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1 Laís, a fofinha guia para pais Laís foi morar em outra cidade e, na nova escola, os colegas não param de lhe dar apeli- dos desagradáveis por conta de sua f orma física. A menina começa a se sentir muito triste, acha-se gorda e incapaz de realizar seu grande sonho: ser atriz. Ela até faz regime escondido. Aos poucos, Laís consegue contar para a família o que está acontecendo. E é graças à sua persistência e ao apoio de seus familiares que ela consegue perceber que, afinal, ela é linda exatamente do jeito que é. Este guia em forma de perguntas e respostas foi elaborado pela psiquiatra T atiana Moya, doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pela Associação Brasileira de Psiquiatria e inte- grante da Academy for Eating Disorders, uma organização internacional dedicada à formação profissional e à pesquisa em transtornos alimentares. Guia par a pais Walcyr Carrasco Laís, a fofinha série TOdos JUntoS Quais são os sinais que mostram que meu filho enfrenta problemas com os colegas de escola? Assim como a personagem Laís, muitas vezes as crianças que sofrem provocações na escola não deixam transparecer o que está acontecendo. Essas provocações recebem o nome de bullying, uma forma de violência em que a criança é agredida por um grupo de colegas e não consegue reagir. ser alvo de bullying pode deixar seque- las psicológicas graves que persistirão na vida adulta. Os pais podem suspeitar se a criança passar a não querer ir à escola (às vezes alegando alguma doença), apresentar sintomas depressivos e ansiosos como falta de apetite e enjoo, principalmente se essas reações fo- rem mais intensas na hor a de entrar na escola. T ambém são indícios do problema alter ações de humor, como irri- tação, explosões de raiva e isolamento. il u s tra ç õ e s d e J e a n - C la u d e R . A l p h e n

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1Laís, a fofinha guia para pais

Laís foi morar em outra cidade e, na nova escola, os colegas não param de lhe dar apeli-dos desagradáveis por conta de sua forma física. A menina começa a se sentir muito triste, acha-se gorda e incapaz de realizar seu grande sonho: ser atriz. Ela até faz regime escondido. Aos poucos, Laís consegue contar para a família o que está acontecendo. E é graças à sua persistência e ao apoio de seus familiares que ela consegue perceber que, afinal, ela é linda exatamente do jeito que é.

Este guia em forma de perguntas e respostas foi elaborado pela psiquiatra Tatiana Moya, doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pela Associação Brasileira de Psiquiatria e inte-grante da Academy for Eating Disorders, uma organização internacional dedicada à formação profissional e à pesquisa em transtornos alimentares.

Guia para pais

Walcyr Carrasco

Laís, a fofinha

sérieTodos

jUntos

Quais são os sinais que mostram que meu filho enfrenta problemas com os colegas de escola?

Assim como a personagem Laís, muitas vezes as crianças que sofrem provocações na escola não deixam transparecer o que está acontecendo. Essas provocações recebem o nome de bullying, uma forma de violência em que a criança é agredida por um grupo de colegas e não consegue reagir. ser alvo de bullying pode deixar seque-las psicológicas graves que persistirão na vida adulta.

os pais podem suspeitar se a criança passar a não querer ir à escola (às vezes alegando alguma doença), apresentar sintomas depressivos e ansiosos como falta de apetite e enjoo, principalmente se essas reações fo-rem mais intensas na hora de entrar na escola. Também são indícios do problema alterações de humor, como irri-tação, explosões de raiva e isolamento.

ilu

strações de Jean-Claude R. Alphen

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Como devo proceder se suspeitar que meu filho está sofrendo bullying ?

o primeiro passo é tentar deixá-lo à vontade para falar sobre o assunto. Crianças e jovens que sofrem bullying têm dificuldade de falar sobre o problema. Isso pode ocorrer por vários motivos, dentre eles a ver-gonha e o receio de que os pais revelem à escola o que está acontecendo — fazendo com que eles sejam ainda mais perseguidos por seus agressores.

Portanto, é necessário ter muita cautela e sensibi-lidade para abordar o assunto com seu filho. Mostre-se um aliado e discuta com ele alternativas – especial-mente sob o ponto de vista dele – de como lidar com esse tipo de agressão. o que ele pode fazer? Procurar o apoio de amigos? Enfrentar o agressor? Ignorá-lo? Ampliar o círculo de amigos da escola? Pedir ajuda a alguém de confiança na escola? Desenvolver uma pos-tura mais amigável? Enfim, discuta com seu filho as possibilidades viáveis, de forma que ele sinta que você é uma pessoa com quem ele pode contar.

se a prática do bullying ocorre no ambiente es-colar, é importante que a escola tome conhecimento do fato, já que ela é corresponsável. no entanto, a co-municação à escola deve ser feita com muito cuidado. se a identidade do seu filho for revelada ao agressor, o bullying pode piorar.

Caso você sinta que, mesmo conversando com o seu filho sobre o assunto, ele desenvolveu sintomas ansiosos ou depressivos, pode ser importante procu-rar ajuda de um psicólogo para que a criança recobre sua autoestima e desenvolva estratégias para lidar com o problema.

Meu filho costuma dar apelidos aos colegas e faz comentários maldosos sobre a aparência de outras crianças. Como devo agir com ele?

Quando falar com seu filho sobre os preconceitos que ele manifesta, é importante que você mesmo não manifeste preconceito. Tenha uma conversa clara com ele e tente entender, sem posicionamentos prévios, o porquê de ele se expressar dessa forma. Ele está imitan-do o comportamento de algum amigo? Ele realmente pensa que a aparência do colega é ruim? Por quê?

Também é importante examinar se não é a própria família que dá exemplos de preconceito para a criança, inferiorizando pessoas por causa de seu tipo físico, classe social, nível intelectual ou qualquer outra caracte-rística. o exemplo começa dentro de casa.

É comum ter resistência ao que é diferente, novo ou desconhecido. Cabe aos pais mostrar aos filhos a impor-tância de valorizar a diversidade, evitando atitudes pre-conceituosas. no entanto, caso a criança apresente esse comportamento de forma recorrente, ela pode estar, de fato, sofrendo de problemas psicológicos ou emocionais.

Avalie o que está levando o seu filho a desenvolver esse comportamento. Ele recebe limites adequados na forma como é educado em casa? Ele humilha o colega por necessidade de se destacar? Como anda a autoes-tima dele? Ele já foi vítima de bullying ? Vocês estão passando por dificuldades momentâneas (separação, doença na família etc.)? Converse com o seu filho, tente aliviar eventuais angústias e ansiedades. Passe um tem-po com ele, observe-o e lhe dê atenção. Se perceber que as atitudes agressivas persistem, você pode aliar seus cuidados ao acompanhamento de um psicólogo.

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De que forma posso saber se o peso do meu filho está fora do normal?

A melhor maneira de acompanhar a saúde física e emocional de uma criança é levando-a ao pediatra regularmente. É ele quem pode avaliar como está seu desenvolvimento, não apenas em relação ao peso, mas também à altura. E, caso perceba alguma anormalida-de, será capaz de orientar os pais sobre como proceder a respeito.

os seres humanos têm constituição muito diver-sa. o fato de os integrantes de uma família serem mais cheinhos ou mais esbeltos do que a média das pessoas não significa que há algo errado. As características físi-cas de cada um são determinadas geneticamente, e lutar contra isso pode ser perigoso – a ponto de provocar um transtorno alimentar. o foco de uma família saudável não deve estar na forma do corpo e sim em alimentar-se bem, praticar atividades físicas para se divertir, investir em momentos de lazer e, acima de tudo, ser feliz, acei-tando-se como é.

o que devo fazer se meu filho considera-se muito mais “gordo” ou “magro” do que realmente é?

Percepções distorcidas de si mesmo podem estar presentes em determinadas fases do desenvolvimento da criança e às vezes são transitórias, sem maiores reper-cussões. Por exemplo, uma criança que reclama que tem “a barriga grande”, mas que não deixa de realizar qualquer atividade em função disso, não demanda maiores preocu-pações. Você pode apenas observar como essa percepção que ela tem de si mesma evolui com o tempo.

No entanto, se uma criança se considera “barrigu-da” e deixa de fazer qualquer atividade que exponha seu corpo (ir à piscina, à praia, jogar uma partida de futebol sem camisa, participar da aula de educação fí-sica), ela pode estar com algum problema emocional. Nessa situação, como a distorção prejudica a vida so-cial, de lazer e escolar da criança, é necessário procurar auxílio psicológico.

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Como identificar se meu filho está com algum tipo de transtorno alimentar?

A criança apresenta alguns dos sintomas descritos anteriormente, o que lhe causa um impacto muito ne-gativo ao menos em uma área da sua vida, como na sua interação com os familiares, com os amigos, nas ativida-des de lazer, na vida escolar ou na saúde física.

se uma criança não quer comer bolo de chocola-te porque engorda, mas no dia seguinte come feliz um bolo numa festa com os amigos, não há motivos para preocupações. Muitas vezes as crianças repetem aquilo que ouvem dos adultos ou dos amigos, mas deixam esse comportamento de lado quando lhes convém.

Por outro lado, uma criança que se nega a comer alimentos mais calóricos de forma persistente, relu-ta em fazer as refeições ou comer junto com a família, deixa de frequentar festas para “não furar” a dieta pode estar desenvolvendo um transtorno alimentar. o com-portamento alimentar, nesse caso, está provocando um impacto negativo considerável na vida familiar, na inte-ração social da criança e em suas atividades de lazer. E não se deve esperar que a criança perca muito peso para confirmar se o problema realmente existe. Quanto antes os responsáveis procurarem a ajuda de um especialista, melhor. Crianças debilitadas pela doença há mais tempo são mais difíceis de tratar.

o que são transtornos alimentares?são alterações do comportamento alimentar que

trazem problemas para a saúde física e emocional, pre-judicando todas as esferas da vida. É mais comum surgi-rem em meninas adolescentes e mulheres, mas também podem se desenvolver em homens e crianças.

os transtornos alimentares surgem por uma con-junção de fatores. Entre as causas mais comuns estão a tendência genética, ser perfeccionista, ter baixa auto-estima, sofrer grandes pressões para manter ou atingir determinada forma física (como modelos e dançarinos).

A anorexia nervosa, a bulimia nervosa e a compul-são alimentar periódica são os principais tipos de trans-tornos alimentares.

Quem sofre de anorexia nervosa geralmente apre-senta uma percepção alterada do próprio corpo, en-xergando-se gordo quando está muito magro. A pessoa restringe o que come, com o objetivo de perder ou não ganhar peso, e deixa de ingerir alimentos mais calóricos – como pães, massas e doces. Além da perda de peso, sen-te irritação e tristeza, e tende a se isolar dos demais.

Nos casos de bulimia nervosa, a pessoa se alimenta compulsivamente com frequência, como se tivesse um ataque de fome descontrolada. Depois, tenta “compen-sar” a grande quantidade de alimentos que comeu com práticas como jejuns, atividades físicas intensas, vômi-tos... Quem sofre de bulimia também pode manifestar irritação, tristeza e isolamento.

As duas condições podem colocar a vida do paciente em risco se não forem tratadas. E quanto antes for pro-curado tratamento, melhor. Em geral, o jovem que sofre de bulimia aceita ajuda e o acompanhamento médico com mais facilidade. no entanto, no caso de jovens com anorexia, há maior resistência em fazer o tratamento e, muitas vezes, eles precisam ser levados ao médico contra a própria vontade. Um pai não deve esperar o filho com anorexia aceitar se tratar para procurar ajuda. Obrigá-lo a fazer o tratamento pode salvar sua vida.

A compulsão alimentar periódica é muito parecida com a bulimia. Só que o paciente não tenta “compen-sar” o que comeu tomando medidas drásticas. Crianças que sofrem de compulsão alimentar periódica correm o risco de desenvolver peso acima do normal. Por isso, é necessário sempre estar atento à forma como seu filho se alimenta.

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Como lidar com a resistência de uma criança diante de uma dieta equilibrada?

A criança se alimenta com aquilo que é ofereci-do a ela, tanto em casa quanto na escola. o equilíbrio alimentar pode ser estimulado oferecendo alimentos de qualidade nos dois ambientes. Também é muito importante que os pais deem o exemplo de uma ali-mentação saudável para seus filhos.

No entanto, se a criança apresenta uma resis-tência maior a determinados tipos de alimento (por exemplo, verduras), não se deve transformar a mesa de refeição em um campo de batalha. Forçar seu filho a comer o que ele não gosta é uma experiência desa-gradável, que pode desestimulá-lo a experimentar esse alimento no futuro.

Além disso, é normal a criança apresentar fases em que se fixa mais em alguns tipos de comida, ampliando esse repertório na adolescência e na vida adulta. o se-gredo é persistir com os bons estímulos, ter paciência com essas fases de monotonia alimentar e não se de-sesperar (já que é raro que essas fases tragam alguma repercussão negativa para a saúde da criança). se você se sentir inseguro em relação à alimentação do seu filho, peça orientação ao pediatra.

o que pode ser feito para evitar a ocorrência de transtornos alimentares em uma criança?

o primeiro passo é estimulá-la a se aceitar e gostar de si mesma, mostrando que ela não precisa se en-caixar em padrões preestabelecidos. A diversidade da constituição corporal é algo que deve ser valorizado e apreciado. Os pais devem sempre passar a ideia de que cada um é belo à sua maneira, com as suas próprias características.

outro ponto importante é estimular que seu filho tenha uma relação saudável com os alimentos. Não os classifique em “permitidos” e “proibidos”. Isso pode fa-zer com que, ao ingerir um alimento “proibido”, seu filho sinta culpa, possibilitando o desenvolvimento de um transtorno alimentar. Ensine que todos os alimen-tos são bons, desde que consumidos de forma equilibrada.

Todas essas dicas, no entanto, só terão efeito e se-rão absorvidas pelo seu filho se você mesmo tiver uma relação equilibrada com o seu corpo e com os alimentos. os pais são os grandes modelos dos filhos, e não adianta ensinar algo que você mesmo não põe em prática.

A obesidade é um transtorno alimentar?

Não, mas pode ser o efeito de um (por exemplo, em uma criança que sofre de compulsões alimentares). A obesidade é consequência da associação entre fato-res genéticos e ambientais, como hábitos alimentares inadequados, sedentarismo ou uso de medicação que favoreça ganho de peso. A obesidade deve ser tratada porque predispõe o desenvolvimento de outras doen-ças, como pressão alta, colesterol alto, diabetes e pro-blemas de articulação.