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GRAMÁTICA DERIVACIONAL DO PORTUGUÊS GRAÇA RIO-TORTO ALEXANDRA SOARES RODRIGUES ISABEL PEREIRA RUI PEREIRA SÍLVIA RIBEIRO IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS 2.ª EDIÇÃO Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

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Graça Rio-Torto é docente da Universidade de Coimbra, instituição onde se dou-torou (1993) e onde realizou as provas de Agregação (2005). Membro do CELGA, coordena uma equipa de investigação que se debruça sobre léxico e formação de palavras, nas suas dimensões morfológicas, semânticas e sintáticas. Das suas nume-rosas publicações destacam-se: Morfologia derivacional: teoria e aplicação ao por-tuguês. Porto, Porto Editora, 1998; Verbos e nomes em português. Coimbra, Livraria Almedina, 2004; O essencial sobre semântica (com Ana Cristina Macário Lopes). Lisboa, Colibri; 2007, Léxico de la Ciencia: tradición y modernidad (coord.). München, Lincom Europa, 2012.

Alexandra Soares Rodrigues é doutorada em Linguística Portuguesa pela Universidade de Coimbra (2007), membro do CELGA e docente do Instituto Politécnico de Bragança. As suas áreas de investigação são a Morfologia, o Léxico e a Teoria da Linguagem. Das suas publicações destacam-se: A construção de postverbais em português. Porto, Granito Editores, 2001; A formação de substanti-vos deverbais sufixados em português. München, Lincom Europa, 2008; Exercícios de morfologia do português. München, Lincom Europa, 2012 e Jackendoff e a arqui-tectura paralela: apresentação e discussão de um modelo de linguagem. München, Lincom Europa, 2012.

Isabel Pereira é professora auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde tem desenvolvido a sua carreira docente e de investigação desde 1987 e onde se doutorou (2000), tendo apresentado a tese O acento de palavra em português. Uma análise métrica. É membro do CELGA, sendo as suas áreas de investigação prioritárias a Fonologia e a Prosódia, a interface Fonologia-Morfologia e o Ensino/aprendizagem de Português Língua Não Materna.

Rui Abel Pereira é doutorado em Linguística Portuguesa (2006), docente da Universidade de Coimbra e membro do CELGA. A sua investigação centra-se nas áreas de Formação de Palavras, Morfologia e Léxico. É autor de vários artigos em revistas de especialidade e do livro Formação de Verbos em Português: Afixação Heterocategorial. München, Lincom Europa, 2007.

Sílvia Ribeiro é doutorada pela Universidade de Coimbra (2011), membro do Celga e docente na Universidade de Aveiro (ESTGA). A sua investigação centra-se nas áreas do léxico e da formação de palavras, nomeadamente no estudo da Com-posição e no da interface Sintaxe-Semântica. Tem publicados vários estudos, de que se destacam Compostos nominais em português: as estruturas VN, NN, NprepN e NA. München, Lincom Europa, 2010 e Estruturas com SE anafórico, impessoal e decausa-tivo em Português, em publicação.

9789892

608631

Série Investigação

Imprensa da Universidade de Coimbra

Coimbra University Press

2016

Verificar dimensões da capa/lombada. Lombada de 28 mm.

Nesta Gramática Derivacional descrevem-se os mecanismos,

os recursos e os produtos de formação de palavras do

português contemporâneo, usando uma linguagem

acessível mas assente em aturada investigação por parte

dos seus autores, docentes universitários com larga

experiência em pesquisa sobre o léxico. Com base nos

dados do português europeu e em alguns do português do

Brasil, percorrem-se os processos de sufixação (construção

de nomes, de adjetivos e de verbos), de prefixação, de

composição (erudita e vernácula) e de construção não

concatenativa (cruzamento, truncação, siglação, acronímia).

A morfologia e a semântica das palavras construídas - sejam

isocategoriais ou heterocategoriais - são analisadas tendo

em conta as bases que as compõem, os afixos que nelas

ocorrem, os processos e as restrições de combinatória, e as

áreas denotacionais dos produtos. Precede a descrição dos

diferentes paradigmas um capítulo de apresentação dos

conceitos básicos e de enquadramento teórico.

GRAMÁTICADERIVACIONALDO PORTUGUÊS

GRAÇA RIO-TORTOALEXANDRA SOARES RODRIGUESISABEL PEREIRARUI PEREIRASÍLVIA RIBEIRO

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

2.ª EDIÇÃO

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c a P Í t u l o 9 . P r o c e S S o S d e c o n S t r u ç ão

n ão c o n c at e n at i va

M. Isabel P. Pereira

9.1 Introdução

A criação lexical em português, apesar de ser predominantemente

concatenativa, dispõe de um conjunto de processos que não se enqua-

dra nesse tipo de operações morfológicas. A “marginalidade” destes

processos (cf. Alves 1990) pode atribuir-se quer à baixa frequência da

sua utilização (sobretudo em português europeu), quando comparados

com a afixação e a composição, quer a algumas das suas caraterísticas

intrínsecas. Trata-se de operações que geram produtos através de me-

canismos que não assentam em princípios de natureza eminentemente

morfológica, mas antes de natureza fonológica/prosódica (cruzamento

vocabular, truncação, reduplicação) e/ou gráfica (siglação/acronímia),

em que estão envolvidos padrões não lineares de formação.

Nos produtos gerados através destas operações, não são iden-

tificáveis constituintes morfológicos encadeados linearmente, pois

raramente as bases mantêm integralmente o seu material segmental117.

Daí que diversos autores defendam que não se trata de processos de

formação de palavras com estatuto morfológico.

117 Apenas nos casos de reduplicação total se pode assumir que as bases são preenchidas por palavras, pois todos os outros são processos que implicam mecanismos de supressão.

http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0864-8_9

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Vistos por alguns autores como processos improdutivos (no sentido

de Aronoff 1976) 118, estão disponíveis em português, manifestam al-

gumas regularidades notórias, não podendo, portanto, ser considerados

imprevisíveis e aleatórios. Por outro lado, algumas das propriedades

que os caraterizam são comuns a outras línguas em que também

constituem mecanismos de criação lexical de uso mais restrito.

Com exceção da siglação, são processos mais frequentes no

português do Brasil do que no português europeu, onde têm uma

utilização muito restrita, particularmente a truncação e a reduplicação.

9.2 Cruzamento vocabular

9.2.1 Definição

O cruzamento vocabular 119 pode ser definido como a junção

de duas palavras existentes para formar uma palavra nova, com

supressão de material segmental de pelo menos uma delas e, em

certos casos, sobreposição de segmentos, como se pode observar

em (1) e (2).

(1) brasiguaio (brasileiro + paraguaio)

cariúcho (carioca + gaúcho)

chafé (chá + café)

diciopédia (dicionário + enciclopédia)

118 O conceito de produtividade não suscita unanimidade entre os autores; daí que, para alguns (Araújo 2000, Basílio 2005 e 2010, por exemplo), as regularidades observadas nestes processos (ou, pelo menos, em alguns deles) e a frequência com que são usados na criação lexical em português (sobretudo no PB) os tornem processos produtivos.

119 Processo que surge na literatura também designado por amálgama, mistura, mescla lexical, portemanteau, mot valise (palavra valise), blend, entre outros.

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fabulástico (fabuloso + fantástico)

nim (não + sim)

portunhol (português + espanhol)

(2) apertamento (aperto + apartamento)

analfabruto120 (analfabeto + bruto)

burrocrata (burro + burocrata)

meretríssimo (meretriz + meritíssimo)

pilantropia (pilantra + filantropia)

9.2.2 Cruzamento vocabular e composição

Os produtos do cruzamento vocabular, resultando da junção de

duas bases lexicais, são considerados por alguns autores (Sandmann

1990, Araújo 2000, Basílio 2005) um tipo de composição em por-

tuguês. No entanto, são significativas as diferenças entre os dois

processos de criação lexical (Rio -Torto 2014c):

i. a composição permite a junção de mais do que duas bases,

enquanto os produtos de cruzamento vocabular atestados

resultam da junção de apenas duas bases;

ii. nos compostos, as bases são preenchidas por constituin-

tes morfológicos (radicais ou palavras); no cruzamento

vocabular, como o conteúdo segmental das bases não é

integralmente preservado 121, não são reconhecíveis cons-

tituintes morfológicos;

120 Atestados também analfaburro e analfabesta.121 A perda de material segmental nestes produtos não pode ser atribuída a

processos fonológicos, como a crase ou a haplologia, que se observam nos compostos aguardente e dedurar (PB).

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