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36 JANEIRO DE 2002 PESQUISA FAPESP CIÊNCIA GENÔMICA Engenharia genética contra a Xylella Pesquisas definem novas estratégias de combate à praga das laranjas EDUARDO CESAR R ICARDO Z ORZETTO

GENÔMICA Engenharia genética contra a Xylella...a primeira variedade de laranja doce geneticamente modificada, obtida a partir de tecido adulto. Conquista decisiva - Em 2000, Beatriz

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Page 1: GENÔMICA Engenharia genética contra a Xylella...a primeira variedade de laranja doce geneticamente modificada, obtida a partir de tecido adulto. Conquista decisiva - Em 2000, Beatriz

36 • JANEIRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

CIÊNCIA

GENÔMICA

Engenharia genéticacontra a Xylella

Pesquisas definem novas estratégias de combate à praga das laranjas

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RICARDO ZORZETTO

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primeira variedade de laran-ja doce geneticamente mo-dificada, que abre cami-nho para a produção delaranjeiras resistentes a

doenças, e uma série de bactérias mu-tantes, nas quais foram desativados ge-nes considerados prejudiciais às plan-tas. Essas são algumas das novidadesdo 1º Simpósio Genoma Funcionalda Xylella fastidiosa, realizado de 10a 13 de dezembro em Serra Negra.Ali, os coordenadores dos 21 gruposde pesquisa do projeto Genoma Fun-cional, financiado pela FAPESP,anunciaram as estratégias de combateà Xylella fastidiosa, bactéria causadorada doença conhecida como amareli-nho – ou clorose variegada de citrus(CVC). Transmitida por um inseto – acigarrinha –, essa é uma praga que,com sintomas mais graves ou maisamenos, atinge 65 milhões de laran-jeiras no Estado de São Paulo (36%do total) e, a cada ano, torna impro-dutivas cerca de seis milhões delas.

Os alvos dos pesquisadores estãoclaros: são os genes que permitem à Xy-lella desencadear a doença (lhe confe-rem patogenicidade) ou determinam aagressividade (virulência) com que aplanta será infectada. O trabalho, ini-ciado há dois anos, converge agora paraa busca de mecanismos – como plan-tas ou bactérias alteradas genetica-mente – que bloqueiem a ação dessesgenes maléficos, permitam o desen-volvimento de inseticidas mais eficien-tes para impedir que a cigarrinha trans-mita a bactéria a plantas saudáveis ouque levem ao desenvolvimento de plan-tas resistentes, produtoras de proteínascapazes de impedir a sobrevivência daXylella.

Começa assim uma nova etapa naluta contra a bactéria causadora doamarelinho, deflagrada em 2000 como vitorioso seqüenciamento de seu ge-noma em programa financiado pelaFAPESP. Além das técnicas já em uso– controle dos insetos transmissores euso de mudas livres de contaminação,que ao menos evitam o alastramentodo problema para plantas ainda intac-tas –, será possível contar com os re-cursos da engenharia genética para

construir bactérias ou plantas modifi-cadas geneticamente. Com isso se pre-tende bloquear o desenvolvimento dapraga, que traz um prejuízo anual paraa citricultura paulista estimado emUS$ 100 milhões.

No simpósio de Serra Negra, parauma platéia de cerca de 100 pesquisa-dores, Beatriz Mendes, do Centro deEnergia Nuclear na Agricultura (Cena),e Francisco Alves Mourão Filho, da Es-cola Superior de Agricultura Luiz deQueiroz (Esalq), ambos da Universi-dade de São Paulo (USP), apresentarama primeira variedade de laranja docegeneticamente modificada, obtida apartir de tecido adulto.

Conquista decisiva - Em 2000, Beatrize Mourão já haviam obtido umaplanta transgênica a partir de tecidocítrico jovem, isto é, obtido logodepois da germinação da semente,mas não ficaram satisfeitos com o re-sultado: a planta pode demorar decinco a oito anos para frutificar. Tra-balharam durante um ano e meioavaliando os fatores que influenciamas condições de crescimento da plan-ta – como o meio de cultura, o tempode incubação e a temperatura. Final-mente, tiveram sucesso com a laran-jeira da variedade Hamlin, a partir deseu tecido adulto, que frutifica maiscedo: cerca de dois anos.

É uma conquista que promete serdecisiva para a próxima etapa do pro-jeto, com término previsto para mea-dos deste ano. “Quando tivermos umgene que proporcione à planta resis-tência contra a bactéria, poderemosproduzir plantas para testar no cam-po em uns dois anos”, calcula Beatriz.

Mais pesquisas devem amadurecereste ano. Na linha de frente dos resul-tados está João Lúcio de Azevedo, co-ordenador do Núcleo Integrado deBiotecnologia (NIB) da Universidadede Mogi das Cruzes (UMC) e profes-sor titular aposentado da Esalq. Ele de-senvolve uma Xylella mutante na qualpoderá ser bloqueado o gene da enzi-ma endoglucanase A, um dos associa-dos à produção da goma fastidiana. Éessa goma que a bactéria utiliza paraaderir ao xilema, o sistema de vasos

que transporta água e sais mineraisatravés de toda a planta.

A goma fastidiana está ligada ain-da ao entupimento do xilema e, emconseqüência, à manifestação dos sin-tomas da doença – manchas amarela-das – nas folhas da laranjeira. Azevedoespera obter já em 2002 os primeiros re-sultados da inoculação da bactéria mo-dificada na planta maria-sem-vergonhaou vinca (Catharantus roseus),usada co-mo modelo nesse tipo de experimen-to, bem como em citros.“Se funcionar”,diz ele, “podemos estender a técnicapara as bactérias do gênero Xantomo-nas, que atacam citros e hortaliças”.

Para avançar, não se conta apenascom informações sobre como a bacté-ria provoca a doença e a agressividadecom que a planta é infectada. Esses da-dos já foram aprofundados pelo conhe-cimento acumulado sobre o genoma daXylella, cujo seqüenciamento contoucom quase todos os pesquisadores queagora participam do Genoma Funcio-nal. Também se avançou bastante noconhecimento das proteínas produzi-das pela causadora do amarelinho – jásão 130 as identificadas pelo Labora-tório de Química de Proteínas do Ins-tituto de Biologia da Universidade Es-tadual de Campinas (Unicamp) – e,de modo mais amplo, na epidemiolo-gia da doença.

Experimentos conduzidos sobre-tudo na Esalq mostram que tanto oamarelinho quanto a cigarrinha se pro-pagam mais intensamente nas regiõesmais quentes do Estado, onde a escas-sez de água é comum. Assim, na áreados municípios de Barretos e Bebe-douro, norte do Estado, 48% das la-ranjeiras estão infectadas, enquandonos arredores de Limeira e Itapetinin-ga, ao sul, não passam de 17%, segun-do levamento que o Fundo de Defesada Citricultura (Fundecitrus), manti-do pelos agricultores, fez em 2001.

“As etapas mais importantes já fo-ram vencidas”, comenta Jesus Apare-cido Ferro, da Universidade EstadualPaulista (Unesp) em Jaboticabal, umdos coordenadores do Genoma Fun-cional: “Com certeza o progresso serámais rápido daqui para a frente”. Seráainda mais rápido no que depender

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da bióloga Patrícia BrantMonteiro, do Fundeci-trus: ela produziu co-lônias de bactérias mu-tantes estáveis para 12genes, que regulam, en-tre outras coisas, a pato-genicidade e a produçãode toxinas para a plan-ta ou de polissacarídeos(açúcares) que destrui-rão o xilema.

Tanto Patrícia comoAzevedo trabalham natécnica de interrupçãode genes. É a “leitura”do gene que determinaa produção de proteí-nas específicas. Ao secolocar um trecho deDNA no meio de umgene, essa leitura ficaperturbada e, assim, eleé “desligado”. A bacté-ria que resulta dessamodificação é uma mutante: ela pas-sa a carregar o gene alterado no seumaterial genético.

atrícia foi pioneira naconstrução de uma Xylellamutante, resistente à in-corporação de materialgenético exótico – vindo

de outros organismos – ao seu genoma.Ela superou o problema ao utilizarcomo vetor um plasmídeo (segmentode DNA circular) desenvolvido em la-boratório e que continha um peque-no trecho de material genético daprópria bactéria.

Esse trabalho abriu caminho paraoutros grupos. As pesquisadoras daUSP Marilis Marques, do Instituto deCiências Biomédicas, e Suely Gomes,do Instituto de Química, também ob-tiveram sucesso na produção de bacté-rias mutantes. Utilizando uma estra-tégia diferente, desenvolveram umplasmídeo que permitiu a incorpora-ção de DNA exótico no genoma daXylella. Marilis e Sueli desenvolveramcolônias de Xylella que têm o genegspD alterado. Esse gene é responsá-vel pela produção de uma proteínaque forma canais na parede da bacté-

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ria, por onde são secretadas as enzimasque destroem os vasos do xilema.

Recentemente, testes feitos com ouso de material radiativo para marca-ção de genes comprovaram que umaem cada oito colônias de bactérias mu-tantes mantém incorporado o trecho deDNA alterado, mesmo depois de dezciclos reprodutivos.“Começamos a do-minar a técnica de transformação daXylella, o que é importante para deter-minar a função de cada gene na doen-ça”, revela Marilis. Agora ela procuraproduzir bactérias mutantes usandotransposons (pedaços de DNA que mu-dam de lugar no cromossomo) comovetores, no lugar de plasmídeos. A van-tagem disso seria obter, a partir do usode um único tipo de vetor, várias colô-nias de bactérias transformadas, cadauma com um gene diferente desligado.

Pesquisas integradas - Dominar a téc-nica de produção de mutantes foiigualmente essencial para o grupocoordenado em Piracicaba por SérgioPascholati, da Esalq. Ele trabalhou naidentificação de genes que codificamexoenzimas – proteínas que a bactériaproduz e servem para obter nutrien-tes e colonizar a planta. Valendo-se

Colônias de Xylella crescendo dentro dos vasos condutores de seiva: ação começa a ser contida

das informações do genoma da Xylella,identificou oito possíveis exoenzimase, em testes de laboratório, caracteri-zou três delas: são três celulases, enzi-mas que digerem celulose e a transfor-mam em glicose, molécula essencialpara qualquer organismo obter ener-gia. Próxima etapa: desenvolver bacté-rias com genes alterados que impeçama produção dessas proteínas.

Outro gene que os pesquisadoresde Piracicaba querem desligar é oXf1940, produtor da enzima metioninasulfóxido redutase. Essa enzima parti-cipa do mecanismo de adesão da bacté-ria à parede do xilema e a outras bac-térias, para formar colônias, segundomodelo desenvolvido por Breno Leite,da equipe de Pascholati. A metioninatambém estaria relacionada à fixaçãoda Xylella no aparelho bucal da cigar-rinha. Eles acreditam poder chegar aum mecanismo de controle da doen-ça, se bloquearem a ação desse gene.

Pascholati trabalha em conjuntocom especialistas do Fundecitrus, liga-dos também à equipe de Azevedo e aoNIB de Mogi das Cruzes, que interageainda com a Esalq e o Instituto Agro-nômico de Campinas (IAC). Não sebusca uma estratégia única para deter

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o estrago provocado pelo amarelinhona citricultura paulista.

A própria equipe de Azevedo,além de bloquear genes, trabalha emoutra forma de controlar a praga: pormeio de microrganismos endofíticos,bactérias que convivem com a Xylella nalaranjeira, mas não provocam a doençana planta. Seu grupo identificou novegêneros de bactérias endofíticas de citros.Entre elas está a Pantoea agglomerans,na qual os pesquisadores já consegui-ram introduzir um gene que produz axantanase. Essa enzima impedea formação da goma xantana,produzida pelas bactérias do gê-nero Xantomonas e semelhanteà goma fastidiana.

Alvos selecionados - “Temos detestar todas as possibilidades”,diz o coordenador Ferro, daUnesp: “Não sabemos qual vaidar certo”. Patrícia pretendetestar os mutantes em plantasainda este ano, mas sabe que háincertezas: “Será sorte se conse-guirmos uma Xylella não-pato-gênica, pois metade dos genesdos organismos em geral codi-ficam proteínas de funções ainda des-conhecidas”.

Para que o combate à praga sejaeficiente, os cientistas tiveram de criarinstrumentos que ajudem a determinaros melhores alvos. Entre eles está o mi-croarranjo (microarray), também cha-mado biochip, uma lâmina de micros-cópio onde são depositados os genesda bactéria. O biochip indica, de umavez só, quais os genes – entre todos dogenoma – estão mais ativos em deter-minada situação.

Foi o grupo de Regina de Oliveira,do NIB de Mogi das Cruzes, que con-cluiu a terceira versão do biochip daXylella, com cerca de 2.500 genes – 93%dos cerca de 2.700 que compõem o ma-terial genético da bactéria. “É como setirássemos uma fotografia da expressãogênica da célula em determinado mo-mento”, explica Luiz Nunes, do NIB.Ele já identificou um conjunto de ge-nes que a bactéria aciona, por exemplo,em resposta ao estresse oxidativo –que ocorre quando é atacada por for-

Marcos Antônio Machado, do Cen-tro de Citricultura do IAC, utilizou obiochip para comparar a expressãogênica da bactéria em duas situações decrescimento: a de isolamento primá-rio, quando é recém-retirada da plan-ta, e a de cultivos sucessivos, depois de25 ciclos de reprodução em laborató-rio. No primeiro estado, a Xylella sedesenvolve lentamente em cultura ar-tificial, mas, quando inoculada, colo-niza a planta rapidamente. No segun-do caso, ocorre o inverso.

Banco de proteínas - A comparaçãodas duas situações mostrou que al-guns genes, ligados à capacidade deadesão, tornam-se menos ativos quan-do a Xylella é cultivada fora da planta.“Esses resultados comprovam que acapacidade de colonização está asso-ciada à de agregação”, diz Machado.“Talvez possamos desenvolver algumaforma de reduzir a ação desses genes.”Para conhecer os genes mais ativos nabactéria em determinada situação, os

especialistas do Laboratório de Quí-mica de Proteínas do Instituto de Bio-logia da Unicamp adotam uma abor-dagem diferente. Em vez de analisardiretamente os genes, observam o re-sultado final: as proteínas.

Em quatro meses, esse grupo deCampinas, único que estuda o Pro-teoma (conjunto de proteínas) da Xy-lella, coordenado por José CamilloNovello, identificou 130 proteínasproduzidas pela bactéria. As princi-pais estão associadas aos processos de

adesão e agregação, à captaçãoe ao armazenamento de ferro eà eliminação de toxinas. Tam-bém foram encontradas pro-teínas de membrana, queatuam na captação de nutrien-tes. Até o final da atual etapado Genoma Funcional, previs-ta para terminar em meadosdo ano, a equipe da Unicampespera formar um banco dedados com 250 a 300 proteí-nas caracterizadas.

Meio de cultura - O encontrode Serra Negra marcou ainda asuperação de uma das etapas

mais complicadas do Genoma Funcio-nal: o desenvolvimento de um meiode cultura definido, no qual se conhe-cem todos os nutrientes – vitaminas,minerais, hidrocarbonetos e amino-ácidos – necessários ao crescimentoda bactéria. Ao fim de dois anos detrabalho, as pesquisadoras Eliana deMacedo Lemos e Lúcia Carareto Al-ves, da Faculdade de Ciências Agráriase Veterinárias da Unesp em Jaboti-cabal, produziram um meio de cul-tura mínimo, que tem como únicafonte de nitrogênio o ácido aspártico(C4H7NO4). “O estudo das vias me-tabólicas mostrou que a bactéria podecrescer num meio relativamente sim-ples, em condições muito próximas àsdo xilema”, diz Eliana. A determina-ção do meio de cultura é uma ferra-menta importante para quem trabalhacom fisiologia ou genética da Xylella,pois permite conhecer os genes expres-sos em determinada condição e auxiliana seleção de formas mutantes da bac-téria. A Xylella que se cuide. •

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Fungos que digerem a goma xantana:contra o amarelinho

mas reativas de oxigênio, como o pe-róxido de oxigênio, liberadas pelo sis-tema de defesa da planta hospedeira.

Regina e Nunes trabalham em co-operação com Sílvio Lopes, da Unida-de de Biotecnologia da Universidadede Ribeirão Preto (Unaerp), que estu-da a atividade dos genes de cepas da Xy-lella que infectam plantas diferentes.“Já identificamos vários genes que acre-ditamos estar ligados à patogenicidadeda bactéria e à sua especificidade comrelação ao hospedeiro”, diz Nunes.

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