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11. Órgãos dos Estados nas Relações Internacionais: A Diplomacia e Suas Formas. As Imunidades de Pessoas Físicas e dos Estados 1 Dos mais tradicionais temas do Direito Internacional Público, conforme sua elaboração a partir do nascimento do Estado moderno, no Séc. XVI, tem sido a regulamentação das atividades dos seus respectivos representantes nas relações internacionais, frente a outros atores que integram o cenário internacional. Com as primeiras normas, de natureza costumeira, apenas esboçadas no correr do Séc. XIV, durante o importante período de extenso intercâmbio entre as cidades do Norte da Itália e o Império Bizantino (na verdade, as relações entre o Império do Oriente e do Ocidente), no Séc. XV, o tema se constitui na principal preocupação dos Estados, na sua primeira configuração como entidades soberanas e personificadas na figura de um monarca absolutista, com vistas a estabelecer-se um corpo de normas de auto contenção, que permitissem o convívio entre eles. Nesta concepção em que o Estado era tido como a própria pessoa de seu governante, o órgão das relações internacionais era, portanto, o próprio soberano. Na verdade, o Direito Internacional não passaria, assim, de um direito que regulava as relações pessoais de tal pessoa com outras assemelhadas: a falta de distinção entre o público e o privado, tornaria aquele Direito um apêndice do Direito Civil e os atos internacionais nada mais eram do que atos que na atualidade se consideram de 1 Para um estudo mais extenso sobre o tema deste Capítulo, recomendamos nosso livro Órgãos dos Estados nas Relações Internacionais: Formas da Diplomacia e as Imunidades, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001. 1

Guido Soares - Direito Internacional Público - Diplomacia-Imunidades

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rgos dos Estados nas Relaes Internacionais: A Diplomacia e Suas Formas. As Imunidades de Pessoas Fsicas e dos Estados1

Dos mais tradicionais temas do Direito Internacional Pblico, conforme sua elaborao a partir do nascimento do Estado moderno, no Sc. XVI, tem sido a regulamentao das atividades dos seus respectivos representantes nas relaes internacionais, frente a outros atores que integram o cenrio internacional. Com as primeiras normas, de natureza costumeira, apenas esboadas no correr do Sc. XIV, durante o importante perodo de extenso intercmbio entre as cidades do Norte da Itlia e o Imprio Bizantino (na verdade, as relaes entre o Imprio do Oriente e do Ocidente), no Sc. XV, o tema se constitui na principal preocupao dos Estados, na sua primeira configurao como entidades soberanas e personificadas na figura de um monarca absolutista, com vistas a estabelecer-se um corpo de normas de auto conteno, que permitissem o convvio entre eles. Nesta concepo em que o Estado era tido como a prpria pessoa de seu governante, o rgo das relaes internacionais era, portanto, o prprio soberano. Na verdade, o Direito Internacional no passaria, assim, de um direito que regulava as relaes pessoais de tal pessoa com outras assemelhadas: a falta de distino entre o pblico e o privado, tornaria aquele Direito um apndice do Direito Civil e os atos internacionais nada mais eram do que atos que na atualidade se consideram de natureza privada (a ex.: os casamentos reais tinham efeitos pblicos de alianas e pactos militares interestatais). A figura dos enviados em nome de um soberano era, portanto, tida como a representao do prprio soberano, qual se estenderiam as honras, prerrogativas e privilgios a estes conferidos, pelo ento dito direito divino dos reis. Conforme a concepo dos Estados viesse a sofrer uma evoluo, no sentido de despregar-se da figura do governante, para constituir-se num conjunto de servios e funes, a servio de um povo, da mesma forma, os seus representantes, sem perderem alguns privilgios e prerrogativas, prprios s suas funes, frente aos ordenamentos jurdicos locais, comearam a ter sua funo regulamentada em normas internacionais precisas. Portanto, os diplomatas passariam ser definidos no mais como mandatrios dos soberanos, mas como rgos dos Estados, nas suas

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Para um estudo mais extenso sobre o tema deste Captulo, recomendamos nosso livro rgos dos Estados nas Relaes Internacionais: Formas da Diplomacia e as Imunidades, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001.

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relaes internacionais; a uma concepo personalista de direitos atribudos s pessoas, se segue uma concepo de direitos atribudos ao exerccio de uma funo. O termo diplomacia tem vrias acepes, sendo a palavra mesma, uma transposio do conceito do instrumento, o diploma (do grego: di, plon, dobrado em dois), ou seja, o documento que simbolizava os poderes conferidos ao seu portador. Na sua origem, era um documento escrito em pergaminho, elaborado com esmero e encadernado de molde a apresentar uma certa solenidade, posto que destinado a ter relativa durao e a ser exibido como prova da legitimidade dos poderes transferidos por um governante, a um seu representante. Na atualidade, em que a quase unanimidade dos Estados apresentam uma organizao constitucional, a diplomacia a atividade dos Estados destinada a realizar a poltica exterior dos mesmos, que se encontra concentrada nas atribuies dos Poderes Executivos dos Estados, com uma participao referendria dos Poderes Legislativos2. Isto posto, o termo diplomacia, na sua acepo corrente e prpria3, significa: a) o conjunto das atividade dos Estados, nas suas relaes exteriores, independentemente de consideraes geogrficas ou temporais (a diplomacia brasileira) ou observada num momento histrico e relativo a uma rea geogrfica do mundo (a diplomacia de Bismark nos Blcs), sendo aplicada para designar qualquer tipo de atividade, levada a cabo pelos funcionrios civis de qualquer Ministrio, pelos agentes econmicos com apoio do Estado, pelos desportistas, pelos partidos polticos nacionais com vinculaes internacionais; como sinnimo de relaes internacionais, o termo engloba, igualmente, as atividades relacionadas guerra, como as alianas e blocos militares e as prprias operaes blicas;

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Houve uma discusso histrica de onde alocar, numa organizaes constitucional, os poderes de representao exterior dos Estados, se no Legislativo, rgo colegiado e permanente na sua titularidade, o povo, que representa a continuidade de uma nao, ou se no Executivo, rgo eleito em funo de programas especficos e partidrios, que deve ser temporrio na sua titularidade. Veja-se a questo quando da discusso da primeira constituio escrita da Histria, os precedentes da Constituio de 17 de setembro de 1787 dos EUA, contida nos Federalist Papers, em que se contrapuseram as teorias de John Locke da existncia de trs poderes, o Executivo, Legislativo e o Federativo (poder de realizar alianas com outros Estados) e de Montesquieu, o Executivo, Legislativo e Judicirio. Veja-se nosso trabalho, rgos dos Estados nas Relaes Internacionais: Formas da Diplomacia e as Imunidades, Rio de Janeiro, Editora Revista Forense, 2001. 3 H significaes metafricas para a palavra diplomacia: seja as qualidades que se exigem de uma pessoa de boa f e de bom temperamento (qualidades de bom negociador, de temperana e equilbrio, de esprito de conciliao e busca de soluo eqitativa), seja os vcios de uma pessoa pouco virtuosa (procrastinao de solues, perfdia, atitudes dissimuladas e de propsitos pouco claros e egosticos).

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b) as relaes encetadas por rgos especializados dos Estados, os diplomatas lato sensu4, nas relaes interestatais bilaterais ou multilaterais ou no seio das organizaes intergovernamentais, as quais se desdobram em funes internas, coordenadas por Ministrios das Relaes Exteriores, e por rgos acreditados nas capitais, as misses diplomticas, e grandes cidades de outros pases, as reparties consulares, e ainda nas sedes das organizaes internacionais intergovernamentais, ou ainda em de reunies diplomticas internacionais espordicas; c) as relaes de Governo a Governo, ou de um Estado perante organizaes intergovernamentais, excludas as representaes consulares em grandes cidades, matria acometida competncia dos diplomatas stricto sensu, dentre os quais se incluem os chefes de misso diplomtica permanente (denominados Embaixadores, e no caso da Santa S, Nncios Apostlicos) e pessoal diplomtico delas integrantes, os delegados oficiais enviados em congressos e conferncias internacionais e ainda a atuao direta dos prprios Chefes de Estado ou Chefes de Governo, inclusive de Ministros de Estado, frente a seus homnimos, em outros pases. Segundo os tipos de agentes do Estado enviados ao exterior, a diplomacia lato sensu, pode ser classificada em de duas espcies: conduzida por representantes do Estado, dita diplomacia tradicional, e a diplomacia conduzida diretamente pelas pessoas do Chefe de Estado ou do Chefe de Governo (ou ainda pelos co-responsveis pela poltica exterior dos Estados, os Ministros de Estado das Relaes Exteriores, algumas vezes, por outros Ministros, frente a seus homlogos em outros pases), a denominada diplomacia de cpula5. Quanto s relaes externas do Estado conduzidas por seus representantes, assumem elas as formas da diplomacia bilateral (relaes do Estado com outros Estados, individualmente), e da diplomacia multilateral, desdobrada em trs subespcies: a) aquela exercida nas organizaes intergovernamentais permanentes (a diplomacia parlamentar6) e b) em4

No Brasil, diplomata designa o integrante de uma carreira do funcionalismo pblico regulada por lei e compreende pessoas que podem ser enviadas, a ttulo de representao oficial do Pas, a postos no exterior. So nomeadas por concurso pblico, aps um perodo de estudos e treinamento no Instituto Rio Branco, rgo do Ministrio das Relaes Exteriores, com sede em Braslia. Os chefes de misso diplomtica de carter permanente podem ser indicados pelo Presidente da Repblica, entre pessoas de fora da carreira de diplomata, aps a prvia aprovao do Senado Federal, por voto secreto, e argio das mesmas, em seo igualmente secreta, nos termos do art. 52 inciso IV da Constituio Federal. 5 Um dos aspectos da diplomacia de cpula, sem dvida a mais importante, encontra-se versado na literatura especializada nacional, com competncia, no livro de Srgio Danese, Diplomacia Presidencial, Rio de Janeiro, TOPBOOKS, 1999. 6 A denominao, bastante feliz, de Sir Harold Nicholson, no clssico Diplomacy (edio compulsada: 3 edio, Londres, Oxford, Nova York, Oxford University Press, 1969). Tal forma de

diplomacia repete, nas relaes internacionais, os fenmenos correntes nos parlamentos nacionais: regras previamente estabelecidas sobre admisso e legitimidade dos membros, sobre

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reunies de vrios Estados, espordicas e solenes (congressos e conferncias), e c) reunies peridicas, ordinrias ou extraordinrias, perante rgos diplomticos, polticos ou tcnicos, previstos em tratados multilaterais (um exemplo o das Conferncias das Partes nos tratados-quadro ou das comisses mistas previstas em tratados multilaterais). As trs espcies de representaes permanentes que os Estados mantm junto a outras pessoas jurdicas de Direito Internacional so, assim: a) a misso diplomtica, junto a Chefes de Estado dos Estados com os quais so mantidas relaes diplomticas, sediadas nas capitais (misses permanentes) ou em negociaes particulares, em reunies temporrias e espordicas (misses especiais); b) as reparties consulares (com as duas subespcies, de um lado, os consulados de carreira, que so reparties lotadas principalmente com funcionrios enviados especialmente pelos Governos estrangeiros, os denominadas Consulados Gerais, Consulados, Vice-Consulados e Agncias Consulares7 e de outro, as reparties chefiadas por um nacional do Estado que os recebe, e que tm algumas funes oficiais, os Consulados Honorrios), em grandes cidades e cidades porturias, com as quais haja a necessidade de representao de interesses nacionais, dada a grande presena de indivduos, empresas ou negcios comerciais brasileiros ou de trnsito de turistas brasileiros; e c) as delegaes permanentes perante organizaes intergovernamentais (com as denominaes de Legao, Delegao ou de Misso), nas cidades onde se encontram as sedes das mesmas, ou ainda em misses especiais perante aquelas. Com exceo dos integrantes dos Consulados Honorrios, os agentes dos Estados enviados para represent-lo no exterior, so pessoas que em princpio devem ter a nacionalidade do Estado representado, tm residncia temporria nos Estados que os recebem, pelo tempo em que exercerempautas de assuntos a serem discutidos, sobre quorum e de reunio e de deliberao, e sobretudo a prtica de formao de grupos com mesmas convices polticas (os partidos polticos, sendo, na diplomacia parlamentar, substitudos por Grupos de Estados que votam em conjunto, devendo destacar-se que a Comunidade Europia, nos foros diplomticos que versam sobre assuntos em que os Estados Partes transferiram competncia para os rgos comunitrios, representada como uma unidade, com seu voto no valor do nmero dos seus Estados Membros).7

As configuraes de tais reparties consulares so da pertinncia dos Estados que as enviam e se constituem nos tipos denominados, em funo to tamanho das mesmas e do nvel de sua representatividade, determinadas pela importncia das relaes consulares desenvolvidas. ConsuladosGerais, em metrpoles, com grande movimento de pessoas e bens entre os Estados, agncias consulares, em pequenas cidades, onde haja algum interesse por parte do Estado que envia; as chefias, igualmente, so distintas: nos Consulados-Gerais, diplomatas com larga experincia e de alta hierarquia na respectiva carreira, nas agncias consulares, funcionrios de menor importncia. Os locais igualmente variam, de residncias oficiais dos Chefes e escritrios de grande porte e de grande reprentatividade, a locais de modesta representatividade.

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suas atribuies, e dadas as funes oficiais que desempenham, devem ser elas mesmas e seus familiares, que com eles vivam, cercados de imunidades e privilgios, destinados a no impedirem o exerccio da representao ou de suas atribuies oficiais8. Da mesma forma, os edifcios, arquivos, documentos e bens mveis que sejam destinados a seu uso oficial exclusivo, sejam de propriedade do Estado Estrangeiro, ou daquelas pessoas, devem merecer idntica proteo, desde que tenham ter alguma relao com as respectivas funes oficiais; as finalidades de tais normas so de evitar que eventuais medidas constritivas contra os mesmos, representem um impedimento ao exerccio das funes de representao de um Estado em outro.. As normas sobre as representaes permanentes dos Estados no exterior, seja as diplomticas seja as consulares, foram elaboradas e solidificadas, atravs de um longo processo costumeiro, que desembocaria no Sc. XX, (perpassando pelas experincias de codificao havidas logo aps os Congresso de Viena do final do Sc. XIX, no relativo a regras de precedncia entre enviados dos soberanos), com a subscrio de duas convenes regionais no sistema da ento denominada Unio Panamericana9, para culminar na adoo de duas importantes convenes internacionais multilaterais de carter universal, em Viena, frutos da obra de codificao e desenvolvimento progressivo do Direito Internacional, empreendida pela Comisso de Direito Internacional da ONU. Trata-se da Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas, assinada em 18/04/1961, em vigor internacional a partir de 24/04/1964, no Brasil promulgada pelo Decreto 56.435 de 08 de junho de 1965, e da Conveno de Viena sobre Relaes Consulares, assinada em 25/ 04/1963, em vigor internacional a partir de 10/03/1967 e no Brasil, promulgada pelo Decreto no 61.078 de 16 de junho de 1967. No que se refere s representaes dos8

As regras que vigem na atualidade, sobre a concesso das imunidades e privilgios, baseiam-se no princpio de haver atividades oficiais dos representantes de Estados estrangeiros, que no devem ser impedidas ou dificultadas pelos Estados receptores de tais representantes. A primeira de suas formulaes, para a misso diplomtica e seus integrantes, foi obra do jurista suo Emmerich de Vattel, no Sc. XVIII, segundo a frmula ne impediatur legatio. Quanto s reparties consulares, esta regra foi transposta, por analogia, na frmula ne impediatur officium, as quais serviro, no Sc. XX, a fundamentar os privilgios e imunidades das representaes de Estados junto a organizaes intergovernamentais permanentes. Vejam-se os Prembulos das Convenes de Viena de 1961 e de 1963, respectivamente, sobre relaes diplomticas e sobre relaes consulares, que as repetem em termos assemelhados. Eis a que consta na Conveno de Viena de 1963 sobre Relaes Diplomticas: reconhecendo que a finalidades de tais privilgios e imunidades no beneficiar indivduos mas sim a de garantir o eficaz desempenho das funes das misses diplomticas, em seu carter de representantes dos Estados. 9 Trata-se da Conveno de Havana sobre Funcionrios Diplomticos, e a Conveno de Havana sobre Funcionrios Consulares, adotadas em 1928, por ocasio da mesma Conferncia Panamericana em que se adotou a Conveno de Havana sobre Direito Internacional Privado (o Cdigo de Bustamante). Aquelas Convenes acham-se promulgadas no Brasil pelo Decreto no 18.971 de 13/08/1929.

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Estados junto a organizaes intergovernamentais, as regras so um reticulado de dispositivos constantes em tratados de fundao, tratados de sede entre a organizao intergovernamental e o pas que as abriga, e de normas votadas pelo conjunto dos Estados Partes, enquanto membros daquelas organizaes, portanto, decises das mesmas. Enfim, quanto aos privilgios e imunidades das representaes dos Estados em reunies espordicas em outros Estados, as normas ora so costumeiras, ora so aquelas votadas ad hoc, entre o Estado anfitrio das reunies, e os Estados participantes das mesmas. A Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas de 1961, (que, a seguir, denominaremos, brevitatis causa, de Conveno de Viena de 1961), arrola, no seu art. 3O 1o as funes de uma misso diplomtica: verbis: a) representar o Estado acreditante perante o Estado acreditado10; b) proteger no Estado acreditado os interesses do Estado acreditante e de seus nacionais, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional; c) negociar com o Governo do Estado acreditado; e) inteirar-se por todos os meios lcitos das condies existentes e da evoluo dos acontecimentos no Estado acreditado e informar a este respeito o Estado acreditante e f) promover relaes amistosas e desenvolver as relaes econmicas, culturais e cientficas entre o Estado acreditante e o Estado acreditado. Como nos referimos em trabalho anterior: a misso diplomtica permanente poder, igualmente, exercer funes consulares (art. 3o 2o), e dado que os agentes consulares devem ter uma jurisdio territorial determinada pelo Estado acreditado, tem-se exigido, por prtica generalizada, que a misso diplomtica destaque, dentre seus funcionrios, aqueles encarregados dos assuntos consulares e disto informe ao Estado acreditado11 A terminologia da Conveno de Viena de 1961 revela normas elaboradas a partir de longa prtica internacional para que os agentes diplomticos possam iniciar o exerccio de suas funes: no caso dos chefes de misso, necessrio um procedimento formal de aceitao da pessoa enviada, por parte do Estado que os recebe (o Estado acreditado), o que se d mediante a concesso do agrment12,10

Os termos empregados pela Conveno de Viena de 1961 e oficialmente adotados no Brasil, so dbios: acreditante significa o Estado que envia seus agentes diplomticos e Estado acreditado, aquele perante o qual o agente exerce suas funes. A nosso ver, a terminologia oficial brasileira para a Conveno de Viena sobre Relaes Consulares de 1963 foi mais feliz ao empregar os termos Estado que envia e Estado receptor. 11 Trabalho referido no rodap 1 deste Captulo. 12 Nos termos do art. 4o da Conveno de Viena de 1961, e na prtica diplomtica, um pedido de agrment precedido de consultas sigilosas entre os Estados, o qual, em geral, versa sobre as qualificaes da pessoa que o Estado acreditante pretende enviar como chefe de uma misso diplomtica.

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aps o qual aquela pessoa dever apresentar, ainda segundo praxe generalizada, em ato solene, suas credenciais ao Chefe de Estado do Estado acreditado (uma espcie de carta de apresentao13 firmada pelo Chefe de Estado do Estado acreditante14) (cf. art. 4o). Quanto aos outros integrantes da misso diplomtica, os procedimentos so mais simples, realizados entre as misses diplomticas e os Ministrios das Relaes Exteriores locais, prescindindo-se do procedimento do pedido prvio agrment. Fato importante que o exerccio das funes diplomticas, seja do Chefe da Misso, seja de qualquer dos funcionrios da mesma, pressupe uma aceitao tcita da pessoa que as exercem, por parte do Estado acreditado; este pode retirar tal aceitao, ao declarar uma pessoa (funcionrio ou pessoa de sua famlia com a qual viva), a qualquer momento e sem ser obrigado a justificar sua deciso, atravs de notificao ao Estado acreditante, persona non grata, momento a partir do qual cessam as imunidades e privilgios, com a obrigao do Estado acreditante de retirar aquela pessoa do territrio nacional do Estado acreditado (art. 9o , id.). Os locais onde se exercem as funes diplomticas, relembre-se, funes oficiais de um Estado perante outro Estado, devem ter a proteo das autoridades do Estado acreditado, onde se situam, e devem, igualmente, gozar de imunidades e privilgios definidos na norma internacional, os quais devem ser respeitados pelas autoridades locais (do Executivo, do Legislativo e do Judicirio). Tanto podem ser a residncia dos membros da misso, nomeadamente a do Chefe da Misso, denominada Embaixada do Pas Tal15, quanto aos locais dos escritrios (denominados chancelaria16 ou mesmo escritrio) ou outros, que, por acordo entre os Estados, sejam indicados para o exerccio das funes diplomticas (emO Estado acreditado pode recusar o agrment , sem ter de dar explicaes ao Estado acreditante dos motivos da recusa. 13 As cartas credenciais, em pocas passadas, eram documentos de extrema importncia, porquanto entendidos como verdadeiros mandatos, nos quais se descreviam os poderes conferidos por um Estado a seus agentes perante outros Estados. A prtica de dispensar a nomeao expressa dos poderes delegados, levou a que os chefes de misso passassem a ser denominados de Embaixadores Plenipotencirios. A necessidade de poderes especiais ainda persiste, no caso de assinatura de tratados internacionais, nos quais os Estados enviam delegados ad hoc (havendo a dispensa dos mesmos, quando de trata da assinatura do Chefe da Misso diplomtica perante o pas que se responsabilizou pela negociao do tratado e/ou sua assinatura, ou perante a organizao intergovernamental sob cuja gide o tratado foi negociado e firmado. 14 Vejam-se as variantes da entrega de credenciais estatudas no art. 13 da Conveno de Viena de 1961. 15 Tenham-se presentes as suas importantes funes da misso diplomtica, em especial a residncia do seu chefe, como um lugar de realizao de atos solenes de representao do Estado acreditante, em particular, no caso de visitas oficiais de um Chefe de Estado ou Chefe de Governo, nas grandes datas nacionais, razo pela qual se encontram em edifcios de grandes propores e com uma aparncia adequada a servirem de locais de representao de Governos estrangeiros. 16 Chancelaria tem duplo significado: a sede dos Ministrios das Relaes Exteriores (no Brasil, denominado de Palcio do Itamaraty, em Braslia) e a sede dos servios burocrticos de uma misso diplomtica estrangeira (a ex.: a chancelaria do pas Tal se encontra na Super Quadra Tanto).

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particular, em pocas de comoo interna nos Estados acreditados, aqueles destinados concesso de asilo diplomtico a pessoas perseguidas por motivos polticos). Tem idntica proteo, os imveis da misso diplomtica, que no Brasil so considerados propriedades de Governos estrangeiros17, os seus arquivos, instalaes de telecomunicaes e objetos mveis, como os veculos automotores, que se acham associados ao exerccio da funo. A Conveno de Viena de 1961, no seu art. 1o, classifica as pessoas que se encontram, de alguma forma, relacionadas18 com a misso diplomtica, para os efeitos que ela regula, em particular, as imunidades e privilgios diplomticos, em duas categorias: a) os membros do pessoal da misso e b) o criado particular de um dos membros do pessoal da misso19. Por sua vez, os membros do pessoal da misso se distinguem em: a) o Chefe da Misso, em geral com o ttulo de Embaixador20, b) membros do pessoal diplomtico, c) membros do pessoal administrativo e tcnico (a ex.: adidos culturais, tcnicos, arquivistas, criptgrafos, secretrias, mensageiros), d) membros do pessoal de servio, empregados no servio domstico da misso (a ex.: motoristas, copeiros, faxineiros). O Chefe da Misso e os membros do pessoal diplomtico, que a Conveno de Viena de 1961 denomina como agentes diplomticos, gozam, nos termos dos arts. 29 usque 42, dos direitos da inviolabilidade pessoal e de sua residncia, da totalidade dos privilgios fiscais17

No Brasil, a matria regulada pela Lei de Introduo ao Cdigo Civil, nos seguintes termos: Art. 11. As organizaes destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e fundaes, obedecem a lei do Estado em que se constiturem. 1o No podero, entretanto, ter no Brasil filiais, agncias ou estabelecimentos, antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas lei brasileira. 2o Os governos estrangeiros, bem como as organizaes de qualquer natureza, que eles tenham constitudo, dirijam ou hajam investido de funes pblicas, no podero adquirir no Brasil, bens imveis ou suscetveis de desapropriao. 3 o Os governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prdios necessrios sede dos representantes diplomticos ou dos agentes consulares. 18 Os relacionamentos podem ser basicamente de dois tipos de liames entre a pessoa e o Estado acreditado: funcionrio pblico (diplomtico ou no diplomtico), em geral, nacionais do Estado acreditado e contratos de trabalho, seja de pessoas contratadas no local da misso, seja de pessoas enviadas pelo Estado acreditado (em geral, os adidos culturais ou peritos em determinados assuntos), que no necessitam ser nacionais do Estado acreditado. Veja-se art. 8o da Conveno de Viena de 1961. 19 O interesse na definio de tal categoria de pessoa, reside no fato de que os criados particulares somente gozaro de isenes de impostos e taxas sobre os respectivos salrios, se no forem nacionais do Estado acreditado nem tenham nele sua residncia permanente, ficando a atribuio de outras imunidades, unicamente civis e administrativas, discrio do Estado acreditado (art. 37 4o da Conveno de Viena de 1961). 20 No caso de ausncia ou impedimento do titular de uma chefia da misso diplomtica, o Embaixador, assume o cargo um Encarregado de Negcios ad interim (cuja indicao como tal, no necessita de agrment). A Conveno de Viena de 1961, no seu art. 5o, permite que haja um Encarregado de Negcios ad interim no caso de credenciamento de um chefe de misso num Estado, juntamente com seu credenciamento, na mesma qualidade, em outros Estados. A prtica de enviar um Encarregado de Negcios como chefe de misso em carter permanente, sem que o mesmo tenha sido credenciado em outros Estados, permitida pela Conveno de Viena de 1961, no seu art. 14, que permite tipific-los como chefes de misso acreditados perante Ministros das Relaes Exteriores; tal prtica representa uma forma de relao diplomtica menos formal, na qual a misso se denominava Legao Diplomtica.

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(no pagamento de tributos pessoais ou reais, neste ltimo caso, daqueles tributos cujo pagamento possa ser desvinculado do preo das mercadorias), de pagamentos relacionados a previdncia social, e, particularmente, da totalidade das imunidades de jurisdio penal e das imunidades de jurisdio civil21 (no submisso s autoridades administrativas e jurisdio das autoridades judicirias do Estado acreditado, em matria de conhecimento das causas judiciais e de medidas constritivas por elas oponveis, contra pessoas e bens); tais privilgios e imunidades se estendem aos membros das famlias dos agentes diplomticos, desde que no sejam nacionais do Estado acreditado e desde que com eles vivam. Quanto aos membros que no sejam agentes diplomticos, os privilgios e imunidades somente se lhes aplicam, na medida em que se refiram expressamente aos atos oficiais praticados no desempenho de suas funes, excludas quaisquer imunidades penais de carter pessoal22. Tais privilgios e imunidades podem ser renunciados pelo Estado acreditante, a quem tais direitos pertencem, o que se perfaz em declaraes especiais e em cada caso particular ajuizado perante autoridades judiciais do Estado acreditado ou perante suas autoridades administrativas; entendimento generalizado de que regra que as imunidades e privilgios no podem ser objeto de renncia por parte das pessoas que deles se beneficiam (cf. art. 32 da Conveno de Viena de 1961). A renncia pode, em determinadas situaes, beneficiar o titular das imunidades, no sentido de permitir-se o esclarecimento de certos fatos e a determinao de direitos a eles apliveis, pela via dos Poderes Judicirios do Estado acreditado. Conforme nos expressamos na nossa obra, rgos dos Estados nas Relaes Internacionais: Formas da Diplomacia e as Imunidades23: Os locais da Misso diplomtica24 gozam dos seguintes privilgios e imunidades, estabelecidos na Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas de 1961: a) direito de usar a bandeira e o escudo do Estado acreditante, tanto nos locais da Misso, quanto na residncia do Chefe e nos meios de transporte (art. 20); b) inviolabilidade dos locais da Misso, ou seja, proibio de os agentes do Estado acreditado neles21

A Conveno de Viena de 1961 admite excees s imunidades de jurisdio civil, nas alneas do art. 31: 22 Vejam-se os arts. 37 e 38 da Conveno de Viena de 1961. 23 Veja-se nota de rodap 1 deste Captulo. 24 A Conveno de Viena de 1961 assim define Locais da Misso: so os edifcios, ou parte dos edifcios e terrenos anexos, seja quem for seu proprietrio, utilizados para as finalidades da Misso, inclusive a residncia do Chefe da Misso (art. 1o alnea j). Nota de rodap no existente no texto transcrito. Como notamos, irrelevante que os mesmos sejam ou no propriedade do Governo estrangeiro ou do Chefe da Misso; o que importa sua utilizao para as finalidades de representao do Estado acreditante.

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penetrarem, sem o consentimento do Chefe da Misso(art. 22), com os deveres correlatos de este proteger aqueles locais, contra qualquer invaso ou dano e evitar perturbaes tranqilidade da Misso ou ofensa sua dignidade, bem como impossibilidade de realizao de busca, requisio, embargos ou medidas de execuo forada, em relao queles locais, seu mobilirio ou bens neles sitos, assim como os meios de transporte da Misso (art. 22); c) isenes tributrias do Estado acreditante e do Chefe da Misso, relativamente a quaisquer impostos ou taxas nacionais, regionais ou municipais, incidentes sobre os locais da Misso de que sejam proprietrio ou inquilinos, exceto os que representem pagamentos de servios especficos a eles prestados, isenes essas que no so extensveis s pessoas que contratem com o Estado acreditante ou com o Chefe da Misso (art. 23); d) isenes de direitos aduaneiros, taxas e gravames conexos, que no constituam despesas de armazenagem, transporte e outras relativas a servios anlogos, referentes ao objetos destinados ao uso oficial da misso (art. 36 1o alnea a); e) total facilidade de comunicaes da Misso diplomtica com o Governo do Estado acreditante e com outras Misses diplomticas e Consulados deste, inclusive com o uso de quaisquer meios de comunicaes, inclusive correios diplomticos e mensagem em cdigos ou cifras, ficando a utilizao de emissoras de rdio, dependentes de consentimento do Estado acreditado (art. 27, que estabelece a regra da inviolabilidade de correspondncia oficial da Misso diplomtica e regula, ademais, o direito de envio e recebimento de correios diplomticos e as remessas de malas diplomticas por aeronaves comerciais). Tais dispositivos se aplicam, igualmente, residncia particular do agente diplomtico (art. 30 1o), bem como a seus documentos e sua correspondncia (id. 2o, salvo no caso de ser inaplicvel a regra das imunidades de jurisdio). O segundo tipo de representao que os Estados mantm em outros Estados, so as reparties consulares. Os cnsules, como representantes diretos dos soberanos, j foram tidos como verdadeiros vice-reis estrangeiros, com tribunais prprios para julgamento de seus nacionais, em situaes que hoje mal se poderiam justificar. Na atualidade, suas funes so de ordem tcnica, algumas de natureza poltica, outras, de difcil tipificao segundo modelos analticos, dado seu casusmo, e se encontram elas arroladas na Conveno de Viena de 1963 sobre Relaes Consulares (doravante, brevitatis causa, denominada de Conveno de Viena de 1963), no seu art. 5 o, a seguir transcrito (cujas notas de rodap aproveitamos do nosso trabalho anteriormente citado): Artigo 5o FUNES CONSULARES As funes consulares consistem em: a) proteger, no Estado receptor, os interesses do Estado que envia e de seus nacionais, pessoas fsicas ou jurdicas, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional; b) fomentar o desenvolvimento das relaes comerciais, econmi-

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cas, culturais e cientficas entre o Estado que envia e o Estado receptor e promover ainda relaes amistosas entre eles, de conformidade com as disposies da presente Conveno; c) informar-se, por todos os meios lcitos, das condies e da evo1uo da vida comercial, econmica, cultural e cientifica do Estado receptor, informar a respeito o Governo do Estado que envia e fornecer dados s pessoas interessadas; d) expedir passaportes e documentos de viagem aos nacionais do Estado que envia25, bem como vistos e documentos apropriados s pessoas que desejarem viajar para o referido Estado26; e) prestar ajuda e assistncia aos nacionais, pessoas fsicas ou jurdicas do Estado que envia27; f) agir na qualidade de notrio e oficial de registro civil28, exercer funes similares, assim como outras de carter administrativo, sempre que no contrariem as leis e regulamentos do Estado receptor29;25

Trata-se de passaportes comuns, documentos de identidade internacional conferido aos nacionais do Estado que os expede, os quais tm , quanto sua validade formal, um reconhecimento internacional. No caso do Brasil, so eles verdes e so conferidos pela Unio. Os passaportes comuns no se confundem com os passaportes oficiais (de cor azul, conferidos pela Unio a funcionrios pblicos em viagens oficiais ao exterior), nem com os passaportes diplomticos (de cor vermelha, conferidos, igualmente pela Unio, ao Presidente da Repblica, Ministros de Estado, Ministros dos Tribunais Superiores, aos diplomatas, lato sensu, e a todos os familiares de seus titulares), os quais, no exterior, so conferidos pela Misso diplomtica brasileira. Nos casos em que a Lei impede a concesso de passaporte comum, expede-se um documento de viagem denominado laissez passer, e no caso de estrangeiros asilados diplomticos, um salvo conduto. Segundo o direito brasileiro, existe ainda a possibilidade da expedio de passaportes amarelos, para aptridas , que sejam menores residentes ou maiores domiciliados no Brasil, ou refugiados. 26 A concesso de vistos exigncia de leis internas dos Estados que recebem os viajantes temporrios ou imigrantes. Por depender da poltica interna de cada Estado e por serem direitos originrios de sua competncia exclusiva, podem eles variar, no que respeita a tipos e condicionamentos (vistos de turista, estudantes, de negcios, temporrios por certo perodo durante contratos de trabalho, oficiais, a funcionrios estrangeiros, de trnsito, de cortesia, dentre outros). Uma regra que se tem verificado a da reciprocidade, de exigir-se visto de entrada a pessoas nacionais daqueles Estados, nas mesmas condies que estes exigem para do outro Estado. Quanto ao Brasil, veja-se a Lei n o 6.815 de 19/08/1980 (o denominado Estatuto do Estrangeiro) e seu Regulamento, Decreto n o 86.715 de 10/12/1981. 27 Nos ltimos anos, o Governo brasileiro tem fomentado, sob a gide de reparties consulares brasileiras em grandes cidades no exterior, a constituio de Conselho de Cidados, no intuito de congraar brasileiros nelas residentes ou domiciliados, conhecer de suas dificuldades e prestar-lhes a assistncia cabvel. Veja-se a home page do Ministrio das Relaes Exteriores, na INTERNET (mre.gov.br). 28 Dentre as funes de notrio, destaque-se o dever de registrar o nascimento de pessoas, que tenham, pelo menos um progenitor brasileiro (jus sanguinis, por parte do pai ou da me). Em normas das constituies federais anteriores, tal registro era um ato que conferia, de imediato, a condio de brasileiro nato, sem qualquer outra condio. Nas atuais normas constitucionais, tal possibilidade, que existia na redao original da Constituio Federal de 1988, foi extinta pela Emenda Constitucional de Reviso no 3 de 07/06/1994, que passou a exigir das pessoas futuros brasileiros natos jus sanguinis, residncia no territrio nacional e opo, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira (opo essa a ser feita perante a Justia Federal, nos termos da Lei 818 de 18/09/1949). Sendo assim, aquele registo consular ainda tem sua serventia, de ser uma prova, por autoridade brasileira, com f pblica nacional, de filiao de pai ou me brasileiros, para os efeitos perante a Justia Federal, no caso de uma ao de opo por nacionalidade. 29 Um aspecto interessante neste particular, a possibilidade de as reparties consulares realizarem casamentos, com validade internacional , os denominados casamentos consulares; para tanto, devem examinar-se as legislaes tanto do Estado receptor (em particular, se h regras proibitivas), quanto a do Estado que envia (na verdade, condies de os funcionrios consulares realizarem casamentos no exterior). Segundo o Direito brasileiro, no caso de casamentos celebrado alhures, o casamento consular celebrado por cnsul brasileiro, valido no Brasil, desde que ambos os nubentes tenham a nacionalidade brasileira e que as formalidades prvias de habilitao e de realizao do ato sejam feitas de acordo com a

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g) resguardar, de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, os interesses dos nacionais do Estado que envia, pessoas fsicas ou jurdicas, nos casos de sucesso por morte verificada no territrio do Estado receptor30; h) resguardar, nos limites fixados pelas leis e regulamentos do Estado receptor, os interesses dos menores e dos incapazes, nacionais do pas que envia, particularmente quando para eles for requerida a instituio de tutela ou curatela31; i) representar os nacionais do pais que envia e tomar as medidas convenientes para sua representao perante os tribunais e outras autoridades do Estado receptor, de conformidade com a pratica e os procedimentos em vigor neste ultimo, visando conseguir, de acordo com as leis e regulamentos do mesmo, a adoo de medidas provisrias para a salvaguarda dos direitos e interesses destes nacionais, quando, por estarem ausentes ou por qualquer outra causa, no possam os mesmos defend-los em tempo til32; j)comunicar decises judiciais e extrajudiciais e executar comisses rogatrias de conformidade com os acordos internacionais em vigor, ou, em sua falta, de qualquer outra maneira compatvel com as leis e regulamentos do Estado receptor33; k) exercer, de conformidade com as leis e regulamentos do Estado que envia, os direitos de controle e de inspeo sobre as embarcaes que tenham a nacionalidade do Estado que envia, e sobre as aeronaves nele matriculadas, bem como sobre suas tripulaes l) prestar assistncia s embarcaes e aeronaves a que se refere a alnea k do presente artigo e tambm as tripulaes; receber as declaraes sobre as viagens dessas embarcaes, examinar e visar oslei brasileira. Quanto a casamentos consulares realizados por reparties consulares estrangeiras no Brasil, portanto entre nubentes estrangeiros, para os mesmos serem vlidos em territrio nacional, alm de um dos nubentes ser domiciliado no Brasil, devero ser respeitados os impedimentos dirimentes e as formalidades de celebrao, conforme estatudos pelo Direito Internacional Privado brasileiro, na Lei de Introduo do Cdigo Civil, art. 7o 1o e 2o . 30 Na verdade, h, expressamente institudos, na Conveno sobre Relaes Consulares, deveres de o Estado receptor de informar a repartio consular sobre os fatos constantes do seu art. 37, ementado Informaes em caso de Morte, Tutela, Curatela, Naufrgio e Acidente Areo. 31 Veja-se nota de rodap anterior. 32 O Direito comparado mostra que a simples condio de funcionrio consular, no legitima seus ocupantes a exercerem funes pblicas de advocacia em outros pases, nos termos da Conveno de Viena sobre Relaes Consulares. No Brasil, o exerccio da advocacia tem suas prprias regras, e nelas, nada se diz quanto legitimao dos funcionrios consulares para tais encargos, que no Brasil so considerados pblicos. Por outro lado, aquela Conveno expressamente institui o dever, s pessoas que se beneficiem dos privilgios e imunidades no Estado receptor, de no imiscurem-se nos assuntos internos do mesmo (art. 55, Respeito s Leis e Regulamentos do Estado Receptor, 1 o), bem como se acha expressamente proibido, aos funcionrios consulares de carreira, exercer em proveito prprio, qualquer atividade profissional ou comercial no Estado receptor (art. 57, Disposies Especiais Relativas s Atividades Privadas de Carter Lucrativo, 1o ). 33 No Brasil, no se reconhece nenhum efeito a notificaes judiciais a pessoas fsicas ou jurdicas domiciliadas em territrio nacional, encaminhadas por reparties consulares estrangeiras, seja por via postal registrada, seja por informao oficial das reparties consulares de que corre uma demanda judicial no outro pases (o affidavit da Common Law, sobretudo dos EUA). No Direito brasileiro, somente se reconhecem no pas, aqueles atos judiciais de autoridades estrangeiras, que tiverem sido nacionalizados, seja atravs dos procedimentos de exequatur de atos judiciais estrangeiros no terminativos de processos cveis ou penais, seja atravs dos procedimentos de homologaes de sentenas estrangeiras, cveis ou penais (estas condenatrias), ambos processados e julgados perante o Supremo Tribunal Federal.

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documentos de bordo e, sem prejuzo dos poderes das autoridades do Estado receptor, abrir inquritos sobre os incidentes ocorridos durante a travessia e resolver todo tipo de litgio que possa surgir entre o capito, os oficiais e os marinheiros, sempre que autorizado pelas leis e regulamentos do Estado que envia; m) exercer todas as demais funes confiadas repartio consular pelo Estado que envia, as quais no sejam proibidas pelas leis e regulamentos do Estado receptor, ou s quais este no se oponha ou ainda as que lhe sejam atribudas pelos acordos internacionais em vigor entre o Estado que envia e o Estado receptor34. A Conveno de Viena de 1963 consolida uma prtica que vem desde a instituio dos cnsules, nas cidades do Norte da Itlia, no Qattrocentro, ao consagrar dois tipos de funcionrios consulares: os cnsules de carreira, funcionrios em geral com a nacionalidade do Estado que os envia e com residncia temporria no Estado receptor, pelo tempo em que durar suas funes, as quais so plenas (os consules missi) e os cnsules honorrios, pessoas ilustres, no necessariamente com a nacionalidade do Estado que envia, com residncia permanente no Estado receptor, indicadas por aquele e aceitas por este (os consules electi), com prerrogativas e imunidades intimamente relacionadas s funes restritas a atos oficiais. H um certo paralelismo entre os procedimentos de credenciamento dos membros da misso diplomtica e das reparties consulares. Dispensado o procedimento do agrment, os Chefes das reparties consulares devem ser acreditados perante um chefe de Estado ou de Governo, o que se perfaz atravs da remessa aos Ministrios das Relaes Exteriores do pas receptor, por via diplomtica35, de uma carta patente subscrita por autoridades de seu prprio pas, a qual qualifica seu portador, descreve suas funes e, sobretudo, indica a sede da repartio e a rea geogrfica no pas receptor onde ir ele exercer suas funes oficiais, a denominada: jurisdio consular36. O incio das funes consulares se inicia aps o Chefe da repartio consular haver recebido autorizao para tanto, denominada exequatur e, da mesma forma que nas relaes diplomticas, h o pressuposto de que o funcionrio consular ser considerado pelo Estado receptor, durante o exerccio de suas funes,34

Dentre tais funes, no caso brasileiro, destacam-se o dever de proceder ao alistamento militar de brasileiros domiciliados ou residentes no exterior, bem como ao alistamento eleitoral dos brasileiros e realizao de eleies majoritrias para cargos pblicos federais, nos prazos, nos perodos e nas condies determinadas pelas leis brasileiras, desde que no haja oposio dos Governos locais. Na verdade, a lei brasileira no permite votos de cidados brasileiros em trnsito, mas unicamente dos eleitores previamente cadastrados, evidentemente residentes ou domiciliados na sede da repartio consular. 35 Via diplomtica significa a entrega da carta patente pelo Ministrio das Relaes Exteriores do Chefe da Repartio consular, Misso diplomtica do pas receptor acreditada na capital daquele pas, ou na entrega da mesma, pela Misso diplomtica do Estado que envia, ao Ministrio das Relaes Exteriores do pas receptor. 36 Assim a Conveno de Viena de 1963 a define no art. 1 o alnea b): o territrio atribudo a uma repartio consular para o exerccio das funes consulares.

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como persona grata e, como tal e enquanto funcionrio da repartio consular, ter os privilgios e imunidades atribudos a ele atribudos pela Conveno de Viena de 1963. Para efeito dos mencionados privilgios e imunidades atribudos aos membros do pessoal da repartio consular de carreira (portanto, excludos os cnsules honorrios) , a Conveno de Viena de 1963 os distingue nas seguintes classes: a) o funcionrio consular, o chefe da Repartio consular e toda pessoa encarregada nesta qualidade do exerccio das funes consulares (art. 1o al. d), em geral estrangeiros, da nacionalidade ou no do Estado que envia, cuja legitimao, como citado anteriormente, necessita da autorizao deste, dada pelo exequatur; b) o empregado consular, toda pessoa encarregada dos servios administrativos ou tcnicos de uma repartio consular (id. al. e)37, c) o membro do pessoal de servio, toda pessoa empregada no servio domstico de uma repartio consular (id. al. f), em geral, funcionrios contatados nos locais das reparties e nacionais do Estado receptor; e enfim, e) o membro do pessoal privado, a pessoa empregada exclusivamente no servio particular de um membro da repartio consular (id. al. j), em princpio, nacionais do Estado receptor, e cujos direitos trabalhistas, previdencirios e tributrios devem reger-se, primacialmente, pelas leis locais do Estado receptor. As regras sobre as imunidades e privilgios estipuladas na Conveno de Viena de 1063, comparadas com as da Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas, contemplam direitos menos extensos e podem ser assim resumidas: a) negativa de quaisquer imunidades penais no Estado receptor, a quem quer que seja, conquanto haja dispositivos sobre a inviolabilidade dos funcionrios consulares (art. 41); b) o dever de o Estado receptor conduzir-se, no caso de deteno, priso preventiva ou instaurao de processo criminal (art. 42) e na tomada do testemunho daquelas pessoas, sempre com as deferncias devidas posio oficial das mesmas e com o cuidado de perturbar-se, o menos possvel, o exerccio das funes consulares,38 e c) imunidades das jurisdies de autoridades judicirias e administrativas do Estado receptor, pelos atos realizados no exerccio das funes consulares (art. 43 1o), com exceo dos casos de uma ao cvel que resulte de contrato em que o funcionrio ou empregado consular tiverem realizado, implcita ou explicitamente como agente do Estado que envia e nos casos de37

Comparativamente ao membro do pessoal administrativo e tcnico das Misses diplomticas, tratase de pessoas que ora lidam com assuntos oficiais e reservados e que necessitam do conhecimento das leis e da lngua oficial do pas que envia, ora de pessoas que necessitam conhecimentos das leis e prtica no local onde a repartio consular se encontra sediada, no pas receptor. 38 Segundo o art. 44 e da Conveno de Viena sobre Relaes Consulares, os funcionrios consulares no esto obrigados a depor sobre fatos relacionados com o exerccio de suas funes, nem a exibir correspondncia ou documentos oficiais que a ela se refiram. Podero igualmente recusar-se a depor na qualidade de peritos sobre as leis do Estado que envia.

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uma ao por responsabilidade civil interposta por terceiros, resultante de danos causados por acidente de veculos, navio ou aeronave, ocorrido no Estado receptor (art. 42 2o , alneas a e b). importante salientar que os membros da famlia das pessoas abrangidas pelas imunidades de jurisdio, e que com elas vivam, no se encontram, como no caso dos diplomatas, igualmente abrangidos por elas, conquanto gozem, de maneira automtica, de outros privilgios atribudas quelas39. Imunidades ainda menos extensas so atribudas aos cnsules honorrios: as imunidades unicamente se referem a atos no exerccio de sua funo oficial e, quanto a deveres de prestar depoimentos, existem regras mnimas que protegem unicamente a independncia e autonomia das referidas funes40.Destaque-se o dispositivo da Conveno de Viena que expressamente declara no serem concedidos quaisquer privilgios ou imunidades aos membros da famlia de funcionrio consular honorrio, nem aos membros da famlia de empregado consular honorrio de repartio consular dirigida por funcionrio consular honorrio ( 3o do art. 58, Disposies Gerais Relativas s Facilidades, Privilgios e Imunidades, inscrito no Captulo III da Conveno de Viena de 1963, que estabelece o regime jurdico aplicvel quelas pessoas). O paralelismo entre a Conveno de Viena de 1961 e a de 1963, se refere, igualmente, aos privilgios e imunidades conferidos pela Conveno de Viena de 1963 a bens e servios de propriedade do Estado estrangeiro ou dos membros do pessoas da repartio consular (neste ltimo caso, aqueles que se destinam s finalidades das funes que exercem). Os regimes jurdicos so, com algumas variantes, assemelhados, uma vez que em ambos os casos, trata-se de bens e servios de um Estado estrangeiro, que se encontram no territrio do Estado receptor, e portanto, o que escrevemos a respeito dos bens afetados a um servio pblico do Estado estrangeiro, no relativo Misso diplomtica, se aplicam queles afetados repartio consular. No relativo s misses dos Estados junto a organizaes intergovernamentais, a terceira forma de representao permanente dos Estados no exterior, necessrio ter-se em mente que aquelas organizaes so pessoas jurdicas, portanto criaes coletivas, que, por no haver outra possibilidade (como algum lugar no mundo totalmente neutro e

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Trata-se das seguintes isenes: obrigatoriedade do registro de estrangeiros e de autorizao de permanncia no pas receptor (art. 46), do regime de previdncia social (art. 48), isenes fiscais (art. 49) de impostos e inspees alfandegrias (art. 50) e iseno da obrigatoriedade de servios espaciais impostos a qualquer pessoa pelo Estado receptor (art. 52). 40 Quanto aos cnsules honorrios, vejam-se os artigos 58, 63 e 71 da Conveno de Viena sobre Relaes Consulares.

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de condomnio de todos os Estados), se encontram sediadas num Estado determinado41. Assim sendo, necessrio examinar o reticulado de tratados e convenes multilaterais (o tratado fundao, eventuais tratados que estabelecem imunidades e privilgios da prpria organizao, dos delegados dos Estados nos seus rgos colegiados, de seus funcionrios das organizaes, e de seus funcionrios ou delegados em misses no exterior), dos tratados bilaterais entre a organizaes intergovernamental e o pas sede, e, enfim, os atos unilaterais que aquelas organizaes expedem, no relativo a seu prprio pessoal, arquivos e bens, e quanto a delegados estrangeiros acreditados junto a elas, na qualidade de representantes dos Estados Partes ou de observadores. Na verdade, as relaes de uma delegao de um Estado perante uma organizao intergovernamental, tanto se reportam organizao, para tais assuntos, centradas nas atribuies de seu representante oficial, no caso da ONU, o seu Secretariado Geral, quanto s autoridades do Estado do local onde se situa a organizao intergovernamental. Em linhas gerais, as imunidades e privilgios so reguladas por um sem nmero de atos internacionais, multilaterais e unilaterais (decises das organizaes internacionais) e em suas grandes linhas, podem ser assimilados s imunidades conferidas aos agentes consulares, ou seja, atribudas, tendo-se em vista a finalidade da funo e somente para os atos das pessoas que tenham uma relao direta com a mesma. No que se refere s formas passageiras de delegaes dos Estados no exterior, como as misses especiais, bem como o exerccio da diplomacia de cpula, em que pese as tentativas de regulamentao por via de convenes, sob a gide da ONU, bem assim41

As principais organizaes intergovernamentais de vocao universal, se encontram sediadas nas seguintes cidades: Nova York (Assemblia Geral da ONU, seus Conselho Econmico e Social e Conselho de Tutela e o Secretrio Geral), Genebra (algumas Comisses da ONU, e mais a Organizao Internacional do Trabalho, OIT, Organizao Mundial do Comrcio, OMC, a Organizao Mundial da Sade, OMS, a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual, OMPI, a Organizao Meteorolgica Mundial, OMM, a Unio Internacional das Telecomunicaes, UIT), Berna (Unio Postal Universal, UPU), Londres (Organizao Martima Internacional, OMI), Montreal (Organizao da Aviao Civil Internacional, OACI), Paris (UNESCO), Roma (Organizao das Naes Unidas para a Alimentao e Agricultura, FAO), Viena (Agncia Internacional de Energia Atmica, AIEA e Organizao das Naes Unidas para o Desenvolvimento Industrial, UNIDO), Haia (Corte Internacional de Justia e Tribunal Penal Internacional), Madri (Organizao Mundial do Turismo, OMT) e Washington (o Grupo do Banco Mundial: BIRD, CFI, AID, e ainda o Fundo Monetrio Internacional, FMI). Das organizaes intergovernamentais regionais, destacam-se: Washington (Organizao dos Estados Americanos, OEA, North American Free Trade Association, NAFTA), Rio de Janeiro (Comisso Interamericana de Juristas, da OEA), San Jos da Costa Rica (Comisso e Corte Interamericana dos Direitos Humanos), Bruxelas (Comisso e Conselho da Unio Europia), Luxemburgo (Corte de Justia da Comunidade Europia), Estrasburgo (Parlamento Europeu e Corte Europia dos Direitos Humanos), Paris (dentre outras: Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico, OCDE e Organizao do Tratado do Atlntico Norte, OTAN), Caracas (Pacto Andino), Quito (Tribunal do Pacto Andino), e, de particular importncia para o Brasil, Montevidu (Associao Latino-Americana de Integrao, ALADI, e Mercado Comum do Sul, MERCOSUL).

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a denominada diplomacia de cpula (em particular, as visitas oficiais de Chefes de Estado ou de Chefes de Governo a outros Estados) a matria deixada aos usos e costumes internacionais, que, na verdade, buscam modelos de normas na vivncia das organizaes intergovernamentais permanentes. Se as imunidades de jurisdio e de execuo representam direitos destinados a salvaguardar a independncia das funes de uma misso diplomtica ou de uma repartio consular ou ainda de uma delegao permanente dos Estados junto a organizaes intergovernamentais, bem como das situaes mencionadas no pargrafo anterior, contudo, podem representar igualmente, em determinados casos, a causa de grave afronta aos direitos daquelas pessoas que tratam com diretamente com aquelas entidades ou com o pessoal que nelas atuam. No correr do Sc. XX e at nossos dias, tm-se observado a freqncia, em todos os pases onde haja um pessoal a servio de Estados estrangeiros ou de organizaes intergovernamentais, que as obrigaes mais comezinhas, como os contratos de servios, de fornecimentos, e sobretudo os contratos de trabalho, entre, de um lado, as entidades estrangeiras ou o pessoal a servio de Estados estrangeiros e, de outro, um indivduo ou empresa local, sejam inadimplidas e que haja necessidade ao recurso s vias judicirias do Estado onde se encontram aquelas entidades ou aquelas pessoas. No momento em que um Poder Judicirio exerce sua jurisdio sobre os bens e direitos pertencentes a um Estado estrangeiro ou a uma pessoa titular de imunidade de jurisdio, h, em princpio, a possibilidade de uma pretenso justa e motivada em razes legais, ser rechaada, in limine, por impossibilidade do pedido! Trata-se de um assunto tradicional42, freqente nas relaes diplomticas entre os Estados, mas que tem ganhado cada vez mais importncia, com a generalizao dos negcios internacionais conduzidos pelo Estado ou por pessoas em seu nome ou no seu lugar, e na medida em que o Estado se reveste de formas empresariais e, ele mesmo, comea a agir como se fosse um empresrio, cuja atividade, pela prpria natureza, repele qualquer posicionamento de privilgios ou imunidades. Se o assunto tradicional das relaes entre um particular e um Estado estrangeiro (as misso diplomtica e as delegaes junto a organizaes intergovernamentais) ou entre aquele e uma pessoa imune s jurisdies locais, j era complexo, tornou-se ainda mais difcil de resoluo, por normas internacionais. Deve-se ter em mente o particular momento histrico dos42

Em nosso livro, Das Imunidades de Jurisdio e de Execuo, Rio de Janeiro, Forense, 1987, traamos um histrico dos casos em que as questes das imunidades de pessoas estrangeiras foram suscitadas perante autoridades judicirias ou perante soberanos de pases onde acreditadas.

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dias correntes, em que os Estados, na sua totalidade, passaram a reconhecer a seus Poderes Judicirios, uma jurisdio e uma competncia cada vez mais abrangentes, com a repulsa a quaisquer privilgios e imunidades (inclusive, retirando-se do prprio Estado, a capacidade de subtrair-se ao exame e s decises compulsrias dos juizes e tribunais nacionais43). No assunto, mister distinguir as imunidades de jurisdio (incidentes relacionados ao conhecimento e julgamento das causas), das imunidades de execuo (incidentes relacionados a medidas constritivas, definitivas ou provisrias, contra os bens ou direitos, tendo em vista o cumprimento preliminar ou definitivo das decises dos rgos do Poder Judicirio). No caso das imunidades de jurisdio das pessoas a servio do Estado, as regras internacionais so aquelas que anteriormente expusemos e que no se confundem com as imunidades do prprio Estado estrangeiro, frente aos Poderes Judicirios nacionais de outro Estado (aspecto esse, que ser analisado a seguir). Quanto s hipteses das imunidades de execuo, a questo se desloca para o exame no das pessoas, mas da natureza dos bens, eventualmente penhorveis ou no, e que na verdade, ou so de propriedade do Estado estrangeiro, ou se encontram afetados a um servio pblico de outro Estado, por pertencerem ou estarem na posse de pessoas a seu servio. Poderia parecer contraditrio que aos Estados fossem concedidas menos imunidades que a seus representantes em outros Estados; contudo o que se passa, tendo em vista que as imunidades concedidas aos representantes so tradicionais, muito bem definidas pelos usos e costumes e pelas normas multilaterais escritas, conforme j expusemos, e que aquelas eventualmente concedidas aos Estados, so fenmenos modernos, onde o consenso dos Estados ainda muito fluido. O que deve ser evitado nesse campo, o erro de transporem-se as regras das citadas Convenes de Viena de 1961 (sobre Relaes Diplomticas) e de 1963 (sobre Relaes Consulares), para situaes em que o prprio Estado diretamente se encontra envolvido com particulares, frente a tribunais de outros Estados.43

A regra da imunidade dos Estados frente aos seus prprios Poderes Judicirios nacionais, que no Sc. XX passou a ser repelida, pode bem ser descrita pela mxima do Direito ingls: The King can do no wrong (mutatis mutandis: O Estado no viola as leis que ele institui) As fundamentaes de tal posicionamento, advinham da concepo de que sendo o Estado o criador do direito, no poderia submeter-se ele prprio, jurisdio dos rgos que ele mesmo instituiu! Certamente, o abandono de tal concepo, deve ser creditado ao maior vigor conferido teoria da separao dos poderes, com o reforo da posio excelsa do Poder Judicirio sobre os outros Poderes, no referente a controles de constitucionalidade, legalidade e legitimidade dos atos do Governo e das leis votadas pelos Parlamentos, associada regra da igualdade de tratamento entre o indivduo e o Estado frente aos procedimentos judiciais internos, sem dvida, de inspirao na conscincia mundial avassaladora da necessidade do respeito aos direitos humanos.

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Quanto s imunidades de jurisdio do Estado estrangeiro, persistia nos sculos anteriores, a concepo de que um Estado no tem jurisdio sobre outro Estado, em virtude de uma regra de direito medieval, de que par in parem non habet judiciun (inexiste jurisdio entre os pares); era o sistema que passou a ser referido como o da imunidade absoluta do Estado, mesmo em Estados como a Inglaterra, cujos tribunais tinha uma longa prtica em assuntos de Direito Martimo que envolviam navios de Estado. Pouco a pouco, no final do Sc. XIX, a jurisprudncia dos tribunais da Itlia, em pleitos que envolviam Estados estrangeiros, foram forjando uma sutil distino entre, de um lado, atos que o Estado estrangeiro pratica na sua qualidade de poder pblico (atti di impero) nos quais o Estado agia como ente politico e de outro, os atti di gestione, onde o mesmo se apresentava como um ente morale, portanto, plenamente imunes ao exame dos juizes e tribunais italianos. Esta distino, por sua utilidade, espraiou-se pelo mundo e ganhou outras denominaes na jurisprudncia dos tribunais de outros pases, como acta jure imperii e acta jure negotii (tambm denominados acta jure gestionis), atos pblicos do Estado ou atos privados do Estado, atos no exerccio do poder pblico (publicae potestatis) ou atos enquanto mero particular. Se bem que tenha sido considerada uma distino sem muita preciso lgica (uma vez que no se pode distinguir um ato tomando-se por critrio a finalidade de deix-lo apto ou no ao exame dos Poderes Judicirios, alm de ser uma caracterizao arbitrria, sem qualquer fundamento nos elementos componentes do ato44), serviu a seus propsitos, de impedir a consumao de uma injustia contra uma pessoa de boa f, precisamente aquela que mantinha relaes jurdicas legtimas com o Estado. Tal sistema passou a ser reconhecido como o da imunidade relativa. Motivados pela necessidade de normas internas alinhadas entre elas, no relativo proteo dos direitos dos indivduos que realizavam negcios com Estados estrangeiros, os Estados Partes do Conselho da Europa45 assinariam, a 15 de maio de44

A jurisprudncia comparada dos tribunais europeus, s vezes de um mesmo pas, realaram a grande dificuldade que advm da impossibilidade de ter-se um critrio de distino nico, seja considerando-se o Estado, seja o particular envolvido. Uma compra e venda de trigo para minorar uma calamidade pblica, como a fome de uma populao, do ponto de vista do Estado, pode ser considerado como um tpico ato de imprio, mas, do ponto de vista do comerciante internacional de trigo ou aveia, pode ser considerado como uma corriqueira compra e venda mercantil. Neste assunto, houve, no mesmo pas e em vrios pases, jurisprudncia que considerou o negcio mencionado, ora como um ato jure imperii , ora como um ato jure gestionis! 45 O Conselho da Europa uma organizao intergovernamental fundada em 03 de agosto de 1949, com sede em Estrasburgo, composto, na ocasio da adoo da Conveno de Basilia, em 1962, a seguir comentada, de 17 pases da ento Europa Ocidental (Espanha e Portugal, naquela poca, excludos). Suas finalidades so, dentre outras, promover os ideais e princpios democrticos que constituem patrimnio comum dos Estados membros, dos quais a proteo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.

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1962, na cidade de Basilia, a Conveno Europia sobre Imunidades do Estado e Protocolo Adicional, negociada pelos Ministros da Justia daqueles pases. Adota ela a tcnica de, em princpio, manter as imunidades dos Estados estrangeiros perante os Judicirios locais (nos art. 1o a 14 acham-se os casos em que a imunidade no pode ser invocada46), ao mesmo tempo em que procura excepcionar certas categorias de atos, os quais procura identificar por alguns critrios ou por alguns exemplos (tendo evitado fazer uma lista exaustiva ou exemplificativa), que sero completados pelas decises judicirias (tipos abertos). Face a tal experincia europia, os sistemas da famlia da Common Law , de seu lado, atingiram os mesmos objetivos, desenvolvidos nos pases da Europa Continental, ao sacramentarem a teoria da imunidade relativa, atravs no de distines jurisprudenciais, porm com a elaborao, em leis escritas votadas entre os Poderes Executivos e os Poderes Legislativos nacionais (os statutes), de um arrolamento casustico dos atos praticados pelos Estados estrangeiros ou a eles atribuveis, que mereceriam o exame dos Poderes Judicirios internos, ficando aqueles atos no arrolados, impossibilitados de carem sob a jurisdio dos juizes e tribunais nacionais. A influncia da Conveno Europia foi evidente. A primeira lei escrita interna de um pas sobre as imunidades dos Estados, foi a dos EUA, sem dvida, premido pelas necessidades de definir um rumo a seus juizes e tribunais, cada vez mais chamados a dirimir questes entre Estados estrangeiros ou entidades por eles controladas e, no outro polo, os particulares nacionais ou submetidos s leis locais: trata-se da lei federal (federal statute), "Foreign Sovereign Immunities Act of 1976", conhecido pela sua sigla: "FSIA", exemplo que seria imediatamente seguido pelo Reino Unido ("United Kingdom State Immunity Act of 1978"), Singapura ("Singapour State Immunity Act of 1979"), Paquisto (Pakistan State Immunity Ordinance of 1981), frica do Sul (South Africa Foreign States Immunity Act of 1981, com emendas em 1985), Canad ("Canada Act to Provide for State Immunity in Canadian Courts of 1982") e Austrlia ("Australian Foreign States Immunities Act No 196 of 1985")47. expressamos no livro j mencionado: Conforme nos tais leis escritas adotam, com algumas

variantes, a tcnica de expressamente enumerar quais atividades empreendidas pelo Estado estrangeiro (ou por entidades de direito interno do mesmo, que so tratadas como se fossem o Estado) que no se beneficiam das imunidades de jurisdio46 47

Em grande pinceladas, trata-se dos seguintes atos: **** Informaes apud Rapport de la Commission lAssemble Gnrale sur les Travaux de Sa Quarante-Troisime Session, IN: Annuaire de la Commission du Droit International, 1991, vol. II, Deuxime Partie, Naes Unidas, doc. A/CN.4/SER.A/1991/Add.1 (Part2), p. 19 nota de rodap 51.

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frente aos tribunais nacionais, ficando as outras atividades no includas no catlogo, portanto, dentro da inteira jurisdio e competncia de suas autoridades judicirias48. O ONU no poderia ter ficado sem tomar uma posio em face de tais vicissitudes internacionais. Assim que a partir de 1977, a Comisso de Direito Internacional passaria a tratar do tema, tendo chegado a um Projeto de Conveno sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e Seus Bens49, em 1991, encaminhado ao exame da Assemblia Geral da ONU, para efeitos de uma anlise final pelos Governos dos Estados membros. Claramente calcado na Conveno Europia de 1972 sobre Imunidades dos Estados, o Projeto da CDI50 pretende estabelecer normas que sejam aceitveis por qualquer Estado, independentemente da famlia de direitos a que pertenam e dos graus de desenvolvimento econmico que possuam. Vale a pena transcrever a parte central do Projeto da CDI, pelo seu interesse cientfico, tendo em vista que se trata da tentativa de transposio para um diploma multilateral internacional, de dispositivos de leis internas dos pases da Common Law, em conjunto com as experincias jurisprudenciais dos pases da famlia romanogermnica dos Direitos, as quais j se acham compendiados na Conveno Europia de 1961. Os assuntos nos quais um Estado estrangeiros no pode invocar suas imunidades frente a um tribunal judicirio de outro Estado, se encontram arrolados na Parte II do Projeto da CDI, nos seguintes 8 campos (que apenas enunciaremos, sem as particularidades de sua regulamentao):48

rgos dos Estados nas Relaes Internacionais: Formas da Diplomacia e as Imunidades, id. Ibid (no prelo quando redigimos este Captulo). 49 Seu texto pode ser encontrado: em espanhol, apud Naciones Unidas, La Comisin de Derecho Internacional y Su Obra, 5a edio, Nova York, United Nations Publication, p. 224232, em francs, no Annuaire de la Commission du Droit International, 1991, vol. II, 2ime Partie, p. 12-64 (com comentrios da CDI) e, em ingls, no Yearbook of the International Law Commission, 1991, id., ibid., p. 205-14 (texto sem comentrios). certo que as edies em francs e ingls da citada obra La Comision de Derecho Internacional y Su Obra, que publicao oficiosa da ONU, tragam os textos oficiais, nas respectivas lnguas. 50 O Projeto de Conveno da CDI sobre Imunidades Jurisdicionais do Estado e Seus Bens, se compe de 22 artigos, todos ementados, distribudos por cinco grandes divises temticas, denominadas Partes, da seguinte maneira: Parte I- Introduo: art.1o- Alcance dos presentes artigos; art. 2o- Termos empregados; art. 3o- Privilgios no afetados pelos presentes artigos, art. 4o- Irretroatividade dos presentes artigos; Parte II- Princpios Gerais: art. 5o- Imunidade do Estado; art. 6o- Modo de efetivar-se a imunidade do Estado; art. 7o Consentimento expresso para o exerccio da jurisdio; art. 8 o- Efeito da participao num procedimento ante um tribunal; art. 9o- Reconveno; Parte III- Procedimentos nos Quais a Imunidade do Estado No Pode ser Invocada: art. 10- Transaes mercantis; art. 11- Contratos de Trabalho; art. 12Leses a pessoas e danos a bens; art. 13- Propriedade, posse e uso de bens; art. 14- Propriedade intelectual e industrial; art. 15- Participao em sociedade ou em outras coletividades; art. 16- Navios de propriedade de um Estado ou explorados por um Estado; art. 17- Efeitos de uma conveno de arbitragem; Parte IV- Imunidades do Estado em relao Execuo Forada Relacionada a um Procedimento perante um Tribunal de Outro Estado: art. 18- Imunidade do Estado face Execuo forada; art. 19- Classes especiais de bens; e Parte V- Disposies Diversas: art. 20- Notificao judicial; art. 21- Sentenas revelia; art. 22- Privilgios e imunidades durante os procedimentos judiciais.

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a) transaes comerciais51 com particulares estrangeiros (pessoa fsica ou jurdica),)52, (art. 10O e ) estando contempladas as excees em que se admite a invocao das imunidades do Estado: a) uma transao comercial entre Estados ou b) se as partes numa transao comercial estipularam de forma distinta (ou seja, em clusula contratual vlida, pela qual o Estado tenha reafirmado no dispensar suas imunidades, e o particular tenha concordado com tal fato);53 b) salvo estipulao em contrrio entre os Estados interessados, os contratos individuais de trabalho, entre um Estado e uma pessoa fsica estrangeira, em casos de trabalho executado ou a ser executado, total ou parcialmente, no territrio deste Estado (art. 11 e ). As excees contempladas (portanto, possibilidades de o Estado invocar suas imunidades) so as seguintes: a) se o empregado tinha sido contratado para desempenhar funes estritamente relacionadas ao exerccio do poder pblico, b) se o objeto do processo for a contratao, renovao de contrato de trabalho ou substituio de um candidato; c) se o trabalhador no tinha a nacionalidade do Estado do foro, nem o domiclio nele, no momento de concluir-se o contrato de trabalho, d) se o trabalhador nacional do Estado empregador, no momento da propositura da ao; e) se o Estado empregador e o empregado estipularam de outra forma (ou seja, reconhece-se a autonomia da vontade, seja para eleger a lei de regncia, seja para eleger o foro contratual), num documento escrito, sob reserva de consideraes de ordem pblica que confiram aos tribunais do Estado do foro, jurisdio exclusiva em razo do objeto da ao; c) nas demandas relativas a responsabilidade civil, com o fim de obter-se uma reparao pecuniria por morte ou danos integridade fsica dos indivduos ou por danos ou perda total de bens, causados por um ato ou omisso alegadamente atribudos a um Estado (art. 12); d) nas aes judiciais em que um Estado estrangeiro seja parte, se relativas a direitos ou interesses relativos a bens imveis ou mveis (art. 13);51

Assim, o art. 2o alnea c) define transao comercial: i) todo contrato ou transao comercial de venda de bens ou de prestao de servios, ii) todo contrato de emprstimo ou outra transao de carter financeiro, inclusive qualquer obrigao de garantia ou de indenizao concernente a tal emprstimo ou a tal transao, iii) qualquer outro contrato ou transao de natureza comercial, industrial ou de locao de obra ou de servios de natureza profissional, excludos os contratos individuais de trabalho 52 Nos contratos comerciais entre Estados e particulares estrangeiros, as hipteses de um julgamento perante um tribunal judicirio, so pouco freqentes, dado o fato de que, sendo, em geral, contratos internacionais, a preferncia pela soluo arbitral das controvrsias entre os parceiros no negcios, seja a regra. Contudo, mesmo que assim seja, remanescem importantes questes que somente podem ser ajuizadas perante um Poder Judicirio de algum Estado, tais como a formao do prprio tribunal arbitral, no caso de falta de cooperao de um dos parceiros, eventual litigante, a decretao de medidas acautelatrias, a execuo compulsria das decises dos rbitros, no curso do procedimento arbitral ou do laudo condenatrio final, bem como os incidentes da validade jurdica do laudo, no lugar de sua prolao ou de sua execuo. 53 O 3o do art. 10o dispe que no ser aceita a imunidade de um Estado numa demanda judicial que se refira a uma transao comercial efetuada por uma empresa estatal ou por entidade criada pelo Estado para efetuar transaes exclusivamente comerciais e que seja dotada de personalidade jurdica distinta da do Estado (ou seja, capacidade de demandar e ser demandada e de poder adquirir propriedade ou posse de bens para dispor por elas mesmas).

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e) nos procedimentos judiciais para a determinao dos direitos de propriedade intelectual (propriedade industrial, direitos de autor e outros), do prprio Estado, (art. 14); f) demandas originrias da participao de um Estado em sociedades ou outras pessoas jurdicas, com personalidade prpria ou no (sociedades de fato), desde que tais entidades a) no sejam Estados ou organizaes internacionais e b) se tenham constitudo ou organizado segundo a lei do Estado do foro ou tenham sua sede ou seu estabelecimento principal neste Estado (art. 15); g) nas aes relativas explorao de navios de propriedade do Estado ou por ele explorados, o Estado que seja proprietrio ou armador no poder invocar imunidades em foros de outros Estados, se, no momento em que se produziu o fato originrio da ao, o navio esteja sendo utilizado para fins que no sejam de um servio pblico no comercial (art. 16); h) questes que envolvam convenes de arbitragem, surgidas de transaes comerciais com particulares estrangeiros, relativas validade e interpretao de uma conveno de arbitragem, ao procedimento arbitral ou anulao do laudo arbitral, a menos que a conveno de arbitragem disponha de modo diverso (art. 17). Naquele mesmo trabalho, fizemos a seguinte observao: A obrigao principal que incumbe aos eventuais Estados Partes da Conveno, se encontra estabelecida no art. 6o do Projeto da CDI: o Estado perante cujos tribunais corra um procedimento intentado contra um Estado estrangeiro, velar para que os mesmos resolvam, por iniciativa prpria, a questo sobre a imunidade a respeito do Estado estrangeiro ou de seus bens. O mesmo art. 6o assim considera um procedimento intentado contra um Estado estrangeiro: a) O Estado estrangeiro mencionado como parte naquele procedimento ou b) embora no mencionado como parte, o procedimento tem por fim atingir os direitos, propriedades, interesses ou atividades daquele Estado estrangeiro. Note-se que a Conveno no se utilizou dos conceitos processuais citado ou notificado, mas empregou o termo mencionado, mesmo porque, nas questes relativas a imunidades, o prprio ato de legitimar a presena de uma pessoa fsica ou jurdica perante os tribunais locais, colocado em discusso quanto possibilidade mesma de produzir quaisquer efeitos de ordem processual, restando, portanto, impossveis, quaisquer discusses sobre os efeitos de atos expedidos conforme aqueles conceitos processuais, em particular, a configurao da revelia. Como uma contribuio ao bom entendimento dos esforos da Comisso de Direito Internacional para o presente tema, assim nos expressamos, no texto referido, que passamos a transcrever: Na verdade o Projeto da CDI representa, a nosso ver, uma tentativa de consolidar, num tratado multilateral de natureza universal: em

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primeiro lugar, as normas multilaterais j vigente em nvel regional (Conveno Europia de 1972), e aquelas que se tm tornado freqentes em inmeros tratados bilaterais de assuntos gerais (comrcio e navegao) ou assuntos tpicos, e, em segundo lugar, tornar universais aquelas normas jurdicas vigentes no interior dos vrios sistemas jurdicos do mundo (codificadas, como em alguns pases da Common Law, ou reveladas pela jurisprudncia dos tribunais nacionais). Da mesma forma, a tal esforo de codificao, devem ser acrescentadas as tentativas de elaborar um direito novo (tarefa que, perfeio, incumbe Comisso de Direito Internacional da ONU, dentro das suas atribuies de incentivar o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional), sobretudo quando suas regras j se encontram reveladas pelos princpios gerais de direito e pela doutrina generalizada dos internacionalistas da atualidade. Enfim, necessrio referncia a um esforo da Organizao dos Estados Americanos, a OEA, de legislar, no mbito dos seus Estados membros, sobre a matria, que se iniciou em 1980, por uma deciso de seu Conselho Permanente, a pedido da Assemblia Geral daquela organizao regional. Em 1983, a Comisso Interamericana de Juristas, com sede no Rio de Janeiro, apresentaria um Projeto de Conveno Interamericana sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados54, o qual, revisto pelo referido Conselho Permanente, luz da Conveno Europia de 1972 e do Projeto da Comisso de Direito internacional da ONU, seria encaminhado aos Governos Membros da OEA, para seu exame. Quanto s imunidades de execuo, repita-se, campo no qual fundamental considerar-se a natureza dos bens e direitos envolvidos nos procedimentos judiciais, e menos as qualidades personalssimas e funcionais de seus proprietrios ou possuidores, residem as maiores dificuldades do tema, quando se tem em vista a satisfao de um interesse de um particular, face a um representante de Estado estrangeiro ou de organizao intergovernamental ou do prprio Estado estrangeiro. Na Conveno de Viena de 1961, sobre Relaes Diplomticas, como j visto anteriormente, no presente trabalho, h um tratamento privilegiado a certos bens, que se encontram afetados ao servio diplomtico de um Estado acreditante, diretamente ao mesmo, ou porque atribudos a um agente diplomtico seu: os locais de Misso (bens imveis, independentemente de quem seja seu proprietrio, mas sempre utilizados para as finalidades da Misso, inclusive a residncia do Chefe da Misso, art. 1 o, al. I), seu mobilirio e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da Misso54

O Projeto de Conveno Interamericana sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados, adotado em 21/01/1983 pela Comisso Interamericana de Juristas, encontra-se publicado em 22 ILM 292 (1983).

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(art. 22 3o), os arquivos e documentos da Misso (art. 24), a correspondncia oficial da Misso (art. 27 2o), bem assim a residncia particular do agente diplomtico (art. 30 1o) e seus documentos e sua correspondncia (art. 30 2o). So duas as normas relativas imunidade de execuo, na mesma Conveno, e se encontram no 3 o do art. 31, verbis: O agente diplomtico no est sujeito a nenhuma medida de execuo, a no ser nos casos previstos nas alneas c, b e a do 1o deste artigo55 e desde que a execuo possa ser realizar-se sem afetar as inviolabilidade de sua pessoa e de sua residncia, e no 4o do art. 32, verbis: a renncia imunidade de jurisdio no tocante s aes cveis ou administrativas56 no implica renncia imunidade quanto s medidas de execuo da sentena, para as quais nova renncia necessria. Tais regras so repetidas, mutatis mutandis na Conveno de Viena de 1963 sobre Relaes Consulares, bem como em dispositivos que regulam as outras situaes em que um particular possa tratar com representantes do Estado (misses especiais) ou de organizaes intergovernamentais permanentes ou suas delegaes em outros Estados. Transcrevemos, a seguir, nosso entendimento das normas multilaterais internacionais sobre as imunidades de execuo, conforme constantes nos textos de convenes vigentes e no Projeto da CDI que se encontra em exame na Assemblia Geral da ONU. Nas normas da Conveno Europia sobre Imunidade do Estado e Protocolo Adicional, (Basilia, 1972), as imunidades de execuo se encontram versadas nos arts. 20 a 22. Em grandes linhas, parte-se da instituio de uma obrigao internacional, de carter geral, de os Estados partes naquela Conveno, comprometerem-se a aceitar julgamentos pronunciados contra um deles, naqueles casos em que inexistem imunidades de jurisdio (arts. 1o a 13) e no caso de haver a sentena condenatria cvel, passado em julgado no pas em que foi prolatada (art. 20 1o). As excees se encontram no 2o do art. 20: a) se a execuo ofender a ordem pblica do Estado executado, b) se ambas as partes (particular e Estado estrangeiro) no tiveram a oportunidade para defender-se em juzo, e c) se houver litispendncia e, na execuo houver conseqncias incompatveis com aquelas de outro julgamento entre as mesmas partes. No art. 23, h um dispositivo importante, que merece transcrio, em nossa traduo livre, in verbis: Nenhuma medida preventiva e nenhuma medida de55 56

Veja-se nota de rodap anterior, neste Captulo, onde se transcrevem os termos dos referidos . As aes administrativas, so as reclamaes trabalhistas, no Direito brasileiro, onde h uma ramo do Poder Judicirio especializado no seu conhecimento e julgamento, a Justia Trabalhista, que, ademais, s federal.

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execuo contra a propriedade de um Estado Parte poder se adotada no territrio de outro Estado Parte, salvo nos casos e na medida em que o Estado tenha dado seu consentimento expresso e por escrito, em cada caso particular57. No j analisado Projeto da CDI, sua Parte IV, denominada Imunidades do Estado em relao Execuo Forada58 Relacionada a um Procedimento perante um Tribunal de Outro Estado, consagra-se, de modo expresso, no 2o do art. 18, uma regra j constante na Conveno Europia e nas normas escritas ou jurisprudenciais dos sistemas jurdicos comparados da atualidade: as imunidades de execuo exigem manifestao expressa de vontade do Estado executado, independentemente de eventuais consentimentos expressos ou tcitos dados em procedimentos de conhecimento, relacionados execuo; em outras palavras, as imunidades de jurisdio (leia-se: no processo de conhecimento e condenao cvel) so distintas das imunidades de execuo59. Em dois artigos, o assunto versado: no art. 18, Imunidade do Estado face Execuo Forada, onde se descrevem comportamentos do Estado e no art. 19, Categorias Especficas de Propriedade, onde se descrevem os bens eventualmente envolvidos numa execuo cvel. A norma de base no que respeita execuo forada contra um Estado, em medidas judiciais decretadas por um tribunal de outro Estado, o 1 o do art. 18, que nada mais significa do que uma cpia de idntico dispositivo constante da Conveno Europia de 1972: nenhuma execuo forada, tais como arresto, embargo ou outra medida executiva60, poder ser decretada contra bens de um Estado, relacionadas a um processo perante um tribunal de outro Estado. As excees que permitem a execuo57

Eis seu texto no original, conforme publicado IN: 66 American Journal of Internacional Law, 1972, p. 932 e ss: No measures of execution or preventive measures against the property of a Contracting State may be taken in the territory of another Contracting State except where and to the extent that the State has expressely consented thereto in writing in any particular case. 58 A expresso que livremente utilizamos, execuo forada, a nosso ver, parece ser mais conforme terminologia do Cdigo de Processo Civil brasileiro, e corresponde, nas lnguas oficiais da ONU, nas quais se acha redigido o Projeto da CDI, s seguintes expresses: msures de contrainte (fr.) , medidas coercitivas (esp.) e measures of constraint (ing.). 59 Tais fatos no so estranhos ao sistema do processo civil brasileiro, onde a jurisdio para conhecimento e julgamento do litgio, um processo bem distinto da execuo baseada em ttulos judiciais ou extrajudiciais. Em outros sistemas, sobretudo na Common Law, onde a execuo uma das fases do processo (concebido como um caminhar que s termina aps ter havido uma satisfao real dos direitos violados, portanto, centrado nos remedies), tal separao entre jurisdio stricto sensu e execuo no tem qualquer significado. Veja-se nosso trabalho: A Common Law, Introduo ao Direito dos EUA, anteriormente citado, sobretudo pg. 121 e ss. 60 Veja-se nota de rodap anterior ao anterior. Para expressar tais subtipos de execuo forada, o Projeto da CDI assim escreve: em francs: mesure de contrainte, telle que saisie, saisie-arrt et saisieexcution; em espanhol: medidas coercitivas, como las de embargo y ejecucin e em ingls: measures of constraint, such as atttachment, arrest and execution. Traduzimos por execuo forada, como arrestos, embargos ou outras medidas executivas, para estarmos coerentes com o Livro II do CPC, em particular, seu art. 566 e art. 569. Quanto prpria enumerao, a CDI afirma tratar-se de exemplos e de no ser a mesma taxativa.

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contra os mesmos, constituem as seguintes situaes: a) o Estado tenha expressamente consentido nos atos de execuo, e nos devidos termos deste consentimento, seja em virtude de um acordo internacional seja por uma conveno de arbitragem ou num contrato escrito, seja por uma declarao expressa e escrita perante o tribunal, aps haver surgido uma controvrsia entre as partes; b) o Estado tenha reservado ou afetado aqueles bens aos fins do pedido, objeto do processo em causa; c) os bens sejam utilizados pelo Estado, ou destinados a s-lo, para fins de servio pblico no comerciais, se encontrem situados no territrio do Estado do foro, e tenham uma relao com o objeto da demanda ou com o organismo ou instituio contra os quais o processo foi intentado. Sem prejuzo de tais provises, o art. 19, Classes Especiais de Bens, enfim, especifica os critrios e os tipos dos bens que cabem na qualificao de bens utilizados pelo Estado, ou destinados a s-lo, para fins de servio pblico no comerciais e que no podem ser objeto de execuo compulsria, sob controle judicial de outro Estado: a) os bens, inclusive qualquer conta bancria, destinados s finalidades da misso diplomtica do Estado ou de suas reparties consulares, suas misses especiais, suas misses perante organizaes internacionais ou suas delegaes em rgos de organizaes internacionais ou em conferncias internacionais; b) os bens de carter militar e que sejam utilizados ou destinados a s-lo, para fins militares: c) os bens do banco central ou de outra autoridade monetria do Estado, d) os bens que integram o patrimnio cultural do Estado ou parte de seus arquivos e que no se encontrem nem estejam destinados venda; e) os bens que formam parte de uma exposio de objetos de interesse cientfico, cultural ou histrico e que no se encontrem nem estejam destinados venda. No que respeita s imunidades de execuo das organizaes intergovernamentais, as mais freqentes questes, que envolvem, de um lado, as mesmas e de outro, os Estados da sede, tm sido resolvidas, na maioria dos casos, por arbitragens, tanto ad hoc, quanto as institucionais que entidades particulares patrocinam, nomeadamente, a American Arbitration Association, AAA, solues essas que se encontram previstas nos tratados e acordos internacionais sobre privilgios e imunidades daquelas organizaes intergovernamentais61. Os casos que envolvem os funcionrios burocrticos ou diplomticos e as mesmas, solues internas se encontram previstas, devendo destacar-se o Tribunal Administrativo que existe na ONU e na61

Veja-se, sobretudo, Jean-Flavien Lalive, LImmunit de Juridiction des tats et des Organisations Internationales, IN: Recueil des Cours, Haia, 1953, III, p. 209 e ss.

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Organizao Internacional do Trabalho. Existem, sobretudo nos EUA, casos espordicos entre particulares e as organizaes intergovernamentais sediadas naquele pas, em que os tribunais internos no reconheceram imunidades de jurisdio, mas acabaram por reconhecer imunidades de execuo contra os bens de propriedade das mesmas, ou utilizados para os fins das organizaes. Enfim, se, no caso de reparao a violaes de direitos, a via judicial interna de um Estado estiver fechada, por impossibilidade jurdica, dada a existncia de imunidades de jurisdio ou de imunidades de execuo, restaro aos particulares ofendidos ou a outras pessoas (inclusive outros Estados), para pleitearem a satisfao de suas reivindicaes legtimas contra um Estado estrangeiro, as vias judiciais de tribunais internacionais, ou as vias extrajudiciais de solues de litgios (negociaes, bons ofcios, mediao, conciliao e arbitragens). Nestas, h que distinguir-se tratar-se de duas hipteses: a) relaes entre Estados ou entre eles e entidades intergovernamentais por eles criadas, ou ainda, entre organizaes intergovernamentais e b) relaes entre Estados ou organizaes intergovernamentais, num polo, e no outro, particulares estrangeiros. Na verdade, em quaisquer dos tipos de procedimentos para solues de controvrsias, que envolvam diretamente um Estado estrangeiro e que no sejam aquelas previstas nos ordenamentos internos dos Estados (com destaque para a jurisdio judicial que consagra, na totalidade dos Estados democrticos modernos, a eqidade formal das partes litigantes perante os julgadores de uma questo litigiosa), existe o pressuposto de haver a condio de as partes litigantes serem consideradas em igualdade de condies, no que respeita a uma legitimidade igual, no relativo s respectivas capacidades postulatrias; ora, tal pressuposto nem sempre ocorre, quando se colocam face a face um Estado e um particular estrangeiro, em procedimentos internacionais judiciais ou extrajudiciais, nos quais sempre necessria a proteo diplomtica de um Estado, que venha a assumir como seus, os direitos e reivindicaes de um particular. O ponto que mais se destaca no espinhoso tema das relaes conflituosas judiciais entre um particular e um Estado estrangeiro, postuladas perante Poderes Judicirios internos, diz respeito s medidas de proteo pessoa humana que o Conselho da Europa adotou, a fim de evitarem-se as graves violaes decorrentes da situao de ter-se de lidar