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60 Antonio Lemos Maia Neto 1 O Semiárido corresponde a apro- ximadamente 57% do território nordestino (DUARTE, 1999), carac- terizando-se por uma precipitação pluviométrica de 300 a 800 mm anu- ais, com balanço hídrico negativo na maioria dos meses. Apresenta ainda, sérias limitações quanto aos solos, sobretudo com relação à pro- fundidade e capacidade de arma- zenamento de água (LANGUIDEY; 1–Médico Veterinário, MSc. Desenvolvimento Sus- tentável, Fiscal Estadual Agropecuário – Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), Coordenador Estadual do Programa Nacional de Erradicação e Pre- venção da Febre Aftosa na Bahia (PNEFA), Salvador- -BA; e-mail: [email protected] CARVALHO FILHO, 1994). Segundo esses autores, essas características apontam para uma vocação econô- mica prioritariamente agropecuária, onde os caprinos e ovinos despon- tam como as espécies mais bem adaptadas às áreas mais hostis do Semiárido. Isso fica demonstrado quando se observa que o Nordes- te detém os maiores rebanhos de caprinos e ovinos do País, o que representa 56,72% do rebanho ovi- no, com 9,85 milhões de cabeças, e 90,83% do caprino, com 8,45 mi- lhões de cabeças, com base em da- dos do IBGE (RODRIGUES, 2012). A criação de caprinos e ovinos apresenta um papel socioeconô- mico de importância estratégica, uma vez que se encontra ampla- mente difundida junto à agricultu- ra familiar nas áreas de sequeiro do Semiárido nordestino. Trata- -se de uma atividade na qual o ecossistema local representa um componente básico dos siste- mas de produção tradicional em Fundo de Pasto, largamente utili- zado para o forrageamento dos rebanhos (HOLANDA JÚNIOR et al., 2003). Apesar de incentivar a manutenção das áreas de vegetação natural do Semiárido, a criação de capri- nos e ovinos nesses sistemas tem sido apontada por diversos auto- res como fonte de degradação da vegetação, uma vez que, existem Gestão ambiental para a sustentabilidade dos Fundos de Pastos no Semiárido baiano Foto: Manuela Cavadas

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Antonio Lemos Maia Neto1

OSemiárido corresponde a apro-ximadamente 57% do território

nordestino (DUARTE, 1999), carac-terizando-se por uma precipitação pluviométrica de 300 a 800 mm anu-ais, com balanço hídrico negativo na maioria dos meses. Apresenta ainda, sérias limitações quanto aos solos, sobretudo com relação à pro-fundidade e capacidade de arma-zenamento de água (LANGUIDEY;

1–Médico Veterinário, MSc. Desenvolvimento Sus-tentável, Fiscal Estadual Agropecuário – Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), Coordenador Estadual do Programa Nacional de Erradicação e Pre-venção da Febre Aftosa na Bahia (PNEFA), Salvador--BA; e-mail: [email protected]

CARVALHO FILHO, 1994). Segundo esses autores, essas características apontam para uma vocação econô-mica prioritariamente agropecuária, onde os caprinos e ovinos despon-tam como as espécies mais bem adaptadas às áreas mais hostis do Semiárido. Isso fica demonstrado quando se observa que o Nordes-te detém os maiores rebanhos de caprinos e ovinos do País, o que representa 56,72% do rebanho ovi-no, com 9,85 milhões de cabeças, e 90,83% do caprino, com 8,45 mi-lhões de cabeças, com base em da-dos do IBGE (RODRIGUES, 2012).

A criação de caprinos e ovinos apresenta um papel socioeconô-mico de importância estratégica,

uma vez que se encontra ampla-mente difundida junto à agricultu-ra familiar nas áreas de sequeiro do Semiárido nordestino. Trata--se de uma atividade na qual o ecossistema local representa um componente básico dos siste-mas de produção tradicional em Fundo de Pasto, largamente utili-zado para o forrageamento dos rebanhos (HOLANDA JÚNIOR et al., 2003).

Apesar de incentivar a manutenção das áreas de vegetação natural do Semiárido, a criação de capri-nos e ovinos nesses sistemas tem sido apontada por diversos auto-res como fonte de degradação da vegetação, uma vez que, existem

Gestão ambiental para a sustentabilidade dos Fundos

de Pastos no Semiárido baiano

Foto: Manuela Cavadas

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evidências de que o pastejo de caprinos pode afetar a estrutura, a capacidade de regeneração e a distribuição de várias espécies her-báceas e arbustivas da vegetação da Caatinga (LEAL et al., 2003).

Dessa forma, faz-se necessário encontrar instrumentos de gestão que favoreçam a manutenção dos sistemas tradicionais de produ-ção baseada na agricultura fami-liar e que, ao mesmo tempo, con-tribuam para o uso racional dos recursos naturais da vegetação nativa. Uma alternativa para suprir essas lacunas, se daria mediante a integração dos dados do Servi-ço Veterinário Oficial e dos órgãos de Gestão Ambiental, tal como se propõe no presente estudo.

A PRODUÇÃO DE CAPRINOS E OVINOS EM FUNDOS DE PASTO NA BAHIA

De acordo com Ávila e Calderón (2004), os sistemas tradicionais de agricultura familiar se carac-terizam por um elevado grau de sustentabilidade, por utilizarem, em sua maioria, práticas adapta-das ao meio biofísico, com uma maior diversidade de culturas agrícolas e menor dependência de insumos externos. Nas áreas de sequeiro de grande parte do Semiárido baiano, a agricultu-ra familiar é baseada na criação de caprinos e ovinos em sistema de Fundo de Pasto (HOLANDA

Fonte: Ministério da Integração

SEMIÁRIDO BAIANO

Áreas Semiáridas

Áreas Subúmidas

Áreas do Entorno

Municípios no Novo SemiáridoFo

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Fundo de Pasto em Rodelas – Bahia

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JÚNIOR, 2003). Trata-se de um sis-tema extensivo, no qual rebanhos de vários produtores são criados soltos em áreas de vegetação nati-va sem divisões demarcatórias de propriedades, constituindo-se em áreas de uso coletivo.

Mesmo com os efeitos nocivos ad-vindos da herbivoria da Caatinga pelos pequenos ruminantes, mui-tas das pastagens nativas do Semi-árido conservam boa cobertura de sua vegetação. “São áreas que não são queimadas e nem roçadas, e onde a ação antrópica limita-se à exploração da pecuária e à even-tual coleta de produtos vegetais” (GIULIETTI et al., 2004a, p.65). De acordo com aqueles autores, boa parte das áreas de pasto nativo no Semiárido corresponde, na ver-dade, a áreas abandonadas pela agricultura ou pela exploração ma-deireira para lenha e carvão, esta sim, tida como a principal causa da degradação da Caatinga.

O sistema de produção de caprinos e ovinos em Fundo de Pasto des-ponta assim com grande potencial para conciliar o uso e a preservação da biodiversidade, já que as pasta-gens nativas são bem mais diversi-ficadas do que as cultivadas (GIU-LIETTI et al., 2004a), e os produtores dependem de sua manutenção para garantirem seu sustento ou comple-mentação da renda.

Essa atividade, contudo, está vol-tada em sua essência à subsistên-cia, com baixo nível de tecnologia, pouca ou nenhuma assistência técnica, baixos níveis de produtivi-dade e remuneração ao produtor

(LIMA; BAIARDI, 2002). Em estu-do sobre a cadeia produtiva da caprino-ovinocultura no Estado da Bahia realizado por Holanda Júnior et al. (2003), 59% dos 656 criado-res entrevistados foram classifica-dos como exploradores de pecu-ária de subsistência pauperizada. Na região de Juazeiro-BA, Souza (2004) verificou que esse tipo de criador, sem meios para acompa-nhar a evolução tecnológica e se inserir na nova dinâmica da agri-cultura irrigada, acabaram por vi-ver de mercados marginais.

A participação no mercado de for-ma competitiva é apontada por Guimarães Filho et al. (1999), como condição indispensável para esta-bilidade e perenidade da produção de base familiar. Contudo, “se no passado a economia condicionou a utilização do meio ambiente, sem se preocupar com a degradação e exaustão de seus recursos, atual-mente parece ser o meio ambiente que deve condicionar a economia” (COMUNE, 1994, p.46).

POTENCIALFORRAGEIRO DA CAATINGA

A vegetação da Caatinga apre-senta grande diversidade de espécies com elevado grau de endemismo e características al-tamente adaptadas ao Semiárido (CASTELLETTI et al., 2003). De acordo com Giulietti et al. (2004a), estima-se existir cerca de 932 es-pécies já registradas, sendo 318

endêmicas. Segundo Giulietti et al. (2004b), esta diversidade es-taria relacionada às 12 tipologias de caatingas reconhecidas e aos inúmeros ambientes associados. O que, por sua vez, está relacio-nado às variações de solo, clima e relevo desse espaço geográfico (SILVA et al., 2003).

Além do elevado grau de ende-mismo, Leal et al. (2005) desta-cam a Caatinga como o único domínio cujos limites estão res-tritos exclusivamente ao território nacional e o segundo ecossiste-ma mais degradado do país, o que torna mais relevante ainda a necessidade de preservá-lo.

De acordo com Araújo-Filho et al. (1996), cerca de 70% das es-pécies lenhosas e herbáceas da Caatinga são utilizadas pelos ca-prinos como forrageira. Trata-se, portanto, de uma vegetação com alto valor forrageiro (DRUMMOND et al., 2000). Giulietti et al. (2004a), entretanto, afirmam que os levan-tamentos realizados até o momen-to, são insuficientes para determi-nação desse potencial. Segundo esses autores, diversas famílias de plantas contribuem com espé-cies que participam da dieta dos animais, merecendo destaque à família das leguminosas.

A grande maioria dos sistemas de produção pecuária extensiva que predominam no Semiárido é altamente dependente do su-porte forrageiro desse tipo de vegetação, especialmente no período seco (FRANCELINO et al., 2003; PINTO et al., 2006).

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CAPACIDADEDE SUPORTESUSTENTÁVEL

A capacidade de suporte susten-tável expressa o nível máximo de uma população em número de ha-bitantes, em uso de um conjunto de tecnologias e hábitos de consumo, numa determinada área, por tempo indefinido, sem causar degrada-ção ambiental (BARRADAS, 1999; MOTA, 2001). Assim, a determina-ção e análise deste conceito são fundamentais para o planejamento das políticas de desenvolvimento sustentável voltadas à região do Semiárido baiano, tornando claro suas potencialidades, limitações e ameaças à preservação de seus recursos naturais (DALY, 1994).

Em média, a Caatinga apresenta uma produtividade de fitomassa

em torno de quatro toneladas de matéria seca por ano, a qual so-fre relevantes variações conforme a área de ocorrência e ao longo do tempo (ARAÚJO FILHO; CRIS-PIM, 2002). Entretanto, menos do que 10%, é realmente aproveita-do, uma vez que depende do es-tado fenológico da vegetação, de sua acessibilidade aos animais, e da proporção de espécies não palatáveis de determinada área (ARAÚJO FILHO et al., 1998).

De acordo com Araújo Filho e Cris-pim (2002), a capacidade de supor-te média das áreas de Caatinga, gira em torno de 12,5 ha/Unidade Animal(UA)/ano, contudo a carga animal média verificada está em torno de 4,4 ha/UA/ano. Essa so-brecarga animal tem proporciona-do um superpastoreio da caatinga, modificando a composição florísti-ca de seu estrato herbáceo (DRU-

MOND et al., 2000 e GIULIETTI et al., 2004a), e a vegetação menos densa (SILVA et al, 2003).

IMPACTO DA CAPRINO- -OVINOCULTURA SOBRE A VEGETAÇÃO NATIVA

Segundo Leal et al. (2003), os ca-prinos em especial, podem ser considerados generalistas, por consumirem plântulas e todas as partes de plantas adultas, como folhas (verdes ou secas), flores, frutos, sementes. Por essas ca-racterísticas, em condições de su-perpastejo, “os caprinos e ovinos podem induzir mudanças substan-ciais na florística da caatinga, quer pelo anelamento dos troncos das árvores e arbustos, causando-lhes a morte, quer pelo consumo de plântulas impedindo a renovação do estoque das espécies lenho-sas”. Já a vegetação herbácea, sofre principalmente com a eleva-da pressão de pastejo por ovinos, que pelo hábito de pastejo rasteiro (ARAÚJO FILHO; CRISPIM, 2002). O consumo animal é direcionado para aquelas espécies mais pala-táveis que tendem a sofrer redução em suas populações. Por outro lado as espécies não consumidas, podem ter sua população aumen-tada (GIULIETTI et al. 2004a).

Em estudo sobre a herbivo-ria por caprinos na Caatinga da região do Xingó, Leal et al.

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Fundo de Pasto em Jaguarari – BA

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(2003), propõem que esta ati-vidade representa um fator de seleção natural, capaz de in-terferir na abundância e distri-buição das principais espécies consumidas. Conforme esses autores, isto estaria relacionado à retirada das partes da vege-tação lenhosa de acordo com o avançar do período seco, bem como, ao consumo de frutos que acabam sofrendo uma in-terferência em sua distribuição. Moolman e Cowling citados por Leal et al. (2003), informam que “os caprinos são responsáveis por uma redução de 47% das espécies endêmicas de suculen-tas e geófitas, quando compa-radas áreas com e sem esses animais”. Além disso, é apon-tada também, uma interferên-cia na ciclagem de nutrientes, seja em função da transferência de nutrientes para os locais de malhadouros ou dormitórios, ou pela redução da população de leguminosas arbustivas fi-xadoras de nitrogênio atmosfé-rico, em face da simbiose com bactérias do gênero Rhizobium, presentes no solo.

Por outro lado, diversos autores relatam que este impacto sobre a vegetação natural, estaria ligada a situações de altas taxas de lota-ção animal nas áreas de Caatinga, o que é agravado quando conco-mitante a outras atividades, como a retirada de lenha para produção de carvão ou o sobre-pastejo por bovinos (LEAL et al., 2003). Assim, passa a ser fundamental o con-trole da pressão de pastejo sobre áreas de exploração coletiva.

Tendo como base a observa-ção direta e entrevistas não estruturadas com informantes--chave realizadas durante visita técnica da ADAB à Comunida-de da Massaroca, Juazeiro-BA, no ano de 2010, verificou-se que algumas comunidades já manejam a pressão de pastejo sobre suas áreas, mesmo que empiricamente. No período de chuvas, quando é maior a ofer-ta de alimentos nas pastagens naturais, a maior parte dos produtores mantém seus re-banhos no chamado Fundo de Pasto. Na época em que a pas-tagem da Caatinga começa a escassear, parte dos rebanhos é conduzida para propriedades individuais situadas no alto da Serra da Bela Vista, onde são arraçoados com palma forra-geira, feno, silagem, melancia de cavalo, leucena e restos de culturas agrícolas.

Existe uma visão externa de que as áreas de Fundo de Pasto es-tão submetidas a pastejo e lota-ção contínua ao longo do ano, e por consequência, esse sistema tradicional de produção seria um dos principais responsáveis pela degradação da Caatinga. O caso de Massaroca, acima abordado, no entanto, parece caracterizar como um sistema de produção de lotação variável ao longo do ano, o qual, teoricamente, estaria ofe-recendo condições para recupe-ração e manutenção da vegetação natural. Todavia, essa prática não é uniforme em todo o Semiárido baiano. E mesmo onde é utilizada, carece de instrumentos de ges-tão para uma melhor segurança e sustentabilidade do sistema. Prin-cipalmente se for considerado a existência de áreas com elevada diversidade de espécies e grau de endemismo da flora da caatinga (SILVA et al., 2003).

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Fundo e pasto em Juazeiro – BA

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INSTRUMENTOS DE GESTÃO AMBIENTAL

SISTEMA DE INFORMA-ÇÕES GEOGRÁFICAS

Os Sistemas de Informações Geo-gráficas são ferramentas de geor-referenciamento que possibilitam armazenar, manipular e integrar uma grande quantidade de dados espaciais, não espaciais e tempo-rais, através de programas de infor-mática especializados. Com a visu-alização espacial destes dados de forma integrada, é possível formular hipóteses de interdependência e causalidade (TEIXEIRA et al., 1992).

No momento em que as diversas variáveis sobre um determinado espaço geográfico são considera-das de forma conjunta, cria-se uma condição para que novas pers-pectivas e conhecimentos sejam gerados (XAVIER-DA-SILVA, 1992). Dessa forma, informações como a localização das comunidades e estabelecimentos de criação; efe-tivo do rebanho, sua distribuição espacial e densidade populacional; tipo de manejo e perfil do criador;

podem ser de grande valia para gestão ambiental, quando correla-cionadas, com informações sobre a cobertura vegetal, grau de pre-servação da Caatinga, utilização do solo, entre outras.

BASE DE DADOS DA DEFESA SANITÁRIA ANIMAL

Dentre outras funções, o Serviço de Defesa Sanitária Animal tem como missão garantir a seguran-ça sanitária exigida pelo crescente mercado nacional de carnes de caprinos e ovinos. Ademais, pro-tege os mercados dos prejuízos advindos de ocorrências sanitárias como a Febre Aftosa, e assegura a segurança alimentar para o gran-de mercado consumidor local e regional. Para isso, são utilizados mecanismos legais com o objetivo de manter uma base cadastral dos estabelecimentos de criação; con-trolar o fluxo de trânsito dos ani-mais, registrando a origem, desti-no e motivo das movimentações; o estoque, evolução e distribuição espacial dos rebanhos; além de realizar a vigilância sanitária e epi-

demiológica (BAHIA, 1999; BAHIA, 1999b). Dentre as principais fer-ramentas deste serviço está o cadastramento e georreferencia-mento dos estabelecimentos de criação (BRASIL, 2005).

As informações produzidas a par-tir dessa base cadastral, além de imprescindíveis ao processo de planejamento de intervenções es-tatais na agropecuária, poderiam ser utilizadas para construção de planos de gestão ambiental rural, mediante a integração com as infor-mações das Agências Ambientais. Nesse contexto, são de fundamen-tal importância variáveis como: o quantitativo e a distribuição espacial das comunidades, dos estabeleci-mentos de criação e dos rebanhos caprinos e ovinos; a densidade de-mográfica desses rebanhos; o tipo de ocupação humana; e o inven-tário e estado de conservação da vegetação. Com isso, poder-se-ia relacionar a capacidade de supor-te sustentável de determinada área de Caatinga, ao grau de utilização dos sistemas de Fundo de Pasto. Essas informações refletiriam o grau de equilíbrio daquele agroecossis-tema, indicando a possibilidade de intensificação do uso da Caatinga, ou a necessidade de racionalização através da redução do rebanho ou da adoção de práticas de manejo sustentável da caatinga.

MONITORAMENTO AMBIENTAL

Esta seria a etapa mais onerosa do modelo de gestão proposto, pois envolve o sensoriamento remoto

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Fundo de Pasto em Juazeiro – BA

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para caracterização da cobertura e uso do solo, além do inventá-rio florístico. Este último consiste da coleta de dados bióticos nas áreas de Fundo de Pasto delimi-tadas e classificadas por meio do sensoriamento remoto e cadastra-mento dos estabelecimentos de criação e dos criadores.

PROSPECÇÕES AMBIENTAIS

Corresponde à fase dos “pro-cedimentos diagnósticos que possibilitam caracterizar, clas-sificar e modelar o espaço em estudo” (LORINI et al., 1996, p.153). A correlação entre os planos de informação sobre a densidade de caprinos e ovi-nos e o grau de degradação da Caatinga nas áreas de Fun-do de Pasto, proporcionaria a elaboração de um mapa apon-tando as áreas em que a taxa de lotação atual de pequenos ruminantes oferece risco à sus-tentabilidade da Caatinga.

Ao inserir outros planos de infor-mações na presente análise, tais como, outras atividades conside-radas impactantes à Caatinga, como a bovinocultura e a retirada de lenha para comercialização ou produção de carvão, o mo-nitoramento passará a ser ainda mais criterioso.

De posse dos dados de rebanho é possível monitorar o nível de den-sidade populacional de caprinos e ovinos em cada área demarcada pelo zoneamento anterior. Ao se

identificar uma densidade próxima ou acima da capacidade de supor-te sustentável daquela área, o Ser-viço de Defesa Agropecuária acio-naria o órgão de Gestão Ambiental responsável, visando à adoção de ações mitigadoras, ou os órgãos de assistência técnica para agirem na orientação das comunidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante dispensar esforços para avaliar e monitorar o real im-pacto causado pela criação de pequenos ruminantes nas áreas de vegetação de Caatinga, assim como na racionalização desses sistemas de produção tradicio-nais, através de mecanismos de manejo que venham a atender à sua capacidade de suporte sus-tentável. Esses esforços assu-mem uma dimensão estratégica, uma vez que a caprino-ovinocul-tura representa uma das poucas opções de atividade econômica para as áreas mais hostis do Se-miárido, cuja base de produção sustenta-se na pastagem nativa da Caatinga, agroecossistema que necessita ser preservado para as gerações futuras.

O plano de procedimentos diag-nósticos, proposto neste traba-lho, ao focar em uma área com grande carência de informações, pode contribuir para o aperfei-çoamento de metodologias de georreferenciamento, auxiliando no planejamento de ações esta-

tais voltadas ao desenvolvimento agrícola sustentável, contexto em que a gestão ambiental fornece o pano de fundo. As informações emergentes desse trabalho po-derão instrumentalizar tanto as organizações dos produtores, quanto os órgãos competentes com ferramentas de gestão ca-pazes de assegurar a sustentabi-lidade desse importante meio de produção em sequeiro, caracte-rístico do Semiárido baiano.

Acredita-se ainda, que é pos-sível se evoluir para um zo-neamento da capacidade de suporte sustentável das áreas de Caatinga usadas para pro-dução animal no Estado, a par-tir do monitoramento dos dados resultantes de estudos para ca-racterização das diferentes áre-as de Caatinga do Semiárido baiano. Nesse contexto, será importante instalar experimen-tos, que avaliem a recuperação da vegetação submetida a di-ferentes pressões de pastejo, cujos resultados deverão ser contrapostos a dados históricos de lotação animal.

Dessa forma estar-se-ia contri-buindo para o alcance dos de-safios propostos por Leal et al. (2005), corroborados por este au-tor, que consiste em evitar maio-res perdas para aquele habitat, melhorar a qualidade de vida das populações e promover o uso sustentável dos recursos naturais, respeitando o conhecimento e práticas das comunidades tradi-cionais, e a utilização sustentável da diversidade biológica.

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