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Pesquisa FAPESP - Edição 69
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26 Pesquisadores da Unifesp
e do lncor encontram proteína que aparece
apenas em quem já tem pressão alta ou
exibe predisposição
CARTAS •••••••••••••••••••••••••••• 4 EDITORIAL •••••••• •••••••••• •••• • •• 5 MEMÓRIA • ••••••••• • ••••••••••••••• 6 OPINIÃO ••••• •••••••••••• ••••••••• •• 8
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA •••••••••••••••••••• 10 ESTRATÉGIAS .......................... 1 O
ÉTICA E CONFLITO DE INTERESSE ....... 18 DÉFICIT NO COMÉRCIO DE TECNOLOGIA ...............•....... 20 PROBESERÁINCORPORADO À CAPES ... ...................•..•.... 22 TERROR TEM REFLEXOS NA PESQUISA .................•....... 23
CIÊNCIA ........................... 24 LABORATÓRIO .... . .. . ... .. ........ ... 24 NASCEM CAMUNDONGOS QUE FACILITAM PESQUISAS GENÉTICAS ...... 32 QUANDO$ OS NEURÓNIOS FALHAM .... 35 BENEFÍCIOS IMEDIATOS DA QUEDA DA POLUIÇÃO .........• . ...... 36 CERRADO PRESERVADO E EXPLORADO ......................... 40 AS TRANSFORMAÇÔES DO PRÓTON .... 49
TECNOLOGIA •••••••••••••••••••••• 50 LINHA DE PRODUÇÃO ................. 50 SUBSTÁNCIAS EXTRAÍDAS DA SOJA E DA PRÓPOLIS .......•....... 55 NOVO MÉTODO PARA IDENTIFICAR BACTÉRIAS ............... 58 MODELO AVANÇADO PARA PREVISÔES METEOROLÓGICAS ......... 60 EMPRESA DESENVOLVE APARELHO QUE MEDE POLUIÇÃO ....... 64
HUMANIDADES •••••••••••••••••••• 68 COMO ESCRAVAS LIBERTAS ASCENDERAM ECONOMICAMENTE ..... 68 LINGUAGEM DOS SURDOS É SISTEMATIZADA EM DICIONÁRIO ...... 71 FUNDAÇÃO SEADE TRAÇA PERFIL DOS CRIMINOSOS DE SAO PAULO ....... 77 LIVROS •••••••••••••••••••••••••••• 80 LANÇAMENTOS •••••••••••••••••••• 81 ARTE FINAL •••••••••••••••••••••••• 82
Capa: Hélio de Almeida
14 Far-Manguinhos, do Rio de Janeiro, quer repassar tecnologia de produção de anti-retrovirais para Angola
44 Astrônomo do IAG analisa probabilidade de existirem outras civilizações na Via Láctea
52 Siderúrgicas ganham instrumentos de precisão e nova geração de concretos refratários para melhorar a eficiência e a competitividade
74 Um especialista alemão em Grande Sertão: Veredas desvenda os labirintos de Guimarães Rosa
PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 2001 • 3
Entre capins e bambus
Como um dos colaboradores do primeiro volume da Flora Fanerogâmica de São Paulo, gostei de ver sua divulgação na revista Pesquisa FAPESP 67. Todavia, não posso concordar com a afirmação de que, para os botânicos, uma espécie não coletada em seu hábitat há 50 anos extinguiu-se. Esta informação não corresponde à realidade, tanto em termos científicos, quanto em sua capacidade de refletir opinião unânime dos botânicos. Trata-se de uma grande simplificação, baseada em definições arbitrárias de instituições que realizam levantamentos e monitoramento da biodiversidade e estabelecem prazos, a partir dos quais organismos são caracterizados, para fins utilitários, como, por exemplo, "ameaçados de extinção". Conclusões relativas à extinção de qualquer organismo são inócuas, se partem de resultados do somatório de coletas aleatórias. Quanto às Poaceae, o Estado de São Paulo é escassamente coberto por coletas, que mostram sua maior densidade nos arredores da capital e de Campinas. Espécies do Oeste do Estado estão mal representadas nos herbários e sua ocorrência é artificialmente menos densa, em comparação às áreas limítrofes do Paraná e de Mato Grosso do Sul, onde a coleta mais sistemática de gramíneas nas três últimas décadas mostra inúmeros exemplos. Em tais condições, um grande intervalo entre datas de coleta de exsicatas apenas atesta o grande intervalo entre coletas. Nunca a extinção de qualquer organismo. A louvável publicação do volume das Poaceae merece comemoração, mas não deve ser encarada como o passo final.
JOSÉ F. M. VALLS
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
Brasília, DF
4 · OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
CARTAS
Análise clínica
Em Pesquisa FAPESP de agosto de 2001, infere-se que a pesquisa "Desenvolvimento de sistemas quimiluminiscentes disparados por enzimas", certamente trará benefícios para o diagnóstico clínico-laboratorial. Não duvidamos e acreditamos mesmo. Entretanto, imaginar que tais técnicas possam resultar em exames laboratoriais mais baratos e eficientes, vai uma certa distância. Acredito, e muito, na evolução rápida da tecnologia em geral e, na analítica, mais ainda. Mas posso garantir aos dois ilustres pesquisadores que no dia a dia do diagnóstico laboratorial, hormônios e correiatos têm, ainda, no radioimunoensaio (RIE), preços mais acessíveis que as técnicas chamadas quimiluminiscentes e outras similares.
Revista
JOSÉ C ARLOS BARBtRI O
São Paulo, SP
Foi com enorme tristeza que li a reportagem publicada no suplemento especial Políticas Públiças, em Pesquisa FAPESP 68, a reportagem Por um leite saudável. Infelizmente, não vi citada a fundamental parceria do Instituto Biológico, por meio dos pesquisadores do Centro de Sanidade Animal, os quais realizam todas as análises para monitoramento de brucelose e tuberculose, duas zoonoses de impacto social da mais elevada importância, incluindo-se a aplicação no diagnósticos de técnicas moleculares de PCR. Aliás, essas técnicas foram implantadas em nosso laboratório, exatamente com o financiamento da FAPESP.
M ARGARETH ÉLIDE GENOVEZ
ELIANA SCARD ELLI PI NHEIRO
LILIA GRASSO
ELIANA Roxo São Paulo, SP
Revista
Desde que cheguei na revista Forbes, a leitura de Pesquisa FAPESPtornou-se obrigatória. É uma publicação muito bem escrita, que fica longe da armadilha do texto acadêmico.
MANOEL FERNANDES
Editor de Tecnologia/Ciência São Paulo, SP
Em visita à Mostra de Ciência e Tecnologia (Cientex), em abril de 2001, em Campinas, tive oportunidade de conhecer a revista da FAPESP. Praticamente a li por completo e os parabenizo pelo seu conteúdo.
PAULO FORMAG IO
Engenheiro Agrônomo
Sou professora de uma universidade argentina e, ao ver pela primeira vez a revista Pesquisa FAPESP, achei que a publicação será muito interessante e útil para os temas que trabalho na classe. Parabéns pela publicação.
!<ARINA CECILI A FERRANDO
Universidad Tecnológica Nacional Avellaneda, Argentina
Como aluna de pós-graduação da Unicamp (Faculdade de Engenharia Química), gostaria de parabenizá-los pela revista Pesquisa FAPESP, que sempre traz excelentes reportagens e informações.
Correção
ELAI NE C ABRAL
Campinas, SP
O valor correto do auxílio à publicação concedido pela FAPESP para o livro Galileu Galilei, Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo, de Pablo Rubén Mariconda, foi de R$ 10.000,00 e não de R$ 20.300,00, como consta em Pesquisa FAPESP 66.
Pesquisa PESQUISA FAPESP
É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE
PROF. DR. PAULD EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE·PRESIDENTE
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOSVOGT
FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER
JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO
NILSON OIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO
RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN
CONSELHO T~CNICO-ADM INISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI
DIRETOR PRESIDENTE
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTliATIVO
PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTiFICO
EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL
PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER
PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ
EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA
EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS
NELDSON MARCOLIN
EDITOR DE ART! HÉLIO DE ALMEIDA
EDITORES CARLOS FIORAVANTI [CIÉNCIA) CLAUDIA IZIQUE [POLITICA C&D
MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)
EDITOR·ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO
REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETIA
ARTE JOSÉ ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÃO)
LUCIANA FACCHINI (DIAGRAMAÇÃO) TÂNIA MARIA DOS SANTOS
(DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA)
FOTóGRAFOS EDUARDO CESAR MIGUEL BOYAYAN
COLABORADORES ANA MARIA FlORI
CLAUDIA BARCELLOS JOSÉ TADEU ARANTES
LUCAS ECHIMENCO LUIZ FERNANDO VITRAL
MARIA APARECIDA MEDEIROS RENATA SARAIVA
ROBINSON BORGES SILVIA MENDES
WAGNER DE OLIVEIRA YURI VASCONCELOS
PRÉ-IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN E GRÁFICA AQUARELA
IMPRESSÃO PADILLA INDÚSTRIAS GRÁFICAS S.A.
TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES
FAPESP RUA PIO XI, N' 1500, CEP 05468-901
ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (0 - 111 3838-4000 - FAX: (O - 11 I 3838-41 81
SITE DA REVISTA PESQUISA FAPESP: http://www.revistapesquisa.fapesp.br
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP t PROIBIDA A REPRODUÇAO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇAO
lf3APESP SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIA
E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EDITORIAL
Cerco à hipertensão
Já está se tornando uma tradição: pesquisadores brasileiros fizeram mais uma descoberta importante
sobre hipertensão. Equipe da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto do Coração (Incor) achou uma proteína que aparece apenas em quem já tem pressão alta ou exibe predisposição para desenvolvêla. A hipertensão é importante objeto de estudo em todo o mundo pela ameaça silenciosa que representa. Quando se conseguem novas informações que possam efetivamente levar a um diagnóstico precoce, o mundo científico comemora. É um passo a mais para combater uma doença que, quando se manifesta, normalmente já provocou estragos na saúde do paciente. Estimativa da Organização Mundial de Saúde aponta para mais de 600 milhões de hipertensos no mundo - só no Brasil, 20% da população adulta tem o problema.
Os pesquisadores criaram um kit para medir a presença da proteína na urina humana, que poderá se tornar um teste preditivo de hipertensão. Eles também pediram a patente sóbre o uso do marcador e do teste no Brasil e farão o mesmo nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. A boa notícia segue a linha de pesquisas importantes já feitas sobre o assunto. Na década de 60 identificou-se na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto a molécula BPF (fator de potenciação da bradicinina), que deu origem a um remédio muito utilizado contra a doença. Este ano, o Centro de Toxicologia Aplicada do Butantan patenteou o princípio ativo de outra molécula, o Evasin, que também deverá originar um fármaco anti-hipertensivo. E, agora, aparece o trabalho da equipe da Unifesp e do Incor, objeto de capa desta edição (página 26). Sinal de que a competência instalada no sistema de pesquisa do Estado de São Paulo
raramente deixa de dar frutos quando dispõe de meios adequados.
O mesmo vale para outros centros de pesquisas brasileiros reconhecidamente competentes. O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por exemplo, está preparado para ajudar países da África de língua portuguesa que têm convênios de cooperação com o Brasil. Far-Manguinhos deverá transferir tecnologia de fabricação de anti-retrovirais para Angola, país com alto índice de contaminados pelo HIV; causador da Aids. A história com o belo trabalho da Fiocruz começa na página 14.
Na seção de Tecnologia, há um exemplo de parceria entre universidade e empresa com resultados para lá de bons. A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Alcoa Alumínio criaram o reômetro para concretos, um instrumento que se destina a aferir o grau de qualidade e as reações entre matérias-primas usadas na formulação de concretos refratários. O estudo é um sucesso: gerou dez dissertações de mestrado, sete teses de doutorado, um livro e o registro de três patentes. A Alcoa lançou um software específico que custa R$ 800,00, cuja renda reverterá toda para a UFSCar (página 52). Pesquisa FAPESPtem se esmerado em mostrar esse tipo de trabalho como indicativo das numerosas possibilidades de aproximação entre a academia e o setor produtivo. Já está provado que essa aproximação, se bem articulada, só traz benefícios para as duas partes.
Em Humanidades, pesquisadores do Instituto de Psicologia da USP levaram a termo um dicionário brasileiro com a língua dos sinais, para deficientes auditivos (página 71), o primeiro do país. Por fim, esta edição vem com o suplemento Inovação Tecnólogica, que atualiza dados de 1999.
PESQUISA FAPESP · OUTUBRODElOOI • 5
MEMÓRIA
O pioneiro da aeronáutica Há 120 anos, Júlio César Ribeiro de Souza descobria como dirigir balões
I
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Q uando o paraense Júlio César Ribeiro de Souza ( 1843-1887) tornou-se
obcecado por pássaros, na segunda metade do século 19, as pessoas mais bem informadas de Belém não estranharam. O balonismo estava na moda na Europa e havia uma corrida para descobrir como tornar os balões dirigíveis. Souza mergulhou na questão a partir da observação das aves: se achasse o ponto de equilíbrio que permite aos pássaros voar e planar no ar com pouco esforço, encontraria uma solução mecânica que poderia ser aplicada também aos balões. O brasileiro acabou por produzir um estudo original que seria importante para a história da aviação. Souza publicou suas conclusões em 1 o de agosto de 1880 no jornal A Província do Pará e, no ano seguinte, apresentou o estudo Memória sobre a Navegação Aérea no já extinto Instituto Politécnico Brasileiro, do Rio de Janeiro.
6 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Sucesso e fracasso O Victoria comprovou as teses de Souza. O Santa Maria não subiu por falta de dinheiro e problemas com o gás hidrogênio
Reconhecimento - Santos Dumont foi mais fe liz que Souza e ganhou o Prêmio Deustsch
ao contornar a Torre Eiffel, há cem anos
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1J: W' /n _,t~ . r,;. 6' /"
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! A descoberta consiste no ~ seguinte: o homem também :: poderia voar desde que
construísse um pássaro mecânico invertido (de cabeça para baixo), com leme e asas móveis. A designação técnica desse corpo mecânico dada na época é balão fusiforme dissimétrico aerodinâmico -fusiforme porque tem a forma de um fuso e dissimétrico em razão de ter a proa (frente) maior que a popa (traseira). Os balões construídos na época tinham quase todos três formas: gota d'água invertida, cilindro cônico e fusiforme simétrico. Foram experimentados diversos meios na tentativa de lhes dar movimento e direção. Porém, eles subiam apenas verticalmente, sem rumo. Com a invenção do motor a vapor, máquinas com hélices também foram instaladas nos balões, sem sucesso. A descoberta do brasileiro mudou tudo. O balão com a proa mais bojuda que a popa movimenta-se para a frente mesmo contra o vento. O parecer da Comissão da Seção de Ciências Físicas do Instituto Politécnico Brasileiro explicava o fenômeno: "Na ação contínua de vencer a resistência oposta pelo ar nos planos laterais (asas e leme), ligeiramente inclinadas para a frente, o balão produzirá por si só, em tempo calmo ou com aragem branda, um movimento horizontal". Subsidiado pelo governo do Pará, o brasileiro
foi para Paris construir o balão experimental para testar sua teoria; em 1881. Já prevendo problemas, Souza patenteou a invenção em dez países e expôs suas idéias na Sociedade Francesa de Navegação Aérea. Por fim, no mesmo ano, o balão ficou pronto nas oficinas de Hilaire Lachambre, com 10 metros de comprimento, 2 metros de diâmetro na proa, asas e leme horizontais. Souza batiza-o deLe Victoria em homenagem à sua mulher, Victoria Filomena do Vale, e nos dias 8 e 12 de novembro, o invento é testado com sucesso diante de toda a imprensa francesa. De volta ao Brasil, o inventor tenta conseguir dinheiro para construir um dirigível de grande porte, já encomendado em Paris, que se chamou Santa Maria de Belém, mas
não repete a experiência em razão de problemas financeiros e técnicos. Em agosto de 1884, Souza fica sabendo que os franceses Charles Renard e Arthur Constantin Krebs construíram o dirigível La France baseado nos princípios do Victoria. Renard e Krebs haviam assistido à conferência de Souza em Paris e acompanharam a construção do balão brasileiro nas Oficinas Lachambre. "O invento estava patenteado na França, o que constituiu roubo industrial", afirma o historiador Fernando Medina do Amaral, já morto, no livro Júlio
César, o Verdadeiro Arquiteto da Aeronáutica, em que faz um reconstituição documental da trajetória do brasileiro. Em vão, Souza ainda lutou para ser reconhecido como criador da dirigibilidade dos balões. De volta a Belém, o inventor morre em 1887. Franceses e alemães seguiram aperfeiçoando novos dirigíveis. Até que, há cem anos, o brasileiro Alberto Santos Dumont contornou a Torre Eiffel, em Paris, no dirigível no 6. Com o feito, Dumont conquistou o Prêmio Deutsch, criado para quem fizesse em 30 minutos o percurso de ida e volta e, cinco anos depois, voou em um veículo mais pesado que o ar. Uma prova de que, apesar do esquecimento, as descobertas de Souza não se perderam.
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 7
OPINIÃO
MARCELO LEIT E
Imprensa e inovação O jornalismo científico tem uma contribuição a dar no desenvolvimento
tecnológico, mas seu papel não se restringe a difundir e educar
Não é tarefa trivial responder à ques-tão sobre qual se-
corra da falta de reportagens sobre ciência nos jornais e revistas brasileiros.
ria o papel ou a contribuição do jornalismo científico no desenvolvimento científico e tecnológico doBrasil. Certamente ele tem um papel a desempenhar, mas é duvidoso que se restrinja a difundir e educar, como em geral se tende a pensar. Talvez seja de valia tentar rastrear essa contribuição possível a partir de sua re-
"A imprensa nunca se rebaixará
Segundo os pesquisadores Ildeu de Castro Moreira, Luisa Massarani e Isabel Magalhães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de junho de 2000 a maio de 2001 os seis principais diários do país publicaram 751 textos sobre genética (média de um texto em cada jor-
à função de simples
reprodutor de informações,
lação com um problema real e presente, como o da dificuldade crônica da pes-quisa brasileira em efeti-var-se como inovação tecnológica. Teria a imprensa não-especializada uma contribuição a dar na superação desse fosso?
Segundo dados do Livro Verde do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o Brasil ocupa o 17° lugar no mundo em número de trabalhos científicos aceitos por publicações indexadas, com 12.333 artigos no ano 2000. Isso representa um acréscimo de mais de 400% em relação a 1981, contra uma média de crescimento mundial da ordem de 90%. No que diz respeito a patentes, porém, o desempenho brasileiro é acanhado, sobretudo se comparado com a Coréia do Sul: apenas 113 patentes registradas no Escritório de Patentes e Marcas dos EUA em 2000, contra 3.472 do país asiático. Não existe uma correia de transmissão entre o mundo da pesquisa, basicamente estatal, e o mundo empresarial.
Constituiria rematada ingenuidade, no entanto, pretender que essa incomunicação de-
8 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
nal a cada três dias). Alguém poderia argu
mentar que ao menos parte desse distanciamento entre institutos de pesqui-
sa e empresas seja produto da relativamente pequena participação de pesquisas brasileiras na pauta das reportagens (da ordem de 41 o/o, segundo os pesquisadores da UFRJ). Com efeito, essa é uma crítica freqüente que pesquisadores dirigem ao jornalismo científico brasileiro. Tão ingênuo quanto ignorá-la, no entanto, seria acreditar que as deficiências apontadas tenham a capacidade de oferecer alguma explicação causal para a falta de articulação entre os setores de produção de bens materiais e de produção de conhecimento. Essa deve terrazões orgânicas mais profundas na própria esfera da economia e das instituições, que caberia a outros especialistas identificar.
Não se iludam cientistas e empresários com a imprensa. Ela não é uma instituição educacional, nem tem por missão única e exclusiva a disseminação de informações, no sentido bruto dessa palavra. Um de seus mais importantes pontos de partida é a noção de
que não existe informação neutra ou objetiva. Ao contrário, a imprensa merecedora desse nome supõe que a informação é inextricável dos interesses a ela associados - mesmo no mundo da ciência- e que faz parte de sua missão incluir ou considerar esses matizes ou vieses na própria tarefa de informar. Tal imperativo, muito bem aceito e valorizado no jornalismo político e econômico, costuma ser mal compreendido quando jornalistas de ciência tentam ser fiéis a ele.
O pressuposto, ao se falar em educação, costuma ser o de que há fatos objetivos e inquestionáveis produzi-dos pela ciência isenta e de que, uma vez que o pú-blico tenha acesso a eles, o consenso racional se es-
já no exterior iniciativas de sucesso que podem oferecer um ponto de partida, como os serviços EurekAlert, Science Online e Press Nature, todos com áreas de acesso restrito para jornalistas credenciados. Esse credenciamento é necessário para que informações possam ser antecipadas aos profissionais sob embargo, ou seja, com o compromisso de publicação da reportagem apenas após determinada data, o que compatibiliza um trabalho jornalístico mais apurado com a prioridade da publicação científica.
Um serviço desse gênero seria de pouca va-lia, no entanto, se funcionasse como uma es
pécie de quadro de avisos, em que todos pudessem pendurar o que bem entendessem; em pouco tempo, nenhum jornalista
tabelecerá. Nada mais distante da realidade. As questões científicas, na arena pública, são e continuarão a ser questões políticas. A complexidade científica compõe somente seu pano de fundo, e é a partir dela - e não determinada por ela - que a sociedade tem de tomar decisões negociadas.
"É importante criar um serviço de notícias ágil
mais se daria ao trabalho de consultá-lo. É fundamental que o serviço disponha de um filtro de caráter editorial, ou seja, que só dê guarida a comunicações que cumpram requisitos mínimos de qualidade científica e de relevância jornalística.
e confiável para os jornalistas
especializados, As instituições de fo
mento à pesquisa têm provavelmente o melhor acervo centralizado de informações sobre estudos em fase de conclusão e de S
e o papel de facilitador for entendido como o de um inter-
mediário, de preferência incapaz de compreender, contextualizar e problematizar as próprias técnicas e os conhecimentos, tudo se resume a um mal-entendido e a falsas expectativas. A imprensa nunca se rebaixará à função de simples reprodutor de informações. Mas ela padece, sim, de uma crônica falta de informação e de atenção sobre pesquisas nacionais, e nesse sentido - ao menos por omissão - contribui para essa falta de comunicação.
Para aterrar esse outro fosso, entre as instituições de pesquisa e os órgãos de imprensa, é preciso criar um serviço de informações ágil e confiável para jornalistas. Hoje, eles são assediados diariamente por toneladas de press releases de escassa ou nenhuma relevância. É imperativo começar a pensar num serviço nacional e centralizado de informações sobre pesquisas para jornalistas especializados em ciência. Com os recursos hoje oferecidos pela Internet, ele não teria custos proibitivas de implantação, e há
qualidade. Por isso, deveriam assumir a responsabilidade de intermediar esse fluxo de informações entre institutos de pesquisa e a imprensa, com o que esta se encarregará, então, muito melhor, da tarefa de disseminar essas informações para o público, empresários e investidores aí incluídos, da maneira como se deve: com precisão, contextualização e crítica. Esse é o melhor serviço que ela pode prestar ao país.
MARCELO LEITE é editor de Ciência da Folha de S.Paulo e autor dos livros Os Alimentos Transgênicos (2000) e A Floresta Amazônica (2001 ), ambos da série Folha Explica (Publifolha)
(*) Adaptado de participação na mesa-redonda Uma população informada: Divulgação científica, na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, de setembro de 2001
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 9
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS . '
Os ganhadores do Nobel2001
Como ocorre há cem anos, em outubro foram divulgadas as personalidades que se destacaram nas seis categorias existentes do Prêmio Nobel. A Real Academia de Ciências da Suécia este ano homenageou a Organização das Nações Unidas (ONU) e seu secretário-geral, Kofi Annan, na categoria Paz. Nada mal para um prêmio criado pelo inventor da dinamite.
• Física - Os norte-americanos Eric Cornell e Carl Wieman, da Universidade do Colorado, e o alemão Wolfgang Ketterle, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, ganharan1 o prêmio ao provar a existência do condensado de Bose-Einstein, um novo estado de matéria, espécie de gás com características especiais. Quando se aprender a trabalhar corretamente com esse material, ele terá aplicações práticas como, por exemplo, em componentes eletrônicos.
• Química - O japonês Ryoji Noyori, da Universidade de Nagoya, e os norte-americanos William Knowles, aposentado, e Barry Shapless, do Scripps Research Instituto de La Jolla, nos Estados Unidos, foram a premiação mais "prática" este ano na área científica. Eles resolveram o problema das moléculas quirais, que provocam reações biológicas inesperadas quando usadas em medicamentos. Agora, é possível fabricar drogas sem efeitos negativos na saúde- esses estudos já são usados no combate ao mal de Parkinson.
1 O • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Anann: homenagem à paz
Na i paul: est ilista
• Medicina - A descoberta de como funciona o processo de divisão celular deu o prêmio aos ingleses Timothy Hunt e Paul Nurse, do Imperial Cancer Research Fund, e ao norteamericano Leland Hartwell, do Fred Hutchinson Cancer Center, dos Estados Unidos. O trabalho permitirá novos tratamentos e diagnósticos de câncer, mas ainda deverá levar tempo até se conseguir uma droga eficaz contra a doença.
• Economia - Os norte-americanos George Akerlof, da Universidade da Califórnia, Michael Spence, da Universidade Stanford, e Joseph Stiglitz, da Universidade de Colúmbia, todas
Hartwell : divisão ce lular
Noyori: descoberta "prát ica"
nos Estados Unidos, mostraram por que os governos não podem abdicar de fiscalizar o mercado e aplicar punições, quando for o caso. O estudo deu origem a uma "teoria geral do mercado':
• Literatura- Autor de 25 obras em quase todos os gêneros literários, o escritor VS. Naipaul- descendente de indianos nascido em Trinidad, no Caribe, e radicado na Inglaterra -estreou nas letras em 1957.
Seus principais livros são Uma Casa para o Sr. Biswas, O Enigma da Chegada, Além da Fé e Uma Curva no Rio. Naipaul é considerado um estilista brilliante e um arguto observador.
• Paz - Kofi Annan, de Gana, atual secretário-geral da ONU, foi o escolliido pela academia sueca- uma forma de a academia mostrar seu apreço pela paz nos cem anos do prêmio. Annan tem atuação destacada em conflitos pelo mundo, como no Timor Leste, Kosovo e Líbano, além de agir nas campanhas humanitárias.
lgNobel
Alguns dias antes do anúncio do Nobel, sai a lista do IgNobel, uma premiação muito bemhumorada patrocinada pela Universidade Harvard para as pesquisas "que não devem ser reproduzidas': Invariavelmente, o resultado é muito engraçado e serve como contraponto à solenidade das homenagens da Real Academia Sueca. Este ano não foi diferente: o IgNobel de Medicina foi para Peter Barss, da Universidade McGill, no Canadá, por concluir, com a ajuda de cálculos precisos feitos por um parente astrônomo, que cocos em queda podem causar "contusões neurais severas': Em Biologia (as categorias do IgNobel são menos tradicionais que as do Nobel), ganhou Buck Weimer, de Pueblo, no Colorado, Estados Unidos, por criar uma cueca com filtro que e]jmina o odor de flatulências. Em Tecnologia, o advogado John Keogh, da Austrália, requisitou a patente de um "aparellio circular de facilitação do transporte" -nada mais, nada menos que a roda. Sua solicitação recebeu a patente n° 2001100012. •
O uso de armas químicas e biológicas não começou depois dos atentados contra os Estados Unidos. O bioterrorismo tem uma origem remota, recheada de mortes. Conheça algumas dessas histórias.
Século 6 a.C. - Assírios jogaram centeio com fungos nos poços inimigos.
184 a.C. - Na batalha naval contra o rei Eumenes de Pergamon, as forças de Hannibal atiraram potes com serpentes venenosas no convés inimigo.
1346- Durante o cerco de Kaffa, a armada tártara jo-
• Mais 15 milhões de professores
Estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) revelou que o mundo precisa de mais 15 milhões
Uma longa história de horrores
Pizzaro: varíola como arma
ga seus mortos infectados sobre os muros da cidade.
Século 15 - Na conquista da América do Sul, o espanhol Francisco Pizzaro deu aos nativos roupas com o ví
rus da varíola.
1767 - Na colonização da América do Norte, o gene-
de professores nos próximos dez anos, informou John Daniel, subdiretor-geral do organismo ao jornal El Pais. Embora os 59 milhões de professores existentes no mundo representem o maior grupo de profissionais qualificados
ral inglês Jeffrey Amherst enviou cobertores infectados para os índios que resistiam à invasão. Tribos inteiras foram dizimadas.
1797- Napoleão Bonaparte tentou forçar a rendição de Mantua (Itália) contaminando a população com a febre-do-pântano.
Amherst: germes contra índios
do planeta, em muitos países a profissão tem baixos salários, condições ruins de trabalho e pouco prestígio, o que dificulta o recrutamento, segundo um comunicado conjunto do Fund9 das Nações Unidas para a Infância (Uni-
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para [email protected]
food IIIUI brimc't'
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=--~===-"=-::=~=~~=:...-...--:-~~=. .. ~:_::..==:=:=~~::;.-:::=!ai=;.. .... -..... _ .. ____ .__ _______ .. _
.. --~ lllool-..-- ... w-
.. ... - ... ··---·-------·-·---·-- ··-·-·-- · --~-
Napoleão: jogo sujo na Itália
1936 - O Japão fabrica e testa armas biológicas na Mandchúria. Dezenas de milhares de pessoas morrem em conseqüência da cólera e do antraz.
1995 - Ataque com gás sarin no metrô de Tóquio provoca 12 mortos e deixa dezenas de feridos. •
cef) e a Organização Internacional do Trabalho (O IT). A escassez de docentes é especialmente grave no sul da Ásia e na África, mas há regiões ricas, como os Estados Unidos, que também têm déficit de profissionais. •
-.uen.org/utahlinkllp_res/nutri375.html
Um guia instrutivo para professores e alunos que relaciona ciência
-.abjc.org.br
Bom espaço de divulgação e discussão dos jornalistas especializados em ciência e tecnologia
-.exploratorium.edu/sports/index.html
Interessante site que explica didaticamente aspectos científicos
e alimentação de jovens e adultos. dos vários esportes.
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 11
Educação combate desertificação
Processo avançado de desertificação no interior de Pernambuco: ação coletiva
A atuação de 12 professo-res da Universidade Fede-ral do Piauí, que se uni-ram em 1994 para formar o Instituto Desert, uma organização não-governa-mental (ONG), está con-seguindo bons resultados contra a desertificação no interior de Pernambuco e, de quebra, melhorando a vida dos moradores do ser-tão. O objetivo é conscien-
• Perspectivas de novas parcerias
Satisfeito com os resultados da parceria estabelecida com a rede de Genomas Agronômicos e Ambientais (AEG), responsável pelo seqüenciamento do código genético da variedade da bactéria Xylella fastidiosa, que destrói as parreiras da Califórnia, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) pensa em estender a cooperação para outras iniciativas.
12 · OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
tizar as famílias para con-viver com a natureza sem degradá-la. De 2000 até meados deste ano, o lnsti-tuto Desert trabalhou com 210 famílias no interior de Pernambuco. "Treinamos os moradores das com uni-dade em atividades não-extrativistas", diz o presi-dente da ONG, Valdemar Rodrigues. O instituto faz cisternas de lO mil litros
"Os pesquisadores brasileiros fizeram até mais do pedimos", diz Edwin Civerolo, do USDA, que esteve em São Paulo visitando os laboratórios da rede AEG, um projeto do programa Genoma-FAPESP. Além de mapear o genoma da Xylella da uva, os cientistas da rede AEG estão terminando o trabalho de anotação e montagem do código genético de outras duas linhagens da bactéria, a da amendoeira e a da espirradeira (planta ornamental),
para armazenar a água da chuva e fossas assépticas. Também cria incubadoras de atividades que possam ser feitas por eles. "Traba-lhamos todo o processo." No final de outubro, o ins-tituto, com o apoio do go-vemo de Pernambuco e da Universidade Federal Rural de Pernambuco, começou a segunda etapa do trabalho, com outras 300 famílias. •
que haviam sido quase integralmente seqüenciadas nos Estados Unidos. •
• Renovação do conselho da FAPESP
A eleição para renovação de um integrante do Conselho Superior da FAPESP será realizada entre os dias 26 e 30 de novembro, até as 17 horas, via Internet. As instituições de ensino superior e pesquisa do Estado de São Paulo, oficiais ou particulares, que estão
credenciadas, têm até o dia 12 de novembro para inscrever candidatos utilizando os formulários disponíveis no site da Fundação (www.fapesp.br) e deverão encaminhar os nomes de seus representanteseleitores. A FAPESP avisará as instituições até 14 de novembro a relação dos candidatos inscritos, com os respectivos currículos resumidos. •
• Pesquisadora ganha Prêmio Cláudia
Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), ganhou o Prêmio Cláudia 2001, com outras quatro mulheres. A premiação é anual, realizada por meio de uma rede de formadores de opinião, entidades governamentais e não-governamentais, fundações e universidades, que indicam mulheres destacadas nas mais diversas áreas. Foi escolhida como Mulher do Ano a alagoana Edneusa Pereira Ricardo, prefeita de São José da Tapera, a cidade mais pobre do país em 1991. Depois do
Mayana: reconhecimento
CBERS 2 montado no lnpe: programa deUS$ 300 millhões
assassinato do marido, em 1995, Edneusa foi eleita no ano seguinte e baixou drasticamente a mortalidade infantil, o analfabetismo e melhorou o abastecimento de água. Em 2000, ela foi reeleita com 72% dos votos. As outras vencedoras foram Fernanda Giannasi (luta pelo banimento do amianto), Rosangela Barnabé (dá aulas de dança para deficientes físicos) e Vera Lazzaroto (atua na área de educação profissionalizante de adolescentes em situação de risco). Mayana, além das pesquisas genéticas, trabalha na interpretação de processos de distrofia muscular. •
• CBERS 2 embarca para a China
Terminaram os trabalhos no Brasil com o satélite CBERS 2, desenvolvido em parceria com a China. A montagem, integração e testes acabaram em outubro e agora ele será lançado no próximo ano em solo chinês. O programa CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) inclui o desenvolvimento, construção e lançamento de dois satélites: o número 1, em órbita já há dois anos, e o 2, pronto para embarcar. O orçamento do programa é de US$ 300 milhões, 30% sob responsabilidade brasileira. •
• CNPq sob nova administração
O neurocirurgião da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Esper Cavalheiro assumiu a presidência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 19 de outubro. Ele entrou no lugar de Evando Mirra, que assumiu a direção do recém-criado Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. O centro prestará assessoria técnica ao governo federal no acompanhamento e gestão de recursos de pesquisa e desenvolvimento. Lúcia Melo e Marisa Cassin, vindas do Ministério da Ciência e Tecnologia, já trabalham com Mirra no centro. A princípio, nada muda no CNPq, embora o objetivo natural com o provável aumento de recursos em razão da criação dos diversos fundos setoriais seja o de crescer o número de bolsas, além de se abrir mais linhas para o financiamento de projetos de pesquisa. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também tem novo diretor, Luiz Carlos Moura Miranda, pesquisador que trabalhou em diversos institutos e universidades no Brasil e no exterior. Ultimamente lecionava da Universidade Estadual de Maringá. •
• Embrapa lança Rede Genoma Bovino
A Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) vai trabalhar pelo melhoramento do gado leiteiro e de corte agora com as ferramentas da genômica. A Embrapa Gado de Leite lançou, em outubro, a Rede Nacional de Genoma Bovino, que irá unir outras unidades da empresa que já trabalham com pesquisas genéticas, universidades e instituições nacionais e estrangeiras. "Atuando de modo coordenado, evitamos a repetição de um mesmo
trabalho e compartilhamos as pesquisas realizadas", diz Mário Luiz Martinez, chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Gado de Leite, cuja sede fica em Juiz de Fora (MG). Todos os anos o Brasil gasta cerca de R$ 800 milhões com produtos para combater parasitas que atacam o gado e perde R$ 2,6 milhões por deixar de produzir carne e leite. O Laboratório de Genética Molecular, também inaugurado em outubro, será fundamental para a formação de um banco de DNA dos animais dos diversos programas. •
São Carlos terá novo campus da USP
A Universidade de São Paulo (USP) decidiu ampliar o espaço do campus de São Carlos e vai iniciar a instalação do Campus II em 2002. Hoje o Campus I está instalado em 321 mil metros quadrados no centro da cidade. A nova área tem 730 mil metros quadrados e está a 4 quilômetros do centro. Com a aprovação do curso de Engenharia Aeronáutica e a recomendação do crescimento do número
de vagas pelo Conselho dos Reitores das Universidades paulistas, a reitoria da USP decidiu investir em instalações mais amplas, que permitissem a expansão de outros cursos. A área, doada por uma empresa para a prefeitura de São Carlos, será repassada para a USP. O investimento inicial, que deverá ser aprovado em 2002, é de R$ 3,5 milhões para começar a montar a infra-estrutura do Campus II. •
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fóruns, como a Conferência Mundial sobre Aids, em Nova York, ou a Conferência Pan-americana de Saúde, que está disposto a transferir tecnologia de medicamentos para combater a doença, já que não pode doar recursos. Nossa política é de solidariedade internacional", completa.
O objetivo do acordo com Angola, ou com qualquer outro país africano, é qualificar os futuros parceiros para desenvolver e padronizar fórmulas de medicamentos sem proteção de patentes. "Isso não é o mesmo que fazer cópias~ ressalva Eloan. "Estamos falando de desenvolvimento de produtos:'
Política de medicamentos - FarManguinhos é uma referência nos mercados brasileiro e internacional de medicamentos. O instituto já desenvolveu oito dos 12 anti-retrovirais produzidos por seis laboratórios oficiais e distribuídos pelo Ministério da Saúde. Esses medicamentos não estão protegidos por patente, já que foram registrados no país antes de 1997, quando entrou
vigor a Lei Brasileira de PaOito desses antivirais já aprovados nos testes de
que avaliam o ii!Í'roítd·I"Õín de qualidade em rela
mentos do governo com o programa seriam quase o dobro.
Os gastos com antivirais importados, protegidos por patente, no entanto, chegam a 59%. O governo tem buscado acordo com grandes laboratórios para a redução de preços. Em setembro, depois de vencer na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma contenda com o governo norte-americano que questionava o artigo 68 da Lei de Patentes brasileira, sobre o licen-
tirnos cinco anos e as internações hospitalares em razão de doenças oportunistas, como tuberculose ou citomegalovírus, foram reduzidas em 80%. "O Estado tem de ter poder de monitorar preços e lucro e definir uma política clara para o tratamento de doenças que a indústria farmacêutica considera não lucrativas': justifica a diretora de Far-Manguinhos.
Essa mesma política vale também para o tratamento de doenças ligadas
medicamento de marca, Far-Manguinhos, da Fiocruz, é referência no mercado brasileiro de medicamentos
~:BC;nciO que seis deles têm o regisde genérico. No Brasil, o desenvolvimento de
anti-retrovirais em Far-Manguinhos e sua produção em seis laboratórios públicos respaldam o programa de dis
~;:::~·:tr:tD\luato de medicamentos para Aids Ministério da Saúde. O Nevira
por exemplo, que custava US$ por comprimido de 200 mg, o preço reduzido em 58%. No da Didanosina (ddl), a redução
de 72%. Atualmente, esses medi-JUll4eDt<>sjá representam 41 o/o dos R$
.milhões que o governo gasta na de anti-retrovirais com disgratuita. Se todos os medido coquetel de combate à
IS;<lOCJS;Sein importados, os investi-
ciamento compulsório de patentes em caso de abuso de poder econômico, e de ameaçar quebrar a patente do Nelfinavir, o laboratório Roche, detentor da marca, concordou em reduzir o preço do fármaco em 40%. O Nelfinavir, aliás, já tinha sido desenvolvido por Far-Manguinhos. Com o acordo, o preço do comprimido produzido pela Roche cairá de US$ 1,07 para US$ 0,64. Foi o segundo acordo fechado com laboratórios neste ano.
Em março, a Merck Sharp & Dohme reduziu os preços do Efavirenz e do Indivinar, respectivamente em 59% e 64,8%. Os resultados falam por si: a taxa de mortalidade por Aids no país caiu pela metade nos úl-
à pobreza, falta de saneamento básico, como a malária e a doença de Chagas, que estão entre as diversas linhas de pesquisa desenvolvidas pelo instituto. Os projetos estão estruturados de acordo com níveis de prioridade. As pesquisas com doenças qualificadas como negligenciadas, a exemplo da tuberculose e leishmaniose, estão entre as prioridades, assim como as investigações com fitoterápicos e com medicamentos batizados de excepcionais, como antipsoriático, antipsicóticos, ou contra hepatite e epilepsia . A estratégia é manter o foco das pesquisas naquilo que a sociedade e a população mais precisam. Estão em fase de pesquisa 18 produtos fitoderi-
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vados. Outros quatro estão em fase de cultivo. Far-Manguinhos realiza, no momento, testes químicos e farmacológicos com cinco produtos e formula outros dois.
Os projetas são conduzidos por 134 pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, seis pós-doutorados, 26 doutorados e 30 com mestrado. As pesquisas são acompanhadas por um Núcleo de Planejamento e Gestão de Projetas, responsável pela avaliação do trabalho e que funciona como uma espécie de conselho do desenvolvimento do conhecimento. O núcleo avalia a relação custo/benefício de cada projeto, corta aqueles com mau desempenho, faz a interface com o mercado e julga a eficiência da equipe. "O setor privado só adquire confiança quando o desenvolvimento em escala na bancada for padronizado. E isso é feito pelo Núcleo de Gestão. Na planta piloto realizamos escala de laboratório e de produtos até 1 quilo. Em parceria com o setor privado, é possível saltar de 1 quilo para 30 quilos."
Otimização de gastos - A parceria com os setores público e privado tem sido a estratégia de Far-Manguinhos para a produção de fármacos e desenvolvimento de formulações farmacêuticas. O instituto mantém acordo de sigilo para copiar moléculas de produtos com custo acima de US$ 100, que são pouco ofertados ou não são atendidos pelo mercado. A síntese desses produtos é transferida para o setor privado, que assume a responsabilidade de sua fabricação. Muitos desses produtos já estão no mercado. Todas essas moléculas não estão protegidas por patentes, o que libera o país do pagamento de royalties e permite o monitoramento de preços.
Em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o instituto está pesquisando, há três anos, novos antivirais. Já foram registradas patentes de 60 moléculas que estão prontas para testes farmacológicos. Já foram feitos testes de toxicologia e farmacologia subaguda e constatou-se
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Mercado Farmacêutico Mundial
América Latina (US$ 22.4 bi lhões)
África, Ásia e Austrália (US$ 26,4 bilhões)
Europa (US$ 26,6 bilhões)
América do Norte (US$ 135,6 bi lhões)
que as moléculas têm potencial ativo para novos medicamentos. Far-Manguinhos, agora, busca parceria com laboratórios privados para o desenvolvimento do fármaco, já que se trata de uma atividade de risco. A expectativa, diz Eloan, é chegar a pelo menos dois fármacos. "Estamos preferindo confiar o desenvolvimento a labora-
Fonte: Ministério da Saúde/Fiocruz
tórios que tiverem farmoquímica no Brasil. Nossos parceiros terão licença para fabricar. Mas, como a patente é pública, o Estado manterá controle sobre o preço de mercado."
Novas moléculas - Far-Manguinhos também integra a rede mundial de laboratórios, liderados pelos Médicos
Parceria para genéricos
O laboratório indiano Ranbaxy estuda joint venture com um laboratório nacional para a implantação de uma fábrica de medicamentos genéricos no país. A gigante Teza, de Israel, já iniciou negociação para produção de genéricos em parceria com a Biosintética. "Também há entendimentos com empresas canadenses, por meio da Associação Nacional de Fabricantes de Remédios, com o mesmo objetivo", adianta José Marcos Viana, assessor internacional do Ministério da Saúde.
A intenção do governo federal é expandir a produção nacional de genéricos, que, atualmente, representam entre So/o e 6% do mercado de medicamentos no Brasil. "Os produtos similares tendem a desa-
parecer. Ficarão no mercado os genéricos e os remédios de marca", ele diz.
Alguns laboratórios multinacionais garantem que, em breve, começarão a produzir genéricos dos seus produtos liberados da proteção de patente. Mas a estratégia do governo é buscar parceria com grandes produtores internacionais como Índia - o maior país produtor privado de genéricos do mundo -, Israel ou Canadá.
O primeiro passo foi disponibilizar, para as empresas estrangeiras interessadas na produção de genéricos no país, uma linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O segundo foi aprovar no Congresso Nacional, em fevereiro deste
Sem Fronteiras, entidade francesa que conta com financiamento da Global Alliance - formada por Bill Gates, presidente da Microsoft, e Fundação Rockfeller, entre outros -, para pesquisar novas moléculas para o tratamento de leishmania, malária e doença de Chagas ou negligenciadas pelos grandes laboratórios. Entre 1975 e 1997, das 1.233 novas drogas desenvolvidas, apenas 1 o/o era destinado ao tratamento dessas doenças que, no entanto, matam 13 milhões de pessoas por ano, nos países em desenvolvimento, de acordo com informações do Médicos Sem Fronteiras. Essas moléculas serão desenvolvidas em parceria pelos setores público e privado e os Estados terão poder de controle sobre preços, já que o objetivo é eliminar essas doenças.
Mercado de farmoquímicos - O Brasil participa com 3,37% do mercado mundial de medicamentos, num total deUS$ 10,31 milhões. É o quinto em todo o mundo e o primeiro na América Latina. No que se refere à produção
ano, a conversão de medida provisória alterando o inciso 7 do artigo 43 da Lei de Patentes, com o objetivo de facilitar a produção de medicamentos genéricos no país. A mudança na legislação deixa claro que os genéricos de determinada marca só podem ser comercializados depois de 20 anos, quando se encerra o período de proteção da patente. Mas não há qualquer impedimento para que, até essa data, empresas desenvolvam pesquisa sobre o princípio ativo desses medicamentos. "A redação anterior deixava margem a interpretações restritivas que impediam não só a produção, como também a pesquisa", diz Viana.
Essa questão já foi objeto de um debate intenso entre a União Européia e o Canadá que permitia a pesquisa, produção e estocagem de medicamentos genéricos antes do
de medicamentos, na avaliação da diretora de Far-Manguinhos, o mercado brasileiro é competitivo: 89,3% dos medicamentos são produzidos no país. Mas quando se fala na produção de fármacos, a situação é inversa: 82% dos farmoquímicos são importados. "Temos poucas empresas com competência tecnológica e com padrão internacional para a realização de todas as etapas do processo de pesquisa. Apenas seis ou sete empresas estão operando no país. Nesse aspecto, o Brasil é altamente dependente': ela diz. O Brasil, ela avalia, não possui uma política de incentivo ao desenvolvimento tecnológico e à produção local de princípios ativos. Ao contrário: o que se observa é um decréscimo no nível das importações de fármacos, em decorrência de um aumento da importação de medicamentos, e uma tendência de redução de alíquotas na importação de produtos finais, enquanto as de farmoquímicos se mantêm inalteradas.
A falta de incentivos ajuda a explicar a seqüência de buracos presentes nas diversas etapas do desenvolvirnen-
fim da proteção da patente. O debate foi mediado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo parecer resultou numa alteração no acordo internacional, permitindo apenas a pesquisa, antes dos 20 anos.
Essa medida ficou conhecida no mercado como Bolar Provision, numa referência a uma outra contenda nos Estados Unidos, antes do acordo Trips, envolvendo uma empresa produtora de genérico, a Bolar, e um grande laboratório. "A solução foi levada à Suprema Corte, que autorizou a pesquisa antes da quebra da patente': conta Viana. Além do Brasil, apenas Israel, Estados Unidos, Hungria e Canadá contam com essa proteção. A Bolar Provision, além dos recursos do BNDES, foi critério fundamental para atrair para o país empresas como a Teza ou a Ranbaxy.
to de um novo medicamento. O primeiro ocorre entre as fases de pesquisas básicas e pré-clínicas: os resultados da pesquisa são publicados, mas a fase pré-clínica, não é iniciada. E, quando isso ocorre, as drogas validadas não entram na fase clínica em função de escolhas estratégicas da empresa, criando um segundo buraco no desenvolvimento de medicamentos. E, finalmente, quando as pesquisas clínicas avançam, as drogas novas ou existentes não chegam aos pacientes por falta de interesse comercial.
Na avaliação da diretora de FarManguinhos, só a parceria entre os setores público e privado poderá consolidar a política de fármacos no país. "É preciso proteger a indústria nacional competitiva, com políticas de incentivo e tributária para fortalecer o produto interno. A competitividade baixa os preços."
Cita o exemplo da Índia, um dos maiores produtores mundiais de genérico, que desenvolveu seu mercado com um programa nacional de incentivos fiscais e de exportação de medicamentos. O modelo indiano para o Desenvolvimento da Indústria Farmoquímica foi estruturado em cima de uma série de ações estratégicas de curto prazo de forma a alavancar negócios, sobretudo no setor privado. O governo criou uma fundação para a promoção do desenvolvimento de medicamentos; reestruturou e modernizou os centros de P&D; implementou fundos de investimentos para as atividades de P&D de novos medicamentos; alterou a Lei de Patentes, além de adotar políticas de incentivos fiscais de apoio à importação. A médio prazo, investiu-se no fortalecimento da infra-estrutura para o programa de Descoberta de Novas Moléculas e no desenvolvimento de recursos humanos para a investigação de novos medicamentos. Os resultados já são conhecidos: a Índia é, atualmente, um dos maiores produtores de medicamentos genéricos em todo o mundo. Eloan acredita que o fortalecimento do setor farmoquímico no Brasil passa por caminho semelhante. •
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 17
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ÉTICA
Uma questão delicada Publicações científicas buscam meios de lidar com conflito de interesses
Oproblema do conflito de interesses na pesquisa científica,
principalmente na área biomédica, começa a mobilizar publicações científicas de prestígio. Trata-se, sem dúvida, de uma questão complexa já que, atualmente, grande parte dessas investigações conta com financiamento de empresas e de agências de fomento e é realizada por cientistas por elas contratados ou apoiados. A possibilidade de que interesses financeiros possam se sobrepor aos interesses éticos levou algumas revistas de prestígio a adotar critérios mais rígidos na eleição de artigos para publicação. A Nature adotou, desde 1 ~ de outubro, uma série de medidas com o objetivo de tornar público eventuais situações de conflito. Antes dela, editores de 11 das mais importantes publicações em todo o mundo, já tinham anunciado decisão semelhante. A FAPESP, desde março está utilizando o princípio da plena informação para contornar potenciais problemas éticos.
Regras da Nature - Os pesquisadores interessados em divulgar seus papers na Nature deverão declarar por escrito as fontes de financiamento e qualquer conflito de interesse que possam ter com a divulgação da pesquisa. Um resumo dessa declaração será publicado como parte do paper e sua versão integral ficará à disposição dos interessados no si te da revista. Se o pesquisador preferir, poderá manter essa informação sob sigilo, mas os leitores serão informados
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dessa opção. Para a Nature, financiamento, emprego e interesses financeiros pessoais em relação aos resultados da pesquisa são interesses competitivos.
A Nature ressalva que a nova política não está baseada no pressuposto de que os interesses comerciais de pesquisadores provavelmente conduzirão a uma falta de integridade na pesquisa. "Baseia-se, antes, no reconhecimento de problemas potenciais': justificou o editor Philip Campbell, em editorial publicado na edição no 412, de 23 de agosto de 2001.
Os "problemas potenciais" a que ele se refere são as evidências "sugestivas" na literatura de que práticas editoriais em pes-quisa biomédica têm sido influenciadas por interesses comerciais de seus autores, uma preocupação geral entre os pesquisadores de um possível solapamento da integridade da pesquisa científica pelo aumento dos laços comerciais e seus efeitos decorrentes e o fato de muitas instituições estarem adotando essa exigência em publicações. "Onde acharmos que a confiança foi significativamente comprometida pelos atos de um autor, trataremos de corrigir o problema com sanções e comunicados a leitores empregadores': adverte o editor.
Charles Jennings, editor executivo das edições mensais especializadas da revista, tem afirmado que, nos Estados Unidos, há uma grande preocupação em relação à comercialização das pesquisas e não são raros os casos em que cientistas chegam a lucrar milhões de dólares por conta de patentes ou contratos com empresas. As medidas de precaução adotadas pela revista pressupõem que os autores estarão declarando a verdade e, no
caso de omissão, serão julgados pela comunidade.
Editorial comum - No dia 10 de setembro, os editores de 11 das mais importantes publicações divulgaram um editorial conjunto com uma série de decisões adotadas para enfrentar essa questão. Estabeleceram, entre outras medidas, que os autores de artigo, bem como os revisores, devem tornar pública qualquer relação que possa ser considerada conflito de interesse. Os pesquisadores têm que assinar uma declaração na qual afirmam terem tido acesso a todos os dados do estudo e se responsabilizam pela integridade desses dados e apuração cuidadosa . Assinam o editorial
os responsáveis
pelo New England ]ournal of Medicine, British Medical ]ournal, The Lancet, Annals of Internal Medicine e fournal of American Medical Association.
Na época, Jeffrey M. Drazen, editor-chefe do New England ]ournal of Medicine, disse à Reuters Health que a idéia por trás do editorial foi assegurar a participação dos pesquisadores na definição e análise dos testes clínicos. Ele contou que há indícios de que algumas empresas tentaram suprimir da publicação resultados desfavoráveis ou tentaram interpretar esses dados de forma positiva, limitando a participação dos pesquisadores acadêmicos. Considerando o fato de que as empresas financiam a maioria das pesquisas clínicas, a nova política editorial, ele prevê, ajudará na identificação das verdadeiras fontes de dados, fornecendo ao público uma idéia melhor sobre como
as informações deveriam ser incorporadas na sua rotina.
quisadores, mas toda a sociedade deve ser informada sobre todas as circunstâncias de realização de um projeto que possa acarretar a existência de potenciais conflitos de interesse", argumentam José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, e Luiz Henrique dos Santos, assessor científico, em artigo publicado na Pesquisa FAPESP de março de 2001. Eles reconhecem que o modo mais simples de afastar o risco de uma situação de potencial conflito de interesses é impedir que ele surja. Mas essa pode ser uma solu-ção "demasiadamente simples", ponderam. E exemplificam: o teste
clínico de um medicamento pode não ser viável sem o apoio de uma empresa, o que poderá resultar na privação do acesso da população a um instrumento terapêutico. Além disso, continuam, "parece razoável que uma boa parte dos custos do processo de elaboração de um produto comercial seja assumida pela empresa que lucrará com sua comercialização e não, por exemplo, por órgãos ou agências alimentadas por recursos públicos". Por essa razão, justificam, "não nos resta senão lidar com potenciais conflitos de interesses por meio de estratégias mais complicadas, que muitas vezes só podem ser completamente definidas caso a caso': •
Conflito e ética - Mas há quem considere que essas medidas não surtirão efeito. Arnold Relman, professor emérito de medicina da Universidade Harvard, que já foi editor do The New England ]ournal of Medicine, de 1977 a 1991, publicou um artigo em New Scientist, de 22 de setembro de 2001, criticando os termos do editorial conjunto. "Os editores sustentam que a melhor maneira de lidar com conflito de interesses é torná-lo claro. Presumivelmente, a implicação é que nós podemos conviver com isso, desde que todo mundo saiba o que está acontecendo", escreveu. O editorial comum, ele comenta,
parte do princípio de que a --~::;;;;;:~~::--:~:;~~~~r~~~r""===:;;:~o:::~~-~:...: .. :""MR;:._.::~:,_ simples revelação pode solucionar o problema. "Não pode': garante. Ele acredita que "tempos virão" em que os editores serão obrigados a dizer: "Nós não vamos admitir esse conflito de interesse e não vamos publicar pesquisa onde
esse tipo de conflito exista". Ele também discorda da utilização do termo potencial para qualificar ditos conflitos. "Se você aceita um incentivo comercial que o leva a esconder coisas em favor de seu benfeitor, este é o conflito", esclarece. O potencial conflito existe enquanto o leitor não puder provar que o pesquisador estava influenciado. Reconhece que uma declaração de ética é melhor que nenhuma declaração de ética. E conclui: "Mas eles optaram pelo caminho mais suave".
Estratégias "complicadas"- A FAPESP adotou, em março deste ano, uma série de medidas para enfrentar potenciais situações de conflitos. Elas se pautam pelos princípios da plena informação e plena verificabilidade. "Não apenas a comunidade dos pes-
- 1.000
100
10
1990
Transações internacionais de tecnologia
Exportações e importações de tecnolog ia no Brasil (1990/ 2000) US$ milhões
IMPORTAÇÕES
EXPORTAÇÕES
1995
1991 1992 1993 1994
20 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
PESQUISA
O fiel da balança
2.519
1996 1997 1998 1999
Pesquisa da FGV-RJ analisa exportações e importações de serviço~ de tecnologia
2.296 2.66 7
2000
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, deixa evidente que o país paga literalmente caro pelo baixo investimento das empresas em tecnologia. O estudo
avaliou os negócios de exportação e importação de serviços tecnológicos (fornecimento de tecnologia, marcas e patentes, implantação de serviços, franquias, etc.), entre 1990 e 2000, período em que se intensificou a troca entre as empresas brasileiras e as de outros países. O objetivo foi identificar o volume de recursos envolvidos, o tipo de tecnologia transacionada, os setores mais dinâmicos e o porte das empresas parceiras. Os resultados foram preocupantes. No período estudado, o comércio tecnológico do Brasil com outros países movimentou US$ 14,5 bilhões, ou algo em torno de 0,005% do Produto Interno Bruto (PIB), um volume de negócios relativamente pequeno para um país que precisa inovar para competir no
mercado internacional. No mesmo período, os Estados Unidos movimentaram 4% do seu PIB, ou US$ 320 bilhões com a exportação e importação de tecnologia.
O Brasil exportou US$ 2,8 bilhões em tecnologia e importou US$ 11,7 bilhões. E o déficit na balança comercial foi deUS$ 8,9 bilhões. "Em nenhum dos setores encontramos resultados positivos", diz Virene Roxo Matesco, da FGV-RJ, coordenadora da pesquisa e diretora da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (SobeetSP). Esses resultados, ela avalia, sugerem que a incorporação de tecnologias importadas, apesar de agregar valor ao produto interno, ainda não teve impacto nas exportações brasileiras de serviços de tecnologia, como seria de se desejar.
Balança comercial- Com base nos números fornecidos pelo Banco Central (BC), a pesquisa constatou que,no âmbito do comércio de tecnologia, as exportações brasileiras da indústria de transformação lideraram as vendas externas por setor e representaram 57,23% dos negócios brasileiros com outros países. O setor de serviços participou com 35,75% do total das exportações, seguido pelo de comércio, com 6,18%, e por outros setores, com 0,84%. Os maiores investimentos foram na compra de serviços técnicos especializados, que representaram 87,13% das importações. Os demais- serviços técnicos especializados de montagem de equipamentos, de projetas, desenho e modelos de engenharia e de implantação ou instalação de projetas- não ultrapassaram a casa dos 5%.
As transferências de tecnologia lideraram as importações, somando 38,15% das compras externas brasileiras. Em seguida, vieram os serviços técnicos especializados, com 24,4 7%, e o fornecimento de serviços de assistência tecnológica, com 17,57%. Em quarto lugar, estão os gastos com patentes -licença de exploração e cessão -de marcas e patentes-, registro,
depósito ou manutenção. Os números são expressivos: somaram US$ 1,3 bilhão, ou quase 11,5% do total das importações. E, na quinta posição, estão os serviços técnicos especializados de montagem de equipamentos, que representaram 3,8% do valor total das importações.
As importações de tecnologia, Virene reconhece, são benéficas para o país, já que sinalizam o investimento das empresas na modernização do parque instalado e na inovação de suas atividades. "Demonstram a crença no futuro" observa. O problema, no caso brasileiro, está no ritmo de crescimento das exportações de tecnologia ao longo do período estudado. "O desempenho dos negócios deixa claro que as importações de bens de capital e de tecnologia não têm conseguido agregar valor aos bens e serviços aqui produzidos de forma a permitir o superávit de alguns setores de atividades", ressalva.
Déficit tecnológico - Todos os setores analisados registraram déficit na balança comercial de serviços de tecnologia. No setor agropecuário, as exportações concentraram-se nas áreas agrícola e pecuária e movimentaram um total de US$ 46,9 milhões, mas o déficit acumulado no período foi de US$ 8,1 milhões.
O mesmo desequilíbrio foi observado em todos os setores da indústria. A indústria extrativa mineral apresentou um significativo saldo negativo de US$ 156,6 milhões. Até no setor de petróleo, que, historicamente, registra um alto investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), observouse um déficit tecnológico acumulado da ordem deUS$ 58,5 milhões. Esse desempenho repetiu-se também na indústria de transformação, que movimentou US$ 7,5 bilhões em compra e venda de tecnologia, com déficit tecnológico deUS$ 1,6 bilhão. O setor que mais registrou vendas com tecnologia, sem, no entanto, sair do vermelho, foi o que reúne as indústrias ligadas ao segmento automobilístico e o de bens de capital. No setor de comércio,
o déficit foi de US$ 458,9 milhões, e no de serviços, de US$ 3,9 bilhões.
As grandes empresas foram responsáveis por 40% das exportações. A participação das pequenas foi de 13,4% das receitas. As importações foram mais bem distribuídas entre as empresas de diversos portes. Virene chama a atenção para o fato de as megaempresas terem participado com somente 3% das despesas totais, o que, na sua opinião, demonstra o pouco interesse em investir na inovação.
Vantagem competitiva - Virene, mais uma vez, reconhece que o tamanho do mercado interno brasileiro - que consome cerca de 90% da produção nacional de tecnologia - poderia, para alguns, justificar esse desequilíbrio na balança do comércio tecnológico do Brasil ao longo do período. ''As multinacionais, por exemplo, têm o seu foco no mercado consumidor nacional." Sublinha, no entanto, que esse desempenho tem o que ela chama de viés estrutural complicado. "Perdemos o bonde na virada dos anos 60 e 70, quando a vantagem competitiva do país não estava na produção interna, mas na tecnologia intensiva", analisa. Na última década, o país negligenciou vários fatores que, hoje, contribuem para que as novas tecnologias incorporadas à produção se dispersem e não agreguem valor ao produto, com reflexos positivos nas exportações. Um dos fatores de dispersão, ela aponta, é a ausência da "educação para a tecnologia." ''Apostamos na erradicação do analfabetismo, na formação de mão-de-obra abundante e barata, sem investir numa preparação específica de sua força de trabalho': avaliou. Também contribui para essa diluição dos investimentos o fato de as empresas operarem "estranguladas" por impostos altos, elevando o que se convencionou chamar de Custo Brasil. Aponta, ainda, a falta de uma política industrial que leve em conta as necessidades dos setores. "O Estado não consegue perceber o que cada segmento necessita." •
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 21
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
BIBLIOTECA ELETRÔNICA
Mudanças em curso Capes incorpora ProBE e FAPESP estuda alterações no programa
OPrograma Biblioteca Eletrônica (ProBE), patrocinado pela
FAPESP, será incorporado ao Portal Periódicos, implementado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e que passará a atuar em âmbito nacional, em março do próximo ano. A partir dessa data, todas as cinco universidades públicas e as instituições de ensino e pesquisa do Estado de São Paulo que mantêm cursos de pósgraduação e que integram o consórcio ProBE passarão a ter acesso aos mais de 2.000 títulos editados pela Elsevier Science, Web of Science, Academic Press e High Wire Press, atualmente disponíveis pelo programa, por meio do Portal da Capes.
A FAPESP e as outras 36 instituições paulistas que ingressaram no
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programa em agosto do ano passado buscam uma solução que permita a essas entidades - que não se enquadram nos critérios de atendimento da Capes - continuar tendo acesso aos 840 títulos da Elsevier e à base de dados da Web of Science, depois de março de 2002. "Os institutos consorciados pretendem renovar o consórcio para manter os títulos e até mesmo ampliá-los, e a FAPESP estuda a sua forma de participação", explica Rosali Fávero Krzyzanowski, coordenadora do ProBE.
Novas regras- A mudança na forma de gestão do programa já estava prevista desde a sua implantação, em 1999. O ProBe, inicialmente, foi organizado na forma de um consórcio que reunia a FAPESP, as cinco universidades públicas de São Paulo - Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual Paulista, Universidade Federal de São Paulo e Universidade Federal de São Carlos -, o Centro Latino-Americano e do Caribe de
Informações em Ciências da Saúde (Bireme/OPS/OMS) e outros 14 institutos de pesquisa. No ano passado, mais 36 instituições ingressaram no programa como, por exemplo, os institutos Biológico, Agronômico de Campinas, de Pesquisa Energéticas e Nucleares, entre outros. A FAPESP, de acordo com o modelo original, ofereceria a infra-estrutura de hardware - por meio da Rede ANSP (Academic Network at São Paulo)- e de software da biblioteca eletrônica e financiaria a aquisição dos títulos eletrônicos, por um período de três anos. Ao final desse período, as instituições consorciadas deveriam assumir os custos anuais do programa. "A gestão poderia ser do próprio consórcio, com a contribuição das partes", afirma Rosali.
O ProBE, na avaliação de Rosali, tem cumprido plenamente seu objetivo de oferecer acesso, de forma ágil e atualizada, a textos completos de revistas científicas internacionais às comunidades científicas, acadêmicas e administrativas de São Paulo. "O ProBe criou uma nova cultura de acesso a informações científicas, eliminou a duplicidade de assinaturas e ampliou o universo de usuários': diz. O número de downloads de textos chega a 100 mil mensais. "Só no Bisevier são 70 mil", ela contabiliza.
A expectativa, agora, é manter essas informações disponíveis para o conjunto dos consorciados. As negociações estão em curso. Uma das possibilidades que está sendo negociada, de acordo com Rosali, é a autorização da Capes para que as instituições que não mantêm cursos de pós-graduação continuem acessando, por meio do Portal, os títulos da Elsevier e da Web of Science, com apoio da FAPESP. "Outra alternativa é a FAPESP manter os títulos já adquiridos das duas editoras, de forma a que se tornassem um espelho das coleções acessadas on line no Portal Periódicos", acrescenta a coordenadora do ProBE. Nesse caso, o acesso seria gerenciado pelo Programa Biblioteca Eletrônica. •
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
EXTERIOR
Reflexos do 11 de setembro Segurança redobrada nos EUA por causa do terror afeta pesquisa no Brasil
O aumento da preocupação com a segurança em razão dos ata
ques terroristas aos Estados Unidos no dia 11 de setembro tem provocado reflexos na pesquisa realizada no
dades de expansão. "O terror conseguiu tornar a nossa burocracia competitiva", ironiza o pesquisador.
O aspecto ruim da questão é que agora, em geral, verifica-se uma maior dificuldade no desembaraço de importações de material para pesquisa, que estão sujeitas a um seguro adicional obrigatório de 0, 15%, e, quando se utilizam dos serviços de companhias aéreas norte-americanas, só podem embarcar em vôos de carga.
são de embarques conjuntos nos Estados Unidos, o que aumenta o custo do frete", conta.
O professor Vanderlei Canhos, coordenador internacional do Programa Biota FAPESP, afirma que os procedimentos de segurança na remessa de material biológico patogênico já são muito rigorosos desde a Guerra do Golfo, no início da década de 90. Ex-presidente da Federação Mundial para a Coleção de Culturas, ele diz que desde aquela época as normas para a concessão de autorização para a importação de patógenos tornaram-se mais rígidas e os preços das amostras subiram muito, em razão da obrigatoriedade do uso de emba
lagens mais seguras. "Uma amostra que alguns anos atrás custaria, digamos, US$ 30, hoje pode custar até US$ 500", diz. Uma maior cautela na avaliação dos documentos das instituições envolvidas nas importações também alargou o prazo para a obtenção de material, que saltou de cerca de duas semanas para até três meses.
Brasil - para o bem e para o mal. A Unidade Analítica Cartesius, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, registrou um expressivo crescimento da demanda por análise de bioequivalência, que pode utilizar amostras in vivo, por parte de países do Oriente Médio. A Cartesius recebe mensalmente entre 8 mil e 10 mil amostras para testes de diversos estados brasileiros e de países como Chile e Tailândia. "Entre setembro e outubro, recebemos mais de 20 mil amostras da Jordânia", conta Gilber-
Manipulação de material biológico na Cartesius: demanda maior
Um caso mostra, contudo, que o pânico que se instaurou nos Estados Unidos frente à ameaça de ataques com armas biológicas pode pôr em risco mesmo remessas perfeitamente de
to De Nucci, coordenador da unidade analítica.
Ele atribui esse súbito incremento a prováveis dificuldades que a Jordânia, assim como outros países muçulmanos, está enfrentando para enviar material para Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, onde se concentra a maior parte dos laboratórios especializados em análise de bioequivalência de primeira linha. "O que está havendo é um redirecionamento da demanda", avalia. De Nucci acredita que os novos clientes da Unidade Cartesius tenham encontrado referências à instituição na Internet e vê no movimento oportuni-
"Isso significa que as encomendas não chegam ao Aeroporto de Guarulhos, onde estão as nossas licenças, e todos os desembarques ocorrem em Viracopos, que é pequeno e pode vir a ter problemas de infra-estrutura", comenta Rosely Figueiredo Prado, gerente adjunta de importação da FAPESP. Ela é responsável pela importação de material para os projetas que a Fundação apóia, sempre observando as normas dos órgãos competentes quanto a direito de uso. Essas restrições não se aplicam a produtos importados despachados por companhias aéreas de outras nacionalidades. "Outra novidade é a suspen-
acordo com as regras internacionais. No início de outubro, uma amostra de 23 anticorpos para receptores de peptídeos que a pesquisadora Priniee Senanaeycke, da Eye Clinic Foundation, tentou enviar ao Brasil pela Federal Express, teve de ser submetida à vistoria do Exército no embarque e sofreu um atraso de duas semanas para chegar à Universidade Federal de São Paulo, para a qual foi doada. A amostra é fundamental para que Priniee difunda conhecimentos relativos a novas técnicas no tratamento de distúrbios oftalmológicos durante sua permanência de um mês na universidade. •
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 23
O aquecimento do beija-flor À noite, depois de um dia de vôo incessante, o beijaflor passa por uma brutal queda de temperatura corporal: de 40°C para próximo da temperatura ambiente - às vezes, até 15°C. O drama é o dia seguinte: ao acordar, precisa atingir a temperatura que lhe permita alçar vôo e recomeçar a busca por alimento. Pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP) descobriram que a proteína HmUCP permite à ave se reaquecer e atinjir a temperatura mais confortável num período de 30 a 40 minutos, antes de levantar vôo. A partir daí, as asas começam a bater em média 700 vezes por minuto, e o
• Como achar petróleo na Sibéria Ocidental
A ocorrência de lagos de águas claras entre rios e lagos de águas escuras localizados no norte da Sibéria Ocidental, na Rússia, intriga os cientistas há algum tempo. A visão do espaço mostra mil lagos azuis entre cerca de 100 mil lagos escuros nessa extensa região da Rússia, segundo a InformNauka, agência de notícias científicas. Entre os azuis, 58% estão localizados sobre depósitos de gás e pe-
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CIÊNCIA
coração, 1.400 vezes. A pesquisa, publicada na Physiological Genomics, baseou-se na espécie sul-americana beija-flor- rabo-de-tesoura (Eupetomena macroura), que pesa em média 8,7 gramas, mede de 15 a 17 cen-
tróleo, 20% sobre reservas não perfuradas e 22% ficam numa região ainda não suficientemente estudada. Agora, pesquisadores da Sociedade Geográfica Russa acreditam que podem usar essas evidências como indicador para procurar novos depósitos de petróleo, gás e enxofre. Ivan Kuzin, da sociedade, investigou com sua equipe a razão de a cor dos lagos ser tão diferente. Sabe-se que material orgânico abundante torna a água escura. Já os lagos azuis têm grande quantidade de
Beija-flor: proteína é a chave do enigma do reaquecimento
tímetros da ponta do bico ao final da cauda e vive em ambientes variados doBrasil, do Peru e da Bolívia. Cláudia Regina Vianna, que fez doutorado sobre o assunto, sob a orientação de José Eduardo Pereira Wilken Bicudo, isolou e seqüenciou a proteína desacopladora do músculo esquelético dobeija-flor, com a colaboração de pesquisador-es da Universidade Harvard, dos Estados Unidos. Rico em mi-
enxofre, acima de 10 miligramas por litro, em relação à pouquíssima quantidade presente nos lagos escuros. Tal característica leva a um complexo processo bioquímico, que acaba por remover o material orgânico da água e a torna transparente. •
• Gene a serviço das artes plásticas
A ciência não é fonte habitual de inspiração para pintores e artistas plásticos. Mas, estimulados pela publicação no
tocôndrias, esse músculo ocupa um terço do volume corporal. "É uma espécie de fornalha, que faz o animal voar", diz Bicudo. Num dos testes, a proteína foi colocada na levedura (fungo unicelular) Saccharomyces cerevisae, usada na fabrica-ção de pão e cerveja, e de fato mostrou-se apta a des-viar os processos respiratórios para a produção de calor. Cláudia e Bicudo suspeitam que a proteína tem uma função dupla: além de permitir a geração de calor, pode controlar o fluxo de energia e a manutenção do nível da massa corpórea, como se supôs que faz no camundongo, no qual também foi encontrada. "Se aumentar o peso, o beija-flor não consegue voar, não se alimenta e morre", conclui Cláudia. •
1111Cl0 do ano da primeira versão de toda a seqüência do genoma humano, sete artistas da Eurora, Ásia e América do Norte produziram obras de arte sobre esse tema para uma exposição intitulada Working Drafts (algo como Rascunhos de Trabalho), em cartaz na TwoTen Gallery, de Londres. Usando as mais diversas formas de expressão (fotografia, escultura, cerâmica e, obviamente, pintura), os criadores conceberam quadros e instalações que exploram conceitos como DNA, genes e nucleotí-
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Built to Order, de Chis Habib: exposição de obras de arte tendo a ciência como inspiração
deos, as bases nitrogenadas que formam o código genético e são comumente representadas pelas letras A, C, G e T. Na tela, Built to Order, da americana Chis Habib (foto acima), o observador vê três pares de cromossomas vermelhos (e outros tantos não coloridos, apenas com seu contorno delineado) sobre um fundo formado pelas letras do código genético. A exposição fica em cartaz até 11 de janeiro e a entrada é gratuita. Quem gosta do casamento de ciência e arte, mas não puder visitar a galeria a tempo de ver
as obras de Working Drafts não precisa ficar chateado. Criada em 1994 pelo Wellcome Trust, um fundo que financia a pesquisa científica, a TwoTen é especializada em organizar amostras cujo tema central é biologia e cultura. Sempre há algo nessa linha exposto em suas dependências. •
• Pandas sofrem com pressão alta
A luta contra a extinção de espécies é estressante e os pandas gigantes demonstram claramente toda essa tensão.
Alguns estão sofrendo com pressão alta, de acordo com a revista Nature ( 11 de outubro). Chen Yucun, diretor do centro que pesquisa os animais, na província de Fujian, China, diz que a pressão alta provavelmente é responsável por vários dos problemas que atormentam os pandas. Recentemente, o centro tratou um panda de 21 anos com o problema e conseguiu baixar sua pressão para os níveis considerados normais. O medicamento foi o mesmo usado em seres h11manos. Em dose dupla, claro. •
• lnseto suspeito de infecção hospitalar
Uma coceirinha aqui, outra ali. Por fim, o desconforto cresceu e as mães que compareciam ao banco de leite de um hospital público do Rio de Janeiro (o nome é mantido em sigilo) resolveram se queixar. Entre as frestas das cadeiras, foram encontrados insetos de três a quatro milímetros, que os pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) identificaram como piolhos-de-cama ( Cimex hemipterus) . Aí a situação se agravou: os Cimex são apontados como uma
das diversas cau- ~ .---------. sas de infecção ~
hospitalar. Em la- ~ boratório, segun-
~ do Maria Caro- ~
lina Carreira, da ~ Fiocruz, já se ve- "' rificou que são vetores dos agentes transmissores de leishmaniose, doença de Chagas e hepatite B. Os Cimex vivem
Cimex: perigo nas camas dos hospitais
também em casas, preferindo os ambientes úmidos. Proliferam-se, por exemplo, entre colchões. •
Bomba de água com rastreador solar no sertão Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) aliaram-se ao Sol para tornar mais eficiente o bombeamento de água no sertão nordestino. Em todo o mundo há cerca de 50 mil sistemas de bombeamento fotovoltaico, isto é, bombas que retiram água do subsolo. Ocorre que esses sistemas são feitos com módulos fixos, o que os impede de acompanhar toda a trajetória do Sol. Trabalho coordenado pelo professor Naum Fraidenraich, que contou com a douto-
randa Olga Vilela, entre outros, resultou em um painel solar móvel, que segue o movimento do astro da aurora ao crepúsculo. "Foi a forma que encontramos de aumentar a quantidade de energia solar coletada pelo painel", explica Fraidenraich. O trabalho é pioneiro no mundo. Ao captar a energia do Sol durante mais tempo, o aparelho bombeia pelo menos 40% a mais de água. "O sistema é ideal para o sertão, onde escasseiam outras fontes de energia." • Fraidenraich e Olga com o modelo de painel
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 2S
CAPA
MEDICINA
Equipe de pesquisadores da Unifesp e do lncor encontra enzima que se comporta como marcador biológico da hipertensão: a proteína aparece apenas em quem já tem pressão alta ou exibe predisposição a um dia ter
Alarme molecular M ARCOS PI VETTA
m esforço silencioso de quase 20 anos pode levar a um avanço sem precedentes na história da luta contra a hiper
tensão, a chamada pressão alta. Trabalhando de maneira quase tão discreta quanto o modo sorrateiro com que esse mal se instala no organismo, a bióloga molecular Dulce Casarini, do grupo de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), identificou uma nova forma da enzima conversara de angiotensina I (ECA) que funciona como marcador biológico da doença em ratos e - aí vem a melhor parte da história - parece desempenhar o mesmo papel em seres humanos. Trata-se da ECA de peso molecular de 90 kDA ( quilodáltons, unidade de massa atômica), forma alternativa da enzima descoberta pela própria Dulce em 1982.
26 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Seus estudos revelam que animais hipertensos ou mesmo sadios, mas com predisposição a desenvolver pressão alta, sempre carregam esse composto na urina. Já animais sadios, sem tendência a desenvolver pressão alta, não apresentam essa forma da enzima. Se a relação entre a ECA de 90 kDa e a hipertensão também for verdadeira para nossa espécie, Dulce terá descoberto o primeiro marcador relacionado ao aparecimento da hipertensão. "Com a supervisão de Frida Plavnik e de Odair Marson, da Nefrologia, analisamos a urina de cerca de 1.500 pessoas hipertensas e de 550 indivíduos com pressão normal e todas as evidências científicas levam a crer que essa forma da enzima é mesmo um marcador da hipertensão humana': afirma a pesquisadora da Unifesp. A conclusão é sempre a mesma: quem tem o marcador e ainda não é hi-pertenso, poderá um dia ser hipertenso. A menos que mude de estilo de vida
Peito sob hipertensão: coração trabalha arduamente
pa ra fazer o sangue circular
CAPA
- deixe de fumar, passe a fazer exercícios, diminua o consumo de álcool, perca peso e reduza o sal na dieta-, a elevação de sua pressão arterial é apenas uma questão de tempo.
As evidências de que a ECA de 90 kDa pode ser um marcador eficiente de hipertensão são fruto do cruzamento de dados de uma série de estudos com ratos e seres humanos. Confrontando as informações fornecidas pela análise da urina de animais e de pessoas com pressão normal e hipertensas, Dulce e o médico José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (Incor/USP) e seu principal colaborador nas pesquisas, perceberam o papel-chave dessa forma da enzima. Três situações apareceram. Os indivíduos sabidamente hipertensos sempre apresentavam dois tipos de ECA, a de peso molecular de 90 kDa e outra de 65 kDa. O quadro fome-
cido pelos indivíduos sem pressão alta era mais complexo: alguns exibiam somente duas formas da enzima, as de 65 e 190 kDa, e outros tinham três variedades da ECA ( 65, 90 e 190 kDa).
I soladamente, esses resultados não eram conclusivos, mas já apontavam uma boa pista a ser seguida. O acompanhamento sistemático dos dois grupos de
pessoas sem pressão alta - aqueles com três e dois tipos de enzima- ajudou a fechar o raciocínio. Quem era sadio e não carregava a ECA de 90 kDa não se tornou hipertenso. Quem era saudável mas sua urina continha essa variedade da enzima tornou-se, depois de algum tempo, hipertenso. "Em alguns casos, essas pessoas co-
meçaram a apresentar pressão alta depois de três anos", diz Dulce. Obviamente, a partir do momento em que ficaram hipertensos, esses indivíduos passaram a apresentar na urina apenas as duas formas típicas de ECA verificadas nesse tipo de doente, as de 65 e 90 kDa. Resumo de todo esse trabalho: a ECA de 90 kDa comporta-se como um marcador da hipertensão para a população em geral. O teste desenvolvido por Dulce é capaz de indicar a presença de cada uma das três formas estudadas da ECA na urina humana.
Enzimas bloqueadas - Em parceria com as equipes de Krieger, de Adriana Carmona e de Eduardo Cilli, do Departamento de Biofísica da Unifesp, Dulce desenvolveu um kit para
Doze por oito para leigos Quase todo mundo já ouviu o
médico dizer que 12 por 8 é uma boa pressão. O que isso quer dizer? Antes de entender o significado dos dois números, é preciso compreender o próprio conceito de pressão arterial. Quando bate, o coração bombeia sangue pelas artérias, levando assim nutrientes para os tecidos. A força que o fluxo de sangue
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exerce sobre as paredes das artérias é chamada de pressão arterial. Todo mundo, obviamente, tem pressão arterial, e o ideal é que ela seja na maior parte do tempo dessa ordem, de 12 por 8.
Mas e os dois números? O esfigmomanômetro, o popular aparelho para medir pressão, registra a força máxima e a mínima com que o san-
gue pressiona as artérias. O primeiro número, de valor mais elevado, também chamado de pressão sistólica, é o pico de pressão sanguínea obtido no interior dos vasos durante a contração do coração. A pressão diastólica- ou mínima- é ovalor da pressão sanguínea final obtida com o relaxamento do coração. A unidade usada universal-
medir a presença da proteína na urina humana. Na prática, se ficar comprovado que a ECA de 90 KDa é um marcador biológico da pressão alta, o kit ganhará status de teste preditivo de hipertensão. Inédito no mundo, o exame poderá auxiliar os médicos na árdua tarefa de identificar os pacientes potencialmente hipertensos. A hipertensão atinge cerca de 10% da população do planeta, elevando os riscos de problemas cardiovasculares e rena1s.
Os pesquisadores paulistas já pediram a patente sobre o uso do marcador e do teste no Brasil, que pode detectar a existência da enzima com o auxilio de várias técnicas laboratoriais, como cromatografia ou espectrometria de massa. A partir do momento em que o registro de propriedade
mente para medir a pressão arterial é milímetros de mercúrio. Na linguagem coloquial, costuma-se omitir a unidade e dizer simplesmente "doze por oito".
Quando as artérias se encontram estreitadas, o coração tem de bombear com mais força para que o sangue percorra os vasos e chegue aos tecidos. Isso faz com que a pressão arterial se torne permanentemente mais alta, sobrecarregando o músculo cardíaco. Se atinge fre-
lhe for concedido em solo nacional, o que deve ocorrer em breve, a equipe tem seus direitos intelectuais preservados por um ano no exterior. "Vamos aproveitar esse período de moratória para entrar com os pedidos de patente nos Estados Unidos, Europa e Japão", diz Krieger. Com essa proteção temporária praticamente em mãos, os pesquisadores, que mantinham a descoberta em sigilo, decidiram tornar público seu trabalho com o marcador de hipertensão. "Vamos enviar para várias revistas científicas seis artigos que já estamos escrevendo", conta Dulce.
Para um mal com as peculiaridades da hipertensão, a criação de um teste capaz de apontar as pessoas que irão desenvolver essa doença é uma ótima notícia. Com fama justi-
qüentemente os valores de 14 (durante a sístole), 9 (diástole) ou ambos, a pressão é classificada de alta.
Pressão alta não tem cura, mas pode ser controlada com remédios e um estilo de vida mais saudável: deixar de fumar, fazer exercícios, perder peso, reduzir o consumo de sal e de álcool. Com exceção de algumas formas de pressão alta originadas por problemas específicos, como distúrbios nos rins ou em glândulas endócrinas, nove de cada
ficada de ser uma assassina silenciosa, a alta pressão arterial não dá nenhuma dica de que se instalou no organismo. Durante um bom tempo, a pessoa não sente nada. Quando final-
mente nota alguma alteração e procura um médico que lhe mede a pressão, vem o diagnóstico de hipertensão. O problema é que esse veredicto sempre é tardio. Nesse ponto, a pressão alta já promoveu danos nos sistema cardiovascular e, muitas vezes, também no rim. Segundo a Organização Mundial da Saúde, há cerca de 600 milhões de hipertensos no mundo. No Brasil, 20% dos adultos e metade das pessoas com mais de 50 anos têm pressão alta. A população negra também é mais afetada do que as demais. Um terço das mortes do planeta se deve a problemas cardíacos, agravados pela hipertensão.
Sabe-se há décadas que a enzima conversara de angiotensina I desempenha um papel crucial no desencadeamento da hipertensão. A
dez casos da doença não têm causa conhecida. Sabe-se apenas que há um componente hereditário. Filhos de pais hipertensos apresentam maior risco de desenvolver a doença. Os negros também são vítimas preferenciais da hipertensão. Na medicina, predomina a visão de que a doença é um problema com origens complexas. A pressão alta não decorre da ação de um único gene ou mecanismo, mas de um conjunto de fatores ainda obscuros.
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DElOOI • 29
ECA atua no chamado sistema renina-angiotensina, importante para o equilíbrio da função cardiovascular. Produzida pelo rim, a renina é uma enzima proteolítica, capaz de quebrar grandes proteínas em compostos menores. Sua principal função é atuar sobre o angiotensinogênio, um substrato, uma proteína maior, que dá origem a um hormônio inativo, a angiotensina I. Como a enzima ECA entra nessa história? Quando o sangue passa pelos pulmões, a ECA transforma a inofensiva angiotensina I na perigosa angiotensina II, talvez a maior vilã da hipertensão. Essa segunda forma de angiotensina aumenta a constrição das artérias e estimula a liberação de hormônios que elevam a pressão sanguínea. A maior parte das drogas anti-hipertensivas, como o captopril e o enalapril, inibe a ECA. São remédios que impedem a ação dessa enzima, que, enfim, evitam a conversão da angiontensina I em angiotensina II.
Resultados intrigantes - Por causa de sua participação decisiva no mecanismo que eleva a pressão arterial, a ECA é objeto de muitos estudos. Várias formas de ECA, com diferentes pesos moleculares, já foram encontradas na urina humana. A mais comum de todas é a de 190 kDa. Dulce descobriu duas novas formas, a de 90 kDa, o candidato a marcador de hipertensão, e a de 65 kDa. "Não sei como ninguém observou isso antes': reconhece a bióloga molecular. "É tão simples de medir." Na primeira vez em que detectou a presença de ECA de 90 kDa
30 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
na urina humana, há quase 20 anos, Dulce pensou que a medição era fruto de um artefato de técnica, jargão utilizado pelo pessoal de laboratório para designar a observação de um fenômeno ilusório causado por alguma imprecisão do método empregado ou, às vezes, do aparelho usado no experimento. Achava, em bom português, que a detecção dessa forma da enzima era decorrência de algum erro de procedimento. O tempo passou, a bióloga molecular iniciou outras pesquisas, mas nunca se esqueceu da intrigante experiência.
Nos anos 90, durante um de seus dois pósdoutorados realizados na França, a pesquisadora da Unifesp teve a
oportunidade de discutir a questão com Pierre Corvol e François AlhencGelas, duas autoridades mundiais em hipertensão e descobridores dos dois centros ativos da ECA. Fizeram novas análises com urina humana e o resultado foi o mesmo: a brasileira efetivamente havia encontrado uma nova forma da ECA, não descrita pela literatura científica. Ainda não se sabia para que poderia servir a descoberta, mas Corvol a incentivou . . a prossegmr nas pesqmsas com a en-zima. E, numa espécie de acordo de cavalheiros, assegurou que ninguém de sua equipe iria iniciar qualquer es-
tudo sobre a ECA de 90 kDa. A promessa foi mantida.
De volta ao Brasil, em 1994, Dulce continuou suas pesquisas e estabeleceu uma parceria com Krieger, no Incor, que já estudava as bases genéticas da hipertensão. À medida que ganhava corpo a hipótese de a ECA de 90 kDa ser um marcador da hipertensão, a dupla passou a adotar uma postura bastante crítica em relação à possível descoberta. "Começamos a pensar em experimentos que pudessem mostrar que estávamos errados", diz Krieger. Essa postura de "advogado do diabo" tinha como objetivo buscar respostas para algumas indagações que incomodavam os pesquisadores. Se parecia ser tão simples identificar essa forma da enzima na urina humana, por que ninguém a tinha encontrado até então? Seria apenas coincidência a enzima em sua forma de 90 kDa "perseguir" os hipertensos ou candidatos a sofrer de pressão alta?
Para ver se conseguiam encontrar algum furo na teoria do marcador de hipertensão, Dulce e Krieger executaram vários estudos, sobretudo com roedores. Viram, por exemplo, que ratos sadios, mas com predisposição a ser hipertensos - que carregavam, portanto, a ECA de 90 kDa -, continuam apresentando essa forma da enzima mesmo quando recebem tratamento para não de-
senvolver pressão alta. Independentemente de apresentar ou não a doença, os animais mantêm o marcador biológico, como era esperado.
Em outro trabalho, os pesquisadores literalmente apertaram com presilhas as artérias de animais com pressão arterial normal que não apresentavam predisposição a se tornar hipertensos (sem a enzima candidata a marcador biológico). O intuito, bem-sucedido, era criar hipertensão em ratos que, de forma natural, não iriam sofrer de pressão alta. Os ratos realmente ficaram hipertensos, mas, nem por isso, passaram a carregar a enzima. Enfim, tudo correu dentro do esperado, para alegria dos pesquisadores. "Felizmente, não conseguimos nos desmentir, pois tudo parecia muito bom para ser verdade", comenta Krieger.
Testes em Vitória - O que ainda falta fazer para comprovar que a ECA de 90 kDa é um marcador da hipertensão humana? Em linhas gerais, os pesquisadores precisam produzir estudos de mais longo prazo para mostrar a prevalência dessa forma de enzima em várias gerações de uma mesma família, composta de indivíduos hipertensos e sem pressão alta. Com esse intuito, novas pesquisas serão conduzidas no Hospital do Rim e Hipertensão, da Unifesp, e no Incor. De imediato, Dulce e Krieger dispõem, para análise da eficiência do marcador, de 1.600 amostras de urina da população de Vitória. O material faz parte de um estudo coordenado por José Geraldo Mill, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que, em conjunto com a Secretaria de Saúde de Vitória, mapeou os principais fatores de risco cardiovascular entre os habitantes da capital capixaba.
Um ponto ainda obscuro é a origem da ECA de 90 kDa. Por enquanto, os pesquisadores desconhecem o mecanismo biológico que leva à sua
formação. Não sabem se a enzima deriva de uma proteína maior, talvez de ECAs com pesos moleculares mais elevados que seriam quebradas por alguma enzima, ou se decorre de alguma alteração genética. Nessa segunda hipótese, uma mutação no gene responsável pela codificação da enzima poderia levar à síntese da ECA de 90 kDa.
E stá praticamente descartada a hipótese de essa variante da enzima ser fruto de um "evento renal". Ou seja, ser originada
pelo processo de filtração feito pelo rim. O fato de Dulce já ter identificado, em ratos, a ECA de 90 kDa em vários tipos de tecidos - pulmão, adrenal, pâncreas, coração e aorta -ajuda a excluir essa hipótese. Afinal, se está presente em várias partes do corpo, essa forma de enzima não pode ser fruto da filtração renal. Durante o trabalho de elucidação das origens do misterioso composto, Krieger espera não só provar que a enzima é um bom marcador da hipertensão humana, mas, quem sabe, mostrar também que ela pode estar diretamente relacionada à gênese da pressão alta. "De qualquer forma, vamos ficar mais do que satisfeitos se con-
Dulce: 20 anos de traba lho, teste pronto, patente encaminhada e seis artigos escritos
Caracterização Molecular da Enzima
Conversara de Angiotensina I
MODALIDADE
Linha regular de auxílio a pesquisa
COORDENADORA
DULCE (ASARINI- Unifesp
INVESTIMENTO
R$ 193.214,88
seguirmos mostrar que a enzima é, de fato, um marcador", diz Krieger.
A identificação do possível marcador de hipertensão reforça a tradição da ciência brasileira de produzir boas notícias no setor. Na década de 60, o pesquisador Sergio Henrique Ferreira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, descobriu a molécula BPF (fator de potenciação da bradicinina), que deu origem ao captopril, um dos remédios mais utilizados no mundo para o controle da pressão alta. Infelizmente, naquela época, não havia preocupação em requerer patentes e os lucros advindos do feito acabaram indo para a conta de um laboratório estrangeiro, que produziu o medicamento. No início deste ano, mais uma contribuição: o Centro de Toxicologia Aplicada do Butantan, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP, patenteou o princípio ativo de outra molécula, o Evasin, que poderá ser usada para produzir um fármaco anti-hipertensivo.
Agora, num claro sinal dos novos tempos, em que é prioritário defender os interesses da pesquisa nacional, foi a vez de o grupo da Unifesp e do Incor dar a sua contribuição para o combate à hipertensão. "Não patenteamos o marcador e o kitpensando em ganhar dinheiro com isso", afirma Dulce. "Queremos evitar é que alguém lucre com nosso trabalho e que, no futuro, tenhamos de pagar royalties para usar produtos derivados de nosso esforço."
Em setembro, quando esteve em Paris e contou os últimos resultados de suas pesquisas com o marcador ao amigo Pierre Corvol, a quem costuma levar a massa de brasileiríssimos pães de queijo, a pesquisadora da Unifesp ouviu o seguinte comentário: "É uma pena, para nós (que não descobrimos isso antes)". A reação bem-humorada do atual presidente do conselho científico do Inserm (Instituto Nacional da Saúde e Pesquisa Médica) dá bem a dimensão do impacto do trabalho dos pesquisadores nacionais na luta contra a hipertensão. •
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 31
U ma sala de pouco mais de 11 metros quadrados numa nova ala da Faculdade de Medicina Veteri
nana e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), cuja porta está sempre fechada a estranhos, abriga uma pequena façanha da engenharia genética. Nesse acanhado compartimento, onde dois condicionadores de ar e um exaustor garantem a temperatura controlada entre 22 e 25 graus Celsius e as lâmpadas simulam a luz natural em 14 das 24 horas do dia, funciona um biotério com cobaias especiais.
Dentro de gaiolas de plástico dispostas nas prateleiras que ocupam as duas maiores paredes do ambiente, vive a primeira leva de camundongos geneticamente modificados no país. Os animais, mais de 30 exemplares- o primeiro nasceu em julho, mas o número pode variar de semana a semana, em razão de novos cruzamentos e eventuais baixas -, carregam alterações num gene, o Fbn1, responsável pela síntese da fibrilina 1, proteína fundamental para a formação do tecido conjuntivo.
Uma parcela dos roedores recebeu uma versão inativada do Fbn1, que simplesmente não produz fibrilina. Outra recebeu uma cópia do Fbn1 que dá origem a uma forma degenerada dessa proteína. Em seres humanos, essa segunda mutação genética leva à síndrome de Marfan, doença hereditária rara que causa crescimento excessivo dos membros, deslocamento da retina e problemas cardiovasculares, limitando a expectativa de vida a 40 anos. As duas linhagens de camundongos transgênicos foram obtidas por meio da manipulação das células-tronco de embriões, a metodologia mais avançada hoje em dia disponível para essa finalidade.
Camundongo geneticamente modificado: independência na produção de cobaias
Os roedores transgênicos made in Brazil representam, portanto, a independência nacional num campo importante: a produção de cobaias sob medida para o estudo de problemas de saúde de origem genética. "Com o domínio dessa técnica, vamos produzir nossos próprios modelos animais para o estudo de uma série de doenças que afetam o homem", diz Lygia da Veiga Pereira, coordenadora do Laboratório de Genética Molecular do Instituto de Biociências da USP, que conduziu a manipulação nas células-tronco dos roedores. "Será mais prático e ainda vamos economizar dinheiro."
O biotério com as cobaias fica na Medicina Veterinária porque não havia espaço físico no laboratório de Lygia para abrigá-lo. Além disso, pesquisadores da Veterinária, coordenados por José Antonio Visintin, estavam interessados em colaborar com o experimento do IB, montando um biotério para os camundongos, e dispostos a aprender a técnica para empregá-la na geração de animais transgênicos de grande porte. "Queremos alterar geneticamente suínos e bovinos", comenta Visintin.
Encomendas - O sucesso na produção de camundongos geneticamente modificados levou a pesquisadora· a receber as primeiras encomendas de cobaias sob medida, feitas pelo Instituto do Coração de São Paulo (Incor) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro. Atualmente, os brasileiros que precisam de cabais transgênicas têm de importar esse tipo de animal. O custo desses roedores modificados pode ser baixo, se pertencerem a linhagens já desenvolvidas lá fora. E muito elevado, na casa dos milhares de dólares, quando se trata de um animal com uma alteração genética ainda não realizada em nenhum laboratório do mundo.
A obtenção de animais geneticamente modificados depende do pleno domínio das técnicas de manipulação e cultura das células-tronco de
embriões, uma das áreas de pesquisa que mais despertam debates hoje em dia, porque essas células podem ser usadas para fins como a clonagem de espécies. Lidar com esse tipo de célula suscita polêmicas das mais variadas, sobretudo se forem de embriões humanos. Por quê? Porque os embriões dos quais se extraem as células-tronco acabam morrendo após a retirada desse material. Por não trabalhar com células-tronco de embriões humanos, Lygia não enfrenta esse dilema ético.
Na prática, seu primeiro desafio para produzir camundongos transgênicos foi conseguir boas célulastroncos de embriões de roedores, ou, na linguagem dos biólogos moleculares, células-tronco altamente pluri ou totipotentes. O que são exatamente essas células e para que servem? São as células primordiais, indiferenciadas, que darão origem a todas as células de um organismo com funções específicas: células nervosas, sanguíneas, musculares, germinativas, cardíacas e as demais (ver quadro).
Portanto, a introdução de uma modificação genética no DNA (ácido desoxirribonucléico, portador do código genético e presente em todas as células) de células-tronco de embriões, como a executada pela bióloga molecular do IB nos camundongos, tem grandes chances de ser incorporada por todos os tipos de células que vão formar um organismo, gerando assim um ser transgênico.
A exemplo dos embriões, os seres adultos também têm célulastronco. O problema é que, até agora, só há evidências concretas de pluripotência no material retirado de embriões- e não no de animais em idade avançada. Por isso, quem se dedica a produzir cobaias transgênicas se vê obrigado a arranjar e cultivar em laboratório células-troncos de embriões de roedores, onde vai ser injetado o DNA alterado.
Foi exatamente isso o que Lygia fez. Do blastocisto (um tipo de cél ula que antecede a formação do ovozigoto) de camundongos de pelagem
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O passo-a-passo de um camundongo transgênico
Os pesquisadores retiram o botão embrionário (no detalhe) do blastocisto, tipo de célula pré-embrionária, de um camundongo.
agouti, a bióloga molecular retirou o chamado botão embrionário, a partir do qual estabeleceu in vitro linhagens de células-tronco embrionárias. Em seguida, substituiu no DNA dessas células-tronco uma das cópias normais do gene Fbnl por uma das duas versões do gene modificado, o Fbnl incapaz de produzir fibrilina ou o Fbnl programado para codificar uma forma degradada dessa proteína.
Os quiméricos- Essas células-tronco modificadas foram, então, cultivadas e agregadas em laboratório a morulas - células que representam o estágio inicial do desenvolvimento embriônico, retiradas de óvulos fertilizados
O botão origina as células-tronco embrinárias, que são cultivadas e recebem o gene modificado.
As células-tronco se juntam a mórulas (à esquerda) de outro camundongo. O conjunto de células forma o embrião, que é implantado em uma "mãe de aluguel".
- de roedores normais, de pelagem branca. Esse novo conjunto de células formou um embrião, que, por sua vez, foi transplantado para uma "mãe de aluguel': um camundongo de
O PROJETO
Desenvolvimen to de um Modelo Animal para a Síndrome de Marfan através da Manipulação do Genoma do Camundongo
MODALIDADE
Programa Jovem Pesquisador
COORDENADORA
LYGIA DA VEIGA PEREIRA - IB/ USP
INVESTIMENTO
R$ 70.382,31 e US$ 100.645,00
Nascem filhotes que expressam o gene modificado em diferentes intensidades: os brancos não o manifestam, os marrons-claro o expressam de forma moderada e os marrons-escuro, intensamente. Os machos marrons-escuro cruzam com fêmeas brancas, e seus filhotes constituem a primeira linhagem de cobaias transgênicas.
sexo feminino - e de pelagem branca. A ela cabe a tarefa de gerar uma ninhada de animais quiméricos.
Por que quiméricos? Esses animais são formados por dois tipos de células geneticamente distintas, uma vinda do embrião original e outra das células-tronco alteradas geneticamente. "O nível de quimerismo pode ser estimado a partir da coloração da pele, variando de O a 100%", diz o russo Alexandre Kerkis, professor visitante do IB, que auxiliou Lygia no desenvolvimento dos camundongos transgênicos. Como a tonalidade agouti é dominante em relação à branca - e o gene alterado foi inserido em células-tronco de animais agouti -, as quimeras mais escuras
O futuro das células-tronco dem gerar todos os tecidos de um ser, além do próprio ser), pluripotentes (originam a maior parte dos tecidos) e multipotentes (transformam-se em alguns tipos de células). A retirada das células inviabiliza o embrião, fato que alimenta a polêmica das pesquisas com célulastronco embrionárias. "Essa questão está mal-posta': opina Marco Antonio Zago, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. "Esses embriões foram descartados e nunca 1nam gerar um ser."
As células animais capazes de se dividir indefinidamente em meio de cultura e originar outras, que desempenham tarefas específicas -formam o tecido nervoso, muscular ou cardíaco, por exemplo-, são chamadas de células-tronco. Há duas grandes categorias: as derivadas do embrião e as de adultos.
As células-tronco embrionárias são mais pesquisadas que as adultas
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por serem mais versáteis. Normalmente, provêm do tecido fetal de uma gravidez interrompida ou, com maior freqüência, de óvulos fecundados in vitro não utilizados porcasais com problemas de infertilidade. Os óvulos ficam armazenadas em clínicas e hospitais.
De acordo com seu estágio de evolução, esses óvulos podem oferecer células-tronco totipotentes (po-
apresentam maior quantidade de células derivadas das células-tronco modificadas. Ou seja, nelas a alteração genética se incorporou plenamente ao DNA. Já nas quimeras mais claras, obviamente, o grau de expressão da alteração genética é menor.
Nova linhagem -É por essa razão que, na hora de promover os cruzamentos finais que vão resultar na criação de uma linhagem estável de roedores transgênicos, os pesquisadores usam fundamentalmente as quimeras de pelagem agouti.
"O processo de gerar uma nova linhagem de camundongos transgênicos demora cerca de um ano", comenta Lygia, que aprendeu a técnica de manipulação de células-tronco embrionárias no início da década de 90, durante doutorado no Hospital Monte Sinai de Nova York. É um processo demorado e, além das dificuldades com células-tronco e manipulação genética, sempre há o risco de se perder uma ninhada de camundongos transgênicos. Em setembro do ano passado, por exemplo, um leve descuido na assepsia do biotério fez uma colônia de camundongos que estava sendo manipulada para um experimento pegar sarna e ser descartada. Um pequeno acidente de percurso que atrasou o cronograma dos pesquisadores do IB e da Veterinária, mas não os tirou da rota traçada. •
Em adultos, as células-tronco provêm da médula óssea, do cordão umbilical e, em menor quantidade, da própria corrente sanguínea. O problema é que ainda faltam evidências indiscutíveis de pluripotência nas células-tronco obtidas de seres desenvolvidos. "Houve alguns avanços nessa área nos últimos anos, mas o assunto ainda é controverso", diz Zago, que pesquisa o sangue do cordão umbilical como fonte de células para doenças como leucemias.
CIÊNCIA
NEUROLOGIA
Falha na produção Estudo detecta variação cromossômica bem acima do esperado em neurônios
N um sistema nervoso normal, os neurônios devem possuir um
genoma idêntico. Seu cariótipo deve ser composto pelo mesmo número de cromossomas. É o que diz a teoria. Na prática, a realidade pode ser mais complexa, como mostra o resultado de um estudo feito por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, em San Diego, Estados Unidos, com participação do brasileiro Stevens Kastrup Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que faz pós-doutorado na instituição norte-americana. O trabalho revela que um terço dos neuroblastos, células precursoras dos neurônios, de embriões de camundongos apresentam uma quantidade
de glóbulo branco do sangue, a taxa de aneuploidia é de 3%.
As medições foram feitas durante a mitose dos neuroblastos, processo de divisão de seu núcleo, que se parte e gera duas células-filhas. Quando a mitose é perfeita, as células-filhas têm o mesmo número de cromossomas da célula-mãe. Pelos dados da pesquisa, esse processo apresenta muitas imperfeições no caso dos neuroblastos. Felizmente, o destino da maioria desses neuroblastos com cromossomas a mais ou a menos é morrer à medida que o organismo cresce. Tanto que os níveis de aneuploidia em neurônios, os sucessores dos neuroblastos, de camundongos adultos é significativamente menor, da ordem de 10%. Menor, mas não desprezível. Rehen acredita que a maior prevalência de aneuploidia em neurônios adultos pode ser um indicativo de maior predisposição a doenças neurodegenerativas. •
variável de cromossomas. Em vez dos esperados 40 cromossomas, 33% dos mais de 200 neuroblastos analisados continham cromossomas a ma1s ou a menos do que o padrão. "Esse nível de aneuploidia (variação no número de cromossomas) é dez vez maior do que o padrão aceito na citogenética convencional", diz Rehen, que está publicando o trabalho na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Nos linfócitos, um tipo
Os anormais: há três cromossomas 2 (vermelho) e apenas um 15 (azul claro) e 17 (esverdeado). O cariótipo normal de neuroblasto de rato tem 20 pares de cromossomas
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SAÚDE PÚBLICA
Limites à frota poluente
Criado em 1986, o Proconve estabeleceu limites de emissões a serem respeitados a partir de 1988 por todo veículo novo produzido no país ou importado. Inspirado em similares de países desenvolvidos como Estados Unidos e Japão, o programa estabeleceu estágios diferenciados de redução de emissões para veículos leves (a gasolina e álcool) e pesados (a diesel), bem como para ônibus urbanos.
Os veículos leves tiveram de passar, por exemplo, da emissão máxima de 24 g/km (gramas por quilômetro rodado) de monóxido de carbono (CO) em 1989 para 12 g/km em 1992 e 2 g/km em 1997. Também foram fixados limites para a emissão de monóxido de carbono em baixa velocidade e para as emissões de hidrocarbonetos ou combustível não queimado (HC) e óxidos de nitrogênio (NOx). Os carros a álcool tiveram ainda fixados limites para a emissão de aldeídos.
A redução dos níveis de poluentes foi gradativamente obtida por meio de medidas tecnológicas como a generalização do uso do catalisador e da injeção eletrônica, a melhoria dos combustíveis e lubrificantes e do rendimento dos próprios motores. Com as medidas do Proconve, a emissão de poluentes nos veículos automotores novos de todo o país chegou a 90% no final da década de 90 em relação à situação anterior ao programa.
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98% do monóxido de carbono, cerca de 60% do material particulado e algo em torno de 50% a 90% dos outros poluentes", revela Gouveia.
A qualidade do ar paulistano já foi pior. Na década de 80, o nível médio de material particulado girava em torno de 75 mg!m3 (microgramas por metro cúbico), bem acima dos 50 mg/m3 tidos como limite aceitável pela OMS. Com a introdução dos veículos a álcool, menos poluidores, e a adição do álcool anidro à gasolina como antidetonante, no lugar do tóxico chumbo tetraetila, a média anual de material particulado caiu -oscila entre 50 e 60 mg/m3 -,apesar do aumento da frota. Para a melhora contribuiu a resolução federal de 1986 que criou o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), impondo limites cada vez menores de emissão de poluentes para veículos novos (ver quadro) . Hoje, segundo a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental ( Cetesb ), os automóveis poluem 90% menos que nos anos 80.
Ainda assim, São Paulo é uma das metrópoles mais poluídas: pesquisa do Imperial College de Londres lhe dá o quinto lugar numa lista encabeçada pelo Cairo (Egito), seguido por Xangai (China), Cidade do México e Karachi (Paquistão). Em melhor si-. tuação estão Nova York, no 11 o lugar, e Londres, no 12°, provavelmente graças à boa infra-estrutura de transporte coletivo - sobretudo metrô.
Rodízio inútil- Sob pena de multa, de 1996 a 1998 o paulistano foi proibido pelo governo estadual de usar o carro um dia por semana durante o inverno, conforme o algarismo final da placa. Enquanto o atual rodízio municipal busca reduzir congestionamentos, o estadual pretendia diminuir a poluição. "Mesmo retirando das ruas a cada dia 20% da frota de veículos leves, a medida não surtiu o efeito esperado", diz Gouveia. Ele comparou os índices de poluição de agosto nos três anos de rodízio com o dos três anos anteriores.
A poluição de fato baixou cerca de 17%, mas não necessariamente devido ao rodízio. Segundo esse estudo, a redução resultou, em boa parte, de uma conjunção de fatores ambientais - temperatura, umidade do ar, chuvas e ventos que contribuíram para a dispersão dos poluentes.
Para Gouveia, o rodízio fracassou por ter deixado de fora os maiores poluidores, cerca de 400 mil veículos a diesel que despejam 12,4 mil toneladas de material particulado por ano na região metropolitana. A experiência também não deu muito certo na Cidade do México e em Santiago do Chile. "Quanto mais tempo dura o rodízio, menos efeito ele tem", diz. Mas não se descarta a restrição em casos de crise aguda, como ocorre em Paris e outras cidades européias. "Ainda assim, como medida isolada, traz poucos benefícios."
Crianças e idosos - Gouveia concluiu um projeto em que avalia os efeitos nas faixas etárias mais afetadas- crianças e idosos - e os resultados do rodízio estadual, comparando a evolução dos índices dos principais poluentes com as internações hospitalares de crianças até 5 anos e idosos acima de 64 anos entre 1996 e 1998. O cruzamento das medições das 12 estações de monitoramento do ar da Cetesb com os registros das internações hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) mostrou, por exemplo, que os maiores índices de internações e de poluição coincidiram com o inverno. Baixas temperaturas já favorecem o aumento de quadros agudos e óbitos por doenças respiratórias, o que a poluição só agrava.
Houve aumento de internações de idosos por doenças circulatórias relacionado a altos níveis de monóxido de carbono, que diminui a oxigenação do sangue e pode ser mortal em ambiente fechado. Em crianças e idosos, as internações por doenças respiratórias foram associadas a monóxido de carbono, partículas inaláveis e dióxido de enxofre. "Em geral, nos dias mais poluídos, o número de in-
ternações por doenças respiratórias cresce cerca de 10% e a mortalidade geral aumenta entre 4% e 6%". Entre os picos de poluição e internação, pode haver uma defasagem de até três dias, "talvez o tempo necessário para a poluição exercer seu efeito deletério':
Outra conclusão: os idosos são mais afetados. Exceto as partículas inaláveis, os poluentes tiveram efeitos duas vezes maiores em idosos para internações por doenças respiratórias do que em crianças. Como essas doenças estão entre as que mais matam no país- se as cardiovasculares são as que mais matam idosos, as respiratórias vêm em terceiro lugar para eles e em primeiro para as crianças -, os dados podem ajudar na formulação de políticas de saúde.
Risco de retrocesso- Pode-se aproveitar boas experiências do exterior. "Mas medidas isoladas não vão surtir o efeito necessário", alerta Gouveia. "São Paulo precisa de um plano de medidas integradas, capazes de atacar o problema em várias frentes. Além de reduzir as emissões dos veículos, é preciso implementar a inspeção anual de toda a frota e investir no transporte coletivo."
O perigo é o crescimento da frota de veículos. Nos últimos 20 anos, a de São Paulo cresceu 215%, cerca de 12 vezes mais que o aumento da população, de 18%. Em média, há 170 mil veículos novos por ano. E, estima-se, os níveis de material particulado aumentam 20 mg/m3 para cada 100 mil veículos novos- e o efeito da redução
O PROJETO
Santiago: montanhas formam barreira
Londres: exemplo de uma grande
melhoria na qualidade do ar
das emissões pelos veículos novos acaba se diluindo. Gouveia valoriza a busca de alternativas tecnológicas para a substituição dos combustíveis fósseis, como as células de combustível. "São soluções de longo prazo", diz. "Até lá, não podemos ficar de braços cruzados enquanto tanta gente adoece e morre." •
Poluição do Ar, o Rodízio de Veículos e Efeitos na Morbidade dos Idosos no Município de SP
MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa
COORDENADOR
NELSON DA CRUZ GOUVEIA- Facu ldade de Medicina da USP
INVESTIMENTO
R$ 8.850,00
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 39
Pesquisadores comprovaram que a exploração racional de determinadas espécies pode viabilizar o desenvolvimento susten
tável dos remanescentes do Cerrado paulista, de tal modo que os proprietários de terras, ao preservar os 20% de área exigidos por lei, ainda possam ter lucro com a parte intocada. O argumento para a preservação desse ambiente surgiu no projeto temático que estudou os mecanismos das reservas naturais de carboidratos (açúcares), coordenado pelo biólogo Marcos Silveira Buckeridge, do Instituto de Bo-tânica da Secretaria do Meio Ambiente.
No encontro de pesquisadores do programa BiotaFAPESP, realizado em dezembro no Parque Estadual Intervales, do Vale do Ribeira, Buckeridge expôs os resultados de seus estudos bioquímicos e fisiológicos, que abrangeram 62 espécies nativas do Cerrado e da Mata Atlântica, mais seis espécies exóticas. Demonstrou várias aplicações de carboidratos abundantes em vegetais desses ambientes, desde um espessante de alimentos e um substituto de produto importado usado em exames re-nais até um composto que confere maior resistência mecânica ao papel.
Goma brasileira - Entre os vegetais cuja importância cresce com o projeto está o falso-barbatimão (Dimorphandra mollis), uma das leguminosas de maior ocorrência no Cerrado de São Paulo e do Centro-Oeste, encontrada ainda na Caatinga nordestina. Conhecida também como faveira, farinha ou canafístula, tem de 8 a
Falso-barbatimão: grande potencial para a produção de uma goma industrial atualmente importada
14 metros de altura e de sua casca e das vagens se extrai a rutina, composto em forma de pó amarelo-esverdeado, sem sabor. A rutina é normalmente utilizada na curtição do couro, mas acredita-se que em humanos aumente a força dos vasos capilares e a absorção de vitamina C.
Buckeridge mostrou que as sementes de falso-barbatimão - atualmente descartadas- são ricas em polissacarídeos (longas cadeias de açúcares) quimicamente idênticos à goma-guar. Essa goma é usada industrialmente como espessante de
Sementes de falso-barbatimão: • alta concentração de polissacarídeo
iogurtes e sorvetes, cápsulas de medicamentos, lubrificante de brocas para prospecção de petróleo e até invólucro de bananas de dinamite. Quase toda importada - cada quilograma custa deUS$ 18 a US$ 28 -,é geralmente extraída de sementes de espécies exóticas (não-nativas do Brasil) como Cyamopsis tetragonolobus, leguminosa arbustiva da Índia e do Paquistão. A goma-guar, cujas propriedades são conhecidas desde a década de 1930, também reduz a absorção de gorduras e facilita a absorção intestinal de carboidratos.
Das espécies estudadas, o falsobarbatimão é a que mais contém o
polissacarídeo galactomanano, que corresponde a cerca de metade do peso seco da semente e pode substituir a goma-guar. "O rendimento em galactomanano das sementes de Dimorphandra mollis está entre os maiores já encontrados na natureza", diz o pesquisador.
Trabalhando com dois grupos de sementes, um da Caatinga de Parnaíba (Piauí) e outro do Cerrado paulista (Mogi-Guaçu), o grupo estudou a germinação e desenvolveu um método de extração a seco dos polissacarídeos que se acumulam
nas paredes celulares da semente. Por moagem e peneiramento, obteve-se um pó com 83,2% de galactomanano, grau de pureza similar ao dos produtos comerciais. Testes com coelhos indicaram que se trata de um composto atóxico que pode, efetivamente, ser usado como alimento. Há indícios de interesse por essas sementes na Europa e no Japão.
O falso-barba timão adapta-se bem a terrenos secos e pobres ou áreas degradadas. Falta verificar as condições ideais de produção no campo e a quantidade que pode ser retirada no Cerrado sem impacto ambiental. Para Buckeridge, a exploração racional
da goma brasileira pode estimular a preservação do ecossistema, o que, comercialmente, cria um diferencial ambientalista favorável.
Função renal - Outra planta do Cerrado, a Vernonia herbacea, fornece um polissacarídeo do grupo dos frutanos que tem comportamento idêntico ao da inulina. Essa substância industrializada serve para medir a chamada filtração glomerular, que revela o estado da função renal de pacientes. Estudos que pesquisadores do Instituto de Botânica fizeram com camundongos em 1996, em colaboração com a Universidade de São
PESQUISA FAPESP · OUTUBRODE2001 • 41
Jatobá-do-cerrado: sementes ricas em
carboidratos
Paulo, haviam demonstrado que a Vernonia é uma alternativa viável à inulina para usos clínicos e acadêmicos.
A equipe de Buckeridge está complementando esses estudos. "Temos experimentos em campo e em laboratório, com a finalidade de compreender o papel de nutrientes específicos no crescimento e no desenvolvimento da planta", diz ele. "Depois de entender esses pontos, pode-se pensar em como otimizar a produtividade."
Quanto ao aproveitamento da planta, há indícios animadores. "A produtividade da Vernonia é alta, comparável à de espécies já melhoradas de plantas cultivadas na Europa para a fabricação de inulina",
afirma a bióloga Maria Angela Machado de Carvalho.
Os pesquisadores compararam o desenvolvimento e os teores de frutanos em plantas que cresceram sob níveis diferentes de adubação nitrogenada. A conclusão é que o nitrogênio pode beneficiar o acúmulo de inulina: plantas adubadas exibiam aos 12 meses teores bastante próximos aos de outras, com dois anos de idade, cultivadas em condições semelhantes.
Já os xiloglucanos, presentes em todos os vegetais, têm uso potencial na indústria do papel, para aumentar sua resistência mecânica: testes feitos pela indústria de celulose Aracruz a pedido de Buckeridge mostraram um aumento de 40% na resistência ao rasgo. Os xiloglucanos são carboidratos altamente concentrados na semente. Um exemplo é a semente do jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa), que no jargão da in-
Três grupos de açúcares essenciais
A equipe de Buckeridge estudou três grupos de carboidratos, ampla classe de compostos que inclui os polissacarídeos e representa cerca de 90% da estrutura da parede celular vegetal: frutanos, galactomananos e xiloglucanos. Os dois últimos são carboidratos de parede celular, que se concentram nas sementes e, entre outras funções, controlam a velocidade de absorção de água.
Frutanos também participam da absorção de água, mas são especialmente relevantes para o desenvolvimento de espécies com reprodução vegetativa, como as da família das
42 · OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
compostas. Nesse tipo de reprodução, a planta elimina a parte aérea durante um período de dormência que, no Cerrado, corresponde à época de seca. A parte subterrânea -na qual justamente se concentram os frutanos- sobrevive e dela brotarão novos órgãos aéreos.
"Como os frutanos não são metabalizados pelo organismo humano, podem ser usados sem risco pelas indústrias alimentícia e farmacêutica", diz Maria Ângela, que estudou o metabolismo desses polissacarídeos em espécies nativas do Cerrado. Um dos tipos de frutanos, os de cadeia
curta, com poucas moléculas de frutose acopladas, tem sabor doce. Identificados pela sigla FOS (de fruto-oligossacarídeos), entram na composição de produtos para diabéticos e para regimes de emagrecimento, ou são usados como aditivos em alimentos. Outro tipo, de cadeia longa, com mais moléculas de frutose acopladas, não é doce: as moléculas se encaixam de tal forma que não sobra nenhuma frutose avulsa para garantir sabor. Seu uso potencial é na indústria farmacêutica.
Segundo Buckeridge, os galactomananos -já usados pelos egípcios
formática seria zipada (compactada), tal a quantidade de carboidratos que contém: cerca de 40% do peso seco.
Em laboratório - Se a exploração de uma planta implicar devastação, pode-se adotar o caminho da produção em laboratório para obter as substâncias desejadas. Por exemplo, a Viguiera disco lar- herbácea da fa mília das compostas, como a camomila e a margarida- também é uma alternativa à produção de inulina, mas se desenvolve lentamente: a parte aérea (caule e folhas) cresce entre a primavera e o final do outono e depois entra em dormência.
Então, um objetivo do grupo é chegar à biossíntese de frutanos pela cultura de tecidos vegetais. Para isso, além dos momentos de maior produção de frutanos, também se observa a distribuição dos açúcares na planta. "A dist ribuição das reservas entre as diferentes partes do órgão subterrâneo é bastante complexa, mas o acúmulo ocorre essencialmente nas raízes tuberosas", comenta Buckeridge.
na mumificação- têm um potencial de uso bem mais amplo, como agora se demonstra com a perspectiva de substituição da goma-guar importada, já que ambos têm amesma estrutura química.
O conhecimento das estruturas de reserva de carboidratos também remete a ajustes na dieta do dia-adia. Atualmente, devido ao intenso
O PROJETO
Conservação e Utilização Sustentável da Biodiversidade Vegetal do Cerrado e Mata Atlântica: os Carboidratos de Reserva e seu Papel no Estabelecimento e Manutenção das Plantas em seu Ambiente Natura l
MODALIDADE
Projeto temático
COORDENADOR
MARCOS SILVEIRA 8UCKERIDGE- Inst it uto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente
INVESTIMENTO
R$ 309.845 e US$ 378.726
Estratégia de inverno- O armazenamento de açúcares em sementes ou estruturas subterrâneas é uma estratégia bem -sucedida de adaptação, que garante a sobrevivência no inverno seco do Cerrado. A produção é acionada sob condições ambientais adversas ou estressantes, como a escassez de água, numa indicação de que essas substâncias podem estar ligadas ao controle hídrico celular.
Um dos experimentos comparou os carboidratos solúveis de uma gra-
consumo de produtos industrializados, a alimentação tornou-se escassa em fibras, compostas basicamente de carboidratos, mas desprezadas por conterem poucas calorias -embora se reitere sua importância para o bom funcionamento do sistema gastrointestinal e a prevenção de doenças. Diante disso, a equipe de Buckeridge tem publicado arti-
mínea nativa e abundante no Cerrado, a Echinolaena inflexa, e de uma espécie invasora, a Melinis minutiflora. Concluiu-se que essas espécies adotam est ratégias diferentes para sobreviver e ocupar ambientes sujeitos à restrição de água. Nas duas, os níveis de açúcares aumentaram no inverno (período seco), mas a nativa continha dez vezes mais um grupo de compostos, os açúcares álcoois, que ajudam a planta a viver com pouca água.
São evidências de que, mais que resultados, o trabalho most ra novos caminhos, na medida em que os pesqu isadores conh ecem os momentos de maior ou menor produção de polissacarídeos encontrados nas folhas, no caule, nas sementes ou nas raízes. "As reservas de carboidratos dos vegetais do Cerrado podem ser m anejadas de fo rma sustentável, com aplicações nas indúst rias fa rmacêutica e alimentícia e na área tecnológica", afirma Buckeridge, coordenador do projeto temático a ser concluído em março de 2003. Desde 1998, o trabalho resultou na publicação de 27 artigos científicos e em 19 teses de mestrado e doutorado, apresentadas ou em andamento. •
Açúcares: galactomano do fa lso-barbatimão (à esquerda) e xiloglucano do jatobá-do-cerrado
gos considerando a possibilidade de se modificar a composição de fibras em plantas muito consumidas ou de introduzir certas fibras em alimentos de uso consagrado. Ele exemplifica: "Por que não, por exemplo, um feijão com mais fibras? Seus tecidos já têm os genes necessários, que precisariam apenas ser ativados ou desbloqueados".
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 43
CIÊNCIA
FÍSICA
O próton em transformação diz Matsas. O próton pode então transformar-se em nêutron, desta vez pela captura de um elétron, num processo que emite um neutrino, tipo de partícula aparentemente sem
Estudo mostra como uma partícula acelerada pode originar outras
Se permanecesse parado, livre de qualquer força elétrica ou mag
nética e a zero grau absoluto ( -273° Celsius), o próton, uma das partículas do núcleo atômico, se manteria estável. E assim poderia ficar para sempre, de acordo com os atuais modelos teóricos. O cenário é mais animado quando o próton é submetido, por exemplo, a um campo elétrico: torna-se acelerado e pode se desintegrar. A explicação disso, do ponto de vista do próton- como se um observador estivesse sentado sobre ele -, faz parte de um estudo que ganhou destaque na edição de 8 de outubro da Physical Review Letters, assinado por George Matsas, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp ), e de seu doutorando Daniel Vanzella, hoje no Centro de Gravitação e Cosmologia da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos.
Ao explicar a desintegração ou decaimento do próton, o estudo de Matsas e Vanzella confirma matematicamente o chamado efeito FullingDavies-Unruh, apresentado como hipótese em 1976: um observador inerciai parado no laboratório não veria nada se estivesse no vácuo a zero absoluto, enquanto um observador acelerado veria partículas elementares em movimento, como se estivesse num forno de microondas com milhões de prótons, nêutrons, elétrons e outras partículas batendo nele.
Os pesquisadores basearam-se nesse efeito para explicar a desintegração do próton do ponto de vista de um observador acelerado sentado so-
massa. Outra possibilidade é absorver um antineutrino e originar um nêutron e um pósitron, partícula com as mesmas características do elétron, mas de carga elétrica contrária.
O acelerador do Fermi: fragmentação de átomos
Matsas e Vanzella calcularam o tempo de desintegração do próton também para observadores parados no laboratório que apenas vêem o próton em movimento. Por fim, viram que o tempo de desintegração coincidia com os resultados obtidos para observadores em movimento sobre o próton. "Se o efeito não existisse, não haveria como explicar a desintegração do próton acelerado do ponto de vista de um observador sentado sobre ele", diz Matsas. A transformação em
bre ele. Nessas condições, assistiria ao surgimento de partículas que simplesmente não existem para observadores inerciais - mais um dos mistérios da mecânica quântica.
À temperatura baixa, o próton absorve um életron e um antineutrino e forma um nêutron. "Ã medida que a aceleração aumenta, o próton sente uma temperatura ambiente mais alta e outros processos de desintegração se tornam mais prováveis",
O PROJETO
Espinores em Teoria de Campos em Espaços Curvos
MODALIDADE
Bolsa de Pós-Graduação
COORDENADOR
GEORGE EMANUEL AVRAAM MATSAS -
Instituto de Física Teórica/Unesp
INVESTIMENTO
R$ 81.283,69
nêutron e outras partículas imensamente menores é rapidíssima - demora um décimo de segundo. Mas só pode ocorrer se o próton estiver submetido a uma aceleração gigantesca, equivalente ao número 5 seguido de 34 zeros em centímetros por segundo ao quadrado, algo só concebível em pulsares, objetos cósmicos altamente energéticos.
"Somente em condições astrofísicas haveria uma chance de observar a desintegração do próton", diz o pesquisador da Unesp. Na Terra, ainda não é possível atingir essa aceleração, nem mesmo nos maiores aceleradores do mundo, como o do Laboratório Fermi, nos EUA, ou o franco-suíço Large Hadron Collider (LHC), em construção. Por enquanto, o próton continua uma partícula estável. "Na Terra", diz Matsas, "o tempo que o próton precisaria para se desintegrar seria muito maior que a própria idade do universo". •
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 49
TECNOLOGIA
Novo teste garante a qualidade do cafezinho Um método inédito para detectar impurezas ou fraudes no pó de café foi desenvolvido e patenteado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Com ele, é possível verificar, por meio de uma câmara fotográfica digital, uma lupa e a análise das imagens de um software específico, o espectro eletromagnético refletido pelos diversos materiais orgânicos que compõem o pó de café. Assim, é possível captar os diferentes comprimentos de onda eletromagnética emitidos por cascas ou pedaços de caule da planta, ou por Novo teste é mais ágil e mais preciso do que o método tradicional feito manualmente material misturado ao café intencionalmente, como milho, cevada, açúcar mascava, soja e outros. O novo teste atende a uma sugestão da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), que procurava um método mais ágil e preciso para substituir
• Cresce o número de incubadoras
Quarenta e duas novas incubadoras de empresas devem se estabelecer até o final de 2002 no Brasil. Elas serão instaladas com financiamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que acolheu os projetas por meio de um edital. Espalhadas por todo o país, a subdivisão por região ficou assim: l O para a região Norte, 12, Nordeste, quatro, CentroOeste, 13, Sudeste, e três, Sul. Estados como Roraima, Ser-
50 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
o tradicional: lento e feito de forma manual. A entidade fornece um selo de pureza anual aos fabricantes que apresentem até 1 o/o de impurezas. "Com o novo sistema, conseguimos um índice de acerto de 99,73%",
gipe e Tocantins terão suas primeiras incubadoras. Cada uma vai receber R$ 20 mil para montar o plano de negócio inicial, quando são definidas as estratégias e a contratação de pessoal da incubadora. Das 42, 20 possuem vínculo form al com universidades ou institutos de pesquisas. No mesmo edital, também constam benefícios para mais 57 incubadoras, já estabelecidas ou em fase de instalação. No total, o Sebrae vai desembolsar, durante um ano, R$ 5,464 milhões nesse programa de apoio às incubadoras. As 42 novas in-
conta Eduardo Assef, pesquisador da Embrapa Cerrados que coordenou o trabalho junto com Embrapa Café e Embrapa Agroindústria de Alimentos. A construção do softwar;e se baseou no Processamento de Ima-
cubadoras vão se somar às 159 já existentes no país. Esse setor obteve um crescimento de 17,7% no número de incubadoras, entre agosto de 2000 e agosto deste ano, segundo a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec) . Esses estabelecimentos abrigam mil empresas e empregam 7 mil pessoas. Do total de incubadoras, 54% são exclusivas de empresas com base tecnológica e 70% possuem vínculo com universidades ou institutos de pesquisa. •
gens e Geoprocessamento (Spring) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sistema usado no monitoramento ambiental por satélite que foi adaptado para a análise de impurezas e fraudes no café. •
• Faperj na rota das pequenas empresas
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) divulgou a lista dos primeiros 19 projetas aprovados no âmbito do programa Tecnologia na Pequena Empresa (TPE). Foram beneficiados projetas que apresentaram propostas de inovações em produtos e processos. Serão destinados R$ 2 milhões para esse programa que segue o mesmo caminho de sucesso do Programa de Inovação Tecnológica em Pe-
quenas Empresas (PIPE) da FAPESP. O TPE também é dividido em duas fases. Na primeira- a empresa recebe investimentos de até R$ 50 mil -o pesquisador realiza estudos sobre a viabilidade do produto, e na segunda fase, com recursos de até R$ 200 mil, a dedicação é para o desenvolvimento de um protótipo. •
• Novas embalagens biodegradáveis
A procura por embalagens recicláveis e biodegradáveis uniu duas gigantes da indústria química. A DuPont e a Earth Shell vão colocar no mercado, até o final do ano, um novo tipo de embalagem plástica "ecologicamente correta", fabricada a partir de materiais biodegradáveis. Destinado à indústria de alimentos, o material será produzido a partir de um composto formado por materiais inorgânicos - como pedra calcária - orgânicos - amido -, além do filme de poliéster biodegradável Biomax, processado pela DuPont. Segundo os fabricantes, a nova embalagem será usada para fabricação de invólucros de sanduíches, copos, pratos e outros recipientes descartáveis. •
• Vermiculita para purificar efluentes
Vem de Ouro Preto, Minas Gerais, um novo benefício para a solução de efluentes industriais. Depois de anos de pesquisas, o professor Jader Martins, do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), inventou um produto, a vermiculita hidrafóbica, capaz de separar substâncias oleosas das águas de efluentes industriais, colocando-as dentro dos parâmetros
exigidos pela legislação ambiental. A vermiculita é um mineral barato e muito utilizado como isolante térmico e acústico na construção civil. O pesquisador da UFOP tratou-o quimicamente, tornado-o hidrofóbico, ou seja, sem afinidade com a água. O novo produto, com alto índice de porosidade, é capaz de reter óleos quando em contato com águas contaminadas. Hoje, esse processo de purificação é feito com filtros de decantação. Para viabilizar o produto, Martins abriu uma empresa, a Hydro Clean, e busca um parceiro para a fabricação do produto em escala comercial. •
• Aparelho útil na radioterapia
Um equipamento criado pela empresa Bioluz Equipamentos e Serviços, de Campinas, promete trazer avanços no tratamento de pacientes com câncer submetidos a sessões de radioterapia. Batizado de Isocort 100, o aparelho impede que tecidos e órgãos próximos ao local tratado recebam emissões desnecessárias de radiação. O Isocort é, na verdade, um sofisticado cortador de isopor. De posse de uma radiografia da região onde o câncer se encontra instalado, o médico pode "dese-
nhar" no Isocort a região a ser tratada com a radioterapia. O aparelho recorta uma placa de isopor na forma que servirá como molde para a criação de uma capa de blindagem, feita de uma liga metálica. Essa blindagem impedirá que a dispersão dos
lsocort 1 00: molde
protege a pele
o
isótopos atinja órgãos e tecidos saudáveis em volta do tumor. O equipamento levou quatro meses para ser desenvolvido e custa R$ 20 mil, valor inferior aos importados. Dois aparelhos já estão em funcionamento: um num hospital de Chapecó, em Santa Catarina, e outro na Clínica Radium, em Campinas. •
• Gesso mais resistente no Rio Grande do Sul
A Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), localizada na cidade de São Leopoldo, pólo calçadista do Rio Grande do Sul, criou, em parceria com empresas da região, um material para uso na construção civil a partir do contraforte, componente usado na parte do calcanhar do sapato e um dos principais resíduos da indústria de calçados. O novo produto é um composto formado por gesso e partículas de contraforte. Ele poderá ser usado na fabricação de divisórias, forros e até paredes. A pesquisa, inserida no Programa de Tecnologia para Habitação (Habitare) da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep ), foi executada pela equipe do professor Cláudio de Souza Kazmierczak, do curso de engenharia civil da Unisinos. Segundo o pesquisador, as placas de gesso reforçadas com contraforte têm elevada resistência a im-
'i pactos. Além disso, o aprovei~ tamento do resíduo trará um
grande benefício ambiental, porque naquela região são descartadas 80 toneladas de sobras de contraforte por mês. Duas empresas já se interessaram em fabricar o novo material e prometem iniciar a comercialização a partir do primeiro semestre do pró-ximo ano. •
PESQUISA FAPESP • OUTUBRODE2001 51
Uma parceria da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) com a AJcoa Alumínio resultou na cria-
ção de um instrumento inédito: o reômetro para concretos. O equipamento destina-se a aferir o grau de qualidade e as reações entre matériasprimas usadas na formulação de concretos refratários, aplicados em revestimentos de fornos e equipamentos de produção de ferro e aço. Esses concretos são formulados com baixo teor de cimento e alto teor de alumina, subproduto da indústria do alumínio que é muito resistente a altas temperaturas.
52 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
O reômetro foi desenvolvido num projeto temático sobre concretos refratários avançados financiado pela FAPESP e coordenado por Victor Carlos Pandolfelli, do Departamento de Engenharia de Materiais (Dema) da UFSCar.
O projeto abriu uma linha de estudos que já produziu dez dissertações de mestrado e sete teses de doutorado, além de um livro que passou a ser fonte de consultas em cursos sobre materiais. E também possibilitou o registro de três patentes. Uma é do próprio reômetro, outra do software Particule Size Designer, que define e analisa os materiais particulados
utilizados nos concretos. Lançado a 23 de outubro pela Alcoa, o software custa R$ 800,00 e sua renda reverterá toda para a UFScar. Ele também contribuiu para o objeto da terceira patente: uma geração de concretos refratários com baixos teores de água na preparação e maior resistência mecânica a alta temperatura.
O reômetro e outros equipamentos e processos desenvolvidos surgem num momento oportuno. Em 2000, a produção mundial de aço foi de 847 milhões de toneladas. A demanda atual da siderurgia é por concretos refratários cada vez mais resistentes e duráveis. Portanto, o diferencial com-
petitivo deverá ser o desempenho e o valor agregado do material, e não apenas a produtividade. Uma previsão é consenso: as siderúrgicas menos eficientes fecharão as portas, o que já começa a ocorrer nos EUA.
O desafio da indústria do aço é baixar custos e elevar rendimentos. Para isso, são decisivos os refratários, bem como as tecnologias que surgiram nos últimos anos para elevar a eficiência. "Os refratários utilizados hoje", diz Pandolfelli, "são uma sofisticada classe de materiais, cuja concepção e projeto de microestrutura vão muito além da clássica combinação de matérias-primas para se obter
um melhor componente". As indústrias estão certas ao trocar os velhos fornos de tijolos refratários por revestimentos de concreto refratário: "Com os tijolos gasta-se mais tempo e mão-de-obra, porque são assentados um a um. O concreto refratário utiliza maquinário rápido, não necessita de diferentes formatos de tijolos para compor o forno e não deixa juntas, por onde pode se iniciar um processo de corrosão!'
Prevê-se que, até 2007, 100% dos alto-fornos e outras instalações das siderúrgicas brasileiras utilizem concretos refratários. Hoje, eles correspondem a 60% do material refratário
Siderurgia: processo vem sendo aprimorado com o uso de novas tecnologias e concretos refratários
empregado no setor, que movimenta US$ 350 milhões por ano.
A qualidade do refratário se revela na sua resistência às temperaturas da transformação do minério em ferro e aço, que chegam a 1.600° C. Há três décadas, o consumo de refratários pela siderurgia brasileira era de 30 quilogramas (kg) por tonelada de aço produzida. Hoje, essa relação é de 9 kg, perto da considerada excelente, que é 7 kg. Quanto mais eficiente e sob controle o processo siderúrgico, menos ele consome refratários.
Com isso, a siderurgia brasileira se tornou bem competitiva. Mas, para manter esse padrão, e até aprimorálo, reduziu-se o espaço para estudos e experimentações: é preciso dominar e aplicar logo formas de conhecimento cada vez mais específicas.
É nesse contexto, segundo Pandolfelli, que o reômetro deve fazer a diferença. Ele é parte fundamental na produção de concretos refratários bombeáveis, produzidos em misturadores no próprio local da obra elevados em mangueiras sob pressão para o revestimento do alto-forno.
Novos tempos - O reômetro mede o torque (esforço de torção) necessário para se misturar o concreto sob diferentes condições, simulando o bombeamento industrial. Também indica o pH (índice de acidez) e a temperatura, conforme as reações acontecem. Assim, o instrumento permite simular as solicitações a que os concretos serão submetidos, desde o momento em que seus componentes são misturados até o de sua aplicação.
O engenheiro Carlos Pagliosa, hoje funcionário da Magnesita, maior fabricante brasileira de refratários, foi um dos primeiros a trabalhar com Pandolfelli, como aluno de pós-graduação, no desenvolvimento de concretos bombeáveis. Para ele, os novos tempos impõem o uso de produtos
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 53
metro. Enquanto o mercado brasileiro de concretos refratários apostava firme em máquinas e tecnologias importadas, a Saffran encontrou um caminho próprio junto com a UFSCar.
multifuncionais e adequados a um processo de instalação mais rápida, como é o sistema de bombeamento. "Foi necessário tratar os concretos refratários como produtos de alta tecnologia. Nesse contexto, os novos produtos não puderam mais ser gerados por concepções empíricas e partiu-se para o modelamenta computacional e o desenvolvimento de equipamentos específicos': afirma Pagliosa.
Refratários: corpos de prova feitos no laboratório da UFSCar
Marcelo Guerra, engenheiro de pesquisa da empresa, explica: "Nosso novo concreto é bombeado com mais eficiência, permitindo que o produto aplicado tenha melhor qualidade e desempenho. Como não pre
A parceria da UFSCar com a AIcoa - que detém 25% da produção de alumínio no país- nasceu há dez anos, período em que a empresa investiu US$ 650 mil em vários projetos conjuntos. "Com o reômetro, a empresa espera diferenciar-se por ter dado ao mercado um instrumento de avaliação da qualidade de suas próprias matérias-primas", diz o químico Jorge Gallo, que chefia a pesquisa na empresa e faz a ligação com a UFSCar, desenvolvendo seu doutorado dentro do projeto temático.
Menos esforço - Os recursos investidos pela Alcoa na UFSCar apóiam necessidades que o financiamento da FAPESP não pode atender, como a ampliação de espaços físicos da universidade. Assim, com recursos da empresa, foi construída uma unidade de 900 metros quadrados onde ficam os equipamentos e trabalha o grupo envolvido nesse projeto.
Um exemplo dos benefícios da Alcoa na parceria aconteceu no primeiro semestre, quando reformou um dos seus fornos de calcinação (queima) de alumina."Foi uma operação rotineira, que ocorre uma vez a cada dois anos. Mas desta vez foi diferente", explica Jorge Gallo. "Formamos um grupo com integrantes da empresa, do Dema-UFSCar e do fornecedor do refratário, a Magnesita. E juntos, sob a orientação do professor Pandolfelli, pudemos direcionar os serviços de modo muito mais funda-
54 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
mentado. Estimamos que isso nos permitirá aumentar o intervalo de tempo entre paradas de equipamentos para manutenção, o que, se confirmado, representará uma redução considerável nos custos:'
O projeto também contribuiu para que a Cerâmica Saffran, de Betim (MG), fosse pioneira no uso de tecnologia nacional para desenvolver concretos refratários bombeáveis, inclusive para reparar equipamentos siderúrgicos. Com a equipe da UFScar, a empresa conseguiu melhorar o desempenho dos canais em que o metal fundido escoa para os altos-fornos. O uso do reômetro levou ao desenvolvimento do concreto refratário usado nesses canais.
A empresa também economizóu tempo de desenvolvimento e gastos com testes industriais, que são caros porque envolvem uma quantidade mínima de até 2 toneladas de material . Assim, a experiência da Saffran, fundada em 1954, foi importante para comprovar a eficiência do reô-
O PROJETO
Estudo Sistêmico para o Desenvolvimento de Concretos Refratários Avançados
MODALIDADE
Projeto Temático
COORDENADOR
VICTOR CARLOS PANDOLFELLI- UFSCar
INVESTIMENTO
RS 525.877.47 e US$ 456.438,54
cisamos aplicar nenhuma vibração -necessária pelo antigo sistema de bombeamento, para o concreto fluir com mais facilidade-, reduzimos em dois terços o tempo de operação. Um forno de 200 toneladas, por exemplo, consumia 72 horas de aplicação com vibração. Para o mesmo volume, fazemos agora toda a operação em 20 horas':
Concepção caseira - Pagliosa, cuja tese de doutorado enfoca os concretos bombeáveis, acrescenta: "O desenvolvimento da tecnologia de concretos bombeáveis da Saffran se realizou dentro da própria empresa, com o apoio da equipe do projeto temático da FAPESP. Não foi algo desenvolvido dentro da empresa que migrou para a universidade. A concepção do produto foi feita conjuntamente pela empresa e a UFSCar, sendo que os testes de avaliação do produto pelo reômetro e as discussões técnicas foram fundamentais para o sucesso do desenvolvimento".
Entre outros resultados do projeto temático, Pandolfelli destaca mais cinco equipamentos que foram construídos ao longo destes últimos quatro anos - alguns deles em teste, para possíveis pedidos de patente. A equipe envolvida recebeu nove prêmios e publicou 71 artigos em revistas especializadas daqui e do exterior. "São resultados que exemplificam bem a geração de ciência e suas aplicações", completa o coordenador Pandolfelli. •
TECNOLOGIA
ENGENHARIA DE ALIMENTOS
Saudável e natural
Uma das atividades da isoflavona ext ra ída da soja é a reposição do estrógeno, o hormônio feminino, du ra nte a menopausa
Estudos na Unicamp abrem caminho para a produção de isoflavonas extraídas da soja e de novos usos da própolis
O Brasil já possui tecnologia para a produção da isotlavona aglicona, uma substância encontrada na soja
( Glycine max) que apresenta importantes atividades biológicas. Ela atua como anticancerígeno (mama e próstata) e antioxidante ao neutralizar a ação dos radicais livres, moléculas derivadas do oxigênio que são responsá-
veis pelo envelhecimento das células do corpo humano. A isotlavona também ajuda na redução dos níveis de colesterol prejudiciais à saúde cardiovascular e a tua no combate aos fungos que provocam doenças como as micoses e a candidíase. Além disso, ela já é utilizada como auxiliar na reposição hormonal no lugar do estrógeno, o hormônio feminino que diminui muito durante o período da menopausa.
A nova técnica de obtenção da isotlavona foi desenvolvida pelo professor Yong Kun Park, do Laboratório de Bioquímica de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Extraída de grãos e de produtos derivados da soja, as isotlavonas agliconas podem ser oferecidas ao mer-
cado consumidor como um suplemento alimentar em forma de cápsulas ou como um ingrediente para ser adicionado a bolos, chocolates e biscoitos, tornando-os mais saudáveis.
Transformação digestiva - O trabalho do professor Park e sua equipe resultou em um pedido de patente do processo de extração e conversão das isotlavonas glicosiladas de soja às suas formas agliconas. Esse processo de transformação das isotlavonas ocorre normalmente no aparelho digestivo, quando enzimas digestivas produzidas pela microflora intestinal transformam as isotlavonas glicosiladas em agliconas, que são então absorvidas pelo organismo. ''A idéia é produzir comercialmente a isotlavo-
PESQUISA FAPESP · OUTUBRODE2001 • 55
na aglicona para ser oferecida diretamente em forma de cápsulas ou para a produção de alimentos, permitindo assim uma melhor absorção e aproveitamento do composto pelo organismo': e"xplica Park.
Segundo o pesquisador, o Brasil tem condições ideais para produzir alimentos derivados de soja. O país é o segundo maior exportador dessa leguminosa, responsável por 16,9% da produção mundial. A área plantada para a safra 2000/2001 chegou aos 13,7 milhões de hectares, com uma produção estimada de 37 milhões de toneladas, gerando uma receita com grãos, óleo e farelo de soja em torno de US$ 4,8 bilhões. "Se alguém tinha que desenvolver essa tecnologia, éramos nós."
Dose diária - Park pesquisa isoflavonas de soja desde 1998. "Há pouco mais de três anos, 20 grandes em-presas americanas produ-zem derivados de soja para a alimentação, baseadas em recomendações da Food and Drugs Administration (FDA) que sugere o consumo de 25 gramas (g) por dia de proteína de soja, em razão da sua comprovada atividade de redução e controle de colesterol e da pressão sanguínea:' Em cada 100 g de amostra seca de soja existem 40 g de proteínas, 30 g de glicídios, 20 g de lipídios, 226 mg de cálcio, 546 mg de fósforo e 8,8 mg de ferro. Entre os componentes químicos da soja estão os compostos polifenólicos, como as isoflavonas.
Vários trabalhos publicados em revistas internacionais relatam os benefícios para a saúde humana propiciados pelo uso dessas substâncias. Entre eles estão o de Lori Coward, da Universidade do Alabama, Estados Unidos, sobre atividades antitumorais da isoflavona de soja em dietas asiáticas e americanas e o de Patrícia Murphy, da Universidade do Estado de Iowa, também nos Estados Uni-
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dos, sobre teores de substâncias semelhantes ao estrógeno em produtos de soja processada. Além dessas propriedades, as ações antioxidante e antifúngica também foram comprovadas pelo professor Park. Os principais resultados do trabalho de Park com a soja foram apresentados, em junho de 2001, em Nova Orleans, nos Esta-
Park: depois do Neosugar, o estudo das propriedades biológicas da própolis
dos Unidos, no 2001 IFT, encontro anual promovido pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos (IFT), e no 1 o Simpósio Brasileiro sobre os Benefícios da Soja na Saúde Humana, promovido pela Embrapa-Soja em Londrina, no Paraná, em maio deste ano.
As isoflavonas agliconas são encontradas em produtos de soja tradicionalmente fermentados, muito con-
OS PROJETOS
Produção de lsoflavonas agliconas com Alta Atividade Biológica a partir da Soja e Isolamento e Identificação de Compostos com Alta Ati vida de Biológica de Própolis de Apis mellifera
MODALIDADE
Linha reg ular de auxílio à pesquisa
COORDENADOR
YoNG KuN PARK- Unicam p
INVESTIMENTOS
R$ 27.125,00 (soja) e R$ 44.444,05 e US$ 48.980,36 (própolis)
sumidos no Japão e em outros países asiáticos. Segundo Park, estudos realizados naquele país confirmaram que os orientais possuem grande quantidade de isoflavona aglicona no plasma do sangue, fator que pode ser o responsável pelo baixo índice de câncer de próstata, mama, colo do útero e de problemas relacionados à
menopausa na população oriental. Em outros povos, onde o consumo de produtos fermentados de soja é menor, os índices de doenças são maiores. "Fornecer isoflavona aglicona para a produção de alimentos poderia beneficiar um número maior de pessoas", afirma Park.
Processo industrial - Para a produção industrial de isoflavonas tornam-se necessárias algumas etapas preliminares, tais como moagem dos grãos e desen-gorduramento. A farinha desengordurada é subme
tida a um processo de extração de isoflavonas com solventes num processo de destilação. Desse conteúdo de isoflavonas, as glicosiladas são convertidas em agliconas pela ação de uma enzima, a beta-glicosidase, durante um processo fermentativo. Para a produção da beta-glicosidase, Park utiliza o fungo Aspergillus oryzae, muito utilizado no Japão em processos biotecnológicos. A soja utilizada nos experimentos é fornecida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). São cinco cultivares: IAC 15-1, IAC 15-2, IAC 20, IAC 22 e IAC Foscarin 31-1.
Embora ainda não tenha nenhum contrato para transferir sua tecnologia, Park já tem informações sobre o interesse de indústrias alimentícias estrangeiras, que atuam no Brasil, em usar isoflavonas agliconas na produção de alimentos ou suplementos.
Outros estudos do professor Park referem-se à análise de substâncias presentes na própolis, uma substância
Amostras de própolis das abelhas Apis Mellifera resu ltaram em duas patentes
resinosa coletada por abelhas da espécie Apis mellifera de diversas partes das plantas, como brotos, botões florais e líquidos que transpiram das folhas e do caule.
Doce começo - O interesse de Park pelo estudo da própolis começou em 1991. O forte contato com os apicultores para o isolamento de açúcares não-convencionais de mel de abelhas, capazes de transformar a sacarose da cana-de-açúcar em um adoçante com baixa caloria - cujos estudos renderam a patente do Neosugar junto com a Usina da Barra, em Barra Bonita (SP) -despertou o interesse pelo estudo também da composição química e propriedades biológicas relacionadas à própolis. Como mostram vários estudos do professor Park e ampla literatura sobre o assunto, muitos compostos químicos das própolis já foram identificados e a maioria deles pertence a
três grupos principais: flavonóides, ácidos fenólicos e ésteres fenólicos. Suas concentrações variam dependendo da flora da região de coleta e da variabilidade genética da abelha. "A própolis brasileira é largamente exportada para o Japão e Europa e rende aos apicultores nacionais algÓ em torno de US$ 2 milhões a US$ 3 milhões anuais. Sua qualidade é considerada a melhor do mundo exatamente devido à biodiversidade brasileira", diz Park.
Do início de 1993 até 1998, ele e sua equipe pesquisaram SOO amostras de própolis nacionais, obtidas nas regiões Sul, Sudeste, CentroOeste e Nordeste do país, agrupando-as em 12 grupos básicos, cada um com uma finalidade específica. Segundo explicações de Park, dos 12 grupos definidos, quatro mostraram atividades anticancerígenas, três mostraram atividades anticáries e, em dois, atividades anti-HIV. Esse trabalho já rendeu, além das inúmeras publicações internacionais, duas patentes. Uma delas, no início
deste ano, sobre uso de flavonóides de própolis para prevenção e tratamento de cáries dentárias. Ela foi registrada pela FEA, em conjunto com a Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), também da Unicamp, e a Universidade de Rochester, Estados Unidos, onde trabalha um dos ex-orientados de Park.
Própolis da Amazônia- Outra, de uso da própolis com função anti-HIV (eliminação do vírus), foi feita em conjunto com a Universidade da Carolina do Norte, também dos Estados Unidos, e deverá ser confirmada até novembro de 2001. "A idéia agora", diz ele, "é, a partir do ano que vem, ampliar essas pesquisas para a região amazônica". Park e sua equipe vão procurar compostos químicos em novos tipos de própolis, caracterizando suas atividades biológicas. "Acreditamos, com isso, aumentar o valor comercial desse produto e conhecer novos princípios ativos que possam ter uso na indústria farmacêutica e alimentícia." •
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 57
TECNOLOGIA
ENERGIA NUCLEAR
Detector de bactérias Em duas horas laboratório identifica microrganismos patogênicos no Rio
Cercada por jovens cientistas no laboratório onde pesquisa físi
ca nuclear aplicada, a professora Vergínia Reis Crispim mostra uma plaquinha de plástico como um troféu: por meses essa placa impregnada de bactérias circulou no Rio de Janeiro entre seu laboratório, na Coordenação dos Programas de Pós-Graduação (Coppe) da Universidade Federal (UFRJ), e o reator do Instituto de Energia Nuclear (IEN), uma área de segurança nacional só usada para pesquisas. Os pesquisadores tinham autorização para o seguinte teste: pôr a placa no reator e bombardeá-la com um feixe de nêutrons para obter imagens das bactérias. Objetivo: criar um método rápido de identificar microrganismos causadores de doenças.
A placa manuseada por Vergínia, que coordena as pesquisas, traz impressos os traços de uma bactéria. Para os pesquisadores, é uma prova de que alcançaram o objetivo. Além de visualizar e identificar bactérias por um método inédito, a equipe do Laboratório de Neutrongrafia em Tempo Real da Coppe descobriu que poderia fazer isso em poucas horas- enquanto, pelo método convencional, leva-se em média três dias para identificar uma bactéria.
Tratamento imediato - Rapidez no diagnóstico é essencial ao tratamento de infecções por bactérias, principalmente no atendimento de emergência a pacientes imunologicamente debilitados. "Nosso método permite mapear fisicamente a bactéria. Pelo
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formato, podemos dizer a qual grupo ela pertence e possibilitar tratamento quase imediato com o antibiótico adequado': explica Vergínia. O uso do antibiótico correto afasta ainda o perigo de aparecimento de mutações na bactéria que fortaleçam sua resistência a medicamentos, um dos grandes problemas atuais da saúde pública.
O método foi testado em três classes de bactéria - bacilo, coccus e espirilo. Entre elas estão as causadoras de diarréia (Escherichia coZi), infecções respiratórias ( Staphylococcus e Streptococcus), leptospirose (Leptospira), sífilis ( Treponema) e tuberculose (Mycobacterium tuberculosis) . Para esta última, o diagnóstico convencional pode demorar 15 dias.
Na técnica desenvolvida na Coppe, amostras de sangue, urina e fezes contaminadas são postas numa composição com boro e esse elemento químico envolve as bactérias numa
espeCie de manto. Depois, elas são postas no reator e bombardeadas com feixes de nêutrons, que passam a reagir com os átomos de boro, provocando uma reação nuclear com emissão de partículas alfa. Essas partículas provocam fissuras no CR-39, o detector plástico onde a amostra foi coletada, imprimindo nele marcas que revelam o formato das bactérias- é a chamada imagem neutrongráfica ou radiografia com nêutrons.
Depois da revelação química da placa de CR-39, basta observar essa imagem por um microscópio óptico para identificar o tipo da bactéria presente. "Os testes mais recentes indicaram que todas as etapas podem ser feitas em menos de duas horas usando-se um microscópio óptico convencional:'
Software e irradiador - Agora os pesquisadores desenvolvem um programa de computador para identificar
Imagens neutrongráficas de bacilos: Staphylococcus epidermidis, no alto à esquerda, e Escherichia coli, nas demais imagens
as bactérias a partir das imagens neutrongráficas. "Esse software deverá ser capaz de reconhecer o formato das bactérias sem a interferência humana': diz a física Joana D'arc Ramos Lopes, que prepara tese de doutorado sobre a nova técnica de identificação, que está em vias de patenteamento.
A equipe também pretende desenvolver um irradiador compacto para laboratórios de análises clínicas. Por enquanto, os ensaios são feitos num reator de grandes dimensões, próprio para pesquisas: o Argonauta, do IEN. "Estamos estimando um custo de R$ 15 mil para o sistema compacto, um valor bem competitivo com os equipamentos tradicionais de análises clínicas", diz Vergínia.
O método tem outras aplicações. Em testes, já se pôde identificar bactérias na água. Com isso, a técnica poderia servir para exames de potabilidade, que identifiquem bactérias em amostras retiradas de poços, caixas d'água, rios e lagos. Os pesquisadores já reconheceram espírilos e estreptococos em imagens neutrongráficas de amostras de água, por exemplo.
Vírus e explosivos- Capazes de causar mais de cem tipos de doença, os vírus também estão na mira da equipe da Coppe. Pela radiografia com nêutrons, o engenheiro Reinaldo Wacha detectou o vírus intluenza A, causador da gripe. Mas os vírus são mais difíceis de identificar. "Eles são bem menores que as bactérias e sofrem muitas mutações", explica a pesquisadora.
Numa outra linha, fruto da pesquisa do físico Ademir Xavier da Silva, o objetivo é aplicar a neutrongrafia em detecção de drogas e explosivos. Nos testes, ele detectou amostras de explosivos e de cocaína em diferentes formas e graus de pureza, acondicionadas em tubos de alumínio e submetidas à ocultação por chumbo, fumo, alumínio, plásticos, couro, ferro e tecido. "Os resultados obtidos na detecção de drogas e explosivos ocultos por diversos tipos de materiais têm sido bastantes animadores", diz Vergínia.
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TECNOLOGIA
METEOROLOGIA
Previsões detalhadas lnpe desenvolve modelo avançado para prever o tempo com alta resolução
Um novo e avançado modelo de previsão do tempo recebe os últimos retoques no Centro de
Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Com ele, o Brasil se insere no grupo de países mais desenvolvidos em previsão do tempo, acompanhado dos Estados Unidos, do Canadá, da Austrália e de nove países europeus.
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O salto de qualidade que permitirá uma previsão mais detalhada em escala regional foi proporcionado pelo modelo Eta (nome de uma letra do alfabeto grego), desenvolvido na Universidade de Belgrado, Iugoslávia, e aprimorado nos Estados Unidos. No Brasil, as adaptações do sistema foram coordenadas pelo físico Prakki Satyamurty, chefe do Laboratório de Meteorologia e Oceanografia do CPTEC e presidente da Sociedade Brasileira de Meteorologia. A instalação do Eta é um avanço em termos de confiabilidade e, sobretudo, de resolução, com previsões mais detalhadas para toda a América do Sul.
O CPTEC já abastece todo o país com previsões de prazo curto (72 ho-
ras), médio (sete a dez dias) e longo (até um trimestre). E também em particular uma carteira de 30 clientes que inclui Petrobras, Eletrobrás, Eletropaulo, Operador Nacional de Sistemas Elétricos, Cargill, Nova Dutra, Folha de S. Paulo, TV Record, TV Vanguarda e Band-Vale. "Direta ou indiretamente, toda a previsão de tempo feita no Brasil passa pelo CPTEC", diz Satyamurty. "Nossa homepage- www.cptec.inpe.br- atualiza a cada 12 horas mais de 600 páginas de previsões meteorológicas e contabiliza 25 mil acessos por mês."
Além da previsão do tempo, a equipe monitora queimadas e risco de queimadas - especialmente no grande arco do desmatamento, que
Mapas abrangentes: à esquerda, distribuição das áreas de alta e baixa pressão à O hora de Greenwich do dia 5 de junho e, acima, a nebulosidade vista pelo satélite no mesmo instante
inclui Rondônia, Mato Grosso, leste do Pará, Tocantins e Maranhão. Mas o principal foco de atenção do grupo é o desenvolvimento do modelo Eta.
Seis parâmetros- O objetivo dos modelos matemáticos usados em meteorologia é calcular a evolução de seis parâmetros: temperatura, pressão, umidade relativa do ar e vento - este com três componentes, um para cada eixo cartesiano do espaço. Conhecidos os valores desses parâmetros num determinado instante, é possível prever, por meio de extrapolações matemáticas, os valores futuros.
Para o cálculo do chamado modelo global, dividiu-se a superfície do planeta em quadrículas (quadra-
dos) com 100 quilômetros (km) de lado- o que significa um nível de resolução de 100 km x 100 km. Ou seja, localidades que tenham até essa distância entre si recebem a mesma previsão. Assim, o máximo que se consegue em previsão de tempo é estimar valores médios para áreas relativamente extensas.
Já com o modelo regional Eta será possível obter, para toda a América do Sul e oceanos adjacentes, uma resolução de 40 km x 40 km- o que, na prática, equivale a uma ampliação de mais de seis vezes, ou seja, a um mapa meteorológico seis vezes mais detalhado que os atuais.
Profissionais envolvidos no projeto foram treinados nos Estados
Unidos, onde se produziu a primeira versão do Eta, que entrou em funcionamento em 1997, ainda precariamente. Desde então, a equipe empenhou-se em melhorar o modelo regional, adaptando cada vez mais seus parâmetros à realidade brasileira. "Com isso, chegamos à versão atual, cuja principal novidade é a incorporação dos efeitos meteorológicos produzidos pela vegetação, que não faziam parte do modelo original", informa a meteorologista Chou Sin Chan, chefe da divisão de operações do CPTEC. O novo Eta ganhou também uma descrição mais detalhada da topografia e uma avaliação mais sofisticada do mecanismo de formação de chuva.
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O modelo cobre uma área que vai de 55 graus de latitude sul ( extremo sul do continente) até 15 graus de latitude norte (mar das Antilhas) e de 30 graus de longitude oeste (Oceano Atlântico, pouco além de Fernando de Noronha) até 90 graus de longitude oeste (Oceano Pacífico, altura das Ilhas Galá pagos). Estendese, portanto, bem além das fronteiras do país, o que ajuda a detectar e incorporar interferências de fatores externos, como a temperatura dos oceanos.
Fluxo atmosférico 1,5 km acima do mar: manchas brancas são a chuva prevista 72 horas antes
Cálculos e fluidos - Nes-sa escala continental, o modelo permite previsões de hora em hora para prazos de 12, 24, 36, 48, 60 e 72 horas. "Este último intervalo de tempo", ressalta Satyamurty, "é o limite máximo, porque, em meteorologia, o preço que se paga pelo maior detalhamenta é a diminuição do prazo de previsão. Previsões de longo prazo são necessariamente genéricas - algo como dizer que, no mês de setembro, a região do Vale do Paraíba terá um clima mais seco do que o normal. Não é possível quantificar esse 'seco', apenas qualificá-lo com palavras como 'pouco', 'muito' ou 'mais ou menos'. Quando se quer mais do que isso - e é isso que o modelo regional quer-, deve-se sacrificar o prazo':
Há duas décadas, a previsão do tempo ainda tinha muito de interpretação e dependia criticamente da habilidade do meteorologista em interpretar os dados disponíveis. Já a meteorologia moderna baseia-se essencialmente num estudo da dinâmica dos fluidos, que combina o conhecimento das leis físicas com técnicas de cálculo numérico e de computação. No Brasil, ela começou de fato em janeiro de 1995, com a chegada ao CPTEC do supercomputador
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NEC SX-3, capaz de processar diariamente o modelo global numa resolução de 200 km x 200 km.
O computador atual, um SX-4, aumentou a resolução para 100 km x 100 km e o novo modelo regional permitirá alcançar a marca de 40 km x 40 km. "Já estão sendo feitos testes com quadrículas de 20 km x 20 km. E a expectativa, para daqui a dois anos, é chegar a uma resolução de 15 km x 15 km", estima Satyamurty. "Más, para isso, é imprescindível construir uma rede de observação meteorológica mais densa e, principalmente, aumentar a capacidade de processamento de dados."
O país já conta com cerca de 400 estações meteorológicas, automáticas ou controladas por técnicos. Elas são mantidas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que dispõe ainda de 22 estações lançadoras de balões meteorológicos: são cerca de 15 lançamentos por dia, a um custo de cerca de US$ 300 cada. Às estações do Inmet somam-se 200 estações automáticas do Inpe e da Agência Nacional de Energia Elétrica. Os dados colhidos em todas essas sondagens acabam chegando via satélite ao mesmo destino: o supercomputador
SX-4 do laboratório do CPTEC em Cachoeira Paulista.
Capaz de realizar 16 bilhões de operações aritméticas por segundo no momento de pico, essa máquina deUS$ 5 milhões já está perto do limite de utilização: roda duas vezes por dia o modelo global, duas vezes o modelo regional e ainda é usada no aperfeiçoamento de modelos. Para chegar à resolução de 15 km x 15 km- e o maior detalhamento horizontal também implica maior detalhamento vertical-, é necessário um equipamento ainda mais potente.
A máquina da vez é o SX-6, que alcança, no pico, uma performance de 800 bilhões de operações por segundo. Junto com todos os seus acessórios, esse supercomputador vale cerca de US$ 20 milhões. Sua compra foi autorizada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, mas falta ser efetivada. Se tudo ocorrer conforme as previsões mais otimistas, o SX-6 deverá entrar em operação em fevereiro de 2002.
O caos do tempo - É espantoso que um computador de 16 gigaflops (16 bilhões de operações por segundo) esteja se tornado insuficiente para as demandas do CPTEC. Ocorre que os
processos atmosféricos fazem parte da categoria de fenômenos caóticos- ou seja, nem totalmente previsíveis, como os fenômenos periódicos, nem totalmente imprevisíveis, como os aleatórios. Situados entre um extremo e outro, sua evolução pode ser estimada, mas só para um intervalo restrito de tempo. A partir daí, a alta sensibilidade de um sistema caótico a pequenas perturbações inviabiliza qualquer previsão (ver O Controle do Caos em Pesquisa FAPESP 65) . Em outras palavras, os processos atmosféricos podem ser traduzidos em equações, o que não ocorre com os fenômenos aleatórios, mas não em equações lineares, só possíveis para os fenômenos periódicos. As equações da meteorologia são altamente não-lineares.
Tudo se resume a um exercício de extrapolação matemática: conhecidos os valores dos parâmetros no instante atual, determinam-se os valores futuros . O problema é que, para extrapolar uma única variável, são necessários cerca de mil cálculos. E, devido à não-linearidade das equações, ou seja, à caoticidade dos fenômenos, essas extrapolações só podem ser feitas para prazos muito pequenos.
No modelo regional, usam-se intervalos de tempo de 2 minutos. Isso significa que, para uma previsão de apenas 1 hora, é preciso fazer 30 x 1.000 cálculos. Para um dia, a quantidade de cálculos sobe para 24 x 30 x 1.000. Para o limite máximo de três dias, serão 3 x 24 x 30 x 1.000. Isso para uma única variável. Como são seis as variáveis, a conta tem que crescer um pouco mais: 6 x 3 x 24 x 30 x 1.000. E ainda estamos longe do número final, já que essa cifra diz respeito a uma só unidade atmosférica de pesquisa.
E quantas unidades são? O modelo regional divide o território sulamericano e mares adjacentes em 40.000 quadrículas de 40 x 40 km. E cada quadrícula é a base de uma coluna atmosférica, que deve ser subdivida em camadas de 250 metros de altura - o que dá cerca de 50 níveis na vertical. Multiplicando-se o número de quadrículas pelo número de
níveis, chega-se a 40.000 x 50 paralelepípedos ou unidades atmosféricas. Trata-se então de multiplicar o número de unidades pela quantidade de operações necessárias em cada unidade, o que dá 40.000 x 50 x 6 x 3 x 24 x 30 x 1.000. Fazendo as contas, chega-se a 25.920.000.000.000, ou seja, quase 26 trilhões de cálculos.
E esses cálculos não podem ser feitos no prazo de um ano, um mês, sequer um dia. Para a previsão ter alguma utilidade prática, é preciso que esteja pronta em no máximo 1 hora. Daí a necessidade de uma máquina capaz de bilhões de operações por segundo. "Nenhuma outra ciência depende tanto da computação de alto desempenho como a meteorologia", resume Satyamurty.
Equipe integrada -Além da máquina, o centro precisa dispor de pessoal altamente qualificado para operá-la. Um código de previsão de tempo geralmente tem 200 mil linhas de instruções. Para dominar um conjunto de conhecimentos dessa ordem, é preciso integrar um grupo de especialistas, cuja importância fica mais evidente quando levamos em conta que os modelos meteorológicos estão em permanente evolução - não só em resoluções sempre mais altas, como em representações cada ve·z mais completas dos processos físicos.
A passagem do modelo global para o regional foi uma revolução na meteorologia brasileira. "Pudemos estimar melhor a influência do
O PROJETO
Processos Físicos em Modelos Regionais e Melhoria na Qualidade das Previsões de Tempo na América do Sul
MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa
COORDENADOR
PRAKKI 5ATYAMURTY- CPTEC-Inpe
INVESTIMENTO
R$ 65.876,21 e US$ 163.344,79
relevo, da vegetação e dos recursos hídricos", diz Chou Sin Chan. Ela exemplifica: "Aquilo que, numa visão de 100 por 100, parecia ser uma floresta contínua revelou áreas de pastagem, rios, lagos, etc".
E continua: "Em baixa resolução, podemos falar em chuva entre Cachoeira Paulista e o Rio de Janeiro. Quando aumentamos a resolução, percebemos que a chuva, na verdade, se estende apenas até Resende e não atinge o Rio. Em baixa, somos capazes de prever que uma frente fria entrará no país amanhã. Em alta, chegamos a um intervalo mais próximo do horário real".
"No enfoque global não existe, por exemplo, o Vale do Paraíba", destaca Chou. O modelo 100 por 100 só considera uma média entre as influências do Vale, da Serra da Mantiqueira e da Serra do Mar. Perde-se, portanto, a informação de um fenômeno típico da região, que é a "circulação de vale", responsável pela formação de nevoeiros. "Esse processo é contemplado pelo Eta, que permite prever também fenômenos como a geada, muito difíceis, senão impossíveis de determinar a partir do modelo global. O mesmo vale para a influência das montanhas no bloqueio da entrada da brisa marítima."
Especialistas avançados - "A maior resolução é mais uma questão de engenharia, relacionada com o desenvolvimento de máquinas", diz Chou. "Outra coisa é a representação de processos físicos que possuem escala bem menor e, por isso, escapam ao modelo global." São fenômenos como as turbulências e a troca de energia entre solo, biosfera e atmosfera. "Então, temos um grupo especializado em convecção - transmissão de calor na atmosfera-, outro em superfície e vegetação e um terceiro em orografia para o estudo das montanhas. Ao lado da aquisição de máquinas mais potentes, nosso desafio é melhorar o conhecimento dos processos físicos - e isso depende de pesquisa e formação de pessoal." •
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Empresa do PIPE desenvolve sistema fotoacústico que analisa o ar atmosférico
I nédito no Brasil e com raros representantes similares no mundo, um sistema para medir concentrações de gases poluentes na atmosfera
por meio de laser de dióxido de carbono ( C02) está em fase final de desenvolvimento nos laboratórios da empresa Unilaser, de Campinas. Chamado de espectrômetro fotoacústico, ele foi projetado pelo físico Edjar Martins Telles. O equipamento é capaz de detectar baixas concentrações de diversos poluentes monitorados pelos órgãos de controle ambiental, como ozônio, dióxido de enxofre, amônia e dióxido de carbono.
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A Unilaser atua nas áreas de manutenção, recuperação e venda de equipamentos de laser. A empresa foi criada, em 1986, pelo físico ltrtemio Scalabrin, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Ela está instalada no Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento de Empresas de Base Tecnológica (Nade), da Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), uma incubadora de empresas mantida pela prefeitura. O projeto do espectrômetro consumiu três anos em pesquisas e teve o financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. ''Agora estamos na última fase, empenhados em melhorar o sistema e a automação das tarefas para simplificar a integração entre o usuário e o equipamento", explica
Telles, mestre e doutor pelo Instituto de Física da Unicamp com pós-doutoramento no National Institute of Standards and Technology (Nist) em Boulder, no Estado do Colorado, nos Estados Unidos.
Colisão de moléculas - O princípio de funcionamento do sistema é o efeito fotoacústico, uma técnica que permite converter luz em som. Para entender isso é preciso começar pelo tipo de laser escolhido como fonte de excitação óptica sobre as moléculas dos gases. A escolha foi pelo laser de dióxido de carbono ( C02) que possui 90 linhas de emissão dentro do espectro da faixa eletromagnética do infravermelho, com comprimento de onda próximo a 10 micrometros (milésima parte do milímetro). Esse tipo de laser permite detectar vários gases de interesse, pois eles apresentam freqüência de absorção de energia coin-
cidente com as linhas da faixa do infravermelho.
O coração do sistema é a cela fotoacústica, um recipiente fechado onde circula um fluxo de ar atmosférico ou uma outra mistura gasosa a ser analisada. O feixe do laser é alinhado no interior da cela através de uma pequena janela. "Quando o laser é sintonizado na mesma freqüência da molécula dos gases, elas absorvem a energia do laser': explica Telles. Antes de atingir o interior da cela, o feixe passa por um modulador, que interrompe e libera a radiação num ritmo constante, produzindo um efeito semelhante a um pisca-pisca. Quando o feixe é liberado, as moléculas absorvem energia do laser e atingem o nível de excitação. No momento em que a radiação é interrompida, elas retornam ao nível normal, perdendo o excesso de energia para as moléculas vizinhas por meio de
Ao lado, o equipamento instalado na Uni laser. Acima, o feixe de laser passa pelo modulador e atinge a mistura gasosa. Os microfones captam o ruído provocado pelas colisões das moléculas do ar depois que elas absorvem a energia do laser
colisões, transformando, assim, a energia absorvida em energia de movimento, gerando calor.
A variação de temperatura é acompanhada de variações de pressão que geram ondas acústicas no interior da cela detectadas por um microfone. O sinal elétrico gerado no microfone é proporcional à concentração das moléculas que absorveram a energia da freqüência específica do laser. Esse sinal é filtrado, pa{'a eliminar ruídos indesejáveis, e amplificado para ser analisado num computador, onde o espectro fotoacústico da molécula é registrado e interpretado por um software também desenvolvido no projeto.
"Cada molécula apresenta um espectro fotoacústico único, como se fosse uma impressão digital", afirma Telles. O equipamento pode detectar um ou vários gases simultaneamente. "Basta sintonizar o laser na linha de emissão da faixa do infravermelho com a molécula que se pretende analisar", explica o pesquisador. O espectrômetro permite detectar concentrações pequenas, da ordem de partes por bilhão (ppb ), que é a faixa de concentração da maioria dos gases poluentes. Além daqueles gases mo-
nitorados pelos órgãos de controle ambiental, o espectrômetro detecta etileno, etanol, metanol, óxido nitroso, benzeno e ácido fórmico.
O descobridor do efeito fotoacústico foi o físico norte-americano de origem inglesa Alexander Graham Bell (1847-1922), o inventor do telefone. A descoberta aconteceu em 1880, mas durante quase um século a possibilidade de converter luz em som foi encarada como uma mera curiosidade. Somente na década de 1930, o efeito começou a despertar interesse científico, quando se percebeu que poderia ser usado para análise de gases. Assim nascia a espectroscopia fotoacústica, uma técnica que ganhou ainda mais impulso a partir da década de 70, com o desenvolvimento de lasers e o progresso no campo da eletrônica.
Alternativa nacional - Existem poucos espectroscópicos fotoacústicos do tipo construído pela Unilaser em todo o mundo, basicamente restritos a instituições acadêmicas. "Ele só é produzido na Universidade de Nijmegen, na Holanda, que eventualmente atende a pedidos de encomenda para equipamentos que detectam apenas o etileno", conta Telles. O preço gira em
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Telles: mercado nas áreas de monitoramento do ar, indústria e amadurecimento de frutas
torno de US$ 110 mil. Mas o custo do modelo nacional é estimado em R$ 130 mil, incluindo a fonte de alta tensão para alimentar o laser de co2 também desenvolvida no projeto, que o importado não fornece. Cerca de 90% das peças utilizadas na montagem do sistema e nos dispositivos de diagnósticos foram produzidas no Brasil, fator que reduz o custo do equipamento.
Cláudio Alonso, gerente do Departamento de Qualidade Ambiental da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), vê com otimismo a iniciativa da Unilaser. "O país precisa começar a formar mercado com tecnologia nacional", afirma. Atualmente, as centrais de monitoramento da qualidade do ar são montadas com vários equipamentos, um para cada tipo de poluente. Todos são importados dos Estados Unidos e custam entre US$ 10 mil e US$ 30 mil. "O Brasil inteiro está importando esses equipamentos", afirma.
Embora o espectrômetro não seja capaz de medir todos os poluentes monitorados pela Cetesb, segundo Alonso, o equipamento poderia ser uma alternativa complementar ao sistema já implantado, desde querespeitadas as normas técnicas internacionais de controle ambiental. De-
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manda existe. "Mesmo no Estado de São Paulo, que conta com uma boa cobertura em termos de controle do ar, ainda há regiões importantes que não possuem estações de monitoramento ou que precisam de algum reforço", diz Alonso. Alguns exemplos são Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, Ribeirão Preto, Jundiaí, São José dos Campos e Santos. "Mas certamente a demanda fora do Estado é ainda maior", afirma.
Além das estações de monitoramento do ar fixas ou móveis, o espectrômetro também pode ser uma opção para as empresas que precisam controlar suas emissões de gases poluentes, como as indústrias petroquímicas. "No caso das empresas paulis-
O PROJETO
Desenvolvimento de um Sistema para Medir Concentrações de Poluentes na Atmosfera com Lasers no Infravermelho (C02) por Espectroscopia Fotoacústica
MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)
COORDENADOR EDJAR MARTINS TELLES- Unilaser
INVESTIMENTO R$ 115.381,31 e U5$ 52.137,80
tas com alto potencial de emissão, o automonitoramento é uma exigência da Cetesb", diz Alonso.
Frutas e pele - Outros clientes potenciais são as instituições de pesquisa na área ambiental, agropecuária e médica. "Muitas pesquisas relacionadas ao amadurecimento de frutos dependem de análises das concentrações de etileno, um gás que acelera o amadurecimento de frutos;' afirma Telles. Pesquisas pioneiras no Brasil nessa área são realizadas pelo professor Helion Vargas, na Universidade Esta-dual do Norte Fluminesce
(UENF), que utiliza um espectrômetro fotoacústico importado da Holanda. Esses estudos permitem determinar métodos mais adequados para que o fruto chegue ao seu destino em boas condições de comercialização. Na área médica, o equipamento pode ser utilizado em estudos que monitoram o etileno exalado pela pele, sob condições fisiológicas específicas, como excesso de calor, traumas, radiação e exercícios em excesso, tornando-se um método com rápido tempo de resposta para monitorar processos de estresse.
A perspectiva é que dentro de um ano o equipamento esteja pronto para ser comercializado. "É o tempo necessário para concluirmos a fase de engenharia do produto", afirma o pesquisador. Para obter os R$ 250 mil necessários para essa fase e colocar o produto no mercado, a Unilaser busca parcerias com empresas interessadas em investir no projeto. A empresa também pretende obter recursos disponibilizando o equipamento para locação. Certamente, a Unilaser possui um mercado amplo pela frente, na monitoração de poluentes na atmosfera de grande parte das cidades, uma prática que já se tornou imprescindível em todo o planeta. •
Bolsas de pós-doutoramento da FAPESP. O sistema brasileiro de pesquisa se expande.
A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento , ampliando o prazo de duração das bolsas e possibilitando estágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercãmbio com centros de pesquisa de outros países produtivo para a ciência brasileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesquisa financiados pela Fundação. São centenas de projetas, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos jovens doutores integrados a grupos de excelência . Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 3838 4000.
Projetos Temáticos (150 projetos de pesquisa) Grandes equipes formadas por pesquisadores de diferentes instituições em busca de resultados científicos, tecnológicos e socioeconômicos de grande impacto.
Programa Genoma (60 laboratórios) Projetas com o objetivo de pesquisar genomas, identificar e analisar genes com impacto sobre o conhecimento genômico, a saúde humana e a produção agropecuária.
GOVERNO DO ISTADO DI
SÃO PAULO
Secreta ria da
Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico
Programa CEPID (10 centros de pesquisa) Centros para desenvolver pesquisas inovadoras na fronteira do conhecimento, transferir seus resultados para os setores público e privado e contribuir para a criação de novas tecnologias e empresas.
Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos) Programa que fomenta a formação de novos grupos de pesquisa em centros emergentes do Estado de São Paulo.
Programa Biota (25 projetos) Projetas que visam ao levantamento e novos conhecimentos sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo e outras regiões do país.
Rua Pio XI , 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP
Tel. : (11) 3838 4000- www.fapesp .br
HUMANIDADES
HISTÓRIA
As 11Chicas da silva" desconhecidas Pesquisa revela que, como a escrava que virou filme, muitas libertas conseguiram ascender economicamente no Brasil colonial
I magme um testamento em que constam, entre outros, os seguintes itens: um cordão de ouro; um enfeite de Menino Jesus de ouro, pesando cinco
oitavas (antiga unidade de medida de peso, equivalente a 3,586 gramas); umas argolinhas de ouro pesando quatro oitavas; uns brincos de pequenas pérolas; uns botões de ouro; umas argolinhas pequenas de ouro; uma bola de âmbar; uma volta de corais engranzada em ouro, um coral grande com uma figa pendurada, tudo de ouro, quatro colheres de prata, pesando oito oitavas cada uma; quatro garfos de prata e uma faca com cabo de prata; dois pares de botões de anágua abertos no buril.
Esses objetos foram arrolados com outras propriedades, como terras, escravos e móveis, no testamento de Bárbara Gomes de Abreu e Lima, ex-escrava que viveu em Minas Gerais na primeira metade do século 18. Após ter sido alforriada, ela estabeleceu uma rede ampla de comércio nas capitanias do Rio de Janeiro, da Bahia e de Minas, formando fortuna e travando relações comerciais com homens das mais altas rodas das elites do Brasil Colonial, como militares, clérigos e importantes fazendeiros.
Soa ficção, mas a história é apenas uma entre centenas encontradas pelo professor Eduardo França Paiva, do
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Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em documentos históricos de arquivos públicos de Belo Horizonte, São João Del Rey e Sabará, em Minas Gerais. Em 1999, após 11 anos de pesquisa (incluindo os anos dedicados ao mestrado), Paiva defendeu, com apoio da FAPESP, a tese de doutorado Por Meu Trabalho, Serviço e Indústria: Histórias de Africanos, Crioulos e Mestiços na Colônia -Minas Gerais, 1716-1789. O estudo, feito sob orientação da professora de História do Brasil Colonial Mary Del Priore, da Universidade de São Paúlo (USP), acaba de ser lançado em livro, pela editora da UFMG, com o título Escravidão e Universo Cultural na Colônia - Minas Gerais, 1716-1789. Os principais documentos analisados foram testamentos, inclusive os deixados por negros e negras libertos.
Caminho da liberdade- "Essa pesquisa foi decorrência do trabalho que eu desenvolvi no mestrado, na UFMG", explica Paiva. "Naquela oportunidade, analisei as diferenças de estatutos entre os escravos e os libertos. Eu queria entender a transição da escravidão à liberdade." A preocupação com gênero surgiu quando percebeu que a maior parte da população liberta em Minas era composta por mulheres. "Nas Minas Gerais do sé-
culo 18, uma região urbanizada, centro econômico da colônia, se não de todo o império português, para cada dois ou três escravos homens existia uma mulher': diz ele. "Entre a população liberta, essa relação se invertia, ou seja, para cada liberto, havia duas mulheres libertas", explica. "Esse é um dado fabuloso." Outra motivação para seu trabalho foi justamente o testamento de Bárbara, que o levou a questionar o sentido de uma lista de objetos tão incomuns. "Essa dúvida me fez ir atrás de outras informações, reflexões e mais leituras. Daí veio minha tese de doutorado", diz.
O historiador procurou fazer uma reflexão sobre o papel dessas mulheres na vida social, cultural e privada naquele período histórico. Em primeiro lugar, foi preciso compreender as razões que levaram tantas ex -escravas ao sucesso econômico. "Há uma série de motivos conjugados", explica o pesquisador. "Em primeiro lugar, elas tinham estratégias herdadas de suas regiões de origem na África. Por exemplo: o pequeno comércio é uma tradição feminina em várias regiões africanas, que foi recriada na América portuguesa", diz ele. "São as famosas 'negras de tabuleiro', que trabalham nas ruas."
Em geral, as atividades dessas mulheres começavam atreladas a seus proprietários. "Elas eram cha-
macias 'escravas de ganho'. Saíam para vender produtos no início da semana e voltavam no fim, quando dividiam os lucros com seus senhores", explica Paiva. Isso fazia com que elas acumulassem renda suficiente para comprar a alforria- na maior parte das vezes, por meio de um sistema de crédito, que se chamava "coartação': "É preciso lembrar que esse é um fenômeno típico de centros urbanos como os de Minas Gerais no século 18': diz o autor. Mas, ele ressalva, ao contrário do que a historiografia tradicional e os métodos de ensino de história sempre propagaram, não foi um fenômeno único e exclusivo da mineração. "Desde o século 16 os escravos tiveram outras atividades além das da lavoura."
Emancipadas - O fato é que o poder econômico dessas mulheres libertas foi tal que se pode dizer que boa parte da emancipação da população negra daquele período, em Minas, se deve a elas. "Em termos numéricos, nós temos que 60% da população liberta, a qual chegava a algo em torno de 110 mil pessoas, era composta de mulheres. E, entre os outros 40%, muitos eram seus filhos, cuja liberdade foi comprada pelas mães."
Se algumas dessas mulheres chegaram a possuir terras, escravos e móveis, por que tamanha importância para objetos como figas de ouro, anéis, garfos e facas, como os descritos no testamento de Bárbara Gomes de Abreu e Lima? "Dediquei um dos capítulos da tese a esses objetos, que são, na verdade, amuletos e berloques", explica o autor. "Eles formam uma penca de balangandãs (existente na África e muito comum no Brasil, onde se penduravam diversos pequenos objetos) fragmentada, muito provavelmente por receio à reação dos visitadores do
Santo Ofício. E a capitania de Minas era muito visada", explica o historiador. O nome "penca" não foi encontrado em nenhum dos testamentos analisados por Paiva, mas o ajudou, por meio de uma analogia, a explicar o fenômeno.
"Bárbara deixou esses objetos empenhados em mãos de homens poderosos. E depois, no testamento, ordenava a seus testamenteiros que a penca fosse reconstituída", explica. Também os testamenteiros eram homens importan-tes, como se nota pelos
Escultura de escrava: não
mais objetos dos homens
nomes citados no testamento de Bárbara: Capitão-Mar José Ferreira Brasão, Lourenço José de Queiroz Coimbra, Vigário da Vara da Comarca do Rio das Velhas, Dom José de Carlos Souto Maior, Manoel Marques Cardoso, José Rodrigues de Souza.
Identidade - Paiva não pôde identificar, no caso de Bárbara, quem teria herdado a penca. Em outros casos, os objetos eram deixados para outras negras, ou deviam ser enviados a uma igreja. Mas ele acredita que esse de-
sejo de recomposição seja uma forma encontrada pelas ex-es
cravas de recuperar a identida-de cultural. "Estamos diante
de um caso que me faz refletir sobre laços de solida
riedade, laços culturais, he-ranças e tradições culturais.
Na verdade, essa mulher é uma espécie de mantenedora
da herança cultural afro-brasileira. E para uma comunidade
que tem os seus códigos, que não estão abertos a qualquer pessoa': diz ele. "Os berloques e amuletos de proteção celebram as conquistas dessas
mulheres e têm significado muito diferente do
de meros ador-" nos.
O historiador conta também o caso de uma escrava angolana que chegou a São João Del Rey e, após comprar sua alforria, tornou-se rainha da irmandade do Rosário. "Em seu testamento, ela exigiu que fosse enterrada na Igreja Matriz': narra. "Para nós, isso parece não ter qualquer significado, mas na sociedade colonial era muito importante", diz o pesquisador. Uma outra mestiça, fugida de São Paulo porque tivera dois filhos fora do casamento, chegou a Minas Gerais e enriqueceu, trocando seu nome original por Francisca Poderosa. Também ela deixou muitos bens em seu testamento ao morrer.
Solidariedade - A tese de Paiva aponta para uma mudança de paradigma no entendimento da escravidão brasileira. Ao mostrar a emancipação conquistada pelas mulheres de Minas Gerais, o historiador rompe com a idéia tradicional do que ele chama de "imaginário do tronco': "Essas mulheres não estavam tão passivas a seus senhores. Podiam ter laços de solidariedade com outros escravos, com libertos e brancos. Podiam desenvolver vínculos sexuais, afetivos ou de amizade", diz ele. "Na verdade, trata-se de uma sociedade colonial, que adotou o escravismo durante quase 400 anos. E, nessa longevidade, essa sociedade foi se reconstruindo." Em outras palavras,
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foram os negros que conquistaram a liberdade no decorrer desses quatro séculos e não os brancos que a concederam com uma lei pontual em 1888.
O PROJETO
Por Meu Trabalho, Serviço e Indústria: Histórias de Africanos, Crioulos e Mestiços na Colônia -Minas Gerais, 1776-1789
MODALIDADE
Bolsa de doutorado
COORDENADORA
MARY DEL PRIORE- FFLCH/ USP
INVESTIMENTO
R$ 71 .288,00
Escravas na visão de Debret: tradição de formar no país famílias matrifocais, ou seja, concentradas em torno da mãe
Paiva também afirma que não é só o fato de estar em maioria que ressalta a importância das mulheres entre os libertos de Minas. "Era muito mais comum que as mulheres mantivessem suas tradições culturais do que os homens'; afirma ele. "Isso porque, embora não houvesse uma linhagem matrilinear no Brasil, houve a formação de famílias matrifocais, ou seja, concentradas em torno das mães, principalmen
te nas comunidades negras", diz ele. Para o pesquisador, isso contribuiu muito para o papel desempenhado por essas mulheres, que eram importantes transmissoras orais de costumes, de crenças e de representações culturais. "Elas estavam muito ligadas à oralidade e assim, por exemplo, conseguiam manter a tradição das coartações que se davam por meio de uma lei costumeira e não escrita." Em seu livro, Paiva analisa as relações familiares entre escravos e libertos e, também, entre brancos e negros. •
Negras vendedoras: pesquisa diz que várias conseguiram comprar a liberdade
HUMANIDADES
LIVROS
O bê-á-bá das mãos Pela primeira vez no Brasil, a linguagem dos surdos é sistematizada em dicionário
N ovas perspectivas de comunicação e integração foram aber
tas para os deficientes auditivos com a documentação e sistematização precisa da Língua de Sinais Brasileira (Libras), em um trabalho que levou seis anos para ser concluído por uma equipe de 14 pesquisadores do Laboratório de Neuropsicolingüística Cognitiva Experimental, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), coordenados pelo Prof. Dr. Fernando César Capovilla.
Os 2 milhões de surdos do país, que tem um total de 6,8 milhões de deficientes auditivos, bem como os profissionais de diferentes áreas que trabalham com eles, têm nos dois volumes do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira, recentemente lançados pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) com apoio da FAPESP, um instrumento de ensino e aprendizado da libras e da escrita visual direta de sinais sign-writing até então inédito no Brasil. Desde o início do projeto a FAPESP financiou pesquisadores do projeto com bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e
writing é um sistema desenvolvido na década de 70 nos Estados Unidos, com o qual os surdos escrevem cartas ou livros e que é usado em todos os países do mundo.
Segundo Capovilla, o fato de o projeto do dicionário ter envolvido o setor público, por meio de verbas da FAPESP e do envolvimento de uma universidade, o terceiro setor, pela Fundação Vitae, e o setor privado, por meio da Brasil Telecom, mostra o quanto foi necessária a união e a cooperação de ouvintes e surdos para a concretização desse importante instrumento pedagógico para a comunidade de deficientes auditivos.
"O nível de leitura média dos 2 milhões de surdos do país é o de uma criança de nove anos, que cursa a terceira série do ensino fundamental. Grande parte desse problema reside no fato de que eles não dispunham de nenhum material didático para
serem alfabetizados, não havia uniformização no uso de sinais, que eram muitas vezes diferentes, dependendo de quem os ensinasse. Com o dicionário, esse problema foi resolvido': ressalta o coordenador do projeto.
Apresentado pelo médico neurologista Oliver Sacks, um dos mais reconhecidos estudiosos de ciências cognitivas do mundo, o dicionário é uma obra de peso em todos os sentidos: os dois tomos têm 9.500 verbetes, 1.620 páginas e pesam 6,5 kg. Sacks, autor do livro Vendo Vozes: Uma fornada pelo Mundo dos Surdos, destaca em seu texto a importância da criação de uma linguagem própria pelos surdos e a efetiva contribuição dada pelo dicionário para a constituição da libras -que tem, como todas as demais línguas de sinais do mundo, gramática e léxico próprios.
A metodologia empregada no trabalho foi bastante laboriosa e envolveu um sem-fim de idas e vindas do grupo de pesquisadores à Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Peneis). O esforço de colaboração entre ouvintes e voluntários informantes, surdos que fornecem os sinais de sua língua, foi
pós-doutorado. O sign- Um grupo para formar a pa lavra amigo: falta de conhecimento reduz possibi lidade de diálogo
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 71
constante. "Em cada uma das reuniões os pesquisadores ouvintes levavam um conjunto de sinais aos surdos. Esses sinais eram debatidos entre os surdos até que se chegasse à forma mais exata para cada um deles. Nós então voltávamos ao laboratório para transformar o sinal em ilustrações, em definições semânticas, em classificações gramaticais, em sign-writing. E então encontrávamos com eles de novo para que nos dessem opiniões e, quando necessário, fazíamos as alterações indicadas", conta Capovilla.
Emoções - O dicionário sistematiza pela primeira vez, com riqueza e profusão de detalhes como movimentos das palmas das mãos, posições dos ombros e movimentos, os sinais pelos quais os surdos se comumcam e conseguem expressar a imensa gama de emoções e pensamentos humanos. "Nosso dicionário tem esse mérito: de ter feito pela primeira vez a documentação pictográfica da língua de sinais brasileira, que representamos por meio de ilustrações da aparência física dos sinais, com a descrição completa, em português, da forma da mão, da orientação da palma, do movimento, da expressão facial envolvida. E também da escrita dos sinais usando esse sistema, a ortografia chamada sign-writing. Escrevi um capítulo em colaboração com a inventora desse sistema na década de 70, que ficou muito satisfeita em ver que pela primeira vez o sign-writing estava sendo usado para documentar uma língua totalmente virgem, a libras", destaca o professor.
O sistema de escrita é como o alfabeto fonético internacional. Possibilita ao leitor pronunciar ou sinali-
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zar a palavra, mesmo que não saiba o que significa. Como os ouvintes conseguem recriar o som com o uso do alfabético fonético, o surdo recria o sinal com o sign-writing. Mas as novidades apresentadas pelo dicionário não param por aí. Como indica o próprio título, os dois volumes se preocupam também com a língua mais falada internacionalmente nos dias de hoje: o inglês.
No corpo principal do dicionário, existem os verbetes em inglês e em português, seguidos de ilustrações na parte superior e textos na inferior. Por sua vez, as ilustrações mostram o significado do sinal, a composição quirêmica dele, isto é, a forma como é representado, e a escrita visual direta do sinal em sign-writing. Os textos que acompanham as ilustrações vêm em português e em inglês, fornecendo ainda informações como definição lexical, classificação gramatical e exemplos.
Exportação - Há também um thesaurus inglês-português, que lista os 9.500 verbetes nos dois idiomas. O leitor consulta a palavra em uma ou outra língua e depois pode procurar o sinal correspondente no corpo central do dicionário. Com esse recurso, os surdos que sabem inglês e não conhecem a libras podem se comunicar com os surdos brasileiros, bem como esses podem ler em inglês até mesmo a partir dos sinais. "Essa parte ajudou muito no sucesso internacional do dicionário, que foi exportado para vários países do mundo desde essa primeira edição, de 5 mil exemplares, que já foi praticamente vendida", diz Capovilla.
Claro que introduzir os usuários e profissionais ligados à área num material tão rico requer cuidadosa
apresentação, que é feita nos três primeiros capítulos do dicionário. A introdução à estrutura da obra mostra como obter informações em detalhes sobre a composição quirêmica dos sinais, o significado deles, o uso pragmático dos sinais na comunicação e como fazer a escrita visual direta. A soletração digital de letras e números em libras e como ler e escrever os sinais são tópicos também analisados e explicados.
CD-ROM - O dicionário contém um índice semântico, que lista categorias principais e temáticas de todos os sinais. Essa parte da obra permite ensinar e aprender língua de sinais por campo semântico. "Suponhamos que eu queira dar aula por temas: economia e finanças, artes e cultura, profissões e trabalho. No dicionário, tenho todos os sinais que dizem respeito a profissões e profissionais, tudo indexado, procedimentos trabalhistas, como as atividades são, o que os profissionais fazem. Do mesmo modo com outros temas, o que inquestionavelmente facilita o processo pedagógico", declara o professor e psicólogo.
Os capítulos seguintes, sobre educação e tecnologia em surdez, discutem as diferentes abordagens pedagógicas do problema da ausência de audição - oralismo, comunicação total e bilingüismo- questionando as bases sobre que se assentam e mostrando prós e contras de cada um deles. O implante coclear, uma das técnicas empregadas para transformar surdos em ouvintes e falantes, derivada do oralismo, e os sistemas computadorizados de sinais, que derivam do bilingüismo, são igualmente analisados.
Propondo-se a fugir das regras "audiocêntricas", o dicionário em
Crianças aprendem a usar os sinais na Escola de Educação Básica Anne Sullivan de São Caetano do Sul
aprende a ler e escrever em português, faz a ponte entre as duas línguas. O sign writing, sistema de leitura escrita visual direta, parte de sinais e por isso mesmo desenvolve a cognição da criança, fazendo com que ela aprenda a ler e a escrever melhor", explica Capovilla. Para ele, a idéia de que a criança surda deva falar é equivocada, porque um número muito pequeno de surdos que passaram pelo oralismo consegue articular de modo inteligível. Destes, um número ainda menor articula normalmente as palavras, já que
breve ganhará uma versão em CDRom que propiciará aos surdos buscarem a informação que precisam por meio de outros sistemas que não sejam em ordem alfabética, fundamentalmente utilizada pelos ouvintes e por dicionários, em papel, de línguas de sinais no mundo todo. De acordo com Capovilla, ao estudar o surdo, compreende-se como se processa a arquitetura cognitiva, como a cognição se estrutura na ausência da informação auditiva. Ele defende veementemente que as crianças surdas devem ler e escrever alfabeticamente depois de ter aprendido sinais. "Primeiro ela aprende sinais porque senão é privada de linguagem. Se a criança surda não for imersa em sinais, isso afetará a organização do cérebro, as coisas ficam muito concretas. Quando vamos para a língua de sinais notamos uma abstração ex-
traordinária, o surdo é capaz de abstrair, existe poesia e teatro': destaca o coordenador do projeto.
Ele afirma que as crianças surdas beneficiam-se muito com o lançamento do dicionário, porque, se elas vêem o sinal e não sabem o que significa, simplesmente olham a ilustração. O dicionário começa a ensinar a criança com sinais a partir de um ano e meio de idade, alfabetizando-a primeiramente em libras, para só depois ensinar-lhe a língua escrita.
"Sign-writing" - ''Aprender a língua de sinais desde a mais tenra idade, com todo mundo sinalizando na escola (que sempre deve ser especial, só para surdos), faz com que a criança, na hora de ser alfabetizada o seja em português, mas sempre tendo a língua dos sinais como linguagem nativa. A criança pensa em sinais e aí ela
se sentem constrangidos. Eles ficam sujeitos à leitura labial no mundo dos ouvintes. Mas apenas 20% dos sons são visíveis e passíveis de serem interpretados pelo surdo.
"Esse dicionário, documentando pela primeira vez a língua de sinais, resgata a cidadania dos surdos, permite a educação de suas crianças, a alfabetização direta em sinais, a partir de menos de dois anos de idade, em português e inglês. E a brasilidade é o melhor retorno que a universidade pode dar para a cultura nacional, para a sociedade, para compartilharmos um Brasil diferente", ressalta Capovilla. Ele continua: "A FAPESP tem uma abertura muito grande para projetas sociais. Se publicamos em português e resolvemos o problema dos surdos no Brasil isso é importantíssimo, pois temos carências enormes", completa o pesquisador. •
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 73
HUMANIDADES
ENTREVISTA: WILLI BOLLE
P rofundamente envolvido no desenvolvimento do texto de seu projeto, que vai trazer uma visão original de Grande Sertão: Vere
das, de Guimarães Rosa, relacionada com os retratos do Brasil, o professor Willi Bolle conta para a revista Pesquisa FAPESP passagens de sua vida e de seus estudos, que o levaram a se embrenhar nos labirintos da obra do escritor mineiro. Bolle é alemão e apaixonou-se por Rosa ainda na terra natal. Veio para o Brasil aos 22 anos e conseguiu um encontro com o escritor logo que chegou. Hoje, radicado no Brasil, ele é professor de literatura alemã na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) .
• Como foi seu primeiro cantata com Guimarães Rosa? - Foi em 1966, no semestre de verão. Eu era estudante da Freie Universitat Berlin. O professor Antonio Augusto Soares Amora, da USP, estava lá como professor convidado e nos deu um curso de introdução a Grande Sertão: Veredas.
• Como o senhor passou a entender Grande Sertão: Veredas sob a ótica do jagunço letrado? - Ah! Isso foi muito mais tarde. O primeiro contato, na verdade, foi forrar as paredes do meu quarto com as
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Retrato da alma do Brasil
LUI Z F ERNANDO VITRAL
páginas do livro, porque essa obra me fascinava, me desorientava. Eu queria entender esse labirinto só. A partir de 1990, retomei o Grande Sertão, com método e determinação. Aí fui-me inteirar sobre o conceito do jagunço letrado, lançado no debate por Walnice Gaivão, em As Formas do Falso. Esse é um conceito-chave. O narrador de Grande Sertão é um jagunço letrado. Ele liga os dois lados, a experiência da política e da violência e a experiência da cultura do sertão.
• Como se dá a transmissão do conhecimento de Zé Bebelo para Riobaldo? - Aí há uma troca de papéis. O jovem Riobaldo, que foge da casa do padrinho, na verdade seu pai, Selorico Mendes, encontra mestre Lucas que lhe oferece um emprego de professor. Riobaldo não sabe quem é a pessoa que precisa de um professor. Aparentemente, um fazendeiro. Mas esse aluno é Zé Bebelo, candidato a deputado, tendo como plataforma política acabar com a jagunçagem no norte de Minas. Depois os papéis se invertem. É Zé Bebelo quem inicia Rio baldo, na jagunçagem, na política e na arte de lutar com palavras. O primeiro jagunço letrado, na verdade, é Zé Bebelo. Ele domina a arte das armas e a arte das palavras, que é uma tradição antiga. No Dom Quixote, Cervantes discute a questão das armas e das letras, que remonta até a
Antiguidade. Também Júlio César é um guerreiro letrado. É nessa tradição que sse situa Riobaldo.
• Há interpretações sobre o nome de Riobaldo. Qual é a sua? - O protagonista do romance tem a palavra "rio" no nome. Há uma passagem bonita em que ele diz "Eu penso como um rio anda': Minha interpretação do nome se baseia numa palavra em alemão - "ausbaldowern", que tem "baldo" no meio, vem do hebraico. Significa investigar, pesquisar, descobrir com arte. Para mim, Riobaldo é o pesquisador do curso da história e o Rio São Francisco é, emblematicamente, o rio da história brasileira. É, também, o pesquisador dos discursos, que representam forças na história e na política brasileiras.
• Como se dá o paralelismo entre Os Sertões e Grande Sertão: Veredas? - Para construir esse paralelismo viajei ao sertão, a Canudos e ao norte de Minas Gerais, além de aprofundar na leitura das duas obras, inclusive nas notas de Rosa em seu exemplar d' Os Sertões. Em termos de método, me orientei pela hermenêutica alemã, que considera essencial para o entendimento de uma obra levar em conta as obras anteriores, com as quais essa obra dialoga. Essa diretriz encontra-se também em textos de Antônio Cândido, para quem a lite-
Guimarães Rosa: em Grande Sertão: Veredas, o escritor propôs todo um projeto de reeducação do Brasil, o que mostra sua atualidade
ratura brasileira chegou ao seu grau de independência no momento em que uma obra anterior engendra uma posterior. Sua Formação da Literatura Brasileira termina com essa demonstração. Vai até Machado de Assis, que constrói sua obra na base da obra de José de Alencar. Roberto Schwarz retomou e aprofundou essa idéia de Antônio Cândido. Nessa linha, eu venho trabalhando com a relação entre Grande Sertão e Os Sertões.
• E Diadorim? O fato de a tradução francesa ter optado por Diadorim para o título do romance desvirtua o entendimento da obra? -Essa pergunta surgiu muito cedo na minha vida. Em 1966, o professor Amora me propôs fazer minha tese sobre Diadorim. Foi uma exigência
da qual não dei conta. Demorei mais de 30 anos para escrever sobre essa figura. Trata-se de um artigo, que dediquei ao professor Amora, e vai ser publicado na revista USP. É uma versão aperfeiçoada de um capítulo desse meu ensaio grandesertão.br. Antes, eu queria salientar que a tradução francesa de Grande Sertão: Veredas para Diadorim é uma certa liberdade do tradutor que, no limite, se justifica. Isso direciona a compreensão do romance e, até na interpretação que eu estou propondo, tem seu cabimento. Não existe grande literatura sem a presença do amor. O amor está em cada página de Grande Sertão: Veredas. Assim se justifica a edição francesa dedicada à emblemática figura do amor. Diadorim concentra o conhecimento do povo sertanejo, do qual é um fruto muito especial. Diadorim inicia Riobaldo no conhecimento do sertão. Podemos considerar Diadorim a musa de Rosa e o amor de Riobaldo, que cria essa sen-
sibilidade extraordinária para registrar, com arte e ciência, o retrato do povo do sertão. É isso que eu estou estudando através de Diadorim. Quero mostrar que o personagem se localiza em pontos estratégicos onde também se localiza o povo do sertão.
• Nesse sentido, e ainda na tónica de paralelismo, Rosa é mais coerente e profundo que Euclides da Cunha? - Muito mais. Em dois aspectos: Euclides transmite uma visão do sertanejo baseada no pathos, na heroicidade do sertanejo, sobretudo o sertanejo homem-guerreiro. Rosa cria esse conhecimento por meio da paixão, que é muito mais amplo e abarca homens, mulheres e crianças. A população como um todo. Outra diferença fundamental: em Os Sertões, na parte da Luta, eu contei 17 citações de fala de sertanejo; em Grande Sertão: Veredas são 1.300. Enquanto Euclides escreveu sobre o sertão de uma forma autoria], uma antropologia de
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 75
autor, a antropologia e a etnografia de Guimarães Rosa se baseiam em ouvir o sertanejo falar e deixar o sertanejo falar. Em Rosa, a matéria-prima é a fala do sertanejo. Isso diferencia os dois escritores de maneira radical.
• Como o senhor ''fotografa" o retrato do Brasil delineado em Grande Sertão: Veredas? - Esse conceito foi cunhado no livro de Paulo Prado, de 1928, Retrato do Brasil. Mas há antecedentes. O primeiro grande retrato do Brasil, pensando no século 20, é Os Sertões, a obra máxima de Euclides da Cunha, com passagens fundamentais sobre a formação - como diz Euclides - das sub-raças sertanejas, que ele considera como cerne da nacionalida-
,
de brasileira. A partir dos anos 30, surge uma leva impressionante de retratos do Brasil, que são clássicos para entender a nossa realidade. Obra básica é Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, que dialoga com essas duas obras; os dois grandes livros de Sérgio Buarque: nos anos 30, Raízes do Brasi~ e nos anos 50, Visão do Paraíso, e, no meio desse percurso, Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior; Formação Econômica do Brasi~ de Celso Furtado; Formação da Literatura Brasileira, de Antônio Cândido. Essas obras dos anos 40 e 50 são o contexto em que nasce Grande Sertão: Veredas.
Willi Bolle: preso no labiri nto de Rosa
• De que maneira surge em Grande Sertão: Veredas a crítica a Os Sertões? -A obra de Euclides da Cunha vale a pena ser criticada porque é uma grande obra. Sem Os Sertões provavelmente não existiria Grande Sertão. Ambos autores constroem seus respectivos retratos do Brasil com uma dimensão de universalidade, como forma de se superar o passado colonial. Um dos grandes méritos de Euclides é ter descoberto o sertanejo como figura histórica e política. É um avanço sobre os naturalistas anteriores e o romantismo, que consi-
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deravam o sertanejo como elemento de paisagem, com traços pitorescos e folclóricos. É sobre essa base que Guimarães Rosa constrói sua obra e seu retrato do Brasil, mas com outro enfoque e refinamento. Em uma frase eu diria que Grande Sertão: Veredas é uma refinada forma ficcional da história das estruturas. No romance temos uma encenação de todas as formas e tipos de discursos que são forças atuantes no cenário brasileiro. Temos o discurso dos latifundiários, que não mandaram apenas naquele tempo. Continuam mandando. Rosa mostra o discurso de um candidato a deputado: Zé Bebelo. E temos as falas das pessoas do povo. Riobaldo se movimenta entre esses diversos mundos de discursos. São esses
O PROJETO
O retrato do Brasil em Guimarães Rosa
MODALIDADE
Bolsa de pesquisa no exterior
ORIENTADOR
WILLI BOLLE - FFLCH/USP
INVESTIMENTO
US$ 16.800
cruzamentos de linguagens que alimentam a visão crítica de Rosa.
• Quem transmite hoje as lições do ''professor" Riobaldo? - Ele tem formado professores em escolas pelo Brasil afora, como o grupo dos Miguelins, os contadores de história de Cordisburgo (cidade natal de Rosa, em Minas). Esse é um projeto de grande visão, porque, paralelamente à proposta de reinvenção do português no Brasil, há o projeto de realfabetizar o Brasil com a obra de Guimarães Rosa. Há uma vertente também que se liga às novas vias de informação, por isso eu chamei meu ensaio de grandesertão.br ou A Invenção do Brasil. Em Grande Sertão: Veredas, o autor colocou um programa de reeducação do Brasil. O grande sertão é a fala grandiloqüente dos eternos donos
do poder e as veredas são o lugar da fala de gente humilde. O grande feito de Rosa é, em vez de escrever sobre o sertanejo, fazer o sertanejo falar e incorporar a sua fala à construção da língua. Se esse potencial da obra for ativado em grande escala, como já está ocorrendo, este país se emancipa. Porque vai falar, pela primeira vez, a linguagem não-colonial.
• Como isso é possível? - Riobaldo diz que o sertão é dentro da gente. É uma paisagem mental. É o pensamento sobre o Brasil. O sertão é aquela região selvagem onde se formam as nossas idéias. Onde nasce a linguagem. A experiência mais radical que Rosa fez nesse sentido está no conto Meu Tio O Iauaretê, onde se assiste ao nascimento da linguagem a partir do seu estado selvagem. Selvagem, no sentido de que ali acontece a criação. O pensamento que se está se buscando. É isso que Guimarães Rosa mostra. Essas regiões arcaicas do pensamento e da linguagem podem ser pesquisadas por meio das mais avançadas tecnologias. Com a informática, a inteligência artificial e os espaços virtuais. •
HUMANIDADES
Morte em São Paulo: pesquisa revelou reforço dos mecanismos de exclusão e discriminação no perfil dos punidos
SOCIOLOGIA
As várias faces do crime Pesquisa do Seade mostra perfil dos envolvidos com violência em São Paulo
Acriminalidade urbana é um dos fenômenos que mais afli
gem as metrópoles no mundo contemporâneo. No Brasil, o tema ganha contornos ainda maiores em virtude do crescente índice de violência dos últimos anos. Mas, apesar de se saber da existência do crime, pouco se sabe sobre seus agentes. A pesquisa Construindo um Modelo de Análise Integrada das Informações, cuja primeira fase acaba de ser concluída pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade),
com apoio da FAPESP, revela dadós que proporcionam maior compreensão do fenômeno no Estado de São Paulo. Para Luiz Henrique Proença Soares, coordenador-geral do estudo, os resultados indicam que há um reforço dos mecanismos de exclusão e discriminação no perfil dos criminosos punidos. "Há uma participação desproporcional dos segmentos mais fragilizados da sociedade", analisa. Uma das constatações mais surpreendentes se refere à cor da pele. Isso porque, apesar de a população branca ser maioria nos inquéritos abertos no Estado, os negros são, proporcionalmente, mais presos. "Isso não significa que os negros sejam maioria nas prisões, mas que existe um diferencial que envolve a cor da pele", diz.
Para o coordenador, há duas análises para o fenômeno. A primeira é que o maior nível de escolaridade e melhor renda dos brancos podem garantir a eles mais acesso a mecanismos de defesa. "O sistema de preconceitos é feito de camadas superpostas que se reforçam", observa Soares. O segundo ponto é que o próprio sistema judiciário pode ser discriminatório. Isso porque uma parte do processo de crimes violentos é objeto de júri popular, o que pode reproduzir preconceitos da própria sociedade. "Essa questão pode aparecer no Tribunal de Júri, envolvendo também tomadores de decisão, como o juiz. A Justiça é uma instituição dos homens e pode falhar", ressalta. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), São Paulo é
PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 2001 • 77
Violência masculina
Crimes violentos não-letais predominam entre homens (inquéritos)- em %
1990 1997
• HOMENS • MULHERES Fonte: TJ, SAP, SSP, Prodesp e Seade
Crime na periferia: a maioria das pessoas submetidas a inquéritos e ...
formado por 72% de brancos, 4% de pretos e 21 o/o de pardos. Outra constatação é que, embora os brancos sejam a maioria entre os processados, a participação dos negros aumentou entre 1990 e 1997. A maior diferença foi observada entre os crimes violentos sem morte. Os negros, que respondiam por 31,2% dos processos em 1990, sete anos mais tarde eram responsáveis por 37,9%. Já os brancos contribuíam com 66,9%, em 1990, e 59,6%, em 1997. "A classificação da cor de pele tem de ser vista com cuidado. Na perspectiva do censo, há discussões sobre a coleta dos dados. E se no IBGE, que é uma instituição preocupada com a qualidade da informação estatística, há esse problema, imagine na Delegacia de Polícia, cuja tradição no uso de dados é recente", diz.
O ponto de partida para a pesquisa foi a investigação de dados do Sistema de Justiça Criminal Paulista (Secretaria de Segurança, Poder Judiciário e Secretaria de Administração Penitenciária), que foram ponderados com os resultados obtidos
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com variáveis populacionais do IBGE e do próprio Seade. "Temos, assim, o fluxo dos indivíduos dentro do sistema de Justiça criminal de ponta a ponta", observa Soares. "Isso significa não restringir o enfoque apenas no âmbito da polícia, mas ampliá-lo para instituições co-resporisáveis pelo controle social. O crescimento da criminalidade, observado a partir das estatísticas, pode estar refletindo uma série de outros aspectos."
Fatores sociais- A exploração dos dados adotou quatro categorias como base: gênero, escolaridade, estado civil e cor da pele. Essas informações foram processadas para dois períodos: 1990 e 1997. Para Soares, a estimativa e o impacto do crime na sociedade não podem ser calculados apenas a partir da utilização de estatísticas policiais. "De nada adianta pensar ações meramente repressivas ou fincadas no trabalho das polícias. Segurança Pública e Justiça devem ser tomadas como resultado de múltiplos fatores sociais e, ao mesmo tempo,
como resultado da ação do Estado", observa. Esse estudo permite justamente analisar alguns comportamentos criminais. Nos últimos anos, por exemplo, houve aumento no número de pessoas processadas com, pelo menos, formação secundária. Para Soares, existem algumas possibilidades de resposta, que relacionam esse fenômeno com o aumento geral da escolarização da população e outras que ligam o crescimento de criminosos com ensino médio ao maior envolvimento da classe média com o mundo do crime. A resposta, entretanto, exigiria uma pesquisa qualitativa.
O estudo indica ainda que o perfil das pessoas submetidas a inquéritos e processos no Estado de São Paulo é majoritariamente masculino. Dos crimes sem mortes, os homens são responsáveis por 91,4% dos inquéritos policiais em 1990 e 95,5% em 1997. Identificou-se, portanto, a diminuição da participação da mulher nesses crimes e a estabilização da participação nos crimes com morte entre 1990 e 1997. A participação feminina nos
Condição perigosa
Maioria envolvida em crimes violentos não-letais é de solteiros (inquéritos)- em%
1990/97 1990/97 1990/97 1990/97 1990/97 1990/97
Casado Desquitado Divorciado Solteiro Viúvo Não informado
Fonte:TJ, SAP, SSP, Prodesp e Seade
... processos no Estado de São Paulo é homem
crimes violentos letais foi de 4,8% em 1990 e 4,4% sete anos mais tarde. Na visão de Renato Sérgio de Lima, coordenador técnico do projeto, essa alteração se deve ao aumento do padrão de crime violento, mais associado ao universo masculino. "Em virtude desse processo, do ponto de vista sociológico, além dos crimes violentos estarem ganhando destaque, estudos apontam que a polícia tem uma percepção maior dos crimes cometidos por homens do que aqueles cometidos pelas mulheres, retroalimentando o movimento de alguns crimes e causando impactos nas demais esferas do Sistema de Justiça Criminal': observa.
Os dados sobre o estado civil dos indivíduos indiciados e processados mostram também o aumento no número de solteiros. Segundo o coordenador técnico, é preciso considerar que o preenchimento dos dados não distingue as pessoas que não possuem vínculos conjugais formais das legalmente solteiras, classificando-as todas como solteiras. Entre os inquéritos de crimes não-letais, os soltei-
ros representavam 50,8% em 1990 e 70,3% em 1997. No caso dos crimes letais, em 1990 os solteiros processados contribuíam com 50,6%, contra 68,2% em 1997. "O aumento pode ser relativizado pela mudança de comportamento da população em relação ao casamento oficial nos últimos ano~'; comenta Lima.
Soares destaca, porém, que essa pesquisa não permite afirmar que o criminoso do Estado de São Paulo tem o perfil apresentado, mas que esse é,
O PROJETO
Consolidação de um Sistema Estadual de Análise e Produção de Dados e Constituição de um Modelo de Tratamento de Informações que Subsidie Políticas Públicas em Justiça e Segurança
MODALIDADE
Pesquisa em Políticas Públicas
COORDENADOR
LUIZ HENRIQUE PROENÇA SOARES- Seade
INVESTIMENTO
R$ 29.600,00
ao que tudo indica, o perfil absorvido pelo Estado. Isso porque alguns dados apontam para a possibilidade de poder discriminatório no sistema de justiça. "Pode ser que somente essas pessoas sejam absorvidas e, no limite, punidas", afirma o coordenador. "Isso é possível, mas ainda não dispomos de informações para chegar a esse fato."
Segunda etapa - Realizado em parceria com a Coordenadoria de Análise e Planejamento, da Secretaria de Segurança do Estado, e com o apoio do Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o projeto deve ter uma segunda etapa. "É um trabalho preliminar, pois temos de avaliar a qualidade da informação", observa o coordenador-geral. A partir desse segundo momento, Luiz Henrique Soares e Renato Sérgio Lima consideram ser possível conhecer com profundidade o fenômeno do crime e melhorar a percepção que população, agentes e acadêmicos possuem em relação ao perfil do criminoso. •
PESQUISA FAPESP · OUTUBRODElOOI 79
LIVROS
Uma figura quase esquecida da música Obra traz à luz catálogo completo e esboço biográfico da pianista Eunice Katunda
WALT ER GARC IA
Talvez não seja demais insistir: todo artista brasileiro, cedo ou
tarde, é chamado a decifrar o enigma de uma cultura que tem dupla fidelidade. As respostas produzidas nessa encruzilhada da experiência local com o prestígio do modelo europeu ou norte-americano pau-tam a trajetória de nossas artes. Uma questão, também enfrentada em outras nações periféricas, só aparentemente resolvida pelos meios de comunicação global: na realidade, o caráter conflituoso do dilema é atual e se mostra, por exemplo, na febre provocada por uma pop star em Paris, de onde um repórter do maior jornal do Brasil escreve para a capa de seu caderno cultural, o qual publica ainda uma entrevista ... traduzida de um jornal francês.
Não é sem razão, portanto, que esse jogo de forças anime a leitura de Eunice Katunda, musicista brasileira (Annablume/FAPESP), obra do musicólogo Carlos Kater que reúne, conforme o autor esclarece, parte de sua pesquisa sobre a pianista e compositora. Trata-se de um trabalho pioneiro, que procura "trazer à luz a figura hoje quase esquecida desta que foi uma das mais significativas propulsoras da música brasileira contemporânea", segundo a apresentação de Maria de Lourdes Sekeff, da Universidade Estadual Paulista (Unesp ).
O livro contém o catálogo completo das produções de Eunice, a partitura de sua cantata Negrinho do pastoreio, uma seleção de documentos e de textos seus, além de Um esboço biográfico. Esse último título não é somente apropriado ao capítulo, mas sintetiza todo o conjunto: ao leitor, é oferecido um painel sem profundidade analítica que vale, contudo, pelas informações de história da música e pelas várias idéias suscitadas.
Dessas, vale destacar: a combinação de comunismo e nacionalismo, tentada não somente por Eunice como por vários artistas e intelectuais
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Eunice Katunda, Musicista Brasileira
Carlos Kater coordenador
Annablume/ FAPESP 174 páginas R$ 17,00
brasileiros na primeira metade do século 20; a descoberta da Bahia pela musicista, preparada por uma viagem anterior à Itália; correspondências sobre alienação, individualismo, incomunicação, formalismo e decadência artística (sobre esse ponto, conforme Carlos Kater aconselha, também é oportuna a leitura de seu livro Música Viva e H. ]. Ko-
ellreutter, movimentos em direção à modernidade, lançado este ano por Musa Editora e Atravez).
Um outro ponto decorre ainda da própria opção de se esboçar um perfil da musicista. O que pode ser visto como sinal de fraqueza, aqui pode ser avaliado como expressão ajustada à matéria da nossa música erudita, cujo desenvolvimento vem sendo antes delineado que demarcado. Em outras palavras, a falta de uma tradição, capaz de situar tanto a permanência quanto a ruptura, explicaria por que a biografia da personagem é apénas esboçada.
Isso se torna mais claro nas passagens que aludem às relações entre música erudita e popular. De um lado, Kater aponta, como razão para o gosto de Eunice pelo popular, a existência de uma gafieira na vizinhança de sua casa paterna; já no artigo Riquezas da tradição, é ela quem salienta a importância de sua professora Branca Bilhar, sobrinha do seresteiro e boêmio Sátiro Bilhar. De outro lado, Kater menciona a influência de Mário de Andrade, via Camargo Guarnieri; Eunice, por sua vez, acaba por defender conceitualmente a "música de nosso povo, para quem a arte musical é uma necessidade e não um gozo de sibaritas': em seu manifesto contra o atonalismo e a dodecafonia. Fica a cargo do leitor juntar as peças e tirar suas conclusões.
WALTER GARCIA é professor da PUC-SP, músico e autor
de Bim Bom: a contradição sem conflitos de João Gilberto (Paz e Terra).
LANÇAMENTOS
O Monge no Jardim R o eco Robin Marantz Henig 256 páginas I R$ 34,00
Por muito tempo os cientistas lamentaram o injusto esquecimento a que ficou relegado o monge da Morávia que cultivava ervilhas no jardim de um mosteiro e ensinou o mundo a pensar sobre o delicado mecanismo da hereditariedade.
Mas, apesar da compreensão moderna da sua importância fundamental, há poucas biografias de Gregor Mendel. Em pleno furor pelas descobertas do genoma, impressiona conhecer a vida plácida do monge, de seu trabalho distante do mundo, mas que desbravou caminhos para as descobertas do homem de hoje. Um livro delicioso de se ler.
A Afinação do Mundo Editora Unesp R. Murray Schafer 381 páginas I R$ 33,00
Escrito por um misto de pesquisador e compositor canadense, o livro disseca os sons que nos cercam. Num mundo sobrecarregado de barulhos e sons dos mais diversos, perdemos a capacidade de dar atenção a muitos
deles. Acreditando que o homem deseja se harmonizar com o universo sonoro ao seu redor, o autor faz uma análise das paisagens sonoras da história, critica esse panorama e dá sugestões de um projeto acústico no caos.
Ser Médico no Brasil O Presente no Passado Fiocruz 230 páginas/ R$ 22,00
Que a profissão no país é das mais difíceis, não é lá grande novidade, mas o estudo, com sucesso, cerca o problema em todos os seus aspectos, indicando, nesse movimento, soluções para o
futuro. O autor analisa como se dão os conflitos entre os médicos e de que forma isso enfraquece o profissional diante do mercado. Além dessa disputa, os médicos ainda têm de enfrentar a "concorrência" desleal de farmacêuticos, curandeiros, enfermeiras-visitadoras e outros que não são ligados ao métier, mas interferem na relação entre médicos e pacientes. Há também a rivalidade inusitada com curandeiros e a relação conflituosa entre os profissionais da saúde e o Estado.
REVISTAS
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Itinerários 2000- número 15
A publicação é editada pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara e pela Universidade Estadual Paulista (Unesp ). Neste número, a revista traz o dossiê sobre a Questão do Sujeito. Entre os vários artigos:
::-=-~;~:==-... =:-~';';';': O Funcionário Fascinado, de Gustavo Bernardo Krause;
O Sujeito em Situação-Limite: o Cogito Torquatiano, de Paulo César Andrade da Silva; Diálogo de Máscaras em Cardoso Pires, de Maria Lúcia Outeiro Fernandes; O Sujeito Interpretador da Realidade: uma Leitura de um texto de René Magritte, de Simone Zied Pinheiro; A Multiplicidade do Sujeito, de Andrea Correa Paraíso; Identidades de Fronteiras, de Maria Nazareth Soares.
REVISTA LATINOAMEIICANA DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental 2001-número 3-volume 4
Editada pelo Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC-SP, a revista traz nesta sua edição de setembro os seguintes artigos: A Pintura, os Desenhos, são Imagens que
Pedem para ser Escritas, de Joyce Gonçalves e Mario Eduardo Costa Pereira; Um Corpo que Pede Sentido: um Estudo Psicanalítico sobre Mulheres na Menopausa, de Ana Maria Furtado; O Julgamento de Augusto Pinochet, de Alfredo Naffah Neto; O Desafio do Psicanalista na Instituição Psiquiátrica, de Durval Mazzei Nogueira Filho; e O Tratamento de Anorexia, de Anna Victoi.
Pulsional 2001 -número 150 Revista de Psicanálise
A publicação mensal da Livraria Pulsional, especializada em obras de referência de psicologia e psicanálise (editada por Manoel Tosta Berlinck e Maria Cristina Rios Magalhães), traz em sua nova edição os seguintes artigos: A Relação entre
Força e Sentido na Prática de Ludwig Binswanger, de Erico Bruno Viana Campos; A Participação da Enfermagem e do Alunato nos Grupos com Pacientes Psicóticos: um Encontro Fundamental, de Ana Irene Canongia, Fernanda do Carmo Reis, Juraci Brito da Silva e Rosa Maria Santos Gonzaga; Um Método para a Apreensão dos Conteúdos Emocionais da Criança, de Fátima Monteiro.
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