GESTÃO CURRICULAR - FUNDAMENTOS E PRÁTICAS [1999]

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  • 7/29/2019 GESTO CURRICULAR - FUNDAMENTOS E PRTICAS [1999]

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    G E S T O C U R R I C U L A RF u n d a m e n t o s e P r t i c a s

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    ColecoReflexo Participada

    1.RELATRIO DO PROJECTO REFLEXO PARTICIPADA

    SOBRE OS CURRCULOS DO ENSINO BSICO

    2.A LNGUA MATERNA NA EDUCAO BSICA

    Competncias Nucleares e Nveis de Desempenho

    3.A UNIDADE DA EDUCAO BSICA EM ANLISE

    Relatrio4.

    A HISTRIA NA EDUCAO BSICA

    5.A MATEMTICA NA EDUCAO BSICA

    6.

    GESTO CURRICULARFundamentos e Prticas

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    Ministrio da Educao

    Departamento da Educao Bsica

    G E S T O C U R R I C U L A RF u n d a m e n t o s e P r t i c a s

    Maria do Cu Roldo

    Lisboa, 1999

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    Biblioteca Nacional Catalogao na Publicao

    Roldo, Maria do Cu, 1946-

    Gesto curricular : fundamentos e prticas.(Reflexo participada ; 6)ISBN 972-742-128-8

    CDU 371.1/.2373.3/.5

    TtuloGESTO CURRICULAR FUNDAMENTOS E PRTICAS

    EditorMinistrio da Educao

    Departamento da Educao BsicaAv. 24 de Julho, 140 1350 Lisboa Codex

    Director do Departamento da Educao Bsica

    Paulo AbrantesAutora

    Maria do Cu Roldo

    CapaCeclia Guimares

    RevisoFernanda Arajo

    Depsito legal n. 142 477/99

    Composio e ImpressoColibri Artes Grficas

    Ap. 42 001 1600 Lisboa

    Tiragem4 000 exemplares

    Data da EdioOutubro de 1999

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    NOTA PRVIA___________________________________________________

    Por que razo, hoje, se fala tanto da necessidade da evolu-

    o do conceito de currculo e das prticas de gesto curricular?Que sentido tm as mudanas que se preconizam? Que implica-es tm essas mudanas no papel da administrao, na organi-zao das escolas, nas prticas de trabalho dos professores?

    No livro Gesto Curricular: Fundamentos e Prticas,Maria do Cu Roldo aborda essencialmente questes comoestas. Sem deixar de fundamentar as suas afirmaes pelo

    contrrio, o livro tem numerosas referncias tericas e sugestesde leituras para um aprofundamento dos temas discutidos aautora adopta um estilo susceptvel de captar o interesse de umpblico bastante alargado.

    Os professores so, no entanto, os leitores privilegiados. Oaspecto porventura mais saliente do livro o facto de discutir asmudanas curriculares com uma ateno permanente ao queelas significam quanto ao papel dos professores, s suas prticasde trabalho na escola e, mesmo, ao modo de encarar o que ,afinal, ser-se professor.

    Na verdade, este livro aponta para as questes centrais queesto em causa na reflexo e discusso sobre os currculos doensino bsico, tornando totalmente desnecessrio explicar a

    relevncia da sua publicao. Nenhum professor ter qualquerdvida a este respeito, desde a primeira ltima frase.

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    O Departamento de Educao Bsica tem o maior prazerem publicar este trabalho de uma autora que tem estado, nosltimos anos, na primeira linha do processo de reflexo sobre ocurrculo, esperando que ele possa constituir um instrumento detrabalho til em todas as escolas e para todos os professores.

    Setembro de 1999

    O Director do DEB

    Paulo Abrantes

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    NDICE_______________________________

    I GESTO CURRICULAR E TRABALHO DOCENTE .................. 11O que mudou no currculo? ....................................................... 11A evoluo nos ltimos 30 anos.................................................. 12Professor hoje a profisso impossvel?..................................... 14Gesto curricular e o conceito de currculo

    os nomes e as coisas ......................................................................... 23O currculo como substncia e funo da escola......................... 26Escola mediadora e centro da deciso curricular......................... 28Finalizao da gesto curricular

    garantia e melhoria das aprendizagens dos alunos ................... 30

    II A GESTO CURRICULAR COMO PROCESSO

    DE TOMADA DE DECISES ....................................................... 37Gesto como tomada de decises................................................ 37Decidir Desenvolver Avaliar Redefinir.............................. 39

    Nveis de deciso: central, institucional, grupal ou individual;administrativo, pessoal, interpessoal. .......................................... 39Agentes e parceiros na tomada de decises................................. 41

    III CONCEITOS, PRECONCEITOS E AMBIGUIDADES A DIFCIL GESTO DAS PALAVRAS........................................ 43

    Currculo e Projecto..................................................................... 43Currculo e Programa .................................................................. 44Currculo e Interdisciplinaridade................................................. 45Currculo e Professor................................................................... 48Currculo e Escola ....................................................................... 49

    Currculo e Formao.................................................................. 50Currculo e Avaliao.................................................................. 51

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    Currculo e Diferenciao............................................................ 52

    Currculo e Adequao................................................................ 53

    Currculo e Flexibilizao ........................................................... 54IV PRTICAS DE GESTO CURRICULAR

    SITUAES E CENRIOS POSSVEIS................................... 55

    Decidir o qu? como? com quem? ........................................ 55

    Gesto curricular em situao ..................................................... 63

    Definir metas de desenvolvimento do currculo ................. 65

    Caracterizao/diagnstico................................................. 65 Adequao e diferenciao curricular................................. 66

    A falta de gesto curricular................................................. 67

    As contradies da gesto curricular que (no) se faz........ 67

    Diagnosticar e analisar para poder gerir ............................. 68

    Gesto curricular em aco................................................. 68

    Avaliar resultados/reformular ............................................. 69

    Comunicao/circulao de informao............................. 70 Redefinio do Projecto Educativo/Curricular da escola

    envolvimento dos actores ................................................ 71

    E a formao? ..................................................................... 71

    ANEXO 1 Guio para Projecto Curricular de Escola........... 72

    ANEXO 2 Plano de Formao.............................................. 73

    Reflexo sobre a situao em termos de gesto curricular.......... 75Situaes para anlise e discusso em contexto de autoe interformao............................................................................ 80

    Perfil de competncias de gesto curricular ................................ 82

    Formao para a gesto curricular............................................... 83

    V LEITURAS ORIENTADAS FORMAO E INTERFORMAO NA ESCOLA .................. 85

    BIBLIOGRAFIA ........................................................................... 89

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    NDICE DE QUADROS_______________________________

    Quadro n. 1 Gesto curricular e sistema educativo............... 35

    Quadro n. 2 Nveis e campos de deciso curricular.............. 60Quadro n. 3 Guio da actividade de formao/reflexo

    construo do projecto curricular................... 80

    Quadro n. 4 Situaes sugeridas para elaborao de projecto curricular........... 81

    Quadro n. 5 Seleco de algumas leituras para trabalho deformao ........................................................... 86

    Quadro n. 6 Guio de sugestes para interformaocom base em leituras seleccionadas.................. 87

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    I

    GESTO CURRICULAR E TRABALHO DOCENTE___________________________________________________

    O que mudou no currculo?

    Quando comecei a ensinar, recebi do director daescola onde fui colocada um horrio, a indicaodo livro que deveria usar nas aulas, um mapa para

    marcao dos testes, a data das reunies de notas(era assim que as designvamos), o nome das cole-gas do grupo e ainda algumas recomendaespaternais atendendo minha pouca idade e mani-festa inexperincia no ofcio. Estava entregue ocurrculo e estava encomendada a professoraque ainda nem sabia que o era

    Serve o pequeno relato verdico, alis para ilustrar omodo habitual como os professores so na poca descrita e ain-da hoje iniciados na vida profissional. Ocorre-me uma descri-o de Elliott Eisner, publicada h alguns anos na revista PhiDelta Kappan, sobre uma sua visita escola primria que fre-quentara em criana. Surpreende-se Eisner um reconhecido te-rico no campo do currculo com a escassssima mudana porele observada nos modos de funcionamento da sua escola concre-ta relativamente ao tempo em que a frequentara sendo que da

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    mudana e melhoria da escola, enquanto instituio, que esteinvestigador se vem ocupando ao longo de toda a sua vida

    de facto inegvel que se verifica uma persistncia nosmecanismos de socializao profissional e, consequentementeno modo como os profissionais se relacionam com o conceito ecom a prtica do currculo na verdade a matria primeira doseu trabalho profissional. Idntica imobilidade tem caracteriza-do o modo de organizao da escola face s diferenas entretan-to operadas nos pblicos com que hoje trabalha.

    A contrastar com esta relativa imobilidade, o discurso dopoder poltico, dos decisores, da investigao e dos prpriosprofessores, tem mudado substancialmente. Fala-se hoje, emtodos estes nveis, com aparente consenso, de crescente neces-sidade de autonomia da escola, de reforo do papel profissionaldos professores, de diferenciao e gesto do currculo, do direi-to de todos a uma melhor educao, da presso para a qualidade

    numa sociedade do conhecimento que seguramente a do futu-ro e j largamente a do presente.

    A evoluo nos ltimos 30 anos

    O que est a mudar na escola e no currculo? No ser todoeste discurso de diferenciao apenas uma vestimenta up-to date

    para prticas que nunca podero nem devero ser muito dife-rentes? Provavelmente muitos professores, no seu ntimo, estoconvictos disto mesmo. Contudo, mudanas reais esto a ocor-rer por fora da evoluo social e econmica, queiram ou no osactores e os decisores, e fundamental dar conta delas e com-preender a sua natureza.

    A articulao deste discurso com a prtica real passa neces-sariamente por analisar, fundamentar e operacionalizar os con-ceitos essenciais relativos ao currculo e sua gesto, de modo a

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    procurar formas de gerir e organizar a escola com mais eficciae qualidade e com maior satisfao e sucesso quer para os pro-fissionais que nela trabalham, quer, sobretudo, para os alunosque a frequentam e a quem ela se destina. Esses conceitosessenciais so os de currculo, gesto curricular e profissiona-lidade os que afinal estavam em presena no relato com quese iniciou este texto: o currculo que me apresentaram, vinhacontido no manual, agesto que me foi proposta traduzia-se naocupao/programao semanal das horas distribudas, seguin-do o manual e dando notas aps o teste, a profissionalidade

    em que me introduziu o velho director traduzia-se em dar cum-primento a estas directrizes, integrando-me, o melhor quepudesse, no grupo de colegas.

    Supe-se por vezes, na iluso da mudana meramente ret-rica do discurso, que a gesto curricular constitui uma novidade,uma ideia nova nas prticas educativas. De facto, em toda equalquer prtica educativa escolar est sempre presente um

    determinado modo de concretizar uma opo de gesto cur-ricular. Na mais clssica ou tradicional prtica lectiva, na maisadequada ou na mais incorrecta, existeuma oposobre o queensinar, como organizar a aprendizagem e como avaliar os seusresultados ou seja, a gesto curricular inerente a qualquerprtica docente. O que realmente varia a natureza da opo,os nveis de decisoe ospapis dos actores envolvidos.

    Na descrio da situao que iniciou este texto, esto pre-sentes todos os elementos da gesto curricular de que aqui nosocupamos, a saber:

    um conceito de currculo contedos da aprendizagemescolar em funo de certas finalidades e modos organi-zativos de a promover, incluindo os materiais e activida-des (contidos no manual, na altura nico);

    uma organizao de escola os tempos lectivos e suasequncia, as turmas e sua dimenso e composio, a

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    colaborao/encontro dos docentes dimensionada emfuno das notas, uma perspectiva de avaliao;

    uma forma de liderana informao das normas da ins-tituio e das rotinas a cumprir, orientadas para o cumpri-mento de decises extrnsecas, quer instituio, quer aodocente;

    o papel esperado dos professores dar aulas, dar notas;a forma de colaborao entre os professores reunies de

    avaliao e apoio informal aos recm-chegados;uma avaliao de resultados expressa apenas nas notas

    a dar aos alunos; indefinio de critrios, adopo da pr-tica corrente anteriormente; nenhuma avaliao do traba-lho do professor e sua adequao ou eficcia; nenhumaavaliao dos resultados da escola como promotora deaprendizagens curriculares.

    Professor hoje a profisso impossvel?

    Ser professor parecia naquele tempo, aos olhos de quemcomeava, uma actividade relativamente fcil de desempenhar.A nica verdadeira dificuldade dizia respeito ao modo de serelacionar com os alunos, de impor respeito, ou seja, o con-trolo do grupo e a capacidade de afirmar uma certa segurana. Oconhecimento da matria tambm era necessrio, mas conse-guia-se preparando com algumas leituras ou, para os menos exi-gentes, seguindo o manual onde estava quase tudo o que se con-siderava ser preciso A metodologia consistia na apresentaoda matria explicar bem constitua, nos mais interessados, aprincipal preocupao. Quanto aos testes, tratava-se, sobretudo,de ver como costumavam os colegas faz-los, e consultar os dosanos anteriores era uma boa pista. A norma funcionava como oregulador essencial e nico da actividade docente.

    As questes de indisciplina eram ainda raras, num tempoanterior massificao do acesso e em que a hierarquia social

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    era reproduzida na escola sem grande contestao. Quandoocorriam situaes mais complicadas, recorria-se hierarquiada escola para as resolver (um pouco mais tarde, ao Director deTurma como instncia mediadora). O insucesso at cerca de 20ou 25% dos alunos era tido como aceitvel e restava aos alu-nos malsucedidos o ir trabalhar mais cedo o que era mais fcilque hoje e socialmente bem aceite enquanto os outros pros-seguiam at onde as suas capacidades o permitissem muitomais as suas capacidades do que a aco da escola, diga-se emabono da verdade.

    Se olharmos o panorama da vida profissional dos profes-sores actualmente, encontraremos provavelmente muitas dife-renas, de que destacaramos:

    a situao com que se defrontam na sua actividade;o tipo de alunos que tm nas suas aulas;o ambiente e interaces dentro da escola;

    o conhecimento disponvel sobre a educao, a aprendi-zagem e o ensino;a formao a que tm acesso.

    Mas, surpreendentemente, muito poucas mudanas se obser-vam no modo como a profisso se exerce e como a escola fun-ciona. Com as devidas adaptaes, um professor que chega escola passa, na maioria dos casos, por uma experincia muito

    semelhante acima descrita e exerce a profisso em moldesmuito idnticos.

    Passa por a boa parte da dificuldade actual do exerccio daprofisso docente e da recorrente e sempre lamentada crise daescola. No essencial, todos os problemas se podem reconduzir aum s:

    o universo social em que a escola vive e actua mudou

    radicalmente, mas a escola no alterou significativamentea sua estrutura e o seu padro de funcionamento.

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    A escola, como instituio, historicamente construda, efaz parte de uma sociedade em permanente e bvia mudana.Todas as instituies sociais passam por idntico processo eevoluem com nveis e dinmicas de mudana variveis, queessencialmente resultam das presses a que so sujeitas e dacapacidade de resposta de que so capazes.

    No caso da escola, por natureza uma instituio com fun-es de passagem cultural e socializao, inevitvel que osritmos de mudana no sejam nunca os adequados s necessida-

    des sociais do momento. Por isso so j identificveis, em textosdo sculo XIX, lamentos pblicos acerca da ineficcia da esco-la, em tudo idnticos aos que so lugar-comum actualmente.Desse ponto de vista, no est a o motivo de preocupao.Preocupante , sim, que a par de mltiplas inovaes introduzi-das, se mantenha um imobilismo estrutural, impermevel atodos os elementos novos do contexto. Tal impermeabilidade,

    ao atingir nveis de desfasamento excessivos, pode transformara escola num enorme agente bloqueador, em vez de promotor,da real educao dos cidados.

    Colocam-se a este propsito algumas questes tericasrelativas natureza da actividade docente. A identidade profis-sional dos professores uma resultante histrica muito comple-xa (Nvoa, 1989, 1995) e um processo que continua em cons-

    truo.

    No quadro actual, as questes da natureza da actividadedocente colocam-se com particular pertinncia, num tempo emque assistimos a um deslocamento de centros da deciso: deuma centralidade omnipresente da Administrao como

    reguladora e normalizadora de toda a aco educativa para

    um papel nuclear das escolas como centros de gesto educati-va contextualizada.

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    Tal movimento, evidente em todas as sociedades ocidentaisnas duas ltimas dcadas (nalguns casos, um pouco antes) cor-responde a uma necessidade de racionalizar o servio educativo.No mais rentvel nem sequer possvel gerir os sistemaseducativos (nem as economias, alis) como um todo uniforme,dada a enorme diversidade e complexidade de situaes e con-textos que as sociedades actuais apresentam (culturais, socio-econmicos, tnicos, etc.).

    No se trata assim de introduzir uma moda ou ideologia

    ao caminhar para a diferenciao e maior autonomia de decisodas escolas. Trata-se antes de encontrar, semelhana do que sepassa noutros sectores da vida social e econmica, uma formamais adequada e eficiente de conseguir dar alguma respostasatisfatria s questes a que os sistemas centralizados j noconseguem responder.

    Neste quadro, a discusso sobre a natureza da funo do

    professor assume o seu sentido e coloca-se, obviamente, nocentro do problema. Trata-se de um profissional? Um tcnico?Um funcionrio? Se a escola tem que reformular o seu funcio-namento, essa reformulao passar, no essencial, por duasdimenses:

    a organizao da escola e o seu modo de funcionamento;

    a prtica profissional dos professores que so quemexerce a actividade pela qual a escola responsvel ensinar, isto ,fazer aprender(Roldo, 1998).

    Se, por hiptese, deixasse de ser necessria a funo socialde ensinar-fazer aprender, a escola perderia ento o seu sentidoou mudaria totalmente; por outro lado, se a escola continuar adesempenhar, de modo diferente e com maior autonomia, essa

    funo, ela s pode realizar-se com outro protagonismo e inter-veno dos professores, ou nada mudar de facto.

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    No quadro centralizado de sistemas educativos como onosso, o professor tem tido sempre um estatuto um tanto hbri-do, dividido institucionalmente entre os perfis doprofissionaledo funcionrio, mas muito marcado por caractersticas que oaproximam bastante do estatuto de funcionrio, nomeadamente:

    a sua dependncia, em termos de colocao, progresso emobilidade, de decises administrativas centrais e node regras definidas e controladas ao nvel da escola ecomunidade em que se exerce a actividade;

    em termos de desempenho da actividade docente, a escassamargem de autonomia face a decisores externos sua acoe a pouca interveno nas decises relativas ao seu traba-lho concreto, nomeadamente em relao ao currculo;

    em termos de cultura profissional, a realizao repetidade rotinas pr-estabelecidas, a uniformidade securizante,a dependncia quase exclusiva de manuais, a escassainiciativa e a tradio de trabalho docente individual no

    partilhado ou discutido com os outros profissionais.Diferentemente, a uma actividade que se classifique social-

    mente comoprofisso (p. e., o mdico, o engenheiro, para tomarexemplos clssicos), esto associadas algumas caractersticasfundamentais (Gimno Sacristn, 1994), nomeadamente:

    a especificidade da funo desempenhada que a distingue

    claramente de outras;o domnio e a produo do saber especfico necessrio actividade profissional;

    o poder de decidir acerca do modo como desenvolve oseu trabalho;

    a capacidade de analisar e avaliar a aco desempenhadae introduzir-lhe ajustamentos reflexividade;

    a pertena a e o reconhecimento por uma comunidadede pares, com identidade cientfica e profissional prpriae com prticas profissionais partilhadas (Roldo, 1998).

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    Neste quadro definidor, e tendo em conta a fase de transi-o em que parece desenvolver-se hoje a profisso docente,alguns autores tendem a atribuir funo de professor um esta-tuto de semi-profissionalidade.

    As mudanas estruturais que esto a ocorrer nos sistemas,no sentido de uma maior centrao dos nveis de deciso e ges-to na escola, indiciam que a actividade docente tender a sofreruma mudana no sentido de uma maior afirmao das suascaractersticas de profisso, com o correspondente esbatimentoda dimensofuncionrio, que parece cada vez mais inadequadaa instituies escolares com autonomia e projectos prprios.

    Esta mudana torna-se particularmente visvel no plano cur-ricular: a uma prtica de escolas e professores assente nas direc-trizes, concepes e decises emanadas quase exclusivamente dorgo central, e apoiada em auxiliares curriculares concebidospor outros os manuais , lanados pela indstria editorial e con-

    sumidos de formas mais ou menos passivas (Apple, 1997), terde substituir-se, no quadro das mudanas que estamos a viver,uma aco mais esclarecida e interveniente, em que os profes-sores, em cada escola e para cada situao, tenham uma palavrainformada a dizer (a mais informada, visto que so eles os profis-sionais, de quem se espera que detenham o saber especfico daprofisso). Cabe-lhes uma responsabilidade acrescida nas opes,decises e estratgias relativas ao currculo, na sua avaliao e

    ajustamento, na seleco crtica e/ou na produo de materiaiscurriculares.

    A difuso e crescimento acelerado dos saberes na sociedadedo conhecimento e da comunicao tm sido, por vezes, apon-tadas como prenunciadoras da diluio ou desaparecimento dopapel da escola e da inutilidade dos saberes que integram o seucurrculo. No partilhamos tal perspectiva. Poderemos, pelocontrrio, antecipar um reforo do papel da escola, emborarequerendo mudanas profundas na sua aco e funcionamento.

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    Assim, o facto de a escola j no ser a nica responsvelpela guarda e passagem do essencial dos saberes constitudos,face acessibilidade do conhecimento que se prev crescente, inegvel. Mas, em contrapartida, existem dimenses nuclearesno papel da escola que no so desempenhadas por nenhumaoutra instituio nas sociedades ocidentais, nomeadamente asseguintes (Roldo, 1999):

    a) A passagem estruturada do quadro referencial da cultura

    dominante numa dada sociedadeNo se tratando mais da difuso enciclopdica do saber,

    subsiste todavia ou porventura refora-se a necessidade de aescola proporcionar, no seu currculo, os saberes de referncia,nos vrios campos do conhecimento. Saberes que integram umquadro geral das bases essenciais de cada disciplina cientficaou rea cultural e seus mtodos de construo, de tal modo que

    o aluno se possa movimentar por si nesse campo na sua apren-dizagem futura, na actividade profissional, na actualizao eaprofundamento de que vier a necessitar. Integra igualmente odomnio dos cdigos sociais e lingusticos dessa cultura, sem osquais os nveis de marginalizao e excluso no pararo decrescer.

    b) A socializao conjunta dos indivduos de todas as culturaspresentes numa dada sociedade

    No domnio da socializao a escola tornou-se pratica-mente a nica instituio por onde todos os indivduos passam ea nica onde tm contacto com todos os outros grupos sociais eculturais. Esta caracterstica comporta, para alm de um poten-cial formativo relevante, um mundo de oportunidades de desen-volver competncias sociais e cognitivas mais complexas, pelareflexo sobre e com diferentes padres culturais em presena.

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    Implica uma capacidade at hoje diminuta de a escola incor-porar curricularmente, de forma no meramente folclrica, asculturas em presena fazendo-as interagir.

    Para isso, h que garantir que a escola, por um lado, assegu-re a aquisio dos referentes culturais da cultura dominante e,por outro, incorpore os das outras culturas em presena nasociedade, incluindo a dos media. A escola ter ento de investirna desmontagem e compreenso dos vrios mundos culturaisem que os cidados, particularmente os mais jovens, esto imer-sos, proporcionando e ensinando o domnio dos instrumentosculturais fundamentais de todos esses mundos as linguagens,as simbologias, os discursos, as tecnologias.

    c) O apetrechamento com instrumentos cognitivos de anlise,reflexo, pesquisa e produo do conhecimento

    Ainda que muito repetida no discurso educativo oficial e na

    investigao educacional, esta dimenso , em larga medida,negligenciada na prtica escolar. Argumenta-se com frequnciaque uma maior ateno a estas dimenses implica menos tempopara abordar as matrias curriculares com consequncias paraos resultados dos alunos em exames. Pressupe-se que valorizarprocessos implica desvalorizar contedos. Parece-me tal argu-mento fundado num equvoco. Se o que se visa um bom dom-

    nio da compreenso dos contedos curriculares, no se percebecomo que esse domnio possa ser alcanado sem a aprendiza-gem dos processos de acesso e organizao do conhecimento, amenos que se opte por uma via estritamente transmissiva ememorizante. Alis, os alunos com melhores resultados so tipi-camente os que melhor sabem dominar esses mecanismoscognitivos de estruturao e relacionao. O que sucede queraramente tais competncias so um resultado do investimento

    explcito da escola.

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    Tal nfase at agora relativamente diluda nos planos cur-riculares da escola no implica uma qualquer desvalorizaodos contedos e saberes cientficos e culturais em si mesmos.No se defende, antes se critica, a tendncia para a valorizaodo processo em detrimento do produto, ou a valorizao dosmtodos em prejuzo dos contedos. Tais dicotomias quemarcaram largamente o pndulo das tendncias curriculares dosculo XX incorrem num vcio lgico que teve, a meu ver,efeitos negativos na educao escolar, especialmente quando elase tornou extensiva a toda a populao, comportando conse-

    quentemente um maior grau de heterogeneidade dos pblicos.Tornar todos os indivduos competentes e sabedores exige

    o domnio articulado de uma slida informao e dos modos eprocessos de a ela aceder, de a organizar e transferir. Esse umdesafio central para a escola actual s respondvel por umaapropriao pela escola da gesto do seu currculo.

    d) O ensino explcito de estratgias organizativas do conheci-

    mento e do discurso

    Outro campo especfico da interveno curricular da escoladiz respeito ao ensino explcito de estratgias cognitivas. Oessencial da passagem da informao a conhecimento reside namaior ou menor capacidade de organizar e estruturar a informa-

    o disponvel, dando-lhe sentido.

    O currculo escolar para uma populao multicultural, porum lado, e mestia, no sentido de portadora de vrios modos desocializao cultural, por outro, ter de incluir nos seus conte-dos de aprendizagem os modos de aceder ao conhecimento, dedescodificar, contextualizar e interpretar informao. Tomandocurrculo no sentido de conjunto de aprendizagens socialmentenecessrias que escola cabe garantir (Roldo, 1997), estasaprendizagens incluem certamente o domnio de competncias

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    de organizao e formulao do conhecimento. Ou seja, os pro-cessos tambm so contedos curriculares porque e enquantoobjectos de aprendizagem (Wragg, 1996).

    Dito de outro modo, se o cidado de hoje um mestiocultural, a escola a instituio que pode melhor torn-lofluente no entendimento das vrias culturas e competente naarticulao e uso das respectivas ferramentas.

    Gesto curricular e o conceito de currculo os nomes e as coisasQue gesto curricular, afinal? No ser apenas programar a

    calendarizao dos contedos, realizar algumas actividades con-juntas ocasionais, como j vimos fazendo? Falar de currculo nose resume, afinal, a discutir os contedos dos programas? Emboraboa parte destas ideias no sejam totalmente erradas, situam-senum plano que est desajustado da situao real do presente, e

    merecem reflexo e algum aprofundamento conceptual.Muito frequentemente se considera, entre professores, que

    as questes do currculo so irrelevantes, at porque se pressu-pe que todos sabemos muito bem o que isso de currculo.No se trata realmente de inventar um conceito, obviamenteconhecido, embora pouco elaborado entre ns em termos teri-cos, diferentemente por exemplo da prtica das universidades e

    escolas anglo-saxnicas ou norte-americanas. Trata-se sim dereflectir sobre o sentido do conceito, no quadro concreto dotempo que vivemos, por contraposio ao modo como talvez otenhamos interiorizado, numa escola que se reportava aoesquema daquele director que h trinta anos me acolheu comoprofessora.

    Currculo um conceito passvel de mltiplas interpreta-es no que ao seu contedo se refere e quanto aos inmerosmodos e variadas perspectivas acerca da sua construo e

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    desenvolvimento (Apple, 1997; Carrilho Ribeiro, 1990). Mas,se procurarmos defini-lo diacronicamente, no quadro histrico--cultural da relao da escola com a sociedade, ento podemosdizer que currculo escolar em qualquer circunstncia oconjunto de aprendizagens que, por se considerarem social-

    mente necessrias num dado tempo e contexto, cabe escolagarantir e organizar.

    O que se considera desejvel varia, as necessidades sociaise econmicas variam, os valores variam, as ideologias sociais eeducativas variam e/ou conflituam num mesmo tempo e o cur-rculo escolar corporiza, ao longo dos tempos e em cada con-texto, essa variao e essa conflitualidade. Por sua vez, tambmcontribui para, e interage com, essas vrias foras, e d-lhesforma ao instituir em cnones determinadas aprendizagens eprticas. Nisto no o currculo escolar diferente de qualqueroutra prtica social sempre frutos e fontes das interaces edos actores em presena.

    Assim, torna-se claro que os programas nacionais que todosconhecemos, aprendemos e ensinmos, enquadrados no funcio-namento uniforme da escola e do sistema que o nosso, consti-tuem currculo e corporizam uma determinada forma de ogerir, adequada s finalidades de um longo perodo da histriada escolas e dos sistemas.

    Esse currculo, concebido como conjunto de programasnacionais universais largamente dominante ainda no contextodo sistema portugus e no s comea, contudo, claramente, ano dar resposta s necessidades sociais actuais e sobretudofuturas. Por isso estamos a viver a to falada mudana. Falar demudana intemporal, pois tudo o que vivo muda, as socieda-des e as escolas como tudo o resto. O que importa saberquemudana estamos a atravessar e no falar da mudana como sevissemos de um mundo relativamente parado que se ps subi-tamente a mudar

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    A mudana que as nossas sociedades esto actualmente aviver, no plano educacional, enquadra-se numa dinmica con-juntural, como os historiadores da linha de Fernand Braudel lhechamariam. Esta mudana caracterizada pela presso socialsobre a escola no sentido de, mais uma vez, ajustar/reconstruir oseu currculo e o modo de o gerir, na tentativa, historicamentesempre repetida, de ajustar a adequao da oferta s necessida-des.

    No se trata pois de inventar a ideia de currculo, mas de

    tomar conscincia da sua natureza histrico-social realidadesocialmente construda, e construo em permanente devir. Pen-sar historicamente o currculo e a escola implica assim tomarconscincia da mutabilidade da realidade com que lidamos eabandonar uma viso esttica e irrealista das instituies e dassuas funes como se elas existissem desde sempre e perma-necessem confortavelmente imutveis, tal como nos habitumosa v-las.

    Tambm a noo de gesto curricular, na mesma lgica,nada tem de novo. Novo ser talvez s o uso e at abuso lin-gustico que dela se faz hoje no discurso educativo. Sempre segeriu o currculo e sempre ter que se gerir, isto , decidir o queensinar e porqu, como, quando, com que prioridades, com

    que meios, com que organizao, com que resultados Mas amaioria dessas decises passavam-se distantes da escola e dosprofessores, a nvel central, quase limitando a gesto curricular as decises dos professores, no plano colectivo, distribui-o dos contedos pelos trimestres e atribuio das classifica-es, e, no plano individual, planificao das suas aulas quoti-dianas.

    As decises e a gesto central obviamente permanecerosempre, mesmo em sistemas que tendero a descentralizar-secada vez mais. As decises desse tipo operam nos aspectos glo-bais e a nvel nacional. Mas uma larga maioria das decises

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    viro a entrar cada vez mais no campo especfico da gesto cur-ricular de cada escola e dos seus docentes. Essa a diferenaque d maior visibilidade ao processo e ao conceito deges-to curriculare maior responsabilidade aos gestores locais docurrculo as escolas e os professores concretos, trabalhandoprofissionalmente para uma determinada comunidade com o seuconjunto concreto de alunos.

    O currculo como substncia e funo da escola

    O currculo constitui o ncleo definidor da existncia daescola. A escola constituiu-se historicamente como instituioquando se reconheceu a necessidade social de fazer passar umcerto nmero de saberes de forma sistemtica a um grupo ousector dessa sociedade. Esse conjunto de saberes a fazer adquirirsistematicamente constitui o currculo da escola. Conforme tmevoludo as necessidades e presses sociais e, consequente-

    mente, os pblicos que se considera desejvel que a aco daescola atinja, assim o contedo do currculo escolar tem variado e continuar a variar.

    A natureza do que est contido (o contedo) no currculomerece assim ser analisada de forma crtica, face s circunstn-cias, necessidades e pblicos actuais. Para isso importa olhar ocurrculo como esta realidade socialmente construda que carac-

    teriza a escola como instituio em cada poca, e abandonarmosuma viso naturalista de currculo como um figurino estvel dedisciplinas que nos ltimos tempos tm sido ensinadas pelaescola: no foram sempre essas nem ser sempre idntico omodelo. Constitui-se em currculo aquilo a que se atribui umafinalizao em termos de necessidade e funcionalidade social eindividual e que, como tal, se institui.

    Paradoxos e contradies caracterizam necessariamente asubstncia do currculo escolar j que nele se conjugam os

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    vectores da preservao e da resposta a necessidades novas. assim que, por exemplo, permanece problemtico o equilbrioentre as componentes disciplinares e as integradoras, entre oapetrechamento com uma cultura humanstico-cientfica ou odomnio de competncias de vida e saberes pragmtico-funcio-nais. Mas o currculo que define a natureza da instituioescolar, isto , a escola existe porque e enquanto se reconhece anecessidade de, atravs dela, veicular, desenvolver e fazeradquirir, um currculo ou corpo de aprendizagensseja o quefor que se considere dever constitui-lo.

    As tenses quanto ao que deve constituir esse corpo deaprendizagens so inerentes ao carcter construdo do currculo,campo de permanente negociao e balano e no objecto deum consenso definidor, prescritivo e imutvel. Parece cada vezmais claro que o currculo no pode evoluir na lgica pendularque caracterizou este sculo, colocando essas vertentes em alter-nativa: cultura ou competncias de vida? Saberes ou processos

    de trabalho? Uniformidade ou escolha totalmente livre? Formaras dimenses pessoais e sociais dos alunos ou apetrech-los combom nvel de conhecimentos? Neste tipo de alternativas, a opopor um dos lados tem-se revelado altamente limitadora e inade-quada complexidade das sociedades actuais. Cada vez mais atendncia para encontrar snteses integradoras mais equilibradase que sirvam melhor os propsitos da instituio escolar no tem-

    po actual e para o universo dos cidados a que se destina.O desfasamento entre as expectativas face escola e a bai-

    xa eficcia social que ela tem manifestado resulta justamente doagravamento da inadequao do currculo que existe face snecessidades sociais e aos pblicos.

    A escola, numa lgica defensiva, procura manter imutveisas estruturas do seu funcionamento, o que a leva a ser insensvel realidade. Os alunos que hoje esto na escola e no aprendemso vistos como um problema incomodativo para a escola, do

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    qual ela procura descartar-se atravs de estratgias de recurso,fundadas em excelentes princpios, mas resultando em remedia-es em larga medida falhadas (as NEE, as aulas de apoio, etc.).Mas no temos visto a escola considerar como faria umaqualquer empresa que se confrontasse com tamanho insucesso que tem um problema e como pode perspectivar outros cenriospara a sua resoluo como organizar-se de outro modo quepermita fazer estes alunos todos aprenderem? Porque no h-dea escola mudar os espaos e os tempos, os agrupamentos e arotao de professores, ou organizar de outro modo o seu tra-

    balho em funo de grupos especficos de alunos? Porque noreinventar um sistema do tipo das tutorias, ou reconceptualizaros moldes e estruturas de agrupamento que se cruzem com asacrossanta e imutvel turma? Ter toda a aprendizagem quedecorrer dentro dessa estrutura? Ou podero existir outras estru-turas mais mveis que se organizem para criar bolsas e mo-mentos de aprendizagens que no requerem o agrupamento da

    turma? Todas estas questes podem ter respostas organizativas sehouver anlise adequada e capacidade de introduzir maleabilida-de a todos os nveis do sistema.

    Se um grupo de professores pensar em criar uma escola talcomo julga que seria melhor, talvez descubra processos organi-zativos expeditos e eficientes que no so catastrficos, podemser econmicos e vantajosos, e contudo talvez rompam com a

    estrutura escolar a que nos habitumos.

    Escola mediadora e centro da deciso curricular

    Uma das principais dificuldades da escola actual e a prin-cipal responsvel pelo seu crescente insucesso na educaosatisfatria de um nmero cada vez maior dos seus alunos, quesaem escolarizados (mas no educados ou sequer instrudos) reside no formato organizativo que a escola continua a perpe-tuar, quando a realidade profundamente diferente da de dca-

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    das anteriores. No possvel continuar a conceber o currculode uma forma esttica, definida, nos seus contedos, organiza-o e modelos de trabalho, a partir de um nico padro, cen-tralmente definido.

    Da que assuma tanta centralidade a gesto do currculo.No porque ela no se tenha feito sempre, mas porque no rentvel nem eficaz continuar a faz-la de forma estereotipada euniforme com os fracos resultados que esto vista.

    neste sentido que a lgica de projecto curricular con-

    textualizado tende a afirmar-se crescentemente sobre a lgica daadministrao nacional do currculo. Aquilo que se busca, nagesto autnoma das escolas, simplesmente uma via de maioreficcia e adequao aos pblicos. A justificao desta tendn-cia, visvel em todas as dinmicas sociais (sade, economia,apoio social, cultura, etc.) reside na procura de mecanismosmais eficazes. No caso da educao, trata-se de equacionar

    caminhos diferenciados dentro de balizas nacionalmente esta-belecidas e controladas, que conduzam a um maior sucesso daescola na sua funo essencial: conseguir que os alunos adqui-ram as aprendizagens curriculares com uma eficcia aceitvelque lhes permita assegurar a sua sobrevivncia social e pessoal eum nvel de pertena e desempenho scio-cultural que permita sociedade manter-se equilibrada e superar os riscos de ruptura.

    Assim, se a escola se define como instituio curricular, oprojecto educativo de cada escola ter que ser essencialmenteumprojecto curricular, i.e., de opes quanto s aprendizagens(de todo o tipo) que cada escola queira assumir como suasprio-ridades (dentro das balizas do currculo nacional) e quanto aosmodos que considera mais adequados para o conseguir comsucesso. Que outro contedo pode ter um projecto educativo naescola que no seja a aprendizagem pretendida, isto , o cur-rculo?

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    Finalizao da gesto curricular garantia e melhoria dasaprendizagens dos alunos

    O que est a mudar no currculo da escola pode resumir-senalguns pontos essenciais:

    1. As sociedades actuais estenderam e continuam a estendera escolaridade vertical e horizontalmente: tornandomais longo o tempo de permanncia em formao esco-lar, e alargando-a a todos os elementos dessa sociedade.

    2. As sociedades actuais so cada vez mais heterogneas do

    ponto de vista tnico, cultural, lingustico, etc.3. A escola actual constituiu-se historicamente a partir de

    um modelo curricular e organizativo pensado parauma audincia relativamente homognea, de grupos bemdefinidos, e orientado para o acesso de apenas um sectorda populao aos postos e funes sociais mais rele-vantes.

    4. A escola actual, herdeira dos sculos XVIII e XIX,reflecte essa estrutura na sua organizao e currculo:organizao de turmas na base do princpio da norma(todos como se fossem um) e da rentabilizao de recur-sos materiais e humanos (quando se tornou preciso alargaro ensino a maior nmero de pessoas, aps a revoluoindustrial, por oposio ao ensino individual e domsticodas classes abastadas).

    5. A alterao da coerncia deste modo organizativo daescola primeiro nas sociedades mais desenvolvidas explode a partir da dcada de 60, com a massificao doensino, e com o reconhecimento da necessidade de esco-larizao da populao no seu todo para o desempenho

    de qualquer funo social ou profissional (combate aoanalfabetismo, poca ainda muito significativo).

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    6. As mudanas e melhorias que na escola se tm procuradointroduzir so inmeras e valiosas e representam extraor-dinrio investimento e esforo dos decisores e dos profes-sores. Mas no tm, contudo, posto em causa o modelono seu essencial. como se acreditssemos que a escolaque conhecemos tem de ser forosamente assim, como aconhecemos, e como se esta forma fosse, partida, omodo natural de ensinar (professor, compndio, tur-mas). A naturalizao de processos culturais constitui,como sabemos, um obstculo considervel sua recon-

    verso.

    7. A grande crise da escola, de que falamos hoje constan-temente, no to grave assim; est simplesmente ligadaa este desajuste de fundo: queremos aplicar um tipo deescola idntico nos planos organizativo e curricular auma situao que totalmente diferente.

    Daqui resulta o facto de a ineficcia do ensino escolar seagravar, e crescer o chamado insucesso escolar, vulgarmenteassociado ao insucesso dos alunos. De facto, e se relembrarmosque todosos indivduos, excepo de uma pequena faixa queno excede os 5%, so capazes de realizar a aprendizagem que aescola pretende, estes indicadores afirmam sem margem paradvidas o pesado insucesso da instituio escolar a escola no

    consegue fazer aprender aos pblicos actuais, sobretudo porquepersiste em aplicar um modelo de funcionamento arcaico. Oinsucesso que colocamos nos alunos de facto o insucesso destainstituio que, entre ns, falha em ensinar eficazmente mais de30% dos seus alunos. Face a este insucesso da escola, o movi-mento defensivo orienta-se para excluir todos os que no seintegram na norma, ou para criar diferenciaes por discrimina-o por exemplo, remeter para outras instncias todos os quese afastam da referida norma, ou certificar mesmo os que noaprenderam ou aprenderam menos do que seria necessrio, ou

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    separar grupos de nveis de aprendizagem diferentes (paraalguns, que tm mais problemas, bastam os mnimos).

    Na prtica, procura-se manter em situao um tipo de turmaem que todos sejam suficientemente semelhantes para que oprofessor continue a poder ensinar como se fossem um e apoder utilizar um modelo de ensino centrado na apresentao damatria. Aqueles que tm sucesso no precisam muito do pro-fessor nem abonam muito acerca do sucesso da escola aosalunos sem dificuldades bastaria proporcionar-lhes a informa-

    o, com ou sem aulas e professores. Os outros, a quem preci-so ensinar de outro modo, saem do grupo-turma ou so encami-nhados para outras vias. Assim se refora o ciclo vicioso. Porsua vez, medidas como os apoios educativos, traduzem-se numageneralizada persistncia do insucesso mesmo dos alunos comacompanhamento desde o 1. ciclo.

    Podemos ento argumentar em sentido contrrio: e porque

    no deixar que uns aprendam s os mnimos, ou adquiram sum pseudo-diploma para aceder ao mundo do trabalho? Noser a nica ou a melhor sada?

    No parece ser assim. Numerosos estudos internacionais quer os de poltica educativa, quer os que incidem na avalia-o dos desempenhos reais e no s das classificaes oudiplomas dos alunos e das escolas (OCDE, IEA, Comisso

    Europeia) alertam recorrentemente para os problemas agrava-dos de excluso social que o facto de no ter aprendido j est aprovocar dramaticamente nas sociedades actuais. So j, na suagrande maioria, alfabetizados e escolarizados sem sucesso narealidade, iletrados funcionais e desenraizados sociais os ele-mentos de todas as bolsas de excluso ou marginalidade dassociedades actuais.

    Nem a economia, nem o mercado de trabalho, nem o difcilequilbrio das tenses sociais podem compadecer-se com a exis-

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    tncia de bolsas crescentes desta populao quase iletrada, afasta-da do acesso bsico informao e ao conhecimento, informaoe conhecimento que se constituem hoje como a principal chavepara a incluso social, para a rentabilidade econmica, e tambmpara o bem-estar social e a estabilidade pessoal e profissional.

    A mesma escola que se confrontou com a massificao doacesso educao, desafio j genericamente superado, encontra--se hoje perante uma situao bem mais complexa: a premnciada subida do nvel educativo real das populaes. Trata-se,assim, nos nossos dias, da necessidade de massificar o sucesso,ou seja, garantir a todos uma qualidade educativa satisfatria, nopodendo mais confinar-se a escola ao papel de assegurar umasocializao de base e uma instruo elementar para a maioria,com aprendizagem de melhor nvel apenas reservada a alguns.

    Em sntese, o grande problema da escola hoje o de res-ponder satisfatoriamente a todos, garantindo-lhes um bom ape-

    trechamento educativo sendo que esses todos so cada vezmais diferentes (Roldo, 1998).

    Trata-se, ento, em termos de currculo, de o pensar em ter-mos de um binmio e no como um corpo uniforme. Quais soos termos desse binmio?

    O primeiro elemento prende-se com a dimenso do que socialmente necessrio a todos as aprendizagensessenciais comuns, o core curriculum, o que social-mente reconhecido como competncia(s) indispens-

    vel(is) que o aluno dever adquirir na escola.

    O segundo termo do binmio refere-se concretizaoque cada escola faz desse core curriculum, conceben-do-o como um projecto curricularseu, pensado para oseu contexto e para a aprendizagem dos seus alunos con-

    cretos, e incorporando adequadamente as dimenseslocais e regionais.

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    A operacionalizao deste binmio em que cada termo spode definir-se em articulao com o outro constitui o essen-cial da gesto curricular de que se ocuparo as seces seguin-tes. No pode, evidentemente, pensar-se aflexibilizao doscurrculos das escolas sem ser por referncia a um denominadorcomum de aprendizagens a garantir no final, que ter de sercomum, e que dever ser objecto de adequados procedimentosde pilotagem e avaliao externa e interna.

    No Quadro 1 procura-se sistematizar o essencial da evolu-

    o dos sistemas que temos vindo a analisar.

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    Quadro 1: Gesto curricular e sistema educativo

    CURRCULO ESCOLA PROFESSORES

    SISTEMAEDUCATIVO

    CENTRALIZADO

    Definido apenas anvel nacional.

    Uniforme.

    Constitudo essen-cialmente por con-tedos/tpicos.

    Avaliao por refe-rncia ao normativoprogramtico nico.

    Estrutura de funcio-namento administra-tivo-burocrtica.

    Organizao hierr-quica.

    Campos de iniciativa

    e deciso limitados.

    Prestao de contasperante a administra-o central.

    Actividade reguladapelos contedos cur-riculares estabele-cidos.

    Campos de iniciativae deciso limitadosao desenvolvimento

    e metodologia dasaulas.

    Prtica predominan-temente individual.

    SISTEMAEDUCATIVO

    CENTRADO NAS

    ESCOLAS

    Binmio curricular:currculo nacional(core curriculum) +

    currculo de cadaescola (projecto cur-ricular, integrando eampliando, de formaprpria, o currculonacional).

    Alargamento do cur-rculo a maior nme-ro e tipos de aprendi-

    zagens.

    Avaliao por refe-rncia a:a) avaliaes nacio-

    nais externas;b) avaliao pela e

    na escola, faceaos seus objec-

    tivos.

    Estrutura de funcio-namento autnoma(em graus variveis).

    Organizao funcio-nal (em modalidadesvrias).

    Campos de iniciativae deciso prprios.

    Prestao de contasperante a comunida-

    de e a administra-o.

    Actividade reguladapelos objectivos emetas curriculares

    da escola.

    Campos de iniciativae deciso prprios gesto curricular, noplano individual ecolectivo.

    Prticas colaborati-vas entre pares.

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    II

    A GESTO CURRICULAR COMO PROCESSO

    DE TOMADA DE DECISES___________________________________________________

    Gesto como tomada de decises

    A gesto, em qualquer campo, , essencialmente, um pro-cesso de tomada de decises orientado para as finalidades que

    se pretendem atingir. Trata-se portanto de um processo queimplica analisar a situao que se apresenta e confront-la comaquilo que se pretende conseguir.

    Dessa anlise resulta a identificao de alguns caminhospossveis, que tm de ser ponderados quanto sua viabilidade,possibilidades de sucesso, riscos, etc. Perante essas vias pos-sveis, quem gere, decide optar por uma, e aplica-a. Tem de

    acompanhar essa aplicao de uma observao atenta e umaavaliao constante que permitam mudar de rumo ou introduzirajustamentos a todo o tempo, sob pena de comprometer o resul-tado pretendido.

    Se tomarmos um exemplo da vida quotidiana, este processode gesto torna-se muito evidente:

    Se um jovem casal pretende adquirir uma casa maior face expectativa de nascimento de mais um filho, a primeira coisaque tero de fazer analisar que tipo de casa pretendem adquirir

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    (quantas divises, situada onde, andar ou vivenda, perto ou lon-ge da famlia, acesso aos empregos, etc.) e que condies tmpara o fazer: rendimento actual e nos anos prximos, gostos epreferncias dos dois, previsvel necessidade de apoio aos filhospor parte da famlia, aspectos de que tero de se privar parainvestir na despesa acrescida, etc.

    Perante esta anlise de situao e tendo em vista a finalida-de, melhorar as condies de vida do agregado familiar emcrescimento colocam-se duas possibilidades:

    A Comprar um andar perto da famlia de um dos mem-bros do casal, de dimenso mdia, preo relativamente aces-svel, em zona urbana, sem espaos verdes.

    B Comprar uma vivenda com espao amplo e agradvel,distante da famlia, com bons acessos e escolas e creches perto,mas mais caro.

    Gerir, para este casal, vai implicar optar por uma destasvias, em face das previsveis vantagens e inconvenientes, e ten-do em conta as suas possibilidades.

    Implicar ainda a avaliao dessa deciso. Se, por exemplo,se vier a verificar que, tendo optado por B, as dificuldades resul-tantes da falta de apoio familiar prximo se revelam muito pesa-das quando as crianas crescem e as responsabilidades profis-

    sionais dos pais reduzem a sua disponibilidade de tempo, pode-ro ter que rever a deciso, vender e fazer nova compra parasuperar esses problemas.

    Gerir , assim, um processo que podemos estruturar emvrias dimenses:

    Analisar ponderar;Decidir optar;Concretizar a deciso desenvolver a aco;

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    Avaliar o desenvolvimento e os resultados que decorremda deciso;

    Prosseguir, reorientar ou abandonar a deciso tomada.

    Decidir Desenvolver Avaliar Redefinir

    Transpondo este processo para o campo curricular e para avida das escolas e dos sistemas educativos, identificam-se asmesmas dimenses. Mais uma vez, no se trata de nada denovo, j que toda a aco educativa um processo de gesto e

    de permanente tomada de decises.O que faz ento parecer novo o discurso da gesto cur-

    ricular e educativa? que a gesto, no caso da educao, comoem tantos outros, processa-se a diversos nveis e pode ter maiorou menor interveno de diversos actores ou parceiros. Em sis-temas educativos muito centralizados os nveis de deciso pre-dominantes situam-se na administrao, e os actores locais ten-

    dem a percepcionar-se como executores das decises de outros.O que justamente agudiza hoje a necessidade de saber gerir amudana j atrs referida que se est a processar nos sistemassociais e econmicos, e no educativo em particular, face impossibilidade crescente de os gerir adequadamente dessa for-ma. Trata-se de reduzir o campo de aco para agir melhor, semdeixar de perspectivar o global. Pensar globalmente para agir

    localmente.Planear implica hoje cada vez mais prever a contingncia epreparar-se para lhe dar resposta caso a caso.

    Nveis de deciso: central, institucional, grupal ou individual;administrativo, pessoal, interpessoal.

    As decises sobre o currculo implicam sempre uma varie-dade de nveis de amplitude:

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    O nvel centralQue preciso aprender nas escolas deum pas? Que modos de ensinar so recomendados?

    O nvel institucional Como vai a escola A ou Bassegurar eficazmente as aprendizagens aos seus alunos,no concreto? Que opes toma como escola? Que facequer ter para o pblico, valorizando e afirmando-sesobretudo em qu?

    O nvel grupal Que decises particulares precisotomar ao nvel dos grupos de professores (formais, ins-titudos ou informais)?

    O nvel individual Que fazer cada dia na aco educa-tiva concreta, face aos alunos com que se trabalha?

    Se considerarmos, por outro lado, no s os nveis deamplitude das decises, mas tambm a sua natureza, podemosainda identificar outros tipos de deciso:

    Decises de natureza pessoal a preferncia por uma

    estratgia, a forma de dispor os alunos, as iniciativaspessoaisDecises de natureza interpessoaltrabalhar uma estra-

    tgia em articulao com os outros do grupo (por exem-plo, aplicar tcnicas de desenvolvimento da capacidadede observao ou registo, priorizar a realizao de tarefasde apresentao estruturada de ideias pelos alunos).

    Os dois nveis no se confundem, mas podem e devem arti-cular-se. Se um grupo de professores decide trabalhar o sentidode observao nos alunos (deciso grupal, gesto curricular deuma aprendizagem), cada um deles vai ainda operacionalizaroutro nvel de deciso com que actividades vai desenvolveressa aprendizagem? Para realizar essa deciso ter de gerir oprocesso de aprendizagem, tendo em conta:

    Como ser mais significativo para estes alunos?Como diferenciar os modos de fazer (individualizar)?

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    Como avaliar como resultaram as diversas vias para osdiferentes alunos?

    Agentes e parceiros na tomada de decises

    Cada tomada de deciso, a qualquer nvel que se processe,implica graus de responsabilidade diferentes para os participan-tes. Assim, um ministro da educao com a sua equipa podepartilhar quase todas as etapas de uma dada tomada de deciso,mas no final ele que assume a responsabilidade individual da

    deciso.Numa escola o facto de ser um director ou um presidente de

    um rgo o responsvel, no implica que decida e gira a escolasem integrar no processo os outros intervenientes e parceiros.Pode ser um o agente da deciso e vrios os parceiros das suasdecises. Ou, pelo contrrio, pode haver um decisor nico queexerce o seu poder de deciso sem recorrer a parceiros.

    Num exemplo oposto, uma direco associativa ou despor-tiva colegial, por exemplo, as decises e a gesto so assumidasparitariamente pelos elementos do rgo de direco. Contudo bvio que as decises tm contributos mais influentes de algunsdos membros do rgo do que de outros.

    Ou seja, importa distinguir, ao falar de decises, os agentes(os responsveis pela assuno da deciso) dos parceiros (osintervenientes e interlocutores), bem como no confundir o tipode instncia decisora (individual, grupal, colegial) do modocomo essa instncia exerce a funo de decidir (mais ou menosparticipado, mais ou menos partilhado com outros).

    Servem estes exemplos para ilustrar o seguinte:

    A gesto e as decises que ela implica envolvem sempre

    uma diversidade de parceiros, com graus diversos deinterveno no processo.

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    A gesto assumida por quem tem a responsabilidadefuncional, mas pressupe negociao entre parceiros econsiderao dos seus interesses e perspectivas.

    Os parceiros no coincidem sempre com os intervenien-tes na deciso (os agentes) algunsparceiros sero agen-tes, outros no, dependendo da sua implicao, papel eresponsabilidade funcional na actividade em causa e nasdecises respectivas.

    Assim, por exemplo, os doentes e as famlias dos doentesso parceiros a ouvir nas decises da gesto de um hospital, masnosodecisores directos. Os empresrios de uma regio so par-ceiros nas decises da escola, mas no so agentes dessa deciso.Os pais, sendo parceiros privilegiados, tambm no so decisoresdirectos na escola, mas poder haver campos da aco da escolaem que o sejam, em parceria com os responsveis da escola (p.e.a organizao dos tempos livres ou de um centro de recursos).

    No caso da educao escolar actual, oprofessor o respon-svel pela funo de ensinar e a escola a instituio a quem com-pete essa funo e que responde socialmente por ela. Ao nvellocal e institucional eles so assim os decisores e os responsveisdirectos, no quadro de uma responsabilidade nacional que a quecabe administrao central e ao governo de cada pas.

    A escola funciona como instituio social, interagindo com

    muitos outros parceiros, a dois nveis:Os mais directamente interessados pais e empregadores.Acomunidade em sentido global, com as suas outras ins-

    tituies, servios e actividades, a quem interessa a edu-cao e a sua qualidade, enquanto componente da melho-ria da vida social e do bem-estar da comunidade.

    Assim, as decises da escola tero que resultar da interaco

    com estes dois tipos de parceiros, sem que isso signifique substi-tuiodasuaresponsabilidadeaonveldasdecisesquelhecabem.

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    III

    CONCEITOS, PRECONCEITOS E AMBIGUIDADES

    A DIFCIL GESTO DAS PALAVRAS___________________________________________________

    Neste captulo, e tendo como enquadramento conceptual oscaptulos anteriores e o quadro terico que lhes est subjacente,procurar-se- clarificar o sentido ou sentidos de alguns con-ceitos correntes na linguagem profissional a propsito de cur-rculo e analisar a sua utilizao.

    Currculo e Projecto

    Currculo um conceito que admite uma multiplicidade deinterpretaes e teorizaes quanto ao seu processo de constru-o e mudana. Contudo, refere-se sempre ao conjunto deaprendizagens consideradas necessrias num dado contexto e

    tempo e organizao e sequncia adoptadas para o concreti-zar ou desenvolver.

    Esse conjunto de aprendizagens no resulta de uma somade partes. O que transforma um conjunto de aprendizagens emcurrculo a sua finalizao, intencionalidade, estruturaocoerente e sequncia organizadora. Sendo cada vez menosprescritivo e crescentemente reconstrutivo, o currculo funciona

    todavia como o marco de referncia terico comum a um certoconjunto de situaes.

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    Porprojecto curricular entende-se a forma particular como,em cada contexto, se reconstri e se apropria um currculo facea uma situao real, definindo opes e intencionalidades pr-prias, e construindo modos especficos de organizao e gestocurricular, adequados consecuo das aprendizagens que inte-gram o currculo para os alunos concretos daquele contexto.

    Compreende-se, assim, que um qualquer currculo o cur-rculo nacional ou o core curriculum contenha sempre umadimenso de projecto em sentido lato, por referncia ao nvel de

    uma sociedade ou grupo.O currculo nacional corporiza um projecto curricular de

    uma sociedade, nas suas grandes linhas. Por sua vez, o projectocurricular que uma escola constri sempre um currculo con-textualizado e admite ainda a construo de projectos curricula-res mais especficos, que nele se integrem adequadamente.

    Currculo e Programa

    Sendo o currculo o conjunto de aprendizagens considera-das socialmente desejveis e necessrias num dado tempo esociedade, que a instituio escola tem a responsabilidade deassegurar,a sua operacionalizao implica o estabelecimento deprogramas de aco. Em contextos centralizados, esses progra-

    mas assumiram historicamente um carcter prescritivo muitoforte, conduzindo praticamente ao desaparecimento do currculo as aprendizagens socialmente pretendidas e os modos de asfazer concretizar dentro de textos programticos que seconverteram na nica face visvel do currculo e, na representa-o social e da classe docente das ltimas dcadas, praticamenteo substituram.

    Qualquer currculo ou projecto curricular requerprogramase programao, no sentido de definio e previso de campos

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    de desenvolvimento, linhas de organizao e mtodos de apren-dizagem. Mas os programas (que podem elaborar-se para umciclo ou destinar-se a um perodo curto, preverem aprendizagenspara uma rea ou para vrias) so sempre apenas instrumentosdo currculo, e por isso reconvertveis, mutveis e contextuais.O que tem de ser claro e relativamente estvel numa sociedadeno so os programas, mas as aprendizagens curriculares agarantir, que devero alis ser objecto de avaliao e prestaode contas sociedade. Mas os programas para um certo con-junto de aprendizagens podem ser diversos e organizados de

    vrias maneiras.Existe assim uma modelao permanente de programas,

    que se melhoram, se alteram, se constroem, para chegar maisadequadamente s metas pretendidas. Ou seja, em vez do famo-so sndroma do cumprimento dos programas, o que importa que os programas que se criam, se reconstroem e desenvolvem,dem cumprimento ao currculo isto , alcancem as finalida-

    des curriculares que lhes deram origem.

    Currculo e Interdisciplinaridade

    As aprendizagens que integram um currculo podem ser detodo o tipo: sociais, conceptuais, tcnicas, etc. Podem, alm dis-so, estar organizadas de inmeras maneiras por afinidades, por

    campos de saber cientfico, por problemas da vida prtica, etc.

    No modelo de escola das sociedades ocidentais, a matrizcurricular que se imps foi inicialmente transposta das discipli-nas cientficas reconhecidas e acompanhou, ainda que em ritmomais lento, a incluso de novos campos de saber. Desta origemresulta uma organizao por saberes cientficos disciplinas organizados em espaos e tempos separados. Essa estrutura tor-nou-se extensiva a outros elementos do currculo que nada tm aver com disciplinas cientficas mas a lgica curricular instala-

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    da tende, por inrcia, a incorporar qualquer nova aprendizagemno formato estabelecido da disciplina.Disciplina escolarno contudo sinnimo de disciplina cientfica, como erradamente,por vezes, se pressupe.

    No que se refere s disciplinas cientficas, importantecompreender que a nossa cultura cientfica repousa sobre elas eque cada uma representa um passo epistemolgico relevante nahistria do conhecimento humano. No h pois nada de errado,a meu ver, com a incluso em currculo escolar da estrutura his-

    toricamente construda dos saberes, com as suas metodologias elgicas prprias. Elas constituem referncias bsicas da culturaa que pertencemos e que a escola deve passar (Currere tran-sitar, fazer passar).

    Contudo, o prprio desenvolvimento dessas disciplinascientficas induz e pressupe o reconhecimento de que tal divi-so em disciplinas se destina a permitir o olhar aprofundado por

    um certo ngulo mas limita a viso do todo, cuja complexida-de requer a permanente interdisciplinaridadde do trabalho cien-tfico. Trata-se pois de duas tendncias em permanente tenso eequilbrio a especializao e a integrao dos saberes na com-preenso do real (Pombo et al. 1993).

    A adopo de uma matriz disciplinar no currculo deixou,em larga medida, para trs estas questes epistemolgicas.

    Transformou-se antes numa lgica organizativa prtica, de apli-cao relativamente fcil, tendo em vista o funcionamento dainstituio escolar para um pblico numeroso.

    Assim, falar de disciplinas e interdisciplinaridade no cur-rculo no totalmente equivalente a falar de disciplinas e inter-disciplinaridade no campo cientfico embora existam eviden-tes campos de sobreposio. Em termos epistemolgicos, ainterdisciplinaridade supe o trabalho cientfico conjunto e inte-grado de cientistas de vrios domnios ou especialidades no

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    estudo de um campo ou objecto comum, no estabelecimento dasrelaes e interdependncias das suas diversas anlises. Nestesentido, so cada vez mais numerosas as equipas de investiga-o cientfica interdisciplinares, cujos elementos tm que ter,no esqueamos, um domnio muito profundo da sua cinciaespecfica para interagirem com os olhares dos seus parceiros.

    Em termos curriculares, as disciplinas so elementos deuma quadrcula organizativa, relativos no s aos saberes, massobretudo ao tempo, ao espao e ao modo de trabalho. So, emtermos estritamente organizativos, reas de aco essencial-mente paralelas e concebidas para funcionar separadamente. Ainterdisciplinaridade curricular visa, antes de mais, a criao deespaos de trabalho conjunto e articulado em torno de metaseducativas.

    A organizao escolar resiste a isso, porque est estruturadae pensada de outro modo. No por acaso nem apenas por

    culpa da alegada m vontade dos professores que se fala dainterdisciplinaridade h 30 anos, que vem sendo repetidamenterecomendada e exaltada nos prprios textos programticos e depoltica educativa, mas que se concretiza to pouco e com tantadificuldade.

    Ou seja, criar uma cultura interdisciplinar na escola nopassa por op-la s disciplinas, mas por organizar as disciplinas

    e todos os campos curriculares de outro modo. Estruturar a vidada instituio e a prtica curricular e organizativa com base naconcretizao de lgicas de trabalho colaborativo (quer no planodisciplinar, quer no plano interdisciplinar) parece indispensvelpara romper uma lgica fragmentria instituda que no facilitaa formao dos cidados para a sociedade do conhecimento,onde a alfabetizao cientfica uma necessidade crescentepara a compreenso da complexidade do real.

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    Currculo e Professor

    A relao que conhecemos na nossa prtica profissional,

    entre professor e currculo, centra-se na execuo. O currculo corpo de aprendizagens socialmente pretendidas era at hpouco tempo, no nosso sistema, inteiramente concebido e cons-trudo a nvel central, por equipas de autores (professores convi-dados para o efeito) e corporizado nos programas das disciplinas.

    Os professores, face aos programas, teriam essencialmentede os passar prtica, de os cumprir com correco pedaggica.

    Trata-se portanto de uma relao de execuo, com escassaconstruo ou deciso, e nveis bastante restritos degesto.

    As mudanas em curso no campo curricular e organizacio-nal dos sistemas e das escolas requerem um professor que serelaciona de outro modo com o currculo que constitui, afinal,a matria-prima do seu trabalho. Tal como um mdico cirurgiono executa uma operao de acordo com o estudo do caso e o

    programa de conhecimentos que outros tivessem preparado,mas analisa o caso e decide e age em funo dele e dos conheci-mentos disponveis, tambm um profissional docente ter de,cada vez mais, decidir e agir perante as diferentes situaes,organizando e utilizando o seu conhecimento cientfico e educa-tivo face situao concreta, ainda que enquadrado nas balizascurriculares e nas linhas programticas nacionais isto , gerin-

    do o currculo. De executorpassa a decisore gestorde currculoexercendo a actividade que lhe prpria ensinar, isto , fazeraprender (Roldo, 1995, 1998).

    No desempenho da sua funo, o professor exerce assim,ao nvel das decises curriculares, um conjunto de mediaes:entre as decises nacionais e as opes do projecto da escola,entre as caractersticas dos alunos concretos e as metas curricu-

    lares da escola, entre aluno e rgos da escola, entre turma egrupo de colegas, etc.

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    Currculo e Escola

    O currculo torna-se projecto curricular quando a escola (ou

    grupo de escolas servindo uma comunidade) assume o seu con-junto de opes e prioridades de aprendizagem, delineando osmodos estratgicos de as pr em prtica, com o objectivo demelhorar o nvel e a qualidade da aprendizagem dos seus alunos quando constri o seuprojecto curricular(que naturalmenteo principal contedo do seuprojecto educativo).

    Trata-se, para as escolas, de perguntar: O que quer esta

    escola conseguir, que rosto quer ter nas aprendizagens que ofe-rece? Que pode e quer a escola decidir para o alcanar? Como?

    Gerir o currculo ao nvel da escola implica, partindo destasquestes, construir um projecto seu. Implica decidir que nfasesvai a escola atribuir e a que aprendizagens, e porqu? Queaspectos vai deixar na sombra para valorizar outros que conside-ra mais importantes? Que competncias prioritrias pretende

    desenvolver? Como, nas diferentes disciplinas e reas? Quesequncia d s prioridades (por exemplo, nos primeiros trsmeses, investimento macio na lngua materna, no perodoseguinte reforar outras reas)?

    Implica tambm rentabilizar os recursos e oferecer camposde aprendizagem especficos quando julgue adequado e til. Porexemplo, uma escola poder decidir oferecer formao maisaprofundada em Msica, se tem recursos para o fazer. Ou apos-tar no ensino de tcnicas artesanais em vias de desaparecimentona regio. Ou desenvolver ofertas de aprendizagem facultativaspara aprofundar alguns campos cientficos se tem docentes cominteresse por essas reas (Geologia, Fsica, Astronomia, outras).Ou o ensino de dana. Ou um sem nmero de opes que s noquadro real de cada escola se podem equacionar.

    Em lugar de a escola se gerir administrativamente comouma organizao que veicula um sistema uniforme, cujas deci-

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    ses s emanam da cpula, ela ser antes uma organizao vivacapaz de escolher a sua forma de trabalhar prpria, embora numquadro referencial nacional que tem de ser integrado nas opesdo seu projecto educativo/curricular.

    este o sentido da autonomia da escola gerir autono-mamente o trabalho que realiza e pelo qual responde socialmen-te: a promoo das aprendizagens curriculares. Gesto essa querequeriniciativa e responsabilizao, bem como a capacidade e o poder de avaliare reformular.

    Currculo e Formao

    Uma cultura curricular como a que vem sendo descritaneste trabalho ainda relativamente estranha aos modos desocializao profissional dos professores e tradio de funcio-namento das escolas. Coloca-se a esse propsito a questo da

    formao para a gesto curricular.Retomando a ideia de que gesto curricular pratica-se sem-

    pre tal como se faz prosa sem saber , do que se trata de pro-mover nveis de conscincia e anlise crtica relativamente sprticas curriculares, por parte dos docentes e das escolas.

    Para isso necessrio, sem dvida, o domnio de reas doconhecimento nos campos cientficos ligados educao e sorganizaes, assim como preciso reforar a solidez dos cam-pos cientficos, culturais e didcticos que integram o currculo.Mas o salto qualitativo passa-se, de facto, ao nvel da reflexosobre, e aco na prtica docente e organizacional.

    Da que a formao tenha de ser realizada com uma filoso-fia de interveno dos prprios sujeitos, num processo auto einterformativo. Este processo no se gera a partir do nada, temque ser alimentado, orientado e trabalhado luz dos saberes te-ricos e com o recurso a formaes especficas, mas integrando-

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    -as em processos organizados e geridos colaborativamente, noquadro da prpria prtica curricular.

    Algumas reas do trabalho da escola propiciam por si situa-es formativas: por exemplo, a preparao do acolhimento deprofessores em incio de carreira, ou aproduo e organizaode materiais curriculares pelos professores (textos para traba-lho, bases de dados, recolhas de imprensa, glossrios temticos,seleces bibliogrficas, materiais experimentais, etc.) para asaulas ou outras actividades curriculares da escola, podem consti-

    tuir excelentes situaes de interformao para uma escola e/oualguns grupos de professores.

    Currculo e Avaliao

    O processo curricular incorpora em si a dimenso avaliati-va. Definidas as metas, as opes que delas decorrem, os proce-

    dimentos e estratgias a desenvolver, h que avaliar todo o pro-cesso: para verificar o que resulta ou no, a adequao dasopes ou a necessidade de redefini-las, os ajustes a introduzirpermanentemente para melhorar a consecuo das metas visa-das. Este o campo da avaliao curricular que no se confun-de com a avaliao dos resultados de aprendizagem dos alunos.Estes so apenas um dos elementos da avaliao curricular,

    embora muito relevante (Varela de Freitas,1997).Todos os processos de gesto em qualquer sector da vida

    social, privilegiam a avaliao como instrumento estratgicofundamental. a avaliao que permite diagnosticar, prever,reformular e reorientar os projectos.

    A avaliao curricular assume uma importncia tanto maisacrescida quanto mais autnomas forem as escolas na sua ges-to do currculo. A um sistema centralizado em que o controlo predominantemente administrativo, com escassa interveno

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    dos agentes interessados, substitui-se, num quadro de maior des-centralizao e gesto contextualizada, um reforo dos mecanis-mos avaliativos locais de monitorizao do processo.

    So interventores num processo de avaliao curricular emprimeiro lugar os prprios responsveis pelas decises e pelosprojectos campo da auto-avaliao reguladora. So tambmagentes avaliativos, a nveis diversos, todos os parceiros interes-sados no processo hetero-avaliao.

    Situando-se a gesto curricular no plano das aprendizagens,

    importa sublinhar que toda a avaliao do processo de gestoter de considerar, como elemento central, o efeito das decisestomadas sobre a qualidade das aprendizagens dos alunos.

    Currculo e Diferenciao

    No essencial, diferenciar significa definir percursos e

    opes curriculares diferentes para situaes diversas, que pos-sam potenciar, para cada situao, a consecuo das aprendiza-genspretendidas.

    Gerir o currculo pressupe diferenciara vrios nveis:

    diferenciar as opes de cada escola para responder me-lhor ao seu pblico;

    diferenciar os projectos curriculares das turmas ou gruposde alunos para melhorar a aprendizagem;

    diferenciar os modos de ensinar e organizar o trabalhodos alunos para garantir a aprendizagem bem-sucedidade cada um.

    A todos estes nveis, requer-se um equilbrio constanteentre o modo de diferenciao que se escolhe e a aprendizagemque se quer assegurar. Ou seja, as escolas diferenciam os seusprojectos, mas para que em todas elas se alcancem melhor asaprendizagens socialmente necessrias, comuns a todos; dife-

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    renciam-se os mtodos pedaggicos e as actividades para cor-responder s diferentes vias de acesso e pontos de partida dosalunos, mas para que assim todos eles cheguem a um nvel maiselevado de aprendizagem.

    Diferenciar estabelecer diferentes vias mas no pode sernunca estabelecer diferentes nveis de chegada por causa dascondies de partida. Diferenciar tambm no equivale a hierar-quizar metas para alunos de grupos diferentes mas antes ten-tar, por todos os meios, os mais diversos, que todos cheguem a

    dominar o melhor possvel as competncias e saberes de quetodos precisam na vida pessoal e social.

    Currculo e Adequao

    A adequao curricular relaciona-se com a diferenciao,mas associa-se mais directamente s caractersticas psicolgicasdos alunos. Por exemplo, adequar um tema a crianas ou a ado-lescentes significa trat-lo de forma a que os sujeitos, num casoe noutro, possam compreend-lo de acordo com os instrumentosde conhecimento de que dispem. Numa perspectiva seme-lhante, tambm falamos de adequar o discurso verbal ao tipo deinterlocutor que temos ou de adequar as metodologias aos inte-resses dos alunos.

    No essencial, o que est em jogo na adequao de facto orole-taking, isto , colocarmo-nos na posio do outro oaprendente , compreender os seus mecanismos cognitivos, cul-turais, afectivos, e investir em opes e estratgias que seenquadrem nesse perfil da melhor forma. O que se pretende,mais uma vez, com a adequao, quea aprendizagem preten-

    dida ocorra e seja significativa,faa sentido para quem adquiree incorpora.

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    Um equvoco muito frequente no discurso sobre a adequa-o consiste em tentar ir ao encontro do que o aluno prefere ougosta, sem da extrair nada. Por exemplo, se os interesses deuma turma se centram nas tarefas prticas (argumento muitoouvido) oferecem-se-lhe mais actividades prticas e evitam-seas supostamente tericas, porque se considera que os alunosno chegam l. Neste caso no se adequa, limita-se, aindaque com as melhores das intenes.

    Adequar significaria, nesse caso, construir, a partir das ditasactividades prticas, um processo de genuna aprendizagem deoutras operaes mentais, de tarefas mais complexas, de novoconhecimento, quer terico, quer prtico, que produzisse acrs-cimo de competncias, e no repetio infrutfera. Adequa-separa ampliar e melhorar, no para restringir ou empobrecer a

    aprendizagem.

    Currculo e FlexibilizaoFlexibilizar o currculo pode entender-se no sentido de

    organizar as aprendizagens de forma aberta, possibilitando que,num dado contexto (nacional, regional, de escola, de turma)coexistam duas dimenses como faces de uma mesma moeda: aclareza e delimitao das aprendizagens pretendidas e a pos-sibilidade de organizar de forma flexvela estrutura, a sequn-

    cia e os processos que a elas conduzem.Flexibilizar ope-se a uniformizar segundo um modelo

    comum e nico. Mas no significa libertar o currculo de bali-zas; muito pelo contrrio, s possvel flexibilizar dentro de umquadro referencial muito claro, definido em funo das aprendi-zagens pessoal e socialmente necessrias.

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    IV

    PRTICAS DE GESTO CURRICULAR

    SITUAES E CENRIOS POSSVEIS___________________________________________________

    Decidir o qu? como? com quem?

    Gerir o currculo , essencialmente, tomar decises quantoao modo de fazer que se julga mais adequado para produzir aaprendizagem pretendida. Essa tomada de deciso incide sobreuma quantidade de aspectos que podemos desmontar na nossaprtica diria, mesmo quando ela aparentemente passiva e demera execuo.

    As decises relativas gesto curricularincidem sobre:

    1.As ambies da escola: Que pretende esta escola, comoescola, alcanar a curto e a mdio prazo? Que pretende

    melhorar na sua imagem e no seu servio? Qual o ros-to da escola em que ela se quer rever no futuro?

    2.As opes e prioridades: Que reas vo ser prioritrias namelhoria desejada para a escola e para as metas visadas?Como estabelecer essas prioridades em funo do tipo dealunos, do interesse da comunidade, e da necessidade degarantir a consecuo das aprendizagens do currculonuclear (core curriculum) nacional? Em que se vai inves-tir mais numa primeira fase? E a seguir? Qual e o que

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    inclui o projecto curricular da escola, como resultado des-sas opes e prioridades? Como que o Projecto Curricu-lar da escola articula o core curriculum (estabelecido anvel nacional) com outros contedos por si escolhidos erelevantes naquela comunidade?

    3.As aprendizagens: No quadro estratgico das ambies eprioridades definidas para a escola no seu todo, como voos professores organizar-se, nas turmas, para consegui-rem melhorar o nvel e qualidade das aprendizagens (de

    acordo com as prioridades definidas) daqueles alunos?Com que materiais vo trabalhar alm do manual, e, nomanual, como planeiam ensinar os alunos a us-lo? Queestratgias podem desenvolver em conjunto, preparando--as articuladamente entre as vrias disciplinas (p.e. mo-dos de ler um texto, como organizar uma sntese, comoorganizar as tarefas mentais necessrias para resolver um

    problema ou realizar uma tarefa)? Como ajudar os alunosa memorizar e a estudar?

    4. Os mtodos: Que decises metodolgicas diferentes tomarpara cada turma ou cada grupo de alunos para que a suaaprendizagem se maximize? Em que casos e em que mo-mentos, para cada turma, dar preferncia actividadegrupal, exposio, pesquisa? Como organizar cada

    uma destas metodologias, na situao concreta de cadaturma, para que os alunos retirem delas vantagem? Comofazer para que possam coexistir metodologias diferentes(p.e. atribuir mais tarefas de pesquisa, com material dis-tribudo, a alunos que j esto vontade na procura deinformao, enquanto o professor se ocupa a explicar eapresentar informao bsica a outro grupo para tarefa

    idntica)?

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    5. Os modos de funcionamento e organizao da escola e dasaulas: Que modalidades organizativas do trabalho se po-dem melhorar na escola? Como estruturar tarefas diferen-ciadas e tarefas comuns para responder diversidade dosalunos? Que funcionamento podem ter os conselhos deturma (Agrupados por conjuntos de turmas? Por espaosda escola?) e os conselhos escolares? Que organizao dostempos lectivos pode ser melhor para todas ou algumasturmas? (Agrupar horas em tempos mais longos? Estabele-cer perodos mais curtos de trabalho mais intensivo? Agru-

    par os tempos de mais que uma disciplina e programar asua utilizao, por exemplo, em duas manhs seguidas porsemana? Em que circunstncias melhor estabelecer aaula como um frum, dispondo as mesas em U? Ou no?Quando melhor organizar pequenos ncleos de trabalhopara trs ou quatro alunos? Com que caractersticas e dife-renas? Quando optar por trabalho de pares? Com que cri-trios organizar os grupos e os pares, conforme as tarefas?Como rentabilizar as aulas em formato expositivo (porexemplo, encarregando alunos de