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XXVIII - SIMPÓSIO CATARINENSE DE ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO Gestão da Escola e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) Florianópolis, SC, 17 a 19 de outubro de 2016.

Gestão da Escola e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) · entre cultura comum e valorização da diferença/diversidade. E, ainda, pôr em pauta a questão da autonomia escolar

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XXVIII - SIMPÓSIO CATARINENSE DE ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Gestão da Escola e a Base Nacional

Curricular Comum (BNCC)

Florianópolis, SC, 17 a 19 de outubro de 2016.

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Organização:

Eloi Zambon

João Carlos da Gama

Revisão:

Heloisa Costa

Editoração eletrônica:

Ficha catalográfica

Elaborada por Heloisa Costa – CRB 14/977

G335

Gestão da Escola e a BNCC: Base Nacional Curricular Comum / Eloi

Zambon (Org.); Juares da Silva Thiesen... [et al.] – Florianópolis:

AAESC; 2016. 120 f.; il; 32 cm. Bibliografia. ISSN 1677-3802 - AAESC

1. Gestão Escolar. 2. Base Nacional Curricular Comum. 3. BNCC 4. Formação de professores. I. Título.

CDU 37.014.5 CDD 371.207

Nota: Os textos aqui publicados são de inteira responsabilidade dos autores.

Anais do XXVIII Simpósio Catarinense de Administração da Educação/AAESC

Florianópolis, outubro de 2016. Gestão da Escola e a BNCC

Base Nacional Curricular Comum

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APRESENTAÇÃO

A Associação dos Administradores Escolares de Santa Catarina (AAESC), por meio

desta publicação disponibiliza aos seus associados, participantes e demais interessados, a

coletânea de trabalhos, estudos socializados no XXVIII Simpósio Catarinense de

Administração da Educação, realizado no período de 17 a 19 de outubro de 2016, no

Auditório Tito Sena do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED) da Universidade

do Estado de Santa Catarina (UDESC), na cidade de Florianópolis, SC. Esta publicação

compõe texto de conferência de abertura, palestras, estudos, artigos completos das

apresentações realizadas nas mesas.

Neste ano de 2016, estamos comemorando com muita satisfação a marca de 28 (vinte

e oito) simpósios realizados no Estado de Santa Catarina. Sem dúvida, este é o resultado de

muito trabalho e dedicação por tudo aquilo que acreditamos, principalmente numa educação

de qualidade para todos.

A realização deste evento é uma conquista da nossa Associação que nos deixa

orgulhosos e nos impulsiona a trabalhar ainda mais para alcançar com maior excelência

nossos objetivos. Nossa missão na AAESC é de representar nossos associados e contribuir

para a formação e aperfeiçoamento da Categoria e de todos os Profissionais da Educação.

A Associação dos Administradores Escolares de Santa Catarina (AAESC) tem unido

esforços, através de parcerias com outras instituições educacionais para garantir e oportunizar

aos seus associados e a todos os Profissionais de Educação do Estado de Santa Catarina a

participação em eventos como este que, com vistas à melhoria da Gestão Escolar.

A escolha da temática, “Gestão da Escolar e a Base Nacional Comum Curricular”

(BNCC), deve-se ao enfoque especial sobre os novos desafios que demandam a Educação

Brasileira e também quanto à aplicabilidade e execução dos Planos Nacional, Estadual e

Municipais de Educação, refletindo as implicações e perspectivas no contínuo processo de

educação e sem dúvida a dimensão que ocupa a Gestão Escolar nos diversos sistemas de

ensino.

A realização deste evento é o resultado do esforço de diversas Instituições: Associação

dos Administradores Escolares de Santa Catarina (AAESC) Universidade do Estado de Santa

Catarina (UDESC), através do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED),

Secretaria de Estado da Educação (SED), Coordenadoria Regional da Grande Florianópolis,

Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis (SME).

Ao apresentar os textos que compõem este livro, é nosso desejo que o mesmo possa

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ser útil àqueles, que como nós, acreditam na educação como meio de libertação para a

cidadania, e que as reflexões sejam demonstração do quanto ainda é necessário para

alcançarmos o patamar que desejamos, uma educação com qualidade.

Fica aqui registrado, em nome das entidades organizadoras o agradecimento a todos os

participantes do evento e, em particular, àqueles que enviaram seus trabalhos, contribuindo

assim para enriquecer as reflexões acerca da temática – “Gestão da Escolar e a Base Nacional

Comum Curricular”.

Eloi Zambon

Presidente da AAESC

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SUMÁRIO

CONFERÊNCIA DE ABERTURA 6

A GESTÃO DA ESCOLA E A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

(BNCC) – Juares da Silva Thiesen.................................................................................... 7

EIXO TEMÁTICO I – A GESTÃO DA ESCOLA E A BASE NACIONAL

COMUM CURRICULAR (BNCC) 14

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: CONHECENDO A TRAJETÓRIA

DA ARTICULAÇÃO E COORDENAÇÃO NO ESTADO DE SANTA CATARINA -

Julia Siqueira da Rocha; Viviane Silva da Rosa; Margarete da Rosa Vieira; Adriana

Mafra Marghoti........................................................................................................ 15

GESTÃO DEMOCRÁTICA ENTRE A ILUSÃO E A UTOPIA - Elcio Alberton......... 23

EIXO TEMÁTICO II – PERSPECTIVAS E DESAFIOS NA GESTÃO DA

ESCOLA 33

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: PERSPECTIVAS E DESAFIOS

NA GESTÃO DA ESCOLA - Vânio Cesar Seemann....................................................... 34

GESTÃO DEMOCRÁTICA: UM NOVO OLHAR PARA A EDUCAÇÃO

CATARINENSE - Lauro Roberto Lostada....................................................................... 44

O FRACASSO DO COMPARATIVISMO AVALIADOR EM ESCOLAS PÚBLICAS

MUNICIPAIS CATARINENSES E PARANAENSES - Carlos Eduardo Moreira.......... 55

BREVE ELOQUÊNCIA ACERCA DA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E A BASE

NACIONAL COMUM CURRICULAR - Carlos Antônio de Souza Caldas.................... 67

EIXO TEMÁTICO III – PROPOSTAS E PROJETOS INOVADORES NA

PERSPECTIVA DA BNCC 76

SOCIEDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO – GESTÃO ESCOLAR, BNCC UMA

CRISE ANUNCIADA - Lorival Bento de Andrade Junior.......................................... 77

ADOLESCENTES NA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO E O SEXTING:

RELAÇÕES PERIGOSAS? UM ESTUDO EXPLORATÓRIO NA BUSCA DE

SUBSÍDIOS PARA PROGRAMAS DE PREVENÇÃO - Camila Detoni Sá de

Figueiredo....................................................................................................................... 86

REDESENHANDO O CENÁRIO DA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-

RACIAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DA GRANDE

FLORIANÓPOLIS - Natália Cristina de Oliveira Meneghetti......................................... 94

CONTRIBUIÇÕES DA EDUCOMUNICAÇÃO PARA A ESCOLA COMO ESPAÇO

DE INOVAÇÃO - Raquel Regina Zmorzenski Valduga Schöninger; Roberta Fantin

Schnell.................................................................................................................... 102

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CURRÍCULO, GOSTO E ESPAÇOS DE CRIAÇÃO HUMANA - Lúcia Schneider

Hardt...................................................................................................................... 108

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CONFERÊNCIA DE ABERTURA

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A GESTÃO DA ESCOLA E A BASE NACIONAL COMUM

CURRICULAR

Juares da Silva Thiesen1

Nada mais pertinente para tematizar o XXVIII Simpósio de Administração da

Educação do que a problemática da gestão escolar, implicada que se encontra nos

movimentos e contextos de constituição do texto da Base Nacional Comum Curricular.

Destaque-se a atualidade, a relevância e a pertinência deste debate que envolve questões nos

planos social, educacional e curricular porque diz respeito à vida e à formação das pessoas,

fazendo emergir, por sua importância, os tensionamentos que habitam nestes territórios.

Os atuais contextos socioeconômicos fortemente marcados pela força das novas redes

políticas em escala transnacional (BALL, 2014) mobilizam arranjos e alinhamentos na

conexão estado-mercado-educação e colocam a gestão educacional e escolar na mira de

muitos interesses desde as escalas locais até a global. Mais que nunca a gestão e o currículo se

convertem em campos estratégicos tendo em vista que representam espaços onde se travam as

lutas por hegemonização de sentidos e regimes de verdade, movimentos constitutivos das

dinâmicas das correlações de forças pelo exercício do poder.

A formulação e o consequente debate da Base situam-se, a meu ver, no epicentro deste

movimento contemporâneo que transita desde os espaços de interesse dos organismos

multilaterais em âmbito mundial pelas malhas destas redes políticas até os ambientes das salas

de aula onde a docência, o ensino e a aprendizagem se efetivam. Portanto, precisamos

compreender o movimento de formulação da Base em seus contextos transnacionais,

nacionais e locais entendendo tanto os jogos de influência aí implicados, quanto às

contradições que, por vezes, parecem pouco reveladas.

No contexto das chamadas redes políticas em escala transnacional estão colocadas, a

meu ver, algumas frentes ou projetos educacionais convergentes com os interesses de grupos

hegemônicos no campo econômico e político, dentre os quais a universalização da avaliação

em larga escala, a internacionalização do currículo, o fortalecimento das parcerias entre o

setor público e o privado e a centralização curricular com a consequente responsabilização de

atores locais. A Base Nacional Comum Curricular, sob vários aspectos, se conecta com estas

demandas, ainda que esta relação não esteja claramente explicitada em seus textos. Esta

relação, mais ou menos coerente com os princípios e propósitos da agenda global, passa

fortemente pelos espaços da gestão educacional e escolar.

1 Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

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Assim, mais importante que discutir se os objetivos de aprendizagem apresentados no

texto da BNCC são os mais relevantes e se seus lugares são os mais adequados considerando-

se os percursos da formação, é compreender o lugar político e ideológico deste movimento, os

interesses que estão colocados, seus impactos nos sistemas escolares, suas implicações na

atividade docente e na autonomia dos professores, os reflexos desta decisão sobre os espaços

da pluralidade que marcam a idiossincrasia brasileira. Os componentes da análise técnica e

pedagógica da Base não podem subsumir as possibilidades de crítica nos planos epistêmico e

político.

Em contexto de Brasil, faz-se necessário problematizar o movimento de constituição

de base levantando-se questões que perpassam elementos de natureza política e ideológica

especialmente as vinculadas com a correção de forças que aparecem e efervescem nos

cenários do legislativo, dos próprios órgãos centrais do governo e dos movimentos da

sociedade civil. É preciso problematizar questões do campo epistemológico, especialmente no

que se refere à compreensão que vem sendo hegemonizada nos textos e nos debates sobre

conhecimento e conhecimento escolar na/para a formação humana. Discutir questões

relacionadas com a ideia posta pelo Estado de que a Base pode ser promotora de justiça

cognitiva, equidade social e democratização de saberes. Inquirir sobre a problemática relação

entre cultura comum e valorização da diferença/diversidade. E, ainda, pôr em pauta a questão

da autonomia escolar e docente, e, consequentemente, de gestão pedagógica – um dos temas

mais caros para escola pública contemporânea.

É preciso seguir lembrando que um currículo nacional não vai melhorar a educação

nem garantir desenvolvimento e melhor distribuição de renda. O que ele tem a

oferecer é apenas a tentativa de controle do imponderável da qual depende, não o

sucesso da educação, mas a hegemonia do imaginário neoliberal de que é parte

(MACEDO, 2014, p. 1553).

Não há dúvidas que tanto a formulação dos textos da Base quanto os debates que dela

decorrem, se produzem em meio a um caldeirão que ferve vários ingredientes de natureza

política e ideológica e cuja homogeneidade, mesmo com muito calor, mostra-se inatingível. O

processo é movido por tensões que se mostram na explicitação de diferentes interesses, sejam

eles econômicos, políticos ou pedagógicos. Nessa arena disputam espaço os grupos privados

que, representados por organizações não governamentais assumem-se como parceiros da

esfera publica imprimindo suas concepções e demandas. Por esta via pode-se abrir espaços

para uma inserção ainda mais agressiva dos setores privados na gestão dos sistemas e escolas

públicas, na medida em que a própria formulação do texto conta com parcerias que os

aproximam e tornam esta fronteira ainda mais difusa, como é o caso, por exemplo, da

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Fundação Leman2.

Disputam espaços os grupos reacionários a exemplo do movimento “escola sem

partido” que com o descabido argumento da neutralidade, interfere no percurso e imprime sua

marca. É flagrante o ataque que o texto preliminar sofreu pelos grupos ultraconservadores

instalados, inclusive, nos espaços oficiais do Estado Brasileiro. Ora, a defesa do argumento da

neutralidade na formação escolar supõe a afirmação de um completo desconhecimento de que

toda ação humana é, por essência, uma ação política e que as pessoas - sujeitos sociais se

constituem nas relações com um mundo marcado, desde sua mais remota história, por

princípios, valores, convicções, crenças e ideologias.

Disputam espaços neste movimento, as comunidades científicas com seus manifestos

de resistência em relação às finalidades, forma e conteúdos propostos na Base. Algumas se

posicionam contra ‘esta’ Base, outras contra ‘qualquer’ Base. O que se observa é que as

comunidades científicas conseguem fazer leituras, em geral, relativamente amplas e,

consequentemente, análises densas sobre o que significam: a centralização curricular, a defesa

de uma cultura comum, a padronização dos percursos da formação escolar e os mecanismos

de controle e regulação num país como o Brasil.

Outro “nó” difícil de desatar na tessitura da Base tem a ver com a problemática dos

conhecimentos e dos saberes escolares. Sabe-se que o debate sobre centralização curricular

em termos de definição sobre o que deve contar como conhecimento relevante, tem se

mostrado um grande desafio, especialmente pelo fato de o país ser constituído por um vasto e

complexo território de diversidades. Nas últimas duas décadas, especialmente, o campo do

currículo tem sido território de importantes disputas travadas principalmente por grupos

sociais que defendem sua descolonização, com a consequente inclusão de culturas e saberes

regionais e locais nos currículos das escolas públicas.

Neste âmbito uma das questões que se coloca é se a Base teria potencial para

promover equidade social como defende o governo, uma vez que pretensamente garantiria a

todos os brasileiros o acesso a um conjunto de conhecimentos considerados essenciais para

concretizar seus projetos de vida, como declarou o atual Ministro da Educação quando da

realização do Seminário Estadual da Base em Santa Catarina3. Esta expectativa, que a

princípio parece soar como consensual, não se revela tranquila. Abordagens teóricas sobre

currículo e movimentos que defendem uma escola com conhecimentos e saberes mais

2 Sobre a participação da Fundação Leman, sugiro a leitura de “A Base Nacional Comum: pense na educação

que você quer. Agora vem com a gente realizar”. Disponível em: ttp://www.fundacaolemann.org.br/movimento-

pela-base-nacional-comum/. 3 O Seminário foi realizado nos dias 19 e 20 de Julho de 2016 na sede da FIESC.

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diretamente relacionados com a vida dos sujeitos, seus cotidianos, suas experiências e

culturas, resistem em reconhecer um currículo centrado em conhecimentos considerados por

grupos sociais hegemônicos como os “socialmente mais relevantes” e os “universalmente

aceitos”. Para estes grupos um currículo centralizado com conhecimentos padronizados com

estas características, tende a afirmar um modelo eurocêntrico e excludente de formação

humana.

A Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPED) e a Associação

Brasileira de Currículo (ABdC) são exemplos de manifestada resistência aos modelos

centralizados e padronizados de currículo e, portanto, da existência de qualquer Base

Nacional. A campanha denominada “aqui já tem currículo” foi o modo como estas

associações contra-atacaram a proposta da Base. Na chamada em seus ambientes virtuais para

este movimento, assim se posicionam: “Consideramos que os professores e professoras de

nossas escolas que já praticam currículos de variadas maneiras e com conteúdos plurais não

foram devidamente ouvidos/as. Por isso criamos a campanha aqui já tem currículo, para que

possam circular por todo o Brasil vozes que narrem experiências curriculares já

desenvolvidas. Vamos levar essas experiências de forma viva e criativa aos Conselheiros/as

do Conselho Nacional de Educação”. (ANPED, 2016).

Portanto, no âmbito do que conta como conhecimento na composição do currículo,

colocam-se em debate os sentidos de ‘cultura comum’ versus ‘culturas da diferença’. Neste

campo, os tensionamentos ficam cada vez mais nítidos expressos nas disputas entre a

centralização curricular (nos termos de um padrão nacional) e o reconhecimento das ações

curriculares desenvolvidas pelos professores nas escolas. Está em disputa o reconhecimento

da autonomia escolar e docente frente ao projeto performativo que verticaliza a ação

pedagógica pela regulação e pelo controle. E ainda, está em disputa à possibilidade de

abertura para um currículo escolar que reconheça os contextos locais, suas manifestações

culturais, a expressão de suas identidades e as experiências de vida das pessoas.

No conjunto das questões que vem polemizando a formulação e o debate da Base,

revela-se visível a problemática da regulação e do controle. Os defensores do documento

proposto pelo MEC argumentam que este instrumento político e pedagógico dará maior

unidade nacional aos processos de formação na Educação Básica e, além disso, promoverá

maior qualidade ao ensino na medida em que democratizará o acesso dos estudantes aos

conhecimentos considerados pelos especialistas que formularam os textos do documento

como os mais relevantes. De forma bem distinta, grupos que resistem à ideia de Base Comum,

asseveram que esta unidade nacional em termos de conteúdos curriculares poderá tornar-se

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uma estratégia ainda mais intensiva de regulação e controle, sobretudo pela aplicação cada

vez mais disseminada das ferramentas de avaliação em larga escala.

Sabe-se que os países que adotaram a proposta de centralização curricular foram

também os que, em certa medida protagonizaram avaliações em larga escala, como a

Inglaterra e a Austrália (CASTRO, 2009), por exemplo, assumido mecanismos de

ranqueamento e estandardização como oficiais e adotando, portanto, uma racionalidade

performativa na gestão educacional. No sentido desta racionalidade se supõe que deva haver

certo alinhamento entre o que se ‘prescreve’ como política com o que se ‘exige’ como

resultado. A Base, do modo como propõe seu texto preliminar, pode favorecer esta estratégia,

já que lista conteúdos/objetivos para cada etapa e componente curricular na Educação Básica.

Ao contrário, na Finlândia, exemplo de sucesso frequentemente citado no Brasil e que não é

fã de padronização na educação, a primeira crença é a de que a qualidade de um sistema

educacional não pode exceder a qualidade de seus professores (STRAUS, 2013).

Por este ponto de vista, a implantação da Base Curricular, implicaria diretamente nas

dinâmicas de gestão das escolas especialmente no que se refere ao princípio da gestão

democrática. Sabe-se que desde a Lei de Diretrizes de Bases de 1996, as escolas gozam de

relativa autonomia didático-pedagógica, autonomia esta que deve estar refletida nas suas

respectivas propostas pedagógicas. Sabe-se também que desde os anos 1980, as escolas

públicas têm investido na formulação e desenvolvimento de seus projetos políticos

pedagógicos com as expectativas de consolidar formas coletivas e democráticas de gestão e

ganhar maior espaço no âmbito das decisões curriculares. Nesse sentido, a Base poderia

limitar este espaço, na medida em que parcela predominante dos conteúdos estaria definida,

inclusive com os objetivos de aprendizagem.

Ainda pelo ponto de vista pedagógico a gestão escolar estaria implicada pela exigência

de “dar conta” do conjunto de objetivos propostos na Base para cada ano de escolaridade e

componente curricular. Em rápida análise sobre a relação entre quantidade de horas anual

estabelecidas para cada disciplina e número de objetivos de aprendizagem elencados para ela,

foi possível constatar que os professores terão dificuldades para cumprir seus programas de

ensino. Por consequência, a escola terá reduzido seu tempo letivo disponibilizado para que os

coletivos de professores pensem, formulem e desenvolvam sua proposta pedagógica.

Neste mesmo sentido, julgo importante destacar que nestes últimos anos tanto o

Estado quanto às instituições formadoras trabalharam com a perspectiva de elevar as

expectativas das escolas no que tange à sua autonomia, a valorização de seus projetos

pedagógicos, a integração das escolas com suas comunidades e a valorização das expressões

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artístico-culturais dos sujeitos que a integram. Portanto, um currículo um pouco mais

identificado com a vida, seus cotidianos e contextos. Entretanto, pressupõe-se que a soma da

carga de conteúdo curricular estabelecida nos textos da Base, acrescida da pressão dos

sistemas pelos resultados em termos de avaliação externa, resultará na necessidade de outros

arranjos na dinâmica escolar e na sua organização, o que colocará a gestão escolar frente a um

novo desafio.

Para a ABdC e ANPED, a adoção da BNCC comprometerá a democratização da

gestão escolar conforme definida pela LDB e pelo PNE. O atrelamento da BNCC às

avaliações externas, bem como seu caráter prescritivo fortalecem instâncias de controle do

trabalho docente com a adoção de um modelo de gestão de inspiração abertamente

empresarial, não participativo, que concentra poderes nas mãos dos diretores e autoridades

externas às escolas, tanto na gestão administrativa quanto pedagógica. A adoção dessas

políticas padronizadas de cima para baixo deixa pouca ou nenhuma margem de manobra para

a definição dos projetos político-pedagógicos com planejamento participativo das ações e

currículos escolares, na medida em que promovem a parametrização pelo mínimo obrigatório

dos currículos das escolas e as hierarquizam de acordo com seus resultados (ANPED, ABdC,

2015).

Para concluir, destaco dois pontos sobre questões de fundo e que, a meu ver não estão

suficientemente explicitadas nos textos da Base e, por isso, revelam seu caráter

instrumental/performativo: i) Não se observa nos textos do documento claro posicionamento

teórico que indique uma concepção de currículo - o que, em geral, aparece como aspecto

importante quando se formulam políticas curriculares, seja na forma de diretrizes ou propostas

para os sistemas de ensino; ii) Não há evidente explicitação que marque a concepção de

conhecimento, de formação e de escola assumido pelo Estado para a Educação Básica

brasileira e, inclusive, faltam indicativos sobre qual projeto de país a educação e o currículo se

assentam.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO

(ANPED); ASSOCIACÃO BRASILEIRA DE CURRÍCULO (ABdC). Exposição de

motivos sobre a Base Nacional Comum Curricular. Ofício n.º 01/2015/GR. Rio de Janeiro,

9 de novembro de 2015. Disponível em: <http://www.anped.org.br/news/exposicao-de-

motivos-sobre-base-nacional-comum-curricular>. Acesso em: 20 set. 2016.

BALL, Stephen J. Educação Global S.A: novas redes de políticas e o imaginário neoliberal.

Tradução de Janete Bridon. Ponta Grossa, Brasil: UEPG, 2014.

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CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Sistemas de avaliação da educação no Brasil: avanços

e novos desafios. São Paulo, Perspectiva, v. 23, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2009.

MACEDO, Elizabeth. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade

produzindo sentidos para educação. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 03 p.1530 -

1555 out./dez. 2014.

STRAUSS, Valerie. The Washington Post. 15 maio 2013. Traduçao ABdC.

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EIXO TEMÁTICO I

BNCC: DEFINIÇÕES E

COORDENAÇÕES NECESSÁRIAS

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BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: CONHECENDO A

TRAJETÓRIA DA ARTICULAÇÃO E COORDENAÇÃO NO ESTADO

DE SANTA CATARINA

Julia Siqueira da Rocha4

Viviane Silva da Rosa5

Margarete da Rosa Vieira6

Adriana Mafra Marghoti7

INTRODUÇÃO

A construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em processo desde

setembro de 2015 em nosso país, é referente às exigências legais presente na Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional (LDB), das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da

Educação Básica (DCNs) e do Plano Nacional de Educação (PNE). Nelas, foram definidos os

direitos fundamentais à aprendizagem e ao desenvolvimento com os quais o trabalho que se

realiza em todas as etapas da Educação Básica deve se comprometer, visando à formação

humana integral e à construção de uma sociedade mais justa, na qual todas as formas de

discriminação, preconceito e exclusão sejam combatidas.

Contudo, toda a construção de currículo envolve disputas e tensão. Pensar numa

proposta de um currículo comum que garanta as discussões de direito dos/as estudantes da

Educação Básica de aprender e de se desenvolver, numa perspectiva integral e inclusiva para

todo o país, não é tarefa fácil. E, todo o processo apresentado até o momento tem confirmado

essas perspectivas.

Neste artigo discutiremos o processo de construção da base comum no país e

especificamente no Estado de Santa Catarina e apresentaremos os princípios que explicitam

4 Pedagoga pela UDESC, Mestre em Política, Sociologia e História da Educação - PPGE/UFSC e Doutora em

Sociologia e História da Educação - PPGE/UFSC com estágio doutoral pela Université de Strasbourg na França.

Atua como Gerente de Políticas e Programas da Educação Básica na Secretaria de Estado da Educação de Santa

Catarina. GEPEB SED/SC [email protected] 5 Pedagoga pela UDESC, Especialista em Currículo e Cultura pela UDESC e Mestra em Educação na Linha de

Educação, Estado e Políticas Públicas pela UFSC. Atua como auxiliar de ensino da Secretaria Municipal de

Educação de São José e na Gerência de Políticas e Programas da Educação Básica e Profissional da Secretaria de

Estado da Educação. Atualmente é Conselheira Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente e Participante

convidada da Rede de Proteção às Pessoas em Situação de Violência do Município de São José. GEPEB SED/SC [email protected] 6 Mestre em Educação linha de Pesquisa: Educação, História e Política – PPGE/UFSC. Possui extensão

Universitária no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social– PPGAS/UFSC. Bacharelado e

Licenciatura em Ciências Sociais – CFH/UFSC. Atua na Secretaria de Estado da Educação nos núcleos de

Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola. GEPEB SED/SC

[email protected] 7 Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas; Mestre em Educação. Trabalha na Secretaria de Estado da

Educação na Diretoria de Políticas e Planejamento Educacional atuando nas temáticas da educação e prevenção

às violências na escola e educação profissional. GEPEB SED/SC [email protected]

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os direitos fundamentais à aprendizagem e ao desenvolvimento.

A BNCC NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO

A educação escolar no Brasil está aquém do que merecem os brasileiros. E não precisa

ser pedagogo ou licenciado para saber disso. Não é incomum ter frequentado muitos anos de

escola e na hora de colocar o piso em casa ter dificuldade para calcular a quantidade de

cerâmica a ser comprada. Ou mesmo, tendo terminado o Ensino Médio não saber escrever

uma carta. E não se trata apenas de ter problemas com a ortografia, pois a dificuldade está em

se expressar, em escrever com sentido. Os exemplos são infinitos e se estendem para os

saberes da História, da Geografia, da Química, das Artes. Diariamente somos surpreendidos

por notícias que fazem do ambiente escolar um lugar sem sentido tanto para quem estuda,

quanto para quem trabalha. De um lado, estudantes concluindo a educação básica sem

conseguir recorrer aos conhecimentos que deveriam ter se apropriado ao longo do percurso

formativo. De outro, professores presos a um formato do fazer pedagógico, sem conseguir

atender a diversidade colocada pela escola contemporânea.

O que se ensina e o como se ensina nas escolas é o que se convencionou chamar de

currículo. Entretanto sabemos que currículo é muito mais do que isso e envolve distintos

fatores sem deixar de ser também em seu aspecto mais formal uma seleção de saberes que

determinados grupos elegem como os mais importantes em determinado tempo e espaço

histórico. Desta forma, aprender conhecimentos científicos da Língua Portuguesa, da

Matemática, da Física, entre outras disciplinas, é um direito do estudante e obrigação da

escola em ofertá-las, não importando se é do sistema público ou privado de ensino. A questão

é o que se ensina dentro destes componentes curriculares e que objetivos de aprendizagem

queremos atingir.

No âmbito da BNCC são definidos alguns direitos fundamentais à aprendizagem e ao

desenvolvimento com os quais o trabalho que se realiza em todas as etapas da Educação

Básica deve se comprometer. Esses direitos se explicitam em relação aos princípios éticos,

políticos e estéticos, nos quais se fundamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais, e que

devem orientar uma educação básica que vise à formação humana integral, a construção de

uma sociedade mais justa, na qual todas as formas de discriminação, preconceito e exclusão

sejam combatidas. Esses direitos estão assim expressos:

a) Ao respeito e ao acolhimento na sua diversidade, sem preconceitos de origem, etnia,

gênero, orientação sexual, idade, convicção religiosa e quaisquer outras formas de

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discriminação, bem como terem valorizados seus saberes, identidades, culturas e

potencialidades, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual devem

se comprometer;

b) A apropriação de conhecimentos referentes à área socioambiental que afetam a

vida e a dignidade humanas em âmbito local, regional e global, de modo que possam

assumir posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do

planeta;

c) As oportunidades de se constituírem como indivíduos bem informados, capazes de

exercitar o diálogo, analisar posições divergentes, respeitar decisões comuns para a

solução de conflitos, fazer valer suas reivindicações, a fim de se inserirem plenamente

nos processos decisórios que ocorrem nas diferentes esferas da vida pública;

d) A apropriação de conhecimentos historicamente constituídos que lhes permitam

realizar leitura crítica do mundo natural e social, por meio da investigação, reflexão,

interpretação, elaboração de hipóteses e argumentação, com base em evidências,

colaborando para a construção de uma sociedade solidária, na qual a liberdade, a

autonomia e a responsabilidade sejam exercidas;

e) A apropriação de conhecimentos e experiências que possibilitem o entendimento da

centralidade do trabalho, no âmbito das relações sociais e econômicas, permitindo

fazer escolhas autônomas, alinhadas ao seu projeto de vida pessoal, profissional e

social;

f) A participação em práticas e fruições de bens culturais diversificados, valorizando-os e

reconhecendo-se como parte da cultura universal e local;

g) Ao desenvolvimento do potencial criativo para formular perguntas, resolver

problemas, partilhar ideias e sentimentos, bem como expressar-se em contextos

diversos daqueles de sua vivência imediata, a partir de múltiplas linguagens:

científicas, tecnológicas, corporais, verbais, gestuais, gráficas e artísticas.

MARCOS LEGAIS PARA CONSTRUÇÃO DE UMA BASE CURRICULAR

NACIONAL COMUM

A Base Nacional Comum Curricular é uma exigência colocada para o sistema

educacional brasileiro a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil,

1996; 2013), das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (Brasil, 2009)

e do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014);

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A BNCC tem como fundamento o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento,

norteando um projeto de nação para a formação humana integral e uma educação de qualidade

social em conformidade ao que preceituam o Plano Nacional de Educação (PNE) e a

Conferência Nacional de Educação (CONAE).

O Plano Nacional de Educação prevê uma mudança de paradigmas educacionais,

pensando nas novas gerações. Estabelece, ainda, a necessidade de uma Base Nacional Comum

Curricular, que delimite, pelo direito de aprender, o que cada estudante brasileiro deve saber

ao final de um ano letivo, de cada etapa escolar, de um ciclo ou segmento educativo.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica

(DCNEB) e a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), entende-se a

Base Nacional Comum Curricular como:

[...] os conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e que são gerados nas instituições produtoras do conhecimento

científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das linguagens;

nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas de

exercício da cidadania; nos movimentos sociais. (Parecer CNE/CEB nº 07/2010, p.

31).

Dado seu caráter de construção participativa, espera-se que a BNCC seja balizadora do

direito dos/as estudantes da Educação Básica, numa perspectiva inclusiva, de aprender e de se

desenvolver. Uma base comum curricular é documento de caráter normativo, e referência para

que as escolas e os sistemas de ensino elaborem seus currículos, constituindo-se instrumento

de gestão pedagógica das redes. Para tal, precisa estar articulada a um conjunto de outras

políticas e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, que permitam a efetivação dos

princípios, metas e objetivos em torno dos quais se organiza. A Base Nacional Comum

integra a Política Nacional de Educação Básica.

O Parecer CNE/CEB nº 11/2010, elaborado pela Câmara de Educação Básica (CEB)

do Conselho Nacional de Educação, explicitou a importância dos movimentos sociais para o

respeito e consideração às diferenças entre os sujeitos que fazem parte da sociedade,

assegurando lugar à sua expressão. Na BNCC o respeito e consideração a que alude o parecer

se explicita na oferta de condições para que todos os brasileiros e todas as brasileiras tenham

acesso a conhecimentos e condições de aprendizagem e desenvolvimento que lhes assegurem

o pleno exercício da cidadania.

Nesse sentido, para que a inclusão social se efetive, é fundamental a incorporação aos

documentos curriculares, de narrativas dos grupos historicamente excluídos, de modo que se

contemple, nas políticas públicas educacionais, a diversidade humana, social, cultural,

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econômica da sociedade brasileira, tendo em vista a superação de discriminações. A

Conferência Nacional de Educação exerce relevante papel nesse processo, na medida em que

se constitui como espaço social de discussão da educação brasileira, articulando agentes

institucionais da sociedade civil e dos governos, em prol da efetivação da educação como

direito social, com qualidade, para todos.

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA BNCC

Quanto ao termo, Base Comum, esse nos ajuda a entender que se trata de assegurar o

mesmo direito a todos os estudantes, produzindo um importante princípio de igualdade, sem,

no entanto, retirar a possibilidade de aprender mais do que é considerado base ou, sem deixar

de considerar e valorizar os saberes específicos, locais, sociais, históricos e regionais.

A elaboração de uma base comum para os currículos nacionais, na perspectiva de um

pacto interfederativo, teve início, com a coordenação do MEC, em setembro de 2015 com a

constituição de um Comitê de Assessores e Especialistas, com ampla representatividade, dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios. Compuseram este Comitê: Professores

universitários atuantes na pesquisa e no ensino das diferentes áreas de conhecimento da

Educação Básica; Docentes da Educação Básica; e Técnicos das secretarias de educação,

esses dois últimos indicados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED)

e pela União de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).

Todo esse processo de construção coletiva teve início em setembro de 2015 e já

recebeu mais de 12 milhões de contribuições de diversos setores sociais por todo o Brasil.

Coube ao Comitê a redação dos documentos preliminares da BNCC, disponibilizados

à consulta pública pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação

(SEB/MEC) entre setembro de 2015 e março de 2016. Esses documentos estiveram

disponíveis no Portal da Base, espaço criado na web para tornar pública a proposta da BNCC

e, ao mesmo tempo, acolher contribuições para sua crítica e reformulação pela sociedade.

Essas contribuições foram recebidas, mediante cadastramento dos e das participantes da

consulta, a partir de três categorias:

1) Indivíduos (estudantes, professores e professoras, pais, pesquisadores e

pesquisadoras);

2) Escolas (escolas e redes de ensino);

3) Organizações (Grupos de estudo, Instituições, Fóruns, sociedades científicas,

associações e demais organizações interessadas).

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Cadastraram-se no Portal, 305.569 indivíduos, 4.298 organizações e 45.049 escolas,

em todo o território nacional.

Santa Catarina articulou-se para contribuir no processo de construção da Base

Nacional Comum Curricular através da criação da Comissão Estadual, coordenada em

parceria pela Secretaria de Estado da Educação e UNDIME. Cerca de quarenta representações

compuseram a comissão que tinha como objetivos replicar a estrutura da Comissão Estadual

nas Regionais, buscando parceiros locais; Garantir a participação de representantes dos

programas federais PNOA, PNAIC, PNEM e participantes do Grupo de Produção da Proposta

Curricular de Santa Catarina; e Estruturar e Incentivar o processo de discussão da BNCC nas

escolas, comunidades e universidades. Além disso, o grupo proporcionou momentos de

estudo, onde os textos preliminares da base foram analisados e discutidos a partir das áreas e

componentes curriculares.

Toda a discussão sobre currículo implica em tensão. Ao selecionar o que ensinar, um

grande campo de disputas se abre. Favacho (2012), ao resumir obra de Miguel Arroyo, indica

que:

A concepção de currículo como campo de disputa não é nova, pois veio à tona,

internacionalmente, nos anos de 1970 e, no Brasil, nos anos de 1980. Revelou-se,

desde então, um importante balizador para a análise das relações de poder que

envolvem os currículos. [...] o currículo não é apenas território de disputas teóricas.

Quem disputa vez nos currículos são os sujeitos da ação educativa [...] que não se

pensam apenas como ensinantes e aprendizes dos conhecimentos dos currículos, mas exigem ser reconhecidos como sujeitos de experiências sociais e de saberes que

requerem ter vez no território dos currículos.

Nesse sentido, o processo de construção da BNCC foi incorporado de disputas

teóricas, mas também da tensão política que se abateu no Brasil por conta do processo de

interrupção (via impeachment da Presidente Dilma Rousseff) e a instalação do governo

interino de Michel Temer. Pela instabilidade CONSED e UNDIME nacional, organizaram-se

como comitê executivo e formaram um comitê gestor para fazer o que se chamou de “curatela

da BNCC”, assegurando que os seminários previstos em 26 Estados e no Distrito Federal

pudessem ocorrer se constituindo em consultas públicas e novas contribuições qualificadas

por profissionais da educação.

Todos os seminários ocorreram durante os dias 23 de junho e 5 de agosto. O Comitê

Gestor Nacional durante o mês de agosto fez a compilação destas contribuições enviando para

o MEC no dia 31 de agosto o relatório final assinado por CONSED e UNDIME. A medida se

mostrou eficaz especialmente frente ao movimento denominado Escola sem Partido,

movimento encampado por partidos de extrema direita, que em nome de uma

“desideologização de esquerda” pretendia usar a BNCC como espaço para uma ideologização

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referendada por setores conservadores com visão religiosa fundamentalista, retirando do

processo educativo seu caráter crítico, que se faz também pela aquisição de múltiplos saberes

e pela integralidade da formação humana.

Em Santa Catarina, entre os dias 19 e 20 de julho na cidade de Florianópolis, o

seminário se fez com mais de 300 profissionais num esforço coletivo de produzir um país

melhor via educação. Além do relatório oficial, profissionais da educação produziram também

uma moção contra o Movimento Escolas Sem Partido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como apresentado, uma base comum curricular é documento de caráter normativo, e

referência para que as escolas e os sistemas de ensino da educação básica elaborem seus

currículos, constituindo-se instrumento de gestão pedagógica das redes.

O processo da Base Nacional Comum Curricular apresenta-se de caráter participativo,

através do portal de acesso da base e dos seminários estaduais e o distrital.

Quanto à continuidade do processo, o comitê Executivo e o Comitê Gestor Nacional

entregaram ao MEC no dia 31 de agosto de 2016 o relatório síntese com as contribuições dos

26 Estados e do Distrito Federal. Ao MEC compete selecionar especialistas em educação

para, a partir do relatório com as contribuições estaduais (e distrital), produzir a terceira

versão, com previsão de encaminhar ao Conselho Nacional de Educação ainda em 2016. A

aprovação pelo CNE transformando-o em resolução não tem prazo definido, no entanto, dada

a importância deste documento, o Brasil sabe que não pode esperar mais 20 anos. Ainda como

consideração final, esperamos que o CNE defina os prazos para sua revisão, pois a despeito da

importância de todas as contribuições, sabemos que somente após ser colocada em prática nas

escolas do território nacional, será possível e necessário aperfeiçoar este instrumento que é

base para os currículos em seus distintos contextos educativos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação

Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

______. Lei n. 13.005 de 25 de junho de 2014. Aprova o plano nacional de educação - PNE

e dá outras providências. Disponível em: <http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/

reference/file/439/documento-referencia.pdf>. Acesso em: 29 set. 2016.

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______. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>.

Acesso em: 29 set. 2016.

FAVACHO, André Picanço. O que há de novo nas disputas curriculares? Educ. Soc. [online].

v. 33, n.120, p. 929-932, 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-7330201

2000300015>. Acesso em: 29 set. 2016.

DOCUMENTOS PRELIMINARES DA BNCC 1 e 2. Disponível em:

<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/bncc-2versao.revista.pdf>. Acesso em:

29 set. 2016.

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GESTÃO DEMOCRÁTICA ENTRE A ILUSÃO E A UTOPIA

Elcio Alberton8

A palavra utopia9 na sua etimologia significa possibilidade a ser alcançada, ao

contrário de ilusão10 cujo significado permanece no campo dos sonhos e do irrealizável. No

que se refere à gestão democrática da educação é pertinente começar por desmontar algumas

barreiras que as práticas antidemocráticas criaram nas diversas instâncias de governo ao longo

da história.

Dentre as barreiras, caminho pelo conceito cristão que expressa o papel de servidor

atribuído àquele que ocupa alguma função de responsabilidade, ao qual foi entendido

contrariamente na história brasileira. Ou seja, os que ocupam cargos públicos,

frequentemente, fizeram-se reconhecer como sujeitos a serem servidos e as instituições a que

prestavam serviço eram colocadas a seu interesse, situação que a literatura qualifica como de

puro patrimonialismo.

Contudo, a redemocratização do País, as garantias constitucionais, o papel dos

conselhos paritários fez e faz modificar significativamente essa compreensão e prática, mas

ela ainda está presente no inconsciente coletivo e nas inequívocas interpretações da legislação

ou no desconhecimento delas, por parcela significativa da população.

Ao contrário de patrimonialismo, espera-se do servidor (e das instituições) o

desenvolvimento da autonomia que não pode e nem deve ser confundida com anarquia ou

falta de regulação, mas capacidade de caminhar em direção aos objetivos e metas, visão

estabelecida, missão que lhe é própria ou para a qual foi instituída na sociedade.

No âmbito da educação, espaços significativos de participação na sua gestão

ocorreram com a realização da Conferência Nacional de Educação (CONAE) que redundou

no Plano Nacional de Educação (PNE 2014 – 2024). Na esteira destes eventos o Brasil está

sendo ensaiada a adoção de Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em cuja apresentação

se lê:

O presente documento, fruto de amplo processo de debate e negociação com

diferentes atores do campo educacional e com a sociedade brasileira em geral,

apresenta os Direitos e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento que devem

orientar a elaboração de currículos para as diferentes etapas de escolarização (BNCC

p. 24).

8 EEB Professora Rosinha Campos, Secretaria de Estado da Educação, Rua Joaquim Fernandes de Oliveira, 428

Bairro Abraão, 88085170 – Florianópolis – SC, Email: [email protected]. 9 https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/etimologia-de-utopia/ 10 https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/etimologia-de-ilusao/

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A adoção de uma BNCC se apresenta como uma exigência da Lei de Diretrizes e

Bases (LDB) das Diretrizes Curriculares Nacionais e do próprio Plano Nacional de Educação.

Os mecanismos adotados e o tempo em que o projeto de construção de uma Base Nacional

Curricular Comum está tramitando significam um esforço para estabelecer um processo

democrático na construção deste eixo norteador para a Educação. O Ministério da Educação

contabilizou mais de doze milhões de contribuições, somado a isso estão os 27 seminários

realizados nos estados e no Distrito Federal. A disponibilização de cada uma das versões da

BNCC na Rede Mundial de Computadores significou também a possibilidade de participação

de todos os que se interessam pela educação. Todavia isso ainda não responde ao desafio de

uma efetiva construção democrática.

Tanto o PNE com seus desdobramentos nos estados e municípios, quanto à (BNCC)

uma vez aprovados precisam ser acompanhados pela sociedade a fim de que suas metas,

objetivos e princípios sejam efetivados em todos os níveis das unidades federadas.

Esse é um processo que precisa envolver a todos e ser entendido como uma conquista

e não como um favor. Todavia a gestão da educação ainda é marcada, fortemente, pelo

corporativismo, pelas disputas internas, pelos grupos de interesses, pela hierarquização, no

interior das escolas e da educação nos estados e municípios. Algumas vezes a insuficiente

preparação humana e intelectual e a falta de investimento na preparação dos sujeitos para

relacionamentos interpessoais se apresenta como um impeditivo para que aconteça uma

verdadeira participação.

A excessiva hierarquização das instituições públicas11 que são também ralos

burocráticos ainda permite que gestores da educação detenham o controle por meio da “última

palavra”, ou do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Neste sentido é comum, tantas

vezes, a falta de responsabilidade coletiva em detrimento do cumprimento de

responsabilidades individuais.

Outro problema na gestão da educação são os grupos corporativos12 que se formam no

interior das instituições, os quais em lugar de espaços democráticos se juntam em torno de

interesses cuja finalidade é fazer predominar a sua perspectiva.

Neste contexto um dos desafios para uma gestão democrática é criar oportunidades de

participação de modo sistemático com todos os seus envolvidos. Sobretudo, com os pais que

apresentam dificuldades de participação em decorrência das situações econômicas, culturais, e

11 - Na Secretaria da Educação, nas Gerências Regionais e mesmo no interior das escolas existem diversas

funções hierárquicas que dificultam a leveza das ações de gestão. 12 A expressão é usada para designar as “panelinhas” que se formam no interior das instituições.

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institucionais, fatores que corroboram para levar os pais para o silêncio, e não demonstrarem a

devida participação, pois ficam considerados como se fossem inferiores, no interior das

instituições.

Fomentar uma cultura envolvendo os pais acerca do conceito de participação,

enquanto algo dinâmico é necessidade imperiosa para superar a prática patrimonialista

presente também no cotidiano das unidades escolares em Santa Catarina, e não poderia ser

diferente, nas Gerências Regionais de Educação.

A BNCC apresenta nos textos introdutórios o que entende ser “direito de aprender” e

afirma que isto implica exercício de cidadania para a qual se faz necessária uma educação

básica com foco na formação integral da pessoa humana, na construção de uma sociedade

mais justa e isenta de qualquer forma de exclusão.

Romper com esta cultura viciada e arcaica onde falta o diálogo, as discussões, espaços

para os contraditórios e as mudanças de ação, implica mergulhar na própria formação dos

docentes e gestores para a participação e para a democracia. Um dos limites para uma efetiva

formação continuada de docentes em Santa Catarina reside na própria sistemática de

capacitação de professores prevista pela Secretaria de Estado da Educação cujo objetivo se

limita a normatizar e estabelecer responsabilidades nos eventos de formação continuada13.

Apenas como exemplo, entre os dias 13 e 29 de setembro de 2016, a Coordenadoria Regional

da Grande Florianópolis divulgou e convidou professores para 10 cursos de curta duração (8 a

20 horas) com temas distintos e com possibilidade de certificação para formação continuada.

Note-se que se fala em eventos e não em formação sistemática.

Há que considerar ainda o fato dos eventos de formação, que melhor podem ser

entendidos como “formação permanente” que versam sobre tantos assuntos e temas e pouco

sobre conceitos, como se expressa a Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC)14. A

compreensão da perspectiva democrática da BNCC passa pelo conceito de pessoa e da sua

condição social, no âmbito da educação e a respectiva apropriação de conceitos.

Merece respeito no que diz respeito aos direitos das pessoas, às sugestões do

Movimento pela Base Nacional Comum, ao apresentar outra estrutura para a parte

introdutória da BNCC focando a escola como lócus onde a base será concretizada e espaço

construtor da UTOPIA democrática da educação. Esta estrutura alarga o conceito do vocábulo

“democracia” facilitando compreendê-lo com a expressão – MULTILETRAMENTO – que

abrange domínio, comunicação, criticidade, reflexão, formulação, relações humanas,

13 Cf. http://www.sed.sc.gov.br/index.php/servicos/professores-e-gestores/6625-sistematica-de-capacitacao 14 Cf. Proposta Curricular de Santa Catarina p. 97; 136; 139

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responsabilidade e principalmente Projeto de Vida.

Este alargamento do conceito de democracia vem somar com a expressiva participação

popular na redação da BNCC e permitirá que mais brevemente seja possível compreender que

gerir democraticamente a escola, num contexto em que falta democracia na gestão da

educação, é um desafio que precisa ser superado com criatividade e competência.

Garantir que a BNCC seja mais do que instrumento controlador dos processos de

aprendizado e facilitador do estabelecimento do diálogo que respeite as diferenças e que evite

as exclusões, constitui-se longo caminho para a administração da educação e em especial à

administração escolar. O conceito de multiletramento conforme sugere o Movimento pela

Base faz compreender que gestão democrática é dar voz e vez às instancias deliberativas e de

representação de classe de modo que estes criem espaço de responsabilidade coletiva.

Práticas inovadoras de gestão escolar e que podem ser inspiradoras passam pela

composição dos organismos de participação na escola com efetiva representatividade dos

sujeitos que fazem a escola. Dentre os organismos merece destaque:

CONSELHO DELIBERATIVO ESCOLAR

A participação popular na gestão das instituições é um processo que o Brasil

recomeçou, digamos assim, a aprender com o declínio da ditadura militar, no final dos anos

1970. As greves no ABC e a constituição dos sindicatos e das centrais sindicais no início dos

anos 1980 foram o germe dos conselhos paritários previstos na Constituição de 1988. No caso

dos conselhos deliberativo escolar, previstos pela LDB, foram instituídos em Santa Catarina

pelo Decreto nº 3.429, de 8 de dezembro de 1998 o qual determina a representatividade

proporcional de todos os segmentos da comunidade escolar.

Art. 1º As Unidades Escolares de Educação Básica da Rede Pública Estadual

implementarão o Conselho Deliberativo Escolar, Órgão Colegiado de caráter

consultivo, normativo e avaliativo, que atuará em assuntos referentes à gestão pedagógica, administrativa e financeira da Unidade Escolar.

Art. 2º O Conselho Deliberativo Escolar, vinculado ao corpo diretivo da escola, será

formado por representantes de todos os segmentos da comunidade escolar,

constituindo-se em agente de participação na construção da gestão democrática da

escola.

Na continuidade do que cita a referida regulamentação, uma das funções deste

Conselho é deliberar diretrizes e metas do PPP; propor alternativas para melhorar a qualidade

do trabalho escolar; coordenar a elaboração do regimento escolar e o cumprimento do PPP,

apreciar e emitir parecer sobre o desempenho das metas, articular mecanismos de execução

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das políticas educacionais, recorrer a instâncias superiores quando não se julgar apto para

propor soluções.

Note-se que esta função tem estreita ligação com aquilo que o Movimento pela Base

qualifica como oportunizar possibilidades de participação que garantam voz e vez a todos os

segmentos da comunidade escolar. Não é objeto deste estudo, mas pesquisa apurada junto às

unidades escolares fará perceber que a atuação dos Conselhos Deliberativos eleitos no ano de

2015, conforme prevê o decreto já referenciado anteriormente, constatará que a questão da

democracia ainda está mais no campo da ilusão que da utopia.

GRÊMIO ESTUDANTIL

Parte significativa do atual corpo docente e dos gestores escolares da educação é

egressa do sistema de ensino vigente durante a ditadura militar. Embora seja motivo de

estranhamento, pode-se compreender que ainda possam reproduzam conceitos e práticas

antidemocráticas, porquanto se constituem frutos do cerceamento de liberdades e da carência

democrática, característica daquele período, razão pela qual não poucas vezes aquilo que

deveria ser assessoria e estímulo aos alunos em decorrência da construção de espaços

democráticos na escola, constitui-se na própria reprodução de estruturas e práticas

ultrapassadas.

Em relação ao grêmio estudantil, facilmente poderá ocorrer uma confusão das suas

funções, finalidades e a própria constituição. Um estudo apurado mostrará que seu

funcionamento tem grande similaridade ao que eram os chamados centros cívicos nas escolas

da ditadura. Não se encontram nos espaços de divulgação das ações realizadas no âmbito das

Unidades Escolares atividades significativas dos grêmios estudantis como oportunidade de

democratização da gestão escolar.

Por ocasião da eleição para diretores das escolas estaduais em Santa Catarina, no ano

de 2015, participamos do processo como consultor dos planos de gestão. Avaliamos doze

planos de gestão distribuídos aleatoriamente pelas regiões Sul, Grande Florianópolis, Planalto

Norte, Planalto Serrano, Oeste e Estremo Oeste Catarinense. Em nenhum deles foi possível

constatar que o Grêmio Estudantil teve participação efetiva na elaboração da proposta que

seria apresentada pelo proponente ao cargo de diretor.

No caso do Grêmio Estudantil, diversamente dos conselhos deliberativos, porquanto

este é regido por legislação federal, especificamente pelas leis 7.398 de 04 de novembro de

1985, que dispõe sobre a organização de entidades representativas dos estudantes de 1º e 2º

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graus e dá outras providências; e a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, Dispõe sobre o Estatuto

da Criança e do Adolescente e dá outras providências (ECA), no seu artigo 53, item IV,

direito de organização e participação em entidades estudantis.

No Estado de Santa Catarina os grêmios estudantis foram assegurados por um projeto

da deputada Ana Paula de Lima, transformado na Lei nº 12.731, de 06 de novembro de 2003,

sancionada pelo Governador Luiz Henrique da Silveira, que dispõe sobre a garantia da

liberdade de organização dos estudantes de ensino fundamental e médio em nosso estado, e

adota outras providências.

Em todos os casos a novidade desta regulamentação reside no fato de que a

constituição do grêmio estudantil é uma iniciativa do próprio aluno a qual contará com o

estímulo dos professores e gestores, neste caso o sujeito e protagonista é o estudante. Nesta

mesma ótica pode ser lida a BNCC ao apresentar os princípios norteadores:

Nesse sentido, no âmbito da BNCC, são definidos alguns direitos fundamentais a

aprendizagem e ao desenvolvimento com os quais o trabalho que se realiza em todas

as etapas da Educação Básica deve se comprometer. Esses direitos se explicitam em

relação aos princípios éticos, políticos e estéticos, nos quais se fundamentam as

Diretrizes Curriculares Nacionais, e que devem orientar uma Educação Básica que

vise à formação humana integral, a construção de uma sociedade mais justa, na qual

todas as formas de discriminação, preconceito e exclusão sejam combatidas (p. 33).

Nossa experiência na docência, com quase trinta anos em sala de aula, em distintas

Unidades Escolares pelo Estado de Santa Catarina vem constatando que, na maioria das vezes

onde existe agremiação estudantil, suas ações se reduzem a eventos promocionais, festivos e

recreativos. Raramente temos vivenciado efetiva participação desta instância na construção do

PPP e na efetiva participação cidadã no interior das escolas.

Um Antídoto capaz de imunizar esta debilidade pode ser a afirmação da BNCC, se for

efetivamente facilitada sua prática no cotidiano escolar:

Direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento que se afirmam em relação a

princípios políticos - As oportunidades de se constituírem como indivíduos bem

informados, capazes de exercitar o diálogo, analisar posições divergentes, respeitar

decisões comuns para a solução de conflitos, fazer valer suas reivindicações, a fim

de se inserirem plenamente nos processos decisórios que ocorrem nas diferentes

esferas da vida publica (p. 34).

Incentivar e facilitar a organização de processos democráticos é também uma forma de

compreensão do sentido participativo da gestão da escola e da educação. Certamente a

finalidade mais importante da organização estudantil é o desenvolvimento de uma ampla e

livre participação na tomada de decisão da sua escola. Neste sentido a BNCC apresenta como

um conceito que o aluno deverá se apropriar no componente de Sociologia no Ensino Médio:

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29

Sociologia responde a duas ordens distintas de missão no Ensino Médio: de um lado,

a de compartilhar teorias e conceitos consagrados pelas comunidades cientifica

dessas três tradições e, de outro, a de contribuir para estimular os estudantes a

desenvolverem valores e atitudes compatíveis com a democracia, ao ensina-los a

estranhar e a desnaturalizar o senso comum, e, com isso, a desenvolver leitura critica

sobre fenômenos como intolerância, preconceitos, estereótipos e estigmas (p. 164).

Ao descrever a estrutura do componente da Filosofia no Ensino Médio a BNCC apresenta:

Enfim, na medida em que deve contribuir para a formação de estudantes capazes de

estranhar e colocar consistentemente em questão não só a realidade em que vivem,

mas os saberes que nela encontram constituídos, e de fundamental importância que a

Filosofia lhes seja apresentada, não só de inicio, mas ao longo de todo o Ensino

Médio, como experiência conectada com sua vida e problemas escolares, existenciais, políticos. Viabiliza-se assim, entre outras coisas, a contribuição da

Filosofa para a formação de estudantes emancipados e capazes de atribuir real

significado a palavra “cidadania” (p. 168).

Este indicativo permite associar o papel do Grêmio Estudantil como um dos

instrumentos democráticos de gestão escolar e que pode ser incentivado com base nos

conceitos que os alunos devem se apropriar nesta etapa da sua formação.

O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Conhecer a visão e a missão da escola é o desafio mais pertinente para todos os

envolvidos no processo coletivo de construção do Projeto Político Pedagógico (PPP). Uma

gestão escolar com fundamentos democráticos mais apropriadamente garantirá a participação

dos sujeitos escolares na elaboração do PPP, condição que fará enxergar com maior clareza a

missão da escola com sua relação de forças e os pressupostos humanos que se quer formar.

Segundo Ilma Veiga15, o PPP é uma ação coletiva intencional, razão pela qual sua

construção deve ser feita com ampla participação da comunidade escolar e de modo que esta

tenha autonomia para tomar decisões colegiadas e representativas. Naturalmente que a

participação implica percorrer alguns passos para que ela possa ser entendida como presença

ativa:

a) Ver a realidade – conhecer o aluno e a escola no seu contexto – isso é muito mais do

que apresentar dados estatísticos;

b) Conhecer a legislação sobre o tema – realizar rodadas de negociação e estudos da

legislação pertinente;

c) Construir o PPP coletivamente é mais do que realizar votações e disputas internas,

antes, requer estabelecer consenso entre as partes.

15 Pesquisadora e professora da UNB.

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30

Um PPP construído coletivamente garantirá que a escola tenha uma fisionomia

democrática. As discussões sobre este mecanismo de gestão poderão ir para a sala de aula

fazendo parte de um processo de aprendizagem que respeite as diferenças. Deste modo será

possível afirmar que a escola começa a cumprir o seu papel de garantir a formação humana

integral e integradora, na qual seja valorizada a auto-organização do trabalho cooperativo, a

problematização e construção do conhecimento.

A LDB, nº 9394, de dezembro de 1996, estabelece no artigo 14:

Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público

na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes

princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto

pedagógico da escola; II – Participação da comunidade escolar e local em conselhos

escolares ou equivalentes.

Diversos autores tratam da elaboração e da importância do PPP, neles são frequentes

as afirmações com este teor: Constitui-se um documento produzido como resultado do

diálogo entre os diversos segmentos da comunidade escolar a fim de organizar e planejar o

trabalho administrativo-pedagógico, buscando soluções para problemas diagnosticados. O

PPP além de ser uma obrigação legal, deve traduzir a visão, a missão, os objetivos, as metas e

as ações que determinam o caminho do sucesso e da autonomia a ser trilhado pela instituição

escolar16.

O processo de construção da BNCC, não obstante os limites de tempo e as distintas

compreensões dos segmentos e sistemas de ensino pode ser entendido como um ensaio do que

seria um processo democrático na elaboração do PPP de cada unidade escolar. O texto da

BNCC, que trata do planejamento, gestão pedagógica e currículo, assim dita:

E fundamental que cada unidade escolar se organize para a formulação do PPP,

considerando: o Plano Nacional de Educação (PNE), bem como os demais Planos

Estaduais e Municipais; as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Básica; a BNCC e os documentos orientadores das politicas educacionais,

produzidos pelas secretarias ou departamentos de educação; as avaliações nacionais;

as avaliações regionais realizadas pelos órgãos dirigentes da educação e pelas Lhes

em relação aos processos e resultados de trabalho do ano anterior. Vale destacar,

nesse caso, a necessidade de que os professores e professoras conversem, no inicio

do ano letivo, sobre o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. No âmbito das

escolas, os Pops deverão expressar as estratégias didáticas e metodológicas, assim

como as mediações pedagógicas que permitem mobilizar essas estratégias, a partir das características dos/das estudantes e do que propõem os documentos curriculares.

Tais mediações devem proporcionar o estabelecimento de relações entre os

16 http://www.emdialogo.uff.br/content/o-ppp-em-acao; https://www.trabalhosgratuitos.com/Outras/Diversos/O-

Que-%C3%A9-PPP-Na-Escola-595960.html;

http://cedupcriciuma.webnode.com.br/a%20institui%C3%A7%C3%A3o/projeto-politico-pedagogico/;

http://gpm.fecam.org.br/flordosertao/noticias/index/ver/codMapaItem/8475/codNoticia/188010;

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31

conhecimentos a serem desenvolvidos no âmbito do currículo (base comum e parte

diversificada) e as características e necessidades cognitivas dos educandos (p.30).

Diversos fatores entre eles os novos paradigmas que vão se construindo no seio da

complexa sociedade contemporânea, a inclusão garantida pelas Tecnologias Digitais de

Informação e Comunicação (TDIC), a consciência política das novas gerações exigem de

todas as instâncias a abertura do que se pode intitular “caixa preta” ou “zona de conforto” de

todos os processos de gestão, atuação e consecução dos seus propósitos e objetivos.

Na relação com a BNCC a administração da educação e a gestão escolar são

desafiadas a estabelecer um processo de saída em busca de práticas inovadoras e que

continuem fomentando novas posturas e novas formas de organizar a gestão servindo-se de

instrumentos e mecanismos inovadores capazes de criar redes de cooperação no interior das

instituições de ensino.

Concluindo sem terminar, a gestão democrática da educação exige uma mudança

radical de compreensão para a qual se pode aplicar a pergunta: “Quem mexeu no meu

queijo?”.

REFERÊNCIAS

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http://www.emdialogo.uff.br/content/o-ppp-em-acao. Acesso em 19/09/2016.

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Acesso em: 19 set. 2016.

______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 19 set. 2016.

______. Lei nº 7.398, de 4 de novembro de 1985. Dispõe sobre a organização de entidades

representativas dos estudantes de 1º e 2º graus e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7398.htm>. Acesso em: 2 out. 2016.

LOPES, Noêmia. O que é PPP na escola? Disponível em:

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MARÇAL, Juliane Corrêa. Progestão: como promover a construção coletiva do projeto

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32

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pública estadual. Disponível em:

<http://www.seduc.mt.gov.br/educadores/Documents/Gest%C3%A3o%20de%20Pessoas/Leg

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______. Lei nº 12.731, de 06 de novembro de 2003. Dispõe sobre a garantia da liberdade de

organização dos estudantes de ensino fundamental e médio em nosso estado, e adota outras

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VEIGA, Ilma. Passos Alencastro (Org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma

construção possível. São Paulo: Papirus, 2002.

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EIXO TEMÁTICO II

PERSPECTIVAS E DESAFIOS NA

GESTÃO DA ESCOLA

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A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: PERSPECTIVAS E

DESAFIOS NA GESTÃO DA ESCOLA

Vânio Cesar Seemann17

RESUMO

Este artigo objetiva identificar os principais atores públicos e privados envolvidos no processo

de elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e que se arranjam através de

redes políticas que buscam instituir e consolidar a gestão educacional ancorada na

padronização curricular e no modelo mercadológico, seguindo prescrições e orientações

políticas globais de cunho neoliberal. A partir disto, busca-se discutir sobre as perspectivas

colocadas neste jogo político e mapear desafios a ser enfrentados no âmbito da gestão das

instituições educativas da Educação Básica com vistas a promover uma educação pública

socialmente referenciada e de resistência à tentativa de naturalização do ideário neoliberal na

educação.

Palavras-chave: BNCC. Gestão escolar. Política educacional. Público-privado.

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: BREVES ANTECEDENTES

A elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sob a coordenação da

Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC) encontra-se em

curso desde 2015. Encontra estofo jurídico no Diploma Constitucional (1988), na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (1996) e, mais recentemente, reafirmada nas estratégias

contidas no Plano Nacional de Educação – 2014/2024 (PNE), aprovado pela Lei nº 13.005, de

25 de junho de 2014. A BNCC refere-se ao conteúdo curricular previsto para as diversas

etapas da Educação Básica – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio – no

âmbito do território nacional.

Ressalta-se que a defesa de uma base curricular em âmbito nacional tem sido

recorrente no Brasil, sobretudo após os anos 1980 quando emerge o forte apelo à

padronização curricular, amplamente defendido por organismos internacionais multilaterais e

acordos comerciais, como o celebrado entre os países constituintes do MERCOSUL, por

exemplo, e que vem se intensificado, sobretudo, a partir dos anos 2010. Esta situação fica

nitidamente demarcada no Art. 26 da LDB, alterado através da Lei nº 12.796, de 04 de abril

de 2013, que assim estabelece:

17É Graduado em Pedagogia – Orientação Educacional (FAED/UDESC), Especialista em Alfabetização

(FAED/UDESC) e Mestre em Educação na linha Educação, Comunicação e Tecnologia

(PPGE/FAED/UDESC). Atua na rede municipal de ensino de Florianópolis, com experiência em formação de

professores e gestão de programas e projetos educacionais. É pesquisador nos campos do currículo, políticas

educacionais, diversidade étnico-racial e educação integral. Atua como palestrante e conferencista em eventos

educacionais e realiza consultoria sobre políticas educacionais em sistemas educacionais públicos.

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Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino

médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas

características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos

educandos. (BRASIL, 2013, grifo nosso).

É importante destacar que desde a promulgação da LDB (1996), a competência em

legislar sobre o currículo nacional vem sendo compartilhada por dois atores políticos que

operaram por lógicas diversas: o MEC e o Conselho Nacional de Educação (CNE). Para

ilustrar essa assertiva, Elisabeth Macedo (2014) destaca que os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN) foram encaminhados pelo MEC ao CNE, em 1996, com a intenção de ser

ratificado como diretrizes curriculares nacionais. Contudo, face às críticas que lhes eram

atribuídas e o nível de detalhadamente proposto, o CNE decidiu por uma “posição

intermediária”, ou seja, elaborar e aprovar diretrizes curriculares mais gerais e manter os PCN

como alternativa curricular não obrigatória. Desta forma, as diretrizes curriculares emanadas

do CNE e os PCN se configuram como os principais documentos políticos balizadores do

currículo na Educação Básica no Brasil.

Contudo, essa posição intermediária, denominada por Menga Lüdke (1999) como

“solução razoável”, não se coadunava às demandas existentes por centralização das decisões

curriculares fortemente assentadas na padronização do currículo, na avaliação e na formação

de professores e, como tais, gestadas em múltiplos cenários – como no Reino Unido, nos

Estados Unidos e na América Latina, seguindo o ideário neoliberal e, especialmente,

propostas e disseminadas em escala global pelo Banco Mundial18. Tanto que em 1997,

surgem no Brasil as matrizes de referência para a avaliação que tomou força nos períodos

subsequentes e vêm exercendo forte pressão nas definições e práticas curriculares no âmbito

do sistema nacional de ensino.

NOVOS ATORES E INTERESSES ENTRAM EM CENA

Concomitantemente à caminhada histórica descrita anteriormente, a partir dos anos

1990, agentes sociais privados surgiram no campo da educação que, gradativamente, abriram

18 João Márcio Mendes Pereira (2010) aponta que o Banco Mundial tem sido um ator político, intelectual e

financeiro de grande destaque no desenho e disseminação de políticas sociais globais. Estas políticas têm

exercido tensionamentos e influências da definição das políticas sociais no Brasil, inaugurando, sobretudo nas

últimas décadas, o princípio da “governança” no âmbito do Estado e no setor da educação. Este princípio vem

contribuindo, apesar das resistências, para transformar a educação - um bem público - em mercadoria, em

serviço a ser oferecido no mercado como forma de produzir lucro.

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as frestas para interferir nas políticas públicas para a educação a defesa do maior controle

sobre os currículos. Desse modo, fundações ligadas a grupos empresariais19, empresas20,

grupos educacionais21, think-tanks22e movimentos como o Todos pela Educação (TPE) são

exemplos emblemáticos, acompanhando uma tendência global que Stephen J. Ball (2014)

denomina de “nova filantropia” ou “filantropia 3.0”23. Estes agentes sociais privados vêm

construindo uma complexa rede de conexões e influências junto ao MEC, à União dos

Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), ao Conselho Nacional de Secretário de

Educação (CONSED) e aos congressistas para defender seus interesses e disseminar suas

ideias, tornando suas relações e interações turvas e de difícil compreensão por pesquisadores e

estudiosos do campo educacional.

Com base no aludido, o artigo Grandes grupos econômicos estão ditando a formação

de crianças e jovens brasileiros, publicado na Revista Digital Brasil de Fato, em 1 de julho de

2015, traz a entrevista de Roberto Leher que é elucidativa sobre o que foi dito anteriormente:

A principal iniciativa dos setores dominantes na educação básica brasileira é uma

coalizão de grupos econômicos chamada Todos pela Educação, organizado pelo

setor financeiro, agronegócio, mineral, meios de comunicação, que defendem um

projeto de educação de classe, obviamente interpretando os anseios dos setores dominantes para o conjunto da sociedade brasileira. Em outras palavras, os setores

dominantes se organizaram para definirem como as crianças e jovens brasileiros

serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como classe que

tem objetivos claros, um projeto, concepções claras de formação, de modo a

converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano. Em última

instância, é com isso que eles estão preocupados: em como fazer com que a

juventude seja educada na perspectiva de ser um fator da produção. Essa é a

racionalidade geral, e isso tem várias mediações pedagógicas. A aparência é de que

estão preocupados com a alfabetização, com a escolarização, com o aprendizado,

etc. E de fato estão, mas dentro dessa matriz de classe, no sentido de educar a

juventude para o que seria esse novo espírito do capitalismo, de modo que não vislumbrem outra maneira de vida que não aquela em que serão mercadorias, apenas

força de trabalho.

Como vemos, enquanto sociedade civil organizada, os setores dominantes buscam

interferir nas políticas de Estado, difundindo a sua proposta educativa que se entrelaça no

Plano Nacional de Educação (PNE) e no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação

19Fundação Roberto Marinho, Fundação Airton Senna, Fundação Lemann e Fundação Victor Civita. 20Os grupos Gerdau, Volkswagen, D’Paschoal e Natura e os bancos Itaú, Bradesco e Santander. 21Como o CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. 22Segundo BALL (2014), as think tanks são organizações ou instituições que atuam no campo dos grupos de

interesse, produzindo e difundindo conhecimentos sobre assuntos estratégicos, buscando influenciar mudanças e

transformações sociais, políticas, econômicas, culturais ou científicas. As think tanks podem ser independentes

ou filiadas a partidos políticos, governos ou corporações privadas. No Brasil, destacam-se: Instituto Liberdade,

Instituto Milleniun, Instituto Liberal, Instituto Alcântico, Instituto Mises e Instituto de estudos Empresariais. 23 Para saber mais ver o Capitulo 4, intitulado “Nova” filantropia, capitalismo social e política educacional, da

obra Educação Global S.A. Novas redes políticas e imaginário neoliberal, publicado por Stephen J. Ball (2014).

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- em referência ao movimento que lhe serve de denominação. Essa articulação se dá através

de leis, resoluções e portarias, bem como, da adesão dos secretários municipais e estaduais às

suas metas e objetivos. Articulam-se também com o Estado brasileiro, que criou o Programa

de Ações Articuladas (PAR), em que as prefeituras ao apresentarem um projeto para a

educação municipal, têm que implicitamente aderir às metas do movimento Todos pela

Educação viabilizando a sua agenda educacional - e como forma de obter recursos financeiros

e técnicos federais.

Neste sentido, argumentam Vera Maria Vidal Peroni e Maria Raquel Caetano (2015,

p. 347):

[...] por razões econômicas e pelo fato de carregar uma forte aceitação da população

como uma ação que produz melhoria na vida das pessoas, a educação tem sido a

área eleita pela maioria dos dirigentes de empresas para direcionar suas ações de

responsabilidade social. As ações empresariais, no campo da educação, desenvolvem práticas que promovem a síntese entre o interesse individual e o

interesse geral. Elas não interferem nos interesses econômicos, nem se opõem ao

Estado, pelo contrário, atuam através e com o Estado, modificando a cultura

organizacional, visando que o Estado aprenda com as qualidades do setor privado a

flexibilidade, a inovação, a eficiência e a eficácia – ou seja, os valores do mercado.

Percebemos essas questões presentes na disputa pela Base Nacional Comum.

Nesta perspectiva, o currículo é concebido sob o pressuposto de que existe uma idade

certa para aprender determinado conteúdo, referenciado em competências, do qual os

professores não devem distanciar-se. Neste contexto, as avaliações em larga escala assumem

um papel coercitivo, instituindo no campo educacional as tecnologias da “performatividade” e

do “gerencialismo”, como argumenta Stephen J. Ball (2005), onde a educação é

mercantilizada e transformada em serviço, logo, em commodities no mercado financeiro24.

Ademais, sob a pretensa transparência dos serviços educacionais, as escolas têm seus índices

(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB) expostos nas mídias de massa,

penalizando, desmoralizando e constrangendo aquelas que não alcançaram os supostos “bons

resultados”, desconsiderando as múltiplas relações que perpassam o processo educativo

formal. Assim, a alternativa para enfrentar e reverter estes quadros passa a ser a compra de

sistemas de ensino, apostilas, e outros produtos que são fornecidos pelas próprias corporações

que, comumente, realizam também as formações continuadas, numa perspectiva

instrumentalista.

Neste cenário, Juarez da Silva Thiesen (2015), pesquisador do campo do currículo,

24 Para saber mais, ver o artigo intitulado Profissionalismo, gerencialismo e performatividade, produzido por

Stephen J. Ball e publicado na Revista Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 126, p. 539-564, set./dez.,

2005.

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aponta três grandes deslocamentos que são visíveis no Brasil e que vêm influenciando

diretamente as políticas educacionais e, mais especificamente, as políticas curriculares. Estes

deslocamentos são impulsionados por políticas globais que se capilarizam de múltiplas

formas entre os diferentes países, exercendo influência sobre as políticas locais, muito embora

se observem tensionamentos onde se aninham processos de aceitação e resistência. Segundo o

pesquisador, esses deslocamentos são:

i) O significativo volume de diretrizes curriculares formuladas e publicizadas desde

os anos 1990 e fortemente acentuado a partir de 2010; ii) o grande arsenal de

instrumentos de avaliação em larga escala que vem sendo lançado ano a ano sobre as

escolas; e iii) a expressiva participação de organizações não governamentais e

privadas na formulação, desenvolvimento e monitoramento de políticas curriculares

em estados e municípios. Este último, relativamente desordenado, em cujas fendas

mostram-se vorazmente os interesses do mercado. De fato, no chamado ‘Estado ampliado’ a velha distinção entre sociedade civil e Estado torna-se bem

problemática. (THIESEN, 2015, p. 214)

Face ao exposto, é possível inferir que diferentes grupos políticos estão em disputa

para construir sentido e significados em torno da qualidade na educação e o enfrentamento de

suas crises num cenário onde as políticas curriculares são demandadas pela equidade, pela

inclusão de grupos historicamente discriminados, pelo pluralismo epistemológico, pelo direito

à escolarização (acesso e permanência) e pela profissionalização dos educadores. Nessa

tessitura, a BNCC vem sendo defendida como uma promessa da melhorar a qualidade da

educação e, por conseguinte, a garantia do reconhecimento das diferenças e da redistribuição

de renda como condição basilar para a formação e o exercício da cidadania.

Contudo, como argumenta Elisabeth Macedo (2014, p. 1564), na BNCC:

“[...] há uma linguagem própria da pedagogia, baseada na aprendizagem, que oferece suporte técnico para a aderência de professores e acadêmicos ao discurso

neoliberal. Nessa interpretação, direitos de aprendizagem e padrões de avaliação se

articulariam num mesmo discurso”.

Adensando a discussão, a autora acrescenta que o trabalho integrativo entre o público

e o privado na discussão e elaboração da BNCC tem se pautado na experiência americana do

common core ou núcleo comum25 a qual vem sendo patrocinada pela Fundação Bill &

Melinda Gattes e outras empresas educacionais como a Pearson Corporation, todas

25 “O Núcleo Comum é um conjunto de padrões de alta qualidade acadêmica em matemática e língua inglesa e

literatura. Esses objetivos de ensino mapeiam o que um aluno deve saber e ser capaz de fazer ao fim de cada ano.

Os padrões foram criados para assegurar que todos os alunos terminem o ensino médio com as habilidades e os

conhecimentos necessários para serem bem sucedidos no ensino superior, na carreira e na vida,

independentemente do lugar onde vive”. (MACEDO, 2014, p. 1547)

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envolvidas na produção de materiais decorrentes da adoção generalizada dos padrões

curriculares.

Esta experiência, no contexto da prática daquele país, tem revelado a piora dos

indicadores e evidenciado que o desenho da crise que justificou sua utilização não encontra

justificativa nos dados. Ademais, somam-se a isso os elevados custos na produção e aplicação

dos padrões que tem alavancado a transferência de recursos públicos expressivos para as

empresas privadas do setor educacional, reduzindo a capacidade de investimentos no próprio

aparato educacional público (RAVITCH, 2013 apud MACEDO, 2014).

No caso brasileiro, é possível inferir - através da análise sobre os atores envolvidos e

os respectivos interesses que defendem, bem como, do conteúdo textual político - que a

BNCC está intimamente ligada à avaliação pela qual se opera uma nova engenharia de

regulação onde a ideia de promover uma educação de qualidade está relacionada ao controle

centralizado do que será ensinado e aprendido nas instituições educativas da Educação Básica.

Nesta perspectiva, a crise educacional é justificada pela má gestão pública, professores mal

formados pela academia e o desperdício dos recursos públicos dirigidos a este setor. Para

tanto, dados estatísticos são tomados como elementos irrefutáveis e justificadores de

intervenções regulacionistas que abrem o campo para os discursos pautados na

performatividade, através da linguagem que lhe é inerente, buscando conferir sentido e

significados às praticas curriculares, às subjetividades e o governo dos indivíduos.

Com base no aludido, a BNCC traz consigo a ideia de que por meio da avaliação se

garantirá boas práticas, assegurando o sucesso dos estudantes em termos de aprendizagem e

aos professores o cumprimento de suas metas sociais e educativas conforme lhes é outorgado,

na “crença” de que a avaliação demonstre a qualidade do seu trabalho e, com isso, afaste de si

a vergonha e culpa que lhes foram imputadas no quadro de crise educacional desenhado. Com

isso, coloca-se em xeque a dimensão ética, crítica e investigativa indispensável ao exercício

profissional dos professores, colocando-os na condição de meros replicadores de técnicas e

métodos.

Nesse empreendimento, o que se evidencia é uma redução conceitual alavancada por

duas razões básicas: 1) o afastamento do professor do exercício político, ético e pedagógico

de pensar o projeto educacional; 2) a ideia da existência de um conhecimento exterior e prévio

à escola que deve ser apreendido e aprendido por ela – como remanescência da pedagogia

tradicional. (VEIRA, 1997)

Como indica Leda Scheibe (2015):

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[...] a BNCC é uma oportunidade ímpar para discutimos as necessárias mudanças em

um modelo de avaliação que tenta, a todo custo, tirar o foco das condições de

aprendizagem dos estudantes e de trabalho dos educadores, para induzir o senso

comum a acreditar apenas no mérito espontâneo e individual dos sujeitos. A opção

de levar em conta a avaliação para subsidiar as políticas educacionais não é

equivocada, desde que essa política seja capaz de fornecer bons diagnósticos para a

qualidade da educação, valorizando a democratização e a emancipação da escola e

reconhecendo as diversidades e as adversidades que marcam os sujeitos que

frequentam a escola pública.

Com base no exposto, entende-se que as discussões sobre a BNCC não podem

prescindir sobre o debate das desigualdades sociais e educacionais existentes, tampouco, da

questão da qualidade social da educação. É preciso desconstruir o discurso de que a

elaboração da BNCC, por si só, será o bastante para promover a qualidade da educação. Na

verdade, entende-se que a BNCC é uma das políticas educacionais a ser promovida em

concomitância com políticas de acesso à escolarização, de financiamento, de

profissionalização e valorização dos educadores, de provimento das condições adequadas de

trabalho pedagógico, dentre outras. É na convergência destas políticas para o fortalecimento e

cumprimento do papel social e político das instituições educativas da Educação Básica que

será possível construir a possibilidade real de se democratizar efetivamente a educação e,

sobretudo, fortalecer o projeto político pedagógico escolar como mecanismo de gestão -

coletivamente construído e defendido pelas comunidades. Do contrário, a BNCC estará

fadada a tornar-se um currículo mínimo que se traduzirá no contexto da prática ao máximo,

proliferando assim as desigualdades sociais e educacionais existentes e comprometendo a

formação integral dos estudantes/cidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme buscamos evidenciar ao longo deste texto, o direito à educação é condição

sine qua non para a formação e o exercício da cidadania brasileira na atualidade, o que, aliás,

tem sido recorrente no âmbito da história da educação, sobretudo no final dos séculos XX e

início do século XXI. Há certo consenso de que todos devem ter acesso à escolarização, muito

embora suas finalidades, objetivos e conteúdos revelem polissemias e polifonias associadas

aos diferentes interesses e perspectivas que lhes são imanentes. É neste contexto complexo,

portanto, que a BNCC se inscreve e se escreve. Um contexto marcado por um jogo político

onde se aninham disputas por projetos de educação e de sociedade, antagônicos entre si, e que

engendram desafios para se pensar a gestão da escola.

Sem a intenção de apresentar soluções absolutas, mas reconhecendo que a atividade

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intelectual é crucial neste momento da história humana e educacional, apontaremos alguns

desafios que, a nosso ver, necessitam ser explicitados e enfrentados como forma de lutar por

uma educação pública de qualidade socialmente referenciada.

O primeiro desafio é assegurar o acesso à escolarização básica às crianças,

adolescentes e jovens, bem como, aos adultos e idosos que não tiveram esta oportunidade em

suas vidas anteriormente. Neste sentido, urge reafirmar que o Estado continua sendo o

responsável pelo acesso, o que demandará a ampliação das vagas públicas, tanto quanto o

investimento de recursos financeiros para promover as condições materiais, humanas e

pedagógicas adequadas para que o ensino possa ser realizado com qualidade social.

O segundo desafio é reconhecer e problematizar o conteúdo pedagógico e a gestão da

escola que estão sendo cada vez mais determinados por instituições e grupos dominantes do

mercado que buscam introduzir e consolidar a lógica mercantil na educação, com a pretensa

justificativa de que deste modo estão contribuindo para a qualidade da escola pública,

mantendo incólumes as reais causas das desigualdades políticas, econômicas, culturais e

educacionais, ou seja, o modelo de produção capitalista pautado no ideário neoliberal que tem

na sua sabe a exclusão.

O terceiro desafio é entender que o currículo é o principal catalisador do processo de

construção da qualidade social da Educação Básica. Como tal, há que vincular a função social

e política das instituições educativas da educação básica às expectativas de sua comunidade e

a valorizar a construção coletiva dos tempos e espaços educativos, dos conteúdos a serem

trabalhados, das formas de avaliação a serem adotadas, enfim, a gestão escolar em suas

múltiplas dimensões. Estes aspectos curriculares são primordiais para a construção e

desenvolvimento, teoricamente fundamentado e eticamente justificado, do projeto político-

pedagógico das instituições educativas. No enfrentamento deste desafio emerge um

pressuposto elementar a ser tratado no debate curricular que se relaciona às condições efetivas

da sociedade em que vivemos - que tem como características o fato de ser economicamente

desigual e socialmente injusta - e que se manifestam na realidade educacional.

O quarto desafio é problematizar as políticas curriculares em curso no Brasil e suas

conexões com políticas globais, desvelando as redes de políticas existentes e os atores

envolvidos, bem como, as lutas que pulsam no país e que estão enfrentando a pedagogia do

capital, criticando a meritocracia, os sistemas de avaliação centralizados, o uso de apostilas

dos sistemas educativos privados e a racionalidade das competências na educação, que

encontram ancoragem nas tecnologias do gerencialismo e da performatividade, a partir das

quais os “especialistas da educação privados” buscam ditar soluções e o uso de métodos

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marcadamente instrumentalistas. Afinal, como lembra Christian Laval (2004), a escola não é

uma empresa.

Por fim, o último desafio é produzir novas sínteses e novas possibilidades para que a

classe trabalhadora tenha sua própria agenda para o futuro da educação pública. Um desafio

que se configura como um complexo processo que exigirá esforço organizativo e intelectual,

que produza uma produção pedagógica mais sistematizada, aprofundada e crítica

comprometida com a formação integral dos sujeitos que cotidianamente convergem para as

instituições de ensino da Educação Básica, numa perspectiva democrática, emancipatória e

digna. Pois, como destaca Daniel Prieto Castillo (2014, p. 49):

Não podemos aceitar que nos convidem a desvelar-nos, nem também que – por

conta da estrutura do sistema – nos neguem nossa qualidade de intelectuais

dedicados à educação. Um intelectual que se preze não só recorre a outras vozes

para fazer pedagogia, mas também desenvolve a sua, produz uma obra e a propõe

para promover e acompanhar aprendizagens. Um intelectual que só repete o que os

outros disseram não cumpre seu papel de educador, porque menospreza sua fala,

apesar de tê-la, apesar de suas experiências, de sua prática, de sua história pessoal,

do que viveu no dia a dia com seus alunos e colegas.

Com base no exposto, a escolarização na contemporaneidade e as disputas em seu

entorno, fez emergir conflitos epistemológicos que são latentes no âmbito das políticas

educacionais e nas práticas curriculares, tanto nas salas de aula como na gestão educacional.

Neste contexto, é preciso pensar sobre qual escola queremos, sobretudo, se considerarmos o

que as pesquisas têm demonstrado: que as instituições educativas da educação básica vêm

alterando suas relações pedagógicas, reorganizando seus tempos e espaços educativos, enfim,

alterando seus currículos para trabalhar a partir dos exames que são propostos pelas

secretarias de educação ou pelo governo federal. Reconhecer e enfrentar esses desafios é

primordial quando em tela está o projeto de escola que queremos e o projeto de sociedade que

pretendemos construir coletivamente.

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GESTÃO DEMOCRÁTICA: UM NOVO OLHAR PARA A EDUCAÇÃO

CATARINENSE

Lauro Roberto Lostada26

INTRODUÇÃO

Os caminhos percorridos até os nossos dias transparecem um movimento de

contraditórios, que deixa claro que a história é feita por impasses, revoluções e acomodações.

Ora ficamos parados sem saber o que fazer; outros momentos levantamos bandeiras e não

raras vezes ficamos enquanto expectadores, vendo a banda passar. Mas, no conjunto da obra,

observamos que as lutas travadas entre as elites e os movimentos sociais vêm escrevendo a

própria história da educação, enquanto recorte de um movimento político maior, onde se

inscreve a própria história do país. O conceito que prevalece em toda essa narrativa passa a

ser o de democracia, quando o povo exerce a soberania sobre o governo, ou seja, onde os

interesses do povo prevalecem sobre os interesses das elites ou das economias. A escola

exerceu por muito tempo o papel de reproduzir as estruturas estabelecidas e, portanto,

consolidar as divisões sociais, servindo tanto para ascender as elites, justificando seu poder,

quanto estagnar as massas.

Afirma Valle (2010) que, na escola, o legado econômico da família se transforma e se

materializa em capital cultural, reproduzindo, legalizando e efetivando a desigualdade da

sociedade e seus valores, seja através do sistema, dos conteúdos ou da própria avaliação.

Enquanto educadores e cidadãos preocupados com os rumos da nossa sociedade,

contudo, precisamos pensar em instrumentos eficazes para a transformação da escola. Assim,

podemos ler:

Contudo, a ruptura herética da ordem estabelecida (e também das disposições e

representações por ela engendradas nos agentes moldados conforme suas estruturas)

supõe a conjunção entre o discurso crítico e uma crise objetiva, capaz de romper a

concordância imediata entre as estruturas incorporadas e as estruturas objetivas de

que as primeiras constituem o produto, bem como de instituir uma espécie de épochè

prática, vale dizer, de suspensão da adesão originária à ordem estabelecida

(BOURDIEU, 1998, p. 118).

Bourdieu (1998) alerta-nos para a importância e determinação de romper com o

estabelecido. E, neste rumo de reflexões, a educação constitui-se real possibilidade de

libertação das pessoas, pois oferece instrumentos capazes de mobilizar instâncias de discussão

26 Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atua como servidor público estadual

da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina. EEB Irmã Maria Teresa, Rua Menino Deus, 248 – Barra

do Aririú, Palhoça. CEP: 88134-480, Contato: [email protected].

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coletiva (real-política), que podem dar força à razão, demolindo falsos problemas e

produzindo problemas reais – essas instâncias, aliás, carregam em seu bojo as forças vivas

que agem no sentido de coletivamente promover a autonomia do conhecimento e, portanto,

libertar a escola de sua função reprodutora.

Força esta, assim desenhada por Bourdieu (2003, p. 64) enquanto reflexão coletiva,

assim descrita:

É só uma reflexão coletiva, capaz de mobilizar todas as forças vivas da instituição (e

em particular, os pesquisadores mais ativos e mais inspirados, sobretudo entre os

mais jovens) e todos os recursos (que seria preciso censear e mobilizar e dar a

conhecer a todos os membros da instituição), poderia conduzir a essa espécie de

conversão coletiva que é a condição de uma verdadeira atualização (BOURDIEU,

2003, p. 64).

Faz-se interessante, neste momento, trazer à discussão, ainda que brevemente, o

conceito de habitus em Bourdieu (1998), enquanto disposições duráveis e transmissíveis em

relação à posição do indivíduo no campo, ou seja, o local de atuação social do indivíduo

dentro da sociedade, aquele que dirige também o criador a participar de sua coletividade e de

sua época, orientando-o, sem que ele tenha consciência, em seus atos de criação. Isto porque

habitus compreende a disposição engendrada em nós que nos faz singular e plural ao mesmo

tempo no convívio em sociedade.

Sem considerar o estabelecido e o estabelecer, não há, talvez, outra forma de mudar

essa situação, já que o indivíduo precisa tomar consciência de seu estado. As estruturas

sociais necessitam ser expostas e as estratégias de reprodução, por assim dizer, desveladas.

Desde a relação entre pai e filho, passando pela escola, a igreja, e as demais instituições, é

preciso vislumbrar cada situação com um olhar crítico, pois é no cotidiano que se expressam

as mais profundas e enraizadas estruturas que fazem com que a realidade permaneça tal e qual

e que, inconscientemente, assumamos determinados papeis na sociedade.

Assim, concebemos que hoje, pelo impacto que as mídias trouxeram para a sociedade,

muita coisa mudou. Martín-Barbero (2004), por exemplo, afirma que vivemos uma cultura

pré-figurativa, onde os pares estão substituindo os pais e o aprendizado passa a ser fundado na

própria exploração que os jovens fazem do seu universo tecnocultural (MARTÍN-BARBERO,

2004, p. 334). Nesse cenário, aduz-se que a educação apresenta grandes descompassos, pois

seus objetivos de universalização não são atingidos, sua qualidade tem se deteriorado

gradativamente, os professores são desmoralizados com seus baixos salários, escassez de

recursos e não-renovação de suas equipes. Além destes elementos, também podemos

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considerar os modelos de comunicação que subjazem à educação como fatores desses

descompassos, afinal, a escola encorpora um regime do saber baseado unicamente no texto

impresso.

Consolida-se um verdadeiro paradigma educacional, onde o texto impresso (livro, etc)

instaura uma territorialização das identidades através da aprendizagem fundada no controle

social – seja por informação ou por segredo. A aprendizagem passa a ser medida pela

evolução da própria leitura, que se transforma numa escala mental de desenvolvimento e,

assim, o rendimento escolar também é comensurado por pacotes de informação apreendidos,

num modelo escolar que, não raras vezes, seguem à risca a tradição cristã, progenitora do

ensino escolar moderno, com relação à leitura das sagradas escrituras – tanto quanto o clérigo

detinha o poder da leitura e interpretação autêntica dos Livros Sagrados, agora o professor é

quem detém o poder de leitura e interpretação autêntica do livro didático.

As mídias, enquanto representantes desse novo cenário participativo, acabam sendo

refutadas nesta escola, pois:

A criatividade do leitor cresce na medida em que cai o peso da instituição que a

controla. Daí a antiga e pertinaz desconfiança da escola com relação à imagem, em

direção a sua incontrolável polissemia que a converte no contrário do escrito, esse

texto controlado internamente pela sintaxe e de fora pela identificação da clareza

com a univocidade. A escola buscará, contudo, controlar a imagem, seja

subordinando-a ao ofício de mera ilustração do texto escrito, seja acompanhando-a

de um cartaz que indique ao aluno o que diz a imagem (MARTÍN-BARBERO,

2004, p. 337).

A escola, da forma como atua, acaba produzindo nos jovens uma lacuna cada dia mais

profunda entre sua cultura e a que ensinam seus professores. Essa lacuna os deixa literalmente

indefesos ante a atração que exercem as novas tecnologias, tornando-os incapazes de se

apropriarem crítica e criativamente delas. As tecnologias são, para as escolas, na sua grande

maioria, apenas uma possibilidade de tornar o ensino menos entediante diante da inércia

insuportável das jornadas escolares, exercendo uma função meramente instrumental. O

professor se sente confiante diante do poder que tem com o texto, mas balança quando se vê

diante das mídias, afinal, o aluno sabe muito mais e maneja com maior facilidade que ele as

linguagens da imagem.

O livro, certamente, continua e provavelmente continuará sendo a base para uma

primeira alfabetização, mas é preciso ir além dessa cultura e fundar uma segunda

alfabetização que abra as portas para as múltiplas escritas que hoje conformam o mundo

tecnocultural. A educação não pode virar suas costas para as transformações do mundo e os

novos saberes por ele mobilizados e, por isso, sua nova função passa a ser a construção de

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cidadãos críticos, que saibam ler de forma cidadã o mundo. O professor precisa converter-se

em um formulador de problemas, provocando interrogações, coordenando equipes de

trabalho, sistematizando experiências, consolidando um verdadeiro diálogo entre culturas e

gerações.

“As tecnologias digitais [são] como investimento na autonomia dos estudantes para

gerenciar sua educação, para que possam aprender perguntando e respondendo os desafios

educativos e formativos da sociedade atual” (SANCHO, 2006, p. 31).

DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA: UM DESAFIO PARA O SÉCULO XXI

As mudanças aqui apresentadas, bem como os movimentos que foram organizados ao

longo da história em vista da redemocratização da sociedade brasileira resultaram num

processo de discussão da própria educação brasileira, entre elas a gestão escolar. Deste modo,

a intenção latente destes movimentos foi de democratizar também as relações de poder no

interior das escolas. Assim, para efetivar tal proposta de educação, cada vez mais equalizada

com o mundo contemporâneo, alguns instrumentos foram sendo instituídos para garantir uma

base mais democrática às escolas:

a) Conselho Deliberativo Escolar: Consiste num órgão de representação da

comunidade escolar com caráter consultivo, deliberativo e mobilizador.

b) Associação de Pais e Professores: É uma associação constituída por pais e

professores das escolas com finalidades determinadas livremente em seus próprios estatutos,

que na maioria das vezes apontam para alternativas de trabalho conjunto e com objetivos que

levam em consideração a realidade da escola à qual está vinculada. É, em resumo, um

organismo de representação e organização dos pais, dos educadores e da comunidade escolar.

c) Grêmio Estudantil: Constitui-se num dos mecanismos para o desenvolvimento da

cidadania do educando, cidadania esta que deve ser fomentada, discutida e exercida dentro

das escolas. Desta forma, o Grêmio Estudantil constitui-se como uma entidade representativa

dos alunos, que deve participar ativamente na elaboração, execução, avaliação e reelaboração

do Projeto Político Pedagógico da Escola, favorecendo o desenvolvimento da consciência

crítica, da realidade social, da prática democrática, da criatividade e da iniciativa dos alunos,

indispensáveis para o exercício da cidadania.

d) Projeto Político Pedagógico: Enquanto resultado expressivo de todas as lutas e

movimentos travados na história do país pela democratização, espera-se, certamente,

constituir como a referência basilar norteadora de todos os âmbitos da ação educativa da

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escola, por isso ele requer a participação de todos aqueles que compõem a comunidade

escolar para sua efetiva elaboração e implementação. Em resumo, podemos considerar que

seu nome já traduz a essência do que se propõe, afinal, estamos falando de um projeto, porque

reúne propostas de ação concreta a executar durante determinado período de tempo, que é

político por considerar a escola como um espaço de formação de cidadãos conscientes,

responsáveis e críticos, que atuarão diretamente na sociedade, modificando os rumos que ela

vai seguir; e que é, também pedagógico, porque define e organiza as atividades e os projetos

educativos necessários aos processos de ensino e aprendizagem. Aliás, em plena época de

debates acirrados sobre a concepção de um modelo educacional baseado numa “escola sem

partido”, podemos ler:

A educação transmite porque quer conservar; e quer conservar porque valoriza

certos conhecimentos, certos comportamentos, certas habilidades e certos ideais.

Nunca é neutra: escolhe, verifica, pressupõe, convence, elogia e descarta. Tenta

favorecer um tipo de homem em face dos outros, um modelo de cidadania, de

disposição para o trabalho, de maturidade psicológica e até de saúde, que não é o

possível mas que se considera preferível aos demais (...) nenhum professor pode ser

verdadeiramente neutro, isto é, escrupulosamente indiferente diante das diversas

possibilidades que se oferecem ao seu aluno: se o fosse, começaria antes de tudo por

respeitar (por ser neutro diante dela) sua própria ignorância, o que transformaria a

demissão em seu primeiro e último ato de magistério. (...) De modo que a questão educacional não é "neutralidade-partidarismo", mas sim estabelecer que partido

vamos tomar. Não pode nem deve haver neutralidade, por exemplo, no que se refere

ao repúdio à tortura, à pena de morte, à prevaricação dos juízes ou à impunidade da

corrupção em cargos públicos; nem no que diz respeito à defesa das proteções

sociais à saúde ou à educação, à velhice ou à infância, nem quanto ao ideal de uma

sociedade que corrija o mais possível o abismo entre opulência e miséria. Por quê?

Porque não se trata de simples opções partidárias, mas de realizações da civilização

humanizadora às quais já não podemos renunciar sem incorrer em concessão à

barbárie (SAVATER, 2012, p. 141-153).

e) Gestão Democrática Escolar: Até pouco tempo atrás os diretores das escolas

públicas de Santa Catarina eram considerados cargos comissionados e, portanto, sua escolha

dava-se por critérios políticos. O principal problema desta forma de seleção é que, em geral,

os diretores acabavam agindo em consonância com os interesses dos seus representantes, a

quem deviam certa subordinação, colocando, portanto, os interesses da própria escola em

segundo plano.

Até pouco tempo atrás a maioria dos diretores das escolas públicas de Santa Catarina

eram indicados, por critérios políticos, em panoramas partidários, tantas vezes, providos por

cargos de “confiança”, seja por função gratificada ou por comissão. O principal problema

desta forma de seleção é que, em geral, os diretores acabavam agindo em consonância com os

interesses dos seus representantes, a quem deviam certa subordinação, colocando, portanto, os

interesses da própria escola em segundo plano, com raras exceções.

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Uma das grandes conquistas dos movimentos populares e da redemocratização da

escola foi, portanto, também a mudança na escolha dos diretores escolares, promovida em

Santa Catarina através do Decreto nº 1.794, de 15 de outubro de 2013, e Portaria SED nº 01,

de 22 de janeiro de 2014. A partir de 2015, ficou estabelecido que a gestão escolar, em todos

os níveis e modalidades da educação catarinense, passa a contar com a participação efetiva da

comunidade escolar, que poderá decidir, dentre os candidatos existentes nas unidades

escolares, aquele que considera o que melhor apresenta um Plano de Gestão para o exercício

dos princípios da gestão democrática e da autonomia escolar.

Desta forma, a gestão escolar passa a ser exercida pela equipe gestora (diretor de

escola e assessoria), com observância às diretrizes e normas oriundas da Secretaria de Estado

da Educação, da legislação educacional vigente, do PPP (Projeto Político Pedagógico) e do

Plano de Gestão Escolar.

O exercício da gestão escolar fica atrelado diretamente ao Plano de Gestão Escolar

selecionado pela comunidade escolar dentre os apresentados em processo seletivo

democrático, para o período de quatro anos. Este Plano deverá explicitar as metas que

evidenciem o compromisso com o acesso, a permanência e o êxito na aprendizagem do

estudante.

De outro modo, o processo de seleção dos Planos de Gestão Escolar em Santa Catarina

passa a ser composto pelas seguintes etapas (SANTA CATARINA, 2013):

I – Seleção pela banca avaliadora das propostas de planos de gestão escolar para

submetê-los à escolha da comunidade escolar;

II – Escolha pela comunidade escolar, entre as propostas selecionadas pela banca

avaliadora, do Plano de Gestão Escolar.

Exige-se do gestor escolhido pela comunidade escolar o ato de assinar um Termo de

Compromisso de Gestão, que será devidamente acompanhado e avaliado anualmente pela

Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina, através de parecer dos organismos

democráticos da escola, em geral o Conselho Deliberativo, que terão a missão de

acompanhar/fiscalizar periodicamente a gestão escolar no cumprimento do que foi proposto

no Plano de Ação.

PLANOS DE GESTÃO ESCOLAR

Como foi apresentado, existem diversos instrumentos para a democratização do

espaço escolar. O que se percebe, porém, é que esses instrumentos não eram capazes de

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promover mudanças diante de sua submissão aos interesses das gestões escolares, comumente

atreladas a partidos e interesses maiores, de caráter governamental. Sendo assim, a gestão

democrática, conforme o que se projetou com o Decreto nº 1.794, de 15 de outubro de 2013, e

Portaria SED nº 01, de 22 de janeiro de 2014, tornou-se a grande promessa para uma gestão

escolar democrática.

O que se verificou, contudo, é que esse projeto, em sua versão inicial, não atendeu

ainda aos anseios das comunidades escolares. A questão é que foram estabelecidos critérios

que privilegiavam apenas uns poucos, já instados nas administrações escolares. Professores

que integraram movimentos grevistas, por exemplo, não podiam participar do processo

seletivo por deterem mais faltas do que foi estipulado. Da mesma forma, aqueles que não

dispunham de formação complementar em Gestão Escolar também não poderiam concorrer

aos cargos – neste sentido é importante ressaltar que o curso foi ofertado gratuitamente a

todos os gestores escolares que estavam em exercício através do PROGESTÃO e os demais

interessados. Por outro lado, tiveram de arcar com o custo dessa formação em algumas poucas

instituições credenciadas para a oferta – alguns também fizeram o curso, mas suas instituições

formativas não foram credenciadas e, portanto, seus cursos passaram a não ter validade para a

participação na seleção.

Tendo participado como consultor ad hoc nos processos de avaliação dos Planos de

Ação nos anos de 2013 e 2015, avaliei as proposições de mais de vinte candidatos ao cargo de

gestor escolar para as escolas públicas de Santa Catarina. Para a realização deste estudo,

contudo, optei por restringir a análise a apenas dez propostas, selecionadas de maneira

aleatória no portal http://sistemas2.sed.sc.gov.br/webgesc/, onde se pode encontrar todos os

Planos de Gestão daqueles que se candidataram ao cargo de Gestor Escolar e que,

eventualmente, foram acolhidos por suas comunidades em um processo seletivo organizado

segundo os parâmetros definidos pela própria Secretaria de Estado de Educação e aplicados

por uma Comissão Interna.

Há orientação no sentido de que os Planos de Gestão sejam apresentados com

referencial teórico, objetivo geral, diagnóstico da situação escolar, metas, ações, avaliação e

referências, assim desenhado:

* Referencial teórico: Base filosófica: Materialismo histórico e dialético. Base

pedagógica: teoria histórico-cultural. Menção a Proposta Curricular do Estado de Santa

Catarina. Formação humana Integral como perspectiva. Democratização da gestão dos

processos educativos, nas suas múltiplas dimensões, pela valorização e fortalecimento do

trabalho coletivo. Diversidade como princípio formativo. Igualdade de direitos para acesso,

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permanência e aprendizagem na escola;

* Objetivo geral: Mencionar o objetivo como norteador de todo o plano com foco na

perspectiva pedagógica;

* Diagnóstico: Dimensão socioeconômica (Relata a importância do levantamento de

dados para melhor conhecimento da comunidade); Dimensão Pedagógica (Aponta o

Currículo percurso formativo que o Plano apresentou. Adota métodos e procedimentos

dialógico-problematizadores. Relata a forma que a avaliação da aprendizagem é abordada.

Faz menção a relação entre professor/aluno. Levanta a forma como são realizadas as reuniões

pedagógicas, cursos, seminários. Faz considerações à cerca dos projetos pedagógicos. Aborda

os índices de desempenho dos estudantes. Caracteriza o acompanhamento das atividades dos

estudantes pelos pais); Dimensão administrativa (Apresenta o corpo diretivo e docente da UE,

bem como deixa claro a formação acadêmica dos profissionais. Aponta a forma de

atendimento dos pais, estudantes e professores. Reforça a participação da comunidade nas

instâncias deliberativas da escola); Dimensão Financeira (Deixa claro que a forma de

captação de recursos e se a forma de planejamento dos gastos destes recursos é adequada a

legislação vigente); Dimensão Física (Apresenta as instalações gerais da escola. Reforça as

condições das instalações e espaços de acessibilidade);

* Metas (Apresenta as metas como de acordo com cada dimensão anteriormente

abordada. Aponta as metas como adequadas para a superação dos limites apontados no

diagnóstico);

* Ações (Considera as ações como adequadas para atingir as metas e objetivos

propostos. Aponta a relação dos problemas apontados no diagnóstico e a ação apresentada);

* Avaliação (Faz menção a forma e periodicidade da avaliação apresentada no Plano);

* Referências bibliográficas;

O primeiro elemento a se considerar na análise sobre a Gestão Democrática é que,

segundo os parâmetros do processo, a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina

organizou uma equipe de consultores ad hoc, contratados mediante chamada pública, segundo

critérios avaliativos que compreendiam o nível de formação e a experiência em gestão

escolar. Os consultores tiveram a tarefa de avaliar cada um dos Planos de Gestão

apresentados, apontando sugestões ou problemas em sua elaboração com base nos critérios já

elencados neste escrito. O interessante é que tais elementos não teriam caráter excludente, não

podendo o parecerista indeferir a proposta. A atuação do grupo passou a consistir apenas em

apontamentos que estariam disponíveis publicamente para avaliação da comunidade escolar,

podendo o proponente acatar ou não as críticas e sugestões apresentadas.

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O segundo elemento a se considerar é que, de treze propostas analisadas neste

trabalho, praticamente todas apontavam para:

a) Os proponentes demonstraram estar conscientes das práticas administrativas e

pedagógicas das instituições, dando a entender que já eram sujeitos envolvidos nestas

funções;

b) Conhecedores das práticas administrativas e pedadógicas de suas insituições,

poucos dos proponentes apresentaram metas no sentido de compor indicativos concretos para

uma gestão escolar inovadora, cumprindo, em geral, o rito de um administrador tradicional,

preocupado apenas com a organização burocrática da escola e com o cumprimento irrestrito

de suas diretrizes;

c) Não foi possível encontrar nas propostas apresentadas praticamente nenhum plano

que considerasse a plenitude do projeto, com a projeção de ações exequíveis para um período

de quatro anos de gestão – note-se, neste sentido, que não houve a compreensão plena da

realidade da escola (muito pela falta de dados estatísticos), nem tampouco havia

demonstração de onde pretendiam chegar ao final do período proposto para a gestão, ou seja,

que escola o proponente imaginava para o final de sua gestão;

d) Observou-se, na maioria das propostas, incoerências administrativas evidenciando a

má formação dos proponentes em seus cursos de gestão escolar, diante do qual há equívos em

relação à fundamentação da educação, suas bases, fontes financiadoras, dentre outros

aspectos;

e) Não houve, embora solicitado, o estabelecimento de metas estatísticamente

projetáveis, ou seja, praticamente nenhum dos proponentes apresentou dados e números para

projetar suas ações, mantendo proposições de caráter generalizante, sem comprometimento

com resultados numericamente verificáveis;

f) Muitos dos projetos também não traçaram claramente como seriam avaliados

durante o período, tornando duvidosa a dimensão democrática que as propostas deveriam

assumir;

g) Acrescente-se, ainda, o fato de que não percebemos, nas análises, a existência de

projetos alternativos para as escolas, sendo, na maioria, apresentado um único Plano de

Gestão para o aceite da comunidade escolar, impossibilitando alargar as margens de debates

sobre a gestão escolar, bem como sobre as alternativas de adminstração escolar;

De maneira geral, o plano de gestão deveria constituir-se como um verdadeiro

contrato, em que o proponente deixaria clara a realidade da escola e seus desafios/problemas,

apontando estratégias que serviriam de base para que, em sua administração, acontecessem

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mudanças e a escola atingisse melhores resultados. Assim, o cenário concreto e propositivo de

inovações, estaria claramente descrito para que os organismos deliberativos e consultivos

pudessem adequadamente avaliar sua exequibilidade e, com o tempo, a efetividade gestora.

No momento não é possível afirmar que houve mudanças significativas na gestão

escolar em Santa Catarina, pela amostra aqui tratada neste artigo, complementada por meus

estudos e atuação cotidiana na escola, pois os indícios apontam para a permanência, mesmo

que parcial, do modelo gestor anterior, ainda comprometido com os interesses político-

estatais. De qualquer modo, também há elementos suficientes para se afirmar que o novo

modelo em breve será capaz de superar este cenário, instituindo um processo realmente

democrático que possibilite a expressão das vontades de alunos, pais, professores e

funcionários de nossas escolas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que vimos no decorrer deste trabalho é que as lutas travadas ao longo da história em

vista da democracia resultaram também na mobilização de instâncias que viabilizaram a

democratização da escola, bem como a sua autonomia. Nestes termos, vislumbramos como a

participação da comunidade escolar na gestão educacional passa a se tornar algo real no

cotidiano das escolas, embora ainda tenhamos grandes desafios no sentido de efetivar tais

instâncias como verdadeiros núcleos de participação coletiva.

Esse trabalho de efetivação dos espaços democráticos como verdadeiros espaços de

participação política pode ser considerado um dos grandes desafios do gestor do século XXI,

que, enquanto condutor do fazer escolar, pode gerir espaços de discussão, colaborando

diretamente para a construção de uma escola mais comprometida com a sociedade e seus

rumos.

Os instrumentos de democratização escolar estão tecendo atualmente um cenário

altamente propício à participação e democracia, de forma que, embora ainda não tenhamos

presenciada a promoção de uma escola para todos, é muito provável que a vejamos muito em

breve, possibilitando uma revolução que poderá mudar os rumos da educação catarinense.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. As contradições da herança. In: NOGUEIRA, M.A.; CATANI, A.

Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

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54

______. Os usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campo científico. São

Paulo: Editora da UNESP, 2003.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da

comunicação na cultura. São Paulo: Loyola, 2004.

SANCHO, Juana María. De tecnologias da informação e comunicação a recursos educativos.

In: SANCHO, Juana María, et al. Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre:

Artmed, 2006.

SANTA CATARINA. Decreto nº 1794/13. Dispõe sobre a Gestão Escolar da Educação

Básica e Profissional da rede estadual de ensino, em todos os níveis e modalidades.

Florianópolis, 2013.

______. Entidades de Gestão Democrática Escolar. Florianópolis, 2008.

SAVATER, Fernando. O valor de educar. São Paulo: Planeta do Brasil, 2012.

VALLE, Ione Ribeiro. O olhar de Pierre Bourdieu sobre os princípios (meritocráticos)

que fundam a escola republicana. Trabalho apresentado na ANPED SUL, Londrina, 2010

(mimeo).

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O FRACASSO DO COMPARATIVISMO AVALIADOR EM ESCOLAS

PÚBLICAS MUNICIPAIS CATARINENSES E PARANAENSES

Carlos Eduardo Moreira27

RESUMO

Este texto trata do fracasso do comparativismo avaliador em escolas públicas municipais

catarinenses e paranaenses, como parte de um conjunto de reflexões resultantes de pesquisa

desenvolvida em oito municípios dos estados do Paraná e Santa Catarina, em nível de

doutorado, no Programa de Estudos Pós Graduados em Ciências Sociais, da PUC/SP, no

período de 2011 a 2015. Para isso, o texto reflete o processo de construção de um modelo de

gestão gerencial-democrático, que teve início no Governo FHC, sofreu acréscimos no

Governo Lula e a continuidade no Governo Dilma, no qual o comparativismo avaliador foi

definido com os principais instrumentos de gestão elaborados pelos governos FHC e Lula,

com a adesão ao PISA, em 2000, e a criação do IDEB em 2008. Os resultados da participação

dos educandos, do seu desempenho e da escola municipal foram balizadores de ações

consideradas complementares ou “voluntárias” pelo governo federal para o atingimento de

índices equiparáveis com os países desenvolvidos. No nível municipal, a aplicação, a

divulgação e a discussão dos resultados desses instrumentos de gestão foram ressignificados

ou simplesmente criticados duramente, tendo praticamente pouca utilidade no

aperfeiçoamento das práticas pedagógicas escolares, da forma de gestão das escolas e da

política educacional municipal como um todo. Enfim, o fracasso do comparativismo avaliador

descontextualizado pode ser o ponto de partida para que sejam criados democraticamente, a

partir da construção coletiva de critérios de excelência para a escola pública, novos

instrumentos de gestão que evidencie e colabore para a conquista da qualidade social da

educação básica para a sociedade brasileira.

Palavras-chaves: Gestão escolar. Comparativismo avaliador. Escola pública municipal.

INTRODUÇÃO

No atual momento de ruptura com a política nacional de educação básica construída

nos governos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e do Partido dos

Trabalhadores (PT), no Brasil, com a divulgação de medidas que indicam a transição

traumática de um modelo de Estado com características de bem-estar social, estabelecido na

Constituição de 1988 (CF/1988), para a afirmação de um modelo Neoliberal, torna-se

fundamental criarmos eventos científicos para avaliar os resultados dos principais

instrumentos de gestão da escola pública de educação básica do Brasil. Uma avaliação que

deve diferenciar os instrumentos de gestão da escola que precisam ser mantidos, como o

processo democrático de escolha ou indicação de gestores escolares, a construção coletiva do

projeto político-pedagógico de cada escola e a participação cidadã da comunidade escolar,

27 Doutor em Ciências Sociais (PUC/SP), Mestre em Educação (PUC/RJ) e Especialista em Direito Educacional

(PUC/MG) - Membro Fundador do Instituto Ágora. E-mail: [email protected].

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daqueles que devem ser aperfeiçoados ou substituídos em função da ressignificação do seu

papel na gestão da própria escola e da pouca eficácia para contribuir na conquista da

qualidade social da escola pública de educação básica. Um movimento em defesa da gestão

democrática da escola pública brasileira que garanta conquistas sociais e políticas e também

amplie as possibilidades de um ensino comprometido com a formação integral dos educandos,

para resistir aos ataques neotecnicistas dos considerados experts, que geralmente querem

“eficiência com redução de gastos públicos” e controle centralizado por meio de técnicos e

governantes.

Reconhecidamente as conquistas formais para a educação básica, a partir da CF/88

(BRASIL, 2014a) e da nova lei orgânica da educação nacional, Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB/96) (BRASIL, 2014b), garantiram a formalização de uma gestão

democrática que tem sido controlada por governantes, conforme definiu o seu artigo 14, que

poderiam ou não estar comprometidos com a qualidade social da educação pública. Ao

mesmo tempo, os textos legais oportunizaram experiências significativas de gestão

democrática em redes e sistemas municipais de ensino com a implantação de um projeto

político democrático-participativo na educação pública, como pude constatar em pesquisa

acadêmica e atividades de assessoria educacional realizadas em municípios dos estados do

Paraná e de Santa Catarina, no período de 2006 a 2015 (MOREIRA, 2015).

Diante desse contexto histórico relacionado ao processo de implementação de

instrumentos de gestão da escola pública brasileira, pretendo desenvolver três momentos

distintos e complementares que considero essenciais para uma melhor compreensão do

chamado “fracasso do comparativismo avaliador” nas escolas públicas municipais, a partir de

pesquisa realizada em oito municípios dos estados do Paraná e Santa Catarina, no período de

2006 a 201528: primeiro, apresento, objetivamente, alguns fundamentos teóricos e políticos do

comparativismo avaliador para as escolas públicas municipais nos governos FHC, Lula

(2003-2010) e Dilma (2011-2016); segundo, analiso como um dos instrumentos do

comparativismo foi recepcionado em escolas públicas municipais e, por último, evidencio que

os instrumentos do comparativismo avaliador são ineficazes e foram totalmente abandonados

ou ressignificados no nível municipal.

28 O universo dessa pesquisa envolveu oito municípios, sendo que em somente três municípios foram aplicados

questionários e realizadas análises documentais e entrevistas semiestruturadas com 567 sujeitos de pesquisa,

entre autoridades, gestores, sindicalista e segmentos das comunidades: prefeitos, secretários de educação,

presidentes de conselhos de educação, profissionais da educação, gestores de escolas públicas municipais,

nutricionistas, psicólogas, fonoaudiólogas, presidente de sindicato regional de professores, presidentes de APPs e

pais ou responsáveis de educandos das escolas municipais.

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COMPARATIVISMO AVALIADOR NA POLÍTICA EDUCACIONAL

No contexto nacional, a atual política de educação básica brasileira é herdeira da

adoção de procedimentos do modelo de regulação gerencialista empresarial para a educação

pública brasileira, criada na reforma do Estado brasileiro no Governo FHC, que teve a sua

continuidade por meio de reformas recentralizadoras no Governo Lula, com a manutenção de

vários programas e projetos, ao mesmo tempo em que foi desencadeada uma política de

indução democrática por meio da recriação do “Plano de Metas Compromisso Todos pela

Educação”, no segundo mandato desse governo (2007-2010), definindo o que eu chamo de

“modelo de gestão gerencial-democrático”. O modelo de gestão foi pautado na construção de

índices de eficiência, controle de desempenho e produtividade, com avaliações em todos os

níveis educacionais, buscando a promoção da ampliação do acesso à educação básica, sendo

afirmado como o mais “racional” e que produziria informações necessárias para a melhoria

dos resultados da educação realizada na forma de ensino no país.

No Governo FHC (1995-2002), houve a regulamentação do que já estava indicado na

própria LDB/96 (BRASIL, 2014a), em função também do seu caráter flexibilizador,

possibilitando a criação dos principais instrumentos dessa nova forma de gestão da educação

básica, numa tensão permanente entre as proposições de setores progressistas brasileiros e

associações docentes e os interesses e as orientações das agências multilaterais (Banco

Mundial, BM; Fundo Monetário Internacional, FMI; Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico do Comércio, OCDE), segundo a Agenda Globalmente

Estruturada para a Educação (AGEE) (DALE, 2004), sendo instituídos: a Prova Brasil do

Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) (art. 8º, Inciso VIII da LDB/96) (BRASIL,

2014b), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) (1998) para estabelecer um ranking

entre escolas, a Bolsa Família da Rede de Proteção Social, a instituição de indicadores como

forma de orientar o financiamento de políticas educacionais, a instituição dos colegiados e a

participação da comunidade nos processos de decisão da escola entre outros (MOREIRA,

2015). Além da organização do SAEB, a partir de 2000, o Governo FHC incluiu o Brasil no

Programme foi Internation Student Assessment (PISA) da OCDE, o qual passou a fazer parte

do chamado “comparativismo avaliador descontextualizado”, uma vez que a educação básica

brasileira, segundo esse governo, estaria com grandes problemas, principalmente se

comparada com os resultados de países considerados desenvolvidos, afirmando a urgência de

promover a modernização da educação básica, avaliada como “atrasada” e “ineficiente” em

termos de cobertura, processo de gestão, qualificação profissional, resultados de desempenho,

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infraestrutura física, como apontou Gohn (2002). É importante destacar que o Governo FHC

durante os seus mandatos gastou somente 4% do PIB (Produto Interno Bruto) com ensino e

8% do PIB com encargos e juros, propagandas para mostrar comparativos com outros países

(PINTO, 2002). O PISA foi questionado fortemente por organismos latino-americanos, a

exemplo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), e entidades

nacionais de docentes como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação (ANPED) e a Associação Nacional de Docentes do ensino Superior (ANDES),

apesar de se verificar alguns impactos positivos e a identificação de inúmeras fragilidades que

precisariam ser enfrentadas para a melhoria da qualidade da educação dos sistemas de ensino

dos países de uma forma geral.

Em relação aos programas e às ações políticas mantidas no Governo Lula (2003-2010)

e no Governo Dilma (2011-2016) do Governo FHC, destacam-se: Programa Nacional de

Alimentação Escolar (PNAE), Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola), Programa

Dinheiro Direto na Escola (PDDE), FUNDESCOLA, Sistema de Avaliação da Educação

Básica (SAEB), participação no PISA e implementação dos conselhos municipais de

educação. Dentre esses, de acordo com os objetivos deste texto, destaca-se o sistema de

accountability na esteira do “comparativismo avaliador descontextualizado”, reunindo o

SAEB, o PDE-Escola e a continuação da participação dos educandos brasileiros nos testes

padronizados do PISA.

Além do continuísmo citado, no segundo mandato do Governo Lula (2007-2010)

houve também a criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e do Plano de

Ações Articuladas (PAR) (BRASIL, 2007a), aprovação do Fundo para a Educação Básica

(FUNDEB) (BRASIL, 2007b) e da lei do piso nacional para os profissionais da educação

(BRASIL, 2008), ampliação da obrigatoriedade escolar (BRASIL, 2009b), criação de

programas federais dirigidos à gestão da educação (Programa de Apoio aos Dirigentes

Municipais de Educação - PRADIME29, Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos

Escolares - PNFCE30 e Pró-Conselho), realização da I CONAE (2010) e criação do Fórum

Nacional de Educação (FNE), em 2010, além da aprovação da lei do II Plano Nacional de

Educação (BRASIL, 2014b).

29 Informações no site oficial do MEC sobre o PRADIME (Apresentação). Disponível em: http://portal

.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=219:pradimeapresentacao&catid=149:pradime&I

temid=447. Acesso em: 15 ago. 2016. 30 Informações no site oficial do MEC sobre o Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares.

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=12384:conselhos-escolares-resen

tacao&Itemid=655. Acesso em: 15 ago. 2016.

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Com a manutenção do comparativismo avaliador houve a continuidade da avaliação

de desempenho dos educandos e das escolas por meio do SAEB e do ENEM, expondo os

resultados à sociedade, comparando-os com o chamado “ranking internacional” e

responsabilizando os envolvidos, direta ou indiretamente, pelos resultados do trabalho escolar,

o que poderia levar o governo federal a ampliar as chamadas “transferências financeiras

voluntárias” para os outros entes federados com desempenho abaixo das projeções

estabelecidas. Nesse processo, foi criado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira (INEP) o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) como um

indicador de avaliação do rendimento escolar. De acordo com o Decreto Presidencial nº.

6.094/2007 (BRASIL, 2007a), o IDEB passou a ser a principal referência para a política

educacional do governo federal, nesse nível de ensino, estabelecendo uma escala que vai de 0

a 10. Esse índice seguiu a lógica do PISA e foi fixada a nota “6.0” pelo MEC como resultado

para ser atingido pelos sistemas de ensino brasileiros até 2022, já que era a média indicada

dos vinte países considerados os melhores colocados no mundo para a OCDE. Segundo o

artigo 3º desse Decreto Presidencial:

A qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB,

calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre

rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo

escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB, composto pela

Avaliação Nacional da Educação Básica - ANEB e a Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar (Prova Brasil). (BRASIL, 2007a, p. 2)

Ao modelo de gestão gerencial-democrático dos governos Lula e Dilma também

foram incorporadas a tradição acumulada de experiências participativas de gestão democrática

e os resultados de trabalhos acadêmicos produzidos por educadores e professores

universitários comprometidos com o projeto democrático-participativo, com o potencial de

subsidiar um novo projeto de educação para o país. Entretanto, foi assumido e incorporado

parcialmente pelo MEC em função da manutenção dos mesmos fundamentos do modelo

econômico de desenvolvimento tardio e dependente de financiamento externo predominante

na história republicana brasileira, com articulações políticas envolvendo organizações e

entidades defensoras de uma educação básica atrelada aos interesses do capital, a exemplo da

Fundação Airton Sena. Nessa continuidade da AGEE na política educacional do país, a

proposta de “democracia induzida” do MEC contribuiu parcialmente para o avanço da gestão

democrática em municípios catarinenses e paranaenses (MOREIRA, 2015).

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COMPARATIVISMO AVALIADOR NAS ESCOLAS MUNICIPAIS

A centralidade política, administrativa e financeira do governo federal conviveu, a

partir da CF/88 (BRASIL, 2014a), com a descentralização das políticas públicas por meio da

municipalização estabelecendo, ao mesmo tempo, novas práticas de controle, vigilância e

autoverificação para o atingimento de metas e resultados preestabelecidos para o campo

educacional. Assim, as ações consideradas descentralizadoras também foram estratégias de

recentralização do poder de decisão no nível local dos governos estaduais e federal, uma vez

que o descentralizar, na maioria das vezes, constituiu-se em termos meramente funcionais e

operacionais para os governos municipais, sem a devida transferência de recursos financeiros

para a implementação efetiva dos planos de educação desses entes federados. Ou seja, houve

a manutenção do centralismo político convivendo contraditoriamente com as possibilidades

legais que oportunizaram certa autonomia relativa aos entes federados e às escolas de

educação básica, segundo o que estabeleceram os artigos 8º, 10, 11 e 15 da LDB/96

(BRASIL, 2014b). Como afirmou Vieira (2011):

Ao contrário, há um fortalecimento do poder central no que diz respeito às

definições relativas à política educacional, na qual não está prevista grande margem

de inovação por parte do poder local. Neste contexto, cabe à União a

responsabilidade pela definição de políticas nacionais de educação, a avaliação dos

sistemas educacionais e a manutenção de seu próprio sistema de ensino, que

corresponde praticamente apenas à educação superior federal. (p. 129)

Como uma das principais formas de controle para o atingimento das metas

estabelecidas pelo governo federal, no campo educacional, o IDEB tornou-se a referência para

a avaliação da qualidade do trabalho de cada sistema de ensino do país, tendo os seus

resultados aguardados com certa expectativa pelos governantes, pelos gestores educacionais,

pelos diretores de escolas municipais e pela imprensa em geral. Essa referência tem sido

utilizada para ser associada aos resultados dos testes do PISA, bem como para melhorar o

desempenho das escolas públicas com baixo IDEB por meio da elaboração coletiva do PDE-

Escola, criado no Governo FHC e mantido nos governos posteriores.

De uma forma geral, a utilização dos resultados do IDEB nos municípios expressou

uma extrema complexidade para a compreensão e a aceitação da necessidade ou não de

realizar uma avaliação externa das escolas, da rede e do sistema municipal de ensino como

um todo, considerando os dados de reprovação, evasão e o resultado dos educandos na Prova

Brasil. Essa complexidade foi identificada em oito municípios pesquisados do centro-norte do

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planalto norte catarinense e no sul do Paraná, no período de 2006 a 2015, onde o IDEB foi

criticado e ressignificado como um resultado de aprovação positiva ou não do aprendizado

dos educandos, do trabalho do professor, da escola ou do próprio governo municipal, não

sendo concebido como um instrumento efetivo de diagnóstico da educação municipal. Como

observou o presidente do Sindicato do Magistério de União da Vitória e Região, do estado do

Paraná:

Sou contra a avaliação externa. A avaliação deve ser diagnóstica para

melhorar o trabalho do professor, pois interessa mesmo é a prática e as

condições de aprendizagem dos educandos. Entender o educando para saber

o motivo dos resultados. A avaliação deve ser diária. Alguns municípios mandam certos educandos ficar em casa no dia de avaliação da prova

Brasil31.

Para o caso de escolas públicas que não atingiram a meta fixada pelo INEP/MEC para

o período, deveriam elaborar o seu PDE-Escola seguindo às orientações do material do MEC,

o que, infelizmente, foi considerado por muitas delas como uma oportunidade, tão somente,

para receber mais recursos financeiros na execução de um conjunto de ações previstas no

plano de trabalho da escola, tais como: realização de pequenos reparos, a aquisições de

mobiliários e também o apoio financeiro para o desenvolvimento de projetos específicos nas

escolas públicas municipais. Mesmo que essas ações pudessem contribuir para a melhoria dos

resultados, como pude perceber em trabalho de assessoria a quatro escolas municipais, o novo

modelo de gestão educacional definido para o país, materializado no Decreto Presidencial nº.

6.094/2007 (BRASIL, 2007a), criou uma verdadeira competição entre escolas e municípios,

produzindo reações das comunidades escolares e dos governos municipais em função dos

resultados do IDEB/SAEB, não sendo um instrumento que promovesse a implementação de

uma cultura avaliativa no interior dessas escolas e do próprio sistema de ensino.

Uma primeira reação ao IDEB/SAEB foi criticar fortemente todo o processo avaliador

como sendo inadequado às condições específicas da educação pública do município, como foi

o caso do governante, de gestores e técnicos do município de Porto Vitória, no sul do Paraná:

“O sistema de avaliação do SAEB funciona em centros maiores, com muitas turmas e não

com uma turma só” (prefeito municipal); “Injusto, pois não possibilita a abertura de novas

turmas para a avaliação” (três diretoras de escolas municipais); “Bom sistema, mas deveriam

rever os critérios de avaliação, pois é avaliada somente uma turma” (pedagoga de escola

municipal) e “não condiz com a realidade da escola” (secretária municipal de educação).

31 Entrevista fornecida em 10 de outubro de 2015, nas instalações da Secretaria Municipal de Educação de União

da Vitória, no Paraná.

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Interessante destacar que estas afirmações foram feitas mesmo depois do município ter sido

considerado um dos que obteve o maior IDEB da região sul do Paraná, com a nota de “5,8”

em 2009. No município de Calmon, em Santa Catarina, a maioria dos professores municipais

também fez duras críticas ao sistema de avaliação do SAEB: 70% afirmaram que deveria ter

mais avaliações além de uma prova, 10% afirmaram que era “ruim” em função da

padronização, 10% afirmaram que o sistema não tinha a ver com a realidade do município e

10% consideraram o sistema como “bom” ou “positivo”.

Nessa reação, o fato da Prova Brasil ter sido aplicada em uma única turma nos

municípios de Calmon e Porto Vitória foi considerado pelos entrevistados como sendo uma

avaliação estritamente pontual e limitada, privilegiando somente o aspecto cognitivo do

trabalho escolar de uma única turma, envolvendo um pequeno número de educandos em

relação ao conjunto de educandos e das práticas educativas existentes nas escolas municipais.

Outro aspecto relevante diz respeito ao fato de existir diferenças culturais significativas entre

as escolas localizadas em áreas urbanas e aquelas localizadas em áreas rurais, cujo currículo

no cotidiano escolar possuía inúmeras especificidades na linguagem e nas referências a

aspectos da cultura local, uma vez que o resultado divulgado não deixava claro que a

avaliação dos educandos era daqueles que estudavam somente em escolas localizadas no

quinto ano e na área urbana do município.

Em todos os municípios pesquisados, também existiram poucas reações favoráveis

quanto à utilização do IDEB/SAEB, sendo que os resultados eram geralmente empregados

como parte da propaganda política do próprio governo municipal, como aconteceu nas

cidades de Matos Costa e Calmon, em Santa Catarina. Em Calmon, houve o aumento do

índice do IDEB no município de “3,8”, em 2007, em relação à meta do INEP/MEC que era de

“3,4” e, em 2009, a meta era “4,3” e foi obtido “4,4”, sendo feitos os seguintes comentários

pelos entrevistados: “Bom sistema” e “resultados positivos para o município” (secretária

municipal de educação de Calmon) e “de maneira positiva e com resultados satisfatórios”

(diretora de escola municipal quando perguntada como avaliava o sistema de avaliação da

escola pelo MEC). Em Matos Costa, o prefeito municipal também atribuiu a melhoria do

resultado do IDEB/SAEB de “3,9” para “4,3”, em 2009, ao seu apoio financeiro à formação

inicial e continuada dos profissionais da educação e pelas conquistas salariais definidas no

plano de carreira dos profissionais do magistério, o qual foi aprovado no primeiro mandato do

seu governo. Cabe ressaltar que o apoio do prefeito municipal foi reconhecido pelos

professores em resposta à pergunta no questionário de pesquisa: 80% afirmaram que o

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prefeito apoiou e foi o principal responsável pela melhoria da formação dos professores nos

níveis do magistério, graduação e pós-graduação e 20% não responderam à pergunta.

Na segunda reação, houve melhorias sensíveis nas condições de trabalho das escolas

municipais nos últimos cinco anos, tanto em termos de infraestrutura, como foi o caso da rede

escolar da cidade de Calmon, como também no apoio do poder público à formação inicial e

no aumento dos salários de todos os profissionais da educação, a exemplo de Matos Costa.

Todavia, a divulgação política dos resultados, estabelecendo comparações com outros

municípios da região e do país, afastou a ideia do índice atingido pelos municípios promover

uma ampla discussão sobre o trabalho escolar com a comunidade escolar e representantes da

sociedade, conforme os municípios assumiram no seu PAR/MEC.

Por último, e não mesmo importante, a terceira reação foi identificada com a falta de

conhecimento pela quase totalidade da comunidade escolar sobre qual era a função do

IDEB/SAEB para a educação básica do país. Uma reação que tinha como um dos principais

responsáveis às autoridades municipais que não faziam os devidos esclarecimentos nem

promoviam a discussão dos resultados com as comunidades escolares, segundo foi afirmado

na pesquisa: 90% dos pais ou responsáveis dos educando dos municípios selecionados não

sabiam dizer o que era nem para que servia o IDEB; 50% dos professores municipais de

Matos Costa não sabiam o que era e a pedagoga da Secretaria Municipal de Calmon afirmou

que “Não faz muita diferença para o ensino”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A recepção da política educacional do governo federal pelos governos municipais

produziu compreensões e atitudes diversas, sendo que há duas comuns aos municípios

investigados na pesquisa: retardar a aprovação de leis municipais em consonância com a

legislação nacional e atender formalmente às determinações legais e às exigências do MEC

com os objetivos de receber recursos financeiros que foram centralizados no governo federal,

bem como evitando possíveis punições pelo descumprimento da legislação de ensino vigente.

Dessa forma, governantes, gestores municipais e membros das comunidades escolares não

aceitaram a proposição de divulgar e refletir criticamente sobre os procedimentos e os

resultados obtidos do principal instrumento do comparativismo avaliador descontextualizado:

o IDEB. Para eles, foi dado um sentido estritamente pragmático e não reflexivo, como foi o

caso das escolas que obtiveram um resultado abaixo do índice estabelecido pelo MEC e

desenvolveram o PDE-Escola.

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As reações também indicaram que o comparativismo avaliador do IDEB foi um

parâmetro que, além de ser questionado na sua finalidade por muitos e não ser compreendido

por outros, também foi utilizado para fins estritamente políticos e não para promover um

amplo debate sobre o processo de trabalho na educação pública municipal. A maioria dos

membros da equipe técnica e do comitê de monitoramento do PAR dos municípios foi

escolhida por critérios estritamente político-partidários ou por compartilhar das mesmas

convicções sobre o papel do governo federal como sendo um mero provedor de recursos

financeiros e não como o coordenador das diretrizes da política educacional do país como

estabeleceu a LDB/96 (BRASIL, 2014b).

Mesmo com os problemas surgidos na imposição do IDEB/SAEB assumido pelos

municípios para que pudessem pleitear a participação nos programas e projetos do governo

federal, recebendo as “transferências voluntárias”, considero extremamente positiva a

proposição que os municípios busquem avaliar permanentemente por meio de instrumentos

diversos, além da dimensão cognitiva do processo de trabalho escolar e os resultados do

desempenho dos educandos das escolas públicas municipais, deveria criar ou adaptar,

democraticamente, os seus próprios instrumentos de avaliação externa e utilizá-los para

aprimorar a qualidade social da educação pública, sem qualquer forma de comparação

desqualificadora entre escolas e municípios, contrariamente ao que foi realizado pelo MEC no

Governo Lula, na esteira da aplicação de testes do PISA em vários países do mundo.

Por fim, o fracasso do IDEB como um instrumento de avaliação da gestão e dos

resultados da educação pública municipal é o ponto de partida para uma retomada do debate

sobre quais devem ser os critérios de excelência para serem buscados pelas escolas de

educação básica e como o MEC pode participar da elaboração desses critérios para cada ente

federado, sem perder de vista a necessidade de um processo de conscientização dos

governantes, dos gestores e das comunidades escolares para que a sua utilização contribua

diretamente no aprimoramento do trabalho formativo escolar com a participação qualificada

de todos os envolvidos.

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promulgação em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 2014a. Disponível em:

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p. 7. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-

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do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do

exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União. Diário Oficial [da]

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm>. Acesso em:

15 out. 2015.

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BREVE ELOQUÊNCIA ACERCA DA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

Carlos Caldas32

Inicio este artigo pontuando algumas questões acerca do direito e dever à educação,

destacando brevemente as constituições, ao longo de 1823 até 1988, atual carta em vigência.

E, nesse sentido, o caminho é o de centrar esforços na base curricular, ao longo da discussão,

na perspectiva da legislação educacional.

Preliminarmente, faz-se importante destacar, conforme Costa (2002) que as

constituições brasileiras vêm sendo tema preferencial de pesquisa no campo da educação, mas

os estudos em torno delas revelam, tantas vezes, aspectos mais gerais da educação.

Contudo, ao longo do processo constitucional, no período já mencionado, é possível

identificar-se um nexo causal33 de todas as constituições sobre a educação brasileira. A

gratuidade do ensino figura como excelente exemplo, mas seguem-se outros, onde é possível

citar, o respeito às diferenças; o direito do aluno frequentar a escola e o dever do Estado em

oportunizá-la; a organização dos diversos níveis e modalidades de ensino; o aumento do

tempo de permanência do aluno na escola; programas escolares e base curricular comum,

dentre outros. Todos estes elementos vêm sendo objeto de figuração nas constituições

brasileiras, mas em especial nas legislações decorrentes, sobretudo e com mais intensidade, a

partir da Lei Federal nº 9.394/96, periodicamente atualizada.

A carta imperial de 1824, fala-nos Martins (2016) constituiu-se a primeira constituição

brasileira que registra a Educação como norma constitucional, no âmbito de seus elementos

orgânicos, ou seja, no conjunto dos artigos que tratam, substancialmente, dos princípios

normativos e essenciais relativos à forma de Estado, à organização e às funções dos poderes

públicos e aos direitos e deveres dos cidadãos. Orgânico entenda-se enquanto partes

interagentes de um todo; lei que organiza instituições de direito público ou privado; princípios

exarados na própria constituição.

Ela foi a primeira a reconhecer a educação como um direito. Contudo, educação não

era, àquela época, rigorosamente, ainda matéria exigida do e pelo Estado. Pairavam dúvidas a

respeito da efetiva responsabilidade pela educação. Ou dito de outra forma, como a educação

32 Administrador Escolar e Advogado - E-mail [email protected] 33 Nexo Causal significa o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido. Quando

se examina o nexo de causalidade, averiguam-se condutas, (positivas ou negativas) determinantes para o alcance

dos resultados previstos em lei. Aqui o termo está sendo usado analogicamente no sentido de verificar a efetiva

aplicabilidade do que diz o texto legal – no caso as cartas magnas.

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não estava posta para todos, enquanto direito e dever, o Estado cumpria mal e mal o seu papel

de oportunizá-la. Bons para uns, mas totalmente inexistente a escola para tantos.

A Carta Imperial de 1824 desaparece e surge a primeira Constituição Republicana em

1891. Passaram-se 43 anos e a partir do ano de 1934, a educação brasileira fica reconhecida

em primeiros degraus de eficácia, como um direito social atribuído ao cidadão. Inicia-se um

desenho elementar da organização no sentido de democratizar as oportunidades educacionais.

Ou seja, caminha-se em primeiros passos.

Se a Constituição de 1824 não deu conta de trabalhar as contradições e forças políticas

e sociais, no sentido de tornar a educação para todos, ao menos trouxe no Art. 179, Inc.

XXXII, a instrução primária gratuita para todos os cidadãos. E, com a Constituição de 1891,

há novos cenários de direitos civis para os cidadãos. Ocorre separação entre Igreja e Estado, e

nesta celeuma temos regulamentação mais intensa acerca de propriedade, do casamento,

dentre outros. Tudo isto denotando maior atenção à pessoa. Neste momento, aparece a

educação como único direito social citado brevemente no campo dos direitos civis. Até então

o código civil não abordava a área da educação. Em seu art. 72, § 6º constou: - será leigo o

ensino ministrado nos estabelecimentos públicos. Já tínhamos pequenos, mas substanciais

avanços.

A reforma Constitucional de 1926 trouxe abertura no sentido de instituir o habeas

corpus34. Com este estatuto fica assegurada aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a

inviolabilidade dos diretos concernentes às liberdades, à segurança individual e à propriedade.

No concreto, todos são iguais perante a lei, mas inexistiam elementos da relação jurídica35

consistentes para a garantia de preceito constitucional no campo da educação. Educação era

tratada no título DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL. Portanto não tinha espaço próprio.

Registra a alínea b, do Art. 138 da Constituição de 1934, a incumbência da União, Estados e

Municípios, de estimular a educação eugênica36.

A Constituição de 1934 veio à luz da revolução de 1930, onde surge a educação, com

maior nível de destaque, com um PNE - Plano Nacional de Educação, trazendo a

obrigatoriedade, gratuidade do ensino primário e os primeiros passos à organização efetiva

34 Garantia constitucional em favor de quem sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua

liberdade de locomoção, por parte de autoridade legítima. Trouxemos à discussão este estatuto porquanto ele

anuncia, em primeiros degraus, a concreta possibilidade de reivindicação. 35 Reconhecimento do Direito, das Leis, das normas entre sujeitos. Pode ocorrer por meio da legislação ou pelo

acordo de vontades, na figura, por exemplo, dos contratos. A inexistência do vínculo acarreta a inexistência da

relação jurídica. 36 Eugenia enquanto condição capaz de situar o Brasil no rol de países progressistas diante de outras nações. Ela

envolve temas, no âmbito da educação, a higiene, condições sanitárias, imigração, educação sexual, controle

matrimonial e da reprodução humana e debate em torno da miscigenação, branqueamento, questões raciais.

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dos sistemas educacionais. Em seu Art. 5º, inc. XIV lê-se: - traçar as diretrizes da educação

nacional. O art. 149 dita: - a educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e

pelos poderes públicos. Obriga o art. 150, alínea “a” a União fixar o plano nacional de

educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos.

A Constituição de 1937, Estado Novo, voltada à educação e cultura dita no artigo 16,

as competências privativas da União. E, dentre elas, as diretrizes da educação nacional (Inciso

XXIV). Está escrito no artigo 130 que o ensino primário é obrigatório e gratuito. A

gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais

necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou

notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal

para a caixa escolar.

O Decreto Lei 1.202, de abril de 1939, art.32, VII, possibilita a criação de escolas de

grau secundário e superior e regulamentação, no todo ou em parte, do ensino de qualquer

grau, desde que o presidente da república autorizasse os respectivos decretos-leis.

A Constituição de 1946 – estabelecia à União a obrigatoriedade de legislar sobre

“diretrizes e bases da educação”, art.5º, XV, “d”, então, surgindo a Lei de Diretrizes e Bases –

LDB da educação nacional, que permitiu a descentralização dos sistemas de educação e a

recriação dos Conselhos de Educação com funções normativas.

Na Constituição, de 1946, a competência da União de legislar sobre fundamentos e

políticas sociais de educação teve direção precisa porque apontou os responsáveis diretos pela

educação e deu início ao ciclo das Leis de Diretrizes e Bases da educação nacional, no seu art.

5º, inciso V, alínea d. Decorre então, o início de normas que favoreceram o processo de

descentralização da educação e a recriação de conselhos de educação formados mais

democraticamente. Lembremos-nos do golpe de 1964, com quedas substanciais de direitos e

garantias sociais e individuais, decorrente de atos institucionais.

A Constituição de 1967 estabeleceu eleições diretas no país. E, no que refere à

educação, ela foi tratada no titulo DA FAMÍLIA, DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA.

Ampliava-se a obrigatoriedade do ensino primário, dos sete ao quatorze anos de idade. A

União competia legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional e normas gerais

sobre desportos (Art. 8º, XVII).

A Emenda Constitucional de 1969, ainda sob o regime autoritário, trouxe reflexões e

práticas importantes no campo da educação. Fixou os índices mínimos de aplicação na

manutenção e desenvolvimento do ensino em 13% para a União e 25% para Distrito Federal,

Estados e Municípios, oportunidade na qual o voto do analfabeto foi instituído.

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A Constituição de 1988 vinculou recursos para a manutenção e o desenvolvimento do

ensino, a partir de três pontos de reflexão: a) como norma especifica sobre educação; b) a

educação no conjunto da Constituição e nas disposições transitórias; e, c) a educação e as

garantias constitucionais. Com maior nível de detalhamento, tornou-se mais cristalina.

Neste sentido, o avanço maior que ela expressa está no Art. 206, que trata dos

princípios para o ensino. E, dentre eles, o inciso VI impõe a gestão democrática do ensino

público, nos termos da lei.

Assim, a educação vem se consolidando com base no princípio da gestão democrática

do ensino público, passando pela discussão sempre presente de conteúdos mínimos para a

educação básica, sobretudo o ensino fundamental e ensino médio, para assegurar currículos

escolares melhor adaptados às realidades dos meios urbanos, rural e pesqueiros, por exemplo.

A educação se constitui direito e alicerce para a construção de m país, nos moldes da

democracia. O objetivo fundamental da República Federativa do Brasil passa pela construção

de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia de um desenvolvimento nacional, a

erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais para a

promoção do bem de todos e isto passa pela legislação educacional (CURY, 2000).

Apesar dos avanços e retrocessos percebidos ao longo da caminhada, presente nas

assembleias constituintes e tantos documentos que foram aperfeiçoados com a promulgação

dos vários textos, ainda existem distâncias entre o direito e a gestão da educação. O Direito

espera-se, ser tratado, de forma mais ampla, no diálogo, em sua concretude, tal como

liberdade de ideologias, de expressão, de gêneros. Por exemplo, a existência de situação que

possa configurar maus tratos a uma criança, será categorizada como uma igualdade jurídica,

onde todos possam ser tratados da mesma forma, no respeito às diferenças. Na democracia, o

poder judiciário compõe-se com outros poderes no controle público da Educação.

O ciclo das Leis da Educação Brasileira renova-se em 1996, sobretudo no que diz

respeito, à educação básica, conhecida, como lei Darci Ribeiro, Lei 9.394/96. Esta lei, que

trata de todos os níveis e modalidades de ensino, trouxe avanços na formação dos

profissionais da educação, ratifica a gestão democrática do ensino público, e trata do regime

de colaboração entre os entes da federação (Art. 9º, inc. I).

A Lei 9.394/96, no curso da melhoria da qualidade do ensino, trata da gestão

democrática do ensino público e da estruturação dos sistemas de ensino. O art. 24, acerca do

ensino fundamental e médio, não se afastando dos componentes curriculares. Todavia, o Art.

26, caput, considera a necessidade de que os currículos do ensino fundamental e médio

tenham base nacional comum, complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento

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escolar, por parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade,

da cultura, da economia e da clientela. E fica complementado no § 1º, da referida lei: - os

currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua

portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e

política, especialmente do Brasil. Já, no § 2º, está dito: - o ensino da arte constituirá

componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a

promover o desenvolvimento cultural dos alunos.

Nesta linha de raciocínio, destaca-se o Art. 27 determinando as diretrizes dos

conteúdos curriculares da educação básica. E, o Art. 28 que trata da educação rural, de

características regionais distintas, prevê no inciso I, conteúdos curriculares e metodologia

apropriada às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural.

No âmbito do ensino médio, o Art. 36, trata do currículo, estipulando a necessidade da

formação geral do educando, o preparo para o exercício profissional técnico, dentre outros

aspectos. É de lamentar a não ênfase ao ensino técnico em nosso país, ao longo dos anos.

O Art. 53 da Lei 9.394/96 trata da fixação de currículos, cursos e programas. No inciso

II, há a obrigatoriedade de fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as

diretrizes gerais e pertinentes. Atinge a educação especial, em seu artigo 59, quando fala de

currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atendimento

às necessidades.

Apesar de que, na educação temos, há muito, recursos específicos estabelecidos, o

gerenciamento dos mesmos ainda é tratado sob a base político partidária, na descontinuidade

das administrações públicas, atraso de recursos, falta de planejamento e de programas para

utilização de dotações orçamentárias. A lei pune às autoridades educacionais, por

irresponsabilidade civil e criminal quando da não utilização adequada de recursos, conforme

disposto legal.

Agora, já no rumo das considerações finais, afirmo e reafirmo que, não se pode, em

hipótese alguma, menosprezar a legislação vigente. Precisamos entendê-la, ir ao debate, para

o diálogo rumo ao amparo da segurança jurídica ao longo de sua existência. A legislação

educacional ao longo das últimas décadas avançou muito. Cumpre-nos efetivá-la, a fim que a

educação esteja inscrita como direito a serviço do desenvolvimento social e melhoria na

qualidade de ensino em benefício ao aluno, cidadão de si próprio e do mundo.

O que se almeja é contar integralmente com a universalização (completa) do ensino

básico comum, de modo a combinar, a conciliar, a faixa etária de idade escolar adequando-a

com os níveis e modalidades de ensino. Espera-se nesta lógica que a educação escolar

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promova efetivo conhecimento na proporção da sua obrigatoriedade, como opção por uma

educação profissional, por exemplo, em nível médio ou técnico, ou quiçá pela continuidade

dos estudos no ensino superior.

Nesse sentido, a Constituição Federal, a Lei 9.394/96 e a Base Nacional Comum,

tornam-se meios efetivos de formalização de práticas sociais como orientações para as

políticas públicas da educação nacional. As tantas necessidades contemporâneas do mundo e

de nosso país, caminham na exigência para uma educação básica com mais qualidade. Isto

significa, concretamente, que todos possam beneficiar-se da educação pelo direito de postulá-

la, para avanços mais significativos, tanto na vida pessoal quanto social.

Os liames entre a lei e o direito à educação estão presentes na busca por uma

democratização escolar mais apurada. A efetivação deste direito fica flagrante e fortemente

estabelecida no Art. 5º, CF – Constituição de 1988, onde dita com propriedade, que todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

A formação educacional do Brasil ontem, a escola de hoje e do futuro, precisa,

necessariamente, amparar-se nas etapas da Base Nacional Comum Curricular, como algo cada

vez mais universalizado, mais debatido, num patamar de pensar o futuro. Ou seja, falamos de

algo básico, a ser complementado, a partir das contribuições regional e local,

institucionalmente, com a participação de gestores; profissionais da educação, professores e

estudantes. O direito à educação constitui-se valorosa abertura para o mundo contemporâneo,

em seus múltiplos desafios, por meios de algo efetivamente reconhecido pelos sujeitos nas

realidades vivenciadas e as interferências necessárias. A perspectiva é de aceitar criticamente

a Base Nacional Comum Curricular.

De acordo com Bobbio (1987) a possibilidade de escolha aumenta na medida em que o

sujeito da opção se torna mais livre. Mas esta liberdade só se efetua quando se elimina uma

discriminação que impede a igualdade dos indivíduos entre si. Assim, tal eliminação não só

no campo meramente liberal, mas também torna a liberdade compatível com a igualdade,

fazendo–as reciprocamente condicionadas.

Defendemos existir um patamar comum curricular, enquanto início de diálogos. Isto

está dito porquanto referendamos a base nacional comum curricular, com amparo na

legislação educacional. Ela vem há anos situando-se como algo possível para auxiliar no

processo de superar discriminações, ainda presente nas tantas faixas e segmentos de nossa

população, no que se refere ao direito de estar presente na escola pública de qualidade, como

concreta possibilidade.

Rumamos na concreta possibilidade do Brasil oferecer para a população as reais

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condições de inclusão na escolaridade, formando cidadanias. Nisto se efetiva o princípio de

igualdade de oportunidades, de modo a revelar méritos pessoais e riquezas de um povo

trabalhador, moderno e democrático. E a base nacional comum curricular não está aqui como

peça mestra do sistema, mas como suporte de processos de ensino e aprendizagens

necessários de serem efetivados.

Então, apreendido por este ângulo, os currículos dos diferentes sistemas de ensino do

país guardariam a devida identidade comum, Base Comum, construída a partir das diretrizes

nacionais estabelecidas pela União. Há estreita ligação entre Diretrizes Nacionais e a base

nacional comum curricular, porquanto uma estrutura a outra.

As Leis de Diretrizes e Base da Educação Nacional, a saber, por exemplo, a Lei

5.692/71 e Lei 9.394/96, assim como as legislações e regulamentações decorrente, já se

anunciam no conjunto das áreas de estudos, por níveis e modalidades de ensino, mas também

ditam – cada qual com sua cor e intensidades diferenciadas, um currículo mínimo definido por

conteúdos objetivos. Então, não se está falando de algo tão novo assim.

No patamar dos currículos, propostas, bases nacionais para a educação, sistemas

educacionais é preciso que o direito à educação, à aprendizagem, seja garantido em lei. E,

ninguém pode, com relação à lei, alegar desconhecimento. Diz o art. 3º, Introdução do Código

Civil: ”Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Outro fato

importante é que leis fazem parte de um complexo jurídico, moldada pelo direito,

permanecendo para mediações necessárias entre Estado e sociedade.

Segundo Dornas (1997) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional obriga a

gestão democrática do ensino público. Significa que há liberdade para os responsáveis pela

educação pública, (englobando a dimensão privada, assistencial, comunitária, por exemplo)

organizarem-se, conhecendo e cumprindo a legislação. É a liberdade de ação, nos ditames da

lei.

Conhecer a legislação básica é ascender uma luz para o futuro, principalmente no

contexto a respeito do próprio currículo. E, ao mesmo tempo não se pode ficar distanciado de

reflexões críticas sobre a educação do nosso país.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política.

Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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______. Carta Imperial do Brasil, 1824. Disponível em:

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______. Constituição Brasileira, 1891. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 10 ago.

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______. Constituição Brasileira, 1934. Disponível em:

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______. Constituição Brasileira, 1937. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 10 ago.

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______. Constituição Brasileira, 1946. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>. Acesso em: 10 ago.

2016.

______. Constituição Brasileira, 1967. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>. Acesso em: 10 ago.

2016.

______. Constituição Brasileira, 1969. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-

69.htm>. Acesso em: 10 ago. 2016.

______. Decreto-Lei nº 1.202, de 08 de Abril de 1939. Dispõe sobre a administração dos

Estados e dos Municípios. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1202-8-abril-1939-

349366-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 10 ago. 2016.

______. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1.971. Fixa Diretriz e bases para o ensino de 1º e

2º graus, e da outras providências – Brasília – DF, 1971.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1.996. Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional – Brasília - DF

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2002.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro/RJ: DP&A,

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DORNAS, Roberto Geraldo de Paiva. Diretrizes nacionais, comentários e anotações. Belo

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MARTINS, Vicente. Aspectos jurídicos educacionais da carta de 1824. Disponível em

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EIXO TEMÁTICO III

PROPOSTAS E PROJETOS

INOVADORES NA PERSPECTIVA DA

BNCC

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SOCIEDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO – GESTÃO ESCOLAR, BNCC

UMA CRISE ANUNCIADA

Lorival Bento de Andrade Junior37

RESUMO

Sociedade, educação e cultura, são em essência um trinômio complexo, composto por valores

subjetivos, que poucas vezes recebe tratamento analítico adequado para propor soluções ou

atuações condizentes para situações e/ou problemas pontuais que os envolvam. Situações e

problemas pontuais neste contexto são casos de aplicação imediata e objetiva de conceitos que

requerem atuação profissional de áreas da educação e correlatas (psicólogos, cientistas

sociais, pedagogos, analistas políticos, dentre outros), atuações estas voltadas para solucionar

ou amenizar uma situação identificada em seu contexto real e imediato como no mínimo um

desvio prejudicial para um desenvolvimento pleno e saudável do indivíduo ou de uma

coletividade. Haja vista que sociedade, educação e cultura, são em essência produtos da

evolução histórica do homem, de suas coletividades, enfim de seu desenvolvimento técnico.

Tendo em mente que técnica significa fazer, construir, elaborar, criar, desenvolver; e para que

isso fosse possível o homem necessitou desenvolver o aprendizado, a cognição. Organizar um

projeto para gestão curricular nacional deve ter esses aspectos como referência central, e não

ter como metas a resolução de problemas ou necessidades pontuais. Este será o objeto deste

estudo, não uma aplicabilidade determinista de conceitos, mas o chamamento de atenção para

o perigo desse lapso investigativo nas resoluções administrativas e orientativas.

Palavras-chave: Sociedade. Cultura. Educação. Gestão escolar. Fenomenologia da cultura.

INTRODUÇÃO

Sociedade, cultura e educação, são conceitos complexos por terem natureza dual, pois,

são simultaneamente expansivos no tempo histórico e falsamente deterministas em suas

aplicabilidades pontuais. Aplicabilidade pontual é a resolução de algum ponto especificado

sem determinação de origem, exemplo; que viria a ser na determinação dos “eixos”

educacionais a diretriz “formação para o trabalho e cidadania, com ênfase nos valores morais

e éticos em que se fundamenta a sociedade”?

Essa complexidade decorre por seus caráteres conceituais flexíveis terem uns nos

outros suas imbricações. São Flexíveis, pois são conceitos que se constroem, se refazem e

modelam a si próprios em acordo com a história da sociedade aos quais se aplicam, são

produtos históricos temporais.

Necessita-se então delimitar e equacionar tais conceitos, suas complexidades,

natureza, expansividade e o que seja aplicabilidade pontual, para que esse trinômio possa ter

37 Contato: [email protected], Rua José Oselame, 209 – Centro, Rio Rufino-SC, CEP 88658-000, Escola

de Educação Básica Estadual Professor Djalma Bento, Rio Rufino – SC.

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efetividade e objetividade e não mais sua usual subjetividade conceitual que muito prejudica

ou desvia de uma aplicabilidade realmente produtiva. Estamos aqui nos referenciando à

análise de Hannah Arendt (2001), quanto ao estado problemático da crise da educação e sua

relação com a sociedade e cultura, onde o emaranhado de situações-problemas além de não se

elucidarem, acarreta em falsos caminhos de “conciliação” entre os termos do citado trinômio;

A razão para este estranho estado de coisas não tem diretamente a ver com a educação. Deve antes ser procurada nos juízos e nos prejuízos sobre a natureza da

vida privada e do mundo público, na sua mútua relação característica da sociedade

moderna desde o início dos tempos modernos e que os educadores aceitaram quando

— relativamente tarde — decidiram modernizar a educação com base nessas

evidências, sem se darem conta das consequências que elas teriam sobre a vida das

crianças (leia-se aqui, indivíduos). É particularidade da sociedade moderna, de

nenhum modo evidente, considerar a vida, quer dizer, a vida na terra dos indivíduos

e das famílias, como o maior dos bens. É por essa razão que, ao contrário de todos

os séculos precedentes, a sociedade moderna emancipou a vida, e todas as atividades

que têm a ver com a sua preservação e enriquecimento, do segredo da intimidade

para expô-la à luz do mundo público.

Ou seja, a sociedade é o meio sócio-político de vivência e desenvolvimento do

indivíduo; ambiente este que apresenta suas peculiaridades, as quais envolvem o indivíduo

numa relação dual, entre si próprio e a coletividade ao qual deve se inserir e ser inserido. E a

educação é o meio pelo qual a sociedade, a coletividade ao qual este indivíduo deve se inserir

oferece (ou deveria oferecer) condições para o crescimento, amadurecimento e

desenvolvimento pessoal e sociocultural, de forma saudável a estes indivíduos que afinal a

constitui.

Estes pormenores devem ser priorizados em um projeto de educação nacional. E está

diretamente ligado à gestão da escola em seu contexto geral, e na elaboração de métodos de

ensino que são pontuais, por mais que se mesclem.

COMPREENSÃO SISTEMÁTICA

A cultura e a educação passam no período da modernidade a ter um caráter fortemente

político, no sentido de ordenação da sociedade, em suas regras e normas, em sua estruturação.

Neste ínterim o que seria educação nacional, melhor o que seria uma Base Nacional Comum

Curricular para a educação? Qual a possibilidade de uma base comum de currículo escolar ser

implementada em uma nação qualquer? O que seria o “comum”?

Fazer um projeto que priorize o sistema, ao tratar-se de tentar uma educação o mais

uniforme e democrática possível é um erro de análise técnica que deve ser observado. Mas,

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este percalço é justamente a marca indelével da procura por sanar as deficiências na

distribuição da qualidade e acessibilidade à educação.

As técnicas educativas em geral privilegiam o desenvolvimento cognitivo baseado no

fazer, como sinônimo de criar, construir, transformar; remetendo sempre ao labor, ao trabalho

para a execução de algo. O homo faber!

Essa prática para o aprimoramento racional por meio de construções de fazeres é

dirigido a alguma especificidade prática que é considerada como relevante ao

desenvolvimento do educando ao meio global ao qual pretende que se insira de forma a

satisfazer as normas em vigor consideradas como adequadas, tanto em sua individualidade

como em seus aspectos sócio-políticos.

O algo, a coisa, o produto que deve ser criado por este educando por meio desta

aprendizagem tem um aspecto abrangente e moldável, variando tanto no tempo quanto no

aspecto, desde abstrações, como a interpretação de uma poesia, em uma aula de literatura até

a concretude de uma peça mecânica, nas escolas técnicas, por exemplo.

Ocorre que como produto o saber em si não pode englobar de forma autônoma, o

desenvolvimento cognitivo natural do indivíduo, porque o saber e o conhecer não são

produtos do corpo biológico, manipulável, tratável como coisa, como objeto. Tratar de

processos educativos como aplicação prática é uma metáfora. Um plano de educação sempre

terá fatores econômicos, pois como plano de educação via ou outra modifica o sistema ao qual

se insere, incluindo na esfera econômica.

A aplicabilidade educacional é uma metáfora mecanicista da visão utilitarista do

desenvolvimento do homem como organismo vivo e organismo socialmente adaptável a uma

circunstância a uma necessidade pontual, de caráter administrativo, uma forma de gestão das

potencialidades humanas.

Em princípio, esta tentativa de gestão das formas de possibilitar a aquisição de

conhecimento e aprendizado, atualmente mesclada nos conceitos de educação, não seria algo

a ser questionado de forma abrupta ou tendenciosa (seja qual for), não fossem suas duas

principais ocorrências; a histórica-política e o sócio psicológico.

Como ocorrência histórica e política aqui nos aterão aos fatos dos usos das técnicas de

educação como forma de controle tanto do coletivo, como na coerção para direcionar

indivíduos a crenças de saberes que lhes são impostos pelos detentores do poder econômico.

A gestão educacional é administrativa em sua parte minoritária, em sua plenitude são

as formas de gerir as ferramentas e os acessos necessários para o aperfeiçoamento das

aquisições de saberes e conhecimentos pelos indivíduos.

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Portanto como são consequências sócio-políticas limitaremos este estudo à esfera da

formação de gêneros cognitivos ou classificações que delimitam graus de competências de

aprendizado e suas consequências na delimitação do potencial individual.

Como referência explicativa; por exemplo, a falta de clareza do texto da BNCC, citada

pela ACARA38 em seu texto concluído pelo Dr. Phil Lambert, em 20 de junho de 2016 é na

verdade falta de estabelecimentos dos pormenores conceituais acima mencionados e não

apenas inconstâncias, é mais grave, do que gentilmente detalhado no texto em menção.

Não que houve falta ou falha técnica, ao contrário, haja vista a substancial

contribuição para a confecção deste projeto nacional, porém, não se obteve êxito em

determinar os pontos diretivos corretos que norteiam algo desta alçada para qualquer nação.

Ao pensar em melhoria na qualidade de vida que se adquire por via educacional das

populações dos países em desenvolvimento, uma questão deveria ter sido posta como

referencial, como objetivo; e é:

Deve-se educar o homem (no sentido de humano) em cada indivíduo, não se deve

educar tendo como meta desenvolver competências previstas para coletivos, gêneros e/ou

especificações excludentes da gama de variações, que como mais que corpos biológicos, os

humanos possuem dentro do que denominamos racionalidade.

Este é o equívoco que prende que desnorteia, desorienta e confunde aos educadores e

analistas da área nos e para os países em desenvolvimento.

Um lapso não de técnica de interpretação apenas, mas da falta de uma atuação objetiva

nesta área do desenvolvimento social local. Falta esta devido ao mesmo fato gerador do

problema em questão, qual seja não há formulas prontas, ou que sejam pré-estabelecidas para

uma educação inovadora que desenvolva e de qualidade de vida aos que estão subjugados por

delimitações de condições materiais e falta de ferramentas específicas para suas necessidades

particulares.

A resposta a esta questão deve abarcar a fenomenologia da construção do saber no e

para o indivíduo, para depois fazerem-se aplicações formais para serem potencializadas no

social, com fins desenvolvimentistas, social e coletivo.

Social ou coletivo são mais que um conjunto localizado de individualidades com

pontos históricos, geográficos, de origem em comum. Indivíduos e sociedade que para

poderem atuar de forma autônoma e ao mesmo tempo colaborativa, necessariamente devem

abarcar por si e para si suas condições política e econômica, pois inexiste sociedade em

38 ACARA, Análise dos textos introdutório da BNCC, acessado em 28/09/2016 em:

http://movimentopelabase.org.br/referencias/analise-da-acara-sobre-os-textos-introdutorios/

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separado do total social global da civilização humana e sua complexa interdependência e

mútuas e complexas atuações.

Notadamente, essa rede de interação de valores interfere sim na determinação da

qualidade da educação, pois elas regulam as relações e valores entre os cidadãos, entre os

interesses particulares e coletivos e as visões e valores inerentes a cada meio sociocultural,

notadamente nas palavras de Chartier (2002):

Examinar as condições culturais do Estado moderno e, para começar, interrogar os

laços existentes entre o seu desenvolvimento e os progressos da alfabetização das

populações. A questão apresenta duas faces, e supõe uma primeira abordagem que estabeleça uma medida global, uma conjuntura longa, uma reflexão política...

Compreender o significado histórico dessas séries de signos; numerosas, variadas,

densas, exige, por fim que se interroguem as diferenciações da sua decifração. Cada

uma delas é suscetível de leituras plurais, que variam de acordo com a circulação

desigual dos códigos e das chaves própria de cada fórmula de representação, e

também consoante os distanciamentos dos saberes e das competências dos diferentes

públicos colocados em posição de ver o poder através dos seus signos. Tratar-se-ia,

portanto, de construir uma problemática da variação histórica e sociocultural da

percepção e da compreensão dos signos do Estado (leia-se do interventor direto), a

partir do modelo proposto para a leitura dos textos ou para a decifração dos frescos e

quadras. Os signos do poder não têm as mesmas áreas sociais de circulação e não

implicam as mesmas regras de interpretação. Reconstituir essas diferenças (no acesso ao signo como nas possibilidades da sua «leitura», mais ou menos conforme

a intenção que o produziu) é uma tarefa difícil, mas indispensável, para apreender,

no campo da prática, a eficácia da simbólica do Estado.

Assim se percebe a trinômia sociedade-cultura-educação, como um produto de ações

objetivas que ocorrem como reação a alguma necessidade decorrente da vida pública dos

indivíduos numa somatória que resultará em valores subjetivos, porém atuantes, por serem

valorados.

Ocorre, no entanto que também são subjetivos por conterem e dependerem de valores

interpretativos construídos e dependentes de aceitação pela interpretação individual seja por

espontaneidade, seja por capacidade de aprendizagem. A vontade de aceitação ou não dos

valores sociais, culturais e educacionais, sempre é um ato político, pois condiciona, regula e

determina o espaço de ação dos indivíduos na sociedade global ao qual pertence.

Todo o moderno sistema educacional está baseado nesta proposição.

Essa trinômia anuncia em si uma crise, de como se direcionar ou atuar de forma a que

tanto sociedade quanto cultura e educação sejam efetivamente e objetivamente ferramentas de

ações que proporcionem aos indivíduos e por fim à sociedade como um todo condições

benéficas de evolução, vivência e adaptação de seus diversos atores a um mundo realmente

democrático e saudável.

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Se a vida do animal se dá em um suporte atemporal, plano, igual, a existência dos

homens se dá no mundo que eles recriam e transformam incessantemente. Se, na

vida do animal, o aqui não é mais que um “habitat” ao qual ele “contata”, na

existência dos homens o aqui não é somente um espaço físico, mas também um

espaço histórico. Para o animal, rigorosamente, não há um aqui, um agora, um ali,

um amanhã, um ontem, porque, carecendo da consciência de si, seu dever é uma

determinação total. Não é possível ao animal sobrepassar os limites impostos pelo

aqui, pelo agora ou pelo ali. Os homens, pelo contrário, porque são consciência de si

e, assim, consciência do mundo, porque são um “corpo consciente”, vivem uma

relação dialética entre os condicionamentos e sua liberdade. Ao se separarem do

mundo, que objetivam, ao separarem sua atividade de si mesmos, ao terem o ponto de decisão de sua atividade em si, em suas relações com o mundo e com os outros,

os homens ultrapassam as “situações-limites”, que não devem ser tomadas como se

fossem barreiras insuperáveis, mais além das quais nada existisse. No momento

mesmo em que os homens as apreendem como freios, em que elas se configuram

com obstáculos à sua libertação, se transformam em “percebidos destacados” em sua

“visão de fundo”. Revelam-se, assim, como realmente são: dimensões concretas e

históricas de uma dada realidade. Dimensões desafiadoras dos homens, que incidem

sobre elas através de ações que Vieira Pinto chama de “atos-limites” – aqueles que

se dirigem à superação e à negação do dado, em lugar de implicarem na sua

aceitação dócil e passiva. Esta é a razão pela qual não são as “situações limites”, em

si mesmas, geradoras de um clima de desesperança, mas a percepção que os homens tenham delas num dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que

eles não podem ultrapassar. No momento em que a percepção critica se instaura, na

ação mesma, se desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os homens a

empenhar-se na superação das situações-limites. (FREIRE, 1994).

Situações limites são então, aqui, necessidades pontuais que exigem alguma

intervenção específica para solucionar problemas, e/ou atuação padronizada para prover

condições para que as funções sociais, culturais e educacionais sejam acessadas pelos

indivíduos para efetivar alguma aquisição que signifique realmente adaptação, estruturação e

ação racional e democrática seja no campo educacional, psicológico, cultural ou sociopolítico.

DELIMITAÇÕES

É contra produtivo, para não afirmar ser categoricamente irrelevante, ater-se às

proposições históricas para a resolução ou determinação de quaisquer necessidades de

qualquer uma das áreas aqui abordadas (sociedade, cultura e educação), isto porque, como

acima citado, a expansividade dos conceitos com as quais cada uma dessas áreas deve

trabalhar e definir-se, necessariamente leva a uma subjetividade perigosa.

Tomar por objetivo uma gama de conceitos que devem ser trabalhados, reformulados

tendo em vista problemas pontuais é o mais comum dos erros cometidos tanto por

planejadores de ações socioculturais e educacionais, como pelos principais agentes de ação

direta, os educadores em especial e os analistas políticos em particular, por exemplo.

Vale aqui mencionar a análise feita por Adorno quanto à questão de aplicação de ações

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educacionais baseados em diversificação de talentos em escolas alemãs, o exemplo é

diferente, porém, o conteúdo é aplicável, pois critica a visão subjetivista, direcionada por

fatores externos ao objetivo comum de capacitar indivíduos e não capacitar extratos da

sociedade para um fim utilitarista.

Evidentemente a isto corresponde uma instituição escolar em cuja estruturação não

se perpetue as desigualdades específicas das classes, mas que, partindo cedo de uma

superação das barreiras classistas das crianças, torna praticamente possível o

desenvolvimento em direção à emancipação mediante uma motivação do

aprendizado baseada numa oferta diversificada ao extremo. Para nos expressarmos

em termos corriqueiros, isto não significa emancipação mediante a escola para

todos, mas emancipação pela demolição da estruturação vigente em três níveis (apto,

quase apto e inapto), e por intermédio de uma oferta formativa bastante diferenciada

e múltipla em todos os níveis, da pré-escola até o aperfeiçoamento permanente, possibilitando, deste modo, o desenvolvimento da emancipação em cada indivíduo,

o qual precisa assegurar sua emancipação em um mundo que parece particularmente

determinado a dirigi-lo. (ADORNO, 2001).

Lembrando que as desigualdades educacionais (aptidão e/ou inaptidão) são geradas

sempre em situações pontuais problemáticas, sejam elas de caráter social, por exemplo, a

delinquência juvenil; pelo caráter político, por exemplo, abuso de poder público; pelo

educacional, por exemplo, a defasagem, e a evasão escolar; ou cultural, onde exemplificamos

a desigualdade de acesso aos meios de aquisição de saberes culturais; todas mescladas em

menor ou maior grau e todas interligadas, e ainda necessitando ação objetiva vindas de análise

dos conceitos de sociedade, cultura e educação, além do político, que são todos subjetivos.

A análise e a determinação da estrutura do processo que se apresenta problemático é

fundamental para a tomada de decisão de ações a serem tomadas para proporcionar condições

de sanar, suprir ou tratar de situações problemáticas em qualquer das áreas aqui estudas.

Errôneo será separar a trinômia sociedade, cultura e educação neste nosso contexto,

pois conforme acima descrito, são produtos da necessidade humana de adaptar-se ao meio

social e tecnológico ao qual se insere em seu contexto de evolução histórico.

CRISE

As situações de crise aqui mencionadas serão o conflito entre as necessidades de

ajustar a ação do agente direto, seja um educador, um legislador, um planejador social, um

agente cultural e, principalmente o gestor educacional, dentre outros, e a realidade do

problema, criar por fim um plano realmente nacional.

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São conflitos porque são o resultado de uma necessidade de adaptação

(aptidão/inaptidão), evolução ou restauração da ordem saudável, que no caso de situações de

crise, estaria não satisfeita, e por isso seria geradora de desordem, seja pessoal ou coletivo

com relação a uma norma que se estabelece no contexto global ao qual se insere o indivíduo,

e/ou coletivo.

PROPOSTA DE AÇÃO OBJETIVA.

A análise deve contemplar gradativamente o fenômeno sociedade, cultura e educação,

como essência da coisa em si, sociedade, cultura e educação não são ferramentas ou objetos

da ação do educador ou legislador, mas sim sua função objetiva de transformação temporal e

histórica que afeta o próximo desenvolvimento desse mesmo trinômio, dai a complexidade,

mas não sua subjetividade; portanto, carecendo sempre de ajustes, pois segundo Husserl,

(2003);

Não se pode confundir a generalidade irrestrita das leis naturais com a generalidade

eidética (da situação em si). A proposição "todos os corpos são pesados" não põe,

certamente, nenhuma coisa determinada como existente no todo da natureza Ainda

assim, ela não possui a generalidade incondicionada das proposições eidético-gerais, visto que, em conformidade com seu sentido de lei natural ela ainda continua

implicando sempre uma posição de existência, a saber, a posição de existência da

própria natureza, da efetividade espaço-temporal:·todos os corpos - na natureza,

todos os corpos "efetivos" - são pesados. Em contrapartida, a proposição “todas as

coisas materiais são “extensas” tem validez eidética e pode ser entendida como

proposição eidética pura, desde que se põe fora de circuito a tese de existência

efetuada por parte do sujeito”. Ela enuncia aquilo que se funda puramente na

essência de uma coisa material e na essência da extensão, e que podemos trazer à

evidência como validez geral incondicionada. Isso ocorre ao trazermos a essência da

coisa material (fundados, por exemplo, numa livre ficção de tal coisa) à condição de

dado originário, para então efetuar, nessa consciência doadora, os passos de pensamento exigidos pela "evidência", pelo dado originário do estado-de-essência

expressamente apresentado naquela proposição. Que um algo efetivo no espaço

corresponda a tais verdades não é um mero fato, mas, como particularização de leis

de essência, uma necessidade eidética. “Fato aí é apenas o próprio efetivo, ao quais

as leis se aplicam”.

Analisa-se a situação pelas efetividades das ações envolvidas e dai procuram-se

ferramentas de ação e não o comumente aceito, que é o de se desenvolver ações baseadas em

pressupostos subjetivos teóricos tendo por informações essenciais, que situações-problemas

envolvendo conceitos de sociedade, cultura e educação são momentâneas, e não o produto de

uma gradação histórica do sujeito envolvido na questão e sua complexa relação com a

coletividade e sociedade a qual pertence.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A complexidade da relação entre o indivíduo com suas peculiaridades e a trinomia

sociedade, cultura e educação deve ser objeto de análise cuidadosamente formulada, pois não

existem soluções imediatamente eficazes para problemas que advém de estados de

necessidades de aperfeiçoamento dessa relação, o que existe é a tentativa de construção

gradual de meios que possibilitem uma relação saudável entre indivíduos com a sociedade ao

qual está inserido e o produto da evolução da convivência global; ou seja, deve-se educar o

indivíduo, o homem, não tratar o indivíduo como corpo sujeito a formas condicionantes de

adestramento visando fins globais.

REFERÊNCIAS

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ARENDT, Hannah. A Crise da Educação (1961). Edusp, p. 173-196, 2001.

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ADOLESCENTES NA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO E O SEXTING:

RELAÇÕES PERIGOSAS? UM ESTUDO EXPLORATÓRIO NA BUSCA

DE SUBSÍDIOS PARA PROGRAMAS DE PREVENÇÃO39

Camila Detoni Sá de Figueiredo40

RESUMO

O presente trabalho apresenta alguns dados de um estudo exploratório da compreensão de

alunos de 8° ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública estadual de

Florianópolis - SC, sobre o fenômeno Sexting. A pesquisa teve como eixo central na definição

das metodologias e instrumentos o método dialético e foi um estudo exploratório. A coleta de

dados foi desenvolvida por meio da aplicação dirigida de questionário junto aos alunos e os

resultados da pesquisa obtidos por meio da análise de conteúdo. A análise permitiu desvelar o

perfil dos adolescentes pesquisados em suas relações com as mídias, e nelas a compreensão

dos adolescentes sobre o Sexting. Constatou-se que o adolescente possui características

próprias a essa etapa do desenvolvimento: ambiguidade de sentimentos e o sentimento de

onipotência, dentre outras, e essas podem torná-lo vulnerável frente às relações sociais

estabelecidas nas redes sociais e nelas, as possibilidades de se expor ou ser exposto a riscos,

inclusive físico, pelo fenômeno do Sexting.

Palavras-chave: Sexting. Adolescência. Educação sexual emancipatória. Prevenção de riscos.

INTRODUÇÃO

Em minha caminhada pessoal e profissional, enquanto ser sexuado, sempre me deparei

com questões relacionadas à educação sexual e a sexualidade por dilemas pessoais e pelo

desejo de ajudar adolescentes e seus familiares a dialogarem sobre essas temáticas.

Trabalho na Educação desde 2001, sendo que em minha caminhada já lecionei para

crianças, adolescentes e adultos, além de atuar como coordenadora pedagógica. Em 2009, fui

transferida para a Gerência de Educação da Grande Florianópolis - GERED, onde trabalhei

até 2013 com as temáticas: violência, sexualidade e drogas, no antigo Núcleo de Educação,

Prevenção, hoje chamado de Núcleo de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento as

Violências na Escola - NEPRE. A temática sob minha responsabilidade nesse núcleo sempre

foi a sexualidade. No ano de 2012, atendi no NEPRE, uma adolescente de doze anos, que teve

uma foto seminua sua divulgada em todos os celulares da escola por um colega. A mesma

39 Esta pesquisa que apresento aqui foi minha dissertação de mestrado na Universidade do Estado de Santa

Catatina – UDESC, concluída em 2015. Parte desse estudo já teve publicação em outros eventos. Destaco

também que em julho de 2016 lancei um livro sobre o assunto, o primeiro livro do Brasil. Destaco que é a

primeira dissertação sobre esse assunto no Brasil. Existe, além do meu estudo, uma tese de doutorado no Rio

Grande Do Sul, mas com outro enfoque. 40 Coordenadoria Regional da Grande Florianópolis – SC. Contato: [email protected]

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disse ter postado a foto no Facebook acreditando que somente ela mesma teria acesso à

imagem postada.

Além dessa caminhada pessoal e profissional, o contato com a adolescente que postou

imagens íntimas na rede, as notícias dos suicídios, passando pela pequena quantidade de

pesquisas acadêmicas encontradas sobre educação, Sexting e adolescentes, a existência de

sites de livre acesso aos adolescentes e a necessidade urgente de orientação e prevenção nas

escolas e famílias apontada na internet e na mídia impressa sobre prevenção foram decisivos

para definir o tema desta pesquisa: “Adolescentes na sociedade do espetáculo e o Sexting:

relações perigosas? Um estudo exploratório na busca de subsídios para programas de

prevenção”.

Para essa pesquisa utilizei os seguintes autores: Teixeira (2005), Berman (1986),

Bauman (2001) e Turkle (2012) para discutir modernidade; Debord (2003) para abordar a

sociedade do espetáculo; dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –

IBGE para mostrar como está o uso do celular e acesso a internet em nosso país. Também

exploramos as teorias sobre a adolescência, por meio de autores como Aberastury (1992),

Campos (1986), Collins e Sprinthall (2003), Erikson (1976) e Caridade (1999).

A partir de Lenhart (2009) citado por Augustina e Duran (2012) e Augustina e Duran

(2012), cunhamos nosso conceito de Sexting: envio, postagem, recebimento e

compartilhamento de imagens (fotos/vídeos) íntimas, ou de mensagens excitantes ou ainda de

uma imagem sua seminu ou nu por meio do celular e das mídias eletrônicas (computador,

redes sociais, Internet).

A pesquisa teve como eixo central o método dialético, constituindo-se num estudo de

cunho exploratório. A coleta de dados foi desenvolvida por meio da aplicação dirigida de

questionário com alunos de três turmas de 8º ano do Ensino Fundamental de uma Escola da

Rede Pública Estadual, de Florianópolis- SC. A análise de conteúdo foi pautada em Triviños

(1987) e Bardin (2009), a partir de categorias provenientes da realidade, que levaram a

desvelar o perfil dos adolescentes pesquisados em suas relações com as mídias, dentre elas as

redes sociais e, nelas a busca da compreensão que os jovens tinham com a temática do

Sexting.

O SER ADOLESCENTE NA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO: CARACTERÍSTICAS

PRÓPRIAS DESSA ETAPA X RISCOS DE RELAÇÕES PERIGOSAS

Como resultado central da pesquisa que ora finda, a partir da análise de conteúdo feita

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do perfil dos adolescentes e das expressões coletadas de suas relações com as mídias

desvelou-se a categoria base: O ser adolescente na sociedade do espetáculo: características

próprias dessa etapa X riscos de relações perigosas.

A partir dos dados desse estudo, reafirma-se a imersão no uso do computador e

celular, pois os 22 adolescentes possuem pelo menos um celular em casa e nas casas de 20

dos adolescentes pesquisados encontramos pelo menos duas mídias. Ou seja, em todas as

casas há um aparelho no qual é possível acessar a Internet. Destacamos que a mídia mais

utilizada pelos adolescentes para acessar a Internet é o celular, pois este dá mais privacidade.

Os dados coletados em nosso estudo demonstram que 83% dos adolescentes

participantes da pesquisa conhecem todos os aplicativos e redes sociais apresentados:

Facebook, Youtube, Instagram, Whatsapp, Twitter e Skype e todos usam o Facebook.

A frequência do uso desses aplicativos e das redes sociais é diária ou semanal e são

usados para comunicação e troca de imagens. A troca de imagens (fotos/vídeos) ocorre

principalmente entre amigos e família. As imagens (fotos/vídeos) preferidas pela maioria dos

adolescentes pesquisados; sejam elas produzidas, enviadas ou recebidas, referem-se a

situações engraçadas, alegres ou relacionadas ao desejo do adolescente de mostrar que é

bonito, legal. De acordo com Guy Debord (2003) “o espetáculo é a afirmação da aparência e a

afirmação de toda a vida humana - isto é, social - como simples aparência.” Com essa

necessidade de chamar a atenção e a necessidade de autoafirmação, muitas vezes, os

adolescentes mostram uma imagem editada de si e nem sempre real, conforme se observa nas

respostas dos adolescentes participantes da pesquisa.

Nessa troca de mensagens e imagens, não se pode deixar de prestar atenção às trocas

que podem ser consideradas negativas, conforme notamos nas falas de dois adolescentes, que

dizem trocar imagens de brigas, lutas e que acham isso “divertido, bacana”. Esse tipo de

atitude se relaciona com as características da sociedade do espetáculo, pois segundo Caridade

(1999), o espetáculo implica uma atitude passiva, ante a imagem. Ainda sobre essa troca,

percebemos que as imagens (fotos/vídeos) disponibilizadas na rede pelos adolescentes, em

primeiro lugar, são de si mesmo e em segundo lugar, de seus colegas.

O relacionamento mediado pelas mídias também auxilia no conhecimento de novos

amigos e sobre a amizade iniciada na rede notamos que 36% dos adolescentes pesquisados já

marcaram encontros com pessoas conhecidas na rede e nem sempre a forma e local do

encontro foi segura.

Sobre as questões relacionadas à segurança, fica evidenciado que alguns sabem da

falta de segurança ao postar dados pessoais como, por exemplo, endereço ou telefone; outros,

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contudo, não se importam. Alguns dizem que se protegem ao configurar seu perfil, tornando-o

seguro. Contudo, há os que sabem que não é seguro colocar dados pessoais, pois qualquer

pessoa pode acessar.

Outro ponto explorado foi a questão do controle ao acessar a rede, onde 55% dos

indivíduos pesquisados afirmaram que existe controle do uso da Internet por parte dos pais.

Porém, os dados coletados nos mostram que não fica claro como é feito esse controle e isso

pode indicar que na prática ele efetivamente não acontece, ou o adolescente se sente

controlado apenas por desejar privacidade.

Pesquisamos junto aos adolescentes também sua compreensão sobre a prática do

Sexting, enquanto exposição de imagens (fotos/vídeos) íntimas sem o consentimento. Fizemos

isso usando no questionário, o relato de uma história fictícia sobre o Sexting, bem como por

meio de notícia real publicada na revista Época, por Guimarães e Cardoso (2013).

Evidenciou-se que somente um adolescente arriscou dizer que conhecia a palavra Sexting,

mas após a leitura da história fictícia de exposição indevida, envolvendo um casal de

namorados, todos os adolescentes mostraram ter conhecimento de que a divulgação de

imagens (fotos/vídeos) íntimas da rede sem o consentimento é real. Acrescento, ainda, a

possibilidade de a onipotência ter interfaces que levem a produção de riscos para os

adolescentes, inclusive na questão do fenômeno Sexting.

Sobre a produção de imagens (fotos/vídeos) íntimas, 18% afirmaram que alguém já

lhes pediu para fotografar ou filmar em situação intima e que a resposta a esse pedido foi

negativa. Destaco que somente meninas revelaram objetivamente o fato de já terem sido

solicitadas a concordarem em serem fotografadas ou filmadas em uma situação íntima.

As respostas sobre a reportagem verídica da Revista Época, de 25/11/2013, escrita por

Guimarães e Cardoso, demonstram a preocupação com o outro, indignação, a questão da

confiança, da responsabilidade com o outro, questões de gênero, o cuidado com as

informações que são postadas, a diferença entre transar e “fazer amor”, a questão de que a

intimidade só diz respeito ao casal e não deve ser divulgada para outros. Nas respostas, um

adolescente apontou também a denúncia. Destaco o fato de que denunciar alguém já não é

algo tão simples, mesmo para adultos. Se pensarmos em um adolescente, que está em busca

de sua autonomia, no caminho da autoafirmação, atitude dessa natureza pode ser difícil de ser

empreendida sem a ajuda de algum adulto.

Essas questões apontadas a partir desse estudo demonstram que o adolescente

apresenta comportamentos biológicos inerentes à sua natureza biológica (puberdade) e com a

aprendizagem proporcionada pelo contexto social, histórico e cultural no qual ele está

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inserido. Com ou sem internet ou qualquer mídia que se possa destacar o adolescente continua

sendo ele mesmo – adolescente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS OU VERDADES PROVISÓRIAS?

A adolescência, construto criado no século XVIII, em algumas culturas, inclusive na

nossa, é uma fase de transição entre infância e a idade adulta. Essa passagem entre esses dois

polos marca a ambiguidade, típica do adolescente. E essa ambiguidade se reflete nas ações

desse Ser adolescente41. No mundo midiático em que vivemos, por exemplo, ao lidar com o

Facebook, que é uma rede social pública, alguns indivíduos podem ter o entendimento de que,

como esse não é um espaço controlado por adultos, ele é um lugar “privado” e se comportam

como se assim realmente ele fosse.

O adolescente nasceu neste mundo midiático, com acesso facilitado a internet, isto é, o

acesso ao computador, ao tablet e ao celular constitui-se algo frequente do cotidiano desses

indivíduos. Sendo assim, cenas com conteúdo impróprio a menor de 18 anos, como violência

e sexo explícito, antes vistas ao vivo ou na televisão, hoje além de visualizadas nessas mídias,

estão vastamente na internet, de fácil acesso, excetuando-se pequenos e singelos avisos. E o

adolescente, além de ver, produz imagens com esse teor e as publica. Ou seja, nessa

sociedade, somos consumidores e também produtores de conteúdo, porém será que estamos

preparados criticamente para essa produção ou apenas contemplamos passivamente as

imagens como nos aponta Caridade (1999)? Além disso, acrescento que esse questionamento

leva em conta também a questão do consumo. E sendo assim, precisamos evitar tratar a nós

mesmos e ao nosso semelhante como objetos; mas isto tem ocorrido com muita frequência

nos dias de hoje.

Pensando nessas questões, que englobam as relações dos adolescentes com as mídias e

pelas mídias, sugere-se que os profissionais que atuam com adolescentes, aprofundem os

estudos sobre a adolescência, considerando as características comuns a essa etapa do

desenvolvimento humano para melhorar o trabalho com esses jovens, a educação

emancipatória. Mas para isso, se faz necessário que nos cursos de licenciatura, as teorias

sobre adolescência, suas características, bem como as diferenças entre puberdade e

adolescência nas várias culturas e também na nossa, sejam aprofundadas e que sejam feitos

41 Adolescência, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente abrange a faixa etária dos 12 aos 19

anos.

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estudos sobre a adolescência, bem como sobre as relações perigosas dos adolescentes com as

mídias nos tempos de hoje.

Para Sartori (2012), o desafio de formar nossos adolescentes para a autoria

responsável de conteúdos e disponibilização dos mesmos poderá ser superado com a prática

pedagógica educomunicativa que, segundo ela pretende desenvolver ações voltadas ao

desenvolvimento de autorias, de coautorias, de exercício de expressão criativa, da produção

coletiva de saberes. Para além de assistir, consumir os conteúdos e discutir os mesmos, é

preciso debater o conteúdo produzido e levar a reflexão antes que o mesmo seja produzido.

Por exemplo, quando aparece uma imagem íntima de um colega ou de um desconhecido nos

celulares, precisamos levar até os adolescentes o que a legislação diz sobre o assunto, o que

pode ocorrer com essa pessoa exposta, dentre outras ações.

Esse é também o nosso desafio profissional a partir dessa caminhada: compreender

que no mundo midiático, o comportamento do adolescente e suas as relações sociais se

transformaram e continuam a se transformar. Há que se levar em conta que, com as

características próprias dessa fase do desenvolvimento desse adolescente e pela sua imersão

no mundo midiático, a vulnerabilidade às situações vexatórias, humilhantes, depreciativas,

dentre outras expressões possíveis de serem utilizadas, vem sendo ampliada, podendo chegar

a ficar sem controle.

Pelas razões desveladas nesse trabalho fica a recomendação aos responsáveis pelas

políticas públicas neste país, bem como os dirigentes de organizações educativas formais e

não formais, bem como aos profissionais da educação em geral, no sentido de atuarem

constantemente na busca contínua de transformar qualitativamente os processos educativos,

contribuindo para tornar especialmente a escola, ambiente educativo formal, num espaço

motivador no qual seja possível abordar criticamente as relações dos adolescentes com as

mídias, sem ignorar as características próprias da etapa do desenvolvimento em que os

mesmos se encontram: - a adolescência. No concreto, que façam parte do currículo ações

educativas preventivas, conscientes e críticas, evitando que essas relações se tornem “relações

perigosas”.

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REDESENHANDO O CENÁRIO DA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DA

GRANDE FLORIANÓPOLIS

Natália Cristina de Oliveira Meneghetti42

RESUMO

O presente artigo busca delinear algumas considerações a respeito da Lei nº 10.639/03 e da

Educação das Relações Ético-raciais, que envolvem o papel da gestão escolar com ênfase na

dimensão pedagógica. Apresentando em paralelo os resultados do diagnóstico levantado sobre

esta temática, junto às escolas públicas estaduais da Grande Florianópolis, realizado pela

Coordenadoria Regional da Grande Florianópolis, por meio da Supervisão de Gestão Escolar

e a Supervisão de Políticas e Planejamento Educacional, bem como, os encaminhamentos

adotados a partir deste diagnóstico.

Palavras-chave: Lei nº 10.639/03. Educação das Relações Ético-raciais. Gestão Escolar.

Podemos dizer que a Lei nº 10.639, promulgada em 2003, que alterou o artigo 26, da

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, é um dos desdobramentos

resultantes do diálogo, exigido e conquistado, entre o Movimento Negro com o Estado, a

partir dos anos 90. Assim como, também, a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a

Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em 2001,

em Durban, África do Sul.

Ao ser implantada, enquanto política pública de Estado, a referida Lei passa a

demandar do sistema educacional, na esfera federal, estadual e municipal, planejamento e

ações que, principalmente, reconfigurem o currículo escolar, retirando deste o viés

etnocêntrico, padronizador e hierarquizado no referente às relações étnico-raciais e ao respeito

à diversidade étnico-racial.

Porém, a inclusão do ensino da História e da Cultura afro-brasileira e africana no

currículo escolar, objetiva, “não apenas mudar um foco etnocêntrico, marcadamente de raiz

européia para um africano, mas sim ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade

cultural, racial, social e econômica brasileira” (BORGES, 2010, p. 72), como também, buscar

o desenvolvimento da visibilidade, valorização e reconhecimento da importância histórica,

cultural e identitária dos afro-brasileiros para o rompimento de relações racistas e das

discriminações que os atingem43.

42 Coordenadoria Regional da Grande Florianópolis, Contato: [email protected] 43 Ver Parecer do Conselho Nacional da Educação/PC 03/2004.

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No âmbito da gestão escolar, com ênfase na dimensão pedagógica, cabe ao Gestor(a)

estar à frente dessa responsabilidade, a fim de conduzir, garantir, coordenar, avaliar, apoiar e

supervisionar de forma planejada e democrática, as decisões e construções coletivas, na e da

escola, pois segundo Gomes:

A pesquisa Práticas Pedagógicas de Trabalho com Relações Étnico-Raciais na

Escola na Perspectiva da lei n. 10.639/03 (PRÁTICAS, 2010) assim como pesquisas

recentes no campo da política educacional (FILIPE, 2010; RODRIGUES, 2010)

apontam o importante papel da gestão da escola nesse processo. As instituições de

ensino cuja gestão se desenvolve de forma mais democrática e participativa tendem

a desenvolver trabalhos mais dinâmicos, coletivos, articulados, enraizados e

conceitualmente mais sólidos voltados para a educação das relações étnico-raciais.

Em contrapartida, as formas autoritárias de gestão que, lamentavelmente, ainda

existem na gestão da educação e das escolas públicas brasileiras, configuram-se em forte impedimento para a realização de práticas pedagógicas que atendam o direito à

diversidade de maneira geral e a implementação da lei n. 10.639/03, do Parecer

CNE/CP 03/2004 e da Resolução CNE/CP 01/2004, em específico. (GOMES, 2011,

p. 118).

Em 2014, a Proposta Curricular de Santa Catarina é atualizada e avança enquanto

documento norteador para a prática pedagógica na escola, no que tange a formação integral do

sujeito e o papel da diversidade. A Proposta Curricular ao manifestar que a diversidade

necessita ser assumida na Educação Básica “como um princípio formativo e fundante do

currículo escolar”, aborda também, por efeito, a Educação das Relações Étnico-raciais e

reconhece a necessidade de contemplar as diferenças como ponto de partida para a elaboração

e execução de qualquer planejamento e projeto pedagógico desenvolvido na escola.

Tornar a diversidade um princípio formativo e fundante do currículo escolar significa

ampliar os horizontes do conhecimento que humaniza, liberta e empodera a todos. Tanto os

responsáveis por todo o processo de ensinar/educar, quanto para os que aprendem, pois

segundo Petronilha:

[...] a diversidade é, como bem argumentam Abramowicz e Silvério (2004, 2005),

uma construção social, cultural, histórica das diferenças. MkGoba (1996) destaca que diversidade de pessoas, ideias, perspectivas, interpretações, culturas, estilos de

vida e experiências é o que permite, aos educadores, estudantes, pesquisadores

refletir sobre e relacionar-se com a sociedade em que vivem, com a(s) cultura(s) em

que estão inseridos. No entender deste professor universitário sul-africano, a

habilidade de criticar o universo onde se vive e os dos outros, só se torna possível

por meio do reconhecimento e valorização da diversidade. (PETRONILHA, 2007, p

497-498).

As considerações apresentadas propiciam a gestão escolar rever e/ou revisitar algumas

questões a serem refletidas pelo coletivo da escola: Com que conceito de sujeito e sociedade a

escola está trabalhando? Qual tipo de cidadão, enquanto escola, estamos colaborando a

formar? Quais são as contribuições da escola para a construção da identidade/imaginário de

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seus alunos? Como a escola irá planejar e transformar a Educação das Relações Étnico-

Raciais em um dos princípios formativos e fundantes do currículo escolar?

É relevante que o gestor, os especialistas e os professores visualizem, reflitam e

busquem responder a estas questões, principalmente, nos momentos de (re) planejamentos do

Projeto Político Pedagógico (PPP), do Plano de Gestão Escolar (PGE) e do Plano anual dos

componentes curriculares, pois, mesmo após treze anos da implantação da Lei nº 10.639/03,

não podemos dizer que sua implementação já está plenamente efetivada.

A este respeito Gomes coloca que:

O desencadeamento desse processo não significa o seu completo enraizamento na

prática das escolas da educação básica, na educação superior e nos processos de

formação inicial e continuada de professores(as). A lei e as diretrizes entram em

confronto com as práticas e com o imaginário racial presente na estrutura e no

funcionamento da educação brasileira, tais como o mito da democracia racial, o

racismo ambíguo, a ideologia do branqueamento e a naturalização das desigualdades

raciais. (GOMES, 2011, p. 118).

Partindo do contexto exposto, a Coordenadoria Regional da Grande Florianópolis, por

meio da Supervisão de Gestão Escolar e a Supervisão de Políticas e Planejamento

Educacional, vêm realizando um trabalho conjunto, objetivando promover, incentivar,

colaborar, propiciar, indicar e estabelecer nas escolas em seu cotidiano, ações que

desencadeiem um processo de atualização e efetivação dessa lei e da Educação das Relações

Étnico-raciais como um todo.

Nos primeiros meses de 2016, a Supervisão de Gestão Escolar e a Supervisão de

Políticas e Planejamento Educacional elaboraram um plano de ação, tendo como objetivo

geral, propor ações que fomentem nas escolas públicas estaduais da Grande Florianópolis a

efetivação da aplicação das Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08. Contemplando, inicialmente

ações referentes à Lei nº 10.639/03 e em documento posterior a totalidade da Lei nº

11.645/08.

O ponto inicial para as ações foi a realização de um levantamento quali-quantitativo,

acerca da realidade da Educação das Relações Étnico-raciais em 109 escolas estaduais de

Educação Básica, incluindo os Centros de Educação de Jovens e Adultos (CEJAS), nos 13

municípios44 de abrangência e responsabilidade da Coordenadoria.

O levantamento ocorreu a partir da elaboração e aplicação de um questionário

estruturado para fornecer informações acerca de três aspectos: 1) a representação numérica da

população negra de alunos, professores, especialistas, assessores e gestores, sendo a primeira

44 Anitápolis, Águas Mornas, Antônio Carlos, Angelina, Biguaçu, Governador Celso Ramos, Florianópolis,

Palhoça, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Pedro de Alcântara, São Bonifacio, São José.

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população por gênero; 2) as ações pedagógicas realizadas pelas escolas e 3) a incidência de

relações interpessoais que envolvem o racismo e a discriminação racial. Esse levantamento

alcançou uma totalidade de 98 questionários respondidos, tendo por objetivo a elaboração de

diagnóstico para conhecer o cenário atual da Educação das Relações Étnico-raciais nas

escolas e subsidiar o nosso trabalho.

Ao delimitarmos a análise dos dados, aos aspectos das ações pedagógicas realizadas

pelas escolas, a respeito do PPP, o Gráfico 1 apresenta que, das 98 escolas, 44% não

contemplam as questões étnico-raciais.

Gráfico 1 - Abordagem das questões étnico-raciais ao longo do Projeto Político Pedagógico

Fonte: Coordenadoria da Grande Florianópolis, 2016.

Quanto à inserção dos conteúdos relacionados à temática étnico-racial no currículo

escolar, a partir dos dados levantados em relação ao Plano anual dos componentes

curriculares, o Gráfico 2, mostra que, nas 98 escolas, além das disciplinas de História com

88%, Língua Portuguesa/Literatura45 com 45% e Artes com 39%, também as disciplinas de

Geografia com 49%, Ensino Religioso com 47%, Sociologia com 32% e Filosofia com 23%

estão abordando conteúdos relacionados à temática étnico-racial. Os outros componentes

curriculares apresentados pelas escolas (Ciências, Inglês, Biologia, Educação Física e

Matemática) possuem um percentual entre 10% e 4%, somente 3% das escolas já possuem em

todos os componentes curriculares – fato positivo a dar visibilidade e ser tomado como

exemplo para as outras escolas – a inserção desta temática, 2% colocou trabalhar a temática

45 Por não termos passado orientações às escolas de separar ou juntar Língua Portuguesa e Literatura no

momento do levantamento, apresentamos a somatória das duas em função da Literatura ser de responsabilidade

do componente curricular de Língua Portuguesa e posteriormente iremos rever este dado.

5455%

4344%

11%

SIM

NÃO

Não respondeu.

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de forma interdisciplinar e 2% em nenhum dos componentes curriculares.

Gráfico 2 - Componentes curriculares que apresentam em seus Planos Anuais conteúdos relacionados à temática

étnico-racial

Fonte: Coordenadoria da Grande Florianópolis, 2016.

Já na questão da promoção de ações educativas que valorizem as culturas Africanas e

Afro-brasileira envolvendo todos os alunos da escola, percebemos que conforme o Gráfico 3,

das 98 escolas, 88% realizam ações neste sentido e 12% não.

Gráfico 3 - Promoção de ações educativas que valorizem as culturas Africanas e Afro-brasileira envolvendo

todos os alunos da escola

Fonte: Coordenadoria da Grande Florianópolis, 2016.

8688%

1212%

SIM

NÃO

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99

Ao levantarmos os eventos promovido pelas escolas, conforme mostra o Gráfico 4, das

86 escolas que informaram que realizam tais ações, 41% realizam eventos relacionados a

comemorações ao dia Nacional da Consciência Negra, ao longo do mês de novembro e 59 %

das escolas colocaram que realizam outros eventos não somente no mês de novembro, mas

também, ao longo do ano.

Gráfico 4 - Eventos promovidos pelas escolas

Fonte: Coordenadoria da Grande Florianópolis, 2016.

Ao analisarmos as descrições dos eventos, as realidades são distintas e configuram a

caminhada e o nível de aprofundamento das escolas em relação as ações educativas

envolvendo a Educação das Relações Étnico-raciais. Algumas vem encaminhando as ações de

forma pontual e com pouca conexão com o currículo escolar, outras demonstram estar no

ínicio de um processo de amadurecimento favorável a atualização e efetivação da Educação

das Relações Étnico-raciais. E também temos escolas que já estão em um processo de

desenvolvimento mais avançado e condizente com o que prescreve a Lei nº 10.639/03 e indica

a Proposta Curricular de Santa Catarina/2014.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões abordadas e apresentadas ao longo deste trabalho remetem para o

desencadeamento de uma ação conjunta entre Coordenadoria e gestão escolar das escolas

estaduais dos treze municípios da Grande Florianópolis, a partir de um diálogo entre estas

instituições afins, para o estabelecimento de ações que promovam e efetivem a Lei nº

10.639/03 e atualizem nestas escolas a Educação das Relações Étnico-raciais, redesenhando a

3541%

5159%

Evento referente ao dia Nacional da Consciência Negra

Outros eventos

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realidade posta.

Neste sentido, a Coordenadoria apresentou em uma reunião com os gestores o

diagnóstico levantado e colocou a necessidade das escolas contemplarem a diversidade “como

um princípio formativo e fundante do currículo escolar” e por efeito a Educação das Relações

Étnico-raciais, partindo da revisão/atualização do PPP, PGE e Plano anual dos componentes

curriculares.

Colocou também, que enquanto as escolas não tiverem o conhecimento aprofundado e

refletido sobre conceitos essenciais, tais como: racismo, discriminação racial, ideologia do

branqueamento, democracia Racial, racismo institucional, desigualdade racial, modelo

eurocêntrico, etnocentrismo, entre outros, não avançará de forma qualitativa em seus

planejamentos e projetos pedagógicos em relação à diversidade e a Educação das Relações

Étnico-raciais.

Apresentou também, cinco metas para as escolas, que serão buscadas e alcançadas

com o auxílio da Coordenadoria e de possíveis parceiros.

As quatro primeiras metas objetivam dar início a transformação do cenário

apresentado pelo levantamento no aspecto das ações pedagógicas realizadas pelas escolas.

Por exemplo, em relação à meta 1, que diz respeito às 43 escolas que não abordam em

seus PPP a temática étnico-racial, será realizado um trabalho junto a estas para conhecer

aprofundadamente os motivos do impedimento da aplicação da lei e traçarmos em conjunto

com as mesmas os devidos encaminhamentos, pois entendemos que o PPP é “um instrumento

teórico-metodológico para a intervenção e mudança da realidade. É o elemento de

organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação”

(VASCONCELLOS, 2002, p. 169).

O desafio é complexo, pois se trata de rever conceitos, valores, comportamentos,

planejamentos e ações, não só das e nas escolas, mas também, em cada um de nós, enquanto

sociedade, cultura, profissional e ser humano.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei n. 9.394/96. Diário Oficial

da União, Brasília, 23 dez. 1996.

______. Lei n. 10.639. Diário Oficial da União, 10 jan. 2003. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 28 jul. 2016.

BORGES, Elisabeth Maria de Fátima. A inclusão da história e da cultura afro-brasileira e

indígena nos currículos da educação básica. Disponível em:

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101

<http://www.uss.br/pages/revistas/revistaMestradoHistoria/v12n12010/pdf/05A_Inclusaodahi

storiaculturaafro.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2016.

______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 3/2004. Diretrizes curriculares

nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e

cultura afro-brasileira. Brasília, 2004.

GOMES, Nilma Lino. Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira:

desafios, políticas e práticas. RBPAE, v. 17, n. 1, p. 109-121, jan./abr. 2011.

PETRONILHA, Beatriz Gonçalves e Silva. Aprender, Ensinar e relações étnico-raciais no

Brasil. Educação. Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3, v. 63, p. 489-506, set./dez. 2007.

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa

Catarina: formação na educação básica. Florianópolis: 2014.

______. Secretaria de Estado da Educação. Gestão Escolar: orientações para o gestor escolar.

Florianópolis: 2016.

VASCONCELLO, Celso dos Santos, Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e

político-pedagógico. São Paulo: Libertad, 2002.

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CONTRIBUIÇÕES DA EDUCOMUNICAÇÃO PARA A ESCOLA COMO

ESPAÇO DE INOVAÇÃO

Raquel Regina Zmorzenski Valduga Schöninger46

Roberta Fantin Schnell47

INTRODUÇÃO

A educação é a posição em que decidimos se amamos o mundo o bastante para

assumir a responsabilidade por ele e, pela mesma razão, salvá-lo da ruína que, a

não ser pela renovação, a não ser pela vinda do novo e dos jovens, seria

inevitável. Hannah Arendt (1977, p. 196)

Pensar a escola como um espaço de inovação pode soar estranho para muitos, afinal

comumente ouvimos dizer que a educação continua a mesma e que nada muda nos espaços

escolares. Mas será que é assim mesmo? Será que a escola continua a mesma? Os professores

continuam com as mesmas práticas desde o início da escolarização? E os estudantes,

aprendem da mesma forma que as gerações passadas?

Para que possamos refletir sobre estas inquietações acerca da escola como um espaço

de inovação, é preciso, a priori, fundamentar e aprofundar teoricamente nossos olhares, a fim

de que consigamos impulsionar pensamentos diferentes acerca das novas formas de

construção de conhecimentos na cultura digital.

O cenário contemporâneo é marcado pelo desenvolvimento tecnológico e pela

consolidação de uma cultura digital, portanto, não podemos negar a sua importância no

processo educativo. Bonilla (2011, p. 73) entende a cultura digital como “os hábitos, práticas

e relações que se estabelecem em torno das tecnologias digitais”. Santaella (2003) define a

cultura digital ou a cibercultura como uma cultura onde as mídias se convergem, e é nessa

convergência que podemos acessar várias informações ao mesmo tempo, ou várias mídias de

uma vez só. Dessa forma, a cultura das mídias, pode ser entendida, também, como a cultura

do disponível e a cibercultura, a cultura do acesso:

É a convergência midiática, na coexistência com a cultura de massas e a cultura das

mídias, estas últimas em plena atividade, que tem sido responsável pelo nível de

exacerbação que a produção e a circulação da informação atingiu nos nossos dias e

que é uma das marcas registradas da cultura digital. (SANTAELLA, 2003, p. 17).

Entendemos que a escola como espaço privilegiado de encontro e socialização, precisa

46 Professora da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis e Doutoranda em Educação pela Universidade do

Estado de Santa Catarina 47 Professora da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis e Doutoranda em Educação pela Universidade do

Estado de Santa Catarina

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promover uma maior aproximação entre os sujeitos envolvidos no processo educativo e a

cultura digital. Com isso, revela-se a necessidade de discutirmos a urgência de uma nova

atuação pedagógica, preocupada com os processos de comunicação entre os sujeitos que

compõem a comunidade escolar e as referências que dispõem de suas práticas socioculturais

para além dela.

Com a cultura digital surgem novos processos cognitivos, ou seja, devemos ser

capazes de realizar funções estruturais que ampliem nossa capacidade de discutir, criar,

argumentar, responder e até de reagir às informações e notícias que temos acesso a todo o

momento. Ou seja, se faz necessário discutir o papel que a comunicação desempenha na

cultura digital e nos processos educativos formais, para depois pensarmos em projetos

inovadores para a escola.

Diante disso, o objetivo deste artigo é discutir as possíveis contribuições da

Educomunicação na construção de espaços inovadores na escola e para além dos muros

escolares.

EDUCOMUNICAÇÃO: ENTENDENDO AS INTER-RELAÇÕES ENTRE

EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO

A Educomunicação, compreendida pelas inter-relações entre Comunicação e

Educação, visa ações que possibilitem uma formação crítica da produção, recepção e da

gestão de processos comunicacionais, potencializando, assim, o diálogo pedagógico com as

mídias e a construção de ecossistemas comunicativos. O termo ‘educomunicador’ foi cunhado

por Mário Kaplún, na América Látina, inspirado no pensamento do educador brasileiro, Paulo

Freire, fundamentado mais tarde, por Jesús Martín-Barbero, filósofo espanhol radicado na

Colômbia, e, atualmente, é desenvolvido por Ismar Soares, pesquisador brasileiro,

coordenador do NCE (Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo).

Tendo sua base teórica na comunicação social, na comunicação dialógica de Paulo

Freire e na teoria das mediações de Jesús Martín-Barbero, a Educomunicação assim

concebida absorve seus fundamentos dos tradicionais campos da Educação, da Comunicação

e de outros campos das Ciências Sociais. Superado, desta forma, a visão iluminista e

funcionalista das relações sociais que mantêm os tradicionais campos do saber isolados e

incomunicáveis (SOARES, 2000).

Soares (2002) pensa a Educomunicação como um conjunto de ações cuja finalidade é

integrar às práticas educativas os processos comunicativos democráticos, abertos e

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participativos e, assim, criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos.

Em analogia ao ecossistema verde ou biológico, Martín-Barbero (2011) apresenta o

conceito de ecossistema comunicativo, que para ele é caracterizado por dois movimentos: um

deles seria a relação com as novas tecnologias que dá origem a uma nova experiência cultural

(mais perceptível entre os mais jovens) e, o outro, seria o surgimento de um ambiente

educacional de informação e conhecimentos múltiplos (que não se limita mais à escola e ao

livro). Soares (2011), explica que a esse conceito de ecossistema comunicativo se estende o

entendimento de um ideal de relações que são construídas coletivamente com estratégias que

favoreçam o diálogo social entre professores, alunos, gestores, pais, enfim, a comunidade

escolar em geral.

A partir dessa perspectiva, entende-se o ecossistema comunicativo como uma

ambiência que possibilita a construção e reconstrução do conhecimento de maneira coletiva,

com uma reflexão constante e compartilhada do fazer pedagógico. Para que possamos criar e

fortalecer esses ecossistemas comunicativos temos que pensar em espaços educativos que

potencializem uma permanente troca de informações e de produção cultural que implique a

construção coletiva de significados, “oportunizando a educação com a comunicação, e não

para a comunicação” (SARTORI, 2012, p. 89).

REINVENTAR A ESCOLA OU CONSTRUIR ESPAÇOS DE INOVAÇÃO?

A escola configura-se como um importante espaço de socialização, que favorece a

construção de aprendizagens e o desenvolvimento das crianças e adolescentes, integrando

aspectos físicos, emocionais, sociais, cognitivos e culturais. Nesse sentido, no âmbito da Base

Nacional Comum Curricular (BNCC)48, são definidos alguns direitos fundamentais à

aprendizagem e ao desenvolvimento com os quais o trabalho que se realiza em todas as etapas

da Educação Básica deve se comprometer. Sobre isso as Diretrizes Curriculares Nacionais

fundamentam que as propostas pedagógicas devem respeitar os princípios éticos, políticos e

estéticos, a fim de consigam oportunizar uma formação humana integral que contribua para a

formação de cidadãos críticos, autônomos e atuantes na construção de uma sociedade mais

justa.

Sobre os direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento que se afirmam em relação

aos princípios éticos, políticos e estéticos, segundo a BNCC (2016), destacamos os seguintes

48Maiores informações sobre a BNCC podem ser acessadas no endereço:

<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/bncc-2versao.revista.pdf>.

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aspectos:

a) Princípios éticos – valorização da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do

respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e

singularidades.

b) Princípios políticos – garantia dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do

respeito à ordem democrática.

c) Princípios estéticos – valorização da sensibilidade de manifestações artísticas e

culturais.

Trazemos a Educomunicação para pensar em formas de operacionalização desses

princípios, uma vez que nas palavras de Soares (2011, p. 13), a “Educomunicação é

essencialmente práxis social, originando um paradigma orientador da gestão de ações em

sociedade”, portanto, as práticas e reflexões quando educomunicativas primam pelo

entendimento de que não basta incluir recursos tecnológicos no ensino, temos que modificar

nossa intervenção social na escola, para além de novos recursos didáticos, necessitamos de

uma lógica própria de atuação com a Educação e para com a Comunicação.

Nesse sentido, construir espaços de inovação na escola a partir dos princípios que

norteiam o direito a aprendizagem numa perspectiva educomunicativa é oportunizar o direito

a comunicação de todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino aprendizagem, ou seja,

estudantes, pais, gestores, equipe pedagógica, enfim toda a comunidade escolar.

Mais do que pensar em inovação como suportes tecnológicos em si, entendemos que

inovar é dar espaço para que os estudantes possam exercer e desenvolver a sua criatividade

dentro e fora dos espaços escolares. Visando ultrapassar essa visão técnica da inovação e até

mesmo as “visões reducionistas de simplesmente contrapor/aliar educação e mídia”,

recorremos às palavras de Soares (2011, p. 19), que toma os âmbitos da prática educativa para

articulá-los à relação entre a Educomunicação e a escola:

1º No âmbito da gestão escolar, convidando a escola a identificar e, se necessário, a

rever as práticas comunicativas que caracterizam e norteiam as relações entre a

direção, os professores e os alunos no ambiente educativo. 2º No âmbito disciplinar,

sugerindo que a comunicação enquanto linguagem, processo e produto cultural (seus

sistemas, linguagens e tecnologias), se transforme em conteúdo disciplinar [...]. 3º

No âmbito transdisciplinar, propondo que os educandos se apoderem das linguagens midiáticas, ao fazer uso coletivo e solidário dos recursos da comunicação tanto para

aprofundar seus conhecimentos quanto para desenhar estratégias de transformação

das condições de vida à sua volta, mediante projetos educomunicativos legitimados

por criatividade e coerência epistemológica.

A inovação na escola está justamente na intervenção social, materializada na coerência

entre a teoria e a prática, na interação, na construção coletiva do conhecimento, ou seja, nas

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ações e nas reflexões ao mesmo tempo, no diálogo que promove o saber, nas possibilidades de

comunicar, de entender a inter-relação e de compreender o mundo por meio da comunicação

interativa.

PALAVRAS FINAIS: ALGUMAS POSSIBILIDADES

Para Maturana (2002) precisamos educar para recuperar a harmonia que não destrói,

não abusa, não explora, que não pretende dominar o outro, mas conhecê-lo na aceitação e no

respeito. Para isso é preciso aprender a escutar, a compartilhar, sem medo de deixar de ser,

sem submissão as exigências culturais e sociais. Nas nossas palavras não precisamos

reinventar a escola, mas torná-la um espaço aberto para as inovações que fazem parte das

novas formas de ser, estar e aprender na cultura digital.

Com base no que discutimos é possível considerar que a Educomunicação, e sua

natureza inter-relacional, nos propõe, de acordo com Aparici (2014), uma prática da Educação

e da Comunicação baseadas no diálogo e na participação e não exige somente tecnologias,

mas também mudanças de atitudes e de concepções. Em outras palavras, a aproximação entre

Comunicação e Educação implica um novo pensar sobre os modelos pedagógicos buscando

novas estratégias educacionais que consigam dialogar com as crianças e os adolescentes nessa

contemporaneidade da sociedade da informação e da comunicação.

REFERÊNCIAS

APARICI, R. Introdução: a educomunicação para além do 2.0. In: ______. (Org.). Tradução

Luciano Menezes Reis. Educomunicação: para além do 2.0. São Paulo: Paulinas, 2014.

BONILLA, Maria Helena Silveira. Formação de professores em tempos de web 2.0. In:

FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Escola, tecnologias digitais e cinema. Juiz de Fora:

UFJF, 2011.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Desafios culturais: da comunicação à educomunicação. In:

CITELLI, Adílson Odair. Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento.

São Paulo: Paulinas, 2011.

MATURANA, H.R.; Emoções e linguagem na educação e na política. Tradução de José

Fernando Campos Fortes. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

SANTAELLA, Lucia. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura.

São Paulo: Paulus, 2003.

SARTORI, A. S. A prática pedagógica educomunicativa e a aprendizagem distraída: criando

ecossistemas comunicativos pela mediação escolar. In: REGIS, F. et al. (Org.). Tecnologias

de comunicação e cognição. Porto Alegre: Sulina, 2012.

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SOARES, I. de O. Educomunicação: as perspectivas do reconhecimento de um novo campo

de intervenção social: o caso dos Estados Unidos. Eccos, São Paulo, n. 2, v. 2, 2000.

Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/715/71520205.pdf> Acesso em: 05 mar. 2016.

______. Educomunicação e Educação Midiática: vertentes históricas de aproximação entre

Comunicação e Educação. Revista USP, São Paulo, n. 2, v. 19, 2014. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/72037> Acesso em: 05 jun. 2016.

______. Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação: contribuições para a

reforma do ensino médio. São Paulo: Paulinas, 2011.

______. Gestão comunicativa e educação: caminhos da educomunicação. Comunicação &

Educação, São Paulo, n. 23, jan./abr. 2002.

_______. A educomunicação na América Latina: apontamentos para uma história em

construção. In: APARICI, Roberto (Org.). Educomunicação: para além do 2.0. São Paulo:

Paulinas, 2014.

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CURRÍCULO, GOSTO E ESPAÇOS DE CRIAÇÃO HUMANA49

Lúcia Schneider Hardt50

RESUMO

O gosto parece ser uma antítese da decadência. O gosto é uma luta constante consigo mesmo.

Uma luta contra o tempo para não se deixar levar pela fala rasa, única e para todos. Ter gosto

em analisar políticas públicas para verificar limites, possibilidades e espaços para criar. Gosto

para contemplar a escola como um lugar para o estudante.

Palavras-chave: Gosto. Políticas Públicas. Escola. Currículo.

Não basta estar vivo, conformar-se com que já está organizado; será necessário sempre

formar-se a si mesmo para em cada situação selecionar qual encaminhamento é o mais

adequado. Em geral, somos seduzidos pelas oposições o que normalmente abre uma

possibilidade para o empobrecimento. Operar por diferenciação significa ousar pensar por

conta própria, identificar questões para discutir e descobrir espaços para criar.

O tema do gosto nasce por meio da obra O Caso Wagner-Nietzsche contra Wagner,

em cujo texto o filósofo realiza uma crítica de si mesmo e também de Wagner.

Compulsivamente quer diferenciar-se da estética que se faz por efeitos, por pequenas

explosões que buscam produzir um êxtase próprio da modernidade. Uma estética que deseja

estender uma verdade a todos, criar emoções arrebatadoras para cavar espaços

prioritariamente produzir o homem da ação. Outra estética é possível, “aproxima-se sutil,

leve, com polidez, move-se com pés delicados”.

Nietzsche afirma: “a adesão a Wagner custou-me caro”. Nessa afirmação avalia sua

própria decadência e seu primeiro gosto. Como livrar-se do gosto encharcado do seu próprio

tempo, como ser atemporal para, com bravura, criar outro gosto.

Nesse ponto introduzimos o debate sobre o gosto em outro cenário: o da educação.

Qual o gosto implicado pelas políticas públicas? E como ele se estabeleceu e vem

determinando uma modalidade de formação, de educação? Esse gosto tem sinais de

decadência? Precisamos formar um segundo gosto? Outro gosto implica a invenção, ousadia,

resistência? Qual gosto vem nos consumindo? Como andamos falando sobre a escola e sobre

o estudante?

O texto pretende fazer acontecer essa relação, essa analogia. De uma reflexão

49 O texto é um desdobramento de uma comunicação oral apresentada na SOFIE– Sociedade Brasileira de

Filosofia da Educação, entre os dias 14 e 15 de setembro/2016, na UNICAMP, intitulado – “A bravura do

gosto”, de autoria de Lúcia Schneider Hardt, Rosana Silva de Moura e Rodrigo Mafalda. 50 Universidade Federal de Santa Catarina.

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filosófica estabelecer outra, pedagógica, para pensar nosso tempo. Estamos tomados pela

reflexão sobre as bases curriculares, os sistemas de ensino, escolas, indicando várias

perspectivas de avaliação desses temas que ora nos envolvem.

Segundo o Ministério da Educação (MEC), a Base Nacional Comum Curricular

(BNCC) é uma exigência colocada para o sistema educacional brasileiro pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996; 2013), pelas Diretrizes

Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2009) e pelo Plano Nacional de

Educação (BRASIL, 2014). A BNCC, cuja finalidade é orientar os sistemas na elaboração de

suas propostas curriculares, tem como fundamento o direito à aprendizagem e ao

desenvolvimento, em conformidade com o que preceituam o Plano Nacional de Educação

(PNE) e a Conferência Nacional de Educação (CONAE). A proposta ora em debate recebeu

críticas de entidades científicas, sindicais e organizações da sociedade civil tanto no que se

refere ao seu conteúdo quanto à forma como está sendo construída. Segundo Tonegutti/UFPR

(2016), não se observa mudanças significativas de conteúdo, mas sim a tentativa de

aprofundar a centralização curricular com o objetivo de ampliar o controle de

professores e estudantes encontra-se em curso a arquitetura de uma nova estrutura de

regulação, de concepção neoliberal, na qual os sentidos hegemonizados para a

educação de qualidade relacionam-se ao controle do que será ensinado e aprendido.

De imediato percebe-se que o debate é polêmico, tem fios de análise para todo lado. A

adesão a um dos lados simplesmente não resolve. A adesão impede um gosto mais singular,

instalar-se em uma oposição ao documento, aos sistemas de ensino talvez limite nossa

criatividade. Mesmo assim não podemos abandonar nenhuma das perspectivas, a quantidade

delas nos aproximará de uma leitura mais expandida.

A CORRUPÇÃO DO GOSTO

A música de Wagner, segundo Nietzsche, foi corrompida por uma vontade de

redenção. Sempre alguém precisa ser corrigido, tocado. Insiste com a ideia da dedicação,

fidelidade, pureza, verdade. Em alguma medida está em Wagner um princípio – “deves crer e

precisas crer”. A música convertida em religião, convertida em finalidade, a serviço do

Estado. A produção dos efeitos vai evitando a ruminação sobre os absurdos. Quando a

emoção é capturada a ruminação cessa.

Outra corrupção do gosto: o excesso de otimismo, e por mais paradoxal que possa

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parecer o otimismo faz da arte de Wagner uma doença. A corrupção do gosto cria atração pelo

que se deveria evitar. Nietzsche reconhece que caiu nessa armadilha, imaginou com Wagner

reeditar a tragédia grega. Nada se realiza nessa direção, pois,

Wagner é uma grande corrupção para a música. Ele percebeu nela um meio para

excitar nervos cansados – com isso tornou a música doente. Não é pouco seu talento na arte de aguilhoar os totalmente exaustos, de chamar à vida os semimortos. Ele é o

mestre do passe hipnótico, mesmo os mais fortes ele derruba como touros. O

sucesso de Wagner – seu sucesso junto aos nervos, e em consequência junto às

mulheres – transformou o mundo dos músicos ambiciosos em seguidores da sua arte

oculta. E não só os ambiciosos, também os sagazes... Hoje se faz dinheiro apenas

com música doente; nossos grandes teatros vivem de Wagner. (NIETZSCHE, 1999,

p.19-20).

Em que medida também está na BNCC para a Educação Básica um desejo de

redenção, de salvação dos estudantes brasileiros?

Na crítica de Nietzsche fica destacado um Wagner encenador, um homem do teatro,

capaz de demorar-se em um gesto e como um tirano convocar o público para a ação seja ela

política ou religiosa. Conseguiu fazer crescer a capacidade de expressão da música pelo estilo

dramático para produzir efeitos. As cenas produzem um drama convertido em Wagner por

uma “ação” que exige efeitos. Segundo Nietzsche, converter o drama em ação é a maior

desgraça, pois retira do drama a cena que retrata um lugar, o suceder da vida, para insistir com

uma finalidade. Em sua origem, o drama é um suceder da vida e não um apelo ao fazer.

O que estamos convocados a fazer considerando as bases curriculares e a

aprendizagem dos alunos? Certamente muita coisa faz sentido, tem propósito, outras tantas

desejam apenas regular, controlar, tornar igual, o que insiste em diferenciar-se. Enfrentar a

corrupção desse gosto implica pensar por diferenciação, a “cura” acontece por meio de uma

guerra. Uma guerra não contra pessoas, mas contra o arcabouço teórico implicado. Uma

guerra conosco mesmo que precisa corrigir o gosto eventualmente.

Segundo Stiegler (2009), é o horror que convoca a boa pedagogia. O terror diante da

decadência conduz educadores para a pedagogia. A melhor pedagogia não vem do espanto, da

admiração, mas vem do horror daquilo que está em curso nos estabelecimentos de ensino e

que anda correndo solto, com pouca intervenção dos educadores. Por onde começar outra

pedagogia? Talvez percebendo a decadência. Identificando o horror. O horror não está apenas

nos documentos, mas nos toma em todos os espaços. Aproveito aqui para destacar um projeto

que vem sendo coordenado por Jorge Larrosa/Universidade de Barcelona e outros

colaboradores, inclusive a UDESC recentemente promoveu uma discussão e vivência desse

projeto – Elogio à escola – estendendo os fios dessa reflexão para educadores, gestores,

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interessados em educação e formação. Estive ainda mais próxima desse projeto por meio de

um orientando (Danilo José Scalla Botelho), que ficou por um ano em Barcelona sob a

orientação de Jorge Larrosa e acompanhou de perto esse projeto que deseja devolver à escola

e ao estudante sua importância. Farei considerações sobre esse projeto no decorrer do texto.

A CRIAÇÃO – UM ANTÍDOTO À DECADÊNCIA

A decadência conduz a uma ausência de forma, de gosto, leva à barbárie. A barbárie

acontece quando abandonamos os vivos no caos, desistimos de formar para a força e

organização do caos. O caos que não é barbárie, mas o convite para a invenção. A vida

solicita forma, medida, organização. Portanto, desejar um currículo parece ser uma meta

legítima.

Voltemos à bravura do gosto, sugerida por Nietzsche, ou seja, uma força capaz de

livrar-nos do que nos consome e captura – o caso Wagner para Nietzsche é, para nós

educadores –, o gosto por uma pedagogia que deseja admiração da multidão. Uma nação é o

mesmo que a multidão? Por que uma nação precisa de BNCC?

Nietzsche, ao fazer paródia a uma expressão de Goethe que clamava por luz, mais luz,

anuncia em seu próprio tom: ar, mais ar. Licht e Luft são necessários, pois como diz nosso

filósofo – os filisteus da cultura instalam tudo o que lhes é anterior na sombra. O texto de

Tonegutti/UFPR (2016) afirma – “temos mais do mesmo”. O documento, segundo o

professor, não analisa os PCNs e toda a crítica já realizada. Parece colocar na sombra, no

escuro, o que ainda precisa de mais luz e ar!

Nietzsche clama ainda: silêncio, mais silêncio, para enfrentar o excesso da palavra, do

normativo, das políticas que supostamente salvam, integram e democratizam deslocando

quase nada em termos estruturais.

A adesão a Wagner custou caro, diz Nietzsche. Repete isso várias vezes para admitir

que a adesão nunca é inofensiva, acaba por corromper o gosto. O gosto com Wagner tem a

medida da sede por abundância, e por isso investe-se de uma melancolia da incapacidade.

A adesão à pedagogia da multidão custa caro. Ela quer ser absoluta, total e alcança a

todos muitas vezes apenas pela mediocridade. O gosto do singular não é oposto da multidão,

talvez seja um antídoto para a corrupção na pedagogia. Stiegler (2009) nos ajuda nesse

contexto quando anuncia em seu artigo que sempre que a massa é apenas reunida

emocionalmente corre-se o risco de destruir a singularidade e de redobrar o perigo de uma

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multidão sem forma, que alcança apenas uma organização nas suas formas mais rudimentares,

incapaz de criar.

Vencer a corrupção do gosto significa enfrentar qualquer “deixar fazer”, e, diferente

disso, deseja convocar o ser humano vivo a fazer algo para enfrentar o horror. O fazer não é

seguir o comum, mas lutar contra o comum já que a bela forma é oriunda da mais sofisticada

disciplina capaz de enfrentar a dispersão, o caos e o medíocre.

Como nossa pedagogia vem enfrentando o medíocre? Em que medida estamos

afastados por demais da mais bela e sofisticada disciplina? Afastados da obediência às formas

primeiras: da língua, da leitura e da escrita? Admiramos a pedagogia quando tudo permite,

quando conduz a um “deixar fazer”, ficamos extasiados com a multidão em constante

mobilização. Qual forma está aí? Que tipo de organização do caos se tornou possível? Apenas

inserir-se em uma parcela da multidão? Podemos nos admirar disso ou ainda estamos diante

do horror que clama por outra pedagogia?

Por que não tomar uma base curricular para criar, por em curso algo inesperado?

Ser obediente às regras da língua, diz Stiegler, é outra forma de contemplar um

modelo que é, por definição, coletivo e exige dos indivíduos dedicação e disciplina para ser

livre. A pobreza pedagógica instala-se sempre que imaginamos estar desde sempre livres,

dispensando qualquer obediência para reconhecer um modelo. Dar as costas a esse processo

produz indivíduos desprovidos de estilo e voz própria. Surge a fabricação da massa em geral

para ser manipulada e governada. Segundo Stiegler (2009), sempre que nos decretamos livres

desde o início dos processos de formação a tendência é fazer proliferar indivíduos mais

adaptáveis, dóceis e menos livres. Servos do imediato, do instante. Obediência e hábito

podem iniciar outra pedagogia.

O que significaria isso? Inventar a solidez da formação por meio de conteúdos já

consagrados no currículo, mas não consagrado muitas vezes no corpo dos estudantes.

Longe de querer dominar a natureza, outra pedagogia quer provar o tanto de força e

potência que o humano tem para criar, produzir experiências servindo-se das ferramentas mais

tradicionais e, portanto, também capazes de criar.

E nós, pedagogos, o que queremos? Perceber onde pode estar o desvio da formação e

insistir em uma travessia que não se contenta em ser dirigido, orientado, manipulado, mas

deseja aprender a organizar o caos que todos os dias a vida nos apresenta. Não existe uma

ideia plena de formação, capaz de oferecer um modelo seguro para enfrentar o caos. O caos é

sempre destruidor, potente e exigirá uma presença qualificada.

Mas o que somos livres mesmo para fazer? Qual é possibilidade de afirmar nosso

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gosto? Qual a nossa capacidade de criação e invenção?

A reflexão de Constâncio (2014) sobre o aforismo 560 de Aurora é especialmente

interessante. Do aforismo ele discute o que é liberdade, caráter e consciência em Nietzsche. A

metáfora do jardineiro é tomada para discutir a possibilidade de “criação desi”. Não somos

totalmente determinados nem totalmente livres. Se o corpo é a grande razão, em nós muitas

coisas pensam: pulsões, instintos, forças. Nem por isso a consciência desaparece, mas se trata

apenas de superfície, pois o terreno subterrâneo ainda não mostrou toda a sua potência.

Muitas forças disputam espaço em nosso corpo, será preciso ordenar, coordenar, hierarquizar

aquilo que vive no corpo. O que vive avalia e o que é avaliado implica um tanto de coisa que

nem sempre reconhecemos.

Coordenamos o que é vivo em função de uma necessidade que parceira da liberdade

faz entender a função do jardineiro referido no aforismo acima quando deseja organizar,

hierarquizar o múltiplo. Liberdade que, como diz Constâncio, tem a dimensão de uma

contingência. Fazer o jardim não é algo apenas calculável seguindo determinadas leis, um

jardim nasce da uma natureza sem lei, sem cálculos previsíveis, e o que é vivo se faz a cada

instante exigindo uma espécie de presença para criar.

Aquilo que vive quer respirar. Isso vem de uma necessidade, de escolhas orgânicas e

também profundamente pessoais. A liberdade como criação implica uma intensificação de

cada corpo que pensa “produzindo uma individualidade do instinto”. (CONSTÂNCIO, 2014,

p.173). Implica livrar-se do que é gregário, das avaliações que não são próprias.

Assim existe um sujeito em Nietzsche, não em termos cartesianos nem kantianos,

contudo, existe “um sujeito-multiplicidade”, que está em constante deslocamento, devir, e não

estabelece qualquer ponto fixo e duradouro, ainda que sempre coordenando, organizando e

hierarquizando forças, impulsos, instintos. Espiritualizar um corpo que pensa revela um gosto,

que nasce da interface entre um sujeito-multiplicidade, liberdade e estilo que cada vez de

novo indaga: O que somos livres para fazer? Quais multiplicidades vivem em nós?

Por que andamos criticando tão intensamente a escola? Como ser livre para enfrentar

essa lógica. Jan Masschelein, citado por Jorge Larrosa no projeto referido acima, e na obra de

sua autoria – “Em defesa da Escola” (2013), alega que ultimamente “rumores” espalharam

severas acusações infundadas sobre a escola, a partir de equivocadas função e definição

atribuídas a ela. Masschelein defende a escola das injustas acusações dirigidas a ela.

Sugere que, em vez desse excesso de crítica, talvez estejamos precisando de uma

“aproximação amorosa” do escolar. Afinal, quem é o estudante e o que efetivamente é

importante para ele? O autor segue dialogando sobre os perigos de se definir objetivos para a

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escola sem considerar critérios pedagógicos e nesses termos surge um grande desafio: discutir

e enfrentar as formas atuais de domesticação da escola e do professor. No livro de

Masschelein, as formas de domesticação da escola são: politização, familiarização,

naturalização, tecnologização, psicologização e popularização. Afinal, queremos corrigir a

escola fazendo dela outro espaço. Repetindo a sociedade que adentrou tanto esse espaço que

já administra o que devemos pensar, fazer, como agradar estudantes, etc. O autor sugere

retomar as funções da escola e por vezes criar uma força de mobilização para lembrar que a

escola deve articular uma ginástica da atenção para outra vez dar movimento aos textos, às

leituras, à escrita qualificada, à reflexão cuidadosa.

O professor, segundo Masschelein, vem sendo domesticado pela profissionalização e

flexibilização. No primeiro caso está em questão treinar o professor, fazê-lo funcionar,

superar seu amadorismo, desenvolver competências. Estamos nos esquecendo de que o

professor é uma figura pedagógica versada em alguma matéria e que, em geral, tem amor ao

mundo, às crianças e aos jovens. Um professor se põe a serviço da matéria, de um conteúdo,

tem como desejo orientar a atenção do estudante, criar a possibilidade da disciplina para

alcançar a aprendizagem. Não pode ser reduzido a um funcionário que precisa ser treinado.

Ser perseguido pelos pressupostos da eficiência e da eficácia e sofre a pressão da lógica do

tempo contabilizado. Alcançar objetivos, submeter-se a objetivos, índices. No segundo caso, a

flexibilização é uma espécie de absolutização de um perfil: criar competências para estar

sempre disponível, produzir uma ideia de professor multifuncional e polivalente, um professor

que não se diferencie mais. Importa produzir um padrão de professor para produzir resultados.

Não podemos neste texto, abordar toda a riqueza desse conteúdo, enfrentar com

densidade todas essas técnicas de domesticação, mas talvez começar a pensar sobre isso.

Talvez uma das linhas de fuga desse excesso de medidas, de legislação, de submetimentos

seja recuperar o papel do estudante e do professor, como sujeitos capazes de pensar antes de

ser dirigidos e, portanto, capazes de dar à sua presença na escola uma dimensão estética.

Em tempos de extremos direcionamentos, no campo da política, da pedagogia, dos

costumes, lembrar-se dessa indagação parece ser suficiente para iniciar um debate sobre a

bravura e o gosto. Assim,

o “jardineiro” que “cultiva” as sementes de uns afectos e não de outros, que faz isso

“com bom ou mau gosto”, que o faz “ao estilo francês, inglês, holandês ou chinês”, que deixa “a natureza agir por si e providenciar apenas, aqui e ali, um pouco de

ornamentação e limpeza”, ou, que, em vez disso, deixa “as plantas crescerem com as

suas vantagens e empecilhos naturais e lutarem entre si até o fim” (A 560)– também

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“ele” e os “seus” pensamentos são apenas “causas catalíticas” da transformação do

carácter, ou “instrumentos” do próprio carácter. (CONSTÂNCIO, 2014, p.188).

Em tempos de políticas públicas, debates intensos sobre currículo, multidões

disputando nosso gosto, pensar sobre a bravura possível de outro gosto, capaz de lutar contra

as adesões já existentes, tal como Nietzsche fez em relação a Wagner, exige de um corpo vivo

disposição a dar a si um estilo próprio, um gosto único, ainda que sempre em deslocamento.

A pergunta é: o que tudo podemos fazer com nossos estudantes? Como mobilizar neles e em

nós a capacidade de gostar de estudar, criar, descobri, escrever, calcular, pensar, ouvir, ver,

escrever e ler?

Assim outra pedagogia implica desgarrar-se do que conhecemos, estranhar aquilo que

valorizamos, resistir ao convite das multidões sem, contudo, desprezá-las, por que viver como

diz “Nietzsche não é desejar ir para trás, mas desejar ir embora, um pouco mais de força,

impulso, ânimo, senso artístico e desejaríamos ir para além – não para trás! (BM-10). Um

pouco mais de ar e luz, poderia garantir nossa criatividade e nosso desejo de ser educadores

mesmo em tempos de tanta turbulência.

Talvez para finalizar poeticamente e/ou esteticamente, valeria a pena ler Manoel de

Barros:

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza

do homem

é sua incompletude.

Nesse ponto

sou abastado.

Palavras que me aceitam

como sou

— eu não aceito.

Não aguento ser apenas

um sujeito que abre

portas, que puxa

válvulas, que olha o

relógio, que compra pão

às 6 da tarde, que vai

lá fora, que aponta lápis,

que vê a uva etc. etc.

Perdoai. Mas eu

preciso ser Outros.

Eu penso

renovar o homem

usando borboletas.

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REFERÊNCIAS

BARROS, M. Retrato do artista quando coisa. Disponível em:

<http://www.revistabula.com/2680-os-10-melhores-poemas-de-manoel-de-barros>. Acesso

em: 12 set. 2016.

BRASIL. MEC. BNCC. Disponível em:

<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/bncc-2versao.revista.pdf> Acesso em: 12

set. 2016.

CONSTÂNCIO, J. O que somos livres para fazer. Reflexão sobre o problema da

subjetividade em Nietzsche. In: MARTON, S.; MAYER BRANCO, M. J.; CONSTÂNCIO, J.

(Org.). Sujeito, décadence e arte: Nietzsche e a modernidade. Lisboa; Rio de Janeiro: Tinta

da China, 2014.

DIAS, R. M. Amizade estelar: Schopenhauer, Wagner e Nietzsche. Rio de Janeiro: Imago,

2009.

MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. São Paulo:

Autêntica, 2013.

______. Ponhamo-nos em marcha. In: MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. A pedagogia,

a democracia, a escola. São Paulo: Autêntica, 2014.

NIETZSCHE, F. Escritos sobre educação. III Consideração Intempestiva: Schopenhauer

Educador. 4. ed. Rio de Janeiro: PUC Rio; São Paulo: Loyola, 2009.

______. O caso Wagner. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

______. Além do bem e do mal. Prelúdio de uma filosofia do futuro. São Paulo: Companhia

das Letras, 1992.

______. Aurora. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

SCARLET, M. Modernidade e décadence: Wagner e a cultura filisteia. In: MARTON, S.;

MAYER BRANCO, M. J.; CONSTÂNCIO, J. (Org.). Sujeito, décadence e arte: Nietzsche e

a modernidade. Lisboa; Rio de Janeiro: Tinta da China, 2014.

STIEGLER, B. Nietzsche y la crítica de la Bildung 1870-1872: los envites metafísicos de la

pregunta por la formación del hombre. Revista Educación y Pedagogía, v. 21, n. 55,

sep./dic. 2009.

TONEGUTTI, C. A. Base nacional comum curricular: uma análise crítica. Disponível

em:<http://www.sismmac.org.br/disco/arquivos/eventos/Artigo_BNC_Tonegutti.pdf>.

Acesso em: 12 set. 2016.

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ANAIS

XXVIII - Simpósio Catarinense de Administração da Educação/AAESC

PROMOTORES E COPROMOTORES

Associação dos Administradores Escolares de Santa Catarina (AAESC)

Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED/UDESC)

Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina – (SED)

Coordenadoria Regional da Grande Florianópolis

Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis

Coordenação geral do evento

Eloi Zambon

João Carlos da Gama

Comissão de Organização Central Eloi Zambon – AAESC

Geovana Mendonça Lunardi Mendes (FAED/UDESC)

Gisele Aparecida Pereira – SME

Jarbas José Cardoso - UDESC

João Carlos da Gama – AAESC

Rosane Immig – SME

Comitê Científico Jarbas José Cardoso - FAED/UDESC

João Carlos da Gama – AAESC

Rosane Immig – SME/ AAESC

Coordenação Local do Evento Alice Mary Andrade de Souza – AAESC

Carla de Melo Abreu - AAESC

Claudia Lúcia Ghisi Niero – AAESC

Evaldo Sampaio Garcia – AAESC

Geovana Mendonça Lunardi Mendes (FAED/UDESC)

Gessoni Tavares Rodrigues – AAESC

Gisele Aparecida Pereira – SME /AAESC

Julia das Graças da Silva Wolff – AAESC

Miriam Nascimento - AAESC

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Neiva Seelig Paulokun – AAESC

Odete Terezinha de Lucca Figueira – AAESC

Rita de Cássia Curcio Fredizzi – AAESC

Rosane Immig – SME/ AAESC

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DIRETORIA DA AAESC - GESTÃO 2014/2016

Presidente

ELOI ZAMBON

Vice Presidente

ALICE MARY SOUZA DE ANDRADE

Primeira Secretária

RITA DE CÁSSIA CÚRCIO FEDRIZZI

Segunda Secretária

CARLA DE MELO ABREU

Primeiro Tesoureiro

MIRIAM DO NASCIMENTO

Segunda Tesoureira

ODETE TEREZINHA DE LUCCA FIGUEIRA

Relações Públicas (1)

JOÃO DELCIO SARTORI

Relações Públicas (2)

FABIANE BEATRIZ. S. T. FACHINI

CONSELHO DELIBERATIVO

Titular (1)

CLAUDIA LUCIA GHISI NIERO

Titular (2)

GISELE APARECIDA PEREIRA

Suplente (1)

ROSANE IMMIG

Suplente (2)

SELMA LUCKMANN GERENT

CONSELHO FISCAL

Titular (1)

JÚLIA DAS GRAÇAS DA SILVA WOLFF

Titular (2)

GESSIONI TAVARES RODRIGUES

Titular (3)

EVALDO SAMPAIO GARCIA

Suplente (1)

NEIVA SEELIG PAULOKUN Suplente (2)

NILVA MARIZ DA SILVA BECKER