em que,

por exemplo, o filho imita o pai quase que automaticamente, passando a adotar,

como seus, trejeitos e até mesmo modos de vida pelo simples fato da convivência

cercada pela óbvia admiração, respeito etc. –, mas, ao contrário, ela é utilizada com

a pretensão deliberada de levar este sujeito a agir conforme o querer do enunciador,

a incorporar um jeito de ser, um modo de ver o mundo e de agir sobre ele. Para

tanto, o sujeito da emissão recorre a nomes de expressão (figuras) para serem

usados como modelos.

No entanto, quando se analisa esta estratégia, às vezes, no primeiro

momento, há a tendência de a confundir com a ilustração, pois parece “dar a ver”

aquilo que se defende, como se observa no quadro 11 (observa-se tal tendência

também nos quadros 13, 14, 15 e 16). À primeira vista, o objetivo de citar Sílvio

Santos, por exemplo, é o de ilustrar a questão de que o sucesso não está vinculado

necessariamente ao grau de escolaridade; mas a ênfase parece recair sobre a

atitude de agir por instinto e não sobre esta questão de escolaridade: “Ninguém

duvidaria de seu (de Silvio Santos) formidável instinto para se mover no meio em

que atua”.

Perelman deixa claro que só se pode ser utilizado como modelo pessoas de

notoriedade, ele explica que

27 Termo reproduzido de Perelman (2002), quando trata de demonstrar que a imitação pode se dar pela identificação involuntária ou pode ser provocada.

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A argumentação pelo modelo, como argumento de autoridade, supõe que se trate de uma autoridade que, pelo seu prestígio, serve de caução à ação visada. E esta, aliás, a razão pela qual aqueles que se sabem modelo devem prestar atenção ao que fazem e dizem. (1993: 124)

E mais,

Servir de modelo pode fornecer um modelo, a saber, a imagem idealizada que aquele que o toma por modelo formou na sociedade, valores. (ibid.)

Isso também ocorre no caso pertencente ao quadro 12. Contudo, dessa vez, a

forma de apresentação dos nomes faz crer que são empregados para criar uma

referência positiva do modo como estas pessoas agem, mesmo com a idade

considerada avançada para determinadas incursões empresariais, sociais, culturais

etc. Entretanto este papel não invalida o de ilustração, se se considerar que estes

nomes ilustram uma regra geral (tema) que pode ser enunciada da seguinte forma:

ser bem sucedido não tem idade. De todo modo, o fato destes nomes estarem

relacionados a grandes feitos faz deles pessoas a serem imitadas.

Já nos quadros 13 (ref. M L2) e 17 (ref.M L3), os casos particulares relatados

têm a função de apresentar claramente os modelos do próprio enunciador para

possibilitar que ele mesmo se torne um modelo, uma vez que

O fato de seguir um modelo reconhecido, de restringir-se a ele, garante o valor da conduta; portanto, o agente que essa atitude valoriza pode, por seu turno, servir de modelo: o filosofo será proposto como modelo à cidade porque ele próprio tem como modelo os deuses; Santa Teresa será inspiradora da conduta dos cristãos, porque ela própria tinha Jesus como modelo. (PERELMAN, 2002: 415)

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140

A estratégia do enunciador, portanto, ao mostrar, direta ou indiretamente,

seus modelos, faz com que ele mesmo passe a ser um modelo, dando-lhe

credibilidade – o que já é previsto nas apresentações de livros, nas fotos

apresentadas, no discurso do editor. Dessa forma, a utilização dos modelos visa

fazer com que o enunciatário creia naquilo que o enunciador, com vistas a alterar a

conduta (moral, de pensamento etc), diz, ao pretender que se imite os grandes

homens, inclusive o próprio enunciador, como fica claro na seguinte passagem:

Sem falsa modéstia, eu me incluo nesse grupo de brasileiros que age movido pelo um sentimento (sic.) que aflora. Em tudo que faço, coloco uma dose de emoção. A dose certa, que obviamente não ultrapassa a razão, a reflexão, mas me garante energia para cumprir determinada tarefa. (p.140)

Tais estratégias argumentativas, ilustração e modelo, não são utilizadas

isoladamente uma da outra; muitas vezes, o enunciador emprega uma seguida da

outra, o que parece garantir mais eficácia argumentativa, pois, além tornar presente

os preceitos defendidos, sua quantidade parece reforçar seu feito de realidade, cria,

portanto, o ambiente propício para que o enunciatário interprete aquilo que se diz

como verdade do discurso e, conseqüentemente, a torná-los (os preceitos) também

dignos de imitação, ao constatar que grandes homens seguem tais princípios.

Assim, o caso particular é empregado no papel de ilustração e no de modelo.

Esse emprego visa, de um lado, levar o enunciatário a ver a regra (tema) e nela crer;

de outro, faz com que o enunciatário assuma outros padrões de conduta. As

análises destes casos sinalizam que os utilizados no discurso como ilustração

tendem a assumir a estrutura de uma fábula em que tema e figura são empregados

conjuntamente, de modo que o tema sempre estará textualizado, na maioria das

vezes, após a ilustração. Os casos de ilustração e modelo enquadram-se na

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estratégia de figurativização esparsa de discursos temáticos com o intuito de dar um

corpo aos temas, criando vínculos entre o enunciatário e a realidade construída no

texto.

3.11 O PAPEL DISCURSIVO DA ILUSTRAÇÃO E DO MODELO

O discurso de auto-ajuda tem como um dos fundamentos argumentativos o

emprego do caso particular com a função de ilustrar e de ser modelo. Os casos são

utilizados complementarmente e aumentam a eficácia argumentativa, pois funcionam

como figuras que, neste discursivo, simulam serem reais nos acontecimentos

relatados. Se toda relação entre os sujeitos é intermediada, necessariamente, por

imagens, que, em semiótica, são consideradas como simulacros, representações

estereotipadas, que os sujeitos assumem no processo da comunicação, o processo

efetiva-se guiado por estas imagens convencionais projetadas, determinando

comportamentos e garantindo a eficiência comunicativa.

Ao tratar, no início deste capítulo, da pergunta retórica, observou-se que,

discursivamente, ele evidencia o modo como o enunciador age sobre o enunciatário

na comunicação, o primeiro visto como déspota (excessivo ou contido) e o segundo,

como um discípulo “sem voz”. Essa relação, por sua vez, sinaliza o processo de

monologização, em que a fala do enunciatário é “fagocitada” pela voz do enunciador.

Pela hipótese de trabalho, acredita-se que o emprego do caso particular, ilustração e

modelo, que, discursivamente, assume o papel de produzir o efeito de sentido de

realidade a fim de promover a adesão do enunciatário às teses propostas pelo

enunciador, também evidencia este processo de destituição. Assim, o modo como os

casos são apresentados sinalizam para uma relação, igualmente, despótica entre

estes actantes da comunicação.

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Os casos particulares são utilizados para provar a tese geral de que é

possível mudar a realidade do enunciatário, levando-o a crer que passará de um

estado disfórico para um estado eufórico e, ainda, para fazer com que o

enunciatário-leitor creia que aquilo que se diz seja a verdade única e universal. Além

disso, especificamente ao utilizar os modelos, cria-se a identidade do leitor com

figuras que remetem a personalidades de sucesso, o que implica construir um

ambiente de expectativa de incorporação do modelo: o leitor também poderá ser um

Thomas Edison, um Silvio Santos, um Antonio Ermírio de Moraes etc.

Quando o caso particular passa a ser parte do tecido argumentativo-

discursivo dos livros, o enunciador foca aquilo que ele pretende que o enunciatário

se atenha. Em L1, no quadro 3 e 6 (ref.L1-IL), por exemplo, observa-se que ele

introduz o caso, coloca os personagens em algum tipo de diálogo, e, imediatamente,

tece comentários específicos que fecham os sentidos do relato e, direcionando, com

isso, toda a atenção do enunciatário paro os pontos julgados importantes. Em

seguida, reafirma a regra como sendo geral e guiadora da conduta que se espera do

enunciatário.

O enunciador controla a interpretação, pontuando os aspectos do caso

apresentado, seja positivo ou negativo, em direção aos sentidos que considera

importantes de o enunciatário reter. Essa dinâmica não possui uma estruturação

dialógica, pois, exige-se do sujeito da interpretação o papel passivo de aceitação

plena daquilo que se diz, ou seja, espera-se que ele creia totalmente no dito e a este

adira, incondicionalmente.

Conseqüentemente, o enunciatário é considerado um mero receptor

(passivo), cabendo-lhe apenas o papel de aceitação, o que faz com que a vontade

do enunciador assuma a força ou a qualidade de uma lei. O modo de relação entre

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os actantes da comunicação, portanto, tende ao monológico, porque o enunciatário é

afastado do discurso, uma vez que os comentários do enunciador, devido ao seu

caráter direcionador, excluem qualquer possibilidade de outro sentido que não seja

aquele construído no texto, não há liberdade interpretativa.

Assumindo com Bertrand (2003), o postulado de que a significação temática

pode ser desenvolvida de várias formas, verifica-se que o modo como ocorre no livro

de auto-ajuda, no tocante à utilização de caso particular, na forma de ilustração e

modelo, é aquele em que a significação temática se desenvolve por meio da

combinação ou agregação de uma unidade discursiva de comentário à significação

figurativa. Considera-se, portanto, que a significação está explícita, pois, se fosse

implícita, a interpretação estaria aberta ao enunciatário, que assumiria a inteira

responsabilidade; nas palavras deste autor:

Mas essa significação pode também permanecer implícita, quer porque se espere que seja interpretada de maneira evidente quer porque se abra à livre interpretação do destinatário, ficando então inteiramente sob sua responsabilidade. É o caso da parábola, caracterizada pela pluralidade de isotopias figurativas possíveis para significar uma única isotopia temática, quando diversas narrativas diferentes trazem uma mesma mensagem axiológica. (p. 215)

Nesse sentido, o uso do discurso parabólico tende abrir-se para a livre

interpretação, enquanto o discurso fabuloso tende ao fechamento dela, isentando o

enunciatário de se responsabilizar pelos sentidos veiculados. Isso permite inferir que

na parábola o enunciatário-leitor é chamando a participar de forma ativa no processo

comunicacional, agindo como um sujeito de fato interpretativo (responsivo); por sua

vez, na fábula, a tendência é de agir como um sujeito de “conduta”. A diretividade

que rege os casos particulares resulta, conseqüentemente, no modo como o

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enunciador e o enunciatário projetam, discursivamente, suas imagens: o primeiro

simula ser o dono da interpretação, única e inquestionável; é o que professa a lei e o

seu dono.

Assim, conclui-se que este discurso dialoga com o discurso religioso, o qual,

segundo Orlandi (1996, 239) tende à monossemia, ao autoritarismo e se constitui,

conseqüentemente, como um discurso de poder. O enunciador se encontra,

portanto, no lugar da certeza e da não dúvida; age, discursivamente, à maneira do

déspota; o enunciatário se encontra no espaço da dúvida e do saber equivocado,

portanto, age passivamente à maneira do discípulo, entendendo-o como aquele que

recebe passivamente o saber, sem questioná-lo.

Os casos, além de marcar estes papéis discursivos, contém ainda imagens

que se agregam ao do déspota, dando-lhe legitimidade para sê-lo. Os nomes das

personalidades apresentados são exemplos disso, visto que favorecem a criação de

imagens como: empreendedor, culto, bem relacionado, poderoso, intelectual,

competente, benevolente, preocupado etc.

Para Aristóteles, o orador constrói uma imagem de si mesmo a fim de ganhar

a confiança do auditório, porque

Nós persuadimos pelo caráter, quando o discurso consegue tornar o orador digno de fé, porque as pessoas honestas nos inspiram maior e instantânea confiança sobre questões em geral, e inteira confiança sobre estas que não comportam nenhuma certeza, e dão lugar à duvida. Mas é preciso que essa confiança seja o efeito do discurso, não de uma idéia preconcebida sobre o caráter do orador. (1356: 59)

Como se vê, esta imagem que o enunciador constrói de si mesmo (o ethos) é

dependente do discurso, pois se trata de uma entidade construída no e pelo ato

linguageiro, de modo que, no enunciado, encontrem-se as marcas deixadas pela

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enunciação; é, portanto, no modo como o discurso é construído que está o ethos do

enunciador, que não diz o que é, mas se mostra.

A partir dessa afirmação, pressupôs-se que o modo como o enunciador

emprega o caso particular sinaliza uma maneira de ser despótica. Mas a este

déspota agregam-se imagens construídas no discurso. Por exemplo, no caso do

quadro 9 (Ref.L2-IL), o enunciador, ao referir-se a “dois grandes personagens do

cinema mundial”, constrói a sua imagem também, como foi visto nas análises do

modelo, pois, de início, o modo de apresentar o episódio induz pensar que ele tenha

sido espectador direto da cena relatada porque, quando assevera: “Recordo um

episódio em que estiveram envolvidos dois grandes personagens do cinema [...]”,

inexiste, neste enunciado, qualquer marca que leve o enunciatário a querer ler o

texto como sendo uma mera reprodução do fato, considerando-o a partir da

premissa de que recordar é trazer de volta à memória um fato vivido direta ou

indiretamente. Além disso, levando-se em conta outro enunciado que compõem o

mesmo parágrafo: “Pouca gente ficou sabendo”, pressupõe-se que o enunciador

participa de um grupo seleto de pessoas que desfrutam da convivência daquelas

personagens. Tais enunciados criam, discursivamente, uma cena em que o

enunciador desempenha um papel de destaque, o que lhe confere prestígio. Citar,

nessas condições, nomes como Woody Allen e Fellini resulta na construção da

imagem de pessoa “bem relacionada” e “antenada com o que há de melhor”, visto

que não alude a qualquer cineasta, e, por eles não estarem vinculados a filmes que

traduzem o gosto mediano e por se colocarem à margem do grande circuito, resulta

na construção da imagem de “pessoa intelectualizada”.

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Estrategicamente, o enunciador utiliza-se de uma informação que tende a

relativizar toda a informação anterior (e as inferências suscitadas), quando diz: ”Até

porque, na verdade, foi algo que não aconteceu”.

Considerando-se o contexto, o enunciado torna-se ambíguo, pois permite duas

interpretações possíveis: (1) o que não aconteceu foi o episódio em si,

conseqüentemente, esta ilustração deve ser lida como ficção (parecer e não ser:

mentira); ou (2) o que não aconteceu foi o encontro dos personagens, por isso

ninguém ficou sabendo. O texto autoriza a segunda interpretação, uma vez que o

autor justamente releva em sua ilustração o fato de Woody Allen ter perdido a

oportunidade de contatar diretamente o diretor Fellini. De qualquer modo, a escolha

destes nomes projeta a imagem de um enunciador mais identificado com um público

“elitizado”.

No quadro 20, também fica claro este processo. Primeiramente, marca-se

como alguém que não perde a oportunidade de conhecer pessoas eficientes, “com

alto grau de objetividade”:

Ao longo de minha carreira, tive a oportunidade de conhecer algumas pessoas cuja eficiência se baseia, entre outras coisas qualidades, num elevado grau de objetividade. (DORIA JUNIOR, 2001:122)

A seguir, faz com que sua imagem seja associada às imagens de pessoas

que obtiveram sucesso em suas carreiras por meio da euforizada objetividade

(pessoa objetiva), como Edmar Cid Moreira (banqueiro), Antonio Ermírio de Moraes

(empresário), Ozires Silva (executivo). Assim, o enunciatário é levado a pensar que

o autor tem o mesmo tipo de atitude, enquanto este, além de dizer ao enunciatário

as qualidades que devem ser desenvolvidas por ele, apresenta-se, por suas

escolhas, como alguém objetivo, respeitado, ágil e competitivo.

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Comportamento semelhante ocorre com o enunciador do livro 1, quando cita

várias personalidades dos vários campos de conhecimento, incluindo nomes de

empreendedores e conquistadores bélicos:

Alexandre Magno e Napoleão Bonaparte idealizaram grandes conquistas; as obras imortais de Shakespeare são fruto do seu pensamento; Benjamim Franklin imaginou a captura do raio através da eletricidade para provar que a eletricidade e o raio têm a mesma força; foi o pensamento persistente de Santos Dumont que gerou o invento do aeroplano, ou seja, de uma nave, embora mais pesada do que o ar pudesse voar. Thomas Alva Edison descobriu a utilização da eletricidade e inventou a lâmpada, o cinema, o fonógrafo, o trem elétrico e centenas de outros inventos. Posso continuar citando outros grandes homens, como César, Beethoven, Marconi, padre Landel de Moura, Kennedy, Von Braun, Einstein, Tomás de Aquino, Descartes, Freud, Sócrates, Aristóteles, João XXIII, tantos outros. (TREVISAN, 1980:18)

Por um lado, demonstra ter conhecimento enciclopédico, para criar a imagem

de homem que transita por todas as áreas; por outro, sugere ser alguém que se

encontra no mesmo patamar porque é também um grande homem, idealizador de

projetos, que sabe empregar adequadamente seu “poder infinito”.

Também o enunciador do livro 3, quando faz com que se pense que há

grande estreitamento entre aquilo que ele prega com o que acredita e pratica, cria o

simulacro do homem de sucesso. Nota-se, no exemplo, a seguir, quando faz

referência à inglesa perseverante, seu desejo de provar para o enunciatário que tem

metas e propósitos na vida e que, como a personalidade, também acredita não

haver idade para se atingir as metas traçadas:

Guardo na carteira um pequeno e já amarelecido recorte de jornal sobre a inglesa Tabitha Baker que aos 106 anos entrou para a faculdade... (SANTOS, 2001:76)

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3.12 CONCLUSÃO PARCIAL

Conclui-se, parcialmente, após as análises, que os recursos empregados são

essenciais no processo persuasivo do gênero auto-ajuda, uma vez que evidenciam

que o enunciador, na busca do contrato fiduciário de veridicção, primeiro, faz (ou

quer fazer) o outro aderir à proposição por meio de seu caráter diretivo e autoritário,

portanto monológico, levando o outro obrigatoriamente a ver na pergunta a própria

resposta e nas ilustrações e modelos uma única interpretação; segundo, pela sua

força de demarcar, no discurso, juntamente com outras estratégias, a relação

autoritária de um sujeito sobre o outro, configura uma relação despótica.

Essa manipulação cria o simulacro de um sujeito que procura dar ao outro a

verdade das coisas, visto que tanto as perguntas quanto os casos relatados obrigam

(dever-fazer) o enunciatário a agir conforme o querer do manipulador. Portanto, as

estratégias empregadas visam consolidar a imagem do enunciador como a de

sujeito (homem) detentor do saber que intenta fazer com que o enunciatário entre

em conjunção com a verdade exposta e torne-se, a sua imagem e semelhança, um

homem de sucesso.

Discutiu-se aqui a relação entre enunciador e enunciatário, verificando os

modo de contato a fim de efetivar a persuasão, mas, como, neste gênero, ocorrem

as projeções dessa instância enunciativa no discurso enunciado?

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CAPÍTULO 4

AS PROJEÇÕES DA ENUNCIAÇÃO NO DISCURSO DE AUTO-

AJUDA

O sujeito do discurso é, portanto, aquela instância que, segundo a concepção saussuriana, não se limita a assegurar a passagem do estado virtual ao estado atual da linguagem: ele aparece como o lugar em que se encontra montado o conjunto dos mecanismos da colocação em discurso da língua. Situado em um lugar em que o ser da linguagem se transforma em um fazer lingüístico, o sujeito do discurso pode ser chamado, sem falsa metáfora, de produtor do discurso.

Greimas28

4.1 INTRODUÇÃO

Os estudos até aqui realizados trataram de verificar a relação entre

enunciador e enunciatário. Constatou-se que, na busca de efetivação do contrato

fiduciário de veridicção, as estratégias utilizadas sinalizam para uma maneira de ser

e de agir que se pode denominar relação despótica (em excesso ou contida), em

que o enunciador impele (dever fazer) o enunciatário a não ter “voz própria”, devido

ao processo de monologização, reservando ao sujeito receptor o papel de discípulo

(passividade).

Este modo de ser está corporificado nos procedimentos retórico-discursivos

verificados: a pergunta retórica, por meio da qual se “fagocita” a voz do enunciatário,

e o caso particular (ilustração e modelo), que se apresenta como uma estruturação

28 In: Semiótica e ciências sociais. p. 5.

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diretiva cerceadora de sentidos (evita-se a polissemia), cabendo, ao enunciatário-

leitor, assumir a interpretação dada e, a partir dela, agir conforme o querer do

destinador.

Esta maneira de relacionamento, como se viu no capítulo 2, está sinalizada

desde a capa, cuja figuração tende ao simbólico e não ao semi-simbólico, o que

equivale afirmar que o discurso gira em torno de informações que não remetem a

uma nova visão do objeto, mas às informações tomadas como verdade, disseminada

em imagens estereotipadas. Essa constatação é corroborada nas figuras utilizadas

nos casos particulares, que remetem a condutas e a modo de ser estereotipados.

Neste sentido, nos livros analisados, encontra-se um discurso da previsibilidade,

pois, estrategicamente, mobilizam-se esquemas, scripts, pelos quais o enunciador

trabalha com cenários familiares que remetem a um saber partilhado, cujo efeito é o

reconhecimento das coisas e conseqüente identificação com elas. Mas tal

reconhecimento não significa nem significará um redimensionamento do real, mas

sua manutenção: o discurso se faz em função de estruturas pré-existentes.

Neste capítulo, na descrição semiótica do gênero, trabalha-se a questão da

instância enunciadora, verificando como o sujeito da enunciação projeta-se no

discurso e as implicações que decorrem do processo; analisam-se, portanto, os

procedimentos sintáticos que explicitam a relação entre enunciação e discurso.

Nesta análise da sintaxe discursiva, não se perde de vista o princípio de que o modo

de constituição da subjetividade, por meios de mecanismos sintáticos de

discursivização (projeção da enunciação), pode ser entendido também como uma

estratégia utilizada para promover a persuasão, ao projetar discursos objetivos ou

subjetivos já que [...] as diferentes projeções da enunciação explicam-se, em última

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instância, como procedimentos utilizados pelo enunciador para levar o enunciatário a

crer e a fazer (Barros, 2001:72).

4.2 OS MODOS DE PROJEÇÃO DA ENUNCIAÇÃO

O ato de enunciar desemboca, necessariamente, na constituição da

subjetividade porque “é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui

como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que

é a do ser, o conceito de ego” (Benveniste, 1995:286), momento em que se

constituem o sentido e o próprio sujeito. Para Greimas (1979:147-148), é por meio

da enunciação que a língua é discursivizada, assegurando que ocorra a passagem

do estado virtual para o estado atual (conversão das estruturas virtuais em

estruturas atualizadas), cujo resultado é o enunciado. Na produção do discurso,

elementos lingüísticos, como vestígios, indiciam a existência do ato de enunciação, o

que permite ao analista, pelo menos em parte, reconstituí-lo e, conseqüentemente,

saber do processo de subjetivação da língua.

Neste sentido, ao tomar contato com o texto, não se está diante do ato de

enunciação em si, mas de seu simulacro, visto que

Semioticamente, falando, o sujeito do discurso não passa de uma instância virtual, ou seja, uma instância construída no quadro da teoria lingüística para dar conta da transformação da forma paradgmática em uma forma sintagmática da linguagem. (op. cit.)

Dessa forma, a enunciação é o pressuposto lógico do enunciado. A partir,

dessa pressuposição, pode-se postular que havendo, no discurso, marcas que

remetem à enunciação, ocorre a enunciação-enunciada; trata-se, portanto, de textos

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em que se simula a presença do enunciador. Quando estas marcas estiverem

ausentes, tem-se o enunciado-enunciado, caso dos textos em que se simula a

ausência do enunciador.

Neste processo enunciativo de constituição do discurso, de acordo com

Benveniste (1995), é necessário que, no ato individual de enunciar, o “eu” seja

pronunciado, designando seu locutor, ato que funda, indelevelmente, a

subjetividade. Isso implica afirmar que: “a categoria de pessoa é essencial para que

a linguagem se torne discurso” (Fiorin, 2002:41), pois, ao instaurar o “eu”, relações

de tempo e de espaço atrelam-se à sua manifestação e assumem posições

relacionais significativas (concomitância, anterioridade, posterioridade, proximidade,

distanciamento)

É pelo mecanismo constitutivo da linguagem da debreagem e da embreagem,

que ocorre a projeção das instâncias do eu, do aqui e do agora. De acordo com

Fiorin (ibid.), a debreagem é o processo pelo qual se opera a discursivização,

porque, sendo a enunciação a instância da pessoa, do tempo e do espaço, são

projetados para fora dela, em direção à manifestação do enunciado, um não-eu, um

não-agora e um não-espaço, ou seja:

A projeção para fora dessa instância, dos actantes do discurso-enunciado e de suas coordenadas espácio-temporais instaura o discurso e constitui o sujeito da enunciação pelo que ele não é. (BARROS, 2002:74)

A debreagem pode ocorrer de duas formas, segundo o modo de textualização

do enunciado: se neste estiver simulada a instância de enunciação, ou seja, se se

encontrarem manifestados actantes (eu), espaço (aqui) e tempo (agora), a

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debreagem será enunciativa. Se, ao contrário, estiverem instalados actantes (ele),

tempo (então) e espaço (algures) do enunciado, a debreagem será enunciva. No

primeiro caso, cria-se o efeito de subjetividade, porque se encontram marcas

lingüístico-discursivas da enunciação; no segundo, o de objetividade, porque não há

estas marcas remetendo ao ato de enunciar (pressuposto), mas ao próprio

enunciado. Respectivamente, em um tem-se a enunciação enunciada, em que o

discurso é produzido em primeira pessoa, seja do plural seja do singular; noutro, o

enunciado-enunciado, em que o discurso é produzido em terceira pessoa.

Assim, subjetividade e objetividade são entendidas como efeitos gerados

pelos modos de relação estabelecida entre enunciado e enunciação, quer seja por

uma relação de contigüidade (o enunciado é parte da enunciação pressuposta), quer

seja de similaridade (a enunciação-enunciada equivale à enunciação) (Barros,

2002:75).

4.3 O ATO DE ENUNCIAR NO DISCURSO DE AUTO-AJUDA

As análises, de modo geral, mostram que, nas projeções da enunciação,

encontra-se um sujeito, o narrador, que se confunde com o autor do livro; um outro

sujeito, o narratário, que se confunde com o leitor.

De acordo com Barros (2002), os actantes discursivos, em uma perspectiva

narratológica, pertencem à estrutura da narrativa da enunciação. Quando projetados

no discurso, simulam os papéis actanciais assumidos pelo sujeito da enunciação.

Nesse caso, instala-se no discurso um

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ator que engloba os papéis actanciais de Sujeito e Destinador discursivos e os papéis temáticos da ”narração“, também discursivos. A cobertura semântico-temática do discurso define, nesta perspectiva, o ator-narrador (Ibid.)

Além disso, todo narrador instalado no discurso pelo sujeito da enunciação é

dotado de alguma competência modal para o narrar (poder e dever assumir a

palavra) e de existência modal (saber ser), o que implica que sua realização como

sujeito do discurso pode ser de modos variados.

No discurso de auto-ajuda, vê-se que a organização narrativa baseia-se em

narradores “representados declarados”, os quais se apresentam conscientes de si

mesmos, como escritores (ibidem). Além disso, os narradores são oniscientes, que

agem como sabedores de tudo e como intrometidos (BARROS, 2002) em todos as

situações, agindo sobre os sujeitos ignorantes e iludidos (o narratário) a partir de sua

competência cognitiva (saber-ser).

Este discurso, no geral, sinaliza, como promessa, a transformação do estado

do sujeito- leitor (já evidenciada desde a configuração da capa e nos paratextos:

apresentação, orelha de livros): o livro faz crer que o leitor sairá de um não-saber

para um saber (sobre a fonte do poder, a oportunidade, o poder infinito da mente), a

fim de se realizar como sujeito do sucesso. Este sujeito é manipulado a entrar em

conjunção com os valores expressos nos livros, por meio de estratégias de

persuasão.

Em relação à projeção do narrador, ela se dá, no discurso, lingüisticamente,

tanto por meio do imperativo – em sua forma canônica ou na forma de infinitivo –;

por meio de pronomes de primeira pessoa – marcados pelas desinências número-

pessoa, quanto pela terceira pessoa. Este actante discursivo (narrador onisciente)

instala interlocutores em situação de diálogo (discurso direto) ou age também como

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narrador-personagem, quando, por exemplo, nas ilustrações, apresenta-se como

protagonista ou coadjuvante de um caso que supostamente tenha participado.

O segundo actante, o narratário, é instalado no texto por meio do pronome de

tratamento você (e pronomes sua, seu), que funciona como pronome pessoal de

segunda pessoa, por meio do imperativo (de segunda pessoa), principalmente, no

momento em que ocorrem prescrições, aconselhamentos e advertências. Observa-

se a presença, em alguns casos, da palavra leitor e da expressão A gente como

referência ao narratário.

A instalação dos sujeitos no discurso é realizada pela alternância constante

entre o processo enunciativo e o enuncivo. O discurso enunciativo surge via de regra

quando o narrador apresenta um caso particular (ilustração e modelo) tecendo

algum tipo de comentário ou explicação ou mesmo prescrições. Já no momento em

que apresenta uma regra geral, verifica-se que o discurso objetiva-se, pois passa a

fazer com que seu enunciado tenha o valor de uma lei geral (conceitos, definições).

O narrador estabelece, portanto, uma relação ora de proximidade ora de

distanciamento, divisando entre efeitos de identidade entre narrador/ narratário e de

não-identidade, momento em que o narrador assume o papel de doador de

competência cognitiva.

No livro 1, na primeira seção (p. 13, 14), por exemplo, o narrador dirige-se ao

narratário por meio do imperativo e por meio do pronome você.

Essa forma verbal de interação pressupõe (ou quer construir essa

pressuposição), dos participantes, um mínimo de conhecimento anterior um do

outro, porque é uma forma franca e direta de dizer algo. No entanto, essa

aproximação é relativizada pela presença constante do imperativo, visto que a forma

de se enunciar presentifica uma relação marcada pelo poder do narrador sobre o

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narratário. Existe um fosso nessa relação, a partir da fala verticalizada do narrador,

de cima para baixo, instauradora de uma alternativa jurídica em que o actante leitor

terá de, necessariamente, obedecer ou desobedecer à ordem, na medida em que se

estabelece a relação de autoridade.

É como ocorre na relação de pai e filho (relação tradicional, evidentemente),

em que existe uma cumplicidade, porque o pai29, em relação ao filho (numa família

tradicional), apesar dessa relação pressupor uma aproximação, preserva-se o papel

de autoridade constituída, o que causa distanciamento, ao se manter os papéis nas

esferas de atuação esperadas: o pai é dono de um saber que precisa ser passado e

respeitado e o filho possui um não-saber.

Essa proximidade, entretanto, altera-se com o emprego do nós inclusivo (eu +

tu), quando o papel de sujeito patemizado (dó, pena) passa a ser desempenhado e

tem-se a simulação de que há, por parte do narrador, o compartilhamento do

problema existencial do narratário, como se este fizesse parte do mundo daquele:

Será que vivemos sob o fluxo e o refluxo do imprevisível? Será que teremos que dizer, como Shakespeare, que há mais mistérios neste mundo do que a nossa vã filosofia pode imaginar?

Fala-se num tom que grita junto com o outro. Mas é, simplesmente, uma

atitude interpretativa desse sentimento, pois quem grita, e sozinho – como um sujeito

da carência –, é o narratário que se encontra existencialmente em conflito,

identificado com as pessoas de azar, com os desgraçados. Isso fica evidente porque

esse nós é ambíguo, no sentido de que remete não só à inclusão eu-tu, mas

29 Pode-se projetar essa relação também para a que ocorre entre o médico e o paciente e entre o consultor e o consulente, em que sempre um possui a autoridade sobre o outro, autoridade constituída por um saber, mas a cumplicidade, nessa situação, assume um distanciamento diferente da ocorrida na relação paterna.

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também ao tu (nós com valor de tu). Nesse sentido, a relação, aspectualmente,

passa a ser ainda mais próxima.

Após a utilização desse recurso lingüístico-discursivo, em que se marca a

impossibilidade de solução do problema existencial, logo em seguida, passa-se a

projetar o narrador em primeira pessoa do singular. O enunciado torna-se mais

subjetivo, no sentido de que o enunciador está marcado pela primeira pessoa do

singular, simulando que o dizer manifestado é o de Lauro Trevisan, um conhecedor

profundo do poder da mente, produzindo a imagem do salvador: “Foi para abrir a sua

mente que escrevi este livro. Finalmente, aqui, você descobrirá o seu verdadeiro

destino”.

Este emprego marca a atitude de um indivíduo forte e capaz de resolver

problemas diante do desespero daquele que se encontra perdido e fechado para a

“verdade”. O narrador é a solução do problema, e encontra-se patemizado pela

obstinação, quer salvar o destinatário. Assim, esse herói (aquele que manipulará o

outro investindo um saber algo), como no mito da caverna, desacorrentará o

“escravo da escuridão”, o narratário representado pelo pronome você: “Agora você

começa a levantar o véu do mistério (...)”.

Observa-se que o narrador (seção Semelhante atrai semelhante) está mais

afastado do seu dizer, mesmo quando instala o narratário empregando o pronome

você, porque visa consolidar o narrador como a pessoa do saber – os discursos da

ciência e da religião são tomados pelo narrador, ao apresentar uma lei, que é posta

como geral e inequívoca:

Há uma lei mental que é assim enunciada: o semelhante atrai o semelhante, ou, em outras palavras, o igual atrai o igual. Isto quer dizer que o pensamento atrai a realidade do seu conteúdo. A partir desta verdade, você estará se dando conta de que pensamentos de fracasso atraem o fracasso, pensamentos de sucessos atraem o sucesso, pensamentos de amor atraem o amor, pensamentos de

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ciúmes atraem o conteúdo do ciúme, pensamentos de alegria atraem a alegria, pensamentos de tristeza atraem a tristeza, assim por diante. O pensamento é uma realidade mental que atrai a realidade física. Já há milhares de anos, o profeta David, pai do sábio Salomão, afirmava: abyssus abyssum ínvocat, ou seja, o abismo atrai o abismo. (TREVISAN, 1980:16)

Observa-se que o narrador dirige-se ao narratário por meio do pronome de

segunda pessoa, sem, no entanto, instalar-se em primeira pessoa. Evidentemente,

tem-se aqui um enunciado subjetivo devido à presença lingüística do narratário mas,

devido a ausência da primeira pessoa, pode-se dizer que essa forma de

manifestação, produz o efeito de superioridade, pois evidencia o saber e a

autoridade do narrador em relação ao narratário, visto que a presença é controlada:

nem tão próxima nem tão distante, de modo que se pode dizer que ela é

aspectualizada.

Mas se verificar em outras seções, como, por exemplo, em Você é o resultado

de sua mente, vê-se que o narrador parece afastar-se do narratário, sobre o qual

insidia toda uma argumentação impositiva e passa a conceituar, explicar; com isso o

enunciado passa a ser objetivado, debreagem enunciva:

Você é o que for a sua mente. A mente age, gerando em si mesma um estado de paz ou de agitação, de alegria ou de tristeza, de amor ou de ódio, de riqueza ou de pobreza, de sucesso ou de fracasso, e o corpo reage gerando bem-estar ou doenças, de acordo com o conteúdo que a mente lhe envia. O homem é a sua mente. O corpo é a manifestação da mente. A estrutura humana é a expressão da mente. Quando a mente de deteriora, o corpo se deteriora; quando a mente deixa o corpo, a energia corpórea se transforma em outros tipos de energia. O corpo, portanto, é o resultado da mente. Como a mente é controlável, a saúde e a doença podem ser controláveis. A mente em estado de perfeita ordem e harmonia gera um corpo em perfeita ordem e harmonia, ou seja, em estado de saúde. Por outro lado, a mente é o agente de todos os estados intelectuais, emocionais, sensoriais, extra-sensoriais e espirituais. (idem, 23)

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Cria relações lógicas entre os enunciados (portanto, por outro lado), e,

deixando de empregar a segunda pessoa, afasta-se do discurso simulando enunciar

uma verdade. Esse tipo de enunciação, que se inicia enunciativa e depois torna-se

enunciva, visa, por parte do narrador, apartar-se do narratário para que este se

identifique com o tipo de perfil traçado no próprio enunciado: pessoas de sorte (pólo

positivo) versus as pessoas de azar (pólo negativo) ou pessoas que pensam “direito

e pessoas que pensam”errado. Evidentemente, faz-se crer que o narratário está

identificado com o pólo negativo, pois todas as formas de se dirigir a ele são

disfóricas.

O texto apresenta, portanto, um jogo por meio do qual, num movimento

contínuo de gradação, o discurso transita entre a subjetividade e objetividade. Com

seu uso, procura-se construir a relação de cumplicidade e de autoridade: quando

pretende conceituar, definir, estabelecer uma lei, o narrador onisciente assume o

lugar do sujeito do saber, que lhe confere o direito de proferir leis a serem seguidas,

quando comenta, explica, imputa responsabilidade ao narratário, subjetiviza o

discurso.

No livro 2, o autor-narrador põe-se diante do narratário, logo no início do

capítulo, como alguém que possui a competência cognitiva saber algo. Esse algo,

num primeiro momento, é apresentado ao destinatário em um enunciado construído

por metáforas (catacreses), que figurativizam a importância de se estar atento às

oportunidades.

O enunciado inicial apresentado, de um lado, marca uma convicção, uma

verdade universal e, por extensão, projeta um narrador onisciente que sabe

distinguir um acontecimento importante de um banal a ponto de poder assumir a

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palavra e doar seu conhecimento. De outro, marca um narratário que, ao contrário,

encontra-se no estado da ignorância (e de fracasso), pois é privado desse saber

distinguir, reconhecer uma oportunidade que mudará sua vida.

Nesse sentido, o narrador encontra-se, hierarquicamente, acima do leitor. No

entanto, o modo da projeção dos enunciadores no discurso atenua, por vezes, essa

posição discursiva, visto que ocorre por meio de um tom brando e didático, o qual

passa a idéia de que o actante do discurso não impõe suas idéias, mas as apresenta

para uma discussão, o que acaba por “camuflar”, amenizar a hierarquia subjacente à

relação.

No primeiro parágrafo, por exemplo, o narrador é instalado no texto por meio

de debreagem enunciva, porque o enunciado constrói-se em terceira pessoa. Esse

modo de instalação do enunciador produz o efeito de afastamento (quase que total)

do narrador projetado, portanto, obtém-se o efeito de objetividade:

Uma linha muito fina, muito tênue, separa aquilo que é apenas um acontecimento comum e sem maior significado, no caldeirão do dia-a-dia, daquilo que pode representar uma porta de acesso a outro campo de possibilidades, a um horizonte novo e talvez até a outro patamar da existência. Em uma palavra: oportunidade30 (Doria Junior, 2001:23)

Ressalte-se que a expressão “e talvez até” em que a preposição até denuncia

o envolvimento relativo desse narrador. Mas de qualquer jeito, este enunciado por

possuir (ou, antes, pretender) o estatuto de uma lei geral, que deverá reger o modo

de ser do narratário (essa é a proposta) foi construído objetivamente para criar

imparcialidade.

30 Grifo do autor.

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Neste enunciado, uma verdade universal é proferida com objetividade

também pela presença de determinados elementos lingüísticos que tendem a

generalizar o sentido dos substantivos: o artigo indefinido (Uma linha/ um

acontecimento, a um horizonte/ em uma palavra); o pronome demonstrativo com

função catafórica (daquilo.../ outro campo); e presença de palavras genéricas (no

caldeirão/ outro campo/ outro patamar...), ou seja, esse emprego. O mesmo ocorre

com a espacialização e temporalização. Temos um espaço enuncivo marcado por

expressões presentes no enunciado: no caldeirão do dia-a-dia daquilo que pode

representar uma porta de acesso a outro campo de possibilidades, a um horizonte

novo e talvez até a outro patamar da existência.

Após a construção desse enunciado bastante objetivado, no segundo

parágrafo, diferentemente, o narratário é instalado no texto de modo bastante

próximo.

Quando você vai ao cinema ou clica no controle remoto da televisão para ver um filme, está procurando uma história interessante, para seu deleite, ou então para cultivar a esperança ou o desejo de que as coisas possam ocorrer daquele jeito em sua vida.

A instalação decorre do procedimento de debreagem enunciativa, pois esse

actante está marcado pelo pronome pessoal de segunda pessoa “você”, por meio do

pronome possessivo de terceira pessoa com valor de segunda – seu e sua. Esses

pronomes, como é sabido, são utilizados quando os interlocutores desfrutam entre si

uma certa intimidade, de modo que fica pressuposto que ambos, em vários graus de

aproximação, conhecem-se e partilham o mesmo universo de referência, ou, no

mínimo, querem que essa divisão ocorra. Com o uso desses elementos lingüístico-

discursivos, o enunciado torna-se subjetivo e se obtém o efeito de proximidade entre

o narrador e o narratário.

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Essa subjetividade presente no parágrafo anterior, entretanto, no seguinte

(parágrafo 3), é, de certa forma neutralizada, pois se observa que o narrador volta à

debreagem enunciva, devido à eliminação de marcas de subjetividade. Mas note-se

este actante do discurso se apresentou primeiro como alguém que traz uma “boa

nova” que poderá levar o narratário a “outros patamares”. A julgar por sua

manifestação, infere-se que a relação de proximidade entre esses sujeitos é

hierarquizada, evidenciada nesse saber que o narratário não possui:

Pois bem, o que é uma história interessante? É uma história repleta de novas oportunidades. As chances simplesmente surgem para os personagens, como a famosa maçã que teria caído na cabeça de Newton, propiciando-lhe o insight sobre a gravitação.

Passa-se a falar em terceira pessoa. No entanto, esse enunciado é menos

objetivo que o do primeiro parágrafo, pois se notam alguns elementos da língua que

denunciam a presença do narrador, como é o caso do enunciado interrogativo e da

expressão nele contida pois bem. Além dessa marca, encontram-se outras que

indicam um certo grau de adesão desse narrador com o seu dito: o advérbio

simplesmente, e o adjetivo famosa, que está determinado pelo artigo definido a.

Mas o emprego do enunciado enuncivo tem o propósito de apresentar uma

definição, no caso a do que seja história interessante.

O mesmo ocorre no parágrafo subseqüente (4):

Muitas vezes, nos filmes, é assim. A maçã cai. Alguém anônimo pede ajuda ao protagonista, que passa. E sua vida se modifica daí em diante. Começa uma história. Outras vezes, no entanto, é o personagem que vai em busca da chance. Exemplo: alguém decide passar férias no Havaí ou embarcar num cruzeiro com o claro objetivo de Ter um caso amoroso – e consegue. Pronto, daí em diante os fatos se desencadeiam, existe uma trama, e você se envolve com o filme.

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Nele se observa que o autor-narrador vai da objetividade à subjetividade,

porque inicia o parágrafo narrando em terceira pessoa, momento em que ocorre uma

explicação, depois, o narratário é (re) instalado no texto por meio, novamente, de

debreagem enunciativa, realizada pelo uso do pronome você. O efeito que este

procedimento causa é o de fazer parecer que quem fala está em posição superior,

com uma certa proximidade com o destinatário.

O procedimento de debreagem enunciativa é mantido no parágrafo seguinte

(5), pois se encontram as marcas de subjetividade do narratário: seus olhos, Você

está atento... / ... lhe escapa (nada escapa de você). O narrador faz-se presente,

indiretamente, por meio do advérbio naturalmente que indica um observador

onisciente da cena descrita.

Ao acompanhar a história, nesse estado de envolvimento, seus olhos são naturalmente conduzidos para elementos que podem representar uma oportunidade – uma porta, uma arma, uma placa, alguém que se aproxima ou espreita. Você está atento a tudo, nenhum detalhe lhe escapa.

Observando os parágrafos até aqui analisados, vê-se que o narrador tenta

estabelecer uma relação ora de proximidade (subjetiva) ora distanciamento

(objetiva), em que se preserva a hierarquia da relação entres os actantes

discursivos.

A presença do narrador se faz de modo diferente no enunciado do parágrafo

(7).

Quando a história chega ao fim, e você dá outro clique no controle remoto, ou vê as luzes do cinema se acenderem e reencontra os rostos dos demais espectadores, o que acontece? Bem, é claro, em primeiro lugar isso quer dizer que o filme acabou, e é hora de pensar no jantar ou em algum outro programa. Porém, o fato mais

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contundente, dito de maneira das oportunidades. Você outra vez está de volta àquilo que se chama de “vida real”, onde as coisas são mais ou menos previsíveis, sem o romantismo do inesperado. Mas será mesmo assim, no fim das contas, ou apenas nos habituamos a pensar assim?

Nota-se sua presença mais intensa por causa dos mesmos recursos. O

narratário está instalado no enunciado por meio do referenciadores você (explícito e

implícito por meio da elipse). Na maioria das vezes, o narrador deixa sua presença

transparecer por meio de elementos lingüísticos como a preposição bem e da

expressão é claro, que denunciam, juntas, a certeza do que se fala e o modo como

se fala, demonstrando firmeza e, ao mesmo tempo, reafirmando ser o narratário

alguém destituído de um saber (sujeito ignorante e da carência). A própria ação de

focalizar aquilo que julga ser mais importante também marca sua presença por meio

de determinadas expressões como a palavra intensificadora mais em: Porém, o fato

mais contundente. Além do mais, todo esse modo de dirigir-se ao narratário, marca,

aqui, mais que antes, maior proximidade.

Mas, pela primeira vez o narrador é debreado enunciativamente de modo

direto, por meio da primeira pessoa do plural nós e pelo oblíquo nos e pela

desinência modo-pessoa –mos. Cabe aqui observar que a primeira pessoa do plural

contém: um eu (autor) mais um tu (leitor). Evidentemente, o narrador não partilha da

idéia: Você está de volta àquilo que se chama de ‘vida real. Na verdade, por meio da

interrogativa que contém o contrajuntivo Mas – cuja função é o redirecionar a

argumentação - ela vai contrapor-se a essa idéia demonstrando que as pessoas de

sucesso pensam justamente ao contrário, igualmente ao narrador que é uma pessoa

de sucesso.

Enfim, este nós forja uma falsa identidade de pensamento e de ação, é

apenas um recurso para atenuar a distância que separa esses sujeitos da

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enunciação e com isso permitir ao narrador fazer-se de alguém que partilha das

mesmas idéias. Nesse processo, afirma-se que o narrador (autor) busca, por

negociação, combater uma visão arraigada no narratário.

No parágrafo (8), novamente uma debreagem enunciativa que marca a

instalação do narrador por meio do pronome de primeira pessoa do plural nós.

Eis aí uma pergunta que todos nós temos de nos fazer algum momento da vida, mais cedo ou mais tarde. Entre as pessoas de sucesso com as quais tive a oportunidade de conviver, por mais diferentes que fossem, pude perceber um traço comum. São pessoas que souberam tirar partido das oportunidades ( às vezes uma única, mas no momento certo) que a vida lhes deu e assim conseguiram dar o chamado pulo-do-gato. Ou seja: inaugurar um novo momento de vida, duradouro ou permanente, a partir do aproveitamento de uma situação momentânea, fugaz, como uma corrente de vento ou uma onda, ou mesmo tão breve quanto um relâmpago – mas que continha um sinal.

Neste fragmento, há um nós que inclui um eu (autor de sucesso, que não

pensa que o filme termina – pode ser que aqui o autor já esteja incluindo todas as

pessoas, como sugere a presença do pronome indefinido todos) e o tu (leitor que

pensa e age como se o filme terminou e a realidade se instalou). Nesse parágrafo,

nota-se a presença de um nós implicou a ausência do você – este vinha sendo

utilizado sobejamente – e, pela primeira vez, a instalação do narrador por meio de

debreagem enunciativa marcada pela presença da primeira pessoa do singular

sinalizada no verbo tive a oportunidade, na locução verbal pude perceber. O que se

pode dizer é que o narrador assume o primeiro plano para marcar a diferença de

estado (cognitivo) entre ele e o narratário, agora de modo mais explícito, citando,

inclusive, sua relação com pessoas (nome genérico) que já estão no patamar do

sucesso. Ocorre então a demarcação explícita dos atores em seus espaços

discursivos: o autor no espaço do saber e o narratário no espaço da ignorância.

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No parágrafo 9, a estratégia é mantida, no entanto, o narrador apresenta-se

em primeira pessoa do singular.

Posso dizer, por experiência própria, que as pessoas de sucesso são aquelas que não acreditam que o filme termina quando a luz acende. Aquelas que vêem a “vida real” tão repleta de possibilidades de mudança e crescimento como o roteiro do filme a que lhes agrada assistir. Nas coisas do dia-a-dia, elas dirigem a si próprias com tenacidade, como faz um diretor de cinema com seus atores.

O autor assume seu discurso e sua posição hierárquica nele. O efeito é o de

aproximação em que a veracidade do que se fala é conseguida pelo uso da primeira

pessoa que evoca as qualidades de João Dória Júnior, empresário de sucesso, ao

mesmo tempo em que deixa claro que ele mesmo é uma pessoa de tenacidade. As

afirmações são baseadas na vida e na vivencia do narrador, que se coloca diante do

narratário como alguém que tem um saber, um saber ser, e um poder fazer ser, o

que o institui, de fato, como um sujeito que sabe o que diz – por experiência própria.

Ao marcar seu lugar discursivo – sujeito do saber –, marca, do lado oposto, o lugar

do narratário – sujeito da carência. Torna-se, indiretamente, por assim dizer, o

conselheiro (cujas qualidades estão bem delineadas, ao dizer como agem as

pessoas de sucesso: tem um crer, um ver diferenciado, um fazer tenaz, age por si) e

o narratário, o aconselhado.

O autor pouco altera suas operações enunciativas. Sempre busca alternar

entre subjetividade e objetividade, ressaltando-se que, por um olhar de gradação, o

que se observa é que o texto deve ser visto como do mais subjetivo para o menos

subjetivo, por vezes tornando-se totalmente objetivo, como ocorre no primeiro

enunciado do parágrafo 10, em que há uma advertência direcionada ao narratário,

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Tenacidade só não basta. Embora não seja um atributo suficiente, ela é necessária – na verdade essencial31. Tem de estar presente no momento de você dar um passo decisivo, seja forjando uma oportunidade, seja aproveitando aquela que simplesmente se oferece, como a maçã que cai da árvore.

O enunciado que a veicula é construído de modo que o narrador se torna

mais distanciado de sua fala, portanto também do narratário já que este enunciado

está em terceira pessoa (debreagem enunciva), no qual se marca uma avaliação,

expressa uma advertência e uma condição, marcadas por um tom de

obrigatoriedade de conduta: Tenacidade só não basta, Tem de estar presente (...).

As mesmas estratégias estão presentes na seção Que Falta A Bola De

Cristal... Os enunciados (parágrafos 28/29) estão voltados para o narratário por meio

das interrogativas, já estudadas no capítulo anterior, que marcam sua presença na

fala do narrador – ele dirige a pergunta a alguém com quem vem mantendo uma

relação persuasiva,

(1) Por que Woody Allen não atendeu Fellini ao telefone? Por que Tony Sheridan, a exemplo do dono da gravadora, esnobou os Beatles? Ora, porque não tinham, naqueles momentos-chave, elementos para julgar uma situação conforme a vemos agora, pelo espelho retrovisor. (2) Mas será que não havia mesmo elementos ou terá faltado, isto sim, atenção aos detalhes, presença de espírito, algum vislumbre de que ali se ocultava uma preciosa oportunidade? Já vimos que uma linha muito fina separa o que é apenas um acontecimento comum daquilo que pode representar uma porta de acesso a um campo de possibilidades.

As duas ocorrências de primeira pessoa do plural (em 1 e 2), de um lado,

podem ser consideradas plural de autor (modéstia), mas contextualmente, podem

funcionar como nós inclusivo (pessoa amplifica), pois fazem parecer que o eu e o tu 31 Grifo nosso.

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partilham o mesmo raciocínio, fazendo parecer que ambos estão analisando o fato

no presente: conforme vemos agora. Ou faz parecer que a proposição anteriormente

apresentada é totalmente partilhada pelo narratário, cabendo ao narrador, retomá-la

no processo de argumentação: Já vimos que.

Em outros parágrafos, como os que seguem (3 / 4), as informações são

dirigidas diretamente ao narratário, que está marcado pelos pronomes você, sua.

(3) Você precisa ter um mínimo de concentração na situação que vive, mesmo que esteja em silêncio dentro de um automóvel, com outra pessoa ao volante. O fato de estar no lugar do carona, sem responsabilidade pela condução do carro, não o desobriga a ficar antenado no que acontece à sua volta. Estando atento, você pode evitar um assalto ou até mesmo um acidente, ao perceber a tempo algo que o motorista ainda não notou. (4) É claro que esse acontecimento súbito e inesperado, que às vezes pode ser pressentido, não deve ser necessariamente ruim. Coisas boas também entram desse modo em sua vida. Assim se dá com as oportunidades. Para avaliá-las, é necessário, antes de tudo, estar atento ao mundo à sua volta.

São enunciados de recomendação, portanto, de prescrição, que ocorre por

meio do infinitivo, verbos deônticos: você precisa ter ; o fato de (..). não o desobriga

a (...); você pode evitar(...), é claro que (...). São formas atenuantes da relação

hierárquica que há entre os sujeitos enunciadores. Isso fortalece, além da imagem

de sujeito do saber, a imagem “daquele que recomenda e não prescreve”.

Outra estratégia utilizada, nessa seção, é o emprego do eu e do você,

demarcando mais nitidamente os actantes e criando uma maior aproximação entre

eles:

(5) Quando anda de carro pela cidade, ao ver um conjunto de edifícios, você pode identificar um terreno propicio para uma obra, para o começo de um novo empreendimento. Admira uma campanha publicitária que está nos outdoors. Fica entristecido ou se diverte com uma cena qualquer do cotidiano de sua cidades. De um modo ou de outro, você está aumentando a sua carga de informação, o que

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é fundamental para poder pressentir, no momento justo, os tênues sinais de uma oportunidade. (6) Esses anos todos da minha carreira profissional, marcados por mudanças importantes e empreendimentos dos mais variados tipos, consolidaram minha certeza de que os melhores insghts não têm hora para acontecer. Pense em quantas soluções ou respostas criativas já ocorreram a você enquanto tomava banho. A percepção de uma oportunidade depende muito mais do estado de espírito do que das circunstâncias externas32.

O narrador não lança mão de experiências alheias, mas de suas próprias,

pois, parte do pressuposto de que a fidúcia já foi estabelecida. Nesse parágrafo

também o imperativo é utilizado em sua forma canônica (Pense) para mostrar ao

narratário que todos podem vivenciar as mesmas coisas e chegar aos mesmos

lugares bastando adquiri o saber necessário para operar a mudança. O que reforça

a idéia de identidade e consolidação do narrador como sujeito do saber e do poder

fazer saber. Isso lhe permite enunciar uma lei geral, uma verdade universal: A

percepção de uma oportunidade depende muito do estado de espírito do que das

circunstâncias externas. É importante observar que essa lei (simulacro) vem

destacada em negrito, uma maneira de fazê-la ser lida como verdade. O modo de

construção do enunciado indica que o autor, após ter se mostrado, efetivamente,

como um sujeito realizado, afastou-se conferindo maior objetividade ao enunciado

dando-lhe o estatuto de verdade universal (uso da terceira pessoa).

Esse afastamento é mantido ao iniciar-se a seção seguinte, O oriente tem

outro horizonte33. Tem-se a terceira pessoa mais a presença do plural de autor. Isso

ocorre porque o narrador trata de explicar ao narratário os conceitos orientais com

os quais vai tratar em sua argumentação. Para que sua explicação assuma ares de

cientificidade usa desses expedientes bastante recorrentes no discurso científico. A

32 Grifo do autor. 33 A reprodução da seção inteira encontra-se na pagina seguinte, 167.

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primeira pessoa do plural é empregada como plural de autor, conferindo ao discurso

um certo distanciamento. Esse efeito de objetividade ocorre até o parágrafo 39.

Depois, torna a ser prescritivo, direcionado para o narratário. Daí em diante, retoma

sua estratégia de debreagem enunciativa, para no final, usar o expediente claro de

prescrição por meio de estrutura de ordem a reforçar a possível sanção (Só assim,

entrará no estado mental... o que caracteriza as pessoas altamente criativas e bem-

sucedidas.).

O ORIENTE TEM OUTRO HORIZONTE Para explicar como isso ocorre, cabe aqui usar um conceito oriental. Trata-se da atitude wu-wei, que poderia ser traduzida, de modo aproximativo, por algo como “ a ação pela inação”. A célebre paciência dos chineses se expressa muito bem neste provérbio: “ Senta-te à margem do Rio Amarelo e espera passar o cadáver do teu inimigo”. A imagem não é nada amistosa, convenhamos. Mas bem que podemos trocar esse “cadáver do teu inimigo” por outra coisa menos trágica. Podemos dizer o seguinte: “Senta-te à margem do Rio Amazonas e espera passar a grande oportunidade da tua vida”. O importante é que atitude de sentar à beira do rio, seja ele o Amarelo, seja o Amazonas, não se assemelha em nada ao que parece à primeira vista: ficar de braços cruzados, dormitando, à espera de que o destino venha bater à porta. Nada disso. Refletindo sobre esse provérbio, descobrimos algo muito diferente da passividade, da preguiça, da espera pura e simples. Nós, ocidentais, conhecemos basicamente dois modos opostos de agir: a ação, no sentido de uma intervenção direta para modificar determinada situação no rumo que nos interessa, ou então a passividade, que seria dar as costas e esquecer o problema. A sabedoria taoísta, entretanto, recomenda um terceiro estado mental, denominado wu-wi, que difere desses dois anteriores. Ele é baseado numa espécie de alerta sem tensão. Estar antenado sem estar agitado. Não se trata de uma forma de tranqüilidade forçada, na a mente continua a mil, tampouco de apatia. É uma linha de ação sem desgaste, não fundamentada em propósito imediato nem em resultado definido, em que o lucro esteja visível desde o início. É um “deixar fluir”, baseado na premissa de que tudo virá no tempo próprio. Há um momento exato para você tirar da gaveta aquele projeto e apresentá-lo à pessoa certa na empresa onde trabalha; aquele projeto que poderá ser um elevador na carreira, após vários andares subidos degrau por degrau, pacientemente, ao longo dos anos. A atitude wu-wei, ou que nome se queira dar a isso no cotidiano, não é uma fórmula a ser aplicada à vida. É sobretudo um estado de consciência que se pode experimentar, de modo crescente, no momento em que se passa a encarar a vida de outro modo. Ela favorece a criatividade, os insights, as grandes sacadas. Para falar do universo das oportunidades, essa nova consciência é capaz de deixar mais nítida aquela linha fina e tênue a partir da qual os acontecimentos do dia-a-dia começam a ganhar um significado especial, como já conversamos anteriormente. Não é por acaso que falo de criatividade e oportunidade como coisas próximas. Elas são amigas íntimas uma da outra. Têm trajetórias paralelas que, não raro, se cruzam. Perceber a oportunidade já é, em si mesmo, um ato criativo. Mostra que você tem uma capacidade de percepção acima da média.

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Com o que já discutimos até aqui, fica bem claro que o surgimento de uma oportunidade, e mesmo a possibilidade real de aproveitá-la ou desperdiçá-la, deve-se em parte ao acaso, sem dúvida. As histórias que recordamos mostram que o destino é caprichoso, ardiloso. Pense que Tony Sheridan, mesmo sendo ele próprio um músico, não achou que os Beatles tivessem algum futuro. Essa história mostra que o aproveitamento de uma oportunidade envolve percepção. É necessário, portanto, estar preparado para o acaso. E enxergar a sua vida um pouco como se você estivesse dentro de um filme, no qual participa como ator, produtor, roteirista e diretor. Só assim entrará no estado mental que é, ao mesmo tempo, uma perfeita mistura de envolvimento e distanciamento, o que caracteriza as pessoas altamente criativas e bem-sucedidas.

No livro 3, observa-se que a instalação dos sujeitos no discurso é realizada

também pela alternância constante entre o processo enunciativo e o enuncivo.

Na primeira seção, o narrador instala, logo no primeiro parágrafo, o narratário

por meio da forma pronominal você, e indiretamente pela forma verbal de terceira

pessoa com função de segunda e se lembre. Ele está também presente, de forma

pressuposta, na pergunta realizada no segundo parágrafo: Fonte do Poder?. Em

relação ao narrador, está instalado por meio do pronome de primeira pessoa eu,

pelo possessivo minha e, além disso, por meio do pronome de primeira pessoa nós

em: Todos nós temos (...).

Note-se que esse “nós” pode ser considerado inclusivo, pois nele estão o eu

(narrador) e o você (narratário) e os outros (visto que a fonte do poder pertence ao

homem humanidade). Já no fragmento (...) e que apenas começamos a descobrir e

entende, pode-se considerar plural de modéstia, apesar de, no contexto, parecer

inclusivo (eu + você), uma vez que o sentido de “apenas começamos a entender”

refere-se, sim, ao narrador numa atitude de modéstia (como na frase de Sócrates

Sei que nada sei), mas também ao não saber do narratário, o qual, ao ler o livro,

começa a entender o processo (processo de passagem da ignorância ao saber

verdadeiro).

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De qualquer modo, a debreagem enunciativa encontra-se no grau máximo,

devido à presença do pronome de primeira pessoa do singular. A subjetividade

assim projetada no discurso sinaliza que o ponto de vista exposto sobre o fato

relaciona-se à experiência do próprio narrador, que focaliza o que está sendo

relatado de forma parcial e “apaixonada”: (...) constatei surpreso que o desenho que

eu havia criado em minha cabeça da Fonte do poder era exatamente igual.

O texto, dessa forma, assume a feição de relato de experiência pessoal e

indica também a relação de proximidade entre os sujeitos do discurso, visto que a

forma de instalação é enunciativa: narrador e narratário encontram-se próximos

(essa proximidade, evidentemente, tem o caráter de estabelecer confiança).

Todavia, é um narrador que sabe mais que o narratário (como indica a

pergunta que antecipa a dúvida do interlocutor e a própria descrição do mecanismo

de funcionamento do objeto capacitor) o que faz parecer que a debreagem

enunciativa, neste tópico, é um recurso de dissimulação da relação hierárquica,

caracterizada pelo saber do narrador e pelo saber equivocado do enunciatário. De

outro modo, as análises indicam que esse efeito de aproximação não é mantido em

todo o percurso discursivo. Mesmo nessa seção, numa análise mais detalhada,

observa-se gradação na relação proximidade / distanciamento entre os actantes.

No terceiro parágrafo, por exemplo, o narrador, apesar de no último

enunciado do parágrafo estar em primeira pessoa, nota-se que o discurso vai do

menos subjetivo para o mais subjetivo. Isso é conseguido com a baixa ocorrência de

adjetivos afetivos (avaliativos) e com a presença de descritivos; e, em seguida, com

a presença de palavras mais avaliativas. No quadro:

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Quadro 1

- subjetivo Menor presença do narrador com o seu dito (- distenso)

+ subjetivo Maior presença do narrador no seu dito (+ distenso)

No filme mencionado, o tal “capacitor do fluxo de energia” era representado por uma espécie de triângulo, no qual três correntes de luz convergiam de suas extremidades para um núcleo central resplandecente, o fulcro energético do poder.

Não pude, eu tinha encontrado uma metáfora feliz

Pelo quadro, nota-se que o grau de comprometimento do narrador vai do

menos subjetivo para o mais subjetivo, a produzir um discurso mais apaixonado,

como indicam os enunciados não pude deixar de sorrir, uma metáfora feliz. Esse

processo de gradação ocorre também no parágrafo subseqüente. Nele nota-se que

o afastamento entre os actantes passa a ser, gradativamente, freqüente.

A forma pronominal eu deixa de ser utilizada, mas ainda a debreagem é

enunciativa por causa da presença do pronome minha. Mesmo assim, essa

presença direta no dizer de quem diz é, de certo modo, diluída pela maior presença

da terceira pessoa (realizada por expressões ou palavras genéricas), e pela baixa

freqüência de palavras avaliativas. Veja-se o quadro.

Quadro 2

Enunciados

Presença do Narrador

Efeito

Tais idéias não são minhas, não são originais e nem são novas.

Presença do pronome de primeira pessoa: minha

+ subjetividade

Em toda literatura conhecida que Presença da terceira - subjetividade

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reconhece no homem uma manifestação do divino, da Bíblia à Tora, dos Rigvedas ao Corão, encontramos, sob diferentes formas, a referência constante às palavras, aos pensamentos e às obras, como aspectos essenciais da vida do homem. Não é causalidade. A confluência destas três energias, aparências interdepententes e complementares da unidade ou do todo, origina um eixo singularmente poderoso, o manancial da vitalidade, aqui chamado congruência.

pessoa; Presença de primeira pessoa do plural de modéstia

No quinto parágrafo em diante, entretanto, o discurso tende a produzir o efeito

de menos subjetividade (mais distanciamento). O narrador instala-se por meio de

debreagem enunciva. Observa-se a presença de um gerúndio (reforçando), forma

nominal, portanto não há sujeito; a ausência total de pronomes de primeira pessoa

do singular e do plural. Além disso, ao recorrer a uma exemplificação, o narrador

constrói o enunciado utilizando-se do pronome indefinido alguém na frase: se

alguém afina seus pensamentos, suas expressões verbais e seus afazeres com um

sentimento de natureza limitante, como raiva, por exemplo, ficará ‘poderosamente

enraivecido’.

Esse elemento indetermina o referente no sentido de que pode ser qualquer

um, inclusive o actante da recepção, o que abre para questões axiológicas em que a

identificação deixa entrever o possível modo do narratário ser no mundo

(enraivecido, voltado para os pensamentos negativos). E ao mesmo tempo, é um

convite para que este sujeito (passível de pensamentos negativos) passe a ser do

grupo que possui pensamentos afinados com o que é positivo, ou seja, entrar no

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percurso do sucesso: sair do pólo disfórico em direção ao eufórico.

Sistematicamente, no quadro:

Quadro 3

Enunciado

Presença do Narrador

Efeitos produzidos

Reforçando: a congruência se realiza através da “soma” das expressões verbal, mental e ativa da vontade de viver, da esperança, da fé, do amor, do trabalho. do perdão, da amizade, da gratidão, da paz, do entusiasmo, da liberdade, da segurança, da saúde, da alegria, do prazer, da justiça, da prosperidade, do merecimento, da celebração e demais estados expansivos. Mas também através do oposto disso tudo. Pois congruência é afinação: se alguém afina seus pensamentos, suas expressões verbais e seus afazeres com um sentimento de natureza limitante, como a raiva, por exemplo, ficará “poderosamente enraivado”. É claro que tamanha ferocidade poderá ser útil em algumas situações, mas se predominar, em todas elas, envenenará o sangue. Isto posto, se se trata de coerência, é bom ficar atento.

Ausência de primeira pessoa (singular ou plural) Ausência do pronome de segunda pessoa

aixa incidência de palavras ou expressões afetivas ou

avaliativas esença de terceira pessoa por eio de expressões genéricas e

Gerúndio

- subjetividade + objetividade

Na seção O entusiasmo, também ocorre a alternância.

Entusiasmo

Na medida em que alinhamos a saúde física, mental, emocional e espiritual, a

coerência se fortalece, a integridade se expande e dá forma poderosa aos nossos variados comportamentos. Porém, nenhum destes expressa melhor sua fruição pujante, sua quintessência vital, quanto o entusiasmo. A congruência, portanto, favorece o mais precioso

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fator de motivação que se conhece. A pessoa entusiasmada vivencia uma inspiração ou uma autêntica alegria, o que torna fácil a identificação de quem está na luta tomado por este “fogo de Deus”.

O leitor atento notará que concedemos ao entusiasmo o destaque que usualmente se dá, nos textos sobre auto-educação, à vontade. Ambos são. É natural, parentes próximos e de indubitável valor; mas conquanto possa haver volição sem entusiasmo, é impossível estar de fato entusiasmado sem que se tenha vontade. Assim, querer se faz necessário, mas não basta: uma autêntica inspiração é o que espera de quem está determinado a conquistar seu objetivo.

Há histórias comoventes sobre pessoas que, através do entusiasmo, superaram terríveis dificuldades ou doenças gravíssimas. Quando entusiasmado por alguém, uma causa, uma tarefa, um desafio, nos sentimos mais vivos, mais alegres e mais alegres por estarmos vivos. E as barreiras, se porventura aparecem, são bem – vindas, pois quem sente “a chama” dentro de si, vê em tais resistências a ocasião de confirmar seu empenho e sua fé.

congruência e entusiasmo se nutrem reciprocamente, como o Uroboros, a serpente que morde a uda, o símbolo milenar da retroalimentação.

Exercício nº 2 O ENTUSIASMO

Lembre-se de uma ocasião na sua vida em que sentiu um forte entusiasmo. Como era sentir-se entusiasmado? Anote os detalhes daquele momento e do que alimentava sua vibração.

Lembre-se de outra situação similar: Proceda da mesma maneira que procedeu com o primeiro exemplo. Anote. Compare as vivências e observe que em ambas havia congruência!

Outra vez: ao convergir linguagem, idéias e obras, sintonizadas num único sentido e

direção, potencializamos a inspiração e expandimos a capacidade de transformar a realidade individual e do ambiente à nossa volta. Tomamo-nos, assim, mágicos. Porém, não daqueles ilusionistas de truques e manhas, mágicos mesmos! Dos que são parceiros do universo na arquitetura e construção de suas próprias vidas e do meio ambiente de que participam. É assim que a congruência e o entusiasmo ampliam as chances de se atingir uma meta.

Geralmente, ocorre a introdução de conceitos e comentários. O imperativo

ocorre basicamente na parte do exercício; a ausência do pronome você parece

conferir ao discurso mais objetividade, se comparado aos outros livros em que a

quantidade é superior.

O enunciador instala-se, no texto, por meio do pronome nós em suas variadas

formas – desinência -mos e pelo pronome possessivo nosso / nossa. Seguindo as

categorias de pessoa subvertida descritas pelo professor Fiorin (2002:91), a

manifestação do narrador em primeira pessoa do plural parece estar pela terceira

pessoa:

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Na medida em que alinhamos a saúde física, mental, emocional e espiritual, a coerência se fortalece, a integridade se expande e dá forma poderosa aos nossos variados comportamentos.

Note-se que a expansão ocorre em quem, seja lá quem for, alinhar os fatores

apresentados pelo autor. Quer dizer que é uma terceira pessoa indeterminada,

porque pode ser qualquer um que se enquadre nestas condições de alinhamento.

Isso se dá também na ocorrência da primeira pessoa na forma possessiva: aos

nossos variados comportamentos, em que alude a um comportamento geral.

No enunciado a seguir nota-se um maior afastamento do narrador, construído

pela presença do sintagma o leitor (debreagem enunciva) para designar o narratário

e pela ausência de palavras e/ou expressões afetivas (avaliativas), pela presença do

plural de autor e da terceira pessoa, que, de acordo também com descrição das

pessoas subvertidas, o nós é de modéstia (majestático):

O leitor atento notará que concedemos ao entusiasmo o destaque que usualmente se dá, nos textos sobre auto-educação, à vontade. Ambos são. É natural, parentes próximos e de indubitável valor; mas conquanto possa haver volição sem entusiasmo, é impossível estar de fato entusiasmado sem que se tenha vontade. Assim, querer se faz necessário, mas não basta: uma autêntica inspiração é o que espera de quem está determinado a conquistar seu objetivo.

De qualquer modo, o que se presencia é a tendência de alterar o modo de

projeção da enunciação, cujo efeito é o de tornar, intercaladamente, o discurso

objetivo e subjetivo, para proferir conceitos, leis, explicações e prescrições, no caso

realizado por meio de exercícios. Há de se notar que, pelo vocabulário e pelo tipo de

primeira pessoa utilizada, pela baixa incidência do pronome você, este discurso

tende a ser mais objetivado e menos inclusivo.

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Pelas analises, constata-se que a relação do enunciador com o seu discurso

se dá na forma de um jogo em que o discurso transita entre ser subjetivo e objetivo.

Constatou-se que há momentos em que o narrador está debreado em primeira

pessoa. Com o emprego deste recurso lingüístico-discursivo, o narrador promove

uma maior aproximação entre ele e o narratário. Mas também cria a ilusão de que

assume seu discurso e por ele se responsabiliza, criando a impressão de que está

“pessoalmente” engajado na questão, apoiado em valores os quais, no discurso, são

proferidos como verdadeiros e inquestionáveis; além disso, com este emprego

reafirma condutas consideradas positivas e essenciais.

Em outros momentos emprega-se a primeira pessoa do plural. Às vezes, na

forma de pessoa subvertida em outras na forma de amplificação. Nesse sentido, ora

compartilha, socializando saberes, experiências e comprometimentos, ao mesmo

tempo em que compromete o próprio narratário no que tange a mudança de seu

estado.

Houve também o emprego da terceira pessoa. Neste emprego, nota-se que o

narrador, ao deixar de assumir o discurso, faz com que o enunciado assuma o valor

de lei, de conceitos e de comentários (quando não há neles prescrição), sua

assunção é indireta. Nessa voz ecoa, geralmente a voz do senso comum, em forma

de crenças e de leis; com isso se pretende que o discurso ganhe mais credibilidade.

Quanto ao narratário, constatou-se que ele é, geralmente, marcado, no

discurso pelo pronome você. Sua presença marca uma relação menos formal entre

os actantes. Este pronome, neste discurso, aponta sempre para um narratário

definido: sujeito ignorante (não-saber) e submisso, que ocupa um espaço discursivo

disforizado. Seu emprego parece ser, por parte do narrador, a busca de

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cumplicidade do narratário, simulando, por meio da doação de um saber, a

concordância de determinado ponto de vista ou mesmo a discordância.

Outras vezes este sujeito está marcado no discurso, enuncivamente, por leitor

e a gente, reforçando a relação hierárquica que se estabelece. Este discurso parece,

portanto, querer produzir a ilusão de que, de um lado, constrói-se segundo

parâmetros científicos; de outro, religiosos (esotérico) e do cotidiano.

4.4 AUTO-AJUDA E O DISCURSO CIENTÍFICO E RELIGIOSO

De acordo com as análises do modo de projeção dos enunciadores neste

discurso, viu-se que o simulacro de cientificidade está nele presente, podendo ser

uma marca deste discurso. Esta cientificidade vem acompanhada pelo discurso

religioso.

A ciência é o discurso da racionalidade dirigida a uma comunidade que

pretende saber, após a divulgação, se a lei enunciada é válida, a ponto de torná-la

uma verdade geral; se suas leis advieram de procedimentos investigativos

realizados a partir de regras e valores. Esse discurso é enuncivo porque sua

finalidade é parecer que os resultados alcançados, as normas estabelecidas

resultam, necessariamente, não de uma manifestação de sujeito individual, mas de

um sujeito coletivo que utiliza os mesmos procedimentos para chegarem a

resultados semelhantes (comprovação da lei). O fazer crer, nesse discurso, portanto,

não se dá de indivíduo para indivíduo, mas de comunidade (científica) para

comunidade. Seu discurso, por ser racional, envereda para a desmistificação do

fenômeno, retirando sua áurea de mistério. Por isso, o texto, via de regra, dá-se em

terceira pessoa, cujo efeito é o de objetividade e o de distanciamento.

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A literatura de auto-ajuda pretende assemelhar-se ao discurso científico, pois,

por vezes, o enunciador instala o narrador em terceira pessoa. De acordo com

Gerard Fourez, muito acreditam que ciência é a descoberta das leis eternas,

organizadoras do mundo: as “leis da Natureza”. Os conceitos científicos, nessa

perspectivas, não são construídos, mas efetivamente “descobertos”. Essa visão

idealista parte do princípio de que tudo já está dado, tudo já está presente na

Natureza, basta entender e reencontrar a “realidade em si” (1995: 251).

Os livros de auto-ajuda, ao enunciar uma lei ou conceitos enveredam por esse

caminho idealista. O narrador, por meio de um discurso objetivado, faz parecer que

mostra o caminho para o reencontro dessa “realidade em si“: tudo está dado, basta

saber encontrar. Esse discurso é construído segundo a crença de que a ciência tem

o poder de resolver os problemas do mundo e os individuais. De acordo com Fourez,

Alguns acreditam na ciência como em uma tecnologia intelectual. Para eles, acreditar na ciência é acreditar que ela pode resolver um certo número de questões que lhe são colocadas. “acreditar na ciência” corresponde então à atitude de confiança que se pode ter em uma tecnologia [...] Esse tipo de confiança significa que eles estão persuadidos de que essas tecnologias lhe permitiram realizar o que eles desejam [...] (ibid.)

Assim sendo, a objetivação do discurso pretende criar este laço persuasivo de

modo que o narratário prenda-se nas malhas deste raciocínio de que a ciência,

como uma tecnologia, resolverá os problemas. Isso explica por que se encontram

atividades em formas de exercícios ou procedimentos. É um recurso que faz com

que as leis enunciadas, os conceitos proferidos sejam críveis como são as

tecnologias, que, pelo menos no imaginário, resolvem algum problema com um

simples tocar no botão ou simplesmente com o tomar uma pílula.

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Além disso, nota-se que o conceito de ciência que norteia este discurso é o de

que ela visa sempre à garimpagem de verdades absolutas, assim como é o discurso

religioso. As verdades que são proferidas nem sempre pertencem ao conhecimento

científico. Muitas vezes são dogmas que passam a ser verdades científicas e

verdades científicas que passam a ser dogmas:

Outra maneira de acreditar na ciência, em geral ligada a uma perspectiva idealista, consiste em atribuir um valor absoluto às verdades científicas. Esse tipo de crença pode responder também à inquietude que sentem alguns diante da relatividade de nossa história: tendo dificuldade em vivenciar uma história relativa, ou acreditar que o absoluto pode se revelar no relativo histórico, buscam algo de sólido a que se segurar. Muitos, hoje em dia, situam esse sólido no campo da ciência, principalmente se um agnosticismo religioso os tiver deixado órfãos do Absoluto. Já tivemos ocasião de nos perguntarmos se essa fé absoluta na ciência não se une àquilo que a religião chamou de idolatria: em seu desejo de possuir o absoluto, algumas pessoas não descansam enquanto não o tiverem posto em uma experiência importante talvez, mas sempre relativa. [...] (ibid.)

Quer dizer que ao objetivar o discurso, em meio a debreagens enunciativas,

que aproximam os actantes, constrói-se uma ambiência de segurança, em que se

viverá o absoluto e não o relativo. Por isso, o discurso é o discurso da certeza e da

ausência de dúvida. Isso confere na relação actancial “algo sólido a que se pode

segurar”. O discurso de auto-ajuda, ao querer simular-se racional, por vezes, faz uso

de representações do pensamento científico, buscando estabelecer fé, pois a

divulgação é realizada com sensacionalismo. Granger (1994: 16-17), ao discutir a

questão da divulgação científica nos dias atuais, chama a atenção para o fato de que

os avanços científicos, via de regra,

Independentemente da penetração “anônima” da ciência em nossa vida quotidiana, nossa época se caracteriza também

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pela presença quase universal, mas difusa, de representações do pensamento científico [...]

Ele está falando dos meios de comunicação: jornal, revistas, televisão

internet. Mas pode-se dizer que o livro de auto-ajuda, ao lançar mão das

representações do pensamento científico e dos próprios resultados para serem

manipulados segundo suas intenções, acaba lançando sobre estes conhecimentos

uma visão esotérica e religiosa, a ponto de

[...] uma grande heterogeneidade das idéias que a maioria de nossos contemporâneos podem ter da ciência. Para alguns, a ênfase é colocada nos poderes, que eles temem ou, pelo contrário, em que têm a fé do carvoeiro. Outros, em compensação, retendo o lado maravilhoso da ciência, estão prontos para aproximá-la da magia e, ao mesmo tempo, se vêem paradoxalmente abertos a todo tipo de crenças, recusando-se a uma crítica racional, essas crenças incontroladas satisfazem a um gosto pelo mistério sustentado por uma idéia vaga da ciência. Aceitar-se-ão sem crítica as narrativas de discos voadores, de fenômenos paranorrmais, as predições dos astrólogos, sob a caução, aliás, do cálculo efetivamente científico, mas não da influência dos astros, e sim de sua posição num dado momento. Justificar-se-ão essas crenças afirmando que esses fatos não são, afinal de contas, mais estranhos (para o ignorante) do que para os próprios fatos científicos explorados pela técnica e, contraditoriamente, postulando, por reação, que existem áreas inacessíveis à ciência. Assim, a vulgarização de uma idéia onipresente da ciência é capaz de induzir a atitudes perversas do próprio ponto de vista da ciência, diante de fatos mais conhecidos ou inexplicados. (ibid., p.17)

Nos livros, encontram-se conhecimentos científicos diluídos sendo

aproximados do conhecimento religioso (em que se imputa uma visão esotérica).

Observa-se uma tendência a estabelecer, nessa diluição, uma síntese de modo que

as oposições entre ciência e religião (esoterismo) sejam anuladas:

Livro 1

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Entrar em alfa é entrar em estado de profundidade mental, de concentração, ou, como dizia Jesus Cristo, é entrar em estado de oração. É através do relax, da calma, que se entra em nível alfa. De acordo com a teoria corrente, existem quatro estados de consciência: nível alfa, nível teta e nível delta. O cérebro emite minúsculos impulsos eletroquímicos e a maior ou menor freqüência dessas pulsações, ou ciclos, determina seu estado atual de consciência. (p.55)

Livro 3

[...] Depois da física quântica, duvidar que o pensamento transforma a matéria não é apenas tolice, é ignorância. Hoje, não sem alguma resistência, o Ocidente se curva diante do fato de que pensar não é “ só” pensar.

Unem-se conhecimentos dispares como sendo equivalentes ou

complementares. É isso que Granger (op. cit.) diz ser uma espécie de banalização.

Os conhecimentos da neurolingüística, da física quântica, psicanálise são

manipulados de modo que pareçam pertencer ao campo religioso (e esotérico). O

discurso de auto-ajuda tende a ser construído como simulacro da evidência, ao

apresentar casos particulares, e o da fé cega, ao remeter-se à força divina. Ou seja,

tende a suspender, ou mesmo anular, no campo discursivo, a oposição sagrado

versus profano.

Essa estratégia visa, ao que parece, a tornar factível aquilo que é

extremamente metafísico e improvável. O discurso objetivado quer ser o elo entre o

possível e o imponderável, criando a ilusão de que aquilo que se diz tem

comprovação, portanto, passível de ser realizada, pois crível. De outro modo, com a

subjetivação, cria-se a ilusão de que o narrador é alguém que “experienciou” as leis.

Sendo assim, está autorizado a prescrever condutas de como agir, como pensar etc.

4.5 CONCLUSÃO PARCIAL

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O discurso de auto-ajuda, como se observa, pretende (essa é a sua promessa)

dar as condições cognitivas para que haja uma alteração de estado: sair do não-saber

para um saber. Quanto à projeção da enunciação, estabelece-se um jogo de

debreagem, pelo qual o narrador ora se coloca objetivamente ora subjetivamente.

Essa constante alternância, ao que parece, é uma característica deste

gênero. Levando-se em conta que a objetividade visa à ilusão de ausência do sujeito

que enuncia, cujo resultado é a imparcialidade, aos moldes do discurso científico.

Ela ocorre, no discurso de auto-ajuda, quando o autor-narrador apresenta um

enunciado com força de lei (geral), ou mesmo quando conceitua ou define algo.

Após a apresentação, dirige-se ao narratário, com um discurso enunciativo, pois

passa a designar este actante pelo pronome você e outros com a mesma função.

Nesse momento, comenta a lei, cria relações com as ilustrações, para em seguida,

fazer prescrições e ordenações.

Este discurso, portanto, quer simular ser científico. Mas, diferentemente da

ciência, que deve provar as leis, seguindo um ritual metodológico, o gênero auto-

ajuda trata de leis, conceitos que nem sempre são aceitos pela comunidade

(científica ou outra), os quais exigem, como na religião, uma fé “forte” e “cega”,

porque nem sempre as afirmações são comprovadas. De acordo com Isaac Levi

(1975:31), toda atividade de ciência é submetida a certos valores. Esta atividade

exige que se negue a aceitar contradições como sendo verdadeiras, ou assumir

asserções emitidas por fontes duvidosas. É necessário ser submisso “a um modo

científico de fazer as coisas sempre com base em dada evidência”. No entanto, as

provas, no gênero auto-ajuda, advêm de casos particulares que serão generalizados

e, sendo assim, refutáveis. Ao mesmo tempo, utiliza o discurso científico para

proferir uma crença religiosa como se fosse cientificamente comprovada.

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Assim, o modo de projeção parece corresponder a esta “deficiência” de não

se pautar por provas que pareçam fidedignas. Subjetivando o discurso, cria-se

identidade entre os actantes, proximidade necessária para fazer com que o

narratário aceite a verdade do discurso. Mas, ao mesmo tempo, a objetivação deste

discurso cria um ambiente discursivo de cientificidade, afastamento necessário para

criar confiabilidade, pois parecerá que as leis proferidas correspondem a uma

espécie de neutralidade construída graças ao efeito de racionalidade, em abrir mão

do discurso religioso que perpassa esta literatura. Essa junção entre estes discursos

quer, como efeito, a anulação das oposições forjando ser a auto-ajuda o lugar em

que ciência e religião sejam na verdade a mesma coisa.

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Considerações finais

Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política, etc.). Mas essa comunicação verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado.

Baktin34

Este trabalho descreveu semioticamente o gênero auto-ajuda, ao analisar, de

um lado, os mecanismos de debreagem e embreagem, que caracterizam o modo de

projeção da enunciação no discurso; de outro, ao examinar a relação entre os

sujeitos da enunciação, verificando os meios de persuasão utilizados para a

promoção da adesão do enunciatário ao contrato proposto. As questões norteadoras

das análises foram: de que maneira o enunciador age sobre o enunciatário e como

tal ato configura seu modo de ser? Que estratégias retórico-argumentativas e

discursivas caracterizam este modo de ser? Como os sujeitos da enunciação estão

projetados no discurso e que implicações decorrem dessa projeção? As imagens

utilizadas na capa são construídas a partir de símbolos (processo de simbolização)

ou semi-símbolos (processo de semi-simbolização) e que efeitos de sentido um ou

outro recurso constroem?

O estudo fundamentou-se nos princípios de que os gêneros são entidades

mais ou menos estáveis, que, no processo de textualização, moldam o dizer do

enunciador, adequando-o à situação comunicativa. Este processo de interação entre

fatores textuais e contextuais implica um modo de agir do enunciador sobre o

enunciatário e um tipo de projeção no discurso destes sujeitos. 34 In: Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1981. p. 123.

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Deste modo, levando em conta o contexto de produção dos livros de auto-

ajuda, pode-se dizer que o público-alvo é constituído por sujeitos que reconhecem,

no discurso, a resposta satisfatória ao seu querer: um saber que lhes possibilite

alcançar o sucesso ou adaptar-se às incertezas da vida. O enunciador, nesse

sentido, age sobre o enunciatário, simulando ser conhecedor do modo de conduzir

adequadamente a vida deste, investindo-o de um saber necessário à sua

sobrevivência, cada vez mais dificultada por constantes mudanças, que o

impulsionam a constituir sua própria hierarquia de valores, ideologicamente

marcados pelo individualismo.

O discurso de auto-ajuda apresenta-se, deste modo, como um conjunto de

práticas articuladas textualmente, em torno do princípio de que a solução do

problema está no próprio sujeito da recepção entrar em conjunção com um saber

verdadeiro capaz de modificar seu estado disfórico. Dito de outro modo: este

discurso constrói-se em torno de uma promessa: a doação de condições cognitivas

que transformem o sujeito do não-saber (ou de um saber equivocado) em sujeito do

saber para, conseqüentemente, tornar-se capaz de modificar a própria vida (do

insucesso para o sucesso; de pobre para rico etc) ao desempenhar determinados

comportamentos (de etiqueta, de modo de pensar etc), considerados modificadores

do estado pragmático. Esta literatura, portanto, sustenta-se em um discurso da

promessa.

Tal promessa, que se pode entender como uma das características deste

gênero, é construída no discurso da capa, no da biografia, no discurso do editor e

reforçada no discurso do enunciador-autor propriamente dito. O modo como ela está

discursivizada cria o simulacro de que pela simples leitura do livro se efetiva a

mudança cognitiva e pragmática, pois faz com que o ato de leitura seja o de

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transformação, mas, na verdade, o que se processa é a tentativa de atualização do

sujeito cognitiva e não pragmática.

Este discurso está ancorado em conhecimentos cristalizados (valores,

crenças baseados em determinados estereótipos), a partir dos quais são criadas

instruções, que os veiculam, a fim de que o sujeito da interpretação reconheça o

universo social a que ele pertence (valores, crenças que implicam fracasso,

insucesso, pobreza, por exemplo) e o universo social ao qual ele deseja pertencer

(valores, crenças que denotam sucesso, riqueza, realização). A estratégia visa, por

conseguinte, à produção do efeito de identidade entre o enunciador – que representa

os valores eufóricos – e o enunciatário – que representa os valores disfóricos –, cuja

finalidade é fazer com que os efeitos de verdade construídos sejam interpretados e

aceitos como tal e, por conseqüência, haja a assunção dos valores propalados.

Portanto, o gênero auto-ajuda tende a ser um discurso previsível e controlado.

A previsibilidade e o controle ocorrem com o emprego do processo de

simbolização e a utilização de cores quentes e saturadas no discurso da capa, já

que, ao mesmo tempo em que criam um discurso de interpretação única, místico e

religioso, constituem-se como estratégias responsáveis pelo processo de

reconhecimento, porque o símbolo e as cores empregados evocam valores, crenças

e práticas vinculados a desejos e anseios, que reforçam o efeito de sentido de que o

livro, por intermédio de seu enunciador, é a solução para todos os problemas

enfrentados pelo enunciatário.

A previsibilidade do discurso e a promessa, fatores estruturantes do gênero,

são reforçadas por outras estratégias discursivas: o emprego da pergunta retórica e

o emprego de caso particular nas modalidades: ilustração e modelo. Elas, além de

sedimentar tais fatores estruturantes, evidenciaram que este gênero tende a ser um

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discurso monológico, pois os sujeitos da enunciação relacionam-se em meio a um

processo de expropriação, em que o enunciador, simulando ser o detentor único do

saber, age como um déspota sobre o enunciatário, a expropriar, deste, sua voz.

Dessa forma, a partir de valores sociais e éticos que ancoram o ethos do

sujeito da manipulação (aquele que procura dar ao outro a verdade das coisas), é

construída, no discurso, a imagem do enunciador como sendo: responsável, bem-

sucedido, cujas ações são pautadas por valores humanos e pelo senso de dever

ajudar. Com isso, quer inspirar confiança, simpatia, generosidade, altruísmo.

Conseqüentemente, simular que o enunciatário forme corpo com as pessoas que

individualmente conseguem curar-se ou alcançar um objetivo, ascendendo

socialmente. A assunção deste discurso implica fazer com que o enunciatário seja

parte da (simulação de uma) comunidade de pessoas que gozam de plena felicidade

e sucesso, baseando-se em estereótipos motivadores da identificação.

Esta relação despótica é resultado também de uma estruturação diretiva e

cerceadora de sentidos que caracteriza os casos particulares (ilustração e modelo),

empregados neste gênero. Eles, como na fábula, são construídos de modo a

fecharem os sentidos em torno daquele pretendido pelo enunciador (isotopia única).

Tais casos, estrategicamente, quando utilizados como ilustração, pretendem a

construção da verdade única e inquestionável, a fim de levar o enunciatário a moldar

sua performance conforme as prescrições nelas contidas. Quando empregadas

como modelo, pretendem a construção de referenciais de conduta (ética, moral,

“mental” etc.) previsível, consoantes aos valores culturais e sociais que se

consideram adequados para vir a ser um sujeito do sucesso.

A utilização dos casos particulares, portanto, do mesmo modo que a dos

símbolos, remete o enunciatário a representações estereotipadas, que balizam os

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seus comportamentos; além disso, garantem a eficiência comunicativa, ao reforçar o

efeito de sentido reconhecimento, consolidando, assim, “o dito” do enunciador como

lei que determina uma conduta a ser, obrigatoriamente, seguida, para que haja

sanção positiva do enunciatário.

Dessa forma, tendo em vista a efetivação do contrato fiduciário e de

veridicção, o emprego destas estratégias visa fazer crer e fazer aderir, por meio de

uma ação discursiva diretiva e monossêmica, que demarca a relação autoritária,

configurada no desempenho despótico do enunciador em face à nulidade do

enunciatário.

De outro modo, neste gênero, quando as estruturas virtuais são atualizadas

para a produção de enunciados, que trazem marcados os “vestígios” da enunciação,

instala-se um narrador onisciente dotado da competência cognitiva saber,

conseqüentemente marcado como um sujeito realizado, que se manifesta, na

narrativa, ora pela primeira pessoa do singular, ora pela do plural; ou dela se

ausenta por meio da terceira pessoa. Já o narratário se apresenta na narrativa como

sujeito ignorante (não-saber), que ocupa um espaço discursivo disforizado e

submisso.

O modo dessa manifestação traz implicações discursivas importantes no

processo de persuasão, na medida em que há um jogo de debreagens, pelas quais

o narrador ora se coloca objetivamente ora subjetivamente. Quando ocorre a

debreagem enunciva, o discurso assume força de lei (geral), de conceito ou de

definição. A relação torna-se mais distanciada, criando a ilusão de cientificidade,

reafirmada pelas citações de homens modelares e de conceitos “científicos”.

Entretanto, quando ocorre a debreagem enunciativa, o discurso assume

estatuto de prescrição (receitas e indicações) e de comentário (explicação dos casos

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particulares), e a relação torna-se mais próxima da cumplicidade, a qual é mais bem

vista quando se compartilham, por parte do enunciador, relatos pessoais de

experiências pessoais. Com esse modo de projeção, o narrador cria o efeito de

(maior) aproximação entre ele e o narratário e, com isso, além de produzir a ilusão

de que ele assume seu discurso e por ele se responsabiliza, produz também o efeito

de sentido engajamento “pessoal” no processo de fazer saber.

Nessa perspectiva, este discurso pertence à classe dos discursos

programadores, em que o narrador encontra-se investido da competência modal

saber-fazer e o texto se estrutura em torno da doação do saber para um narratário

que, a partir deste saber, terá que realizar (se).

No processo de projeção, é produzido o efeito de sentido anulação das

oposições entre cientificidade e religiosidade. O discurso é manipulado no sentido de

fazer com que as leis da ciência expliquem os fenômenos místicos e religiosos e as

leis científicas expliquem os fenômenos científicos. Isso se dá pela diluição e

descaracterização dos conhecimentos manipulados pelo narrador, porque as provas

utilizadas supostamente para comprovar uma lei não seguem um ritual metodológico

científico, espera-se que, como na religião, uma fé “forte” e “cega” reja as relações.

O modo de projeção, por isso, corresponde a esta “deficiência” de que as

provas não têm fundamentos na razão. Enquanto a objetivação deste discurso cria

um ambiente discursivo de cientificidade, afastamento necessário para criar o efeito

de confiabilidade e pretensa neutralidade, a subjetividade é construída, em

alternância com esta, para dar “suporte” às leis enunciadas, pois se constrói a

cumplicidade necessária para que o narratário aceite a verdade construída no e pelo

discurso.

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Assim, sinteticamente, pode-se dizer que o discurso da auto-ajuda, no tocante

à relação entre enunciador enunciatário (sintaxe discursiva): estrutura-se em torno

da promessa de doação de competência cognitiva; tende a ser monológico e

monossêmico e, em virtude disto, seu enunciador é caracterizado como déspota (de

modo excessivo ou moderado), pois modalizado por um saber verdadeiro e

inquestionável. E, de modo contrário, seu enunciatário é caracterizado como

discípulo, pois modalizado pelo não saber (sujeito ignorante).

Neste discurso, o sujeito persuasivo passa a imagem de ser um sujeito firme,

impoluto, doador da verdade das coisas, pois ele não possui dúvidas, só certezas. A

constituição discursiva deste sujeito da enunciação se dá por meio das estratégias

retórico-discursivas importantes (entre outras não analisadas): a pergunta retórica

e o caso particular (em suas modalidades ilustração e modelo). Além disso, na

manifestação visual da capa, estrategicamente, o procedimento de semi-

simbolização está em segundo plano a favor do procedimento de simbolização, que

dá ao discurso um grau considerável de previsibilidade, ao mesmo tempo em que

crenças e valores estereotipados são utilizados para manipular.

Relativo à instalação do narrador e do narratário, ocorre a alternância de

debreagem: ora ela é enunciva, ora é enunciativa, portanto, ora o efeito é o de

subjetivação do discurso ora é o de objetivação. Este modo de instalação tende a

criar o efeito de anulação das oposições entre o discurso científico e o religioso.

Em relação à semântica discursiva, observa-se que o discurso de auto-ajuda:

manifesta-se um texto temático, em que se apresentam (estrategicamente) figuras,

que recobrem parte deste discurso; instalam-se um narrador-onisciente dotado de

um saber e um narratário, dotado de um não saber (sujeito ignorante a mercê das

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imposições do narrador). É discurso prescritivo (dever fazer) e de programação

(saber fazer).

Como se observa, a contribuição deste trabalho reside no fato de que se

analisou uma manifestação discursiva sob um olhar semiótico, agregando a este

olhar o conceito de gênero bakhtiniano. Além desta contribuição, por não ser um

trabalho exaustivo, pois se limitou, neste primeiro momento, à descrição do gênero

auto-ajuda, examinando, semioticamente, os procedimentos e estratégias

discursivas nele empregadas, os resultados aqui apresentados deixam delineada a

necessidade de continuidade da pesquisa em sentido a um trabalho contrastivo

entre este gênero e outros que a ele de alguma forma se aproxima, a fim de saber

qual o funcionamento específico e caracterizador deste discurso.

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