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Georg Simmel certamente e umdos maiores teoricos que emergiu nafIlosona e nas ciencias sociais alemas napassagem do seculo XIX para 0 XX. Contem-poranco dc Karl Marx e MaxWeber, e umadas mais importantes expressoes das cienciassociais de seu pais.
QuestOes fundamentais da socio~ogia foi escritono fInal da vida de seu autor, com 0 objetiv9 deoferecer ao publico interessado no estudo dasociedade um texto curto e exemplar a res-peito de problemas que ocupam a sociologiadesde a sua fundac;ao: a relac;ao entre indivi-duo e sociedade e os fatores que tornam pos-sivel a vida social.
Este e 0 primeiro livro integral de Georg Simmela ser publica do no Brasil. Espera-se que ele sirva deinspirac;ao para novas gerac;oes de estudantes e inte-ressados em ciencias sociais.
SOCIEDADE DE ESQUINA
William Foote Whyte
CULTURA E RAZAO PRATICA
Marshall Sahlins
ANTROPOLOGIA CULTURAL
Franz Boas
INDIVIDUALISMO E CULTURA
Gilberto Velho
A SOCIEDADE DOS INDIVIDUOSNorbert Elias
IJZ.EI Jorge Zahar Editor
QU( stoesdam J ltais
dafociologia
3. A SOCIABILIDADE(Exemplo de sociologia pura ou formal) - 59
A autonomiza
damente como uma ciencia unificada, 0 conceito de sociologia
lhes propiciaria uma pousada proviso ria. Assim, ao menos ficaria
evidentemente estabelecido onde deveriam ser procurados - do
mesmo modo como 0 conceito de "tecnica" e perfeitamente legi-
timo para um dominio gigantesco de tarefas que, sob esse nome,
partilham entre si um trac;:ocomum, sem que todavia 0 conceito
possa ser de muito auxilio na compreensao e soluc;:aode proble-
mas especificos.
Se, para a primeira critica, a sociedade significa muito pou-
co, para a outra, seu significado torna-se abrangente demais para
cstabelecer uma regiao cientifica. Tudo 0 que os seres humanos
,~aoe fazem, afirma essa critica, ocorre dentro da sociedade, e por
cia determinado e constitui parte de sua vida. Nao haveria, so-
bretudo, qualquer ciencia dos temas humanos que nao Fosseuma
ciencia da sociedade. No lugar das ciencias particulares artificial-
mente isoladas entre si - ciencias de tipo historico, psicologico e
normativo -, seria preciso introduzir uma ciencia da sociedade
que, em sua unidade, trouxesse a tona a convergencia de todos os
interesses, conteudos e processos humanos, por meio da sociac;:ao
em unidades concretas. E evidente, porem, que essa critica - quetudo atribui a sociologia - rouba-Ihe qualquer determinac;:ao, tan-
to quanto aquela que nada the desejava atribuir. Posto que a cien-
cia do direito, a filologia, a ciencia da politica e da literatura, a psi-
cologia, a teologia e todas as outras que dividiram entre si a regiao
do humano almejam prosseguir com sua existencia propria, nada
se ganharia caso todas fossem atiradas em um mesmo recipiente
sobre 0 qual se estamparia uma nova etiqueta: sociologia.
A ciencia da sociedade, ao contrario das outras bem-funda-
mentadas ciencias, se encontra na desconforravel situac;:aona qual
precis a, em primeiro lugar, demonstrar seu direito a existencia -
ainda que certamente esteja na situac;:aoconfortavel em que essa
justificativa sera conduzida por meio do esclarecimento necessario
sobre seus conceitos fundamentais e sobre seus questionamentosespecificos perante a realidade dada.
Em primeiro lugar, constitui um equivoco a respeito da es-
sencia da ciencia - a partir da qual somente por intermedio de
"individuos" poderiamos supostamente deduzir toda existencia
Mesmo essa precaria articulac;:ao entre problemas diversos, que,
ainda assim, prometeria encontrar uma unidade em uma camada
mais profunda, parece se despedac;:ar quando lida com a proble-
matica do unico conceito que poderia servir de conexao entre
tais problemas: a saber, 0 conceito de sociedade. Despedac;:a-se,
pois, na problematica para a qual toda refutac;:ao da sociologia,
em principio, gostaria de se fazer valer. Estranhamente, as provas
dessas refutac;:6esforam articuladas tanto a partir da atenuac;:ao da
sociedade quanto de sua conotac;:ao exagerada. Sempre ouvimos
dizer que toda existencia deve ser atribuida exclusivamente aos
individuos, as suas realizac;:6ese vivencias. Assim, a "sociedade"
seria uma abstrac;:ao indispensavel para fins praticos, altamente
Util tambem para uma sintese proviso ria dos fen6menos, mas nao
um objeto real que exista para alem dos seres individuais e dos
processos que eles vivem. Caso cada um desses processos seja in-
vestigado em suas determinac;:6es naturais e historicas, nao restaria
mais qualquer objeto real para uma ciencia especifica.
real - concluir que cada conhecimento, no que diz respeito as
suas sinteses, tome para si como objeto abstray6es especulativas
e irrealidades. Nosso pensamento tende quase sempre a sintetizar
tanto mais os dados como constructos (Gebilde) que como obje-
tos cientincos que tais imagens nao encontram uma correspon-
den cia no real imediato.
Ninguem se intimida ao falar, por exemplo, do desenvol-
vimento do estilo gotico, ainda que nao exista em lugar algum
urn estilo gotico como existencia demonstdvel, mas sim obras
is6ladas nas quais os elementos estilisticos nao se encontram
evidentemente separados dos elementos individuais. 0 estilo
gotico, como objeto coerente do conhecimento historico, e urn
constructo intelectual proveniente da realidade, mas nao e em
si lima realidade imediata. Por inconra.veis vezes nao queremos
saber como se comportam coisas individuais, mas sim, a partir
del as, formar uma unidade nova, coletiva, da mesma maneira
que, ao investigar 0 estilo gotico em suas leis e em seu desenvol-
vimento, nao estamos a descrever uma catedral ou urn palacio,
por mais que tenhamos retirado de tais singularidades a materia
para a unidade investigada.
Da mesma maneira perguntamos como "os gregos" e "os per-
sas" se comportaram na batalha de Maratona. Se estivesse correta
a concepyao de que a realidade somente pode ser reconhecida
nos individuos, entao 0 conhecimento historico so atingiria 0 seu
objetivo se conhecesse 0 comportamento de cada grego e cada
persa em particular, e assim toda a historia de sua vida tornaria
psicologicamente compreensivel seu comportamento na b;talha.
Cumprir essa ambiyao fantastica nao bastaria, porem, para sat is-
fazer nossos questionamentos, pois 0 objeto destes nao e esta ou
,1
Mas isso ainda poderia denotar uma imperfeic,:aode nosso co-
nhecimento, uma imperfeic,:ao transitoria inevitavel que Faria que
nosso conhecimento tivesse de procurar sua plenitude, seja esta al-
canc,:avelou nao, nos individuos entendidos como existencias con-
cretas definidas. Todavia, a rigor, os individuos tambem nao sao os
elementos ultimos, os "atomos" do mundo humano. A unidade
efetiva e possivelmente indissolUvel que se traduz no conceito de
"individuo" nao e de toda maneira urn objeto do conhecimento,
mas somente urn objeto da vivencia; 0 modo pelo qual cada urn
sabe da unidade de si mesmo e do outro nao e comparavel a qual-
quer outra forma de saber.
o que cientificamente conhecemos no ser humano saotrac,:os individuais e singulares, que talvez se apresentem uma
unica vez, talvez mesmo em situac,:ao de influencia reciproca,
e em cada caso exige uma percepc,:ao e deduc,:ao relativamen-
te independentes. Essa deduc,:ao impona, em cada individuo,
na considerac,:ao de inumeros fatores de natureza [{sica, cultural
e pessoal que surgem de todos os lados, alcanc,:ando dist:'incias
temporais incalculaveis. E apenas a medida que nos isolamos ecompreendemos tais elementos - que os reduzimos a elementos
mais simples, profundos e distanciados - que nos aproximamos
do que realmente e "ultimo", real e rigorosamente fundamental
para qualquer sintese espiritual de ordem mais profunda. Para
esse modo de observac,:ao, 0 que "existe" sao as moleculas cro-
maticas, as letras e as gotas d' agua; e assim a pintura, 0 livro e
o rio sao sinteses que existem como unidade somente em uma
consciencia na qual os elementos se encontram. Evidentemente,
porem, esses supostos elementos tambem sao constructos extre-
mamente complexos.
I': sc cntao a realidade verdadeira corresponde somente as un i-
iI.lib t'dtimas, e nao aos fenomenos nos quais essas unidades en-Ii 1111 r:lm umaforma - e toda forma, que e sempre uma articulac,:ao
1'~I:d) Ie ida por urn sujeito articulador-, torna-se patente que a rea-
lit/lid' :l ser conhecida se nos escapa rumo a total incompreensao.linha divisoria que culmina no "individuo" tambem e urn corre
lol:dmente arbitrario, uma vez que 0 "individuo", para a analise
illinlcrrupta, apresenta-se necessariamente como uma composic,:ao
tI ' qualidades, destinos, forc,:ase desdobramentos historicos especi-
Ii 'os que, em relac,:aoa ele, sao realidades elementares tanto quanto
i),' individuos sao elementares em relac,:aoa "sociedade".
Assim, ao remeter ao infinito e buscar 0 inatingivel, 0 su-
posta realismo que tal critica procura contrapor ao conceito de
so iedade - e, porranto, ao conceito de sociologia - faz com
que qualquer realidade cognoscivel desaparec,:a. Na verdade, 0
'onhecimento precisa ser compreendido segundo urn principio
cstrutural totalmente diferente, segundo urn principio que, par-
tindo do complexo de fenomenos que aparentemente constitui
uma unidade, dele retire urn grande numero de variados obje-
tas do conhecimento especificos - com especificidades que nao
impec,:am 0 reconhecimento desses objetos de maneira defini-
tiva e unitaria. Pode-se caracterizar melhor esse principio com
o simbolo das diferentes distancias que 0 espirito se coloca em
relac,:aoao complexo de fenomenos. E nelas que se ins ere 0 espi-rito. Quando vemos urn objeto tridimensional que esteja a dois,
cinco, dez metros distante, temos uma imagem diferente a cada
vez, e, a cada vez, uma imagem que estara "correta" a seu modo
e somente nesse modo, e e tambem no escopo desse modo que
se cria margem para equivocos.
Por exemplo, se 0 detalhe de urn quadro observado minucio-
samente tal como e visto com a maior proximidade 6ptica possl-
vel for submetido posteriormente a urn exame que corresponda
a uma distincia de alguns metros, essa ultima perspectiva seria
considerada totalmente equivocada e falseada - por mais que,
partindo de conceitos superficiais, tomassemos tal exame deta-
Ihado como "mais verdadeiro" do que 0 produzido pela imagem
distanciada. 56 que a observa
bilheteria, nao podedamos dizer que estao se sociando (vergesells-
chaftet). Nesses casos, a socia
algo funcional, algo que os individuos fazem e sofrem ao mesmo
tempo, e que, de acordo com esse cad.ter fundamental, nao se deve-
ria falar de sociedade, mas de sociaqao. Sociedade e, assim, somente
o nome para um drculo de individuos que estao, de uma maneira
determinada, ligados uns aos outros por efeito das relaq6es mutu-
as, e que por isso podem ser caracterizados como uma unidade -
da mesma maneira que se considera uma unidade urn sistema de
massas corporais que, em seu comportamento, se determinam ple-
namente por meio de suas influencias redprocas.
Diante desta ultima definiqao, ainda seria possivel insistir,
afirmar que somente as partes materiais san a "realidade" auten-
tica, e que os movimentos e modificaq6es causados por seus efei-
tos mutuos jamais serao algo tangivel ou, em certa medida, que
constituem uma realidade de segundo grau. Teriam lugar, pois,
somente em suas partes substanciais. A mencionada unidade seria
apenas uma visao conjunta dessas existencias materiais espedfi-
cas, cujos impulsos e formalizaq6es recebidos e partilhados teriam
permanecido em cada uma das partes.
No mesmo sentido, podemos certamente insistir no aspecto
de que as realidades verdadeiras seriam apenas os individuos hu-
manos. Com isso nada se ganha. A sociedade nao e, sobretudo,
uma substincia, algo que seja concreto para si mesmo. Ela e urn
acontecer que tern uma funqao pela qual cada urn recebe de ou-
trem ou comunica a outrem urn destino e uma forma. Em busca
apenas do que e tangivel, encontrariamos somente individuos, e,
entre eles, nada alem de espaqo vazio. Trataremos posteriormente
das conseqiiencias dessa perspectiva. Mas se ela tambem atribui
a "existencia", em sentido estrito, somente aos individuos, entao
tambem precisa deixar de lado, como algo "real" e digno de ser in-
vestigado, 0 acontecimento, a dinamica da a
Caso a sociologia se mostre como uma abstrac;:aoperante toda
realidade - aqui levada a cabo sob 0 juga do conceito de socie-
dade -, ainda assim mostra-se fraca a critica que the acusa de ser
irreal. Essa critica e proveniente da tendencia que atribufa realidade
somente aos indivfduos, uma vez que essa perspectiva ainda protege
a sociologia da sobrecarga que eu antes citei como urn risco nada
desprezfvel para sua existencia como ciencia. Posto que 0 homem
esta, a cada instante de seu ser e fazer, determinado pelo fato de ser
social, parece entao que todas as ciencias do homem teriam de se
amalgamar na ciencia da vida social. Essas ciencias seriam apenas
canais isolados e especificamente formados atraves dos quais fluiria
a vida social, a unica portadora de toda forc;:ae sentido.
Mostrei como, com esse procedimento, nada se ganha alem
de urn novo nome comum para todos os conhecimentos que con-
tinuarao a existir, imperrurbaveis e autonomos, em seus metodos
e temas, em suas tendencias e denominac;:6es. Mesmo que esta seja
uma ampliac;:aoequivocada da concepc;:aode sociedade e de socio-
logia, em seu cerne se encontra urn fato significativo e fecundo.
Entender que 0 ser humano, em roda a sua essencia e em todas
as suas express6es, e determinado pelo faro de que vive interativa-
mente com outros seres humanos deve levar a urn novo modo de
observa((iio em todas as chamadas ciencias do espfrito.Ate 0 seculo XVIII, rodos os grandes temas da vida histori-
ca - a linguagem, a religiao, a formac;:ao dos estados e a cultura
material - eram explicados como "invenc;:ao" de personalidades
isoladas. Mas quando 0 entendimento e os interesses das pessoas
nao pareciam ser suficientes para isso, restava apelar as forc;:as
transcendentais - para as quais 0 "genio" de urn inventor singu-
lar representava urn esragio intermediario, pois com 0 conceiro
ill I', I!iO so IIIl'!1te se expressava que as forc;:asconhecidas e con-
11I1 vd,' do indivfduo nao eram suficientes para a produc;:ao doII II \111 '1\0. Assim, a linguagem era a invenc;:aode urn indivfduo1111 11111:1 Udiva divina; a religiao - como acontecimento historico
('1,1 :1 invenc;::iode sacerdotes perspicazes ou de uma vontadeill ill:I;:lSleis morais eram cunhadas por herois das massas, ou da-lid" pOI' Deus, ou, ainda, presenteadas ao homem pela "natureza"
11111:1 hipostase nao menos mistica.) ponto de vista da produc;:aosocial representa uma liberac;:ao
(11',S,S:IS duas alternativas insuficientes. Todas aquelas formac;:6esseI"mluzem na relac;:aoreciproca dos seres humanos, ou por vezes\ If! 1:llllbem elas mesmas relac;:6esreciprocas, mas de uma maneira1.11 que nao podem ser deduzidas do indivfduo observado em siIII smo. Paralelamente a essas duas possibilidades encontra-se umaI '1' 'cira - a produc;:aode fenomenos atraves da vida social, que ain-d:1 sc da par meio de dois sentidos. Em primeiro lugar, pela conti-gliidade de indivfduos que agem uns sobre os outros; assim, 0 que~produzido em cada urn nao pode ser somente explicado a partird ' si mesmo. Em segundo lugar, por meio da sucessao das gerac;:6es,'1Ijasheranc;:ase tradic;:6esse misturam indissociavelmente com as':lracteristicas proprias do indivfduo, e agem de modo tal que 0set' humano social, diferentemente de toda vida sub umana, nao esomente descendente, mas sobrerudo herdeiro.
Por meio da conscientizac;:ao do modo de produ