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Gestão de riscos de desastres

Gestão de riscos de desastres - CEPED UFSC · A introdução da noção de risco é bastante recente na história ... a partir de um modelo de ... dade ou município podem ser representados

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Gestão de riscos de desastres

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Risco: um conceito moderno

A introdução da noção de risco é bastante recente na história

da humanidade. Foi apenas no século XIX, com as transformações

advindas da Revolução Industrial, no mundo do trabalho e com o

desenvolvimento de tecnologias, que se passou a falar acerca dos

riscos e das condições que os produzem.

Gestão de Riscos de Desastre

Linha de montagem de uma fábrica de automóveis. Disponível em: <http://hid0141.blogspot.com.br/2011/04/revolucao-do-automovel.html>.

Com a sociedade industrial, tornou-se necessário garantir o con-

trole dos riscos possíveis, criando-se um conjunto de normas disci-

plinares e técnicas para conter a ocorrência de acidentes. Passou-se

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E

PESQUISAS SOBRE DESASTRES

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Elaboração de ConteúdoJanaina Rocha Furtado

Capa, Projeto Gráfico e DiagramaçãoSTUDIO S Diagramação & Arte Visual(48) 3025-3070 | [email protected]

Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres.

Gestão de riscos de desastres / texto Janaina Rocha Furtado. - Florianópolis: CEPED UFSC, 2012.

14 p. : il. color. ; 21 cm. – (Redução de Riscos de Desastres na Prática)

1. Riscos - desastres. 2. Gestão. I. Furtado, Janaina Rocha. II. Universidade Federal de Santa Catarina. III. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres. IV. Título.

CDU 504.4

Catalogação na fonte por Graziela Bonin CRB – 14/1191.

Esta obra é distribuída por meio da Licença Creative Commons 3.0Atribuição/Uso Não Comercial/Vedada a Criação de Obras Derivadas / 3.0 / Brasil.

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a falar sobre análise, gestão e percepção de riscos. Recentemente,

com a divulgação das obras do sociólogo Ulrich Beck, a noção de

risco se estendeu amplamente às condições de existência devido a

uma nova geração de riscos, que aparecem disseminados com as

transformações do mundo moderno (BECK, 1992)1. A partir da aná-

lise destas modificações, o autor designou a sociedade atual como

sociedade global de risco.

Atualmente, os discursos sobre os riscos vão além da perspec-

tiva puramente técnica, incluindo os aspectos sociais e culturais,

que permitem compreender os fenômenos e cenários como sendo

de risco ou não. Em contextos sociais diversos é possível encontrar

diferentes percepções sobre o que é risco.

Será que todos percebem que uma área é suscetível a inundação

antes da inundação acontecer?

1 BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. London: Sage Publications Ltd, 1992.

Percepção de Riscos

A percepção é o processo de interpretar, organizar e selecionar os

estímulos e informações que recebemos do ambiente em que esta-

mos inseridos. Todo ser humano tem a capacidade da percepção, a

qual está relacionada aos seus processos cognitivos, e afetivos, cons-

tituindo os seus comportamentos. Como processo, a percepção se

transforma, se desenvolve, se amplia, a depender da qualidade das

relações dos seres humanos uns com os outros e deles com o meio

ambiente. Então, não está pronta e nem acabada, a percepção muda!

As percepções sobre a realidade estão relacionadas com o modo

como aprendemos a ver o mundo, a partir de nossas experiências

anteriores e, também, do modo como fomos educados. Por isso, a

percepção é efeito da cultura e determina nossos comportamentos,

orientando nossa tomada de decisão referente ao que se percebe.

O risco não é um mero estímulo físico objetivo que pode ou

não ser percebido independente das pessoas que o vêem. O ris-

co e a percepção de risco são resultados de construções sociais,

tendo uma dimensão física, subje-

tiva e multidimensional. Enquanto

processo, se mantêm imbricado a

ele atitudes, valores, crenças, mo-

tivações, sentimentos e normas, in-

Princípio da figura e fundo. Percebemos um vaso ou duas faces se entreolhando, dependen-

do da escolha do que é figura e o que é fundo. O cérebro seleciona e categoriza o que deve ser percebido e memorizado, o que é figura e o que

é fundo, de forma diferente nas diversas cul-turas. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/

wiki/Percep%C3%A7%C3%A3o>.

Chuva vista de casa de ribeirinhos a beira do Rio Purus, 07/03/2009. Foto de TIAGO QUEIROZ/AE. Dis-ponível em: <http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/amazonia-de-euclides/euclides-9/>.

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fluenciando na forma de entender o risco ou a fonte de risco prová-

vel, seja ela tecnológica, ambiental ou social (KUHEN, 2009)2.

2 KUHNEN, Ariane. Meio ambiente e vulnerabilidade a percepção ambiental de risco e o comporta-mento humano. Revista Geografia, Londrina, v. 18, n. 2, 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/>.

Percepção de Riscos na Comunidade:

Î Cada comunidade constrói de maneira específica o universo dos

significados, privilegiando explicações e encorajando certos tipos de

reações e ações frente aos riscos. Necessário reconhecer os ritos exis-

tentes na comunidade pra lidar com os riscos a que estão expostas;

Î As pessoas selecionam os riscos que devem dar importância e os

que não dão;

Î Não há uma relação direta entre o conhecimento dos riscos e peri-

gos e a utilização de medidas de proteção efetivas;

Î A existência de uma elaboração de que o que é invisível não traz

riscos;

Î Presença de viés otimista: não serei afetado pelo risco;

Î A literatura esclarece que a aceitação das novas práticas para ges-

tão do risco depende de sua possibilidade de integração às práticas

vigentes;

Î As mudanças são vinculadas a benefícios, tais como maior produ-

ção e melhores oportunidades, elas são avaliadas como positivas e

os indivíduos são propensos a minimizar seus riscos;

Î Comum é a crença de que as organizações e mídia exageram os riscos;

Î Negam o risco que não tem condições de controle, por isso a sua

percepção depende da estratégias de adaptação e possibilidade

de controle sobre a realidade.

O modo como as pessoas percebem os fatores de riscos e o quan-

to estão vulneráveis aos mesmos influencia os seus comportamen-

to de autocuidado e proteção, e na constituição de uma cultura de

redução de riscos.

Cultura de Redução de Riscos

Por cultura de redução de riscos se entende um conjunto de

práticas sociais acerca da proteção social com relação aos riscos.

Trata-se, portanto, de hábitos e comportamentos que promovam à

redução de riscos, por meio da minimização das ameaças e vulne-

rabilidades, potencialização das capacidades e garantia de proteção

e segurança social.

Privilegiar uma cultura de redução de riscos é promover e va-

lorizar ações que ajudem a minimizar os riscos no contexto local

e global, a partir de um modelo de desenvolvimento econômico,

social e ambientalmente sustentável, da redução das vulnerabilida-

des, da igualdade de gênero, da ocupação e uso adequado do solo,

entre outros fatores, da promoção de qualidade de vida.

Riscos de Desastre

Em virtude de um conjunto de aspectos, naturais e sociais, as

sociedades estão vivenciando com mais freqüência os riscos de de-

sastre. Os desastres se caracterizam como

uma séria interrupção no funcionamento de uma co-

munidade ou sociedade que ocasiona uma grande

quantidade de mortes e igual perda e impactos mate-

riais, econômicos e ambientais que excedem a capaci-

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dade de uma comunidade ou a sociedade afetada para

fazer frente à situação mediante o uso de seus próprios

recursos. (EIRD, 2004, p. 13-14)3.

Os desastres ocorrem como efeito da conjunção de diferentes

fatores que impactam de diferentes formas os grupos sociais. De

modo geral, há uma relação estreita entre os desastres e o modelo

de desenvolvimento mundialmente adotado, baseado na intensa

exploração dos recursos naturais, no consumo de bens e serviços,

na produção de resíduos, entre outras características, que intensi-

ficam o processo de vulnerabilização das populações frente à ocor-

rência de eventos extremos.

Os desastres não são meramente produtos da natureza, mas

construídos socialmente (LAVELL, 2000)4. Podemos refletir sobre a

ocorrência deles e adotar medidas, a fim de reduzir seus efeitos ou

minimizar os riscos.

Por risco de desastre entende-se a probabilidade de ocorrência

de um evento adverso, causando danos e prejuízos. A magnitude

do risco é diretamente proporcional à magnitude da vulnerabilidade.

Para reduzir os riscos de desastres é necessário atuar sobre a rela-

ção entre os seus componentes: ameaças e vulnerabilidades. A ame-

aça se caracteriza pelo evento ou fenômeno que provoca o desastre

como, por exemplo, chuva intensa. Contudo, chuvas intensas em alto

mar não são ameaças quando não afetam pessoas. Tornam-se amea-

3 ESTRATÉGIA INTERNACIONAL DE REDUÇÃO DE DESASTRES – EIRD/ONU. Vivir com el riesgo: informe mundial sobre iniciativas para La reducción de desastres. Nações Unidas (EIRD/ONU): Secretaria Interinstitucinal de La EIRD, 2004.

4 LAVELL, Allan. Desastres y desarrollo: hacia un entendimiento de las formas de construcción social de un desastre: el caso de mitch en centroamérica. In: GARITA, Nora; NOWALSKI, Jorge. Del desastre al desarrollo sostenible: huracán mitch en centroamérica. San Jose, Costa Rica: BID, CIDHS, 2000.

ças quando incidem sobre um cenário vulnerável. Assim, ameaças e

vulnerabilidades se constituem mutuamente e a sua relação compõe

o grau de risco de desastre de uma determinada área socioterritorial.

Neste sentido, utiliza-se a fórmula:

Risco = ameaças X vulnerabilidades

Alguns fatores de vulnerabilidade que aumentam o risco de

desastre em contextos urbanos são: aumento da densidade demo-

gráfica e assentamentos precários; políticas de habitação urbana;

degradação ambiental; ineficiência de políticas de proteção social;

ocupação inadequada do solo; inexistência de planejamentos urba-

nísticos; ausência de mapeamentos de risco e de Planos Municipais

de Redução de Riscos; segregação espacial.

Casas conjugadas, com baixa infraestrutura, em área íngreme e suscetível a deslizamentos, Florianópolis. (CEPED UFSC, 2009).

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Para reduzir os riscos de desastres é necessário intervir nesta re-

lação entre ameaças e vulnerabilidades, ampliando as capacidades

das populações para enfrentar eventos extremos. Como ferramenta e

como política pode-se desenvolver processos de gestão local de riscos.

Gestão de Riscos de Desastre

Gestão de Riscos de Desastre é um processo social complexo cujo

fim último é a redução ou previsão e controle permanente de riscos

na sociedade (CEPREDENAC - PNUD 2003)5. Um componente deste

processo é a identificação e instrumentação de soluções concretas

a cenários de riscos diversos. Os cenários de risco de uma comuni-

dade ou município podem ser representados por um mapa de risco,

que é uma representação gráfica e escrita das condições de risco

determinadas pelas ameaças e vulnerabilidades existentes no lugar.

Para desenvolver um

adequado processo de

gestão de riscos é necessá-

rio contar com capacida-

des locais para gerenciar

os riscos e resgatar as ex-

periências passadas.

5 CEPREDENAC – PNUD. La gestión local del riesgo: nociones y precisiones em torno al con-cepto y la prática. Programa Regional para la Gestión del Riesgo en América Central. Guatemala, 2003. Disponível em: <http://www.desenredando.org/public/libros/2006/ges_loc_riesg/gestion_riesgo_espanol.pdf>.

A gestão de risco pode ser corretiva e/ou prospectiva, e deve pro-

mover a melhoria da qualidade de vida da população. Na gestão

corretiva, as ações devem intervir sobre o risco já existente, produto

de ações sociais diversas realizadas no passado. É importante que a

gestão corretiva não se caracterize, apenas, por ações pontuais e iso-

ladas sobre um cenário de risco eminente, mas possibilite intervir

sobre este contexto buscando desenvolver práticas transformadoras

na relação entre os seres humanos e os espaços em que vivem.

A gestão prospectiva se desenvolve, por sua vez, em função do

risco ainda não existente, que pode ser previsto por meio de um

processo de planejamento adequado. A sua prática tem o objetivo

de evitar os erros do passado, estando estreitamente alicerçada ao

planejamento e desenvolvimento locais.

Elaboração de mapa de risco comunitário na comunida-de do Pirajubaé, Florianópolis. (CEPED UFSC, 2009).

20

MAPA 01Mapa de risco, Plano Municipal de Redução de Riscos de Florianópolis. (CEPED UFSC/IPT, 2007).

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Entre as etapas de um processo de gestão de riscos, incluem-se:

A gestão local de riscos de desastre está relacionada ao pro-

cesso de redução de riscos com foco nas comunidades. O local

não se restringe aos limites do município, tendo a gestão de ris-

co que se articular em outros níveis territoriais e sociais. O local

é, muitas vezes, o depositário do risco, mas não, necessariamen-

te, seu único produtor. Por vezes, o risco que se apresenta em

uma comunidade está relacionado a processos que ocorrem em

outra localidade.

O processo de gestão dimensiona os riscos objetivos, consi-

dera os riscos subjetivos e diferencia os diversos fatores que,

interrelacionados, os produzem. O processo de gestão depende,

ainda, de decisões políticas intersetoriais, nos diferentes níveis

de abrangência.

Dimensionamento objetivo dos riscos existentes

e futuros

Postulação de políticas e estratégias de intervenção e tomada de decisões

(negociações)

Implementação de estratégias e projetos

concretos, de avaliação e retroalimentação

Determinação dos níveis de risco

aceitáveis

Algumas etapas de um processo de gestão local de riscos:

1. Identificar e mobilizar os atores sociais que devem se engajar no

processo de gestão local de riscos. (Necessário engajar a comuni-

dade e o poder municipal nas ações).

2. Identificar os diferentes cenários de risco (ameaças e vulnera-

bilidades) e caracterizar o território socioespacial em que se

apresentam;

3. Caracterizar as populações que habitam áreas com risco (identifi-

car os grupos vulneráveis, produzir informação setorizada);

4. Compreender quais os processos estão relacionados com a pro-

dução dos riscos;

5. Identificar quais as medidas de enfrentamento ao risco já estão

sendo utilizadas pelas pessoas do local;

6. Criar e Implementar políticas, estratégias, programas ou ações

para reduzir os riscos;

• Definição de papéis, funções e responsabilidades;

• Adoção de um caráter descentralizado de poder e decisão;

• Tenha acesso integral e seja intervenção transversal;

• Utilize as estruturas e organizações já existentes;

• Considere, sempre que possível, as ações de enfrentamento

implantadas;

• Faça parte de um processo de gestão do desenvolvimento se-

torial e territorial, do ambiente e da sustentabilidade em geral;

• Componha ações articuladas e com possibilidade de conti-

nuidade.

7. Monitoramento, avaliação e estratégias de permanência do pro-

cesso de gestão local de riscos.

14 • G estão de R iscos de D esast re

Um processo de gestão de riscos, implementado de forma dinâ-

mica e orgânica, com a participação das comunidades locais garan-

tirá a redução dos riscos de desastres.

Redução de Riscos de Desastre

Refere-se ao desenvolvimento e aplicação de políticas, estraté-

gias e práticas para minimizar as vulnerabilidades e os riscos de

desastres de uma sociedade.

Algumas perguntas para refletir sobre projetos de Redução de

Riscos de Desastre e processo de gestão de riscos:

Î Quais os diferentes fatores que se articulam na produção do risco?

Î Quais os processos e atores a serem envolvidos?

Î Quais as características de desenvolvimento econômico e social que

explicam as vulnerabilidades?

Î Quais as possibilidades de riscos futuros?

Î Quem são os atores locais, organizados ou individuais, que devem par-

ticipar do processo de gestão?

Lembre-se que uma comunidade enfrenta simultaneamente a

existência de distintos tipos de ameaças e que este local não é um

espaço homogêneo, equilibrado e sem conflitos. Ao contrário, di-

ferentes percepções, práticas, valores, comportamentos e conflitos

se apresentam em um contexto de risco. As práticas de gestão de

risco devem considerar estes aspectos para promover um processo

integral, participativo e eficaz junto às comunidades e os demais

atores sociais necessários.