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Grupo Comunista-Anarquista 1887

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Page 1: Grupo Comunista-Anarquista 1887

Introdução

Este trabalho tem como fonte o Pacto de União de Solidariedade Operária do Grupo

Revolucionário Anarquista Onze de Novembro. Antes de analisar o documento

propriamente dito, farei uma contextualização, onde falarei em primeiro lugar acerca da

doutrina anarquista e da sua definição de forma mais genérica. De seguida o trabalho

incidirá sobre o surgimento e a evolução do anarquismo enquanto doutrina política na

Europa. Depois de falar brevemente sobre os teóricos anarquistas que mais influenciaram o

anarquismo português, será feito um enquadramento da situação em Portugal. Assim

estaremos em condições de ler o documento e identificar os elementos que o ligam ao

movimento anarquista. No último ponto vamos reflectir sobre o que se passou a nível das

relações entre anarquistas e operários em Portugal, a partir de 1891 e até à implantação da

Primeira República.

2. A doutrina anarquista: um enquadramento

2.1 A definição de anarquismo

Nas palavras de Zacarias Guerreiro, "a anarquia é a suprema aspiração da harmonia

social, da paz tão desejada, da justiça verdadeiramente humana". Não deixa de ser curioso

verificar que Zacarias era um republicano convicto.

O anarquismo é uma realidade multifacetada: há várias correntes anarquistas, à

semelhança do que acontece com o socialismo. Como é óbvio há pontos transversais a

todas as correntes – o fim do Estado, o anti-autoritarismo, o abstencionismo, o anti-

-clericalismo e a luta contra o sistema capitalista são apenas alguns deles. Mas há diferentes

formas de alcançar determinado fim: enquanto alguns anarquistas procuram alhear-se da

luta política, não reconhecendo sequer a existência do Estado e por isso não intervindo,

outros anarquistas há que vão procurar ter uma atitude mais activa, seja através da violência

(que estava longe de ser intrínseca ao anarquismo – como se verá mais adiante, a violência,

só a partir de finais do século XIX, passou a ser uma arma usada por vários anarquistas,

dispostos a tudo para destruir o Estado), seja através do relacionamento com algumas

associações de classe, com o sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo. A isto

dá-se o nome de anarquismo intervencionista. Em Portugal, certos anarquistas

intervencionistas, bem como socialistas, decidiram apoiar a revolução republicana por

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considerarem a República um mal menor quando comparada com a Monarquia, e uma

etapa rumo à sociedade com a qual sonham. Um outro exemplo que ilustra bem a divisão

entre os anarquistas é acerca das eleições. Apesar do abstencionismo ser uma prática

comum a todos os anarquistas, esta pode ser feita de várias maneiras: desde apresentar

candidaturas mortas ou sabotar o escrutínio (introduzindo um fósforo no boletim de voto,

de forma a que este ardesse e incendiasse toda a urna, por exemplo) – o abstencionismo

positivo – até à pura e simples abstenção – o abstencionismo negativo.

Enquanto doutrina política, não é fácil dar uma definição concreta de Anarquismo.

Edgar Rodrigues refere que é uma "nova ordem social baseada na liberdade, na qual a

produção, o consumo e a educação devem satisfazer às necessidades de cada um e de todos

[…]". Não vou transcrever todo o artigo presente na obra ABC do Anarquismo, mas deve

ser lido, pois sintetiza bem o que é a doutrina anarquista.

Vejamos agora a definição de Sébastien Faure: "Não há nem pode haver Credo ou

Catecismo libertários. O que existe e que constitui aquilo a que se pode chamar doutrina

anarquista é um conjunto de princípios gerais, concepções fundamentais e aplicações

práticas acerca dos quais se estabeleceu um consenso entre indivíduos que pensam como

inimigos da autoridade e que lutam, isolada ou colectivamente, contra todas as disciplinas e

condicionalismos políticos, económicos, intelectuais e morais que dela decorrem. Podem

existir e, de facto, existem, vários tipos de anarquistas, mas todos têm uma característica

comum que os separa das demais variedade[s] humanas. Esse ponto comum é a negação do

princípio de autoridade na organização social e o ódio a todos os condicionalismos que

decorrem das instituições assentes neste princípio. Portanto, quem nega a Autoridade e a

combate, é anarquista […]."

2.2 O aparecimento e desenvolvimento da doutrina anarquista na Europa

"Não há dúvida de que, enquanto concepção de vida política, o anarquismo é um

fenómeno relativamente recente." É assim que Jean Préposiet inicia o tema na sua obra

História do Anarquismo. De facto, a doutrina política anarquista só surge e ganha

relevância durante o século XIX.

Embora se considere importante o papel desempenhado por Max Stirner (1806-

1856), desde cedo, é com relativa unanimidade que se reconhece Proudhon (Pierre-Joseph

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Proudhon, que viveu entre 1809 e 1865) como o autêntico fundador da doutrina anarquista,

por um lado pela pouca influência daquele junto do movimento operário, por outro lado

pela importância notória deste na evolução da I Internacional. Os teóricos anarquistas são,

na sua maioria, europeus, o que faz perceber que a realidade anarquista, enquanto

pensamento político, é, nesta altura, essencialmente europeia. Contudo, é com relativa

rapidez que os seus ideais se espalham pelos outros continentes, ainda no século XIX, mas

sobretudo no século XX.

A I Internacional, ou AIT (Associação Internacional de Trabalhadores), foi criada

aquando a reunião de St. Martin’s Hall, que teve lugar em Londres no dia 28 de Setembro

de 1864. O seu aparecimento foi consequência da oposição entre anarquistas e marxistas.

Em 1868, Bakunine funda a Aliança da Democracia Socialista e em 1869, o Conselho

Geral da AIT, com algumas reservas, aceita a adesão desta Aliança na Internacional, que

duraria até 1872.

De seguida podemos ver um excerto da obra História do Anarquismo que

caracteriza brevemente e situa no tempo e no espaço os diversos congressos da I

Internacional: "Na sua monumental História do Movimento Anarquista em França, Jean

Maitron destaca os seguintes momentos da história dos congressos da I Internacional: em

primeiro lugar, distingue um período mutualista, fortemente influenciado pelas ideias

poudhonianas, que se operou no primeiro (Genebra, 3-8 de Setembro de 1866) e no

segundo congressos (Lausana, 2-7 de Setembro de 1867). O terceiro congresso (Bruxelas,

6-13 de Setembro de 1868) marca a transição do mutualismo para o colectivismo e para o

sindicalismo. O quarto congresso (Basileia, 6-12 de Setembro de 1869) assistirá à

afirmação de uma maioria «colectivista antiautoritária» contra duas minorias, proudhoniana

e «marxista», antes da cisão que ocorrerá no quinto congresso (Haia, 2-7 de Setembro de

1872). "

Mais adiante veremos mais pormenorizadamente o como e o porquê do afastamento

de Bakunine e dos seus apoiantes da AIT. Por agora importa apenas perceber que este foi

fruto das disputas entre o anarquista e Marx e que a exclusão do primeiro da I Internacional

permitiu aquilo que Jean Préposiet considera que foi "o verdadeiro acto de nascimento do

anarquismo": o Congresso de Saint-Imier, que teve lugar no cantão de Berna, no dia 15 de

Setembro de 1872, e que contou com a presença de 15 delegados, que representavam 5

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federações dissidentes. Foi nesse congresso que se definiram os objectivos e métodos da

anarquia. A partir daí várias foram as adesões à causa libertária – entre elas a de

Kropotkine.

Depois de vários congressos durante a década de 1870, chegamos a 1880, ano em

que se dá a reunião de Vevey e o congresso de La Chaux-de Fonds. Estes dois

acontecimentos marcarão definitavamente uma nova fase do anarquismo. Na reunião

"esboçou-se um programa libertário: destruição das instituições pela violência; propaganda

revolucionária através da acção; passagem à clandestinidade; utilização dos recursos

disponibilizados pela técnica e pela química; autonomia dos grupos e dos indivíduos." Já no

congresso viria a ser exigido por Reclus e Kropotkine o abandono do «colectivismo» para

se passar a adoptar um verdadeiro «comunismo anarquista». O congresso do ano seguinte,

que teve lugar em Londres, veio reforçar estas decisões, sendo definitivamente adoptados o

individualismo táctico e a violência individualista. Também as acções de propaganda

seriam reforçadas por outras, as campanhas «de facto» (sendo o terrorismo a propaganda

pelo facto levada ao extremo). Assim, a partir de 1880, os anarquistas vão-se afastando

progressivamente de um proletariado cada vez mais numeroso e fragmentado; serão

julgados pela opinião pública ("o emprego de acção directa – atentados bombistas ou

propaganda pela acção – foi, simultaneamente, causa e efeito do isolamento dos anarquistas

[…]"). O período de 1880 a 1914 constituiu uma autêntica prova de fogo para o

anarquismo.

Antes de nos dedicarmos ao caso português, é importante falar nestes três teóricos,

os que mais influenciaram o movimento neste país ibérico.

2.3 Principais teóricos que influenciaram o anarquismo português

2.3.1 Bakunine

Mikhail Bakunine nasceu na Rússia a 1814 e morreu em 1876. Ficou conhecido

pela disputa que travou com Karl Marx no seio da I Internacional. Estávamos em presença

de duas visões inconciliáveis: se por um lado Marx achava que o único caminho possível

para a revolução passava por um controlo autoritário dos proletários, através de um

aparelho centralizador, por outro lado Bakunine, sendo contra qualquer tipo de autoridade,

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defendia a livre associação dos trabalhadores, montando para isso uma campanha anti-

centralizadora que ameaçava, no ver de Marx, a união dos proletários.

Acerca desta e outras disputas que opõem no geral anarquistas a marxistas, é

importante esclarecer dois pontos. Em primeiro lugar, Bakunine não procura dar um

sustento científico à sua doutrina, ao contrário de Marx e Kropotkine. No imediato isto faz

com que as ideias de Bakunine contenham "fragilidades e ingenuidades indiscutíveis" que

fazem com que Marx aponte a falta de rigor do anarquista. Talvez isto permita perceber o

porquê da maior popularidade de Marx em relação a Bakunine no seio da Internacional,

mesmo com a acusação de Bakunine que Marx pretendia instalar uma ditadura universal.

De facto o rigor e a consistência da doutrina marxista permitiram ao alemão excluir

Bakunine da Internacional, por 27 votos contra 7, no Congresso de Haia (em 1872) – isto

após a proposta de abolição do Conselho Geral e a supressão de toda a autoridade na

Internacional, feita pelos jurassianos nesse mesmo Congresso, ser rejeitada.

No final da sua vida, Bakunine não escondia a sua desilusão face ao caminho que

estava a ser seguido pelos libertários: "15 de Fevereiro de 1875, Lugano. Cheguei à

conclusão, e continuo a concluí-lo todos os dias, de que o pensamento, a esperança e a

paixão revolucionários não se encontram absolutamente nas massas […]. Quanto a mim,

meu caro, estou demasiado velho, demasiado doente, demasiado cansado, e sinto-me, tenho

de te dizer, em muitos sentidos, desiludido, para ter vontade e força de participar na [luta

revolucionária]… Resta-me uma esperança: a guerra universal. Esses enormes Estados

militares, mais cedo ou mais tarde, irão destruir-se e devorar-se mutuamente. Mas que

perspectiva!"

2.3.2 Reclus

Élisée Reclus nasceu em França em 1830 e morreu em 1905. Vejamos o que diz J.

M. Gonçalves Viana acerca deste teórico libertário: "Não afirmaremos categoricamente a

paternidade de Reclus sobre o movimento anarquista português. No entanto, a sua

influência espiritual e a sua acção em Lisboa merecem ser consideradas o factor decisivo na

ressurreição desta tendência entre nós." Continua o autor que foi a acção de Reclus que

levou à constituição, em Abril de 1887, do grupo "Comunista-Anarquista de Lisboa", sendo

da opinião que o revolucionário é, ele próprio, o autor do programa (?) deste grupo.

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Muito ligado a Reclus está um outro anarquista, Kropotkine. Os dois conheceram-se

durante o exílio do primeiro e rapidamente se tornaram uma referência do movimento

anarquista. As suas teorias, positivo-evolucionistas, tornaram-se muito populares.

2.3.3 Kropotkine

Vejamos então mais em pormenor as ideias de Kropotkine. Conhecido como o

"príncipe anarquista", Piotr Alexeievich Kropotkine nasceu em 1842 e morreu em 1921.

Foi membro de uma das mais antigas famílias aristocráticas da Rússia. A doutrina que

defende é definida pelo próprio como um "anarquismo comunista", embora seja um

comunismo naturalmente diferente daquele proposto por Marx e Engels: era um

"comunismo livre, muito distante do comunismo colectivista vulgar", que não preconizava,

ao contrário do comunismo original, comunidades que se afastavam da sociedade, uma vez

que estas, segundo o anarquista russo, devido ao seu isolamento, estavam condenadas à

degeneração.

Kropotkine tem algumas reservas quanto ao termo socialismo – numa altura em que

toda a gente se define como socialista, o príncipe anarquista salienta que para o verdadeiro

socialismo ser alcançado é fundamental que o Estado seja abolido, bem como o regime de

assalariado... e não de forma fazeada e mais ou menos controlada e contida, mas de

imediato.

Uma das questões que separa Kropotkine de Marx prende-se com a dialéctica. Marx

justifica a existência de um Estado após a revolução com a necessidade de organização. O

alemão está convencido que "o Bem pode vir do Mal, que a liberdade surgirá do seu

contrário". Ora, esta é uma diferença profunda que opõe marxistas e anarquistas: estes

últimos rejeitam este "truque dialéctico" – o Estado deve ser eliminado de uma vez, sob

pena de poder corromper os revolucionários. O próprio Bakunine, adepto da dialéctica

hegeliana, partilhará com Kropotkine este ataque à dialéctica marxista.

Kropotkine dava um papel histórico quase exclusivo aos povos, foi adepto da

participação na Primeira Guerra Mundial contra os países do Eixo e era a favor da

internacionalização: "a revolução social só poderá triunfar na condição de se propagar por

toda a Europa […] A solidariedade internacional de todos os trabalhadores, esta é uma das

condições sine qua non para o triunfo da revolução."

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Apesar de estes serem teóricos anarquistas que influenciaram fortemente os ideais

libertários em Portugal, não foram os únicos: também Malatesta, Tolstoi, Proudhon,

Stirner, entre outros, tiveram aí os seus contributos largamente difundidos. Posto isto, é

agora altura de nos debruçarmos, mais especificamente, sobre o caso português.

3. O surgimento e propagação do movimento anarquista em Portugal no século

XIX

Gonçalves Viana fala-nos de um "eclipse da corrente libertária em terra lusa entre

1874 e 1886", ao passo que Manuel José Martins Vagueiro afirma categoricamente: "O

anarquismo nasceu, em Portugal, comunista; a sua orientação foi inspirada nos jornais

franceses, propriamente em Le Revolté" (tendo este jornal sido editado, em Genebra,

apenas entre 1879 e 1885). Já Edgar Rodrigues tem esta interessante afirmação: "[…] o

anarquismo andava um pouco na cabeça de cada português, embora eles não soubessem

que nome tinham essas ideias, até que um dia, lá pelos idos de 1883, alguém gritou: isso é

anarquismo!" Por seu turno João Freire diz que a primeira fase de desenvolvimento do

anarquismo em Portugal teve início em 1871. De todas estas datas, 1871 parece ser a mais

correcta por uma razão: foi nesse ano fundada a secção portuguesa da AIT que, como

sabemos, agrupava nesta altura marxistas e anarquistas.

Independentemente do ano concreto em que surgiu o anarquismo em Portugal, é

preciso ter em conta várias questões. Em primeiro lugar, como refere E. Rodrigues, antes de

1880 e mesmo de 1870 já existiam anarquistas em Portugal – até porque o anarquismo

enquanto fenómeno político teve início com Proudhon, como já vimos. Certo é que estas

décadas trouxeram com elas um período que marcou profundamente o anarquismo: depois

da influência da Internacional e de Bakunine, o anarquismo português, à imagem de outros

países, adoptava a acção directa, a luta armada, a violência – estávamos perante o

reformulado comunismo anarquista, de Kropotkine e Reclus.

Em segundo lugar, convém perceber que as ideias anarquistas não tiveram um

terreno muito fértil no nosso país, tendo em conta que Portugal era um país essencialmente

rural, com escassos operários – o anarquismo é uma realidade essencialmente urbana e só

em pleno século XX, já depois da implantação da República, é que os anarquistas se

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juntaram a associações de classe ligadas ao campo. Foi, ainda assim, a partir das décadas de

70 e 80 do século XIX que os ideais anarquistas mais se propagaram em território nacional.

Vamos de seguida ver através de que instrumentos os anarquistas conseguiram

propagar as suas ideias em território nacional.

3.1 As publicações anarquistas

A partir de 1880, a propaganda (publicações, na sua maioria em forma de jornais)

passou a ser considerada como um meio importante para difundir as ideias socialistas e

anarquistas. Alguns jornais anarquistas são: A Revolta, Propaganda, O Revoltado, A

Revolução Social, O Rebelde, Os Bárbaros, O Agitador, O Grito de Revolta, A Sombra de

Ravachol, O Petardo Anarquista e O Lutador. Um outro jornal que terá sido decisivo na

divulgação do anarquismo em Portugal foi publicado no Porto em 1887 e 1888 e teve um

total de 13 números: falo do Revolução Social, dirigido por Gonçalves Viana. De seguida

segue-se um excerto da sua apresentação: "No futuro queremos o agrupamento livre dos

indivíduos por afinidades, simpatias e tendências, aspirações e vontades; só assim será

respeitada a liberdade e a vontade de cada indivíduo dentro do grupo, dos grupos dentro da

Federação Universal dos grupos produtores e consumidores. Transformada a propriedade

individual em comum, os produtores trabalharão naquele trabalho ou ramo de ciência para

[que] mostrarem mais aptidões, cada um segundo suas forças e consumindo suas

necessidades."

3.2 Os grupos anarquistas

Uma das consequências do individualismo consagrado em 1881 em Londres foi a

constituição de inúmeros grupos anarquistas, que não só tinham um número reduzido de

militantes como também actuavam de forma isolada (para além de se reunirem discreta ou

mesmo clandestinamente) – isto verificou-se em toda a Europa e nos EUA. Em Portugal,

verifica-se a existência de seis grupos até 1890. Foi a partir de 1893 e nos dois anos

seguintes que se constituíram a grande maioria dos grupos anarquistas – a razão para tal

será o início da acção sindical por parte dos anarquistas.1 E. Rodrigues fala-nos ainda de

dois grupos formados em 1883 (o primeiro no Porto, com o nome de União Democrática

1 Vide Anexo 1, para mais informações acerca dos vários grupos comunistas em Portugal, em finais do século XIX.

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Social – ao qual pertenciam, entre outros, Ermelindo António Martins e J. M. Gonçalves

Viana –, e o segundo no Sul, o Grupo Social Neo Bakuninista, do qual fazia parte, por

exemplo, João António Cardoso) e de um outro de que falaremos no ponto seguinte, o

"Grupo Revolucionário Anarquista Onze de Novembro".

No anexo 2 podemos encontrar a declaração de princípios do grupo Comunista-

Anarquista de Lisboa, fundado em 1887, que aparece referenciado no anexo 1.

4. A análise ao Pacto de União

Já vimos que a secção portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores foi

formada em 1871. A evolução anarquista, desde então, "foi lenta, penosa e descontínua".

Editaram-se jornais, manifestos, formaram-se grupos e sucederam-se episódios de natureza

diversa. Já tivemos oportunidade de ver alguns, de seguida analisaremos aqueles que mais

relevância tiveram para o evoluir do movimento anarquista em Portugal.

4.1.1 A acção sindical dos anarquistas portugueses

Em França, desde 1894, os anarquistas adoptaram um tipo de intervenção diferente

daquela a que se assistira até então, com a adesão de libertários a sindicatos: era o

nascimento do sindicalismo revolucionário, ou anarco-sindicalismo, que terá sido

idealizado em finais do século XIX, por teóricos como Fernand Pelloutier ou Georges

Sorel. Nas palavras de E. Rodrigues o sindicalismo revolucionário é uma "Ideia Universal

que tem como ponto alto a solidariedade humana. É doutrina e método de luta. Como

doutrina […] prevê, entre suas múltiplas funções, a educação social, instrução e cultura até

ao máximo da preparação artística, técnica e científica em ordem crescente, evolutiva, de

modo que o indivíduo adquira todos os conhecimentos indispensáveis à boa formação

física, psíquica, ambiental, sempre baseada na liberdade, na solidariedade e no apoio mútuo

[…] Como método de luta, pretende anulação do Estado, das leis e do Capitalismo. Sua

força reside num conjunto de agrupamentos voluntários, ligados também voluntariamente

em função da igualdade social. Propõe-se liquidar através da acção directa os males da

sociedade burguesa, como realização prática e experimental – porque é permanentemente

evolutivo – baseado em leis científicas, sociológicas e psicológicas até atingir o pleno

desenvolvimento progressista de justiça social e alcançar pelo trabalho colectivo a

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igualdade de direitos, de deveres, de bem estar e atingir uma sociedade onde todos os seres

humanos possam co-existir pacificamente, produzindo e usufruindo das riquezas naturais e

do trabalho de todos em favor de todos."

Mas este sindicalismo revolucionário não se verificou apenas em França: de facto

pensa-se que os anarquistas portugueses foram pioneiros nesta forma de luta. Para

compreendermos esta realidade temos que ter presente que esta adesão às associações de

classe por parte dos anarquistas não se deveu tanto ao vanguardismo e ao aprimoramento

das formas de luta, mas sobretudo à necessidade. A fragilidade do anarquismo

intervencionista português levado a cabo nos últimos anos levou os seus seguidores a

mudarem de estratégia. Noutros pontos do Mundo, a força da propaganda pelo facto ia

adiando a necessidade de mudar as formas de luta. Dito de outra forma: com o grande

aparato de alguns ataques terroristas, os anarquistas não se iam consciencializando da

necessidade de mudar de métodos. Essa tomada de consciência só se começou a generalizar

pela Europa já em pleno século XX, a partir de 1914, quando os anarquistas se começaram

a ligar de forma mais regular e efectiva aos sindicatos. Alguns anarquistas não reconheciam

qualquer autoridade, pelo que lhes era difícil suportar aquela que vigorava nos sindicatos.

Apesar disso a relação entre trabalhadores e anarquistas feita através de associações de

classe acabou por ser uma realidade bem presente em Portugal desde finais do século XIX.

Apesar das mudanças tácticas, continuou a haver sectores anarquistas apologistas de actos

violentos.

O início da acção sindical por parte dos anarquistas portugueses deu-se em 1893.

No 1º de Maio desse ano, alguns anarquistas, como Martins Vagueiro, discursaram num

comício de Lisboa, perante cerca de 6000 pessoas. Precisamente dois meses depois, a

Associação dos Operários "deliberou aceitar «a anarquia como o ideal mais sublime e mais

justo até hoje concebido»". A partir de então e durante os anos seguintes a influência

anarquista foi aumentando nas associações de classe, em particular naquelas que eram

dominadas pelos possibilistas (dos quais falaremos mais pormenorizadamente no próximo

ponto) – a partir de 1895 isto tornou-se bastante claro. Esta aparente ou mesmo efectiva

colaboração entre anarquistas e possibilistas decorria das lutas de cariz económico que

ambas privilegiavam e do facto de tanto um grupo como outro ser hostil em relação ao

Partido Socialista Português de Azedo Gneco. Veremos de seguida como possibilistas e

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Page 11: Grupo Comunista-Anarquista 1887

alguns vultos que viriam a abraçar o ideal anarquista no futuro se integraram nas

Associações de Classe.

2.2.3 A Federação Livre, a Federação Socialista Livre e o Núcleo de Educação

Anarquista

Antes do mais, é útil saber o que se entende por Federação, e para tal usarei uma vez

mais o glossário do anarquismo de Edgar Rodrigues: "Federação era órgão de classe, elo de

ligação dos sindicatos com a Confederação do Trabalho, organismo máximo dos

operários." O Grupo Revolucionário Anarquista Onze de Novembro alertou, em inícios de

1891, no "Pacto de União de Solidariedade Operária", para a necessidade da criação de uma

Federação Livre, que, ao contrário daquelas que já existiam, tivesse "autonomia individual,

autonomia colectiva e solidariedade". O pacto parece ter surtido efeito: em 1892 foi criada

a Confederação do Porto, que contou desde logo com a oposição dos partidos políticos.

Em 1901 constituiu-se a Federação Socialista Livre, composta por intervencionistas.

O seu primeiro manifesto data de 1902 e era propositadamente vago, a fim de conseguir

atrair o máximo número de pessoas que não estivessem inseridas nos campos socialista e

anarquista – ainda que alguns dos ataques que eram dirigidos a esta federação proviessem

precisamente de alguns socialistas partidários de Azedo Gneco e anarquistas que não

reconheciam aquele tipo de intervenção. Durante o restante ano a Federação participou em

diversos actos públicos, sozinha ou acompanhada, com especial incidência em conferências

promovidas por associações de classe.

Em 1905 viria a interromper as suas actividades por alguns meses apenas, acabando

a sua reconstituição em Novembro.

Conclusão

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Page 12: Grupo Comunista-Anarquista 1887

Anexo 1

"Pacto de União de Solidariedade Operária" do "Grupo Revolucionário Anarquista

Onze de Novembro":

a) "Com a designação Federação Livre é livremente constituído um Pacto de União

e Solidariedade entre os elementos do movimento operário.

b) Este pacto é constituído pelos grupos e Associações Operárias que tenham por

fim melhorar moral e materialmente as condições da existência da classe

operária até conseguir a sua completa emancipação social e que

espontaneamente queiram aderir ao elo.

c) Todas as agremiações a que estas bases forem dirigidas, terão a liberdade de as

discutir, ampliar, aprovar ou rejeitas.

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Page 13: Grupo Comunista-Anarquista 1887

d) Todas as agremiações que quiserem aderir ao Pacto, que estejam conformes com

o espírito de completa emancipação social, são completamente livres na sua

organização interna, nas suas resoluções e linha de conduta.

e) É igualmente reconhecida a completa autonomia individual.

f) O fim do Pacto de Solidariedade é o auxílio mútuo entre as colectividades

aderentes na defesa contra as prepotências do capitalismo; na eliminação

constante das horas de trabalho, procurando elevar a dignidade do operário até o

colocar nas condições do produtor livre.

g) Para existência normal das agremiações aderentes será sustentada directamente

entre as mesmas agremiações a respectiva correspondência, que poderá ser feita

alternadamente por todos.

h) Quando qualquer grupo ou associação julgue preciso a realização de qualquer

facto, torná-lo-á conhecido das demais colectividades aderentes para lhes prestar

auxílio preciso.

i) O auxílio e concurso das colectividades tornar-se-á extensivo aos actos

individuais que interessem ao movimento em geral, sem o que a autonomia

individual é efémera.

j) Para socorrer as despesas precisas ao movimento, as colectividades aderentes

concorrerão com as quantias indispensáveis.

k) Todos os detalhes para a execução deste Pacto e ao movimento, serão objecto

especial de acordos colectivos.

l) Poderá este pacto abranger não só as agremiações locais como também todas as

demais que aceitem e declarem aderir-lhe."

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Page 14: Grupo Comunista-Anarquista 1887

Anexo 2

Os grupos anarquistas em Portugal até 18952

"[…] Carlos da Fonseca referenciou, até 1890, apenas seis grupos: Comité «As

Centelhas» (Lisboa, 1886-87), Grupo Comunista Anarquista «O Revoltado» (Lisboa,

1887), Grupo «Os Vingadores» (Penafiel ou Lamego, 1887), Grupo Comunista Anarquista

(Porto, 1887), Grupo «Os Rebeldes» (Lisboa, 1889) e Grupo «1º de Maio» (Coimbra,

1890). Até 1894 o mesmo autor apontava a existência de mais os seguintes: Grupo

Anarquista do Barreiro (1892), Grupo Anarquista do Poço do Bispo (1892), Grupo «Os

Invisíveis» (Lisboa, 1893), Grupo Anarquista «Pallás» (Lisboa, 1893), Grupo Anarquista

«Sempre Avante» (Lisboa, 1893) […] Grupo «Solidariedade» (Vila Nova de Gaia, 1894),

Grupo «Os Bárbaros» (Coimbra, 1894), Grupo Anarquista «Humanitário» (Porto, 1894),

2 Vide

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Page 15: Grupo Comunista-Anarquista 1887

Grupo Instrução Anárquica «5 de Fevereiro» (Porto, 1894), Grupo Anarquista «Caserio»

(Lisboa, 1894), Grupo Comunista Anarquista «Vaillant» (Belém, Lisboa, 1894), Grupo

Estudos Sociais (Lisboa, 1894) e Grupo «Agitadores» (Porto, 1894). Para 1895 indica cinco

grupos - «Mundo Novo» (Lisboa), «Boa Nova» (Lisboa), Grupo Anarquista «Os

Indefinidos» (Lisboa), Grupo Comunista-Anarquista «Os Revoltados» (Porto), Grupo

Comunista-Anarquista de Faro. […]

Para além dos grupos já assinalados, contabilizámos, naquele ano [1893], mais os

seguintes: Grupo Comunista-Anarquista de Setúbal; Grupo Anarquista «Universal» (Porto);

Grupo Anarquista «Terror da Burguesia» (Poço do Bispo) […] Grupo Anarquista «Os

Vingadores» (sem indicação de localidade); Grupo Anarquista «Germinal» (Faro); Grupo

Anarquista «Invencíveis» (Silves).

O segundo surto teve lugar em 1895, ano em que registámos, para além dos dois

grupos já mencionados, os seguintes: Grupo Anarquista «O Lutador» (sem indicação de

localidade); Grupo Anarquista «Vingança Solidária» (Porto); Grupo Anarquista

«Libertador» (Porto); Grupo Anarquista «Demolidor» (Valbom); Grupo Comunista-

Anarquista «Invisíveis na Luta» (Sines)."

Anexo 3

Declaração de princípios do Grupo Comunista-Anarquista de Lisboa (1887)3

"Considerando:

Que a propriedade individual, a matéria-prima e os instrumentos de trabalho, na

actual organização social, são a origem da miséria dos operários; que, em vista disto, a

classe trabalhadora, para atingir um melhor futuro pela sua emancipação, precisa eliminar o

Estado e a propriedade individual.

Que este acto não pode realizar-se pela evolução legal, nem advir dos parlamentos

ou dum ESTADO OPERÁRIO;

3 Vide

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Page 16: Grupo Comunista-Anarquista 1887

Que a emancipação da classe operária não consiste em usurpar a plutocracia mas

sim em destruí-la, seja qual fôr; que é mais fácil obstar a que um governo novo se organize,

que derrubá-lo depois de organizado;

O grupo Comunista-Anarquista, em Lisboa, constitui-se independente de todos os

partidos políticos, para difundir e agitar as suas teorias, preconizando a Liquidação Social, a

Revolução como meios imprescindíveis para conseguir a emancipação da classe

trabalhadora. Portanto rejeita:

1.º - A legislação dos meios de acção, quer das agitações eleitorais, quer das

instituições parlamentares.

2.º - A legalidade imposta pelo Estado ou pela religião à constituição da família;

3.º - A submissão à autoridade pessoal ou legislativa, absoluta, mandatária ou

paternal.

4.º - O sentido patriótico ou nacional, o egoísmo, o antagonismo de raças, religiões e

línguas.

Como meios de acção aceita os que a reivindicação da personalidade individual e as

condições viciosas da sociedade prescrevem:

1.º - A prática da solidariedade com todos os grupos que, como nós, pretendem

eliminar o sistema social contemporâneo, histórico, como com todos os indivíduos anti-

estatistas.

2.º - Acelerar a decomposição política e económica dos Estados, preconizando a

abstenção à urna, a deserção da ca-[?] a greve violenta e a propaganda ilegal no terreno dos

factos.

3.º - Aproveitar a desorganização a que estes meios conduzem os poderes públicos,

fazer proceder à Liquidação Social.

E como corolário da organização futura, escreve na sua bandeira as palavras:

Comunismo e Anarquia."

16

Page 17: Grupo Comunista-Anarquista 1887

Bibliografia

Rodrigues, Edgar, pseud., 1921-

O despertar operário em Portugal : 1834-1911 / Edgar

Rodrigues. - Lisboa : Sementeira, 1980. - 311 p. ; 21 cm

http://academic.reed.edu/formosa/texts/reclusbio.html [consultado a 7 de Maio de 2011]

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