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8/2/2019 Georg Simmel - A Ponte e a Porta
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A PONTE E A PORTA (1)
Georg Simmel
A imagem do exterior nos confronta com a ambigidade das coisas que tanto
podem se inter-relacionar por associao-dissociao quanto passar por separadas
ou ligadas. As convenes ininterruptas tanto das substncias como das energias,
pem cada objeto em relao com outro, e constituem um cosmos em todos os
detalhes. Mas estes mesmos objetos, por outro lado, permanecem votados
impiedosa exterioridade espacial, e como nenhum fragmento de matria pode
ocupar o mesmo lugar que outro, no h real unidade do mltiplo no interior do
espao. E a existncia natural, compreendendo tambm noes que se excluem,
parece se subtrair pura e simplesmente sua aplicao.
S ao homem dado, diante da natureza, associar e dissociar, segundo o
modo e a intensidade especial em que um supe saber sobre o outro. Extraindo dois
objetos naturais do seu lugar para dizer que esto "separados", ns j os referimos
um ao outro na nossa conscincia, ns os destacamos juntos do que se intercalava
entre eles. E inversamente lembramos daquilo que ns de uma certa maneira
comeamos por isolar respectivamente; preciso primeiro que as coisas estejam
umas fora das outras para estar em seguida umas com as outras. Seria absurdo,
pratica e logicamente voltar a unir o que no estava separado, ver o que, num
sentido, no permanece separado. A frmula segundo a qual se conjugam, nas
operaes humanas estas duas atividades - seria o estado de unio ou de ciso que
percebido como naturalmente dado e o seu contrrio a cada vez como tarefa que
nos fixada? - esta frmula ento, articula todo o nosso fazer. Num sentido imediatoassim como simblico, corporal e espiritual, a cada instante somos ns que
separamos o que est ligado ou voltamos a unir o que est separado.
Os primeiros homens que traaram um caminho entre dois lugares,
cumpriram uma das maiores tarefas humanas Mesmo que podendo circular de um
lugar para outro, ligando-os por assim dizer subjetivamente, ainda foi necessrio que
gravassem visivelmente o caminho sobre a terra para que esses lugares pudessem
ser ligados de novo; o desejo de juno passava ento a ser uma tomada de formadas coisas oferecidas a essa vontade a cada vez, sem depender cada vez mais da
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freqncia ou da variedade dos trajetos recomeados. A construo de estradas
de certa maneira uma prestao especificamente humana; o animal tambm no
deixa de superar distancias, e sempre do modo mais hbil e mais complexo, mas ele
no faz ligao entre o comeo e o fim do percurso, ele no opera o milagre do
caminho: a saber, coagular o movimento por uma estrutura slida, que parta dele. com a construo da ponte que esta prestao atinge o seu ponto mximo.
Aqui parecem se opor vontade humana de juntar espaos no s a resistncia
passiva da exterioridade espacial, mas a resistncia ativa de uma configurao
particular. Superado o obstculo, a ponte simboliza a extenso da nossa esfera
volitiva no espao. Para ns, e s para ns, as margens do rio no so apenas
exteriores uma outra, mas "separadas"; e a noo de separao estaria despojada
de sentido se no houvssemos comeado por uni-las, nos nossos pensamentosfinalizados, nas nossas necessidades, na nossa imaginao. Mas a partir desse
momento, a forma natural vem esposar essa noo como por uma inteno positiva,
e a separao parecer desde ento intervir entre os elementos tomados em si e por
si, a fim de que o esprito, conciliando, unificando, a ultrapasse cada vez mais.
A ponte se torna um valor esttico, no somente quando estabelece, nos
fatos e para a realizao dos seus objetivos prticos uma juno entre termos
dissociados, mas tambm na medida em que a torna imediatamente sensvel. Ela
oferece ao olhar, ligando as partes da paisagem, o mesmo suporte que oferece ao
corpo para satisfazer a realidade da prxis. A simples dinmica do movimento, em
cuja efetividade vem se esgotar a cada vez o "objetivo" da ponte se faz visualmente
durvel, assim como o quadro imobiliza sua maneira o processo vital, fsico e
psquico pelo qual se cumpre a realidade do homem, e que ele comprime numa
nica viso - estvel pela sua atemporalidade, como no mostra nem pode mostrar
a realidade factual - toda a agitao desta realidade que decorre no tempo. A ponte
empresta um sentido ltimo, superior a todo o sensvel, uma figura particular que
no mediatiza nenhuma reflexo abstrata e que recolhe em si a significao prtica
da ponte, trazida forma visual, como a obra de arte pode proceder com o seu
"objeto". No obstante, com relao a esta ltima, a ponte apresenta uma diferena:
ela se integra, com toda a sua faculdade de sntese que ultrapassa a natureza,
imagem da prpria natureza. Para o olhar, a ponte se encontra numa relao bem
mais estreita e bem menos fortuita com as margens por ela ligadas, do que, por
exemplo, uma casa com o terreno que a comporta e desaparece debaixo dela, ao
olhar. Em geral, percebe-se uma ponte numa paisagem como um elemento
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"pitoresco"; com ele, efetivamente, a contingncia do dado natural se eleva
unidade, uma unidade totalmente espiritual sem dvida. Mas essa unidade, pela sua
visibilidade imediata no espao no possui menos valor esttico de que a arte
oferece a verso pura, quando ela realiza o seu ideal insular, a unidade das
realidades simplesmente e naturalmente produzidas pelo esprito.Enquanto na correlao entre diviso e reunio, a ponte acentua o segundo
termo e supera o distanciamento das suas extremidades ao mesmo tempo em que o
torna perceptvel e mensurvel, a porta ilustra de maneira mais clara at que ponto
separao e reaproximao nada mais so do que dois aspectos do mesmo ato. O
primeiro homem que construiu uma cabana, revelou, como o primeiro que traou um
caminho, a capacidade humana especfica diante da natureza, promovendo cortes
na continuidade infinita do espao e conferindo-lhe uma unidade particular conformea um s e nico sentido. Uma poro de espao se encontrava assim ligado a si e
cindido de todo o resto do mundo. A porta, criando por assim dizer uma juno entre
o espao do homem e tudo o que se encontra fora dele, abole a separao entre o
interior e o exterior. Como ela pode tambm se abrir, o fech-la d a impresso de
um fechamento, de um isolamento ainda mais forte, face a todo espao l fora, do
que a simples parede inarticulada. Esta ltima muda enquanto que a porta fala.
Para o homem essencial, ao mais profundo dar-se limites, mas livremente, quer
dizer de maneira que possa vir a suprimir tais limites e se colocar fora deles.
O finito onde estamos todos situados de certo modo est ligado ao infinito do
ser fsico e metafsico. A porta se torna ento a imagem do ponto fronteirio onde o
homem, em permanncia, se mantm ou pode se manter. A unidade interrompida
qual ligamos um pedao determinado por ns do espao infinito, nos liga por sua
vez a este ltimo: nela o limite se aproxima do ilimitado, no atravs da geometria
morta de um fechamento estritamente isolante, mas atravs da possibilidade de uma
troca durvel - diferena da ponte que liga o finito ao finito; mas que por sua vez
nos conduz, quando a atravessamos, a estas realidades slidas e nos ter
forosamente concedido, antes que a habituao cotidiana nos retarde as reaes, o
bizarro sentimento de planar por um instante entre o cu e a terra. Enquanto a
ponte, linha estendida entre dois pontos, prescreve uma segurana, uma direo
absolutas, a porta feita de modo que por ela a vida se expande alm dos limites do
ser-para-si isolado, at na limitao de todas as orientaes.
Se, na ponte, os fatores de dissociao e de religamento se cruzam de tal
maneira que o primeiro mais parece coisa da natureza, o segundo parece coisa do
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homem, um e o outro, com a porta se concentram de modo mais igual enquanto
prestao humana. A est o sentido mais rico e mais vivo da porta comparada
ponte, sentido que se revela logo pelo fato de que indiferente atravessar uma
ponte numa direo ou na outra, enquanto a porta indica ao contrrio uma total
diferena de inteno a depender se se entra ou se se sai. Nisso ela se distanciatambm do sentido da janela, se bem que esta, a ttulo de ligao entre o espao
interior e o mundo exterior, se aparente porta. O sentimento teleolgico, quando se
trata da janela, vai quase unicamente do interior ao exterior: ela serve para olhar
para fora e no para dentro. Sem dvida, ela estabelece, em virtude da sua
transparncia, a ligao entre o interior e o exterior por assim dizer cronicamente e
continuamente; mas a direo unilateral que ela imprime a essa ligao e a restrio
que a limita como um caminho para o olhar, conferem janela s uma parte dasignificao profunda e principal da porta.
certo que a situao particular pode tambm acentuar um aspecto da sua
funo, mais que outro. Nas catedrais romanas ou gticas a abertura das paredes
se estreita progressivamente no sentido da porta estritamente dita e quando se a
atinge entre meias colunas e imagens cada vez mais prximas uma da outra, o
sentido atribudo a esse gnero de portas visivelmente que elas conduzem para o
interior e no para o exterior, sendo este segundo caso um uma questo de
necessidade. Uma tal estrutura conduz o chegado pelo caminho certo, como uma
segurana,, como uma doce presso vinda de si mesmo. (Esta significao
prolonga, e eu a menciono por analogia, a sucesso dos pilares entre a entrada e o
altar-mor. Pela sua proximidade que forma perspectiva, esses pilares mostram a via,
nos guiam sem tolerar qualquer hesitao e no seria assim se ns
percebssemos realmente a sua disposio paralela; pois o fim no apresentaria
nenhuma diferena com o comeo e nada marcaria onde devemos comear e
terminar. Mas to maravilhosamente quanto se usa aqui da perspectiva para a
progresso ao interior da igreja, ela se presta tambm ao encaminhamento inverso e
deixa ento a sucesso de pilares nos conduzir, por uma retrao idntica, do altar-
mor entrada. S a forma exteriormente cnica da porta faz da entrada, por
oposio sada, o sentido daquela sem o menor equvoco. Mas se trata justamente
de uma situao nica no seu gnero, que simboliza o fato de que com a igreja o
movimento da vida, orientado em partes iguais do interior para o exterior ou do
exterior para o interior, se termina e se v substitudo enquanto nica orientao.
Quando vida no plano terrestre, que joga a cada instante uma ponte entre as
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coisas despojadas de lugar, ela se encontra tanto no interior como no exterior da
porta em cada um desses instantes, porta por onde ela sai do seu ser-para-si a fim
de entrar no mundo, na mesma medida em que ela sai do mundo para entrar de
novo no seu ser-para-si.
As formas que regem a dinmica da nossa vida so de certo modo trazidaspela ponte e pela porta durao slida de uma criao visvel. Elas no so
simplesmente elementos adequados para assumir a pura teleologia funcional dos
nossos movimentos mas a imobilizam na sua forma em obras plsticas
convincentes. A considerar os acentos opostos que dominam no efeito dado, a ponte
vai mostrar como o homem unifica a ciso do ser puramente natural, e a porta, ao
contrrio, como deste ser natural ele cinde a uniformidade contnua. na
significao esttica geral obtida por esta visualizao de um elemento metafsico epor esta estabilizao de um elementos funcional que repousa o valor especial, para
as artes plsticas, da ponte e da porta. Se sem dvida se pode atribuir ao valor
artstico da sua simples forma a freqncia com a qual a pintura se serve de um e de
outro, se produz igualmente a esse encontro misterioso pelo qual a importncia e a
perfeio puramente artsticas de uma figura se apresentam sempre ao mesmo
tempo, como expresso exaustiva de um sentido no visvel em si, psquico ou
metafsico: o interesse estritamente pictrico, ligando-se somente forma ou cor,
do rosto humano, por exemplo, ento satisfeito ao ponto mximo quando a
representao deste compreende o maior grau de animao e de caracterizao
espiritual.
Porque o homem o ser de ligao que deve sempre separar, e que no
pode religar sem ter antes separado - precisamos primeiro conceber em esprito
como uma separao a existncia indiferente de duas margens, para lig-las por
meio de uma ponte. E o homem de tal maneira um ser-fronteira, que no tem
fronteira. O fechamento da sua vida domstica por meio da porta significa que ele
destaca um pedao da unidade ininterrupta do ser natural. Mas assim como a
limitao informe toma figura, o nosso estado limitado encontra sentido e dignidade
com o que materializa a mobilidade da porta: quer dizer com a possibilidade de
quebrar esse limite a qualquer instante, para ganhar a liberdade.
Nota
1) Traduzido pela professora Simone Carneiro Maldonado (DCS-UFPb).