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GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA CADERNO TEMÁTICO O CONHECIMENTO E PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR CURITIBA 2008

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GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁSECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃOPROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICACADERNO TEMÁTICO

O CONHECIMENTO E PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

CURITIBA2008

LIANE INÊS MÜLLER PEREIRA

PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICAUNIDADE TEMÁTICA – EDUCAÇÃO FÍSICA

O CONHECIMENTO E OS PROCESSOS AVALIATIVOS

Trabalho apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional, PDE.Orientadora Professora Doutora Astrid Baecker Avila – UFPR.

CURITIBA2008

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O CONHECIMENTO E OS PROCESSOS AVALIATIVOS

Liane Inês Müller Pereira1 Astrid Baecker Ávila2

INTRODUÇÃO

Estas primeiras aproximações, ainda que insuficientes do ponto de

vista teórico para dar conta da complexa transformação a que assistimos

nos últimos anos, pretendem avançar em direção a uma maior explicação e

conceituação do processo pedagógico. Neste sentido, o esforço deste

trabalho é o de afirmar a necessidade de um maior aprofundamento da

organização do trabalho pedagógico na escola, debatendo um elemento

constituinte da prática pedagógica, a avaliação.

Acredita-se que a avaliação no interior da escola, sempre serviu como

um instrumento de poder e para haver uma melhor compreensão da

mesma, é preciso que nos defrontemos, primeiramente, com as próprias

contradições existentes na escola, no sentido de criarmos categorias que

dêem conta de tais contradições e abra possibilidades de um novo repensar

sobre as práticas avaliativas na escola.

Embora a avaliação da aprendizagem tenha avançado nas discussões

teóricas, na disciplina de Educação Física faltam estudos sistemáticos para

auxiliar na ampliação dos fundamentos epistemológicos uma vez que, o

pleno domínio teórico faz com que o professor identifique na sua prática

pedagógica limites e possibilidades que permitem readequar a formação

escolar de nossos alunos.

Atentos a essa necessidade, que o presente trabalho guarda relação

por um lado com minhas experiências escolares, como professora de

1 Professora Integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional/2008 (PDE). Rede Estadual de Ensino. 2 Orientadora – UFPR. Curitiba – Pr.

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Educação Física da rede Pública Estadual onde a atuação nos diferentes

níveis e modalidades de ensino trouxe constantes desafios e por outro lado,

pelas experiências que obtive como Técnica Pedagógica da disciplina de

Educação Física na Secretaria de Estado da Educação, Departamento do

Ensino Fundamental.

Na década de 90, pode-se destacar um aspecto contraditório e

determinante no interior das escolas qual seja: a relação da gestão com o

coletivo da escola, que por sua vez exclui o professor da participação

efetiva e crítica do processo de construção da Proposta Pedagógica. Na

maioria das vezes os professores sequer tinham o conhecimento do referido

documento uma vez que, a escrita se realizava com um professor da

disciplina, e outras vezes somente com os pedagogos da escola, o que

colaborava para que cada um elegesse de modo particular a concepção de

avaliação, a construção dos valores éticos, do projeto de homem, de

sociedade que se queria formar enfim, considerando a escola isenta do

diálogo fundado na reflexão coletiva.

Neste sentido, pode-se dizer que muitas vezes o documento

constituído pela Proposta Pedagógica da escola se reservava ao

cumprimento de uma tarefa que era solicitada pela mantenedora, sendo em

seguida engavetado exercendo assim, uma função meramente burocrática.

Ou melhor, o acesso restrito ao documento impossibilitava a análise e

estudo da concepção teórica proposta, seguida de uma reflexão crítica

sobre a sua ação educativa na busca do diálogo dialético entre teoria e

prática, enfim, na superação de um ensino fragmentado. Em que

organização pedagógica então se assentava o trabalho do professor? Qual o

referencial teórico que sustentava a sua prática? O planejamento estava em

consonância com o processo de formação dos alunos? Havia uma relação

entre avaliação, objetivos, métodos, e conteúdos? Estes são pontos

importantes que devem ser retomados no decorrer do texto.

Em relação à minha experiência como Técnica Pedagógica da área,

pude constatar um olhar mais crítico sobre o papel da Educação Física na

escola. Essa prática só foi concretizada na medida em que me afastei da

sala de aula e me tornei uma professora pesquisadora da prática

4

pedagógica, num firme propósito de ampliar o referencial teórico por meio

de estudos, debates e reflexão crítica sobre a Educação Física escolar.

Um dos primeiros desafios foi à construção das Diretrizes Curriculares

Estaduais de Educação Física. Participar do debate teórico acerca das

concepções em Educação Física escolar trouxe à tona a necessidade não

somente com a experiência docente, mas, sobretudo ao aprofundamento do

conhecimento, pois, conhecimento e experiência agem como sustentáculos

e são peças fundamentais para um novo repensar da prática pedagógica.

Neste sentido, fui em busca de uma questão central, para que serve a

Educação Física? O que resta da Educação Física depois da Educação Física?

Qual o entendimento de ser humano? De escola? Muitas vezes pela falta de

clareza as aulas vêm reduzindo o corpo humano à lei ou então a um

conjunto de ossos e músculos. Pois se sabe que esta área do conhecimento

sempre foi um forte reprodutor da concepção hegemônica vinculada à

sociedade capitalista, ao privilegiar em suas práticas seus princípios

ideológicos, políticos e econômicos. Esse quadro constatado na Educação

Física escolar permite estabelecer uma profunda reflexão crítica, buscando

um caminho para a negação da prática conservadora, assim como, apontar

alternativas para a construção de uma nova prática social.

Diante das diversas vertentes de produção científica na área,

encontram-se as mais variadas matrizes teóricas que requerem um olhar

crítico do professor, no intuito de melhor delimitar o seu papel educativo.

Pode-se dizer que fazer escolhas significa minimamente, que tenhamos

acesso a diferentes alternativas, o que só é possível com uma sólida

formação, o domínio pleno das teorias que estabelece a natureza intelectual

do professor e ao mesmo tempo o olhar pedagógico sobre a escola. Nesta

direção, o estudo e o debate com as diferentes teorias propostas na área

mantêm um diálogo com as diferentes e antagônicas proposições, em

termos de projetos históricos, concepções filosóficas, referências

epistemológicas, bases teóricas e encaminhamentos metodológicos.

A avaliação frente as diferentes concepções pedagógicas:

possíveis conseqüências para a Educação Física escolar

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Sabe-se que a dificuldade encontrada no ato de avaliar é um

problema que muito aflige os professores de Educação Física na escola.

Apesar do avanço e aprofundamento teórico, esta prática ainda é permeada

por inúmeras lacunas que impedem de dar a ela um tratamento que

necessita ser compreendido como constitutivo do processo ensino e

aprendizagem. Geralmente a sua essência está no sistema de ensino que

corresponde a interesses de um determinado sistema social. Assim, a base

de todo processo pedagógico está vinculado às concepções de Educação/

Educação Física proposta no interior da escola que determina no Projeto

Político-Pedagógico a favor de quais interesses ela vem se materializando

no processo educacional.

Nessa perspectiva, a organização global do trabalho pedagógico

encontra na sua centralidade a avaliação da aprendizagem que nem sempre

está relacionada de forma explícita no documento gerando assim, uma

interpretação confusa onde muitas vezes, os professores sequer percebem

a forma contraditória e excludente, com base em relações autoritárias e de

poder, com que a mesma é utilizada.

O trabalho pedagógico é condicionado pela escolha do método que

sustenta-se por diferentes convicções, pressupostos, princípios e

fundamentos. Basta o professor se expressar ou dialogar com seus colegas

a respeito da sua prática pedagógica no que se refere às situações de

aprendizagem dos alunos, que imediatamente revela a teoria ou o método

que fundamenta a sua prática. (muito embora nem sempre tenha plena

consciência da teoria que sustenta determinadas formas de agir).

Em contrapartida, muitas vezes, o seu discurso não condiz com a

teoria ou o método que fundamenta a sua prática, talvez a grande

dificuldade enfrentada esteja relacionada, principalmente, com a ausência

de um diálogo mais efetivo determinado por um conjunto de conceitos que

procuram compreender o cotidiano da Educação Física Escolar – o que ela é

e o que ela pode ser - ou ainda, grande parte dos professores de Educação

Física estão distantes dessa discussão não discernindo com precisão um

6

discurso do outro. Essa análise também pode estar relacionada com o

restrito acesso as produções científicas da área, pois a falta de tempo

restringe a leitura apenas aos aspectos informativos de algumas

publicações e idéias da área sem a devida análise e reflexão. Logo, insisto

que a sólida formação teórica é capaz de levar o professor a conquistar sua

autonomia crítica. “Por isto para libertar o homem das amarras de uma

sociedade autoritária e de uma cultura opressora, que induz os indivíduos a

um “não pensar”, faz-se necessária uma contra-pressão, de reação

contrária. ( KUNZ, 1999, p. 69)

Sendo assim, cabe aos professores de Educação Física escolar

fazerem uma análise crítica das suas ações que reflita uma maior

preocupação no sentido de conhecer novas possibilidades de atuação,

frente a uma prática progressista e comprometida pelos princípios que

encontra o suporte teórico alicerçado nas ciências humanas e sociais.

Neste sentido, propõem-se neste texto algumas reflexões que inclui a

trajetória da área, com o intuito de demarcar questões que possam vir a

compreender melhor a Educação Física no Brasil. Não se pretende, aqui,

abordar a história da Educação Física de forma linear, como se uma

abordagem substituísse a outra de forma seqüencial e etapista, essas

práticas aconteceram e ainda acontecem de forma dinâmica e

simultaneamente nas escolas, porém os diferentes períodos da história

denotam o predomínio de uma concepção ou outra no Brasil. No entanto,

pretende-se com esse movimento suscitar elementos que perpassam a

prática pedagógica ao longo da história, nas suas diferentes concepções

teóricas, na sua especificidade e consequentemente no seu papel social na

formação dos alunos. Essas reflexões podem responder um aspecto central

da prática pedagógica que é a avaliação da aprendizagem em Educação

Física escolar.

Segundo Vago (1995, p.20), a história revela que a Educação Física

“sempre teve o que ensinar”. Os diferentes contextos históricos

determinaram o que ensinar como ensinar e avaliar. Isto nos permite o

aprofundamento das questões emergentes que se constituem como ponto

de partida para a análise e compreensão da disciplina no âmbito escolar.

7

Quero tentar aqui, pela abordagem histórica, aprofundar a questão da

especificidade relacionada à avaliação da aprendizagem na escola.

A Educação Física desde a sua gênese quando integrou no campo

escolar com o nome de Ginástica, se constituiu com uma marca muito forte

no seu processo em que a idéia que prevalecia era a execução dos

exercícios pelo aluno com o objetivo de disciplinamento, ordenamento físico

e moral assim como, a preparação de corpos fortes para o mundo do

trabalho, ou seja, há um cruzamento entre as influências médicas, militares

e higienistas.

A especificidade da disciplina se mantinha na forma de ginástica,

através das influências dos métodos ginásticos de raízes européias

(SOARES, 1994). Os métodos mais conhecidos no Brasil foram: o Francês, o

Alemão e o Sueco, sendo o mais divulgado e que serviu de modelo para um

método nacional de ginástica foi o Francês3. Esses métodos não foram

pensados para a escola, no entanto, os pedagogos e os médicos buscaram

neles os princípios básicos para elaborar os conteúdos de ensino na escola,

uma especificidade da Ginástica para a escola. Assim, os conteúdos

compreendiam: os exercícios militares, os jogos, a dança, a equitação, a

esgrima, o canto. A base teórica que sustentava essa concepção se baseava

predominantemente na biologia e na anatomia.

Pela aplicação de um método racional que emprega a prática dos mais variados exercícios físicos como um meio para atingir um fim específico, fica ressaltada uma função utilitária da Educação Física no sentido de que ela deveria satisfazer a esses objetivos de desenvolvimento das faculdades físicas, as quais serviriam de base para a formação moral e intelectual, criando hábitos de comportamento que fossem úteis as aplicações da vida, de maneira eficiente e com menor dispêndio de energia. (CHAVES JÚNIOR, 2006, p. 148).

Em geral a avaliação contemplava os elementos da aptidão física

(flexibilidade, velocidade, coordenação-neuro-muscular) relacionada a

vários grupos de exercícios tais como: corridas, saltos, transportes de pesos,

3 O método francês, já em 1929, foi indicado como o método oficial da Educação Física em todos os estabelecimentos de ensino do país. Porém sua oficialização deu-se em 30/06/1931, pela portaria n. 70 do Ministério da Guerra, a qual instituiu também a sua obrigatoriedade. Ver Silvana Goellner (1992).

8

lançamentos, flexionamentos voltados aos exames práticos. Para Chervel

(1990, p.206)

A necessidade de avaliação nas instituições de ensino engendrou dois fenômenos que pesam sobre o desenrolar das disciplinas ensinadas. O primeiro deles é a especialização de certos exercícios na sua função de exercícios de controle. O segundo é o peso considerável que as provas do exame final exercem por vezes sobre o desenrolar da classe e sobre o desenvolvimento da disciplina.

O mecanismo de controle na avaliação estava relacionado com a

seleção e a classificação dos alunos em relação à organização de turmas, de

acordo com as capacidades físicas. No caso do sexo masculino as

avaliações se tornavam relevantes, tendo em vista o número significativo

de alunos que freqüentava a escola. A avaliação se transformava em um

importante mecanismo para a continuidade dos trabalhos o que contribuiu

para a afirmação da Educação Física como disciplina escolar.

A nomenclatura Educação Física usada em seguida e que perdura até

hoje, vem acompanhado de um requinte no âmbito da pesquisa científica,

os gestos foram pensados a partir de análises laboratoriais e os conteúdos

de natureza predominantemente esportiva. Respaldados pela concepção

positivista de ciência, as pesquisas vinculam-se ao desenvolvimento de

conhecimentos da medicina esportiva, fisiologia do esforço,

cineantropometria e cinesiologia, tendo os movimentos pesquisados em

laboratórios de investigação da aptidão física – métodos de observação e

experimentação - consubstanciados numa matriz empírico-analítica.

A Educação Física estava inserida na produção ideológica de

conhecimentos marcada pela concepção positivista de ciência, vinculada

aos interesses dos grupos dominantes, onde as questões ideológicas e

econômicas que permeavam nestas pesquisas se reduziam ao maior

rendimento físico dos atletas, a superação dos índices nas competições, a

mercadorização e do estereótipo do corpo humano.

Neste sentido, o sistema capitalista de produção encontrou no esporte

vastas possibilidades de se reproduzir, transformando-o em mercadoria.

Segundo Kunz (1994, p.22) o esporte reproduz as principais características

dessa ordem social como o rendimento, a competição, a sobrepujança

9

tendo como finalidade central à vitória sobre o adversário. O modelo

esportivizante e seus códigos (vitória-derrota, ênfase na técnica e no

desempenho máximo, comparações absolutas e objetivas), trazem os

mesmos elementos que estruturam as relações sociais de nossa sociedade:

privilegia os mais habilidosos, a competição exacerbada, a valorização

daquele que vence entre outros.

A Educação Física ao fazer do esporte o seu objeto de ensino, fomenta

um tipo de educação que visa valores e normas de comportamento. O

esporte tornou-se a expressão hegemônica da “cultura de movimento” 4,

por isso a Educação Física por muito tempo foi vista como sinônimo de

treinamento esportivo. Esse modelo tecnicista estruturava a aula em uma

divisão contendo: aquecimento, parte principal ou aula propriamente dita e

volta à calma, ou ainda a defesa de que as aulas de Educação Física

deveriam ser em dias alternados, reafirmando o princípio da sobrecarga,

presente na Lei de Diretrizes e Bases, n. 5692/71 através do Decreto-lei

69.450 de 01/11/715 quando a Educação Física passa a ter uma legislação

específica. Assim, esse Decreto-Lei além de instituir a integração da

Educação Física, como atividade escolar e obrigatória, no currículo dos

cursos em todos os níveis e modalidades de ensino, também impõe padrões

de referência para as práticas da Educação Física na escola.

O modelo de aula é buscado nos parâmetros fornecidos pelos métodos de treinamento. As partes constitutivas de uma aula são ditadas mais pela Fisiologia, agora já acrescida do item “esforço”, do que pela Pedagogia. Uma parte inicial da aula será destinada a um trabalho de natureza aeróbica, com um tempo para corridas e saltitamentos; numa segunda parte da aula vamos encontrar exercícios de força, flexibilidade e agilidade; numa terceira parte alojam-se os fundamentos de um determinado jogo esportivo com

4 A cultura de movimento, de acordo com Kunz, constitui-se através do “se-movimentar”, capacidade inerente ao homem, em objeto da área da Educação Física. A cultura de movimento envolve todas as atividades do movimento humano, tanto no esporte como em atividades extra-esportes.

5 Apresenta a seguinte concepção de Educação Física: “Atividade que por seus meios, processos e técnicas desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais cívicas, psíquicas e sociais do educando, constitui um dos fatores básicos para a conquista das finalidade da educação nacional”.

Para as séries iniciais do Ensino Fundamental o artigo 3° do mencionado decreto prescreve que a Educação Física deve se caracterizar por: “Atividades Físicas de caráter recreativo, de preferência as que favoreçam a consolidação de hábitos higiênicos, o desenvolvimento corporal e mental harmônicos, a melhoria da aptidão física, o despertar do espírito comunitário, de criatividade, do senso moral e cívico, além de outras que concorram para completar a formação integral da personalidade”.

1

sua posterior aplicação propriamente dita e, para finalizar, há uma volta à calma. (SOARES, 1996, p. 9)

Essa lei legitimou como critérios de avaliação do rendimento escolar a

avaliação do aproveitamento e a apuração da assiduidade. A avaliação do

aproveitamento deveria processar-se por meios de instrumentos próprios,

ficando a cargo dos estabelecimentos de ensino sua estruturação, buscando

detectar o grau de progresso do aluno em cada conteúdo e o levantamento

de suas dificuldades, visando à sua recuperação. Na apuração da

assiduidade, estabelecia-se a promoção ou retenção do aluno, sendo

considerado aprovado o aluno que obtivesse freqüência igual ou superior a

75%, embora com aproveitamento superior a 80% da escala de notas ou

menções.

Castellani Filho (1988) afirma que a LDB (Lei 5692/71) traz um caráter

instrumental e, com o Decreto 69450/71, estabeleceu para este

componente curricular o caráter de atividade, tendo a aptidão física como

referência fundamental. A avaliação em Educação Física, portanto, servia

para selecionar os alunos a partir de testes-padrão de aptidão física,

geralmente medindo a flexibilidade, a força, a capacidade aeróbica e

verificando o nível de habilidades esportivas.

Possíveis conseqüências para a Educação Física Escolar...

Essa prática gerou sérias conseqüências para a Educação Física

escolar. Em primeiro lugar porque era considerada como atividade o que

dificultou a sua legitimação no interior da escola, pois, a relação escola e

sociedade estabelecem uma organização de tal forma, que relega este

componente entendido como atividade a um segundo plano. Nesta relação

histórica a escola sempre foi considerada um espaço do desenvolvimento

do intelecto humano, como se não fosse o próprio corpo que pensasse.

Neste sentido, o contexto social revelava determinados preconceitos sobre

a prática e a concepção da disciplina, que correspondia aos aspectos

funcionais de contribuição, ou seja, contribuía para uma mera Educação

complementar ou catártica (práticas corporais vinculadas na preparação

1

para o mundo do trabalho, na compensação das durezas em sala de aula,

para disciplinarização, no auxílio às outras disciplinas entre outros).

Sendo assim, a Educação Física foi considerada no interior da escola

como um componente “não importante” por se tratar da dimensão do corpo

e não do intelecto. Esta discriminação por parte da comunidade escolar

ainda está muito presente nos dias de hoje e isso se torna visível quando os

professores de Educação Física assumem aulas enquanto os docentes das

outras disciplinas se reúnem para estudar um determinado assunto,

aprofundando temas e trocando experiências, na busca de superação de um

determinado problema. Essa discriminação também vem à tona quando

relacionada à grade curricular da escola, correspondente ao número de

aulas semanais, o que prevalece nesta escala de valores são as disciplinas

mediadas pelo raciocínio lógico. Assim, a Educação Física se caracterizou

como um componente curricular “secundarizado” na organização escolar.

(SOUZA JÚNIOR, 2006. p.152).

Em segundo lugar, pode-se dizer que tais práticas foram consolidadas

no sentido do “fazer prático”, destituída de uma organização curricular e

sistematização de conteúdos, embora os pressupostos apresentados no

referido Decreto-Lei, eram caracterizados na forma de uma disciplina

escolar em que o principal objetivo proposto foi à promoção da aptidão

física.

As propostas de avaliação estavam vinculados aos padrões técnicos,

na obtenção da medida ou performance do aluno. No entanto a falta de

uma proposta de conteúdos sistematizados para a disciplina fez com que a

avaliação da aprendizagem se tornasse um termo ausente. Medir não

significa avaliar o processo de aprendizagem.

Esse reducionismo pragmático e utilitarista se efetivava no

entendimento do âmbito legal, a concepção, no entanto, estava impregnada

de elementos que se constituía na alienação dos sujeitos, tendo em vista

um projeto fragmentado e unilateral atrelada às relações da sociedade

capitalista. Contemplava valores de acordo com a capacidade motora do

aluno, constituído por um caráter seletivo, excludente e punitivo onde a

ordem é primar somente pelos aspectos quantitativos de mensuração do

1

rendimento do aluno, visando à seleção e a classificação. A eficácia e a

eficiência do movimento são fundamentais para corresponder com as

expectativas da avaliação. Esse poderoso instrumento de poder e controle

no interior da escola visaram por muito tempo selecionar e, incluir alguns e

excluir muitos. Portanto, esse processo se reduziu em dois elementos

considerados fundamentais: a “eliminação” e a “manutenção”. (FREITAS,

2008)

Assim, a década de 80 foi fundamental para o questionamento da

Educação Física como componente curricular, pois, predominantemente no

meio acadêmico começou a apontar indícios de uma crise em suas

concepções, em seu papel social, em sua identidade. A disciplina na escola

com suas estruturas abaladas se mantinham com certa dificuldade de

legitimação. Esse período gerou discussões, reflexões, estudos e produções

teóricas de cunho crítico que trouxeram outras perspectivas

epistemológicas e teóricas para pensar a Educação Física.

Enfim, o momento se mostrou relevante tanto na sua qualidade

quanto na sua quantidade de proposições. Os conteúdos propostos que

antes se restringiam aos manuais de “preparação física” ou “manuais de

ensino” com conteúdos pré estabelecidos, ou seja, “receitas prontas” para

serem aplicadas nas aulas, dão lugar para a reflexão e discussão sobre a

Educação Física como prática social. A comunidade científica começa a

alinhar seus trabalhos, discursos e publicações sob a denominação de

teorias “progressistas”. Surgem então, as chamadas abordagens críticas da

Educação Física.

Análise da avaliação proposta nas Diretrizes Curriculares Estaduais

tendo como base as discussões apresentadas anteriormente

Nas concepções apresentadas anteriormente, pode-se visualizar a

avaliação da aprendizagem em Educação Física em total sintonia com o

pensamento hegemônico da sociedade capitalista. Dela retiram-se todas as

categorias sociais, elegendo-a como um elemento que se sustenta no

sentido imediato, em uma abstração vazia da causa e efeito desvinculada

1

da prática social mais ampla. Este reducionismo que orientou e muitas

vezes ainda orienta a organização da escola, tem na sua base uma

concepção de conhecimento que admite a separação sujeito/objeto,

teoria/prática, sob o impacto da divisão do trabalho manual e intelectual.

Esta dualidade cartesiana na Educação Física está pautada numa forma de

racionalidade instrumental do ser humano. Para Freitas (2008):

A escola não é uma ilha na sociedade. A escola, portanto, não está totalmente determinada pela organização social, mas também não está totalmente livre de suas influências. Entender, segundo ele, estas limitações para a organização do trabalho pedagógico é imperioso, para lutarmos contra elas. Desconsiderá-las conduz à ingenuidade e ao romantismo.

Portanto, as escolhas do que ensinar, como ensinar e avaliar, não são

neutras, sempre vem com um propósito, uma intencionalidade, um ponto

de vista que orienta a prática pedagógica na direção do ser humano que

pretendo formar. Esse entendimento nos faz refletir de forma crítica sobre o

projeto de formação e isto só se torna possível na medida em que há

clareza na efetivação da intencionalidade da escola quanto à: concepção

proposta (de mundo, homem, sociedade), conteúdos selecionados, à

organização do trabalho pedagógico, a avaliação, a relação professor-aluno,

bem como, os valores e a lógica para desenvolvê-los.

Como proposta de superação das contradições nas práticas

avaliativas que reforçam as desigualdades sociais, que fragmentam o

conhecimento, propomos que esta deixe de ser um instrumento de

hierarquização gerador de exclusão social na escola e na sociedade, para tal

é necessário que a escola assuma outro projeto histórico que possibilite ao

aluno o acesso ao conhecimento historicamente construído pela

humanidade com vistas a sua transformação.

No campo da Educação Física, encontramos uma das obras

consideradas referência para o ensino escolar que busca desenvolver uma

teoria com o propósito de superar a função seletiva assumida pela escola.

Essa abordagem estrutura-se a partir das concepções progressistas de

educação e explicita uma pedagogia Crítico-Superadora proposta pelo

1

Coletivo de Autores. A referida obra foi publicada em 1992 e traz um

tratamento epistemológico que está nas marcas da pedagogia Histórico-

Critica, orientada pelo Materialismo Histórico e busca apreender o

movimento objetivo do processo histórico.

Nesta concepção, a avaliação na escola começa a apresentar novos

rumos. Esse redirecionamento exige uma nova concepção de homem, de

mundo, de educação. No desenvolvimento de um pensamento crítico, essa

dimensão orienta a sua função pedagógica em relação aos objetivos,

funções e papel da avaliação. Não há receita, mais do que um modelo é um

ato político materializado pelas decisões técnicas, que exige um

posicionamento ético e profissional. A avaliação neste sentido busca uma

leitura crítica da realidade de cada sujeito histórico-social envolvido no

processo com vistas a sua transformação.

As Diretrizes Curriculares Estaduais de Educação Física6 se encaixam

nessa concepção e essa seria exatamente a razão pela qual optei em

fundamentar esse trabalho. A referência se justifica na necessidade de

buscar a superação do quadro anterior, pois O lugar da “performance” não é

na escola. Busca-se ”um espaço intencionalmente organizado para

possibilitar a direção da apreensão, pelo aluno, do conhecimento específico

da Educação Física e dos diversos aspectos da sua prática na realidade

social”. (COLETIVO DE AUTORES, 1992 p.87).

A pedagogia histórico–crítica, enquanto teoria pedagógica que

orienta a metodologia Crítico-Superadora, sinaliza para um trabalho na

escola tendo como objetivo principal a prática social, para que o aluno

possa efetuar uma leitura crítica de mundo no sentido da transformação.

Esse conhecimento trará elementos para melhor compreendermos a história

do desenvolvimento político econômico e os modos de organização social.

As cinco categorias a seguir, pretendem sustentar as discussões em

torno do método dialético apresentado, os quais nos oferecem aportes que

permitem fazer uma leitura de mundo com o compromisso social no sentido

da transformação objetiva. Neste sentido, a Educação Física tem um papel

fundamental na escola e isso só se concretiza a partir do momento em que

6 Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

1

as finalidades vão em direção a um projeto de formação humana. Para tanto

deve assumir um papel contra-hegemônico dos modos de produção

capitalista, através de uma reflexão crítica sobre a sociedade que tem um

papel na formação de consciências, ao privilegiar em suas práticas a

formação de um indivíduo unilateral.

-Categoria historicidade

Um dos pressupostos apresentado por Marx é o da historicidade. O

objeto do conhecimento é a realidade do sujeito, é o espaço material na

qual está inserido, construído pelos homens e pelas mulheres, a partir das

condições materiais que lhes são postas pela natureza, pelas suas

necessidades e pelas novas relações que vão estabelecendo com o mundo

e com os outros seres humanos. (Marx, 1987).

A historicidade é uma categoria ontológica do ser social, está

presente na vida dos homens. É a marca da atividade dos homens

objetivada no mundo concreto. A historicidade enquanto uma categoria do

ser está presente no conhecimento, na medida em que este é concebido em

uma relação entre sujeito e objeto, vinculado a uma prática social mais

ampla.

A metodologia dialética tem uma dimensão histórica. “Para apreender

esse real é preciso organizar o conhecimento pela apreensão das relações

que organizam o próprio real. E isto se consegue refletindo a história da

qual efetivamente as relações se dão”. (Wachowicz, apud Freitas, 2008)7.

Parte-se do entendimento que o novo é sempre uma reorganização do

velho, é preciso considerar o caminho percorrido, para achar estratégias

que permitam uma formação cientifica e dialética capaz de reconstruir o

agir humano. Esse princípio dinâmico nos incita revermos o passado à luz

do que acontece no presente em nome do futuro.

Neste sentido, a avaliação da aprendizagem formula uma concepção

apoiada em um projeto histórico, acrescentando novos dados e ao mesmo

tempo apresenta possibilidades de refletir sobre sua prática social. Essa

7 FREITAS, L. C. de. Crítica da organização do trabalho Pedagógico e da Didática. Campinas, SP: Papirus, 9 ed. 2008.

1

categoria se torna relevante na medida em que a leitura da realidade se

efetiva em uma totalidade concreta.

-Categoria totalidade

A busca do entendimento de uma categoria nos remete a indicar a

importância de outras para o fazer pedagógico que busca a compreensão

da realidade, tanto pelo professor como pelos alunos. Assim, no processo do

conhecimento aparece uma segunda categoria: a totalidade. É uma

categoria fundante para uma abordagem que se propõe a compreender os

significados das ações humanas em uma sociedade.

Para Freitas (2008, p.83) essa categoria é importante, pois, “o homem

não busca apenas uma compreensão particular do real, mas pretende uma

visão que seja capaz de conectar dialeticamente um processo particular

com outros processos”.

Em se tratando da avaliação, fica difícil fazer a análise de um

fenômeno isolado. Talvez seja pela dificuldade em visualizar uma

perspectiva de totalidade em que se compreenderia que a falha na

efetivação dos critérios e indicadores da avaliação não é só do professor, a

determinação do problema é mais geral, de ordem política, econômica e

social. Na escola a idéia corrente que se passa é que a culpa está

relacionada às carências dos alunos, a dificuldade na aprendizagem e não

ao sistema educacional O professor deve reconhecer suas limitações

principalmente quando se refere a sua colaboração para a reprodução da

avaliação atual.

A responsabilidade pelo problema da avaliação é de uma totalidade

concreta qual seja: todo o sistema de ensino. Como ocorre a mediação

desse problema numa determinada realidade? Quem está envolvido

diretamente nesse processo? Podemos citar os mais diretamente envolvidos

que são: Diretores, Coordenadores; Supervisores; Inspetores de Alunos e,

em especial, os Professores.

1

-Categoria Contradição

A contradição foi considerada a partir da concepção dialética,

constituindo-se no princípio básico do movimento. Marx utilizou-a enquanto

categoria por representar o próprio movimento da realidade. Nessa

perspectiva, não se pode imaginar o real sem seu permanente movimento

de construção e de superação. O novo só pode ser vislumbrado a partir do

velho, numa relação de contradição, de afirmação e negação, de onde pode

surgir a continuidade ou a ruptura (ARAÚJO, 2002).

A contradição está presente na totalidade do real e no seu movimento

histórico. Na avaliação pode ser considerado seu próprio ”recheio”. Para

conhecermos o real na sua totalidade, é imprescindível conhecermos a sua

historicidade, percebendo a complexidade das relações e das contradições

que o colocam em movimento.

Assim, a contradição que compõe a totalidade encontra na avaliação

um movimento, enquanto unidade de contrários. Há sempre um grande

movimento marcado por contradições sociais em relação ao que se ensinou

e o que se aprendeu. Assim, as grandes contradições estão nesse processo

como principais causas em se tratando da aprendizagem do aluno e do

esvaziamento total na aprendizagem. Como exemplo pode-se citar as

contradições quando a escola se refere ao ato da aprendizagem em relação

à estrutura: número de alunos por sala de aula, número de aulas que o

professor tem que assumir para sobreviver, o sistema exige e cobra notas

ou ainda, mudanças no quadro de valores da sociedade, diminuição da

motivação pelo estudo, inadequação curricular, não alteração da

metodologia de trabalho em sala de aula.

Outra contradição existente em relação à avaliação da aprendizagem

se encontra no Projeto Político Pedagógico da escola que assume a

avaliação no documento como sendo um processo contínuo, permanente e

cumulativo e na prática ela vem estipulada com uma semana de provas. As

contradições começam a partir do momento em que as questões são

encaradas de maneira unilateral, ver a parte e não o todo. Antes de tudo,

necessitamos ir ao fundo dos fenômenos avaliativos e verificar as

1

características das contradições, pois, é o desenvolvimento dessas

contradições que faz avançar a avaliação da aprendizagem.

-Categoria hegemonia

A categoria hegemonia foi tomada a partir das idéias de Gramsci

(1968;

Coutinho, 1999) que, valendo-se de um meticuloso estudo da produção de

Marx e da experiência de Lênin, infere que o grupo que controla a sociedade

civil passa a ser um grupo hegemônico, o qual se consolida com a conquista

da sociedade política. Considerando que a sociedade está historicamente

dividida em classes, constata-se que a direção de toda a sociedade por uma

classe só se dá pela imposição da sua concepção de mundo (ideologia) e

sua organização. Isso pressupõe o predomínio intelectual de uma classe,

através do que Gramsci chama de “direção cultural e ideológica”.

Para Gramsci a conquista da hegemonia expressa a relação tanto de

coerção quanto de convencimento. Em se tratando da avaliação, ocorre a

redescoberta do recurso da coerção através da nota, em que se utiliza a

avaliação para garantir a autoridade. Ao invés de ir a fundo do problema,

toma o caminho que lhe parece mais fácil e eficaz: a ameaça da nota, para

submeter o aluno à vontade do professor.

No interior da escola este movimento já se tornou naturalizado. A

avaliação escolar não é só avaliação, ela se tornou um instrumento de

poder no trabalho pedagógico, num sentido unilateral. Na medida em que a

avaliação deveria ser um instrumento de análise do processo educacional,

ela tornou-se um instrumento de dominação, de controle, de seleção social,

de discriminação, de repressão. Na Educação Física isso fica muito visível

quando classifica os alunos em bons, ruins, fortes, fracos, habilidosos e

assim por diante, o mesmo quando leva em conta somente a assiduidade

dos alunos na avaliação, ou como descrição de comportamento no respeito

às regras ou ainda como forma de “barganha”, ou seja, o aluno faz aula em

troca de nota. Essa troca gera muitas vezes conflito no aluno quando a

execução de determinadas tarefas e a educação destinada a ela reduz-se a

1

mera instrumentalização do corpo, sem, contudo, refletir sobre a formação

humana do sujeito, sem ter clareza da função social da escola.

Essa forma de avaliar só será superada quando os papéis na avaliação

(professor e aluno) forem compartilhados, baseado no diálogo efetivo, com

o objetivo de contribuir na apropriação do conhecimento.

-Categoria práxis

Para Vasquez (1990, p. 117) “A relação entre teoria e práxis é para

Marx teórica e prática; prática na medida em que a teoria, como guia da

ação, molda a atividade do homem, particularmente à atividade

revolucionária; teórica, na medida em que essa relação é consciente”.

O que significa dizer que a atividade precisa ir além da simples ação,

devendo ser realizado por um sujeito mais consciente, ou seja, portador e

articulador da teoria. “A verdade de um conhecimento ou de uma teoria é

determinada não por uma apreciação subjetiva, mas sim pelos resultados

da prática social objetiva”. (MAO TSE-TUNG, 1999, p.15).

Logo, sob o capitalismo, a práxis também pode ser entendida

contraditoriamente, esse movimento se visualiza nas ações que visam à

adaptação do indivíduo a sociedade. De outro lado, pode ser revolucionária,

quando numa relação dialética de homem e sociedade, a práxis une a

compreensão teórica à ação real, com vistas à transformação da sociedade.

Esboçando alguns argumentos e possibilidades para desenvolver

práticas avaliativas em consonância com as finalidades das

Diretrizes Curriculares Estaduais de Educação Física

Tendo em vista as reflexões feitas no início do texto, destacamos que

um dos pontos importantes é o planejamento escolar. Pode-se dizer que

avaliação e planejamento se unem à prática pedagógica, ambos consistem

na reflexão sobre o processo de ensino e de aprendizagem, pois, se

estabelecem de forma integrada, isto é: avaliar para planejar, planejar para

atuar na prática pedagógica, atuando volta a avaliar e com ela surgem

2

novos elementos para o planejamento, ajustando as reais necessidades dos

alunos.

Neste sentido, se torna fundamental o estabelecimento de princípios

que orientam a prática avaliativa relacionados com: a constatação, a

interpretação, a compreensão e a explicação da realidade através de

instrumentos como a observação, a análise, a participação efetiva dos

alunos no processo de objetivação e apropriação do conhecimento. O

professor deve atuar como investigador, pesquisador diante dos elementos

novos que emergem no cotidiano escolar através dos registros. Todos esses

elementos constituem-se como um sinalizador das dificuldades e avanços

no processo de ensino e aprendizagem e consequentemente na formação

humana dos alunos.

É nesse contexto, que a avaliação se torna um processo contínuo e

sistemático de obter informações, de diagnosticar avanços e/ou

dificuldades. Vale ressaltar, que essa prática deve estar em consonância

com os procedimentos metodológicos, os objetivos, os conteúdos num todo,

pois se sustentam em uma mesma teoria pedagógica. É comum

percebermos na realidade escolar, uma desconexão, entre a teoria

pedagógica que embasa o professor no processo de ensino-aprendizagem e

a forma como este se utiliza da avaliação. Por isso, compreender a

avaliação da aprendizagem escolar, num sentido mais amplo, nos leva a

instigar com profundidade as bases teóricas que a sustentam na escola,

pois, não devemos incorrer ao erro do “vale tudo”, em que a proposta da

avaliação reúne na prática as teorias tradicionais, escolanovista, tecnicista e

progressista da educação.

A avaliação deve ter como parâmetro a construção de dimensões que

se estabelecem através da função diagnóstica, processual, formativa e

somativa. A dificuldade no entendimento desses elementos leva o professor

muitas vezes a utilizar a avaliação somente para emitir uma nota, talvez

esse procedimento esteja relacionado à falta de um planejamento que

tenha maior clareza sobre uma avaliação que exige concepção de homem,

de mundo, de educação.

2

Algumas reflexões sobre avaliação articulada com o cotidiano

escolar

O professor pode utilizar vários instrumentos de avaliação na

Educação Física. Os recursos para o trabalho teórico-prático utilizados na

avaliação dependem da intencionalidade da aula. É importante ressaltar

que o ato avaliativo deve estar a serviço da formação do aluno. Assim, os

instrumentos utilizados na prática avaliativa pretendem ampliar o

conhecimento a ser tratado nas aulas de Educação Física, ao mesmo tempo

em que confiam ao professor à tarefa de potencializar sua prática

pedagógica que pode ser constituída:

• na forma da experiência de práticas corporais, analisando

novas questões;

• das diferentes expressões do corpo e do movimento que se

materializam na capacidade criadora;

• nas dinâmicas em grupo, na criação de novas sínteses

corporais (da experimentação de novas formas de movimento

seja na ginástica, nos jogos, nos esportes, na dança, nas lutas);

• nos trabalhos de pesquisa oriundos das problematizações

realizadas em aula;

• no debate relacionado à análise de questões

problematizadoras referente aos aspectos da Cultura Corporal

propostas na aula em relação ao conhecimento

(transformações históricas– técnicas, táticas, sociais);

• na proposta de trabalho junto a uma outra disciplina;

• nos seminários que englobam os conteúdos trabalhados em

aula, desdobrando questões que possam enriquecer e alargar a

compreensão das práticas corporais que surgem no cotidiano

escolar.

Sendo assim, a avaliação da aprendizagem deve ter como princípio

básico:

• a valorização da práxis (reflexão e ação);

2

• o compromisso com a transformação social;

• o compromisso com a formação humana e com o acesso a

cultura (conhecimento historicamente produzido pela

humanidade);

• a ampliação da reflexão crítica sobre as práticas da Cultura

Corporal;

• a dialogicidade do ato educativo que permita a participação de

todos no processo avaliativo;

• reconhecer as múltiplas experiências relativas ao conhecimento

sistematizado, consideradas no processo de ensino e

aprendizagem;

Enfim, esses princípios podem levar o professor a um repensar do

processo avaliativo na escola, mantendo em sua prática um constante

diálogo com os alunos para estabelecer discussões e reflexões específicas

sobre a Cultura Corporal, com o intuito de uma melhor compreensão da

realidade na qual estão inseridos. Neste sentido, é de fundamental

importância à criação de um espaço em que os sujeitos possam expressar

seus erros, suas limitações como hipóteses de aprendizagem, ou seja,

expressar o que sabe o que não sabe e o que precisa saber para que de

fato, o aluno construa sua autonomia intelectual do processo de

aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação como categoria central da prática pedagógica permitiu

neste texto, identificar elementos contraditórios na sua prática escolar e ao

mesmo tempo sugerir formas de superação com o propósito de lutar e

avançar no sentido da sua legitimação como área de conhecimento.

Com certeza não esgotamos aqui, o campo da avaliação em Educação

Física, mas pudemos demonstrar que essa área do conhecimento tem muito

a contribuir na formação humana dos nossos alunos. A efetiva contribuição

da Educação Física no processo de formação humana acontece a partir do

momento em há clareza nas finalidades do educar para que a formação

2

unilateral do sujeito possa dar lugar para uma formação que se constitui em

uma concepção omnilateral do ser humano, em que as múltiplas

possibilidades de expressão (biológicas, sociais, culturais, econômicas e

políticas) sejam respeitadas. Ou seja, o espontaneísmo que muitas vezes

sustenta a prática avaliativa na escola deve dar lugar para uma práxis

consciente que promova uma leitura crítica frente à realidade concreta de

mundo.

Assim, a avaliação da aprendizagem escolar precisa ser visualizada

enquanto uma categoria que constitui a prática pedagógica. Desse modo, é

necessário tornar consciente os pressupostos teóricos que balizam o fazer

pedagógico, pois conforme Lukács (1984, p. 4). “As necessidades vitais da

práxis humana, entendida no sentido mais amplo, estão em interação com

visões teóricas dos homens, sobretudo com as ontológicas”.

Contudo, as diferentes visões de mundo construídas em uma

sociedade de classes emergem de uma mesma realidade social, porém

ocupam lugares distintos na luta de classes. Essa perspectiva deve conduzir

o trabalho do professor na escola numa dimensão crítica, tendo em vista

um constante diálogo constituído pelo conteúdo e método. Essas relações

dialéticas facilitam o estudo e a compreensão da avaliação que aliada aos

objetivos se torna uma área central da escola.

2

ELEMENTOS NORTEADORES PARA O DEBATE DO TEMA

Algumas questões

2.1 O texto sobre avaliação da aprendizagem, remete a uma reflexão acerca

das diferentes concepções pedagógicas proposta para a disciplina desde a

sua gênese, conforme os interesses ideológicos em cada momento

histórico. A avaliação em Educação Física por muito tempo se estabeleceu

em um paradigma que se baseava no princípio da unilateralidade e visava à

padronização e a uniformidade. O que predomina nesta relação são os

aspectos quantitativos de mensuração do rendimento do aluno, através de

gestos técnicos, destrezas motoras e qualidades físicas, visando

principalmente à seleção e a classificação dos alunos.

Como é possível superar essa forma de avaliação e permitir que essa

se realize num processo formativo que contribua de fato para que o aluno

se aproprie efetivamente do conhecimento?

2.2 A Educação Progressista defende o envolvimento da escola na formação

de um cidadão crítico e participante da mudança social. Esse

redirecionamento exige uma nova concepção de homem, de mundo, de

educação. A avaliação neste sentido busca uma leitura crítica da realidade

2

de cada sujeito histórico-social envolvido no processo com vistas a sua

transformação.

Como se efetiva na Educação Física a avaliação transformadora?

Quais os princípios vinculados a esse processo?

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