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Gigantes Da Física - Richard Brennan

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  • a aventuramais perseverante e grandiosa da histria humana essabusca de compreender o universo, como opera e de onde veio. dicilimaginarqueumpunhadodehabitantesdeumpequenoplanetaquegiraem torno de uma estrela insigniicante numa pequena galxia possa terpor objetivo uma completa compreenso do universo em sua totalidade,umgrozinhodecriaoacreditandorealmentesercapazdecompreenderotodo.

    MurrayGell-Mann

    Uma coisa que aprendi numa longa vida: que toda a nossa cincia,confrontadacomarealidade,primitivaeinfantilenoentantooquetemosdemaisprecioso.

    AlbertEinstein

    Minha mensagem que a cincia uma atividade humana, e a melhormaneira de compreend-la compreender os seres humanos individuaisqueapraticam.

    FreemanDyson

  • APRESENTAOEDIOBRASILEIRA

    Acontribuiodo cientista tantopara a cinciaquantopara ahistriadahumanidademuitasvezesdemoraalgumasdcadasparaserassimilada,oque torna o cientista uma pessoa mais distante e, de certa forma, maisinacessvel.Almdisso,suacontribuiodadanummundodelinguagemprpria, muitas vezes cheio de equaes, de frmulas ou de conceitosprecisosenadacomuns.

    A radical revoluo da sica no incio do sculo XX continuapromovendoavanos,emborajtenhamudadoconceitosbsicosdenossacultura:espao, tempo,determinismo.Umnovopanoramasurgiu,desdeaescala submicroscpica das partculas elementares at as elaboradasteoriase ideias sobreoUniverso.Mascontinuamosconhecendopoucodahistriadeseusprotagonistas,doaspectohumanoedocontextosocialnoqualasrevolucionriasleiturasdomundorealsederam.

    Ser que as grandes teorias ou os experimentos relevantes nopreservamemsialgodeseusautores?Essescientistasforam,semdvida,pessoas singulares;mas tero sido to diferentes de ns? Foram, ou so,pessoas cheias de ideias que esto em permanente evoluo, ou soobstinadasepossuemumaforadevontadefrrea?Teronossosmesmosdefeitos e fraquezas diante do problema que os alige ou so seguros eslidos na defesa de seus argumentos? Jogam, como se diria,honestamenteousedeixamcairnaconvidativatentaodeutilizaroseucelebradonomeparaderrubarosargumentosdeseuscompetidores?

    ***

    Gigantesdasicaapresentaavidadeoitocientistasque,comseutrabalhoepersonalidade,deixarammarca indelvelnahistriada cincia:pessoascomuns, com falhas e virtudes, mas todas com um toque de genialidadequeosdistinguedosdemaissereshumanos.

    Nosetratadeumlivrodecincia,esimdeumlivrosobrecincia,quebuscaatravsdavidadecientistasmostrarseustrabalhosecontribuiesparaahumanidade.Adescriode fatos cienticos feita como cuidadode proporcionar ao leitor uma leitura simples e em linguagem coloquial,

  • semosrigorestcnicosquetornariamoassuntodifcilparaoleigo.Uma srie de alteraes em relao primeira edio desse livro foi

    introduzida com o intuito de melhor adaptar o texto para um pblicobrasileiro, tornando-o mais acessvel. Mantiveram-se, naturalmente, asideiaseabordagensoriginais,bemcomooestilonarrativodoautor.

    A leitura deGigantes da sica, acreditamos, ser agradvel e darsubsdios aos interessados para ummaior aprofundamento dos assuntosabordados. Se o leitor tiver sua curiosidade aguada e seu interessepelafsicaestimulado,nossoobjetivotersidoplenamentealcanado.

    HliodaMottaFilhoHenriqueLinsdeBarros

    marode2000

  • PREFCIO

    Mencioneaspalavras fsica ehistria namesma fraseeosolhosdo leitormediano vo perder o brilho. No entanto, a histria da evoluo dopensamento humano, especialmente na sica, uma crnica dramticarepleta de personagens curiosos e descobertas empolgantes. O objetivofundamental deste livro mostrar que sica e histria podem ser aomesmotempoestimulanteseincitadorasdopensamento.

    Estelivroapresentaoperildeoitosicosquecontriburamdemaneirarelevante para a revoluo que ocorreu na sica no sculo XX e levou atodaumanovacompreensodarealidadedasleisdouniverso.Afsicaacinciaquetratadamatria,daenergia,domovimentoedaforatudodesdeaimensidodocosmoatamenorpartculaindivisveldanatureza.Comoatividadeintelectual,elaabuscadasleisfundamentaisdanaturezae nenhum fenmeno no universo lhe alheio. A abrangncia de nossotema, portanto, depende da capacidade que tenhamos, como escritor eleitor,deexpandirnossasimaginaes.

    Almdeideias,porm,vamosestartratandodepessoasumconjuntode personalidades multifacetadas que so os atores neste palco.Especiicamente,escolhiIsaacNewton,AlbertEinstein,MaxPlanck,ErnestRutherford, Niels Bohr,Werner Heisenberg, Richard Feynman eMurrayGell-Mann,cadaumdosquaisrepresentaumgrandeavanooumudananavisodomundo.Esseshomenspartilhamumapaixointelectualcomumpor conhecer e compreender assim como os grandes artistas socompelidosacriar.Quaisforamasqualidadeshumanassingularesdecadaumdessescientistasqueos tornaramtonotveise tornamcadaumadesuas histrias to fascinante? Todos eles foram pensadoresexcepcionalmente originaisque, em todos os casos, desviaram-seclaramente do pensamento anterior para fornecer aomundo concepesinteiramente novas da realidade e novas verdades para considerar. Elesso, em suma, aquelas pessoas que conduziram omundo intelectual, porvezescomrelutncia,continuidadede ideias,observaes,especulaese snteses que constituem o corpo de conhecimento hoje chamadofsicamoderna. Que signiicado tem isso para ns? De minha parte, sou umentusiasta confesso da cincia e como tal posso ser acusado de ter uma

  • viso extremamente estreita da histria. Airmo, contudo, que quaseimpossvelexagerarascontribuiesdessesoitocientistas.Elasso,ameuver,muitomaisnotveisquetodososreis,rainhas,generaisepolticosqueso os temas usuais da histria. Quase tudo nossa volta na IdadeModerna, de automveis a eletrodomsticos, do avio a jato a usinaseltricas,devesuaexistnciaemalgumamedidaaessescientistas.

    Isaac Newton popularmente conhecido como o homem que viu umama cair de uma rvore e a partir disso, de umamaneira ou de outra,elaborouasleisdosmovimentoscelestes.Suascontribuiesamecnicae o clculo s podem ser verdadeiramente apreciadas quando vistascomo precursoras da Idade da Mquina e da Revoluo Industrial. Asteorias revolucionriasdeMaxPlanck introduziramaeletrnicaquntica,sem a qual a indstria moderna no existiria. O legado conjunto desseshomenssurpreendente.

    Este livro destinado mais extraordinria das criaturas, o leigointeligente o no cientista que pode jamais ter feito um curso dehistria da cincia, mas que ainda assim possui curiosidade intelectualpara reletir sobre como chegamos nossa concepo atual do mundonatural, e, igualmente interessante, quem foram os cientistas que nostrouxeramaesteponto.Este livro,portanto, ahistriada sica contadaatravs de biograias abreviadas que se concentram nas personalidadesdossicoseemsuasrealizaescienticas.Estescritoemlinguagemnotcnica e minha meta explicar e interpretar a obra desses notveiscientistasnuma linguagemcompreensvel a todos.Nenhumconhecimentoemcinciaoumatemticaexigidodoleigoparaesteguia.EstoudeplenoacordocomTimothyFerris,autordelivrossobrecincia,quandodisse:Adiiculdadeparasecompreenderumaobradecincia,emcontraposioaumaobradearte, frequentementeexagerada.Newton,EinsteineGell-MannnodeveriamsermaisamedrontadoresqueShakespeare,TolstoiouMozart. Todos eles representam um desaio intelectual e prometem umaricarecompensapeloesforo.Estelivroparaaquelesquenosedeixamderrotarportentativasdeperscrutarecompreenderoincrvelmundoemque vivemos e que esto dispostos a pagar um pequeno preo empensamentoeesforopeloingresso.

    Alis, o ttulo original deste livro em ingls (Heisenberg Probably SleptHere)a vem de um adesivo avistado num carro nocampus doMITb, e eleprovaque,malgradocertosindciosemcontrrio,aspessoasversadasemcincias no deixam de ter certo senso de humor.WernerHeisenberg, claro, foi o formulador do princpio da incerteza, pelo qual a exatido da

  • medidasubstitudapelaimprecisaprobabilidade.PorquecomearcomIsaacNewtonenocomumsicodosculoXX?Se

    pensarmos na sica como um esforo para encontrar um conjuntouniicado de leis que governam a matria, o movimento e a energia nonvelmicroscpicoousubatmico,naescalahumanadocotidianoeatnamais ampla escala csmica extragalctica, veremos que as realizaes deNewton abrangem toda essa extenso, do micro ao macro, recobrindotambm o territrio intermedirio da sica aplicada do dia a dia. Hoje, aambiciosametadasicaencontra-sequaserealizada.Emboraaindanosetenha alcanado uma teoria completamente uniicada dos fenmenossicos, um conjunto notavelmente reduzido de leis sicas fundamentaisparececapazdeexplicartodososfenmenosconhecidos.

    A sica desenvolvida at a virada do sculo XX, aproximadamente, conhecida comosica clssica e capaz de explicar os movimentos dosobjetosquesemovemlentamentecomrelaovelocidadedaluz,almdefenmenos como o calor, o som, a eletricidade, omagnetismo e a luz. Osdesenvolvimentos da sica moderna, como a relatividade e a teoria dosquanta,modiica a compreensodesses fenmenosnamedidaemque seaplicam tanto a velocidades mais altas e a objetos imensos quanto aosdiminutos elementos constitutivos da matria, como eltrons, prtons enutrons.

    Em seu livroSonhos de uma teoria inal, o sico Steven Weinbergexprime isso da seguinte maneira: com Isaac Newton que o sonhomoderno de uma teoria inal [da sica] realmente comea. Newton nosfornece,portanto,opontodepartidalgicoparanossaaventuraintelectualrumoaoespao,o tempoeodesconhecido.Paramontarocenrioparaogrande homem, algumas palavras de prlogo um breve sumrio dafsicapr-newtonianasonecessrias.

    aHeisenbergprovavelmentedormiuaqui.(N.R.T.)bInstitutodeTecnologiadeMassachusetts.(N.R.T.)

  • INTRODUOSOBREOSOMBROSDEGIGANTES

    Em1676,ummodestoIsaacNewtonescreveunumacartaaRobertHooke,colegacientistaerivaldelongadata:Seenxergueimaislongequeoutroshomens,foiporquemeerguisobreombrosdegigantes.OresumoqueseseguedizrespeitoaalgunsdosgigantesaqueNewtonsereferiu.

    SemdvidahaviasicaantesdeIsaacNewton.Mesmoantesdosgregosantigos na China, no Egito e na Mesopotmia, para citar apenas trslocalizaes geogricas, pessoas esforavam-se para compreender asleis naturais do estranhomundo emque viviam.Os rabes, por exemplo,deram civilizao seu atual sistema de numerao. As clebrespirmides, cuja construo demandou um incrvel conhecimento dematemtica, j eram bastante antigas quando os gregos comearam adiscutir ilosoia e cincia. Do ponto de vista ocidental, no entanto, osgregos foram osmais importantes dos primeiros cientistas, os prottiposdosfsicos,porassimdizer.

    AlgunshistoriadoresidentiicaramTalesdeMileto(640-546?a.C.)comoo primeiro ilsofo e o primeiro cientista. Para merecer essa honra, eleapresentounovasperspectivassobreamaneiradesetentarcompreenderomundonatural.Emprimeirolugar,Talesnorecorreuaoanimismo;isto, no dizia que chove porque o deus da chuva est zangado ou que osmaressoprofundosporqueosdeusesassimdeterminaram.Emsegundolugar, fez a audaciosa airmao de que o cosmo era algo que a mentehumanapodiacompreender.Seufeitomaisespetacular,equeprovousuatese, foiaprevisodeumeclipsepara585a.C.ele realmenteocorreu.Talespsomundointelectualnasendadarelexosobreomodocomoascoisas funcionavam, uma senda que continua sendo trilhada em nossosdias.

    Tales foi sucedido por Pitgoras (c.582-c.500 a.C.) e seus seguidores,que descobriram que o mundo real pode ser compreendido em termosmatemticos de fato, talvezmais bem compreendido em termosmatemticos. A escola pitagrica, que sobreviveu ao mestre por vriascentenas de anos, airmava que o universo a manifestao de vriascombinaes de razes matemticas. Foi dito que os pitagricos se

  • desviaram da religio para amatemtica e terminaram transformando amatemticanumareligio.Suaintuiooriginal,contudo,consideradaumdosmais importantesavanosnahistriadopensamentohumano.DesdePitgoras, amatemtica tem sido a lingua franca da cincia. Ela pode, noentanto, ser traduzida numa linguagem mais compreensvel. O prprioPitgorasconsideradotambmoprimeirohomemdequesetemnotciaa ensinar que a Terra era uma esfera e ainda a postular que a Terra semoveambasnoesradicais.

    A exploso de conhecimento grega continuou com as obras de, entreoutros notveis, Euclides, Aristarco, Arquimedes e Eratstenes. Euclides(c.300 a.C.), cujo nome sem dvida quase sinnimo de geometria,escreveuummanual chamadoElementosquesetornouopadrodurantesculos. Aps a inveno da imprensa, foi objeto demais demil edies,razo pela qual Euclides considerado o mais bem-sucedido autor delivro-texto de todos os tempos. O que fez a grandeza de Euclides foi suacapacidadedeapreender todoo conhecimentoacumuladonamatemticadesdeosdiasdeTalesedecodiicaressesdoissculosemeiodeesforosnumanicaobra.OsaxiomasdeEuclides,comoOtodoigualsomadassuas partes, ou Uma linha reta amenor distncia entre dois pontos,eram outrora considerados leis matemticas. No sculo XIX, os cientistasforam capazes de entender que, na verdade, axiomas so apenasairmaes admitidas, e no verdades absolutas. Pouco se sabe sobre avida de Euclides, mas uma anedota diz respeito sua resposta ao reiPtolomeu do Egito quando este, ao estudar geometria, perguntou-lhe seno podia tornar sua demonstrao um pouco mais fcil de entender.Euclidesrespondeu,inflexvel:rei,paraseviajarpelopashviasrgiaseviasparaoscidadoscomuns;nageometria,porm,humasviaparatodos.Comfrequncia,essepensamentoexpressonaformamaiscurta:Nohviargiaparaageometria.

    AristarcodeSamos (c.260a.C.) geralmente consideradoomaisbem-sucedidodosastrnomosgregos.AristarcocalculouotamanhorealdaLuaao observar o tamanho da sombra projetada pela Terra durante umeclipsedaLua.Amaisrevolucionriadetodasassuas ideiasfoiasugestode que osmovimentos dos corpos celestes poderiam sermais facilmenteinterpretados caso se admitisse que todos os planetas, entre os quais aTerra, giram em torno do Sol. Essa hiptese heliocntrica era demasiadoradicalpara ser aceitapelos sbiosda poca eo livrodeAristarco sobreesseassuntonosobreviveu.

    Entre os gregos temos, em seguida, Arquimedes (287?-212 a.C.),

  • reputado o mais eminente cientista e matemtico da Antiguidade. Sobmuitosaspectos, foioprimeirocientistaasertambmumengenheiroporter voltado muitas de suas teorias para o uso prtico. Por exemplo,Arquimedes formulou o princpio da alavanca. Demonstrou com detalhesmatemticos que um pequeno peso a certa distncia de um fulcro (oupontodeapoio)iriaequilibrarumgrandepesoprximodofulcroequeospesos e as distncias estavam em proporo inversa. Conta-se que, apropsito do princpio da alavanca, Arquimedes teria dito: D-me umpontodeapoioepossomoveromundo.

    Atribui-setambmaArquimedesainvenodeumabombadeguanaforma de um cilindro helicoidal que, quando girado, era capaz demovergua de um nvel para outro, mais alto. At hoje esse dispositivo conhecidocomoo parafusodeArquimedes.Emseu tempo,Arquimedessenotabilizou sobretudo como inventorde armasde guerra, catapultas eassemelhados.Foide fatoumcomplexomilitar-industrialnumshomem.Atualmente, porm, Arquimedes mais conhecido popularmente peladivertida histria de sua descoberta do princpio que leva o seu nome.Oque se conta que o protetor de Arquimedes, o rei, pediu-lhe queveriicasseseumacoroarecm-enviadapelo joalheiroeradefatotodadeouro, como devia ser, ou se continha uma mistura enfraquecedora deprata. Devia fazer isso sem daniicar a coroa de maneira alguma.Arquimedesno tinhaamenor ideiasobrecomo levara caboessa tarefaat que um dia, ao entrar em sua banheira cheia, percebeu que a guatransbordou.Diz a lenda que ao fazer essa observao ele pulou fora dabanheiraesaiucorrendonupelasruasdeSiracusaemdireoaopalciogritando: Eureca, eureca! (Achei!). Dessa observao casual, ele haviafeitoabrilhantededuodequeaquantidadedeguadeslocadaeraigualem volume poro de seu corpo que estava submersa na banheira. Apartirdisso, concluiuque semergulhassea coroado reinaguapoderiadescobrir o volumeda coroa pelo aumento do nvel da gua. Em seguidapoderiacompararovolumedacoroacomovolumede igualpesodeouro.Se os volumes fossem iguais, a coroa era de ouro puro. Se tivesse umamistura de prata (que menos densa que o ouro a), a coroa teria umvolume maior. Como uma nota de p de pgina a esta famosa anedota,caberiaobservarquesedescobriuquea coroaemquestoeraempartedeprataeojoalheirofoiexecutado.

    Outro famoso pensador grego de interesse o astrnomo, gegrafo ehistoriadorEratstenes (276?-195?a.C.).b Ele era o sbio encarregadodaBiblioteca em Alexandria, e tutor do ilho do rei Ptolomeu III. O mais

  • importantede tudo,porm,e a razode sua inclusonamaiorpartedaslistas dos cientistas importantes da Antiguidade, foi sua faanha dedeterminarotamanhodaTerra.Eleofezobservandoofatodeque,nodiadosolstciodevero,oSolicavadiretamenteacimadacidadedeSiena,nosul do Egito, na mesma hora em que estava a sete graus do znite emAlexandria. Por raciocnio, concluiu que a diferena se devia curvaturana supercie da Terra entre as duas cidades. Caso a distncia entre ascidades fosse conhecida com certo grau de preciso e caso se admitissequeaTerraumaesferacom igualcurvaturaemtodasaspartesdesuasupercie, seria possvel calcular o dimetro da Terra. Usando estemtodo,EratstenescalculouacircunfernciadaTerraempoucomaisde40mil quilmetros, o que quase correto. c O problema foi que ningumacreditou nos seus nmeros na poca porque faz-lo era admitir que omundo ento conhecido ocupava apenas uma pequena poro dasupercie total da Terra, e grande parte desta era mar. Os outros trsquartosdasuperciedaTerraoueraminteiramentecobertosdeguaoucontinhamvastas terrasdesconhecidaseessasduasalternativaseramambasinaceitveisnapoca.

    Do tempo dos antigos s grandes descobertas de Nicolau Coprnico,Johannes Kepler e Galileu Galilei, passaram-se cerca de 1.700 anos sculos durante os quais as teorias de Cludio Ptolomeu (127-151 d.C.)dominaram o mundo pensante. Na verso da realidade de Ptolomeu, aTerraestnocentrodouniversoetodososplanetas giramsuavoltaemrbitas circulares de vrios tamanhos, dependendo da distncia que osseparadaTerra.Essateoriaeraclaraesistemtica.Podiaatserusadanapreviso das rbitas dos planetas, embora com escassa preciso, e era, claro, completamente errada. S 1.700 anos mais tarde izeram-seobservaes dos planetas com preciso suiciente para levantar dvidassobreaversodouniversodePtolomeu.

    O astrnomo polons Nicolau Coprnico (1473-1543) foi quem deu apartidanarevoluocienticaquehaveriadedestronaracinciagregaeintroduzirohomempensantenumcaminhomaisprodutivo.Em1507,eleobservouqueastabelasdasposiesplanetriaspoderiamsercalculadascommaiorprecisocasoseadmitissequeoSol,enoaTerra,eraocentrodo universo. Essa no era uma ideia completamente nova Aristarcohaviasugeridoessaideiaradicalmuitosanosantes.MasfoiCoprnicoqueelaborouumsistemacomtodososdetalhesmatemticosparademonstrare sustentaronovoconceito.AnovaordenaodosplanetaspropostaporCoprnico,doSolparaforaMercrio,Vnus,TerraeLua,Marte,Jpiter

  • eSaturnosubstituiua tradicionalordemcentradanaTerrae forneceuuma soluo simples e coerenteparaoproblemaat entomal resolvidodeporqueMercrioeVnussempreapareciampertodoSol.

    O sistema copernicano explicou tambm o enigmtico movimento dosplanetas,emparticularoaparentemovimentoretrgradodeMarte,Jpitere Saturno. Se a Terra estava se movendo em torno do Sol numa rbitamenorqueasdeMarte, JpitereSaturnocomoCoprnicoprops,ela iriaperiodicamente passar frente desses planetas, fazendo com queparecessem estar se movendo para trs no cu noturno. Alm disso, ofenmeno da precesso (ou ocorrncia antecipada) dos equincios podiaagora ser explicado por um balano da Terra medida que ela gira emtorno do seu eixo. Os equincios, voc deve estar lembrado, ocorremquandooSolcruzaoplanodoequadordaTerra,fazendocomquenoiteediatenhamiguaisduraesnaTerrainteira.Issoaconteceduasvezesporano,porvoltade21demaronocasodoequinciodaprimaveraede21de setembro, equincio de outono.d O problema era que esses eventosestavamocorrendoumpoucomaiscedotodososanoseissonopodiaserexplicadopelas velhas teoriasptolomaicas. Seria possvel explicarmelhorasestaesnaTerraseestasemovesseemtornodoSolumavezporanoetivesse,comodefatotem,seueixoinclinadoemrelaoaoSol.

    Duranteamaiorpartedesuavida,Coprnicoseabstevedepublicarnatotalidade suas extraordinrias concepes.De revolutionibus s foipublicadoem1543e,porironia, foiobjetodeamplodescasonapoca.AsideiasexpressasnaobradeCoprnicoeramexcessivamenteradicaisparaseremlevadasasrio.Durantedcadas,houvepoucosindciosnaEuropade que uma concepo sem precedentes fora proposta e de que umamudana drstica na viso domundo fazia-se agora necessria. A IgrejaCatlicaRomanaporcertoprestouatenonaturezaherticadaobradeCoprnico e, como ela contradizia claramente os ensinamentos da Igrejasobre umuniverso centrado na Terra, proibiu-a. S em1835, quase 300anos aps a morte de Coprnico, o livro foi retirado da lista de livrosproibidos. Quatro anosmais tarde, quando uma esttua de Coprnico foiinaugurada em Varsvia, nenhum padre catlico se disps a oiciar naocasio.

    Apesardetudo,doisjovensastrnomosdediferentespartesdomundologoseconverteramsideiasdeCoprnico:KeplernaustriaeGalileunaItlia. JohannesKepler (1571-1630)eraoherdeirodeumvasto conjuntode observaes astronmicas de uma preciso sem precedentesacumuladoporTychoBrahe (1546-1601),oastrnomodinamarqusque

  • foiseumentoreseupredecessornaposiodematemticoeastrlogodosacroimperadorromano.Usandoessetesourodedadosefortalecidopelaf na teoria copernicana, Kepler empenhou-se na descoberta das leismatemticas que iriam resolver o problema do comportamento dosplanetas. Por mais notvel que fosse a concepo heliocntrica deCoprnico, os dados observveis ainda no se ajustavamperfeitamente teoria. Kepler dedicou dez anos de trabalho rduo e paciente investigaoempricadosmovimentosdosplanetas e s leismatemticassubjacentesaessesmovimentos.Feztudoissointeiramentesozinho,semoapoiodeningumecompreendidoapenasporpoucos.OgolpedegniodeKepler foidescobrirqueaverdadeira formadarbitadaTerraemtornodoSoleraumaelipseenoumcrculoperfeitocomohaviasidopostulado.Fez isso calculando as relaes posicionais da Terra, de Marte, e do Sol,para concluir que somente uma rbita elptica corresponderia aos dadosobservveis. Feito isso, Kepler passou a calcular as rbitas eosmovimentosdosdemaisplanetasconhecidos.Foiumtrabalhomonumental,especialmenteemse considerandoas limitaesdamatemticanapoca.Alm de descobrir que as observaes correspondiam precisamente arbitascomformadeelipses,KeplerdescobriuquecadaplanetasemovianumavelocidadeproporcionaldistnciaqueoseparavadoSol.

    Combasenessesachados,Keplerdesenvolveuumconjuntodetrsleis:(1) Os planetas orbitam em torno do Sol em rbitas elpticas, com o Solnum dos dois pontos focais da elipse. (2) A linha que une o Sol e umplanetavarrereasiguaisemtemposiguais.(3)OcubodadistnciamdiaentreumplanetaeoSolproporcionalaoquadradodotempoqueelelevaparacompletarumarbita.

    Asegundaleipodeserexpressatambmdaseguintemaneira:quandoum planeta est se movendo pela extremidade externa de sua elipse, alinhaqueouneaoSolsermaislongaeoplanetaestarsemovendomaislentamente; medida que o planeta move-se mais perto do Sol, a linhaicarmaiscurtaeoplanetasemovermaisdepressa.Essasmudanasnavelocidade signiicam que a rea varrida pela linha que une o sol a umplaneta,emqualquerperododetempo,queroplanetaestejaprximooulongedoSol,permaneceramesma.

    AterceiraleideKeplertambmadmiteoutraformulao:seadistnciamdiaentreoSolequalquerplaneta fosseelevadaaocuboe seo tempoqueessemesmoplaneta levapara completar suarbita fosse elevadoaoquadrado, a razo dos dois nmeros resultantes seria sempre a mesma,noimportaqualfosseoplanetaenvolvido.Paratodososefeitos,asleisde

  • Kepler introduziram ordem e harmonia concepo de universo dahumanidade.

    Quando jovem, Kepler ganhava a vida como professor de matemticanuma cidadezinha da ustria. Para suplementar seus magros ganhos,distribua calendrios astrolgicos que previam, entre outras coisas, otempo, o destino de prncipes, os riscos de guerra e de insurreies dosturcos. Sua fama se espalhou e por im ele passou a calcular horscopospara o imperador Rodolfo e outros membros preeminentes da corte. Apseudocincia da astrologia continuou sendo a fonte de renda de Keplerquando tudomais falhava.Constaqueele teriadito: Prognosticar,pelomenos,melhorquemendigar.Apesardesuasincursespelacartomancia,Johannes Kepler assegurou seu lugar entre os gigantes como o primeirohomem a discernir a realarquitetura do sistema solar e a formular leisquepreveemcomprecisoosmovimentosdosplanetas.

    SEGUNDALEIDEKEPLEROtempoentreA1eA2igualaotempoentreB1eB2.AvelocidadeentreA1eA2maiorquantomaioraproximidadedoSol.

    Aproximadamente namesma poca em que Kepler estava publicandosuas leis domovimento planetrio emPraga, Galileu Galilei (1564-1642),universalmente conhecido apenas por seu primeiro nome, virou seurecm-construdotelescpioparaocuquecobriaPdua,naItlia.Elenoinventarae o telescpio;odispositivo fora criadonaHolandaem1608.Noentanto,elemontouparasiumtelescpiomelhorem1609efoiopioneirodeseuusocomoinstrumentoastronmico.

    Antes de se voltar para observaes astronmicas, Galileu estiveraempenhadoemirmarsuareputaocomooprimeiro sicoexperimental

  • domundo.Fezexperimentoscomtudoquelhepassoupelacabea:comosom, com a luz, com a temperatura e, o que foi mais importante, com omovimento.Segundoumahistriainteressante,queinfelizmentenopassade ummito, Galileu deixou cair objetos de diferentes pesos da inclinadaTorre de Pisa para demonstrar que cairiam sobre a Terra com amesmavelocidadef. Essa histria no mencionada por Galileu em nenhuma desuasanotaes;naverdade,foiatribudaaeleanosmaistarde.Sejacomofor, o experimento, tivesse ele sido efetuado, no teria tido os resultadospresumidos, porque objetos de diferentes pesos s cairiam no mesmointervalodetemponovcuo.

    O que Galileu de fato fez foi estudar como os objetos se movem; nodeixandoquecassemlivrementedatorreoudequalqueroutrolugar,masusando um plano inclinado. Fazendo bolas de diferentes pesos rolar porumplanoinclinadoabaixo,tornouomovimentomais lentoatopontoemque podiamedi-lo. No era um experimento perfeito porque havia atritoenvolvido e objetos mais pesados seriammais afetados que outros maisleves. Galileu fez o possvel para eliminar esse fator, polindo a tbuainclinada at deix-la lustrosa. Comeou com uma inclinao suave e emseguida repetiu o experimento com inclinaes crescentes, at que avelocidade se tornou grande demais para ser medida com algumapreciso. Galileu foi capaz de extrapolar os resultados dessesexperimentos com planos inclinados, concebendo um experimentohipotticomental para conjeturar o que ocorreria a objetos numa quedalivre.Descobriuqueumobjetoemquedanocai simplesmenteelecaicada vez mais depressa ao longo do tempo. Em outras palavras, ele seacelera, e a acelerao (aumento da velocidade) constante. Alm disso,Galileu observou que a taxa de aumento da velocidade a mesma paratodasasesferas,sejaqualforseupesooutamanho.Sendoummatemtico,expressoutodasassuasconclusesnumafrmulaqueconhecidacomoaLei da queda dos corpos. No precisamos detalhar a matemtica ou afrmula, mas cabe simplesmente assinalar que hoje se considera que asobservaes e dedues de Galileu deram incio cincia damecnica equetiveramenormeinflunciasobreIsaacNewton.

    Nasnoitesde4a15dejaneirode1610,reputadaspormuitoscomoasmais importantes na histria da astronomia, Galileu fez observaesassombrosas com seu recm-construdo telescpio. Essas observaespuseram ao alcance da astronomia as primeiras provas qualitativamentenovas que ela conhecera desde a Antiguidade. Galileu interpretou cadaumadesuasobservaesascraterasemontanhasnasuperciedaLua,

  • asmanchasmveisnoSol,asquatroluasquegiramemtornodeJpiter,asfases de Vnus, as diferentes estrelas quase inacreditavelmentenumerosas da Via Lctea como poderosa evidncia que vinhacorroborar os conceitosdeCoprnico e refutar a velha teoriaptolomaica.Com o telescpio de Galileu, ateoria heliocntrica tornou-se ofatoheliocntrico. O universo copernicano no mais poderia ser descartadocomomeraconveninciadeclculo.

    Em 1632, Galileu publicou seus achados num livro chamadoDilogosobre os dois maiores sistemas do mundo e imediatamente passou a terproblemas com a Igreja Catlica Romana. A propsito, a despeito de suaimportncia trata-se de um livro longe de ser sisudo. Est cheio do quehoje se chamaria de piadas batidas e zombarias. A zombaria, contudo,fazia-secustada IgrejaedopapaUrbanoVII,e foiaqueosproblemascomearam. Galileu foi levado perante a Inquisio sob acusaes deheresia.Asquestesconsideradasno julgamentopoucotinhamavercomteoriascienticas.Naverdade,Coprnico,aconcepoheliocntrica,eumaTerra que semovia no foram discutidos emmomento algum. A questocentral do julgamento foi a obedincia ao papa. Galileu havia tentadoseparar os domnios da Igreja e do Estado ao dizer: A religio nos dizcomochegaraoCu,nocomooCuchegoul,masfracassou.

    Como parte de seu esforo para convencer Galileu do erro de seusprocedimentos,o inquisidores levaramoarroganteastrnomo,entocomquase setenta anos, at asmasmorras e lhemostraram o ecleo. Galileunofoirealmentetorturado.Duasvezes,porm,foiameaadodetortura.possvel tambm que tenha sido lembrado de que em 1600 o papaClementeVIIIenviaraodesventuradoastrnomoitalianoGiordanoBruno,que tambm desenvolvera ensinamentos e pensamentos ligados a teoriaheliocntrica, para a fogueira por heresia. Com pouca escolha, Galileurenuncioussuasideiasefoicondenadoaprisodomiciliarpelorestodeseus dias. A histria de que Galileu, aps sua abjurao, levantou-se dochoondeestavaajoelhadoesussurrouEpursimuove(Apesardisso,semove)maisummitoquesemergiuem1761,cercade130anosapsojulgamento.

    Enquanto esteve sob priso domiciliar, nada do que Galileu escreveupdeserpublicado.Adoutrinaproibidadeumuniversoheliocntriconodevia ser discutida, e Galileu no tinha permisso para falar sequer comprotestantes. O resultado de tudo isso foi o im da investigao cienticacatlica. O grande contemporneo de Galileu, Ren Descartes, levou aadvertncia a srio, parou de publicar na Frana e mudou-se para a

  • Holanda.OVaticano tardouat1985para reconhecerqueGalileu foi umcientistanotvele injustiadopela Igreja.Em1986,SuaSantidadeopapaJoo Paulo II apelou para uma concrdia frutfera entre cincia e f.Atualmente, a Igreja catlicamantmastrnomoseoutros cientistasparaaconselh-lanotocanteaomundofsico.

    Paraqueoutrosavanosnacompreensohumanadouniversonaturalse produzissem, era preciso, contudo, que a Revoluo Cientica sedeslocasse para o norte da Europa, e ela o fez. Galileu morreu, aindaprisioneiroemsuacasaemArcetri,pertodeFlorena,em1642.NodiadeNataldomesmoano,naaldeiadeWoolsthorpe,naInglaterra,nasceuIsaacNewton.

    aAdensidadedapratade10,5g/cm3enquantoadoourode19,5g/cm3.(N.R.T.)b Para uma descrio de vrios dos experimentos mencionados pelo autor, ver Michel Rival,Osgrandesexperimentoscientficos,RiodeJaneiro,JorgeZahar,1997.(N.R.T.)c As medidas de Eratstenes forneceram o valor de 250.000 estdios para a circunferncia daTerra,quecorrespondea cercade46.000km.Ovalor real de39.941kmmostrandoaexcelenteestimativarealizadaporEratstenes.(N.R.T.)d No hemisfrio Sul estas datas correspondem ao equincio do outono e da primavera,respectivamente.(N.R.T.)eGalileuescreve,emseulivrode1610,Amensagemdasestrelas (MAST/Salamandra,trad.C.Ziller,1987): H cerca de dez meses chegou aos nossos ouvidos a notcia que um certo belga haviaproduzidoumculocomoqualosobjetosvisveisaindaquemuitolongedoolhodoobservadorsediscerniamclaramentecomoseestivessemprximos.(N.R.T.)f A queda em questo no se d em velocidade constante: os corpos so acelerados. O alegadoexperimento demonstraria que os dois corpos, se largados simultaneamente, atingiriam o solo aomesmo tempo. A velocidade de ambos seria igual em cada instante de tempo, pois ambosexperimentariamamesmaacelerao.(N.R.T.)

  • CAPTULOUM

    ISAACNEWTON

    Anaturezaesuasleisocultavam-senasTrevas,DeusdisseQueNewtonsefaa,efez-seaLuz.

    AlexanderPope

    Isaac Newton foi chamado o gnio cientico preeminente, o intelectosupremodaIdadedasLuzes.Queespciedehomemfoieleparadespertartal admirao? Quando seu clebre livro Philosophiae Naturalis PrincipiaMathematica (Princpios matemticos de ilosoia natural) ou,simplesmente,Principia veio a pblico pela primeira vez em1686, eleassombrou o mundo do conhecimento. Nesse livro, Newton resolveu omaior problema na histria da cincia at aquela data o problema damecnicadouniverso.

    Na verdade ele havia resolvido o problema bsico 20 anos antes,durante umas frias de 17 meses que uma peste o forou a passar nointerior do Lincolnshire, na Inglaterra. Em seguida, o jovem Newtonretornou a Cambridge para ensinar matemtica no Trinity College.Cumpriasuasobrigaestranquilamentee,podemossupor,bem,masnopublicavanadadeseutrabalho.Aoqueparece,vivianumenormeenfadonessapoca.Nosesentiainclinadoacontarparaorestodomundooquehavia descoberto durante aquela breve estadano campo.Mais ainda, emrazodacomplexidadedeseusclculos,eleprecisouinventarumsistemade matemtica inteiramente novo hoje chamado declculo. Tambmsobre isso no falou com ningum. Ali estava sem dvida um cientistaestranho.

    Parans,quevivemosnumapocaemque tudosepublicaspressasemuitasvezesprematuramente,aideiadedescobrirasleisbsicasque governam o universo e guard-las em segredo parece absurda. Porqueobriguentoemal-humoradoNewtonrelutavatantoempartilharsuasdescobertas? EmUma breve histria do tempo , seu grande best-seller,StephenHawkingobservouqueNewtonnoeraumhomemagradvele

  • que era dado desonestidade e ao sarcasmo. O comportamentocaractersticodeNewtonnopodiaterseoriginadodeumfracassoemserreconhecido e reverenciado em seuprprio tempo, porque o foi. De fato,Newton foi o primeiro cientista ingls a ser armado cavaleiro por umsoberanobritnico.Porqueento,segundoavozcorrente,Newtoneratoexcntrico? O conhecimento de alguma coisa sobre a formao dessehomemextraordinrioajudaraencontrararesposta.

    PRESSGIODESUCESSO

    No dia de Natal de 1642, Hannah Newton (nascida Ayscough), deWoolsthorpe, perto de Grantham, no Lincolnshire (cerca de cemquilmetrosdeCambridge),deuluzseuprimeiroilho.Chamouomeninode Isaac em homenagem ao pai dele, um agricultor que morrera doismeses antes, aos 36 anos. Era um beb prematuro, to pequeno e frgilque ame temeu que no passasse do primeiro dia. Era tomido que,como ele contou a seu bigrafo muitos anos mais tarde, podiam p-lonumapaneladeumlitro.Segundoalendafamiliar,duascriadasenviadasparabuscaralgumacoisaparaorecm-nascidona localidadeprximadeNorthWithamsentaram-senumumbralbeiradocaminho,dizendoqueno havia razo para pressa j que o menino estaria morto antes quepudessemvoltar.Maseleviveue,emborafosseocasionalmenteacometidopor doenas e tenha sido umhipocondraco durante a vida toda,Newtoncontrariou a predio delas e viveu at os 84 anos. Nessa altura,muitosdevem ter pensado que foi seumau gnio que omanteve vivo por tantotempo.

    Isaac no teve uma infncia feliz. Quando tinha trs anos, suame secasoucomBarnabasSmith,umabastadopastorcomodobrodaidadedela,eomenino foimandadoparaacasadaavmaterna,comquempassouamorar.

    Ficouseparadodamedurantenoveanos,atamortedopadrastoem1653. evidente que a separao afetou gravemente o desenvolvimentodesuapersonalidadeequasecertamentemoldousuasatitudesemrelaosmulheres. Ele pouco se envolveu com elas durante toda a sua vida. Ajulgar por seus dirios e anotaes, dedicou pouco tempo at a pensarsobre as mulheres (em contraste com seu contemporneo e tambmdiarista Samuel Pepys, que obviamente dedicou pouco tempo a pensar

  • sobre qualquer outra coisa). Newton nunca se casou, emboraprovavelmente tenha icado noivo pelo menos uma vez (talvez duas), epareceterconcentradosuaatenoexclusivamentenotrabalho.

    Alguns historiadores examinaram a ancestralidade de Newton emtentativas de explicar seu brilhantismo como uma herana gentica,masessasinvestigaesforaminfrutferas.OramodafamliaAyscoughdequeame de Newton provinha, embora em geral mais instruda e demaiorprojeo social que os Newton, no produziu mais ningum de algummrito excepcional. Quanto aos Newton, ainda que fossem agricultoresbastante bem-sucedidos, tinham pouca, ou nenhuma, educao formal eeram na realidade analfabetos todos assinaram seus testamentos,redigidos por escribas da aldeia, com uma cruz. A prpria Hannah sabiaescreverumpouco,ajulgarporalgunsfragmentosdebilhetesqueenviouaIsaacquandoesteseencontravaemCambridge.Elaassinouseuprpriotestamento,mas no provvel que tivessemuita educao formal, nemquepusessefnela.

    O importante para nossa histria que Newton foi criado quaseinteiramente pelos Ayscough e, por causa disso, provavelmente abraouum conjunto de expectativas diferente do que teria tido se seu pai aindavivesse. No seio da famlia Ayscough havia membros instrudos, emespecial o reverendo William Ayscough, que morava a apenas algunsquilmetros de distncia. possvel que para os Ayscough fosse naturalqueogarotodevesse receberpelomenosumaeducaobsica, aopassoqueduvidosoqueosNewtonteriamconsideradoissonecessrio.

    Se no transmitiram a Isaac uma tradio de estudos, os Newtondeixaram-lheumapropriedade.Quandosecasounovamente,Hannahteveo cuidado de reservar a renda dessa propriedade paterna para Isaac.Almdisso,comopartedeseucontratodecasamento,insistiuemqueseusegundomaridotransferisseoutraglebaparaojovemNewton.Seporumlado se pode dizer que, na condio de jovem viva, Hannah deserdouemocionalmenteseubeb,nohdvidadeque, inanceiramente,ela fezporeleomelhorquepodia.

    Quase todas as anedotas sobreos anosda infnciadeNewtonvmdeduas fontes: o dr. William Stukeley, amigo do sico na velhice e seuprimeiro bigrafo, e John Conduitt, marido da sobrinha por ainidade deNewton, que fez anotaes para uma pretendida biograia. Emborativessem entrevistado muitas pessoas que haviam conhecido Newtonquando criana, tanto Stukeley quanto Conduitt valeram-se do prprioNewtonparaamaioriadoscasosquemaistardeviraramlendas.Stukeley

  • e Conduitt relataram a crena popular corrente na poca de que umnascimentonodiadeNatalerapressgiodefuturosxitosequeosilhospstumospossuampoderesextraordinriosqueosdestinavamaosucessoeboasorte.

    Setinhaconhecimentodessasduascrenaspopularesesesuamelhefalarasobresuasobrevivnciaquasemiraculosacomobeb,Newtonpodiasemdvidapensarqueforaescolhidopelodestinoparaagrandeza.Muitocedo, sabia que eradiferente: parecia preferir a prpria companhia deoutras crianas e raramente brincava ou praticava esportes com elas.Quando brincava com outras crianas, era em geral commeninas e nocom os arruaceiros ilhos dos agricultores da vizinhana. Segundo aspessoas entrevistadas por Stukeley, Isaac era introspectivo, tmido,temperamental e extremamente nervoso. Por outro lado, demonstravahabilidade manual e engenhosidade na construo de brinquedosmecnicos como relgios de gua, reprodues emminiaturademoinhosdevento,pipaserelgiosdesol.

    Os nove anos que Newton passou emWoolsthorpe, separado dame,foram um perodo penoso. Conta-se que o jovem Isaac subia nocampanrio da igreja para avistar a aldeia prxima de NorthWitham, anovaresidnciadame,dequemsentiamuitasaudade.Havia,claro,suaav,MargeryAyscoughparasubstitu-la,masquandoseavaliamosefeitosdeseusprimeirosanosdevida,importanteregistrarqueNewtonnuncaevocou qualquer espcie de lembrana afetuosa dela. Nem mesmo suamorte,algunsanosmaistarde,foiobjetodecomentrio.

    Que importncia teve tudo isso na modelagem do carter do futurognio?Halgunsindciosdocumentaisparasustentarateoriadequeessaimportnciafoidefatoconsidervel.Em1662,aos19anos,Newtonpassoupor perodo de fervor religioso, durante o qual compilou uma lista de 58pecados que esperava expiar mediante atos de conisso. O dcimoterceiro desses pecados revelador: Ameaar meu pai e minha meSmithdeprfogonelesenacasaqueoscobre.

    Em seu livroUm retrato de Isaac Newton , o professor Frank Manuelconcluiu que o segundo casamento dame foi o episdiomais crtico detoda a vida de Newton. Segundo a anlise de Manuel, baseada numaperspectiva freudiana, o sentimento de privao dominou a vida dele.Newton foi roubado de seu bemmais precioso, e passou o resto de suavidaencontrandosubstitutossobreosquaisdarvazoraivaquenoforacapaz de expressar contra o verdadeiro objeto de seu rancor, BarnabasSmith. Manuel considera que a atitude exorbitante de Newton para com

  • seusrivaisRobertHooke,JohnFlamsteedeGottfriedWilhelmLeibniz,bemcomo sua total impiedade para com os infelizes falsiicadores queencontrou mais tarde na vida, podem ser explicadas pelas frustraessofridasporNewtonquandocriana.umainterpretaointeressantedosfatos,oproblemaquehmuitopoucos fatos.Qualquerquetenhasidoacausa,Newton se tornou umhomemangustiado, comumapersonalidadeneurtica.

    QuandooreverendoBarnabasSmithmorreu,em1653,Hannahmudou-sedevoltaparaWoolsthorpe.Newtontinhadezanosquandoamevoltou.Agora,contudo,ummeio-irmoeduasmeias-irmspartilhavamaatenodela. Cabia aNewtondesempenharopapeldo irmomais velho, zelandoporseusmeios-irmosmaisnovoseajudando-os.Obviamenteessenoeraum papel do seu agrado, mas teve curta durao. Menos de dois anosdepois,IsaacfoienviadoparaumaescolasecundriaemGrantham.

    AintroduoprviadeNewtoneducaoformalizera-sepormeiodeduaspequenasescolasdeSkillingtoneStokeRochford,aldeiasprximasobastante de Woolsthorpe para que o jovem estudante izesse a p ocaminho de ida e de volta todos os dias. No h registro de quem foramseusprofessoresoudoqueaprendeucomeles.NewtonnoosmencionaemnenhumadasentrevistasquedeumaistardeaStukeleyouConduitt.possvelqueacapacidadedeobservaodeNewtonesuacuriosidadeemrelao ao mundo sua volta ainda estivessem por se manifestar. possvel tambm que o introvertido menino Isaac vivesse num mundopovoadoporseusprpriosdevaneios,poucoafetadopeloquequerqueosprofessoresestivessemtentando lheensinar.Fossequal fosseocaso, seuprofessor na Kings School, em Grantham, icou to pouco impressionadocomonovopupilo(ecomosconhecimentosqueacumulara)quenosodestinousrieinferiorcomooincluiuentreosltimosnela.Newtonteriade iniciar sua verdadeira educao formal no nvel mais baixo, ou pertodele.

    Cercade11quilmetrosaonortedeWoolsthorpe,Granthamera longedemais para o jovem estudante ir a p para a escola todos os dias.Tomaram-se providncias para que Isaac icasse alojado na casa do sr.Clark,oboticriodaaldeia.AmulherdeClarkeramuitoamigadamedeIsaac e seu irmo Joseph, ummdico, era professor assistente na KingsSchool. Isaac teria um quarto no sto s para ele e, livre das tarefasagrcolas, passou a ter tempo para empreender vrios projetos que lhepareciamdeinteresse.

    A educao formal de Newton estava agora nas mos de um certo

  • Henry Stokes, diretor da Kings School. No se sabe muito sobre o sr.Stokesporqueelemorreuaos53anos,umadcadaantesde seuclebrediscpulo se tornar famoso. Ele prprio tivera uma excelente formao etinharenomecomoeducador.QueespciedeeducaorecebiamosalunosdaKingsSchool?OcurrculoincluaprovavelmenteaBblia,latimegrego,literatura clssica e uma pequenamedida de instruo em aritmtica. Osespecialistas parecem pensar queNewton no havia estudado geometriaantes de ingressar em Cambridge. Era um grau de instruomatemticanotavelmente reduzido para algum que haveria de inventar o clculoapenasquatroanosdepoisdedeixaraescolasecundria.ComoNewtonfoicapaz de conceber o clculo sem um completo conhecimento da culturamatemticadapoca?Esteumdosgrandesmistriosnoresolvidosquecercam Newton. Mas, seja o que for que lhe tenham ensinado na KingsSchool, nohdvidadequeos interesses intelectuais deNewton foramdespertadosecultivadossoboolharaguadodeHenryStokes.

    Umacaracterstica importantedaeducaonasescolas secundriasnosculoXVIIeraoensinodaBblia.sabidoqueIsaacestudouaBblianaslnguasclssicasedesenvolveuuminteressepelasquestesteolgicasqueperdurou por toda a sua vida. O latim foi outro elemento essencial daeducao formal deNewton. Era a linguagemda cincia e damatemticaemtodoomundoocidentaleodomnioquedelaadquiriunospermitiua Newton estudar por conta prpria como lhe forneceu o meio para secomunicarcomacomunidadedoutadapoca.

    Como j se mencionou, Newton comeou sua educao sendoclassiicadoquasenonvelmaisbaixodaclasse.Mas,aproximadamentenamesma poca, teve lugar um acontecimento importante que ajudou amoldar a carreira acadmica subsequente de Newton. Tal como Newtonevocouoeventocercade70anosmaistarde,numamanheleeumgarotoseatracaramnumabrigaacaminhodaescola, tendoooutrochutado-lhea barriga, com fora. Assim que as aulas do dia terminaram, Isaacdesaiou seu agressor para um luta e ganhou apertou o rosto dooponentecontraaparededaigreja,esfregou-lheonariznelaeoobrigouasedarporvencido.Masessahumilhantevitriasicanofoiobastante.Oadversrioemquesto(tratava-semuitoprovavelmentedeArthurStorer)era o melhor aluno da escola e Newton resolveu derrot-loacademicamentetalcomooizeraisicamente.Assim,inalmentemotivado,Isaac ascendeu rapidamente condio de melhor aluno da escola. Estahistria temumqudeverdade, especialmentequandose consideraqueumdospecadosqueNewtonlistouem1662foiBateremArthurStorer.

  • Em Grantham, Newton tornou-se um leitor voraz de tudo em queconseguiaprasmosprovavelmentesobretudolivrosreligiosos,oquepodeexplicarointeresseporteologiaquealimentouavidainteira.Maisoumenos na mesma poca, desenvolveu um interesse por medicina equmica,quepodeseratribudoaClark,seusenhorio,bemcomoaoirmodeste, Joseph, um mdico local. O ambiente de Grantham estimulava acuriosidadenaturaldeIsaac,eelefezprogressos.

    Suas proezas acadmicas, no entanto, no impressionaram suame, equandoNewtonestavacomcercade16anosHannahresolveutraz-lodevolta para casa para assumir a ocupao mais prtica de administrar apropriedade de Woolsthorpe. (Num peril biogrico, Isaac Asimov serefere aNewton como o pior agricultor domundo.)O diretor da escolaqueNewtonestavadeixando,Henry Stokes, tentou convencerHannahdequeolugarcertoparaogarotoeraaescola.Pensandoqueoproblemaeradinheiro, Stokes chegou a oferecer uma dispensa dos 40 xelins cobradosanualmente de todos os meninos no nascidos em Grantham. Istorepresentaria um sacricio considervel para um professor de recursosmodestos. Mas o problema no era dinheiro e Hannah era teimosa. Osplanosquedehmuitoacalentavaparaoilhoestavamsedesintegrando.Ela recorreu ao irmo, o reverendo William Ayscough, em busca deconselho.Quandoateleapoioua ideiadeNewtonretornarescolae seprepararparaumaeducaosuperior,Hannahfinalmenteconsentiu.

    AmaioriadosbigrafosdeNewtonairmaqueeleno foi reconhecidocomognionaprimeirafasedesuavida.Talveztenhamrazo,maspareceque seusmentores reconheceram nele algo de especial. Os esforos queizeram no seu interesse foram muito alm do que o dever impunha.Conta-se que, quando Newton deixou Grantham deinitivamente, HenryStokespsseubrilhantepupilodiantedaturmae,comlgrimasnosolhos,fezumdiscursoveementeemseulouvorparamotivarosoutrosmeninosaseguir-lhe o exemplo. Assim foi que, no vero de 1661, aos 18 anos,Newton viajou cem quilmetros ao sul, at a cidade universitria deCambridge,paraumnovomundoeumanovavida.

    CAMBRIDGE

    Todas as pessoas instrudas com quem o jovem Isaac tivera contatoestreito haviam se graduado na Universidade de Cambridge: seu tio

  • WilliamAyscoughestudaranoTrinityCollege,seuprofessorHenryStokesfrequentaraPembrokeeJosephClarkforaalunodoChristsCollege.Assim,provavelmentehouvepoucadvidasobrequeinstituioelefrequentaria.

    Em 1661 Cambridge tinha mais de 400 anos de existncia.Originalmente fora o que hoje chamaramos de uma ramiicao daUniversidadedeOxford,maisantiga.MasCambridgehaviasemultiplicadovrias vezes em tamanho e chegara a termais de trsmilmatrculas napocaemqueNewton l chegou.CambridgehaviaultrapassadoOxfordese tornarano so coraodopuritanismo ingls comoo centroda vidaintelectualinglesa.

    Duas faculdades dominavam o cenrio de Cambridge naqueles dias: oSt.JohnsCollegeeseuvizinho,oCollegeofUndividedTrinity(fundadoporHenriqueVIIIem1546).NewtonfrequentouTrinity,comooizeraseutio,o reverendo William Ayscough. Acredita-se que Newton teve outropadrinhonapessoadeHumphreyBabington.ProfessoradjuntoemTrinity,ele era irmo da senhoria de Newton em Grantham. Ao que parece,Babingtonicara impressionadocomNewtonquandooconheceranacasadairmesetornouumfortealiadodoestudantecarentedeoutrosamigos.

    Newtonprecisavadetodooapoioquepudesseconseguir.IngressouemTrinity na qualidade desubsizar, um estudante pobre que ganhava suasubsistncia fazendo tarefas servis para professores e alunos maisabastados. Ossubsizars estavam no nvel mais baixo da rgida estruturasocialdeCambridge.PorqueNewtontevedesuportaressascondiesnoclaro.Suafamliaerabastanteprsperapelospadresruraisdapocaeno havia necessidade econmica de que ele ocupasse aposio decriado/estudante.PossivelmenteHannahaindanoaceitaraporcompletoasambiesacadmicasdofilhoedecidirap-loprova.

    O ssubsizars no tinham permisso para comer com seus colegasestudantes nem para se sentar com eles na capela. Algumas faculdadestinham at becas especiais para os alunos pobres para que os alunosidalgos pudessem evitar ser vistos conversando ou caminhando comeles.

    Essa condio inferior teve um nico efeito visvel sobre Newton tornou-o ainda mais esquivo do que j era. Em casa ele teria tido seusprprios criados e, como herdeiro da propriedade, uma posio socialmuito acima daquela a que estava relegado em Cambridge. Se estavasendopostoprova,eleavenceu.EraemTrinityqueiriaicar,oquequerqueacontecesse.

  • OrigorosoestilodevidapuritanodeNewtonoteriaisoladodoscolegasde todo modo. Cambridge tinha seu quinho de tentaes para osestudantes nos arredores do campus. Tabernas, cafs e prostbulosabundavam. Os bacharelandos estavam proibidos de frequentar essasdistraes,masnohaviacomoimporessasleis.OdirioeasanotaesdoprprioNewtonnoindicamumavidadesregrada.Quandosepermitiaumpudimnasobremesaoumesmoumpoucodevinho,anotavaadespesa.

    Acidadeparte,oquesepassavanaUniversidade?Oicialmente,poucodenovooude inovador.Comomilharesdeoutrosbacharelandos,Newtoncomeou sua educao superior mergulhando em Aristteles e Plato.Naquelaaltura,omovimentohojeconhecidocomoa revoluocienticaestava bem avanado e muitas das obras fundamentais para a cinciamoderna haviam sido lanadas. O sistema heliocntrico do universo foraexposto por Coprnico e Kepler. Galileu havia conirmado essa teoria elanadoosfundamentosdeumanovamecnica,erguidasobreoprincpioda inrcia. Filsofos como Ren Descartes haviam articulado uma novaconcepo da natureza como uma mquina complexa, impessoal. NotocanteaoqueseensinavanasuniversidadesdaEuropa,porm,eracomosetodasessasnovasideiasnotivessemsidoexpressas.OscurrculosemCambridge e nos demais lugares eram solidamente baseados noaristotelismo, a antiga teoria geocntrica do universo, e numa visomaisqualitativa que quantitativa da natureza. Como de costume, contudo,Newton no prestou muita ateno rotina estabelecida. Desde seusprimeiros dias na faculdade, agiumais comoumps-graduadoque comoum calouro.Liaoquequeria lereestudavaoque lhe interessava.Trinitysempre adotou o sistema de tutoria e o tutor de Newton, um idalgochamado Benjamin Pulleyn, estava muito ocupado em supervisionar umnmero recorde de graduandos. No h nenhum indcio de que o tutortenha tidomuita inluncia sobre o pupilo ou de que este tenha causadoalguma impresso no tutor. Pulleyn ps Isaac na trilha compulsria dasleituras clssicas e depois pouco se ocupou dele. Mais tarde Newtonencontrou seu prprio caminho, e um caminho que levou a RenDescartes, Sir Francis Bacon, Galileu Galilei e Johannes Kepler. H clarossinaisdequeeles,enooscursosoiciais,inluenciaramprofundamenteofuturocientista.

    Em algum momento de 1663 ou 1664, Newton escreveu em seucaderno a mxima Amicus Plato amicus Aristoteles magis amica veritas (Platomeuamigo,Aristtelesmeuamigo,masmeumelhoramigoaverdade). Chegara a um ponto importante de seu desenvolvimento

  • intelectual. Sob essa mxima e numa seo nova de seu caderno deestudante, Newton listou uma srie de questes (Quaestions quaedamphilosophicae) que abrangiam todas as reas da cincia natural e dateologia que lhe interessavam. Trata-se de um conjunto extremamentereveladorde indagaese interesses,claramente indicativodapropensodeNewtonparacompreenderedesuaobsessodesaber.

    Embora no tenha registrado o fato em suas Quaestions, Newton jiniciara seus estudos matemticos nessa ocasio. Comeando comDescarteseageometria,passourapidamenteparatcnicasalgbricas.Empouco mais de um ano havia dominado a literatura da matemtica ecomeadoasemoverparaterritriosnovos,deleprprio.EmseusltimosdoisanosnoTrinity,NewtonpassouasofrerainlunciadeIsaacBarrow,professor da faculdade e o primeiro matemtico em Cambridge areconhecersuainteligncia.

    Embora seus escritos sobre matemtica tenham sido decisivos nodespertardeNewtonparaesseestudo,ainlunciadeDescartesfoimuitoalmdessecampo.Ointelectualfrancseosdemaisilsofosmecanicistasda poca concebiam a realidade sica como inteiramente composta departculasdematriaemmovimentoeairmavamquetodososfenmenosnanaturezaresultamdeinteraesmecnicasdaspartculas.OsregistrosnodiriodeNewtone suas anotaesmostramqueele conhecia a fundotodasasobrasdeDescartesequeconsideravaessanovaabordagemummeio melhor de explicar a natureza que a ilosoia aristotlica queprevalecianapoca.

    QualeraexatamenteanovaabordagemdeDescartes?UmadasironiasdahistriadasideiasqueabuscadecertezanomundoempreendidaporDescartes fundava-senoprincpiodequetudodeveserpostoemdvida.DescartesreceberaamelhoreducaoquepodiaserobtidanaEuropaemseu tempo. Foi uma educao que incluiu um estudo exaustivo da lgicaaristotlica e da cincia sica. Mas quando se formou, aos 20 anos,percebeu que, afora algumas verdadesmatemticas, no sabia nada comcerteza. Por qu, perguntou a si mesmo, no poderia conhecer todas ascoisas com aquela mesma certeza matemtica? Como os pitagricos detantossculosantes,ojovemintelectualfrancspensavaqueamatemticadevia ser o caminho para a verdade. Assim, mergulhou no estudo damatemtica e foi recompensado pela descoberta de uma ferramentamatemtica essencial a geometria analtica que se provou de usomais fcil que a antiga geometria de Euclides. Sem essa ferramenta,Newton no teria podido formular as leis da gravitao universal ou

  • escreverosPrincipia.Em1639,apsmuitarelexoeleitura,Descartespublicousuapequena

    obra-prima ilosica,Discurso sobre omtodode conduzir corretamentearazo e buscar a verdade nas cincias (ou, simplesmente,Discurso). Nessainluente obra ele documentou a histria de seu desenvolvimentointelectual como comeou a duvidar da verdade do que lhe haviamensinado,atquechegousimplesconclusodequetudopodiaserpostoem dvida exceto uma coisa, a saber, a existncia da dvida, j que eleduvidava.Dubito ergo sum (Duvido, logo existo)a foi sua maneira deformularessaconcluso.Apartirdissopassoudescobertadeummtodoquepermitissealcanarumacertezasemelhanteemoutrosdomnios,combase na reduo de todos os problemas a uma forma e uma soluomatemticas. Quando se pudesse primeiro reduzir um problema formamatemtica e em seguida aplicar o nmero mnimo de axiomas, ouproposies evidentes por si mesmas, para conigur-lo, seria possvelchegar a um conjunto de equaes algbricas. Ento as equaes seriamresolvidas pela aplicao das regras da lgebra e o resultado seriaconhecimento correto. Descartes via o universo como um enormeecomplexomecanismo, semelhante ao de um relgio, posto emmovimentopela mo de Deus, mas um universo que, uma vez em movimento,funcionaria para sempre sem a assistncia de Deus. Descartes, airmamalgunshistoriadores,tornouNewtonpossvel.

    Sir Francis Bacon, omais famoso desertor do Trinity College, tambmteve grande inluncia sobre Newton. Como Descartes, Bacon era umrebelde em relao ao dogma estabelecido. Insistia em que a abordagemcienticabsicadeviamudardoraciocniodedutivoparaoindutivo.Quembuscava o conhecimento, sustentava ele, no mais devia comear pelasdeinies abstratas e distines verbais para, a partir destas, deduzirsolues concretas. Quando se fazia isso, insistia, obrigava-se os fatos acorroborar noes preconcebidas. Em vez disso, devia-se comear comdadosconcretos,preferivelmenteencontradospormeiodeexperimento,eraciocinar indutivamente a partir desses dadospara chegar a conclusesreais, gerais e empiricamente apoiadas.Os experimentos queNewton fezposteriormentecoma luzeosomilustrama inlunciadeBaconemseusmtodos.

    Quando Newton recebeu seu grau de bacharel, em abril de 1665,encerrou-se, sem reconhecimento, o que pode ter sido a mais notvelcarreira de graduao na histria da universidade. Como Newtonprogramava seu prprio curso tanto em ilosoia natural quanto em

  • matemtica, e como coninara o progresso de seus estudos aos prprioscadernos, sua carreira acadmica completou-se, oicialmente, semqualquerdistino.

    OANODOSMILAGRES

    Nomesmoano,1665,umaressurgnciadatemidapestenegraobrigouasuniversidades da Inglaterra a fecharem as portas. Isaac Newton deixouCambridge para uma permanncia forada em casa, na pacata aldeia deWoolsthorpe.Jtendosidoconsideradoinaptoparaotrabalhonocampo,ojovem estudante pde se entregar sua leitura e relexo solitrias.Montou para si ummisto de estdio e quarto de dormir com as paredesforradas de livros, a janela dando para o pomar demacieiras, e ps-se atrabalhar. provvel que a essa altura j tivesse concebido todas ou amaioriadaspeasdoquebra-cabeaqueiriasetransformarnosPrincipia.

    Galileu deinira a lei dos corpos em queda e medira com preciso afora da gravidade ao nvel do mar. b Kepler descrevera as trajetriaselpticasdosplanetasepostularaqueumaforaestranhaemanadadoSolimpeleosplanetasemseuscursos.Ademais,Keplerderivaraleisprecisaspara a cinemtica do Sol e de seus planetas. Bacon mostrara que averdadeirabasedoconhecimentoeraomundonaturaleainformaoqueesteforneciaatravsdossentidoshumanos.DescartesensinaraaNewtoncomo aplicar mtodos matemticos a problemas sicos. O que faltava aorapaz naquela ocasio, portanto, era tempo, desejo e capacidade mentalpara repensar todo o conhecimento que herdara. O destino, com asprecauesmdicasdosculoXVII,proporcionaram-lheotempo.

    A geometria analtica de Descartes foi uma ferramenta poderosa notrato de um universoesttico.Newtonhavia concludoqueoque se fazianecessrio era uma maneira de quantiicar a operao de um mundodinmico,ummundoemconstantemovimento.Diantedisso,mostrou-sealturadodesaio: inventouosclculosdiferenciale integral,ummarconahistriadamatemtica.Oclculoamaiseicazferramentamatemticadeque se dispe para a resoluo de problemas que envolvam variaesininitesimaisemtaxasdemovimentoeparaadeterminaodatrajetriade um corpo no espao. O clculo se funda na ideia de considerarquantidades e movimentos no como deinidos e imutveis, mas comodinmicos e lutuantes. Na verdade, de incio Newton chamou seu novo

  • mtodomatemticodefluxes.Ao desenvolver o clculo, Newton fez uso de um princpio que

    aprendera com Descartes: quando um problema parecer vasto ecomplicadodemais, decomponha-oempequenosproblemase resolvaumporum. issoqueoclculo faz.Decompeumproblemadedinmicaemum enorme nmero de degraus e em seguida sobe os degraus, cada umdeles um problema passvel de soluo, um por um. Quanto maior for onmero de degraus em que um problema decomposto, mais precisosseroosresultadosfinais.

    Ahistriadequea ideiadagravitaouniversal foisugeridaaNewtonpelaquedadeumamapareceverdadeira.WilliamStukeley,oprimeirobigrafodeNewton,relataqueouviuocasodeleprprio.

    PRINCPIO DO CLCULO O clculo decompe uma mudana ou movimento num grande nmero dedegraus.Quantomaiorforonmerodedegrausemqueacurvadecomposta,maisprecisaseraresposta.

    Aoobservarofato,Newtondeuumsaltomentalintuitivoefezasimesmoumaperguntabsica:eseamesmaforaresponsvelpelaquedadamase estendesse rbita da Lua? Em primeiro lugar, presumiu que a Luaestava caindo em direo Terra em resposta ao puxo para baixo(vertical) da gravidade da Terra, mas jamais se chocava com esta porcausadopuxomaisfortedoSol.ConsiderouqueaLua,medidaquecaiem direo Terra, tambm puxada, no grau exatamente necessrioparacompensaraquedaecarreg-laemtornodacurvaturadaTerraemsua rbita elptica. Em segundo lugar, imaginou que a fora gravitacionalemanaria do centro de um corpo (a Terra, neste caso) e no de suasupercie. Tentou ento quantiicar a diferena entre a fora exercidasobreamaeaquelaexercidasobreadistanteLua.RealizouestaltimatarefatomandoporbaseaterceiraleidomovimentoplanetriodeKepler,chegandoaoquesetornouconhecidocomoaleidoinversodoquadrado .Afora gravitacional diminui com o quadrado da distncia sobre a qual sepropaga. Se a ma estivesse 60 vezes mais prxima do centro de

  • gravidadedaTerradoqueaLua(comodefatoest),aforagravitacionalexercida sobre a ma seria 60 ao quadrado, ou 3.600 vezes mais forteque aquela experimentada pela Lua. Inversamente, portanto, a Luadeveria cair ao longo de sua rbita 1/3.600 avo do que a ma cai nomesmo tempo.A partir dessas suposies,Newtonpde calcular a rbitaexatadaLua.

    AelaboraomatemticadetudoissoconirmouamagnicaintuiodeNewtonde que amesma fora que puxa ama para baixo, puxa a Lua.Em seguida, ele deu mais um passo gigantesco para a humanidade aopressupor que aqueles mesmos princpiosmatemticos se aplicavam atodos os corpos planeta, lua ou asteroide no universo. De fato,Newton tomara o quadro geral do universo de Descartes e o tornararigorosamentematemticoepreciso.Haviafeitonadamenosqueconstruiraprimeirasntesemodernasobreouniversosico,umavisofundadanamecnica, em que tanto asmenores partculas quanto osmaiores corposcelestes movem-se todos de acordo com os mesmos princpiosmatemticos.

  • RACIOCNIODENEWTON AmesmaforaquepuxaamaparabaixopuxatambmaLua.Mas,comoaLuaest60vezesmaislongedafontedegravidadequeamaecomoagravitaodiminuicomoquadradodadistncia,aLuadeveriacairaolongodesuarbita1/3.600avosdoqueofazamana mesma quantidade de tempo. Ele estava certo, claro, e trabalhando a partir desse comeochegou a quantiicar as leis domovimento sobre todos os corpos sicos um esquema comumparaadinmicaterrestreeceleste.

    Nessemesmoperodode17meses,almdedesenvolveroclculoedaros primeiros passos rumo descoberta da lei da gravidade, Newtonchegoua importantesdescobertas sobre aspropriedadesda luz eda cor descobertas que mais tarde formariam a base daptica, seu artigocapitalarespeito.Comopuderarealizartudoissotojovemetrabalhandobasicamente sozinho? Newton recordariamais tarde: Naquele tempo eu

  • estava na plenitude de minha idade para a inveno e me ocupei dematemticaefilosofiamaisdoqueemqualqueroutrapoca.

    Feito isso, Newton guardou todos os seus artigos e no falou comningum sobre seus feitos monumentais. Propuseram-se vriasexplicaesparaesseestranhocomportamento.Elenogostavadechamarateno.Valorizavasuaprivacidadeacimadetudoomaisetalveztemesseque a publicao de suas ideias lhe trouxesse notoriedade. Alm disso, possvel que no estivesse seguro acerca de seus nmeros. Eles seajustavamsuicientementebemparaconvenc-lodesuahiptese,mas,emrazodealgumasestimativas imprecisassobreadistnciaataLuaouoraiodaTerra,talvezreceassesubmeterseusclculosaosolhoscrticosdeseus pares. Newton no tinha porque se preocupar. Na realidade, notinhapares.

    precisoobservaraquiquenemtodososhistoriadoresacreditamqueNewtontenha feito tudo issoemsuacurtaestadade17mesesnocampo.Situamessa crenana categoriademito, ao ladodahistriadaquedadama.Naverdade,hpoucadocumentaoparasustentar, sejaahistriadoAnodosMilagres,sejamasopiniesdeseuscrticos,excetoofatodeoprprioNewton(aindaque50anosmaistarde)terrecordadooseventosdessamaneira.Na ausnciadeprova emcontrrio, opiniodeste autorque se deveria aceitar a palavra de Newton como expresso do queaconteceuedomomentoemqueaconteceu.

    Quando Cambridge reabriu, em 1667, Newton para l voltou e foiescolhidoparaumabolsadeestudosnoTrinityCollege.Doisanosdepois,seumentor,IsaacBarrow,demitiu-sedactedradeLucasianProfessorofMathematics(posiohojeocupadaporStephenHawking)eindicouIsaacNewton como seu sucessor. Esse passo, de suma importncia na carreiraacadmica,ilustrativodaestreitarelaoqueuniaBarroweNewton.

    Newtonestabeleciapoucas relaes ntimascompessoasdesua idade.Noentanto,eraatradoporhomensmaisvelhosecultoscomoClark,StokeseBabington.EmTrinity, IsaacBarrowfezopapeldeseumentor.Maisde12anosmaisvelhoqueNewton,ocupavaumaposioderelevonargidahierarquia acadmica. Os dois homens tinham em comum uma formaopuritana rigorosa, bem como o amor pelo conhecimento e, com o tempo,BarrowadquiriuumaagudapercepodotalentomatemticodeNewton.Emcartas,Barrowreferiu-seaoprofessormaisjovemcomomeuamigoecomoumgnioextraordinrio.

    possvel queBarrow tenhadeixado sua ctedra por reconhecer queNewton era potencialmente ummatemticomais notvel que ele. mais

  • provvel, contudo,queBarrowfosseumhomemdeconsidervelambioetivesseosolhosemposiesmaiselevadas.Detodomodo,quandosurgiuaoportunidadeeledeixouCambridgepara se tornar capelodeCarlos II(oqual,peloquedizahistria,precisavadeum).Quatroanosmaistarde,BarrowestavadevoltaaCambridge,tendosidonomeadoreitordoTrinityCollege pelo rei. Newton passou a ter um protetor aindamais altamentesituado do que antes. Infelizmente a situao no durariamuito. BarrowicoudoentenumaviagemaLondreseprocuroualvionopio.Morreuaos47anos,vtima,aparentemente,deumaoverdose.

    Nessemeiotemposeuprotegidoestavairmandosuaprpriareputaono campodamatemtica.Newton, o professor, no eramenos excntricodo que o fora Newton, o estudante. Tornou-se conhecido como o sujeitoesquisitoquemorapertodoporto (seusaposentos localizavam-se juntoaoGreatGate,naentradadoTrinityCollege).Eravistopelocampusmetidoem roupas desleixadas, a peruca torta, sapatos surrados e uma golamanchada.Parecianoseimportarcomcoisaalgumaaforaoseutrabalho.Ficava to absorto em seus estudos que frequentemente se esquecia decomer. Pelo menos em uma ocasio, registrou em suas anotaes teresquecidotambmdedormir:vendo-seincapazderesolverumproblemarelativamentesimplesdearitmtica,deu-secontadequenodeitavahaviadiase,comrelutncia,recolheu-seaoseuquartodedormir.

    Excntrico ou no, Newton trabalhava com ainco. Ao longo dos anos,desenvolveu o campo da geometria analtica, completou seus esforospreliminares com relao ao clculo, realizou um trabalho pioneiro emptica e (como os historiadores descobririam anos mais tarde) efetuouinmeras experincias em alquimia. Fez tudo isso sem chamar muitaateno sobre si, no publicando artigo algum. Talvez se referisse a seutrabalho em alguma de suas raras prelees, mas de todo modo poucosprofessoresouestudantesasassistiam.Seuscolegasacadmicosachavamdicil,senoimpossvel,acompanharoencadeamentodesuas ideias.Seucriado domstico contou a bigrafos posteriores que Newton, quando sevia num auditrio vazio, falava para as paredes ou caminhava de voltapara seus aposentos, claramente no abalado e ansioso por retomar seutrabalho.Seuisolamento,contudo,logoteriafim.

    Em1660,CarlosII,umpretensosicoamador,criouaRoyalSocietydeLondres,umaorganizao independentequese tornouoprincipal centrodaatividadecienticainglesaduranteossculosXVIIeXVIII.Osmembrosda sociedade ainda no tinham ouvido falarmuito de Isaac Newton,mastinhamnotciasdeumnovotelescpioqueeleizera.Semprehabilidosona

  • construodeaparelhoscienticos,Newtonviu-seprecisandodeumnovotelescpio com que observar os cometas e os planetas. O nico tipo detelescpio disponvel na poca era o de refrao, com uma grande lentecurva na extremidade anterior e uma ocular nos fundos. Newton nogostavadessestelescpiosporcausadatendnciaquetinhamaintroduzircores esprias. Assim sendo, imediatamente iniciou a montagem de umnovotipodetelescpioque,emvezdeumalente,usavaumespelhocurvopara coletar a luz. A ideia desse novo telescpio no fora concepo sua,mas ele foi o primeiro a montar efetivamente um. Mais eiciente e defabricaomaisfcil,orefletordeNewton,comofoichamado,tornou-seotelescpiomaispopularnomundo.Newtonmontoutrsdelese,quandoaRoyal Society pediu para ver o invento, mandou-lhe um de presente.Impressionada, a Royal Society prontamente elegeuNewton como um deseusmembros.Eraoinciodeumalongaeporvezestempestuosarelao.

    SatisfeitocomaentusisticaacolhidadaRoyalSocietyaoseutelescpio,Newton sentiu-se suicientemente encorajado para apresentar um breveartigo sobre a luz e as cores. O estudo da luz e da ptica, que fora umamarcacentraldarevoluocientica,eraumassuntodeespecialinteressepara Newton desde o hiato dos anos da praga em 1665-1666. AcontribuiodeNewtondizia respeito s cores e sua relao coma luzbranca.Osaberconvencionaldapocasustentavaqueascoressurgemdeuma modiicao da luz que, em sua forma primitiva, mostra-se branca.Durante suapermannciana fazendade suame,Newton realizaraumasriede experimentos emqueo espectrodeumestreito feixede luz eraprojetado atravs de um prisma sobre a parede de um quarto escuro.Observou que um raio de luz que atravessa um prisma refratado(deletido ou curvado) e que diferentes partes dele sofrem refraesdiferentes.Oresultadonomeramenteumamanchade luzmaisampla,masumabandadecoresconsecutivas:vermelho, laranja, amarelo,verde,azulevioleta.Quandoa luzrefratadapassavaporumsegundoprisma,asdiferentes cores se recombinavam para formar luz branca. Essadescoberta o levara concluso de que a luz no homognea e simcomplexa e que o fenmeno das cores surge da decomposio de umamisturaheterogneaemseuscomponentessimples.Concluiuaindaquealuzconsistedepartculasminsculas.

    Os cientistas ingleses e do continente europeu tiveram reaes quevariaramentreoceticismoeaoposiovirulentadiantedasconclusesdeNewton, que pareciam invalidar a teoria ondulatria da luz prevalecente.Uma oposio especial veio de Robert Hooke, o brilhante e acrimonioso

  • secretrio (e de fato o principal cientista) da Royal Society e do cientistaholands ChristianHuygens. Newton jamais esquecia um inimigo e essesdoisantagonistasforamobjetosespeciaisdeseudioaolongodedcadas.

    Logo do incio da controvrsia das cores, Newton respondeupacientemente s objees comnovas explicaes,mas sua pacincia eralimitada. Quando seus argumentos adicionais produziram reaes aindamaisnegativas, icou irritadoe jurouquenuncamaispublicarianada.Naverdade, chegou a ameaar abandonar por completo a investigaocientfica.AtrocairrestritadeideiasquecaracterizaodebatecientficonoeraparaNewton.Aosedefrontarcomqualquertipodecrtica,refugiava-senasolidoenosilncio.ComaschamadasmentessuperioresdaRoyalSocietyrevezando-senoataquesuadesconcertante teoriada luz,o leoferidoserecolheutocaparalambersuasferidas.

    Newtonpermaneceuemisolamentointelectualat1675,quando,numavisita a Londres, chegou-lhe aos ouvidos que Hooke inalmente aceitarasua teoriadascores.Encorajadoporessanotcia,aventurou-seapublicarum novo artigo sobre a cor, alm de um segundo texto intitulado Umahipteseparaexplicaraspropriedadesda luz.AreaodeHookeaesseartigo foi declarar que Newton o roubara dele. Newton explodiunovamente. Intermedirios controlaram a disputa e seguiu-se, entreNewton e Hooke, uma troca de cartas formais, gelidamente polidas, quenoescondemacompletaausnciadeafeioentreosdoishomens.

    Nessa mesma ocasio Newton envolveu-se tambm em uma outracontrovrsia com um crculo de jesutas ingleses radicado em Lige. AsobjeesdospadresaotrabalhodeNewtoncareciamdemrito,masoqueenfureceuNewtonfoiaalegaodelesdequeseusexperimentosestavamerrados.Essacontrovrsiaperdurouat1678,quandoumaexplosoinaldeNewtonpsfimcorrespondncia.

    Aoqueparece,Newtonteveoprimeirodeseusdoiscolapsosnervososem 1678 e no ano seguinte sua me morreu. Durante seis anos ele sefurtouaqualquer intercmbiointelectual,excetoquandooutros iniciavamuma correspondncia, que ele sempre interrompia to logo quantopossvel. Quando inalmente retornou cincia, foi com sua contribuiomximaparaonossoconhecimentodouniverso.

    OSPRINCIPIA

  • TalvezNewton jamais tivesseretornadoaomundo intelectual,no tivessesidopelojovemastrnomoEdmundHalley.GraduadopeloQueensCollege,Oxford, Halley irmara ali uma reputao de notvel sbio. Depois deOxford,passoudoisanosna ilhadeSantaHelena,noAtlnticoSul.Ali fezobservaes astronmicas e conseguiu catalogar os astros do hemisfriosul com uma preciso e uma completeza nunca antes alcanadas. O reiCarlos II aplaudiu seu trabalho e a Royal Society o elegeu membro em1678.suafrenteestendia-seumacarreiranotvel,abrilhantadaporsuaidentiicao do cometa peridico que desde ento levou seu nome.Importantesparaapresentenarrativaforamseutatoeafabilidade.Eraaomesmotempofamosoeapreciadoentreseuscolegas.

    Em agosto de 1684, Edmund Halley, que estava encontrandodiiculdades com um problema de dinmica orbital, visitou Newton emCambridge.Issoporsiseraextremamenteinusitado.Haviaalgumtempoquecientistaseuropeusvinhamtentandoiniciarumacorrespondnciacomo eminente matemtico sem muito sucesso. Newton icou claramentelisonjeado com o fato de o renomado astrnomo Halley ter ido atCambridgeparalhepedirconselho.

    Esseimportanteencontroforaprecedidoporumaconversa,nomsdejaneiroanterior,deHalleycomChristopherWreneRobertHooke,famososarquiteto e astrnomo, respectivamente. Eles haviamalmoado juntos emLondres em uma de suas tabernas favoritas e discutido a fora dagravidade e as rbitas elpticas dos planetas. O problema era que noconseguiam demonstrar a conexo entre a fora e as rbitas de umamaneiramatemticaprecisa.HalleyeWrenconfessavamnosercapazesde faz-lo. Hooke airmou que tinha ummeio para isso, mas no diria aningum qual era. Todos eram da opinio de que a lei do inverso doquadrado podia explicar as rbitas elpticas de Kepler, mas noconseguiamprov-las. Encerraramo almoo apostandoquemconseguiriaseroprimeiroaprovaraconjectura.

    ApsesperarporsetemesesqueHookerevelasseseusistemasecreto,Halley resolveu visitar o mais famoso matemtico da poca e pedir suaajuda. Estivera comNewton uma vez antes e, claro, sabia de sua famadesagradvel; mas certamente Halley tinha tambm coniana em suasprpriashabilidadesdiplomticas.

    Porocasiodesseencontro,Halley tinha28anoseNewton,42.Apesarda diferena de idade, Halley no teve medo de envolver Newton numaprovocante discusso intelectual. Perguntou a Newton se era possvel

  • provar matematicamente que os planetas giravam em torno do Sol emrbitas elpticas.A resposta espantosadeNewton foi que issono s erapossvel,comoele joizeraanosantes.QuandoHalleypediuparaverosclculos, Newton deu uma rpida busca em vrias das muitas pilhas depapel que se espalhavam pelos seus aposentos mas no conseguiuencontr-los.DisseaHalleyqueosescreveriadenovoeosenviariaparaele. bem possvel que Newton soubesse exatamente onde os papispodiamserencontrados,masquisesseveriicarseusnmerosumaltimavezantesdesubmet-losaojulgamentodeHalley.

    Qualquer que tenha sido a razo, mais trsmeses se passaram antesqueNewtonenviasseseusclculosaHalley.Grandepartedessetempofoigastanaelaboraodeumtratadodenovepginasqueeleintitulou Sobreomovimentodoscorposgiratrios (Demotu,comoerachamadoemlatim).QuandoHalleyrecebeuessenovoartigo, icouassombradomaisumavez.No s continha a soluo para o problema original que ele propuseracomomuitomais.Naverdade,ocurtoartigocontinhaogermematemticodeumacinciageraldadinmica.Opequeno tratadonoenunciavaa leidagravitaouniversal,nemcontinhaqualquerdas trs leisnewtonianasdomovimento.Era,contudo,umcomeobrilhante,oprecursordamagnumopus que estava por vir. Se aquilo era uma amostra representativa, quemais se poderia encontrar naquelas pilhas de papel aparentementedesorganizadasnoalojamentodeNewton?Paraseugrandemrito,HalleyreconheceuaimensaimportnciadotrabalhodeNewtonenodemorouair a Cambridge uma segunda vez. Ali, convenceu Newton a organizaraquelas pilhas de papel, aqueles esboos e diagramas aparentementemisturados, aquelas interminveis colunas de algarismos, e comear atrabalhar no livro deinitivo sobre a gravitao e a dinmica do sistemasolar.

    Assim que comeou a rever e ampliar seu pequeno artigo original,Newtonicouobcecado.Halleydesencadearaoesforo,masagora Newtonestava plenamente envolvido. Agora que estou envolvido no assunto,escreveueleaoastrnomoJohnFlamsteed,icariafelizemconhecer-lheomago antesdepublicarmeu artigo. Para chegar a esse mago,Newtonpraticamente se isolou da sociedade humana. De agosto de 1684 at aprimaverade1686,suavidafoicompletamentedevotadaaotrabalhoquemaistardeseriaconhecidocomoosPrincipia.

    Seu secretrio na poca, Humphrey Newton (nenhum parentesco),escreveu queNewton comiamuito frugalmente, emais,muitas vezes seesquecia completamente de comer, de tal modo que, ao ir a seu quarto,

  • encontravasuacomida intacta.Eraumhomempossudo.Novamenteseusecretriorelataqueelecostumavasedebruarparaescreversobresuaescrivaninhadep,semsedaraotrabalhodepuxarumacadeiraparasesentar. tambmdeHumphreyNewtonquevema famadeserNewtondesprovidodesensodehumor.Osecretriocontouque,aolongodoscincoanos em que o serviu, viu o grande homem rir apenas uma vez. TendoemprestadoumexemplardeEuclidesaumconhecido,estelheperguntaraqueutilidadeoestudodaquele livroteriaparaele,coisadequeSirIsaacachou muita graa. Numa ocasio posterior, Isaac Newton foi ouvidorepreendendo EdmundHalleyporperder tempocomumditoespirituosoenquantotrabalhavamjuntosnumexperimento.

  • PginaderostodosPhilosophiaenaturalisprincipiamathematica1686.

    Para escrever osPrincipia, Newton teve de sintetizar todo o trabalhoque havia feito ao longo dos 20 anos precedentes. Teve de recalcular,revererepensartodososproblemaseteveaindadecoletarnovosdados todos os novos dados astronmicos em que pudesse pr as mos.Provavelmentesabiaqueessetrabalhoseriasuaobramagna,asomatotaldetudoqueelesabiaoueracapazdedescobrirsobreomundonatural.

    O livronosedestinavaaserumcampeodevendasnosentidoatualda expresso. Newton queria se comunicar com uns poucos escolhidos,umaeliteintelectual,cujonmeroprocuroureduziraummnimoabsolutoportodososmeiospossveis.Escreveuemlatimclssicoenofeznenhumesforo para facilitar o entendimento de sua complicada matemtica. OlivroschegouaserpublicadograasaosesforosincansveisdeEdmundHalley. Quando surgiam problemas em Cambridge, Halley ia at l paraencorajarNewtoneinstig-lo.QuandosurgiamobstculospublicaonaRoyal Society em Londres, ele os superava com diplomacia e prdigosesforos.Noinal,entroucomseuprpriodinheiroparacobrirocustodaimpressoedadistribuio, comqueaRoyalSocietyconcluranopoderarcar.

    Os rascunhos dosPrincipia que restaram ilustram o dito de quegenialidade 1% de inspirao e 99% de transpirao. Os rascunhos secaracterizammenosporsbitosebrilhantesachadosqueporumtrabalhocontnuo sobre problemas especicos. Quando, anos mais tarde, lheperguntaram como havia descoberto as leis da dinmica celeste, Newtonrespondeu:Pensandonelassemcessar.

    Finalmente publicados em 1687,Philosophiae naturalis principiamathematica consistia de trs livros: o Livro I expe uma dinmica geraldoscorposqueoperamnacondio tericadenenhumatritoenenhumaresistncia.O Livro II ocupa-se basicamentedos problemasmais prticosrelativos aosmovimentos dos corpos slidos suspensos nummeio luido,isto,omovimentodoscorposquandohatritoeresistncia.noLivroIIIque Newton revela seu gnio de maneira mais extraordinria. Ali eleapresenta sua descrio quantitativa exata dos movimentos dos corposcelestes.Essadescriobaseadanastrs leisdomovimentodeNewton:(1)queumcorpopermaneceemseuestadoderepousooudemovimentoretilneo uniforme a menos que seja compelido por uma fora a eleaplicada a mudar esse estado; (2) que a mudana no movimento (amudanada velocidade vezes a massa do corpo) proporcional fora

  • aplicada;(3)queparatodaaohumareaoigualeoposta.Um exemplo da primeira lei seria um projtil em movimento, que

    continuar a semover numa linha reta amenos que seja retardadopelaresistncia do ar ou que sua trajetria seja curvada para baixo por umafora (identiicada por Newton como a gravidade). Outro exemplo umpioquegiraecontinuargirando,amenosquesejaretardadoporatritocomasuperciesobreaqualsuapontagiraoupelaresistnciadoar.Osvastos corpos dos planetas ou dos cometas, encontrando pouca ounenhumaresistncianoespao,persistememseusmovimentos,sejamelesretososcurvos,parasempre.Newtonreinouaindamaissuaprimeira leicomoconceitodemassa, inventadoporele.Nouniversonewtoniano,todoobjeto caracterizadopor suamassa, emassapossui inrcia, a tendnciadeumobjetoaresistiraqualquermudanaemseuestadodemovimento.

    A segunda lei do movimento de Newton airma que uma fora maiorinduzumamaiormudanademovimentoequemltiplasforasproduzemuma mudana que uma combinao das diferentes intensidades edireesdasvrias foras.Umamudananomovimentoexpressacomoacelerao, deinida como a mudana na velocidade com o tempo. Asegunda lei de Newton fora igual a massa vezes acelerao expressanaprimeiraequaoaprendidaportodosqueestudamfsica:

    F=ma

    Esta foi chamada de a mais til lei sica jamais escrita. Aparentementesimples, a equao de um poder espantoso e por vezes terrivelmentedifcilderesolver.

    Tambm na segunda lei, Newton introduziu o conceito de foracentrpeta.Centripetal uma palavra que ele prprio cunhou e deiniucomo o que busca o centro, em contraposio palavra centrifugal deChristianHuygens,quedesignavaoquefogedocentro.

    ApartirdaterceiraleideNewton,pode-severqueaforagravitacional mtua. As atraes que dois corpos exercem um sobre o outro sosempre iguais,emboraseexeramemdireesopostas.AmaatradapelasuperciedaTerra,masaTerratambmatradapelama.ATerraexerceumaforagravitacionalsobreaLuae,aomesmotempo,estsujeitaa uma fora gravitacional desta. A quantidade de fora gravitacionalexercida por cada corpo a ma, a Lua ou a Terra diretamenteproporcionalmassadessecorpo.

    O exame do movimento circular com base nessas leis forneceu uma

  • frmula para a medida quantitativa da fora centrpeta necessria paradesviar um corpo em movimento de seu caminho reto para umdeterminadocrculo.Quandosubstituiuporessa frmulaa terceira leideKepler,Newtondescobriuqueaforacentrpetaqueretmosplanetasemsuas rbitas em tornodo Sol devediminuir comoquadradodadistnciaque separa o planeta do Sol. Newton batizou a fora em questo degravitas (literalmente, peso). A lei da gravitao universal, que Newtontambm conirmou a partir de outros fenmenos como as mars e asrbitas dos cometas, declara que cada partcula de matria no universoatrai todas as outras com uma fora proporcional ao produto de suasmassase inversamenteproporcionalaoquadradodadistnciaentreseuscentros.

    Amecnicanewtoniana tornou-seo alicerceda estrutura sobre a qualse erguem todas as camadas das cincias sicas e da tecnologia. A sicanewtoniana foi, acima de tudo, um triunfo doreducionismo o ato detomarumfenmenocomplexo,nestecasoocosmo,eexplic-lomedianteaanlise dos mecanismos sicos mais simples, mais bsicos que esto emoperao durante o fenmeno. Ademais, representou uma mudana naperspectiva do pensamento humano, uma transio de uma sociedadeesttica que espera que alguma coisa acontea para uma sociedadedinmicaquebuscacompreender,poisquecompreensoimplicacontrole.

    O sPrincipia tiveram um impacto estrondoso no mundo pensante.Voltaire os explicou numa obra popular, John Locke admirou a obraimensamente e at crticos clebres como Christian Huygens e GottfriedLeibniz participaram do louvor magnitude e extenso da obra. Em suaOde a Newton, anexada como introduo ao documento, Halley dissenumapassagem:Maispertodosdeusesnenhummortalpodechegar.

    Outros, no entanto, tiveram um pouquinho mais de diiculdade emapreciar a obra. Ao receber seu exemplar, o dr. Humphrey Babington,padrinho de Newton em Cambridge, queixou-se de que levaria uns seteanos para entender alguma coisa ali. O prprio Newton contou que aocruzar com ele na rua, emCambridge, um estudante teria dito: L vai ohomemqueescreveuumlivroquenemelenemmaisningumentende.

    PorqueaIgrejaestabelecidanoatacouNewtoncomooizeracomseuspredecessores Coprnico e Galileu? No foi porque sua lgica e suamatemtica eram inatacveis, pois as de Coprnico e Galileu tambm oeram. Os tempos haviam mudado, sem dvida, e a Igreja estava maisreceptivaaideiasnovas.E,oquefoiaindamaisimportante,elanovianohomem profundamente religioso que era Newton qualquer ameaa

  • ortodoxia.Newtonconstruiuseusistemacosmolgicosobreopressupostoda existncia de Deus. Amatria no podia ser explicada por si mesma,necessitando de um primeiro organizador, um criador, um arquitetosupremo. Se o universo era um imenso e belo relgio, era preciso quetivessehavidoumrelojoeiro.Deusestabeleceraomundosicoesuasleis,e descobrir que leis eram essas era um empreendimento tanto cienticoquantoreligioso.Defato,Newtonviaacinciacomoumaformadeculto.ONewton pblico no teve nenhuma diiculdade com a Igreja estabelecida.Secretamente,comohojesesabeapartirdeseusescritosnopublicados,eledefatoquestionavaosensinamentosortodoxos,masteveocuidadodenodeixarumsinal sequerdesuasdvidas transpareceremseus textospublicados.

    O sPrincipia foram o feito monumental de Newton. S se venderamalgumas centenas de exemplares, mas a maioria dos historiadores oqualiica como um dos mais importantes livros jamais escritos. ApublicaodagrandeobranomudouapersonalidadedeNewton,masamagnitude de sua realizao fez do ex-recluso o objeto da ateno dopblicopelorestodesuavida.Naqualidadedeigurapblicadeprojeointernacional, chegara para ele a hora de semudar para um palcomaisamplo.

    PARLAMENTO,LONDRES,FAMAECONTROVRSIA

    Quase simultaneamente publicao dosPrincipia, Newton ajudou acomandar a resistncia tentativa do novo rei Jaime II de catolicizarCambridge. Essa controvrsia levou Newton a frequentes viagens aLondres, onde travou conhecimento com um crculo mais amplo e maisurbanodepessoas.EleincluaoilsofoJohnLockeeumjovemadmiradorchamado Nicolas Fatio de Duillier, um brilhante matemtico de origemsua e residente em Londres, que iria estabelecer uma estreita relaocomofsicorecm-envolvidopelafama.

    Fatio de Duillier tinha apenas 25 anos quando conheceu Newton. Osdois tornaram-se amigos de maneira quase instantnea uma estreitaamizade instantnea no era algo que se teria podido esperar do ex-recluso. De fato, uma vez, ao voltar a Londres para uma sesso doParlamento, Newton escreveu para Fatio perguntando se haveria umquartoparaeleondeFatiosealojava.sabidoqueFatioeIsaacpassavam

  • bastante tempo juntos quando das viagens deNewton a Londres, que setornarammaislongasemaisfrequentes.Aintensidadedarelaodosdoispodeserpercebidaapartirdoqueescreviamumparaooutroe,emcartaspara terceiros, um sobre o outro. Por volta de 1693, ocorreu uma crise:Fatioadoeceugravementee,mais tarde,problemas inanceiros familiaresameaaram cham-lo de volta Sua. Newton icou extremamenteperturbado. Sugeriu a Fatio mudar-se para Cambridge, onde ele osustentaria. A sugesto deu em nada e mais tarde nesse ano a ntimarelaoeacorrespondncia terminaram.Aruptura foi sbitaenenhumaexplicaochegouatns.

    NohdvidadequeaseparaoteveumprofundoefeitosobreIsaacNewton.Foinessapocaqueelesofreuseusegundocolapsonervoso.Seusamigos John Locke e Samuel Pepys temeram ambos por sua sanidade. OdoishaviamrecebidocartasacusatriasenfurecidasdeNewton.Pepysfoiinformado de que Newton nunca mais o receberia nem lhe escreveria.Lockerecebeuumacartaaindamaisestranha:

    Sr.

    SendodaopiniodequeoSr.procuroumeenvolvercommulhereseporoutrosmeios,iqueiatalpontoafetadoquequandomedisseramque o senhor estava doente e no iria viver respondi que melhorseriaqueestivessemorto.

    Pepys e Locke lidaram com a situao com muito tato e comiserao.Locke foi aCambridgepara falarpessoalmente comNewtoneassegurar-lhesuaamizade.NaalturaemqueestevelopiordoataquedeparanoiadeNewtonhaviasidosuperado.Newtonexplicouquesuascartasfuriosasse deviam a indisposio e falta de sono. Nunca se poder saber comcerteza a verdadeira causa do colapso de Newton. Ele sofreu outraspresses e estressesnesseperodode sua vida,mas amalfadada ligaocomFatioparececertamenteumfatorprovvel.

    A carreira poltica de Newton teve lugar numa fase de signiicativamudananarelaoentreaCoroaeoParlamento,masoprprioNewtondesempenhou apenas um pequeno papel de apoio. Ele fora eleito para oParlamento pela primeira vez em 1689 como resultado de sua corajosaresistncia autoridade estabelecida na questo entre Jaime II eCambridge. Antes desse perodo na histria inglesa, os reis governavampor direito divino. A partir da ascenso de Guilherme de Orange e sua

  • mulher Maria, porm, os reis passaram a ser proclamados peloParlamento. Dizer que Newton desempenhou um papel menor natransformao da forma de governo inglesa numa monarquiaconstitucionaltalvezsejaumexagero.OsregistrosdaCmaradosComunsrelativosaesseperodonocontmumanicarefernciaaNewton.Diz-seque falou apenas uma vez em todo o tempo que passou no Parlamento.IsaacAsimov,o falecidoautorde livrossobrecincia, imaginouacenaemqueamentereputadaamaisbrilhantedetodaaEuropaselevantoupelaprimeira vez: um silncio deve ter baixado sobre a assembleia quando ograndehomemestavaprestesafalar.Ficariamdesapontados.Tudooqueelefezfoipediraumporteiroquefechasseumajanelanosfundosdasalaporcausadeumafriacorrentedear.

    Por menor que tenha sido o seu papel em importantes mudanaspolticas, esse foi um perodo de expectativas crescentes para Newton.Estava com46anos e foi nessa pocaque encomendouaomais afamadopintordomomento, SirGodfreyKneller,umretrato seu.Foioprimeiro, epossivelmenteomelhor,dosmuitosretratosquesepintariamdeNewtoneumamostradesuaautoestimanessaocasio.

    Tambmnessa poca, o arcebispodeCanterbury ofereceu-lhe o cargode reitor doTrinity.Newton foi forado a recusar essa honra porque elaexigiria que ele se submetesse ao sacramento da ordenao e, como sesabeapartirdeseusescritossecretos,eleacalentavadvidasemrelaoao protestantismo ortodoxo. Em particular, no aceitava a concepo daTrindade.Poressasrazes,pdeperceberquesuacarreiraemCambridgechegaraaumimpasse.Foiobrigadoasevoltarparaoutroscampos.

    Sugeriu-se que Newton encontrasse um cargo em Londres e eleconcordou prontamente. Por im,mediante a ajuda do seu amigo CharlesMontague(mais tardeLordHalifax),Newton foidesignadoAdministradordaCasadaMoeda.Issoocorreuem1696e,emboranotenhadeixadoseucargo em Cambridge at 1701, Newton no perdeu tempo em semudarparaLondres,ali centrandosuavidaa partirdeento.NewtonchegaraaCambridgeaos18anosepassaraquase35anosali.Deixouacidadesemolharpara trs, voltou compouca frequnciaeno se correspondeucomquaseningum.

    ComoadministradoremaistardepresidentedaCasadaMoeda,Newtonobtinhaumarendaelevadaque,somadaaopatrimniopessoalherdadodame, izeramdeleumhomemricoquandode suamorte.Emborao cargofosse encarado como uma sinecura e uma recompensa por serviospassadosCoroa,Newtono levouasrio.Umnovosistemadecunhagem

  • estava por ser implantado