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Risco: um conceito moderno
A introdução da noção de risco é bastante recente na história
da humanidade. Foi apenas no século XIX, com as transformações
advindas da Revolução Industrial, no mundo do trabalho e com o
desenvolvimento de tecnologias, que se passou a falar acerca dos
riscos e das condições que os produzem.
Gestão de Riscos de Desastre
Linha de montagem de uma fábrica de automóveis. Disponível em: <http://hid0141.blogspot.com.br/2011/04/revolucao-do-automovel.html>.
Com a sociedade industrial, tornou-se necessário garantir o con-
trole dos riscos possíveis, criando-se um conjunto de normas disci-
plinares e técnicas para conter a ocorrência de acidentes. Passou-se
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Reitora da Universidade Federal de Santa Catarina
Professora Roselane Neckel, Drª.
Diretor do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina
Professor Sebastião Roberto Soares, Dr.
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E
PESQUISAS SOBRE DESASTRES
Diretor Geral Professor Antônio Edesio Jungles, Dr.
Diretor Técnico e de Ensino Professor Marcos Baptista Lopez Dalmau, Dr.
Diretor de Articulação Institucional Professor Irapuan Paulino Leite, Msc.
FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA E
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Superintendente Geral Professor Pedro da Costa Araújo, Dr.
EXECUÇÃO
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES
Coordenação do ProjetoProfessor Antônio Edésio Jungles, Dr.
Coordenação ExecutivaJanaina Rocha Furtado
Elaboração de ConteúdoJanaina Rocha Furtado
Capa, Projeto Gráfico e DiagramaçãoSTUDIO S Diagramação & Arte Visual(48) 3025-3070 | [email protected]
Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres.
Gestão de riscos de desastres / texto Janaina Rocha Furtado. - Florianópolis: CEPED UFSC, 2012.
14 p. : il. color. ; 21 cm. – (Redução de Riscos de Desastres na Prática)
1. Riscos - desastres. 2. Gestão. I. Furtado, Janaina Rocha. II. Universidade Federal de Santa Catarina. III. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres. IV. Título.
CDU 504.4
Catalogação na fonte por Graziela Bonin CRB – 14/1191.
Esta obra é distribuída por meio da Licença Creative Commons 3.0Atribuição/Uso Não Comercial/Vedada a Criação de Obras Derivadas / 3.0 / Brasil.
w w w.ceped.ufsc.br • 54 • G estão de R iscos de D esast re
a falar sobre análise, gestão e percepção de riscos. Recentemente,
com a divulgação das obras do sociólogo Ulrich Beck, a noção de
risco se estendeu amplamente às condições de existência devido a
uma nova geração de riscos, que aparecem disseminados com as
transformações do mundo moderno (BECK, 1992)1. A partir da aná-
lise destas modificações, o autor designou a sociedade atual como
sociedade global de risco.
Atualmente, os discursos sobre os riscos vão além da perspec-
tiva puramente técnica, incluindo os aspectos sociais e culturais,
que permitem compreender os fenômenos e cenários como sendo
de risco ou não. Em contextos sociais diversos é possível encontrar
diferentes percepções sobre o que é risco.
Será que todos percebem que uma área é suscetível a inundação
antes da inundação acontecer?
1 BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. London: Sage Publications Ltd, 1992.
Percepção de Riscos
A percepção é o processo de interpretar, organizar e selecionar os
estímulos e informações que recebemos do ambiente em que esta-
mos inseridos. Todo ser humano tem a capacidade da percepção, a
qual está relacionada aos seus processos cognitivos, e afetivos, cons-
tituindo os seus comportamentos. Como processo, a percepção se
transforma, se desenvolve, se amplia, a depender da qualidade das
relações dos seres humanos uns com os outros e deles com o meio
ambiente. Então, não está pronta e nem acabada, a percepção muda!
As percepções sobre a realidade estão relacionadas com o modo
como aprendemos a ver o mundo, a partir de nossas experiências
anteriores e, também, do modo como fomos educados. Por isso, a
percepção é efeito da cultura e determina nossos comportamentos,
orientando nossa tomada de decisão referente ao que se percebe.
O risco não é um mero estímulo físico objetivo que pode ou
não ser percebido independente das pessoas que o vêem. O ris-
co e a percepção de risco são resultados de construções sociais,
tendo uma dimensão física, subje-
tiva e multidimensional. Enquanto
processo, se mantêm imbricado a
ele atitudes, valores, crenças, mo-
tivações, sentimentos e normas, in-
Princípio da figura e fundo. Percebemos um vaso ou duas faces se entreolhando, dependen-
do da escolha do que é figura e o que é fundo. O cérebro seleciona e categoriza o que deve ser percebido e memorizado, o que é figura e o que
é fundo, de forma diferente nas diversas cul-turas. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/
wiki/Percep%C3%A7%C3%A3o>.
Chuva vista de casa de ribeirinhos a beira do Rio Purus, 07/03/2009. Foto de TIAGO QUEIROZ/AE. Dis-ponível em: <http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/amazonia-de-euclides/euclides-9/>.
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fluenciando na forma de entender o risco ou a fonte de risco prová-
vel, seja ela tecnológica, ambiental ou social (KUHEN, 2009)2.
2 KUHNEN, Ariane. Meio ambiente e vulnerabilidade a percepção ambiental de risco e o comporta-mento humano. Revista Geografia, Londrina, v. 18, n. 2, 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/>.
Percepção de Riscos na Comunidade:
Î Cada comunidade constrói de maneira específica o universo dos
significados, privilegiando explicações e encorajando certos tipos de
reações e ações frente aos riscos. Necessário reconhecer os ritos exis-
tentes na comunidade pra lidar com os riscos a que estão expostas;
Î As pessoas selecionam os riscos que devem dar importância e os
que não dão;
Î Não há uma relação direta entre o conhecimento dos riscos e peri-
gos e a utilização de medidas de proteção efetivas;
Î A existência de uma elaboração de que o que é invisível não traz
riscos;
Î Presença de viés otimista: não serei afetado pelo risco;
Î A literatura esclarece que a aceitação das novas práticas para ges-
tão do risco depende de sua possibilidade de integração às práticas
vigentes;
Î As mudanças são vinculadas a benefícios, tais como maior produ-
ção e melhores oportunidades, elas são avaliadas como positivas e
os indivíduos são propensos a minimizar seus riscos;
Î Comum é a crença de que as organizações e mídia exageram os riscos;
Î Negam o risco que não tem condições de controle, por isso a sua
percepção depende da estratégias de adaptação e possibilidade
de controle sobre a realidade.
O modo como as pessoas percebem os fatores de riscos e o quan-
to estão vulneráveis aos mesmos influencia os seus comportamen-
to de autocuidado e proteção, e na constituição de uma cultura de
redução de riscos.
Cultura de Redução de Riscos
Por cultura de redução de riscos se entende um conjunto de
práticas sociais acerca da proteção social com relação aos riscos.
Trata-se, portanto, de hábitos e comportamentos que promovam à
redução de riscos, por meio da minimização das ameaças e vulne-
rabilidades, potencialização das capacidades e garantia de proteção
e segurança social.
Privilegiar uma cultura de redução de riscos é promover e va-
lorizar ações que ajudem a minimizar os riscos no contexto local
e global, a partir de um modelo de desenvolvimento econômico,
social e ambientalmente sustentável, da redução das vulnerabilida-
des, da igualdade de gênero, da ocupação e uso adequado do solo,
entre outros fatores, da promoção de qualidade de vida.
Riscos de Desastre
Em virtude de um conjunto de aspectos, naturais e sociais, as
sociedades estão vivenciando com mais freqüência os riscos de de-
sastre. Os desastres se caracterizam como
uma séria interrupção no funcionamento de uma co-
munidade ou sociedade que ocasiona uma grande
quantidade de mortes e igual perda e impactos mate-
riais, econômicos e ambientais que excedem a capaci-
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dade de uma comunidade ou a sociedade afetada para
fazer frente à situação mediante o uso de seus próprios
recursos. (EIRD, 2004, p. 13-14)3.
Os desastres ocorrem como efeito da conjunção de diferentes
fatores que impactam de diferentes formas os grupos sociais. De
modo geral, há uma relação estreita entre os desastres e o modelo
de desenvolvimento mundialmente adotado, baseado na intensa
exploração dos recursos naturais, no consumo de bens e serviços,
na produção de resíduos, entre outras características, que intensi-
ficam o processo de vulnerabilização das populações frente à ocor-
rência de eventos extremos.
Os desastres não são meramente produtos da natureza, mas
construídos socialmente (LAVELL, 2000)4. Podemos refletir sobre a
ocorrência deles e adotar medidas, a fim de reduzir seus efeitos ou
minimizar os riscos.
Por risco de desastre entende-se a probabilidade de ocorrência
de um evento adverso, causando danos e prejuízos. A magnitude
do risco é diretamente proporcional à magnitude da vulnerabilidade.
Para reduzir os riscos de desastres é necessário atuar sobre a rela-
ção entre os seus componentes: ameaças e vulnerabilidades. A ame-
aça se caracteriza pelo evento ou fenômeno que provoca o desastre
como, por exemplo, chuva intensa. Contudo, chuvas intensas em alto
mar não são ameaças quando não afetam pessoas. Tornam-se amea-
3 ESTRATÉGIA INTERNACIONAL DE REDUÇÃO DE DESASTRES – EIRD/ONU. Vivir com el riesgo: informe mundial sobre iniciativas para La reducción de desastres. Nações Unidas (EIRD/ONU): Secretaria Interinstitucinal de La EIRD, 2004.
4 LAVELL, Allan. Desastres y desarrollo: hacia un entendimiento de las formas de construcción social de un desastre: el caso de mitch en centroamérica. In: GARITA, Nora; NOWALSKI, Jorge. Del desastre al desarrollo sostenible: huracán mitch en centroamérica. San Jose, Costa Rica: BID, CIDHS, 2000.
ças quando incidem sobre um cenário vulnerável. Assim, ameaças e
vulnerabilidades se constituem mutuamente e a sua relação compõe
o grau de risco de desastre de uma determinada área socioterritorial.
Neste sentido, utiliza-se a fórmula:
Risco = ameaças X vulnerabilidades
Alguns fatores de vulnerabilidade que aumentam o risco de
desastre em contextos urbanos são: aumento da densidade demo-
gráfica e assentamentos precários; políticas de habitação urbana;
degradação ambiental; ineficiência de políticas de proteção social;
ocupação inadequada do solo; inexistência de planejamentos urba-
nísticos; ausência de mapeamentos de risco e de Planos Municipais
de Redução de Riscos; segregação espacial.
Casas conjugadas, com baixa infraestrutura, em área íngreme e suscetível a deslizamentos, Florianópolis. (CEPED UFSC, 2009).
w w w.ceped.ufsc.br • 1110 • G estão de R iscos de D esast re
Para reduzir os riscos de desastres é necessário intervir nesta re-
lação entre ameaças e vulnerabilidades, ampliando as capacidades
das populações para enfrentar eventos extremos. Como ferramenta e
como política pode-se desenvolver processos de gestão local de riscos.
Gestão de Riscos de Desastre
Gestão de Riscos de Desastre é um processo social complexo cujo
fim último é a redução ou previsão e controle permanente de riscos
na sociedade (CEPREDENAC - PNUD 2003)5. Um componente deste
processo é a identificação e instrumentação de soluções concretas
a cenários de riscos diversos. Os cenários de risco de uma comuni-
dade ou município podem ser representados por um mapa de risco,
que é uma representação gráfica e escrita das condições de risco
determinadas pelas ameaças e vulnerabilidades existentes no lugar.
Para desenvolver um
adequado processo de
gestão de riscos é necessá-
rio contar com capacida-
des locais para gerenciar
os riscos e resgatar as ex-
periências passadas.
5 CEPREDENAC – PNUD. La gestión local del riesgo: nociones y precisiones em torno al con-cepto y la prática. Programa Regional para la Gestión del Riesgo en América Central. Guatemala, 2003. Disponível em: <http://www.desenredando.org/public/libros/2006/ges_loc_riesg/gestion_riesgo_espanol.pdf>.
A gestão de risco pode ser corretiva e/ou prospectiva, e deve pro-
mover a melhoria da qualidade de vida da população. Na gestão
corretiva, as ações devem intervir sobre o risco já existente, produto
de ações sociais diversas realizadas no passado. É importante que a
gestão corretiva não se caracterize, apenas, por ações pontuais e iso-
ladas sobre um cenário de risco eminente, mas possibilite intervir
sobre este contexto buscando desenvolver práticas transformadoras
na relação entre os seres humanos e os espaços em que vivem.
A gestão prospectiva se desenvolve, por sua vez, em função do
risco ainda não existente, que pode ser previsto por meio de um
processo de planejamento adequado. A sua prática tem o objetivo
de evitar os erros do passado, estando estreitamente alicerçada ao
planejamento e desenvolvimento locais.
Elaboração de mapa de risco comunitário na comunida-de do Pirajubaé, Florianópolis. (CEPED UFSC, 2009).
20
MAPA 01Mapa de risco, Plano Municipal de Redução de Riscos de Florianópolis. (CEPED UFSC/IPT, 2007).
w w w.ceped.ufsc.br • 1312 • G estão de R iscos de D esast re
Entre as etapas de um processo de gestão de riscos, incluem-se:
A gestão local de riscos de desastre está relacionada ao pro-
cesso de redução de riscos com foco nas comunidades. O local
não se restringe aos limites do município, tendo a gestão de ris-
co que se articular em outros níveis territoriais e sociais. O local
é, muitas vezes, o depositário do risco, mas não, necessariamen-
te, seu único produtor. Por vezes, o risco que se apresenta em
uma comunidade está relacionado a processos que ocorrem em
outra localidade.
O processo de gestão dimensiona os riscos objetivos, consi-
dera os riscos subjetivos e diferencia os diversos fatores que,
interrelacionados, os produzem. O processo de gestão depende,
ainda, de decisões políticas intersetoriais, nos diferentes níveis
de abrangência.
Dimensionamento objetivo dos riscos existentes
e futuros
Postulação de políticas e estratégias de intervenção e tomada de decisões
(negociações)
Implementação de estratégias e projetos
concretos, de avaliação e retroalimentação
Determinação dos níveis de risco
aceitáveis
Algumas etapas de um processo de gestão local de riscos:
1. Identificar e mobilizar os atores sociais que devem se engajar no
processo de gestão local de riscos. (Necessário engajar a comuni-
dade e o poder municipal nas ações).
2. Identificar os diferentes cenários de risco (ameaças e vulnera-
bilidades) e caracterizar o território socioespacial em que se
apresentam;
3. Caracterizar as populações que habitam áreas com risco (identifi-
car os grupos vulneráveis, produzir informação setorizada);
4. Compreender quais os processos estão relacionados com a pro-
dução dos riscos;
5. Identificar quais as medidas de enfrentamento ao risco já estão
sendo utilizadas pelas pessoas do local;
6. Criar e Implementar políticas, estratégias, programas ou ações
para reduzir os riscos;
• Definição de papéis, funções e responsabilidades;
• Adoção de um caráter descentralizado de poder e decisão;
• Tenha acesso integral e seja intervenção transversal;
• Utilize as estruturas e organizações já existentes;
• Considere, sempre que possível, as ações de enfrentamento
implantadas;
• Faça parte de um processo de gestão do desenvolvimento se-
torial e territorial, do ambiente e da sustentabilidade em geral;
• Componha ações articuladas e com possibilidade de conti-
nuidade.
7. Monitoramento, avaliação e estratégias de permanência do pro-
cesso de gestão local de riscos.
14 • G estão de R iscos de D esast re
Um processo de gestão de riscos, implementado de forma dinâ-
mica e orgânica, com a participação das comunidades locais garan-
tirá a redução dos riscos de desastres.
Redução de Riscos de Desastre
Refere-se ao desenvolvimento e aplicação de políticas, estraté-
gias e práticas para minimizar as vulnerabilidades e os riscos de
desastres de uma sociedade.
Algumas perguntas para refletir sobre projetos de Redução de
Riscos de Desastre e processo de gestão de riscos:
Î Quais os diferentes fatores que se articulam na produção do risco?
Î Quais os processos e atores a serem envolvidos?
Î Quais as características de desenvolvimento econômico e social que
explicam as vulnerabilidades?
Î Quais as possibilidades de riscos futuros?
Î Quem são os atores locais, organizados ou individuais, que devem par-
ticipar do processo de gestão?
Lembre-se que uma comunidade enfrenta simultaneamente a
existência de distintos tipos de ameaças e que este local não é um
espaço homogêneo, equilibrado e sem conflitos. Ao contrário, di-
ferentes percepções, práticas, valores, comportamentos e conflitos
se apresentam em um contexto de risco. As práticas de gestão de
risco devem considerar estes aspectos para promover um processo
integral, participativo e eficaz junto às comunidades e os demais
atores sociais necessários.