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HADES – Homens que amam demais

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Pela primeira vez, em uma sociedade que, apesar de moderna continua machista, uma mulher tem a coragem de mergulhar nas dores masculinas de um amor mal amado. Desde pequenos, os homens são ensinados que "homens são fortes, não choram, não sofrem". A autora Taty Ades fez do "amor e suas dores" o seu interesse de estudo. Teve oportunidade de frequentar o MADA e vários outros grupos anônimos. Inquietou-se por não encontrar um espaço dedicado aos homens vítimas do amor patológico, para receberem apoio e orientação. Nascia dai uma pergunta: seria possível não existir homens que amam demais?

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PREFÁCIO

O INFERNO DO AMOR PATOLÓGICO

“O amor é um crime que não se pode realizar sem cúmplice.”

(Charles Baudelaire)

O amor patológico caracteriza-se pelo comportamento de

excesso de cuidados e atenção, totalmente desprovido de

controle em um relacionamento amoroso.

A sociedade humana se depara com inúmeros casos como explica

Platão, em O Banquete, que difere o amor possessivo como aquele

que persegue o outro, atormenta até devorá-lo, daquele que é o amor

divino, que liberta o indivíduo do sofrimento.

Talvez o caso mais conhecido na mitologia grega seja o amor

de Ares (Marte) e Afrodite (Vênus), que geraram Eros (Cupido), o

deus do amor, da paixão desenfreada. Essa paixão condiz de inúme-

ras formas com o que é identificado por amor patológico. Em certos

momentos é uma forma pura, inocente e alentadora, e, em outros,

destrutiva, vingativa e cega, desprovida de senso verdadeiramente

amoroso. Quem é “flechado” pelo Cupido fica cego de amor.

Podemos, em algumas situações, dizer que há realmente uma

obstinação ou uma cegueira, contrastando com a verdade oculta que

existe nas necessidades da verdadeira troca em uma relação.

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Em ambos os aspectos, o masculino e o feminino, existem pa-

drões comportamentais que podemos, sem dúvida, atribuir a uma

herança genética, mas a evolução da sociedade tem demonstrado e

exposto cada vez mais um acirramento emocional que se perde entre

as diversas patologias. Mas o amor patológico é causa ou efeito? Ou é

mito nomeado para resolver as simples carências humanas?

Aqui vemos o tratamento direcionado ao universo masculino

que, no fundo, não pode ser desvencilhado do feminino. Somos ambas

as coisas, embora a dualidade tenha realmente dado conta de nossa

história emocional.

Podemos falar do amor masculino apenas debatendo a mulher,

pois tudo que ela representa, enfim, é a humanidade criadora. Deixada

de lado, sem direitos, sem poder para votar, liderar, com raras exceções

que viraram história, a mulher é a matriz do universo masculino, pois

não há uma matriz masculina para o universo.

O homem não herdou conscientemente da sociedade ou de sua

genética a sutileza feminina, e talvez essa falta de exercício seja a causa

de tantos desvios criados pela tradição masculina de ser um homem, o

provedor, o caçador ou o patriarca. A sexualidade masculina tornou-se

um padrão obrigatório, parte da cultura, legado social e até mesmo

uma obrigação moral, que é o modelo-padrão para todas as crianças,

jovens e adultos.

A forma de tratamento daqueles que foram forjados por essas

condições pode e tem causado distúrbios nos relacionamentos, mas,

na grande maioria das vezes, poucos casos são realmente tratados em

vista da quantidade: é toda uma população.

Não podemos dizer que as relações amorosas estão fadadas ao

fracasso, pelo contrário, existem milhares de casos que são exemplos

a serem seguidos. A grande questão é se o homem, dentro de uma

realidade criada pelo mito, pode realmente se transformar ao perceber

tais desequilíbrios.

Aqui temos uma investigação dentro de uma perspectiva ampla,

abrangendo diversos sintomas e coexistindo com a própria natureza

feminina, sem a qual não é possível fazer qualquer análise. Podemos

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CAPÍTULO 1

DEPOIMENTO DE UMA MADA (mulher que ama demais anônima)

Q uando Tatiana Ades perguntou se alguma de nós gostaria de

prestar um parecer quanto à ideia de fundar um HADES,

levei dois choques: primeiro, a indignação ao saber que o

privilégio de sermos (nós, mulheres) mártires de nossa capacidade

de amar deveria ser dividida com os homens (os vilões das nossas

histórias!); segundo, a compreensão de que, se o comportamento

(das MADAS) existe, é porque é reforçado e gratificado para o ego

de certos homens amados.

Ora, pensei, se o macho, alvo de nossas flagelações e histerismo,

fosse sadio, com certeza não aceitaria, nem por um dia, o nosso so-

frimento e consequentes atitudes em nome de um amor destrutivo,

mas classificado por nós, MADAS, e justificado por eles, homens, por

ser intenso e único.

Comecei a me perguntar o porquê de não existirem HADES

(nome sugerido pela autora Tatiana Ades para sua proposta): MA-

CHISMO, puro machismo.

Tenho que reconhecer que Tatiana Ades teve uma visão crítica,

objetiva e corajosa em perceber esse fato e quanto sofrimento poderia

ser evitado pela proposta por ela apresentada.

Lembro de mim, alguns anos atrás: sofrida e sofrendo. Humi-

lhada, pisoteada, perdida e, o pior de tudo, culpada!

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Sentindo-me muito culpada, pois sabia que estava destruindo um

relacionamento que poderia ser bom se não fosse tão ruim. E, se estava

ruim, a culpa, devo confessar, em grande parte era minha. Lembro,

com alguma dor, como me sentia desorientada e, graças a um acaso,

fiquei sabendo que existia uma esperança: o MADA.

No início, relutei. Relutei, pois não me considerava doente.

Relutei por preconceito. Relutei por medo de perder o meu amor se

eu sarasse. Relutei por não acreditar que simples comparecimentos

em reuniões anônimas pudessem devolver minha autoestima. Qual

foi minha surpresa, ao enfrentar o meu preconceito e comparecer

na primeira reunião de um núcleo MADA, ao perceber que eu não

era única... Que várias mulheres, anônimas, abriam seu coração,

despindo-se de seu sofrimento e batalhavam para “mais 24 horas”.

Hoje, graças a esse processo, sou gente, de novo. Amo-me, respeito-

me, não me humilho mais. Aceitei que estou doente e, como qualquer

doença, devo ser tratada para sempre, sem vacilar.

Tatiana Ades, propondo a formação de HADES (Homens que

Amam Demais), esta sabiamente sugerindo que a responsabilidade de

um relacionamento seja dividida. Existem homens doentes também, e

que podem e devem se beneficiar através dessa aceitação, participando

de grupos anônimos que os levariam a conhecer o quanto é bom se

sentir sadio, que não há vergonha em se aceitar doente. Vergonha é

não querer se tratar. Essa negação gera muito sofrimento.

Como MADA, agradeço a autora Tatiana Ades por tentar alertar

a população masculina sobre o quanto é importante – e nada vergo-

nhoso – querer se cuidar para poupar a si mesmo e a quem ama.

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CAPÍTULO 2

O HADES MODERNO E O MITOLÓGICO

Q uando para você, homem, amar uma mulher é sinônimo de

sofrimento e desespero, você esta amando demais. Quando

amar significa colocá-la a frente de tudo e esquecer-se de

si mesmo, você esta amando demais. Quando você percebe que o seu

trabalho, amizades e qualquer tipo de contato que não venha dela

estão sendo prejudicados e você se sente cada vez mais desamparado e

inseguro, necessitando o tempo todo da afirmação dela e da presença

dela para que a sua vida não pare, você esta amando demais – e, nesse

contexto, amar demais significa amar de forma patológica.

A sociedade machista, em geral, coloca os homens em uma

situação complicada, uma vez que cultura, mídia e literatura afir-

mam que apenas as mulheres amam demais, e expõem aos homens

patologias ligadas ao sexo sem entrar no campo afetivo e emocional,

tornando esses homens reféns de uma sociedade em que precisam

provar a qualquer preço que são os caçadores insensíveis, os Deuses

do Olimpo rodeados por semideusas e enxergando o sexo como forma

de aprovação.

Pretendo, com este livro, mostrar que os homens também sofrem

da patologia de amar demais da mesma forma que as mulheres e que

eles não são apenas indivíduos sexuais prontos para o coito a qualquer

momento. Os homens, assim como as mulheres, sofrem de forma

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acentuada quando amam demais, tornando as suas vidas um verda-

deiro caos e, justamente por não terem a ajuda necessária, acabam não

entendendo os mecanismos que fazem com que isso aconteça e o final

dessas histórias, infelizmente, nem sempre é agradável.

Para expor o amor patológico dos homens, conversei com diver-

sos profissionais de saúde, psiquiatras, psicólogos, neurocirurgiões, e

o mais importante: conversei com diversos homens de classes sociais

e culturais diferentes. Mas notei uma característica comum: o amor,

para eles, é sinônimo de sofrimento e destruição de suas vidas e as

mulheres que eles tanto dizem amar se tornam objetos de devoção,

obsessão e de uma necessidade de conquista doentia. Esses homens

não amam para acrescentar e receber o mesmo retorno, até porque não

percebem que estão doentes. Dessa forma, amam para podar a pessoa

amada, controlá-la e, às vezes, até chegar à submissão total, entrando

em um processo perigoso, compulsivo e muito destrutivo.

Conversando com diversos homens que amam demais, percebi

que todos eles possuem padrões de comportamento obsessivo com-

pulsivo, repetindo em sua vida adulta cenas que vivenciaram quando

crianças, e geralmente possuem laços familiares muito complicados e

figuras maternais extremamente simbióticas ou ausentes demais.

No decorrer do livro, com as histórias desses homens, iremos

desmembrar o passado deles para que o leitor consiga enxergar em

suas próprias histórias o surgimento da sua angústia, dor e por que

esta repetindo a sua história diversas vezes, já que ela é dolorida e

apenas o faz sofrer.

Denominei os homens que amam demais como ‘HADES’,

pela necessidade de termos um nome em comum, o que facilitará a

montagem de grupos, assunto que trarei também no final do livro,

explicando a necessidade desses grupos de ajuda em suas vidas. Ou-

tro motivo do nome foi a comparação com Hades, o deus impiedoso

mitológico, soberano do mundo dos mortos, do inferno, poderoso e

tão contemplado e temido por todos, irmão do poderoso Zeus, que

acabou por perder-se em excesso de amor quando se apaixonou por

Perséfone. Esta, sem aceitá-lo, foi raptada por ele em uma carruagem

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CAPÍTULO 3

CARACTERÍSTICAS DE UM HADES

F elicidade, essa doce ilusão...

Será ilusão ser feliz no amor? Alguns dizem que sim! Alguns

dizem que ser feliz no amor é utopia.

Você, o que acha?

Acredito que a maior ilusão de nossa vida seja acreditar que amar

é utopia. Estamos aqui elucidando amores patológicos justamente

para que você reflita e faça de seu amor – seja com a mesma pessoa

que esta, ou outra – um amor sereno e feliz.

Veja as características de um homem que ama demais e um

homem que ama a si próprio:

I – HADES:

1. Ama demais, pois se ama de menos (característica de quem teve

um lar desajustado na infância);

2. Comportamentos de autoflagelo;

3. Envolve-se em relacionamentos doentios e sustenta-os;

4. O seu mundo gira em torno da pessoa amada;

5. Sensação de humilhação constante;

6. Perda de memória e concentração, dores físicas;

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7. Possibilidade de depressões e ansiedade, pânico;

8. Pode perder casa, amigos, sente-se pequeno e sem ação;

9. Sensação constante de fragilidade, abandono;

10. Comportamento submissivo ou dominador para conseguir

alívio emocional.

II – HOMEM QUE AMA A SI PRÓPRIO:

1. Ama demais, pois se ama demais, ao ponto de saber quem quer

– tem limites;

2. Comportamento que coloca limites, sabe dar e receber;

3. Envolve-se em relacionamentos saudáveis;

4. Seu mundo gira em primeiro lugar em torno de si próprio;

5. Sensação de autocontrole, dignidade;

6. Concentração em outras áreas de sua vida que não apenas a

pessoa amada;

7. Possibilidade de angústias pela perda da pessoa amada, mas

dentro dos limites normais;

8. Constrói a sua vida para ganhar sempre, e não perder;

9. Sensação de força interior, amor próprio;

10. Comportamento no amor no qual arca com 50% das respon-

sabilidades e a parceira com os outros 50%.

Caso deseje iniciar-se no processo real da cura, saiba que todo

este processo é doloroso, mas você deixará de ser um homem que ama

para sofrer para se transformar em um homem que se ama o suficiente

para crescer junto à sua parceira, dividir e ser feliz!

QUAL O VERDADEIRO SENTIDO DE AMAR DE FORMA SAUDÁVEL:

– Você admira a sua parceira pelo o que ela é, e não pelo fato de

ela estar submissa às suas vontades.

– Você tem de sua parceira o reconhecimento pelas suas atitudes

boas, ela sabe ouvi-lo e também dizer o que sente, não guardando

segredos para si própria que explodirão futuramente.

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CAPÍTULO 4

JÁ PASSEI PELO INFERNO DE HADES

O QUE EU TENHO A VER COM A DOR DE VOCÊS?

“É doloroso ser ímpar Sempre preferi ser par Até perceber que o par

Era sem eu notar A forma mais amarga

De ser o âmago do ímpar.”(TaTy ades)

D urante dez anos, vi-me em uma encruzilhada de relaciona-

mentos complicados, jogos, autoflagelo, sensação de perda,

vazio, angústia. Fui uma mulher que amou errado e não

tenho medo ou vergonha de expor o meu passado, pois sei que dessa

forma estarei ajudando milhares de pessoas.

Muitas mulheres encontram-se perplexas ao saberem que meu

alvo de autoajuda seria os homens. Alguns deles acham besteira reti-

rar a máscara e outros começam a despir-se de um terno grudado ao

corpo por tanto tempo.

Amor é amor: não há sexo, há sentimentos que devemos com-

preender e analisar. Mas o amor à mulher é permitido pela sociedade

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e o sofrimento aos homens é negado, o que acredito causar mais e

mais sofrimento.

A certeza da recuperação da autoestima me faz querer comparti-

lhar com vocês um pouco do que passei. Nunca poderia imaginar que

sofria por amor. Sempre fui independente e extrovertida demais para

admitir que as minhas atitudes estivessem me levando ao caos. Escolhi

o jogo patológico como forma de vida, até de sobrevivência, e nessa

empreitada a codependência veio para mim em um vendaval tempes-

tuoso e inexorável, forte, acolhedor, mas terrivelmente amargo.

Quando me dei conta das minhas atitudes perante o amor, eu já

havia me envolvido com todo tipo de homem problemático possível e,

em uma tentativa estranha de lidar com eles, eu precisava modificá-los e

salvá-los de algo que nem eu entendia direito. Hoje olho para trás e percebo

o tamanho da minha insensatez na época e em tantas outras situações de

limites e risco eu me coloquei para provar a mim mesma que o controle

dessas pessoas e a vontade de transformá-las estava em minhas mãos.

Ah, quanta pretensão a minha! Como somos egoístas quando

“amamos demais” a nós mesmos sem enxergarmos em nós defeitos e

problemas, e colocamos nos outros as nossas responsabilidades de dor

e frustrações por uma vida de medo, ausência e dor. Na codependên-

cia, o outro é a chave mestra para a nossa felicidade e rigorosamente

entramos em jogos de poder com o parceiro, ora dominando, ora

submetendo-nos a situações e sensações além do que o nosso corpo,

mente e alma são capazes de aguentar.

O amor vinha fácil para mim e ia também muito fácil. Facilmente

era também trocado por outro que me traria sensações ínfimas de

prazer, serotonina ao corpo, paz de espírito por breves e turbulentos

minutos, meses, até a separação ser mais uma vez sentenciada e a re-

posição ser feita, como se eu fosse um robô me alimentando de outros

seres humanos, fazendo deles peças importantes para tapar minhas

carências e buracos negros da alma.

Envolvi-me com homens doentes e amorais, mas, na época, não

me causavam medo nenhum, ao contrário, me preenchiam de vida

e de um sentimento de “falso amor”. Eu os buscava sem perceber.