HISTÓRIA DA SOCIAL-DEMOCRACIA

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    Social democracia

    Os Partidos Socialistas europeus adotaram diferentes denominaes, entre estas a desocial democrata. Contudo, desde o Congresso de Bad Godsberg (1959), do PartidoSocial Democrata Alemo, o termo social democracia passou a referir-se corrente

    poltica, egressa do socialismo, que neste introduziu acentuadas mudanas.O surgimento de faces no seio das agremiaes socialistas ocorre desde o seunascedouro. Ainda no sculo XIX, no incio daquele processo, o grande embate deu-seentre aqueles que acreditavam na possibilidade de chegar ao poder pelo emprego dafora e os que apostavam na universalizao do sufrgio. Com uma singularidade: esseembate limitou-se ao continente, sem afetar a ilha britnica. Ali, segundo foi referido, ainspirao socialista proveio da Sociedade Fabiana, que aspirava obter, por meios

    pacficos, o que considerava como aprimoramento da organizao social.A mais relevante vertente insurrecional seria criada por Louis Auguste Blanqui(1805/1881), com destacada atuao em sua ptria de origem, a Frana.Desde jovem, Blanqui esteve associado ao mundo subterrneo das sociedades secretas e

    conspiratrias, acabando por identificar-se como sendo partidrio de regime prximo doque viria a ser a expresso do socialismo, notadamente por sua participao naRevoluo de 1848, quando passa a ser identificado como um dos porta-vozes do que se

    poderia denomina de causa operria. No ciclo precedente, participou de diversasinsurreies, que redundaram em condenaes priso. Em 48, por fim, o blanquismoaparece como uma corrente expressiva. Essa condio animou-o a capitanear umainsurreio armada. Esmagada, valeu-lhe uma condenao por dez anos.A doutrina blanquista somente adquiriria forma terica numa obra pstuma que reuniuos diversos de seus pronunciamentos, no se sabendo em que altura ter adquiridoforma precisa. Resumidamente, consiste na crena de que surgiro manifestaesespontneas contra a opresso burguesa. Numa circunstncia destas, a agremiaorevolucionria dever encontrar-se em condies de conquistar a sua liderana e, ento,de posse do poder, empreender a necessria transformao social.Parecer-lhe- que a oportunidade ter chegado com a insurreio armada, promovida

    pela Guarda nacional, aps o fim da monarquia, em decorrncia da derrota de NapoleoIII na guerra franco-prussiana. O governo republicano decretara a sua dissoluo.Recusando-se em faz-lo e dispondo de expressivo contingente armado, da ordem de140 mil homens, ocupou Paris. Blanqui e seu grupo conseguiu obter a direo doConselho organizado para dirigi-la, organizao que ficou conhecida como Comuna deParis. Decretou vrias disposies em favor dos operrios, iniciativas que, embora sem

    produzir qualquer efeito, serviram para a Internacional Comunista, organizada por Karl

    Marx, proclam-la como prottipo do rgo que resultaria da revoluo proletria. Ogoverno republicano conseguiu derrotar a Guarda Nacional, reprimindo-aviolentamente, afim de assegurar-se de que no conseguiria sobreviver.O incidente serviu para permitir que a liderana socialista, convertida ao processoeleitoral de constituio do governo representativo, desse curso organizao daagremiao socialista que iria sobreviver. Denominou-se ento de Seo Francesa daInternacional Operria (SFIO), denominao que manteria at 1970, quando adota onome consagrado: Partido Socialista.Seria na Alemanha onde o enfrentamento deu-se com a doutrina marxista. Esta serobjeto de anlise especfica, no prximo bloco de questes.Para distinguir-se dos socialistas franceses, que batizou de utpicos, Marx sugeriu que

    a sua doutrina era cientfica. Previa uma crise geral do capitalismo que permitiria aimplantao do comunismo, mediante a tomada do poder pela fora, regime no qual

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    seria abolida a propriedade privada. Acontece que a criao do Partido SocialDemocrata Alemo recusou esse caminho e seguiu a via parlamentar, sem entretantorenegar formalmente o marxismo, Edward Bernstein (1850/1932), um dos fundadoresda agremiao, desenvolveu uma crtica demolidora s teses de Marx, abrindo ocaminho participao parlamentar que levaria o PSD ao poder, aps a Primeira Guerra

    Mundial. Essa experincia passou histria com o nome de Repblica de Weimar.Naquela altura, aps a Revoluo Russa de 1917, haviam sido organizados PartidosComunistas nos principais pases, inclusive na Alemanha, organizaes que seguiamrigidamente a ortodoxia, isto , ignoravam no s a crtica ao marxismo como a prpriavivncia do movimento operrio no Ocidente.Embora sob a Repblica de Weimar (1919/1933) se haja aprofundado a disputa entre ossociais democratas e os chamados marxistas ortodoxos (comunistas), o PSD no sedecidia a consumar o rompimento com o marxismo, que de certa forma o mantinhavinculado, pela comunidade de base terica, quela agremiao totalitria. Os anostrinta tornar-se-iam dramticos, com a ascenso de Hitler ao poder, que iria no s porfim Repblica de Weimar como arrastar a Europa ao sangrento conflito representado

    pela Segunda Guerra (1939/1945)Com o trmino da guerra, a derrota da Alemanha acarreta a diviso do pas em zonas deocupao, dando origem, em 1949, Repblica Federal Alem (Alemanha Ocidental) e Repblica Democrtica Alem (Alemanha Oriental), esta submetida ao regimecomunista, garantido sobretudo pelas tropas soviticas.Ascende liderana do PSD Kurt Schumacher, que passara longos anos em campos deconcentrao nazistas. Embora no deixasse de ser uma incoerncia, mantinha-semarxista se bem que no nutrisse quaisquer iluses quanto aos comunistas. Segundo oconhecido especialista francs em histria alem, Joseph Rovan, autor de obra dedicada social democracia, Schumacher entendia que, as responsabilidades principais

    predominantes na escalada do nazismo pertenciam direita burguesa, por um lado, eaos comunistas por outro. Schumacher nutria uma execrao profunda por essas duasforas adversrias, mas, no seio da direita, eram possveis e necessrias distines: adireita moderada, os liberais e o antigo Zentrum (catlicos) comportavam elementossinceramente afeioados democracia, ao passo que todos os comunistas que notinham rejeitado a dominao sovitica, obedeciam ao mesmo julgamento implacvel.ntegro, fantico, Schumacher dispunha assim de uma viso perfeitamente coerente,simples e sedutora dos acontecimentos e da histria. Entre os sobreviventes que

    partilharam o destino do povo no prprio pas, a sua prpria vocao de chefe no lhesuscitava a mnima dvida: a Alemanha era representada pelo seu povo, o povo pelo

    proletariado, o proletariado pelo PSD e este por Kurt Schumacher. (Histria da Social

    democracia Alem. Trad. portuguesa, Lisboa, Ed. Perspectivas e Realidades, 1979, p.172)Em que pese a avaliao negativa da experincia sovitica e dos prprios comunistas,Schumacher no compreendia as grandes transformaes sociais acarretadas pelocapitalismo e a impossibilidade do proletariado manufatureiro liderar o aprofundamentodessas transformaes. Para no falar na incongruncia que representava a fidelidade aomarxismo, na prtica radicalmente repudiado, e na incapacidade de perceber o apoioque a Repblica Federal encontrava para o seu projeto de reconstruo, nomanifestando o menor interesse no regime socialista prometido por Schumacher. Demodo que, sob a sua liderana, consumou-se o isolamento da social democracia. A suamorte em agosto de 1952 permitiu afinal que uma nova liderana, mais afinada com a

    realidade, realizasse as grandes mudanas exigidas no Programa do PSD.

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    Pela importncia de que se reveste o acontecimento, vamos transcrever pequeno trechoda mencionada obra, em que Rovan descreve as circunstncias que levaram decisoadotada no Congresso de Godsberg (1959) bem como as mudanas programticas aliintroduzidas. O mrito desse texto consiste em documentar como essa ruptura --quecorresponde a autntica reviravolta na tradio socialista ocidental-- resultou de

    profundo debate, envolvendo o conjunto da lideranaSegue-se a transcrio:Em setembro de 1957, o Partido Social Democrata enfrentava pela terceira vez aseleies gerais para renovao do Bundestag, primeira cmara do parlamento daRepblica Federal. Uma vez mais, as esperanas acalentadas pelos dirigentes do SPDforam desiludidas. certo que, em percentagem dos votos obtidos, o partido presidido

    por Eric Allenhauer (que substituiu a Schumacher) passava de 28 para 31% e o nmerodos seus eleitos se elevava agora para 169 (151 durante a segunda legislatura), mas,longe de conhecer a usura normal do poder que exercia havia oito anos, a CDU CSU deKonrad Adenauer conseguia alcanar a maioria absoluta, com 50, 2% dos votos (45, 2%em 1953 e 31,0% em 1949). Em relao ao primeiro Bundestag, a CDU progredira

    19,2% e o SPD apenas 2,6%. O partido do chanceler dispunha agora de 270 lugares dos497. A distncia entre os dois grandes da poltica alem, longe de se extinguir, no

    parava de se intensificar. Adenauer conduzira sua campanha com o slogan simplistamas eficaz de nada de experincias (Keine Experimente). A maioria da populaocontinuava a confiar num homem que presidira ao restabelecimento da economia egarantia com a sua poltica externa, contra as ameaas soviticas e comunistas, asliberdades e a prosperidade restabelecidas. Em face desses xitos, a propaganda eleitoraldos sociais democratas parecia velha e ultrapassada. Uma vez mais, o SPD sconseguira chamar a si os eleitores que adquirira antecipadamente, no em virtude doseu programa eleitoral, mas apesar dele, por uma fidelidade quase automtica. Odesaparecimento do partido comunista, interditado pela lei constitucional em 1956, e oinsucesso do partido popular para toda a Alemanha (Gesamtdeutsche Volkspartei) doex-ministro CDU Gustav Heinemann, futuro presidente federal dos anos 1969/1974,deveriam, porm, provocar um aumento muito mais sensvel dos votos SPD. A principalfora de oposio no conseguira sequer maioria nos votos oposicionistas.O Partido s podia sair do ghetto do seu eleitorado tradicional prximo de 30% ecomposto essencialmente por operrios e pequenos empregados, se os homens novos,mais realistas e menos apegados aos velhos dogmas, conseguissem abalar o imobilismodos funcionrios do Apparat do Parteiburo. Os primeiros esforos significativos nessesentido manifestaram-se no congresso realizado em Stutgard de 18 a 23 de maio de1958, onde propostas reformistas originais foram apoiadas por homens como Heinrich

    Deist, principal terico do Partido em matria econmica, e um jovem economista deHamburgo, enrgico e eloqente, Helmut Schmidt. (Nascido em 1918, liderou ogoverno social democrata de 1974 a 1982, tornando-se personalidade de renomeinternacional)Foi em Stutgard que se adotou, em primeira leitura, um projeto renovador do programafundamental (Grundsatsprogramm) do Partido, texto que representava finalmente ocorolrio dos trabalhos da comisso Eichler, constituda em maro de 1955. A decisode princpio tendente a substituir o Aktionprogrammadotado em Dortmund em 1952, edepois modificado em 1954 em Berlim, fora tomada nesse ano pelo mesmo congressode Berlim. Mas os trabalhos, retardados pela resistncia da burocracia, foramextremamente prolongados, sendo Olhenhauer quem, aps a derrota de 1957 acabou por

    lhe acelerar o ritmo. Convencera-se de que o Partido, para transpor a encosta e ascenderao poder, devia adotar uma pele nova e adaptar-se aos tempos atuais e diferentes.

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    Procedendo assim, ao impor a elaborao de um texto fundamental, levantar seriamenteas questes de princpio e demonstrar que o SPD estava decidido pela mudana, mesmoem pontos essenciais da sua doutrina, Olhenhauer prestava um ltimo grande servio aoseu partido e revelava-se mais perspicaz que os homens novos que agora o impeliam

    para a sada.

    .............................Alm do projeto de programa da comisso Eichler, foram submetidos ao Congresso deStutgard e votados por ele dois importantes textos de atualidade poltica: uma

    Resoluo respeitante poltica de defesae umaResoluo sobre a ordem econmicafundada na liberdade(freiheitliche Wirtschaftsordnung). A primeira foi apresentada porFritz Erler, seu principal inspirador e autor: reafirmando os velhos princpios do Partidoem matria de defesa, preconizava in fineuma atitude positiva para com esta. Tomava

    posio a favor de uma exrcito de voluntrios e continuava a rejeitar o recrutamento.Guardava silncio sobre a Aliana Atlntica, mas reconhecia-a implicitamente. Acercadeste ponto essencial que mobilizara, durante tantos anos, as energias oposicionistas doPartido, a resoluo Erler ativava um processo de reviso que se previa no ficar por a.

    Esse esprito novo desprendia-se, de uma forma ainda mais evidente, do texto sobre osprincpios da ordem econmica apresentado por Heinrich Deist, onde j no se falava demedidas de socializao nem de economia planificada, e apenas a indstria do carvo,em crise desde longa data, devia ser transferida para a coletividade. A iniciativa privadaera reconhecida como um dos principais motores dos progressos econmicos. Asdisposies concretas previstas pelo texto j nada tinham de especificamente socialista,nada indicava que procediam de um partido operrio, a exigncia para o consumidor dalivre escolha dos seus consumos ou a liberdade econmica para as pequenas e mdiasempresas nada apresentava de ameaador para a ordem econmica criada depois de1945, mesmo que a resoluo preconizasse um certo controle do Estado sobre asgrandes empresas, trutsou Konzerne.Como no se podia pensar em despedir brutalmente o corajoso Ollenhauer, cujadedicao, mritos antigos e fidelidade a Schumacher, ningum contestava, o Congressoladeou-o de dois novos vice-presidentes: Herbert Wehner, excelente organizador ehomem de pulso, cujo longo passado comunista fazia ento aparecer como chefe de filada esquerda do Partido, e Waldemar von Knoeringen, o dirigente mais destacado dasocial democracia bvara, grande burgus intelectual, outrora membro do grupo

    Neubeginnen, antigo emigrado, que passava justificadamente por um social democratamuito liberal.

    .......................................................................Os efeitos das mudanas empreendidas em Stutgard no se fizeram sentir

    imediatamente. Em julho de 1958 a CDU ganhava facilmente as eleies para oLandtagdo maior Land da Federao: a Rennia Norte Vesteflia. Por conseqncia acoligao SPD-FDP perdia l o poder. Outras derrotas, mais normais, por assim dizer,dadas as posies dos dois partidos, seguiram-se no Schleswig-Hoistein e na Baviera,mas, em dezembro de 1958 a social democracia triunfava em Berlim, com 52% eexcedia mesmo o limiar da maioria absoluta. Na antiga capital, a nova ofensivadesencadeada por Khruchov contra as posies ocidentais beneficiou o Partido, que

    passava por ser, com justificao, depois de Schumacher e Reuter, o partido daresistncia ao comunismo por excelncia. Foi igualmente e acima de tudo, um xito

    para Willy Brandt, o presidente da cmara governante, herdeiro poltico de Reuter. EmStutgard, Brandt fora finalmente eleito membro do Parteivorstand, aps vrias

    tentativas infrutferas. O seu duplo triunfo era o das idias revisionistas que sempreapoiara com Reuter contra Schumacher e seus herdeiros.

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    No congresso regional berlinense que preparava o congresso nacional de Stutgard, opresidente da Cmara governante definira as suas posies: para aprender a lio deuma longa srie de desastres impunha-se rever no os princpios fundamentais, mas osobjetivos fundamentais da social democracia, desenvolvendo a democracia internacontra as tendncias para a burocratizao e o centralismo autoritrio, renunciando s

    vises apocalpticasque identificavam Adenauer com uma escalada para o fascismo eestabelecendo uma sntese entre a teoria socialista e as necessidades prticas dos meiosprivilegiados, daqueles que, aproveitando a prosperidade, beneficiavam menos que umaminoria mais rica e poderosa. Com semelhantes idias, Brandt enfileirava ao lado de umhomem como Carl Schmid, que falava da necessidade de uma abertura direitaparaconquistar uma parte das classes mdias e assumiria um papel importante na preparaodo congresso extraordinrio de 1959, convocado em Bad Godsberg e encarregado derenovar e rejuvenescer o programa e a direo do Partido. Aps o xito eleitoral doInverno de 1958, devido sua pessoa e idias assim como ofensiva sovitica, WillyBrandt pde finalmente, em princpios de 1959, triunfar do seu velho adversrioschumacheriano Franz Neumann, que, at ento conservara solidamente a direo do

    partido berlinense. Opresidente da cmara governante, por outro lado, fez-se conhecerfora, em 1958 e 1959, atravs de numerosas viagens ao estrangeiro. Tornava-se umafigura poltica de dimenses nacionais, servida por uma reputao de vencedor. Ora, novero de 1959, Ollenhauer resignou-se a deixar de dirigir a campanha eleitoral de 1961como candidato a chanceler do SPD, o que constitua na realidade uma maneira deanunciar uma retirada progressiva geral.Para preparar a escolha de um novo chefe de fila e a eleio de uma nova ttica,Schmidt, Erler, Zinn, Brauer e Brandt foram designados membros de uma comisso deestudo no seio da qual o presidente em exerccio se encontrava na verdade isolado. Os

    pragmticos, os homens decididos a conferir ao do Partido uma base poltica eideolgica nova, estavam em grande maioria. Herbert Wehner, relator perante essacomisso de um grupo de estudos preparatrios, foi na realidade o homem-sustentculoda grande viragem que se preparava e Willy Brandt, sem jamais se unir ao antigomilitante comunista, organizador duro e hbil, pessimista, sensvel e clarividente,concordou com ele em numerosos pontos concretos sobre o que se tornaria o programade Godsberg. Para evitar cair na categoria de uma seita sem influncia poltica, o SPDabandonava os modelos ideolgicos histricos, para prever um Estado alemo melhor,

    proporcionava-se os meios de conquista do poder poltico. Foi criada uma comisso deredao pelo Parteivorstand, em maio de 1959, com a misso de elaborar um segundo

    projeto de programa. Devia tornar mais claros e incisivos os textos examinados emStutgard, tendo em conta a abundante e viva discusso que se verificara depois de

    Stutgard nas fileiras do Partido. Eichler, presidente da comisso preparatria e HeinrichDeist, principal autor das partes econmicas do projeto de programa, participaram emcentenas de reunies durante as quais tiveram de enfrentar e acalmar com freqncia asreservas e lamentos dos militantes mais antigos e da nova jovem esquerda. A segundacomisso de redao, composta por Allenhauer, Deist e Eichler, assim como porespecialistas em redao, como Fritz Sanger, diretor-geral da agncia de imprensa donovo programa que o partido socialista austraco elaborara em 1958, assim como AdolfArndt,juristado Partido, pde ser considerada a verdadeira autora coletiva do programade Godsberg. Depois de todos estes preparativos, reuniu um congresso extraordinrio de13 a 15 de novembro de 1959 em Bad Godsberg, que teve de se pronunciar sobre maisde 200 propostas de emenda. Na sua maioria, foram rejeitadas e o projeto resultante de

    tantos esforos convergentes adotado pela quase unanimidade: de entre 340 votantes,apenas se registraram 16 contra.

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    Pelo seu novo programa de Godsberg, o principal partido de oposio reconhecia ovalor humano e social pelo menos relativo do sistema que fora edificado na RepblicaFederal desde 1949 e renunciava a proclamar a necessidade de uma abolio total dessesistema em nome da doutrina marxista. A nova base ideolgica do novo partido dasreformas apresentava-se de uma forma muito ecltica e sem carter autoritrio como

    um conjunto de referncia moral crist, ao humanismo liberal, filosofia idealistaclssica e a um socialismo aberto. A resistncia da velha esquerda, apegada aomarxismo e idia de classes, estava enfraquecida pela longa srie de derrotaseleitorais, pela apario de fenmenos econmicos e sociolgicos cujas teoriascentenrias os pais no podiam dar conta sem serem sujeitas a solicitaes edeformaes penosas e, sobretudo, pela necessidade de distinguir constantemente e deum modo to apoiado e claro quanto possvel a sua prpria interpretao do marxismoda do adversrio comunista. O fato de partilhar com estes a mesma doutrinafundamental, embora interpretada diferentemente, constitua um bice terrvel para asocial democracia. divertido para o historiador, ou pelo menos curioso, observar comoesse inconveniente se voltou a favor dos novos idelogos da esquerda social democrata

    apenas no espao de quinze anos: no se afirmar marxista tornou-se, a partir dos anossessenta, um bice quase paralisante nas discusses internas do SPD dominadas pelasmanifestaes de uma, ou antes, de vrias minorias radicais e intolerantes.O primeiro captulo do novo programa traduzia, sem dvida, os sentimentos que eramento, e ainda so, os da grande maioria dos eleitores sociais democratas e dos que oSPD se propunha atrair a si, quando afirmava:O socialismo democrtico, que cria razes na Europa, na tica crist, no humanismo ena filosofia clssica, no pretende anunciar verdades ltimas no por falta decompreenso ou por indiferena para com as concepes do mundo ou as verdadesreligiosas mas em virtude da estima pelas decises que o homem toma em matria def, das quais nem um partido poltico nem o Estado tm de determinar o contedo. O

    partido social democrata da Alemanha o partido da liberdade do esprito. umacomunidade de homens provenientes de diferentes direes de f e de pensamento.Toda a referncia ao marxismo e luta de classes estava formalmente afastada,

    pormenor que a esquerda no deixou de salientar com indignao. Marx nem sequer eracitado como uma das fontes do socialismo. O novo programa reconhecia a Leifundamental de 1949 como base do Estado democrtico, sem exigir que fossemodificados os pontos que at ento o tinham tornado inaceitvel aos olhos deSchumacher. O novo programa dizia sim defesa nacional no mbito da OTAN. Emface das estruturas econmicas e sociais, mantinha uma crtica scio-liberal, interior naordem construda ou reconstruda depois de 1949.

    ...................................................................Entre as novidades de Godsberg, a referncia tica crist como uma das bases dosocialismo, assim como a renncia a um fundamento filosfico nico (na verdade, omaterialismo dialtico), revestiam-se de particular importncia. A social democracia,tomando em considerao a variedade de convices e crenas dos seus membros,derrubava um dos principais obstculos que a impediam de progredir no eleitoradocatlico. A vontade de conquistar uma parte desse terreno at ento interdito figuravaigualmente nas frmulas do programa relativas ao aspecto da misso particular dasIgrejas e da sua autonomia. Seria impensvel encontrar idias similares nos programassociais democratas anteriores a 1933. Outra parte essencial do texto, to vivamentediscutida como o prembulo ideolgico, relacionava-se com os problemas econmicos.

    Se a idia e expresso das socializaes ou nacionalizaes desapareciam e aimportncia positiva da concorrncia e livre empreendimento era plenamente

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    reconhecida, havia um pargrafo inteiro consagrado funo e legitimidade dapropriedade comum(Gemeineigentum).......... O livre empreendimento era, sem dvida,reconhecido e enaltecido, mas apenas no aspecto em que se orientava na necessidade eno na vontade do lucro privado. O programa afirmava igualmente a necessidade docontrole pblico da economia, pelo controle dos investimentos e publicidade das

    operaes, suscetvel de permitir populao que tomasse conhecimento da estruturade poder na economia e na gesto econmica das empresas, a fim de se mobilizar

    contra os abusos.).As ambigidades ento apontadas por Rovan acabaram por desaparecer no perodo

    posterior graas, sobretudo, atuao dos sucessivos governos sociais democratas,naquele pas, inclusive o de Gerhard Schroeder, entre 1998 e 2005. Com a adeso doPartido Trabalhista Ingls a essa vertente, seu posicionamento tornou-se mais claro.Considera-se que, no perodo recente, seu principal terico seria Anthony Giddens,autor de expressiva obra de sociologia e reitor da renomada London School ofEconomics. Dizem respeito diretamente ao tema estas obras:A terceira via-- renovaoda social democracia(1998) eA terceira via e seus crticos(2000).

    Em sntese, o posicionamento da social democracia pode ser resumido como segue:

    a) o socialismo dissociado da idia de que corresponde estatizao daeconomia;

    b) a social democracia abandona a utopia da sociedade sem classes e reconhece quea economia de mercado obteve a elevao geral do nvel de vida dostrabalhadores. Segundo Giddens: A economia de mercado bem sucedida capaz de gerar maior prosperidade do que todo outro sistema rival. Na verdade,no h sistema rival.

    c) Renuncia ainda busca da igualdade de resultados aceitando o princpio daigualdade de oportunidades.

    Contudo, a social democracia, como enfatiza Giddens, no representa movimento nadireo da direita. Esclarece: trata de acomodar-se s mudanas, incumbncia de que aliderana trabalhista precedente no dera conta.A nosso ver, distingue-se basicamente da doutrina liberal ao persistir na hiptese de queo Estado seria um ser moral, isto , colocado acima da sociedade, achando-se emcondies de encaminhar a sociedade na direo correta. Essa crena explicita-se ao

    propugnar por mais governo. Na verdade, entretanto, a histria nos ensina que oEstado, concretamente, corresponde burocracia estatal e, por conseguinte, a um plode interesses igual a qualquer outro agrupamento social.

    Graas adeso dos Partidos Socialistas social democracia --com a nica exceo doPartido Socialista Francs -- a Comunidade Europia d nascedouro a um sistemapoltico que consiste na alternncia de liberais conservadores e sociais democratas. Estatalvez venha a constituir, para o sistema democrtico representativo, a mais relevanteexperincia contempornea.

    Saiba mais

    Cronologia de eventos

    Sculo XIX (primeiras dcadas) - Proibida a existncia de associaes ou

    sindicatos. Dissolvida, na Inglaterra, a Grand National Consolidated Trade Unions, deOwen, que reuniu 500 mil adeptos.

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    1851-1867 - O governo ingls tolera as trade unions organizando-seconselhos nas grandes cidades (Londres, Liverpool, etc.).

    1866 - Fundada a Associao Internacional dos Trabalhadores(posteriormente conhecida como Primeira Internacional).(7)

    1868 - 1 Congresso Anual das Trade Unions naInglaterra.1871-1876 - Aprovada a legislao inglesa que regula o funcionamento das

    Trade Unions.

    1875 - Criao do Partido Social Democrata Alemo.(8)

    1884 - Aprovada na Frana a lei que permite a livre organizao sindical.Fundada em Londres a Fabian Society.

    1894 - Organizada a CGT francesa.

    1899 - O Congresso das Trade Unions inglesas adota a deciso de criar umaorganizao eleitoral e parlamentar.

    1900- Criao do Partido Trabalhista Ingls.

    1904 Formalizada em Amsterdam, a organizao da II Internacional.(9)

    1913 - O Parlamento ingls aprova o Trade Unions Act, autorizando as tradeunions a dedicar-se a atividades polticas, desde que aprovada a deciso por votosecreto.

    1921 - Organizada em Moscou a III Internacional.

    1922 - Organizada na Frana a CGTU (Confederao Geral Unitria doTrabalho), de inspirao comunista.

    1923 - Os Partidos Sociais Democratas criam, em Berlim, a IVInternacional.

    1924 - Os trabalhistas ingleses conquistam 192 cadeiras no Parlamento; osliberais 159 e os conservadores 258. Organiza-se o primeiro governo trabalhista ingls(chefiado por Mac Donald), que permanece no poder apenas 10 meses(janeiro/outubro).

    1933 - proscrito, na Alemanha, o Partido Social Democrata.

    1936 - Na Frana, realizada a fuso entre a CGT e a CGTU.

    1945 - O Partido Trabalhista conquista a maioria no Parlamento ingls (393

    cadeiras contra 189 dos conservadores; 12 dos liberais e 23 de outros).1947 - Os comunistas dominam a CGT francesa, afastando-se os socialistas

    para criar a Fora Operria.

    1945-1950 - O governo trabalhista promove a nacionalizao do Banco daInglaterra, da indstria de carvo, eletricidade, gs e dos transportes (estradas de ferro,

    portos e transporte rodovirio).

    (7)A 1 internacional funcionou at 1874.(8)

    Outros partidos com a denominao de social democrata ou socialista criam-se na Frana (1875);Portugal (1875); Dinamarca (1878); ustria (1881); Noruega (1887) e Sucia (1889).(9)Os trabalhos de reconstituio da AIT comeam de fato em 1895, sob a gide do PSD Alemo.

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    1958 - Reforma do programa do Partido Social Democrata da Alemanha,propondo a opo pela democracia social em lugar do socialismo, programa que seriaaprovado no ano seguinte, no Congresso de Bad Godsberg.

    1969 - Constitui-se, na Alemanha Ocidental, governo de coalizo social-democrtica e liberal.

    1978/1979 - Derrota dos trabalhistas na Inglaterra e da social-democraciaem pases do continente. Ascenso dos conservadores.

    1981 - O Partido Socialista ganha as eleies na Frana, conquistando apresidncia da Repblica (Mitterrand) e a maioria parlamentar. No incio dos anosnoventa, os liberais voltam ao poder.

    1889-1990 - Queda do Muro de Berlim e reunificao da Alemanha.

    1991- Fim da Unio Sovitica.

    1995 - Tony Blair obtm a revogao da clusula do programa do Partido

    Trabalhista Ingls que identificava o socialismo com estatizao da economia.1997 - Eleio de Tony Blair para Primeiro Ministro da Inglaterra. Promove

    junto aos Partidos Socialistas a chamada "terceira via".

    Dcada de noventa - Socialistas e sociais democratas so os grandesbeneficirios do desmoronamento do comunismo, conquistando 12 dos 15 governos daComunidade Europia.