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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS
MDICAS: PEDIATRIA
HIPERSENSIBILIDADE AUDITIVA EM CRIANAS E ADOLESCENTES COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
ERISSANDRA GOMES
DISSERTAO DE MESTRADO
Porto Alegre, Brasil
2003
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS
MDICAS: PEDIATRIA
HIPERSENSIBILIDADE AUDITIVA EM CRIANAS E ADOLESCENTES COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
ERISSANDRA GOMES
Orientadora: Prof. Dra. Newra Tellechea Rotta
Co-Orientador: Prof. Dr. Fleming Salvador Pedroso
A apresentao desta dissertao exigncia do Programa
de Ps-Graduao em Cincias Mdicas: Pediatria, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para obteno
do ttulo de Mestre.
Porto Alegre, Brasil
2003
Catalogao Biblioteca FAMED/HCPA
G633h Gomes, Erissandra
Hipersensibilidade auditiva em crianas e adolescentes com transtorno do espectro autista / Erissandra Gomes ; orient. Newra Tellechea Rotta ; co-orient. Fleming Salvador Pedroso - 2003.
94 f. : il. color. Dissertao (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Faculdade de Medicina. Curso de Ps-Graduao em Cincias Mdicas: Pediatria, Porto Alegre, BR-RS, 2003.
1. Transtornos da audio. 2. Transtorno autstico. 3.
Hipersensibilidade. I. Newra Tellechea Rotta. II. Fleming Salvador Pedroso. III. Ttulo.
NLM: WM 203.5
Era como se eu fosse surda. Nem mesmo um barulho forte e repentino conseguia me
assustar ou fazer-me sair do meu mundo. Mas quando eu estava no mundo das pessoas, era
extremamente sensvel a rudos.
...era pra mim um pesadelo de som, violentando meus ouvidos e
minha prpria alma.
(GRANDIN & SCARIANO, 1999, p. 29)
AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos que, de alguma forma, direta ou mesmo indiretamente, contriburam
para a realizao deste trabalho. De maneira particular,
- Dra. Newra Tellechea Rotta;
- ao Dr. Fleming Salvador Pedroso;
- Fga. Marlene Canarim Danesi;
- Fga. Pricila Sleifer;
- s estagirias de Fonoaudiologia da Clnica IPA;
- ao Antnio Rogrio, bolsista de iniciao cientfica;
- ao Grupo de Pesquisa e Ps-Graduao do HCPA, pela colaborao na anlise
estatstica;
- s instituies: Rede Metodista IPA, Centro Teacch Novo Horizonte, Kinder, Ncleo
de Autismo do CADEP e Escola Municipal Lucena Borges.
- aos pais e s crianas e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista;
- minha famlia;
- CAPES, pelo apoio financeiro.
SUMRIO
LISTA DE ABREVIATURAS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUO ...................................................................................................... 1
2 REVISO BIBLIOGRFICA ............................................................................. 4
2.1 Autismo ........................................................................................................ 4
2.1.1 Histrico, Definio e Diagnstico ............................................... 4
2.1.2 Prevalncia .................................................................................... 8
2.1.3 Etiologia ........................................................................................ 9
2.2 Sensibilidade ................................................................................................ 18
2.2.1 Hipersensibilidade ao Som ........................................................... 18
2.3 Autismo e Anormalidades Sensrio-Perceptuais ......................................... 24
2.3.1 Autismo e Hipersensibilidade ao Som .......................................... 26
2.4 Justificativa .................................................................................................. 29
3 OBJETIVOS .......................................................................................................... 30
4 CASUSTICA E MTODO .................................................................................. 31
4.1 Delineamento ............................................................................................... 31
4.2 Populao e Amostra ................................................................................... 32
4.3 Processo de Amostragem ............................................................................. 32
4.3.1 Clculo do Tamanho da Amostra ................................................. 32
4.3.2 Critrios de Incluso ..................................................................... 33
4.3.3 Critrios de Excluso .................................................................... 33
4.3.4 Coleta de Dados ............................................................................ 33
4.4 Variveis em Estudo .................................................................................... 34
4.5 Consideraes ticas ................................................................................... 34
4.6 Logstica ...................................................................................................... 35
4.7 Anlise dos Resultados ................................................................................ 36
5 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................. 38
6 ARTIGO CIENTFICO ........................................................................................ 55
7 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 72
ANEXOS
LISTA DE ABREVIATURAS
HCPA - Hospital de Clnicas de Porto Alegre
IPA - Instituto Porto Alegrense
CADEP - Centro de Avaliao, Diagnstico e Estimulao Precoce
DSM - Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais
CID - Classificao Internacional das Doenas
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Autismo Infantil Hiptese do Circuito Anormal ......................................... 14
Figura 2. Sistema Lmbico e Esquema Comportamental Associado ............................. 15
Figura 3. Tronco Cerebral Normal e em Autistas ................. ......................................... 17
Figura 4. Vias Auditivas Aferentes ................................................................................. 19
Figura 5. Vias Auditivas Eferentes ................................................................................. 20
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Patologias Potencialmente Associadas aos Transtornos Autistas ..............
Quadro 2. Condies Clnicas Associadas Hipersensibilidade ao Som ....................
11
24
... percebia o quanto os sons fortes me faziam
sofrer. Sons assim no se limitam a assustar as
crianas autistas: causam-lhe um intenso
desconforto.
(GRANDIN & SCARIANO, 1999, p. 30)
1- INTRODUO
A histria de Vitor, O menino selvagem de Aveyron, descrita em 1799 pelo mdico
J. Itard, uma das primeiras citaes de uma criana provavelmente autista. Vitor era um
menino que vivia em estado selvagem vagando pelos bosques e que apresentava uma conduta
anormal. No primeiro momento, pensava-se que o seu comportamento era em decorrncia do
provvel abandono por parte da famlia, mas, mais tarde, levantou-se a hiptese de que o
menino poderia ter sido separado dos pais ou abandonado pelos mesmos justamente porque
era um menino diferente e, na poca, em plena Revoluo Francesa, o manejo com o mesmo
tornava-se difcil, pois Vitor se comportava como um menino autista. O prprio mdico
francs, j naquela poca, relatou que ao mesmo tempo que Vitor era indiferente a alguns
sons, mostrava-se sensvel a rudos fortes (WING, 1981).
O relato acima exemplo de uma das muitas descries da literatura de crianas com
caractersticas semelhantes ao que hoje sabemos que so referentes a crianas autistas, mas o
primeiro relato oficial de um grupo de crianas com caractersticas comuns foi realizada por
KANNER (1943), que tambm referiu a anormalidade perceptual aos sons.
- 2 -
Desde ento, h mais de meio sculo, at hoje, o autismo tem sido objeto de estudo em
diversos aspectos ainda controversos: conceituao, classificao, sintomatologia, diagnstico
e tratamento. Na tentativa de caracterizar e esclarecer a diversidade de manifestaes, a
tendncia atual a de considerar o autismo no como uma entidade nica, mas, sim, um grupo
de doenas, decorrentes de etiologias mltiplas e com caractersticas comuns nos aspectos
sociais, nas dificuldades de comunicao e nos interesses restritos (ORNITZ, 1983;
GAUDERER, 1993; HAPPE & FRITH, 1996; BAKER, 2002).
No Brasil, os estudos relacionados ao tema abordam revises do autismo em relao s
abordagens conceituais diferenciadas, ao diagnstico clnico, avaliao neurolgica, a
fatores biolgicos e gentica do transtorno (BANDIM et al., 1995; MOREIRA, 1996;
ASSUMPO JR, 1997; COSTA & NUNESMAIA, 1998; ALEXANDRINO &
AMBROSIO, 1998; BOSA & CALLIAS, 2000; STEINER et al., 2003). H tambm
importantes e significativas contribuies da psicologia e da psiquiatria no que tange aos
fatores clnicos e comportamentais do autismo (BOSA, 1999, 2002; TAVARES, 2001).
Especificamente no que diz respeito ao trabalho fonoaudiolgico no Brasil, esse tem
sido visto como um campo de atuao incipiente em relao ao autismo. Entretanto, o
trabalho de alguns profissionais demonstra, j h alguns anos, a possibilidade de uma
formao mais organizada, dedicada ao estudo, investigao e publicao sobre o tema,
deixando clara a possibilidade da insero da fonoaudiologia no s em ambulatrios, como
tambm em integrantes de equipes de diagnstico e tratamento de autismo. Os estudos
fonoaudiolgicos que abordam o autismo priorizam os fatores lingsticos ou os associados a
ele, como a pragmtica da linguagem (inteno e funo comunicativa), a imitao e o jogo, a
- 3 -
scio-cognio, o vocabulrio e a hiperlexia (FERNANDES, 1995, 1996, 1997, 2000;
SCHEUER et al., 1999; FERNANDES & RIBEIRO, 2000; FERNANDES & CARDOSO,
2001; FERNANDES & BARROS, 2001; FERNANDES & GERBELLI, 2001; FERNANDES
& LEPIQUE, 2001; MOLINI & FERNANDES, 2002; CARDOSO & FERNANDES, 2003).
Este trabalho se prope a dissertar sobre a hipersensibilidade auditiva em crianas e
adolescentes com Transtorno do Espectro Autista, uma vez que as respostas anormais ao som
so amplamente citadas na literatura, mas pouco pesquisadas. Considera-se fundamental o
conhecimento maior deste tema, j que o mesmo influencia nos aspectos comportamentais
dessa populao, assim como no aspecto comunicativo.
... a dor de cabea que eu sentia cada vez que
o apito tocava era avassaladora. Mesmo com as
mos tapando meus ouvidos, aquele som
doloroso os invadia a um ponto tal que eu me
atirava no convs, gritando.
(GRANDIN & SCARIANO, 1999, p. 29)
2- REVISO DE LITERATURA
2.1 Autismo
2.1.1 Histrico, Definio e Diagnstico
KANNER (1943) foi o primeiro a descrever um grupo de crianas com autistic
disturbances of affective contact, ou seja, distrbio autstico do contato afetivo, fazendo
meno ao tipo de relacionamento dessas crianas. O prprio Kanner sugeriu que o autismo
(do grego autos = limitao a si prprio) infantil era inato e que a criana recm-nascida
possua uma falta de motivao para a interao social. No seu primeiro artigo, o autor
mencionou aspectos relacionais entre essas crianas e os seus pais, assim como as condies
de sucesso profissional e educacional dos mesmos, fatos que foram propulsores de teorias
afetivas. KANNER (1943) tambm relatou na sua primeira descrio sobre crianas autistas a
averso de algumas delas a determinados sons.
- 5 -
Nos ltimos anos, estudos de diversos autores tm mostrado que sujeitos com
condutas autistas apresentam transtornos relacionados, sintomas que variam amplamente e
etiologias mltiplas, o que explica que muitas destas combinaes tm sido nomeadas como
sndromes com diferentes nomenclaturas (TUCHMAN, 1995; ALEXANDRINO &
AMBROSI, 1998; GADIA & TUCHMAN, 2003). Autores como WATERHOUSE et al.
(1996) afirmam que os dados sustentam a idia de um continuum na sintomatologia do
autismo.
Essa corrente iniciou com os estudos de WING & GOULD (1979), que identificaram
um grupo de crianas com dificuldades e caractersticas comuns. Os autores concluram que
havia uma trade de prejuzos interao social, comunicao e imaginao, que se
relacionavam de forma dependente, fazendo referncia a um continuum ou spectrum, que
inclua o autismo descrito por Kanner, mas no somente ele.
Seguindo o raciocnio dos autores acima citados, pensa-se num continuum autstico
com a presena de quadros intermedirios, que vo do autismo at a alteraes menos
significativas, tendo a linguagem um aspecto fundamental (BROOK E BOWLER, 1992).
Segundo SCHWARTZMAN (1993), trata-se de variaes quantitativas de um mesmo
conjunto de sinais e sintomas. O grau de comprometimento da trade clssica varivel de
indivduo para indivduo (FRITH & HAPPE, 1994).
O autismo infantil foi includo no Distrbio Invasivo do Desenvolvimento, pela
Associao Americana de Psiquiatria em 1980, na publicao do Manual Diagnstico e
Estatstico de Transtornos Mentais (DSM)-III. Em 1987, aps uma reviso do mesmo, foram
- 6 -
includos itens para critrio diagnstico e modificadas algumas expresses. J em 1994, os
critrios foram revistos e foi publicado o DSM-IV, que a atual tendncia no que se refere
classificao do autismo, juntamente com a Classificao Internacional das Doenas (CID)-10
(COHEN & VOLKMAR, 1997).
A classificao do DSM-IV da Associao Americana de Psiquiatria cita como
subtipos dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: Transtorno Autista, Transtorno de
Rett, Transtorno Desintegrativo da Infncia, Transtorno de Asperger e Transtorno Invasivo do
Desenvolvimento Sem Outra Especificao. As caractersticas comuns e principais desses
transtornos so o prejuzo nas habilidades de interao social, na comunicao e na presena
de comportamentos, interesses restritos e atividades estereotipadas, manifestando-se nos
primeiros anos de vida e freqentemente com algum grau de deficincia mental (APA, 1995).
Nas primeiras edies da Classificao Internacional das Doenas, o autismo no foi
mencionado, mas depois introduziram-no ao lado da esquizofrenia e da psicose infantil.
somente a partir dos anos 80, na publicao do CID-10 (WHO, 1998), que se inicia a
utilizao da terminologia de Transtornos Globais do Desenvolvimento, caracterizando-os por
apresentarem alteraes qualitativas nas interaes sociais e na comunicao e nas atividades
estereotipadas, assim como relatado na classificao do DSM-IV.
O conceito de spectrum autista inclui todos ou quase todos os Transtornos Invasivos
ou Globais do Desenvolvimento, definidos nos critrios do DSM-IV e CID-10 (WING, 1997;
RAPIN & DUNN, 2003). Autores como TUCHMAN (1995) e WETHERBY & PRIZANT
(2001) relatam que o conceito de espectro autista tem sido utilizado como sinnimo do
- 7 -
mesmo. Em contrapartida, TANGUAY et al. (1998), LORD et al. (2001) e BERTRAND et
al. (2001) mencionam que o Transtorno do Espectro Autista inclui, alm do autismo clssico,
a Sndrome de Asperger e o Transtorno do Desenvolvimento Sem Outra Especificao.
Com base no que foi exposto, chega-se concluso de que no h um consenso sobre
quais so os distrbios que devero incluir o Transtorno do Espectro Autista. Esta pesquisa
foi baseada em LORD et al. (2001) e BERTRAND et al. (2001), assim como em WING
(1997), que preferem no incluir as patologias com caractersticas desintegrativas.
Para melhor entender a base das atuais classificaes, necessrio esclarecer alguns
pontos das duas teorias norteadoras. Como j se sabe, a primeira a surgir foi a teoria afetiva,
pensada a partir dos relatos de Kanner sobre os pais, na qual h uma explicao psicognica
decorrente de experincia traumtica no nascimento do sujeito e suas conseqncias (BOSA
& CALLIAS, 2000). Por outro lado, estudos mais recentes confirmaram a hiptese da
existncia de fatores biolgicos na origem do autismo (TUCHMAN, 1995; RAPIN &
KATZMAN, 1998).
A teoria cognitiva, contrapondo afetiva, foi fundamentada a partir das pesquisas de
BARON-COHEN et al. (1985) e de BARON-COHEN (1989), que demonstraram que mesmo
as crianas com alto funcionamento so incapazes de atribuir estados intencionais aos outros.
Isso sugere que a capacidade de meta-representao encontra-se alterada, inclusive no aspecto
social, o que impossibilita a criana autista de atribuir s outras pessoas diferentes estados
mentais, fator necessrio para o desenvolvimento dos padres simblicos (LOVELAND &
LANDRY, 1986; BROOK & BOWLER, 1992). Vrios autores tm explicado a questo da
- 8 -
teoria da mente (Theory of Mind) nos autistas como um dficit das funes cerebrais
superiores ligadas a meta-representaes, o que confere a estes sujeitos a incapacidade de
compreender os estados mentais de outras pessoas (BARON-COHEN et al., 1985;
TUCHMAN, 1995; ASSUMPO JR., 1997).
2.1.2 Prevalncia
A prevalncia do Transtorno Autista de aproximadamente 4,5 em 10.000 (RUTTER,
1993; BRYSON, 1997); no entanto, se for considerado o Transtorno do Espectro Autista, com
base na trade comportamental, a prevalncia pode variar de 1 a 2 casos por 1.000 crianas
(WING & GOULD, 1979; BROOK & BOWLER, 1992; RAPIN & KATZMAN, 1998) at
6,7 casos por 1.000 (BERTRAND et al., 2001), o que significa um nmero bastante
considervel. Em freqncia, a terceira desordem do desenvolvimento, perdendo somente
para a epilepsia e encefalopatia crnica no-progressiva, superando a to conhecida e
estudada Sndrome de Down (TUCHMAN, 1995, GADIA & TUCHMAN, 2003). No Brasil,
no h dados estatsticos, mas, segundo a Associao Brasileira de Autismo, que considera
somente a forma tpica, estima-se haver aproximadamente 600 mil pessoas afetadas pela
sndrome do autismo (GAUDERER, 1993).
No que se refere distribuio dos gneros, o Transtorno do Espectro Autista maior
em meninos, na ordem de 4:1; no entanto, sabe-se que esta proporo varia de acordo com a
presena de deficincia mental associada e que as meninas so mais afetadas cognitivamente
(APA, 1995; BRYSON, 1996; FOMBONNE, 1999; SCOOT et al., 2002).
- 9 -
As discrepncias nas estimativas de prevalncia encontradas em diferentes regies
devem-se a critrios diagnsticos, a fatores genticos e/ou influncias ambientais. O aumento
da prevalncia do autismo atribudo a fatores como aprimoramento dos critrios
diagnsticos e agregao de outras expresses do autismo, constituindo o Transtorno do
Espectro Autista (BRYSON, 1996; FOMBONNE, 1996; CROEN et al., 2002).
2.1.3 Etiologia
Nos relatos iniciais sobre indivduos autistas, os pesquisadores centraram seus estudos
na causa do distrbio como sendo de origem psicolgica, fato j relatado previamente neste
trabalho. Contudo, hoje, sabe-se que no h uma nica causa para o Transtorno do Espectro
Autista e que as evidncias atuais em relao s possibilidades etiolgicas apontam para a
origem biolgica, fato que ser abordado no mbito geral, uma vez que no o tema central
desta dissertao (KANNER, 1943; COHEN & VOLKMAR, 1997; RAPIN & KATZMAN,
1998).
Diversas pesquisas esclarecem que as dificuldades de interao dos autistas so
oriundas da prpria criana, e no dos seus pais, como alguns estudiosos defenderam por
muitos anos. As mais recentes pesquisas enfocam os fatores familiares, por estarem centradas
na gentica do autismo, o que comprova a origem biolgica, ao mesmo tempo em que
evidencia o amplo fentipo do autismo (MUNDY et al., 1986; VOLKMAR et al., 1997;
TANGUAY et al., 1998). Diferentes autores chamam a ateno para a importncia de
determinar marcadores genticos do amplo espectro de fentipos para o Transtorno do
Espectro Autista, causado por condies multifatoriais - ambiental e gentico (SMALLEY et
- 10 -
al., 1996; BAILEY et al., 1998). No entanto, estudos como o de FOMBONNE (1999) no
encontraram associao com classe social e com o fator de imigrao populacional.
SZATMARI et al. (1998), na extensa reviso bibliogrfica que realizaram, afirmam
que a desordem gentica e cita como exemplo: a probabilidade de 2% de ocorrncia de
alteraes com os irmos; a ocorrncia em gmeos, sendo 95% dos gmeos monozigotos e
25% nos gmeos dizigotos; os fatores genticos maternos que podem causar alteraes
desenvolvimentais no feto; a variabilidade gentica expressa por subtipos do espectro com
diferentes nveis de funcionamento intelectual e a grande associao com distrbios de origem
etiolgica gentica. Foi observada, ainda, grande freqncia de Transtornos do Espectro
Autista, em relao com prematuridade e com sofrimento perinatal (KINSBOURNE &
GRAF, 1999).
PARMEGGIANNI et al. (2002) afirmam que a maioria dos sujeitos com Transtorno
do Espectro Autista tem causa desconhecida e multifatorial, com predomnio das causas
genticas. No mesmo estudo, os autores detectaram alta porcentagem de macrocrania e
epilepsia associados ao transtorno autstico. GIOVANARDI et al. (2000) relatam que
aproximadamente 40% dos sujeitos em questo apresentam epilepsia. No Quadro 1,
estabelecida a potencial associao do autismo com outras patologias (TUCHMAN, 1995;
BRYSON, 1996, GADIA & TUCHMAN, 2003).
- 11 -
Quadro 1 Patologias Potencialmente Associadas aos Transtornos Autistas
Congnita/Adquirida Gentica/Metablica Rubola Toxoplasmose Citomegalovrus Sndrome de Moebius Hipomelanose de Ito Sndrome de Dandy-Walker Sndrome de Cornelia-deLange Sndrome Soto Sndrome de Goldenhar Sndrome de Williams Microcefalia Hidrocefalia Sndrome de Joubert Encefalite herptica Espasmos infantis Intoxicao por Chumbo Meningite Tumores do Lbulo Temporal Sndrome de West Meduloblastoma de Cerebelo
Anomalias Cromossmicas Esclerose Tuberosa Neurofibromatose Amaurose Congnita de Leber Fenilcetonria Histidinemia Lipofuscinose Ceride Hiperlactemia Doena Celaca Distrbio Metablico das Purinas Adrenoleucodistrofia Distrofia Muscular de Duchenne Sndrome de Angelman
Fonte: Adaptado de Tuchman (1995); Bryson (1996); Gadia & Tuchman (2003).
BAUMAN (1996) e KERN (2003) mencionam que o Transtorno do Espectro Autista
representa organicamente um continuum neurobiolgico com substrato anatmico em comum,
o que favorece a heterogeneidade de sintomas e caractersticas desenvolvimentais. O estudo
dos fatores biolgicos na patognese do autismo de extrema importncia, pois tenta elucidar
as alteraes e os comportamentos autistas atravs do conhecimento estrutural do crebro
(MINSHEW, 1996; PIVEN, 1997). As anormalidades histoanatmicas observadas no crebro
dos autistas podem causar dificuldades na interao social, na linguagem e na aprendizagem,
domnios estes caractersticos dessa desordem (BAUMAN & KEMPER, 1985; KEMPER &
BAUMAN, 1993; BAUMAN, 1996).
- 12 -
O desenvolvimento cerebral no autista anormal, com acelerado crescimento na
infncia e decrscimo do volume cerebral quando adolescentes e adultos (COURCHESNE et
al., 2001; AYLWARD et al., 2002; SPARKS et al., 2002), o que pode corresponder a uma
macrocrania j desde o nascimento, especialmente em meninos at o incio da adolescncia
(SKJELDAL et al., 1998; AYLWARD et al., 2002). Em adio aos achados acima
relacionados, COURCHESNE et al. (1999) defendem que o peso do crebro dos autistas, na
maioria dos casos, semelhante mdia dos normais. HARDAN et al. (2000) relatam que a
sub-regio anterior do corpo caloso menor nos autistas, o que acarreta numa disfuno do
lbulo frontal.
O aumento na circunferncia e no volume do crebro de crianas autistas,
principalmente nas regies parietais, temporais, occipitais e do cerebelo, tem implicncia no
desenvolvimento anormal do crebro desses indivduos, o que pode resultar em trs
processos: aumento da neurognese, eliminao do processo neural e aumento na produo de
tecido cerebral no-neural, como clulas gliais ou vasos sangneos (PIVEN, 1997).
Estruturas como as amgdalas e o hipocampo tambm apresentam aumento
proporcional ao volume cerebral em crianas autistas de ambos os sexos (SPARKS, 2002), o
que no acontece no estudo das estruturas de adolescentes e adultos autistas (AYLWARD et
al, 1999). Estudos animais com leses nas amgdalas e no hipocampo apontam para alteraes
na interao social, sugerindo um comportamento autista (BACHEVALIER, 1996). O mesmo
autor tambm comenta leses no lobo medial temporal, que influencia no comportamento
scio-emocional e na interao, assim como dficits em certas tarefas de memria com
preservao de algumas ilhas de habilidades. As alteraes no crtex pr-frontal e no lobo
- 13 -
temporal medial afetam a cognio social, mais especificamente a habilidade de manter a
ateno (VOELLER, 1996; DAWSON et al., 2002; PARENTE, 2002).
H tambm indcios de que transtornos neurodesenvolvimentais, como o autismo, a
dislexia e a disfasia, podem ser resultado de alteraes neuroanatmicas, principalmente ao
nvel de circuitos cerebelares, sendo includa a possibilidade de anticorpos maternos como
fatores causadores (DALTON, et al., 2003; ECKERT et al., 2003). Na ablao de
meduloblastoma cerebelar que pode comprometer os circuitos cerebelo-olivares, tem sido
observado conduta do Espectro do Autismo (FERREIRA, 2003).
Achados sugerem anormalidade no desenvolvimento cerebral de jovens autistas,
evidenciado pela reduo de clulas neurais e pelo aumento da densidade celular nas
estruturas do sistema lmbico, com diminuio da ramificao dendrtica do hipocampo e
reduzido nmero de clulas de Purkinje no hemisfrio cerebelar (BAUMAN & KEMPER,
1985; KEMPER & BAUMAN, 1993; BAUMAN, 1996; DAWSON, 1996; COURCHESNE,
1997; AYLWARD et al., 1999; CROEN et al., 2002; SPARKS, 2002; KERN, 2003). (Figura
1).
- 14 -
CLULAS DE PURKINJE
Ncleo Cerebelar
Tronco Cerebral
Ncleo Cerebelar
Tronco Cerebral
Oliva Inferior
Oliva Inferior
CIRCUITO NA CRIANA AUTISTA
CIRCUITO NA CRIANA NORMAL
Figura 1. Autismo Infantil Hiptese do Circuito Anormal
(Adaptado de KEMPER & BAUMAN, 1993)
O sistema lmbico e suas ligaes com a corticalidade, principalmente amgdala e
hipotlamo, so indispensveis para uma adequada funo dos comportamentos emocionais.
Anormalidades no sistema lmbico so comuns no Transtorno do Espectro Autista, e a
expresso fenotpica depende do grau e da localizao dessa anormalidade (BAUMAN, 1996;
KOLB & WHISHAW, 2001). (Figura 2).
- 15 -
Figura 2 Sistema Lmbico e Esquema Comportamental Associado
(KOLB & WHISHAW, 2001)
- 16 -
CASANOVA et al. (2002) encontraram diferenas nos crebros de pacientes autistas,
no que concerne s colunas celulares mais numerosas, menores e menos compactas na
configurao celular. Esses dados levam concluso de que, no autismo, existem
anormalidades minicolunares nos lobos frontal e temporal do crebro, o que afetaria a
habilidade de discriminar e modular as informaes sensrias.
Apesar de achados anatomopatolgicos e de neuroimagens serem encontrados em
muitas regies do encfalo e de forma varivel entre os portadores do Transtorno do Espectro
Autista, o cerebelo a estrutura que mais consistentemente tem sido mencionada. Da mesma
forma, muitos dos sintomas do Transtorno do Espectro Autista podem ser explicados pelas
disfunes do cerebelo, como: padro restrito, repetitivo e estereotipado de atividades e
comportamentos, interesses limitados, movimentos corporais anormais, alteraes de ateno
e de orientao, resposta anormal aos sons, entre outros (KERN, 2002).
Pesquisas recentes revelam que o cerebelo est intimamente envolvido com a funo
sensorial e com a cognio. O cerebelo, em especial o vermis cerebelar dos lbulos VI e VII,
participa ativamente da funo sensria, no que concerne captao, discriminao e
modulao (DAWSON et al., 2002; KERN, 2002, 2003). Tambm os sintomas clnicos de
outros transtornos do desenvolvimento como disfasia, Sndrome de Tourette, transtorno de
hiperatividade e dficit de ateno, transtorno obsessivo-compulsivo, retardo mental,
transtorno do aprendizado do hemisfrio direito e dislexia, tm um overlap com o Transtorno
do Espectro Autista, por estarem relacionados a aspectos anatomopatolgicos, nos quais o
cerebelo representa a principal estrutura afetada (MINSHEW et al., 1997; ECKERT et al.,
2003).
- 17 -
RODIER (2000) observou que h uma ntida diferena na rea do tronco enceflico
entre as crianas autistas e controles, mostrando que a parte caudal da ponte menor nos
autistas e que h ausncia ou diminuio de alguns ncleos dessa rea. (Figura 3).
Tronco Enceflico
Figura 3 - Tronco Cerebral Normal e em Autistas
(Adaptado de KOLB & WHISHAW, 2001)
- 18 -
Alteraes nas atividades neuroqumicas e nos neurotransmissores podem tambm
influenciar no desenvolvimento anormal das estruturas cerebrais (COOK, 1996; BLATT et
al., 2001). Nveis aumentados de neuropeptdeos e neurotrofinas foram encontrados no
sangue do cordo umbilical de recm-nascidos que se tornaram autistas e com retardo mental,
o que sugere um fator metablico pr-natal envolvido na fisiopatologia do Transtorno do
Espectro Autista (NELSON, 2001).
2.2 Sensibilidade
Sensibilidade a funo que possibilita ao organismo o conhecimento e as sensaes
dos meios externos e internos, atravs de um sistema complexo, podendo, assim, reagir sobre
os mesmos. As sensibilidades so: as relacionadas com os rgos especiais dos sentidos como
o da viso, do olfato, da gustao e da audio; as relacionadas aos estmulos cutneos (ttil,
trmica e dolorosa); as proprioceptivas (vibratrio, cinestsico-postural), sendo que muitas
delas so processados de forma consciente, e a maioria faz parte de respostas reflexas e/ou
automticas (TOLOSA & CANELAS, 1975; DUUS, 1989; DORETTO, 1996).
2.2.1 Hipersensibilidade ao som
Em relao conduo do som, autores como DUUS (1989), DORETTO (1996),
PEREIRA & SCHOCHAT (1997) citam que a informao sonora conduzida pela via
auditiva aferente at o crtex cerebral, mais especificamente at a rea 41 de Brodmann do
lobo temporal, que considerada a rea auditiva primria. Na via auditiva eferente, uma das
- 19 -
principais funes a de diminuir a sensibilidade do sistema auditivo, atravs da contrao
dos msculos do ouvido mdio, impedindo a leso do sistema auditivo. (Figuras 4 e 5).
Figura 4 Vias auditivas aferentes (Netter, 1997)
- 20 -
Figura 5 Vias auditivas eferentes (Netter, 1997)
- 21 -
Especificamente hipersensibilidade aos sons, sabe-se que os termos
hipersensibilidade auditiva, audiosensibilidade, fonofobia, hiperacusia e reduo tolerncia
para sons tm sido usados como sinnimos, em contextos semelhantes (ANARI et al., 1999;
KATZNELL & SEGAL, 2001). No entanto, autores como SANCHEZ et al. (1999) ressaltam
que o termo hiperacusia (hiper = excesso, akousis = audio) faz pensar que o sujeito ouve
melhor que os outros, e isso no se aplica, pois os limiares tonais de uma pessoa hiperacsica
so os mesmos de uma pessoa normal, o que torna a nomenclatura hipersensibilidade a sons
mais adequada, pois trata-se da relao do desconforto. Contudo, o termo hiperacusia
bastante usado na literatura para os sujeitos que apresentam queixa de desconforto a vrios
tipos de sons, principalmente quando em baixa intensidade.
PHILLIPS & CARR (1998), em um artigo de reviso sobre os distrbios auditivos que
apresentam como caracterstica comum o distrbio da percepo auditiva, ressaltam as
diferenas entre as principais desordens - hiperacusia, perda auditiva e fonofobia. Por outro
lado, consideram no ser justificado o uso para elas de uma nomenclatura em comum, j que
os fenmenos que as originam so provenientes de mecanismos diferenciados, nos quais h
evidncias clnicas e experimentais que sustentam as teorias aplicadas. Em concordncia com
os autores acima citados, SANCHEZ et al. (1999) relatam que a hipersensibilidade auditiva
pode aparecer de trs formas: hiperacusia, fonofobia e recrutamento. Considera-se oportuno
pontuar algumas caractersticas de cada um:
hiperacusia - ocorre em indivduos com audio normal; so pessoas que apresentam uma sensibilidade anormal a sons de baixa ou moderada
intensidade, independentemente da freqncia dos mesmos; causada por
- 22 -
uma alterao no processamento central dos sons, que manifestada pela
sensao de desconforto;
fonofobia desconforto causado por alguns sons, fator que est relacionado com o seu significado ou associao; sons agradveis ao sujeito so
tolerados mesmo em altas intensidades;
recrutamento associado perda auditiva sensorioneural; ocorre por uma reduo nos elementos sensoriais da orelha interna.
JASTREBOFF (2001) diferencia hiperacusia de fonofobia. Para o autor, hiperacusia
uma reao anormal que ocorre nas vias auditivas resultante de uma exposio a um
determinado nvel sonoro, o que causa uma reduo na tolerncia dos mesmos; e fonofobia
uma reao anormal dos sistemas lmbicos e automticos, sem anormalidade auditiva, mas
oriunda do aumento das conexes entre os sistemas auditivos e lmbicos.
Fatores como a reao cognitiva hipersensibilidade, comportamento somtico e
reao emocional para sons externos so demonstrados por sujeitos que apresentam queixa de
hipersensibilidade (NELTING et al., 2002). No rara a associao entre hipersensibilidade,
zumbido e cefalias. Para ANARI et al. (1999), pode-se dividir os pacientes hipersensveis
nos que apresentam hipersensibilidade com decrscimo no nvel de intensidade ao tom puro
(limiar de desconforto) e os que apresentam hipersensibilidade somente a certos sons.
Autores como GORDON (1986), BRANDY & LYNN (1995), KATZENELL &
SEGAL (2001) fazem referncia a achados de hipersensibilidade atravs do Reflexo Acstico
Estapdico, sugerindo um distrbio mecnico da orelha mdia ou interna. A
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hipersensibilidade estaria associada a um reflexo anormal ou reduzido, mas ressalta-se o fato
de que estas diferenas no foram estatisticamente significativas. Segundo KATZ (1999) e
WILSON & MORGOLIS (2001), a pesquisa do Reflexo Acstico Estapdico tambm
apropriada para pacientes difceis de serem testados, pois apresenta resultados objetivos.
Como teste audiolgico para a deteco da hipersensibilidade, BRANDY & LYNN
(1995), KATZENELL & SEGAL (2001) utilizam o Limiar de Desconforto que a
mensurao do nvel de tolerncia para o som intenso. Para a determinao do Limiar de
Desconforto, necessria a colaborao do paciente atravs de respostas subjetivas, j que
este um teste comportamental (ALMEIDA, 1996).
A patognese da hipersensibilidade ao som ainda no conhecida, existindo uma
variabilidade de supostas causas, que vo desde um distrbio mecnico at alterao no
Sistema Nervoso Central (BRANDY & LYNN, 1995; BINGHAM & CLANCY, 2001). Em
uma recente reviso bibliogrfica sobre o assunto, KATZENELL & SEGAL (2001)
encontraram quatro grupos de causas: condies clnicas envolvendo o sistema auditivo
perifrico, o Sistema Nervoso Central, causas hormonais ou doenas infecciosas e causas no
conhecidas. NIGAM & SAMUEL (1994) relacionam a hipersensibilidade na Sndrome de
Williams com uma distoro na codificao neural ou alterao no Sistema Nervoso Central.
Com base nos dados retirados dos quatro trabalhos anteriormente mencionados, acrescentado
o item Autismo que faz parte desta pesquisa, foi elaborado o Quadro 2.
- 24 -
Quadro 2 Condies clnicas associadas hipersensibilidade ao som
Sndrome de Hunt Estapedectomia Doena de Menire Crise Enxaquecosa Depresso Sndrome de Williams Ps-raqueanestesia Gagueira Spina Bfida Doena de Addisons Ps-anestesias raque-medulares Doena de Lyme Ps-trauma acstico Uso de opiides Perda Auditiva Neurossensorial Doena Lisossmica Patologias Perilinfticas Deficincia de Magnsio Leso do Nervo Facial Envenenamento por Estricnina Leso do Nervo Trigmio Ttano Hipercalemia Transtorno do Espectro Autista Perda Auditiva Induzida por Rudo (PAIR)
2.3 Autismo e Anormalidades Sensrio-Perceptuais
Os autistas podem apresentar uma alterao na reao ou na resposta para as
sensaes, o que descrito como uma defesa sensorial s modalidades tteis (alta
sensibilidade ao toque ou s texturas), orais, visuais (alta sensibilidade luz) e,
principalmente, s sonoras por meio de sensibilidade a sons peculiares (KERN, 2002).
Segundo GAUDERER (1993), alguns sujeitos autistas podem apresentar uma reao
exagerada, para mais (hipersensveis) ou para menos (hiposensveis) aos estmulos sensoriais,
observando-se como conseqncia uma dificuldade no processamento correto das
informaes que entram pelas diferentes vias.
ONEILL & JONES (1997) comentam sobre publicaes autobiogrficas de sujeitos
autistas que relatam as experincias sensrias e perceptuais, descrevendo as anormalidades na
percepo sonora, visual, gustativa, ttil e olfativa, assim como as sensaes cinestsicas e
- 25 -
perceptuais. Descreve-se a seguir alguns exemplos retirados de GRANDIN & SCARIANO
(1999).
Essa sensibilidade ao rudo comum tambm entre autistas adultos..., rudos fortes
repentinos, como o estouro de um escapamento, me fazem pular, e uma sensao de pnico
toma conta de mim. Sons altos e agudos, como o de motocicletas, ainda me so dolorosos..
O clamor de muitas vozes, os diferentes odores, ..., o rumor constante e a confuso, os
toques eram uma coisa avassaladora (p. 31-2).
Esse meu encolhimento ao toque, to tpico das crianas autistas, ... , sensibilidade a rudos
repentinos, aparente surdez e intenso desinteresse por odores. (p. 26).
Lembro que ela exalava um perfume forte, que me deixa enjoada cada vez que se aproxima
mais de mim. (p. 34).
O estmulo ttil, pra mim e para muitas crianas autistas, uma situao em que s
podemos perder..., porque nos provoca dor e confuso. (p. 38).
Recuei quando ela me beijou, incapaz de suportar os estmulos tcteis nem mesmo os
estmulos tcteis de natureza amorosa. (p. 73).
... causada pelo fato de eu ser supersensvel aos sinais recebidos por meu sistema nervoso
atravs dos sentidos do tato e da audio. (p. 79).
Lembro que, quando eu era pequena, gostava um pouco de estmulos dolorosos. (p. 109).
Meus sentidos tcteis tinham uma sensibilidade excessiva eu era defensiva do ponto de
vista tctil. (p. 144).
Em certos momentos, os fenmenos sensrio-perceptuais so descritos por GRANDIN
& SCARIANO (1999) como dolorosos e causadores de condies de estresse; no entanto, em
- 26 -
outros momentos, a autora descreve os sons como fonte de prazer e satisfao, o que
aparentemente um paradaxo, fato tambm relatado por ONEILL & JONES (1997). Outros
autores como BETTISON (1996) e KERN (2002) tambm relatam as dificuldades sensoriais e
perceptuais dos autistas descritas anteriormente, como a alterao ao odor, ao som e ao toque.
As respostas anormais aos estmulos sensoriais, ressaltando a hipersensibilidade ao
som, o fascnio por determinados estmulos visuais, a hipersensibilidade ttil e a tolerncia
dor, assim como os transtornos de humor e afeto e os movimentos anormais estereotipados,
so fatores que afetam o comportamento das crianas e adolescentes autistas (GADIA &
TUCHMAN, 2003).
2.3.1 Autismo e Hipersensibilidade ao Som
ROSENHALL et al. (1999) afirmam que a hipersensibilidade ao estmulo sonoro e a
tendncia em realizar estimulao sonora e/ou atitudes motoras estereotipadas so sinais
clnicos comuns no Transtorno do Espectro Autista. Com base no que anteriormente foi
abordado, e concordando com autores como BETTISON (1996), PHILLIPS & CARR (1998),
SANCHEZ et al. (1999), ser utilizada a nomenclatura de hipersensibilidade auditiva, em
referncia alterao que as crianas com o Transtorno do Espectro Autista apresentam.
No aspecto auditivo, h um fascinante paradigma. Em determinados momentos,
algumas crianas autistas apresentam uma reao de hipersensibilidade aos sons,
considerando-os ameaadores, de tal forma que reagem com comportamentos corporais
associados, como tapar as orelhas. J, em outras situaes, acabam nem respondendo ao seu
- 27 -
prprio nome, situao que faz suspeitar de perda auditiva, ou at mesmo apresentam um
verdadeiro fascnio por sons especficos (WING, 1981; GAUDERER, 1993).
JURE et al. (1991) ressaltam que uma das principais caractersticas autistas a
resposta anormal aos sons. Os mesmos autores, em um artigo sobre alteraes auditivas em
sujeitos autistas, ressaltam que as alteraes auditivas e o autismo tm etiologias diferentes, e
que no h correlao entre a severidade da alterao auditiva e a sintomatologia autista.
GORDON (1986) relata que a sensibilidade pode causar um medo constante ao som
em crianas autistas. Sugere que o mecanismo fundamental est condicionado a averso ao
som e as suas relaes com os fatores sociais, mas relaciona a grande maioria das alteraes
de sensibilidade auditiva alterao na orelha interna ou mdia.
A hipersensibilidade aos sons uma caracterstica autstica amplamente encontrada na
literatura, ocorrendo em igual nmero em todos os nveis de funcionamento intelectual;
entretanto, h variaes entre os achados. Para ROSENHALL et al. (1999), 18% dos sujeitos
autistas com limiares auditivos normais apresentaram hiperacusia com intolerncia ao click
acima de 70dBnHL, quando submetidos Audiometria de Tronco Cerebral. Cabe ressaltar
que, no estudo acima citado, os sujeitos com alterao sensorioneural foram excludos com a
finalidade de eliminar o risco de recrutamento, que uma alterao similar hiperacusia. Os
autores tambm enfatizam a evidncia de que este fenmeno bastante raro em crianas e
adolescentes que no apresentam caractersticas autsticas. EDELSON (1984) relata que 40%
demonstraram inquietude quando expostos a certos sons em certas freqncias. CALDRON-
- 28 -
GONZLEZ et al. (1988) afirma que, na sua amostra observada pelo mtodo clnico, 15%
das crianas autistas mostraram-se hipersensveis aos sons fortes.
Sabe-se que os indivduos autistas so difceis de serem avaliados atravs de testes
subjetivos. O uso clnico das Emisses Otoacsticas em crianas autistas um mtodo
objetivo, no-invasivo e preciso em relao ao nvel de estimulao e freqncia para avaliar
o sistema auditivo perifrico em pacientes que apresentam respostas no-usuais pelos
procedimentos audiomtricos, devido s caractersticas comportamentais e de interao.
Ressalta-se ainda a importncia de tal procedimento, pois, inicialmente, a maioria das crianas
autistas tem suspeita de perda auditiva por seus pais (GREWE et al., 1994; KATZ, 1999;
LONSBURY-MARTIN et al., 2001; WILBER, 2001).
As Emisses Otoacsticas so sons gerados dentro da cclea normal, espontaneamente
ou em resposta estimulao acstica, informando a integridade das vias condutivas e
sensoriais. As Emisses Otoacsticas Evocadas ocorrem em resposta a um estimulo externo e
podem ser eliciadas das seguintes formas: Emisses Otoacsticas Evocadas Transitrias por
estmulos acsticos breves; Emisses Otoacsticas Estmulo-Freqncia por tons puros
contnuos, nicos e de intensidade fraca; Emisses Otoacsticas por Produto de Distoro
por dois tons puros simultneos de longa durao, com freqncias diferentes (KATZ, 1999;
LONSBURY-MARTIN, 2001).
Tm sido relatados estudos sobre as reaes auditivas em crianas autistas, nos quais
os pais respondem questionrio sobre a reao dos seus filhos a determinados sons, assim
como as diferenas individuais na sensibilidade auditiva. Dados como esses sugerem que as
- 29 -
crianas autistas manifestam respostas sensoriais no-usuais. A presena de respostas
sensoriais anormais est relacionada aos aspectos comportamentais dos autistas, bem como ao
aspecto social e s dificuldades de comunicao desses sujeitos (ONEILL & JONES, 1997).
A questo de pesquisa desta dissertao foi verificar se os comportamentos de
hipersensibilidade auditiva relatados nas entrevistas com os pais/cuidadores e com
terapeutas/professores das crianas e adolescentes do Transtorno do Espectro Autista
correspondem com os achados audiolgicos.
2.4 Justificativa
A justificativa para a realizao desta pesquisa o fato de existirem poucos estudos
que faam referncia hipersensibilidade auditiva em crianas e adolescentes com Transtorno
do Espectro Autista, embora essa caracterstica seja comumente citada nessa populao. Por
outro lado, a maior parte dos estudos refere averso a determinados sons, sem descrever os
comportamentos associados, nem a associao entre as outras alteraes sensrio-perceptuais.
No Brasil, at o momento, no h estudo sobre a hipersensibilidade ao som em crianas com
Transtorno do Espectro Autista.
Espera-se que a possibilidade de envolver o fonoaudilogo, de forma mais efetiva com
o tema da hipersensibilidade auditiva em crianas e adolescentes com Transtorno do Espectro
Autista e o conhecimento gerado pelo presente estudo, possa ajudar na prtica do atendimento
fonoaudiolgico dessas crianas.
3- OBJETIVOS
GERAL:
Comparar a condio clnica de hipersensibilidade auditiva em crianas e adolescentes
com Transtorno do Espectro Autista, relatada pelos pais/cuidadores e pelos
terapeutas/professores, com os achados audiolgicos.
ESPECFICOS:
Determinar nesta amostra:
a freqncia da hipersensibilidade auditiva em crianas e adolescentes com o Transtorno do Espectro Autista;
a associao entre hipersensibilidade auditiva e outros estmulos sensoriais e perceptuais;
a associao entre a hipersensibilidade auditiva e os movimentos de colocar as mos nas orelhas;
a concordncia entre os comportamentos descritos pelos pais/cuidadores e pelos terapeutas/professores.
4 - CASUSTICA E MTODO
4.1 Delineamento
Estudo transversal, comparativo e contemporneo, no qual os fatores em estudo foram
as crianas e os adolescentes com Transtorno do Espectro Autista e o desfecho clnico, a
hipersensibilidade aos sons e os achados audiolgicos (Pesquisa do Reflexo Acstico
Estapdico e Reaes Observadas ao Estmulo Sonoro Intenso em Campo Aberto).
achados audiolgicos -
achados audiolgicos + com hipersensibilidade
auditiva
achados audiolgicos -
achados audiolgicos + sem hipersensibilidade
auditiva
Transtorno do Espectro Autista
- 32 -
4.2 Populao e Amostra
A populao pesquisada foi constituda de crianas e adolescentes com o Transtorno
do Espectro Autista, com idades entre 5 e 20 anos, que freqentavam regularmente o
atendimento clnico na Clnica IPA; clnico-pedaggico no Centro Teacch Novo Horizonte,
na Kinder e no Ncleo de Autismo do Centro de Avaliao, Diagnstico e Estimulao
Precoce (CADEP); e pedaggico na Escola Municipal Lucena Borges. Os sujeitos dessa
populao faziam acompanhamento clnico e/ou pedaggico nas instituies as quais
pertenciam.
4.3 Processo de Amostragem
4.3.1 Clculo do Tamanho da Amostra
Considerando a estimativa de efeito para comparao de dois grupos e a mdia das
freqncias de hipersensibilidade auditiva no Transtorno do Espectro Autista encontrados na
literatura em 20% (CALDERN-GONZLEZ et al., 1988; ROSENHALL et al., 1999;
EDELSON, 1984), e considerando um nvel de confiana de 95%, com o poder de 80%,
estimou-se uma amostra total de 35 sujeitos, sendo 7 sujeitos hipersensveis ao sons e 28 no-
hipersensveis. Com a possibilidade de analisar dados com freqncias mais extremadas,
optou-se por uma amostra de 46 pacientes (EpiInfo 6 Statcal).
- 33 -
4.3.2 Critrios de Incluso
Foram includas neste estudo:
todas as crianas e adolescentes, entre 5 e 20 anos, que freqentavam as instituies j referidas e que se enquadrassem no Transtorno do Espectro Autista,
baseando-se no critrio DSM-IV (Anexo A);
4.3.3 Critrios de Excluso
Foram critrios de excluso as crianas e adolescentes portadores do Transtorno do
Espectro Autista que:
os pais ou responsveis se negassem a participar do estudo; apresentassem, segundo a avaliao audiolgica, sinais indicativos de perda
auditiva;
no completassem todas as avaliaes.
4.3.4 Coleta de Dados
A coleta de dados foi realizada atravs dos protocolos de exame. A avaliao auditiva,
que constou de Emisses Otoacsticas por Produto de Distoro, Medidas de Imitncio
Acstica (Timpanometria e Pesquisa do Reflexo Acstico Estapdico) e das Reaes
Observadas ao Estmulo Sonoro Intenso em Campo Aberto, foi realizada na Clnica IPA
(Anexo B). A avaliao mdico-neurolgica (Anexo C), assim como o protocolo de entrevista
aos pais/cuidadores (Anexo D) e o protocolo sobre hipersensibilidade auditiva destinado aos
- 34 -
terapeutas/professores (Anexo E) foram realizados no ambiente clnico-teraputico de cada
criana.
4.4 Variveis em Estudo
As variveis estudadas foram:
hipersensibilidade ao som; hipersensibilidade luz; hipersensibilidade ao toque; insensibilidade dor; reaes comportamentais ao som; Medidas de Imitncio Acstica; Reaes ao Estmulo Sonoro Intenso em Campo Aberto.
4.5 Consideraes ticas
Os responsveis pelas instituies envolvidas na pesquisa assinaram um termo de
consentimento (Anexo F). Os pais e/ou responsveis das crianas que freqentam as
instituies envolvidas foram devidamente esclarecidos sobre os propsitos da pesquisa, e
foram includos os casos em que os pais e/ou responsveis concordaram com o Termo de
Consentimento Informado (Anexo G).
- 35 -
Este projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comit de tica da Rede Metodista IPA
e pela Comisso de Pesquisa e tica em Sade do HCPA, por exigncia do Programa de Ps-
Graduao em Cincias Mdicas: Pediatria.
4.6 Logstica
Todas as crianas e adolescentes com suspeita e/ou j diagnosticadas como sendo do
Transtorno do Espectro Autista da Clnica IPA, do Centro Teacch Novo Horizonte, da Kinder,
do Ncleo de Autismo do CADEP, e da Escola Municipal Lucena Borges, cujos pais e/ou
responsveis assinaram o termo de consentimento, foram inicialmente avaliadas pelo mdico
neurologista assistente, que, em comum acordo com o terapeuta/professor, confirmou o
diagnstico do Transtorno do Espectro Autista, baseando-se nos critrios do DSM-IV.
Aps a confirmao do diagnstico, as crianas e adolescentes com o Transtorno do
Espectro Autista foram avaliados pela mesma fonoaudiloga da Clnica IPA, especializada
em audiologia, com o objetivo de excluir os portadores de perda auditiva e de avaliar os
achados audiolgicos. As Emisses Otoacsticas por Produto de Distoro foram realizadas
numa cabina acstica, com rudo interno inferior a 30dB, atravs do programa Hort Mann -
Neuro-Otometrie (Made in United States of America), conectado a um software AmDis
OAE e a um microfone-sonda, que introduzido no meato acstico externo atravs de uma
oliva (borracha flexvel utilizada para a vedao do meato acstico externo). Para as Medidas
de Imitncio Acstica, utilizou-se o Impedance Audiometer AT22t da Interacoustics (Made in
Germany) e foram pesquisados os Reflexos Acsticos Estapdicos nas freqncias de 500Hz,
- 36 -
1000Hz, 2000Hz e 4000Hz em ambas orelhas, com registro final em dBNPS. Para a pesquisa
das Respostas Observadas ao Estmulo Sonoro Intenso em Campo Aberto, utilizou-se o
Clinical Audiometer AC30 da Interacoustics (Made in Germany). O estmulo acstico
utilizado foi o warble (tom modulado) em uma intensidade mdia de 90dB, entre as
freqncias de 500Hz a 6000Hz, realizada em cabina acstica, na qual o estmulo foi emitido
atravs de uma caixa acstica Interaudio 1000XL (Made in Ireland). Todos os equipamentos
foram devidamente calibrados.
O diagnstico para a hipersensibilidade auditiva, atravs das caractersticas clnicas
para tal evento, foi investigado pela pesquisadora, a partir do protocolo de entrevista aos
pais/cuidadores e o do protocolo sobre hipersensibilidade auditiva destinado aos
terapeutas/professores, os quais foram realizados no ambiente clnico-teraputico de cada
criana. A orientadora e o co-orientador supervisionaram os trabalhos.
4.7 Anlise dos Resultados
A partir dos protocolos utilizados, foi montado um banco de dados no programa
estatstico SPSS (verso 11.0), no qual foram realizadas as anlises. Para os dados
categricos, foram feitas anlises de freqncia relativa e para os dados quantitativos foram
calculados mdia e desvio padro. Para as comparaes entre os grupos do Transtorno do
Espectro Autista com e sem hipersensibilidade auditiva, foram realizados os testes Exato de
Fisher e t de Student. Utilizou-se o coeficiente Kappa para avaliar a concordncia entre o
relato dos pais/cuidadores e terapeutas/professores. As estimativas de freqncia das
- 37 -
hipersensibilidades foram realizadas utilizando-se o clculo do intervalo de confiana de 95%.
O nvel de significncia utilizado foi de 5% ( = 0,05).
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6 ARTIGO CIENTFICO
Hipersensibilidade Auditiva em Crianas e Adolescentes com
Transtorno do Espectro Autista
Auditory hypersensitivity in children and teenagers with
Autistic Spectrum Disorder
Erissandra Gomes1, Newra T. Rotta2, Fleming S. Pedroso3,
Pricila Sleifer4, Marlene C. Danesi5.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rio Grande do Sul RS, Brasil 1 Mestranda em Cincias Mdicas: Pediatria - UFGRS, Professora de Fonoaudiologia - Rede Metodista IPA 2 Livre-Docente em Neurologia - Departamento de Pediatria - UFGRS 3 Doutor em Pediatria, Professor de Pediatria - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Professor de Neurologia - Rede Metodista IPA 4 Especialista em Fonoaudiologia - UFSM, Professora de Fonoaudiologia - Departamento de Audiologia - Rede Metodista IPA 5 Mestre em Problemas e Patologias do Desvalimento (UCES), Professora de Fonoaudiologia - Rede Metodista IPA Este estudo foi financiado pela CAPES Correspondncia para: Erissandra Gomes Rua Duque de Caxias 955/406, 90010-282, Porto Alegre, RS, Brasil Telefone: +55-51-3228-5750. E-mail: [email protected]
- 56 -
Resumo
Objetivo: Verificar se o comportamento clnico de hipersensibilidade auditiva, relatado nas
entrevistas com os pais/cuidadores e terapeutas/professores de crianas e adolescentes com
Transtorno do Espectro Autista, corresponde aos achados audiolgicos. Mtodos: O
diagnstico clnico para a hipersensibilidade auditiva foi investigado a partir do protocolo de
entrevista. Aps, foi utilizada a Pesquisa do Reflexo Acstico Estapdico e observadas as
reaes ao Estmulo Sonoro Intenso em Campo Aberto. Resultados: Dos 46 sujeitos, 11
(23,9%) foram diagnosticados clinicamente como hipersensveis ao som, e somente 2
demonstraram desconforto quando expostos ao estmulo sonoro intenso em campo aberto.
No houve diferena estatisticamente significante para a Pesquisa do Reflexo Acstico
Estapdico Ipsilateral entre os grupos. Concluso: As manifestaes comportamentais aos
sons no esto associadas hipersensibilidade das vias auditivas, mas, sim, a dificuldades no
processamento superior, envolvendo sistemas que comumente esto comprometidos nos
pacientes do espectro autista, como o sistema lmbico.
Palavras-chave: autismo, hipersensibilidade, som
- 57 -
Abstract
Objective: To verify if the clinical behavior of auditory hypersensitivity, reported in
interviews with parents/caregivers and therapists/teachers of 46 children and teenagers
suffering from Autistic Spectrum Disorder correspond to audiological findings. Methods: The
clinical diagnosis for auditory hypersensitivity was investigated by means of an interview.
Subsequently, a test of the Acoustic Stapedial Reflex was conducted, and responses to Intense
Acoustic Stimulus in Open Field were observed. Results: Of the 46 subjects, 11 (23.9%) were
clinically diagnosed as oversensitive to sound, and only 2 showed discomfort when exposed
to intense acoustic stimulus in open field. There was no statistically significant difference for
the test of the Ipsilateral Acoustic Stapedial Reflex between the groups. Conclusion:
Behavioral manifestations to sounds arent associated to hypersensitivity of the auditory
pathways, but instead these are associated to difficulties in the upper processing at the level of
the cerebral cortex, involving systems that usually are impaired in autistic spectrum patients,
such as the limbic system.
Keywords: autism, hypersensitivity, sound
- 58 -
Leo Kanner foi o primeiro a descrever um grupo de crianas com distrbio autstico
do contato afetivo, fazendo meno ao tipo de relacionamento dessas crianas. O autor
tambm relatou, na sua primeira descrio sobre crianas autistas, a averso de algumas delas
a determinados sons 1. A atual tendncia a de considerar o continuum ou spectrum, que
inclu o autismo descrito por Kanner, mas no somente ele, fazendo referncia a trade de
prejuzos interao social, comunicao e imaginao, que se relacionam de forma
dependentes 2-5. O Transtorno do Espectro Autista inclui alm do autismo clssico, a
Sndrome de Asperger e o Transtorno do Desenvolvimento Sem Outra Especificao 6-8.
Os autistas podem apresentar alterao na reao ou na resposta para as sensaes, o
que descrito como uma defesa sensorial s modalidades tteis (alta sensibilidade ao toque ou
s texturas), orais, visuais (alta sensibilidade luz) e, principalmente, s sonoras por meio de
uma sensibilidade peculiar aos sons 5,9-11. Com relao especificamente hipersensibilidade
aos sons, sabe-se que os termos hipersensibilidade auditiva, audiosensibilidade, fonofobia,
hiperacusia e reduo tolerncia para sons tm sido usados como sinnimos, em contextos
semelhantes 12,13. Alguns autores relatam que a hipersensibilidade auditiva pode aparecer de
trs formas: hiperacusia, fonofobia e recrutamento na perda auditiva 12,14-16. A patognese da
hipersensibilidade ao som ainda no conhecida, existindo uma variabilidade de supostas
causas 13, 17-19.
Os indivduos autistas so difceis de serem avaliados atravs de testes subjetivos. O
uso clnico das Emisses Otoacsticas em crianas autistas um mtodo objetivo, no-
invasivo e preciso em relao ao nvel de estimulao e freqncia para avaliar o sistema
auditivo perifrico em pacientes que apresentam respostas no-usuais pelos procedimentos
- 59 -
audiomtricos devido s caractersticas comportamentais e de interao 23-26. A pesquisa do
Reflexo Acstico Estapdico tambm apropriada para pacientes difceis de serem testados,
pois apresenta resultados objetivos 24,27. O Limiar de Desconforto utilizado como teste
audiolgico para a deteco da hipersensibilidade, pois a mensurao do nvel de tolerncia
para o som intenso 13,18.
O objetivo desta pesquisa foi verificar se o comportamento clnico de
hipersensibilidade auditiva, relatado nas entrevistas com os pais/cuidadores e
terapeutas/professores das crianas e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista,
corresponde aos achados audiolgicos (Pesquisa do Reflexo Acstico Estapdico e Reaes
Observadas ao Estmulo Sonoro Intenso em Campo Aberto) e verificar outras
hipersensibilidades e comportamentos associados.
Mtodos
Populao pesquisada - crianas e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista,
que freqentavam regularmente o atendimento clnico na Clnica IPA; clnico-pedaggico no
Centro Teacch Novo Horizonte, na Kinder e no Ncleo de Autismo do CADEP; e pedaggico
na Escola Municipal Lucena Borges. Os sujeitos dessa populao faziam acompanhamento
clnico e/ou pedaggico nas instituies as quais pertenciam. Critrios de incluso - todas as
crianas e adolescentes, entre 5 e 20 anos, que freqentavam as instituies j referidas e que
se enquadravam no Transtorno do Espectro Autista, baseando-se no critrio DSM-IV.
Critrios de excluso - as crianas e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista que: os
pais e/ou responsveis no assinaram o termo de consentimento; segundo a avaliao
- 60 -
audiolgica, apresentavam sinais indicativos de perda auditiva; no completaram todas as
avaliaes.
A coleta de dados foi realizada atravs dos protocolos de exame. Todas as crianas e
adolescentes da amostra foram avaliadas pelo mdico assistente, que, em comum acordo com
o terapeuta, confirmou o diagnstico do Transtorno do Espectro Autista pelos critrios do
DSM-IV. Aps a confirmao do diagnstico, as crianas e adolescentes foram avaliados pela
mesma fonoaudiloga da Clnica IPA, especializada em audiologia, com o objetivo de excluir
os portadores de perda auditiva e de avaliar os achados audiolgicos. As Emisses
Otoacsticas por Produto de Distoro foram realizadas numa cabina acstica, com rudo
interno inferior a 30dB, atravs do programa Hort Mann - Neuro-Otometrie (Made in United
States of America), conectado a um software AmDis OAE e a um microfone-sonda, que
introduzido no meato acstico externo atravs de uma oliva (borracha flexvel utilizada para a
vedao do meato acstico externo). Para as Medidas de Imitncio Acstica utilizou-se o
Impedance Audiometer AT22t da Interacoustics (Made in Germany) e foram pesquisados os
Reflexos Acsticos Estapdicos nas freqncias de 500Hz, 1000Hz, 2000Hz e 4000Hz em
ambas orelhas, com registro final em dBNPS. Para a pesquisa das Respostas Observadas ao
Estmulo Sonoro Intenso em Campo Aberto, utilizou-se o Clinical Audiometer AC30 da
Interacoustics (Made in Germany). O estmulo acstico utilizado foi o warble (tom
modulado) numa intensidade mdia de 90dB, entre as freqncias de 500Hz a 6000Hz,
realizada em cabina acstica, na qual o estmulo foi emitido atravs de uma caixa acstica
Interaudio 1000XL (Made in Ireland). Todos os equipamentos foram devidamente calibrados.
- 61 -
O diagnstico para a hipersensibilidade auditiva, atravs das caractersticas clnicas
para tal evento, foi investigado a partir do protocolo de entrevista aos pais/cuidadores e o
protocolo sobre hipersensibilidade auditiva destinado aos terapeutas/professores, os quais
foram realizados no ambiente clnico-teraputico de cada criana. A orientadora e o co-
orientador supervisionaram os trabalhos.
O programa estatstico utilizado para as anlises foi SPSS (verso 11.0). Foram
realizadas anlises de freqncia, calculados mdia e desvio padro, e utilizados o teste Exato
de Fisher e o coeficiente Kappa. As estimativas de freqncia das hipersensibilidades foram
feitas atravs do clculo do intervalo de confiana de 95%. O nvel de significncia utilizado
foi de 5% ( = 0,05).
Aspectos ticos - os responsveis pelas instituies envolvidas na pesquisa assinaram
um termo de consentimento. Os pais e/ou responsveis foram devidamente esclarecidos sobre
os propsitos da pesquisa, e foram includos os casos em que os mesmos assinaram o Termo
de Consentimento Informado. Este projeto foi aprovado pelo Comit de tica da Rede
Metodista IPA e pela Comisso de Pesquisa e tica em Sade do Hospital de Clnicas de
Porto Alegre.
Resultados
Foram analisados os dados de 46 crianas e adolescentes com Transtorno do Espectro
Autista, que pertenciam a diferentes instituies do municpio de Porto Alegre. Destes, 39
(84,8%) eram do sexo masculino, a idade variou de 5 a 19 anos (mdia 10,85 anos). No que se
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refere ao apoio teraputico, 30 (65,2%) realizavam tratamento fonoaudiolgico, 8 (17,4%)
fisioterpico, 3 (6,5%) psicolgico, 4 (8,7%) psiquitrico, 12 (26,1%) de terapia ocupacional e
5 (10,9%) realizavam outros tipos de tratamento.
Quanto hipersensibilidade, 11 eram hipersensveis ao som, 6 eram hipersensveis
luz, 11 eram hipersensveis ao toque (Tabela 1). Nesta amostra, houve relato de
insensibilidade dor em 19 casos (41,3%).
Tabela 1. Presena de hipersensibilidades (n=46)
n % IC95%
Som 11 23,9 13,1 39,1
Luz 6 13 5,4 27
Toque 11 23,9 13,1 39,1
IC = intervalo de confiana
Buscando a associao entre os diferentes tipos de anormalidades sensrio-
perceptuais, no se observou associao da hipersensibilidade aos sons com as outras
anormalidades sensrio-perceptuais (Tabela 2). Somente ocorreu associao entre
hipersensibilidade luz e ao toque.
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Tabela 2. Associao entre as anormalidades sensrio-perceptuais (n=46)
Som
OR IC95% Valor-p
Luz
OR IC95% Valor-p
Toque
OR IC95% Valor-p
Luz
4,0
(0,7 23,7) 0,1
-
-
Toque 4,0
(0,9 17,6) 0,1
9,4 (1,4 62,0)
0,02
-
Dor
1,3 (0,3 4,9)
0,99
3,3 (0,5 20,5)
0,21
0,4 (0,1 2,0)
0,32
OR= odds ratio IC = intervalo de confiana
Dos 46 sujeitos, 11 (23,9%) so alfabetizados e 28 (60,9%) tm linguagem verbal.
Dos 11 sujeitos alfabetizados, 4 (36,4%) so hipersensveis ao som, enquanto dos 35 no-
alfabetizados, 7 (20,0%) o so. Dos 28 que apresentaram linguagem verbal, 8 (28,6%) so
hipersensveis ao som e dos 18 sem linguagem verbal 3 (16,7%) so hipersensveis ao mesmo
estmulo.