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UNIV PROGRAM GUERRA S RELIGIÃO VERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE HISTÓRIA MA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRI DOUTORADO EM HISTÓRIA ISMAR DA SILVA COSTA SIMBOLICA NA FRONTEI E POLÍTICA EM ITAPURANGA- 1950/2000. Goiânia 2012 IA IRA: -GO

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRArepositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tde/1227/1/TESE... · 2014-07-30 · A Norma, Igreja Cristo Redentor, ao Edson Viânez, Câmara Municipal de Itapuranga,

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PROGRAMA DE PÓS

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRA: RELIGIÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

DOUTORADO EM HISTÓRIA

ISMAR DA SILVA COSTA

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRA: E POLÍTICA EM ITAPURANGA-

1950/2000.

Goiânia 2012

GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRA: -GO

ISMAR DA SILVA COSTA

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRA: RELIGIÃO E POLÍTICA EM ITAPURANGA-GO

1950/2000.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás, para à obtenção do título de Doutor em História. Área de Concentração: Culturas, Fronteiras e Identidades. Linha de Pesquisa: História, Memória E Imaginários Sociais. Orientador : Prof. Dr. Luiz Sergio Duarte da Silva

Goiânia 2012

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C837g

Costa, Ismar da Silva Guerra simbólica na fronteira [manuscrito] : religião e politica em Itapuranga - GO -1950/2000. / Ismar da Silva Costa. – 2012.

215 f.: il., figs.

Orientador: Profº Dr. Dr. Luiz Sergio Duarte da Silva. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Goiás,

Faculdade de História, 2012. Bibliografia. Inclui lista de figuras, abreviaturas e siglas. Anexos.

1. Teologia – libertação, 2. Renovação – carismática. 3. Política. 4. Religião. 5. Fronteira.

CDU: 279.127 : 32

ISMAR DA SILVA COSTA

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRA: RELIGIÃO E POLÍTICA EM ITAPURANGA-GO

1950/2000.

Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás, para a obtenção do grau de Doutor, aprovada em 29 de junho de 2012, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

__________________________________ Prof. Dr. Luiz Sergio Duarte da Silva – UFG

Presidente da Banca

___________________________________ Prof. Dr. Antônio de Almeida – UFU

Membro Titular

____________________________________ Prof. Dr. Jadir de Morais Pessoa – UFG

Membro Titular

____________________________________ Profa. Drª Terezinha Maria Duarte – UFG/CAC

Membro Titular

____________________________________ Prof. Dr. Valtuir Moreira da Silva – UEG/Itapuranga

Membro Titular

___________________________________ Profa. Drª. Maria da Conceição Silva - UFG

Membro Suplente

___________________________________ Profª. Regma Maria dos Santos UFG/CAC

Membro Suplente

Para Regma, Cláudio, Valdeci e Luiz Carlos, Amigos. Para Luiz Sergio, com Respeito. Para Néris, com Carinho.

AGRADECIMENTOS

À Pro-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação-UFG pela concessão de

licença de seis meses para a finalização desse trabalho. À Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História da UFG,

Professora Drª Fabiana de Souza Fredrigo. Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em História da UFG. Ao Professor Dr. Luiz Sérgio Duarte da Silva, pela postura digna, por ter

acreditado nesse trabalho, sem a sua colaboração não teria sido possível concluí-lo. Aos Professores Dr. Jadir de Morais Pessoa e Drª. Maria da Conceição Silva

pela avaliação e contribuições no processo de qualificação desse trabalho. Ao Professor Dr. David Maciel pela leitura e sugestões da suplência de

qualificação. Aos Professores do Depto de História e Ciências Sociais do Campus Catalão

pelo incentivo e liberação para a qualificação. A: Cláudio, Regma, Valdeci, Luiz Carlos, Getúlio, Márcia, Terezinha, Paulo

Inácio, Luzia Márcia, Juçara, Solange, Florisvaldo, Antonio, Tânia, Crispim, Solazzi, Rubens, Fernanda, Rogério, Soares, pelo apoio, carinho, pelas leituras e por serem amigos.

À Sirlene e Dona Olivia (in memorian) há de haver mais felicidade no Céu com essas duas mulheres que se foram nesse trajeto de minha vida.

A Norma, Igreja Cristo Redentor, ao Edson Viânez, Câmara Municipal de Itapuranga, a Elizangela, Sindicato Patronal Rural de Itapuranga, ao Divino Martins, Prefeitura de Itapuranga, ao Leuzimar pela disponibilidade para com a pesquisa.

A Lidiane, e a Priscila que no calor da hora se dispuseram a revisar e formatar o texto.

À minha mãe (in memorian) Dona Ana, mulher forte que sabia o valor e a importância da educação, tinha os pés bem pequenos, mas firmes no chão para criar seus dez filhos, ao meu pai Senhor João, sabedor das coisas dele, educado pela força e pela vida, um dos homens que buscou fazer a vida nas ‘terras do norte’ de Goiás, mas ficou na barranca e foi viver outras histórias mais.

Aos meus irmãos, em especial ao Osmar, Alta, João Batista, Ana Maria, Walter, pelo auxílio na pesquisa, aos meus cunhados, cunhadas, sobrinhos e sobrinhas.

A todos meus amigos de Catalão que formam a minha família daqui. Aos homens e mulheres de Itapuranga que concederam entrevistas sobre

suas experiências de vida para que eu pudesse pensar e escrever esta pesquisa. Ao Paulo Henrique e a Rafaela amigos queridos. A Néris Maria, Obrigado pelas Orações, pela Paciência, pelo Carinho e por

dividirmos Sonhos e Lutas.

Não creio que exista no mundo um silêncio mais profundo que o silêncio da água. (José Saramago)

RESUMO Esta pesquisa, realizada junto à Linha de Pesquisa História, Memória e Imaginários Sociais do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, objetivou apreender e analisar os processos de formação e transformação pelos quais passaram os campos político-religiosos em Itapuranga-GO, nos anos compreendidos de 1950 a 2000, no que denominamos de Guerra Simbólica na Fronteira. Tal recorte temporal se justifica tendo como primeiro momento o processo de ocupação da região, passando pelas mudanças propostas por Dom Tomás Balduino, assentadas nas premissas da Teologia da Libertação e, culminando na rearticulação desses campos com a inserção da Renovação Carismática Católica naquela localidade. A pesquisa contou com uma elaboração teórica da teoria dos campos, luta simbólica, em Bourdieu, e imaginário social com Baczko, Balandier, bem como lugares de memória de Nora. Entre alguns autores brasileiros discutimos com Pesavento, Freire, para entender a cidade como espaços de memória, Duarte e Maia para compreensão da fronteira. Utilizamos de documentos paroquiais, memorialísticos, documentos diocesanos, processos crimes, fotografias, placas inaugurais, documentos pessoais, documentos da administração pública de Itapuranga, acervo do Colégio Estadual Deputado Jose Alves Assis, assim como também de entrevistas com os vários sujeitos envolvidos com a história não só da Igreja da Diocese de Goiás, mas de todo um período da História do Brasil, em Itapuranga. A realização da pesquisa permitiu afirmar que o processo de mediação da Igreja, no Brasil, junto aos movimentos sociais tinham limites postos pela conjuntura estrutural da Igreja, o declínio da politização do catolicismo via Teologia da Libertação e a ascensão da Renovação Carismática Católica, em Itapuranga, são expressivos desse processo de rearticulação das alianças e propostas da Igreja Católica. Palavras-chave: Teologia da Libertação. Renovação Carismática. Política. Religião. Fronteira.

RESUMEM Esta investigación, realizada junto a la Línea de Investigación Historia, Memoria e Imaginarios Sociales del Programa de Posgrado en Historia de la Universidad Federal de Goiás, objetivó apreender y analizar los procesos de formación y transformacíon por los cuales pasaron los campos politico-religiosos en Itapuranga-GO, en los años comprendidos de 1950 a 2000, en lo que denominamos de Guerra Simbólica en la Frontera. Tal recorte temporal se justifica teniendo como primero momento el proceso de ocupación de la región, pasando por los cambios propuestos por Dom Tomás Balduino, asentadas en las premisas de la Teología de la Liberación y, culminando en la rearticulación de esos campos con la inserción de la Renovación Carismática Católica en aquella localidad. La investigación contó con una elaboración teórica de la teoria de los campos, lucha simbólica, en Bourdieu, e imaginario social como Baczko, Balandier, bien como lugares de memoria de Nora. Entre algunos autores brasileños discutimos con Pesavento, Freire, para entender la ciudad como espacios de memoria, Duarte e Maia para comprensión de la frontera. Utilizamos de documentos de la parroquia, memorialísticos, documentos diocesanos, procesos crimenes, fotografías, placas inaugurales, documentos personales, documentos de la administración publica de Itapuranga, acervo del Col. Est. Dep. Jose A. Assis, así como también de encuestas con los vários sujetos envolucrados con la historia no solo de la Iglesia de la Diócesis de Goias, pero de todo un período de la Historia de Brasil, en Itapuranga. La realización de la investigación permitió afirmar que el proceso de mediación de la Iglesia, en Brasil, junto a los movimientos sociales tenían límites puestos por la coyuntura estructural de la Iglesia, la decadencia de la politización del catolicismo vía Teología de la Liberación y la ascensión de la Renovación Carismática Católica, en Itapuranga, son expresivos de ese proceso de rearticulación de las alianzas y propuestas de la Iglesia Católica. Palabras clave: Teología de la Liberación. Renovación Carismática. Política. Religión. Frontera.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Placa da Praça das Mães -2008. ............................................................................... 86

Figura 2 - Busto do Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco – 2008. ................................ 89

Figura 3 - Croqui da Praça Humberto de Alencar Castello Branco ......................................... 91

Figura 4 – Concha acústica da Pç. Castello Branco. ................................................................ 97

Figura 5- Fonte luminosa da Pç. Castello Branco. ................................................................... 98

Figura 6 – Placa inaugural da Torre de Retransmissão .......................................................... 100

Figura 7 - Placa Estação Rodoviária de Itapuranga ................................................................ 101

Figura 8 - Placa da Pç. Do Lavrador Rua 49 C/Rua 10 Vila Marilda .................................... 103

Figura 9 - Placa Colégio Estadual de Itapuranga ................................................................... 108

Figura 10 – Prédio do Antigo Colégio Estadual de Itapuranga, na Av. Farnésio Rabelo ...... 109

Figura 11 - Monselhor Lincohn, diretor do Col. Est. de Itapuranga, durante as

comemorações do 18º aniversário de Itapuranga ................................................................... 109

Figura 12 – Inauguração do Colégio Estadual de Itapuranga ................................................ .110

Figura 13 – Corte da fita inaugural do Col. Est. de Itapuranga .............................................. 110

Figura 14 – Palanque das autoridades no pátio do Colégio Est. de Itapuranga ..................... .113

Figura 15 – Concentração de estudantes e populares para ouvir as autoridades .................... 113

Figura 16 – Entrega de medalhas aos atletas que participaram dos jogos estudantis ............. 114

Figura 17 – Passeata pelo reconhecimento da APSI como de utilidade pública .................... 128

Figura 18 – Visão frontal da Igreja Cristo Redentor. (demolida) ........................................... 131

Figura 19 - Vista lateral da nova Igreja Cristo Redentor, inaugurada em 2006 .................... .132

Figura 20- Reunião de líderes dos Grupos de Evangelho no pátio da Igreja ........................ .133

Figura 21 - Panfleto distribuído pela Igreja Católica de Itapuranga ...................................... 144

Figura 22 – Usos dos espaços da Igreja .................................................................................. 146

Figura 23 – Vista frontal da igreja “velha”............................................................................. 147

Figura 24- Ao fundo, salão onde Margarida M. Alves e Zumbi dos Palmares eram

homenageados ........................................................................................................................ 148

Figura 25 - Espaço externo da Igreja Cristo Redentor. ......................................................... 148

Figura 26- Celebração de Dom Tomás Balduino em uma comunidade de Itapuranga. ......... 150

Figura 27 - Chegada dos foliões à Igreja Cristo Redentor ..................................................... 153

Figura 28- Padre Isaac Spinelli, carregando a Bandeira da Folia pelos corredores da

Igreja Cristo Redentor ........................................................................................................... 155

Figura 29- Foliões no altar da Igreja Cristo Redentor ........................................................... 155

Figura 30 – Celebração na Comunidade da Represa. ............................................................. 156

Figura 31- Maquete da Nova Igreja Cristo Redentor ............................................................. 169

Figura 32 – Foto da preparação do terreno para a construção da nova igreja ........................ 177

Figura 33- Capa dos carnês distribuídos entre os católicos que se dispusessem a contribuir com

a construção da nova igreja .................................................................................................... 179

Figura 34- Canhoto do carnê de contribuição para a construção da nova igreja .................... 179

Figura 35- Recibo da contribuição para a construção da nova igreja. .................................... 180

Figura 36 – Foto dos senhores Gilberto de Brito Lemes (à direita, de calça branca),

esposo da senhora Dulcinéia – RCC; e Lindoir (ao centro), católico da RCC, ex-

vereador eleito com o apoio desta organização religiosa ....................................................... 182

Figura 37- Foto do padre Severino na torre da nova igreja ................................................ ....185

Figura 38- Frente da entrada da Igreja Cristo Redentor ......................................................... 185

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Localização do município de Itapuranga (GO) – 2003 ................................................... 39

Mapa 2 – Municípios da Diocese de Goiás. ............................................................................. 72

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGM Associação Goiana dos Municípios

ALCA Área de livre comércio das Américas

APSI Associação Popular de Saúde de Itapuranga

ARENA Aliança Renovadora Nacional

ASPA Associação dos Pequenos Agricultores de Itapuranga

CANG Colônia Agrícola Nacional de Goiás

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

COMARIA Associação Coração de Maria

COMIL Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Itapuranga e Região LTDA

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

FETAEG Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Goiás

FUNRURAL Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural

IBRADES Instituto Brasileiro de Desenvolvimento

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

LTPNSF Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga (GO)

PNDICR Documento “Porque Não Destruir a Igreja Cristo Redentor”

PT Partido dos Trabalhadores

RCC Renovação Carismática Católica

STRI Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga (GO)

TFP Tradição, Família e Propriedade

UEG Universidade Estadual de Goiás

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

1 FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES DO CAMPO RELIGIOSO CATÓ LICO

EM ITAPURANGA ................................................................................................................ 35

1.1 O Cotidiano religioso de Itapuranga pelas Crônicas do Livro do Tombo da

Paróquia Nossa Senhora de Fátima ...................................................................................... 49

2 COMBATES PELA CIDADE: a disputa pelo campo político em Itapuranga ............. 82

2.1 Praças&Placas. ................................................................................................................. 89

2.2 1972: ‘Itapuranga é também Brasil Grande’: comemorações do Sesquicentenário

da Independência do Brasil em Itapuranga............................................................................. 103

3 A REARTICULAÇÃO DO CAMPO RELIGIOSO CATÓLICO EM

ITAPURANGA: O retorno ao altar. ..................................................................................... 130

3.1 A construção da Igreja Cristo Redentor pelo Livro do Tombo da Paróquia

Nossa Senhora de Fátima ..................................................................................................... 135

3.2 A visibilidade das escolhas da Igreja do Evangelho em Itapuranga .......................... 144

3.2.1 O popular ocupa o Altar ................................................................................................ 149

3.3 A Renovação Carismática Católica e sua inserção em Itapuranga ........................... 156

3.4 “PRECISAMOS DE SEU DÍZIMO”: a construção da ‘Nova Igreja’ Cristo

Redentor . ............................................................................................................................... 169

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 186

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 189

OUTROS DOCUMENTOS DO PERÍODO ...................................................................... 202

LISTA DE ENTREVISTADOS .......................................................................................... 203

ANEXOS .............................................................................................................................. 205

ANEXO A - Planta urbana de Itapuranga .............................................................................. 206

ANEXO B – Relação dos bairros com suas respectivas datas de registro ............................. 207

ANEXO C- Fotos e figuras do capitulo 2............................................................................... 208

12

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem sua origem no projeto de pesquisa de final de curso que

apresentei, no ano de 1993, ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de

Goiás, intitulado: “O PT do Sindicato da Igreja – O processo de construção da

identidade social dada pela relação entre religião e política numa Igreja Pós-Conciliar

em Itapuranga-Goiás”, sob a orientação do professor Dr. Jadir de Morais Pessoa.

Concluída a graduação, novos questionamentos somaram- se às velhas proposições que

ganharam a forma de um novo projeto apresentado ao Programa de Pós-graduação em

História, da Universidade Federal de Uberlândia, na linha de pesquisa Política e

Imaginário, no ano de 2001; onde defendi a dissertação “A Caminhada do Povo de

Deus”: Religião e Política na “Igreja do Evangelho em Itapuranga-GO nas décadas de

1970 a 1980”, sob a orientação do professor Dr. Antônio de Almeida.

Naqueles dois momentos, buscamos compreender como os sujeitos católicos

vivenciaram as novidades contidas nas “Boas Novas” pregadas por D.Tomás Balduino,

então Bispo da Diocese de Goiás1; que implantou uma evangelização no território

diocesano pautada nas decisões do Concílio Vaticano II. Com o atual trabalho, intento

compreender elementos do embate, notadamente do plano político-religioso travado

entre os vários grupos de sujeitos, seus projetos, seus alinhamentos diversos na cidade

de Itapuranga-GO, nos anos compreendidos de 1950 a 2000. Importa-nos compreender

1 - O número XII da Revista da Arqui Diocese que registra a posse de Dom Tomás Balduino, nos dá as seguintes informações sobre a formação e o território da Diocese de Goiás: Em 1576, foi criada a Prelazia do Rio de Janeiro, à qual fica subordinado o território goiano. Em 06 de dezembro de 1745, desmembram-se da Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro as Dioceses de São Paulo e Mariana e as Prelazias de GOIÁS e Mato Grosso. (...) Vila Boa, surgiu como freguesia de Santana, em outubro de 1729. Até então, os sacerdotes eram apenas passageiros, visitantes pastorais. A 15 de julho de 1826, o Papa Leão XII elevou a Prelazia de Goiás à categoria de Diocese de Goiás. em 1932, a 18 de novembro, Pio XI fez da Diocese a Arqui Diocese de Goiás. A 26 de março de 1956, pela Bula “Sanctissima Christi Voluntas”, do Papa XII, foi supressa a Arqui Diocese de Goiás e ereta a Arqui Diocese de Goiânia. Na mesma data Goiás volta a condição de Diocese, com território pertencente à supressa Arqui Diocese e a Prelazia do Bananal, igualmente supressa. A Diocese de Goiás, após a divisão eclesiástica verificada em 1966, ficou formada pelos municípios de Britânia, Jussara, Itapirapuã, Novo Brasil, Fazenda Nova, Sanclerlândia, Mossâmedes, Itaberaí, Goiás, Taquaral. Itaguarí, Heitoraí, Itapuranga, Uruana, Carmo do Rio Verde e Ceres. Atualmente a configuração diocesana é outra, ver mapa da Diocese no primeiro capítulo desse trabalho.

13

elementos das diversas ações desses indivíduos analisadas historicamente, suas relações,

sua forma de agir, dentre outros aspectos que estão postos nos mais variados pontos de

ação tanto da perspectiva da Teologia da Libertação quanto àqueles da Renovação

Carismática Católica. O que impulsiona a pesquisa é a tentativa de compreender

aspectos do que intitulamos como uma Guerra Simbólica pela disputa pela hegemonia

dos espaços de poder representados, sejam pelo comando do executivo local, pelas

participações no legislativo, assim como outros espaços de construção de novas

sensibilidades políticas representadas pelas ações coletivas via movimentos sociais de

base. Sobre a inserção de homens e mulheres na arena do fazer-se político no cotidiano,

buscamos compreender os parâmetros de valorizações dos acontecimentos da época e

do passado em Itapuranga, passando pelos acontecimentos da região, do Estado e do

país.

Procuramos ver o poder por todas as partes da cidade, atentando para

localizá-lo nos mais variados pontos de concorrências desses agentes, tantos os

tradicionais quanto os neófitos do jogo do poder. Assim o procuramos, não apenas nos

lugares habituais onde seu exercício é uma constante. Tencionando compreender como

o poder está em toda parte, Bourdieu (1989) aponta para as formas como esse poder se

firma nas lutas simbólicas. Para ele, o lugar onde se trava todas essas lutas é no campo

político. Assim, o autor define o conceito de campo político:

é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores, devem escolher, com probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção. (BOURDIEU, 1989, p. 164).

O autor afirma que o campo político tende a se organizar em oposições:

O campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desvios de níveis diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos actos ou nos discursos que eles produzem, tem sentido senão relacionalmente, por meio de jogos das oposições e das distinções. (BOURDIEU, 1989, p.179).

Entendido o que o autor nos apresenta como campo político se faz

necessário avançar e perceber como esse campo se coloca para a nossa compreensão.

14

O que se coloca em jogo é, então, o campo do poder, como se pode

configurá-lo e garanti-lo. No que ele afirma:

[...] entendendo por tal as relações de forças entre as oposições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou de capital – de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder, entre as quais possuem uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição da forma legitima do poder. (BOURDIEU, 1989, p.29)

Aqui, nos encontramos entre os desafios de compreender aquilo que

Bourdieu afirma ser o campo de produção simbólica traduzido como um microcosmo da

luta simbólica entre as classes, o que nos leva a pensar a respeito de sua definição sobre

este poder simbólico. Para ele:

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força ( física ou econômica), graças ao efeito especifico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. [...] O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras. (BOURDIEU, 1989, p.14-15)

Compreender como esse poder foi imaginado e exercido, naquela localidade

se justifica a partir de um quadro maior de observação que pode ser apontado pelas

particularidades políticas vivenciadas no cotidiano da região em questão. O que

problematizamos é essa transformação da visão de mundo, tanto aquela mediada pelas

ações estruturais propostas pelos agentes pastorais quanto aquelas produzidas no calor

da hora dos embates e combates nas várias lutas travadas entre os movimentos sociais

de base e as instâncias de poder pelos direitos básicos de reconhecimento e

representação.

Partindo da premissa de que os sistemas simbólicos são produzidos nas lutas

simbólicas travadas entre os vários agentes ocupantes dos mais variados campos no

espaço social, é que acreditamos na leitura de Bourdieu como um dos condutores da

15

análise desse processo histórico em Itapuranga. As variadas facetas dessas disputas

pensadas como luta simbólica pela cidade.

Durante os anos de 1970 a 1990, os sujeitos católicos do município de

Itapuranga, no interior do Estado de Goiás, vivenciaram algumas ações e

transformações propostas pelo projeto diocesano, capitaneadas por Dom Tomás

Balduino, Bispo da Diocese de Goiás, assentadas nas premissas de uma Igreja Católica

Progressista que, dentre outras questões, encorajava uma parcela significativa dos

sujeitos católicos a pensar sua fé a partir de uma inserção político-social. Era a Opção

Preferencial pelos Pobres, da Teologia da Libertação.

Esse projeto político-religioso, numa dimensão macro, foi pesquisado em

todo o Brasil. Desde as lutas pelo Custo de Vida, aos Movimentos de Moradia, desde a

inserção nas comissões de fábrica até as lutas sindicais rurais, passando pelo papel da

Igreja na consolidação de um projeto político de transição da ditadura militar à

democracia, enfim é um período que foi muito bem mapeado pela Academia nas suas

mais variadas áreas de pesquisa. Assim também o foi na Diocese de Goiás como um

todo e, em Itapuranga em específico, por sociólogos, antropólogos, economistas,

geógrafos e historiadores.

A maioria desses pesquisadores buscou centrar suas análises a partir das

experiências dos sujeitos católicos com a dimensão do cotidiano das práticas político-

religiosa, presentes principalmente nas Comunidades Eclesiais de Base, (que na região

em questão aproxima-se do que ficou conhecido como os Grupos de Evangelhos). Nas

lutas pela formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, nas cidades onde não existia

e onde existia sindicato, buscou-se ocupar sua direção pela gestão popular, na formação

do Partido dos Trabalhadores, bem como nas várias lutas pelo direito à saúde publica2.

Num sentido mais amplo, podemos afirmar que o foco de interesse se centrava no

2 - Dentre esses trabalhos destacamos: PESSOA, Jadir de Moraes. A Igreja da Denúncia e o Silêncio do Fiel, Campinas-SP. Ed. Alínea, 1999, COELHO, Marilene Aparecida. O Processo de Organização do Movimento Popular de Saúde No Vale do São Patrício, 1974-1992. Goiânia: UFG,1997, Dissertação de Mestrado, MOURA, Ivanilde Gonçalves de. A Igreja do Evangelho: A Construção de um Sonho - A Diocese de Goiás nos Anos Setenta. PUC/SP, Dissertação de Mestrado, 1989, SILVA, Valtuir Moreira da. Trabalhadores rurais de Itapuranga: Experiências da resistência e organização 1970-1980, Dissertação ( Mestrado em História) Depto de História,UFG,2001, SILVA, Valtuir Moreira da. Trabalhadores(as) rurais em Itapuranga (re)invenção no cotidiano de suas experiências de luta -1956-1990, Tese ( Doutorado em História) Depto de História, UnB, Brasilia, 2007, REVER, Isidoro. Oposição sindical dos trabalhadores rurais de Goiás 1973-1993: Concepção e prática sindical a partir da ação pastoral da Igreja, UFG, 1999, Dissertação de Mestrado, COSTA. Ismar da S. A caminhada do povo de Deus: religião e política na “Igreja do Evangelho em Itapuranga-Go nas décadas de 1970 a 1980. 2004 Dissertação ( Mestrado em História Social), Depto de História, UFU, Uberlândia, 2004, LUNARDI, Vera Lúcia. As Organizações dos Trabalhadores Rurais (Sindicato, Associações, Cooperativa) e a Agricultura Familiar - Uma Reflexão Sobre Goiás, RJ. UFRRJ. Dissertação de Mestrado,1999.

16

processo de mediação3 da Igreja Católica progressista com a aprendizagem político-

social desses sujeitos católicos.

Esse processo de mediação produziu um enfrentamento direto entre esses

sujeitos e o poder político local em Itapuranga-GO. Enfrentamentos presentes nas

reivindicações por melhoria na estrutura urbana, nas condições de atendimento à saúde

pública, principalmente na luta pelo reconhecimento da Associação Popular de Saúde de

Itapuranga (APSI), nos direitos à propriedade da terra, como ficou bem demarcado o

caso dos Posseiros do Córrego da Onça, e outras tantas pequenas e médias ações

coletivas. Assim como várias outras questões relacionadas às mudanças por que passava

o município, como por exemplo, o processo de mudança campo/cidade.

Acreditamos que esse período guarda algumas questões pertinentes para

compreender como se produziram os embates e consentimentos políticos naquela

localidade. Ao voltarmos à cidade de Itapuranga, como locus de pesquisa em nosso

doutoramento, procuramos apreender como o período da ditadura militar foi vivenciado

no interior do Brasil. Como essa localidade, que teve, como muitas outras no Brasil,

uma militância de base político-religiosa, enfrentou os discursos e ações do poder

público municipal, que para nós se afirma numa dimensão político-ideológico afinada

com elementos (utilizados com a propriedade que lhe é característica) da propaganda do

desenvolvimentismo militarista do período.

Pela dimensão dos movimentos populares, pela luta e organização dos

trabalhadores rurais, bem como novas práticas e vivências do catolicismo tradicional a

partir de uma nova forma de se ser Igreja, esse período de luta e resistência já está,

podemos afirmar, mapeado pelos pesquisadores, que em sua grande maioria, como

demonstramos acima, o fizeram tomando como ponto de vista as questões propostas

pela militância desses e nesses projetos, que foram mediados pela Igreja Católica.

Por outro lado, para nós, faz se necessário compreender como nesse período

a administração pública municipal, principalmente as gestões do prefeito Dr. Warner

Carlos Prestes, produziram um discurso da ordem e do progresso, assentados na

ideologia desenvolvimentista do “Brasil Grande” do regime militar.

Ao pensarmos algumas ações das administrações do prefeito conhecido

como Dr. Warner Carlos Prestes, o fazemos a partir de uma concepção presente no dia a

3 - O historiador Valtuir Moreira da Silva questiona, em sua tese de doutoramento (SILVA 2007), a validade da ideia da Igreja ter sido mediadora nesse processo de aprendizagem política. Para ele já havia uma memória e uma história de luta desses e nesses trabalhadores de Itapuranga anterior à chamada Igreja popular.

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dia da cidade, que podemos traduzir como sendo os aspectos de um grande imaginário

político de Itapuranga de que “foi o Dr. Warner quem fez Itapuranga”. A partir de

fragmentos desta memória, dessa afirmativa, que crescemos ouvindo na escola,

reforçada nas várias atividades cívicas, nos grupos de amigos de família “arenistas” e,

por outro lado, no ambiente familiar, extremamente “Manda Brasa”, como era

conhecido os partidários do MDB, aprendemos a duvidar dela.

Buscamos ler os vários sinais produzidos e espalhados pela cidade, por esse

administrador, que reafirmam uma representação fértil sobre si e sobre sua

administração. No entanto, reafirmamos que essa leitura do período da história de

Itapuranga sob a administração do Senhor Warner C. Prestes adquire sentido no

confrontamento proposto por Bourdieu (1989), pois esse administrador põe em

circulação, não só no nível local, mas também regional toda uma parcela de seu capital

político para o enfrentamento direto com as ações postas pelos movimentos sociais

locais.

Nessa perspectiva, as ações das administrações do prefeito Dr. Warner

Carlos Prestes4 nos remetem para um processo de transformação da cidade, procurando

construir ruas, asfalto, saneamento, aplicar códigos de postura, enfim, medidas

educativas que visavam construir uma imagem de cidade símbolo do Vale do São

Patrício goiano, com um povo ordeiro, trabalhador. Ao mesmo tempo em que esse

administrador produz um imaginário político da cidade assentado nas comemorações do

sesquicentenário da independência do Brasil, em 1972. Ao inserir a municipalidade de

Itapuranga no contexto nacional das comemorações pelo aniversário da independência,

o que se confirma é a máxima de que o lugar não está isolado da nação, pois, como

afirma uma dessas placas: Itapuranga é também Brasil Grande.

No entanto, o caráter de nossa pesquisa, fez com que compreendêssemos

que Itapuranga são duas cidades. A localidade do passado, o Xixazão, que escorrega

desde a porta da Igreja Nossa Senhora de Fátima até a beira do Córrego, subindo até a

Av. Farnésio Rabelo. Lugar do onde “já teve”: já teve uma agência bancária, hospitais,

farmácias, armazéns enfim, o comércio, a cidade. Esse lado do município é preterido

pelo outro lado, o Xixazinho, a cidade do presente, onde o terreno é menos acidentado,

4 O senhor Warner Carlos Prestes foi prefeito por dois mandatos: em 1969 e 1976. Em 1972 foi eleito João Alberto Rabelo Costa, vice prefeito do senhor Warner no mandato anterior.

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propiciando, nos anos de 1970, ao poder público, pensar um planejamento urbano mais

moderno.

Assim, o Xixazinho passa a ser identificado como o novo lugar onde serão

construídos todos os prédios públicos municipais. O “outro lado” ou Xixazão, como as

pessoas denominam a parte mais velha da cidade, passou a ser bairro residencial,

enquanto o Xixazinho é a parte da cidade que concentra o comércio mais significativo,

bem como as agências bancárias, hospitais, enfim, demonstrando que houve a inversão

dos usos dos espaços urbanos.

Esse caminhar pelas ruas da cidade, que propomos, implica reconhecer que

existem marcas profundas, um palimpsesto de memórias a ser pensado, reelaborado,

imaginado, e que foi configurando esse lugar que, aos poucos, se mostra aos

pesquisadores para além de suas histórias de luta mediadas pela Igreja. Para Sandra

Jatahy Pesavento (2004):

Recuperar a cidade do passado implica, de uma certa forma, não apenas registrar lembranças, relatar fatos, celebrar personagens, reconstruir, reabilitar ou restaurar prédios, preservar materialmente espaços significativos do contexto urbano. [...] Ao salvaguardar a cidade do passado, importa, sobretudo, fixar imagens e discursos que possam conferir uma certa identidade urbana, um conjunto de sentidos e de formas de reconhecimentos que a individualizem na história. O presente das cidades é também aquele tempo em que se pensa o futuro, articulam-se planos e projetos de renovação do espaço, em antecipação, por vezes utópica, de um outro tempo ainda a realizar-se. Uma cidade, pois, inventa seu passado e cria o seu futuro para explicar o seu presente. (PESAVENTO, 2004, p.1597-1601).

Tal qual um transeunte, um flâneur, que constrói um mapa do lugar, a partir

de suas elaborações, de suas apreensões não só dos lugares, mas das experiências

contidas no imaginário, nas memórias e nas histórias que fazem de seus percursos,

lugares de memória dessa cidade, buscamos interrogar esses momentos de efervescência

político-religiosos pelos usos e apropriações que esses sujeitos fizeram da cidade no

mesmo período. Tentando encontrar as ‘raízes profundas’ das experiências do urbano,

opondo ao observador recluso, que distancia da cidade para pensá-la, assim, Lucrécia

D’Aléssio Ferrara (1997) nos apresenta ao instigante jeito de pensar que o andarilho tem

sobre a cidade. Para ela:

O flâneur, o andarilho que se expõe e percorre a cidade a esmo e a pé e usa a lentidão do passear como desencadeadora de associações. O

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flâneur e a flânerie conferem a cidade, comparam a experiência urbana de hoje com a de ontem à procura do seu avesso ou sua raiz profunda. [...] O flanar urbano supõe um estranhamento pouco à vontade, em tudo oposto ao hábito coletivo da imagem. Esse estranhamento solitário e anônimo é o responsável pela dinâmica narrativa do imaginário que fixa e relaciona contextos, situações e, sobretudo, figuras, os tipos característicos das cidades de todos os tempos e lugares do planeta. (FERRARA, 1997, p.197-198).

A cena urbana está cada vez mais aberta às manifestações políticas, afirma

Balandier (1982). Seguindo esse pensamento é que imaginamos como nesse processo de

estruturação da cidade foram produzidas representações do poder que se materializaram,

principalmente, nas construções de praças públicas e, nos dizeres das placas

comemorativas, assim como, também pela ocupação das praças e ruas, pela militância

dos sujeitos católicos em busca de seus direitos.

Na busca de compreender as questões propostas, pensamos a partir dessas

praças e placas, não só como lugares de memória, como proposto por Nora (1993), mas

também, principalmente como enunciados de poder, algo fundamental para

compreender como se projetou um campo simbólico de disputa pela hegemonia política

do lugar.

Recorremos a Balandier (1982) para compreendermos como os atores

políticos podem traçar suas estratégias de ação e de manutenção do poder. Assim o

autor nos diz:

Nas sociedades em que a técnica, a economia e a organização prevalecem ou estão em vias disso, eles devem parecer capazes de comandá-los. Eles estão submetidos à racionalidade da competência; é em nome desta que eles fixam o limite do possível e do razoável, que eles determinam os objetivos, que eles escolhem e tomam decisões. Entretanto, eles só podem dar a impressão de poder recorrendo ao imaginário, ao irracional, ao simbólico, às armadilhas das esperanças dos governados. (BALANDIER, 1982, p. 66).

É a partir de Balandier (1982) que nos pautamos para pensar esses

enunciados de poder que foram apresentados ao povo de Itapuranga nas praças públicas,

pois para ele:

O poder estabelecido unicamente sobre a força ou sobre a violência não controlada teria uma existência constantemente ameaçada; o poder exposto debaixo da iluminação exclusiva da razão teria pouca credibilidade. Ele não consegue manter-se nem pelo domínio brutal e

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nem pela justificação racional. Ele só se realiza e se conserva pela transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua organização em um quadro cerimonial (BALANDIER, 1982, p 07).

O autor nos instiga a pensar os espaços da cidade como um palco aberto de

disputas e consagração de poder, para ele “[...] no decorrer de sua história toda cidade se

enriquece de lugares aos quais pode ser atribuída uma função simbólica, recebida por

destinação ou em virtude de algum acontecimento” (BALANDIER, 1982, p.11).

O conceito de imaginário social, proposto por Baczko (1985) como

integrante da vida real, também nos é relevante para a análise das praças e placas como

uma documentação produzida pelos sujeitos que detiveram o poder de mando local e

construíram uma memória política de seu tempo. Para o autor:

Os antropólogos e os sociólogos, os historiadores e os psicólogos começaram a reconhecer, senão a descobrir, as funções múltiplas e complexas que competem ao imaginário na vida colectiva e, em especial, no exercício do poder. As ciências humanas punham em destaque o facto de qualquer poder, designadamente o poder político, se rodear de representações colectivas. Para tal poder, o domínio do imaginário e do simbólico é um lugar estratégico. Os bens simbólicos, que qualquer sociedade fabrica, nada têm de irrisório e não existem, efectivamente, em quantidade ilimitada. Alguns deles são particularmente raros e preciosos. A prova disso é que constituem o objecto de lutas e conflitos encarniçados e que qualquer poder impõem uma hierarquia entre eles, procurando monopolizar certas categorias de símbolos e controlar as outras. (BACZKO, 1985, p. 297-299).

Baczko (1985) nos leva a pensar no imaginário social como controlador da

vida social, possibilitando o exercício da autoridade e do poder, bem como o lugar e o

objeto dos conflitos sociais.

Por fim, não esqueçamos que estes imaginários empregam facilmente as linguagens mais diversas: religiosa e filosófica, política e arquitetônica, etc. apenas um último exemplo: todas as cidades são, entre outras coisas, uma projeção dos imaginários sociais no espaço. A sua organização espacial atribui um lugar privilegiado ao poder, explorando a carga simbólica das formas (o centro opõe-se à periferia, o “acima” opõe-se ao “abaixo”, etc). (BACZKO,1985, p.312- 313).

Nessa direção de compreender o poder não apenas como força em ação e

sim também como lutas de representação é que buscamos apreender o imaginário

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político posto em movimento tanto pelos sujeitos afinados com o discurso progressista

da Igreja do Evangelho quanto aquele proposto pelos sujeitos que orquestraram o

enfrentamento do poder municipal representado pelo prefeito e seus enunciados de

poder. Assim Lynn Hunt (2007), analisando a Revolução Francesa, nos aponta

possibilidades de interpretação do poder, pois para ela: “ [...] os símbolos e rituais

políticos não eram metáforas do poder, eram seus próprios meios e fins”. (HUNT, 2007,

p.78).

Para Hunt (2007):

O exercício do poder sempre requer práticas simbólicas. Não há governo sem rituais e sem símbolos, por mais que possa parecer isento de mística ou mágica. Não é possível governar sem histórias, sinais e símbolos que, de inúmeros modos tácitos, transmitem e reafirmem a legitimidade de governar. Em certo sentido, legitimidade é a concordância geral sobre sinais e símbolos. (HUNT, 2007, p.78).

No primeiro momento, tínhamos como interesse de pesquisa compreender

as experiências sociais, políticas contidas nas discussões religiosas, e como esses

sujeitos construíram um aprendizado político. Nesse momento, conjuntamente com o

interesse de perceber como o poder constituído, no caso o municipal, produziu, em

vários níveis do cotidiano, um discurso assentado no imaginário de um progresso e de

uma ordem social, dentro de uma perspectiva política contida no ideário de um “Brasil

Grande”, buscamos compreender essa disputa simbólica pelo local. Todo processo de

enfrentamentos desses sujeitos via movimentos sociais de caráter bem localizado,

tiveram repercussão na Diocese de Goiás como um todo assim como também

extrapolou as divisas diocesanas. Em decorrência dessa aproximação com o universo da

política, temos sujeitos de Itapuranga participando de várias ações nacionais tais como a

discussão da educação popular, dos movimentos de saúde popular, da sindicalização

rural, dos direitos indígenas, da fundação e consolidação do Partido do Trabalhadores

nas várias instâncias.

O fluxo de pessoas, com maior visibilidade para os médicos engajados na

proposta de saúde popular que chegavam à Diocese de Goiás, teve também em

Itapuranga uma repercussão na transformação não apenas do cotidiano religioso desses

sujeitos, mas também uma redefinição de práticas e de visão de mundo.

Os enfrentamentos, postos em evidências pelos sujeitos católicos daquela

localidade, estavam em consonâncias com as ordens de enfrentamento das várias frentes

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de combate ao regime militar, no Brasil, assim como nos vários países em estado de

exceção na América Latina, capitaneado por uma parcela significativa dessa instituição

que assumira, não sem muita resistência, a tarefa tanto de combater, junto aos povos de

suas bases, quanto de produzir discursos e ações de apoio aos militares. Pensar essa

experiência dos católicos de Itapuranga com a Igreja particular de Goiás é localizá-los

em um mapa de lutas e resistências produzido pelo panorama mais amplo pelo qual

passava a Igreja Católica no Brasil.

Nessa perspectiva, a década de 1960 foi marcada por uma demonstração da

forma heterogênea de atuação da instituição Igreja Católica no Brasil. Por um lado,

havia a participação de setores progressistas da Igreja junto aos movimentos de base,

buscando construir uma consciência de luta a partir do mundo do cotidiano dos sujeitos,

por outro lado, os conservadores apoiavam movimentos como a TFP (Tradição, Família

e Propriedade), de cunho autoritário e conservador e participavam, junto com a classe

média católica das Marchas da Família com Deus pela Liberdade5, sem nos

esquecermos também da constante discussão da dimensão da justiça social que iria

culminar na busca do consenso via Bipartite.

O que se pode perceber, na década de 1960 é a heterogeneidade da

instituição Igreja Católica no Brasil. Ao mesmo tempo em que setores dela se

manifestam favoráveis ao golpe militar6, outros setores se organizam para combater as

ações dos militares. Para Scott Mainwaring (1989):

Após ter dado seu apoio ao reformismo de João Goulart, a CNBB acabou juntando forças à oposição e apoiou o golpe. Nesse sentido, a CNBB agiu de uma maneira similar aos setores moderados da sociedade que, temendo a desordem social ou uma insurreição comunista, inicialmente deram apoio ao regime, mas que, posteriormente, opuseram-se ao militares. (MAINWARING, 1989, p.103).

5 - Para PIERUCCI, Antônio Flávio de O et alíi: as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, foram um “Significativo momento da divisão ideológica dos católicos nos estertores do governo Goulart (foram) manifestações de massa substancialmente lideradas pela “Cruzada do Rosário em Família. O movimento foi apoiado pelo Cardeal D. Jaime de Barros Câmara, do Rio de Janeiro, bem como numerosos outros representantes de alas conservadoras da Igreja, mas não contou com o apoio de outros bispos, entre os quais D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, cardeal de São Paulo, e D. João Resende Costa, arcebispo de Belo Horizonte, onde as “Marchas da Família” foram numericamente expressivas. 6 - BRUNEAU, Thomás no livro, “O Catolicismo Brasileiro em Época de Transição”, diz nos que a primeira declaração pública sobre a mudança de abril, feita pela hierarquia, foi uma declaração conjunta, em maio, assinada por 26 bispos mais importantes ( incluindo cardeais e arcebispos) de todas as partes do Brasil. Para Bruneau os bispos saudaram a intervenção de maneira clara.

23

Nesse momento, a Igreja tenta articular-se ao Estado militar e garantir sua

atuação política na defesa da justiça social.7

A Igreja, como instituição, só se posicionou frente ao terror militar após a

promulgação do Ato Institucional nº 05, em 13 de dezembro de 1968. Para Barros

(1991) “O ato Institucional nº 05 foi a implantação acabada do totalitarismo estatal, o

comando de todos os brasileiros por uma única vontade, a ditadura sem qualquer

disfarce.”8

Para alguns analistas, essa tomada de posição frente ao terror do Estado

inicia-se com a intensificação da ação contra os comunistas, sendo nesta vertente, os

padres considerados mais progressistas alvos preferenciais. A invasão do Instituto

Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades), nos meses de setembro e outubro de 1970,

resultando em prisão e tortura de padres e militantes, inclusive do reitor da PUC-RJ e de

dom Aloísio Lorscheider, então secretário da Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil (CNBB),9 contribuiu para provocar uma ruptura entre a instituição Igreja Católica

e os militares no Brasil. “A tendência contra a Igreja Institucional, no entanto, era agora

inquestionável. Ofendidos, os bispos tornaram-se cada vez mais desconfiados em

relação às motivações do regime”(SERBIN, 2001, p. 25).

Durante a década de 1970, a Igreja Católica sofreu vários ataques por

parte do regime militar. Jadir de Morais Pessoa (1999) diz que “Até 1979, 122

religiosos e 273 leigos católicos já haviam sido atingidos, contando o assassinato de Pe.

Henrique Pereira Neto em Recife, em 1969, o seqüestro de Dom Adriano Hipólito, em

1976, e outros” . (PESSOA, 1999, p. 99).

Nesse processo de luta da Igreja contra o regime militar, as

Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ocuparam lugar de destaque, foram

fundamentais nesse processo de emergência de uma consciência política dos católicos,

na década de 1960. Em sua origem, as CEBs propunham ser um espaço de socialização

comunitária. As primeiras CEBs apresentavam um caráter de reconstrução da identidade

7 - Para uma discussão sobre o papel da Igreja e dos militares no projeto de desenvolvimentista e justiça social ver o livro de DUARTE ,Teresinha. Se as Paredes da Catedral Falassem - A Arqui Diocese de Goiânia e o Regime Militar (1968-1985), Goiânia: Ed. Da UCG, 2003. 8 - BARROS, Edgar Luiz de, Os Governos Militares, SP: Contexto, 1991 (Col. Repesando a História). Ver também: VENTURA, Zuenir, 1968 - O Ano Que Não Terminou, SP, Circulo do Livro,1988, ALVES, Maria Helena Moreira, Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), Petrópolis, Vozes,1984, GASPARI, Elio, A Ditadura Envergonhada - As Ilusões Armadas, SP: Cia das Letras, 2002. 9 - A CNBB foi fundada em outubro de 1952, por Monsenhor Helder Câmara. Segundo Thomás C. Bruneau os motivos que o levaram a fundar a organização eram dois: nunca houvera uma coordenação nacional da Igreja, e que esta poderia tomar interesse ativo na mudança social.

24

católica fragmentada no processo de migração e urbanização nos grandes centros. Eder

Sader (1988) diz que :

Entre os motivos de seu êxito, podemos pensar o caráter flexível de sua forma organizativa, na revivescência das relações primárias como espaço de reconhecimento pessoal para seus membros, no acolhimento das formas da religiosidade popular. (SADER,1988, p. 156).

A gênese de uma CEB pode estar ligada a uma luta popular ou na

dinamização de uma Paróquia, podendo ter início a partir de uma novena, organização

de reivindicações, ou simplesmente de uma reunião para reflexão do Evangelho. A

presença de agentes pastorais era fundamental para a formação de uma CEB.

Novamente, Mainwaring (1989) nos diz:

Uma CEB é um grupo pequeno (com uma média de 15 a 25 participantes) que geralmente se reúne uma vez por semana, usualmente para discutir a Bíblia e sua relevância face às questões contemporâneas. Seus membros são responsáveis pelas cerimônias religiosas do grupo, assim como por muitas decisões. No Brasil, ao contrário do que ocorreu na América Central, as CEBs foram, quase em sua maioria, criação de sacerdotes ou freiras. Desde o início, as CEBs brasileiras estavam intimamente ligadas à Igreja institucional. Através de publicações religiosas e de uma ocasional, mas importante, participação do clero nos encontros das CEBs, manteve-se uma ligação estreita entre o clero e as CEBs. (MAINWARING,1989, p.103).

Sendo a Igreja Católica Apostólica Romana uma instituição universal, ela

também está sujeita às mudanças ocorridas nesse universal. Nesse sentido, o Concílio

Vaticano II (1962-1965) veio dar respaldo às ações que Bispos isolados vinham

praticando no Brasil e em outros países latinos, nos anos de 1960. O Concílio enfatizava

a necessidade da missão social da Igreja dando uma maior ênfase na relação entre Igreja

e Leigo. Porém, é preciso ter claro o fato de que o Concílio Vaticano II não foi

produzido para a realidade da América Latina, e sim para a Europa conflitiva com o

desenvolvimento do capitalismo, a falta de padres e o descrédito da instituição. No caso

do Brasil, com o crescimento da violência do regime militar, a parcela progressista da

Igreja Católica, pautada pelas propostas de transformações do Concílio, pôde atuar com

mais autonomia na sociedade, baseando-se nas resoluções da Segunda Conferência dos

Bispos da América Latina, ocorrido em Medellín (Colômbia), em 1968. A importância

25

dessa Conferência foi a de adaptar as Resoluções do Concílio Vaticano II à realidade da

América Latina. Para Ralph Della Cava, Medellín (1986)

[...] foi a ‘graça redentora’ para a Igreja brasileira e, por isso mesmo, para o catolicismo em toda e qualquer outra nação latino-americana onde o escândalo de governos militares deveria impiedosamente fixar raízes nos anos vindouros”10.

A Teologia da Libertação, a partir das adaptações propostas para a América

Latina do Concílio Vaticano II, passa a ser a base teológica da Igreja Popular e enfatiza

a necessidade da superação dos problemas estruturais da sociedade capitalista, que

impedem o homem de se realizar plenamente. Nesse sentido, o capitalismo era visto

como o entrave à realização dos homens. Era necessário “salvar o homem todo e todos

os homens”.

François Houtart (2002), analisando as várias influências da Teologia da

Libertação, dentre elas a discussão da teoria da dependência, afirma que:

Na medida em que o capitalismo quer impor suas leis, tanto à produção e aos intercâmbios econômicos quanto às sociedades e aos espaços de vida não mercantis, desperta a resistência dos povos, principalmente na periferia do sistema-mundo. Essa resistência é em si mesma multidimensional: deve se mobilizar tudo contra um sistema que mata a humanidade, saqueia a natureza, coloniza o futuro e contamina as representações culturais. A teologia da libertação não arreda pé da ideia de que no combate contra o niilismo e a concepção profudamente materialista do mundo da modernidade capitalista é preciso reabilitar as esferas ideiais e metafísicas do ser humano, pensar e viver a tensão criadora entre consciência espiritual e agir político, entre identidade religiosa e compromisso social. (HOUTART, 2002, p.49).

Para Michael Löwy (2000), a Teologia da Libertação é um dos movimentos

sociais de inspiração romântico-revolucionária surgido nos anos de1960 do século XX.

Para ele:

Para a teologia da libertação não existem nenhuma contradição entre essa exigência de democracia secular moderna e o envolvimento cristão no campo político. Existem dois níveis diferentes de

10 - DELLA CAVA, Ralph, A igreja e a abertura, 1974-1985, In: KRISCHKE, Paulo J. ; MAINWARING, Scott (Orgs). A igreja nas bases em tempo de transição (1974-1985). Porto Alegre:L&PM:CEDEC,1986.

26

abordagem ao relacionamento entre o religioso e o político: no nível institucional, a separação e a autonomia devem prevalecer; mas no nível ético/político é o envolvimento que se torna o imperativo essencial. (LOWY, 2000, p. 99).

Antes mesmo do Concílio Vaticano II decidir por uma aproximação entre

Igreja e Sociedade, no Brasil, desde a década de 1940, setores moderados da Igreja

haviam se aproximado de alguns segmentos da sociedade.

Embora com um caráter eminentemente conservador em um primeiro

momento (formação de sindicatos rurais, política estudantil, programas de educação de

base e outros como meio de conter o avanço do Comunismo), essa aproximação

permitiu a uma parcela da instituição Igreja repensar a realidade da sociedade brasileira

e sua inserção nessa realidade, possibilitando então um engajamento destes agentes às

lutas populares no Brasil do pós-Golpe de Estado de 1964.

Nessa perspectiva, este trabalho tem como proposta central procurar

compreender como esse modelo de Igreja popular foi experienciado pelos sujeitos

católicos que militaram na Diocese de Goiás, particularmente na Igreja do Evangelho

em Itapuranga-GO no período compreendido de 1950 a 2000.

Em especial, intentamos compreender como os católicos daquele município

diocesano vivenciaram e ao mesmo tempo produziram as transformações da Igreja

católica local - a “Igreja do Evangelho” - durante as décadas de 1950 a 2000. Os anos

que antecedem a instauração do projeto diocesano da Igreja do Evangelho em

Itapuranga, principalmente os de 1950 e de 1960 são fundamentais para

compreendermos que sujeito católico essa proposta de evangelização encontrou naquela

localidade, quais eram suas experiências sociais, políticas, que ambiente cultural esses

padres e agentes renovados encontraram como base de apoio para suas atuações. Por

outro lado, quais eram as expectativas e experiências políticas e sociais daqueles

sujeitos que comandavam o poder político local.

De modo mais detido, intrigou- nos pensar como diferentes formas de poder

foram elaboradas, praticadas e vivenciadas pelos atores sociais, tanto àqueles ligados

diretamente com as esferas administrativas municipais como prefeitos e vereadores, do

referido período, quanto pelos sujeitos católicos, individualmente e, ou em grupos que

se aliaram, cada um a seu tempo, tecendo novas maneiras de aproximação e de uso do

convencimento de sua atuação que resultou em desdobramentos diversos. Mas,

27

enfatizaremos os elementos que marcam uma proposta especifica de vivência que passa

pelo religioso no município.

Pensar esse período particular de um município diocesano no interior

de Goiás pressupõe um quadro de localização dessas disputas como centradas numa

dimensão maior que é o embate sobre as lutas pelas ocupações efetivas da fronteira.

Nessa direção, o próprio deslocamento de D. Tomas Balduino; entre o processo de sua

formação até a chegada à Diocese de Goiás, foram deslocamentos pela e por fronteiras

Para Luiz Sergio Duarte Silva (2005) Fronteiras são construções. São

processos social e historicamente - vale dizer, simbolicamente - produzidos. Devem ser

concebidas mais como abertura e atualidade do que como dado ou acabamento. São

locais de mutação e subversão: regidos por princípios como os de relatividade,

multiplicidade, reciprocidade e reversibilidade. Nessa direção, os embates propostos

pela nova forma de evangelização diocesana, buscaram subverter a ordem estabelecida

pelo catolicismo popular existente nessa região.

As possibilidades apresentadas dentro desse projeto político-

religioso, acreditamos, só se efetivaram, nos seus anos iniciais, porque se tratavam de

projetos que traziam com clareza a dimensão processual em aberto. Dimensão essa que

se extrapola com o avançar da proposta mais politizante do cotidiano religioso.

Novamente é Duarte (2005) que nos afirma fronteiras são lugares de

deslizamento. Alianças, bifurcações e substituições que preparam o reconhecimento e a

necessidade de limites. Desde o processo de ocupação daquela localidade, conforme

apresentaremos no primeiro capítulo, são as alianças e as bifurcações que vão

preparando os embates entre esses sujeitos sociais em Itapuranga.

Podemos nos aproximar da proposta apresentada por Cláudio Lopes

Maia, sobre a fronteira para pensar o movimento de Trombas e Formoso, ao afirmar

que “A análise realizada neste estudo é desenvolvida na perspectiva do encontro entre

os diferentes entre si que carregam temporalidades históricas próprias relacionadas ao

seu modo de vida” (MAIA, 2008, p.13). O que se coloca em evidência no processo de

estruturação dos primeiros anos da Igreja de Goiás são os vários enfrentamentos entre

padres e leigos, leigos externos à Diocese e leigos da Diocese, enfim os diferentes entre

si proposto por Maia.

Investimos na compreensão da ação daqueles que se filiaram à Igreja do

Evangelho, a Igreja Progressista da Diocese de Goiás e, aqueles que se alinharam à

proposta religiosa por meio da Renovação Carismática Católica, no intuito de pensar a

28

cidade como um lugar de lutas pela tomada e consolidação de um poder político, que

passa pela anuência do que se convencionou chamar de imaginário do poder.

Para a reflexão desse trabalho, levantamos os documentos junto à Prefeitura

Municipal de Itapuranga, quando constatamos que não existe uma preocupação com a

memória administrativa do município. Por mínimo que fosse, materializado em um

arquivo das gestões passadas, o que encontramos, como sendo a documentação

administrativa da Prefeitura, foram tão somente os “papéis velhos”: algumas caixas de

balancetes em caixas de arquivo de papelão, pastas tipo A/Z com ofícios enviados e

recebidos; mas a maioria da papelada ali depositada se constituía de documentos

financeiros e de pessoal11.

Nos arquivos da Câmara Municipal de Itapuranga, tivemos acesso aos livros

de Atas de reunião da Câmara dos anos 1950 até os anos de 2000, com exceção dos

anos iniciais da década 1970 que, segundo o secretário da Casa, desapareceram do

acervo. Esses livros, se ali estivessem, poderiam nos dar outra dimensão da percepção

dos sujeitos envolvidos com a política partidária local sobre as lutas e reivindicações

sociais dos sujeitos militantes da Igreja do Evangelho em Itapuranga.

Acessamos as atas do Sindicato Rural Patronal de Itapuranga e qual nossa

surpresa ao não encontrarmos sequer uma menção aos movimentos sociais, às reuniões

da Igreja, tampouco uma menção ao sindicato dos trabalhadores rurais.

Na Igreja Cristo Redentor, tivemos acesso ao Livro do Tombo da Paróquia,

às Atas do Conselho Paroquial, da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, bem como a

algumas fotografias que não estavam catalogadas, não portando nenhuma informação de

data, ou a eventos a que se referia.

Trabalhamos, também, com um acervo documental que temos

referente às décadas de 1970 e 1980: Boletins da Paróquia, bem como da Diocese,

informativos paroquiais, entrevistas com os sujeitos católicos de Itapuranga e

fotografias, tanto produzidas por nós, quanto aquelas cedidas pelo senhor José Guedes,

um fotógrafo profissional, militante dessa Igreja em Itapuranga. Enfim, estes foram os

documentos com os quais tivemos ao longo de nossa trajetória de pesquisador da

referida temática. Ademais, ao longo do processo de pesquisa em Itapuranga, fomos

11 Na sua grande maioria os papéis estavam jogados pelo chão em dois cômodos, bem como nos corredores do Ginásio de Esporte ‘Anísio de Borba’. Compreendemos que o descaso com a memória política de Itapuranga não é uma exceção à regra de como, nos municípios do interior do Brasil é tratado a documentação histórica.

29

presenteados com o carnê e o cartão com a maquete da nova igreja, a que analisamos no

terceiro capítulo, bem como tivemos acesso ao documento sobre a demolição da Igreja:

“Por que não destruir a Igreja Cristo Redentor”, localizado na Biblioteca da UEG-

Unidade de Itapuranga. Materiais esses utilizados no segundo e terceiro capítulos.

Os documentos referentes à inauguração do Colégio Estadual de Itapuranga,

como as fotografias, os recortes de jornais, que utilizamos para analisar como 1972 foi

comemorado naquela cidade, foram encontrados no acervo documental do atual Colégio

Estadual Deputado José Alves de Assis, numa pasta intitulada ‘Dossiê Colégio de

Itapuranga’, possivelmente organizada por Monsenhor Lincohn.

Acreditamos, como pondera Burke (2004), em seu texto “Além da

Iconografia” que, ao tratar da possibilidade da pesquisa com imagens, é mais

interessante usar a ideia de “enfoque” e não de “métodos”, porque conforme o autor

“eles representam não tanto procedimentos novos de pesquisa quanto novos interesses e

perspectivas” (BURKE, 2004, p. 24).

Nas acepções do autor, também se esclarece que não existem “receitas” para

decodificar imagens como se fossem peças de um quebra-cabeça. O autor prefere pensar

nas múltiplas possibilidades e na variedade de leituras que a imagem permite levando

em consideração aos diferentes historiadores com diferentes preocupações, como

“historiadores da ciência, de gênero, de guerra, de pensamento político, assim por

diante” (BURKE, 2004, p. 234).

Outra importante formulação de Burke (2004) refere-se a pensar as imagens

não apenas como um reflexo da realidade social, nem como um sistema de signos que

não esteja localizado socialmente. Conforme o autor, tais imagens figuram como

“testemunhas dos estereótipos, mas também das mudanças graduais, pelas quais

indivíduos ou grupos vêm o mundo social, incluindo o mundo de sua imaginação”

(BURKE, 2004, p. 232).

Burke (2004) apresenta então aspectos gerais que, para ele, não são

princípios universais, mas, problemas que o uso da imagem evidencia, e passa a

enumerá-los. O primeiro deles seria o fato de que as imagens não dão acesso ao mundo

social, mas a visões contemporâneas daquele mundo. Em segundo lugar o autor pondera

que o testemunho das imagens necessita ser colocado em uma série de “contextos” no

plural (cultural, social, político, dentre outros). Um terceiro ponto refere-se ao uso serial

de imagens que oferecem um testemunho mais confiável do que imagens individuais.

Por fim, o estudioso pondera que, assim como na análise de textos, o autor, ao ler as

30

imagens, necessita ler nas entrelinhas, observando pequenos detalhes, aparentemente

insignificantes.

Outra importante dimensão ao fazer uso da fotografia como documento é

pensar na intencionalidade de sua produção, na finalidade para a qual foi criada,

elaborada, montada. Conforme Kossoy (2007) “ [...] a fotografia é, pois, um duplo

testemunho: por aquilo que ela nos mostra da cena passada, irreversível, ali congelada

fragmentariamente,e por aquilo que ela nos informa acerca do seu autor”. (KOSSOY,

2007, p. 50).

Pensar a fotografia como imagem, como documento e testemunho, em seus

diversos contextos, é fundamental para a nossa pesquisa, porém, é a dimensão da

fotografia como memória a vertente que mais nos atrai. Na esteira de Kossoy (2007),

acreditamos que:

Fotografia é memória enquanto registro da aparência dos cenários, personagens, objetos, fatos; documentando vivos ou mortos, é sempre memória daquele preciso tema, num dado instante de sua existência [...] Vestígios de um passado, admiráveis realidades em suspensão, caracterizados por tempos muito bem demarcados: o de sua gênese e o de sua duração. (KOSSOY, 2007, p. 131)

Utilizamos ainda, nessa pesquisa, do método “história de vida” para a coleta

de dados, buscando compreender como os sujeitos compõem a sua trajetória dentro

desse projeto de evangelização. Nesse sentido, Howard Becker (1994) nos afirma que:

Cada peça acrescentada num mosaico contribui um pouco para nossa compreensão do quadro como um todo. Quando muitas peças já foram colocadas, podemos ver, mais ou menos claramente, os objetos e as pessoas que estão no quadro, e sua relação uns com os outros. Diferentes fragmentos contribuem diferentemente para nossa compreensão: alguns são úteis por sua cor, outros porque realçam os contornos de um objeto. Nenhuma das peças tem uma função maior a cumprir; se não tivermos sua contribuição, há ainda outras maneiras para chegarmos a uma compreensão do todo. ( BECKER,1994, p. 104-105)

Guita G. Debert (1986) nos aponta algumas questões sobre o uso da história

de vida. A primeira diz respeito a uma tendência que teve seu apogeu nos primeiros

estudos sobre a participação das classes populares na história política recente do Brasil.

Assim, os historiadores, sociólogos, antropólogos buscaram estudar a participação

política, social, religiosa, enfim, as mais variadas possibilidades desses sujeitos a partir

31

de categorias externas às suas realidades. Aqui, o que prevaleceu foi a ideia de se

preencher um vazio que poderia ser composto a partir de um número determinado de

informantes; escolhas de informantes que se posicionaram de tal ou qual postura frente

a um acontecimento, o uso de contraposição de informação, enfim, na busca do que a

autora nos diz como sendo um quadro, o mais completo e verdadeiro possível, de um

determinado período ou acontecimento histórico.

Por outra lado, Debert (1986) aponta para a possibilidade de se estabelecer,

através desse método, uma conversação, um diálogo entre informante e analista. Aqui

são pensadas as categorias de compreensão desses sujeitos, sua linguagem, seus

recursos narrativos na composição de sua história. O que pode nos levar a pensar de

maneira mais criativa a problemática que, através deles, nos propomos a analisar.

A respeito do percurso feito pelo uso das fontes orais, pode se apontar que

os primeiros trabalhos e esforços de documentação da sociedade, com o uso das fontes

orais, foram feitos por volta dos anos 1950 pela Universidade de Columbia, em que se

decidiu registrar entrevistas com políticos e economistas norte-americanos. A partir dos

anos seguintes, surgiu a busca de distinguir-se dessa preocupação com os discursos e

análises das elites, voltando-se para as narrativas de vida de pessoas comuns,

encontrando na “história dos vencidos” uma razão de ser para seus esforços, além de

registrar a trajetória do cotidiano dos grupos sociais desfavorecidos. Nos anos de 1970,

surgem inspirações para a captação, documentação e tratamento de entrevistas,

adensados com reflexões teóricas provenientes principalmente da Europa, que ressoam

anos depois no Brasil.

Ainda considerando a noção de interlocução de subjetividades, é a análise

do historiador que determinará a maneira como deverá prosseguir a interpretação da

entrevista acerca dos envolvimentos e disposições dos interlocutores. Este profissional

entenderá tudo – como linguagem – que permite ler a história de vida a partir de sua

lógica interna, atenuando a importância do vivido e priorizando o acontecimento: o

evento. É isso o que Marc Bloch (2001)12 e seus companheiros da revista dos Annales já

propuseram, revolucionariamente.

Pode se apontar que a contribuição da fonte oral é inestimável. Não somente

por seu valor histórico, mas pela possibilidade de contraposição ao corpo documental,

normalmente disposto aos pesquisadores, pelos detentores do processo de seleção,

12 BLOCH, M. Apologia da História ou O Ofício de Historiador. [1949] Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

32

arquivo, guarda e disponibilização do que a futura geração terá acesso. E ainda, por

intermédio desse proceder, a fonte oral destaca-se, para além de sua igual condição de

mais um texto histórico disponível aos ouvidos mais sensíveis.

Estamos imbuídos da compreensão de que, nesse contexto, aceitamos supor

que a fonte oral e as informações do conjunto de homens e mulheres deste pequeno

município do interior do Estado de Goiás é detentor de uma espécie de literalidade,

assim como quaisquer outras fontes presente nas discussões propostas.

Assumimos o caráter local de nossa pesquisa partindo do pressuposto de que

a história cultural é a ponta fina da história social e política (Vovelle, 1991) buscamos

compreender as questões postas dentro da configuração mais ampla. A dimensão

localista da pesquisa aponta para possibilidades de compreendermos as tramas da

história em níveis gerais a partir de experiências locais. Os eventos entendidos a partir

das histórias de vidas, memórias, fragmentos que, ao serem cotejados com as dimensões

mais gerais apontam para uma história cultural da fronteira.

São esses os riscos que corremos ao afirmarmos nosso fazer de historiador

ao olharmos para Itapuranga e querermos compreender, densamente, quais foram as

propostas, mudanças, embates, debates, postos por aqueles sujeitos da Igreja do

Evangelho e de seus opositores e, ao fazermos isso é com a atenção voltada para as

pertinências locais de uma experiência com ramificações, tramas para além das

fronteiras do município tomado como lócus da pesquisa, numa conjuntura de lutas e

transformações pelas quais passava o Brasil.

Na busca de ordenamento das disposições da tese: no primeiro capítulo

discutiremos a formação e a transformação do campo religioso católico de Itapuranga.

Por meio da análise das crônicas do livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de

Fátima, compreenderemos como se configurara a formação do sujeito católico de

Itapuranga. Acompanharemos desde as constatações primárias de que o lugar é de

difícil evangelização, dada a falta de educação formal, bem como a ausência de uma

experiência com a rotina religiosa. Acompanhamos a trajetória do padre Nello Bononi,

nesse momento de implantação da nova forma de se ser igreja em Goiás, a partir de sua

escrita sobre Itapuranga, bem como do processo de adesão e convencimento dos novos

sujeitos da Igreja de Goiás, que protagonizarão a história da Igreja do Evangelho em

Itapuranga.

No segundo capítulo, a partir da experiência de um andar pela cidade,

somos levados, em um exercício de imaginar a cidade como um palimpsesto de

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memórias, a problematizar que cidade é essa que os monumentos e os lugares de

memória nos apresentam. Esse olhar para a cidade busca compreender o processo de

embates e lutas pela construção de um imaginário político da cidade. No plano da

política local, esse imaginário se fixa nas comemorações do Sesquicentenário da

Independência do Brasil, em 1972. Do outro lado do embate, temos os sujeitos católicos

envolvidos nos movimentos sociais de base buscando, no confronto, expor suas

demandas e necessidades frente às variadas situações que vão desde o sindicalismo até a

luta por saúde pública. Assim, encontraremos esses novos católicos envolvidos nas

demandas postas pelas discussões dos Grupos de Evangelhos em se articular aos seus

modos de vida essa nova perspectiva religiosa. O que os levaria aos enfrentamentos

com o poder local pelo reconhecimento da APSI como de utilidade pública, o que

culminaria com a ocupação do prédio da Prefeitura Municipal e consequente processo

criminal contra esses sujeitos.

No terceiro capítulo, discutiremos a partir da demolição do prédio da Igreja

Católica Cristo Redentor, e a consequente construção de um novo prédio para a Igreja,

como esse acontecimento figura como uma luta pela destruição da memória dos sujeitos

católicos, identificados com a Igreja do Evangelho, a Igreja de Goiás e a afirmação de

um novo grupo religioso representado pela Renovação Carismática Católica. Esse

evento se apresenta, em nossa análise, como o fechamento de um ciclo da história dos

movimentos sociais em Goiás, como um todo, e na Diocese de Goiás em particular,

mediados pela Igreja Católica, na sua vertente progressista.

Lembre-se que este evento determina o que estamos nomeando como

uma guerra simbólica na fronteira e que, ao construirmos esse trabalho, atentamo-nos

nas acepções de Febvre (2003), ao afirmar que:

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. [...] Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. (FEBVRE apud LE GOFF, 2003, p.530)

34

E assim, com essa diversidade documental, procuramos nos aproximar

das dimensões políticas e religiosas da cidade de Itapuranga nos anos compreendidos de

1950 a 2000.

35

1 FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES DO CAMPO RELIGIOSO CATÓ LICO EM ITAPURANGA.

Para compreensão dos elementos que se somam e dão a base da

problemática histórica da formação e transformação do campo religioso católico em

Itapuranga, advindas com as mudanças propostas pela Igreja do Evangelho, sob o

pastoreio de Dom Tomás Balduino, faz-se necessário que se compreenda, ao menos em

parte, alguns elementos que marcam as margens da região em que os diversos

personagens que delimitam a formação e as transformações do campo. A cidade de

Itapuranga, cerne da presente investigação, se localiza na mesorregião do centro goiano,

microrregião de Ceres, distante 165 km de Goiânia. O município ocupa uma área de

1.616 km, divididos entre a sede urbana e quatro distritos: Diolândia, Lages, Vila São

José e Cibele, contando também com o povoado Cruzeiro Dourado.

A economia do município baseia-se nas atividades agropecuárias de

pequeno porte. Segundo David Caume (1997), “a situação fundiária de Itapuranga é [...]

caracterizada por um elevado grau de concentração da propriedade da terra e por uma

estrutura marcadamente minifundiária”. (CAUME, 1997, p. 28). O autor apresenta os

seguintes dados sobre os estabelecimentos rurais:

Os estabelecimentos de até 10 hectares perfazem 1.232 (45,3% do total de estabelecimentos agropecuários do município) ocupando somente uma área de 7.830 hectares (5,9%). Os 2.407 estabelecimentos de até 100 ha (88,6% do total de estabelecimentos agropecuários do município) ocupam somente 46.247 hectares (34,7%) da área total agricultável. Em contrapartida, apenas dez estabelecimentos maiores que 1.000 hectares (0,4%) ocupam a enorme área de 15.313 hectares (11,5%). (CAUME, 1997, p.28)

Essa estrutura agrária de pequeno porte teve sua configuração,

principalmente, no processo de ocupação de terras através da política do Estado Novo,

no programa da Marcha para o Oeste, e com a Colônia Agrícola Nacional de Goiás -

CANG, situada no município de Ceres, próximo à Itapuranga. Dentre outros aspectos, o

autor Barsanufo Gomides Borges (2000), ao discutir sobre a economia goiana na

divisão regional do trabalho, no período de 1930 a 1960, nos diz que pós 1940 houve

uma reestruturação do espaço agrário em Goiás. De acordo com suas análises:

A fronteira agrícola abriu novas frentes de expansão e avançou para o sudoeste e para o Mato Grosso Goiano. Assim, estas regiões

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assumiram rapidamente a liderança no processo de produção e especialização agrícola. Segundo dados do Censo Agrícola de 1960, o Mato Grosso Goiano produziu, em 1950, cerca de 26% do arroz, 34% do milho, 48% do feijão e 68% do café produzidos em Goiás. O rápido esgotamento do solo das áreas pioneiras levou ao abandono progressivo da zona da Estrada de Ferro e à ocupação de novas áreas nas fronteiras oeste e central do Estado. Os anos 40 e 50 marcaram, então, o recuo na ocupação das terras do Vale do Corumbá, em busca dos solos de mata dos vales do São Patrício e do Paranaíba. (BORGES, 2000, p. 258)

A Marcha para o Oeste construiu uma nova fronteira no território nacional.

Novos municípios foram criados, patrimônios são elevados à categoria de município.

Assim, à história de Goiás incorpora-se o programa de deslocamento do território

brasileiro e constrói-se o tempo das rupturas. Rompe-se com o isolamento geográfico,

estradas são abertas, cidades são edificadas e, enfim, tem-se um Estado moderno

representado na construção da cidade de Goiânia como um dos símbolos da “Conquista

do Oeste”. O processo de ocupação do Centro-Oeste, dentro do projeto da “Marcha para

o Oeste”13, especialmente da região do Vale do São Patrício, no Mato-Grosso Goiano,

tinha, na Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG), o eixo distribuidor da

reordenação do espaço para o capital.

A Colônia (CANG), a que referimos, foi um deslocador de fronteiras,

localizada no Mato Grosso de Goiás, no vale do São Patrício. Núcleo de colonização

implantado e desenvolvido sob o patrocínio do Governo Federal representou juntamente

com a Fundação Brasil Central o segundo Ciclo de expansão rumo ao Oeste, sendo o

primeiro, a construção de Goiânia.

Para Sérgio Paulo Moreyra (1989):

A criação da Colônia Agrícola Nacional, em Ceres, foi possível porque os trilhos da Estrada de Ferro Goiás se aproximaram de Anápolis e tornaram econômicas as terras do Vale do Uru, do Rio das Almas e do São Patrício. Esse conjunto de condições permitiu a abertura de novas terras à agricultura empresarial, fazendo surgir cidades como Itapuranga, Uruana, Carmo do Rio Verde, Rubiataba e Goianésia, além de outras que são recriadas como Uruaçu, São Francisco, Jaraguá. (MOREYRA, 1989, p.17).

13 Sobre a Marcha para o Oeste numa visão mais tradicional que discute a ideologia do Estado Novo ver, dentre outros, LENHARO (1986).

37

Os sujeitos compreendidos sob a alcunha de “novo goianos” vinham

principalmente do oeste e do sul de Minas Gerais14. Se por um lado havia as notícias

oficiais de doação de terras pelo governo na Colônia Agrícola, outra forma de

propaganda das virtudes das terras goianas, quase tudo ainda mata por derrubar, se deu

principalmente por meio de cartas que aqueles que chegavam à região de Itapuranga e

adjacências enviavam aos parentes, estimulando e, na maioria das vezes, financiando, a

vinda para Goiás.

Essa interdependência entre os grupos de origem pode ser compreendida se

levarmos em consideração o processo de divisão da terra, devido a diversos

desdobramentos, mas destacando-se especialmente aquele dado por via herança. Esse

processo de divisão de propriedade, por meio de herança, acabou por configurar a

região de Itapuranga como marcada por uma estrutura agrária de pequenas e médias

propriedades, em que um lote inicial acabaria resultando de quatro a seis lotes

secundários. Essa mesma realidade, a de divisão por herança, também determinou o

surgimento de grandes propriedades. Segundo Brandão (1986), isso pode ser explicado

pela venda das terras recebidas em herança a irmãos ou outros da família, na intenção de

se mudarem do campo em busca de uma “melhoria” de vida para a família, entendendo

como melhoria ter condições de acesso aos recursos presentes nos centros urbanos,

como educação e saúde.

O primeiro movimento de ocupação da região de Itapuranga pode ser

atribuído, como vimos descrevendo, ao processo de busca pela terra com aqueles que

não a conseguiram na Colônia Agrícola. Ao chegarem à região, esses mineiros, bem

como os goianos vindos principalmente acompanhando os trilhos da estrada de ferro, ao

chegarem a Anápolis eram apresentados à dificuldade que era para entrar na ‘Colônia’,

a partir dali mesmo buscavam novos rumos.

Esses novos sujeitos, na região, perceberam o quanto a terra era fértil.

Aqueles que vinham com algum recurso financeiro deslocavam seus parentes para

ocuparem essas glebas, engendrando um processo que se repete na história de vida

dessa primeira geração dos que vieram ‘tirar terra no norte15’: Xixá era a terra de bacuri,

terra de fartura.

14 NEIVA Apud PESSOA, (1999, p. 40). Sobre a migração de mineiros para a região do Vale do São Patrício, nas décadas de 1940 e 1950, ver o instigante trabalho de Valter Ferreira da SILVA JÚNIOR (2002). 15 Expressão comum junto aos primeiros migrantes que diz do processo de se conseguir terra para trabalhar.

38

Na análise de Gomes e Neto (1993), as ponderações feitas afirmam que a

formação do município de Itapuranga resultou de uma colonização espontânea, sendo

que os autores não discutem de que aspecto este processo de ocupação é resultante. É

sabido que, na sua maioria, como afirmamos alhures, redunda de famílias excluídas do

projeto da CANG em Ceres, restando a essas a busca por outras localidades próximas

àquela região. Para estas:

A colonização espontânea, sob múltiplos aspectos, foi o mais importante fator de urbanização. Seu melhor exemplo encontra-se na região de Mato Grosso de Goiás, no Centro-Sul de Goiás. principalmente nas décadas de 30 a 50. Nessa região situam-se importantes cidades fundadas por migrantes oriundos de diversos pontos do Brasil, especialmente de Minas Gerais (GOMES E NETO, 1993, p.74).

39

Mapa 1 – Localização do município de Itapuranga (GO) – 2003. Org. e Dig.: LABGEO/UFG/CAC. Fonte: Mapa Político e Rodoviário do Estado de Goiás, 2000.

40

A revista Oeste (1944, p.31) nos informa sobre a

Divisão Territorial e Administrativa de Goiaz, assegurando que, em 19 de março do corrente ano, o futuroso distrito de Xixá é incorporado ao mapa territorial do Estado de Goiaz, como unidade administrativa do município de Goiaz (Revista Oeste 1944, p.31).

No desenrolar dos acontecimentos, como muitos outros, Itapuranga é

elevada à categoria de cidade através da lei estadual de número 954, de 13 de novembro

de 1953, emancipando-se da Cidade de Goiás. Foi antes, elevada à condição de Vila

pelo Decreto número 8305, de 31 de dezembro de 1943(NOGUEIRA, 1984). Thomáz

F. Lemos (1990), apresenta outra data para o evento: “Em 09 de julho de 1953, foi

publicado no diário Oficial do Estado de Goiás, a Lei nº 748 de 3 de julho de 1953, que

“Cria o Município de Itapuranga e dá outras providências” (LEMOS, 1990). Há,

portanto, esse pequeno desencontro entre as datas que não conseguimos sanar na

pesquisa.

Uma característica apontada por Gomes e Neto (1993) faz-se presente na

formação do município de Itapuranga, que é a formação dos Patrimônios em terras de

fazendeiros que, ao “agradar” um santo padroeiro, acaba por possibilitar o

desenvolvimento de núcleos urbanos em torno da Capela, ou do Santuário.

Registro a seguir, em um trecho longo, porém necessário à exposição, os

apontamentos do Monselhor Lincohn Monteiro (1961), ao registrar, nas Crônicas do

Livro do Tombo da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima16 de Itapuranga, a história da

formação do núcleo de onde originaria a cidade. Assim nos relata a localização e o

processo de aquisição do terreno:

A atual cidade de Itapuranga, município e Comarca omonimas (sic), está situada na zona do Mato Grosso de Goiás, numa altitude de 600 metros; clima tropical úmido cuja média compensada é de 25º C. Edificada à margem esquerda do Rio Canastra. Em 1912, alguns fazendeiros residentes na zona (então Distrito de Ouro Fino, Município da Capital de Goiás) conceberam a idéia de formar um povoado na região. Entre outros destacaram-se os seguintes: Henriques Rodrigues Coelho, Félix Francisco dos Reis, Félix de Morais Vi, Antonio Sebastião Ferreira, Manuel Ferreira dos Santos, Serafim Cardoso, Manuel Adrião Cardoso e Umbelino Camilo do Nascimento.

16 - Quando nos referirmos ao Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga-Go, usaremos LTPNSF.

41

Os sobreditos cidadãos, antes de concretizarem seu ideal comum, procuraram o Vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Fino, então o Revmo. Sr. Pe. Frei Manuel Maria O.P., e pediram sua aprovação. O Vigário não só aprovou o projeto, mas concedeu-lhes a licença de angariarem donativos para a aquisição do terreno onde se fixaria o patrimônio. Saíram então duas folias com a bandeira de São Sebastião. Naquele mesmo ano, a importância recolhida foi entregue ao Vigário. Em 1914, o Vigário requereu e adquiriu do Estado de Goiás para a Igreja uma gleba de 105 Ha. de campo e mato, à margem esquerda do Ribeirão Canastra. (LTPNSF, 1962, s/p).

Lemos (1990), por sua vez, recria a origem do município de Itapuranga

selecionando dois importantes pontos demonstrados por Gomes e Neto (1993), quais

sejam: a doação de terra, por parte de um fazendeiro para a construção do patrimônio e

a construção da Capela como marco inicial do povoado. Nesse caso, a Capela foi

dedicada a São Sebastião. Lemos diz-nos que: “Em 20 de Janeiro de 1932, o Sr. Braz

Camilo marcava o local da futura Capela de São Sebastião, fixando uma cruz que

levava gravada a data do evento” (LEMOS, 1990, p. 01). Entre a data da edificação da

Capela apresentada pelo autor supracitado e os registros do Livro do Tombo, há uma

diferença de quatro anos. No registro da Igreja Católica [1961] está posto que:

Em 1936, com a devida licença do Vigário, alguns cidadãos resolveram iniciar a edificação de uma capela. Entre outros, identificamos: Antônio Camilo do Nascimento, Manuel Elias Ferreira e Júlio Camilo do Nascimento. Para isto, convidaram os habitantes da região. No dia fixado, 16 de julho de 1937, - presente grande multidão, escolheu-se o lugar para o templo de Deus. Unidos, limparam o local naquela mesma tarde. (LTPNSF, 1962, s/p).

Durante seu tempo de clandestinidade, dentre outros, a figura de Gregório

Bezerra militou por várias cidades de Goiás, inicialmente por Goiânia, onde procurou

rearticular o seu partido. Ao que consta, Gregório Bezerra chega a Goiás em setembro

de 1949, vindo de Belo Horizonte até Araguari e de Araguari a Anápolis, viajando de

trem.

Em Goiânia, dentre outras atividades, destaca-se a preocupação de Gregório

Bezerra (1979), em função da situação de desarticulação em que se encontrava as

organizações no interior, a que o fez procurar congregar e articular um encontro para,

dentre outros elementos, reerguer os núcleos do partido em Goiás. Nas suas memórias,

figuram as seguintes palavras:

42

Em Goiânia, fui fraternalmente recebido pelos camaradas, que me colocaram a par do que estava acontecendo com o partido lá em Goiás. O partido tinha chegado a ser um bom partido de massas, mas sofrera os efeitos do golpe da reação que o pusera na ilegalidade. As dificuldades do trabalho clandestino foram enfrentadas com o espírito sectário e aos poucos foi se generalizando na direção uma atitude rotineira, passiva, resignada: não se fazia mais nenhum esforço consequente para movimentar o partido. As organizações do interior do Estado iam desaparecendo por falta de assistência. (BEZERRA, 1979, p. 85).

Na mesma linha dos apontamentos anteriores, aparentemente, após várias

articulações o grupo, coordenado por Gregório Bezerra, consegue reunir 42 comunistas,

de dez municípios goianos, numa chácara em Goiânia, sendo que, nesse encontro,

ocorrido em 05 de janeiro de 1950, é apresentado o senhor “Estevão Fonseca” a todos

os presentes.

Os trabalhos foram abertos por um excelente camarada, o companheiro Abrão. Fui apresentado aos demais com o nome de Estevão, que passei a usar dali por diante. Falarem, em seguida, o camarada José, o camarada Roberto e vários outros. As intervenções me impressionaram pelo esforço autocrítico, pela preocupação dos companheiros de analisar corajosamente as causas das deficiências que vinham sendo notadas no trabalho do partido. O ativo começou frio como uma pedra de gelo; mas pouco a pouco foi esquentando e terminou quente como brasa! (BEZERRA, 1979, p. 85).

Importa salientar que, desse encontro, foram tirados quatro pontos a

serem cumpridos pelos militantes. Com base nesses pontos é que Gregório Bezerra

começa a viajar pelo interior de Goiás, vivenciando uma verdadeira odisseia no sertão.

As resoluções tomadas pelo ativo foram:

1) reorganizar o partido em todos os municípios onde tivesse havido um comitê municipal ou distrital, onde tivesse uma organização de base ou onde existisse um grupo de militantes ( até mesmo um único militante); 2) conseguir no mínimo 100 assinaturas pela paz e contra a guerra, contra a bomba atômica (campanha de atendimento ao Apelo de Varsóvia), onde houvesse cinco militantes, 75 assinaturas onde houvesse três, 50 onde houvesse dois e 25 assinaturas onde houvesse apenas um militante; 3) pagar as dívidas de dinheiro que Goiás tinha em relação ao partido, saldas os débitos referentes às publicações Novos Rumos e Estado de Goiás, aumentando além disso em 20% as nossas cotas de contribuição e evitando a todo custo novos atrasos; 4) recuperar todos os militantes flutuantes e recrutar novos militantes para o partido, à base de lutas em defesa dos interesses populares de

43

cada região, de cada município, de cada localidade onde vivesse algum militante nosso. ( BEZERRA, 1979, p. 85-86).

Das resoluções apontadas pelo grupo, as que nos importam mais de

perto são a primeira e a quarta. Gregório Bezerra inicia suas andanças pelo município

goiano de Rio Verde, fazendo emergir, nessa localidade, algo que irá se repetir em

quase todas as cidades por onde ele passou: ser bem recebido por sujeitos espíritas e

protestantes. Descreve que, na sua segunda viagem a Rio Verde, consegue levantar

cerca de 200 (duzentas) assinaturas de apoio ao Apelo de Varsóvia.

Em Rio Verde, já dispúnhamos de um eficiente ponto de apoio. A comunidade espírita, que via em Prestes um enviado de Deus, nos ajudava na coleta de assinaturas pela paz. A comunidade protestante não ficou atrás. Resultado dessa emulação: foram colhidas mais de 200 assinaturas de apoio ao Apelo de Varsóvia. Em Rio Verde, no dia 03 de Janeiro de 1951, o partido comprou fogos e organizou a Festa dos 3 LLL ( Luís Carlos Prestes, Liebknecht e Rosa Luxemburgo). O foguetório começou às 8 h da manhã; os pecuaristas da região, que esperavam a assinatura de Vargas de um projeto de lei sobre a pecuária, pensaram que o projeto tinha sido assinado e, para comemorá-lo também soltaram todos os fogos que tinham. Com isso, sem querer, nos ajudaram a festejar os 3 LLL [...] ( BEZERRA, 1979, p. 87).

De maneira informal, encontramos elementos de algo que parece configurar

aspectos dessa mesma narrativa sobre um foguetório envolvendo a presença de um

“Alemão comunista”17, denominado senhor Estevão, quando de sua passagem em

Itapuranga. Estas e outras informações foram relatadas pelo senhor João G. da Costa18,

ao narrar que esse “comunista” estava em Itapuranga querendo levar gente para a

guerra, e que era um homem ruim demais19. Ainda sobre o foguetório, as diversas

conversas, os diversos apontamentos de homens e mulheres em Itapuranga recordam-se

de que se tratava de uma reunião para discutir “coisa de política”, que a cidade inteira

ficou em polvorosa. As narrativas convergem e delineiam por fim, que não se

envolveram nas coisas dele (do Alemão) e que ele era um homem procurado pelo

exército.

17 - Expressão utilizada pelo narrador. 18 - Essa conversa não foi gravada, não houve a intencionalidade de provocar a memória desse senhor para nos relatar sobre sua experiência de vida, no momento dispúnhamos de um caderno onde tomamos nota de algumas passagens. 19 KHOURY, Y. A. “Narrativas orais na investigação da História Social”. Projeto História, PUC-SP, São Paulo, junho de 2001, nº 22, p. 84.

44

De volta ao texto do próprio Gregório Bezerra (1979), tem se que, em

seguida, ele visita Morrinhos, onde obtém bons resultados de reorganização do partido

local. Já em Goiatuba e Buriti não adquire resultado. Em Itumbiara, descreve que

obtivera sucesso com os companheiros, inclusive culminando numa arregimentação de

camponeses trabalhadores de uma fazenda denominada Fazenda Brasil. Em nossa

pesquisa, porém, não obtivemos sucesso ao mapear o grau de relevância desse

estabelecimento à época para a região de Itumbiara.

O segundo ciclo de viagens por Goiás reinicia por Trindade, Nazário,

Anicuns, Palmeiras de Goiás e Firminópolis. Em Nazário, Bezerra apresenta sua

primeira capacidade de argumentação sobre os seus companheiros de partido,

questionando, pois, seus correligionários sobre a realidade política do local, qual a

aceitação que há em relação ao partido na região, concluindo com pessimismo, pois

alegam que a reação no local é muito dura. No que responde ao questionamento de

Bezerra sobre as autoridades do lugar, se essas são muito reacionárias, é informado que,

pelo contrário, elas se mostram simpatizantes do partido. Aqui nasce, nos relatos

memorialísticos de sua passagem por Goiás, o homem talhado para o convencimento

político. Eis a declaração que Bezerra apresenta a seus pares:

- Companheiros, diante do que acabo de ouvir, só posso chegar à conclusão de que a reação, aqui, só existe mesmo é na cabeça de vocês! Fiz-lhes, então, uma preleção sobre o sentido da nossa luta e a importância do trabalho de massas que poderiam realizar, se tivessem disposição e coragem, se correspondessem à responsabilidade que lhes cabia, como comunistas. (BEZERRA, 1979, p.87).

Ao que parece, em Santa Helena acontece o primeiro confronto com as

autoridades. Depois de organizar uma assembleia, onde discorreu sobre reforma agrária,

ao chegar à cidade, fora interpelado por um cabo de Polícia que o interroga sobre quem

ele é e o que ele faz na região. Ao ser solicitado que apresentasse seus documentos,

Bezerra afirma que não os portava, pois havia esquecido em Goiânia, no que é

convidado a se dirigir até a delegacia para conversar com o delegado. Após bate-boca,

envolvendo grande massa de curiosos, Bezerra é convencido, pelos vereadores do lugar,

de que nada iria lhe acontecer. Aparentemente, Bezerra é levado detido para o Corpo da

Guarda da cidade de Rio Verde, onde, novamente, se debate com o delegado sobre as

proibições de se propagandear sobre o comunismo, do que ele se defendia dizendo que

estava agindo em favor da paz mundial. Novamente, deparamo-nos com a narrativa

45

triunfalista, em que as massas populares vêm em apoio ao “senhor Estevão” e ele é

posto em liberdade. Nessa localidade, acontece novamente a intervenção de espíritas e

também surge a figura da mediação feminina no conflito, o que irá se repetir em outros

eventos dessa natureza ao longo da narrativa das memórias de Gregório Bezerra.

Alongamo-nos nessas passagens para demonstrar como existe um padrão

narrativo dos acontecimentos nas memórias de Bezerra. Essa mesma estrutura será

ponto importante de compreensão da ação dos sujeitos na construção, na luta pela

transformação e permanência em Itapuranga.

Retornando à Goiânia, os apontamentos sobre a trajetória de Gregório

Bezerra dão conta de que ele fora enviado para a região da Colônia Agrícola Nacional

de Goiás. Segundo seu relato:

Fui, então, enviado ao setor de Anápolis, Jaraguá, Barranca, Ceres, Itapaci, Nortelândia, Uruaçu, Amaro Leite e Porangatu, aonde já tinha chegado a picada da estrada que liga Goiás a Belém do Pará. Os camaradas deram-me duas calças e duas camisas cáqui, tipo campanha. Parti muito animado, pois era o setor das minhas ambições, desde que chegara a Goiás. Cheguei à Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG) e dei início à minha atividade, apoiado na colaboração que me davam um camarada que era farmacêutico, mais o camarada Patrício e o camarada Geraldo Tibúrcio. Organizado o partido por lá, fui para Goiás Velho. (BEZERRA, 1979, p. 96).

Gregório Bezerra (1979), quase nada relata de sua passagem pela região da

Colônia Agrícola de Ceres, colônia que ocupa espaço irrisório em seu livro de

memórias diante da importância política do lugar no cenário nacional. Ao contrário de

Itapuranga, a ocupar quatro páginas de suas narrativas marcadas pela repetição do

padrão que denominamos de “enfrentamento do sertão”, aqui, o relator irá, novamente,

enfrentar a ordem de ir à delegacia prestar esclarecimento ao delegado. Neste trajeto,

terá a intervenção de uma mulher, como ocorrera em outras localidades, conclamará o

povo a lutar pelos seus direitos, e depois de muito debater com o delegado, será posto

em liberdade e sairá às pressas da cidade. Conhecida e decodificada a estrutura, vamos à

narrativa sobre sua passagem por Itapuranga:

Em Xixá, com a ajuda do jovem dentista Cláudio, filho de um admirador de Prestes, colhi numerosas assinaturas de camponeses pobres, mas fui mal acolhido pelos fazendeiros e pelos comerciantes. Consegui ajudar a fazer com que uma antiga associação mista de operários e camponeses se reorganizasse, mas pouco depois o novo

46

presidente da associação, pressionado pelos ricos e poderosos, me comunicou que ia renunciar: - Não quero me prejudicar por causa dos outros não. Não sou besta, não. A associação era um instrumento importante na luta dos trabalhadores contra a exploração de que eram vitimas. Critiquei a fraqueza do presidente demissionário e fui logo procurar o secretário para convocar uma assembléia. (BEZERRA, 1979, p.96-97).

Em entrevista sobre sua participação na organização do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Itapuranga, o senhor Dorvalino José Campos se referiu a um

movimento sindical em Itapuranga, nos anos de 1950. Além desta referência, não

localizamos nenhum registro nos arquivos pesquisados em Itapuranga, sobre a referida

Associação dos Trabalhadores de Xixá. Bezerra, ao ser interpelado por um cabo da

polícia local, solicitando sua documentação e o que faz na região, novamente,

argumenta tê-la esquecido em Goiânia e afirma estar apenas colhendo assinaturas pela

paz mundial, bem como ajudando a reorganizar a associação dos trabalhadores de Xixá.

Adiante, é então convidado a acompanhá-lo até a delegacia local, onde o delegado o

aguardava.

Após argumentar que não iria, pois não havia o que tratar com o delegado

eis que o referido aparece. Na disputa com o delegado, Gregório Bezerra faz a seguinte

afirmação que nos instigou a pensar sobre a que ele poderia estar se referindo:

Não pratiquei desordens. Não matei. Não roubei. Não faltei com o devido respeito às famílias. Estou cumprindo um dever cívico e patriótico e apelo para o povo para ele testemunhar a minha conduta aqui, desde que cheguei. Que outra coisa não tenho feito, senão esclarecer o povo na luta pela paz, contra o roubo dos lotes e na luta pela Reforma Agrária e tentar dar vida à Associação dos Trabalhadores de Xixá. (BEZERRA, 1979, p.98; grifo nosso).

Novamente, se repete a disputa retórica entre Bezerra e o delegado, sendo

que o primeiro é apoiado em aplausos pela massa presente. Ao delegado coube solicitar

intervenção do pai do dentista Cláudio (Cláudio Mendes), do juiz de paz, bem como de

uma professora. Com o respaldo dessas pessoas, foi conduzido à delegacia, onde o

delegado já havia solicitado reforço do batalhão de Goiás. Ademais, após negar

informar qual era sua filiação, afirma ter discursado para o povo ali presente:

Fiz, então, um discurso, concitando o povo a defender os seus direitos. Os comerciantes locais, liderados pelo padre, queriam cobrar 40

47

contos de réis de cada morador do povoado pelos lotes onde os pobres tinham construído suas casas; denunciei esse assalto. Afirmei que, se o delegado fosse mesmo uma autoridade, em lugar de pretender prender quem defendia a população, deveria prender era os ladrões que assaltavam o povo. Uma comissão, organizada pelo partido, com o apoio de simpatizantes e pessoas do povo, veio me oferecer solidariedade. Comecei a discutir com meus amigos a possibilidade de sairmos todos dali, assaltarmos as casas comerciais dos tubarões e distribuirmos as mercadorias ao povo. O delegado, ouvindo isso, não aguentou mais: colocou-me em liberdade. E desapareceu. (BEZERRA, 1979, p.98-99; grifo nosso).

Após esse episódio, Gregório Bezerra, acompanhado de um camarada, foge

para as matas do Rio Uru, permanecendo os dois escondidos até terem notícias de que a

patrulha policial havia tomado outras direções em sua procura. Com isso, ele regressa a

Itapuranga, indo para a cidade de Goiás.

Desde que tomamos conhecimento das memórias de Gregório Bezerra, esse

episódio sobre sua passagem por Itapuranga nos intriga. Como apontamos alhures, duas

decisões tomadas pelo ativo nos interessavam de perto. Ao longo de nossas pesquisas

em Itapuranga, não tínhamos, ainda, nenhum sinal ou indício da presença de militantes

comunistas no período descrito por Gregório Bezerra em suas memórias.

A pesquisa junto aos espaços, supostamente comuns e democráticos de

organização da memória popular, nos reservou surpresas. A maior parte da própria

memória da Associação dos Trabalhadores de Xixá, suas ações, realizações, pleitos

diversos, ao que tudo indica fora apagada dos registros, não podendo ser encontrada nas

Atas da Câmara dos Vereadores, nas Atas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Itapuranga e, tampouco, nas Atas do Sindicato Patronal de Itapuranga. Como

apontamos acima, somente um militante sindical reportou, em sua entrevista, uma

experiência anterior à formação do sindicato rural dos trabalhadores de Itapuranga, o

que, mesmo assim, se configura apenas como indícios, não confirmações. Nas análises

de Silva (2007), em sua tese de doutoramento, a partir de dois entrevistados, sendo que

um desses sujeitos é irmão do simpatizante citado por Bezerra, essa é a origem de toda a

experiência posterior de luta pela terra bem como as lutas de base. A Associação dos

Lavradores do Xixá assume, por esta perspectiva, a função de ser o mito fundador da

consciência de classe dos trabalhadores rurais de Itapuranga. Tese a qual não

compartilhamos.

Por outro lado, conseguimos informações sobre os lotes que o padre e

os comerciantes queriam vender, conforme Bezerra, a preço exorbitante, no Livro de

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Tombo da Paróquia. Em prosseguimento aos dados anteriores, ratificamos que, no dia

02 de janeiro de 1962, ao traçar um plano de ação para ser executado ao longo do ano,

dentre outras decisões a serem tomadas, o padre José Ferreira elenca, no item 18, “ver o

caso dos terrenos da Igreja”. Assim, em 28 de junho de 1962, ao apresentar o balanço

semestral, o padre José Ferreira nos informa como está a questão dos lotes da Igreja:

Caso dos terrenos da igreja em andamento legal e com nomeação de administrador, o atual vice-prefeito, Sr, João Pinheiro Rosa, e o agrimensor Expedito Sena que já mediu e loteou toda a Ponta Grossa e o administrador agora está vendendo com a procuração recebida do Exmo. Sr. Bispo, D. Abel Ribeiro Camelo. (LTPNSF, 1962, f. 24-25).

No mesmo balanço, no item 23 sobre a chácara paroquial, o padre José

Ferreira aponta outra possibilidade para a área em questão posta por Gregório Bezerra.

Trata-se de uma ocupação consentida por Monsenhor Lincohn, do terreno da chácara,

mas os seus ocupantes estavam reivindicando direitos de posse. Nesse sentido,

inferimos que:

Chacara Paroquial já toda medida e em organização, com caseiro nomeado Jose Fortunato vulgo Zezinho e sua esposa Da. Ana, o que está atrapalhando são uns ditos pobres, os quais o Mons. Lincohn cedeu o terreno ad tempus, sem contrato, sem nada e agora não querem sair de um alqueire de terra que ocupam, desordenadamente, aliás, no meu modesto parecer, todo este problema de patrimônio de Igreja de Xixá tem sua raiz na desorganização e desinteresse dos padres que aqui estiveram. Queira Deus que esteja errado neste parecer! Interessante, que ainda há poucos dias, o Mons. Lincohn conversando com amigos tenha afirmado sobre o patrimônio: Deixei uma bomba nas mãos do Pe. José. Bomba ou não, vamos cuidar do patrimônio! (LTPNSF, 1962, f. 24)

Em 28 de outubro de 1962, registra-se a informação sobre os terrenos

envolvidos nessa questão:

Finalmente, depois de tantos avanços e recuos, tratos e destratos, foi vendida a gleba da Ponta Grossa para os respectivos posseiros. Em tempo oportuno, quando o procurador João Carrinho prestar constas detalhadas ao Sr. Bispo, apresentaremos aqui, o balanço. É objetivo nosso vender o que está invadido e conservar os terrenos vagos e procurar arrenda-los para lucro e evitar invasão. ( LTPNSF, 1962, f.32).

49

A passagem de Gregório Bezerra por Itapuranga é lembrada em trabalhos

acadêmicos, e em algumas poucas memórias de homens e mulheres septuagenários,

vacilantes pelo cansaço dos anos, mas com momentos de lucidez que contagiam até

onde conseguimos mapear, pela tentativa de reorganização da Associação dos

Trabalhadores de Xixá. No que pese a distância de cinco anos entre a narrativa posta por

Bezerra e as anotações do Livro Tombo, acreditamos que os registros tratam do mesmo

evento, o que aponta para uma ocupação da cidade permeada por tensões e conflitos.

Essa área20, conhecida, ainda hoje, por “Ponta Grossa”, até pouco tempo, no imaginário

espacial da cidade, era tida como lugar onde moravam pessoas pobres. Não existem

vestígios da chácara paroquial. Hoje, dada à visão panorâmica que se tem da cidade,

uma parte desse terreno é ocupada por uma classe média alta da cidade.

1.1 O Cotidiano religioso de Itapuranga pelas Crônicas do Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima.

O Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima é aberto por

Monsenhor Lincohn Monteiro Barbosa, então Vigário Geral de Goiás na data de 02 de

julho de 1961. Em seguida, o responsável pela Igreja Católica apresenta panorama geral

do processo de formação do lugar, até sua emancipação política. No histórico ‘oficial’

da formação de Itapuranga, percebe-se que a fonte é esse texto introdutório do Livro do

Tombo.

Segundo esse texto, Itapuranga:

É uma cidade formada por mineiros e nordestinos. Sendo a área total do município de 1.200 km². O município de Itapuranga está todo habitado. É interessante verificar que quase não há latifundiários. No município encontram-se os seguintes povoados: 1º) –Diolândia, no nordeste; já é distrito e desenvolve-se com grandes esperanças; 2º) Lages, no sul; era uma fazenda antiga. Vai desenvolvendo morosamente. 3º) Cibele, no norte; foi iniciado em pleno cerrado aos 6 de fevereiro do corrente ano. Vai florescendo rapidamente. 4º) Betel, no centro; é uma fundação protestante. Não tem nenhuma esperança. O município está dividido em pequenas propriedades e fazenda. [...] Embora seja muito difamada por causa dos assassinatos e tiroteios aqui havidos, contudo o que constatei até o momento e que os

20 - Ver na Planta Urbana, em anexo, a área em branco entre as áreas de número: 01, 13, 14.

50

cangaceiros. Com excessão (sic) de dois ou três, vêm de fora. O povo de Itapuranga é hospitaleiro, é ordeiro, trabalhador e bom. Tenho notado que este povo é vítima de injustiças dada a falta de cultura do meio. A maioria dos habitantes é católica. Como a igreja está abandonada e a visita mensal do padre, de um dia para o outro, nada mais consegue realizar do que batizar, assistir a casamentos, etc, enquanto o ambiente está batida pelas pregações pentecostais, por uma amplificadora que domina toda a cidade, muitos católicos passaram a integrar aquela seita enquanto outros caíram no indiferentismo religioso. (LTPNSF, 1961, f. 3).

Essa primeira impressão de Itapuranga dominará sobremaneira a escrita das

Crônicas da Paróquia. Destacamos que a explanação descreve um lugar onde falta a

“cultura do meio”, os católicos, em sua maioria, sujeitos moradores da zona rural, não

tendo hábito de frequentar igreja; também, a referência às mensais incursões do pároco

não mudam o quadro de que as idas à Igreja eram raras e os moradores quando o faziam

eram “desrespeitosos”, pois não sabiam se portar nessas ocasiões, sendo a missa, para

estes, mais uma ocasião festiva do que propriamente religiosa. Outro ponto importante

apontado é a presença significativa de uma população não católica, denominados aqui

de pentecostal nos desperta atenção o fato de Monsenhor Lincohn registrar a fama que

Itapuranga tinha de ser lugar de “gente brava”, povo matador. Imaginário recorrente

esse, a dominar boa parte do processo de ocupação do mato grosso goiano, devido,

talvez, a região ter recebido gente de várias partes do Brasil, mas sobretudo, pelo

aspecto de medo e desconhecimento de pessoas de outras regiões que não vinham,

embora tecessem suas imagens sobre a região, reforçando o estigma da fronteira como

lugar da desordem e da ausência da regulação do Estado.

Na seqüência, em 02 de abril de 1961, Dom Abel Ribeiro Camelo, Bispo de

Goiás, transfere a sede da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Fino para

Itapuranga, passando a se chamar Paróquia de Nossa Senhora de Fátima. Monsenhor

Lincohn foi, então, o encarregado de prepará-la para a instalação canônica. De posse de

sua atribuição, chega à Itapuranga no dia 01 de maio de 1961. Ironicamente, assim

escreve sobre as novidades de sua chegada:

Nos primeiros dias, tudo era novidade! E que novidade! A residência paroquial era a casa sem nada, nem uma cadeira. A Matriz numa pobreza sem par! Não possuía alfaias. Uns velhos bancos, alguns já sem pernas! Talvês (sic) nem para museu serviriam mais. A frequência à missa era mínima. Às vezes, o santo sacrifico foi celebrado com a assistência unicamente do ajudante. (LTPNSF, 1961, f. 4).

51

Lançando mão de incessantes estratégias de convencimento, é lícito dizer

que a aproximação dos católicos das celebrações semanais aumentou a partir da

instalação de um alto-falante que iniciou o processo de conversão desses sujeitos

arredios e desconhecedores dos rituais da missa. Esse sistema, batizado de “Voz da

Matriz Nossa Senhora de Fátima”, possibilitou criar as condições julgadas adequadas

naquelas paragens. Assim reportou Monsenhor Lincohn:

Instruindo na doutrina, orientando na disciplina eclesiástica, estigmatizando o a herezia pela exposição clara da verdade, condenando o erro e chamando os errados, o Vigário conseguiu atrair os bons e aproximar da igreja também os indiferentes. Os hereges silenciaram os ataques constantes à Igreja e sua organização. Muitos voltaram ao redil. Houve um enfraquecimento particularmente entre os pentecostais. Os católicos, vendo-se agora protegidos por um pastor, avivaram sua fé e procuraram corresponder ao convite da Igreja. (LTPNSF, 1961, f. 4).

Das palavras de triunfo, em 1961, do convencimento pela suposta postura

firme e convincente, a instalação da Paróquia, ocorrida em dois de julho de 1961, teve a

presença de todas as autoridades locais, desde o juiz da Comarca, passando pelo prefeito

Farnésio Rabelo, pelo representante dos fazendeiros e lavradores senhor José Pereira de

Faria, até a representação das crianças do município. O evento concorrido foi narrado

por Monsenhor Lincohn, com grandes expectativas de que o futuro permanecesse em

rota de crescimento incessante.

Em seguida, começa a segunda parte do Livro de Crônicas da Paróquia

Nossa Senhora de Fátima, referente aos lançamentos dos acontecimentos da vida

pastoral, bem como da vida política e social daquele lugar. Inicia-se, para nós, a

construção de uma percepção do cotidiano da cidade, que é extremamente rico, para

compreendermos as relações entre o universo religioso e o político da cidade; além

disso, são apresentadas as bases culturais desse catolicismo de vivência rural que

marcariam as atuações dessa igreja em Itapuranga.

O traço marcante da escrita é o desejo maior de aliar uma evangelização

com um projeto de civilizar, criando uma cultura religiosa católica entre esses sujeitos,

algo que viria a ser comparado com as formas de compreensão da vida religiosa, como

já afirmamos acima, mais como momentos festivos.

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Um dos primeiros apontamentos, no dia 13 de julho, é sobre a novena para a

festa do Divino. Essa celebração era uma das maiores festas da cidade até meados dos

anos de 1970. Com ocorrência de barracas, procissões, circo. Para o pároco, “os

movimentos foram ótimos. O Vigário sempre triste por causa da mentalidade do povo

que não quer festa sem o maldito baile. Paciência! Será para pouco tempo!” (LTPNSF,

1961, f.09). Esse é o primeiro de uma série de descontentamento dos representantes da

Igreja para com a prática religiosa/festiva do povo. Embora Mons. Lincohn não nos

apresente maiores detalhes, encontraremos, nas crônicas de seu substituto, o Padre José

Ferreira, mais eloquência narrativa sobre a festa do Divino no ano seguinte, 1962:

Começamos hoje com muita frequência na Igreja a Novena em honra do Divino Espirito Santo que a dizer de um caipira, abaixo de Deus é o Santo que dá mais devoção em Goiás! No programa de pregação sobre o catecismo falo e explico sobre os dez mandamentos, apoiado de vez em quando por um ouvinte entusiasmado. Depois da reza um animado leilão. Festeiro veio, todo enrolado nas cobertas, em casa, tremendo de maleita. O vigário também com febre ouvindo as confissões, mas tudo isto é festa e das boas. (LTPNSF, 1962, f. 26).

Das lidas diárias deste acontecimento, ao apresentar contas da festa do

Divino ao povo, Mons. Lincohn, se apoiando nos valores gastos com o “tal “rancho”,

apresenta a disposição de não mais haver ranchos nas festas futura, principalmente com

leilões e concursos. O motivo dessa decisão fora financeiro, pois houve uma renda de

CR$503.000,00 e uma despesa de CR$ 235.878,00, toda relacionada ao rancho. O que

nos leva a concluir que a parte festiva consumiu quase toda a renda da festa, isso em um

momento em que a Paróquia esta se estruturando, com gastos básicos em construção,

pintura, bancos, a própria manutenção do padre e da casa paroquial. Tudo isso somado a

quase intolerância do pároco sobre a presença do ranchão nas comemorações, produz-se

um movimento no afã de tentar conter a presença dos bailes nas comemorações da

igreja, algo que não surtirá efeito.

Nos dias 06 e 27 de agosto, Monsenhor Lincohn apresenta suas primeiras

reclamações sobre a pouca participação de fiéis à missa. No dia 06 escreve: “Dia 06 –

Domingo. A frequência às missas foi mínima. Pensei que assim a presença de um padre

em Itapuranga, nos domingos e dias santos, é ocasião para maior número de pecados”

(LTPNSF, 1961, f. 09). No dia 27, além de registrar a pouca frequência às missas, o

padre nos relata sobre a situação política brasileira com a renúncia do presidente Jânio

53

Quadros e a tentativa de impedimento de João Goulart tomar posse. Assim, procede

expressando o seu ponto de vista sobre o momento:

A situação política do Brasil continua melindrosa. A nação se divide: uma parte pela posse do Vice-Presidente (comunista), a outra, contra. 01º de setembro – João Goulart chega a Porto Alegre. Situação tensíssima! Dizem que tomará posse da Presidência ali mesmo. Como? Dia 07 – Toma posse na Presidência da República o Vice-Presidente João Goulart, mas, fora antes mudado o regime de governo do Brasil de presidencialista para parlamentarista. No discurso de posse, afirmou o novo Presidente: Agradeço ... à Igreja Católica, que é a de minha confissão, que desde o primeiro momento se colocou ao lado da legalidade por seus mais lídimos representantes (LTPNSF, 1961, f. 9-10).

Em linhas com os argumentos que pretendiam confirmar a fama de que a

cidade de Itapuranga era habitada por homens violentos, no dia 27 de novembro de

1961, a população expulsa o juiz de direito a tiros sob o pretexto de que tal evento

ocorrera devido ao referido juiz estar envolvido com injustiças e muambas. Não há

maiores informações de que tipo de furtos e atos contrários a justiças foram cometidos,

além de não conseguirmos cruzar essa informação com os registros da Câmara dos

Vereadores, pois o Livro daquele ano não fora encontrado no acervo da Câmara

Municipal.

O Monsenhor Lincohn, em 28 de novembro de 1961, traz para Itapuranga,

vindo de Governador Valadares, Minas Gerais, o seu substituto, o padre José Guzmán.

No entanto, já em 01º de dezembro de 1961, vaticina que o recém- chegado não é padre

para aquelas paragens. Afirmou que “infelizmente o Vigário Geral percebe que o seu

substituto não é o padre de que Itapuranga precisa. É para um meio mais culto”

(LTPNSF, 1961, f.12). Já no dia 07, é apresentada ao padre a resolução de que ele não

iria permanecer na Paróquia, e que deveria se apresentar em Itaberaí, o que o alegrou

imensamente. Ainda no mês de dezembro, o Monsenhor Lincohn assume a paróquia de

Rubiataba, mas como veremos, acompanhará bem de perto toda a vida da paróquia e da

cidade de Itapuranga. Seu substituto, padre José Ferreira, chega à cidade no dia 12 de

dezembro. Ao encerrar suas crônicas, Monsenhor Lincohn apresenta um balanço geral

sobre os seus dias à frente da Paróquia, apontando certo pessimismo, apesar de frisar os

avanços obtidos com a evangelização do povo de Itapuranga:

54

Aproveitando o momento em que a população estava recolhida por causa do tempo, partiu para Uruana, rumo à sua nova Paróquia. Assim, Mons. Lincohn Monteiro Barbosa encerrou a página de seus trabalhos como Vigário Encarregado da Paróquia de Nossa Senhora e Fátima de Itapuranga. Saiu para servir a Diocese. Durante os meses que trabalhou neste campo, foi muito feliz. As autoridades, sem distinção, deram-lhe todo apôio e cooperação efetiva para o melhor desenvolvimento da sua missão neste mêio. Do povo em geral recebeu todo o acatamento. O povo é bom, mas, sem doutrina: católicos, mas, de convicções falhas quando não abaladas pelas constantes investidas e objeções do ambiente infiltrado de protestantismo. As capelas rurais corresponderam muita mais à pregação evangélica e tornaram-se quase o consôlo do seu coração sacerdotal. Duas coisas, na cidade, muito o contristaram: a divisão política que separa a cidade e impossibilidade a realização do ideal de Paróquia-Familia de Deus, e a idéia fixa de algumas famílias de que festa religiosa é ocasião de as famílias se divertir e essa diversão é o baile, o rancho alegre. Quanto ao mais creio que o remédio é a instrução em tôdas as suas modalidades, pois, há muita boa vontade. O povo é bom, mas, a falta de instrução estraga vários setores da estrutura social da cidade (LTPNSF, 1961, f.12; grifo nosso).

Ao apontar sua maior satisfação com os resultados obtidos com os católicos

rurais em detrimento dos urbanos, o Monsenhor Lincohn, novamente, consegue

antecipar alguns rumos que a Paróquia tomaria num futuro bem próximo, sendo a partir

dos católicos rurais de Itapuranga que a Igreja do Evangelho, principalmente através dos

Grupos de Evangelho, se estruturará em sua Opção Preferencial pelos Pobres.21

Outra questão fundamental perseguida pelo nosso cronista é sobre o papel

da educação na formação dos sujeitos de Itapuranga. Durante sua permanência na

cidade, Monsenhor Lincohn assumiu o posto de Inspetor de Ensino, onde atuou com

severidade para combater, principalmente, os evangélicos. Retornará a Itapuranga,

efetivamente, para ser diretor, em 1971, do Colégio, fundado em março de 1964 e,

posteriormente, do Colégio Estadual de Itapuranga, em 1972.22 Mas, durante o período

em que esteve em Rubiataba, o Monsenhor Lincohn se mantinha a par de todos os

movimentos da Igreja de Itapuranga, assumindo posições abertamente contrárias à nova

forma de evangelização proposta por Dom Tomás Balduino, quando assumiu a Diocese

de Goiás em 1968. Era à cidade de Rubiataba23 que uma parte dos católicos de

Itapuranga se dirigia, no inicio dos anos de 1970, para assistirem missas.

21 - Para maiores detalhes ver COSTA (2004). 22 - Conforme dossiê ‘A Criação do Col. Est. de Itapuranga’, acervo do Col. Estadual Dep. José Alves de Assis. 23 - Rubiataba fica a 70 Km, aproximadamente, ao norte de Itapuranga.

55

A chegada de Padre José Ferreira marca um novo estilo de escrita das

crônicas da Paróquia. Sua escrita assume mais leveza, apresenta detalhes de

acontecimentos do cotidiano da cidade; tendo o cronista perdido a rigidez narrativa de

seu antecessor, ganham os leitores das Crônicas.

Já em sua crônica inaugural, o novo padre demonstra um bom humor com

as dificuldades da vida de padre do interior, se denominando um “bandeirante de

Cristo” e, como veremos, durante sua permanência em Itapuranga, travara verdadeiras

‘expedições civilizatórias’ por aquelas bandas do sertão goiano:

Completamente enlameado e sob o apupo do temporal chega, às 19,40, o novo vigário, Pe. Jose Elverth Ferreira. Enquanto janto à luz das velas, Mons. Lincohn complementa as instruções que deixou tôdas por escrito. Mais uns minutos e já despedimos fraternalmente, ambos emocionados pela solenidade do momento marcando mais uma etapa de nossa vida bandeirantes de Cristo nas terras goianas. Por coincidência, somos os dois únicos padres goianos da Diocese. Do telhado pingam enormes goteiras! Que Deus ajude e sustente este marinheiro de primeira viagem nestas plagas vermelhas de Itapuranga! (LTPNSF, 1961, f.13).

Nas novenas e na celebração da missa de Natal toma contato com a aspereza

de ser padre, numa localidade onde ainda não havia costume de se frequentar as

celebrações, de se acompanhar a rotina do calendário proposto pela Igreja e, novamente,

da tão reclamada ausência de civilidade. Vejamos:

A novena do Natal está sendo muito pouco frequentada, o presépio todo estragado e sem 80% das figuras roubadas que foram pelos meninos. Há uns moleques na cidade piores que ratos. Movimento colosso de pessoal da roça que procura o padre nos momentos mais inoportunos e com pedidos impossíveis e como conversam, comem, cospem na Igreja. Atendo confissão todo o dia e à noite até às 23 horas quando as interrompo para tomar folego e ligar a amplificadora. Depois de uma semana de luta, conseguimos consertar a amplificadora cheia de válvula queimada. Ao passar do segundo disco – pronto – lá se vai a força elétrica e para complementar estoura um medonho temporal e uma mulher desmaia no meio da Igreja! O povo da roça é muito bom e tudo mas em questão de compostura na Igreja é uma lastima. Imagine-se, agora, a caipirama toda comprimida no escuro, molhados, berreiro das crianças, berreiro das mães, berreiro dos meninos perdidos, berreiro dos que acodem a mulher desmaiada, berreiros dos que pedem silencio. Ponho todo mundo a cantar, rezar terço e ainda assim – agora – é uma mulher que na porta da Igreja desce a lanterna na cara de um moço mão boba. No Glória, antes que entoassem Noite Feliz uma velha mui beatamente puxa o Pecador

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agora é tempo. No Evangelho ameaço não dar comunhão se não acabassem com o barulho e na passagem de ano se repetissem aquela triste cena de feira, eu nem celebraria! (LTPNSF, 1961, f.14; grifo nosso).

Desolado com a celebração natalina, Padre José Ferreira lamenta não haver

na cidade uma pessoa com instrução mínima que fosse que pudesse auxiliá-lo nas

celebrações da missa. Interroga-se sobre a falta que faz a intervenção de uma pessoa

instruída na cidade, pois assim, os demais aprenderiam mais rapidamente a se portar nas

celebrações. No entanto, na missa de final de ano, é surpreendido com a participação do

povo de forma ordeira: “A missa de passagem de ano foi uma beleza. Religioso

silencio, cânticos bem entoados, grande numero de comunhão. Ufa! Ainda há

esperanças!” (LTPNSF,1961, f. 15).

A crônica de 01 de janeiro de 1962 apresenta um padre meio desanimado

com sua paróquia, ao contrário da esperança com que encerrava os apontamentos de 31

de dezembro de 1961, uma vez que o novo ano é recepcionado com balanço de vida e

algumas poucas perspectivas de transformação na atuação da Igreja daquela localidade.

Vejamos:

Começo meio apalarmado este novo ano! Não tenho sensação de vitorioso e nem de fracassado. Afinal, a batalha apenas começou. Muitos de meus professores contavam, nas aulas suas espetaculares experiências e realizações, de como levantaram templos esplendidos, de como deslumbravam as massas. Mas eu?’ Copio estas confissões de um vigário da roça como eu. Faço-as minhas pois não me sinto fracassado e nem com complexo de povão. Afinal, o realismo cristão se constrói na dimensão espiritual. E a fé faz com que o ideal, o sonho do sacerdócio se cônjuge com a realidade, a realidade áspera e monótona da vida de um padre de roça, iluminando-a. No mais, fé em Deus e pé na tábua (LTPNSF, 1961, f. 15).

Apesar de todo esse desânimo de início de ano, Padre José Ferreira traça

vinte e quatro metas a serem cumpridas ao longo do ano de 1962. Alguma mais singela

como compra de material para a missa, ministrar curso bíblico, outras mais complexas

como construir uma escola normal regional, construir uma nova igreja, resolver a

pendência dos terrenos da Igreja (assunto que discutimos no item anterior), construção

da chácara paroquial. Ao término de sua lista, registra que algumas dessas metas serão

impossíveis de serem postas em prática dadas as condições do meio, outras darão

resultados mínimos, mas afirma a necessidade de ter essas metas traçadas para dar força

e direção aos esforços.

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No final do mês de junho, o padre apresenta balanço semestral, dando conta

do que foi executado e quais as previsões futuras. Seu texto é significativo de como ele

aprendeu a lidar com a cultura dos sujeitos do lugar, demonstrando como a religiosidade

desses católicos vai conformando a ação pastoral. Assim, nos apresenta seu balanço:

Na folha 15 deste livro de Tombo, transcrevi um modesto plano de ação. E no final do semestre é bom confrontar o plano com os resultados para ver a quantas andamos. Como prevíamos, os resultados foram vários: fracassos, vitorias, humildes resultados, mas o interessante é anotar tudo para nortear e centralizar os esforços. [...] Aqui, portanto um modesto prestar de conta, não por auto-glorificação mas como um Balanço do semestre, a ver a quantas andamos. Em todo este tempo, tenho notado grandes progressos na parte material e espiritual; só ver a colaboração nas campanhas empreendidas e a volta comovente de tantos filhos pródigos à casa paterna, bem como as legitimações de casamentos e os batizados de adultos e o apreço que se tem ao vigário. Vamos pedir a Deus que nos ajude no trabalho, nos dê força nas horas de desanimo e não nos deixe cair em tentação (LTPNSF, 1962, fs. 24-25).

Na celebração de 21 de janeiro, repete a ladainha sobre o comportamento do

povo da roça, quando vem assistir missa na cidade: “Quando vem o povo da roça é certo

o barulhão na Igreja e exemplos tristes e hilariantes da ignorância. E com o povo é

paciência, ensinar pouco de cada vez e repetir sempre” (LTPNSF, 1962, f. 16).

Em visita ao distrito de Lages, considerado como o melhor da Paróquia, mas

que falta além de instrução, noções de higiene, o padre José Ferreira questiona a

ausência de ações do Estado para mudar essa situação: “Onde o apoio do Governo dos

planos M.B e Cia? Só nos discursos políticos!24” (LTPNSF,1962, f.16).

No dia 02 de março, o religioso vai à fazenda de Altamiro de Barros, na

época, um dos grandes fazendeiros da região, para oficializar matrimônios e realizar

batizados. Nesta ocasião, tece uma crônica bem humorada sobre os costumes do povo

do lugar, assim como revela o processo de adaptação do Padre Jose Ferreira à Paróquia.

Depois de muitos preparativos ficou tudo pronto para as legitimações e batizados na Fazenda do Sr. Altamiro de Barros. A Fazenda é um colosso, de clássico feitio colonial, água em abundancia e perto o imponente Morro do Chapeu (qualquer dia vou dar uma subida) e três quilômetros, o rio Uru. Com muita paciência, voz fazendo os papeis, atendendo as confissões dos noivos ( um já é avô) e assim termino 09 casamentos e 10 batizados. Às 19 hs, missa vespertina, para o povão que se ajuntara para lucrar missa Como sempre, povo bom e

24 - Acreditamos que M.B seja abreviatura para Mauro Borges então governador de Goiás.

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igualmente ignorante! ( dia 03) Cedo apareceu os noivos que ontem haviam roído a corda. Despacho-os também e viramos para trás. Por questão de minutos quase tenho a tristeza de me desencontrar com D. Abel que passando rapidamente por Xixá, seguia então para Goiás. [...] É, Zé, até que valeu, 10 legitimações, 10 batizados! Encontro com o Sr. Bispo. É de se passar o dia, rindo a toa! (LTPNSF, 1962, f. 18).

Em abril, padre José Ferreira é nomeado Inspetor Estadual de Ensino, e

aceita o cargo, de prontidão, pois assim como fora para o Monsenhor Lincohn, a falta de

educação do povo, compreendida aqui como educação formal, é, como temos

demonstrado, ao longo de nossa leitura do Livro do Tombo, o fator que destacavam

como fundamental a contribuir para a pouca vivência religiosa das pessoas do lugar:

Outra coisa bem interessante é que me nomearam Inspetor Estadual a bem do povo e felicidade geral do Município Há vantagens e desvantagens e como meu antecessor deixou fama, tenho agora que carregar o fardo, com classe. O ensino por estas bandas da pátria é uma calamidade, calamidade é eufemismo! (LTPNSF, 1962, fs. 19-20).

Por ocasião da festa de Nossa Senhora da Guia, padre José Ferreira vai à

Diolândia25; um distrito onde as famílias Chaves e Barbosa apresentavam aquela época,

ascendência política sobre o local. Na década de 1970, dois de seus representantes se

tornaram vereadores: Osmar Barbosa de Oliveira, (1972), pela ARENA e Leônidas

Chaves Lopes (1976), pelo MDB. Neste tempo, Diolândia era um distrito com fama de

homens valentes e, ao que consta, esta localidade teve um foco de resistência aos

trabalhos da Igreja do Evangelho, haja vista ser um lugar marcado pela pouca

penetração da Igreja do Evangelho, formando-se, ali, poucos Grupos de Evangelho e,

principalmente, dali saindo várias caravanas de católicos para frequentar missas em

Rubiataba, presididas por Monsenhor Lincohn, conforme apontamos alhures. Assim, em

24 de maio de 1962, padre José Ferreira se refere à sua visita ao local:

Vou a Diolândia, na festa em honra de N. Sra. Da Guia, vou de ônibus, trem velho, caindo aos pedaços. No meio do caminho foi preciso ‘conserta’ o feixe de mola com um galho de arvore. Movimento colosso no Distrito. Bandos de cavaleiros dão ao lugar um arzinho do velho oeste: a noite, reza concorridíssima, com uma multidão para se confessar. À noite, meia-noite, tiros a valer relembrando mais uma vez o oeste bravio. Faço 66 batizados, 6

25 - O distrito de Diolandia fica a 18 Km, ao leste de Itapuranga.

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casamentos e uma concorrida procissão. Poeira tanta que nos recobri totalmente. (LTPNSF, 1962, fs.22-23)

Em tom irônico, padre José registra a chegada, no dia 06 de julho de 1962,

de um harmônium (sic), doado à Igreja por alguns fazendeiros capitaneados pelos

senhor Altamiro José de Barros. Segundo o padre, a presença desse instrumento

propiciará um verdadeiro progresso para os católicos.

Depois de tanta espera, chega o bendito harmonium oferecido a Igreja por um grupo de fazendeiros liderados pelo Sr. Altamiro Jose de Barros. Móvel bonito, som agradável agrada a todos. Não dou mais detalhes técnicos por ser mesmo grosso em musica. A senhora do Dr. Francisco Linhares fica nomeada organista oficial e dirigente da Schola Cantorum. Hum, hum, Xixá progrode (LTPNSF, 1962, f.26).

Nessa mesma data, ao registrar o aniversário do prefeito Farnésio Rabelo, o

religioso o faz em um tom de indignação em relação a um grupo opositor ao prefeito

que, segundo o padre, criam maledicências sobre a administração daquele. Em seu

primeiro mandato como prefeito, o senhor Farnésio Rabelo, eleito pela UDN, em 10 de

maio de 1955, chega a apresentar sua carta de renúncia à Câmara Municipal, mas os

vereadores não aceitam. O motivo alegado era que não estava encontrando apoio nem

entre seus correligionários além de estar sendo quase impossível administrar o

município:

Aniversário do prefeito Sr. Farneze Rabelo, celebro em sua intenção a missa vespertina, servindo-lhe depois e a família um coquetel, numa homenagem a sua autoridade e a nossa amizade. O coitado estava gago de emoção. Faço o possível para prestigiar as autoridades do lugar, pois o povo, capitaneado por uns maus elementos, ex coronéis de roça, fazem tudo para desobedecer e desconhecer a autoridade . Deus que me perdoe, mas há uns elementos, vindos de fora, muitos quase fugidos ou banidos de Minas que tudo fazem para rebaixar o já baixo nível social e religioso da Cidade. Basta ver que expulsaram, no ano passado, a tiro de revolver (uns mil tiros, como dizem) o juiz de Direito. Neste ano, as professoras despuzeram a Diretora com o apadrinhamento do Diretorio do P.S.D forçando assim a saída do ótimo promotor Dr. Mario Monteiro, marido da Diretora deposta. Como Inspetor Escolar, protestei contra, a Secretaria da Educação ameaçou até processo contra as professoras mas no fim deu tudo na mesma. Assim, a cidade conseguiu ficar sem Juiz, sem Promotor e sem Diretora que se retiraram, por falta de garantia. De vez em quando ameaçam algo contra o coitado do Prefeito e esta minha homenagem a ele foi um desagravo a todos os insultos feitos a autoridade local. (FTPNSF, 1962, f. 26).

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Ao discorrer sobre a festa do Divino do ano de 1962, padre José Ferreira

registra que, naquele ano, não houve apedrejamento de católicos por protestantes

durante a procissão como ocorrera no ano de 1961. Procuramos por esse registro no

Livro do Tombo e não o encontramos. Esse evento despertou nossa atenção pela

animosidade contida, levando-nos a procurar, pois, entre alguns católicos mais velhos,

que poderiam ter presenciado/participado dessa procissão, maiores informações sobre

essa disputa religiosa, mas não deparamos com alguém que soubesse desse ocorrido.

Nas crônicas dos dias 23 e 30 de agosto de 1962, padre José Ferreira, após

apresentar um balanço geral das obras que mandara fazer, tanto na Igreja quanto na

Casa paroquial, registra desolado que:

Infelizmente, não faltam as más línguas que perseguem o vigário e como foi acontecer sempre acabam arrumando uma mocinha que está doidinha pelo padre. O que mais doi é que toda esta conversinha parte de gente de casa, muitas vezes, gente que tanto nos deve. Enfim, isto também está na lista do que deve sofrer o vigário da roça, mesmo que a cara não lhe ajude como a minha. (LTPNSF, 1962, f.29)

No dia 30 de agosto, sua escrita demonstra um senso acurado do valor do

que é registrado no Livro do Tombo. Ao voltar a comentar como as pessoas criam

notícias sobre a vida do padre, diz que esse livro está mais parecendo um diário pessoal

do padre. Vejamos:

Mês de agosto. Mês de cachorro louco dizem, o que ficou provado, pelo menos, por aqui, com tanta língua danada a solta e como os domésticos do homem são os piores inimigos dele, aqui também resta comprovado. Tudo passa. E mais tarde será bom recordar e quiçá com saudades! Não sei porque mas com tanta amolação dá vontade de dar risada. Cada uma! Este livro de TOMBO tá parecendo diário pessoal, né? Pode ser que me condenarão no futuro tanta baboseira, pode ser também que no meio de tanto carrapicho, mais tarde poderão rever aqui, principalmente nas entrelinhas, a vida de um pobre pároco de aldeia com suas lutazinhas e desilusõezinhas a colher o trigo magro da vitória. (LTPNSF, 1962, f.29)

Apesar de ser um defensor da educação, padre José Ferreira entrega seu

posto de Inspetor do Ensino Primário do município. Novamente, o que o motiva são as

intervenções políticas dos mandatários da cidade. Mesmo com súplicas do presidente do

diretório local, prefeito e demais amigos, o padre não volta atrás. Apresenta uma análise

muito contundente da forma de se fazer política no local.

61

Ando alarmado com as divisões de força e interesses do pessoal, todos animados pela vaidade ou egoísmo. Todos querem lucrar, mandar, brilhar e derrubar iniciativas de todos. Para não ficar brigando (?) pra lá e pra cá, como palhaço, nunca me deixei fisgar, embora colaborasse para o bem da cidade. Agora deixo a Cesar o que de Cesar na direção das atividades profissionais, culturais, familiares, econômicas, sociais, políticas, ainda mais (riscado no original) neste ambiente de pouca descoberta do outro e do bem da cidade. Nas eleições consegui manter-me totalmente fora do movimento viajando pelas capelas de Fazendas e aos interessados mostrava a lista apoiado pela Liga Eleitoral pela Familia (LTPNSF, 1962, f. 31).

Talvez, podemos interpretar que, tomado por alguma desilusão, ou outro

acontecimento qualquer, não fizera relatos no Livro, passando o ano de 1963 ao largo de

registro de crônicas que apontem para o cotidiano da paróquia. Com exceção sublinha-

se uma observação, no mês de junho, sobre o distrito de Cibele, dando conta de que

ninguém fora receber o padre por ocasião de sua visita para celebrar missa, fato que o

obrigou a voltar para Itapuranga. O episódio mencionado atribui-se ao fato de o

fundador do lugar, grande fazendeiro naquelas paragens, ser espírita-pentecostal e os

poucos católicos do lugar não se entenderem por questões de divisão políticas. Por outro

lado, em várias passagens, Padre José indica a vontade de sair de Itapuranga, o que

acaba se concretizando com sua ida para Rubiataba, ficando responsável pela visita

mensal à Paróquia de Itapuranga.

No ano de 1964, não há uma só crônica referente à vida religiosa da

Paróquia, visto que o escrevente apenas se limitou a informar quais os dias que havia

visita de padre para realizar as atividades de forma bem sucinta. No final da folha 47,

somos informados de que nos anos de 1965 e 1966 não houve registros paroquiais

devido ao fato da Paróquia ter sido entregue aos padres de Itaberaí26.

Em 16 de Janeiro de 1967, começa uma nova etapa na história da Igreja

Católica em Itapuranga com a chegada do Padre Nello Bononi. Padre Nello foi quem

implantou, em Itapuranga, algumas das iniciais propostas de mudanças, transformações

propostas por D. Tomás Balduino, na forma de se vivenciar o catolicismo na Diocese de

Goiás. O novo padre é recebido na estação rodoviária com a presença de várias

autoridades da cidade.

26 - Itaberaí fica a 60 km ao sul de Itapuranga, sentido Goiânia.

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Depois de intensa preparação do povo da cidade feita pelo revmo. Pe. Graziano Botti de Itaberai, até então Encarregado de Itapuranga e pela dedicada Srtª Anna Maria Zambolin, houve hoje às 10 h solene recepção do novo Pároco, na pessoa do Revmo. Pe. Nello Bononi proveniente de Morada Nova de Minas Gerais. Acompanhavam o novo Pároco, Mons. Angelino, Vigario Geral da Diocese e Pd. Dante Della Casa DD. Vigario de Itaberai. As irmandades, as crianças, o povo em geral recepcionaram o Padre na altura da Estação Rodoviaria, sendo o Dr. Warner Prestes o orador oficial do encontro. Entre as autoridades: o sr. Prefeito, Agoncilio, o Dr. Sebastião, o sr. Delegado de Polícia, as Diretoras dos Grupos Escolares, os Gerentes do Banco do Brasil e do Bradesco. À porta da Igreja, discurso de Mons. Angelino, leitura da nomeação feita por Pe. Dante, Stª Missa Solene com discurso do novo Pároco, agradecendo tanta honra e traçando suas linhas de ação. Agradeceu aos Padres de Itaberai que tanto contribuíram nestes três anos em melhorar a situação religiosa da cidade e pedindo colaboração no futuro (LTPNSF, 1967, f. 48).

Até a data de 20 de agosto de 1967, as crônicas de Padre Nello obedecem a

mesma estrutura narrativa de seus precedentes. Visita às capelas, constatação de quem

são os mandantes em cada lugar, reclamação de que não há respeito pela celebração,

enfim, segue o mesmo formato. No entanto, em 20 de agosto, ele faz a seguinte

anotação no Livro Tombo:

Mistérios dolorosos... que fazem parte das leis da redenção e da vida. O soldado de Cristo os despreza e segue a frente com firmeza inabalável. A luta me exalta e descobre a mim mesmo uma força que nunca supunha estar encerrada dentro de minha alma e sobretudo uma fieldade ________(ininteligível) à minha mãe a Santa Igreja. O amor para ti, ó Santa mãe, e tua honra, me obrigam a não revelar o que Deus está sabendo... (LTPNSF, 1967, f.48-49)

Em 15 de outubro aparecem, pela primeira vez, no Livro do Tombo, os

nomes de José Guedes, Dona Maria Pires, Dona Zuza e Maria Ferreira, católicos que

participaram, juntamente com outros, ativamente da implantação e consolidação da

Igreja do Evangelho em Itapuranga, tomando parte no Grupão. Esse grupo, composto

por leigos, tinha como meta ser orientadores dos demais Grupos de Evangelho e

tornariam-se, ao longo, principalmente dos anos de 1970, coordenadores de grupos de

leigos na Paróquia27.

Em 26 de novembro de 1967, padre Nello, acompanhado de uma pequena

comitiva, participa, em Goiânia, da sagração de Dom Tomás Balduino, como o novo

bispo de Goiás. Em 17 de dezembro, segue para a cidade de Goiás para participar da

27 - Para mais informações sobre a formação do Grupão em Itapuranga ver COSTA (2004).

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tomada de posse de Dom Tomás, da Diocese de Goiás. Os apontamentos desse final de

ano não apresentam nenhuma novidade em relação à estrutura das celebrações. A

presença nas missas de Natal e Ano Novo com boa participação, sem reclamação de

‘incivilidade’.

A primeira anotação do ano de 1968 diz respeito à reunião dos padres da

Diocese de Goiás na cidade de Itaberaí com Dom Tomás Balduino, ocorrida no dia 03

de janeiro. Nessa reunião, serão lançadas as bases futuras daquilo que se constituiria na

Igreja do Evangelho naquela Diocese. Inaugura-se, nesse momento, a nova metodologia

de evangelização. A partir dessa reunião, haverá um processo de reorientação na

metodologia de evangelização diocesana. Nesse sentido, Pessoa (1999) afirma que:

O que não se pode dizer, no entanto, segundo os documentos disponíveis, é que D. Tomás tenha chegado a Goiás com a Igreja do Evangelho já pronta dentro de alguma valise. Mas parece que ele levou pelo menos a convicção da importância metodológica de se fazer assembleias. Logo no primeiro mês como bispo, em uma reunião dos padres na cidade de Itaberaí, nos dias 02, 3 e 4 de janeiro de 1968, já noticiara a intenção de convocar todos os padres, religiosos e representantes leigos para uma assembléia diocesana. As assembléias diocesanas se tornaram, então, a instância superior de decisões em termos pastorais (PESSOA, 1999, p.104-105).

Nesse mês houve, além dessa informação da reunião em Itaberaí, apenas

duas crônicas. A última do dia 31 aponta para uma indisposição de padre Nello com

Monsenhor Lincohn. Os elementos desta indisposição se somam e culminam num ponto

que se agravará ao longo do ano de 1968, chegando ao ápice em 1969, conforme

veremos. Nessa crônica, padre Nello nos apresenta a nova configuração das capelas da

região, passando Caiçara28 a ser território diocesano de Rubiataba e Diolândia para a

responsabilidade de Monsenhor Lincohn. Vejamos:

A cura espiritual da Capela de Diolândia ficou com Mons. Lincohn Monteiro; a Capela de Caiçara passou à Diocese de Rubiataba. HISTÓRICO: Em Diolândia encontrei desordem administrativa: nunca quiseram dar as contas, nem pagar as percentagens devidas. Fiquei duro visando uma correção em prazo razoável. Nada de mais lastimável que o apoio disfarçado que Monsenhor Lyncoh lhes deu. Apesar faram carta ao Sr. Bispo pedindo que a Capela fosse entregue ao Monsenhor sobrecito. E foi obrigado a cedê-la por disposição do Sr. Bispo. Estou agora observando a investida de dito Padre sobre Itapuranga com visitas, reuniões de caráter político aqui em Xixá,

28 Caiçara está a 32 Km, ao norte de Itapuranga.

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insatisfeito ainda ao que parece, depois de ter recebido a melhor Capela (20% da povoação) da Paróquia de Itapuranga. Mas Deus sempre humilhou os soberbos!...(LTPNSF, 1968, f.50)

No dia 01º de maio de 1968, acontece a primeira reunião paroquial para

definição de que quem iria representar Itapuranga na primeira Assembleia Diocesana

em Ceres.

Sob a presidência do Pe. Luiz Cordolla (?) (_____) (ilegível) foi realizada uma espécie de Assembléia Paroquial que escolheu para a Assembléia diocesana de Ceres os delegados paroquiais. São eles: Sidnei Mota, Maria Ferreira, Josenilda Guimarães. O Pe. Luiz ficou entusiasta!(LTPNSF, 1968, f. 51)

Das pessoas citadas, Maria Ferreira se tornaria uma das mais motivadas a

trabalhar pelas mudanças pastorais. Sua trajetória de militância será marcada pela

participação em todas as esferas pastorais, bem como das instâncias políticas, como

sindicalismo de base, formação do Partido dos Trabalhadores, movimento pela saúde

popular, criação da Associação Popular de Saúde de Itapuranga- APSI. Constituir-se-á

numa militante total da Igreja do Evangelho em Itapuranga, em particular, e na Diocese

de Goiás, como um todo.

Novamente, Pessoa (1999) aponta para a importância das assembleias

diocesanas. Assim, nos apresenta a importância dessas na reconfiguração pastoral da

Diocese:

Uma análise das oito primeiras assembléias, até o ano de 1975, mostra que é em torno das assembléias e a partir delas que vão surgindo as novas formas de poder interno, as definições ideológicas, as contradições do modelo e os enfrentamentos internos e externos. O texto A Igreja do Evangelho divide o período em quatro etapas, chamadas de: Modernização, transição, Renovação e A Igreja do Evangelho. Da etapa Modernização fazem parte as duas primeiras assembléias (1968 e 1969). Nelas havia uma marca clara da instituição com seu sistema de poder ainda totalmente vertical. A convocação para ambas foi feita pelo bispo, invocando seu poder para tal; os temas discutidos, todos retratando uma preocupação da Igreja com o especificamente religioso e com a auto-reprodução, escolhidos previamente pelo Conselho de Presbíteros. O resultado final foi publicado como Decreto Diocesano. (PESSOA, 1999, p. 105; grifos do autor)

Em julho, de 01 a 07, aconteceu em Ceres, a 1ª assembleia Diocesana. De

Itapuranga foram, como representantes da Paróquia: O Padre Nello, a senhora Joana

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Moreira do Nascimento, Maria Ferreira, José Guedes, sendo esses três leigos,

‘delegados da comunidade católica da Paróquia’. Não há posterior a assembleia,

nenhuma observação até a data de 15 de janeiro de 1969, um semestre, sobre o que foi

discutido na Assembleia Diocesana. Nesse período, as crônicas são dirigidas para a

continuidade da rotina da vida religiosa: rezas de terço, celebrações de casamentos,

missas.

Em janeiro de 1969, é registrado, nas crônicas da Igreja de Itapuranga, que

ocorre, todas as quintas-feiras, reunião com a juventude. Essas reuniões são

coordenadas por: Maria Ferreira, José Guedes, Lázaro Borges, Pérpetua Camargo,

Sebastião Gontijo e outros. Instigante que os primeiros sinais das discussões paroquiais

aparecem juntos à informação sobre as reuniões da Legião de Maria.

Estão se realizando semanalmente as reuniões da Legião de Maria que já conta com mais de 20 membros. Também as reuniões da Juventude nas Vª feiras exclusivamente de formação, são frequentadas por 40/60 rapazes e moças. Começamos no ano passado e estão sendo muito interessantes. Em cada reunião é debatido um assunto diferente e os coordenadores que estão surgindo são: Maria Ferreira, José Guedes, Lázaro Borges, Perpetua Camargo, Sebastião Gontijo e outros. (LTPNSF, 1969, f. 52)

Em março, de 26 a 30, acontece a 1ª Assembleia Paroquial, com grande

participação dos católicos. Dom Tomás se faz presente, o ecumenismo é incentivado

com a presença de pastores de outras denominações. O motivo central dessa assembleia

foi divulgar as decisões da Assembleia Diocesana.

Foi realizada a 1ª Assembléia Paroquial com a presença de 60 entre homens, rapazes, senhoras e moças. Participou no inicio D. Tomás e no fim Pe. Pereira de Maria como coordenadores. Foram tratados assuntos da Assembléia Diocesana e os participantes ficaram verdadeiramente impressionados e eletrizados. Esperamos agora formar as diversas equipes de trabalho. Foi convidado também no dia dedicado ao Ecumenismo o pastor presbiteriano Jerson de Oliveira e o pastor pentecostal Getulio Ferrão da Silva. (LTPNSF, 1960, fs. 52-53).

Em julho, (14 a 20) participam da 2ª Assembleia Diocesana: Padre Nello,

Sebastião Gontijo, Perpétua Camargo, José Guedes e Maria Ferreira. Nesse mês, foi

realizada a festa do Divino com a presença de Mons. Lincohn, marcada, novamente pela

66

reclamação de que o baile atrapalha a festividade religiosa. Não há posterior avaliação

das discussões propostas pela assembleia.

Em agosto de 1969, a pretexto de elogiar a atuação de Maria Ferreira frente

à Cruzada Eucarística, Padre Nello lança novas pistas do que logo se concretizaria. São

crônicas que nos dão indícios diversos, mas que também apontam para o início dos

conflitos entre aqueles que passam a não aceitar a nova proposta de evangelização da

Igreja do Evangelho. Padre Nello preconiza que já se inicia um processo de “depuração”

dos católicos da Paróquia e esse movimento irá se agravar. No entanto, aponta como

será estabelecida as novas alianças dessa Igreja particular em Goiás: Qualidade ao invés

de quantidade de fiéis.

A Cruzada Eucarística continua firme embora em números menor nas mãos da Profª Maria Ferreira. Somente Deus sabe quanto devo a esta jovem votada alma e corpo a Igreja, que progredindo a passos de gigante. Em quase três anos foi ao meu lado com uma dedicação e uma fidelidade inabalável nos sucessos e nos reveses, defendendo a Igreja e o Padre com uma coragem extraordinária. Deus tem um plano com esta criatura privilegiada, sedenta de santidade e de levar todos ao Cristo! Fique nestas páginas minha estima e meu imoredouro agradecimento! A Legião de Maria sofreu com minha ausência e está um pouco em crise de adaptamento as novas realidades surgidas com as Assembléias: irá diminuir no numero mas quero que fique uma elite de jovens fervorosos e apostólicos. Os Congregados Marianos com seu Presidente João Miguel estão em notável progresso não em números mas em atividades e conscientização. O Apostolado da Oração com sua presidente D. Maria Pires está sempre firme e há umas vinte verdadeiramente generosas. São as senhoras que tem a tarefa pesada de arrecadar mensalmente o Dízimo na cidade. Entre os primeiros colaboradores que caíram ao longo do caminho notamos Dª Edith que não soube renunciar ao espiritismo e se afastar completamente. Vânia Freitas abandonou os “Lobinhos”, a Legião e foi na onda da juventude sem rumo. Lázara Freitas também foi esfriando e parece estar se afastando sempre mais. Mas o barco de Cristo vai a frente e bem aventurado quem tiver perseverado até o fim. (LTPNSF, 1969, f. 52-53; grifos nossos)

O ano de 1969 é marcado pelas novidades pastorais propostas nas

Assembleias, como a nova forma de celebração do ritual da missa, apresentada aos

padres e leigos em outubro, na sede diocesana. As crônicas desse período discorrem

sobre a convivência lado a lado das tradições religiosas presentes na reza do terço,

festas de santo bem como as atividades religiosas desenvolvidas na cidade. E, em

dezembro, por ocasião da formatura dos alunos do Ginásio Xixá, Padre Nello assinala

que “não vale a pena baratear a religião com essas missas tradicionais”. Essa será uma

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das rupturas que a Igreja local fará, não mais participando dessas atividades que não

produzem sentido de conversão à realidade.

Em 31 de dezembro, Padre Nello apresenta uma leitura da situação

paroquial de extrema sensibilidade ao analisar que há uma transformação acontecendo

na Paróquia. Ao apontar algumas situações de vivências religiosas na cidade tais como

o espiritismo, a macumba e o pentecostalismo, na realidade está constatando a

existência de uma disputa se dando pelo campo religioso local. Nesse quadro apontado

das transformações por que passa a Paróquia, dentro do contexto diocesano, ‘quem cede

fiéis para as demais é a Igreja Católica?’, conforme ele mesmo questiona ao final.

Agora as Santas Missas com a renovação litúrgica, a preparação cuidadosa, os cantos, a orientação, o coordenador de liturgia, Maria Ferreira que põe fogo e entusiasma em tudo, são participadas com uma atenção, um silêncio, uma devoção, que dá prazer. Oxalá continue assim. A Santa Missa da noite de Natal teve uma participação estrondosa mas ... eram só católicos? O espiritismo de macumba, ligado a Itapirapuã e fomentado aqui por Orlando Campos, Lourival e José Campos mais Sebastião Preto está preocupando bastante e levando muita gente. O Padre preto saiu, (Igreja Católica Brasileira) mas seus sustentadores não voltaram à Igreja Católica. Parece que Xixá está esperando um Salvador, o povo está sem rumo e tudo pode acontecer. Sairá a Igreja Católica vitoriosa nessa luta? Deus o queira. (LTPNSF, 1969, f. 54; grifo do autor).

De 21 a 24 de julho de 1970, acontece a 3ª Assembleia Diocesana em Goiás,

tendo como representantes de Itapuranga: Sebastião Gontijo, Maria Ferreira e Padre

Nello, não havendo maiores informações de como transcorreu a Assembleia.

Na seqüência, no final do mês de dezembro, padre Nello registra a presença

de D. Tomás, em Itapuranga, para celebrar missa de formatura, além de nos informar de

uma reunião em sua casa com os colaboradores, alegando “estar condenado em toda a

linha pelo bispo”. “Sinto-me arrasado como padre!”, diz ele. Por ocasião da celebração

natalina, deixará registrado: “Natal, Natal triste com minha comunidade abalada pela

atitude do senhor Bispo”. Não conseguimos descobrir, nos trâmites de nossa pesquisa, o

que fora essa decisão do bispo.

Em fevereiro de 1971, novamente a presença incômoda de Monsenhor

Lincohn na Paróquia de Itapuranga, corroborada no trecho seguinte:

Ao receber a noticia da vinda em Xixá de Mons. Lyncohn Monteiro Barbosa que planeja há muito ser vigário de Itapuranga, acho seu comportamento indigno e rasteiro e corro imediatamente a D. Tomás

68

para renunciar ao meu cargo de Vigário. É uma vergonha na Igreja este comportamento de Lincohn. Porque que a seara alheia? Porque não fica sossegado em Uruana? Que Itapuranga: Pois venha e eu me afastarei D. Tomás aceita minha renúncia e pede para eu dar assistência à Paróquia até ele providenciar novo padre. (LTPNSF, 1971, f. 56).

No início de março do mesmo ano, Padre Nello faz valer o amor anunciado

nas crônicas e se casa com a professora Maria Ferreira. Seu último registro no Livro

Tombo é um balanço da sua dedicação à Paróquia e à Diocese, a indicar sinais para

outras possibilidades de leitura dos anos iniciais da Igreja do Evangelho na Diocese.

Assim, nos apresenta sua leitura:

Ao estourar a ‘bomba1 que o Padre casou, uma comissão foi ao bispo e D. Tomás pediu-me para me afastar da Paróquia, dando aos padres de Itaberaí o encargo de velar por estas almas até a chegada de novos vigários que virão da Itália. Aqui despede-se o pe. Nello desta comunidade que lhe custou suor e sangue, quase chutado mas não tem importância. Deus sabe que eu trabalhei aqui e me entreguei completamente à tarefa da Igreja de Itapuranga. Não teve outros objetivos a não ser o reino de Deus. Posso ter errado mas tentei acertar e me dediquei sem reserva ao trabalho eclesial. Nunca irei compreender porque tanta desconfiança e golpes por parte do Sr. Bispo que acabaram por destruir completamente meu sacerdócio! Quem fia na vidinha mole é bem quisto pelo Bispo e quem debasta o mato é marginalizado só porque não diz Amém mas tem uma cabeça. Cai minha cabeça aqui como caiu a de Paulo em outra praça e como Savonarola e Joana D’Arc sou queimado vivo mas a verdade aparecerá e o futuro desta paróquia dirá se o pe. Nello errou ou tinha razão. Deus, meu Deus somente em vós eu confio! (LTPNSF, 1971, f. 56).

Padre Antonio Cappi assume a Paróquia de Itapuranga em 10 de abril de

1971 até a chegada do padre definitivo, Ivo Poletto. Nesse período, é criado o Conselho

Paroquial. Até as últimas crônicas, lançadas em 24 de dezembro de 1971, Padre Cappi

registra a integração de Nello à comunidade como um dos principais entusiastas da nova

Igreja de Goiás.

Essa é a realidade encontrada pela Equipe Diocesana29 em Itapuranga. O

que, de forma geral, não foge à regra da forma como os sujeitos católicos no interior do

29 - PESSOA diz nos que o “ bispo convidou vários agentes de pastoral de fora, especialmente uma equipe de Caxias do Sul-RS, composta de uma dezena de pessoas entre padres, religiosos e leigos, com passagem pelo COM - Centro de Orientação Missionária, de Caxias do Sul. Desses, “três padres e uma jovem leiga”,(...), foram convidados para comporem com o bispo a Equipe Diocesana, um organismo situado entre o bispo e o restante do conjunto da Dioceses, praticamente acoplado ao poder do bispo ( “...participando de sua autoridade”, conforme Igreja do Evangelho, p.51) (1999, p.106).

69

Brasil foram socializados nas práticas e rituais do universo religioso. Acostumados com

a presença da Igreja apenas nos momentos de desobrigas, tendo uma identidade

marcada, muito mais pelo catolicismo devocional popular, de devoções, festas e folias

do que propriamente do catolicismo oficial de missas e padres. Assim, distantes do

cotidiano paroquial, o que se destaca é, conforme descrito no Livro do Tombo, a

‘incivilidade’ do povo católico de Itapuranga.

Ao chegar à Diocese de Goiás, D. Tomás Balduíno se defronta com uma

Igreja comprometida, até então, com o jogo de manutenção de poder de uma elite

agrária local. Carlos Rodrigues Brandão (1992), procurando delinear as mudanças

ocorridas na Diocese de Goiás, com a presença de D. Tomás, assim diz dos anos

anteriores à chegada deste a Goiás:

Até o ano de 1970, quando D. Tomás assume a chefia da igreja local, os seus antecessores, bispos, padres e leigos das irmandades senhoriais, reproduziram entre eles o pequeno jogo usual de alianças e prestações mútuas de serviços através dos quais os interesses, poderes e símbolos de legitimidade da Igreja Católica, da elite governante e dos grandes senhores de terras perpetuam-se, reforçam-se e mutuamente se auxiliam, quando aqui e ali índios, negros e escravos e, mais tarde, lavradores pobres e submetidos, ameaçavam pequenas rebeliões. ( BRANDÃO, 1992, p.12).

Para Jadir M. Pessoa (1999), a vinda de D. Tomás para a Diocese de Goiás,

em si, já é “fato marcante [...] no novo modo de se produzir o sagrado” na Diocese de

Goiás. Ainda, vê a formação religiosa e a experiência de trabalho de D. Tomás como

fatores importantes que viriam contribuir para a consolidação da Diocese de Goiás nos

rumos de uma nova forma de evangelização, pautada pelos princípios presentes na

“Teologia da Libertação”. Dom Tomás chega à Igreja de Goiás com uma nova

concepção teológica que tem como base um envolvimento direto com questões políticas

e sociais. Contudo, não afirmamos que D. Tomás já tinha pronta a ideia de se implantar

a “Igreja do Evangelho”, na Diocese de Goiás.

A novidade apresentada pelo bispo, no momento seguinte à sua chegada, foi

a convocação de uma assembleia diocesana para se discutir questões relativas à Igreja

de Goiás, tendo, além da presença do clero, leigos representantes das várias regiões

diocesanas (inclusive Itapuranga como apresentamos acima). Essa nova metodologia,

introduzida por D. Tomás, seria a primeira instância no processo mudancista que se

faria concretizar na Diocese de Goiás. Partiriam das discussões desenvolvidas nas

70

assembleias diocesanas os novos planos e projetos que iriam transformar a maneira de

ser e de viver o catolicismo na Igreja de Goiás.

Sobre a decisão de convocar leigos e clero para discutirem em assembleia,

Dom Tomás Balduino (2003) assim nos diz:

O primeiro ato assim, eclesiástico que se definiu foi a assembléia. Já tinha experiência em Conceição do Araguaia, na Prelazia de Conceição, de convocação das forças vivas da Diocese, na linha de buscar caminhos, objetivos evangélicos de acordo com as diversas propostas do Concílio Vaticano II, cujo apelo ultrapassava um pouco o universo clerical. As assembléias foram, então, convocadas, assim, tendo em vista, o povo de Deus. Não tanto a assembléia, como as tradicionais em que o bispo se reúne com o clero; mais assim...30

Na primeira reunião entre bispos e padres, em janeiro de 1968, na cidade

diocesana de Itaberaí, foi anunciada a intenção de se convocar a comunidade religiosa e

os leigos para as assembleias diocesanas. O que se pode observar, tendo em

consideração a resolução de convocá-las, é que a Igreja de Goiás inverteu o processo

apresentado, na mesma época, por outras Dioceses consideradas como

populares/progressistas. Em Goiás, a Igreja fez-se presente na figura do bispo ao

convocar assembleias e apontar seus participantes, num primeiro momento,

pressionando a forma anterior do modo de ser Igreja na Diocese.

Dentre outros aspectos, Ana Maria Doimo (1995) nos instiga a pensar o

papel das assembleias e suas formas de uso nos movimentos populares. Assim:

Em que bases dar-se-ia, então, o resgate da presença do povo na constituição de uma sociedade civil efetivamente autônoma e capaz de caminhar com suas próprias pernas? Resgatando-se uma concepção rousseuniana de soberania popular, pela via assembleística, e imprimindo-se o controle popular sobre a coisa pública. [...] A Assembléia permite discutir melhor o encaminhamento da luta, leva à participação ativa do povo, viabiliza a reflexão conjunta, fortalece a luta e permite, enfim, a participação popular nas decisões. (DOIMO, 1995, p. 126-127).

Ainda, a este respeito, para Jadir de M. Pessoa (1999):

As assembléias diocesanas [...] se tornaram,[...] , a instância superior de decisões em termos pastorais.[...] Uma análise das oito primeiras assembléias, até o ano de1975, mostra que é em torno das assembléias

30 - Entrevista com Dom Tomás Balduino Ortiz, realizada em 12 de fevereiro de 2003, em Goiânia.

71

e a partir delas que vão surgindo as novas formas de poder interno, as definições ideológicas, as contradições do modelo e os enfrentamentos internos e externos. (PESSOA, 1999, p. 124).

É de dentro de si que a Igreja de Goiás passa a olhar para a realidade

diocesana, para, num momento posterior, pautada nos resultados apresentados pela

pesquisa desenvolvida pela Equipe Diocesana, definir as metas prioritárias de ação.

72

Mapa 2 – Municípios da Diocese de Goiás. Org. e Dig.: LABGEO/UFG/CAC. Fonte: IBGE; Mapa Político e Rodoviário do Estado de Goiás – 2000.

73

A proposta de mudança foi trabalhada aos poucos, sendo necessárias oito

assembleias diocesanas para que se consolidassem as propostas iniciais da Igreja de

Goiás, nos rumos da “Caminhada”. Entre as oito assembleias que deram impulso a esta

nova forma de ser da Igreja de Goiás, é dada, por parte dos agentes e leigos da Diocese,

uma grande importância à quarta assembleia, ocorrida em 1971.

Essa importância atribuída à quarta assembleia justifica-se na medida em

que, a partir dela, houve uma redefinição por parte da Igreja em seu papel

sócio/político/religioso. É a partir desse momento que surge a presença da Equipe

Diocesana (apontada acima), constituída, em sua maioria, por agentes vindos de fora da

Diocese .

Essa equipe era formada por: Dario Nunes, padre e pedagogo, Terezinha

Coelho Vaz, assistente social, Ivo Poletto, padre e sociólogo, tendo, inclusive,

experiência com a pastoral operária no Rio Grande do Sul, figura central no processo de

coordenação e implantação da “Igreja do Evangelho”, em Itapuranga e, por último, Frei

Elizeu. Esse grupo de pessoas viria a desenvolver a pesquisa “Para Conhecimento da

Realidade” diocesana sob a coordenação de Carlos Rodrigues Brandão, o pessoal da

UNICAMP, segundo D. Tomás. São resoluções da quarta assembleia, também, a criação

das CEBs, o Projeto de Educação da Comunidade e a criação da Escola Pastoral.

De 1968 a 1975, foram realizadas oito assembleias diocesanas. Estas foram

responsáveis por profundas transformações na Igreja de Goiás e no modo como ser

católico na Diocese, tendo sempre como ponto básico as resoluções tomadas nas

assembléias.

Dom Tomás nos relata que havia uma renovação no quadro do clero na

Diocese com a chegada dos padres italianos. Nessa perspectiva de renovação, aponta o

interesse por parte de leigos, principalmente médicos que viam na nova proposta de

Goiás possibilidades de efetuar trabalhos nas áreas de saúde, aliados a uma dimensão

mais politizada.

Quando pensamos nas mudanças ocorridas nesse período, na Diocese de

Goiás, tendemos a procurar apenas os seus reflexos na esfera sociopolítica e nos

esquecemos de que a base principal desta proposta é a transformação da forma de se

viver a religião. Compreender como esta opção diocesana viria a transformar a relação

dos sujeitos católicos, com o seu mundo estruturado, não só apenas procurando

modificar suas “visões de mundo”, mas a maneira de se relacionar com o sagrado, é

procurar adentrar no universo destes “novos eleitos”, percebendo, assim, como essa

74

opção de evangelização da Diocese de Goiás refletiu em suas vidas, fazendo com que

uma parcela destes “novos eleitos” se tornassem “militantes totais”31 da Igreja de Goiás

por mais de duas décadas.

Nesse período de implantação da Igreja do Evangelho, ocorreram, também,

várias manifestações contrárias à nova forma de ser católico, conforme as resoluções

diocesanas. Aos poucos, se a Diocese foi produzindo seu novo quadro de alianças, por

outro lado, esse mesmo movimento acabou por produzir, também, seus opositores de

dentro. Ou melhor, uma parcela significativa dos católicos de Itapuranga resistiu à nova

proposta de evangelização.

O recurso pedagógico utilizado pela Equipe Diocesana, no processo

de implantação da Igreja do Evangelho, foi o de se apropriar dos elementos

componentes da realidade vivida pelos católicos em cada paróquia, conforme os

resultados apontados pela pesquisa desenvolvida em alguns municípios que compõem a

Diocese de Goiás. A realidade que é apurada nessa amostra do território diocesano não

foge ao padrão socioeconômico, político e religioso, do interior do país, com certeza. É

o quadro marcante (que leva à definição de uma “Igreja pobre para os pobres”) de uma

população pobre que vive basicamente da agricultura, como pequenos sitiantes, e em

sua maioria não proprietários[...] (MOURA, 1989, p. 59). Diante desses dados

específicos que já haviam sido apontados pela pesquisa “Para Conhecer a Realidade”

realizada pela Equipe Diocesana, dando conta de um maior contingente de católicos na

zona rural, a “Igreja do Evangelho” instaura-se em Itapuranga. Como base de apoio e

fonte de produção de seus primeiros leigo-militantes figuraram os trabalhadores e os

pequenos proprietários rurais católicos.

Ivo Poletto, numa citação longa e importante, assim descreve a sua atuação

nos primeiros anos de implantação da Igreja do Evangelho, junto às comunidades

católicas de Itapuranga:

Cheguei em Itapuranga no dia 02 de fevereiro de 1972. Assumi a missão de animar as comunidades cristãs de Itapuranga e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de participar de uma equipe diocesana de educação popular. Em Itapuranga fui parte de uma equipe junto com

31 - O conceito de Militante Total foi desenvolvido por Nelson Rosário de Souza em sua dissertação de mestrado “A Igreja Católica Progressista e a Produção Do Militante - Cartografia de uma Afinidade Eletiva Político-Religiosa”, USP-SP,1993. Por Militante Total compreende-se o militante que apresenta um caráter absoluto de engajamento, tanto no caso apresentado por Souza como no nosso estudo, os militantes apresentam uma ampla capacidade de mobilização em todos os sentidos de atuação de base: sindicatos, grupos de bairros, partidos, pastorais, CEBs.

75

cinco leigos, todos gaúchos. Na Diocese, fiz parte de uma equipe constituída a pedido da Assembléia Diocesana. Permaneci em Itapuranga até o final de 1974. [ ...] Mais do que introduzir (grifo no original) a Teologia da Libertação, o trabalho teve como objetivo concretizar as orientações da Conferência do CELAM realizada em Medellin (1969) e as decisões das assembléias diocesanas da Igreja de Goiás. A Teologia da Libertação estava, na verdade, dando os seus primeiros passos. O desafio maior era avançar na prática de uma evangelização libertadora ( grifo no original). Ela, uma vez dinamizada, tornar-se-ia fonte para a Teologia da Libertação. Esta evangelização tinha como base e fonte inspiradora a prática de Jesus, e como desafio concreto a necessidade que a população tinha de construir sua libertação em todos os campos da vida. Sem passos de libertação social - em que abarcava o pessoal, o grupal, o econômico, o político, e o cultural -, entendia-se que não se realizava verdadeira evangelização. A vivência da mensagem de Jesus devia ter uma dimensão histórica. Marcando mudanças e transformações nas pessoas e nas relações sociais. Em vista disto, creio ser importante destacar dois elementos da prática de evangelização libertadora que vivenciei junto às comunidades cristãs de Itapuranga. 1) a prática de ir ao encontro das pessoas nas roças e nas periferias da cidade, convidando-as a participarem de encontros que tinham como objetivo abrir a igreja local aos marginalizados pela sociedade e pela igreja, criando oportunidade para que fossem os principais responsáveis da renovação que se procurava realizar; 2) para que esta evangelização atingisse a vida de fé e a vida toda, junto com a equipe diocesana foi inaugurado um caminho de refletir sobre a vida toda com a luz da Palavra de Deus; concretamente, os primeiros encontros de cada grupo de pessoas que aceitavam o convite foram todos animados a partir da parábola do ARROZ E DO TIMBETE ; esse título indicava a tradução da palavra para a cultura regional e, ao mesmo tempo, a vivência da força evangelizadora das parábolas de Jesus em cada tempo e lugar, sem repetir mecanicamente o que Ele criou para o seu tempo.32

Os primeiros encontros foram marcados pela presença expressiva dos

homens, mas nem todos faziam uso da palavra nas reuniões. Estas pessoas eram

convidadas a participarem dos encontros para falarem de seus modos de vida e de seus

trabalhos. A pequena participação feminina, neste momento inicial, deu-se mais em

função da forma como fora feito o chamamento, uma vez que importava “descobrir”

como se estrutura o mundo do trabalho, portanto, apenas o universo masculino. Com o

32 - Texto “Teologia da Libertação em Itapuranga”, escrito por Ivo Poletto em forma de depoimento a pedido dos então estudantes do curso de História da UEG- Unidade de Itapuranga, s/d (grifo no original).

76

desenvolvimento da “Caminhada”, as mulheres assumem a organização e coordenação

dos Grupos de Evangelhos33.

O senhor José Lemes, assim descreve as primeiras reuniões que participou

junto à Equipe Diocesana:

Quando surgiu essa renovação da Igreja, que a gente chama de Renovação, o padre começa a conversar com o povo, a chamar atenção do povo, celebrar de frente do povo, dar atividade pro povo. Eu me apaixonei por aquilo, tinha vontade de participar. E aí, surgiu de fazer qualquer coisa. E aí, surgiu aqui não foi bem, assim, um grupo original ( grifo meu) da Igreja, mas foi um grupo que apareceu aqui. Darci Accorsi mais o Daniel que era professor do Colégio, aí através do Ivo, que era Padre, nós ficamos sendo amigos. E aí, vamos fazer um encontro no dia de domingo, pra conversar, a gente tem muita coisa pra conversar. Convidei meus vizinhos, meus irmãos que moravam aqui perto, parentes, sentamos aqui nesta sala e começamos a conversar.34

Este sujeito apresenta uma questão importante para a implantação da Igreja

do Evangelho em Itapuranga, e que se apresenta em todas as entrevistas que fizemos

junto aos católicos envolvidos neste projeto de Igreja da Diocese de Goiás, em

Itapuranga: a presença dos leigos. Para esses leigos, o que importava era conhecer os

modos de vida desses católicos, suas histórias sobre o plantar, o colher, o vender.

Histórias de como “ajeitar roçado na meia”; de como podem juntos resolver seus

problemas. Dessa forma bem simples, bem “chão”, estava sendo dado os primeiros

passos rumo a uma nova metodologia de trabalho baseada nos ensinamentos de Paulo

Freire, principalmente relacionada com a educação como prática de libertação.

Ao método dialético, presente nos textos de Paulo Freire, juntava-se à

metodologia belga do Ver-Ouvir-Julgar. Para Sader (1988): “Com ele se pretende

efetuar uma reflexão crítica e voltada para a prática, de modo que as privações vividas

deixem de ser consideradas como fatalidades” (SADER,1988, p.159). Nesse sentido,

Ivo Poletto assim se refere às práticas de ensinamento/discussão:

Ao mesmo tempo, porém, não se deixou de ter cuidado e criatividade em relação aos meios que possibilitavam a participação e o crescimento nesta prática democrática. Houve muita atividade de dinâmica de grupos (grifo no original), estimulando os participantes

33 - Christopher Hill, (2003) em apêndice do livro “A Bíblia Inglesa e as Revoluções do Século XVII”, sobre o papel político da Teologia da Libertação enfatiza a importância do livro de Êxodos como chave para se compreender o valor da presença da mulher na libertação e na criação de um povo livre. 34 - Senhor José Lemes, pequeno proprietário de terra, entrevista realizada em julho de 1994.

77

a assumirem a sua palavra como a arma principal de sua libertação. Foi isso que tornou possível o nascimento de novas formas de organização popular, algumas delas a partir da superação das contradições das velhas organizações.35

O autor Eder Sader (1982), ao problematizar o cristianismo das

comunidades de base, assim se refere ao estilo de pensar destas:

O estilo de pensar é referido à Teologia da Libertação e, resumidamente, consistia em tomar como ponto de partida exposições que testemunham as condições de vida da população, apresentadas pelas próprias pessoas implicadas; efetuar uma reflexão teológica sobre esses fatos, confrontando essa realidade vívida com as sagradas escrituras; e concluir com a definição de pistas para a continuidade do trabalho coletivo de evangelização. O diferente modo de ser Igreja é referido ao aprendizado que fazem seus membros da vivência junto ao povo, pensado não como gentio a ser convertido, mas também (ou sobretudo) como encarnação do Espírito, cuja religiosidade espontânea é valorizada como premissa para a atividade pastoral. (SADER, 1982, p.163)

A forma de atuação apontada por Sader (1982) é a mesma que encontramos

em Itapuranga: convidam-se esses sujeitos a uma reflexão sobre sua realidade, e, a partir

dela, procura-se “transformar a sociedade”. Essa é a base de formação dos Grupos de

Evangelho36, que não podemos tomar como equivalentes às CEBs, fonte de origem e

sustentação da “Igreja do Evangelho”.

Uma definição das diferenças entre as CEBs e os Grupos de Evangelho nos

é apontada por Maria Pires, militante da Igreja de Goiás:

Com o tempo que foi se criando esses grupos foi deslanchando, hoje já se fala em comunidade. Porque eu acho, que nem hoje mesmo a gente não é uma comunidade, eu até gosto mais da idéia de ser grupo, por que uma comunidade ela tem que viver mais, tensa, mais envolvida, mais unida, eu acho que ainda não é, assim unidos para chamar comunidade, mais a gente tá caminhando prá isso37.

Em Itapuranga, é priorizado redefinir os usos do mutirão, como práticas de

trabalho coletivo, direcionando-o para a ‘Evangelização Libertadora’: Os trabalhadores

35 - POLETTO, Ivo, s/d. 36 - Para PESSOA ( 1999) entre os G.Es e as CEBs existe um ponto de convergência e um ponto de divergência básicos: ambos propõem uma prática religiosa voltada para a mudança das estruturas sociais. Mas as CEBs buscam uma reestruturação eclesial - visam a criação de uma nova forma de se organizar a Igreja. Já os Grupos de Evangelhos se parecem mais a propor mudanças pedagógicas do que eclesiológicas. Criam uma nova metodologia de evangelização e não uma nova igreja. 37 - Entrevista realizada em 09 de julho de 1992.

78

eram estimulados para que se juntassem em mutirões para resolverem, juntos, as

dificuldades presentes no cotidiano. Através dessa prática, os pequenos proprietários de

terra, os lavradores, os diaristas, meeiros, enfim, uma parcela significativa dos católicos

de Itapuranga começaram a fazer parte da “Caminhada” juntos com a Igreja de Goiás.

Para Carmem Cinira Macedo, a noção de “Caminhada” pressupõe que:

O acontecimento nem está dado nem é plenamente arbitrário; constrói-se nesse movimento coletivo em que os homens vão se apropriando de significados e construindo - através deles - a dimensão da sua existência. Essa é a chave para se compreender a ênfase na noção de caminhada[...] ( MACEDO, 1986, p. 258).

Nesse período (1972 a 1975), temos a criação dos “Grupos de Evangelho”,

considerados, pelos católicos envolvidos com a nova proposta diocesana em Goiás,

como a instância maior de preparação e transformação dos católicos em “agentes

transformadores” da sociedade. É desse período também a luta pela conquista do

sindicato como “ferramenta” importante no processo de consolidação da “Caminhada da

Libertação” da Igreja de Goiás - a “Igreja do Evangelho”.

Em Itapuranga o mutirão foi usado como uma dessas ferramentas pela

equipe diocesana, como recurso pedagógico no processo de discussão e implantação da

“Igreja do Evangelho”, principalmente no que se refere à formação dos “Grupos de

Evangelho” e a “produção” dos primeiros “leigos” militantes da “Igreja do Evangelho”.

Essa metodologia do trabalho com o mutirão não é exclusivo à Diocese de

Goiás. Sader (1982) diz nos que: “[...] através das (iniciativas coletivas) as CEBs

atuaram no seu meio: um mutirão para levantar um salão paroquial, a organização de

uma creche comunitária, a mobilização para reclamar da falta de ônibus [...]”. (SADER,

1982, p.162).

Em decorrência dessa participação, os católicos de Itapuranga envolvidos

com o projeto diocesano acabaram por perceber que faziam parte de um projeto maior,

ou melhor, que havia “mais companheiros entrando na Caminhada da Igreja de Goiás”.

Conforme a fala abaixo citada, podemos perceber a importância dada às trocas de

experiências entre os católicos de Itapuranga com outras paróquias. O senhor José

Lemes, sobre esta questão nos diz em entrevista que:

[...] a gente trabalhava junto e cada um tinha sua lavoura, através de mutirão começou até lastrar, fomos em mutirão lá prá Goiás, prá Itaguaru, e ficou um mutirão muito grande, e era bom, cada dia

79

daquele a gente voltava com muito mais gás pra casa. Começava a conhecer mais gente, mais companheiros que também tava organizando um grupo, aí surgiu a diferença dos grupos, a experiência de um servia para o outro.

Aos poucos, a Equipe Diocesana foi produzindo seu quadro de lideranças

locais, que passariam a responsabilizar-se pela produção do novo católico em

Itapuranga. Através do desempenho apresentado na organização dos mutirões locais,

bem como do poder de aglutinar pessoas e, obviamente, do carisma pessoal, eram feitos

convites às pessoas para participarem dos grupos de discussões do Evangelho à luz da

realidade. Estavam dados os primeiros passos rumo à formação dos Grupos de

Evangelhos em Itapuranga.

Durante os encontros com a Equipe Diocesana, iam sendo discutidos

problemas referentes à forma de se trabalharem a terra, questões referentes aos baixos

preços pagos pela produção rural, questões referentes à necessidade dos trabalhadores

rurais se juntarem em sindicatos. Posteriormente, irromperam as discussões sobre a

necessidade de se formarem os Grupos de Evangelhos em cada região de Itapuranga. E,

de dentro das discussões feitas nos Grupos de Evangelhos, surgiu a necessidade de

formação do sindicato dos trabalhadores rurais.

O uso que se fez dos mutirões como recurso pedagógico, em Itapuranga,

ultrapassou, em muito, as questões levantadas pelas experiências realizadas com roças

comunitárias em algumas Dioceses progressistas.

Nesse sentido, a experiência com o Mutirão em Itapuranga cumpriu seus

objetivos, visto que partia justamente das bases que faltaram para a experiência descrita

por Moura: a reciprocidade e a solidariedade dadas pelo pertencimento ao grupo.

Ressalta-se que a relação era mediada, primeiramente, por um certo grau de parentesco

que se estendia aos demais, via compadrio.

Ao que tudo indica, antes de se tornarem católicos que compartilhavam

experiências coletivas mediadas por agentes diocesanos, em Itapuranga, a realidade da

proposta mudancista apontava para elementos da vivência imediata desses sujeitos

católicos. O que se procurava discutir eram formas de organização dos trabalhadores

rurais para lutarem por seus direitos básicos, sendo que a experiência coletivista via

mutirão, por ser um elemento da tradição do mundo do trabalho rural goiano, não se

apresentou aos católicos envolvidos com esse projeto em Itapuranga como uma

construção revolucionária.

80

Nesta cidade pequena do interior do Estado de Goiás, a Igreja do Evangelho

teve como alicerces a experiência do cotidiano do mundo do trabalho rural presente no

saber fazer dos pequenos proprietários e trabalhadores rurais que mediavam/medeiam

suas relações pautadas pelo princípio presente na lógica do parentesco e dos laços de

reciprocidade.

Por outro lado, a formação de Itapuranga aponta elementos políticos e

culturais fundamentais para problematizarmos como se organizou as lutas sociais e seus

desdobramentos a partir da inserção da Igreja progressista na região. Não é apenas uma

rearticulação de discurso, mas sim, aspectos de uma nova metodologia de

evangelização, uma nova perspectiva de compreensão sobre a relação entre as diversas

compreensões das etapas da vida que, acreditamos já estavam posta para os sujeitos

mineiros que vivenciaram o processo da busca pela terra e que acompanharam, seja pela

narrativa, seja pela ação, os sucessos, as surpresas, os inúmeros emparedamentos, os

fracassos e as desilusões geradas com a realidade encontrada no lugar.

O que impulsiona grande parte desses sujeitos à ação é, dentre outros

elementos, sua disposição política que conta com fundamentos de sua memória de

migrante em busca de uma posição social, econômica melhor em outras localidades.

Obviamente, não podemos nos esquecer da memória da luta pela terra que ronda aquela

região de Ceres até Trombas e Formoso, no período em questão.

No entanto, toda essa experiência foi permeada por avanços e retrocessos,

por tensões e conflitos próprios das vivências de homens e mulheres lidando com as

condições de seu tempo, construindo possibilidades. Nesse desenrolar, verificam-se

elementos externos e internos ao grupo, marcando contornos de perspectivas, de

compreensão da realidade, de fundamento de projetos de vida, que se espraiam, e

marcam espaços, tais como os quadros das questões religiosas. Reordenar o universo

católico assentado em práticas de politização do cotidiano religioso gerou tensões que

provocaram esses sujeitos para ocuparem a cena urbana de Itapuranga.

Da “incivilidade” do passado às ações políticas, numa reorientação da ação,

do sentido de pertencimento, os católicos de Itapuranga, identificados com a nova forma

de “ser católicos” da e na Diocese , partiram para o enfrentamento das questões postas

pelo poder local nos anos de 1970 e 1980, numa perspectiva de transformação da

sociedade. Poder esse que, mirando o horizonte da política regional, articula um

discurso local centrado na perspectiva de empreender em Itapuranga uma política

81

articulada com o desenvolvimentismo nacionalista, acreditando como pertencentes ao

ideário do “Brasil Grande”. Desse projeto de administração pública, resultará um

enfrentamento com os militantes da Igreja do Evangelho, que produzira um combate

pela cidade, tanto nos anos de 1970 quanto nos de 1980.

82

2 COMBATES PELA CIDADE: a disputa pelo campo político em Itapuranga

Nos dias atuais, se nos dispuséssemos a andar, pelas ruas de Itapuranga,

depararíamos com uma cidade com características próprias que a diferenciaria das

demais cidades da região, nascidas no processo de expansão da fronteira no território do

Mato Grosso Goiano. Seguindo o enunciado proposto por Sandra Jatahy Pesavento

(2004), veríamos que “a cidade se apresenta como um palimpsesto”, tal qual um

flâneur, a perambular pelas ruas e praças da cidade procurando compreender que “A

cidade é, sobretudo, exibição de marcas do homem num universo mutável, e as

sociabilidades antigas seguem lugar às novas.” (PESAVENTO, 2004, p. 27).

Partiríamos em nossas andanças, no sobe e desce da topografia da cidade, buscando

compreender essas marcas distintivas da cidade.

Dividida entre a cidade do passado, representada pelo “Outro Lado”, o

Xixazão e a cidade do presente, o Xixazinho, verificamos, então, a existência de duas

cidades. Ademais, somos capazes de visualizar elementos se sobrepondo aos outros na

dimensão das construções das camadas da memória, sobre as transformações das formas

de construção e ocupação dos espaços da cidade. Essa divisão extrapola entre outros

elementos, os ressentimentos dos antigos moradores do Xixazão, se mostrando nas

configurações que a cidade toma, principalmente, ao longo dos anos de 1970 e 1980.

Constatamos mais do que uma paisagem marcada e demarcada, não somente pela

geografia do local, haja vista que o limite demarcatório das “duas cidades”, pela planta

urbana, é a Av. Farnésio Rabelo, avenida que homenageia o primeiro prefeito de

Itapuranga, do período de 1955 a 1959, pela UDN. Esse seria o ponto inicial de nossa

jornada pela cidade.

Mais do que dispor de um mapa da cidade e seguir pelas ruas, quadras,

bairros, orientando-se pelas demarcações da cartografia convencional, o que guiaria

nossas perambulações seria um mapa narrativo do lugar. A carta visual que demarcaria

extraterritórios. Freire (1997) nos diz que essa possibilidade de compreender as cidades

pelos mapas narrativos é uma proposta apresentada pelos Situacionistas Internacionais,

denominado de Naked City. Nesta perspectiva, “seus traçados, assim como a indicação

de seus pontos mais significativos, mostram o caminho que une diferentes setores,

realçam ruas e revelam monumentos da cidade investidos simbolicamente, ao passo que

apaga outros”. (FREIRE, 1997, p. 71).

83

O que se propõe é a possibilidade de busca das distintas narrativas sobre o

lugar através do andar a deriva, buscando entender essa cidade como esse teatro de

operações através de suas memórias e imaginárias. Desse ponto de partida, seguindo as

análises propostas por Freire (1997), o que se ressaltará será a busca pelas memórias da

e na cidade, isto é, as memórias dos embates pela cidade. Nessa perspectiva, os lugares

importam à medida que podem ser recipientes de lembranças.

Nas Crônicas do Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima,

Monsenhor Lincohn (1961) se referiu à divisão topográfica da cidade:

A cidade de Itapuranga está em franco desenvolvimento. Está dividida por uma baixada que naturalmente separa-os em dois bairros: Xixá e Xixázinho. Infelizmente esta divisão influenciou os ânimos dos habitantes e determinou uma acentuada divisão política. O bairro do Xixazinho, dada a melhor situação topográfica, vai progredindo mais. (LTPNSF, 1961, p.3).

Essas duas questões apontadas no registro da paróquia são pertinentes para a

compreensão do processo de sobreposição de um lado da cidade sobre o outro: o rápido

desenvolvimento de Xixazinho em detrimento do ostracismo que dominou o Xixazão,

aqui apontado como resultante de uma melhor topografia. No entanto, o próprio cronista

já apresenta uma resposta plausível: O que está em jogo nesse processo de expansão são

as batalhas políticas, apresentadas como as divisões políticas.

Deslocar os locais de tomadas de decisões políticas do Xixazão para o

Xixazinho foi um ato de distanciar do poder os sujeitos tidos, no passado, como os

senhores da política local, pois era desse lado da cidade que moravam os grandes

fazendeiros da região, sujeitos que, por sua vez, comandavam as decisões políticas do

lugar.

Chegando ao Xixazão, nos dias atuais, por certo, não veríamos alguns

elementos da cidade do passado: o lugar do comércio, das vendas, o antigo armazém de

secos & molhados do “Bastião Preto”, descrito no Livro do Tombo da Paróquia de

Nossa Senhora de Fátima, ao lado de Orlando Campos, Lourival e José de Campos,

como praticante do “espiritismo de macumba”.

O responsável por registrar as Crônicas da Igreja questiona, na crônica do

dia 31 de dezembro de 1969, se os católicos de Itapuranga são mesmo todos católicos,

pois, para o referido monsenhor, há um número significativo de católicos se

relacionando com o ‘espiritismo de macumba’, que tem suas origens na cidade de

84

Itapirapuã. Reafirma que essa prática preocupa muito por estar levando muita gente

(LTPNSF, 1969).

Seguindo nosso trajeto imaginário, encontraríamos o bar do Napoleão, mas,

no entanto, sem a importância política que outrora ocupara no cenário local,

principalmente, entre os homens do Xixazão. Napoleão Lima de Moraes foi presidente

da Câmara dos Vereadores de Itapuranga de setembro a dezembro de 1958, eleito pelo

PSD. Esse era um dos pontos onde os homens se reuniam para discutir a política da

cidade e tomar suas decisões.

Continuando o trajeto pelas ruas da atual Itapuranga, passaríamos pelo

antigo prédio do Banco do Brasil, na Avenida Anhanguera, pela Escola Coronel

Virgílio José de Barros, na Rua 36 e subindo a Rua 51, voltaríamos à sede do CRI –

Clube Recreativo de Itapuranga. Do Clube, pela Rua 34 retornaríamos ao prédio do

antigo Cine-Continental, lugar onde funcionou, num anexo, a Câmara Municipal dos

Vereadores nos seus primeiros tempos, localizado ao redor da Praça Dr. Cunha Lima.

(Rua 34 C/ Av. Dr. Olavo Bilac Marinho) (Ver Anexo C, Figura 3).

Como na maioria das praças espalhadas pelas cidades brasileiras, a Praça

Dr. Cunha Lima (Ver Anexo C, Figura 4) era o lugar de encontros das moças e rapazes,

principalmente, depois das missas na Igreja de Nossa Senhora de Fátima e nas ocasiões

das festas religiosas dos santos do lugar, sobretudo a de São Sebastião. O espaço se

transformava no lugar mais expressivo para as sociabilidades, momentos de travar

conhecimentos, arranjar namoro, mas também momentos de acertar empreitas e afazeres

nas roças e fazendas. Essa Igreja localiza-se, como já dissemos, na saída para a cidade

de Goiás, num dos pontos mais altos do município. De sua porta pode se ter uma vista

panorâmica de boa parte do Xixazinho. (Ver Anexo C, Figura 5).

Um pouco antes do prédio da Igreja, passaríamos pelo também abandonado

prédio do Hospital São Sebastião, que era administrado pelo Dr. Sebastião, esposo de

Magali Olinta de Oliveira, primeira mulher eleita vereadora em Itapuranga. Segundo

Vianês (2000, p.65), a senhora Magali recebera 522 votos (12,21%), num total de 4.276

votos, ficando em quarta posição dos mais votados naquela eleição. A primeira posição

ficou com o senhor Adélio de Morais Pessoa, com 690 votos (16,14%), ambos eleitos

pela ARENA, em 1976.

Retornando de nossa caminhada, desceríamos a Avenida Anhanguera,

passando pelo prédio abandonado da pensão da Dona Maria Camilo, local marcado, no

passado, pela frequência dos homens da política local. (Ver Anexo C, Figura 6).

85

Logo um pouco abaixo, veríamos o prédio onde funcionou, por muito

tempo, a estação rodoviária, que instigantemente se localizava na margem direita do

córrego, conforme Marc Augé (1994) como que configurando um não-lugar. Aqui, num

região fronteiriça da cidade, o não-lugar fugidio, efêmero, da estação rodoviária,

convive lado a lado com o lugar simbólico da passagem. Espaço de transição entre dois

pontos. Marc Augé (1994) assim define a ideia de lugar:

O lugar, como definimos aqui, [...] é o lugar do sentido inscrito e simbolizado, o lugar antropológico. Naturalmente, é preciso que esse sentido seja posto em ação, que o lugar se anime e que os percursos se efetuem, e nada proíba falar de espaço para descrever esse movimento. [...] incluímos na noção de lugar antropológico a possibilidade dos percursos que nele se efetuam, dos discursos que nele se pronunciam e da linguagem que o caracteriza. (AUGÉ, 1994, p.76-77).

Desse ponto, retornaríamos à cidade do presente: o Xixazinho. Não sem

antes pararmos por alguns instantes nos bancos da Praça das Mães, inaugurada em

1971, na administração do prefeito Warner Carlos Prestes, situada na Rua 43 A, esquina

com a Rua 40, já no início da subida (Ver Anexo C, Figura 7)

Novamente, temos aqui um marco divisório da cidade. A 40, como era

conhecida, se configura no mapa imaginário da cidade também como um lugar de

fronteira: Aqui, duplamente fronteira: era o lugar do bataclan, o cabaré, lugar limite da

cidade. No passado, estas eram ruas de acesso difíceis, esburacadas, mal iluminadas.

Em 03 de maio de 1974, o presidente da Câmara Municipal de Itapuranga,

senhor Osmar Barbosa de Oliveira, vereador pela Aliança Renovadora Nacional

(ARENA), enviou oficio de número 07/74 para o senhor Prefeito João Alberto Rabelo

Costa, solicitando deslocamento da “Zona Boemia” em caráter de urgência. O

presidente destaca que tal requerimento teve aprovação unânime; o instigante do

documento é que se propõe a construir no local um hospital (Ver Anexo C. Figura 9).

Destaca-se que o discurso central da administração municipal, naquele momento, era a

modernização da cidade.

Conhecedores do espaço urbano, procuraríamos compreender a mensagem

contida na placa inaugural dessa praça tributada às mães de Itapuranga, não apenas em

relação ao tempo de sua construção, mas também como uma busca de legitimação do

poder administrativo.

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Figura 1 - Placa da Praça das Mães -2008. Autor: COSTA, I. C. (2008).

Os dizeres da placa remetem a uma busca de imposição de uma moralidade,

uma intencionalidade de construir louvores à figura materna. Mais uma vez, a

reafirmação da responsabilidade materna sobre a construção do caráter dos filhos, não

para o engrandecimento do indivíduo, mas da sua cidade, do seu país. O que interessa e

o que se pode subentender é que esses filhos sejam capazes de responder ao chamado

cívico de se construir um Brasil Grande.

Prosseguindo, subiríamos pela Rua 45, deixando para trás a “cidade do

passado” e entraríamos na Itapuranga dos anos setenta e oitenta do século XX, tempo

em que a cidade se apresenta com um traçado urbano moderno, ruas arborizadas,

algumas avenidas de canteiros centrais arborizados, como a Avenida Agoncílio da Silva

Moreira e a Avenida Tancredo Neves, ambas na saída para Goiânia, além da Avenida

Anhanguera, que corta parte da cidade desde a Praça Castello Branco até a saída para a

cidade de Goiás.

Voltando a caminhar por esse lado da cidade, depararíamos com várias

outras pequenas praças espalhadas pelo local, dentre elas: a Praça do Lavrador; situada a

Rua 49 – Prof. José Nunes de Lima; a Praça 13 de Novembro, situada na Rua 40 A

87

esquina com a Rua 47; a Praça Castello Branco uma praça ampla, com fonte luminosa,

coreto, com projeto paisagístico moderno.

A partir da afirmativa de Maria Izilda Santos de Matos (1990) de que

A paisagem urbana vai-se impondo como um documento a ser lido, como um texto a ser decifrado. Cabe ao investigador entender esse emaranhado de tempos-espaços e memórias, recuperar as camadas e as suas relações, decifrar seus enigmas, numa arqueologia social. (MATOS,1990, p.10).

Concluiríamos que Itapuranga é uma cidade-documento. Nessa perspectiva,

a paisagem urbana de Itapuranga conta várias histórias. Não apenas uma história do

lugar, uma memória da cidade, centrada na dimensão do poder como um discurso que

carece de visibilidade, de ritualização, que necessita ser, cotidianamente, encenado,

levado a público, mas a história de um período de enfrentamentos entre o poder público

e os sujeitos dos movimentos sociais mediados pela Igreja Popular naquela localidade.

Itapuranga comporta duas cidades, a saber. Uma é visível, presente nos

lugares produzidos para serem lugares de memória, nos monumentos que, construídos

para fazer lembrar e festejar, perduram enquanto produzirem sentidos: na Praça Castelo

Branco, no Prédio da Prefeitura, do Fórum, do Colégio Estadual. Pensando nessa

perspectiva da cidade como cenário para a efetivação de uma dada memória

administrativa, é Le Goff (1990) que nos informa:

A palavra latina monuentum remete para a raiz indo-européia men, que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O verbo monere significa ‘fazer recordar’, de onde ‘avisar’, ‘iluminar’, ‘instruir’. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos. [...] Mas desde a Antiguidade romana o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos: 1) uma obra comemorativa de arquitetura ou de escultura: arco de triunfo, coluna, troféu, pórtico, etc; 2) um monumento funerário destinado a perpetuar a recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente valorizada: a morte. ( LE GOFF, 1990, p.535).

A outra emerge como uma cidade invisível, a cidade onde nos anos de 1970

e de 1980, os homens e mulheres da Igreja de Goiás em Itapuranga lutaram por

sindicalismo rural, saúde pública, educação, direito à propriedade da terra, enfim, por

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direitos políticos, numa época marcada pelo regime de exceção. Dessa cidade nos foi

legado memórias, experiências que nos são apresentadas se nós as provocarmos. Nesse

sentido, a provocação é parte de um processo de compreensão e reconhecimento dessas

lutas como capítulos dos combates e embates travados entre sujeitos que se opunham na

arena simbólica e real na disputa pela cidade.

Tendo por base a ideia de uma cartografia afetiva proposta por Freire,

podemos construir uma interpretação desses lugares de memórias percebidos a partir do

efeito produzido pelo deslocamento no espaço urbano. Na medida em que esse andar é

direcionado pela articulação de ler a cidade, leitura pautada pela busca dos

enfrentamentos políticos inscritos num determinado momento, podemos concordar com

Freire (1997), quando ela declara que:

O andar pela cidade é princípio indispensável para que se estabeleça com os monumentos uma relação. É preciso, inicialmente, observá-los com atenção para vê-los, e esse encontro pode ter muitas nuanças. Se não passarem totalmente despercebidos, se a velocidade do deslocamento não for muito acelerada, podem até despertar lembranças, reavivar emoções e desencadear narrativas. (FREIRE, 1997, p.124; grifo do autor).

As praças de Itapuranga, construídas ao longo das duas administrações do

então prefeito Warner Carlos Prestes, foram arquitetadas para serem monumentos em

uma época, caracterizada, nos discursos oficiais; pelo desenvolvimento e pelo

progresso, tanto no Brasil como um todo, quanto em Itapuranga no particular. Em todas

as praças desse período que olharmos, veremos cristalizada uma dada memória política

de Itapuranga que abarca principalmente os anos de 1970.

Ora, o que de história do regime militar pode ter a ver com uma cidade no

interior de Goiás pode configurar o questionamento de alguns. Muitas histórias, muitas

memórias, possivelmente respondemos. Algumas, já pesquisadas, desveladas tanto por

nós quanto por outros historiadores já apontados por nós, além de outras tantas ainda

por serem pesquisadas, como temos apontado em consonância com o itinerário que

traçamos ao caminhar pela cidade de Itapuranga.

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2.1 Praças&Placas.

Figura 2 - Busto do Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco – 2008. Local: Pç ‘Castello Branco’. Ao fundo fachada da IURD. Autor: COSTA, I. S. (2008).

Segundo Murillo Marx (1980), as praças surgiram no Brasil ao redor de

igrejas, capelas, conventos, cumprindo papel de serem espaços de reunião de gente e

para o exercício de um sem número de atividades diferentes. As praças continuam a

exercer, nos dias atuais, as mais variadas funções desde as de estética até as comerciais.

O mesmo autor preconiza que, no entanto, as praças cívicas, diante de edifícios públicos

importantes, são raras entre nós. Pode-se dizer, em suma, que se tratam de exceções.

Não é incomum pelo interior de Goiás encontrarmos os prédios públicos ao

lado de praças. É o caso, por exemplo, de Itapuranga (GO).O Palácio da Promissão,

90

construído no ano de 1981 pelo prefeito Dr. Warner Carlos Prestes, se localiza na Rua

48, em frente à Praça Marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Murillo Marx

(1980), assim nos diz na origem das praças no Brasil:

Logradouro público por excelência, a praça deve sua existência, sobretudo, aos adros das nossas igrejas. Se tradicionalmente essa dívida é válida, mais recentemente a praça tem sido confundida com jardim. A praça como tal, para reunião de gente e para exercício de um sem-número de atividades diferentes, surgiu entre nós, de maneira marcante e típica, diante de capelas ou igrejas, de conventos ou irmandades religiosas. Destacava-se, aqui e ali, na paisagem urbana estes estabelecimentos de prestígio social. Realçava-lhes os edifícios; acolhia os frequentadores. (MARX,1980, p.50).

A praça como lugar não apenas de descontração, como oposição da

dimensão privada da casa, ou como espaço diferenciado dos jardins, assume, desse

modo, funções de regulação da vida urbana. Para Nelson Saldanha (1993):

A praça é pensada como um espaço amplo, que se abre na estrutura interna das cidades, como uma confluência de ruas, ou de qualquer sorte uma interrupção nos blocos edificados. Um espaço onde em geral se encontram árvores, bancos, eventualmente monumentos, em alguns casos pequenos lagos artificiais. (SALDANHA, 1993, p.14).

No croqui abaixo observarmos que a Praça ‘Castello Branco’ é um espaço

que referenda o poder público em Itapuranga. Ao redor dela estão todos os lugares

oficiais de poder, de tomada de decisões da cidade. Assim, a prefeitura está postada de

frente para ela, o fórum até o ano de 2010 também se situava próximo, na Av.

Anhanguera. Nos dias atuais, esse espaço é ocupado por várias secretarias da Prefeitura;

do outro lado pela Rua 47, estão a Câmara dos Vereadores, o posto de saúde do

município, a Agenfa Estadual, a agência do IPASGO e a Cadeia Pública, o que o

configura como um quarteirão administrativo.

Dois prédios importantes na história de Itapuranga também se localizam

próximos à Praça: A sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga, na

Rua47 esquina com a Rua 50 A e a Igreja Cristo Redentor, situada na Rua 47 A, esquina

com a Rua 46. Esses foram espaços de grande referência política, principalmente nos

anos de 1970.

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Figura 3 - Croqui da Praça Humberto de Alencar Castello Branco. Ao seu redor os prédios públicos, a sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga e bem próximo, a Igreja Católica Cristo Redentor. Autor: Costa, W. S.

É lícito dizer que a praça assume a dimensão de ser pública, em oposição

aos jardins que são eminentemente privados. Continuando o jogo de oposições,

Saldanha (1993) nos apresenta a seguinte conclusão:

O jardim encerra a biografia, a praça a história; um é introvertido, a outra extrovertida. Dois momentos, duas dimensões do humano e de

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sua projeção nas ( ou sobre as ) coisas. Dir-se-ia também que no jardim o espaço se põe em função das plantas, enquanto que na praça o espaço é o principal. Em função do espaço se colocam árvores e monumentos. (SALDANHA,1993, p.38).

Regina Dalcastagné (1996), analisando o regime militar em alguns

romances brasileiros, aponta como a praça pública é o lugar central das manifestações

tanto da arbitrariedade do regime, quanto das formas que os cidadãos criam para

combater a opressão. A praça assume uma função de criar possibilidades de

associações. É o espaço onde o indivíduo pode se expressar sem o grande risco de

identificações, uma vez que pressupõe uma maior invisibilidade individual, o que

prepondera é a massa coletiva, a multidão. Para a autora:

A praça, ao contrário dos salões, é um espaço público, território da manifestação popular. Nela se fazem discursos, celebram-se vitórias, encontram-se velhos amigos. Nas cidades pequenas ela costuma ficar entre a igreja, a escola e o comércio, no centro da vida da comunidade. Por ali passam crianças, namorados, pais de família e, sobretudo, senhores aposentados, que lêem jornais e se espantam com o curso dos tempos. Nela se protesta, reclama-se do aumento do pão e do comprimento da saia da filha da vizinha, fala-se mal do prefeito, do sapateiro e do presidente. (DALCASTAGNÉ, 1996, p.77).

No romance Os Tambores Silenciosos, de Josué Guimarães, publicado em

1976, a narrativa gira em torno do boicote que a população faz às comemorações da

Semana da Pátria, promovida pela Prefeitura. No romance, o esvaziamento do evento

provoca, em efeito cascata, uma crise ao poder estabelecido, resultando nas deposições

dos corruptos e a tentativa da busca pela ordem.

Ao contrário de Lagoa Branca, cidade fictícia onde se passa a trama

do romance, em Itapuranga o ‘07 de Setembro de 1972’ levou uma multidão às ruas,

para participarem das grandes inaugurações, o que redundou em um dia marcado por

grandes comemorações.

Ler os sinais produzidos ao longo dos anos de 1970 pelo poder público

municipal em Itapuranga é buscar compreender os processos de construção de uma

memória da cidade apta a enfrentar os discursos e ações dos movimentos sociais de

base. Nessa direção, os atos comemorativos do Sesquicentenário da Independência do

Brasil em Itapuranga são fundamentais para delinearmos as posições as quais esses

sujeitos ocuparam na disputa pela supremacia no campo político daquele município.

93

A praça que maior visibilidade deu às comemorações do Sesquicentenário

da Independência é a que homenageia o Marechal Humberto de Alencar Castello

Branco, a popular “Castello Branco”. A idealização da obra, ainda no ano de 197038,

demonstra um planejamento para se realizar a homenagem a Castello Branco e, pela

quantidade de obras inauguradas no ano de 1972, acreditamos que esse evento

comemorativo foi organizado com bastante antecedência.

A placa inaugurativa da Praça “Castello Branco” possibilita pensar que

houve o intento de fazer desse presidente o herói da “revolução de 64” para aquela

localidade. Vejamos:

NO SESQUICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA O POVO DE ITAPURANGA, NO MESMO SENTIMENTO DE ORGULHO NACIONAL PELA PÁTRIA COMUM, COM CARINHO ESPECIAL, QUER HOMENAGEAR O MARECHAL HUMBERTO DE ALENCAR CASTELO BRANCO, O PRIMEIRO PRESIDENTE DA REVOLUÇÃO , QUE ABRIU CAMINHOS PARA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PÁTRIA, ESTABELECENDO A MORALIDADE PÚBLICA, FORTALECENDO OS MUNÍCIPIOS E INTEGRANDO O HOMEM BRASILEIRO À JORNADA COMUM PELO DESENVOLVIMENTO . COM ESTA OBRA, A PREFEITURA MUNICIPAL MOSTRA QUE ITAPURANGA É TAMBÉM BRASIL GRANDE.

ITAPURANGA, 12 DE? DE 1972. ( o mês foi raspado) WARNER CARLOS PRESTES – PREFEITO MUNICIPAL

JOÃO ALBERTO R. COSTA – VICE-PREFEITO’

(PLACA INAUGURATIVA DA PRAÇA CASTELLO BRANCO, 1972, s/p; grifos nossos)

José Murilo de Carvalho (1990), em seu estudo sobre Tiradentes, tido como

um herói no imaginário da República no Brasil permite pensarmos que a administração

pública de Itapuranga também via em Castello Branco o herói que toma para si a

condução dos rumos da nação. O herói é o homem incomum, forte, valente o suficiente

para se impor frente aos demais. É o que elucida a seguir:

38 - Projetada pelo engenheiro civil Ildes Vieira de Moura, CREA 3998/D 4º R, da AVM, com sede, à época, na cidade de Uberlândia-MG, à Av. João Pinheiro, 512 Sala13. Tinha o número de registro de projeto 071001, datado de 19 de janeiro de 1970. (Documentação da Pref. Mun. De Itapuranga - Ginásio Anísio Martins)

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Heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regimes que promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. Em alguns, os heróis surgiram quase espontaneamente das lutas que precederam a nova ordem das coisas. Em outros, de menor profundidade popular, foi necessário maior esforço na escolha e na promoção da figura do herói. É exatamente nesses últimos casos que o herói é mais importante. A falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de compensação, por meio da mobilização simbólica. Mas, como a criação de símbolos não é arbitrária, não se faz no vazio social, é ai também que se colocam as maiores dificuldades na construção do panteão cívico. Herói que se preze tem que ter a cara da nação. Tem que responder a alguma necessidade ou aspiração coletiva, refletir algum tipo de personalidade ou de comportamento que corresponda a um modelo coletivamente valorizado. ( CARVALHO, 1990, p. 55).

Não fora isso que Castello Branco fizera? Para os rincões de Itapuranga não

importava, naquele contexto comemorativo da memória de Castello Branco, as

promulgações dos Atos Institucionais, as divergências e incoerências que esse “herói”

promoveu, para consolidar a ditadura no Brasil. O preço que a nação pagou não

importava na contabilidade final, porquanto o que contava era que a Pátria, agora uma

nova Pátria, havia sido reconduzida à Ordem. Ocorreu que, a morte trágica de Castello

Branco em acidente aéreo, no dia 18 de julho de 1967, produziu o efeito final para sua

transmutação na figura do herói.

No dia 02 de agosto de 1967, fora apresentado à Câmara Municipal de

Itapuranga, pelos vereadores: Otacílio Rodrigues Gouveia, Tubertino Bernardo de

Souza, Ovídio de Moraes Preto e Raimundo Ribeiro, todos da ARENA, um

requerimento com o seguinte teor:

Itapuranga, 2 de agosto de mil novecentos e sessenta e sete, “1967”, Exmº Sr. Sebastião Santana dos Reis. DD. Presidente da Camara Municipal de Itapuranga. Nesta: Nós vereadores abaixo assinado vem perante V.Exa., requerer seja constado em ata um voto de pesar pelo desaparecimento tragicamente do grande líder Revolucionário Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco, fato este acontecido no dia 18 de julho p.p, que sem duvida alguma veio enlutar todo território nacional. Sala das sessões da Camara Municipal de Itapuranga, aos 2 dias do mez (sic) de julho de mil novecentos e sessenta e sete.

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O segundo grifo, que fizemos no texto da placa da Praça Castello Branco –

“Fortalecendo Os Municípios”, remete à participação que o prefeito Dr. Warner Carlos

Prestes teve no grupo dos municipalistas goianos. Segundo Paula Coutinho (2005), do

Jornal da Imprensa39:

Em meados dos anos 60 surgia uma consciência política diferenciadora para a época. Era o grupo dos municipalistas goianos formado por lideranças de várias matizes ideológicas e atividades políticas e profissionais. Políticos e prefeitos que queriam dar à sociedade dos municípios goianos maior autonomia. (COUTINHO, 2005, p.1).

Essa organização reestruturou a AGM – Associação Goiana dos Municípios.

Itapuranga sediou a primeira reunião regional de municípios. Em 1972, por ocasião das

comemorações do Sesquicentenário da Independência, essa entidade lançou o slogan:

“É no município que se constrói o Brasil”. Consolidando-se assim, o ideário do fazer

parte, do integrar-se a um projeto maior de Nação. O que se firmaria na afirmativa da

placa de que: ‘Itapuranga É Também Brasil Grande ’.

Lynn Hunt (2007, p. 37) afirma, analisando as transformações políticas

culturais advindas da Revolução Francesa, que “Investir ações simbólicas de significado

político deu às diretrizes, aos indivíduos e às organizações especificas um impacto

maior do que teriam em tempos não revolucionários”. Os dizeres da placa da Praça

Castello Branco são ações simbólicas que buscaram construir uma leitura particular do

lugar para as mudanças estruturais pelas quais a Nação passava. Ao afirmar que

‘Itapuranga é também Brasil Grande’, expõe-se toda uma lógica da política do lugar

para suplantar as dimensões das dificuldades de se fazer política no interior do Brasil.

Isso se configura, acreditamos, num jogo de produção de um imaginário do

pertencimento ao projeto de desenvolvimentismo presente no ideário do “Brasil

Grande” propagandeado pelo “milagre econômico” brasileiro . Mais do que firmar-se

como cidade referência no Vale do São Patrício, Itapuranga almejava, mesmo que

simbolicamente, transpor os limites impostos pelas dificuldades administrativas

municipais e ser uma cidade grandiosa, bem urbanizada, com uma administração apta a

compreender o que estava ocorrendo no plano nacional. Prado e Earp (2003), analisando

a economia brasileira nesse período, afirmam que:

39 - COUTINHO, Paula, “É no município que se constrói o Brasil”, Jornal da Imprensa, 29/01/2005, acessado em : www.jornaldaimprensa.com.br, em 20 de março de 2011.

96

A expressão milagre econômico foi usada pela primeira vez em relação à Alemanha Ocidental. A rapidez da recuperação desse país na década de 1950 foi tão inesperada que muitos analistas passaram a chamar o fenômeno de milagre alemão a expressão foi posteriormente repetida para o crescimento japonês na década de 1960. Finalmente, na década de 1970, a expressão milagre brasileiro passou a ser usada como sinônimo do boom econômico observado desde 1968 – e também como instrumento de propaganda do governo. (PRADO e EARP, 2003, p.219).

Para Carlos Fico (1997), a demanda por um país grande, desenvolvido, não

é exclusivo dos governos militares, principalmente no período do “milagre econômico”.

Também, em vários momentos na história do Brasil, vivenciou-se um otimismo

exacerbado, expresso, por exemplo, na construção de Brasília, na integração do

território no programa da Marcha para o Oeste, enfim, em vários momentos que

apontaram para a positividade do progresso e do desenvolvimento. Para Fico (1997):

Tais perspectivas positivas sempre retornam em fases de alguma estabilidade econômica e/ou política – justamente porque não são simples instrumentalizações ideológicas, e sim porque se fundam num imaginário secular que não é de todo imotivado nem desconectado do poder efetivo. Assim, não surpreende que o contexto do chamado milagre econômico tenha sido propício ao desenvolvimento da retórica sobre a grandeza viável e tangível do Brasil. [...] Nesse sentido o Golpe de 64 deveria ser entendido por todos como o marco de um novo patamar temporal, qualificado e legitimado pelas conquistas que ia obtendo. (FICO, 1997, p.77).

Como se estivéssemos diante de um enredo de um romance de José J.

Veiga, um dos autores estudado por Dalcastagné (1996), surpreendemos-nos ao

depararmos com a escritura de venda e compra do terreno onde seria construída a Praça

Castello Branco. O vendedor é a Paróquia Nossa Senhora De Fátima, e quem assina a

escritura de venda pela Paróquia é Dom Tomás Balduino. A Escritura é datada de 19 de

abril de 1971, número de Transcrição 11.864, folhas 156, do Livro 3-; na escritura, já

constava a destinação a que seria dado ao terreno. Na área que era da Igreja, o poder

público municipal erige o grande monumento ao primeiro ‘presidente da Revolução’.

Novamente, nos remetemos à Dalcastagné (1996, p.77) que nos diz: “Mais

do que um espaço físico, a praça é uma imagem incrustada na memória coletiva”.

Compreender esse período da história local de Itapuranga, caminhando pela Praça

Castello Branco em busca de sinais da memória da cidade, é um exercício de ver o

97

poder nas pequenas fissuras do cotidiano. Perseguir os rastros dessa memória da praça

como lugar de vivências de aprendizado do fazer político é também perseguir os

caminhos por onde essa história particular procurou trilhar nos rumos da história

nacional. Mesmo no período pós-abertura política a praça se mostra como o lugar das

manifestações públicas e, mais do que isso, não é qualquer grupo que pode usufruir

desse espaço.

Figura 4 – Concha acústica da Pç. Castello Branco. Observe ao fundo à esquerda a sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga. Autor: COSTA, I. S. (2010).

O grande exemplo da dificuldade de diálogo entre o poder público

municipal e os movimentos sociais em Itapuranga pode ser expresso na forma como a

prefeitura, por intermédio de seus representantes, dificultava o uso da praça para

eventos de caráter político oposicionista.

Na verdade, era bem mais fácil conseguir autorização da Prefeitura para

realização de cultos evangélicos, do que para comícios. Conforme oficio 135/86, de 07

de novembro de 1986, assinado pelo Prefeito João Batista da Trindade, dirigido a

Baltazivar dos Reis Silva, Presidente do Diretório do Partido dos Trabalhadores de

Itapuranga, que transcrevemos abaixo (Ver Anexo C, Figura 10).

Sr. Presidente,

98

Acusamos o recebimento do Ofício nº 12/86 de o6 de novembro de 1.986, onde nos solicita a concessão do coreto da Praça Castelo Branco para realização de comício do Partido dos Trabalhadores. Lamentamos ter que lhe informar que esse dia já está designado para realização de Culto Ecumênico das Igrejas Evangélicas naquele local, em comemoração ao 33º aniversário da nossa cidade, conforme programa já elaborado e do conhecimento público. Em outra data qualquer, dito local está a disposição para qualquer evento. Sem mais para a oportunidade, reiteramos a V.Sa. os nossos protestos de estima e consideração.

João Batista da Trindade Prefeito Municipal

Figura 5- Fonte luminosa da Pç. Castello Branco. Autor: COSTA, I. S. (2010).

Quando as solicitações de uso da Praça eram liberadas pela Prefeitura, estas

eram acompanhadas de tantas recomendações que fugiam as possibilidades de controle

do espaço público em situações de aglomeração, concentração política, como indica o

Ofício 057/82, (Anexo C, fig. 11) transcrito abaixo, emitido pela Secretária da

Administração e endereçado ao Presidente do Diretório do Partido dos Trabalhadores de

Itapuranga, Sr. Dorvalino José de Campos. Vejamos:

Of. 057/82 Itapuranga, 15 de Outubro de 1982. Ilmo. Sr. Dorvalino José de Campos

99

DD. Presidente do Diretório Municipal do PT N E S T A Prezado Senhor,

Comunicamos, que o Prefeito Municipal, prazeirosamente liberou a Praça Castelo Branco, para que o Partido do (sic) Trabalhadores (PT) realize seu comício politico.

Na oportunidade solicitamos que seja preservada a referida Praça, evitando que plantas e o coreto sejam estragados. (grifo nosso)

Certos de sua colaboração, desejamos sucessos nos seus trabalhos e renovamos nossos protestos de estima e elevado apreço.

Atenciosamente

Maria Helena de Souza Secretária da Administração

Nos dias atuais, do lado esquerdo da Praça, na Rua 50 A, funciona a Igreja

Universal do Reino de Deus. A praça era e ainda continua sendo caminho de passagem

para os ‘crentes’ da Igreja Batista, que se localiza na Rua 47, da Igreja Presbiteriana e

da Assembleia de Deus, ambas na Rua 52-A.

Ainda do lado esquerdo da Praça, mais precisamente na esquina da Rua 50

A com a Rua 47 A, encontramos a placa inaugurativa do sistema de retransmissão do

Canal 02 da Televisão Anhanguera. Se atentarmos para o fato de que essa empresa

iniciou as operações em Goiás no final de 196340 e que, em junho de 1970, Itapuranga

inaugurava o sistema receptor, portanto, um intervalo de sete anos, que nos permite

concluir que os dizeres da placa são portadores de desejo de integração com o mundo.

Esther Hamburger (1998), estudando o papel das novelas no cotidiano

brasileiro, remete ao processo de expansão da televisão no Brasil:

Em 1950, Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, inaugurou a primeira emissora de televisão no Brasil, a Tupi de São Paulo. [...] a Tupi logo expande seu raio de alcance criando as Emissoras Associadas com afiliadas em outras capitais. Em 1955 a rede já possuía estações no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém, Goiânia e Belo Horizonte. [...] Mas apesar da proliferação inicial de emissoras na região sudeste, é somente a partir dos anos 70 que a indústria de comunicação eletrônica se consolida [...] (HAMBURGER, 1998, p.444).

40 - Conforme site da Tv Anhanguera: http://www.tvanhanguera.com.br/historia.htm, acessado em 17 de março de 2011.

100

Sobre o processo de expansão dos aparelhos de televisão nos lares

brasileiros, Hamburger (1998) afirma que, na década de 1970, houve um crescimento

maior de aparelhos na região centro-oeste em detrimento do nordeste, por exemplo.

Em 1970, vinte anos depois da inauguração da TV Tupi, somente 24,11% dos domicílios brasileiros contavam com ao menos um aparelho de televisão. Esses domicílios se concentravam no litoral e nas regiões sul e sudeste [...]. Mas mesmo no Sudeste, onde se encontrava a maior porcentagem de domicílios com TV, esse numero não chegava à metade, ficando nos 40,64%. No Nordeste, onde se achava a menor proporção de domicílios com TV, tal porcentagem não passava de 6,28%. É interessante notar, acompanhando-se as modificações econômicas do período, que o número de domicílios com televisão na região centro-oeste cresceu rapidamente, ultrapassando a região nordeste. (HAMBURGER, 1998, p.447-448).

Figura 6 – Placa inaugural da Torre de Retransmissão. Autor: COSTA, I. S. (2010).

No entanto, o que nos chama a atenção no trabalho de Hamburger (1998) é

sua afirmativa de que, a partir de 1964, com o militares no poder, há uma expressiva

expansão e mudança na qualidade da televisão brasileira. Pois para esses, a televisão era

um forte aliado no processo de divulgação das políticas de desenvolvimento.

As telecomunicações foram consideradas estratégias na desenvolvimento e integração nacional do regime. Os militares investiram na televisão e aumentaram seu poder de ingerência na programação por meio de novas regulamentações, forte censura e normativas. (HAMBURGER, 1998, p.454)

Inaugurar uma torre retransmissora no início dos an

Itapuranga, era um projeto de transformação sociocultural do lugar sem precedentes.

“Somos agora definitivamente parte do universo”, o elo que faltava nessa conexão com

o mundo exterior, representado pela televisão estava definitivamente san

Figura 7 - Placa Estação Rodoviária de Autor: COSTA, I. S. (2008).

As telecomunicações foram consideradas estratégias na desenvolvimento e integração nacional do regime. Os militares investiram na infraestrutura necessária à ampliação da abrangência da televisão e aumentaram seu poder de ingerência na programação por meio de novas regulamentações, forte censura e políticasnormativas. (HAMBURGER, 1998, p.454)

Inaugurar uma torre retransmissora no início dos anos de 1970, em

Itapuranga, era um projeto de transformação sociocultural do lugar sem precedentes.

“Somos agora definitivamente parte do universo”, o elo que faltava nessa conexão com

o mundo exterior, representado pela televisão estava definitivamente san

Placa Estação Rodoviária de Itapuranga.

101

As telecomunicações foram consideradas estratégias na política de desenvolvimento e integração nacional do regime. Os militares

ria à ampliação da abrangência da televisão e aumentaram seu poder de ingerência na programação por

políticas culturais

os de 1970, em

Itapuranga, era um projeto de transformação sociocultural do lugar sem precedentes.

“Somos agora definitivamente parte do universo”, o elo que faltava nessa conexão com

o mundo exterior, representado pela televisão estava definitivamente sanado.

102

Somos levados a pensar que Dr. Warner Carlos Prestes tinha um projeto de

transformação de Itapuranga, que faria do lugar um modelo a ser seguido por todos os

municípios do Vale do São Patrício. Um dos ideários do desenvolvimentismo do

período, que era a grandeza, reaparece nos dizeres da placa inaugurativa da Estação

Rodoviária, em 1978, já fora do projeto ufanista proposto pelo presidente Médici (1969-

1974), reafirmando de que se construía a ‘Grande Itapuranga’.

Os dizeres da placa da Estação Rodoviária demonstram qual era o papel

reservado à Itapuranga nos planos de desenvolvimento para a região do ‘Pleno e Rico

Vale do São Patrício’, pois a cidade passava por uma ‘grande arrancada histórica’ na

época. Por outro lado, não podemos nos esquecer de que ele foi um dos rearticuladores

do movimento municipalista em Goiás nos anos de 1970 e, que, portanto, almejava

como de fato se concretizara ampliar seu campo de atuação política na região41.

A Praça do Lavrador, anexa à Estação Rodoviária de Itapuranga, é mais

uma das obras construídas por Dr. Warner para se projetar nos espaços da cidade.

Inaugurada em novembro de 1971, data em que se comemorava o aniversário da cidade,

seus dizeres apontam para a polaridade cidade/campo, simbolicamente buscando

aplainar as contradições que se esboçavam entre fazendeiros e trabalhadores rurais no

município. Tais contradições se acirram, por exemplo, na demanda entre os posseiros da

Fazenda Córrego da Onça e Aureliano Jose Caiado ( Fiote Caiado)42.

A participação no processo de fundação e consolidação do Sindicato, numa

ferramenta de luta do povo, é pensada, pelos sujeitos que vivenciaram o período, como

uma grande luta por direitos numa conjuntura totalmente adversa - em plena ditadura

militar, num município administrado pela ARENA e, com uma constante vigília por

parte dos órgãos de repressão. Mesmo com todas as dificuldades, esses sujeitos contam

suas experiências como resultante, principalmente, das discussões promovidas nos

Grupos de Evangelho via mediação da Igreja Progressista. É esse o elemento que está

em debate entre o anunciado da placa e a realidade social de Itapuranga no início dos

41 - No site da Assembléia Legislativa de Goiás constam as seguintes informações sobre ele: Prefeito Municipal de Itapuranga, 1971-1974. Diretor do Consórcio Rodoviário Intermunicipal –CRISA, Gov. Íris Rezende. Deputado Estadual, PMDB, 12.ª Legislatura, 1991-1995. Diretor do Instituto Goiano de Administração Municipal, IGAM. Promotor Público. www.assembleia.go.gov.br, acessado em 25.03.2011. 42 - Esse embate foi pesquisado por Valtuir Moreira da Silva, em sua tese de doutoramento ( SILVA, 2007). Ironicamente o advogado dos posseiros era Dr. Warner Carlos Prestes que, a revelia de seus representados firmou acordo com o fazendeiro, que resultaria apenas em indenização aos posseiros, acordo esse que, depois de muita luta e enfrentamento foi revisto, com a vitória final dos posseiros.

103

anos de 1970. Os dizeres denunciam uma visão romântica do lavrador: “Com o suor do

rosto honrado”.

Compreender a importância, para os sujeitos de Itapuranga, de sua inserção

na transformação do sindicato local, considerado pelego, o papel desempenhado pelo

sindicato nas lutas e reivindicações populares por direito trabalhista, saúde, dentre

outras, é compreender como se travou uma luta em Goiás, que culminaria na formação

da Oposição Sindical. Nessa direção, a Praça Dos Lavradores em Itapuranga, cumpre a

função de pacificar uma memória do embate entre o poder público e os sujeitos que

estavam se organizando pelos seus direitos.

Figura 8 - Placa da Pç. Do Lavrador Rua 49 C/Rua 10 Vila Marilda. Autor: COSTA, I. S. (2008).

2.2 1972: “Itapuranga é também Brasil Grande”: comemorações do sesquicentenário da independência do Brasil em Itapuranga.

Em 1972, o Brasil vivenciou o ano das comemorações das grandes

conquistas, não só do regime militar, mas de todo o povo brasileiro. Assentado nos

resultados apontados pelos índices econômicos de desenvolvimento, o governo do

General Emilio Garrastazu Médici (1969-1974) promoveu a comemoração do

104

sesquicentenário da Independência do Brasil de norte a sul do país numa verdadeira

cruzada cívica.

As comemorações iniciaram em 21 de abril, data em que se comemora

Tiradentes e foram concluídas no dia 07 de setembro. Entre essas duas datas, os

brasileiros foram motivados a comemorar a grande pátria conquistada pela Revolução

de 64. Pátria essa que remonta ao seu passado imperial e repatria os restos mortais de D.

Pedro I. O retorno triunfal dos restos mortais de D. Pedro I percorre todo o país numa

espécie de promoção da adoração ao passado. Lucia Lippi de Oliveira (1989) assim nos

diz sobre o uso do passado:

As revoluções têm que lidar ao mesmo tempo com a organização de uma nova vida social e política e com a construção de um imaginário capaz de recuperar um equilíbrio perdido ao longo do tempo. Assim, ao se iniciar um momento novo, precisa-se evocar um tempo remoto. Lá estariam as raízes, o sentido verdadeiro do homem e da sociedade. (OLIVEIRA, 1989, p. 173).

Segundo Justino Martins (1972, p. 3), em editorial da revista Manchete:

A Melhor coisa que se tira da História é o entusiasmo que ela provoca. Hinos, desfiles, cerimonias majestosas, discursos, bandeiras desfraldadas reverenciam os heróis cuja memória justifica a integridade de um povo. Esta semana tivemos o 174º aniversário do sacrifício de Tiradentes e também o início das comemorações do Sesquicentenário da nossa Independência, com a trasladação dos restos mortais de D. Pedro I de Portugal pra o Brasil. o país inteiro vibrou de patriotismo com as festividades perfeitamente organizadas que, no entanto, devem culminar a 7 de setembro próximo. Neste número, damos uma reportagem completa, em cores, da chegada ao Rio dos despojos do Libertador. Mas a descoberta do Brasil continua, com os próprios brasileiros desbravando as riquezas do seu imenso território. Em Goiás e Mato Grosso, um plano grandioso e o trabalho pioneiro estão estabelecendo as bases para um novo surto de desenvolvimento que deverá influir no progresso de todo o país. É a verdadeira marcha para o Oeste, com a qual o nosso povo sempre sonhou [...] (MANCHETE, 1972, p.3; grifo nosso)

Justapostos estão os motivos patrióticos e os econômicos: comemorar o

passado com ufanismo e aclamar as possibilidades de desenvolvimento posto com a

abertura de novas fronteiras de investimentos, aqui assinaladas, como a nova marcha

para o Oeste. É o momento dos grandes investimentos que, nesse número da revista é

105

representado pelo Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (PRODOESTE)43, na

chamada da reportagem “A Conquista do Oeste”, assim é apresentada a região:

Os grandes rebanhos semi-selvagens que erram pelos campos de Goiás e o pantanal do Mato Grosso são a imagem-símbolo de um Brasil ainda isolado da civilização e do progresso. (MANCHETE, 1972, p.62-63; grifo nosso).

A maior ênfase sobre Goiás é a produção de arroz de Itumbiara e do algodão

em Santa Helena, o que demonstra o papel que o Estado ocuparia no programa

desenvolvimentista do governo militar. A região de interesse da reportagem é o

sudoeste voltado para a produção agrícola e pecuária. Mais uma vez, o progresso é o

lema para o deslocamento da fronteira agrícola financiada pelo Estado. Emblemática

também é a reportagem ‘Goiás: um milagre de três séculos’, da revista Manchete,

Edição da Independência 1972.

A estátua do Bandeirante ocupa página dupla servindo de mote para o

engrandecimento das ações empreendedoras. Mais uma vez, ressalta-se que Goiás muito

tem a ganhar no processo de aceleração do desenvolvimento proposto pelos militares. A

proposta é pensar Goiânia como uma jovem capital que cerca e alimenta a capital

federal. E a reportagem segue dando conta de como Goiás se desenvolve na direção de

ser um Estado agropastoril.

O que se apresenta como louvável são os dados da economia em acelerado

desenvolvimento. Não se discute o preço interno desse processo nem as opções em

expandir, para depois dividir, constante no ‘milagre econômico’. Apresentava-se um

país a uma parcela significativa de brasileiros que estavam indo às compras.

Ao traçar um panorama sobre a economia brasileira desse período, Maria

Hermínia Tavares de Almeida e Luiz Weis (1998), assim nos apresentam o quadro geral

desse contexto de euforia desenvolvimentista:

Do AI-5 ao início da abertura (1969-74). Esses foram os anos lacerantes da ditadura, com o fechamento temporário do Congresso, a segunda onda de cassação de mandatos e suspensão de direitos

43 - A revista Cruzeiro - Brasil Mais Brasil, de 13 de setembro de 1972, nº 37, Ano XLIV traz extensa matéria sobre Goiás, apontando principalmente as potencialidades agropastoris e os recursos minerais, apresenta o PRODOESTE como a solução para o desenvolvimento da região. Instigante também são as fotos que abrem a reportagem: a Cruz do Bandeirante, na Cidade de Goiás, tendo ao fundo a casa de Cora Coralina e o título da mesma: Desbravamento e Conquista. (revista O CRUZEIRO, 1972, p. 227)

106

políticos, o estabelecimento da censura à imprensa e às produções culturais, as demissões nas universidades, a exacerbação da violência repressiva contra os grupos oposicionistas, armados ou desarmados. É, por excelência, o tempo da tortura, dos alegados desaparecimentos e das supostas mortes acidentais em tentativas de fuga. É também, para a classe média, o tempo de melhorar de vida. O aprofundamento do autoritarismo coincidiu com, e foi amparado por, um surto de expansão da economia – o festejado milagre econômico- que multiplicou as oportunidades de trabalho, permitiu a ascensão de amplos setores médios, lançou as bases de uma diversificada e moderna sociedade de consumo, e concentrou a renda a ponto de ampliar, em escala inédita no Brasil urbanizado, a distância entre o topo e a base da pirâmide social. (ALMEIDA e WEIS, 1998, p. 332-333; grifo do autor).

Em setembro de 1972, chega ao fim às comemorações do Sesquicentenário

da Independência do Brasil. Depois de percorrer todo o território nacional, os restos

mortais de D. Pedro I são depositados no Monumento do Ipiranga, em São Paulo, o que

significou a apoteose desejada pelos militares. Os festejos, com exceção da Mini-Copa44

do sesquicentenário, considerada um quase fracasso, foram sucesso em todo Brasil.

A sessão ‘A Revolução e os Objetivos Nacionais’, do livro ‘Brasil 150 anos

de Independência45’ inicia-se com a seguinte frase: A Revolução foi feita para

construir . Em Itapuranga, essa afirmativa foi levada a sério, foram, então, tantas as

inaugurações em 1972, na administração de Dr. Warner Carlos Prestes, que ele foi

transformado, no imaginário da cidade, no ‘Homem que fez Itapuranga’.

Ora, é justamente esse período da história da cidade que possibilitou a

afirmação e a consolidação desse imaginário político ao redor da figura emblemática de

Dr. Warner. Partindo da análise proposta por Lucia Lippi Oliveira (1989), podemos

traçar uma comparação do micro para o macro de que, a figura do prefeito Dr. Warner à

frente desse projeto de transformação de Itapuranga está, no imaginário local, como a

figura do presidente Médici, como o propagador do desenvolvimento nacional.

Se Médici foi capaz de se projetar nas comemorações do Sesquicentenário,

buscando construir uma nova tradição, dando à nação um novo herói na figura de D.

Pedro I, Dr. Warner se projeta na memória local como o construtor da cidade.

44 - Segundo Adjovanes Thadeu Silva de Almeida ( 2005) “ A competição reuniu cerca de trinta seleções entre as quais Argentina, Colômbia, França, Chile, Equador, Irlanda, Bolívia, Paraguai, Peru, Venezuela, Uruguai e Rússia (...) a grande final foi entre Brasil e Portugal” ( ALMEIDA, 2005, p. 109). O Brasil venceu pelo placar de 1x0, marcando aos 44 minutos do segundo tempo. 45 - Livro organizado por Agenor Bandeira de Mello e produzido pela Divulbrás, Brasil – 150 anos de Independência – Resumo Histórico e Documentário da Atualidade Brasileira, trata-se de um levantamento de todos os dados pertinentes às comemorações do Sesquicentenário da Independência, bem como traça um panorama político das esferas federais e estaduais.

107

Como a memória é construída, torna-se importante conhecer os processos e os atores que intervêm no trabalho de constituição e formalização das memórias (Pollak, 1989). Diferentes grupos da sociedade constroem suas memórias coletivas a partir das quais é montada e organizada uma memória nacional dominante. Os especialistas - historiadores, publicistas, ideólogos, doutrinadores e educadores - constroem a memória nacional. Organizando as comemorações, as festas, definindo os heróis que não merecem ser esquecidos. Cada momento presente e cada crise ou mudança na sociedade permitem que se construa uma nova tradição, definindo que eventos e pessoas devem ser lembrados e quais devem passar ao esquecimento. (OLIVEIRA, 1989, p. 175).

As análises das placas inaugurativas nos permitem afirmar que a

administração de Dr. Warner C. Prestes planejou as construções para serem inauguradas

durante as comemorações do Sesquicentenário da Independência. Os indícios estão por

toda parte, conforme podemos visualizar na placa abaixo referente à inauguração do

Colégio Estadual de Itapuranga, hoje Colégio Estadual Dep. José Alves de Assis.

O dia 19 de agosto de 1972 ficou gravado na história da cidade de

Itapuranga como o dia em que se inauguraram as grandes obras do prefeito Warner. O

evento foi noticiado em três jornais de grande circulação: O Popular, Diário de Brasília

e o Cinco de Março. Todos os três relacionaram as festividades municipais com o

grande evento nacional da comemoração do Sesquicentenário. Nesse sentido, os títulos

das matérias foram:

- Itapuranga inaugura obras recebendo Governador – Jornal O Popular;

- Fim de semana festivo em Itapuranga: Moderno e amplo edifício colegial e numerosos

empreendimentos públicos municipais entregues solenemente ao povo da cidade, dia 19

– Leonino recebe título de “Cidadão Itapuranguense”, (esse é o único texto assinado,

Vilmondes J. Sousa) – Jornal Cinco de Março;

- Itapuranga é exemplo de boa administração – Diário de Brasília.

Das três reportagens, a do Diário de Brasília é a mais enfática na

comparação dos eventos.

108

Figura 9 - Placa Colégio Estadual de Itapuranga (Hoje Col.. Est. Dep. José Alves de Assis) Autor: COSTA, I. S. (2008).

109

Figura 10 – Prédio do Antigo Colégio Estadual de Itapuranga, na Av. Farnésio Rabelo. Fonte: Acervo do Col. Est. Dep. José Alves de Assis.

Figura 11 - Monselhor Lincohn, diretor do Colégio Estadual de Itapuranga, durante as comemorações do 18º aniversário de Itapuranga, lê, para o gov. Leonino Caiado, (que não aparece na foto), pedido de construção de um novo prédio para o Colégio. (13 de novembro de 1971). Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José A. de Assis.

110

Figura 12 – Inauguração do Colégio Estadual de Itapuranga. A esquerda Dr. Warner, prefeito de Itapuranga, a direita, o governador de Goiás, Leonino Caiado, do lado esquerdo do governador, o vice-prefeito João Alberto R. Costa. 1972. Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José Alves de Assis.

Figura 13 – Corte da fita inaugural do Col. Est.de Itapuranga feita por Brasilete Caiado, Rubens Guerra, titular da SUPLAN, e Dr. Warner C. Prestes, do lado esquerdo o governador Leonino Caiado. Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José Alves de Assis.

111

O texto do jornal O Popular nos diz que:

Itapuranga viveu um dia festivo, sábado último, com a inauguração de diversas obras de responsabilidade da Prefeitura e do Estado, tendo o governador Leonino Caiado ali comparecido acompanhado do senador Osíris Teixeira, do deputado Siqueira Campos, do presidente da SUPLAN, eng. Rubens Guerra e do deputado Nelson de Castro, líder do Governo na Assembléia. (O POPULAR, 22/08/1972, p. 08 – Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis).

Continua a matéria discorrendo sobre as obras inauguradas, enaltece a

participação do público ao evento, mas não apresenta ênfase ao evento.

Já o jornal Cinco de Março assim apresenta o evento:

Itapuranga, a próspera localidade do Vale do São Patrício viveu um fim de semana festivo, no dia 19 último, com a entrega ao povo de vários melhoramentos públicos estaduais e municipais em solenidades que foram prestigiadas pela presença de altas autoridades do Estado, bem como de numerosas caravanas das localidades vizinhas. (CINCO DE MARÇO, 21 a 27/08/1972- Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis).

Ao discorrer sobre a chegada da comitiva do governador nos diz que:

Recebidos no aeroporto local às 17hs, o chefe do Executivo e comitiva, acompanhados pelo prefeito de Itapuranga, bacharel Warner Carlos Prestes, e outras autoridades locais, seguiram em grande cortejo até a entrada da cidade. Ali, no começo da avenida principal, houve, num só ato, a inauguração de vários melhoramentos públicos realizados pela atual administração municipal, destacando-se vinte mil metros quadrados de pavimentação, cinco mil metros de redes de águas pluviais, três mil metros de meios-fios, dois grupos escolares rurais e uma ponte, bem como se declarou lançada a pedra fundamental da estação rodoviária de Itapuranga. (CINCO DE MARÇO, 21 a 27/08/1972- Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis).

Segue descrevendo as inaugurações, as autoridades presentes ao evento, a

participação do povo da cidade, as promessas de novos investimentos em estrutura tanto

para a cidade quanto para a zona rural.

A declaração do prefeito Dr. Warner C. Prestes ao Diário de Brasília é uma

reprodução numa escala micro dos ideários comemorativos do Sesquicentenário, figura

como um discurso afinadíssimo com o poder em todas as suas instâncias. O que mais

uma vez nos demonstra a sua capacidade de interagir nas várias esferas do poder, para

além da política local. Vejamos a declaração publicada pelo jornal:

112

Ao tributar as suas homenagens ao Governador Leonino Caiado, numa das maiores manifestações públicas já registradas na história do município, a população de Itapuranga revelou a grandiosidade de sua formação cívica e a sua afinidade e acatamento às diretrizes da Revolução de março, cuja trajetória em ascensão histórica se caracteriza pela ação, pelo trabalho e construção do Brasil novo e potente refletido na pessoa do próprio Presidente Emílio Garrastazu Médici. Quis o povo de Itapuranga dizer ao Brasil todo, bem alto, que aqui, como em todos os rincões da Pátria, a ordem e o progresso são uma constante na vida de cada um, homens e mulheres, jovens e crianças, gente que é gente e que sente vibrarem as suas emoções pelos elevados sentimentos de brasilidade que caracterizam o povo goiano – povo integrado à sistemática política evolutiva implantada em 1964 – cujo trabalho nas cidades e nos campos valoriza a posição de Goiás como portal da integração amazônica. (DIÁRIO DE BRASÍLIA, 23/08/1972, f. 5)

A reportagem descreve, em seguida, as inúmeras obras entregues ao povo da

cidade. Outro fator que mereceu destaque foi a grande concentração pública, bem como

estudantil. Na figura abaixo, vemos que no palanque das autoridades está fixado, da

direita para a esquerda, uma reprodução de D. Pedro I, ao centro, o Brasão da República

e à esquerda o selo comemorativo do Sesquicentenário da Independência do Brasil. Na

faixa sobre o palanque está escrito: “Obrigado Presidente Médici – Obrigado Leonino”.

O local onde se reuniu essa multidão foi o pátio do Colégio Estadual.

Sobre os discursos proferidos na ocasião o jornal Diário de Brasília assim

nos informa:

No palanque oficial, diante do qual grande multidão se comprimia numa das mais expressivas concentrações populares já vistas em Itapuranga fez uso da palavra, inicialmente, o jovem José Maria de Camargo, em nome dos estudantes locais, agradecendo ao governador Leonino Caiado aquela majestosa obra que segundo afirmou, representava a realização da aspiração da juventude estudiosa de Itapuranga. O prefeito Warner Carlos Prestes, em seu discurso, fez um retrospecto das realizações do governo na região, dizendo que o que aqui se fez e se faz é apenas uma amostra do que se realiza em todo o Estado de Goiás, ressaltando a dinâmica da administração estadual agora integrada aos anseios do povo do interior, com o governador Leonino Caiado imprimindo um novo conceito à política municipalista [...] O último orador foi o governador Leonino Caiado que, após convocar todos ao trabalho de construção do futuro de Goiás e do Brasil, nesta grande arrancada desenvolvimentista do Governo do Presidente Emílio Garrastazu falou que os 120 dias em que se edificou o prédio do Colégio Estadual de Itapuranga, imponente pelas suas dimensões, nos faz lembrar as palavras do Presidente Médici: homem de meu tempo, tenho pressa. (DIÁRIO DE BRASÍLIA, 23/08/1972, fl.05- Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis; grifo nosso).

113

Figura 14 – Palanque das autoridades no pátio do Colégio Est. de Itapuranga. Do lado esquerdo da foto vemos fragmento do selo alusivo ao Sesquicentenário da Independência, ao centro o Brasão da República, do lado direito figura de D. Pedro I. Na faixa acima os dizeres: “Obrigado Presidente Médici Obrigado Leonino”. 1972. Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José A. de Assis.

Figura 15 – Concentração de estudantes e populares para ouvir as autoridades por ocasião da inauguração do Colégio Est. De Itapuranga. 1972. Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José A. de Assis.

Finalizando a matéria, após ressaltar a presença das várias autoridades

estaduais e locais presentes aos eventos, o Jornal menciona as autoridades dos

114

municípios circunvizinhos e fecha com a frase: “que ali compareceram para prestigiar as

solenidades de Itapuranga, a cidade-progresso.”

Figura 16 – Entrega de medalhas aos atletas que participaram dos jogos estudantis por ocasião das comemorações da “Semana da Pátria” de 1972. Destaque para a ‘presença’ do presidente Médici, representado por sua fotografia. Pç. Castelo Branco. Fonte: Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis.

Ao mesmo tempo em que Itapuranga, a “cidade-progresso”, comemorava,

com toda pompa, as festividades do Sesquicentenário da Independência, os sujeitos

católicos da Igreja do Evangelho, que entraram na “caminhada da Igreja de Goiás”

organizavam o processo de aprendizado político por meio da sindicalização rural.

Mediados pela presença da Diocese, esses homens e mulheres iniciam uma longa

marcha para consolidarem suas histórias de combates pela cidade.

Desde a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga, em

1972, os católicos da Igreja do Evangelho tiveram uma militância assentada na

aprendizagem desenvolvida nos Grupos de Evangelho. A necessidade sentida em

discutir a formação sindical, em Itapuranga, também é produzida por pressão advinda da

presença de membros do governo na formação de sindicatos rurais na região.

A presença comunista na região da CANG não só possibilitou aos colonos

organizarem e lutarem pela posse da terra, como também propiciou um aprendizado

115

político que iria se refletir na organização sindical em quase todo território da Diocese

de Goiás. Da Colônia Agrícola, esses militantes do Partido Comunista, bem como um

expressivo número de novos militantes, partiram para a luta pela posse da terra em

Trombas e Formoso46. É nesse contexto de uma memória da militância comunista que

os católicos da Diocese irão, aos poucos, realizando o aprendizado político via

sindicato.

Ao ser questionado sobre a organização do sindicato na Diocese de Goiás,

Alberto Gomes de Oliveira, um ex-militante sindical no município diocesano de

Itaberaí, assim nos diz:

pra gente compreender melhor esse momento acho que a gente tem que pegá a duas situações em Goiás que aconteceram no pré-golpe, uma é a experiência de Trombas e Formoso, que traz na experiência de luta direta pela terra né? Ilegal, luta armada pela terra. E a outra forma de organização se dava exatamente da ... da ocupação da terra e da cooperativa ali de...dos trabalhadores na sua existência permanente contra é, fazendeiros pistoleiros e o próprio Estado47.

Dorvalino José Campos, um dos fundadores do sindicato dos trabalhadores

rurais de Itapuranga, remete às discussões iniciais sobre sindicato na região ao ano de

1958. Nesse sentido, ele diz que:

Em 1958/62 aqui em Itapuranga começaram o Movimento Sindical e a gente começou a se envolver, em 64 veio a intervenção militar e fechou todos os movimentos. Alguns companheiros que estavam entrando nos movimentos sindical foram presos. O movimento sindical em Itapuranga acabou. Em 1970, resolvemos rediscutir o movimento sindical, a criação do sindicato dos trabalhadores rural de Itapuranga, demos inicio pela necessidade do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Os trabalhadores rurais: parceiros, meeiros, vaqueiros, lavouristas era um povo explorado e os fazendeiros abusavam muito desta classe trabalhadora que prestava mão de obra48.

Nosso entrevistado aponta para a provável presença de militantes

comunistas na região de Itapuranga. O que mais se aproxima de uma possível presença 46- Sobre Trombas e Formoso ver: CARNEIRO, Maria Esperança Fernandes. “A Revolta Camponesa de Formoso e Trombas”, Goiânia, Edit. UFG, 1986; MAIA, Cláudio Lopes. “Os Donos da Terra: A Disputa pela Propriedade e Pelo Destino da Fronteira – A Luta dos Posseiros em Trombas e Formos 1950/1960, Tese de doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História, UFG, 2008. 47 - Entrevista realizada em 10.06.99, em Goiânia. Alberto Gomes de Oliveira, o “Bacurau”, como ficou conhecido na militância, iniciou o seu trabalho na Diocese de Goiás como coordenador da pastoral da Juventude e logo passou para a organização dos lavradores no município de Itaberaí e região. 48 - Dorvalino José Campos, pequeno proprietário de Itapuranga, um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga em entrevista realizada em 22 de julho de 1995.

116

comunista em Itapuranga é relatada pela ação de uma pessoa conhecida como ‘Sr.

Benício’. Como discutimos no primeiro capitulo, acreditamos se tratar de Gregório

Bezerra. É, novamente, Dorvalino José Campos quem nos diz:

aqui tinha na época um tal de Sr, Benício, que trouxe pela primeira vez a discussão do movimento sindical para Itapuranga. Ele teve que sair daqui, por motivo da repressão, sabe? Foi em 64. Não teve nenhum apoio49.

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Itapuranga foi fundado dentro de

um quadro da política sindical nacional que pode ser denominado “sindicalismo

oficial”. Essa presença oficial do Estado, fundando sindicatos na região diocesana,

representa uma preocupação oficial frente às organizações de base que estavam se

iniciando, tendo a Diocese de Goiás como promotora e incentivadora.

Em entrevista, Dom Tomás Balduino retoma os levantamentos realizados

pela Equipe Diocesana, na pesquisa: Para Conhecer a Realidade, para justificar a opção

por trabalhar com a tomada dos sindicatos rurais de base governista. Assim expressa:

Fizemos um levantamento científico da nossa realidade que dimensionava bem a situação, que para aquela época, eu acho, que dava para ter uma visão realista dessa, desse fenômeno de uma Diocese tipicamente rural, né, em que o peso mesmo era rural. A valorização então desse universo, deste universo lavrador, lavrador, isto está muito na liturgia, nos cantos, e isso não foi só um lado cultural, foi também político. Eles começaram a criar o movimento dos trabalhadores, chamado com esse nome mesmo, era o início das propostas de sindicalização do governo. O Estado abrindo aqueles sindicatos corporativistas e tal, acho que os militares acham que era ruim ou político, então disciplinar o campo, houve muita perseguição.50

Em seu depoimento, Dom Tomás remete o aprendizado da luta sindical às

experiências com os Grupos de Evangelho que, segundo ele, por serem flexíveis

poderiam ser reorganizadas em outros lugares, conforme iam aparecendo elementos

desconhecidos ao grupo que fazia levantamentos e verificava a organização.

49 - LUNARDI(1999) citando GUIMARÃES aponta que numa relação do Ministério do Trabalho e Previdência Social, composta pelas organizações sindicais existentes em Goiás, antes de 1965, consta o “Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Itapuranga, atestando que realmente já tinha existido uma organização sindical anterior dentro dos limites legais existentes naquela época, conforme nota de rodapé 49, páginas 223/4. 50 - Entrevista com D. Tomás Balduino realizada em fevereiro de 2003, em Goiânia.

117

Alberto Gomes de Oliveira analisa a questão da instrumentalização da

Igreja, por parte do educador sindical Antônio Bueno, da seguinte forma:

A ação do Estado não era uma ação inocente nisso, o Antônio Bueno não era inocente, no primeiro momento ele se utilizou dessa, fez uma aliança com a Igreja, utilizando os espaços da Igreja, das estruturas da Igreja para chamar os trabalhadores para o sindicato, só que isso certamente e, em cada ação do sindicato, da fundação do sindicato dele seria localizando os indivíduos que, os trabalhadores que tinham uma postura mais combativa e, os que tinham uma postura mais oportunista e começou a conformar diretorias do sindicato que poderiam depois está na postura que, futuramente, foi chamada de pelego né.51

Antônio Bueno foi eleito presidente provisório da FETAEG ( Federação dos

Trabalhadores da Agricultura do Estado de Goiás) em 28 de outubro de 1970. No

entanto, por ser funcionário da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores

na Agricultura) foi impedido de ser empossado. No ano seguinte foi eleito, em 23 de

janeiro de 1971, presidente da entidade. Nessa eleição, a entidade patronal, a Federação

da Agricultura do Estado de Goiás, marcou presença.

Para Alberto Gomes de Oliveira, esse período foi marcado pela maneira

como se estruturaram as relações entre a FETAEG e os sindicatos rurais:

Qual é o papel que o Antônio Bueno, como presidente, cumpriu como presidente da federação? De aterrorizar, distanciar os presidentes, essas diretorias do sindicato da igreja, porque a Igreja, pra ele, era considerada revolucionária. Se num momento ele fez aliança com a Igreja pra usar a estrutura pra mobilizar os trabalhadores pra justificar o sindicato, num segundo momento isso num pre, essa aliança num podia existir mais naquele município, porque? Por que o padre era italiano, comunista, que estava ali, ou era o bispo comunista ou era o gaúcho comunista que tava ali e a Igreja também dava cursos de idealização, de ... de consciência da sociedade, esse negócio todo, então ele afastava. Afastava e trazia para curso de administração do Funrural52.

A fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga deu-se em

16 de julho de 1972, tendo como diretor da mesa de trabalho o educador sindical

Antônio Ferreira Bueno. A reunião contou com a presença de 139 participantes entre

meeiros, parceiros, pequenos proprietários, arrendatários, assalariados.

51 - Entrevista realizada em 10 de junho de 1999. 52 - Entrevista com Alberto Gomes de Oliveira realizada em 10 de junho de 1999, em Goiânia.

118

A participação no processo de fundação e consolidação do Sindicato, numa

ferramenta de luta do povo, é pensada, pelos sujeitos que vivenciaram o período, como

uma grande luta por direitos numa conjuntura totalmente adversa, em plena ditadura

militar, num município administrado, conforme já afirmamos, pela ARENA ( Aliança

Renovadora Nacional) e com uma constante vigília por parte dos órgãos de repressão.

Mesmo com todas as dificuldades, esses sujeitos contam suas experiências como

resultante, principalmente, das discussões promovidas nos Grupos de Evangelho.

Nessa perspectiva, João Benfica, o primeiro presidente de oposição do

Sindicato Rural de Itapuranga, nos fala do seu processo de inserção na luta sindical:

A partir de 1970 eu já era um pouco ligado a Igreja Católica e nós fomos discutindo nas reuniões. A gente foi convidado pela Igreja a participar do movimento da Igreja. Demorei um pouco até entender qual era a mensagem. A gente foi acreditando que era um ideal de movimento de uma libertação de uma sociedade muito oprimida. Na condição de lavrador que a gente era, eu comecei a achar que isso poderia trazer mais algum interesse pro povo mais oprimido, não só religioso, mas é, assim, digamos, mais intecionado com o lado fraco. Porque as igrejas, antigamente, não ligava muito pros fracos. Então isso deu um certo ânimo pra gente entrar. A partir de que a gente foi entrando nesse movimento, a gente foi descobrindo, através das reuniões do Evangelho.

Sobre o processo de discussão sindical assim ele relata:

O movimento sindical começou em 1972. E a gente nem sabia o que era movimento sindical, sindicato, nada. A partir das reuniões foram também fazendo isso, porque o movimento sindical buscou algumas pessoas de dentro das igrejas pra poder ajudar a levar esse trabalho. Era um negócio muito difícil, oprimido ainda pelo povo mais poderosos, como ainda é até hoje, mas hoje já existe um pouco de democracia, já é mais entendido a mensagem. A gente teve essa participação e essa participação foi valiosa.53

Para Perpétua Gontijo, esse momento da fundação do sindicato é resultante

das lutas travadas no campo da conscientização advinda com a nova proposta da

Diocese de Goiás. Sua análise aponta para uma questão intrigante que é a forma como

os fazendeiros passam a pensar a atuação da Igreja como uma instituição comunista.

Essa será a grande imagem a ser desconstruída pelos sujeitos católicos de Itapuranga na

busca por uma ampliação do leque de alianças. 53 - Entrevista realizada em fevereiro de 1993.

119

Então começou o fenômeno de trabalhadores serem expulsos da terra e muita revolta, com os fazendeiros dizendo que o sindicato era da Igreja dos comunistas. A palavra comunista era um terror. Era uma palavra que muitos não sabiam o seu significado e os que sabiam usavam realmente pra colocar medo nos trabalhadores. Mas aquela vontade dos trabalhadores de se unir fez com que se fortalecessem... e de fato, as lideranças que atuavam, eram lideranças vindas dos Grupos de Evangelho. No primeiro momento inclusive a Igreja oferecia espaço físico e tudo, assessoria política54.

Dorvalino José tem uma inserção no movimento sindical diferente dos

demais sujeitos. Era, na época, membro da Igreja Assembleia de Deus de Itapuranga,

nos fala sobre a sua participação na construção do sindicalismo rural em Itapuranga:

Em 1970 demos entrada para criação do Sindicato, em 1972 foi a fundação, tivemos uma certa dificuldade por que na época fomos até ameaçados pelas autoridades do município. Na época nós tínhamos um delegado de polícia, Dr. Jair, era delegado de polícia da época, ameaçou, sabe, em por os trabalhadores que estavam na frente da criação do sindicato para puxar carroça na rua. Mas a gente não se intimidou, por que era um direito do trabalhador, mesmo sabendo que a gente estava debaixo daquela repressão era um caminho que dava condição de fazer reivindicação para os trabalhadores rurais, então em 1972 foi criado o movimento sindical. Dentro deste período, a gente tinha repressão de todos os lados, das autoridades, dos próprios fazendeiros, do prefeito da época, era também contra a criação do sindicato. E a Igreja Católica na época é que deu mais espaço para nós para criação do movimento sindical. Ivo Polleto era padre na época, Darci Accorsi na época era professor, que tinham mais experiência no movimento sindical, tinham vindo do Sul, onde o pessoal estava mais organizado ... Mais os trabalhadores rurais tinham medo na época da criação do sindicato, pela repressão que houve, foi com muita dificuldade que a gente recomeçou a arrebanhar o pessoal pra puder participar do movimento com medo da repressão da época.55

A experiência que nos relata o Sr. Dorvalino demonstra um nível de

percepção das várias esferas envolvidas na questão: o conflito estabelecido entre o

movimento sindical e o poder público municipal, em suas variadas estâncias; o perigo

da repressão militar que reinava nesse momento da história do Brasil, a participação

articulada de membros da Igreja Católica junto às bases e o medo de envolvimento dos

trabalhadores.

54 - Entrevista realizada em 18 de janeiro de 1993. 55 - Entrevista realizada em 22 de julho de 1995.

120

Esse medo da repressão é expresso por João Benfica na incompreensão dos

fazendeiros em relação ao papel político do sindicato, na forma como estes ignoravam

as leis trabalhistas. Assim, para João Benfica:

Sempre havia perseguição, depois houve também muita perseguição. Era o caso de alguns donos de terra maiorzinha não entendiam a lei, achavam que a lei era a lei do sindicato, né, nós tivemos isso, relativo aos direitos das pessoas, a assessoria jurídica para ajuda.56

Após amplos debates entre os sujeitos católicos da Região Uru os

trabalhadores optaram por organizarem uma chapa de oposição sindical, encabeçada por

João Benfica e que, no entanto, não obtivera êxito. João Benfica diz que a partir dessa

derrota passa a participar efetivamente das discussões sindicais. Em suas afirmações,

esclarece:

A gente entrou pra disputa eleições no sindicato, com o objetivo de fazer com que o sindicato clareasse mais o objetivo dele que ainda era tapeado, a gente enxergava um objetivo mais avançado. A partir de 1976, que a gente disputou a eleição e não ganhou, a gente se organizou mais o movimento sindical, participando mais dentro do próprio sindicato com as reuniões que tinham e a partir daí, então a gente levava aquilo que conhecia para dentro das assembleias, até que em 1979, novamente nós entramos com uma chapa e fui novamente candidato e conseguimos nos eleger com uma diferença não muito grande. Foi um passo muito decisivo não só para o movimento sindical de Itapuranga, como vários sindicatos do Estado que começava a engatinhar, querendo andar e sentiu isso como uma força. A partir desse momento a gente sentiu um peso de responsabilidade muito grande.

Tendo por base esses sujeitos em processo de aprendizado político mediado

pela Igreja Progressista de Goiás, foi formada a Oposição Sindical naquela localidade,

tendo como compromisso político uma atuação de sindicalismo de base, em que as

decisões e escolhas se deram pela base. Nessa perspectiva de luta, de movimento de

base, algumas experiências foram incentivadas, tanto pelo Sindicato como pelos Grupos

de Evangelho.

O Libertador - Boletim Informativo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Itapuranga, no seu número 02, de maio de 1980, traz uma informação de que os

trabalhadores rurais das regiões do Córrego Grande, Água Espraiada, Fundão e Coruja

56 - Entrevista realizada em fevereiro de 1993.

121

se organizavam para vender melhor a sua produção. Assim é descrita a origem da

organização dos produtores:

A idéia começou do companheiro Adão Queiroz, que vendo tanta exploração em cima do agricultor, convidou mais outros companheiros para fazer uma reunião em sua casa, onde compareceram vários trabalhadores interessados e começaram a ver que vários companheiros juntos e unidos, têm condição de vender os seus produtos por um preço melhor. E este movimento já conta com uma média de 220 trabalhadores. [...] (O LIBERTADOR, 1980, s/p)

O informe termina com uma conclamação aos trabalhadores para que se

unam para superar as dificuldades:

Companheiros, precisamos de reforçar a nossa luta para que, JUNTOS, possamos vender por um melhor preço o nosso produto, e, também, comprar o que gastamos na lavoura diretamente das fábricas, por um preço mais baixo do que os da revenda ou do comércio. (O LIBERTADOR, 1980, s/p)

Essa é a base para a fundação da Associação dos Pequenos Agricultores de

Itapuranga –ASPA, que teria vida relativamente curta até ser transformada na COMIL -

Cooperativa Mista dos Produtores de Itapuranga Rurais de Itapuranga e Região LTDA,

em 25 de julho de 1991.

O Boletim Diocesano Caminhada - Diocese de Goiás, de Julho/Agosto de

1987, Ano XX nº 136, assim informa:

Em 18 de abril de 1987, foi fundada a Associação dos Pequenos Agricultores de Itapuranga, por iniciativa da atual diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, após ter feito uma ampla discussão com os pequenos agricultores do município. A Associação é uma entidade civil ligada ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e é de caráter não lucrativo (ilegível no documento) - Comprar os bens de primeira necessidade, insumos e implementos agrícolas diretamente das fábricas para os associados, organizar para vender os produtos agrícolas mais diretos; - Desenvolver experiências de agricultura alternativa, conscientizar os pequenos agricultores da necessidade de uma política de conservação do solo. A Associação recem criada mesmo com dificuldades econômicas, já está comprando sacarias, calcário, adubos e sementes de milho para os associados. Queremos tanto que essa experiência dê certo (ilegível no documento).(CAMINHADA, 1987, s/p).

122

Para Vera Lunardi (1999), a Associação foi criada como um braço

econômico do Sindicato e como as transações comerciais começaram a incomodar os

comerciantes locais, funcionando com papel de regulador dos preços no comércio. Em

pouco tempo, o Sindicato/Associação recebeu intimação da Receita Federal por estar

realizando atividade não compatível para uma entidade sem fins lucrativos. A saída para

o impasse foi criar a Cooperativa desmembrada do Sindicato.

Os sindicatos criados nesse período tinham duas metas básicas a cumprir:

investir em programas de saúde e promover programas de educação para os

trabalhadores rurais. Em relação à educação foi desenvolvido o projeto de Educação

Popular, com início em 1981, e as primeiras experiências aconteceram nas comunidades

rurais de Laranjal e Guaraíta e, posteriormente, em 1984, foram abertas turmas na

cidade que funcionaram no Salão do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

Desde o final da década de 1970, o Boletim da Diocese de Goiás informa

sobre a luta pela conquista de atendimento médico através de convênio entre os

hospitais de Itapuranga e o então INPS. Assim, em dezembro de 1980, o nº110, ano

XIII, do Boletim Diocesano, apresenta a “Conquista do Povo de Itapuranga”.

Depois de quase um ano de luta, conforme vínhamos noticiando no Boletim, o povo de Itapuranga conseguiu trazer o convênio do INPS para esta cidade. Mas isso não foi de mão beijada... Foi feito um abaixo assinado de 1500 assinaturas, viagens à Brasília, telefonemas, gastos etc... más a vitória está aí. Quando o povo luta organizado consegue o que precisa57. (CAMINHADA, 1980, p. 8).

O STRI contava com uma unidade odontológica e um ambulatório médico

que funcionavam no prédio de sua sede. Em cumprimento à lei de nº 4.214, de 02 de

março de 1963, do Estatuto do Trabalhador Rural, no final da década de 1970, o

governo federal construiu vários hospitais que ficaram conhecidos como Hospital do

Funrural (Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural).

A exigência básica para a instalação da unidade hospitalar era a aquisição de

um terreno para sua construção. O que o STRI conseguiu, apesar de ter que enfrentar

entraves políticos com a administração municipal, e depois de três anos, foi inaugurado

em 1977.

57 - Boletim Diocesano .Dezembro de 1980, o nº110, ano XIII, p.08.

123

O Libertador, Boletim Informativo Suplementar do STRI, em edição

extraordinária, no mês de setembro de 1979, apresenta um descontentamento em relação

ao convênio e até mesmo com a estrutura administrativa. Enuncia:

No dia Sete de Setembro, próximo passado, o Hospital do FUNRURAL completou seu primeiro ano de funcionamento. Neste primeiro aniversário, que não teve bolo nem vela, pudemos fazer um balanço geral das atividades daquela casa de saúde e chegamos à conclusão de que a situação não é nada boa. Muitas distorções, êrros administrativos, aumento de despesas, fizeram com que aquele hospital se transformasse, em cada dia que passava, num verdadeiro elefante branco: bonito, luxuoso, imponente mas, muitas despesas. Vejam companheiros, que em apenas um ano de funcionamento o Hospital sobrecarregou o Sindicato com uma dívida de mais de Cr$400.000,00. Nosso Sindicato, que nada devia a ninguém e tinha dinheiro sobrando, hoje tem até duplicata protestada no Cartório, correndo o risco de ver nossos bens penhorados pelos credores.58 (O LIBERTADOR, 1979, s/p).

Para os sujeitos envolvidos nessa questão ela se apresentava como de dupla

intencionalidade. Se por um lado representava a conquista de direitos básicos, por outro,

representava uma tentativa do Estado em limitar a capacidade organizativa dos

trabalhadores. Administrar uma estrutura sindical com responsabilidade de gerenciar

atendimento público e de base de saúde era fator restritivo para as ações coletivas.

Essa questão é analisada por João Benfica:

Nós tinha também o direito, que era outro caso de direito, diferente que era o caso da saúde. A gente buscava através do Sindicato a assistência de saúde, tanto médico, como hospitalar, odontológica, tudo ligado ao Sindicato, tendo um hospital administrado pelo próprio Sindicato, quer dizer é uma carga muito pesada, que talvez uma carga de saúde não era da responsabilidade do Sindicato, mais naquele momento, era um momento, era... tava muito jogado e o Sindicato coordenou e teve seu sucesso. Itapuranga teve um de seus melhores momentos de atendimento de um povo carente59. (BENFICA, 1993, s/p).

Para Perpétua Gontijo e José Lemes, a proposta do FUNRURAL era mesmo

de destruir a organização dos trabalhadores.

58 - O Libertador - Boletim Informativo Suplementar do STRI, Ed. Extraordinária, Setembro de 1979. 59 - Entrevista realizada em Itapuranga-GO em fevereiro de 1993.

124

O Estado naquela época queria colocar na mão do Sindicato o hospital pra ver se barrava a organização sindical de fato. A luta dos trabalhadores pela terra. O Sindicato pegou esse hospital também como uma forma de organização. Os trabalhadores rurais que vão ter nas mãos um hospital que vai tratar dos trabalhadores de acordo com os seus princípios. (CONTIJO, 1993, s/p). Fizemos a campanha lá dentro do Sindicato, compramos o terreno e aí o INAMPS, INPS, veio e construiu o hospital. Construiu mesmo já prá arrasar o nosso movimento. E aí entusiasmo, agora nós temos o hospital e fazia funcionar o hospital aí o problema, não o INPS tá, aí era uma jogada do governo se sempre fazer que faz mais não faz nada [...] e logo nós vimos a bomba explodir. (LEMES, 1993, s/p).

Criado para atender às necessidades de atendimento básico de saúde, esse

programa, em Itapuranga, deflagrou um processo de aprendizagem da prática de

enfrentamento político, intra e extra grupo, para os sujeitos envolvidos com a Igreja do

Evangelho.

Para garantir atendimento médico aos associados, o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Itapuranga transformou, em 22 de fevereiro de 1987, o hospital

do FUNRURAL em uma Associação Popular de Saúde. Isso aconteceu com muita luta

e mobilização popular. Nesse sentido, o Boletim Diocesano, ano XX, nº 136, de 1987

assim nos informa:

Em 22/02/87 foi fundada a Associação Popular de Saúde para assumir jurídica, política e economicamente o hospital, que estava fechado a três meses. É uma associação de caráter filantrópico, destina-se a prestar assistência integral à saúde, está sendo mantida pelos 1.400 sócios que tem atualmente, através de mensalidades e doações, o que é insuficiente para o total funcionamento. ( CAMINHADA, 1987, s/p)

A questão fundamental era viabilizar o funcionamento da Associação

Popular de Saúde, que contava com o trabalho de uma equipe médica voltada para a

medicina preventiva. O final da década de 1980 é expressivo para a consolidação da luta

pela saúde para os sujeitos que estão inseridos nesse movimento. Para dar sustentação

financeira à APSI, em 1987, buscou-se assinar um convênio entre esta associação e o

INAMPS.

Mesmo após a ação deflagrada pelos militantes da saúde popular em

Itapuranga de acamparem em frente ao prédio do INAMPS em Goiânia, ação essa

amplamente divulgada pelos meios de comunicação do Estado, o prefeito João Batista

125

da Trindade, conjuntamente com a primeira-dama, Edna Maria da Trindade, recusaram-

se a reconhecer o caráter de utilidade pública que o Hospital do Sindicato necessitava

para receber verbas estaduais.

Essa resistência tem claros objetivos de revanchismo político, uma vez que

as pessoas que estavam à frente da organização, não só do hospital, mas também de toda

articulação dos trabalhadores nos movimentos locais eram ligados ao Partido dos

Trabalhadores que, naquela localidade, se confundiam entre as esferas sindicais,

pastorais, enfim, como bem define uma frase popular da Igreja do Evangelho em

Itapuranga: ‘o PT do Sindicato da Igreja’. Esse é o cenário armado para a batalha pelo

funcionamento do hospital do sindicato.

Como resposta, os trabalhadores organizaram uma grande manifestação que

resultou na ocupação efetiva do prédio da Prefeitura em 16 de outubro de 1987.

Mobilização que fora ‘oficialmente’ notificada não só ao Prefeito, mas também à

população em geral.

A luta pela saúde popular em Itapuranga transformou a forma dos sujeitos

perceberem a militância política advinda com a experiência dos Grupos de Evangelho.

Se, por um lado houve uma burocratização do sindicato em relação à esfera

administrativa com a área de saúde, por outro, se produziu uma consciência política que

seria expressa na construção e consolidação da militância da Igreja progressista em

Itapuranga.

O Atestado de Utilidade Pública foi votado e reprovado por seis votos a

quatro pela Câmara dos Vereadores de Itapuranga, em 14 de outubro de 1987. Em busca

de pressionar o poder público local para essa causa, os manifestantes optaram pela

ocupação do prédio da Prefeitura Municipal de Itapuranga. O desfecho final resultou em

vários processos contra esses trabalhadores movidos pela então primeira-dama do

município, Senhora Edna Maria Trindade. Os motivos variam de desacato à autoridade,

atos imorais até injúria dentre outros.

No intento de pensarmos como os sujeitos que lutavam por um direito

fundamental, que era o direito ao acesso à saúde pública, produziram um conflito com o

poder estabelecido, novamente convocamos Baczko (1985), como um suporte que nos

subsidia a compreender que:

As situações conflituais entre poderes concorrentes estimulavam a invenção de novas técnicas de combate no domínio do imaginário.

126

Por um lado, estas visavam a constituição de uma imagem desvalorizada do adversário, procurando em especial invalidar a sua legitimidade; por outro lado, exaltavam através de representações engrandecedoras o poder cuja causa defendiam e para o qual pretendiam obter o maior número de adesões. (BACZKO, 1985, p.300).

O documento assinado pelo advogado da primeira-dama Edna Maria da

Trindade e demais funcionários da Prefeitura solicitando ao Juiz punição jurídica aos

“invasores” é um texto expressivo da dimensão política que reflete não só a

indisposição dos representantes do poder em dialogar com os militantes pró-saúde

popular, naquela localidade, mas também um reconhecimento da concepção de política,

desses sujeitos, que advém do processo de fortalecimento desses como “fazedores de

sua história”.

A ação de ocupação da prefeitura é comparada e descrita no processo, isso

em novembro de 1987, com assaltos a banco e demais atos terroristas praticados pela

esquerda na fase mais violenta da ditadura militar no Brasil. Conforme trechos que

citamos dos autos processuais:

São também todos, ou quase todos, como é fato notório, militantes ou simpatizantes do PT – Partido dos Trabalhadores. Não se sabe se são todos inscritos no referido partido, mas os que o forem, preza aos céus que venham a sofrer, por parte de Direção Nacional do mesmo, punição semelhante à que sofreram alguns assaltantes de bancos, na Bahia, que pilhados da senda da criminalidade tiveram as filiações partidárias canceladas, em nome da reputação daquela organização partidária. [...] Semelhantes métodos lembram, é sempre bom não esquecer, as táticas utilizadas, não faz muito tempo, pelos militantes do Partido Nazista, na Alemanha de Weimar, que conquistaram o poder, com danosas conseqüências para a humanidade após o exercício de ousada militância político-delitual, onde os invasores de repartições públicas, incêndios falsamente atribuídos aos adversários e outro tipos de práticas terroristas, por toleradas, acabaram por atemorizar a população e deteriorar o Poder. (Representação Criminal de Edna M Trindade Contra os Ocupantes da Pref. Mun. Itapuranga. Out.1987).

Na busca de solução para um problema de ordem de direito, esses

trabalhadores, todos conhecidos pelos agentes do poder público local, alguns até

professores, colegas de profissão da primeira-dama, são comparados a nazistas. São

processados, perseguidos, têm seus direitos básicos de assistência à saúde negados. No

entanto, não esmoreceram.

127

Valtuir Moreira da Silva (2007) analisou o processo que desencadeou o

acampamento dos sujeitos que reivindicavam por seus direitos à saúde pública:

A estratégia dos dirigentes da APSI foi agendar uma audiência com o prefeito municipal, João Batista da Trindade, e com a Presidenta da Comissão Intermunicipal de Saúde (CIMS), Edna Maria da Trindade, com a intenção de resolver os impasses. Diante das negativas por parte dos dirigentes municipais, os trabalhadores rurais decidem, no dia 16 de outubro de 1987, promover um ato público em frente à prefeitura municipal de Itapuranga, cujo objetivo era tentar uma audiência para cobrar os repasses financeiros que não estavam chegando ao hospital. [...] Na impossibilidade de entendimento com o prefeito João Batista da Trindade e a primeira dama Edna Maria da Trindade, trabalhadores rurais e funcionários do hospital saíram às ruas de Itapuranga para cobrar uma definição do executivo. Esse evento foi marcado para uma sexta-feira, 16 de outubro, e contou com 600 pessoas que saíram em marcha pelas ruas da cidade, chegaram à sede do poder público municipal, passando a ocupa-lo na esperança de uma audiência com essas autoridades. [...] por volta das 12 horas do dia 18 de outubro de 1987, o batalhão da Polícia Militar chegou à sede da prefeitura para retirar os manifestantes do local. Homens e mulheres foram arrastados e carregados pelos policiais. [...] O acampamento com os trabalhadores concentrados em frente ao prédio da prefeitura, durou até o dia 31 de outubro, exatamente 16 dias. (SILVA, 2007, p. 109-110).

Esse acontecimento causou uma grande comoção na cidade. Apesar de toda

a história de enfrentamento dos movimentos sociais, mediados pela Igreja Católica

local, com as questões da política municipal, principalmente aquelas relacionadas com

os direitos dos trabalhadores rurais, via sindicato, Itapuranga nunca havia presenciado o

uso da força policial, como fora o caso da desocupação do prédio da prefeitura. Durante

todo o período compreendido pelo regime militar, nunca a força fora utilizada contra os

sujeitos opositores ao poder local.

128

Figura 17 – Passeata pelo reconhecimento da APSI como de utilidade pública, ao fundo o Prédio da Prefeitura Municipal de Itapuranga - Outubro/1987. Autor: SILVA, V. M.

A violência da retirada das pessoas, com alguns feridos, produziu um efeito

positivo para o movimento popular de saúde. Após esse episódio, aumentou o número

de pessoas que se associaram à APSI. Mas o que importa aqui é que a cidade em peso

voltou os olhos e ouvidos para os acampados na Praça. Celebrou-se missa, houve

apresentações de grupos de cantorias, teatros, recitações de poesia, encenando um final

de semana de protestos e de festas. Os alunos desciam direto do Colégio Estadual para a

praça, pessoas vinham das comunidades rurais, caravanas das cidades vizinhas traziam

o povo da Caminhada para reforçar a luta dos companheiros de Itapuranga. Esse final de

semana rendera uma grande festa popular em Itapuranga, mas com final quase trágico.

São vários os espaços políticos que esses sujeitos católicos criaram para

enfrentar as adversidades postas pela conjuntura política da época, tanto sob o

enfrentamento administrativo nos anos representados pelas ações do prefeito Warner

Carlos Prestes (que imprimiu uma resistência aos movimentos sociais naquela

localidade de cunho de um menor combate, agindo de forma eficaz na construção de um

discurso simbólico da “Itapuranga Cidade Progresso”, o que o transformou no homem

que fez Itapuranga), quanto às resistências expressas de forma concreta na

administração de João Batista da Trindade. Logo, os sujeitos sociais católicos

129

conheceram sob os ares da “Nova República”, a truculência e a força representada nas

ações contra os desejos dos homens e mulheres daquela localidade de terem acesso à

saúde pública.

São essas as bases sociais que irão imprimir uma nova direção aos

movimentos sociais nos anos de 1980 e posteriores. É a partir desse cenário de oposição

que se configurará os novos embates entre os sujeitos católicos em Itapuranga. No local,

são marcadas as contradições e as novas articulações do campo religioso no nível

macro, redefinindo, com o processo de abertura política, as alianças que deram toda

sustentação aos movimentos sociais de base mediados pela Igreja Católica, bem como

passando a ser alvo de preocupação as formas de intervenções apresentadas pela

Renovação Carismática Católica. Essas são as novas demandas apresentadas no

combate pelo campo religioso em Itapuranga. Disputar espaços cada vez mais

reduzidos, distanciados das configurações e reconfigurações pastorais da Igreja de

Goiás.

130

3 A REARTICULAÇÃO DO CAMPO RELIGIOSO CATÓLICO EM ITAPURANGA: o retorno ao altar.

Despida de imagens de santos, ampla área interna e externa, bancos simples,

altar desprovido de luxo, reforçando uma das premissas da Teologia da Libertação de

que a igreja deveria ser do povo e para o povo, com a cara do povo. Assim foi

idealizada e construída a Igreja Cristo Redentor em Itapuranga durante os últimos anos

da década de 1960 e nos anos iniciais da década de 1970. Dessa forma, se a “nova igreja

de Goiás”, a Igreja do Evangelho, nascia e se fortalecia nas Comunidades Eclesiais de

Base ou nos Grupos de Evangelho, era, conforme discutimos no primeiro capítulo, na e

para a parcela dos sujeitos simples, humildes, em sua maioria, católicos rurais. A Igreja

se espelhava neles para ser o lugar de fomento das ações religiosas e políticas, conforme

a máxima vigente, numa parcela significativa da Igreja Católica no Brasil, de se fazer

uma Opção Preferencial pelos Pobres.

O prédio dessa Igreja já não respondia mais às necessidades da comunidade

católica de Itapuranga, não comportava mais o crescente número de fiéis para as

celebrações, assim como não tinha espaço para instalar todas as pastorais. Já era

obsoleta, velha, arcaica, o imóvel antigo e suas limitações estruturais se apresentavam

como justificativa defendida pelos católicos alinhados com as exigências da Renovação

Carismática Católica. E, além de tudo isso, defendemos a ideia de que o prédio da Igreja

Cristo Redentor representava o símbolo maior da Caminhada da Igreja de Goiás, em

Itapuranga, a ser vencido, silenciado, apagado, pelo menos da visão, já que perdurará na

história de vida e na memória visual de muitos católicos daquele lugar.

Izabela Tamaso (1998), analisando como a demolição do patrimônio

arquitetônico pode escamotear desejos de apagamento de memórias, argumenta que:

Os imóveis erigidos no passado conclamam grupos em especial, e a população em geral, a escolher por uma história. Se preservados, os imóveis perpetuam a história de um (ou alguns) grupo(s) específico(s). Se demolidos, contarão outra história, a de outro grupo. Além do mais, estando argumentadas na necessidade do progresso, as demolições contarão também a história do desenvolvimentismo — a história da recusa da história. Tais diferentes percepções, de imóveis específicos e da cidade em geral, serão delimitadas como discursos prenhes de sentido e valor. (TAMASO, 1998, s/p)

131

Figura 18 – Visão frontal da Igreja Cristo Redentor. ( demolida) O espaço externo era muito utilizado para reuniões dos coordenadores dos Grupos de Evangelho. No altar estão duas imagens: Nossa Senhora de Fátima; e de São Sebastião, santo padroeiro de Itapuranga – Essas imagens são da Igreja Nossa Senhora de Fátima, que se situa no Xixazão. Fonte:Acervo de José Guedes. (1999).

É a partir desse discurso prenhe de sentido e valor de que nos fala Tamaso

(1998), a partir ainda da conclamação de um grupo a consolidar seus lugares de

memória, enquanto outros buscam destruir esses mesmos lugares, demarcadores de um

tempo de luta política, social e religiosa, que compreendemos a demolição da Igreja

Cristo Redentor como uma recusa ao passado de militância e crença de alguns sujeitos,

numa perspectiva social dada pela experiência de uma religiosidade particular na

Diocese de Goiás. Ao procurar destruir a Igreja, pautando-se pela necessidade de mais

espaços, pretendidos pelo argumento maior de que a Igreja já não comportava mais os

católicos para assistir às celebrações, tem-se, dentre outros, o desejo de buscar o

apagamento do lugar de memória, bem, consequentemente a memória da luta desses

sujeitos.

Nesse sentido, a demolição da Igreja e a construção de outra buscaram

legitimar o poder articulador de um grupo social; os católicos carismáticos, apontando

para o apagamento não só da memória de uma época, como também da trajetória de

vida de um outro grupo social, os católicos progressistas ou os católicos da

‘Caminhada’. O passado de lutas e embates de parcela desses sujeitos católicos de

Itapuranga e a história são chamados para justificar a opção pela forma de preservação,

por dados elementos de um tipo de progresso, por séries de mudanças, por uma

132

transformação, elementos que são a base da justificativa para a legitimação da

destruição ou para o descaso com imóveis representativos de um determinado grupo.

Alicerçados nessa premissa de determinadas formas de progresso e das transformações

é que se demoliu a “velha” Igreja e se construiu a “nova”.

Uma arquitetura que esbanja modernidade, desde sua torre imponente à

qualidade do piso, passando pelo muro frontal de vidro blindex, o interior da nova

Igreja inspira quase desconfiança com relação à assepsia do lugar e de seu exterior, com

jardins de plantas harmônicas e taludes, composição que incorpora o verde sem

comprometer a exposição do templo, mas que, intimida aqueles sujeitos que transitavam

tranquilamente pelo corredor externo da antiga Igreja. Esta, agora, se volta ao princípio

de ser uma “igreja viva”.

Figura 19 - Vista lateral da nova Igreja Cristo Redentor, inaugurada em 2006. Autor: COSTA, I. S. (2010)

Nas décadas de 1970 e 1980, se a Igreja era o lugar da luta, agora ela se

coloca como o lugar apenas do espiritual. A primeira Igreja foi construída a partir da

doação de materiais e trabalho, ao passo que a nova, com a participação de dizimistas e

de campanhas de doação em dinheiro.

133

Nas décadas citadas, e com menos fervor nos anos de 1990, os católicos se

reuniam na Igreja para discutirem, juntamente com os militantes do sindicato dos

trabalhadores rurais, do Partido dos Trabalhadores, dos militantes do Movimento

Popular pela Saúde, questões políticas ligadas ao cotidiano. No início do século XXI, a

Igreja volta a ser palco da busca da espiritualidade. Na nova Igreja, durante todo o dia é

possível encontrarmos católicos em vigília e adoração ao Santíssimo. O que antes fora

proclamado como “ação sem fé”, agora é afirmado como “ação pela fé”.

Figura 20- Reunião de líderes dos Grupos de Evangelho no pátio da igreja demolida. Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor. s/d.

Nessa disputa pela memória, dentre os vários itens de que nos fala Michael

Pollak (1989), pode se apontar que o grupo de católicos que mantinha um alinhamento

político junto à Igreja Popular de Goiás em Itapuranga passou, após os anos de

repressão e ditadura militar, por uma rearticulação e, por que não afirmarmos, por uma

desarticulação.

Uma parcela significativa da Igreja Católica no Brasil como instituição,

partícipe de uma política global que se firmou e fortaleceu como uma das poucas a dar

guarida aos movimentos sociais durante os anos de endurecimento e perseguição do

regime militar, rearticulou seu discurso político. Isso se deu, por um lado, em

134

consequência do processo de abertura política e, por outro, pelo próprio afastamento dos

indivíduos e pelo maior cerceamento das instâncias superiores da instituição junto aos

grupos considerados mais progressistas. Essa reorganização global atingiu o nível local

com o processo de arrefecimento de Dom Tomas Balduino e, principalmente, com a

presença e as práticas da Renovação Carismática Católica na Paróquia de Itapuranga.

Aqueles sujeitos dos anos de 1970 e 1980 compreenderam que não mais

havia espaços de luta mediados pela Igreja. Hoje, estes parecem se perceberem como

católicos distantes das novas formas de se vivenciar e praticar o catolicismo em

Itapuranga, pois não há mais o horizonte da utopia proposto pela Teologia da

Libertação. Mas, como já afirmamos, continuam a se identificar como sujeitos católicos.

Não é apenas um novo prédio, uma nova sede da Igreja que foi construída.

A atual conta com uma arquitetura arrojada, moderna e, sim, com uma nova

configuração de forças, novos aliados, novos sujeitos que, no entanto, mesclam-se aos

antigos defensores da justiça social. São diferentes, porém iguais: sujeitos católicos.

Sandra Jatahy Pesavento (2004) afirma que a arquitetura e a escrita são como formas de

vitória sobre o tempo. Para a autora:

Em termos gerais, a arquitetura inscreve no espaço uma forma que aspira à durabilidade, exceção feita às chamadas arquiteturas do efêmero, presentes na nossa contemporaneidade. A história, por seu lado, inscreve no texto um relato que visa também a uma permanência de sentido. Mesmo tendo em conta que seu objeto é a mudança das sociedades no tempo, a narrativa histórica aspira a salvar o passado para o presente e a registrar para o futuro um discurso explicativo sobre o tempo. A memória é, por definição, uma luta contra o esquecimento. Nesta medida, arquitetura, memória e história poderiam ser definidas como atividades humanas marcadas pelo enfrentamento com o tempo, assegurando registros voltados para a durabilidade. (PESAVENTO, 2004, p. 1602).

É por esse efeito de durabilidade, uma busca pelo não esquecimento, que os

católicos de Itapuranga se enfrentaram na arena real e simbólica, buscando firmar seus

espaços como lugares de memória. Para Nora (1993):

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. (NORA, 1993, p.13).

135

Os dois grupos envolvidos compreenderam bem a importância daquele

prédio dentro da ‘arquitetura da memória’ do lugar. O grupo que conseguiu impor o

projeto de demolição da Igreja sabe que o seu monumento, sendo obra dos desejos

políticos, também é mutável. Balandier (1982) nos lembra de que nenhum dos atores

políticos confrontados pode ignorar que a mudança gera imagens que desempenham

papel decisivo nas estratégias de poder (BALANDIER, 1982, p .66).

É o que buscamos analisar no diálogo de acompanhamento do processo de

enfrentamento e convencimento por parte dos católicos carismáticos na luta pela

redefinição dos lugares políticos dentro do campo religioso católico em Itapuranga.

3.1 A Construção da Igreja Cristo Redentor pelo Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima.

História e memória podem ser compreendidas a partir das várias

possibilidades como os atores sociais elaboram e reelaboram suas percepções e

construções, não apenas do seu passado, mas também de sua trajetória nesse passado.

Assim, para Seixas (2002):

A memória possui um primeiro e bem definido patamar: a memória é desencadeada de um lugar, e este se situa no presente. A memória do passado revela, de imediato, sua incontornável inscrição original: o tempo presente. (SEIXAS, 2002, p.62-63).

Ao pensarmos em elementos da memória, pensamos em como estes

complexos dispositivos sociais podem despertar lutas simbólicas numa arena permeada

por sujeitos que partilham identidades próximas, mas que, são demarcadas por traços de

pertencimento distintivos.

Nessa perspectiva, a história da Igreja Católica em Itapuranga e a memória

de uma parcela significativa dos católicos daquele lugar foram marcadas pela demolição

da Igreja Cristo Redentor. Essa destruição desencadeou uma luta de memórias que

poderíamos pensar como o último “cantar dos Cisnes” da experiência progressista da

Igreja Popular de Goiás no município. Lutas, por um lado, pelo não esquecer e, por

outro, pelo esquecimento, ou também pelo apagamento das tensões, contradições

presentes no passado rememorado que, ao emergir através da narrativa de quem lembra,

carrega consigo toda a carga de poder e luta dos grupos sociais em embate. Seixas

136

(2001) nos diz que “temos a sensação de vivermos sob o império da memória e de seu

correlato – o esquecimento”. (SEIXAS, 2001, p. 37).

O que podemos apreender aqui é a ambivalência do poder, que Balandier

(1980) aponta como o poder em algum lugar. Mas que lugar é esse? Os revolucionários

Grupos de Evangelho, que tantas transformações produziram nos primeiros anos da

‘Caminhada do Povo de Deus’ em Itapuranga? O Grupo da Renovação Carismática

Católica que, para alguns católicos, reavivou a Igreja naquela localidade? O Conselho

Paroquial, numa reconfiguração de poder em que alguns sujeitos, dentre eles o padre,

discutiam as questões e os problemas da comunidade? Para nós, a resposta pode ser

encontrada na forma como esse fórum de discussão da Igreja local se reestruturou nos

anos pós-revolucionários dos Grupos de Evangelho.

É nesse espaço e a partir dele que se produziu a necessidade de se construir

um novo lugar para as celebrações. De uma discussão inicial de ampliação e reforma,

partiu-se para uma discussão sobre a demolição e a construção de outra Igreja. A partir

desse poder, em algum lugar, é possível compreendermos ‘esse império da memória e

do esquecimento’ do qual nos fala Seixas (2001), tendo a demolição da Igreja efetivada

nos anos de 2000 e a construção de uma nova com outra concepção de espaço e a

renomeação dos lugares utilizados pelos agentes pastorais como textos produzidos pelos

“novos atores sociais” da/na reconfiguração do campo político-religioso em Itapuranga.

Entendemos que tais fatos e os posicionamentos que desencadeou na

sociedade local são sinais expressos pelos sujeitos pertencentes ao grupo que teve seu

projeto de evangelização vencedor. Tais sujeitos estes que desejavam esquecer/apagar o

passado e a luta dos vencidos, que tinham naquele templo a referência e a pertinência da

luta. Portanto, sujeitos que compreenderam a necessidade de se imprimir uma nova

“floresta de símbolos” para garantir a naturalização de seu poder.

Essa é uma disputa travada entre sujeitos que, apesar de comungarem de

uma identidade comum o ser católico se diferenciam na percepção social e política da

vivência da religiosidade. Mais especificamente, o que se apresenta é como a inserção

da Renovação Carismática Católica em Itapuranga, na década de 1980, possibilitou um

redimensionamento das práticas religiosas e também do uso dos lugares onde se

exerciam as várias práticas político-religiosas da Igreja do Evangelho, não somente

produzindo um apagamento desse período, mas também apresentando uma narrativa

bem estruturada, expressa na nova arquitetura da Igreja, o que para nós é significativo

na nova compreensão dos espaços de vivência do sagrado.

137

Para Balandier (1980) se o poder está em algum lugar, e nós o localizamos

na composição do Conselho Pastoral da Igreja de Itapuranga, é na capacidade de

argumentação e convencimento dos sujeitos ligados à Renovação Carismática Católica

que se origina todo esse processo de luta que denominamos de luta pela memória.

A Igreja Cristo Redentor (a velha) foi pensada e construída tendo como eixo

norteador o espaço como possibilidade de agregar pessoas, não apenas através das

celebrações, missas e demais rituais do catolicismo, mas também como lugar que

propiciasse sociabilidades. Assim, descreve se partes importantes de um grupo de

católicos que tem sua história de vida ligada à história da militância da Igreja do

Evangelho, em Itapuranga, em um manifesto contra a destruição da Igreja intitulado: “O

porquê de não demolir a Igreja Cristo Redentor” 60:

Foi nesse templo que durante 30 anos aconteceram todas as reuniões dos coordenadores das CEBs. A confraternização de final de ano do município com muita oração, cantorias, folclore, troca de lembranças entre as comunidades. (PNDICR, 2000, p. 2).

O espaço da Igreja era o espaço das assembleias populares que visavam

discutir desde questões da catequese até a luta pela saúde popular, dentre outras tantas

lutas. O documento apresenta uma interpretação da estrutura da Igreja:

Observando a estrutura arquitetônica da Igreja podemos perceber a ação desta comunidade que tinha no templo uma representação política e simbólica muito mais forte que se pensa. Essa construção tem um aspecto arredondado significando mais igualdade e participação popular nos trabalhos pastorais onde o padre se colocava no mesmo nível de igualdade de seus fiéis. E mesmo o aspecto da igualdade entre as pessoas pode ser visto se observarmos a construção de dentro, passando uma imagem de que todos são iguais. Essas inspirações foram buscadas nas diretrizes do Concílio Vaticano II, Medelin e Puebla onde a igreja se torna mais participativa e mais circular que piramidal (PNDICR, 2000, p.2).

Os idealizadores do documento demonstram uma interpretação da

construção da Igreja, buscando nas mudanças propostas pelo Concílio Vaticano II, mais

especificamente, em suas adaptações para a América Latina, via Puebla e Medellín,

suportes para dimensionar a importância histórica do prédio a ser, não apenas protegido,

mas preservado como monumento arquitetônico. O presente que rememora o passado vê 60 - Tomamos contato com esse documento através do Trabalho de Final de Curso: “Transformações no Universo Religioso em Itapuranga”, de Aparecida Pires de Morais e Viviane Alice de Oliveira, UEG, Itapuranga, 2004. Usaremos a abreviatura PNDICR ao nos referirmos a esse documento neste trabalho.

138

as dimensões políticas da arquitetura em que espaço e simplicidade são tomados como

traços que possibilitam uma politização do cotidiano, conforme aprendizado de toda

uma década representada pelos anos de 1970.

Cumpre salientar que a Igreja Cristo Redentor foi edificada através de doações e convênios, onde em 1970, o Pe. Antonio Cappi, como pároco dessa paróquia, iniciou as obras de construção da Igreja com recursos vindos da comunidade e da Diocese de Modena, cidade da Itália. Aqui fica evidenciado que este templo tem um processo histórico que jamais poderá ser negado por nós e por todos aqueles que acreditam na força popular. (PNDICR, 2000, p. 1; grifo nosso).

No documento, são enumerados os vários momentos em que o lugar foi

palco de tomada de decisões consideradas importantes, não apenas na/para a trajetória

da Igreja de Goiás, mas também na história política de Itapuranga. Na sequencia da

explanação do documento, transparece que esse espaço foi várias vezes abrigo para

denúncias contra o autoritarismo do regime militar no nível macro, bem como

desmandos e caprichos da política local foram apresentados, debatidos com o povo

católico. As celebrações eram permeadas por pequenas lições de política: a importância

da formação da associação de lavadeiras, a necessidade de se participar das discussões

políticas na Câmara dos Vereadores, a formação de assembleias para discutir desde a

campanha pelas “Diretas Já” e a Assembleia Constituinte até a violência de fazendeiros

contra seus agregados. Vários outros momentos de efervescência política no cotidiano

da cidade e da Diocese foram discutidos, enfim, em todos os níveis. Assim, são

enunciadas as ações que tiveram a Igreja como lugar de acontecimento:

além das formas simbólicas do templo, este foi palco para uma série de tomadas de decisões dos trabalhadores e trabalhadoras de nossa comunidade itapuranguense. Foi nas dependências dessa igreja que aconteceram vários fatos históricos que marcaram a história social de nossa cidade [...] (PNDICR, 2000, p.2).

A reunião de apoio aos posseiros da fazenda Córrego da Onça, as

assembleias para a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga, a

fundação da Associação Popular de Saúde são citados como momentos de efervescência

política do lugar. Mais do que a dimensão sagrada de templo católico, esses sujeitos,

que tiveram suas identidades marcadas e remarcadas pela luta política, desejavam a

permanência de seu lugar de memórias. Queriam o templo como expressão concreta de

139

um período marcado pelos vários enfrentamentos sociais, culturais, políticos e,

obviamente, religiosos.

A Igreja foi construída a partir das doações de materiais, leilões, mutirões de

caminhões, caminhonetes, carroças, dias de pedreiros, serventes, campanhas para o

forro e muito mais. (PNDICR, 2000). No documento, é citada, inclusive, doação vinda

da Diocese de Modena, na Itália, e o trabalho através dos mutirões. Sob a administração

do então Padre Antonio Cappi e a supervisão do senhor Otacílio José dos Santos, a

Igreja materializava o pensamento de uma nova visão de evangelização.

Enfim, tivemos a participação de toda uma comunidade que ora doava aquilo que estes dispunham no momento, colocando naquela obra os seus sonhos, anseios de verem ali uma construção, que tem um valor sentimental e, acima de tudo, simbólico, pois representa a força e união de um povo para dar forma a um projeto maior que é o de uma igreja que partilha e vive o seu cotidiano com os homens e mulheres de nossa comunidade católica. (PNDICR, 2000, p.1b).

O Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga

apresenta uma questão emblemática para a análise das relações conflituosas do universo

religioso do município. É um sinal embrionário, uma pista das tensões do cotidiano

entre os sujeitos que compunham o universo católico. Nas crônicas de 18 de outubro de

1961, somos informados de que havia um movimento clandestino para se construir uma

capela no Xixazinho. No mês de setembro do mesmo ano, a Igreja Matriz, localizada no

Xixazão, é tida por quase pronta, o que pode ter provocado os brios dos católicos do

Xixazinho. Assim, o narrador Monsenhor Lincohn Monteiro relata a questão:

Após dois dias de cama por prescrição médica, o Vigário levantou-se para sustar um movimento clandestino pró construção de uma capela em Xixazinho. Por que não procuram o Vigário? Será isso religião ou política? Creio que a segunda é a razão. (LTPNSF,18 de outubro de 1961, p.11; grifo nosso).

No Plano de Ação para o ano de 1963, escrito pelo Padre José Elverth

Ferreira, a construção da Igreja do Xixazinho aparece em 18º lugar nas prioridades. Em

5 de maio de 1963, ele nos narra que: “Celebra missa vespertina no alto do Xixazinho,

num ranchão de palha que mandei fazer para as missas e catecismo dominicais”.

O primeiro registro de eventos para levantar fundos para a construção da

Capela, como é designada no Livro do Tombo, data de 8 de março de 1967, tendo à

140

frente o Padre Nello Bononi. Tratou-se de um leilão. O padre registra, na ocasião, que a

iniciativa estava encontrando boa receptividade.

Em 30 de maio de 1968, o Padre Nello narra que recebeu escritura dos

primeiros dez lotes da quadra P, no Xixazinho, vendidos pelos irmãos Maia Ramos, de

Itauçu, para a construção da Capela. No mesmo ano, em 30 de outubro, a narrativa do

padre aponta uma inquietação com a vagareza para se conseguir levantar a verba para a

construção da Capela. Assim ele se manifesta:

Também este ano durante todo o mês foi realizado o terço nas famílias com leilões em prol da construção da Igreja do Xixazinho. No começo foi bastante fraco mais foi sempre mais aumentando seja a freqüência do povo que os leilões. É pena ter ainda dificuldades para iniciar esta bendita Capela. Estou aguardando o engenheiro que de Ita?(incompreensível) irá se estabelecer em Itaberai e poderá fazer um bonito projeto. (LTPNSF, 1968, s/p.).

Em 25 de dezembro de 1968, é registrado no Livro do Tombo: “Recebi a

escritura dos outros lotes da quadra onde surgirá a Capela do Xixazinho: são ao todos

dezoito lotes e foram gastos N$9.300.000 tendo sido de N$4.000.000 a colaboração

dada pelo prefeito senhor Agoncílio da Silva Moreira”. Em 10 de abril de 1971, Padre

Antonio Cappi nos diz que: “Iniciado o costume de celebrar em Xixazinho,

regularmente, na quadra do Colégio. Participação grande. Por enquanto não há

inconvenientes. Mas estou esperando de poder usar o “nosso salão”.

Mas é no dia 25 de abril de 1971, durante a reunião do Conselho Pastoral

que surge, acreditamos, a “tradição inventada”, conforme Hobsbawn (2002), da

importância simbólica do prédio da Igreja então em processo de construção:

Por tradição inventada entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado. (HOBSBAWN, 2002, p.09).

A narrativa apresentada no Livro do Tombo, em 25 de abril de 1971 é

significativa dentro do contexto de disputas e divisão dos católicos de Itapuranga

daquele período. Para ampliarmos a compreensão sobre a construção da nova Igreja no

141

Xixazinho e o processo de transformação desta num monumento à memória da luta

travada, principalmente, durante os anos de 1970:

Reunião do Conselho Pastoral, com participação de todas as senhoras do Apostolado, dízimo, equipes. Nasce a idéia: Igreja em Xixazinho, no duro. Será Centro Comunitário, mais que Igreja. Já marcada a festa de S. Sebastião: 20/06. Início: dia 11. Servirá para continuar a construção. Procurarei não virar um faraó construtor, mas prefiro aproveitar destes poucos meses para facilitar o que os novos colegas não teriam coragem de fazer, temendo a reação e divisão do povo = levar a paróquia para Xixazinho que é o verdadeiro centro de Xixá, o centro dos melhores católicos e o centro de expansão. Eles serão aceitos melhor! (LTPNSF, 1971, s/p.; grifo nosso)

Três questões são centrais nessa crônica do dia 25 de abril de 1971 para a

argumentação que desenvolvemos sobre as formas e os motivos pelos quais o espaço da

Igreja passará a ser apropriado e utilizado pelos sujeitos católicos militantes da Igreja

progressista nos anos vindouros. Em primeiro lugar, voltamos à questão da invenção

das tradições. Quando o nosso narrador afirma categoricamente que a Igreja que se

construirá no Xixazinho será mais do que meramente um prédio, será um centro

comunitário, expressa a expectativa futura da utilização desse espaço para além da

função de templo. Estamos no período em que a Diocese de Goiás, na sua Igreja do

Evangelho, denominou de Transição (1970-1971).

Nesse momento, a Diocese de Goiás propôs um “olhar para a realidade”. É

aqui, para nós, que nasce o apelo para transformar este lugar num espaço de memória.

Em segundo, levar a Paróquia para o Xixazinho não passa, intencionalmente, por um

processo de distanciamento desta com as famílias influentes na política local, na sua

maioria moradora do Xixazão, mas a afirmativa é de que isso ocorre porque no

Xixazinho é onde estão os “melhores católicos”. Como o nosso narrador não qualifica

esses sujeitos, ficamos sem saber o que seria “um melhor católico” em Itapuranga nos

anos de 1970. Passaria por uma maior adesão ao projeto inicial da Igreja do Evangelho?

E, por último, há a afirmativa do padre de que o Xixazinho é o centro de Xixá

(Itapuranga), e de que é ali o centro de expansão da cidade, consequentemente, o lugar

da efervescência político-social.

Na crônica de 30 de maio de 1971, duas observações do padre são

instigantes para quem detém as informações de como se comportariam as forças em

embate na disputa pela composição desse campo político-religioso. O padre se mostra

um exímio analista das formas como se dá a oposição entre católicos militantes e não

142

militantes da nova Igreja em Goiás. O grande evento motivador da reflexão é a saída de

Padre Nello do sacerdócio para se casar. Esse casamento produziu entre os católicos e,

na cidade em geral, uma onda de boatos, pois o padre se casaria com uma católica,

considerada pelos sujeitos da Caminhada como uma das mulheres mais atuantes em

todas as fases da história da Igreja do Evangelho em Goiás.

A outra observação se refere à forma como o padre justifica a não leitura de

uma carta papal sobre o uso dos meios de comunicação social, o que demonstra o nível

de enfrentamento a que se dispôs com os católicos:

Pe. Nello foi um homem de fé. Pessoalmente sinto só uma certa dificuldade no fechamento desta comunidade. Domingo não pude ler a carta do papa sobre os meios de comunicação social (convidava ao interesse e bom uso dos meios de comunicação) porque para uma comunidade intransigente e que julga quem presta e quem não presta, seria um choque. Mas é minha intenção abrir um diálogo honesto com a comunidade. Acho que uma fé deste tipo, não é uma fé evangélica. Pelo menos, não é a minha fé. Se tiver razão o meu amigo Nello, estou condenado! (LTPNSF, 1971, s/p. grifo do autor)

Passados sete meses desse registro, somos informados de que um novo

embate havia sido travado entre os católicos de Itapuranga. O motivo: a canção “Jesus

Cristo”, de Roberto Carlos, havia sido apresentada pelo Coral na missa, o que provocou

descontentamento entre alguns católicos. Nessa crônica, é relatada a chegada do novo

padre que iria assumir a Paróquia, Padre Ivo Poletto, e como o ex-padre, Nello Bononni,

se integrou à comunidade como agente pastoral. A crônica tem início com a seguinte

exclamativa: a paróquia caminhou! Vejamos:

Nestes meses, a paróquia caminhou! Houve pequenos inconvenientes (Otacílio incompreendido por alguns, no trabalho de construção! Más é uma pessoa excelente! Jesus Cto., de Roberto Carlos, que escandalizou algumas pessoas do coral: sinal da presença atuante dos católicos-pentecostais no meio de nossa comunidade!) mas o núcleo cristão está-se cada dia mais conscientizado. Pd. Ivo Poletto foi muito bem aceito. Só esperam dele uma longa permanência e um bom trabalho de equipe. Querem destruir o salão paroquial: não o faça! Tudo o que serve, deve ser reformado, não destruído (só porque é salão feio). Pd. Nello está definitivamente inserido na comunidade, a aceitação já é quase geral. Faço voto (já falei disso em pleno conselho) que ele seja dia a dia mais valorizado. Quem sabe que amanhã não precisamos também mais desta compreensão que demonstramos nestes meses ao colega e amigo Pe. Nello! (LTPNSF, 1971, s/p. grifo nosso)

143

O uso do verbo caminhar se torna um termômetro explicativo do processo

de politização e compromisso social dos sujeitos da nova Igreja de Goiás. Conforme

discutimos no primeiro capítulo, estar na Caminhada, ser da Caminhada é um elemento

diferencial para os católicos da Diocese de Goiás como um todo e para Itapuranga em

particular.

O último registro do Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima

data de 24 de dezembro de 1971 e foi escrito pelo Padre Antonio Cappi. Neste,

novamente é reforçada a ideia de que um grupo de católicos pentecostais atravanca o

desenvolvimento da Igreja compromissada com as lutas sociais. Ao término, o padre

expressa que o que de melhor existe na comunidade de Itapuranga são os católicos

humildes.

As linhas que contém é, como afirmamos acima, a última crônica da Igreja

de Itapuranga, registrada na folha 58. O padre assina como ex-vigário e data. Não há, ou

pelo menos não conseguimos encontrar, nenhum outro registro oficial das crônicas da

Igreja Católica em Itapuranga pós-1971. Encontramos outras fontes, tais como os

Boletins Paroquiais e os jornais da Diocese, mas nada referente aos registros das

crônicas da Paróquia desse período. É um longo espaço de tempo que só acessamos ou

pela experiência daqueles que o vivenciaram ou por meio dos Boletins Diocesanos e dos

informativos dos movimentos sociais de Itapuranga. Assim, nos é apresentada a última

reflexão, refinada e afiada de Pe. Antonio Cappi:

Hoje, a meia noite, Dom Tomás vai celebrar a 1ª Missa oficial (já celebrei uma vez com Mons. Lincohn), na Nova Igreja. Não pude fazer milagres, nesta comunidade, porque não pertenço à Igreja Católica – Pentecostal, nem sou metido a santo! Deixo só uma grande amizade, um pouco de saudade (do forte ninho) e um abraço ao pessoal humilde, o núcleo melhor desta comunidade. (LTPNSF, 1971, p. 58. grifo nosso).

Ao acompanharmos pelas crônicas do Livro do Tombo da Paróquia

Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga as tramas empreendidas pelos padres naquele

período para a construção da Igreja Cristo Redentor, as dificuldades e incompreensões

apresentadas na implantação da Igreja do Evangelho – justificativa apresentada pelos

católicos contrários à demolição da Igreja, quase somos levados a crer que a emergência

da Renovação Carismática Católica nada mais é do que a confirmação da afirmativa do

Padre Antonio Cappi, em 1971, de que os católicos de Itapuranga eram Católicos

Pentecostais.

144

3.2 - A visibilidade das escolhas da Igreja do Evangelho em Itapuranga

Figura 21 - Panfleto distribuído pela Igreja Católica de Itapuranga - 24/03/1985. Fonte: COSTA, I. S.

Para Teresinha Duarte (2003), “Se as Paredes da Catedral Falassem”

diriam muito da história da Arqui Diocese de Goiânia e do período do pastoreio de D.

Fernando Gomes dos Santos. Em Itapuranga, as paredes dos antigos Salões da Igreja

Cristo Redentor falavam. E falavam alto àqueles que tiveram suas vidas demarcadas

pelas inúmeras reuniões dos Grupos de Evangelho ou do Sindicato dos Trabalhadores

Rurais. Poderíamos enumerar todos os movimentos sociais que, para nós, tinham a

Igreja como elemento mediador da ação política. Em homenagem aos mártires da Igreja

do Povo, os salões da Igreja receberam os nomes desses mártires: Nativo da Natividade,

Índio Marçal, Zumbi dos Palmares, Margarida, todos mortos na militância da Igreja da

Libertação. O panfleto “Nossos Mártires Vivem!”, distribuído pela Igreja Católica de

Itapuranga em homenagem àqueles que tombaram na luta pela libertação, assim diz

145

sobre a perseguição aos homens e mulheres que optaram por combater as injustiças do

mundo através da mediação da Igreja Católica na sua vertente progressista:

A perseguição não é fruto de loucura e desmandos de comandantes ou grupos, mas é a resposta estrutural de um estilo de sociedade que se sente ameaçada, e que para defender seus privilégios, é radicalmente violenta. O que a repressão quer destruir, não é um ou outro líder, mas o próprio povo que é cristão e pobre. Na América Latina contemporânea, centenas de cristãos – leigos, religiosos, religiosas, padres e bispos – sofreram e sofrem diferentes tipos de perseguições, que vão desde invasão de casas, espancamentos, prisões, longos interrogatórios, cárceres, torturas físicas e psicológicas, expulsão e assassinatos. Para realizar esta tarefa são pagos pistoleiros, assassinos profissionais, organizações paramilitares, ou as próprias forças armadas. [...] Estes mártires são também nossos Profetas de ontem e de hoje, que tiveram a coragem de não se calar. É justo que recordemos nossos mártires neste dia do 5º aniversário de martírio de Dom Oscar Romero bispo da Igreja de San Salvador. Hoje também vamos recordar nossos Mártires da TERRA DO BRASIL (índios, posseiros e estudantes) (IGREJA CATÓLICA DE ITAPURANGA, 1985, s/p. grifo nosso)

Reportamos o leitor à figura 20 acima - Salão Índio Marçal:

Marçal índio Tupã Guarani. Da aldeia de Dourados Mato Grosso do Sul. Marçal destacou-se pela luta incansável em favor de seu povo e pelos discursos (denunciando a exploração que sofrem as nações indígenas). Em nome desse povo, Marçal saudou o Papa João Paulo II em Manaus em 1980. Ele incentivou o grupo Kaioá a garantir suas terras. Tudo isso desencadeou a violência de sua morte. Um dia Marçal disse: Eu sou uma pessoa marcada para morrer ... mas por uma causa a gente morre. A gente tem que perder a vida por uma causa. E, assim, foi assassinado no dia 25 de novembro de 1983. (IGREJA CATÓLICA DE ITAPURANGA, 1985, s/p. grifo nosso)

A figura (22) abaixo retrata o uso do espaço por dois grupos distintos de

católicos: uma reunião do Grupo de Jovens da Igreja Cristo Redentor, e, ao fundo

vemos que o grupo ali reunido é composto por homens e mulheres. O pátio era enorme,

com algumas árvores. Várias festas e reuniões aconteceram nesse lugar. Mas o que nos

interessa, nesse momento, é o registro ao fundo do salão dedicado à memória de

Margarida Maria Alves e Zumbi dos Palmares. Ambos fazem parte do universo

brasileiro das lutas populares.

146

Figura 22 – Usos dos espaços da Igreja Cristo Redentor – demolida. s/d Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor.

Já a senhora Margarida, mais uma personagem da história da Igreja Popular,

tombara também na luta da Caminhada do povo de Deus.

Margarida Maria Alves Presidente do Sindicato dos trabalhadores Rurais de Alagoa Grande na Paraíba. Margarida, companheira da libertação, sua luta foi muito forte contra os usineiros no vale canavieira da Paraíba, defendendo os direitos dos trabalhadores rurais, explorados. Por isso Margarida foi assassinada no dia 12 de agosto de 1983. Um tiro de espingarda de grosso calibre e cheia de pregos enferrujados espatifou sua cabeça. Avisada pouco antes do crime, que sua vida corria perigo ela disse: Só deixo de falar quando eu morrer. (IGREJA CATÓLICA DE ITAPURANGA, 1985, s/p. grifo nosso)

Os sujeitos que foram ressocializados dentro dessa nova forma de ser da

Igreja em Goiás mereciam, para além de ver as letras e as palavras contidas naquelas

paredes, dentre outros elementos, ter a certeza da força do exemplo. Mais do que de

nomes nas paredes, tratava-se de uma genuína pedagogia da luta popular. Mas apagaram

tudo, deixando todas as paredes brancas, silenciadas e silenciosas de toda a história

contida naquelas homenagens. Talvez se perguntados, uma grande maioria dos sujeitos

que frequentavam aqueles espaços não saberia responder quem eram aqueles homens e

147

mulheres que estavam nomeados ali, mas saberiam falar, possivelmente com alguma

certeza, que era “gente forte da caminhada da Igreja”.

Figura 23 – Vista frontal da igreja “velha”. Crianças da catequese brincam debaixo das árvores do pátio. s/d. Fonte: Acervo José Guedes.

Tanto o ato de apagar a memória contida nas paredes dos salões quanto a

transformação dos espaços externos da Igreja expressam a nova concepção daqueles que

momentaneamente venceram a disputa pelo campo religioso. O que era lugar de

aprender, refletir, discutir, agora é ocupado por um belíssimo projeto paisagístico, não

havendo mais nessa Igreja particular em Itapuranga espaços para os ‘profetas do povo’.

Os profetas e as profecias, agora, já estão estabelecidos desde a Igreja primitiva,

consagrados não pela inserção política na vivência cotidiana da vida religiosa, mas por

obra e dom do Espírito Santo através da Renovação Carismática.

148

Figura 24- Ao fundo, salão onde Margarida M. Alves e Zumbi dos Palmares eram os homenageados. À esquerda da foto a parede do Salão Índio Marçal. Comparar com fig. 5. Autor: SILVA, I. C. (2010).

Figura 25 - Espaço externo da Igreja Cristo Redentor ( Nova). Autor: SILVA, I. C. (2010).

149

3.2.1 O popular ocupa o altar

A história da Igreja do Evangelho, na Diocese de Goiás, é marcada por

grandes polêmicas. Uma delas diz respeito às práticas do catolicismo popular. Para os

promotores da nova forma de evangelização, a religiosidade popular atrapalhava a

caminhada da Igreja, uma vez que essas são práticas alienadas da vivência da religião. É

deixada de lado toda uma história do catolicismo brasileiro que aprendeu a conviver

com a falta de padres nos sertões e rincões e, mesmo assim, continuou a viver da sua fé

em todos os santos.

A região da Diocese de Goiás recebeu, como apontamos no primeiro

capítulo desta tese, migrantes de várias partes do Brasil, principalmente mineiros e

nordestinos. No processo de ocupação das terras da Colônia Agrícola Nacional de

Ceres, foram eles que ficaram na Barranca e tiveram que achar lugar para se estabelecer

na região. Ora, como negar a força da religiosidade popular desses grupos?

Carlos Rodrigues Brandão (1988), analisando o momento em que Dom

Tomás chega à Diocese de Goiás, nos diz que:

Até o ano de 1968, (1967 para Pessoa, 1999, p.104, nota do autor) quando D. Tomás assume a chefia da igreja local, os seus antecessores, bispos, padres e leigos das irmandades senhoriais, reproduziram entre eles o pequeno jogo usual de alianças e prestações mútuas de serviços através dos quais os interesses, poderes e símbolos de legitimidade da Igreja Católica, da elite governante e dos grandes senhores de terras perpetuam-se, reforçam-se e mutuamente se auxiliam, quando aqui e ali índios, negros escravos e, mais tarde, lavradores pobres e submetidos, ameaçavam pequenas rebeliões. (BRANDÃO, 1988, p.13.)

Dom Tomás refaz o jogo de alianças e proclama que a Igreja de Goiás

passará, a partir de então, a estabelecer como prioridade os sujeitos oprimidos e

injustiçados, os pobres e marginalizados da sociedade. Mas, nesse novo laço de alianças

a Igreja de Goiás, acaba por atropelar iniciativas presentes no catolicismo do povo.

Todo o universo religioso do leigo passa a ser questionado, pois seriam práticas

tradicionais que não possibilitariam caminhar rumo a um aprendizado político.

150

Figura 26- Celebração de Dom Tomás Balduino em uma comunidade de Itapuranga. À esquerda, (de camiseta Branca e Verde) vemos o Padre Isaac. Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor, s/d.

Scolaro (2001), comparando as análises de Ivanilde Gonçalves de Moura

(1989) e Jadir de Morais Pessoa (1999) sobre o processo de críticas e reestruturação na

Diocese das práticas do catolicismo do povo, aponta que ambos são categóricos em, por

um lado, ‘enaltecer o trabalho’ político da Diocese, mas, por outro, afirmam o

desrespeito ao universo religioso popular. Para Scolaro (2001), Pessoa (1999) é muito

taxativo em relação a essa nova ordem diocesana. E, para justificar seus argumentos,

busca no trabalho do autor a seguinte afirmativa:

A palavra de ordem era mesmo a erradicação sistemática e generalizada das práticas religiosas que compunham a piedade popular. Se isso não fosse possível, a alternativa permitida era o enquadramento dessas práticas nos propósitos de conscientização da Igreja do Evangelho. (SCOLARO, 2001, p. 78).

Confrontando a afirmativa de Scolaro (2001) com o texto de Pessoa (1999),

percebemos que houve um deslize de interpretação, pois este autor reflete sobre como

seus entrevistados falam desse processo. Não é o autor que afirma tal procedimento, e

sim os católicos de Ceres que, analisando suas histórias de vida, chegam a essa

conclusão. Se Scolaro tivesse se detido na análise de todo o parágrafo, o sentido seria

outro. Vejamos:

151

Outros inúmeros depoimentos e registros assinalam que (suprimido da citação de Scolaro) a palavra de ordem era mesmo a erradicação sistemática e generalizada das práticas religiosas que compunham a piedade popular. Se isso não fosse possível, a alternativa permitida era o enquadramento dessas práticas nos propósitos de conscientização da Igreja do Evangelho. (PESSOA 1999, p 123-124. grifo nosso).

Scolaro foi padre em Itapuranga. E, como já afirmamos, a cidade foi

considerada, pelos agentes da própria Igreja de Goiás, a paróquia onde a Caminhada foi

mais forte na Diocese. Acredita-se também que nesse lugar as práticas populares, como

reza de terço e folia, não foram perseguidas. Talvez, daí a dificuldade de Scolaro de

estabelecer sua leitura, atentando para as violências cometidas contra a cultura, a

religiosidade e o cotidiano desses sujeitos.

No entanto, houve, sim, tentativas, como as apontadas por Pessoa, de

enquadramento dessas práticas. Um exemplo é a Folia de Reis. Na 11ª Assembleia

diocesana, a Igreja assim se manifesta em relação à religião popular:

A Igreja de Goiás, em sua caminhada de libertação, quer assumir a realidade do povo pobre e oprimido, por isso propõe o seguinte: Reafirmar a caminhada do Evangelho tendo claro o rumo; Respeitar os Costumes do povo na sua religião e na sua vida, em vista de uma transformação; participar das coisas que o povo faz e gosta, para unir os companheiros da classe oprimida na luta contra a exploração, Estar presente e participar nas festas e celebrações do povo [...] (BRANDÃO, 1985, p. 155-156).

Brandão analisa como a Igreja passou a considerar essa questão do

catolicismo popular depois do Concílio Vaticano II, apontando para quatro vertentes de

opções das Dioceses Brasil afora:

a) Dioceses tradicionais e, sobretudo, os grandes centros de romarias populares incentivam a promovem cultos coletivos, desde que submetidos ao comando de congregações de sacerdotes; b) setores romanizados e, hoje, conservadores da hierarquia e do clero combatem, como no passado, as devoções e os rituais do populares [...]; c) setores da Igreja para os quais as reformas pós-conciliares são apenas religiosas e litúrgicas procuram estender sobre o catolicismo popular uma tolerante compreensão que, com sutilezas de sacristia, às vezes oculta o interesse de apenas absorver e aproveitar ali os valores

152

positivos, que, outra vez, possam ser incorporados ao controle eclesiástico; d) as frentes de prática das comunidades eclesiais de base buscam, com dificuldades muito grandes, a criação de formas de crença e culto que traduzam, a seu modo, não mais a religião da Igreja ou a religião do povo, mas uma religião de compromisso entre de um lado e o outro [...] (BRANDÃO, 1985, p 133; grifo nosso).

O Boletim Paroquial de Itapuranga, do mês de janeiro de 1979, publica o

balanço de Dom Tomás Balduino sobre os dez anos de seu pastoreio frente à Diocese de

Goiás. Usando a metáfora da Caminhada da Igreja de Goiás, ele a compara à caminhada

de José e Maria em busca de um lugar para o nascimento de Jesus. E assim apresenta

seu balanço:

[...] foi a caminhada de gente do povo, povo de lavradores e operários, de lavadeiras e empregadas domésticas, de peões e jovens estudantes empregados. Foi uma jornada de contradições, de repressão, de incertezas, de desencontros. Não foi uma caminhada brilhante. Teve marchas e contra-marchas. Às vezes avançou demais. Em outros momentos parou até recuou. Uns correram muito, enquanto outros mal podiam andar. E houve até quem abandonou o caminho. (BOLETIM PAROQUIAL, 1979, s/p).

Voltando à discordância entre Scolaro (2001) e Pessoa (1999) sobre a

relação entre a Igreja Progressista de Goiás e as práticas do catolicismo popular, Pessoa

nos apresenta a seguinte interpretação sobre os novos usos dados à folia de reis em

Ceres:

Com a folia de reis houve uma aparente inversão: era proibida ou pelo menos muito atacada no tempo dos franciscanos e passou a ser admitida pelos oblatos. Mas isso não quer dizer que a Igreja do Evangelho tenha tratado a folia como sujeito religioso. O que se fez muito foi estimular os ternos de folia a cantarem o conteúdo político-religioso da caminhada, com a melodia da folia. Uma dessas iniciativas até tornou-se hino na Diocese, chamado exatamente de Folia da Caminhada. (PESSOA, 1999, p. 136).

Assim, na perspectiva de olhar para a história da Igreja de Goiás e de

divulgar seus passos é que alguns lavradores de Itaguaru compuseram a Folia da

Esperança que, apesar de não conseguirmos confirmação, acreditamos se tratar da

mesma Folia da Caminhada, apontada por Pessoa (1999), que foi entoada em quase

todas as paróquias da Diocese de Goiás. Ela registra a história dos dez primeiros anos

da Igreja do Evangelho:

153

Folia da Esperança Dez anos de Caminhada/ Na Diocese de Goiás

Trouxe do Concílio de Roma/O nosso Bispo Tomás Contra a injustiça e exploração/A sua voz se levantou

E a nós pobres em terra e liberdade /O seu apoio ele mostrou Éramos um povo sem futuro/ E todos desanimados

Com ele aprendemos a coragem/E não seremos derrotados Descobrimos a verdade/Na caminhada de 10 anos

Com certeza e esperança/ Que nós estamos lutando. O Cristo da justiça e igualdade/Pois não deixa nós parar

Aí todos os lavradores/Vão ter terra prá plantar. Um dia que vai chegando/Os últimos serão os primeiros

Cristo nos fortalece/Ele é nosso companheiro Nessa noite de alegria/Vamos cantar nossa Esperança

Quem aceita o Evangelho/A vitória ele alcança. São 10 anos que hoje celebramos

De luta e dedicação Prá frente, com Tomás ao lado,

Celebraremos a Libertação.

Figura 27 - Chegada dos foliões à Igreja Cristo Redentor. A mulher que segura a Bandeira é Maria Ferreira - . s/d. Fonte: Acervo José Guedes.

A figura acima retrata a chegada de uma Folia de Reis à Igreja Cristo

Redentor. A mulher que está carregando a bandeira é Maria Ferreira, uma das primeiras

154

mulheres a entrar na Caminhada da Igreja do Evangelho em Itapuranga. Exemplo de

mulher forte da Caminhada, militou em todos os movimentos de base da Igreja de

Goiás: no sindicato, nos Grupos de Evangelho, na formação do Partido dos

Trabalhadores, no movimento pela saúde popular. Sua biografia é marcada fortemente

pelo casamento com um ex-padre da Diocese, Nello Bononni, no início dos anos de

1970 (apresentado no capítulo 01 desse trabalho). A figura acima, bem como a que se

segue abaixo, onde vemos o Padre Isaac Spinelli, fazendo a apresentação da bandeira

pelo espaço da Igreja, são paradigmáticas da forma como se estabeleceu a vivência entre

o catolicismo popular e o progressista em Itapuranga.

Novamente é Brandão (1984) que nos afirma que:

[...] quando o pessoal da Diocese de Goiás começou a redefinir a sua prática pastoral, foi percebendo que uma atitude de hostilidades ou de alheamento face à religiosidade popular era uma atitude não só artificial, do ponto de vista pedagógico, catequético e evangelizador, mas era também uma atitude não autêntica. Porque, de repente, a Igreja se recusava a participar do religioso, ainda que fosse de libertação. Daí o pessoal da Igreja passou a assumir uma nova atitude com relação ao catolicismo popular; ma atitude definida pela análise política do sentido de festa religiosa. Os agentes de pastoral perceberam que a festa, a romaria, o religioso popular não é controlado pela Igreja e por seus planos de pastoral, por suas prioridades. (BRANDÃO, 1984, p.171-172).

Não que não tivessem ocorrido várias rupturas nas práticas tradicionais do

catolicismo, como a pompa nos casamentos e batizados, modificados por cerimônias

mais simples e coletivas. Mas, principalmente no período em que Padre Isaac esteve à

frente da Igreja, segundo os católicos da Caminhada, houve uma redefinição nas

práticas progressistas. A evangelização passou a assumir uma posição mais moderada.

155

Figura 28- Padre Isaac Spinelli, carregando a Bandeira da Folia pelos corredores da Igreja Cristo Redentor - s/d. Fonte: Acervo de José Guedes.

Figura 29- Foliões no altar da Igreja Cristo Redentor - s/d. Fonte: Acervo de José Guedes

156

Figura 30 – Celebração na Comunidade da Represa. s/d. Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor.

O sentido desse breve intervalo entre os dois pontos centrais da análise do

capítulo é apresentarmos a complexidade e diversidade das manifestações de que o

espaço da Igreja Cristo Redentor foi palco. Nas fotografias, acompanhamos o giro do

sagrado popular, que são a folia e os foliões no espaço máximo da consagração ao

sagrado, os corredores da Igreja, até que assumem o altar.

3.3 A Renovação Carismática Católica e sua inserção em Itapuranga

A Renovação Carismática Católica se firma como um movimento leigo. Sua

origem está nos Estados Unidos da América, precisamente em Pittsburg, no Estado da

Pensilvânia, em 1967, resultante de um retiro espiritual promovido por professores e

alunos da Universidade Duquesne. Esse encontro aconteceu no final de semana de 17 a

19 de fevereiro de 1967. A partir de então, essa é a data em que se comemora o início

do catolicismo pentecostal, pois é nesse momento que os sujeitos participantes passam a

narrar suas experiências com o Batismo no Espírito Santo e com os demais dons

carismáticos. Todos os textos consultados sobre esse período da história da RCC

apontam para a existência, na história de vida dos sujeitos que participaram desse retiro

espiritual, de experiências religiosas, principalmente pentecostais.

157

A grande questão proposta pelo movimento de renovação espiritual era a

necessidade de retornar aos princípios que norteavam o catolicismo da Igreja primitiva.

A aproximação da Igreja Católica das questões sociais e políticas, via Concílio Vaticano

II, acabou por propiciar o fortalecimento de uma oposição a esses princípios. Nascida

nos Estados Unidos em 1967, como já afirmamos acima, a RCC chega ao Brasil,

conforme o sociólogo Reginaldo Prandi (1997), em maio de 1969:

Segundo a publicação oficial do movimento Renovação Carismática Católica: O que é?, a RCC teria chegado ao Brasil em 1972 trazida por padres jesuítas, inicialmente em São Paulo, de onde se teria espalhado para o restante do país (CNS, s/d). Dom Crispiano Chagas afirma que o movimento chegou ao Brasil em maio de 1969 por intermédio do padre Eduardo Dougherty, S.J., e imediatamente foi transmitido ao padre Haroldo Rahm, S.J. De qualquer modo, a RCC chegou por aqui pouco tempo depois do seu surgimento nos Estados Unidos. (PRANDI, 1997, p.34, grifo do autor).

Em Goiás, mais precisamente em Goiânia, Maria da Conceição Silva (2001)

se refere ao ano de 1973 como marco da inserção da RCC trazida pelos padres

Franciscanos.

A RCC iniciou-se na cidade de Goiânia após a participação do frei franciscano Juvenal Leahy num retiro espiritual ministrado pelos padres George Kosicki (C.S.N) e Haroldo Rahm (S.J), em 1973, no convento Mãe Dolorosa. [...] Os sacerdotes franciscanos que vieram para o estado de Goiás pertenciam à Ordem Franciscana do Santíssimo Nome de Jesus, de New York. (SILVA, 2001, p.62-63).

Para o sociólogo Reginaldo Prandi:

Na década de 60, no seu processo de adaptar-se aos novos tempos, no aggiornamento, a Igreja se encontrou num caminho de mão dupla: de um lado fermentou as ações da esquerda e liderou uma importante mudança institucional que foi confirmada pelo Concílio Vaticano II e que significou importante passo na direção de uma elaboração teológica mais voltada para os problemas sociais, a Teologia da Libertação; de outro, tomou a trilha mais conservadora que veio a dar na Renovação Carismática. [...] O Vaticano II é certamente o emblema do que existe de mais significativo na vida da Igreja contemporânea. Encontrar nele raízes é, para cada movimento, fonte de prestígio e legitimidade. [...] sempre houve, na Igreja, teólogos, pastores e leigos que assumiram uma posição dialética, em favor dos oprimidos, mas foi só a partir do Vaticano II que essa posição tornou-se oficial e as atitudes foram sendo sistematizadas. [...] Para os carismáticos não é diferente. Na cartilha Renovação Carismática Católica: O que é?

158

afirma-se que podemos dizer que João XXIII foi o precursor da Renovação Carismática. [...] O Concílio foi o início desse Pentecostes que hoje se vê realizar na Igreja (CNS, s/d) apud (PRANDI, 1997, p.30-31).

Ainda nos anos de 1970, a RCC comemorou o que configuraram como o

apoio do Papa Paulo VI. Pedro Ribeiro Oliveira, na primeira grande pesquisa sobre o

grupo realizada até então, nos informa que:

O discurso de Paulo VI, em 19 de maio de 1975, a 15.000 participantes do III Congresso Internacional da Renovação Carismática, foi acolhido pela RC como uma aceitação do movimento pelo Papa. D. Cipriano Chagas situa-o numa evolução gradativa do pensamento de Paulo VI no decorrer de 5 anos. Em 1971, o Papa se referia aos carismas, convocando a Igreja para estar atenta à ação do Espírito Santo, mas fazia questão de insistir para que eles não fossem separados do aspecto institucional da Igreja. Já em 1975, embora reafirmando a necessidade da submissão do movimento carismático à autoridade eclesiástica, ele fala de necessidade da renovação espiritual que o Espírito Santo faz surgir. Não usa a expressão Renovação Carismática, e sim renovação espiritual, entre aspas; porém não deixa dúvida de que com esta expressão ele designa a RC ali reunida. (OLIVEIRA, 1978, p.63-64).

Passados onze anos da publicação dessa pesquisa realizada por Pedro

Ribeiro de Oliveira e outros, a RCC, através de Pe. Caetano Minette de Tillesse, publica

o livreto de tom provocativo intitulado “A Teologia da Libertação à Luz da Renovação

Carismática”. Na introdução, o autor tece críticas à pesquisa de Oliveira, argumentando

que ela era baseada em questionários e entrevistas desatualizados.

O trabalho foi realizado por Pedro A. Ribeiro de Oliveira, a partir de um questionário e de entrevistas realizadas em 1975. Embora esta pesquisa fosse já bastante desatualizada, a C.N.B.B. pediu a três teólogos, de linhas diferentes, para darem uma apreciação teológica baseada nas conclusões do trabalho do CERIS. Os três teólogos acharam muitos pontos positivos na R.C.C. A parte teológica é bem fundamentada e resiste à critica. A R.C.C. conta, entre seus adeptos, com alguns dos melhores teólogos do mundo. Também a catolicidade da R.C.C. é indiscutível, assim como o reconhecimento por Paulo VI. (TILLESSE, 1989, p. 11).

O autor apresenta três afirmativas que procuram demarcar bem o jogo de

aliança e poder que a RCC dispõe naquele momento dentro da estrutura da Igreja.

Contra os que os acusam de ser ‘movimento’ e não parte constitutiva da Igreja, rebate

dizendo que são, sim, parte da Igreja, pois se sentem eclesiais:

159

A Renovação Carismática Católica está se espalhando pelo mundo afora. Já foi aprovada e encorajada pelo Papa Paulo VI e parece ser a grande graça do Espírito Santo para nossa época. Trata-se de uma renovação em que o leigo exerce um papel decisivo. Mas mesmo sendo assumida decididamente pelo laicato, constata-se que a presença do sacerdote é indispensável. Nas paróquias onde o vigário não assume a reponsabilidade, a R.C.C. não tem condições de se firmar e crescer. Nem é suficiente que o vigário dê a sua benção de longe; é preciso que ele mesmo entre ativamente na Renovação. Sem a presença do vigário, a R.C.C. não se sente Igreja. O específico da R.C.C. é este sentir eclesial. A R.C.C. não é um movimento na Igreja – e deste ponto de vista essencial, nenhum dos teólogos consultados pela C.N.B.B entendeu a verdadeira natureza da R.C.C. Um Movimento é um grupo particular da Igreja, que tem suas atividades espirituais e pastorais próprias, como sejam: focolares, Legião de Maria, Cursilhos etc. Mas a R.C.C. sente-se Igreja e não movimento na Igreja. Ela sente-se igual à primeira comunidade dos cristãos descrita em At. 2,42-47 [...] Exatamente porque se sente Igreja (e não simples movimento na Igreja), a R.C.C. precisa da presença ativa do presidente da Comunidade Cristã, o vigário local, porque o vigário é, por ministério, presidente da Comunidade local; sem ele não há Igreja. A dificuldade não vem da R.C.C., mas dos que de fora a chamam de Movimento porque não querem participar da renovação pelo Espírito Santo. Eles a chamam de Movimento porque eles ficam fora e querem se distinguir dela, exatamente como os Judeus chamavam o cristianismo nascente de seita. A R.C.C. pensa, na luz do Espírito Santo, que é a graça é uma graça eclesial e, por isso, ela não quer apenas a aprovação dos bispos e dos vigários, mas a participação ativa dos mesmos. (TILLESSE, 1989, p. 7-8-10).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ocorrida em Brasília por

ocasião da 34ª Reunião Ordinária do Conselho Permanente/94, de 22 a 25 de novembro,

decidiu pela aprovação e publicação das Orientações Pastorais sobre a Renovação

Carismática Católica. Dois pontos no texto possibilitam refletir sobre os níveis de

cautela com que a CNBB acompanhava o desenvolvimento da RCC. O primeiro ponto

faz parte da apresentação das reflexões e, no segundo, estão cinco itens das Orientações

Pastorais. No item ‘A Igreja Particular’, temos:

Em várias oportunidades, no decorrer dos últimos anos, a Renovação Carismática Católica tem merecido a atenção de nossos Bispos. A 32ª Assembléia Geral da CNBB, em abril de 1994, começou a estudar um projeto de orientações pastorais sobre a Renovação Carismática Católica, elaborado após ampla consulta a todas as Dioceses do País. 18- A liberdade associativa dos fiéis é reconhecida e garantida pelo Direito Canônico e deve ser exercida na comunhão eclesial.

160

19- Reconhecendo-se a presença da RCC em muitas Dioceses e também a contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil, é preciso estabelecer o diálogo fraterno no seio da comunidade eclesial, apoiando o sadio pluralismo, acolhendo a diversidade de carismas e corrigindo o que for necessário. 20- Nenhum grupo na Igreja deve subestimar outros grupos diferentes, julgando-se ser o único autenticamente cristão. 21- A RCC assuma com fidelidade as diretrizes e orientações pastorais da CNBB. A Coordenação Nacional da RCC terá um bispo designado pela CNBB como seu Assistente Espiritual, que lhe dará acompanhamento e ajudará nas questões de caráter nacional, zelando pela reta aplicação destas orientações pastorais, sem prejuízo da autoridade de cada bispo diocesano. 22- A RCC assuma também as opções, diretrizes e orientações da Igreja Particular onde se faz presente, evitando qualquer paralelismo e integrando-se na pastoral orgânica. 25- Deve-se também reconhecer a legitimidade de encontros e reuniões específicos da RCC, nos quais seus membros buscam aprofundar sua espiritualidade e métodos próprios, dentro da doutrina da fé e da grande comunhão da Igreja Católica. (DOCUMENTOS DA CNBB, 1994, n. 53, p. 5,17-18)

O que podemos apreender desse debate entre a RCC e a CNBB é como esta

procurou produzir formas de inserir o movimento pentecostal no seio da Igreja Católica

do Brasil. Administrar enfrentamentos com a RCC tornou-se tarefa dos católicos

progressistas em suas paróquias particulares. Enquanto estes se confrontavam no

cotidiano, a estrutura eclesial procurava espaços de adequação às novas demandas

postas pela RCC. É preciso lembrar sempre que a Igreja, enquanto instituição, prima por

ser universal, e suas vivências particulares são opções, preferências, e como tais podem

ser reestruturadas conforme as necessidades do período, tal como aconteceu com a

Teologia da Libertação.

Apesar de todo o cerceamento que os membros da RCC sofreram durante os

anos áureos da Teologia da Libertação em algumas Dioceses Brasil afora, o movimento

continuou crescendo espantosamente. Na segunda metade dos anos de 1980, já

apresentava visibilidade em várias Dioceses: tanto nas conservadoras quanto nas

progressistas, tanto nas grandes como nas pequenas Dioceses, ocupando, inclusive,

postos importantes nos conselhos paroquiais. Luiz Roberto Benedetti (2000),

pesquisando a realidade de Campinas- SP, conseguiu resumir num título toda a

complexidade desse período da história da Igreja no Brasil: “Templo, Praça e Coração”.

E depois acrescenta: ‘Templo’. Isso ocorreu no final dos anos de 1980, apontando

161

questões relevantes para o entendimento de como esse movimento conseguiu em tão

pouco tempo alcançar um nível alto de aceitação e rearticulação das alianças.

A Diocese de Goiás, nos momentos iniciais desse movimento em seu

território, mostrou-se mais distante, não havendo incentivo, nem tampouco

manifestações de tolerância. Itapuranga é uma Paróquia emblemática dessa

reconfiguração no campo religioso. Houve um processo dialético: ao mesmo tempo em

que a RCC foi expulsa da Igreja local, com seus grupos de oração, o retorno dos

católicos que haviam esvaziado a Igreja nos anos finais da década de 1970 e nos anos

1980 devido ao alto teor de politização das missas, celebrações e demais rituais

católicos.

A XV Assembleia diocesana apresenta a confirmação de que a RCC não

havia sido assumida pela Diocese de Goiás:

Retomando a decisão da Coordenação Diocesana de março e junho de 1988, esta Assembléia reafirma que o Movimento de Renovação Carismática não é assumido pela nossa Diocese como forma de realização de sua ação pastoral. Onde, porém ele se apresente, teremos uma atitude de diálogo e busca de entendimento para evitar o contra-testemunho do paralelismo e da desunião na pastoral e na comunidade. Por outro lado, a Diocese procurará aprofundar uma espiritualidade que abra oportunidade para uma vivência de oração comunitária e pessoal na linha da pastoral libertadora que anima a Igreja Latino-Americana. (XV Assembléia Diocesana, 1991, p.3 apud SCOLARO, 2001, p. 120-121).

Nesse documento, há elementos que apontam que a Diocese já expressa um

nível de diálogo que possibilitará a inserção desse movimento na estrutura da Igreja

diocesana. Caso voltarmos os olhos para o final dos anos de 1980, quando a Diocese

demarcou intransigência com o movimento, o texto da XV Assembleia diocesana é o

convite de entrada que faltava para a RCC.

Arcângelo Scolaro (2001), analisando as decisões das assembleias

diocesanas, conclui que a proposta da Igreja de Goiás para a RCC é unilateral: o

movimento deveria se adequar às formas do catolicismo progressista, no entanto, a

Igreja popular não cederia terreno, a não ser a aceitação de uma ‘convivência pacífica’

entre iguais. Para este autor:

Não é opção da Diocese, mas onde ele se apresente que haja uma tentativa de diálogo para se evitar o contra testemunho. É preciso evitar a divisão, mas o diálogo é num sentido um tanto quanto

162

unilateral, haverá diálogo contanto que a Renovação Carismática Católica assuma as opções e prioridades da Diocese. Na verdade, o que se busca é uma quase conversão dos mesmos à caminhada da Diocese, não se procura perceber neles elementos positivos que pudessem ser incorporados à caminhada. (SCOLARO, 2001, p.121).

Ora, já na segunda metade dos anos de 1990, todo o radicalismo

contra a RCC se transforma em busca de compreensão e diálogo. A Igreja particular de

Goiás já não mais conseguia se justificar através do já gasto e corroído discurso da

Opção Preferencial pelos Pobres. Esse era o momento de buscar um novo adequar-se às

transformações pelas quais a Igreja católica vinha passando, não só na Diocese local,

mas em sua estrutura geral. Os ventos do novo advento já varriam essa Igreja de Goiás

para as mudanças. Em 1995, no sínodo diocesano, é tirada a seguinte decisão:

Com relação aos carismáticos, tendo presentes as orientações da Diocese decididas na XV Assembléia e partindo do espírito comunitário, manter com eles o diálogo. E após a avaliação da comunidade a respeito da vivência deles em face da pastoral da Diocese, abrir possibilidades de participação nos nossos trabalhos. Além disso, designar pessoas para acompanhá-los de modo a criar oportunidade para que conheçam a história da caminhada da Igreja de Goiás. (Sínodo Diocesano, 1995, p.13 apud SCOLARO, 2001, p.121).

No município de Itapuranga, o início da Renovação Carismática Católica

pode ser datado na segunda metade dos anos de 1980. Há unanimidade, entre os

católicos do lugar, em relação à pioneira de sua divulgação. No processo de pesquisa,

todos os nossos entrevistados apontaram a senhora Dulcinéia de Brito Lemes como a

iniciadora e principal fomentadora desse novo jeito de viver a religiosidade católica na

Paróquia.

Nesta direção, tem-se que os primeiros contatos com os movimentos

propostos pela RCC no município ocorreram em âmbito bem elementar. Houve um

chamado espiritual para um indivíduo, uma manifestação do Espírito Santo. Assim, a

partir desse chamado, iniciou-se a organização de algumas pessoas que se reuniram em

suas casas para orar. Em seguida, aconteceu, num crescendo, a adesão de amigos e

vizinhos, que logo adquiriram uma estrutura de grupo. À medida que esse grupo foi se

expandindo, modificaram-se os locais de seus encontros, bem como a forma como se

denominavam. Quando já contavam com um número grande de pessoas, passaram a se

denominar Grupo de Oração.

163

Em entrevista ao autor em 18 de setembro de 2000, Dona Dulcinéia de Brito

Lemes nos informou como foi o processo de instauração da RCC. A narradora inicia seu

relato contextualizando a Igreja de Itapuranga nos anos de 1970, dizendo que foi uma

época de intensa dificuldade. Toma como ponto de partida o ano de 1974 para falar de

sua experiência com a Igreja da Caminhada e de como esse momento produziu uma

sede de transformação. Sua narrativa da experiência vivenciada é construída numa

dimensão mística de revelação. Segundo Dulcinéia de Brito Lemes, durante um sonho

recebeu um chamado de Deus para que fosse cuidar da Igreja dele. E, a partir dessa

manifestação profética, buscou a compreensão do que fazer e de como fazer o que lhe

foi pedido.

Quando perguntada sobre quando teve seu primeiro contato com a RCC e

como este se deu, nos relatou que:

Mais ou menos em 1974, foi uma época de muita dificuldade com relação à própria Diocese... e Dom Tomás, porque o povo tava muito afastado de Deus e só no social, então eu senti muita sede de Deus, muita sede mesmo, aí orando em minha casa em um certo dia, orando mesmo nem sabia que Deus falava em meu coração, eu não sabia, Deus falou em meu coração: Por que você não ajuda a mudar a minha igreja? Ele falou assim: A minha igreja; eu entendi que era a Igreja de Itapuranga, eu entendi na hora, levantei, eu tava numa oração profunda na hora, eu levantei assim, ah eu não vou fazer nada, porque Dom Tomás não aceita modificações. (LEMES, 2000, s/p.; grifo nosso).

O ano de 1974, que nossa entrevistada data como momento inicial de suas

reflexões, é significativo para problematizarmos as justificativas apresentadas para a

busca da transformação do campo religioso católico em Itapuranga. Foi em 30 de

novembro de 1974 que ocorreu o movimento de expulsão dos padres da cidade,

movimento esse que foi organizado e orquestrado pelos sujeitos católicos contrários à

Igreja progressista, pertencentes a uma classe média-alta itapuranguense composta por

fazendeiros, comerciantes, enfim, como eram chamados pelos sujeitos da caminhada: os

burgueses da cidade. Sobre Dom Tomás Balduino e o seu processo de busca de

espiritualidade via movimento carismático católico, assim nossa entrevistada define:

Ele era muito radical, ele era uma pessoa maravilhosa mesmo, mas era mais social mesmo. [...] Mas aí esse chamado foi mais ou menos no final de 74 [...] aí eu não entendi, eu não entendi e não obedeci também, e nem tinha como obedecer, Deus falou uma coisa para que muito mais na frente; aí eu mudei para Goiânia [...] aí lá eu frequentei

164

um grupo chamado Coração de Maria, grupo da renovação carismática, e lá fiz: seminário I, seminário II, aprofundamento de oração, e voltei para Itapuranga, porque as minhas causas eram todas envolvidas com Itapuranga, deu tão bem Itapuranga, eu senti uma sede muito grande de grupo de oração, de tá em comunidade, de rezar, aí eu chamei uma amiga; Dona Severina e a Olinda, a gente; nós três orávamos toda terça-feira, às três horas, reunia numa salinha, em minha casa, e a gente rezava. Rezamos um ano mais ou menos [...] eu nem lembrava do chamado de Deus não. Eu pedia assim que Deus mandasse um coordenador para Itapuranga para formar um grupo de oração, que muita gente tinha sede, não era só eu, muita gente tinha sede, não era só eu, de oração, de encontro com Deus, através da oração, de espiritualidade. (LEMES, 2000, s/p).

A partir de sua revelação, a senhora Dulcinéia de Brito Lemes inicia sua

participação em um grupo da RCC em Goiânia. Nesse período de afastamento de

Itapuranga, ela passa por um processo de iniciação nos conhecimentos desse

movimento, estruturando a narrativa de seu aprendizado tal qual um ritual de passagem.

Ocorre que devido ao chamamento de Deus, abandona seu lugar de origem, havendo aí

um sentido no afastamento de seu grupo. A senhora Dulcinéia de Brito Lemes se insere

numa nova realidade e apreende novos valores. Em seguida, retorna ao seu grupo de

origem, agora com uma nova identidade, com o reforço de ser uma iniciada, para

ensinar o que viu. A partir desse movimento de participação na RCC em Goiânia, a

religiosa é incentivada a retornar a Itapuranga e formar um Grupo de Oração.

Com a insistência das amigas que participaram desde o início dos encontros

em sua casa, Dona Dulcinéia começa a estruturar encontros. Aponta apoio da Igreja

local, mas também divergências em relação a esta, sendo que um fator fundamental em

sua narrativa é a busca de consentimento junto ao bispo D. Tomás Balduino, a

necessidade que o Grupo tinha de receber, se não o aval completo da Diocese, pelo

menos um amistoso acordo de convivência:

muitas pessoas já haviam falado para mim: Ô Dulcinéia você tem que começar um Grupo de Oração lá na sua cidade. Pessoas já da Caminhada, que têm experiência, [...] não quero, para mim eu não quero. Aí, então ninguém insiste né, eu não; fazer um Grupo de Oração, não. Pensava assim. Mas daí a Dona Severina, essas três que já estavam comigo, ela falou assim, Dulcinéia, ela viu que eu estava até abatida, ela disse: Dulcinéia, o que você está esperando, Deus descer do céu e falar para você formar um Grupo de Oração? Eu falei, Dona Severina, a senhora acha que é isto mesmo? Não, eu tenho certeza. Tanto tempo que nós estamos rezando aqui, eu tenho certeza que é isso que Deus quer. Então, eu vou convidar as minhas vizinha. Eu fui na Zuza, fui nas vizinhas. Nos reunimos cinco ou seis naquele

165

dia. Na outra de novo mais seis, sete pessoas, e de sete em diante eu perdi a conta, foi aumentando, aumentando. Da minha salinha, nós passamos para a cozinha da minha mãe, que era maior, aliás; passamos para a minha cozinha, depois para a cozinha dela, na cozinha não coube, a igreja levou a gente pra lá (pausa) Pra bloquear né. Também né, mandou a gente sair de novo que a gente era grupo de esquerda, de direita, eles achavam que o nosso interesse era político, não tinha nada a ver. Nós só queríamos rezar. Aí o Padre Arcângelo tira a gente de novo, vai para o Grupo lá do Outro Lado. Volta, e depois a Edna, apoiou a gente, deu aquele salãozinho onde é a Igreja Assembléia ela pegou arrumou para gente, e a gente foi para lá. De lá a gente viemos e alugamos o cinema, o Gilberto bancou o aluguel de lá muito tempo, graças à Deus, ele ajudou a gente demais da conta nesse sentido, ficamos no cinema até termos condições de construir ali onde estamos, porque a igreja não permitia, mas não fizemos sem a autorização do nosso padre que era o Padre Antônio, e do Bispo. (LEMES, 2000, s/p.; grifo nosso).

A ênfase na forma como o número de pessoas frequentadoras do Grupo de

Oração aumenta, tomando proporções inesperadas, obriga a senhora Dulcinéia a

produzir o primeiro deslocamento da RCC na cidade de Itapuranga. Aqui é

extremamente significante para nós a ida do Grupo de Oração para o Xixazão. Pode ter

sido somente devido à facilidade de conseguir autorização para o uso do espaço do

Grupo Escolar Coronel Virgílio José de Barros, mas não podemos perder de vista que a

população do Xixazão foi muito reticente com a Igreja do Evangelho. É uma parte da

cidade onde os animadores dos Grupos de Evangelho disseram que houve poucas

adesões.

A segunda alteração de endereço do Grupo para o espaço onde, por muito

tempo, foi a Igreja Assembleia de Deus, na Rua Farnésio Rabelo, esquina com a Av.

Anhanguera, é bem sintomática. O grupo passa a usar um espaço onde já havia a

memória de uma Igreja pentecostal. Por outro lado, importa observar que o grupo

deixou o Xixazão, lugar de mais difícil acesso, ficando no limite entre o Xixazinho e o

Xixazão. Outra questão pertinente é que o espaço foi cedido pela primeira-dama do

município, a senhora Edna Maria da Trindade, a mesma que, em 1987, se negou a

assinar a declaração de utilidade pública do Hospital da Associação Popular de Saúde,

fato que gerou a ocupação do prédio da Prefeitura. O mandato de seu esposo, João

Batista da Trindade, foi marcado por hostilidade aos movimentos sociais locais.

Utilizando uma prática comum à Igreja Universal do Reino de Deus, o

grupo alugou o prédio do antigo Cine Hawai, situado na Rua João do Couto Rosa,

esquina com a Rua 47-a, Centro, no quarteirão vizinho à sede da Igreja Cristo Redentor.

166

Dona Dulcinéia relata que o Sr. Gilberto de Brito, seu esposo, comerciante e fazendeiro

da cidade, era quem custeava o aluguel do prédio. Saindo desse ponto, o Grupo de

Oração muda para sede própria, situada à Rua 55, Quadra 14, Bairro Joaquim da Silva

Moreira. Esse espaço é usado até os dias atuais para os vários trabalhos desenvolvidos

pela RCC em Itapuranga.

O grupo consegue autorização do Bispo com a recomendação de não se

abrir mais grupos de oração. A narrativa da forma como a coordenadora prepara a irmã

para ser sua sucessora assenta nas estruturas das revelações. Como sua irmã se negasse

veementemente a assumir tal posição, a senhora Dulcinéia faz dela uma portadora de

um pedido por escrito a Nossa Senhora de Mediugórie para que a convencesse a

substituí-la na condução do grupo de oração. E, ao retornar da peregrinação a

Mediugórie, sua irmã, Drª Ilza Ferreira, aceita assumir a coordenação do movimento da

RCC em Itapuranga.

Nós fomos conversar com o Padre Antônio e ele falou: faz logo. E nós falamos com Dom Tomás, eu e a Ilza (irmã da entrevistada) fomos lá, porque quando eu comecei eu fui desobediente à Igreja sem saber que eu estava desobedecendo, eu não fui lá e falei: D. Tomás eu posso começar um Grupo de Oração? Eu não fui e fiz isso; porque eu não sabia, sinceramente. Deus me pegou completamente inocente, aí aconteceu tudo isso, a gente foi muito perseguidos, foi perseguido demais da conta mesmo, mas não tinha como voltar atrás mais, D. Tomás se o senhor achar que deve parar em obediência ao nosso pastor, nós iremos para. Não ninguém pode proibir vocês de rezar, eu não quero que faz outros grupos porque senão... fica só esse grupo mesmo. Então continua até hoje né o Grupo de Oração, com suas quedas, suas dificuldades, que não é fácil de jeito nenhum, eu fiquei mais ou menos 8 anos na frente no Grupo como coordenadora e a Ilza me ajudando e eu preparando ela para assumir. E ela não queria assumir de jeito nenhum, até que um dia ela resolveu, ela foi a Mediugórie, pede a Nossa Senhora, aí eu mandei uma cartinha e pedi pra convencer ela que ela já tava preparada. Ela aceitou (LEMES, 2000, s/p.).

O sentido da revelação do Espírito Santo na RCC é o que move os católicos.

Ao relatar, na sala de sua casa, com suas amigas, todas as etapas, desde o início até a

construção do prédio próprio da RCC, o que a senhora Dulcinéia nos conta é sobre a

importância que o Grupo de Oração assume na estrutura da RCC. Ali, as pessoas

experimentam o êxtase do Espírito Santo. Prandi (1997) afirma que:

167

É no grupo de oração que o ponto alto da vida carismática é experimentado: nele as pessoas podem vivenciar as mais diversas formas de adoração e louvor. E é o louvor o que realmente interessa. Ali as pessoas podem cantar, pular, extravasar as tensões, trocar calor, sentir-se importantes. Além disso, é nos grupos de oração que todos recebem as bênçãos que Jesus lhes pode dar. (PRANDI,1997, p.36).

A entrevistada enfatiza a situação de esvaziamento em que se encontrava a

Igreja em Itapuranga. Esvaziamento esse que não era um caso particular do município,

mas que havia ocorrido em todas as paróquias progressistas Brasil afora. E, à medida

que o Grupo de Oração da RCC foi aumentando, passado o período das perseguições e

com as redefinições pastorais diocesanas, a Renovação Carismática passou de incômodo

hóspede à proprietária da casa.

Temos que ter cuidado para não cairmos na armadilha da análise fácil de

que a aceitação da RCC se deu tão somente pela sua capacidade de reaproximar os

católicos afastados da Igreja durante o seu período de militância político-religiosa. A

aceitação foi estrutural. A RCC é um movimento leigo que tem atuação reconhecida nas

paróquias, e mereceu da CNBB, na segunda metade dos anos de 1990, tempos ainda de

enfrentamento com a ala progressista, a promulgação de Orientações Pastorais para

conviver com esse movimento que já estava espalhado pelo Brasil afora. Não se trata de

receios de cisma, a RCC sempre desejou estar na estrutura interna da Igreja para daí

poder espalhar a ‘boa-nova’. Ela é uma forma de vivência tão intimista que a senhora

Dulcinéia começou sua entrevista com o autor relatando como recebeu do Senhor a

missão de mudar sua Igreja. A entrevistada nos disse que o Senhor a mandou ler a

palavra, e a palavra era João, capítulos 15 e 16. Não houve nenhuma justificativa de

cunho conservador que remetesse à urgência de se restabelecer a espiritualidade na

Igreja católica de Itapuranga. A inserção desse movimento naquele espaço resultou da

obediência a um chamado.

Em 1992, fizemos várias entrevistas com os sujeitos católicos que tiveram

suas histórias de vida marcadas pela experiência de terem atuado em todos os níveis dos

movimentos sociais da Igreja de Itapuranga. Naquele momento, início dos de 1990,

perguntamos, dentre outros temas, sobre a inserção da RCC no município e como esses

sujeitos viam o movimento. Vejamos algumas respostas dadas àquela época:

Hoje as igrejas evangélicas estão cheias, porque o pessoal perdeu a tradição e muitos católicos foram desiludidos com a fé da Igreja Católica, por causa das imagens, das festas, da preparação de batismo,

168

casamento, então eles acharam melhor passarem para uma outra seita religiosa. E como a Igreja Católica nunca voltou o passo atrás, ela tá sempre marcando passo para frente, existe também quem não quis mudar de religião, mais também não quiseram caminhar também. Eu vejo a carismática neste sentido, então é uma forma de eles continuarem da Igreja e continuarem conservadores” (PIRES, 1992, s/p.)61 Agora no momento atual eu acho que a Igreja tá tomando rumo, um rumo de aceitação, de caminho, ela teve um tempo meio paralisada, agora em 80, 88, 89 começaram a fazer reunião em casa; os carismático. A Diocese não aceita. D. Tomás acha que é uma coisa muito tradicional; que o pessoal não se desenvolve, porque fica preso às orações, não toma conhecimento das coisas. Na Carismática só se fala em Deus, da fé, da bondade de Deus, das curas, através das bênçãos de Deus. Então D. Tomás não apoia e os padres também não apoiam. Entre os próprios católicos praticantes houve uma divisão na Igreja. O padre crispou um pouco, pra gente não se ensaiar na carismática e a gente não aceitou, isso deu mais força. A carismática é a Igreja antiga, tradicional. Só porque podemos fazer as duas coisas, ter um lugar só para rezar e um outro pra fazer de tudo: rezar e ver a realidade. (MARQUES, 1992, s/p.; grifo nosso)62

No documento ‘Teologia da Libertação em Itapuranga’, Ivo Poletto

apresenta um balanço sobre o que significou a ação da Igreja de Goiás no município.

Poletto (1994) aponta para a seguinte conclusão:

A sede de espiritualidade que se manifesta hoje não encontrou as melhores formas de ser satisfeita numa dinâmica evangelizadora. Corre-se o risco de certo espiritualismo. Em vista disso, o grande desafio da pastoral cristã de hoje localiza-se na descoberta de uma evangelização libertadora que corresponda às necessidades urgentes das massas excluídas e dinamize as aspirações que inquietam os corações humanos neste final de milênio. (POLETTO, 1994, f. 3)

As análises sobre a Renovação Carismática Católica apresentadas pelas duas

senhoras que selecionamos é recorrente entre os demais sujeitos católicos que

entrevistamos. A RCC significa a volta da Igreja tradicionalista, assentada em uma nova

forma de evangelização, com capacidade de diálogo com as transformações e formas de

evangelizar surpreendentes. Em vez de usar boletins informativos rodados em

mimeógrafos, ela contra-atacou com canais de rádio e TV e jornais, conseguindo, mais

61 Dona Maria Pires. Entrevista realizada em 18 de setembro de 1992, na residência da entrevistada em Itapuranga-GO. 62 Dona Maria Marques. Entrevista realizada em 13 de julho de 1992, na residência da entrevistada em Itapuranga-GO.

169

do que sua irmã revolucionária, cercar-se de uma bancada de políticos, nos vários

níveis, que defendem seus interesses.

Em Itapuranga, desde sua inserção no reordenamento do campo religioso, os

Carismáticos tem conseguido eleger vereadores simpatizantes, quando não convertidos

ao movimento. Essa aproximação entre as esferas da política e da religião, assentadas

nos princípios carismáticos, não é problematizada como interferência como a Teologia

da Libertação foi tão duramente combatida, assim como não é vista como posição de

embate no campo político. O que sobressaem são práticas de intervenção cristã junto

aos políticos, um direcionamento espiritual. Para alguns, no entanto, é, como aponta

Poletto (1994), uma forma de espiritualismo que se refere “às inquietações de final de

milênio”.

3.4 “PRECISAMOS DE SEU DÍZIMO”: a construção da ‘Nova Igreja’ Cristo Redentor

Figura 31- Maquete da Nova Igreja Cristo Redentor. Fonte: COSTA, I. S.

O cartão acima tem a medida de 8x10 cm, o que, em termos de tamanho

para uma peça publicitária, seria considerado pequeno. No entanto, é um documento

prenhe de significados, um grande documento. Entregue aos católicos de Itapuranga,

170

conclamava a todos que se dispusessem a, mais do que ajudar na construção da nova

sede da Igreja Cristo Redentor via pagamento do dízimo, prática então comum ao

universo desses sujeitos, cumprir a missão individual da nova forma de vivência da

religião na Paróquia. Era um chamamento pessoal a cada um e a todos os católicos,

principalmente aos renovados, pois ‘Vós sois o templo do Espírito Santo’. Essa

condição do sujeito o relacionaria diretamente à sua obrigação de auxiliar na

construção, não de uma Igreja qualquer, mas de uma ‘Igreja Viva’.

Há uma intencionalidade no documento de opor o novo momento que vive a

Igreja Católica naquela Paróquia em relação ao período anterior. Mais do que qualificar

o novo, para nós, como uma Igreja compromissada com a espiritualidade, o

acompanhamento do sujeito na busca do engrandecimento da Igreja e no reavivamento

no Espírito Santo desqualifica o antigo modo de se ser e viver o catolicismo em

Itapuranga, representado pela reduzida participação nas celebrações, pelo afastamento

dos sujeitos devido à militância político-religiosa, enfim, pela derrocada do projeto da

Igreja Progressista no Brasil, vivenciado de forma particular pelos sujeitos da antiga

Igreja do Evangelho no município. Aquele outro período era o tempo de uma Igreja sem

vida, sem a presença do Espírito Santo, onde reinava certo excesso via politização do

cotidiano religioso.

Esse novo momento representa a consagração da espiritualidade em

detrimento da militância político-religiosa. Daí a importância de compreendermos o

valor do dízimo entre os católicos carismáticos como meio de se estabelecer laços de

obrigatoriedade entre doador e receptor e também como elemento demarcador de seu

pertencimento à RCC. Partindo da premissa de que o católico ‘renovado’ no Espírito

Santo é um conhecedor da Palavra, o dízimo passaria a estabelecer elementos de

diferenciação entre os sujeitos católicos na Paróquia. O que está em questão é a moral

que o ato de dar implica no processo de constituição da reciprocidade conforme discute

Marcel Mauss. (2003). O processo de construção da nova Igreja apresenta, no início de

sua discussão com a comunidade, algumas contradições as quais se situam entre o

ampliar e o demolir a Igreja.

No documento “O porquê de não demolir a Igreja Cristo Redentor”, no

tópico ‘O processo de encaminhamento’, toda a argumentação apresentada é

encaminhada no sentido de se tentar provocar debates pela forma da condução do

processo de demolição da Igreja. Os signatários buscam produzir um convencimento de

que houve manipulação na forma de condução das discussões. Para isso, justificam que

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o projeto inicial apresentado à comunidade católica num final de missa dizia respeito a

AMPLIAR a Igreja e não a demoli-la, conforme foi encaminhado. Por outro lado,

questionam como as decisões foram centralizadas em torno de um pequeno grupo de

católicos, contrariando, assim, a dinâmica historicamente desenvolvida na Diocese de

Goiás, de se ouvir toda a Igreja e a Igreja toda.

Na argumentação, provocam os condutores ao afirmarem que existe uma

prioridade diocesana com as CEBs, e que as decisões tinham sido tomadas do centro

para a periferia. Apresentamos, a seguir, um longo trecho que constitui fragmentos da

segunda parte do documento, que nos auxilia na compreensão dos dispositivos por nós

procurados. Conforme o documento:

O PROCESSO DE ENCAMINHAMENTO Os encaminhamentos das decisões dentro da Diocese de Goiás, desde 1969 sempre se pautou pela abertura e o devido debate com as comunidades por ela assistida, portanto, uma questão historicamente constituída e que se tornou uma experiência salutar para resolver os problemas pertinentes às Comunidades. Nos causa estranheza a forma como se processaram as decisões de derrubar a Igreja Cristo Redentor, para em seu lugar edificar uma outra, considerando que a questão não foi bem discutida, nem bem entendida e de forma bem diferente da prática que a Caminhada da Diocese de Goiás fez durante seus 31 anos de luta em prol dos pobres e excluídos. Considerando que esta questão não foi bem discutida quando o assunto não foi encaminhado até as Comunidades Pastorais e equipes de serviços a fim de uma maior reflexão e de uma maior contribuição com sugestões e questionamentos a respeito do assunto. Alguns animadores de comunidades e pastorais tomaram conhecimento do assunto no Conselho Municipal de Pastoral e nas celebrações, depois de prévia decisão da equipe de administração e juntamente com os párocos da Igreja de Itapuranga. Entendemos que não foi bem entendida quando a primeira proposta votada na assembléia da missa dominical era só de reformar, aumentar e não derrubar. Pessoas que votaram para reformar, não votaram para derrubar, pois a votação era de cunho de ampliação e não se fez referências alguma de derrubar. Daí entendemos que existe uma leitura diferente na forma de condução das decisões até então postas para a comunidade católica do Xixá.

Um outro ponto que nos deixa preocupado é a longa trajetória da nossa Igreja que se constitui de amplo debate dentro da Caminhada da Diocese, porque para garantir verdadeira participação dos seus membros e uma real consciência de ser Igreja, a prática das discussões e decisões devem passar pelas comunidade eclesiais de base, pelas pastorais e equipes de serviços e pelo seu órgão máximo nos municípios, os Conselhos Municipais de Pastoral. Este trâmite não foi cumprido no que se refere à decisão de derrubar a Igreja Cristo Redentor. O encaminhamento ocorreu na equipe de

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administração junto com os padres e em seguida encaminhada para um final de missa e votada (decidindo-se pela reforma). Claro está que o momento não era propício para decidir sobre o futuro do prédio da Igreja, haja visto estarem saindo de uma Celebração e que os presentes não foram perguntados pelo padre se queriam ou não derrubar a igreja para construir outra em seu local. Interessa é que o assunto só chegou no Conselho Municipal Pastoral no dia 20 de junho de 1999 apresentado na forma de aviso dizendo que já tinha sido decidido e votado na missa. E essa discussão chega como Reforma da Igreja e foi colocado que havia a possibilidade de se aumentar a igreja. Quando tentou-se questionar a forma de encaminhamento dado até o momento argumentou-se que já era assunto decidido. Só no início deste ano (2000) é que a notícia da derrubada da igreja chegou ao conhecimento da maioria dos fiéis. Algumas pessoas tentaram levantar essa discussão sobre a não derrubada da igreja, mas foram ignorados. Até mesmo quando criado o Conselho de Pastoral Paroquial, em fevereiro deste ano tentou-se retornar novamente ao assunto, mas não foi se quer colocado em pauta, de modo que, nem a proposta da reforma e nem a decisão da derrubada da igreja foi discutido nas comunidades como um todo. (PNDICR, 2000, p 3-4; grifo nosso).

Movidos pela memória da experiência do passado, cônscios do

enfraquecimento do grupo católico militante frente à reorganização pastoral da Diocese

de Goiás, não apenas pela saída de Dom Tomás Balduino, haja vista que, nos últimos

momentos de seu pastoreio, a RCC passou a ser bem quista no seio da Igreja de Goiás ,

esses sujeitos buscaram provocar uma maior discussão em relação à real necessidade de

se derrubar o prédio da Igreja.

Eles apresentaram argumentos da viabilidade financeira de se construir

outra Igreja, em outro local. Porém, o documento aponta para questões extremamente

pertinentes no cenário político-religioso local. Não se tratava, ao que parece, de uma

questão técnica de ampliar uma igreja, e sim de marcar e demarcar a posse no território

da memória da Igreja local.

O que move o grupo é o desejo de memória. E, evidentemente, uma

disposição de presente. Já afirmamos alhures que o prédio é, para esses sujeitos, não

apenas lugar de memória, mas um centro que irradia sentidos para seus projetos de vida.

Com isso, não afirmamos que o grupo passasse a viver da memória desse passado

militante, mas que apesar de alguns sujeitos reorganizarem suas lutas em outros campos

de poder, como as pastorais da saúde e da educação, e até comporem o Conselho

Paroquial, naquele período em questão, como é o caso de Perpétua Gontijo o sentido da

memória só e tão somente resistia no espaço da Igreja.

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Com o documento, esse grupo de católicos procurou provocar um clamor

para a manutenção do passado de luta da Igreja do Evangelho em Itapuranga. Apontava

para o dever de memória que a instituição Igreja tinha em relação à história da

Caminhada do Povo de Deus no município. Uma vez que as relações de força se

apresentavam nitidamente desfavoráveis a eles no cenário paroquial, o que restava era

tão somente protestar, denunciar. Mas os tempos se fizeram outros, a composição do

campo político, as relações de força, os aliados da Igreja se fizeram outros.

Assim, o último movimento a executar, tal qual um réquiem, era reforçar a

existência, ainda, de outro grupo de católicos convivendo na mesma Paróquia, por mais

que estes vivessem no tempo da memória. Ocorre aí uma inversão da história, pois, em

um passado recente dessa Igreja, quem hoje pede o direito à memória, negava ao grupo

hegemônico do presente o direito à existência. Destruir a igreja, para nós, nada mais

parece ser do que um acerto de contas dos vencedores com os vencidos.

Duas últimas justificativas para a não demolição da igreja são fundamentais

para encerrarmos esta etapa da discussão. Vejamos:

A Igreja Cristo Redentor conservada em pé como está, tem um valor simbólico e real é um imóvel no qual há um preço. Derrubando-a há uma perda financeira e um aumento no orçamento e da despesa da construção de um novo templo. Sem contarmos a destruição da memória coletiva de homens e mulheres que colocaram seus sonhos, desejos e angústias na edificação daquele monumento histórico de nossa cidade. [...] Enfim, construir outro deve ser necessário, mas que não façam ali, pois se isto acontecer acontecerá o mesmo que aconteceu com Canudos quando o governo autorizou a criação do reservatório de água justamente em cima onde os trabalhadores rurais foram massacrados e exterminados pelo governo republicano do final do século XIX, como forma de apagar a história popular. (PNDICR, 2000, p.5, grifo nosso)

Ao evocarem o exemplo de Canudos, com o qual fecham o documento,

talvez já tivessem como certo o resultado final dessa luta: aprender com a história tinha

sido fundamental no longo processo de politização do qual foram agentes ativos nos

anos de 1970.

Observando quem são os signatários do documento, encontramos vários

nomes de sujeitos que, em nossa dissertação de mestrado, analisamos a partir de sua

autodenominação como sendo pertencentes ao Grupão: Maria Ferreira, Perpétua,

Sebastião Gontijo, José Raulemar (Zé Lemes) entre outros. O “Grupão” era formado

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pelos católicos que se destacavam em suas respectivas regiões de moradia. Cada

coordenador de Grupo de Evangelho era escolhido conforme o destaque que tinha, não

só como sujeito que “sabia falar”, mas que demonstrava capacidade de liderança. Dom

Tomás assim nos relata o processo de convocação dos leigos para fazer parte da

liderança da Igreja de Goiás:

A partir das parábolas, uma leitura das parábolas, coisa muito concreta, muito acessível ao povo e aí cada parábola é uma lição e uma provocação, é uma visão, um aprofundamento e uma provocação ou uma convocação lá duma atuação. Com isso foi fácil a convocação de pessoas que iam assim lançando, se destacando, como liderança ou como disponibilidade para o serviço dessa Caminhada, por isso a própria palavra Caminhada. (ORTIZ, 2003, s/p.).63

Cabia aos coordenadores diocesanos, em Itapuranga, principalmente ao

então padre Ivo Polleto, conforme informações obtidas através de entrevistas, convidar

essas pessoas para ingressarem na ‘Caminhada da Igreja de Goiás’ e formarem uma

equipe de coordenação dos Grupos de Evangelho local. Essa equipe, além de

representar os católicos do município de Itapuranga junto à paróquia, também

representava a Paróquia nas reuniões e assembleias diocesanas.

A primeira reunião é registrada no livro de Ata do Conselho Paroquial no

dia 20 de fevereiro de 2000. Nessa reunião, os membros que compunham o referido

Conselho foram apresentados ao Conselho Municipal tendo sido aprovados por este. A

presença de dois nomes nos chama a atenção em sua composição: Perpétua, na Saúde; e

Lindoir, na RCC. A primeira, nós encontramos ao longo de toda a trajetória da Igreja do

Evangelho em Itapuranga, desde a primeira Assembleia diocesana, passando por todos

os momentos de luta da Diocese de Goiás em todo o território diocesano. O segundo

nome é de um dos coordenadores da RCC, atuando inclusive na política municipal,

como vereador, no período de 2007 a 2010, além de ter sido um dos católicos que

acompanharam todo o trabalho de construção da nova sede da Igreja em Itapuranga. Um

terceiro nome que aparece na Ata é o senhor Gerval Damas Coelho, também membro da

RCC.

Nessa reunião, os membros do Conselho tomaram conhecimento de qual

seria o papel e a importância dessa instância na vida da Paróquia. A participação e/ou

atuação desses sujeitos deveria se pautar por:

63 Dom Tomás Balduino Ortiz. Entrevista realizada, pelo autor, em fevereiro de 2003, em Goiânia.

175

Ser um elo de integração entre todos os segmentos da Igreja formando assim um corpo em unidade, onde todos possam falar a mesma língua, o mesmo projeto de Cristo, isto é, que o Reino de Deus possa ser sentido por nossas atitudes e nosso testemunho de vida. (LIVRO DE ATA DO CONSELHO PAROQUIAL DE ITAPURANGA, 2000, p.1).

O ‘falar a mesma língua’ num período em que a Paróquia passa por um

processo de lutas simbólicas pela manutenção de um período de sua história apresenta-

se como emblemático para a configuração que se descortina tendo os católicos

renovados ascendidos às posições de decisão na paróquia. Nesse processo de

instauração do Conselho, o Padre Severino se dispôs a coordenar os trabalhos do

Conselho em caráter temporário até que os demais membros se sentissem familiarizados

com seus objetivos. Em seguida, o padre apresenta três nomes para compor seu

secretariado: Gervaz – acreditamos que deva ter ocorrido um erro de grafia, e que o

nome correto seria Gerval, Rosimeyre e Cida.

A pauta do dia é o encaminhamento das propostas aprovadas pelo Conselho

Municipal, realizado nos dias 29 e 30 do mês de janeiro de 2000. Nessa reunião, após

uma longa discussão sobre a situação da saúde pública em Itapuranga e sobre como o

Conselho poderia atuar para cobrar soluções e apresentar propostas, o Padre Severino

apresenta relatório de como foi um processo, envolvendo a Igreja Cristo Redentor:

O Pe. Severino fez um relato de como se deu o processo de ampliação da Igreja Cristo Redentor (grifo nosso) e da aquizição do terreno da Vila Odete onde foi construído o salão, para que tomassem estas decisões foi discutido nas missas, no Conselho Municipal, com a equipe de administração, com a Pastoral do Dízimo em todas estas etapas foram apoiados pela maioria, foi formada uma equipe de avaliação e levaram o projeto ao conhecimento do bispo D. Eugênio, que também aprovou a idéia e deu pleno apoio. Pe. Severino falou como ele deseja que seja agariados os recursos, que não venham de promoções, mas que seja um trabalho de conscientização e engajamento dos fiéis, para que a igreja não seja apenas um templo, que seja uma igreja viva, (grifo nosso) onde Cristo possa estar presente em cada coração desta comunidade participativa. Na oportunidade Pe. Severino disse que uma nova eleição para a equipe econômica e administrativa não será feita pois seus integrantes fizeram uma avaliação de seus trabalhos e acharam por bem permanecer por mais dois anos, pois os etatutos lhes dão esse direito. (LIVRO DE ATA DO CONSELHO PAROQUIAL DE ITAPURANGA, 2000, p. 3; grifo nosso)

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Neste desenrolar, o padre Severino, ao apresentar a dinâmica de discussão

sobre o que seria executado com o prédio da igreja, utiliza a palavra ampliação. No final

da Ata nº 3, do dia 8 de abril de 2000, página 9, está escrito: “No lugar de ampliação

da Igreja é Construção”. Inferimos que essa ressalva na ata, quiçá, se refira à fala do

Padre Severino, pronunciada na reunião do dia 20 de fevereiro do mesmo ano. Entre o

registro do pronunciamento e a correção do pronunciado ocorreu uma reunião na qual

não houve nenhum registro sobre o evento da ampliação/construção da igreja.

Ora, se os sujeitos que produziram o documento “O porquê de não demolir a

Igreja Cristo Redentor” afirmam que não houve proposta de derrubar/construir uma

nova igreja, e se o livro de Ata do Conselho Paroquial registra essa observação do padre

Severino, podemos problematizar, então, que houve uma mudança de planos no

processo de discussão entre os meses de fevereiro e abril de 2000, pois, segundo o

documento dos opositores à construção de uma nova igreja, a ideia de ampliação já

havia sido apresentada e votada pela comunidade. No documento, afirmam que

esse assunto chegou ao Conselho Municipal de Pastoral no dia 20 de junho de 1999, apresentado na forma de aviso, dizendo que já tinha sido decidido e votado na missa. E essa discussão chega como Reforma da Igreja e foi colocado que havia a possibilidade de se aumentar a igreja. (PNDICR, 2000, p.4).

Dois outros pontos são fundamentais no registro feito na Ata da fala de

Padre Severino: 1º) Os recursos deveriam vir de um processo de participação consciente

dos católicos da Paróquia; 2º) É apresentada a prorrogação do mandato das equipes

administrativa e econômica, pautando-se inclusive pelo estatuto. A questão não era para

ser debatida, uma vez que a decisão já havia sido tomada. Novamente, há uma

provocação, pois a manutenção de dois grupos da estrutura administrativa no início do

processo de construção da nova igreja era essencial para se garantir o sucesso da

empreitada frente às oposições que poderiam aparecer. E as manifestações apareceram.

As alianças estavam tão bem definidas nesse processo, que, na segunda reunião do

Conselho, ocorrida em 11 de março, decidiu-se que as celebrações ocorreriam na

Matriz, no Xixazão e no salão da RCC. Desse modo, então, aqueles que, num passado

recente, haviam sido ‘desestimulados’ a exercer sua fé renovada nos espaços da Igreja,

recebem de braços abertos a comunidade católica de Itapuranga em seu espaço próprio,

construído com recursos de membros do grupo carismático.

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Apesar desses embates que delineiam novas formas de reconfiguração do

campo religioso na Paróquia de Itapuranga, Perpétua Maria Gontijo continuava a

exercer o seu catolicismo progressista. Vimos anteriormente que a senhora Perpétua era

membro do Conselho paroquial na área da saúde. Nessa reunião, no dia 11 de março,

apresentara o informe sobre a realização da Marcha Indígena em protesto às

comemorações dos 500 anos de descobrimento do Brasil. A forma como o relator

apresenta o informe é bem expressiva do distanciamento dos sujeitos em relação às

questões sociais do país:

Os índios. A Perpétua informou que será realizada uma marcha indígena a nível nacional até Porto Seguro, onde eles contrapõe a festa dos 500 anos de Brasil, contam com o apoio da Unesco e outras entidades nacionais e internacionais, relatou também que há oposições a esta marcha. Também terá um encontro em Palmas dia 12/04/00 onde entre outros assuntos discutirão que tipo de Brasil eles querem. (LIVRO DE ATA DO CONSELHO PAROQUIAL DE ITAPURANGA, 2000, p. 9; grifo nosso).

Na Ata do Conselho Paroquial de número 4 da reunião do dia 30 de abril de

2000, é comunicado que o engenheiro da obra exigiu que a igreja fosse demolida para

poder fazer a planta da fundação.

Figura 32 – Foto da preparação do terreno para a construção da nova igreja. Ao centro Sr.Gilberto B. Lemos (9º da esquerda para direita) ao seu lado está o prefeito de Itapuranga à época, Sr. Tito Coelho Cardoso. - s/d. Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor.

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Novamente, Perpétua conclama os católicos do Conselho, através de um

recado, a enviarem três participantes ao encontro de formação diocesana de fé e política.

Nesta sequência, a construção da nova igreja volta a ser discutida no Conselho em 30 de

julho de 2000. Na pauta consta: RCC e a proposta. A questão era como levantar

recursos para executar a obra. O senhor Gilberto de Brito apresenta a proposta da

Equipe de Construção, mais uma vez, um documento longo, em que destacamos um

trecho pela sua importância:

O Sr. Gilberto apresentou a proposta de arrecadar fundos para a construção da Igreja Cristo Redentor: A campanha é de doação em m² até atingir 1200m² (2200m²?, não está nítido) total a ser construído, o valor do m² é de R$250,00 que poderão ser pago à vista ou parcelados em carnê de 10 mensalidades, se optar por 2 carnês ou seja 2m² será dividido em 18 mensalidades, os carnês poderão ser assumidos individualmente ou por comunidade, porém por comunidade talvez atinja menos pessoas na campanha. Na zona rural esta contribuição poderá ser trabalhada com doações de bezerros etc. que serão vendidos e o valor anotados em m². Serão bem recebidos também as contribuições mais humildes de quem não puder assumir o m². A equipe de construção deixou bem claro que esta campanha não é o dízimo e sim oferta, contribuição. Na opinião do Lindoir a proposta não vai contra o trabalho do dízimo visto que este precisa ser motivado por uma evangelização, e que o efeito é a longo praso, enquanto que a construção exige rapidez. A equipe se preocupa com a segurança da campanha, as pessoas que irão entregar ou divulgar os carnês terão algum tipo de identificação especial, bem como os carnês; que poderão ser pagos com a Norma, foi até sugerido a ela que por um mês doasse uma hora do seu almoço, para facilitar o recebimento dos carnês. Pe. Severino reforçou a importância da devolução do dízimo, não só no momento da construção mas que a comunidade dê continuidade como igreja viva, ressaltou também a importância de uma melhor conscientização da necessidade de ser dizimista. Após o debate e esclarecer sobre a campanha, o conselho a aprovou e surgiram duas propostas de divulgação: primeira convocar uma reunião extra com o Conselho Municipal, Conselho Paroquial, equipe de administração e equipe de construção, com o objetivo de esclarecer aos coordenadores de comunidades e pastorais da campanha para a construção. A outra proposta foi de visitar as comunidades para que elas trabalhem sua região neste seguimento. As duas propostas foram aceitas (LIVRO DE ATA DO CONSELHO PAROQUIAL DE ITAPURANGA, 2000, p. 15-16, grifo nosso)

Nos diálogos com os mais velhos, percebe-se que não houve grandes

resistências a essa proposta. Um dos grandes argumentos apresentados pelos católicos

para contribuírem com a construção era de que a igreja já não comportava mais as

pessoas para a missa. Em nenhum momento, a possibilidade de se manter aquela igreja

e construir outra foi apresentada pelos Conselheiros. Claro está que essa posição passa

179

pelo ponto estratégico onde se localiza a igreja: no centro, de fácil acesso para todos,

bem como também de uma maior visibilidade na cidade (Ver Planta Urbana em anexo).

A questão dos valores também não foi refutada pelos católicos, ao contrário, houve uma

grande adesão ao projeto de “adquirir” metros quadrados da igreja.

Figura 33 - Capa dos carnês distribuídos entre os católicos que se dispusessem a contribuir com a construção da nova igreja. s/d Fonte: Adelair Xavier de Godoi.

A forma de distribuição e pagamento dos carnês foi estabelecida conforme

reunião do Conselho. A funcionária da Paróquia, Norma, era a responsável por esse

serviço. Estabelecer o pagamento no prédio da Casa Paroquial se mostrou uma boa

estratégia, pois os sujeitos podiam, ao efetuar o pagamento de sua mensalidade,

‘fiscalizar’ o andamento da obra da igreja. Nas anotações da Ata de número 4, de 30 de

abril de 2000, é bem significativo o uso do termo mensalidade em vez de contribuição

ou ajuda.

Figura 34- Canhoto do carnê de contribuição para a construção da nova igreja. Fonte: COSTA, I. S.

180

Figura 35- Recibo da contribuição para a construção da nova igreja. Observem que a doação aqui foi do período de 9 de outubro de 2000 até 10 de abril de 2002. Fonte: COSTA, I. S.

Na figura 34, acima, podemos sentir o peso da responsabilidade de

participar da construção da nova igreja. A frase é bem impactante, intimidadora. O não

pagamento da mensalidade provocaria a não conclusão da obra. A responsabilidade é

transferida do nível administrativo da Paróquia, da Diocese para o indivíduo. É ele o

responsável por toda a obra. A assunção do compromisso em m² e a materialização do

fervor da vida religiosa foram elementos fundamentais no sucesso da campanha de

arrecadação de dinheiro. Todos os meses, quando ia ‘quitar’ a sua prestação, o sujeito

podia admirar a maquete da igreja que ficava à disposição da visitação no escritório da

Paróquia.

Na figura 35, temos o exemplo de uma senhora que participou da

campanha de outubro de 2000 a abril de 2004, pagando um total de 17 mensalidades de

R$28,00, o que resultou numa contribuição de R$532,00. Não sabemos se por erro de

impressão ou se por ter sido encomendado assim mesmo, no canhoto do contribuinte

constava a expressão Via Cliente. (Ver figura 35, canto superior, lado direito). Na

Igreja progressista de Itapuranga, se os sujeitos católicos eram denominados, tanto pelas

181

autoridades eclesiásticas quanto pelos pares, de leigos da Igreja de Goiás, na sua

vertente Carismática são transformados em Clientes, não deixa de ser expressivo para

compreendermos o processo de conversão a essa nova forma de se relacionar com o

sagrado em Itapuranga.

Rubem C. Fernandes (1982) apresenta uma compreensão sobre a

relação entre o dinheiro e os fiéis em centros de romarias que, acreditamos ser

pertinente na análise em questão. O autor nos diz que o dinheiro carrega uma

ambivalência, nas situações que envolvem o sagrado. Assim nos afirma que:

[...] uma ambivalência entre a manipulação e o endosso voluntário de valores, o que é comum à ordenação simbólica de qualquer contexto social. A importância do dinheiro como quantificador dos valores aparece plenamente, mas ele é carregado de ambiguidade [...] Assim, acredita-se, que o dinheiro que tudo corrompe recebe um toque de santidade, estendendo a proteção do Santo para o próprio do interessado. (FERNANDES, 1982, p. 95-96)

Mesmo que tenha sido um lapso por parte da comissão de construção, o

termo se aplica bem à situação, pois cada sujeito, ao fazer sua contribuição, se sentia

comprando um pedaço da igreja. Afirmamos não ser de interesse desta tese aprofundar a

relação dinheiro/conversão nos movimentos neo-pentecostais, questão essa que

contribui mais para a expansão do neo-pentecostalismo no Brasil. Apenas apontamos

que essa é a possibilidade apresentada aos sujeitos de, através da intermediação do uso

do dinheiro, resolverem suas demandas espirituais. Isso foi muito bem compreendido,

por exemplo, pela Igreja Universal do Reino de Deus64.

64 - Para maiores detalhes sobre a importância simbólica do dinheiro nas religiões neo-pentecostais, principalmente na Igreja Universal do reino de Deus, ver BARROS,1995.

182

Figura 36 – Foto dos senhores Gilberto de Brito Lemes (à direita, de calça branca), esposo da senhora Dulcinéia – RCC; e Lindoir (ao centro), católico da RCC, ex-vereador eleito com o apoio desta organização religiosa. Ambos eram membros do Conselho Paroquial e da Comissão de Construção. Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor. s/d

Na reunião do Conselho Paroquial, em 29 de Outubro de 2000, foi discutida

a organização das doações recebidas para a construção da Igreja Cristo Redentor.

Alguns doadores reclamaram que, apesar de efetuarem suas contribuições,

os encarregados da campanha de arrecadação ainda não haviam se dignado a ir buscar

suas prendas. Assim, os conselheiros registraram suas preocupações:

A campanha da construção está acontecendo, não como planejado, são poucas as visitas nas comunidades, as pessoas que doaram bezerros reclamam que não vão buscá-los (LIVRO DE ATA DO CONSELHO PAROQUIAL DE ITAPURANGA, 2000, s/p.)

Na reunião do dia 30 de julho de 2001, Ata nº15 do Conselho Paroquial, em

reunião extraordinária, foi discutida a questão da periferia como uma prioridade da

Diocese. Nessa reunião, foi apresentado e debatido o resultado de uma pesquisa feita na

periferia de Itapuranga. Não somos informados sobre o objetivo central dessa pesquisa,

mas os indícios apontam para a questão de como o campo religioso estava dividido

entres as denominações religiosas que existiam no município.

Os dados analisados são referentes a seis bairros da cidade. Como não há

informações de que bairros eram esses, com exceção do Conjunto Fraternidade, não nos

183

é possível emitir nenhum comentário. Esses dados apontam para a existência de nove

igrejas que eram denominadas genericamente de protestantes, não sendo discriminadas

quais eram elas, além da presença da Igreja Católica em todos os bairros pesquisados. O

resultado encontrado remete aos problemas sociais e estruturais resultantes, segundo a

análise do Conselho, do êxodo rural.

Na Ata de 26 de julho de 2002, nos é relatado como estava sendo feita a

organização para a divulgação e participação na Romaria dos Mártires, com cartazes e

camisetas, decisão que seria divulgada na missa. As passagens para a participação no

evento já estavam sendo vendidas, não sendo permitidas reservas. Também somos

informados de que a Diocese sugeria que fossem feitas vigílias nas Paróquias no dia 27

de agosto daquele ano em memória dos 15 anos do atentado ao Padre Francisco.

A Diocese referia-se aos quinze anos do atentado praticado por

latifundiários da região, que havia deixado cego o Padre Francisco Cavazutti, de

Sancrerlândia, município que compõe a Diocese de Goiás. Também, nessa reunião foi

discutido sobre como informar os católicos da Paróquia sobre a ALCA. A decisão

tomada foi a de distribuir panfletos informativos sobre a temática nas missas.

Entre uma e outra reunião paroquial de cunho moderado, encontramos

‘resquícios’ do passado de militância. Claro que eram decisões tomadas em âmbito

diocesano, não havendo nada de particular à Igreja Católica de Itapuranga. Mas estas

não deixaram de serem estimuladoras da ação social, não mais plenamente política da

Igreja de Goiás.

Em abril de 2002, o então governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo,

prometeu aos católicos de Itapuranga que o Estado doaria o piso para colocação na

igreja. Porém, por impedimento jurídico, essa doação não foi concretizada até o mês de

outubro daquele ano. Na reunião do Conselho paroquial de 29 de outubro de 2002, o

senhor Lindoir, membro da Comissão de Construção, solicitou que fosse reforçado,

junto aos católicos da Paróquia, que não parassem de pagar os seus carnês, pois aqueles

que terminavam, ‘quitavam’ os seus, não estavam renovando o compromisso com a

construção da igreja. Nessa reunião, é informado que D. Eugênio, bispo da Diocese de

Goiás, havia enviado uma correspondência ao governador sobre a doação dos pisos, mas

que ainda não obtivera resposta. A história da doação do piso se arrastou por um bom

período e acabou por não haver possibilidade de o Estado efetivar a doação.

Houve uma tentativa de se efetivar a doação via Secretaria de Cultura do

Estado, mas esta não foi frutífera. Em sete de fevereiro de 2004, conforme a Ata de

184

número 41, página 63, foi informado que a verba solicitada ao governo do estado não

sairia, pois a Igreja não possuía serviço social oficial. A Diocese não tinha como

repassar tal verba, por isso ela havia sido destinada à Associação COMARIA –RCC,

que possuía trabalho social com crianças carentes. O valor foi de R$40.000,00. Não há

informações na Ata sobre a destinação desse recurso.

Esse caso é emblemático das novas relações entre a Paróquia e o poder

constituído, assim como a presença do maquinário da prefeitura – ao que tudo indica,

pela Figura 32, trabalhando na preparação do terreno para a construção da nova igreja e

do prefeito Tito Coelho Cardoso, ao lado de alguns dos novos líderes da Igreja de

Itapuranga.

Quase concluindo o período que nos interessa nas Atas do Conselho

Paroquial de Itapuranga, somos surpreendidos com o comentário de uma participante

deste, Irmã Mirta, que, após ouvir questionamento apresentado por Isabel sobre a

possibilidade de se ouvir mais pessoas quanto à necessidade do Conselho de assumir

uma dívida enorme para concluir algumas etapas da igreja, lembra que, se a Igreja fez

opção pelos pobres, seria melhor escolher um material mais barato. Os demais que se

manifestaram sobre o assunto apenas cogitaram trocar o material usado. Também foi

proposto que se iniciasse outra campanha para arrecadar dinheiro após a campanha dos

bancos da igreja.

Em nove de julho de 2006, às 9 horas da manhã, a Igreja Cristo Redentor foi

consagrada. Em seguida, foi servido um lanche, ‘fruto da partilha de todos’. Como disse

Dona Zuza, em entrevista ao autor, pode ser que tudo isso tenha um sentido: ‘Aos Olhos

de Deus.’

185

Figura 37- Foto do padre Severino na torre da nova igreja. s/d Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor

Figura 38- Frente da entrada da Igreja Cristo Redentor. À esq. Dona Zuza, vestida de branco. 2006. Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor.

186

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos, com esta pesquisa, analisar os processos de formação e

transformação pelos quais passaram os campos político-religiosos em Itapuranga-Go,

nos anos de 1950 a 2000. Examinamos como os sujeitos católicos daquele município,

mais precisamente, aqueles que engajaram na proposta apresentada pelo novo bispo da

Diocese de Goiás, nos fins dos anos sessenta, Dom Tomás Balduino Ortiz, viveram as

mudanças no modo de se identificar como pertencentes à nova Igreja na Diocese de

Goiás - a Igreja do Evangelho, bem como enfrentaram as resistências externas e internas

a esse processo. Mudanças essas que culminaram, em fins dos anos de 1990

(concretizadas nos anos de 2000), na rearticulação do campo religioso com a ascensão

dos católicos da Renovação Carismática Católica no comando daquela paróquia.

Para compreender que sujeito católico a proposta de Dom Tomás Balduino

encontra em Itapuranga, buscamos através das Crônicas narradas pelos padres no Livro

do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, identificar que tipo de visão de

mundo, como era formado o ethos desse sujeito católico, que relações eram

estabelecidas entre leigos e padres; entre os leigos e as ofertas do universo religioso

católico. Analisando esse mundo como regido por uma ordem do catolicismo popular

rural brasileiro, com o sujeito acostumado a consumir os bens ofertados, principalmente

nos períodos festivos desse catolicismo, as questões aqui postas estão entremeadas pelas

dimensões políticas dadas pela proximidade com a experiência da Colônia Agrícola de

Ceres, o que nos leva a considerar essas transformações no catolicismo como marcadas

pelas questões próprias da fronteira.

Essa nova forma de evangelização tem suas bases no processo de mudança

que se instaurou na Igreja Católica a partir das decisões apresentadas no Concílio

Vaticano II (1962-1965) e que, posteriormente, foram discutidas pelos bispos na

Assembleia dos Bispos da América Latina, ocorrida em Medellin em 1968. Nesse

cenário mais amplo é que Dom Tomás Balduino é ordenado, no final de 1967, bispo de

Goiás e, a partir das premissas da Teologia da Libertação passa a pastorear sua Diocese.

A produção da mudança se efetivou a partir da convocação das Assembleias

diocesanas que firmaram a proposta de se desenvolver novas relações entre os leigos e o

clero. Vividas em Itapuranga com a inserção dos católicos nos Grupos de Evangelho,

os quais, mediados pela presença de leigos vindos principalmente do sul do Brasil, tais

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assembleias iniciaram um processo de intervenção no cotidiano do mundo do trabalho

dos católicos rurais.

Nesse sentido, esses ‘novos católicos’ compromissados com essa Igreja de

Goiás, se engajaram na luta pela fundação e consolidação do sindicalismo rural de

Itapuranga. Esse passa ser de fundamental importância na construção do imaginário

social daqueles sujeitos. A luta pela tomada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Itapuranga, que se consolidou nos fins de 1970, com a vitória da Oposição Sindical,

deve ser compreendida dentro deste contexto.

À medida que esses sujeitos entravam nas esferas políticas da discussão

sindical, iam produzindo novas percepções do mundo e, como tal, ampliaram o leque de

luta e organização. Com a necessidade de atendimento médico, se organizaram para

reivindicar a construção de um hospital pelo então FUNRURAL, que acabou sendo

transformado, através da luta e persistência dos sujeitos católicos de Itapuranga, na

Associação Popular de Saúde de Itapuranga - APSI.

Todo esse período foi permeado por tensões, conflitos, tanto relacionados

aos aspectos internos quanto externos ao movimento. Assim fora a luta pelo

reconhecimento da APSI como de utilidade pública, em que os sujeitos resultantes da

negativa por parte do poder local, ocuparam o prédio da Prefeitura Municipal de

Itapuranga, na busca por diálogo com a primeira-dama, representante da Comissão

Intermunicipal de Saúde. O resultado final foi uma violência policial no processo de

desocupação do prédio, em que os militantes, em prol da saúde pública, foram todos

processados pela senhora Edna Maria da Trindade, primeira dama. No entanto, essa

experiência aponta para uma visibilidade das lutas simbólicas entre os grupos políticos

naquele período.

Já nos anos de 1970, percebemos a visibilidade dos embates entre os

sujeitos católicos e os poderes constituídos, principalmente no que pensamos como uma

luta simbólica travada entre esses e as gestões do prefeito Warner Carlos Prestes. Essas

gestões foram marcadas por uma vontade de produção de uma memória de si, que

podemos localizar no processo de construção de vários prédios públicos, dentro do

programa desenvolvimentista do governo militar. Referimo-nos a uma memória que

dialoga silenciosamente com a busca de apagamento dos rastros produzidos pela

militância da Igreja do Evangelho durante o mesmo período.

O que afirmamos é uma relação de luta simbólica acentuada com a ascensão

do catolicismo renovado, fenômeno não exclusivo àquela Paróquia, dos sujeitos que

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passam a se identificar como pertencentes ao catolicismo pentecostal da Renovação

Carismática Católica.

Ao processo mais global de retração da Opção pelos Pobres da Teologia da

Libertação soma-se, não apenas a saída de Dom Tomás Balduino do pastoreio da

Diocese de Goiás, mas também o esvaziamento das ações sociais mediadas pela Igreja.

O fortalecimento da Renovação Carismática Católica naquela Paróquia deve ser

creditado às formas anteriores desses católicos de relacionarem com o universo mágico-

religioso do catolicismo.

Alguns apontamentos que encontramos ao longo da pesquisa, tais como as

dificuldades que os padres expressavam de lidar com sujeitos católicos pentecostais,

assim como também a relativa adesão dos católicos à Caminhada do Povo de Deus são

interpretados como indícios da politização superficial desses sujeitos. Não podemos nos

esquecer de que esse projeto político-religioso diocesano tinha uma opção preferencial

pelos pobres, o que não exclui as outras possibilidades de filiação e pertencimento dos

sujeitos católicos.

O que se consolida com a destruição da Igreja Cristo Redentor e a

construção do novo prédio é a reconfiguração religiosa daquela localidade. Capitaneada

por sujeitos católicos que expressaram resistências ao projeto político de Dom Tomás,

essa construção de um novo Templo demarca o desejo de apagamento da memória da

militância. Nesse sentido, buscamos construir uma trama onde pudéssemos ordenar

esses sujeitos católicos dentro do quadro político local. Nessa luta simbólica, a

consagração dos vencedores também é um elogio às estruturas conservadoras presentes

no cenário político local dos anos da ditadura militar. É essa tese que pretendemos

perseguir ao estudarmos as relações entre os sujeitos católicos renovados e a política

desenvolvida pela Aliança Renovadora Nacional, nos embates políticos locais, em

Itapuranga, em pesquisas futuras.

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202

OUTROS DOCUMENTOS DO PERÍODO Acervo de Fotografias da Igreja Cristo Redentor de Itapuranga

Arquivo da Prefeitura Municipal de Itapuranga

Arquivo do Cartório de Registro de Imóveis de Itapuranga

Arquivo do Sindicato Patronal de Itapuranga

Atas da Câmara de Vereadores de Itapuranga de 1950 a 2000.

Boletim Paroquial de Itapuranga - Janeiro de 1979 e 1980.

Caderno de Notas - Reunião do Grupão, de 16 de março de 1975 a 13 de março de 1977.

Documento “O porquê de não demolir a Igreja Cristo Redentor”

Dossiê de Inauguração do Col. Estadual de Itapuranga.

Livro de Atas do Conselho Paroquial da Igreja Cristo Redentor de Itapuranga.

Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima.

Manifesto do Partido dos Trabalhadores de Itapuranga.

Reunião Regional Urú ( out.11/12),1975.

Roteiro da 12ª Assembléia Diocesana.

Roteiro de Entrevista da Pesquisa Sócio-Econômica-Religiosa da Diocese de Goiás Igreja de Itapuranga - 1972.

203

LISTA DE ENTREVISTADOS

BENFICA, João. Foi o primeiro presidente oposicionista do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Itapuranga, foi candidato a vereador pelo PT em 1988 e

vereador eleito pelo mesmo partido em 2000, se elegeu vice-prefeito, pelo Partido dos

Trabalhadores ( Coligação), na gestão 2007/2010. Comerciante. Tem sua origem nos

Grupos de Evangelho. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga, fevereiro

de 1993.

BONONI, Nello. Ex-padre, participou das lutas políticas e sociais de Itapuranga.

Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em 20 de maio de 1995.

CAMPOS, Dorvalino José. Pequeno proprietário rural, foi presidente do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Itapuranga, foi candidato a vereador pelo PT nos anos de 1982,

1992 e a vice prefeito pelo mesmo partido em 1988. Entrevista realizada na sede do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga, em Itapuranga, em 22 de julho de

1995.

Dona Rita - Participou da organização dos Grupos de Evangelho. Entrevista realizada

em sua residência em Itapuranga em junho de 1992.

Dona Zuza - Aposentada, foi uma das leigas com grande atuação nos Grupos de

Evangelho. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em julho de 1992.

FERREIRA, Ilza. Advogada, foi responsável por ampliar e divulgar a RCC na Paróquia

de Itapuranga. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga, em

novembro/dezembro de 1995.

FERREIRA, Maria. Professora, participou efetivamente de todas as transformações

ocorridas em Itapuranga, da fundação dos Grupos de Evangelho até a organização do

Partido dos Trabalhadores. Foi candidata a vereadora nos pleitos 1982 e 1988.

Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em julho de 1995.

204

GONTIJO, Perpétua Maria de Camargos - Professora aposentada, participou ativamente

de todas as lutas e organizações advindas com a nova proposta de evangelização.

Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em 18 de janeiro de 1993.

GUEDES, José Pereira. Alfaiate, foi candidato a vereador pelo PT nos pleitos de 1982 e

1988. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em Janeiro de 1993.

LEMES, Dulcinéia de Brito. Foi a pioneira na formação do Grupo de Oração da RCC

em Itapuranga nos anos de 1980. Entrevista realizada em sua residência, em 18 de

setembro de 2000.

LEMES, José. Pequeno proprietário rural, foi um dos articuladores dos Grupos de

Evangelho da região do Laranjal. Entrevista realizada em sua propriedade rural em 11

de fevereiro de 1996.

MARQUES, Maria. Aposentada, participou da organização dos Grupos de Evangelho,

principalmente na cidade. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em 13

de julho de 1992.

ORTIZ, Dom Tomás Balduino. Bispo da Diocese de Goiás. Entrevista realizada em

Goiânia em fevereiro de 2003.

PIRES, Maria da Silva. Aposentada, participou efetivamente da organização dos

Grupos de Evangelho, foi candidata a vereadora pelo Partido dos Trabalhadores no

pleito de 1988. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em 09 de julho de

1992.

205

ANEXOS

206

ANEXO A - Planta urbana de Itapuranga

207

ANEXO B – Relação dos bairros com suas respectivas datas de registro. LOTEAMENTO PROP. DATA DE REGISTRO

São Sebastião do Xixá Durval da Silva 17-01-1970 Vila Joaquim da Silva Augusto da Silva Moreira 15-04-1971 Vila São José Sebastião José Correia 22-07-1971 Bairro Boa Vista Vila Nova Ademar da Silva Costa 21-09-1970 Vila Barrinha João Pinheiro Rosa Bairro Vera Cruz Herminio B. da Cruz 18-12-1970 Vila Moreira Moisés M. Gonçalves 17-08-1981 Parque Alvorada Maria Alves de Faria 25-11-1980 Parque Alvorada Maria Alves de Faria 08-11-1988 Setor Marista Ademar da Silva Costa 13-08-1992 Setor Oeste Espólio de Antônio B.

Cascalho. 29-06-1981

José Pereira de Faria Ademar da Silva Costa 22-04-1973 Vila Marilda COHAB-GO, Vila Santana COHAB-GO 19-01-1978

Vila Renata Mendes Claudion Mendes 11-09-1972 Setor Milton Faria Vander Alves de Faria 28-06-1989 Conjunto Fraternidade Conjunto Moradia Chácara Padre Melo Chácara São Joaquim Setor Comercial Vilma Alves de Faria 07-11-1991 Bairro Canastra Sebastião C. S. Moreira 08-08-1990 Setor Núcleo Brandão St Olaria Vila Odete Prefeitura de Itapuranga 16-06-1999 Jardim Conde dos Arcos Vânia A. Faria Parreira 01-02-2000 Vila Canãa Humberto Damião Borges 14-08-2000 Kênia Park Sebastião Antônio Lima 11-11-2002 Kênia Park II Sebastião Antônio Lima 19-10-2009 Bela Vista Geni Oliveira de Faria 05-02-2007 Sandra Vilela Prefeitura de Itapuranga 16-06-1999 Veredas de Itapuranga Paulo Santos Ramanhiol 12-07-2001 João Nunes Perdigão Herminio da C. Perdigão 06-12-2004 Valéria Perillo Prefeitura de Itapuranga 11-06-2001 Joaquim Card. (marg. Esq.) Augusto da Silva Moreira 11-09-1972 Serra Dourada Município de Itapuranga 10/08/2009 Quadra Nº50 Pq. Alvorada S.T.R.Itapuranga 08-11-1988 Residencial Jardim Imperial Jeová Alves Soares e

Valmir Araújo Parreira 02-03-2010

Tabela 1- Relação dos bairros com suas respectivas datas de registro Fonte: Arquivo do Cartório de Registro de Imóveis de Itapuranga. Org.: COSTA, I. S. (2010).

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ANEXO C- Fotos e figuras do capitulo 2.

Figura 1 - Encontro da Av. Anhanguera com o final da Rua 45. Local do Córrego da 'baixada’. A Avenida Anhanguera prossegue até a saída para a Cidade de Goiás, no ‘Quebra-Coco’. Ao fundo, do lado esquerdo, avista-se a ponta da torre da Igreja Cristo Redentor. Autor: COSTA, I. S. (2010)

Figura 2– Rua 45: localização do Córrego da Baixada, hoje canalizado – à direita corrimão da antiga ponte. Acima, à esquerda aparece o final da Praça das Mães. Autor: COSTA, I. S. (2010)

209

Figura 3 - Prédio do antigo Cine Continental, Rua 34 esq. com Av. Dr. Olavo Bilac Marinho. Onde funcionou a Câmara dos Vereadores. Autor: COSTA, I. S. (2010)

Figura 4 - Vista parcial da Pç. Dr. Cunha Lima, Rua 34- Xixazão. Autor: COSTA, I. S. (2010)

210

Figura 5 - Igreja N. S. de Fátima – Igreja Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga – 2010 Autor: COSTA, I. S. (2010)

Figura 6 - Prédio onde funcionava a pensão de Maria Camilo do Nascimento. Construído nos anos de 1950. Esq. da Rua 45 c/ Rua 36 – Xixazão. Autor: COSTA, I. S. (2010)

211

Figura 7 - Praça das Mães : vista numa perspectiva de quem está subindo para o Xixazinho. O encontro das três passarelas forma a letra W de Warner, a época prefeito da cidade. Autor: COSTA, I. S. (2010)

Figura 8 - Vista da Rua 40 a partir da Praça das Mães – 2010. Autor: COSTA, I. S. (2010)

212

Figura 9 parte 1: Oficio solicitando retirada da Zona Boêmia da Rua 40. Fonte: Documentos da Prefeitura Municipal de Itapuranga – Documentação encontrada no ‘Arquivo da Pref. Mun. Itapuranga’, localizada em duas salas do Ginásio de Esportes Anisio Martins.

213

Figura 9 parte 2: Oficio solicitando retirada da Zona Boêmia da Rua 40. Fonte: Documentos da Prefeitura Municipal de Itapuranga – Documentação encontrada no ‘Arquivo da Pref. Mun. Itapuranga’, localizada em duas salas do Ginásio de Esportes Anísio Martins.

214

Figura 10 - Oficio enviado ao Presidente do PT local negando pedido de uso da Pç. Castello Branco (Cap. 02) Fonte: Documentos da Prefeitura Municipal de Itapuranga

215

Figura 11- Liberação de empréstimo da Pc. Castello Branco para o P.T. (Cap.2) Fonte: Documentos da Prefeitura Municipal de Itapuranga