90
História de Portugal Contemporâneo Economia e Sociedade 405 Apontamentos de: José Marques da Cruz E-mail: Data: 26/01/07 Livro: História de Portugal Contemporâneo (Economia e Sociedade) Nota: 15 valores Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

História de Portugal Contemporâneo - aauab.pt · ... Evolução da população É de l864 o 1º recenseamento moderno em Portugal ... Estrutura etária e sexual ... hereditário

Embed Size (px)

Citation preview

História de Portugal Contemporâneo Economia e Sociedade

405 Apontamentos de: José Marques da Cruz E-mail: Data: 26/01/07 Livro: História de Portugal Contemporâneo (Economia e Sociedade) Nota: 15 valores Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

2

I – O CONSTITUCIONALISMO MONÁRQUICO

1 – A Base Demográfica

1.1 – Evolução da população É de l864 o 1º recenseamento moderno em Portugal (com critérios rigorosos)

De 1801 a 1911, a população portuguesa sofreu um acréscimo de 89% (3 para 5,5 M), 0,8%/ano Mais que Espanha, aquém da Rússia, Alemanha, Holanda ou Bélgica

O crescimento demográfico não se mostrou constante ao longo de centúria Cresceu muito menos de 1820 a 1911 (22%) devido à forte emigração Cresceu particularmente a partir dos anos 60, com ênfase nos decénios de 1880 a 1900

1.2 – Densidade e distribuição espacial Densidade média (continental) variou de 36,4 hab/Km2 (1837) para 63,1 hab/Km2 (1911) A maioria habitava o Norte e Centro do País, sobretudo na faixa litoral (mais notório em 1911) Em 1837 a maior densidade era (distrito): Porto, Braga, Viana, Coimbra, Viseu, Lxª e Vila Real.

Em 1911 Aveiro suplanta Viana do Castelo e Lisboa passa além de Coimbra e Viseu. Os 2 primeiros foram distritos que sofreram maior emigração.

Os factores de crescimento eram de ordem natural mas também influenciados pela fertilidade, sistema de exploração da terra, desenvolvimento comercial e industrial.

A densidade populacional era tanto mais forte quanto mais ricas as regiões. O regadio e a divisão da terra resultavam numa elevada produtividade agrícola (NO atlântico) A prosperidade da viticultura permitiu igualmente densidades elevadas (Dão, Bairrada, Douro) A Estremadura era pólo de atracção (policultura, actividades marítimas, comércio e indústria) No Sul, de características mediterrâneas, a população era escassa e de tipo concentrado.

Extensa área cultivada, mas fraca rentabilidade, afrouxando o desenvolvimento demográfico Centro e Sul do País verificou o maior crescimento da população entre 1837 e 1911

Distritos de Leiria. Santarém, Lisboa e Faro, de grande desenvolvimento económico Alentejo devido às deslocações de trabalhadores agrícolas sazonais que acabavam por se fixar O fraco crescimento do Norte é aparente, resultando da emigração (para Sul e exterior)

1.3 – Estrutura etária e sexual Quanto à percentagem de jovens, os valores portugueses mantiveram-se com poucas flutuações (+2%) e

enquadravam-se nos da restante Europa Alguns países tinham percentagem pouco mais elevada (Alemanha, Inglaterra, Grécia, Espanha…)

O peso da população activa tem o declínio mais elevado da Europa (7,5%), mas é tendência geral Entre 1860 e 1910 apenas aumentaram população activa da França, Inglaterra e Suíça

Grande aumento de idosos (34%, só superado pela Suíça e pela Itália) A % de idosos no país sempre foi das mais baixas na Europa (com Áustria, Grécia e Espanha).

A relação de masculinidade (homens/mulheres) baixou sobretudo no grupo etário dos 21 aos 60 Emigração em idade activa mas também diminuição da esperança de vida masculina

1.4 – O processo de urbanização A maior parte da população continuou a dedicar-se à agricultura.

Há porém maior êxodo para as cidades (sobretudo homens em idade activa) O crescimento das cidades de 64 a 1900 foi superior a vilas e freguesias rurais (77% para 30 e 22%)

Atracção da indústria (Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro e Covilhã duplicaram)

1.5 – A família Aumentaram o nº de famílias, mas também o nº médio de pessoas/família (3,9 para 4,2)

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

3

1.6 – Emigração Grande aumento da corrente emigratória (tal como a generalidade da Europa)

Para a América, particularmente Brasil (1843: 4.000 saídas, 79%; EUA 13%) In. XX = 30.000 Porto, Aveiro e Braga. Mais tarde também Viseu, Lisboa e Coimbra. Depois Vila Real, Guarda e Bragança

Há que acrescentar a emigração clandestina Perdido o Brasil em 1822, a emigração deixou de obedecer a um projecto de expansão imperial para passar a

depender da conjuntura económica – O projecto de expansão passou para África, sem conseguir uma emigração de massas (<2.000 saídas/ ano)

O fluxo migratório português para a América teve 3 períodos de aumento: 1887-9, 1895, 1904-7 Todos relacionados com importantes transferências de capital da Grã-Bretanha para a América do Sul onde

iam fomentar o progresso económico Este aumento de emigração de 70-1900 deve-se ao lento desenvolvimento industrial do País e às dificuldades

da agricultura face a outros países (decadência da viticultura do Douro e comércio de gado Emigrar não era fácil. Muitas eram as dificuldades:

Legais, impostas pelo Estado, para tentar refrear as saídas. De comunicações no interior e no exterior Dificuldades económicas (custo da viagem)

Muitos candidatos a emigrantes desistiam, outros endividavam-se nas mãos dos engajadores Dos emigrados só uma minoria regressa. Muitos lá ficavam a residir (com novos núcleos familiares e

patrimoniais). Outros morriam de doenças ou de trabalho. As divisas remetidas estimulavam a economia portuguesa, compensando o deficit da balança comercial.

Média anual de divisas sobe de 3 mil c para 12.000 em 70 e quase 20.000 em 1910 (-~ a ¼ das receitas totais do Estado)

1.7 – Nupcialidade Entre 1886 e 1910 o nº médio de casamentos progride regularmente (de 34.500 para 36.200)

A idade média de casamento era relativamente tardia (homens 26 anos, mulheres 24) As mulheres perdiam muitos dos possíveis maridos com a emigração

1.8 – Natalidade A natalidade manteve-se muito elevada em todo o País, na ordem dos 30 a 33%

Forma natural de colmatar as perdas demográficas causadas pela mortalidade As zonas de maior natalidade coincidiam com as de mortalidade: Bragança, Castelo-Branco Guarda

A emigração masculina diminui a natalidade (fins de 800). As diferenças regionais tendem a esbater-se O número de crianças nascidas fora do casamento (ilegítima) manteve-se constante e elevado (12%)

1.9 – Mortalidade A mortalidade em Lisboa entre 1887 e 1897 variou entre 26%o e 29%o – No Porto é mais elevada.

Relacionada com a oscilação de preço dos cereais e más condições de vida, piores no Porto, com Deficientes esgotos, falta de água potável, más condições de alojamento e de alimentação, epidemias

Mortalidade só comparável às cidades de Rouen, Bucareste e Moscovo. A mortalidade infantil chegou a atingir c. 25%º em Lisboa (um pouco mais no Porto)

Nas famílias proletárias, numerosas e de baixos rendimentos, os filhos volviam-se indesejáveis Uma das maiores causas de mortalidade era a tuberculose, doença dificilmente curável

1.10 – Epidemias Continuaram a assolar endemicamente a Europa, não poupando Portugal (picos de mortalidade) Em Janeiro de 1833 a cólera chegou ao País pela 1ª vez, entrando no Porto por via marítima

A meados de Fevereiro alcança Aveiro e no início de Abril está em Lisboa (+ 6000 doentes) A mortalidade atingiu mais de metade dos afectados (estatísticas hospitalares de Lisboa)

Em 1848 há outra vez cólera na Europa. Portugal apenas é tocado em Out. 53 (Valença), sendo o foco extinto

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

4

Regressa em Maio à mesma vila (e Algarve, donde passa ao Alentejo) extinguindo-se em Novembro de 1856. Esta segunda vaga apresenta cerca de metade dos casos mas a taxa de cura é a mesma

A cólera ainda voltou a surgir em 1865 um pouco por todo o País (alguns focos graves na província) Em 1856 surge, no Porto, a febre-amarela, que viria a tomar proporções calamitosas

Em 1857 a epidemia estava em Lisboa (18 mil afectados, 5.652 mortes – 1/3) A cólera ou colerina volta a surgir efemeramente, e pela última vez, em Lisboa em 1894 Quando se julgava a peste extinta na Europa, surgiu no Porto (1899) uma epidemia que alarmou o País

As reacções às medidas sanitárias, sobretudo contra o cordão sanitário imposto ao Porto, levam à eleição dos 3 primeiros deputados republicanos pelo Porto

Em 1900-1901, também no Porto, surge uma vaga de meningite-cérebro-espinhal epidémica, embora com poucas repercussões demográficas

2 – A Economia

2.1 - A questão da propriedade A problemática em torno da propriedade foi das mais graves questões do liberalismo português

Havia consciência que o regime senhorial (feudalizante) de posse da terra, precisava de ser revisto ou abolido Seria mesmo a base de violentos movimentos revolucionários: a Maria da Fonte e a Patuleia

Onerava grandemente os pequenos proprietários e os assalariados agrícolas Exigia-se uma reforma agrária que acabasse com os latifúndios incultos, assentes nos morgadios e donatarias

As classes sociais inferiores exigiam o parcelamento da terra, visto como necessário ao fomento agrícola A nova aristocracia liberal e uma nova classe média pressionavam estas transformações

Um novo ideário, baseado na igualdade de direitos, no individualismo e na privacidade do direito, fazia encarar como grotescas aberrações os direitos feudais que recaíam sobre a terra

O Estado necessitava igualmente de superar o défice orçamental e de ver rentabilizadas terras subaproveitadas, o que levou a desamortizações e a vendas de Bens Nacionais sistemáticas

Os legisladores das Cortes (22) e ditadura liberal (32-34) concentraram a atenção no problema da propriedade Legislação não muito eficaz:

- Por moderada, mexendo em grandes interesses (e a maioria dos deputados e políticos liberais eram proprietários) - Por confusa ou impraticável em alguns casos - Pela conturbada situação política que o País vivia nessa primeira metade do século - Pelas reacções absolutistas de 1823-26 e de 28-34, que interromperam as reformas Apenas a Regeneração de 1851 pode levar a cabo as reformas importantes

Contudo, não se visou alterar a essência das formas de propriedade que se mantiveram, em geral as mesmas do Antigo Regime – Consignadas em 1867, no Código Civil do visconde de Seabra

A propriedade particular podia ser possuída plenamente sob a forma de: Alódio — em que o proprietário ou senhorio a usufruía totalmente

ou cedida segundo três formas Locação: trespasse por tempo estabelecido e mediante aprazada retribuição do uso e fruição de uma coisa

Chamado arrendamento se sobre bens imóveis e aluguer se se tratasse de bens móveis Ao locatário era permitido sublocar, mas ficava sempre responsável perante o senhorio

Renda ou censo consignativo: entrega a alguém de um imóvel perpetuamente, a troco do pagamento de um juro anual, que podia ser perpétuo ou temporário

Emprazamento, aforamento ou enfiteuse: contrato perpétuo, hereditário e não divisível, em que o proprietário transferia o domínio útil de um bem imóvel, alienável, para outra pessoa, a troco de uma pensão anual chamada juro ou cânone. O foreiro tinha o direito de usufruir o prédio e dispor dele como coisa sua

Até 1863, o exercício dos direitos de propriedade podia ainda ser livre ou estar limitado por instituições vinculares: morgadios, capelas ou padroados – Institutos que viriam a ser extintos

A propriedade «pública» consistia nos

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

5

Bens da Coroa – mais tarde diferenciados dos Bens do Estado ou da Nação (Bens Próprios Nacionais) – incluíam os reguengos, os bens das Ordens Militares e outros

Bens dos Concelhos – baldios, maninhos e logradouros, os quais, por vezes, se incluíam nos Bens da Coroa mas que foram sendo progressivamente assimilados aos bens dos concelhos A tendência foi de o Estado colocar a pouco e pouco estes bens à venda

2.1.1 - O regime senhorial

O regime senhorial regia-se pelos títulos tradicionais dos donatários Assentes em parte nos Forais Manuelinos de 500 (não abrangia todo o país nem impunha direitos iguais) Assentava também na enfiteuse patrimonial e, no que respeitava às terras do clero, no dízimo eclesiástico O impacte regional deste regime variava e encontrava-se determinado por factores históricos:

- no Sul, a sua expressão era mínima - Incidia mais fortemente no centro litoral, na região transmomana e no noroeste (Minho) Elemento constante neste panorama era o dízimo eclesiástico Um factor de variação era a diferença dos direitos consignados nos forais

A extinção dos forais começou tibiamente em 1821-22 Fim dos serviços pessoais a que davam origem, dos direitos banais e do relego (decº de 1821) Redução do laudémio e das prestações fixas e rações, que passaram a metade

Legislação moderada, revogada com a restauração do absolutismo em 1823. Durante a guerra civil de 32-34 surge o decº de Mousinho da Silveira (13.8.1832) que a restabelece e reforma Um movimento peticionário exigindo a reforma (mas não a extinçâo) do regime senhorial foi encabeçado

por notáveis locais Letrados, alguns clérigos e fidalgos, do Centro (Cbª, Aveiro, Leiria, Santarém, Lxª, Viseu), mais oneradas por aquele regime

A abertura das elites a uma nova cultura económica e política de influência europeia provocava um discurso de «modernidade», incompatível com a estrutura da propriedade de então.

A essência do decº de M. da Silveira destinava-se a pôr fim a qualquer prestação sobre bens da Coroa, quer vinda de forais quer de contratos enfitêuticos, extinguindo uns e outros.

Pretendia-se reforçar o alódio e a pequena propriedade, condições julgadas necessárias à reforma agrária. O decº de Mouzinho nunca conseguiu efectivamente ser posto em prática, pois tocava em poderosos

interesses que tudo fizeram para se salvaguardar. Logo em 35 foi fortemente restringido e só em 46 se resolveu a questão de maneira consensual com uma intervenção da

Câmara dos Pares, preterindo-se, porém, os interesses autênticos dos foreiros. O Estado estava agora fortemente interessado em vender os seus foros, e de todo o País chegavam

representações pedindo a reforma dos forais. O decreto de 46, que levou a uma intensificação da venda dos Bens Nacionais, permitiu, a subsistência em certos casos dos direitos de foral

aqui

2.1.2 - Os vínculos

Desde o período pombalino que se tentara alterar a essência dos vínculos, dos morgadios às capelas Os administradores dos morgadios eram apenas usufrutuários e os rendeiros não promoviam melhorias

Havia dificuldade na obtenção de capitais que permitissem benfeitorias nos bens Logo as grandes propriedades vinculadas, na mão da fidalguia, mostravam-se pouco produtivas

Contribuíram para a extinção dos vínculos: - A erosão do prestígio da nobreza de sangue - A ascensão de uma nova aristocracia capitalista, desejosa de terras - Os argumentos de «históricos» e «regeneradores» que consideravam os vínculos contraditórios com o conceito de

propriedade plena, injustos na divisão dos bens entre herdeiros, originadores de fugas aos impostos e impeditivos do necessário parcelamento da terra e do investimento de capital no seu fomento

Suprimidos parcialmente em 60, são-no depois definitivamente em 63 Abriu-se caminho ao parcelamento (agora sujeita a divisão por todos os filhos)

Mas também à transferência de mão de muitas propriedades

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

6

À criação de novos latifúndios de capitalistas (muitas vezes credores da nobreza endividada) A fragmentação verificou-se sobretudo na pequena e média exploração agrícola, nas regiões norte e centro

Facilitada porque aí os vínculos eram frequentemente constituídos por bens dispersos Devido à tradição persistiu um certo modelo de morgadio popular para salvaguardar o património tradicional

2.1.3 - Venda de Bens Nacionais e desamortização

Desde cedo se começou a pensar na venda dos bens da Coroa (sobretudo nas mãos da grande nobreza) E em desamortizar os bens de mão-morta (sobº nas mãos da Ordens religiosas)

Tal viria a acontecer essencialmente depois da extinção das ordens religiosas em 1834 Desde 1821 todos os bens da Coroa passaram a Bens Nacionais

A venda destes Bens Nacionais incluía ainda os chamados «foros do Estado» e teve particular significado a partir de 33-35 quando foram incorporados nos Bens Nacionais os apanágios da família real (Casa da Rainha, extinta em 33, e Casa do Infantado, extinta em 34), parte importante do património da Igreja (bens da Igreja Patriarcal, da Sé de Lisboa e Ordens) e os bens da Universidade de Coimbra (35)

O período de vendas mais intenso foi o de 35-43 Até 1836 venderam-se 1/4 dos bens nacionalizados a mais de 600 pessoas

O valor foi calculado em duas vezes o total das receitas públicas A partir de 1861 iniciou-se outra fase da desamortização: a alienação sistemática dos bens das restantes

corporações de mão-morta (estabelecimentos ou fundações de fim público religioso, piedade, beneficência ou instrução) e ainda muito património fundiário concelhio e paroquial Mas agora o Estado não nacionalizou estes bens, surgiu como intermediário entre instituições e compradores, retirando

largos benefícios financeiros (entre 61 e 91, mas continuando pelo século XX, totalizou mais de 13 mil contos) A venda dos bens da Igreja representou uma fatia considerável (+ de 4.000 lotes de prédios rústicos)

2.1.4 - As características da propriedade rústica

Em 68 encontravam-se registados uns 5,5 milhões de prédios rurais com uma média de 1,55 ha Dividiam-se por uns 850.000 proprietários, logo 6,7 propriedades/cada = ± 10 ha/proprietário

Em 1910, a situação era completamente diferente. O nº de propriedades rurais aumentou para o dobro (10,5 M) baixando a superfície média para 1/3 (0,48 ha) O número de proprietários subiu 50% (para 1,3 M), donde 7,7 propriedades cada, com 4 ha/proprietário

Reflexo das acções legislativas atrás descritas e do aumento populacional Para os dados de 1910 há que contar com o desbravamento de terras novas, bem como a ocupação de baldios,

para além dos do parcelamento propriamente dito Verificou-se um grande parcelamento da propriedade, ao mesmo tempo que aumentou o número de

proprietários que passaram a dispor de menor quantidade de terras per capita Os distritos do Norte, até Leiria e Guarda, continham cerca de 3/4 das propriedades

Pequena propriedade cuja superfície média não atingia l ha em 1868 Até 1910 sofreu grande parcelamento (63%) descendo a superfície média para menos de 0,3 ha

Sobretudo Bragança, Viseu e Leiria Uma região central (Castelo Branco e Santarém) verificou também um grande aumento no número de

propriedades com a superfície média a descer bastante No Algarve a evolução foi semelhante Lisboa é mais difícil de analisar (englobava Setúbal). Aqui predominava a média ou grande propriedade No Alentejo, ao contrário, o movimento foi no sentido do emparcelamento, sobretudo em Portalegre e Évora

que viram diminuir, quer o número de prédios quer o de proprietários Tudo revela o parcelamento, mesmo que limitado, enquanto se verificava a ocupação de terrenos baldios

A divisão da propriedade não implicou uma diminuição imediata das explorações agrícolas Existiam no Minho grandes propriedades cujo sistema de exploração era a pequena cultura, sendo divididas

em pequenas parcelas exploradas por rendeiros No Alentejo, e nos distritos de Lisboa, Santarém e Castelo Branco, existia, além da grande propriedade, a

grande cultura que, por vezes, abrangia mais do que um prédio

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

7

O valor total da propriedade rústica era, por volta de 1868, cerca de 19.000 contos. Acima dos l.000 contos estavam os distritos de Lisboa, Porto, Viseu, Santarém e Faro. Muito próximos desse valor, os dois distritos alentejanos de Évora e Beja

No entanto, as terras mais valiosas encontravam-se nos distritos da grande propriedade: Évora (c. de 20$000 réis por prédio), Lisboa (17$000), Portalegre (14$000) e Beja (12$800).

A pequena propriedade representava mais de 10% nos distritos de Braga, Vila Real, Porto, Viseu, Faro e, sobretudo, Aveiro e Guarda, enquanto a grande propriedade representa mais de 10% apenas nos distritos de Portalegre, Lisboa e Évora, com Beja e Bragança bastante próximas

Verifica-se a existência de cerca de l.300 grandes proprietários, comerciantes e industriais, concentrados sobretudo nas grandes cidades de Lisboa e Porto e nos distritos do centro e sul

2.1.5 - A propriedade urbana

Escasseiam dados. Em 1869, o valor colectável urbano era de 14,8%, contra 85,2% da rústica Os distritos de Lisboa e Porto distanciavam-se ao valor global do País (32% e 37%, respect.)

Houve crescimento urbano no séc. XIX que motivou o aumento do número de prédios urbanos O nº de fogos aumentou 73%, crescimento que não resultou em percentagem igual de aumento de

habitações, donde evidentes problemas habitacionais, sobretudo em Lisboa e Porto As famosas «Ilhas» do Porto e todo o desenvolvimento da construção civil em Lisboa

2.2 - Agricultura e Pescas

2.2.1 - A questão agrícola

2.2.1.1 - Área cultivada

A terra não aproveitada em Portugal sempre impressionou a opinião pública Era de 2/3 em 1819, 1/2 em 1867, 1/3 no inicio do séc. XX

Incluindo áreas habitadas, caminhos, cursos de água e superfícies improdutíveis (cumeadas, areais, etc.) Das transformações da paisagem agrícola surge a necessidade de a conhecer cientificamente Revela-se um movimento de arroteia, impulsionado em parte pela legislação proteccionista a partir de 1889

Em 1868 é publicado o primeiro esboço de um mapa das terras cultivadas e incultas Observa-se o grande aproveitamento de terras na Estremadura, vale do Mondego, lezírias ribatejanas,

grandes áreas de latifúndio à volta de Castelo Branco, Portalegre, Elvas, Évora e Beja e ainda o litoral algarvio

Salientava-se o Alentejo (grandes propriedades) com a maior superfície de terras incultas O aumento da área cultivada resultou ainda do arroteamento de terras baldias e inaproveitadas

Particularmente nas regiões minhota, estremenha, do vale do Mondego, e ribatejana No Alentejo a grande propriedade funcionava como travão às arroteias

A pressão demográfica favorece a apropriação individual de baldios e áreas comunais, dando origem a uma cada vez maior escassez de logradouros comuns e de matas para desbaste

2.2.1.2 - Estrutura da produção agrícola

Os principais produtos agrícolas eram os cereais, o vinho e os produtos animais Contudo houve alterações significativas ao longo da segunda metade do século XIX

O predomínio era dos cereais, superados na década de 50 pelo vinho Que viu a sua importância muito reduzida em consequência da invasão do oídio e da filoxera

A produção animal aumentou a sua importância relativa na estrutura da agricultura nacional A produção agrícola total registou uma taxa de crescimento anual, entre 1846 e 1912, de 0,66

Produtos animais (0,74) e vinhos (0,72) cresceram rapidamente, os cereais (0,51) menos De 1852 a 1870 houve um crescimento reduzido, ou mesmo uma baixa, traduzido numa crise agrícola.

2.2.1.3 - A questão cerealífera

O grosso da produção agrícola portuguesa cabia aos cereais panificáveis (milho, trigo e, a alguma distância, a cevada), embora o vinho e o azeite fosse igualmente de relevo

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

8

Estas culturas correspondiam a regiões distintas do País (Atlântico, Transmontano e Mediterrâneo) A produção cerealífera era preocupação constante de políticos, economistas e agrónomos

A importação de cereais tinha reflexos no preço do pão e, na mesma medida, no descontentamento das classes populares. O pão constituía o principal bem de consumo

De 1810 a 33 foi diminuído a importação de cereais, atingindo-se a autosuficiência de 1833 a 61 Chegou a exportar-se trigo para o Ultramar e para o estrangeiro

Estes excedentes resultaram de uma série de bons anos agrícolas, mas também de uma política proteccionista a partir de 1814-15 que culminou com as leis de 1821 e 37 (essencialmente aumentando os direitos aduaneiros para os cereais)

A superfície de cereais aumentou, de 1847 a 1867, em quase 250.000 ha, porém mais devido à substituição de culturas do que a novas arroteias

O esgotamento de solos pouco apropriados à cultura do trigo e uma população em crescimento tornaram insuficiente o cereal nacional: revoga-se a lei de 1837 e promulgam-se leis mais livre-cambistas (1856) que permitiam o recurso à compra no exterior sempre que necessário

Situação de dependência que duraria até finais da Monarquia e durante toda a 1ª República. O agricultor não conseguia concorrer com o preço do trigo importado. O milho era mais rentável

Os valores da produção de trigo mantiveram-se a níveis semelhantes até aos efeitos da legislação proteccionista da década de 80

As novas arroteias eram sobretudo para viticultura e pastagens, pois o gado atingiu bons preços A substituição de culturas foi compensada por novos terrenos de trigo, que também os houve

Havia um decréscimo do ratio per capita, a produção de trigo não acompanhava o crescimento populacional Em 1850 de 0,6 l/hab, desce até 1880 para 0,4 1/hab mantendo-se assim até ao fim da centúria

O preço do trigo tende a descer artificialmente (embora pouco) trazendo encargos ao Estado e consequências nefastas para a agricultura

A grave crise financeira por que se passou favoreceu uma nova série de medidas proteccionistas que culminaram com a famosa lei de 1899 (Elvino de Brito), implantando um regime de protecção à cultura do trigo, supervisionando alfândegas, aumentando tarifas e fixando preços

Diminuiu-se a importação e foi dado novo impulso às arroteias (que duraram até à I Guerra) «Lei benemérita/lei da fome» com escassez de cereal e aumento do preço do pão de 45 a 50%

Resultou num desbravamento de vastas áreas alentejanas e melhor distribuição da propriedade no sul do País Os resultados do proteccionismo cerealífero de 21 ou de 89 foram semelhantes:

- a curto prazo, aumento de preços e escassez, logo contrabando (sobretudo de trigo espanhol) - a longo prazo, expansão dos terrenos cultivados e aumento da produção.

2.2.1.4 - A questão vinícola

O vinho era um dos mais importantes produtos nacionais, único que se exportava em larga escala Em 75 a cultura da vinha cobria uns 200.000 ha (4% da área total cultivada) sobretudo na metade ocidental

a norte do Tejo, com 3 centros vinícolas: o Minho (verde), Alto Douro (Porto) e Estremadura e Ribatejo A organização da produção, as práticas e as técnicas agrícolas e comerciais pouco variaram

O desenvolvimento foi extensivo e deveu-se em grande parte ao fraco rendimento cerealífero face à crescente procura interna e externa de vinhos

A meados de 70, mantendo-se ainda 30% abaixo dos valores médios de produção anteriores ao oídio, o vinho era responsável por 25% da produção agrícola e 68% do seu crescimento

Os efeitos do oídio (1853) e da filoxera (1867) provocaram graves reveses De 1840 a 60 a produção desceu 62% (de 3 para l milhão de hl) devido ao oídio, sobretudo no litoral a

Norte do Tejo que viu a produção decrescer mais de 80% O Sul foi pouco afectado tendo mesmo aumentado a produção mais de 80%

É no Douro que aparece a filoxera (1867) devido a cepas importadas de França, mas devido às características geográficas da região, a doença não se espalhou até finais da década de 70

Chegou a atingir 1/4 da área vinícola do continente (90% na região duriense e zonas limítrofes) Além do Douro, a região mais afectada foi a dos distritos de Santarém e Leiria

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

9

O governo de Fontes Pereira de Melo ignorou a situação até 1878, quando se tomaram as primeiras medidas oficiais de combate ao flagelo. Os meios que deram resultado foram a submersão em água, o sulfureto de carbono e a aplicação de cepas americanas

Além da resistência à doença, as cepas americanas eram mais produtivas do que as europeias, contribuindo em boa parte para o alargamento da superfície vinícola e aumento da produção

A doença causou prejuízos enormes: destruição das vinhas de muitas regiões; agravamento dos custos de produção; fomento da vinha americana (quebra na qualidade e consequente depreciação); ruína de muitos viticultores (pequenos e médios); incentivo à emigração (despovoamento de muitas freguesias); consequências na balança comercial e finanças públicas

O vinho do Porto era o principal produto vinícola do País, devido às receitas a que dava origem Ao longo do séc. XIX perdeu gradualmente posição no mercado tradicional. A dependência para com o mercado inglês foi-lhe desfavorável (em 1800-09 abastecia 60% do mercado

inglês, no final do século, pouco mais de 20%) A recessão do comércio vinícola preocupou o País (respondia por 1/3 das compras ao estrangeiro)

Sucederam-se medidas económicas, políticas e diplomáticas para resolver a situação Com resultados poucos animadores a curto prazo – Porém as exportações aumentam na 2ªm séc. XIX e os mercados

brasileiro, francês e do norte da Europa aumentaram de importância O século XIX não foi favorável ao vinho do Porto: cresceram as dificuldades do seu escoamento e baixou o

seu peso nas exportações: de 74% em 1799-1803, para 36% no final do século

2.2.1.5 - Outras produções

A orizicultura foi uma das produções agrícolas que mais se desenvolveu (a partir de meados do séc), mas também aquela que maior polémica causou (problemas de insalubridade)

Acusados de serem responsáveis por muitos problemas de saúde, o governo tomou medidas restritivas ao avanço da cultura. Só a partir dos anos 70 recomeçou em bom ritmo a produção

Cultura lucrativa, o seu consumo aumentava largamente à medida que crescia a população e que se implantava nos hábitos alimentares

Lisboa, Portalegre, Santarém e Aveiro eram os distritos de maior produção Aumentou de 10 mil moios em 1849 para 18 mil em 52

A oliveira simbolizava bem a arboricultura mediterrânea Somente em casos pontuais a cultura da oliveira se apresentava como cultura especializada

Começava-se, contudo, a compreender que a técnica de o cultivo em combinação com outras culturas era de baixa produtividade, quer para as oliveiras quer para as culturas associadas

O Alentejo produzia 1/3 do azeite e outro terço vinha dos distritos de Lisboa, Santarém e Leiria, embora Castelo Branco, Coimbra ou Mirandela fossem centros de produção importantes

O interesse pela produção aumentou com o desenvolvimento da indústria de conservas de peixe Ao longo da 2ªm séc. XIX a produção de azeite cresceu (c. 70%), embora com oscilações

A batata, como cultura intensiva, foi introduzida em Portugal na 2ªm séc. XVIII Fixou-se sobretudo no Nordeste do País de onde irradiou para outras zonas Nas terras litorais a batata só começou a ser adoptada a partir de m. séc. XIX Só lentamente entrou nos hábitos alimentares das classes média e alta mas para as classes mais

desfavorecidas constituía um bom meio de resolver os problemas de subsistência A partir de 1831 importou-se batata do estrangeiro. Nos anos 50 Portugal tornou-se exportador

À medida que se caminhava para sul, ia-se verificando a substituição do binómio campo-prado pela associação campo-pomar-horta. Era na Estremadura que a horticultura encontrava maior implantação e expansão, não só pelas condições geoclimáticas mas também pela presença do grande mercado consumidor de Lisboa, em constante crescimento.

Embora dispendiosa, a cultura de legumes e vegetais, especializada, mostrava-se lucrativa A cultura hortícola rendia c. 130 mil rs/ha em Santarém, mas já 320 mil no distrito de Lisboa

As hortas tinham em geral menos de 1 ha, caracterizando-se por uma cultura muito intensiva Característica de Lisboa e arredores, mais longe as explorações hortícolas eram de maiores dimensões.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

10

Associada à horticultura encontrava-se muitas vezes a pomicultura, economicamente importante Importante em regiões do Douro, do Algarve e alguns pontos do litoral Oeste, era porém na Estremadura

que se encontravam os principais centros de produção frutícola Avultava a laranja (consumida em Lisboa e para exportação)

Foi a responsável pelo enriquecimento de muitos agricultores, sobretudo nos Açores. A partir dos anos 80 as dificuldades de escoamento e a concorrência no mercado internacional, de países não

europeus, fez diminuir os lucros Estes produtos, tal como a seda, estavam muito dependentes dos mercados externos

2.2.1.6 - Exploração florestal

A arborização do País foi uma das preocupações constantes ao longo do século XIX As principais espécies que compunham as florestas portuguesas eram o pinheiro (bravo e manso), o

carvalho, o castanheiro e o sobreiro Boa parte do Minho, o litoral Ovar-Leiria, parte do Alentejo central, o litoral algarvio (além de curtas áreas

da Beira Interior e Trás-os-Montes) consideravam-se razoavelmente arborizadas Contudo, só 15% da superfície do Continente se encontrava revestida de árvores

Novas arroteias e o crescente consumo de madeira para a construção civil, para aquecimento, para o caminho-de-ferro, ao lado da crescente procura de cortiça, levou a maior preocupação com o desflorestamento e maior interesse por parte dos proprietários na exploração da floresta

O valor da exportação de cortiça em bruto quadruplicou de 1851 a 1872 A exploração das matas era, aliás, bastante rentável.

Em 1868 sai um Relatório acerca da arborização geral do Reino

2.2.1.7 - Inovações agrícolas

O séc. XIX foi de enorme curiosidade científica e grande desenvolvimento das ciências e técnicas A ideia de progresso norteava o espírito de economistas e agricultores

A divulgação das novidades científicas acelerou-se com o aparecimento de revistas agrícolas e a criação de associações de agricultores (Sociedades Agrícolas, a Associação Central da Agricultura Portuguesa, fundada em 1860, e a Liga Agrária do Norte, de 1899)

Exposições e congressos chamaram a atenção do País para aspectos e problemas da agricultura Desenvolvendo também o espírito de competitividade entre os agricultores

O crédito agrícola e a rentabilidade de certas culturas facilitaram a renovação técnica agrícola (criação de Bancos agrícolas e, 1864, da Companhia Geral do Crédito Predial Português)

O desenvolvimento do ensino científico e técnico da agricultura contribuiu para a divulgação do aperfeiçoamento agrícola.

Em 52 criou-se o ensino agrícola em 3 graus: o mecânico, leccionado em quintas particulares, o artístico, dado em escolas regionais, e o científico, a cargo do Instituto Agrícola de Lisboa

As principais inovações técnicas respeitaram à adubação química e à mecanização Foi sobretudo nos anos 80 que se divulgou a utilização de adubos, aumentando em flecha o consumo. A importação aumentou de 638 t. (1882) para 29.000 t.(1900) e 68.000 t. (1904)

A partir da década de 40 começaram a introduzir-se em Portugal novos instrumentos agrícolas, levando a um aumento da produtividade: a charrua inglesa, o grande arado com uma aiveca, o pequeno arado com duas aivecas, o semeador, diferentes grades, o trilho de debulhar, etc. Esta introdução de maquinaria não se mostrou particularmente tardia no quadro europeu

A sua difusão foi, porém, lenta e irregular (custos não imediatamente compensadores) Introduz-se também a rotação prado-campo, em meados do século, beneficiando da alta simultânea dos

preços dos cereais e da carne

2.2.1 – Rendimentos e despesas agrícolas Deficientes estatísticas não permitem calcular rendimentos agrícolas precisos e comparáveis

O rendimento cerealífero não era uniforme em todo o País. A cultura de regadio era mais produtiva do que a de sequeiro.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

11

Variava conforme o cereal, técnica, práticas de cultivo e fertilidade da terra Era o milho que permitia rendimentos mais altos (de 25 por l a 40 por l, ou 12 a 15 hl por ha) O rendimento do trigo seria de 5 a 6,5 por l, subindo o rendimento para 10 a 15 por l nos aluviões do Tejo e

no «barro» de Beja, atingindo os 30 por l em terras muito bem tratadas Os fertilizantes permitiam maior produtividade: uma jeira passava de 10 para 24 a 30 alqueires se bem

adubada. Tal encarecia a produção, mas era compensado pelo lucro obtido. Até a batata se mostrava mais produtiva do que o trigo

Um ha produziria 145 alqueires de trigo (no valor de 72$500) contra 2.066 alqueires de batata (103$300) Muitos proprietários acreditavam que as suas terras não rendiam suficientemente e que era muito mais

proveitoso aplicar o capital em transações comerciais ou outras especulações Em 1866, contudo, a Revista Agrícola demonstrava que a vinha podia render 9 a 11% do capital

empregado, quando a ideia geral era de que a terra não rendia mais que 3 a 4%. O mesmo com, p. ex., os sobreiros. O rendimento líquido ascendia a 116$000 réis/ha só com a cortiça e

bolota, o que excedia em muito a cultura mais produtiva. Além disso, mil sobreiros produziam uns 5.000 alqueires de bolota que davam para cevar 100 porcos Só que, vinha (5 a 7 anos) e sobreiros (40 a 50) demoravam a tornar-se produtivos. Era investimento de proprietários ricos

2.2.2 – A pecuária

Em 1864 a nossa agricultura era pobre de gados e esta seria uma causa do seu atraso considerável e da pouca produtividade das terras

Havia um consumo diminuto de carne, e pouca escolha a de que faziam uso Ideia de base radicada na 2m XIX foi a de que a pecuária só poderia desenvolver-se graças a uma articulação

com a agricultura: esta fornecia os pastos, os animais dariam o estrume O desenvolvimento da pecuária estava assim relacionado com o incremento dos prados artificiais, cuja

introdução não foi pacífica A área de prados permanentes era de c. de 30.000 ha l,5% do total da área de pastagens

A partir de 1868-70, a descida do preço dos cereais facilitou o avanço das pastagens Simultaneamente assistiu-se a um aumento dos preços do gado

Os recenseamentos do gado efectuados em 1851-52 e 70 demonstravam uma quebra no efectivo, passando de pouco mais de 5 para c. de 4,5 milhões. Em 1906 atingia já os 6 milhões

Com maior aumento de efectivos nas espécies cavalar, muar e asinina, revelando a cada vez maior necessidade de transportes

O gado bovino surgia como o de maior peso económico: 13 mil contos em 1870 (55% do total) De 1847 ao início da década de 70 há uma crescente exportação de gado bovino (p/Inglaterra)

Em 1870 há concorrência de carne congelada americana e, em 80, Austrália e Nova Zelândia

2.2.3 – As actividades piscatórias

As condições naturais não são muito favoráveis, mas a longa costa nacional, bastante povoada, fizeram que a pesca fosse uma das principais actividades económicas

O peixe, ademais, ocupava lugar importante na dieta alimentar dos Portugueses Uma indústria conserveira em crescimento facilitava o desenvolvimento da actividade piscatória

Entre 1844 e 57, o rendimento bruto da pesca oscilou entre 712 e l.200 contos. Em 1892 ascendia aos 3.250 contos, quantia deveras considerável

A sardinha, apesar de ser um peixe barato, ocupava 36% da totalidade do valor A pescada e o atum tinham também peso no conjunto. A baleia e o cachalote tinha sobretudo importância

na economia dos distritos de Angra do Heroísmo e da Horta (com 22% do valor) A pesca fluvial representava menos de 5% do pescado

A pesca do bacalhau nos mares do Norte verificou algum desenvolvimento nas décadas de 30 e 40, retomado a partir dos anos 60. Mas as pescarias dos portugueses não chegavam para suprir o consumo nacional importando-se do estrangeiro grandes quantidades de bacalhau

A frota dos 2 principais armadores pescava l.700 t/ano entre 1896 e 01, importando-se 21 mil

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

12

A pesca teve um surto de desenvolvimento ao na 1m do séc XIX, graças à legislação produzida Em 1802 tornou-se livre a actividade da pesca, costeira ou em mar alto, a todos os Pescadores Em 1830 estimulou-se a criação de novas companhias de pesca abolindo-se impostos sobre o pescado em

navios nacionais e os privilégios de que gozavam algumas entidades particulares A fiscalidade sobre a pesca voltou a ser agravada em 1842 («imposto de pescado»)

2.3 – As fases da industrialização O desenvolvimento da indústria constituiu uma das características do Portugal Oitocentista

Desenvolvimento inseguro, ao sabor das conjunturas nacional e internacional, mas indiscutível, com cronologia conhecida: Entre 1812 e 26 verificou-se um 1º arranque industrial, atestado por alguns indicadores claros

Entre 1813 e 23, os indícios de progresso técnico e de transformações económicas e sociais são suficientemente claros: criaram-se novos estabelecimentos industriais e surgiram as primeiras tentativas de aplicação de máquinas a vapor, tentando sair da grave situação económica

A partir de 1825 e até final dos anos 30, o crescimento industrial regrediu, sobretudo em consequência da independência do Brasil, da progressiva perda dos mercados ultramarinos e da instabilidade política até ao fim da guerra civil de 1832-34.

A finais dos anos 30 retomou-se o processo que terá durado, sensivelmente, até ao início dos 60 Boa parte dos «economistas políticos» considerava P um país agrícola mas a partir de 1830 iniciou-se a

defesa consciente de um modelo «industrialista» Associado a esse modelo estava a necessidade de proteger o mercado nacional, gerando-se um

«unanimismo» a respeito do proteccionismo como meio de desenvolvimento, por um lado, e de angariação de capitais com os direitos alfandegários, por outro

Existiu uma relação clara entre a pauta aduaneira (proteccionista) de 1837 e o surto industrial moderado que se fez sentir nos anos seguintes, particularmente depois de 39, com Costa Cabral, olhado pela Coroa e pela Direita como garantia de ordem e de prosperidade

Investiram-se capitais na indústria, arriscaram-se unidades de produção de maior envergadura e introduziu-se o vapor, sobretudo na indústria têxtil

Incremento industrial mais forte em Lisboa. No Porto a indústria tradicional cresceu quase só em extensão, mantendo-se, com pequenas alterações, pouco receptiva ao vapor

O estabelecimento da pauta alfandegária de 1837 sobre os principais produtos de importação, alimentares ou manufacturados, foi a 1ª medida eficaz de incentivo à indústria após o funesto tratado de 1810 que abriu os portos de Portugal e do Brasil ao comércio internacional

Esta pauta provocou alguns desenvolvimentos na indústria: - Modernização em equipamentos das fábricas que iniciaram a sua actividade após 1837 - Rápida expansão da máquina a vapor na indústria portuguesa - Grande aumento da indústria de fiação e tecelagem do algodão - Grandes possibilidades de incremento da indústria de fundição - Aumento sensível de operários e dos seus salários - Descida dos preços, devido à concorrência interna e à melhoria dos processos de fabrico Hás efectivamente um crescimento moderado até começos de 70, resultado de novas fábricas, ao recurso à

energia a vapor e a formas de organização marcadamente capitalistas A partir da década de 70 assiste-se a um mais rápido crescimento industrial (entrando pelo XX)

Crescimento devido sobretudo à multiplicação das pequenas oficinas e a um aumento significativo da procura interna, motivada pelo crescimento do produto interno per capita (devido à prosperidade agrícola).

O surto da grande e média indústria (mormente em Lisboa) aparece associado à viragem política à Direita operada a partir em 39 e à legislação pautal proteccionista de 1837 e 1841

A partir de 60, a indústria portuguesa entrou num período de estagnação: - Crise agrícola devido ao problema vinícola, com retracção na procura interna - Escassez e carestia de matérias-primas (crise algodoeira) - Falta de capacidade da burguesia em promover os seus próprios interesses

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

13

- Escassez de capital disponível - Lacunas na instrução e formação de quadros técnicos

No período de 1852 a 1892, considerado como livre-cambista, não faltou a protecção, mesmo quando as intenções eram livre-cambistas. Porém ela era mal canalizada para algumas indústrias que tinham dificuldade em se impor internacionalmente

Depois de 1870, entrou-se num período de nítido e rápido crescimento que duraria até cerca de 1913 - Alargamento dos mercados - Crescente divisão do trabalho - Desenvolvimento de uma moderna rede de transportes - Aparecimento de um sistema bancário mais eficiente - Utilização de técnicas modernas por parte dos vários sectores Tudo isto foi possível com um grande investimento de capitais

Verificou-se então uma taxa de crescimento como não tinha existido antes, mesmo considerando a um nível europeu (embora não chegasse ao nível da Rússia, Suécia ou da Alemanha, ultrapassou o crescimento da Inglaterra, França, Espanha ou Itália, sem esquecer que estes países tinham já desenvolvido a sua indústria muito mais cedo)

O Inquérito Industrial revelava a existência de l.000 unidades fabris (empregando 10 ou + pessoas), situados sobretudo nos distritos de Aveiro, Castelo Branco. Leiria, Portalegre, Santarém e, claro, Lisboa e Porto

O total era de cerca de 50 000 pessoas, sendo 49 mil nestes distritos. Não se recenseavam as pessoas que trabalhavam em casa, particularmente importantes no caso dos têxteis

A indústria têxtil (algodões, lanifícios e linhos) ocupava quase 60% do total dos cerca de 13.000 trabalhadores recenseados, seguindo-se a indústria cerâmica com 15%

Fora da capital do Reino e da cidade do Porto, salientavam-se pela importância económica as cerâmicas dos Pinto Basto, em Ílhavo, as mantas de lã da Guarda, os lanifícios da Covilhã, as fábricas dos Larcher, em Portalegre, e os do conde de Farrobo na Marinha Grande e ainda os curtumes, espalhados por toda a parte, mas concentrados sobretudo no distrito de Leiria

Assim, vidros, louças, papel, couros, lãs e linhos, eram as principais indústrias da província Em 1840, contudo, produzia-se uma muito limitada gama de artigos e das qualidades mais baixas

Para estes produtos havia, porém, um mercado interno que necessitava de ser protegido da concorrência dos produtos estrangeiros, mais baratos

Em 1910 já a estrutura era diferente: os têxteis tinham descido para cerca de 55% (70% em 1852), aparecendo agora com uma certa importância os sectores das conservas de peixe, da cortiça e da alimentação, tendo subido o número de trabalhadores empregues na «indústria» corticeira e na metalúrgica

2.4 – As mudanças nos transportes e comunicações O desenvolvimento económico do País ao longo do século XIX, ficou a dever-se, em grande parte, aos

progressos verificados nos transportes e nas comunicações Construção de estradas, caminhos-de-ferro, portos, ligações telegráficas e telefónicas e outras

Sobretudo a partir da Regeneração de 1851 As primeiras iniciativas são de 1834 e 38. Em 44 surge uma Companhia das Obras Públicas de Portugal

(para construir e reparar estradas). Com os governos cabralistas (1842-46 e 49-51), constrói-se a ponte pênsil do Porto e faz-se o melhoramento da barra do Douro. Com o «Fontismo» (71-77,1878-79 e 1881-86) surge uma política estruturada de obras públicas

2.4.1 – A s vias terrestres

Com o caminho-de-ferro, as estradas mantiveram-se as principais vias de comunicação do País Em 1852, Fontes é o 1º ministro das Obras Públicas; as estradas macadamizadas tinham 218 km

Quatro anos depois, quando deixou o cargo, existiam 678 km com 120 em construcção Em 1882-3, eram 5 000 km, atingindo-se os 15 000 km em 1909-10

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

14

Em 1850 foi aprovada a 1ª lei sobre a moderna rede de estradas: classificadas em 1ª classe, ligando Lisboa às capitais de distrito ou a «pontos importantes do reino vizinho»; 2ª classe, unindo as capitais de distrito entre si e a vilas ou portos importantes; caminhos municipais e vicinais

Podiam ser construídas directamente pelo Estado ou pela adjudicação a empresas e empreiteiros Para financiar a sua construção e conservação recorreu-se ao aumento de impostos (nomeadamente a décima),

angariação de outros (sobre criados e cavalgaduras) e a portagens As receitas não foram, porém, suficientes e, logo em Outubro de 1853, se contraiu o primeiro de uma série

de empréstimos externos que permitiram desenvolver a rede viária do País Antes de 60 cada km custava quase 5.000 réis, empregando mais de 6.000 homens

Antes do plano viário nacional, as estradas avançaram por grandes eixos, concluindo-se a ligação da capital ao Norte e à Espanha através de Elvas.

Preferiram-se as vias que tinham maior tráfico e que revertessem em interesse geral do País Em 1867 surgiu novo decreto que alterou a denominação das estradas, especificou pormenores e indicou as

que deviam ser construídas nos 5 anos seguintes: estradas reais ou de 1ª ordem as que ligassem Lisboa às capitais de distrito ou à fronteira, distritais ou de 2ª ordem as que ligassem os portos, vilas ou cidades importantes às de 1ª ordem; estradas municipais

Fixou-se uma dotação anual no orçamento do Estado para a sua construção A intenção era construir grandes eixos, ligando as cidades entre si ou a rios navegáveis A construção das estradas municipais, divididas em 1864 em caminhos concelhios e vicinais, mostrou-se

muito mais lenta do que a das reais, devido às menores verbas concedidas Há multiplicação de pequenos lanços dando acesso às estações de caminho-de-ferro

Não se pensava que as estradas pudessem substituir os caminhos-de-ferro nas áreas não atravessadas por estes. Optou-se assim por construir pequenos lanços dando acesso aos comboios

2.4.2 – O caminho-de-ferro

Os caminhos-de-ferro portugueses começaram tarde e progrediram lentamente Em 1856 foi aberto concurso público para o primeiro troço: de Lisboa ao Carregado Em 1880 existiam já 1.177 kms, em 1900, 2.371 e, em 1910 2.878

De 1851 a 59 houve um período marcado pela dificuldade de financiamento externo e pela hostilidade inglesa a uma ligação terrestre de Portugal com a restante Europa (pondo em causa o monopólio das comunicações marítimas)

De 1859 a 66, com capitais franceses aplicados na Cª Real de Caminhos-de-Ferro, foram rapidamente construídas as linhas do Norte e Leste, ligando Lisboa a Vª Nª de Gaia e a Badajoz

Os rendimentos foram bem inferiores aos esperados, colocando a Companhia em dificuldades Com a ponte ferroviária do Douro (1876) o panorama melhorou

De 1867 a 1876 foram construídas as linhas do Douro, Minho, Évora e Beja Em 1885 Portugal tinha uma das taxas mais baixas de CF/km2 da Europa. Rede deficiente e atrasada.

Avançou-se com mais rapidez e, em 1910, o País encontrava-se razoavelmente bem coberto O objectivo principal da construção foram as ligações além fronteiras A intervenção directa do Estado na construção das vias foi determinada por situações de crise internacional

que desmotivavam licitantes e obrigavam os governos a assumir esse encargo

2.4.3 – Os transportes fluviais e marítimos

Amplos melhoramentos na navegabilidade dos rios em meados do século XIX Estavam afastados, pelo menos um dia, de qualquer curso navegável 1/3 a 2/5 do território

Assoreamento, aumento da tonelagem, barras difíceis e irregularidades dos caudais dos rios contribuíram para o declínio do tráfico fluvial

A navegação de cabotagem conheceu progressos, com melhoramentos nos portos e faróis Construiu-se o porto artificial de Leixões (84-92). Por 87 desenvolveu-se o de Lisboa

Entre 1850-1910 há 4 fases no processo de organização portuária e na navegação de cabotagem:

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

15

- 1) 1848-68 – forte dispersão da actividade portuária, com o porto de Lisboa à cabeça, destacando-se o movimento marítimo de cabotagem - A maior parte dos barcos era ainda à vela e a tonelagem média mostrava-se reduzida;

- 2) 1877-1891 – Na costa norte ocidental aumenta o movimento em todos os portos, na costa mais a sul acentuou-se a concentração do tráfico, sobretudo de longo curso, no porto de Lisboa

Com o comboio aumentou o movimento de certos portos, alargando-se o seu hinterland: - 1892-1900 – Salientou-se o porto de Leixões, concorrendo com o de Lisboa. Os dois concentravam o tráfico de

longo curso e de cabotagem; - 1901-1910 – Continuou a concentração portuária, sobretudo de longo curso. A navegação de cabotagem diminui

O comércio portuário externo aumentou e o interno estabilizou (concorrência das novas vias) Há melhoramentos a nível das condições de navegabilidade (faróis)

Na década de 90 empreendeu-se a iluminação da costa portuguesa (até então, «costa negra»)

2.4.4 – Outros meios de comunicação

A telegrafia eléctrica foi das primeiras iniciativas da política de fomento do «Fontismo» Em 1855 foi feita uma exploração experimental entre a Estação do Terreiro do Paço, o Palácio das Cortes,

o Palácio das Necessidades e Sintra. Foi aberta ao público em 1857 Em 1860 eram já c. 2.000 km de rede ligando os principais centros urbanos. Em 1900, c. 8.000 O nº de telegramas emitidos passou de 139.000 em 1870, para l.376.000 em 1911

Em 1870 inaugurou-se o primeiro cabo submarino entre Portugal e a Inglaterra No ano seguinte foi dada concessão para instalar outro entre Lisboa, a Madeira e Cabo Verde

O serviço da Mala-posta iniciado em 1798 falhou em 1804 Em 1821 tentou-se de novo, entre Vª Nvª da Rainha (onde se chegava de Lisboa a vapor) e Caldas da

Rainha, e entre Aldeia Galega e Badajoz. Só a meados do século é que passou a funcionar normalmente, com o estabelecimento, em 1852 («fontismo»), da ligação Lisboa-Porto

Em 1852 realizou-se uma reforma postal com o pagamento prévio do porte mediante o uso de selos na correspondência. A distribuição domiciliária de correio iniciara-se em 1833.

Em 1877 iniciou-se o uso dos bilhetes-postais. Correios e Telégrafos uniram-se numa única empresa em 1880

Portugal foi um dos primeiros países a introduzir o telefone em 1877 (linha experimental Escola Politécnica-Observatório da Ajuda (Alexandre Bell registara a patente em 1876)

Em 1882 foi adjudicada a primeira concessão, à Edison Gowel Bell Telephone Company of Europe, com linhas em Lisboa e no Porto. Depois, passou a concessão para a Anglo-Portuguese Telephone Company. Em 1904 ligou-se Lisboa com o Porto. Fora destas cidades a rede era explorada pelo Estado. Em 1910 havia 6.000 assinantes.

Grandes mudanças, porém, seriam consequência da evolução dos meios de transporte (CP princ) A mala-posta Lisboa-Porto desaparece em 64 com a ligação de comboio Lisboa-Vª Nª de Gaia

2.4.5 – Consequências do desenvolvimento dos transportes

Provocaram transformações importantes na economia, na sociedade e nas mentalidades Os tempos de viagem reduziram-se, tal como o preço Esbateu-se o isolamento e o regionalismo de muitas áreas A circulação interna de produtos e de ideias intensificou-se, consolidando-se o mercado interno Agilizaram-se as determinações de tipo económico-financeiro entre grandes centros e o interior O contacto com o estrangeiro (telégrafo, correio, mar e comboio) foi melhorado e intensificado O tráfico aumentou enormemente

Pode dizer-se que foram as transformações verificadas nos transportes e comunicações que possibilitaram o desenvolvimento económico que o País experimentou ao longo do período

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

16

2.5 – Comércio e Preços

2.5.1 O comércio interno

O comércio interno nacional era deficitário e o seu desenvolvimento entravado por falta de infra-estruturas básicas, entre as quais:

Meios e vias de transporte, instituições financeiras, um sistema métrico normalizado Não há falta de oferta ou de procura interna, há dificuldade de aceder aos mercados

Existia um País com uma economia comercial interna de mercados locais, comércio a curta distância e uma procura pulverizada, que favorecia apenas o pequeno comércio

Assim, os contemporâneos denunciavam como uma das principais causas do atraso económico português, o pequeno desenvolvimento do comércio interno

Contudo, apesar das más condições de comunicação, as mercadorias circulavam regularmente Era também toda uma diversidade regional que condicionava o comércio interno

Até surgir a alternativa do comboio, existia uma supermacia dos transportes marítimos e fluviais Com relativa comodidade, grande volume transportável, rapidez e baixo preço

Assim, os limites de navegabilidade adquiriam importância primordial para as zonas do interior O custo dos transportes terrestres podia ser mais do dobro (dependente do clima, etc.) Entre 1/3 e 2/5 do território nacional restava afastado, pelo menos um dia de um curso de água

As regiões com menos acesso aos meios de transporte fluviais eram tradicionalmente agrícolas (trigo alentejano, batata da Beira Alta e da Terra Fria duriense)

Assim, parte considerável da produção agrícola era bastante onerada pelos custos do transporte O acesso dos produtos litorais ou importados ao interior sofria ainda da morosidade da navegação ascendente

e no reduzido número dos percursos navegáveis Estas dificuldades reflectiam-se no preço das mercadorias, acabando por ter um certo papel benéfico, ao

proteger algumas produções locais, incentivando as indústrias do interior O comércio costeiro encontrava-se claramente dominado pelos portos de Lisboa e do Porto (80%)

No entanto era pouco volumoso o movimento de cabotagem entre as duas. Lisboa exportava mais do que importava, acontecendo precisamente o contrário no Porto

Setúbal, por vezes, chegava a superar os valores do Porto A construção dos ferrocarris diminuíram a Cabotagem, mas a tonelagem, de 1856 a 72, aumentou de 305 para

457.000 m3 (c 1/3), embora o nº de entradas e saídas de navios diminuído. De 69 a 73 o volume de mercadorias transportadas na rede viária aumentou de 235 para 385 mil t (63%)

Os mercados aproximaram-se, rompeu-se o isolamento de muitas regiões Os produtos mais facilmente deterioráveis passaram a poder ser transportados para mais longe Os preços sofreram alterações implicando profundas mudanças na oferta e procura comerciais e na

ampliação do mercado nacional As grandes linhas de transportes influíam sobretudo no comércio interno de longa distância: abastecendo

Lisboa e Porto, levando aos portos os produtos a exportar e distribuindo pelo interior os bens essenciais, quando regionalmente insuficientes

Grande parte do comércio interno – embora talvez o de menor expressão económica – concretizava-se nas feiras e mercados de que o País estava pontilhado

Nas feiras anuais sobressaía do conjunto a zona da região «saloia». O interior estava bem provido de feiras anuais que tendiam a evitar acidentes geográficos e a procurar centros de confluência demográfica e mais fácil acesso

As feiras mensais concentravam-se sobretudo no norte litoral. No NE realizavam-se feiras de menores dimensões e periocidade, com os tímidos excedentes locais. No sul eram de maiores dimensões e com uma área de influência mais larga

As grandes feiras viviam sobretudo do comércio de artigos de «luxo» e de gado, enquanto nos mercados e outras feiras se comerciavam essencialmente géneros de primeira necessidade

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

17

Eram também locais privilegiados de sociabilidade e que, muitas vezes, enquadravam a sociedade camponesa. Ostentava-se riqueza, trocavam-se produtos, definiam-se influências, contratavam-se casamentos, etc. Aí se encontravam também grupos mais ou menos marginais, de pobres, ciganos, vendilhões, ociosos, malfeitores.

Toda a complexidade do mundo rural sobressaía nessas ocasiões, impondo a regulamentação institucional que cabia quase sempre às edilidades.

Fora das feiras e mercados, existiam algumas lojas (mais nos centros urbanos) e bufarinheiros

2.5.2 – O comércio externo Problemas deste estudo são as interpretações da política de pautas alfandegárias, o relacionamento comercial

com a Inglaterra e os efeitos económicos da independência do Brasil Pautas alfandegárias e comércio com a Inglaterra: Com o tratado de comércio luso-britânico de 1810, o governo português no Brasil regulou o comércio com a

Grã-Bretanha concedendo-lhe privilégios alfandegários Ao findar a guerra, o tratado revelava-se pouco favorável à Metrópole, surgindo (1815) a consciência da

necessidade da sua revogação, que viria a acontecer em 1834 (Silva Carvalho), nivelando-se os direitos alfandegários exigidos às outras nações com os da Inglaterra

Em 1837, o tratado foi efectivamente abolido, entrando em vigor uma Pauta Geral proteccionista, preparada pelos governos governos cartistas e confirmada pelos Setembristas (1839)

A Pauta Geral foi revista em 1841, reforçando o proteccionismo alfandegário Um novo tratado com a Inglaterra veio a ser assinado em 1842, mantendo-se a Inglaterra sujeita, como

todos os outros, à pauta geral de 1841 Nas décadas de 1830 e 40, o proteccionismo converteu-se numa prática unânime da política económica

externa, partilhada pelos dirigentes, pelas elites económicas e pela opinião pública Apenas os comerciantes de vinho do Porto se ergueram a partir de 1840, contra a Pauta Geral, reclamando

privilégios para o comércio inglês. Mas não tiveram grande expressão Foram pois os Cartistas, agregando a aristocracia, grande burguesia, grande comércio, finanças e

funcionalismo civil e militar, tradicionalmente acusados de pró-ingleses, quem levou à prática a política proteccionista do país, e não os seus acérrimos defensores teóricos, os Setembristas, apologistas da Constituição de 22, onde predominavam os pequenos e médios industriais, comerciantes, agricultores, funcionários, profissões liberais e, geralmente, o povo

A partir de 1852, a Regeneração terá inaugurado um discurso oficial de teor livre-cambista, que só seria alterado a partir de 1892, no rescaldo de uma das mais sérias crises económicas do País

Discurso que não passava de intenções, pois, na prática, desde 37 as alfândegas nacionais nunca deixaram de cobrar elevadas tarifas aduaneiras sobre os principais produtos de importação

Características do comércio externo português no século XIX. A independência do Brasil Após a grave crise de 1806-7, os valores do comércio com o exterior não pararam de descer até meados do

XIX, ressentindo-se da forte depressão geral sentida entre as décadas de 1810 e 30 Esta ruína deveu-se particularmente à independência do Brasil e à queda do comércio com as outras colónias

nacionais, que foi igualmente brutal A quebra do comércio fez baixar as receitas alfandegárias, dificultando as finanças do Estado

Com a perda do Brasil, Portugal perde um grande mercado para os seus produtos, mas também o papel de intermediário entre o Brasil e a Europa. Em 1822 os valores do comércio externo português estagnaram nos níveis mais baixos. Lisboa viu as suas trocas com o Brasil reduzidas para ¼, e o Porto para ½

Desde inícios do século até meados, a Inglaterra ganhou um volume preponderante no total do comércio externo, sobretudo nos anos 30, com o seu peso passou a rondar os 57-58%

Os outros países quase nada representavam na balança comercial portuguesa Os valores globais do comércio externo, entre 1839 e 51 tendem para uma diminuição do défice da balança

comercial, mas as profundas oscilações escondem apenas uma estagnação

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

18

A evolução positiva da balança comercial fez-se sobretudo à custa de um aumento nas exportações, cujo valor cresceu mais que as importações. Diferença mais nítida no comércio com a GB, revelando uma certa tendência para o aumento da vinculação comercial com aquele país apesar do proteccionismo nacional

As medidas alfandegárias decretadas entre 1837 e 47 pareceram ter assim resultado: as receitas provenientes das alfândegas aumentaram, as importações cresceram embora lentamente, as exportações aumentaram consideravelmente e o défice diminuiu

As importações portuguesas na década de 40 não sofreram alterações significativas na sua composição: 60% de têxteis e de alimentos com 75% do total vindo de Inglaterra

O fraco poder de compra e as lentas alterações do aparelho produtivo tornavam o País um mercado pouco diversificado e conservador. Contudo há um aumento considerável da rubrica «metais e carvão» e a uma diminuição de têxteis, vaticinando marcantes alterações no futuro

Na composição das exportações acentuou-se a concentração: o vinho em 1º (49,5%, com 61,2% das exportações para o UK), a grande distância as frutas e legumes (9,5% e 13,5%), depois cortiça, azeite e sal (9%)

Ao longo da 2m XIX e até 1913, o comércio externo da maioria dos países europeus expandiu-se Portugal não foi excepção (aumento em volume cerca de 2,8% ao ano)

Entre 1856 a 1866 o volume cresceu lentamente. A partir de 1866 há um crescimento excepcional que durou até 1886 A seguir, e até 1913, o volume de exportações voltou aos níveis da década de 1856-66

A inserção de Portugal no mercado mundial foi bastante tímida As dificuldades às exportações portuguesas prendiam-se, sobretudo, com os problemas económicos internos,

associados a uma mudança no mercado internacional de produtos agrícolas e às alterações estruturais verificadas na agricultura de muitos países europeus

A carne da América do S. prejudicou um dos nossos melhores produtos de exportação: o gado As exportações eram sobretudo canalizadas para a Grã-Bretanha, contudo, dos quase 50% nos finais dos 70,

desceram para cerca de 23% nas vésperas da I GG As exportações para o Brasil atingiam níveis elevados (17 a 24%). Para as colónias africanas os produtos metropolitanos aumentaram as suas vendas, passando de 1% em 1840-

49 para 15,1% em 1905-14 Na composição das exportações predominavam os produtos alimentares trabalhados (conservas, azeite,

farinha, vinho) com mais de 50% a meados do século O vinho, sobretudo o vinho do Porto, era o principal produto que, porém, viu o seu peso diminuir na 2m

XIX, atingindo apenas 43,6% no período de 1905-14. Em contrapartida, aumentou a exportação de gado, frutos e vegetais, peixe fresco e salgado e sal, que passaram de 12,7% (1840-49) para 20,1% (1905-1914)

A exportação de manufacturas declinou nos anos de 50 a 70, para recuperar algo a partir dos 90 Portugal exportava sobretudo produtos primários, enquanto as suas importações eram essencialmente de

produtos manufacturados e industriais O volume e o valor das importações cresceram na 2m XIX, até 1913 (cerca de 2,5% ao ano) As importações portuguesas eram oriundas sobretudo da Grã-bretanha, tendo, ao longo do período,

decrescido de 59,5% (1840-49) para 28,3% (1905-14) Do Brasil, as compras portuguesas passaram de 14,9% (1840-49) para apenas 2,4% (1905-14)

Em contrapartida, passou-se a importar mais da França, da Alemanha e dos EUA Contrastando com as importações de produtos industriais, as importações de manufacturas sofreram fortes

variações, sobretudo nos anos 90, quando decaíram enormemente, resultado da crise financeira que o País atravessava e também, da crise das relações com a Inglaterra

Os produtos alimentares viram as suas importações aumentadas até 1879, seguindo-se um período de estabilidade até meados dos anos 90, quando começam a subir novamente.

A balança comercial portuguesa com a Inglaterra foi positiva ao longo da 2ª metade do séc. XIX (Porto) Com os outros países era normalmente negativa, salvo com a França na década de 1880 (vinhos)

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

19

2.5.3 – Os preços

Depois de atingirem um máximo em 1811, a tendência dos preços foi para baixarem até 1852 Até 1856, assistiu-se assim a uma subida rápida dos preços, estabilizando numa tendência altista A partir de 1889, os valores do índice geral de preços voltaram novamente a subir até 1903

Fases: a) descendente, de 1811 a 1849; b) ascendente, de 1850 a 1867; c) descendente, com pequena incidência, de 1868 a 1888; d) ascendente, de 1889 a 1912

Evolução idêntica ao que se passava na restante Europa, mas com maior amplitude de valores Contudo, a partir de 1856 houve alguma dessincronização e no 3q XIX, em Portugal iniciava-se uma grave

crise, não acompanhando o país o tradicional trend secular descendente, provavelmente porque a economia nacional, essencialmente assente no sector primário, com um fraco índice de urbanização e um baixo nível técnico não permitia grandes ganhos de produtividade. Daí que a oferta não superasse as necessidades de uma população em aumento. A fase ascendente dos preços que se verificou a partir de meados da centúria, foi mais rápida e precoce nos preços dos

produtos agro-alimentares do que nos industriais. Estes começaram a descer a partir de 1873, mantendo a tendência até 1896, data em que inverteram o sentido. Os preços agrícolas estabilizaram em torno de meados da década de 1860, para iniciarem uma fase ascendente mais cedo, após 1889

Conclui-se que a diferença do trend nacional em relação ao europeu se deveu, sobretudo, ao peso do sector primário, incapaz de aumentar a produtividade

Podem definir-se os seguintes períodos de crise económica (segº D. Justino): 1819-1821 – baixa dos preços agrícolas, resultado das dificuldades de escoamento e de comercialização e da

concorrência dos cereais estrangeiros. Sentido em todo o sector primário 1830-1850 – após a vitória liberal (guerra civil 1832-34), verificou-se um período de instabilidade de preços

que teria condicionado as conjunturas económica, política e social. Todavia, a partir da crise de 35-36, assiste-se a um baixar dos preços e novo surto industrial Reformas fiscais e dos forais provocam a agitação social que desembocaria na Patuleia (46-47) Passada a escassez da produção, verificada em 44-45, voltou-se, em 48, à abundância Os preços, porém, continuavam com tendência para a baixa, originando problemas de escoamento e de

remuneração das colheitas Situações díspares, efeito do culminar de um movimento desestruturador da economia nacional e das

primeiras iniciativas estruturantes bem sucedidas, consubstanciadas na Regeneração 1853-1858 – a partir de 1853 e até 56 os preços subiram em flecha, sobretudo devido ao oídio (53), às más

colheitas de 54, 56 e 58 e às epidemias de cólera morbus e de febre amarela A agitação popular voltou a fazer-se sentir, embora de menor grau

1862 – foi uma crise essencialmente industrial devida ao elevado preço do algodão provocado pela Guerra da Secessão (61) norte-americana

No Norte cresceu o proletariado desempregado, enquanto a diferente estrutura económica do Sul possibilitava uma melhor resistência à crise. Surgem novos tumultos populares: contestação aos impostos, resistência à introdução do sistema métrico e à legislação sobre os bens de confrarias e irmandades religiosas.

1867-1870 – período de crise levantado pelo lançamento do chamado imposto de consumo e os movimentos sociais que provocou («Janeírinha»)

Associou-se a uma alta cíclica de preços, ao aumento do deficit comercial, ao agravamento das contas do estado e à retracção da maioria das operações bancárias

1876 – sucede-se a uma aparente prosperidade financeira verificada entre 72 e 75, que não tinha real base de sustentação, e a que se contrapunham dificuldades em vários sectores agrícolas (excepção na exportação de gado bovino) nomeadamente no sector vinícola (filoxera)

1886 a 1891-2 – marcados pela baixa geral da maior parte dos preços, inclusive os industriais Há uma depreciação dos bens agrícolas, que esteve na origem da grave situação da agricultura,

particularmente da mercantilizada, no final da década de 1880 É fundamental o papel da crise agrária na crise geral da sociedade portuguesa, claramente definida desde

1884 (preços em quebra acentuada) e que culminou na crise financeira de 1891-92

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

20

Como causas imediatas estão a revolução brasileira (1889), a baixa do câmbio sobre a praça de Londres (ágio do ouro) e, sobretudo, o cada vez mais insuficiente produto agrícola

3. – As Finanças Públicas

3.1 – Política Financeira O estado das finanças públicas mereceu a atenção dos governantes liberais desde o início.

Havia grande descalabro nas finanças públicas e perigo de bancarrota. À confusão entre rei e Coroa contrapunha-se agora uma clara definição das finanças do Estado. Os governantes eram responsabilizados perante o Parlamento.

O equilíbrio financeiro foi a grande preocupação dos ministérios no séc. XIX e começos do XX. De 1820 e até ao triunfo definitivo do liberalismo (1834) a situação instável do país não permitiam um eficaz

saneamento das finanças públicas Durante a ditadura na Ilha Terceira (com Mousinho da Silveira - 1832) começa a reorganização financeira:

- redução dos dízimos eclesiásticos - abolição dos morgadios de renda inferior a 200$00 réis - reorganização das alfândegas dos Açores - extinção do pagamento de sisas sobre móveis e semoventes - reformulação dos direitos de importação e de exportação - reorganização da Justiça, da Fazenda e da Administração.

Tomada Lisboa aos absolutistas (24/Jul/1833), começam as tentativas de fomento financeiro: - cria-se o Tribunal do Tesouro Público (por exigência da Carta, em substituição do Erário Régio)

Com competência para conhecer todas as contas através do País, definindo-as como correntes ou não, num espírito centralizador e fiscalizador que se vai manter apesar das vicissitudes deste tribunal.

- suprimiu-se o Tribunal do Conselho da Fazenda - reorganizam-se as alfândegas do Reino (cessam as Alfândegas da Casa da Índia e do Tabaco) - retirou-se o poder fiscalizador de impostos e direitos à Junta do Comércio - foi aprovado um novo Código Comercial (fim da jurisdição contenciosa da Junta do Comércio, do Conselho do

Almirantado, do Juízo da Índia e das Ouvidorias da Alfândega) - atribuiu-se à Junta respectiva o rendimento do sabão, compensado os prejuízos causados pela abolição dos dízimos e

dos direitos provenientes dos bens da Coroa - criada a Junta do Crédito Público(Mousinho da Silveira), que substitui a velha Junta de Juros

cujo objectivo era de pagar juros e amortizar a dívida pública, através de uma dotação anualmente determinada pelas Cortes - tentou-se simplificar a cobrança dos impostos, sobretudo a do papel selado.

Silva Carvalho, Sá da Bandeira, Passos Manuel, Fontes P. de Melo e outros prosseguem a obra Silva Carvalho (1834) reorganiza a Fazenda Pública, criando a Contadoria do Tribunal do Tesouro Público e

inicia a redução da dívida pública flutuante, através do resgate do papel moeda. Com a venda dos bens nacionais (desde 35), o governo procura proveitos financeiros e reduzir a dívida

pública, aceitando como pagamento os títulos da dívida nacional, excepto os emitidos por D. Miguel. Em 1836 um incêndio destruiu o edifício da Contadoria do Tribunal do Tesouro e a Junta dos Juros, agravando a situação

Sá da Bandeira (com os Setembristas) reorganiza a administração financeira: - extingue o Tribunal do Tesouro Público (1836) e cria a Comissão Geral da Fazenda Pública para conhecer o estado

da administração financeira

Passos Manuel introduz normas respeitantes ao direito tributário e converte os padrões de juro em inscrições de 4%, aprovando também uma nova pauta alfandegária

Os impostos começaram a ser cobrados com regularidade, o défice diminui e o crédito amortiza-se Em 38 (nova Constituição) já a desordem se havia reinstalado nas finanças nacionais

Costa Cabral e os «ordeiros» colocam o modelo modernizador da administração, a construção de uma estrutura financeira eficiente e a promoção do fomento, como objectivos prioritários:

- restabelece o Tribunal do Tesouro Público (42) - procede a uma ampla reforma do sistema de contribuições (45) contra violentos protestos (Maria da Fonte, Abril 46)

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

21

Até à Regeneração de 1851, as finanças mantiveram-se em mau estado Fontes Pereira de Melo

a organização da Fazenda Pública não consiste no equilíbrio entre a receita e a despesa do Estado. A … ־organização da Fazenda são as estradas, os caminhos-de-ferro, o desenvolvimento do comércio e das indústrias, o melhoramento das colónias, e as reformas da administração pública…

- reduz as despesas tradicionais (conversão da dívida pública, 1852) - aumenta as receitas (contribuição predial, 1860) - aceita um saldo negativo nas contas públicas, durante o tempo de criar infra-estruturas o desenvolvimento económico posterior daria receitas acrescidas que equilibrariam o orçamento Estruturas básicas criadas com a Regeneração: 2.000 km de caminhos-de-ferro, outro tanto de estradas,

8.000 km de telégrafo, farolagem da costa e instalação do serviço de socorros a náufragos, ligações ferroviárias e telegráficas com o estrangeiro

A economia cresceu (década de 90) e atingiu o equilíbrio financeiro, mas longe do que se esperava A partir de 50, as receitas cresceram sem parar. Mas também as despesas O deficit orçamental atingiu momentos graves (1860 e 1888-91). Inicia-se uma gestão de redução de despesas

3.3 – O orçamento do Estado Do período de prosperidade para o período posterior às invasões napoleónicas o rendimento do Estado baixou

de 11.200 contos para 6 ou 7 mil As despesas atingiam perto dos 15.000 (28 e 34) e a dívida pública os 40.000 (a 3% ano)

Em 1822 as despesas com o Exército e Marinha eram de 76% do orçamento A partir de 1852 torna-se obrigatório o Orçamento Geral do estado aprovado depois em Cortes Mas a inércia das más práticas prolongou-se até 1872-94 regressando depois de 94 até 1912 Nas receitas do Estado, a parte de leão cabia aos impostos indirectos (maior facilidade de cobrança e menor

máquina administrativa e burocrática) com um peso de 50% até aos anos 90, descendo para 45% no virar do século e para 35% nas vésperas da IGG. Os impostos directos eram cerca de 1/4 das receitas. As aceitas dos bens próprios nacionais, passaram de 12% (1877-78) para menos de 10%.

Não se estava pois perante um Estado proprietário, mas antes de um Estado essencialmente fiscal O total das receitas entre 1851 e 1910 cresceu a uma média anual de 1,44% (10 a 70 mil c, aprox)

Aumento de 84%, quase tanto como as receitas Na despesa, os encargos com a dívida pública representavam 30 a 55%. Depois vinha a defesa (pouco mais de

20%), a economia e a administração (ambas com pouco menos de 20%) Ultramar, instrução, justiça, saúde e relações externas representam valores abaixo dos 3%

O déficit do Estado oscilou bastante: de l.000 contos em 1851, subiu para 6.000 até 65, desceu um pouco até 80 voltando então a agravar-se, chegando aos 11.000 contos em 1890-91.

3.3 A dívida pública Foi impressionante o agravamento da dívida pública. Os governos pediam dinheiro onde podiam.

Tanto ao nível dos empréstimos internos (c. 35.000 contos a m. do séc.) como de dívida com o estrangeiro A dívida externa era quase nula antes das guerras liberais, em 37 era de 10 M libras, após 7 empréstimos.

A dívida de 40 milhões de francos contraída pelo governo de D. Miguel, foi repudiada pelo governo constitucional (anulação de todos os actos do usurpador)

A Inglaterra foi o principal credor. A partir de 1837 os empréstimos (mais espaçados e pequenos: 41, 45, 52, 55, 68, 73, 76, 77, 79…) eram sobretudo para pagar os juros.

Os montantes recebidos pelo governo eram sempre menores do que o valor global dos empréstimos, pois a confiança foi muito pequena durante o período da guerra civil.

Aumentou após o definitivo triunfo do liberalismo mas voltou a descer a partir de 1835, quando se começava a antever a supressão dos pagamentos.

A partir de 1851, os governos estabeleceram o princípio da não amortização, pelo que a dívida consolidada se elevou imenso (791 mil contos em 1910, c. de 90% do total da dívida pública)

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

22

Entre 1881 e 1891, com a crise financeira do País, a credibilidade do Estado português atingiu o ponto mais baixo, só recuperando a crença na sua solubilidade a partir de 1892 e até 1902

3.4 – O sistema fiscal No Portugal Oitocentista, os impostos eram múltiplo mas não ultrapassavam a dezena.

Representavam mais de 4/5 do total dos impostos: décima, contribuição predial impostos de estradas e viação imposto de rendimento contribuição industrial imposto de selo direitos de consumo (Lisboa) direitos de importação rendimentos dos tabacos contribuição de registo (precedida pela sisa e o imposto de transmissão de propriedades)

A décima foi separada a contribuição predial em 52 e, em 60, o que restava foi decomposto em contribuição industrial (que dura até hoje), contribuição de juros (até 1922) e contribuição pessoal, a qual, em 71, foi dividida em contribuições de rendas de casa (até 1911) e em contribuição sumptuária (até 1922)

3.5 – O sistema bancário No 2º quartel do séc. XIX, a organização bancária mundial encontrava-se em plena expansão

Ligada à bolsa, a banca era o grande motor do capitalismo à conquista do mundo Após fracassadas tentativas (antes do liberalismo), em 1821 surgiu o Banco de Lisboa

Era sobretudo um banco comercial com o monopólio da emissão de notas (até 1845) Funde-se em 46 com a companhia Confiança Nacional (1846) originando o Banco de Portugal

Até aos anos 60 o sistema bancário cresceu pouco (apenas mais três bancos, todos no Porto) Depois, a melhoria na conjuntura económica nacional e internacional, provoca um boom do sistema bancário

português. Também impulsionado pelo Fontismo. Multiplicam-se as operações na bolsa e a especulação. De 12 em 1865, o nº de bancos sobe para 51 em 1875.

Os depósitos octuplicaram. Com a crise económica de 76 alguns dos pequenos bancos encerraram, restando 44 em 80, vencida a crise. No fim da década há nova contracção que se agudiza com a grande crise financeira de 1892, reduzindo-se os

bancos a menos de 30, número que estabiliza então.

3.6 – A moeda Neste período a tendência geral da moeda foi para a estabilidade, com poucas desvalorizações.

Em 1822 dá-se a primeira (17%) devido à falta do ouro brasileiro, o que aumentou a relação ouro/prata. Em 1835 a reforma monetária geral desvalorizou a prata em 20% e adoptou o sistema decimal Em 1847-54 desvalorizou-se o ouro em 7% e a prata em 18%

Não há mais alterações importantes até aos começos do século XX. Nesta altura, escasseavam as moedas de ouro (não cunhadas desde 1861), apareceu o numerário em níquel e

cresceu a utilização do papel-moeda, circulava a libra de ouro inglesa (de maior confiança). Tudo sintomas da deterioração da moeda.

A circulação fiduciária não deixou, porém, de crescer.

3.7 – A crise de 1892 A crise económica europeia de 1890 repercutiu-se em Portugal como nenhuma, originando uma séria crise

económica e sobretudo financeira que durou praticamente toda a década A crise financeira de 1892 foi uma das consequências inevitáveis da política Fontista, baseada no aumento

da dívida pública e dos deficits, necessários para o fomento das obras públicas. Nas suas vésperas já metade das receitas do Estado estava comprometida pela dívida pública

O aumento das despesas fez agravar fortemente o deficit Mas também o clima de instabilidade e descrença na política (Ultimato de 1890); o desequilíbrio da balança

comercial; a queda do câmbio da moeda brasileira no mercado londrino Abolição da escravatura, proclamação da República, quebra nos preços do café, abrupto decréscimo da transferência de

capitais britânicos para a América do Sul, ligada à emigração portuguesa

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

23

Mas o elemento chave da insolvabilidade do Estado português foi a conjuntura internacional de desvalorização da prata (com a falência parcial da casa londrina Baring Brothers, banqueiros do Estado português, ao qual tinha acabado de conceder um crédito de 800 000 libras)

Ambiente geral que provocou: depreciação da moeda, falência de bancos, aumento da dívida pública, contracção nos investimentos.

4 – A Sociedade

4.1 – Antiga e nova nobreza Embora não tão abalada como o clero, a nobreza tradicional sofreu rude golpe com a instauração e

desenvolvimento do regime liberal A extinção definitiva dos seus privilégios culminou porém apenas com a revolução de 1910

A revolução de I820 e a Constituição de 1822 foram de inspiração burguesa A fragilidade do primeiro liberalismo português permitiu a reacção (Abrilada de 23, Vilafrancada de 24 e o

regresso ao absolutismo de 28) Só a vitória liberal após a guerra civil 1832-34 impôs efectivamente o regime prescrito pela Carta Não acabando com a nobreza do Antigo Regime, o liberalismo abalou os seus privilégios

Embora fossem devolvidos alguns, importantes, como a criação da Câmara dos Pares O art.° 9.° da Constituição de 1822 dizia que «a lei é igual para todos».

O liberalismo abalou sobretudo as fontes de rendimento e o sistema senhorial da nobreza Pôs fim aos direitos feudais e às comendas (21-46), extinguiu os vínculos (32 e 63), retirou as tenças e outros

subsídios, nacionalizou a propriedade da Coroa Para subsistir os nobres tiveram de passar a depender essencialmente das rendas fundiárias

A extinção definitiva dos vínculos (1863, já que em 32 apenas extinguia os que não atingissem os 200$000 réis de rendimento líquido, da pequena nobreza), abolindo os grandes morgadios, foi o momento culminante da vitória burguesa e do seu conceito de liberdade

Outro factor que abalou fortemente a antiga aristocracia foi a vulgarização de títulos concedidos a membros da pequena nobreza, comerciantes, burocratas, militares, etc.

Antes de 1820 existiam apenas 99 titulares, remontando 13 aos séculos XV e XVI - Duques 2 – 7 Marqueses 22 – 29 - Condes 28 – 174 Viscondes 9 – 388 Barões 7 - 191

A maior parte destes títulos não implicava nobilitação permanente (concedidos em 1 ou 2 vidas) Mesmo Brasileiros e outros estrangeiros receberam títulos (já pouco mais que condecorações)

Os títulos de visconde e de barão ganharam a hegemonia. Até meados do séc. foram as baronias, depois dominaram os viscondes (promoção de barões e demasiada vulgarização de barão)

O aumento na concessão de títulos verificou-se após a abolição definitiva dos vínculos (cerca de 527 de 63 a 89), coincidindo com a progressiva perda de influência da aristocracia no aparelho de Estado, verificada a partir da década de 1860

Foi também um meio do criar receitas, através da cobrança dos «direitos de mercê» Serviu igualmente para travar a desactivação política da Coroa e promover a homogeneidade das classes

dominantes, tentativa de reconciliação social indispensável ao progresso do país O prestígio do título nobiliárquico continuava a ser desejado. A fidalguia e a «aristocratização» social eram

um tema importante da época. Aos olhos da aristocracia de pergaminhos antigos, porém, estas nobilitações perderam qualquer significado, havendo mesmo quem os recusasse

O que efectivamente se passou em todo este período foi uma enorme renovação da nobreza Os duques, denotaram certa homogeneidade aristocrática (os novos títulos ligados ao liberalismo foram

dados a condes ou filhos de condes) Os marqueses correspondiam às maiores e mais antigas casas nobres Os condes, de origem predominantemente aristocrática mas com alguns titulares de extracção plebeia,

articulavam a grande nobreza com a pequena nobreza titulada de viscondes e barões

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

24

Os viscondes, até à Regeneração, eram recrutados entre a aristocracia Nos barões predominavam os elementos burgueses (proprietários agrícolas, altos funcionários, capitalistas).

A partir de 51, tanto viscondes como barões passaram maioritariamente a porvir da burguesia No reinado de D. Maria II, as motivações mais fortes para a concessão de baronias foram os méritos militares,

a «adesão à causa», o agradecimento de serviços e os donativos a favor da mesma causa. No grupo dos barões avultavam os capitalistas e os negociantes de grosso trato

Há casos de subidas fulgurantes. O duque de Saldanha foi conde em 1833, Marquês em 34 e duque em 46 Deste processo evolutivo resultou uma grande aproximação entre nobres e burguesia sendo, ao findar a

centúria, difícil distinguir a aristocracia tradicional da saída do constitucionalismo

4.1.1 – Os rendimentos

Os proveitos das casas titulares advinha-lhes em mais de 50% de bens concedidos pela Coroa. Sobretudo rendimentos provenientes das comendas religiosas. Rendas oriundas dos direitos de foral só eram avultadas numa parte das casas. Dos bens patrimoniais avultavam os foros enfitêuticos e juros (menos de 1/3 dos rendimentos)

A nobreza titular era assim, maioritariamente, de beneficiários dos rendimentos de dízimos, de direitos de foral e de foros enfitêuticos e não de grandes proprietários

A nacionalização dos bens da Coroa, extinção do regime senhorial, dos dízimos e o fim dos morgadios levou a nobreza tradicional a uma grave crise económica.

Endividam-se, empregam-se em cargos públicos, participam mais no comércio e indústria e até fomentam a exploração agrícola das suas propriedades. Alguns casos não evitam a ruína

Em contrapartida, nobres de origem não aristocrata patenteavam grandes fortunas O grupo mais forte economicamente era o dos viscondes e o dos condes.

O conde de Farrobo era o mais rico do País, depois o visc. de Torre Bela. O marquês de S. Paio pagava 1/2 da décima deste A nova nobreza saída do liberalismo não compartilha o desdém da antiga pelas actividades lucrativas: dispõe

de interesses na banca, nos fundos públicos, no comércio dos vinhos ou no arrendamento dos monopólios do Estado, adquire entretanto vastos bens imobiliários, especula na compra das propriedades da Coroa e da Igreja. Não despreza mesmo a agiotagem, uma das fontes de opulência de parte dos seus membros

Sintoma da perda de rendimento da grande nobreza foi o abandono gradual dos dispendiosos palácios de Lisboa, na maioria vendidos ou alugados ao longo do século XIX.

4.1.2 – A Câmara dos Pares e a participação política da nobreza

As constituições de 1822 e 1838 não reconheciam à nobreza representação no Parlamento Mas a nobreza terratenente continuava a ser a força social predominante (até à década de 1870)

A Carta de 1826 garantiu à alta nobreza representação hereditária na Câmara dos Pares Inicialmente tinha 54 membros: 44 nobres titulares e 10 eclesiásticos

Após a implantação definitiva do liberalismo (1834) passaram a nomear-se também burgueses e outros não titulares, embora em pequeno número

A Revolução de Setembro de 1836 terminou esta fase Após 1842 a Câmara volta a funcionar, agora com 82 membros: 62 titulares, 4 eclesiásticos e 16 burgueses

Esta estrutura variou muito até ao fim da monarquia (em 1886 eram 180, com acréscimo dos pares lectivos) As «fornadas» de novos pares, nomeados pelo rei serviam para os governos alcançarem maiorias para fazerem

passar os seus projectos O número relativo de titulares mostrou tendência para diminuir, tendo o seu predomínio findado com o

cabralismo (20% de burgueses) A percentagem aumentou com a Regeneração (25%) e na década de 60 (30%)

4.2 – O declínio do clero Após 1820 procede-se a uma profunda reforma religiosa

Em 1821 extingue-se a Inquisição (instituição que havia muito perdera toda a sua força) As ordens religiosas ainda desempenhavam papel de relevo na Sociedade portuguesa de 800

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

25

Assistência e educação, com grande influência junto das populações. Os bens de raiz próprios tornavam-nas grandes potentados económicos espalhados pelo País Os conventos femininos constituíam também depósitos de jovens (celibatárias à força) Os costumes dos clérigos nem sempre eram bem vistos na sociedade, sobretudo pela dissolução a que se

permitiam devido ao seu ascendente sobre o povo O liberalismo não previu (nem Constituição nem Carta) qualquer direito de representação do clero em Cortes A maioria do clero junta-se assim à oposição absolutista, pelo menos até à guerra civil de 32-34. A Carta, porém, vai favorecer o clero regular (em detrimento do clero regular) garantindo-lhe representação

permanente na Câmara dos Pares. Tal divide o clero como classe. Surge por todo o mundo um sentimento anticlerical, favorecido pela notória decadência da classe,

considerando os religiosos como símbolos do passado, reaccionários fanáticos, intolerantes, favorecendo a superstição, obstáculos ao progresso.

Constitui-se uma intilligentzia laica que, aos poucos, substitui o clero, no ensino, na cultura e mesmo na assistência (cada vez mais assumida pelo estado e particulares)

O facto de muitos monges terem lutado contra os liberais torna-se pretexto para medidas radicais Expulsa-se o núncio papal e rompem-se as relações com a Santa Sé (que havia apoiado os miguelistas). Os

jesuítas (acolhidos por D. Miguel) são novamente expulsos. Declaram-se vacantes as sés dos bispos nomeados pelos legitimistas. Termina-se com os padroados eclesiásticos.

4.2.1 – Clero regular

Os escândalos eclesiásticos – clausura forçada, despotismo, indisciplina, corrupção, amoralidade – eram cada vez mais do conhecimento público (graças aos jornais)

Clérigos fanáticos (José Agostinho de Macedo) e de costumes dissolutos contribuíam para a formação de uma opinião pública adversa aos conventos

Mousinho da Silveira (32) suprime conventos femininos e masculinos (Açores), nacionalizando os seus bens. Silva Carvalho (33) declara extintos os conventos abandonados (Maio) e depois (Agosto) proíbe os noviciados

em todos os mosteiros. Extingue também os padroados eclesiásticos, bispados, dignidades, priorados-mores, canonicatos, paróquias,

benefícios e quaisquer outros empregos eclesiásticos. Termina igualmente com os prelados maiores das ordens militares, monacais e outras corporações que

vivessem em comunidade. Ordena-se a integração de casas com menos de 12 indivíduos em outras maiores, nacionalizando os bens

Joaquim António de Aguiar (28 Maio 1834) extingue os conventos em Portugal e seus domínios Conventos, mosteiros, colégios, hospícios e qualquer casa de religiosos: 401, com 6.500 pessoas, das quais – de 50% frades

Os prejuízos da medida estão sobretudo nos livros, manuscritos e obras de arte vandalizados Por outro lado contribuiu para o desenvolvimento da agricultura, legou ao estado propriedades e bons

edifícios para diversos fins Socialmente não deparou com grande oposição (nem mesmo do clero secular) servindo para substituir, ao

nível das classes mais baixas, a influência do cura pela do político Após a Regeneração as ordens religiosas começam a regressar, disfarçadamente (para fundar escolas,

hospícios, hospitais, etc.) As religiosas de S. Vicente de Paula (francesas) levantam acesa polémica que leva à sua expulsão 5 anos depois de

entrarem em Portugal com objectivos assistenciais Hintze Ribeiro (1901) legalizou uma situação de facto e moderou a posição oficial.

Estabeleceu que as casas religiosas podiam ser constituídas no País quando exclusivamente se dedicassem à instrução ou beneficiência ou à propaganda da fé e civilização no Ultramar

Nas vésperas da República existiam em Portugal 164 casas controladas por religiosos Com a extinção das Ordens, muitos egressos abandonaram o País ou recolheram a casas de amigos e

familiares. Grande parte arranjou meios de subsistência. Alguns mudaram de vida, atingindo por vezes

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

26

lugares de destaque na governação, educação, assistência e cultura. Outros ainda foram ordenados sacerdotes

O decreto de 1834 previa, contudo, uma pensão para os que não possuíssem fontes de rendimento e não tivessem lutado contra o liberalismo.

4.2.2 – Clero Secular

Simbolizando o estado de decadência do clero secular, aponte-se a redução do número das suas dioceses e do número de sacerdotes

A população duplicou até 1910 mas desaparecem 5 bispados: Castelo Branco, Portalegre, Aveiro, Pinhel e Leiria. De 1820 a 40 os sacerdotes diminuem mais de 50% (24 para 10 mil)

A redução das dioceses tentada pelos governos liberais embateu sempre na recusa papal, só realizada em 82 As relações com a Santa Sé (reconhecimento do regime liberal, preenchimento das sés vacantes) foram

tumultuosas, apesar do apaziguamento durante o Cabralismo e parte da Regeneração. O clero passou a receber os seus rendimentos do Estado (espécie de funcionário público) o que quebrou a

reacção possível contra o liberalismo Politicamente, através dos bispos, o clero estava representado na Câmara dos Pares, o que restabeleceu

parte importante das prerrogativas. O alto clero tomou assim parte activa da política do País, mas raramente surgiu como corpo unido.

Muito clérigos advogaram o liberalismo e pertenceram mesmo a associações proscritas pela Igreja, como a Maçonaria( contribuindo para as divisões internas e a descrença de alguns fiéis)

4.2.3 – Os rendimentos do clero

A nacionalização dos bens eclesiásticos, de onde provinha a maior parte dos rendimentos, foi o mais duro golpe dada à situação económica dos clérigos.

Em 1821 as Cortes oneraram fortemente esses rendimentos impondo uma colecta geral pesada Em 22 o decreto de 3 de Junho reduziu as prestações provenientes de forais, segundo golpe Em 32 Mousinho extingue os dízimos (odiados pelo povo). No seu lugar institui-se uma “côngrua” vitalícia

igual ao rendimento anterior líquido, a qual porém levou tempo a ser instituída Dada a grave situação económica de muitos eclesiásticos (sobretudo clero paroquial) decreta-se (34) a

concessão de uma prestação mensal de até 500rs até ao estabelecimento das côngruas Estas só são fixadas em 38 (até 600 rs para párocos e seus coadjutores) Em 64-65 a despesa com as côngruas era de 680 contos e provinha das receitas com as derramas (45%), do pé-

de-altar e outros rendimentos paroquiais (40%) e dos passais e foros (15%) A Concordata de 48 determina a fixação de uma dotação para o clero. Tal nunca veio a acontecer, aprovando-

se, em vez disso (90), uma lei que concedeu o direito de aposentação aos párocos, mantendo-se este, no entanto, numa situação inferior à dos funcionários públicos civis

4.3 – A ascensão da burguesia Faltam dados estatísticos sobre esta classe social, cujos contornos não estão ainda definidos Quem eram os burgueses? Mercadores citadinos e médios proprietários agrícolas? Este conceito de burguesia como classe social foi de tardia introdução em Portugal, revelando uma consciência

de classe que demorou a constituir-se Era um vasto leque social que se elevava acima do operariado e do campesinato e que terminava onde

começava a aristocracia cada vez mais, aliás, infiltrada de burgueses Podia ainda dividir-se em pequena, média e alta burguesia, desde o pequeno comerciante ao grande

proprietário, negociante ou capitalista, passando pelos militares e profissionais liberais Segundo Marino Franzini, em 1816, empregados na administração pública, militares, profissionais liberais,

artistas, negociantes e mercadores ascendiam a c. 10% da população activa (68.000 indivíduos), decrescendo para cerca de 5% (65.000 indivíduos) em 1841

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

27

Com lavradores proprietários e lavradores rendeiros, os valores passavam respectivamente para 45% (299.000) e 32% (385.000), dado que a população subiu cerca de 2%

Percentagem considerável de burgueses vivia exclusivamente de rendas (uns 60 mil em 16 e 80 mil em 41). Teríamos assim, em meados do século, uns 450.000 burgueses, representando cerca de 13% da população (l % mais do que em 1816)

Ao findar do século atingiria de 600.000 indivíduos, ou seja, 11% da população Em 1867, uma estatística das profissões e estabelecimentos industriais (para a contribuição industrial)

recenceou quase 200 000 contribuintes (l 5,5% da população), assim divididos: grande indústria 9.402 ( 4,7%) – pequena indústria 106.157 (53,3%) comércio 73.368 (36,9%) – profissões liberais 10.247 (5,1%,)

Predominava a pequena indústria, ou seja, a pequena burguesia e os comerciantes em geral. Grandes industriais e capitalistas teriam um peso numérico pequeno, idem as profissões liberais O Sinédrio (que preparou a revolução) era composto por fidalgos, burgueses, profissões liberais e altos

funcionários. A Junta criada em Lisboa (Setembro) diminuiu a participação de burgueses a favor da aristocracia.

As Cortes Constituintes reuniram 39 magistrados e juristas, 21 lentes e profissionais liberais, 16 elementos do clero, 10 militares, 6 médicos e 3 negociantes

A burguesia-mercantil terá tido um papel secundário na mudança de regime. O impulso viria da burguesia letrada e de altos funcionários, esclarecida politicamente mas não muito numerosa

A facilidade do triunfo da reacção absolutista, (clero, nobreza e povo rural) atesta a fragilidade da burguesia enquanto grupo social.

Não existia ainda um sentimento definido de classe que orientasse os interesses da burguesia, como veio a acontecer no 3º quartel do séc. XIX. Faltava assim uma base geral de apoio de pequenos e médios burgueses, sobretudo citadinos, que permitissem aos liberais consolidarem o poder. Base de apoio em lenta constituição desde meados do séc. XVIII, e que só seria significativa a partir de meados de Oitocentos.

A burguesia mercantil concentrava-se, sobretudo, em Lisboa e no Porto e parte dos seus elementos provinha de famílias estrangeiras. Além disso, a partir de 1810, esta burguesia estagnou, devido ao ciclo depressivo, à falta de capital, ao arcaísmo dos meios técnicos, a deficiência da frota mercantil, à concorrência comercial interna e externa e outros factores Segundo Charles Vogel: As condições de fortuna para o aparecimento de uma burguesia perfeitamente independente,

formada de ricos capitalistas e de especuladores, não se encontra em Portugal senão no alto comércio do Porto e num certo número de famílias opulentas de portugueses, antes estabelecidas no Brasil e que, sobretudo devido à devastação da febre amarela, decidiram vender os seus bens e voltar à sua pátria de origem. Empenhava-se em atingir a nobreza pois sentia a necessidade de criar recursos de sociedade que a pequena burguesia do País, de mercadores e de artesãos, geralmente atrasados, pouco abastados, indolentes e rotineiros, não sabiam oferecer-lhes. Por outro lado, se exceptuarmos o Porto, a banca, o negócio, as manufacturas e todas as empresas industriais de importância estão quase exclusivamente na mão de estrangeiros (em Lisboa, no Porto e no Funchal). Os mais ricos e os mais influentes são os ingleses.

A burguesia afirmou-se como principal força social na sociedade portuguesa a partir de m. XIX Vejamos alguns indicadores: a população urbana cresceu mais rapidamente do que a rural. A percentagem de

indivíduos ligados ao sector primário decresceu (de 72% em 64 para 57% em 1911). Não existindo mais de 100.000 proletários em 1910, a diferença manifesta uma burguesia em crescimento, com os comerciantes e os industriais a assumirem a dianteira.

A Regeneração e a sua política de fomento, criara novas necessidades técnicas e burocráticas que contribui para o aumento do funcionalismo. Sintomático é o acréscimo de alunos em todos os níveis de ensino, mas particularmente no primário e secundário.

A burguesia começou a impor-se como classe portadora de um projecto e de valores próprios e autónomos, assumindo-se como o modelo daqueles que pretendiam a ascensão social, em vez de uma nobreza muitas vezes falida e pouco prestigiada. Os títulos passaram a ser menos cobiçados e até mesmo recusados. A sociedade aburguesou-se.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

28

A proliferação de cafés e teatros, lugares de sociabilidade burguesa, foi também outro testemunho. Ao nível da política a nobreza perdeu terreno. A aristocrática Câmara dos Pares mostrou-se cada vez mais

infiltrada de burgueses. Dos 37 governos que dirigiram o País entre 1870 c 1910 nenhum foi presidido por titulares. O número de titulares ministros baixou notavelmente.

Nenhum estadista ou parlamentar do tempo recebeu título. Preferia-se o acesso à Câmara dos Pares, o título de conselheiro, hábitos das antigas ordens religiosas-militares e condecorações.

De 1880 até à I Guerra não existiu uma burguesia industrial claramente definida. Os industriais estavam divididos essencialmente em dois grupos:

- Grandes comerciantes e financeiros, opulentos burgueses, que também colocaram investimentos em fábricas: os Burnay, os Krus, os Bastos, os Bessone, geralmente com grandes relações financeiras com o Estado.

- Aqueles cujos rendimentos provinham exclusivamente da indústria , de um escalão social bem mais modesto.

4.4 – Camponeses e Operários

4.4.1 – O permanente campesinato

Se a proporção de indivíduos ligados ao trabalho agrícola diminuiu até ao fim da monarquia (em relação às actividades secundária e terciária), nunca deixaram de constituir a esmagadora maioria da população, aumentando mesmo, moderadamente, em número absoluto.

Em 1900 havia 3,4 M de pessoas dependentes da agricultura, da pesca e da caça numa população de 5,4 M …É a agricultura que faz viver a imensa maioria da população portuguesa. 4/5 da nação deve os seus meios de existência ao

trabalho agrícola. Este tem, portanto, uma importância relativa bem superior ao de todas as outras indústrias reunidas… O nível de vida dos camponeses, muitas vezes rondando o limiar da subsistência, encontrava-se intimamente

ligado a problemas exógenos (clima, geografia, conjuntura económica e política) mas também a questões endógenas (estrutura da propriedade, práticas agrícolas e estrutura da sociedade camponesa), com variantes bem acentuadas consoante as regiões.

No Sul predomina a grande propriedade, no Centro e Norte reina a média, pequena e muito pequena. Divisão que marca também o limiar entre a predominância do assalariado rural e a do pequeno e muito pequeno proprietário que podia também trabalhar terra alheia

A mobilidade dos camponeses era grande. Assalariados deslocavam-se em direcção às grandes propriedades cerealíferas (trabalho sazonal):

Ratinhos, gaibéus, serranos, galegos, caramelos, algarvios, etc. Eram também o principal alimento da emigração.

Constituíam a grande massa de habitantes do País, pobre, conservadora, muito influenciada pelo clero e pelos notáveis locais, resistentes às inovações, sobretudo no Norte do país.

O final do Antigo Regime e o desenrolar do séc. XIX foram de constante desassossego para a população rural, que chegou a levantar-se em armas e desacatava violentamente as autoridades civis e eclesiásticas.

Sentindo na pele os efeitos das várias fases de crise económica, alta de preços e escassez de alimentos, os movimentos camponeses viravam-se contra a política vigente.

Foram também pasto fácil do clero provincial e de missionários arreigados ao absolutismo. Assim sucedeu no Minho com as insurreições da Maria da Fonte e da Patuleia.

As inovações (técnicas, económicas e sociais) colidiam com o conservadorismo popular. Questão dos cemitérios, destruição de máquinas agrícolas no Alentejo, introdução do registo civil.

Repartições de baldios e questões de impostos eram também motivos frequentes de motins. Os camponeses aparentemente mais mobilizáveis eram os das regiões que mais incisivamente sofreram

transformações sócio-económicas. Os movimentos camponeses, salvo na Maria da Fonte e na Patuleia, nunca assumiram o aspecto da revolta

(como em outros países) e raramente foram espontâneos e autónomos. As crises agrícolas, de produção, punham em risco as pequenas proprietdades e o incremento das relações

mercantis na economia camponesa degradou as suas condições de vida. Isto fez-se sentir particularmente durante a crise vinícola na década de 80 de a crise de 90-91.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

29

Situações que levaram à transferência de milhares de camponeses para as cidades em busca de melhor vida, indo engrossar o proletariado urbano, mas também a massa de indigentes.

Em contrapartida, os pequenos e médio proprietários que sobreviveram às crises separaram-se irremediavelmente do campesinato, constituindo-se numa sólida classe média rural.

4.4.2 – O operariado em crescimento

O operariado desenvolveu-se consideravelmente em Portugal, sobretudo a partir de m. séc. XIX. O advento do liberalismo trouxe aos trabalhadores artesãos, agrupados em corporações profissionais, uma

esperança de voltarem a ganhar a independência e importância que a Antigo Regime lhes retirara ao criar a Junta do Comércio. Tacitamente, o novo regime não tocou logo nestas instituições profissionais. (A Casa dos 24 de Lisboa era bastante influente na capital).

As Constituintes impediram, no entanto, a restauração dos antigos privilégios, mas os procuradores dos mesteres não deixaram de participar nas edílidades.

Em 1834, com a instauração definitiva do liberalismo, acabou-se de uma só vez com a estrutura corporativa Nos finais da década de 30 criam-se novos tipos de instituições (Sociedade de Artistas Lisbonenses, 1838)

Rapidamente surgiu uma embrionária consciência de classe, que cresceu a par da expansão do número de operários, do associativismo e da capacidade reivindicativa.

Em 1852 criou-se o Centro Promotor do Melhoramento das Classes Laboriosas, inspirado pela revolução francesa de 1848 e a influência crescente das ideias socialistas. Em 1865-66, este Centro promoveu um primeiro Congresso Social.

A partir da década de 70 cresceu o nº de sindicatos (24 em 76, 135 em 1903) e as sociedades de socorros mútuos passaram (65 em 76, 590 em 1903).

Mas até finais da década de 1870, continuou a tendência para que as organizações profissionais invocassem a estrutura das antigas corporações de ofícios.

Entre 60 e 70 haveria 41.265 «operários»; em 1907 uns 85.600 e, em 1911, mais de 100 000. As mulheres continuavam a ter um papel importante no mundo operário, mas o seu número tendia a descer

(34,8% em 1890, 28,3% em 1911). A participação de menores diminuiu também (para 6,6% em 81, ligeira subida em 1907: 7%)

As minorias proletárias, mesmo nos principais núcleos urbanos, nunca ultrapassaram os 25% da população urbana em vésperas da República.

Eram, no entanto, forças sociais crescentes, que iam conseguindo algumas melhorias laborais A pressão fazia-se sobretudo recorrendo à greve (oficialmente proibida).

Entre 1852 e 1910 houve perto de 250 greves, particularmente a partir da crise dos anos 90. Muito aquém do que se passava nos principais países da Europa, de indústria desenvolvida, com diferentes tipos de relações

operários-patrões, maior eficácia das organizações operárias e maior poder de resistência económica dos trabalhadores A mentalização colectiva do trabalhador, característica do proletariado moderno, foi muito lenta em Portugal. As greves coincidiam sobretudo com as regiões onde o proletariado era mais forte (onde a indústria estava

mais implantada): Lisboa, Porto, Almada, Setúbal e Covilhã entre as principais. As questões salariais eram o principal motivo, distanciada vinha a solidariedade em 2º lugar

Na década de 90 melhora a legislação sobre a participação das mulheres e menores nas fábricas Em 1907 (João Franco) foi consignado oficialmente um dia de descanso semanal. Apesar da lei de 91, o nº de horas de trabalho diário nunca pode ser uniformizado em todo o País

11 a 12 horas em média em 81, cerca de 10 horas por volta de 1900. 70% dos operários eram analfabetos e o salário masculino era, em média, de 426 réis, mais do dobro do das

mulheres (190 réis) e das crianças (143 réis). As condições de vida dos operários (à primeira vista melhores que as dos camponeses), pioraram no decorrer

do séc. XIX. Os salários reais, na década de 80, desceram, correspondendo à concentração do capital e da indústria. A alimentação e o alojamento pioraram também.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

30

II - A PRIMEIRA REPÚBLICA

1 – A População

1.1 – A Evolução da população Censo de Dez. 1911: 5.960.056 (aumento de 10%);

em 1920: 6.032.991 habitantes (1% de aumento). É que, entretanto quase 500 mil emigraram, 60 mil morreram nas epidemias de 1918 e 19 e 10 mil mortos e

estropiados (gente na idade da procriação) ficaram-se na I Grande Guerra. Mas a natalidade, em oposição a quase toda a Europa, não havia diminuído em Portugal,

No 1º decénio republicano nascia-se mais e melhor no Continente, com poucas excepções (Aveiro, Castelo Branco, Leiria, Porto). Nascia-se menos nas empobrecidas ilhas atlânticas.

A década é contudo irregular (3,4% no início a 3,1% durante a Guerra) A taxa de mortalidade é que cresceu. Dos cerca de 2% do início subiu a quase 2,7% de 1916 a 19.

Contudo, no panorama europeu, Portugal estava quase à cabeça quanto a crescimento fisiológico A pirâmide etária de 1911 revelava uma população mais ou menos normal, com pequenos desequilíbrios

resultantes das crises de fome, epidemias e emigração do séc. anterior (52, 62 e 72) Em confronto com os censos do séc. XIX, verificava-se um aumento da população idosa e menos activa.

Predominavam as mulheres sobre os homens, embora nascessem mais rapazes do que raparigas a mais elevada taxa de feminilidade da Europa, com mais de 300 mil não casadas devido, sobretudo, à emigração

Muito diversa se revelava a distribuição etária em 1920. Ainda mais mulheres do que homens, depois, uma pirâmide de base sensivelmente truncada (a guerra havia

freado a natalidade e as epidemias tinham dizimado as crianças). A emigração da viragem do séc., Guerra e doenças epidémicas desbastaram os homens válidos (20 a 50

anos), tornando esguia a pirâmide sua resultante, com uma base espessa de meninos e adolescentes (muitos jovens em idade escolar e escassez de homens na idade adulta).

Os casamentos mantiveram-se sem grandes alterações até à Guerra (35.000/ano, com variações). A instituição do divórcio não afectou a estabilidade conjugal (c. de 150 casos em Lx, 80 no Porto) Mais importante em efeitos sociais, mas ainda assim mínimo, foi o surto de filhos ilegítimos, cuja taxa subiu

de 3,45 para 4 por mil entre o fim da Monarquia e o início da República. A mortalidade infantil era elevadíssima na Europa de então (209 por mil)

Diarreias e enterites eram os maiores inimigos (1/3 dos casos) dos recém-nascidos. Até aos 65 anos, a 1ª causa de morte era a tuberculose (c.10.000/ano). Depois, a grande distância, a gripe, a

meningite, a moléstia cardíaca, a congestão cerebral e, por fim, a pneumonia. Contudo, países como a Áustria, a Hungria ou a França chegavam a registar taxas 3x superiores, mas não

esqueçamos que 45% dos Portugueses morriam sem certidão de óbito. As grandes epidemias de 1918-1919 são consequência indirecta e directa da Grande Guerra.

Quer devido ao estado débil dos organismos entre as classes pobres (penúria de géneros), quer por importação de nações estrangeiras (Espanha sobretudo) onde as causas eram as mesmas.

Por ordem cronológica surgiram: o tifo, a gripe, a pneumonia e a varíola Por ordem de mortalidade: a gripe, a pneumonia, a varíola e o tifo.

Todas causaram um estado de pânico, sobretudo nas cidades O tifo, endémico entre comunidades de pescadores e de serranos do interior, eclodiu em Espinho nos finais de

1917, propagando-se depois ao Porto. Em crescendo de Janeiro a Março de 18 pode considerar-se debelado a meados do Verão (c. 2.500 vítimas). Em 19 volta a grassar.

A gripe surge em Espanha em 1918, entrando no começo de Junho em P., pelo Alentejo. A virulência declina a meados de Julho (517 mortos, sobretudo em Lxª). Uma 2ª vaga inicia-se em Agosto, no Porto, mais virulenta, de tipo pneumónico. Atinge o Algarve em Outubro (31.000 mortos só neste mês) decrescendo depois a virulência até desaparecer em Julho de 1919.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

31

A «pneumónica» chegou a toda a parte (mesmo às Ilhas Adjacentes). Caíam sobretudo os adolescentes e os adultos jovens, sendo mais poupados os velhos e as crianças.

A quantidade de pessoas que adoeciam com a espanhola ou a pneumónica triplicava os casos fatais (4.817 doentes nos hospitais de Lisboa em Out.-Nov. de 1918, com l.333, óbitos).

Em 1917 morrem 18 pessoas com bexigas, 4.338 em 1918 e 8.864 em 1919. Repare-se também que os casos de morte por doença ignorada ou mal definida (muitas em consequência das

epidemias) subiram de 55.791 em 1917 para 96.562 em 1918. O decénio de 20 foi mais calmo. Menos emigração, ausência de guerras ou epidemias trouxeram condições

psicológicas e fisiológicas para novo surto demográfico (taxa de 13,1%). Em 1930 havia 6.825.883 portugueses.

A taxa de natalidade baixou ligeiramente (de 3,25 para 3,19%) mas a mortalidade caiu para cifras inferiores às de antes da guerra (para 2,05% em 1921 e 1,83% em 30)

A mortalidade infantil decrescendo para 14,42% (em 1930) mantinha P. na cauda da Europa. Números que traduziam uma ligeira melhoria das condições de vida (subsistência e salubridade) Mas os óbitos por tuberculose subiram assustadoramente (12,56‰ em 1920, 16,33‰ em 1930), sobretudo

nas idades de 24-34 anos, resultado da invasão trazida pela Grande Guerra A pirâmide etária para 1930 já se aproximava mais da normalidade do que há 10 anos atrás

A anomalia estava agora no grupo dos adolescentes, resultado do período crítico de 16 a 20, mas havia agora a registar menor proporção de jovens (41,9%) e maior proporção de adultos (48,3%) e de velhos (9,6%).

Os casamentos aumentaram (45.000/ano), mas também os divórcios (anualmente uns 200 em Lxª e manos de 100 no Porto) e os filhos ilegítimos ainda mais.

Tudo resultado da concentração urbana ( Lisboa e Porto) e do desenvolvimento da instrução.

1.2 – População Rural e Urbana A maioria da população habitava o campo. Menos de 20% era de condição urbana. E destes, mais de metade

vivia em Lisboa e no Porto. Houve contudo uma grande deslocação para as cidades, sobretudo para Lisboa e Porto

Lisboa passara de 435 mil habitantes em 1911 para perto de 600 mil em 1930. O Porto, de 194 mil em 1911 subira para 232 mil em 1930. Nas outras cidades a sua população baixara com a emigração, epidemias e guerra, voltando a subir em

grande proporção (38%) até 40. Mas sempre pouco importantes em nº de habitantes. O peso demográfico da capital subiu de 7,2% (1911) para 8,7% (1930).

O censo de 1911 contava 29 cidades no Continente e 4 nas Ilhas. No censo de 1930 registaram-se 36 cidades para o Continente e as mesmas 4 para as Ilhas

Os critérios de ascensão a cidade mostravam-se, como hoje, frouxos e às vezes absurdos. Não só o número de habitantes definia a cidade, mas também o seu incremento industrial e comercial, as

grandes vias de comunicação que a serviam e as instalações urbanas existentes Mas também a influência de políticos e interesses partidários.

Um dos principais fenómenos do 1º decénio da republica foi o despovoamento do Norte (emigração para o estrangeiro, para Lisboa e para Porto)

O distrito de Coimbra perdeu também gente e o acréscimo de Aveiro foi modestíssimo. No próprio distrito do Porto, só a cidade capital acusou aumento de monta.

O Centro-Sul (Leiria, Santarém, Lisboa e Setúbal) registou considerável aumento. Em 1911, o distrito de Lisboa alcançou o 1º lugar, que até então pertencera ao do Porto. O Alentejo acusa um leve acréscimo. No Algarve a sangria migratória foi grande, descrescendo em 1% a sua população Os Açores sofreram baixas importantes, enquanto a Madeira ganhava em povoadores.

De 1920 a 1930, todos os distritos de Portugal e Ilhas Adjacentes acusaram um surto populacional, agora mais acentuado no Norte. Apenas o distrito da Guarda marcou passo.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

32

1.3. – Emigração Nunca existira em P. um fenómeno migratório tão acentuado como o dos anos 10

Em 1911 saíram c. 60 mil pessoas, em 12, 90 mil e em 13, 80 mil (226 no total, 3,7% da pop.) Entre 1900 e 1930 emigrou 1,1 milhões de portugueses. Sobretudo para o Brasil.

A emigração dos 3 primeiros anos da república suscitou as maiores apreensões O fenómeno migratório estava longe de tocar apenas Portugal.

Espanha, Itália, Rússia, Áustria-Hungria, Irlanda forneceram contingentes avultadíssimos. A prosperidade e a permeabilidade social do Novo Mundo atraíam milhões de seres de uma Europa

superpovoada para as potencialidades da época e ideologicamente oposta a qualquer intervenção estatal que estancasse a fuga de gente.

A grande e a média burguesia liberal reforçavam como podiam a barreira à ascensão do proletariado urbano e dificultavam uma vida desafogada ao pequeno proprietário dos campos

A grande massa migratória procedia da agricultura ou, menos, do pequeno comércio da província, da construção civil e de profissões domésticas. Gente desprovida de capacidade técnica para a direcção e orientação das grandes tarefas do comércio e da indústria, mormente analfabeta. Saíam em famílias completas, com elevada percentagem de mulheres e de crianças.

As causas fundamentais eram as propriedades miniparceladas, escasso desenvolvimento comercial e industrial do País, aumento imparável do saldo fisiológico e a indiferença do Estado e das classes possidentes.

Muitas vezes vinham primeiro para as cidades antes de se abalançarem à emigração transoceânica Poucos se integravam a vida citadina. A falta de capacidade técnica levava-os a aceitar salários de fome, o

que, a par da carestia da vida urbana, da agressividade da pequena burguesia e do próprio proletariado em defesa dos seus interesses, das crises cíclicas, de um imposto de consumo oneroso, etc. impulsionava-os a demandar terras de além-mar.

Outra causa de emigração era a legítima ambição por uma vida melhor, oposta à mediania rural. Ambição fomentada pelo retorno de emigrantes enriquecidos e pela actividade sem peias dos agentes de emigração.

Entre as medidas preconizadas pela Federação Operária de Lisboa para suster esta sangria, conta-se precisamente a repressão das agências. Outras seriam a municipalização da distribuição dos principais géneros alimentícios, a abolição do imposto de consumo, a tributação dos proprietários de terrenos incultos, o fomento das riquezas nacionais e, acima de tudo, um programa desenvolvido de reformas agrárias.

Emigravam sobretudo os beirões (Coimbra, Aveiro e, sobretudo, Viseu) Mas do Minho, Douro e Trás-os-Montes, também se emigrava com profusão. Das Ilhas a saída era sempre avultada, mas de grande irregularidade (Ponta Delgada). Em números relativos à população de cada distrito, há que salientar as comarcas transmontanas e a Beira

interior. (1912: Bragança, 6%; Vila Real, 3,3%; Guarda, 2,6%). As Ilhas Adjacentes, sobretudo Açores, porém, batiam tudo o mais (Angra e Ponta Delgada) Do Sul do País, em contrapartida, pode dizer-se que não se emigrava: Alentejo, Baixa Estremadura, Ribatejo,

Beira Baixa e mesmo o Algarve forneciam números mínimos (apenas Beja e Faro apresentam números com alguma relevância). Depois da guerra, porém, o Algarve começou igualmente a expedir emigrantes, mas com cifras muito longe das do Norte.

O País dividia-se com nitidez em duas zonas migratórias, resultado da distribuição demográfica, das condições da propriedade e da organização económico-social

O Norte (e Ilhas Adjacentes) de onde se emigrava para o estrangeiro, o Sul, de onde não se emigrava ou se emigrava para Lisboa.

Até ao fim da Guerra mais de 90% dos emigrantes tinham por destino o Brasil. Os outros iam para os Estados Unidos (sobretudo das Ilhas) e para África (Angola). A partir de 1919 emigra-se menos para o Brasil, ganhando importância os Estados Unidos, a Argentina, as

colónias portuguesas de África. e a Europa. Se a emigração para o Brsil cai abaixo dos 50% em 1924. logo recupera a preferência atingido os 74% em 26

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

33

Mas o número de portugueses entrados no Brasil era maior do o das estatísticas oficiais. A emigração clandestina em 1920 teria sido mesmo superior à legal

O censo brasileiro de 1920 acusava quase 1/2 milhão de portugueses (Rio e São Paulo, sobretudo). Dez anos depois o Rio de Janeiro era a segunda cidade portuguesa, com 450 000 lusos

Muitos portugueses voltavam à sua terra. De 1908 a 31 dos 260 mil emigrantes entrados pelo porto de Santos, regreessaram ou saíram para outro destino uns 147 mil. A proporção de portugueses anualmente repatriados calculava-se em c. de 30%

Clamou-se que a fuga para o Brasil prejudicava a colonização africana e apelou-se para a intervenção estatal. A imprensa nacional agitou-se em torno do problema. Houve quase uma campanha contra o Brasil, suscitando a intervenção da própria embaixada desse país em Lisboa.

Já Afonso Costa, porém, defendera que o colono de África deveria ser o negro, uma vez educado e melhorado nas suas condições de trabalho. Defende a liberdade de emigrar, com uma protecção efectiva e constante do emigrante e de sua família. Mas também o melhoramento sistemático das condições económicas da nossa vida interior e a instrução do povo. Lembra a falta de dinheiro para subvencionar o despejo da corrente migratória em África. Considerava até mais digna de apreço, a tentativa de derivação de parte do movimento para o Alentejo, a fim de colonizar os terrenos desertos dessa província. Por outro lado lembrava as remessas de ouro dos emigrantes «sem o qual não teríamos resistido a tantas provações».

Em 1911 teriam sido 20 a 24 mil contos, quase tanto como o deficit da balança de pagamentos. A colonização da África teve partidários decididos.

Paiva Couceiro delineou um projecto de colonização de Huambo por colonos brancos (1907), com um sistema de passagens gratuitas e adiantamentos de capital.

Azevedo Coutinho, Azevedo Gomes, Freitas Ribeiro e José Barbosa, quando ministros da Marinha e das Colónias, elaboraram igualmente projectos coloniais, mas sem efectivação prática.

As companhias coloniais foram por lei obrigadas a estabelecer colonos, mas nada fizeram. Mesmo nos anos de governo de Norton de Matos, em Angola, o número de emigrantes para essa província

foi mínimo. E assim continuaria por muitos anos.

2 – A Economia

2.1 – A Propriedade

2.2.1 – A propriedade rústica

Possuir terras tem sido sempre uma das felicidades mais apetecidas da nossa população. Não existia um cadastro da propriedade rural nem estatísticas de confiança. Pelas cifras da contribuição

calculam-se l,3 milhões proprietários (para 6 M de portugueses). No panorama geral europeu esta era uma percentagem muito elevada

A distribuição era irregular. Évora contava 11.500 donos e Portalegre 15.800, mas Viseu 182.000 e Coimbra 154.000. Proporcionalmente ao número total de habitantes, e excluindo Lisboa e Porto, vêm à cabeça Viana do

Castelo, Coimbra e Viseu, com Évora no fim da lista. As superfícies médias de cada prédio rústico variavam imenso de distrito para distrito e de norte para sul.

Em Évora atingia o máximo com 10 ha de média (aí se localizava o maior latifúndio contínuo, do Monte Real ou

do Vidigal, Vendas Novas com 900 ha). Seguia-se Beja com 7 ha de média e Portalegre, quase com 6. Santarém fazia de charneira, com, por um lado a Companhia das Lezírias e o latifúndio de Alorna

(Almeirim) e, por outro a grande pulverização no concelho de Mação. Tudo resultava em médias de menos 1 ha.

No Norte, à cabeça vinha Viana do Castelo com 0,15 ha de média. Seguia-se Aveiro (0,18 ha). Concelhos como os da Póvoa de Varzim, Viana, Ponte de Lima e Fafe eram os mais pulverizados. Depois da reforma da contribuição predial (1913), o número de proprietários isentos elevou-se a 771.325 (rendimento colectável inferior a 11$00), mais do que os contribuintes (564.539).

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

34

No Algarve, a situação aproximava-se bastante da do Norte. Em Leiria, o Estado fazia figura de grande proprietário (10.000 ha de pinhais).

Cada proprietário detinha quase sempre vários prédios, dispersos e cadastrados separadamente. A 1.360.288 proprietários no Continente (1910) correspondiam uns 10.600.000 prédios rústicos

A proporção variava consideravelmente de sul para norte: Évora tinha 38.845 prédios para 11.548 proprietários (4 para l), enquanto em Viseu possuía 182.116

proprietários para 1.630.056 prédios rústicos (9 para l). O parcelamento acentuara-se desde finais do século XIX como consequência, tanto do aumento da população

como da abolição total dos vínculos (1863). O fenómeno da emigração caminhava a par com o fenómeno do parcelamento excessivo. Centenas de milhar de «proprietários» não extraíam das courelas o bastante para viver. Mourejavam em terras de outrem, em fábricas ou em profissões diversas. Matavam-se a trabalhar para um

sustento medíocre. E não viam no horizonte maneira de legar melhor vida a seus filhos. Não passavam, realmente, de proletários rurais à espera de partir para os Brasis.

Praga nacional era o absentismo. Nas «províncias do Centro» encontravam-se ainda alguns que valorizavam as terras, mas iam diminuindo. Mesmo a média propriedade – quase toda nas mãos da burguesia comercial que a fora comprando (desde

1835-45) como resultado da extinção dos morgadios e da desamortização dos bens do clero e da coroa – era confiada a caseiros e rendeiros, ocupando os proprietários o seu tempo em carreiras liberais, fábricas, administração publica etc.

Até na pequena propriedade o absentismo era frequente, se bem que não maioritário. Eram os novos-ricos e «brasileiros», cobiçosos de possuírem quintas com casa, horta, pomar e jardim.

A partilha igual e o aumento da população faziam aumentar o nº de pequenos proprietários. À excessivamente pequena propriedade, tanto como ao latifúndio, se atribuíam os males de que sofria a

economia portuguesa, sobretudo no que tocava às subsistências. Juntar num lado, dividir no outro, era a base de toda e qualquer reforma agrária da terra portuguesa.

Estado liberal não podia intervir sem contradizer os seus próprios fundamentos. A ideologia republicana de base porém não se mostrava geralmente liberal. Possuía um fundo socialista,

conquanto moderado. O debate suscitado à época variava entre a intervenção junto dos particulares, aproveitar tão-somente os

incultos ou fazer uma e outra coisa. Contudo, quase todos se pronunciavam pelo intervencionismo do Estado, não vendo nele qualquer contradição com as suas convicções.

Nos finais da Monarquia Constitucional Alexandre Herculano e Oliveira Martins já tinham proposto uma série de medidas. Basílio Teles, no início do séc. XX, defendeu uma política renovada de crédito e de imposto, favorecedora

de um melhor povoamento, sobretudo nas regiões do Sul. Anselmo de Andrade pronunciava-se a favor da expropriação quando a persuasão não triunfasse, mas

referindo-se apenas às terras incultas (sobretudo as alentejanas) não tocando no latifúndio, desde que convenientemente explorado.

Lino Neto era a favor da colectivização parcial do solo e dentro de determinados limites, pois ela seria feita pelos corpos administrativos que adquiririam a terra e a arrendariam ou dariam em usufruto, com o direito de reversão periódica

Veio a República Basílio Teles entrega a Teófilo Braga um projecto contendo a súmula dos decretos que deveriam ser

promulgados ainda em regime revolucionário. O n.º 57 mandava proceder, em cada distrito, ao inventário dos incultos produtivos, discriminando-se o que fosse comum do que fosse propriedade privada e realizando-se todos os trabalhos preliminares a uma futura arroteia. Mas não falava em expropriações.

Ezequiel de Campos apresenta à Assembleia Nacional Constituinte (1911) um «projecto de lei de utilização dos terrenos incultos». Moldado na legislação norte-americana, visava obter a valorização do Alentejo, Douro e Trás-os-Montes. Incorporar-se-iam no domínio nacional todos os terrenos incultos que os seus

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

35

proprietários não quisessem cultivar (após cadastro) procedendo-se, em seguida, à sua venda a prestações, em lotes de 10 a 50 ha (terras de regadio) ou de 10 a 130 ha (terras de sequeiro), a rendeiros ou lavradores com capitais bastantes mas com menos de 50 ha de terra cultivável. Pretendia-se o aumento da média propriedade e o desvio de parte da emigração, do estrangeiro para o interior de Portugal.

João Gonçalves (1912) pugna pelo parcelamento dos bens fundiários da Companhia das Lezírias, com venda em hasta pública de lotes individuais.

O agrónomo e proprietário B. C. Cincinato da Costa (director da Companhia) publica uma série de artigos em defesa dos direitos e da obra da Companhia. Reclamava o direito de propriedade e os interesses económicos do País. Definia a Companhia como uma grande federação de proprietários com uma administração comum, proporcionando o progresso da agricultura quer o bem-estar dos trabalhadores. Defendia mesmo a criação de companhias semelhantes, pois só as grandes empresas agrícolas poderiam resolver o problema do aproveitamento dos 3.800.000 ha de terrenos incultos.

João Gonçalves (agora ministro da Agricultura, 1920-21), tentou vencer os obstáculos. No Parlamento havia escasso interesse pelas questões económicas. No governo havia falta de continuidade do poder. No partido existiam os compromissos políticos em que os democráticos se enredavam quase sempre. A população rural mostrava completa indiferença.

Não cessavam as tentativas de melhorar a colonização interna, contudo, a «Reforma Agrária» aparecia mais tolerante e consentânea com a ideologia liberal de respeito pela propriedade privada. Incidia-se sobre os baldios, incultos cuja extensão impressionava toda a gente.

Afonso Costa (Lei 88 de 1913) no aproveitamento dos baldios que não fossem indispensáveis ao logradouro comum nem destinados a arborização. Daí em diante, as câmaras municipais, gradualmente, foram-se apoderando dos incultos, sempre que tal conviesse aos interesses da região e não colidisse com os interesses dos grandes e poderosos.

Durante o 3º governo de Afonso Costa, mais um decreto foi promulgado em favor do aproveitamento coactivo dos terrenos incultos pertencentes a particulares: o Estado podia promover (com um regime de prazos) a cultura de terrenos incultos de propriedade privada, até ao limite da expropriação, quando os donos se recusassem a utilizá-los ou a arrendá-los ao Estado.

Em 1918 Ezequiel de Campos reclamou a cedência da terra a braços que a arroteassem, defendeu a expropriação pelo Estado e a abertura de um concurso de povoamento, pelo qual a gente do Noroeste viesse ocupar os territórios do Sul, e outras medidas idênticas.

Fernandes de Oliveira (min. da Agricultura) reeditou a lei de 1913, autorizando as câmaras municipais e juntas de freguesia a parcelar baldios, sempre que assim o requeresse a maioria dos vizinhos, para os ceder temporariamente ou aforar a quem os cultivasse.

Sidónio afirma mesmo que «o problema da terra era o facto capital da economia portuguesa» Foi no mandato de Sidónío que se verificou o 1º caso conhecido de ocupação de terras no Alentejo por trabalhadores rurais

(aldeia do Vale de Santiago, Odemira, 1918), aproveitando uma greve geral (18 de Novembro). Organizou-se logo um «grupo de defesa» de proprietários, lavradores, comerciantes e empregados públicos que, por sua vez, ocuparam a câmara municipal. Quatro dias depois chegou uma força da Infantaria, encerrou-se a Associação dos Trabalhadores Rurais e procedeu-se à caça de homens e mulheres implicados nos acontecimentos, enchendo as cadeias de Odemira

António Granjo apresenta um projecto de criação do «casal da família», instituído em 1920. Exaltava a pequena propriedade e a necessidade de a proteger contra a hipoteca, a licitação e a desagregação sucessória, assim, o «casal de família» seria indivisível e inalienável. Espécie de neomorgadio apenas instituivel em baldios e incultos do Estado (nada de expropriações). Deles beneficiariam, de preferência, chefes de família «pobres e bem comportados» e militares casados que tivessem estado na guerra («casal do soldado»). Teriam dimensão para sustentar uma família de 4 pessoas. Cultivadas em regime de enfiteuse

Em 21 tornou-se a insistir no aproveitamento dos baldios (Granjo agora como 1º Ministro). As medidas preconizadas eram sempre as mesmas: divisão dos baldios não utilizados como logradouro comum nem destinados a arborização em glebas aproveitáveis, concedidas pelos municípios a fogos de usuários, em regime de enfiteuse. O resultado era sempre o mesmo: um mínimo aproveitamento que a falta de publicidade e a ausência de consequências económicas em larga escala faziam parecer nulo.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

36

Azevedo Gomes (1924) insistiu nos baldios e na teoria dos casais de família, deixando preparadas medidas que os seus sucessores iriam aproveitar.

Álvaro de Castro (1924) aceita o decreto radical de 1921, que regulamentou. O Parlamento (2 meses após) aprova uma Lei (Rodrigues Gaspar), muito simples, que afirma que a divisão

e aforamento dos baldios paroquiais e municipais, feitos pelas respectivas juntas e câmaras, serão mantidos e validados desde que tenham sido observadas as disposições do Decreto de 17 de Novembro 1920.

Tudo mostra que alguns baldios haviam sido aproveitados e decretos posteriores (1925) esclareceram alguns pontos, permitindo a partilha de uma vintena de baldios até 1933, num total de mais de 16 mil ha, distribuídos por 7.336 fogos.

A maior percentagem coube a Mértola (2 mil fogos). No concelho de Celorico de Basto beneficiaram l.190 Ezequiel de Campos (representando a Seara Nova no governo esquerdista de José Domingues dos Santos,

1925) propõe, na Lei de Organização Rural, que entrassem no domínio público, por utilidade pública urgente, os quinhões de terras pousias, mal aproveitadas ou ermas, dos grandes proprietários, nos concelhos de densidade populacional inferior a 40 hab/km2. Parcelar-se-iam também os trechos agricultáveis dos baldios. Construir-se-iam propriedades familiares, procurando aumentar a densidade do povoamento. Na expropriação, o proprietário seria indemnizado mediante obrigações amortizáveis em 36 anos, com juro adequado. Não se tratava de socialização, pois os lotes seriam vendidos ou arrendados. A Proposta vinha acompanhada de um plano de rega a abranger 200.000 há, de intervenção do Estado na modernização das técnicas agrícolas e de uma organização administrativa responsável.

As reformas da Contribuição Predial Rústica e a lei de Fomento Florestal, completavam o substrato da reforma rural.

Cai o governo (dura menos de 3 meses) e os sucessores recuam perante a temeridade da medida O grande proprietário absentista Pequito Rebelo, monárquico integralista e naturalmente visado pelas

medidas de expropriação, foi o principal adversário dos projectos de E. de Campos Qualificou a lei de «estrangeira na sua inspiração, ineficaz na sua técnica, injusta na sua contextura jurídica,

contraproducente nos seus critérios agronómicos e económicos, e encerrando um princípio de guerra civil e de dissolvente ataque à propriedade».

Defendia o latifúndio, considerando-o «a melhor utilização da propriedade em condições de mau clima, terra pobre, capital e gente rara»

Negava a possibilidade de fixar no Alentejo os emigrantes a desviar do Brasil. Para ele, o que conviria seria orientá-los para as colónias.

Socialistas, anarquistas, comunistas, seareiros e outros mais para a direita, discutiram a Reforma Agrária durante todo o período republicano, escrevendo, discursando, exigindo.

A voz do Operário fazia eco das aspirações do II Congresso dos Trabalhadores Rurais (Évora) Num comício promovido pela União Operária Nacional (logo após a revolução de Sidónio), Alexandre

Vieira reclamava do governo a utilização imediata dos incultos, baldios e propriedade particular, em benefício comum.

No Congresso Rural (1918) propunham-se medidas (rejeitadas) de aproveitamento dos incultos: cedência em usufruto a associações de trabalhadores; tributação dos baldios em 80% do seu valor, com entregua do produto às associações de trabalhadores rurais.

Em 1920 Carlos Rates (Federação Maximalista Portuguesa) defendia a divisão do País em duas zonas, o Norte até ao Tejo (com o Algarve) e o Sul (com Castelo Branco e Santarém), para efeitos de reforma agrária. No Norte, a propriedade individual não poderia exceder o limite de 24 há, sendo o resto expropriado, atribuído aos municípios e distribuído, precariamente, em lotes de 5 ha pelos rurais sem terra e com família. No Sul, o limite era de 36 ha e os quinhões a distribuir teriam 8 ha. Em livro publicado pelo jornal A Batalha (A Ditadura do Proletariado) apresenta uma série de decretos que a haveria de fazer.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

37

A Confederação Geral do Trabalho (anarquista) levanta-se contra estes propósitos de socialização da terra, declarando «que a socialização integral das terras só será realizada directamente pelos camponeses conscientes e organizados...», rejeitando qualquer intervenção do Estado.

O XVI Congresso da Federação dos Trabalhadores Rurais (filiada na Confederação Geral do Trabalho), em 1925 aprova um programa de socialização completa e absoluta da propriedade agrária e suas pertenças, incluindo o gado. Toda a propriedade deveria passar para o controle dos concelhos, que a dividiriam com o objectivo de utilizar a terra, mais completa e racionalmente. O trabalho agrícola seria dirigido pelos sindicatos de trabalhadores rurais, quer directamente, quer através das respectivas federações, de acordo com o parecer de técnicos

Campos Lima descrevia em A Revolução em Portugal (1925) os artigos de um programa mínimo socialista: direito de expropriação por utilidade pública de terrenos incultos, terrenos cuja extensão exceda a faculdade cultivadora do seu proprietário e sobre os limítrofes de terrenos já adquiridos pela respectiva câmara municipal. Socialização gradual da agricultura

Na «direita», a formulação do problema foi menos clara ou inexistente. Pequito Rebelo defendeu teses ousadas e originais que lhe granjearam o aplauso dos conservadores. Em 26,

resume em livro toda uma posição assumida e divulgada desde havia muitos anos. Nega, pura e simplesmente, a existência de uma «questão agrária» em Portugal. Essa pseudoquestão agrária não passava de um preconceito de origem ideológica, livresca ou legislativa. Tomava a defesa do latifúndio, que ele entendia facilitar o povoamento e tender a evoluir para a pequena propriedade logo que aumentassem os meios de produção.

Predominava a exploração por conta própria, fosse em 1900, fosse em 1930, com percentagens entre 50 e 75% na maioria dos distritos do Continente

Os valores mais baixos encontravam-se em Santarém, Beja, Coimbra e Lisboa (20 a 25%); os mais altos estavam em Trás-os-Montes (Vila Real e Bragança) e Leiria (75%).

Em hectares, cabiam-lhe 347 mil em 1914 e 351 mil em 29 Seguia-se o arrendamento, com 40% da propriedade do Continente.

Predominava em Coimbra e Beja (75%), Castelo Branco e Lisboa (65%) e Santarém (60%) Menos comum em Viana do Castelo (15%).

Eram 226 mil ha em 1914 e 280 mil em 29. A parceria, muito defendida por Ezequiel de Campos, não ia além dos 9% do total continental.

O mínimo estava em Castelo Branco (1%) e as percentagens mais significativas em Aveiro, Santarém, Faro, Guarda e Braga (15 a 20%.)

Em hectares: 55 mil em 1924, 68 000 em 1929. A exploração comunitária encontrava-se divulgada em certas zonas do interior (Trás-os-Montes) mas, em

regra, não era extensivo às chamadas terras cultivadas. Incidia sobre pastagens, matas, baldios, etc. A superfície dos prédios rústicos do Continente, contudo, em relação aos números de 1910, teria aumentado

em todos os distritos. Apesar disso, o número total de prédios subira para 10.963.679 (eram 10.600.00), a que correspondiam l.312.830 contribuintes (eram 1.360.288).

A concentração fundiária acentuou-se sobretudo no Alentejo (duplicando a superfície média dos prédios rústicos do distrito de Évora) mas também no Norte se registou um emparcelamento da propriedade.

Ter-se-ia assim invertido (de 1910 a 30 a tendência da divisão da propriedade Efeitos da emigração intensa, despovoando campos e levando à venda de pequenas glebas integradas depois

em conjuntos maiores? Explicação talvez válida para os distritos do Norte e do Centro do País. No Sul, terá antes sido a proletarização de muitos pequenos proprietários, constrangidos a alienar as suas terras a favor de vizinhos poderosos. Terá sido, também, o desenvolvimento das culturas, resultado das arroteias dos começos do século XX, que enriqueceu médios e grandes senhores de terras alentejanas, dando-lhes os meios e o incentivo para alargarem as suas lavouras à custa dos agricultores mais humildes.

2.1.2 – A propriedade urbana

Os conhecimentos escasseiam ainda mais no que toca à propriedade urbana.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

38

Calculam-se em l.400.000 os prédios urbanos do Continente e Ilhas, a que correspondiam cerca de l.200.000 contribuintes. Porém, toda a casa, mesmo no campo, entrava na categoria de prédio urbano. Lisboa possuía (1909) 23.434 prédios urbanos e o Porto 23.355. Dada a disparidade da população, esta identidade explica-se pelo facto das casas lisboetas terem maior número de andares. As estatísticas para 1914 e de 19 confirmam esta identidade (1919 - Lisboa: 25.495 prédios; Porto: 25.527). O número de fogos já se mostrava várias vezes superior em Lisboa (mais de 2 vezes) Porto. No censo de 1911 registavam-se 93.184 fogos na capital e 42.878 fogos no Porto. Em 1920 já quase triplicavam (101.630 fogos em Lisboa e 45.385 no Porto). Tais números mostram que as casas de Lisboa tinham uma média de 3 ou 4 andares, enquanto no Porto oscilavam entre 1 e 2.

Quanto ao número de proprietários, as estatísticas indicavam cerca de 12.000 contribuintes em Lisboa e uns 11.000 no Porto. Uma média de 2 prédios por proprietário em ambas as cidades

Com aproximação, traduz a relação senhorio/inquilino: mais de l para 7 em Lisboa e quase l para 4 no Porto. Escorada nas classes média e inferior das cidades, a República procurou satisfazer os interesses dos inquilinos

urbanos. A legislação abundante sobre propriedade urbana não ficou só no papel, como sucedeu com as medidas sobre a sua congénere rural.

A primeira «lei» do inquilinato (1910, Afonso Costa) estabelecia o pagamento das rendas ao mês, em vez de ao semestre ou trimestre. Muito aplaudida pela maioria da população, os senhorios nomearam uma comissão para tratar da defesa dos seus interesses, apesar de gozar ainda de numerosas regalias, consideradas vexatórias e exploradoras por parte do inquilino. A mais significativa, era a faculdade de elevar a renda findo cada período de arrendamento. A relativa estabilização do custo de vida até à I Guerra não criou problemas. Contudo, a partir de 1913, a desvalorização, o aumento do custo de vida e o crescente afluxo de gente às cidades, rompe esse equilíbrio. Os aumentos assustam os inquilinos. Em Maio de 1913 realizou-se na Rotunda da Avenida um comício para protestar contra o aumento das rendas e reclamar medidas enérgicas contra os abusos de alguns senhorios. O 2ª governo de Bernardino Machado, fez publicar um decreto (1914), onde, pela primeira vez, se proibiam, sem consentimento dos arrendatários, aumentos de rendas não superiores a 18$00 mensais em Lisboa, 15$ no Porto, 10$ noutras cidades e 5$00 nas demais localidades do País. Três anos depois elevaram-se os limites para 25, 20, 13 e 8$00.

Com o Sidonismo os senhorios alcançam vantagens, expressas na lei de forma velada, permitindo abusos e sofismas (despedir o inquilino por não lhe convir a continuação do arrendamento).

António Granjo (governo de Domingos Pereira) mantém as bases do decreto de 1910, mas estabelece, a título permanente, a proibição da elevação das rendas e a liberdade de sublocação aos inquilinos. Daí por diante, as disposições legislativas sobre inquilinato rarearam.

Rodrigues Gaspar (ministro Catanho de Meneses, 1924) proíbe as rescisões automáticas do contrato de arrendamento urbano, quer por parte do senhorio ou arrendatário quer por transmissão do prédio.

Como consequência a propriedade urbana diminuiu de valor, os senhorios deixaram de executar reparações, os empresários afrouxaram as edificações. A um período de intensa construção urbana (sobretudo em Lisboa) correspondente aos anos de 1906-10, sucederam-se períodos de baixa progressiva.

Nesta época, a média anual dos casamentos subiu constantemente, tal como o surto migratório para as cidades. Segundo o relatório da comissão para propor as bases da Reforma Tributária (1926, presidida por Salazar)

faltavam à população de Lisboa 25 a 30 mil habitações (5 mil prédios). Falta que leva a instalações provisórias que se multiplicaram nos arredores da capital, à habitação nos concelhos próximos de pessoas que são oneradas diariamente com transportes caros, à promiscuidade de dezenas de milhares de famílias.

2.2 – Agricultura, pecuária e pescas

2.2.1 – A agricultura

a) Baldios A extensão do território nacional não sujeito a cultura desde sempre impressionou o público.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

39

Ao começar o século XX, elementos estatísticos científicos revelaram a existência de 53,15% de superfície inculta ou improdutível. Incluindo as áreas sociais das povoações, areais, cumeadas e rochas estéreis, ainda sobravam 38,5% para supor que aí se poderia encontrar remédio para a prosperidade da grei.

Este problema das terras incultas era igualmente uma excelente arma de combate. Instalou-se a convicção de que apenas a República conseguiria aproveitar este recurso da nação

Os conhecedores do problema sabiam perfeitamente ser necessário separar o solo inculto mas produtivo (pousios, pastagens, charnecas produtivas) do solo totalmente improdutivo. Feita a separação apenas sobravam 16,8%. Eram, mesmo assim, 14.900 km2 desperdiçados.

Esta questão dos «incultos» ou dos baldios punha-se pois como questão de primeira grandeza A sua desamortização, divisão e apropriação individualizada discutiu-se desde a segunda metade do século

XIX e, em especial, durante todo o período republicano. Julgara-se que a principal causa da existência dos baldios residia na incúria ou resistência dos proprietários

(grandes proprietários) e que, consequentemente, a intervenção do Estado poderia ter efeitos decisivos na solução do problema.

Um estudo aprofundado veio mostrar que as causas principais eram antes a má qualidade da terra para a cultura agrícola, a falta de vias de acesso (favorecendo a pastorícia sobre a arroteia), a fraca densidade populacional das regiões circunvizinhas, e até hábitos resultantes do viver primitivo, pastoril e comunitário, de escassas exigências.

O Projecto de Lei de Utilização de Terrenos Incultos, do deputado Ezequiel de Campos (1911), abriu a série legislativa em relação aos baldios, defendendo a realização de um cadastro dos incultos, com sua planta e memória explicativa, e uma intervenção do Estado se o respectivo proprietário se recusasse a cultivá-los dentro de determinado prazo. Qualquer indivíduo ou colectividade poderia requerer o arrendamento de 10 a 50 hectares de terrenos declarados incultos, por períodos de cinco a dez anos, sob certas condições, sendo a renda fixada pelas estações agrárias.

A Lei 88 de 7-8-1913, regula a organização, funcionamento, atribuições e competência dos corpos administrativos, determinando o aproveitamento dos baldios pelas câmaras municipais e juntas de paróquia. Os corpos administrativos de baldios arborizáveis reservariam anualmente verbas para essa arborização, a ser empreendida num prazo de vinte anos.

O Decreto n.º 3.619 de 27-11-1917, promovia, por intervenção estatal e segundo prazos a fixar, a cultura de terrenos incultos na posse de particulares, estimulando a criação de associações de agricultores para o cultivo de baldios e de terrenos de alqueive, incultos e de pousio, e criando prémios para quem trouxesse à cultura novas terras.

O Decreto n.º 4.812 de 14-9-1918, autoriza os corpos administrativos a parcelar os baldios, no todo ou em parte, a concedê-los a quem os quisesse aproveitar e instituindo prémios por cada hectare cultivado.

O Decreto Granjo (n.º 7.127 de 17-11-1920), cria o «casal de família», outra tentativa de promover o cultivo dos baldios. À recém-criada Junta de Fomento Agrícola caberia tudo o que aos baldios respeitasse.

A Proposta de Lei de Cunha Leal (6-12-1920, reforma das contribuições) iria dar escândalo, pois isentava de contribuição predial os terrenos baldios de logradouro comum, os terrenos incultos que fossem arborizados eram isentados por 15 anos, as terras pantanosas recuperadas por 7, e os terrenos incultos em que se estabelecessem colónias agrícolas também por 7 anos.

Houve violentos protestos por parte da Associação Central da Agricultura Portuguesa (grandes e médios proprietários), pela tributação a $05/ha dos terrenos classificados como incultiváveis e improdutivos e de $40/ha os cultiváveis e os de pousio superior a cinco anos.

A proposta de lei admitia também a expropriação pelo Estado dos terrenos conservados incultos até ao prazo de quinze anos.

A proposta não vingou e os diplomas legislativos, inúteis ou quase, prosseguiram. O Decreto n.º 7.933 de 10-12-1921, fala uma vez mais no indispensável cadastro, na divisão em glebas pelos

corpos administrativos, nos prazos de cultivo, etc. Azevedo Gomes (ministro da agricultura de Dez. de 23 a Fev. de 24), decidiu a cadastração e elaborou o

diploma regulador da divisão dos baldios de logradouro comum.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

40

Iniciou mesmo diligências para um plano de fomento concreto, o arroteamento mecânico da grande charneca delimitada por Santo Estêvão, Alcochete, Canha, Vendas Novas e Águas de Moura (milhares de hectares de terreno plano, coberto de mato pequeno, fácil de arrotear).

Ezequiel de Campos apresenta a proposta de lei já referida, já referida (Fev. de 25) Por fim, (decretos 10.552 e 10.553 de 1925), esclarece-se o diploma legislativo de Dezembro de 21, com as

regras e formalidades a observar na divisão e aproveitamento dos baldios. Textos que incorporam toda a matéria sobre o cultivo de incultos e constituíram base efectiva de trabalho,

ao abrigo da qual se aproveitaram e partilharam de facto, até 33, uns 20 baldios. Oficialmente ficou definido «baldio», como «todo o terreno susceptível de cultura arvense ou florestal que

não tenha sido cultivado ou arroteado nos últimos sete anos». Apesar de tudo, a extensão da superfície inculta diminuiu entre 1900 e 1930.

Mas já vinha diminuindo desde as medidas proteccionistas de finais do séc. XIX que, garantindo aos cereais um preço remunerador e competitivo com os cereais importados, tornou possível o arroteamento de vastas zonas antes desertas e incultas.

Também contribuíram as modificações introduzidas nas formas de exploração agrária da propriedade rústica. Generalizaram-se os aforamentos e arrendamentos a longo prazo de parcelas de latifúndio. Venderam-se em pequenos lotes médias e grandes herdades.

Por detrás deste pacífico movimento esteve o acréscimo de população, com o consequente aumento de mão-de-obra (pese a emigração) e a fome de terra, que exerceram pressão crescente no statu quo e o obrigaram a modificar-se. Houve mesmo esporádicos conflitos entre apropriadores individuais de baldios e populações, que defendiam os seus usos tradicionais.

A área total dos incultos baixou assim dos 38.428,8 Km2 em 1902, para os 35,836 Km2 de 26 As culturas que mais aumentaram foram as de arvoredo (pinhal, souto, sobreiral), vinha, arvenses e hortícolas.

Entre 1914 e 30 registaram-se progressos nas manchas de pinhal, olival, pomares, souto, azinho e sobro, mas diminuiu um pouco a área dedicada às culturas arvense e hortícolas.

O arroteamento de charneca diminui de ritmo a partir de 1920, só se voltando a intensificar na década de 30, com a «Campanha de Trigo» e medidas de colonização interna.

O alargamento das áreas de cultura ocorreu fundamentalmente no Norte e Centro do País.

b) Maquinaria Num país onde a ignorância era grande, os capitais escassos, o crédito rudimentar, o equipamento tecnológico

estava muito aquém das necessidades de uma agricultura progressiva. Mas na produção vinícola registaram-se progressos com a introdução de esmagadeiras-desengaçadeiras e de

máquinas de esmagar manuais. Os primeiros tractores (20 unidades) foram introduzidos em Portugal no segundo semestre de 1917 por

iniciativa do ministro do Trabalho (Lima Basto). Propôs-se mesmo a ajudar o agricultor na utilização das dispendiosas máquinas, prevendo o aluguer pelo governo, de máquinas (especialmente motores), e alfaias ao lavrador que as não pudesse adquirir.

O ministro Granjo criou (1920), o Fundo de Fomento Agrícola, ao abrigo do qual, por subvenções à lavoura mecânica foram subsidiadas (até 1924) 210 máquinas, das quais 80 motoras.

O ministro Joaquim Ribeiro (1923) criou receitas extra-orçamentais para ajudar ao desenvolvimento técnico da agricultura nacional.

Tudo muito escasso, tímido, incerto. Revelador de um Estado pobre e instável. A partir de 23 entram vários tractores e locomóveis (mais de metade proveniente dos EUA), mostrando

sensíveis progressos na introdução deste tipo de meios agrícolas.

c) Adubos Mais antigo e divulgado era o uso de adubos químicos (alguns produzidos no país).

Na década de 903-14 consumiu-se, em média, c.100 mil t, 90% dos quais importados (F e UK) A existência de pouco gado conduzia a uma escassez crónica de estrume. Utilizavam-se preferentemente os adubos fosfatados

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

41

Das cerca de 170 mil t anuais (dando para cobrir 560 ha), 90 mil (superfosfatos de cal) eram produzidas na CUF e Fábricas da Póvoa de Santa Iria e da Tinoca nos começos da república.

A falta de educação técnica impedia que se extraíssem todas as vantagens do seu emprego E em termos europeus, Portugal aparecia no fim da lista quanto ao número de kg/ha (0,161 em 1912-13).

Abaixo de Portugal, só os países balcânicos. A I Guerra fez baixar as importações. Nesses anos até se exportaram adubos, desenvolvendo-se assim a

indústria nacional. A falta de adubos químicos foi parcialmente remediada com o uso de adubos orgânicos.

Depois do Armistício, a importação de adubos químicos voltou a aumentar, mas sem atingir as cifras anteriores, dado que a produção nacional aumentou substancialmente.

d) Irrigação A seguir aos baldios, foi o problema da irrigação que mais mobilizou os esforços dos responsáveis Já durante a Monarquia Constitucional (Regeneração) alguma coisa se fizera: estudos, planos e algumas obras.

À proclamação da República já existiam algumas barragens e canais, quase sempre em resultado de iniciativas individuais ou de corpos administrativos.

Ezequiel de Campos foi um dos que mais lutou pela realização de obras de hidráulica agrícola Para desenvolvimento das regas e colonização consequente mas também para criação de uma indústria

hidroeléctrica que permitiria suprir a falta de carvão Brito Camacho (1911) preocupou-se logo com o assunto, fazendo iniciar novos estudos de hidráulica,

enviando técnicos ao estrangeiro e assinando um decreto sobre aproveitamento de águas Ant.º Aurélio da Costa Ferreira (1912) enviou uma missão a Espanha a estudar as obras de rega.

Era chefiada por Raul de Mendonça que publicou (1916) um importante relatório Não se passavam porém dos projectos

Bettencourt Ferreira escrevia (1915) que as pessoas duvidavam de que alguma obra viesse a ser empreendida pelo Estado, mau grado os muitos planos, debates públicos e alvitres propostos.

José Augusto Ferreira da Silva (1917) num Projecto de Lei traça as linhas gerais de um plano de obras hidráulicas de iniciativa estatal.

Possíveis concessionários seriam os corpos administrativos com jurisdição na área, os sindicatos de agricultores, pessoas singulares ou sociedades legalmente constituídas.

Júlio Martins (1919) publica um Decreto onde reuniu e uniformizou a vária legislação sobre águas Criaram-se depois (1920) a Junta de Fomento Agrícola e o Fundo de Fomento Agrícola, com a finalidade de

dotar o Estado com verbas próprias para pôr em prática a legislação Joaquim Ribeiro (1923) instituiu subsídios para obras de hidráulica agrícola. Azevedo Gomes (1924) fez vir a Portugal um técnico estrangeiro de primeira categoria na engenharia

hidráulica mundial, a fim de dar parecer sobre o plano geral de aproveitamento, inventário das possibilidades e sistematização técnica e económica dos esforços a desenvolver. O referido técnico deu prioridade à execução dos trabalhos previstos para o Ribatejo, seguindo-se os campos do Vouga,

lagoa de Fermentelos, campos do Mondego, campinas da Idanha, campos da Golegã, campos do Sorraia, águas de Marateca a Alcácer, campos do Sado, várias zonas do Baixo Alentejo e Alentejo litoral, e toda a costa sul do Algarve.

Ezequiel de Campos (1925) na sua Proposta de Lei que incluía todo um capítulo sobre a irrigação O agrónomo Rui Mayer (1926), trouxe o seu contributo para essa fase. Lançados os alicerces, estabilizado o executivo com a Ditadura, foram-se iniciando os trabalhos

Cria-se a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, em 1930.

e) Capital A escassez de capitais era outro dos magnos problemas da agricultura.

Mais de metade do capital empregue pelo agricultor provinha de empréstimos. Daí um retraimento geral na actividade produtora. Não gastar era a preocupação do lavrador

Organizar, desenvolver um sistema de crédito rural satisfatório era outra das preocupações.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

42

Que o Estado devesse intervir, todos se achavam de acordo. Mas o fomento do associativismo rural, era também uma das condições indispensáveis a um frutuoso regime de crédito.

Em 1908 já os governantes haviam dotado o crédito agrícola com uma verba de 5.000 contos, porém, sem fazer a regulamentação, era como se o crédito não existisse.

Ao nível local e associativo, apenas se contavam 3 caixas de crédito: Abrantes, Elvas e Vila Flor, organizadas pelos respectivos sindicatos agrícolas.

A República instituiu e regulamentou um sistema, mais ou menos eficiente, de crédito como também estimulou as iniciativas locais.

Brito Camacho (1911) criava caixas de crédito agrícola mútuo, organizadas cooperativamente com um mínimo de 10 associados, de que podiam fazer parte agricultores sindicalizados que, directa e efectivamente, explorassem a terra, sindicatos agrícolas e associações agrícolas.

A sua circunscrição não podia exceder a área do concelho mas permitia-se a federação de caixas no mesmo distrito (Caixas Distritais) e a destas numa Caixa Central de Crédito Agrícola

O decreto criava também a Junta do Crédito Agrícola, cuja missão básica consistia na instituição das caixas, fomentando e controlando as iniciativas locais.

Como fundo especial de crédito estipulavam-se l.500 contos, soma elevada para 5 mil em 1918 No País, porém, faltava espírito associativo, instrução geral e conhecimentos profissionais.

Os onzeneiros protestavam, pois viam fugir-lhes um negócio rendoso (juros de 5% a 10%). A guerra, a alta de salários e de materiais, a desvalorização da moeda tornaram os fundos das caixas

insuficientes e a contribuição do Estado exígua. A emigração (estrangeiro e grandes cidades) desfalcou a província de pessoas competentes.

Apesar de tudo um sistema de crédito rural, mesmo imperfeito, começou a nascer em todo o País. Concebido por proprietários, e destinando-se a robustecer a pequena e a média propriedade rural, deixou de

fora (com raríssimas excepções), os puros assalariados e os indigentes. Foram, na verdade, os pequenos e os médios detentores de lavouras quem sobretudo lucrou.

As caixas eram já 26 em 1913, mais de 50 em 1916 e 106 em 1928 Os associados passaram de 1 milhar em 1913 para 7.500 em 1926

Ora, pela mesma época, havia três vezes mais sindicatos agrícolas em todo o País, o que justificava as acusações de muitos sobre o pouco interesse que as caixas mereciam aos sindicatos.

A maior densidade estava no Sul (Beja, Évora e Lisboa), regiões das grandes searas e de vinhos, que exigiam avultadas despesas de exploração.

A densidade era mínima em Braga e no Porto e existiam pouquíssimas nas Ilhas. Do Banco de Portugal, as caixas recebiam empréstimos em quantidade sempre crescente. Os juros variavam de 1 a 3% com prazos que podiam ir até 15 anos Pelos valores emprestados vê-se que serviam principalmente, o pequeno e médio agricultor.

Serviu, predominantemente, para a compra de adubos e gado, cultura da vinha, despesas com ceifas e cereais, pagamentos de jornas e soldadas e compra de fungicidas.

Em 1918, a criação do Ministério da Agricultura trouxe consigo a primeira reforma do sistema. Foi extinta a Junta de Crédito Agrícola, substituída, com funções mais amplas, pela Direcção do Crédito e

das Instituições Sociais Agrícolas. Tornou-se também extensivo o crédito às Ilhas Adjacentes. A reforma instituiu também um fundo auxiliar de crédito agrícola.

Em 1919 foi regulamentada outra legislação referente a crédito, sindicatos, federações, etc. Em 1920 saíram novos decretos (António Granjo) que pouco modificaram o existente. Em 1924 a desvalorização da moeda levou o ex-minístro Azevedo Gomes a chamar a atenção para a

necessidade do reforço das dotações do Crédito Agrícola, «sob pena de ver-se fracassada uma das iniciati-vas mais interessantes do regime republicano».

f) Mútuas de gado Com fundas raízes no passado funcionavam as associações mútuas de seguro de gados.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

43

Por vezes directamente relacionadas com os «compromissos» medievais, haviam sido modernizadas e sistematizadas A partir de 1910 proliferaram, excedendo um milhar nos começos da década de 30.

Predominavam as mútuas de bovinos, mas também existiam de suínos e de solípedes. Tinham por fim garantir o reembolso do valor do gado morto por doença, acidente ou abatido por ordem das

autoridades.

2.2.1.1 – A produção agrária

No início do séc XX, calculava-se em 2.337.775 ha a superfície do Continente ocupada com culturas arvenses e hortícolas. Aumento considerável em relação a 25 anos atrás.

Essa área continuaria a expandir-se, a ritmo cada vez mais lento, até à I Guerra: 2.460.123 há Contraiu-se, depois, um pouco, sendo de cerca de 2.423.000 ha ao findar a década de 1920.

O trigo, e também o milho, ocupavam a maior parte (300 a 400 mil ha de trigo) Seguia-se o centeio (uns 200 mil ha), a cevada (140 mil) e a aveia (100 mil). Arroz não se cultivavam mais de 8 mil ha. De culturas hortícolas avultava a batata, com 50 mil ha. As outras culturas (fava, feijão, grão-de-bico,

ervilha, tremoço, hortaliças, pomares) ocupavam para cima de l.200.000 ha Por distritos, as percentagens destas culturas não eram muito diferentes das da actualidade. A produção anual de trigo caracterizava-se pela sua irregularidade (1,6 milhões de hectolitros em 1912 a 4,6

em 1923), mas era inegável o progresso conseguido desde finais do século XIX. As leis cerealíferas de 1889-99 (Elvino de Brito), continuadas por outras medidas legislativas (Monarquia e

República), estabeleceram um regime de protecção segura à cultura de trigo. Visava-se proibir a importação de trigo quando o houvesse nacional, fixando um preço remunerador,

tabelando o custo do pão e cuidando da moagem e rateio A Lei de 1899 foi por uns chamada «lei benemérita» e por outros apodada de «lei da fome».

A curto prazo a lei tornou-se odiosa, encarecendo artificialmente o pão em 45% a 50%. A longo prazo, a lei trouxe inegáveis resultados proveitosos no desbravamento de vastas áreas alentejanas e a uma melhor distribuição da população do Sul.

Os plenos resultados desta legislação proteccionista haviam-se já alcançado ao findar o regime monárquico, mantendo-se até à «Campanha do Trigo» do Estado Novo.

2.2.1.2 – O consumo

a) O trigo Os problemas de consumo de cereais (trigo sobretudo) revelaram-se de difícil resolução. Alcançados os primeiros frutos da legislação proteccionista, a produção de trigo estagnara. Mas a população aumentara 15% em 19 anos, e a concentração urbana mais do dobro. Abastecer Lisboa (que crescera 33%) sem violar a legislação proteccionista era dificílimo. O recurso ao trigo exótico tornou-se indispensável. A importação de trigo passou dos 70 mil l/ano entre 1906 e 12, atingiu 182 mil t em 1916 (quase tanto como a

produção). Em relação ao surto demográfico do séc. XX, contudo, houvera indubitavelmente progresso. Veio a guerra e o seu difícil rescaldo. Hesitações dos governantes e a falta de continuidade no poder impediram que a questão frumentária pudesse

continuar a ser debelada no quadro da lei de Elvino de Brito. Atente-se também nas grandes mudanças na estrutura da população, do comércio, da indústria e do consumo

dos cereais. A eclosão da guerra elevou substancialmente o custo do trigo exótico, bem acima do preço legal internamente

garantido aos produtores. Como consequência, o mercado nacional de trigo retraiu-se, não aparecendo trigo à venda, o que se traduzia pela escassez de pão.

Ainda por cima, as colheitas de 1914 haviam sido medíocres, sucedendo-se a dois anos de fome.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

44

Os governos, inquietos com a reacção dos consumidores a subidas de preço, rejeitaram uma subida no custo do trigo e preferiram recorrer à coacção. Daqui se originou um conflito entre os (grandes) proprietários rurais e o Estado republicano que jamais se viria a sanar de todo.

A intervenção do Estado na «questão do pão» traduziu-se pela introdução dos arrolamentos, pela obrigatoriedade do manifesto de trigos e farinhas e o tabelamento do preço máximo do trigo.

O comércio complicou-se, pela exigência de justificações e guias de trânsito. Autorizou-se, como habitualmente, a importação até certo limite, mas reduziu os direitos de importação a um

mero símbolo estatístico. Mesmo assim, a indústria moageira iria sofrer prejuízo com a importação. O Estado tornou-se então importador e abastecedor das fábricas, impondo-lhes preços que não contribuíssem

para o agravamento dos do pão. Logo novo decreto obrigava os detentores de trigo nacional a vendê-lo dentro de certo prazo. O trigo deveria ser manifestado após a produção no Mercado Central de Produtos Agrícolas. A partir desse

manifesto, estabelecia-se o rateio pelas fábricas de moagem oficialmente matriculadas, atribuindo percentagens em função da respectiva força de produção e efectividade de laboração. Uma vez esgotado o trigo português, autorizava-se a compra de trigo exótico, rateando-o igualmente pelas empresas moageiras matriculadas.

Em 1910 estavam matriculadas 158 moagens, das quais 140 de panificação. Em 1915, esse número estava reduzido a 82, sendo 70 de panificação. Em 1919, contavam-se apenas 58. Tudo devido à progressiva concentração industrial.

Muito do trigo nacional não se dava ao manifesto. O melhor trigo era vendido fora das tabelas do mercado a fábricas (matriculadas ou não) que fabricavam pão superior mas a preço acima da tabela oficial.

Com a eclosão da guerra, todo este fenómeno se acentuou. Ao lado do pão barato, oficial, (o «pão político»), de baixa qualidade, aparecia o pão livre, encarecido e de qualidade superior.

Multiplicaram-se medidas de controlo, proibições, multas, processos estatísticos de avaliação das colheitas, etc., mas sem grande resultado.

A instabilidade política (sidonismo e retorno à República velha, 1917-18) no período mais agudo da questão não ajudou à correcção dos abusos, antes os protegeu e estimulou.

Até 1911, existia registo e fiscalização das padarias dos povoados com mais de 8 mil hab. Com a proclamação da República pôs-se fim a este intervencionismo. Brito Camacho decretou um regime de liberdade quase absoluta, multiplicando-se enormemente o número de padarias

O estado procurava comprar trigo exótico a preço inferior ao do trigo português, para não perder dinheiro nem prejudicar a lavoura, mas com a desvalorização da moeda e a subida de preços, temerosos de uma inflação, os governantes não permitiram a elevação do preço oficial do trigo nacional. Em 1920, já o kg de trigo importado estava pelo dobro do do trigo nacional.

Descura-se a produção, mas agora a pressão das massas consumidoras dos grandes centros urbanos impedia um regresso à situação anterior. O pão precisava de a ser barato para garantir o apoio popular citadino. Mas o conflito entre produtores e consumidores agudiza-se.

A Companhia Industrial de Portugal e Colónias (vulgo Moagem), associação de indústrias de panificação (1919) foi-se robustecendo com fraudes em tempo de guerra e com a importância concedida ao abastecimento de cereais às grandes cidades.

Era a sucessora, alargada, da Nova Cª Nacional de Moagem, que já nos anos anteriores à guerra se contava entre as mais poderosas firmas de todo o País (8º lugar, em capital, 1910, o 5º em 15 e o 2º em 26, apenas

superada pelas Companhias Reunidas Gás e Electricidade). Exercia um quase monopólio no abastecimento de pão a Lisboa e uma tendência absorvente em todo o Portugal (com o auge no período de 1919-22)

Em 1921 a Moagem tinha, por rateio, 83% do trigo exótico para a capital (40% no resto do país) Acresce que a Moagem detinha igualmente a propriedade de centenas de padarias.

Para conseguir maiores percentagens no rateio do trigo nacional a Moagem matriculava, como em funcionamento, diversas fábricas que tinha, paradas, em todo o País.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

45

Nos começos da década de 20, a Moagem era um grande potentado. Grupo de pressão que possuía minas, indústrias várias, fontes de energia hidráulica, participação bancária e até o maior jornal do País (o DN).

No Porto pontificava a Sociedade Industrial Aliança, embora muito menos monopolística. O público protesta, a imprensa agita a opinião pública. Após uma violenta campanha d’ O Século o governo de

Domingos Pereira (Jan/Mar de 1920) instaurou processos contra as entidades acusadas de negócios ilícitos, o que visava sobretudo a Moagem. No Parlamento, socialistas e os populares clamaram contra a política oficial do pão barato, que só servia para desfalcar o Tesouro e para obviar ao desenvolvimento da agricultura portuguesa.

António Granjo (19209 nomeou uma comissão de inquérito às ocorrências do regime cerealífero e de panificação vigente. Tomam-se medidas sobre tipos de farinha e de pão, algumas de real mérito, outras que agravavam ainda mais a confusão existente.

Também o desanuviamento gradual da situação política e económica do País ajudaram a minorar o mal e, a pouco e pouco, a lançar as bases de novo sistema abastecedor e panificador.

Em 1923, tornou-se possível abolir o “pão político”, acabando com o apoio financeiro do Estado à indústria moageira. O regime cerealífero (decreto de Joaquim. Ribeiro) assentava na liberdade de comércio, garantindo apenas ao trigo nacional, manifestado, a aquisição por determinados preços, tabelados em função da qualidade e do peso específico.

Regime que pôde vigorar graças aos mais regulares anos agrícolas, à estabilização da moeda e à normalização do mercado cerealífero estrangeiro.

Mas a Moagem manteve o seu predomínio todo-poderoso, dominando, em 1924, uns 80% da indústria panificadora lisboeta e 30% no resto do país (mas das 92 moagens portuguesas apenas 8 eram da Companhia).

b) A vinha Não se sabia exactamente a superfície ocupada pela vinha nos começos do século XX.

Cincinato da Costa (1900), calculava-a nuns 220.000 ha apenas. Oito anos mais tarde, Sertório do Monte Pereira (1908) somava 313.000 ha. Tavares da Silva (1930), reputava-a em 480.000 ha.

Poderia dar-se o caso existir um plantio regular de cepas ao longo dos 30 anos indicados. Olhando os quantitativos da produção, todavia, nada permite aceitar essa hipótese.

A média anual de 1900/09 foi de cerca de 5 M de hl, pouco suplantada pela dos anos de 1920/29. Houve anos excepcionais: 1908, 7 milhões; 1927 9 milhões. Mas também anos fracos: 1917, 3,2 milhões; 1920, 3,400 milhões e 1926, 3,7 milhões.

Poderá, contudo, ter havido um pequeno alargamento na área da vinha. A conclusão a tirar era a enorme irregularidade na produção, que ia do simples ao triplo.

Em relação ao século XIX é de referir a reconstituição das vinhas dizimadas pela filoxera. Cincinato da Costa afirma assistir-se a uma febre de plantação e de melhorar a produção

Em certas áreas, sobretudo nas regiões nortenhas, mais afectadas pelo flagelo, a vinha não voltara aos solos de outrora. Descera para as várzeas e, deixando de correr parelhas com a pequena e a média exploração rural, passara a sugerir vastas empresas agrícolas.

As alterações foram sensíveis no Douro, Dão, Torres Vedras e Alenquer. No Ribatejo plantaram-se extensos vinhedos nas charnecas de Poceirão e Pegões, onde se situava a maior vinha e instalação vinícola do mundo (José Maria dos Santos). Também as baixas do Mondego, as várzeas de Leiria, Óbidos, Lourinhã e Bombarral foram ocupadas com vinhedos.

O problema da definição dos tipos de vinha e demarcação das áreas respectivas ocupou toda a 1ªm do séc. XX, como necessidade de assegurar um mercado às exportações e concorrer contra os vinhos de outros países.

Em 1908 sai o 1º decreto que, oficialmente, delimita as zonas dos vinhos generosos: Porto, Madeira, Carcavelos e Moscatel de Setúbal.

Em 1921 demarcaram-se, com mais rigor, as mesmas zonas e, ao lado delas, os vinhos de pasto: Colares, Bucelas, Dão, Bairrada, Borba, Torres Vedras, Cartaxo, Alcobaça, Douro (vinhos virgens), Minho (vinhos verdes), Amarante, Bastos, Monção e Fuzeta.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

46

Metade da produção era consumida em Portugal continental. A outra metade saía para os mercados do Brasil, colónias portuguesas e Grã-Bretanha (aqui sobretudo o Porto). O Madeira ia sobretudo para a Alemanha, mas também França e Inglaterra.

A proclamação da República ocorreu num período de crise para a viticultura nacional. Talvez mesmo o descontentamento dos viticultores não tenha sido alheio à Revolução de 1910.

A crise era sobretudo de excesso de produção. A queda nos preços acentuou-se nos anos 10. Mas existiam outras causas, entre as quais a concorrência dos vinhos espanhóis e franceses para Inglaterra. No próprio mercado interno se registavam modificações fraudulentas que abalavam as constantes

tradicionais da produção, como, por exemplo, os vinhos licorosos do Sul, mais baratos, que inundavam as adegas de Gaia para serem transformados em «Porto».

Diversas medidas se tomaram que passaram, além das demarcações já referidas, por negociações com países estrangeiros (tratado comercial de 1908 com a Alemanha).

Também se tentou regularizar o mercado interno com a criação da Cooperativa União dos Viticultores, com o objectivo da regularização e tabelamento de preços.

João Franco (1907) repõe o antigo privilégio da «barra do Douro», a que se acrescentará (D. Manuel II) a interdição da entrada nos entrepostos do Porto e de Gaia, de vinhos do Sul com graduação superior a 14%

A situação melhorou nos anos anteriores à guerra. Os preços subiram e a produção de vinhos generosos do Douro decresceu.

Tentou fomentar-se o associativismo dos proprietários, embora com escasso êxito. Em 1914 reacende-se a crise, acrescentada agora pelo agravamento da contribuição predial (lei Afonso Costa,

de 1913) e por uma nova invasão de míldio que destruiu muitas cepas. Registaram-se protestos, reclamações e mesmo ocorrências tumultuárias e ataques a armazéns. A guerra, com a alta de preços, veio solucionar muitas coisas e fazer esquecer outras. A partir de 1920 as

exportações de vinhos comuns diminuíram mas aumentaram as de vinhos licorosos. De 1920 a 26 o valor da produção vinícola representava uns 20% da produção agropecuária portuguesa, sendo

de mais de 50% o valor das saídas de vinho na exportação total da Nação.

c) o azeite A produção de azeite aumentou durante o final do século XIX e começos do XX.

Produzia-se mais e melhor, baixando os limites máximos oficiais para a acidez (de 7 para 5). Com frequência, surgiram azeites com l e 2% apenas.

A quantidade de azeite importado para a indústria das conservas (que exigia azeites de 1ª) foi diminuindo consideravelmente, mesmo que a produção conserveíra tenha aumentado.

Uns 10% da produção, mesmo assim, saíam para o Brasil, enquanto Portugal mandava vir o que faltava de países como a Espanha, Itália e França.

Em tempo de Guerra houve as naturais falhas, embora sem as repercussões que teve a escassez de pão ou de outros géneros.

d) A fruta A produção de fruta revela-se difícil de avaliar, tal como a de hortaliças.

Apenas os fígueirais, amendoais, alfarrobais, soutos de castanheiros e demais árvores de grande porte se poderão talvez contabilizar.

Parte da produção era exportada. Alguns problemas locais, ao lado de crise, afectaram a produção de fruta. O laranjal, por ex., foi gravemente prejudicado pela doença e a replantação estava longe de lograda.

A guerra dificultou as exportações, sobretudo de frutas caras tais como os ananases das Ilhas ou os figos e as amêndoas do Algarve. A concorrência de Espanha, Itália e outros fez-se sentir cada vez mais, pondo o problema da modernização das técnicas produtivas e de embalagem.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

47

2.2.2 – O revestimento florestal

Azevedo Gomes (1920) técnico silvícola, afirma: «larga percentagem do solo agrícola nacional só pela constituição de matas pode valorizar-se… o País é forçado a tomar um fácies acentuadamente florestal, que ainda hoje não possui...».

A florestação em Portugal era, contudo, e no conjunto da Europa, já considerável Tinha mais árvores que a Suíça, Roménia, Noruega, França, Bélgica, Grécia, Sérvia, Espanha, Holanda, Dinamarca e a

própria Inglaterra: 21,9% de superfície arborizada (29 mil km2) À cabeça vinham os pinhais. Seguiam-se os montados de sobro e de azinho, os olivais e, a grande distância,

os fígueirais, amendoais e alfarrobais, os soutos de castanheiros e os carvalhais. Significativos 6 mil km2 eram de arbustos e matas.

Em 26 a área silvícola aumentara um pouco (26,2%), sobretudo com pinhal e um pouco os soutos Mas diminuíram áreas de figueiral, amendoal e alfarrobal e, muitíssimo, a de carvalhal. Exportavam-se toros de pinheiro para Inglaterra, para as minas. A indústria intensificou o uso da resina

A instituição do regime florestal (1901) ajudou ao desenvolvimento da arborização pela iniciativa privada. De 1903 a 11, o Estado arborizou 70 km2.

Nos começos da República havia sujeitos a esse regime 360 km2, mais 300 em regime parcial e l.046 de terras em simples regime de polícia.

Em 1930, estavam em regime florestal pleno ou parcial 1.177 km2, e sujeita apenas a policiamento 2.075. A criação do Ministério da 3 Agricultura (1918) significou novo passo em frente na florestação

Instituiu-se uma Direcção dos Serviços Florestais e Aquícolas. Aumentou o pessoal empregado na supervisão e tratamento das florestas e melhorou-se a execução de todos os serviços.

O Estado não conseguia arborizar mais de 8 km2/ano como média. Os custos eram elevados e havia deficiência de acessos. Sobretudo nas regiões serranas, as mais carentes de arborização.

Portugal tinha a maior área de montado do mundo (475.000 ha), a sul do Tejo, com um rendimento por hectare muito importante (90 mil t, dos quais 75 mil eram exportados)

Até finais do séc. XIX, a cortiça servia sobretudo para rolhas. A invenção dos discos de cobertura fez baixar verticalmente os preços. O mercado corticeiro melhorou a partir de 1905-06 com a descoberta de novas utilizações da cortiça: palmilhas, pontas de cigarro, armações de chapéus (sobretudo os coloniais), invólucros de charuto, etc.

A exportação subiu de 50.000 t em 1905, para 93.000 t em 1913 (90% em bruto ou quase). A guerra fazer baixar em muito os números da produção. Mas terminadas as hostilidades a cortiça nacional

conheceu um boom até ao fim dos anos 20: 18 kt em 19, 55 em 23, 131 em 29.

2.2.3 – A criação de gado

No começo do séc. XX, o gado representava o mais importante capital de exploração agrícola. Amanho da terra e transportes dele dependiam. Serviam sobretudo os bois (no Norte) e os muares (no Sul).

Também supriam a fertilização das terras. A vaca leiteira era indispensável ao abastecimento das massas urbanas. Nas regiões do interior serrano e nas planícies do Alentejo, desempenhavam papel de relevo na economia local os gados ovino e caprino. Os suínos importavam ao sistema de exploração rural alentejano [e doméstico noutras regiões].

Ovelhas e carneiros constituíam metade do gado nacional. Depois as cabras, os suínos e os bois. A mais larga distância estavam burros e cavalos.

A posição relativa das espécies mantivera-se ao longo do 1ºq XX, com excepção dos gados caprino e suíno, que trocaram posições: antes vinham primeiro os suínos. Também se registou a diminuição do número de ovelhas a partir de 1920.

Dos animais de capoeira vinham primeiro as galinhas (uns 50%), seguindo-se coelhos e pombos. A maior distância vinham patos e perus. O valor dos ovos produzidos duplicava o da lã.

Houveram várias tentativas para aumentar os efectivos pecuários. Propaganda com concursos e exposições, muito em voga até, pelo menos, à I Guerra.

Portarias de 1909 e 1911 procuravam beneficiar o gado bovino, organizando certames regionais todos os anos. Em 1912 fez-se outro tanto para com os gados ovino, caprinos e outros.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

48

Com poucos resultados práticos. Prémios exíguos, participação fraca, júris pouco rigorosos. Destes dados ressalta a baixa quantidade de carne consumida, mesmo em Lisboa, onde a a medis (20 kg/ano

por hab.) era a do dobro do resto do país. Quantidade julgada mínima em pelo que era exigido pela ciência económico-nutritiva

A importação, livre de direitos desde 27, veio ajudar a solucionar o problema, mas desvalorizou o gado nacional, prejudicando a lavoura.

O entusiasmo pelo consumo de carne durou pouco, quer pela medíocre qualidade da carne, quer por campanhas realizadas em seu descrédito, quer ainda hábitos alimentares das populações.

Para mais, a guerra veio reduzir o abate de carne para consumo, sobretudo nas grandes cidades. No matadouro de Lisboa, a carne de vaca, cedeu lugar ao porco

Em 14 consumia-se 64% de carne de vaca contra 26% de porco e 10% apenas de carneiro. Em 25 a vaca registava 47%, o porco 27% e o carneiro ??%.

Não se esqueça, uma vez mais, o aumento considerável da população urbana. O que melhor se incrementou foi a indústria de lacticínios, sobretudo a produção de manteiga. O fabrico de boa manteiga inicia-se na década de 1880, fazendo reduzir a importação (em 1920 já

praticamente não se importava) Nesta data também os queijos nacionais abasteciam 90% do consumo e os ovos a totalidade.

2.2.4 – As pescas.

A pesca (marítima e fluvial) era das actividades mais lucrativas (exportação sobretudo) Os produtos piscatórios (principalmente conservas) vinham logo depois do vinho, gado e cortiça.

Enriqueciam os industriais, mas pouco contribuíam para o bem-estar dos 50 000 homens e mulheres que subsistiam da pesca e derivados. As famílias dos pescadores viviam numa quase indigência, sujeitas aos acasos atmosféricos, variações do mar e caprichos dos exploradores.

Era uma população por vezes pouco especializada, combinando actividade marítima e agricultura (sobretudo nas regiões nortenhas, na Póvoa de Varzim, Leixões e outros portos.

No Sul, associavam-se a pesca e a indústria (conservas). A organização defeituosa com falta de sistemas de armazenagem e de transporte, levava a que o peixe

superabundasse nas localidades costeiras, faltando (fresco) no interior. Por ordem de importância vinha primeiro a sardinha (50% do total), no primeiro decénio.

O peso da sardinha aumentou com os anos da guerra, mais pelo aumento dos preços devido ao surto da indústria conserveira. Mas já em 1926, só 41% do valor reportava à sardinha.

Em compensação, as pescarias de bacalhau, depois de um período de declínio, mantiveram o seu valor e até o aumentaram de novo.

Em 1910, o bacalhau dos navios nacionais importava em 6% do valor total piscatório. Em 1913 baixa para 3,4%, mas volta a subir em 25, com 5%, e atinge os 7% em 26.

Mesmo contando com o aumento de população, havia mais bacalhau à venda ao findar a década de Vinte do que o houvera no começo do século.

Por grandes grupos, depois da sardinha vinham, em ordem de valor, carapaus e chicharros, cavalas e sardas, corvinas, pargos, gorazes, cachuchos e douradas, pescadas, salmonetes e outros congéneres. Só depois vinham os atuns (com bonitos e albacoras) e, por fim, o bacalhau.

2.3 – O surto industrial

a) A defesa da industrialização Pensava-se (Anselmo de Andrade e outros) que Portugal nunca poderia ser um país de indústrias

A agricultura seria a nossa legítima função de trabalho (isto ainda em 1918). Ideia comum apoiada pelos interesses conservadores de grandes e médios proprietários rurais.

Alguns, poucos defenderam a viabilidade da industrialização do País. Azeredo Perdigão publica uma monografia (1916) onde rebate os argumentos de Anselmo.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

49

Aceitava a riqueza mineira do subsolo nacional, inexplorada pela escassez de capitais e transportes. Visionava o desenvolvimento do mercado nacional através de pautas proteccionistas e do fomento da própria indústria. Adiciona-lhe o mercado colonial e o do Brasil que, numa primeira fase, bastariam ao florescimento da indústria portuguesa. Não excluía mesmo a hipótese de abastecer parte do mercado europeu.

Geraldo Coelho de Jesus (1919) gizou um plano industrial assente na intervenção do Estado através de uma política de crédito, desenvolvimento das infra-estruturas, aquisição de parte da produção havida e de proteccionismo aduaneiro.

b) As minas Ao dealbar do séc. XX havia no Continente meio milhar de concessões mineiras, pertencendo mais de metade

a estrangeiros. Uma área de 30 mil ha que produzia 300 kt de minério, extraído por uns 8 mil operários Apesar do nº de concessões, apenas eram efectivamente exploradas umas 45 minas.

O peso da produção nas finanças era mínimo (56 contos de imposto sobre minas, 0,08% do total) Também aqui existia grande irregularidade de produção, que se foi atenuando a partir de 1921.

Passou mesmo a registar-se um aumento gradual nas quantidades de minério extraído. O pessoal mineiro igualmente variava muito (mínimo de 4.594 em 23, máx. de 11.160 em 21)

As produções de antimónio, arsénio, chumbo, sal-gema, zinco, etc., eram mínimas. As três «grandes» extracções correspondiam ao cobre, ao carvão e ao ferro.

Cobre e ferro acompanharam as flutuações gerais da mineração, mas o carvão, de que mal se falava nas estatísticas do início do século, conheceu grande progresso na sua extracção.

As dificuldades de transporte e o preço, elevados pela I Guerra, incentivaram a produção deste minérios (antracite, de Gondomar e S. Pedro da Cova), que passou de 11 kt em 11, a 60 kt em 16 e 200 kt em 17

Após a Guerra voltou a importar-se carvão, de muito melhor qualidade. Mesmo assim ainda se extraíram 247 kt em 1930. Quantidade que era apenas uma percentagem mínima do que a actividade industrial requeria

Nos anos 10 importavam-se mais de 1 milhão de t de combustíveis minerais por ano: antracites, hulhas, linhites, coques e aglomerados. Cifra que ainda era da ordem das 600 mil t ao findar a guerra e que foi depois aumentando à medida que a industrialização do país se incrementava.

c) A produção de energia Outra base da indústria nacional teria de ser a produção de energia, que lhe permitisse instalar toda a

maquinaria indispensável ao progresso das actividades transformadoras. Em 1908 apenas se consumiam 110 mil cv, sendo 5.700 da origem eléctrica (Bélgica 7x mais)

As campanhas em prol do desenvolvimento da energia nacional (Ezequiel de Campos) exerceram algum impacte. Em 1917 existiam no Continente umas 39 centrais, a maior parte, térmicas.

A potência total andava pelos 13.500 cv, sendo uns 11 mil de origem térmica e os restantes hidráulicos O maior n.º das estações térmicas e todas as hidroeléctricas estavam a norte do Mondego.

Contudo, o grande produtor de energia eléctrica era a Companhias Reunidas Gás e Electricidade, de Lisboa, com uma potência total de 6.500 kw (metade da energia eléctrica portuguesa).

Depois vinha a Sociedade de Energia Eléctrica do Porto, com 2.516 kw de potência instalada. Seria de 18 milhões de kw anuais a produção de electricidade portuguesa em 1917, metade da qual seria

destinada à força motriz e à indústria química. Em 1930 as centrais passaram a 395, com uma potência total instalada de 150.408 kw.

Destes, 36.600 kw resultavam de energia hidráulica, com uma diminuição relativa de importação de carvão. Produziam-se agora uns 260 milhões kw, sendo 34,2% (89 milhões) de energia hidráulica, sendo mais uma

vez cerca de metade destinada à força motriz e à indústria química (80 M de kw) Consumiam-se cerca de 29 kw/hab. (1925-27), contra cerca de 100 em Espanha, 180 na Itália, 238 em França,

560 nos EUA, 800 na Suíça e 975 no Canadá.

d) A educação técnica

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

50

Outro óbice ao desenvolvimento industrial era a falta de preparação de quadros dirigentes e de operários especializados. Com poucas excepções, os capitalistas, gerentes de fábricas, capatazes, os próprios «técnicos» possuíam pouco mais do que

conhecimentos empíricos, colhidos da prática. Era escasso o número das escolas preparatórias (nível inferior ou médio) Em 1910 existiam apenas 12 escolas de desenho industrial, 14 industriais, 2 preparatórias aos institutos e os

Instituto Industrial e Comercial de Lisboa e seu congénere do Porto. Não havia qualquer escola superior que formasse engenheiros, desligados da profissão militar.

Com a República surgiram o Instituto Superior Técnico e a Faculdade Técnica do Porto. Mas a frequência era pequena para as necessidades (373 técnicos superiores e uns 40 anualmente nos novos

Institutos Industriais de Lisboa, Porto e Coimbra). Apenas das escolas industriais, industriais e comerciais, e de artes e ofícios, é que iam saindo umas centenas de diplomados, cada ano. A sua preparação, muito teórica, não permitia especializações rápidas nem o enquadramento técnico firme que a novel indústria portuguesa carecia.

Preconizava-se a criação de escolas-oficinas onde se praticassem ensaios artesanais eficientes, aptos a preparar futuros técnicos de indústria. Chegaram-se a criar algumas, como a Escola-Oficina n.º 1 (Lisboa, 1905, considerada modelar a nível internacional).

e) Pautas aduaneiras Requeria-se uma reforma completa da pauta aduaneira, eivada de absurdos e resquícios obsoletos

A pauta de 1892, tida por proteccionista, não o era, contudo, senão em certos casos. Em 1916, os industriais requeriam uma pauta mais proteccionista, travando as importações de artigos

manufacturados ou manufacturáveis em Portugal, mas proporcionando, simultaneamente, a aquisição fácil dos elementos necessários à boa laboração da indústria.

Em 1920 a revisão geral da pauta aduaneira continuava na ordem de preocupações da indústria O governo de António Maria da Silva publica finalmente a pauta de 1923, mais proteccionista, e que, sem

dúvida alguma, favoreceu a expansão industrial portuguesa.

f) Contribuição industrial Grave era também o problema do crédito industrial e da contribuição industrial, esta aliás extremamente leve

na sua incidência geral, mas imperfeitamente repartida e eivada de injustiças. A contribuição industrial caía sobre os meios de produção (fusos, teares, motores; fornos) e não sobre a

produtividade ou lucros realizados. No fim da Monarquia, a contribuição industrial não ia além de 2,8% do total das receitas.

A contribuição predial rendia quase o dobro da industrial (que era de menos de 2.000 contos). Os primeiros governos republicanos agravaram o peso do imposto pago pela indústria.

Em 1913-14 era de 3,9%, ainda muito abaixo da contribuição predial, que subira também. Neste período, o n.º de estabelecimentos fabris no Continente e Ilhas passara de cerca de 5.000, para perto de

7.000 e o pessoal obreiro dos 100 mil pessoas, para 124.000. Entre 1914-15 e 1920-21 o peso da contribuição industrial nas receitas públicas baixou constantemente,

devido à progressiva desvalorização do escudo e não actualização dos impostos. No orçamento de 1920-1921, a indústria fornecia 1,8% das receitas, mas o número de fábricas subira para

20.000 e o de operários superava já os 150.000. A partir de 1921 as coisas modificaram-se. A contribuição subiu para 4,2% do total e, no ano imediato,

superou, pela primeira vez, o montante da contribuição predial. Em 1923-24 o imposto industrial foi elevado a 9,5% (80 mil contos, mais do dobro da predial).

No conspecto dos impostos directos, a indústria entrava agora com quase 50% do peso. Os industriais reclamaram com crescente violência, opondo-se ao Estado republicano. Conseguiram reduzir a percentagem do seu gravame contribuinte para 5,6% (1924-25), valor que subiu um

pouco em 1925-26 (6,2%), para tornar a descer depois do 28 de Maio. Ao longo da 1ª República a contribuição industrial subira pois para o dobro (de 2,8 para 5-6%), o número de

fábricas aumentara oito vezes e o número de operários mais do que duplicara.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

51

Apenas com Salazar a contribuição volta a subir, atingindo os 10,6%.

g) Importância social e Operariado A mão-de-obra era cada vez mais cara.

Diminuíra o proletariado feminino e infantil. Generalizara-se o descanso semanal. Baixara o número de horas de trabalho. Esboçara-se uma assistência médica e escolar ao trabalhador.

Também as interrupções forçadas por greves e lock-outs encareciam os custos de uma indústria rudimentar e que pretendia libertar-se de freios para crescer sem limites.

Contudo, mau grado todos estes condicionantes, a indústria portuguesa era uma realidade em 1900 e o seu crescimento muito superior ao da agricultura.

Cerca de 40% das importações respeitava a matérias-primas para a produção industrial. Em 1907, a indústria propriamente dita ocupava menos de 100 mil operários, incluindo mulheres e menores de

16 anos, mas excluindo os arsenais e oficinas do Estado, a indústria da resinagem e as demais indústrias agrícolas e a indústria caseira.

A importância económica da indústria mostrava-se muito superior ao seu peso demográfico. Contribuía mais do que a agricultura para a formação do produto nacional bruto e ocupava lugar de relevo no

que dizia respeito à exportação. A indústria têxtil era quem ocupava mais pessoal. Eram 37 mil operários em 400 fábricas distribuidas

irregularmente por todo o país. Seguiam-se as indústrias de alimentação (sólidos), onde se incluíam as moagens, com 14 mil trabalhadores

e mais de 600 estabelecimentos. Em terceiro lugar figurava a indústria das madeiras e do mobiliário com 12 mil operários. Com entre 10 mil e 1.000 obreiros existiam a indústria metalúrgica (9.000), indústria química (5.000),

indústria de vestuário e seus anexos (4.700), cerâmica (4.000), indústrias gráficas e correlacionadas (3.400), indústria do tabaco (3.000), indústria do papel (2.000), do vidro (l.500), de peles e anexos (l.400), de calçado (l.200), de produtos alimentares líquidos (1.1000) e as indústrias de arte e precisão ( l.000).

Com menos de mil trabalhadores, havia as indústrias de pedras, de transportes terrestres, de construções e diversas outras de pequena importância.

A maioria das indústrias portuguesas respeitava ao agasalho, à alimentação e à decoração. (tecidos, fatos, sapatos, pão, móveis, bebidas).

Era uma indústria direccionada para o mercado interno, incluindo nele as colónias. E também o prolongamento da tradição artesanal reestruturada em modos de produção capitalista. Novidades

eram apenas as indústrias metalúrgicas e química (menos de l.500 pessoas) Não havia grande industria. A média de operários/estabelecimento não ia além dos 28.

Mas nas indústrias de alimentação (líquidos), curtumes, construções, arte e precisão e outras, o número de operários por estabelecimento era inferior a 10. As indústrias de vestuário e de papel andavam pelos 34 por fábrica. Na indústria química a média era de 43. Nos têxteis subia para 76

A indústria do tabaco tinha a única grande concentração proletária com mais de 3.000 operários distribuídos por 5 fábricas.

A organização do trabalho era, assim, paternalista, de raiz tradicional. Tal minorava os gravames da exploração capitalista, mas reduzia as possibilidades de associação e de reivindicação.

h) Divisão regional Portugal estava dividido em 6 circunscrições de indústria: l - o Norte (Viana, Braga, Porto, Vila Real e

Bragança); 2 - as Beiras (Aveiro, Coimbra, Viseu, Guarda e Castelo Branco); 3 - o Centro-Sul (Leiria, Santarém, Lisboa e Portalegre); 4 - o Sul (Évora, Beja e Faro); 5 - Madeira (com Porto Santo); 6 - os Açores.

Quanto à percentagem de operários:

A 1ª e a 3ª circunscrições equilibravam-se quanto a peso industrial com o mesmo número de operários (30 mil) que representavam uns 35% da totalidade da população fabril nacional.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

52

A 2ª circunscrição (Beiras) comportava cerca de 15% do total Açores (6ª) e a 4ª circunscrição (Sul) estavam depois a larga distância, com 6% cada. A Madeira finalizava a série com apenas cerca de 3,5% do total de operários.

Quanto ao número de estabelecimentos: A circunscrição de Lisboa exercia um peso muito maior, com bem mais de 50% das fábricas. A 1ª e a 2ª circunscrições equilibravam-se A sul (4ª circunscrição) vinha depois, mas a um nível muito inferior Nas Ilhas, os estabelecimentos «fabris» computados não passavam de meras oficinas.

No Norte, porém, o n.º de operários/fábrica era bem maior que em Lisboa (45 e 25 respectivamente , com Braga a superar os 50 operários/fábrica).

Quanto à força motriz (em 1910): No Norte utilizavam-se 32.045 cv: (dos quais só .24 737 no distrito do Porto) Nas Beiras 10.622 cv (com ligeiro predomínio de Castelo Branco e fraco valor em Viseu) No Sul existiam 2.846 cv, quase o mesmo que nos Açores: 2.728 cv. Desconhecem-se os valores de Lisboa e da Madeira

i) Crescimento industrial e contrastes Até à entrada de Portugal na I Guerra (Estatística Industrial de 1917) o crescimento da indústria não se

mostrou excepcional. O valor da exportação industrial até baixou de 1910 para 12 e de 13 para 14, com a crise internacional

As fábricas em Portugal eram apenas 8.425 (5.647 no Continente e 2.778 nas Ilhas). Mesmo assim eram o dobro dos efectivos de 1911.

A totalidade de força motriz (vapor, hidráulica e motores de explosão), no Continente, era de 105.742 cv, dos quais 83.358 em máquinas a vapor (números próximos dos de 1910).

O operariado total (Continente e Ilhas) abrangia 142 mil pessoas. Umas 48 mil eram mulheres e 22 mil crianças e adolescentes

Apenas uns 50% eram homens na plenitude das suas capacidades produtoras e reivindicativas Nos distritos nortenhos existiam mais mulheres e de crianças do que nos do Sul e Ilhas.

Em Lisboa o operariado varão ultrapassava os 67%, ao passo que no Porto não chegava aos 40%. Na capital concentravam-se 40 mil operários e no Porto menos de 17 mil. Com os arredores, os resultados

seriam de 50 e 20 mil pessoas activas, respectivamente. Metade do total nacional. Com a guerra e anos subsequentes (até 1924), houve um marcado surto industrial.

Apesar da falta de transportes, subida no custo das matérias-primas e reivindicações sociais. A inflação e a instabilidade política, porém, favoreceu-a em alguns casos.

O investimento aumentou, bem como a concorrência com algumas indústrias estrangeiras. O progresso foi notável nas conservas de peixe, produção têxtil, indústria química e cimentos

Em 1921 registavam-se mais de 170 mil operários e em 1924 mais de 217 mil (o dobro de 1912) Os estabelecimentos fabris em 1924 eram mais de 25 mil (3 vezes os de 1917)

Pode concluir-se que a indústria nacional não se desenvolvia pela concentração, mas pela proliferação e disseminação de pequenas unidades, pobres em capital e apetrechamento moderno.

Modestas iniciativas de uma burguesia individualista e resistente à concentração de capital A crise económica sentida em Portugal até 1925 prejudicou o desenvolvimento de alguns sectores

industriais, que só recuperariam um pouco nos últimos anos do decénio. Em 1930, as 4 grandes indústrias eram as de alimentação (sólidos), tabacos, têxteis e química.

j) Indústria têxtil Até ao fim da 1ª República, esta indústria ocupou o lugar cimeiro no valor da produção e da exportação

manufactureiras, na qualidade da mão-de-obra utilizada, no número de fábricas, na sua disseminação pelo País e no capital industrial total.

Em 1915 existiam 426 fábricas têxteis, com quase 40 000 operários de ambos os sexos. Atravessou, contudo, crises graves e o seu papel relativo variou muito de 1900 para 1930.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

53

Em 1910 o peso da indústria têxtil era de quase 50% do seu valor e de mais de 17% no conjunto da exportação (sobretudo colónias e Brasil) avaliada em contos de réis

Já nos anos anteriores e posteriores o peso desta indústria se mostrou menor, por razões variadas Enumeravam-se: o tipo da contribuição industrial (incidindo sobre fusos e teares e não sobre dividendos); a

tributação do algodão em rama para financiar o caminho-de-ferro de Benguela; as crises económicas angolanas; os problemas aduaneiros das colónias; o deficiente apetrechamento técnico das fábricas e profissional dos operários, caixeiros-viajantes e empresários; a baixa produtividade motivada por más condições de trabalho e de vida do proletariado.

A indústria vivia porém na dependência absoluta do estrangeiro (vendas) e das colónias (matérias) Extremamente sensível a qualquer oscilação das economias forâneas, também, internamente, a sua

ossatura, embora desenvolvida, mostrava-se frágil. Pequenas fábricas de tipo individual ou quase, ou a tímidas sociedades de dois e três membros, com capital

escasso e mão-de-obra reduzida. Com uma população fabril superior a 100 operários só se contavam uns 20 estabelecimentos.

No Norte concentrava-se a maior parte desta indústria têxtil (153 fábricas, 20 mil operários) Na região da Covilhã, em Castanheira de Pêra e Mação, a ilha da Madeira (para além dos bordados) existiam

algumas fábricas de produção industrial avultada. No Algarve vigorava um autêntico trust industrial que agrupava fábricas em Loulé, Faro, Silves, Vila Real, etc.

Os artigos de algodão eram os mais importantes, pelos capitais, mão-de-obra e o n.º de fábricas. Os lanifícios funcionavam numas 160 fábricas situadas mormente nas Beiras e algumas no Sul

Utilizava parte da produção lanígera nacional, recorrendo também a lã importada. A energia era sobretudo hidro-eléctrica (a recorrência ao carvão encarecia o produto)

Não se achava especializada, sem equipamento nem quadros técnicos para tal, donde resultava imperfeição e aumento de preços.

O linho concentrava-se no distrito de Braga e era sobretudo de fabrico manual e doméstico. A indústria mecânica limitava-se a Guimarães, em 3 fábricas. Não ia além da tecelagem, andando

intimamente ligada à indústria algodoeira

k) Alimentação (sólidos) Tinham o 2º lugar no complexo industrial português (n.º de estabelecimentos e pessoal). A mais importante era, sem dúvida, a moagem. Depois as conservas de peixe, em expansão.

Em 1916 existiam 110 fábricas de conservas (54 em Setúbal, 40 no Algarve e outras em Buarcos, Sesimbra, Espinho, Matosinhos e Peniche) a que se somavam as de salga de sardinha

A produção conhecia grandes oscilações, dependo da quantidade de peixe pescado, cotação em mercado, local de venda, etc. A guerra esteve proporcionou a expansão desta indústria, que passou de 3º para 2º lugar no valor total das exportações portuguesas, superando a cortiça.

Passaram de 5% no valor total das exportações em 1910 para 18% em 1930. A quantidade de latas de sardinha, atum e outros peixes quadruplicou, e o valor idem.

As frutas secas e compotas tinham algum valor de exportação. Tal vai em paralelo com o surto da indústria de refinação de açúcar (cana e beterraba), sobretudo a partir da I

Guerra. Aumentaram no período a produção e as importações de açúcar colonial Com altos e baixos, também o açúcar de cana das Ilhas aumentou durante a 1ª República A Madeira produzia e exportava cerca do dobro dos Açores.

As refinarias, pequenas e geralmente manuais e primitivas passaram de 50 em 1900 a 100 em 25 Beneficiavam de uma legislação proteccionista visando o fomento do açúcar colonial

Grande parte eram inglesas ou francesas, as mesmas companhias produtoras As manteigas e os queijos ingressavam na mesma tipologia industrial. O fabrico de manteiga crescera em poucos anos, dispensando a importação do estrangeiro Também o queijo nacional ia substituindo os queijos estrangeiros

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

54

l) Madeiras As principais actividades eram a serração, tanoaria, carpintaria e marcenaria, fabricação de palitos e as

indústrias de verga e aparentadas. Sobretudo vocacionada para o mercado interno, ainda assim se exportava mobiliário e palitos.

A serração, com algumas fábricas mecânicas, tinha o seu centro em Lisboa. A tanoaria concentrava-se, sobretudo, na região do Porto, vindo Lisboa e arredores em segundo. Móveis, tanto baratos quanto de luxo, tinham a sua principal produção no Norte. A indústria paliteira, de características domésticas, sediava sobretudo na Beira Litoral (Lorvão). O trabalho de verga, para cestos, mobiliário, ceiras para embalagem de figo e espremedura de azeite,

canastras, capachos e esteiras, localizava-se maioritariamente no Sul.

m) Metalurgia Quase todos os minérios eram exportados em bruto, importando-se depois, já industrializados. Contudo, a indústria metalúrgica portuguesa existia e experimentou até certo desenvolvimento.

No início do século fabricavam-se artigos, sobretudo relacionados com o uso doméstico: fogões, colchões de arame, pregaria, tubagem, cutelaria, artigos em folha-de-flandres, balanças, artigos de casa de banho, candeeiros, portas, cofres, etc.

Mais tarde, alargou-se aos utensílios agrícolas: esmagadores e prensas para vinho e azeite, máquinas de destilação, bombas para trasfega, charruas, relhas e mais alfaias do campo.

A própria indústria começou a utilizar produtos da metalurgia portuguesa: caldeiras, guindastes e até material de guerra.

Falou-se muito em criar uma indústria siderúrgica nacional.

n) Indústria química Era a Companhia União Fabril de Alfredo da Silva, que não tendo iniciado essa actividade industrial no País, a

transformou num formidável complexo fabril com peso crescente na economia e na política portuguesas. Montada a partir de 1907, em 1910 já manufacturava velas, adubos e massa de purgueira, sabão, óleos e azeite para conservas, aliada à reparação de maquinaria. Em 1909 laboravam no Barreiro seis fábricas de indústria química, produzindo niveína, ácido sulfúrico, adubos, ácido

clorídrico, tártaros e sulfato de soda. Ao conjunto fabril somam-se armazéns, laboratórios, escritórios, tanques e um bairro operário.

Alfredo da Silva instituíra um núcleo de serviços sociais para o seu pessoal, com caixa económica, despensa, socorros médicos, escola operária e farmácia.

A partir de 1910, a indústria cresce a ritmo mais lento devido a questões com o operariado e à falta de protecção dos governos republicanos (salvo no sidonismo) dados os ideais conservadores de Alfredo da Silva, pouco tolerante para com a intervenção do Estado.

Mesmo assim alarga a actividade ao ramo da cerâmica, e cria a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes e, em 26, tem a laborar uma fábrica metalúrgica dentro da CUF.

Em 1916, o complexo do Barreiro abrangia 20 ha, onde trabalhavam 2.000 operários, possuía uma ampla doca, 16 km de linha-férrea, instalações recreativas e comerciais.

Alfredo da Silva era o «primeiro industrial português» (segº Aboim Inglês)

o) Cimentos Foi outro grande sucesso no panorama industrial português de então. Em 1910, a produção era nula e importavam-se mesmo para cima de 20 mil t/ano.

Em 1913 produziam-se 3.600 t em em 14 já eram 9 mil. Em 23, com a fábrica da Maceira, a produção nacional subiu para 25 kt, superando as 60 kt à data da revolta do 28 de Maio.

A importação reduziu-se a umas 10 kt em 1926.

p) Tabacos A Companhia Portuguesa de Tabacos de Portugal, com 70% de capitais estrangeiros (franceses) constituiu-se

em 1891, obtendo o monopólio da indústria e comércio dentro do País.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

55

A concessão foi renovada em 1906, por mais vinte anos, pagando a Companhia 6.520 contos ao Estado. Em 23 os 6.520 contos mantinham-se inalteráveis. De uns 10% das receitas totais do Estado, os tabacos passaram a 6%, enquanto a indústria tabaqueira crescera imenso.

A meados de 24 o Estado consegue realizar um acordo com a Companhia aumentando o valor da cota fixa para 15 e 16 mil contos e 20% nas comissões durante os 2 anos que faltavam.

Em 26, o governo pretende estabelecer uma co-régie. O parlamento opôs-se, até ao 28 de Maio. A quase totalidade das matérias-primas era de origem estrangeira.

A mão-de-obra tinha enorme importância pela sua concentração fabril.

2.4 – Os meios de circulação e de distribuição

2.4.1 – Os meios de comunicação terrestre

a) Combóio A rede ferroviária visava ligar capitais de distrito e estabelecer contacto com o estrangeiro.

A bitola foi uniformizada pela Espanha, cuja rede era anterior, afastando-se da de além-Pirinéus. Os desequilíbrios regionais mantiveram-se ou foram até agravados pela passagem dos comboios Havia, em 1900, cerca de 2 380 km de vias-férreas em exploração (33 m/km2)

A C.ª dos Caminhos de Ferro Portugueses (CP), de capitais privados, com mais de mil km, explorava a parte mais importante da rede ferroviária: Linhas do Norte e do Oeste, Linha da Beira Baixa, de Sintra e de Cascais, além de ramais menores. A grande distância vinham a Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta (250 km), a Companhia Nacional de Caminhos de Ferro (100 km, com a Linha do Tua a Bragança), a Companhia de Ferro do Porto à Povoa (64 km) e a Companhia de Caminho de Ferro de Guimarães (30 km). Os 36% restantes achavam-se nacionalizados: as Linhas do Sul e Sueste e a do Minho e Douro.

As 2 maiores companhias e o Estado circulavam em via larga (1,67 m), as companhias pequenas só utilizavam via estreita (1 m). Apenas em pouco mais de 200 km existia uma via dupla

A rede alargou-se lentamente sendo Estado o principal construtor. A CP pouco mais fez que duplicar a via em grande parte da Linha do Norte

Em 1930 contavam-se 3.424 Km e alguns desequilíbrios regionais foram mitigados Mas a rede ferroviária continuou insuficiente e dependente mais de interesses privados e de conveniências

políticas do que das necessidades do País. O maior capital empregue nas vias pertencia à CP. Capital, na sua quase totalidade traduzido em obrigações,

achava-se maioritariamente nas mãos de estrangeiros. A estrutura comercial do País assentava nos transportes ferroviários (sobretudo eixo Lisboa-Porto)

Exceptuando os anos de guerra, a CP mostrou-se próspera até à crise dos anos Trinta. Tanto em número de passageiros como em volume de mercadorias, a CP não cessou de crescer O serviço da CP (exceptuando o período da guerra, onerado com a questão social, o preço do carvão, a

desvalorização da moeda, etc) caracterizava-se por relativa eficiência e qualidade A ligação Lisboa-Porto fazia-se em cerca de 5h00 em 3 comboios rápidos diários Para Madrid havia igualmente um comboio rápido, três vezes por semana.

Em 1918, a CP decidiu dar de renda à Sociedade Estoril, a linha do Cais do Sodré a Cascais Um dos objectivos era proceder à electrificação, inaugurando-se o melhoramento em 1926 O n.º de passageiros nesta via passou de 2 milhões em 1910 para mais do dobro em 1930.

Nos caminhos-de-ferro do Estado o quadro não era tão animador. Eram Linhas que não se podiam comparar com o eixo Lisboa-Porto em força económica vital Contudo houve saldos positivos até 1916-17 e, novamente, a partir de 1924-25. Sucessivas campanhas contra os caminhos-de-ferro do Estado também não ajudavam

O arrendamento a companhias particulares foi posto em prática em 1926, abrindo-se concurso para concessão da exploração. Apresentaram propostas a CP, a CUF (Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes), a C.ª do Caminho de Ferro de Guimarães, o Banco Burnay, a Companhia Industrial Resineira e a Companhia Geral de Construções.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

56

Com a atribuição da exploração à CP, esta veio a ter o quase monopólio das ferrovias do País

b) Transporte urbano Em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e de Sintra à Praia das Maçãs, o único transporte colectivo foi o carro

eléctrico. Quase todas as linhas datavam dos primeiros anos do século. Os de Lisboa (mais relevantes), estavam nas mãos da firma inglesa C.ª Carris de Ferro de Lisboa

As companhias e carreiras de carros a cavalos desapareceram aos poucos (já residuais em 1915) Havia ainda elevadores em Lisboa.

c) Estradas Foram a grande preocupação do fontismo oitocentista. A sua construção afrouxara à medida que o comboio se

impunha ao País (como em todo o mundo, onde constituía o elemento-base da rede de transportes e de comunicações).

Apesar do comboio, a estrada continuava a ter papel de relevo, sobretudo à escala local e nas ligações entre o ferrovia e povoados dele distantes.

Havia, no Continente, mais de 100 mil carroças, galeras, carros de bois e outros veículos de transporte (além, portanto, da dezena de milhar de carruagens, landaus, caleches e coches).

Tudo isto requeria caminhos macadamizados (e verbas para a sua construção e manutenção). Em 1910 existiam uns 16 mil km de estradas, sendo umas 12 mil dependentes do poder central

O estado das estradas nacionais e distritais podia considerar-se regular. Já as municipais eram menos do que satisfatórias.

A introdução do automotor coincidiu com um período de dificuldades financeiras (I Guerra) Enquanto foram só automóveis turísticos não houve problema de maior.

O desenvolvimento da camionagem, porém, trouxe uma mais rápida deterioração dos pavimentos e, por outro lado, a exigência de mais e melhores estradas.

Contudo, a verba anualmente destinada à rede de estradas, diminuiu drasticamente, com a crise De 2% nos começos da guerra, chegou à média de 0,5% das despesas públicas entre 1919 e 22

Com o advento da Ditadura, a reparação das estradas arrancou finalmente. Em 27 já se aplicou mais algum dinheiro às rodovias, que estavam num estado deplorável Nesse ano era também criada a Junta Autónoma das Estradas, dotada com importantes fundos.

Apesar de tudo a rede vial aumentara, atingindo (1925) 13.387 km de estradas nacionais e distritais e mais de 40.00 km de estradas municipais. Em 1930, já eram 14.045 km das primeiras

A par destes problemas, vinha o aumento do número de viaturas. De 3.211 automóveis e camiões em 1916 (1/l.692 hab) subia-se para 5.000 carros em 1919 e 6.000 em 1921. Mas o grande surto deu-se a partir de 1923. Eram 22.460 em 1929 (1/260 hab)

A concentração em Lisboa (50% dos veículos em 1921) diminuía aceleradamente (30% em 29) Todo o Pais se motorizava e o transporte de passageiros por camioneta ganhava importância

Mas, apesar do progresso, ainda existiam, sobretudo no Alentejo, vastas zonas carenciadas. Também a bicicleta, por volta de 1930, já exercia funções económicas de alguma importância

Transporte proletário para o trabalho (sobretudo nas regiões de em Aveiro, Coimbra e Porto)

2.4.2 – Os transportes marítimos

Apesar da excelência geográfica, o País não tinha a uma estrutura portuária suficiente. Os cais e docas eram tacanhos e escassos, o material de reboque e de atracagem falho, os serviços dos pilotos

deficientes, os serviços de saúde e de alfândega careciam de reformas, a legislação consular, o código comercial e o código penal e disciplinar da marinha eram contraditórios, a publicação de trabalhos hidrográficos insuficiente.

As Juntas Autónomas (1910) criadas com o fim de empreenderem obras publicas de infra-estruturas portuárias, pouco fizeram (falta de fundos)

Criaram-se Juntas no Porto (Douro-Leixões) e Viana do Castelo ainda antes da I Guerra. Nos anos 20, criaram-se Juntas Autónomas na Figueira, Aveiro, Lagos, Setúbal, etc

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

57

Apesar das deficiências, ainda se verificava uma volumosa navegação de cabotagem, suprindo, em parte, a dificuldade das comunicações internas por terra.

O mais importante dos portos, a larga distância, era o de Lisboa Depois seguiam-se o Funchal, o porto artificial de Leixões, o Porto, Ponta Delgada e a Horta A maior distância, alguns pequenos portos, relevantes sobretudo pela pesca e pela cabotagem.

O movimento registado impressionava pela pequena percentagem de embarcações portuguesas No final da Monarquia a marinha mercante achava-se em plena decadência.

Os estaleiros portugueses eram incapazes de responder aos progressos técnicos de construção naval e do apetrechamento das embarcações.

Exigiam-se quantidades crescentes de ferro, aço e outros metais. Uma técnica aperfeiçoada, uma especialização directiva e obreira que estava longe da rudimentar indústria portuguesa

Exigia-se carvão para as máquinas (que o País não produzia). A navegação à vela, findara. O n.º de navios de comércio nacionais baixa a pique: 582 em 1864, 567 em 1897, 327 em 1909 A tonelagem diminui de 120 kt para 89.154. A tonelagem a vapor não chega às 50 kt (1903)

A situação melhora depois. Adquirem-se mais barcos a vapor, sobretudo de pequena tonelagem O desenvolvimento das colónias exigiu transportes em maior número Em 1915 já se registavam 409 embarcações, das quais 211 a vapor

Durante a guerra, algumas dezenas de barcos foram afundados pelos submarinos teutónicos Perdas compensadas, em parte, com a requisição dos navios alemães em portos portugueses

O empréstimo de barcos à Inglaterra levou a uma desfalcada devolução após o fim da Guerra Os números da tonelagem e o equipamento das embarcações foram melhorando, mas ainda se contavam 166

kt em embarcações à vela no ano de 1930 Antes da República não chegavam a 14% do total (em tonelagem) os navios portugueses que entravam nos

portos. Percentagem que foi baixando à medida que aumentava o movimento dos portos portugueses (grande surto da navegação mercantil em vésperas da I Guerra).

Em 1913 era de apenas 8% apenas, frente a 44% de britânicos, 29% alemães e 8% franceses Durante a guerra, naturalmente aumentou o peso da marinha nacional (máximo de 39% em 18) Com o regresso da paz, voltou a diminuir, mas a valores ligeiramente superiores (9% em 1925) Em 1930, melhora a sua posição para quase 17% (35% britânicas, 20% alemãs e 7% francesas)

Desde os finais da Monarquia que se debatia a criação de portos francos, a que se opunham os que afirmavam que nunca seriam eficazes em portos de escala, como os portugueses.

Com o fim da guerra pensou-se incentivar a marinha com uma legislação mais proteccionista Em 1921 estabeleceu-se uma legislação de favorecimento de bandeira, prémios sobre a construção de

navios, redução de impostos e outros privilégios. Em 1925, novo diploma legislativo vinha alterar o Acto de Navegação de 1863, estimulando a navegação

entre as Ilhas Adjacentes e o Norte da Europa. Nos começos do século, existiam 2 companhias mercantes portuguesas de longo curso que asseguravam

ligações regulares entre Continente, Ilhas e Colónias: a Empresa Nacional de Navegação, fundada em 1880, e a Empresa Insulana de Navegação, datando de 1873

A Empresa Nacional de Navegação (desde 1918, Companhia Nacional de Navegação) tinha uma situação próspera, altamente privilegiada, recebendo subsídios dos governos das colónias. Mas estava bem longe de satisfazer as necessidades dos territórios ultramarinos. Em 1916 aumenta consideravelmente a frota, contando 24 vapores e deslocando 67 kt.

A partir de 1922 passa a ser subsidiada pela Metrópole, a fim de poder manter as carreiras regulares até Moçambique. Em 1930 a sua frota é de 70 kt Em 1916 a marinha mercante portuguesa aumenta substancialmente de tonelagem ao requisitar 70 navios alemães surtos

nos portos portugueses (Metrópole e Colónias), adicionando 242 kt de algumas excelentes embarcações à sua frota. Mas 42 navios foram imediatamente alugados aos ingleses (em condições criticadas). Desses, apenas 20 voltam a Portugal, perdendo-se os restantes durante o conflito.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

58

Com os navios requisitados criou o estado a sua frota, os Transportes Marítimos do Estado. Iniciativa que não vingou pela escassez de quadros competentes e pela falta de experiência estatal ao nível de empreendimentos marítimos mercantis e oposição das outras Companhias

Mais um episódio da luta entre a via estatista e o prevalecimento dos interesses capitalistas plenos. Os TME, contudo, prestaram bons serviços enquanto não se normalizaram as comunicações após a guerra.

Em 22 começa a liquidação dos TME e em 26 todos foram alienados às companhias privadas Parte deles constituiu o fundo de uma nova empresa: C.ª Nacional dos Carregadores Açorianos

Em 1922 criou-se a Companhia Colonial de Navegação cuja frota de 2 navios foi alargada em 1924 com alguns dos navios vendidos pelo Estado

Também a CUF construiu a sua própria frota mercantil (Sociedade Geral do Comércio, Indústria e Transportes, Lda) tendo uns 20 barcos em 1930 com 59 kt

Mas boa parte do transporte de pessoas e mercadorias para o próprio ultramar devia-se às companhias de navegação estrangeiras

A casa Henry Burnay, em 1919 representava umas 15 dessas companhias, francesas, belgas, brasileiras, holandesas, italianas, espanholas e norte-amencanas.

Pinto Basto & C.ª era agente de uma vintena de outras, na maioria inglesas e norte-americanas, mas também espanholas holandesas e italianas

Orey Antunes & C.ª representava mais 12, francesas, holandesas, norte-americanas e italianas E outros agentes existiam ainda.

O porto de Lisboa constituía um ponto de escala muito frequentado, o oitavo da Europa e o décimo quinto do panorama mundial.

2.4.3 – Correios e telecomunicações

A rede postal achava-se plenamente desenvolvida ao começar a nova centúria Os correios tinham boa reputação.

Um serviço eficiente ligava as mais remotas parcelas do território continental e insular. Mas dezenas de novas estações foram ainda criadas na década de 1910, sobretudo no interior. Movimento que prosseguiu até à Guerra e continuou depois de 1920

Também a estrutura telegráfica estava já montada no começo do séc.. XX. (Fontismo e suc.) Existiam 8 mil km de rede, quase 500 mil estações emissoras e 3,5 milhões de telegramas/ano

Posição muito honrosa no panorama europeu (4º ou 5º lugar) Em 1919-1920, melhora-se essa posição (atrás apenas da Suiça e da Alemanha) Inauguraram-se 287 estações no período considerado, sobretudo nos distritos do interior

A introdução dos serviços telefónicos em Portugal datava de 1882 (Anglo-Portuguese Telephone Company), com o exclusivo das redes de Lisboa, Porto e arredores respectivos.

Em 1910 funcionavam 15 postos “excêntricos” em Lisboa e Porto, além das redes urbanas Fora destas cidades, a introdução do telefone tardou até 1904, quando o Estado (Serviços Telégrafo-

Postais, instalasse a primeira linha, de Lisboa ao Porto. Em 1905 montaram-se as redes de Coimbra, Braga e Vila Franca de Xira, em 1907 a de Alenquer e, em 1910, a da Covilhã.

Em 1910 existiam 679 Km de linhas do Estado, com menos de 1.000 assinantes. Só em Lisboa havia 3.500 assinantes e no Porto cerca de l.500. Rede totalmente manual, custando cada ligação de 5 mts, na cidade, l tostão (10x um jornal)

Servia pois os ricos, os homens de negócios, as comunicações de extrema urgência. O telégrafo, para rapidez, e o correio, para comunicações normais, eram largamente preferíveis

O progresso técnico barateou o telefone, a rede telefónica alargou-se, o nº de assinantes multiplicou-se pelo País. O telefone foi gradualmente conquistando todo o país.

O progresso, tímido até à Guerra, interrompido durante o conflito, foi retomado a partir de 1922 Em 126 eram já 14.805 aparelhos) em Lisboa e 4.600 (1926) e 7 100 (1930). A lista dos telefones de

Lisboa para 1930 (n.° 52) já tinha 288 páginas abundantemente salpicadas de anúncios publicitários. No conjunto do País, ao concluir-se o período em estudo, existiam cerca de 30 000 assinantes. Em 1910 esse número não excedia 6000

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

59

2.4.4 – Comércio interno

Os grandes vectores: um espaço económico nacional subdividido em duas regiões económicas, o Norte, com centro no Porto, e Sul, com centro em Lisboa, sendo as áreas interiores como que periferias suas

A rede do comércio interno era simultaneamente de tipo capitalista e artesanal. Não existiam formas de distribuição de mercadorias em mãos do Estado ou dos municípios.

Boa parte das grandes companhias (de comércio ou mistas) dedicava-se à exploração colonial. A maior parte pertencia a ingleses e a franceses.

O segundo lugar no mundo capitalista de então era ocupado pelas companhias industriais. Nelas, também a maioria das acções estava nas mãos de estrangeiros.

Em 3º vinham as companhias de transportes e comunicações. Seguiam-se as companhias de seguros Depois podiam considerar-se as companhias de abastecimento de água, gás e electricidade Em 6º plano estavam as companhias de moagem e panificação e companhias agrícolas Muito abaixo, as companhias de águas termais e promoção turística, as dedicadas à pesca e à salicultura, as de

interesses mineiros, etc. Denota-se pois um pequeno volume de firmas dedicadas às actividades propriamente comerciais

Grandes casas comerciais (Armazéns Grandella, eg.) revelavam-se coisa pequena face aos complexos mencionados. A maioria não passava de pequenas organizações tipo artesanal (lojas de propriedade familiar ou de poucos sócios)

Até aos finais da I Guerra, não houve grandes as transformações neste panorama Aumento substancial, mas sem modificar a posição relativa, tiveram-no apenas as termas e turismo (graças

à Sociedade Estoril, com mais de 200 contos de capital). As grandes transformações ocorreram depois. Usos e praxes comerciais foram sacudidos por um furacão

devastador. Aparecem comerciantes e industriais desconhecedores das mais elementares regras de honestidade e de probidade. Fundaram-se a um ritmo até aí desconhecido, bancos, fábricas, companhias de seguros e de navegação, empresas agrícolas e coloniais, etc.

Só em 1917 foram criadas 282 sociedades comerciais novas (5 de seguros e 57 de consignações) De 17 a 20 criaram-se 11 bancos e diversas casas bancárias, denotando a afluência de capitais.

A crise internacional de 20-22 levou à falência dezenas de estabelecimentos Crise que se prolonga em Portugal até 1924.

Em 26, o balanço da situação já se mostra francamente positivo. As sociedades industriais sobem de 54 para 90 com um capital total de uns 216 mil contos Em número 2 vinham as companhias de exploração colonial (51 em vez de 41, com 201 mil c) Seguiam-se as moageiras, das quais 7 apenas amassavam 74 000 contos Em 4º lugar as Comp.ªs de abastecimento de água, gás e electricidade (67.000 c só em 4 firmas) Seguiam-se os seguros (34, com uns 30.000 contos), os transportes e comunicações (12, com outro tanto), as

companhias de agricultura (também 12, com idêntico capital) e, finalmente, as de termas e turismo, mantendo o 8º lugar mas com um capital de, pelo menos, 16 000 c.

Assim, fortalecera-se a posição de muitas grandes companhias com concentração de capital, sobretudo nas actividades tradicionais na economia do País, mas dispersara-se grande parte do capital aumentado pelas firmas de escopo industrial e de exploração ultramarina

Das 10 maiores companhias portuguesas em 1926-30, só cinco ocupavam estes lugares em 1910 Os 4 maiores colossos de 26-30 ou não existiam ou estavam em posição secundária nos anos 10

Apenas 1/3 das firmas não sofreram renovação de 1910 para 26-30. Outro terço desapareceu com os tempos novos e o terço restante surgiu durante ou posteriormente à guerra

Em relação ao pequeno comércio os dados são desconhecidos mas parece que o fenómeno fosse o mesmo: aumento considerável no total dos estabelecimentos e uma fraca concentração capitalista generalizada. Algumas firmas tentam rivalizar com os Armazéns Grandella.

As feiras, num quadro esbatido, continuavam a ser importantes em finais da década de Vinte. Em 27 existiam 677 feiras anuais, 560 mensais, 20 quinzenais e 67 semanais, cobrindo o País

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

60

Algumas especializavam-se, como as feiras de gado, de quinquilharias, de queijos, de lã e panos, de cereais, de alfaias agrícolas, etc.

A duração podia ser de vários dias mas a maioria durava de um a três. Além das feiras existiam os mercados: 59 anuais, 193 mensais 11 quinzenais e 193 semanais

Cobriam igualmente todo o País, alguns deles especializados, sobretudo em gado. Existiam ainda exposições regionais de produtos e concursos de produtividade e qualidade

2.4.5 – Comércio externo

Dependia fortemente dos produtos agrícolas, já que a indústria pouco proporcionava de útil. Quase nada mudara no género e na posição relativa das principais exportações até 1926

Em 1º o vinho (3x mais valor que qualquer outro produto até à Guerra, e mais de 2x em 1926 Depois, a cortiça, em declínio a favor das conservas, que ascendem ao 2º lugar após a Guerra Por fim os têxteis baratos, destinando-se principalmente às colónias e a fruta.

Ao terminar o período a tonelagem total pouco diferia dos números do início: 1 milhão de t A quantidade aumentara até 1917 para diminuir até 21 e logo voltar a subir nos anos imediatos

Por valor, as principais importações consistiam em trigo, têxteis (superados pela maquinaria a partir da Guerra), máquinas, algodão cru, carvão, bacalhau, açúcar, aço e ferro.

Por tonelagem, as importações diminuíram ao longo da 1ª República. De 2,5 M t (que a Guerra faz baixar verticalmente até 593 mil em 18) sobe-se depois até às 2,14 M t em 26

A balança comercial mostrava-se permanentemente deficitária, em parte compensada pelo dinheiro dos emigrantes (o valor das importações quase duplicava o das exportações)

Déficit que cresceu nos anos de 1919-1921. A Inglaterra absorvia 70% desse défice, criando uma dependência perigosa

Os navios britânicos, ademais, assumiam um peso enorme no transporte (importações e exportações), até para os territórios ultramarinos.

As importações eram mais equilibradas, com a GB em primeiro (26% em 1913, 23% em 1924) Depois, antes da guerra, vinha a Alemanha (18%), exportando matérias-primas, manufacturas, aparelhos,

instrumentos e máquinas, mas também álcool, arroz e açúcar. As relações comerciais com a Alemanha refizeram-se rapidamente

Em 3º lugar apareciam os EUA (11%), com cereais e numerosos artigos manufacturados. Seguia-se a França (têxteis de seda e lã, automóveis, adubos, etc.), a Argentina (grande abastecedora de

cereais e de carne), a Bélgica e a Espanha. O lugar do Brasil era modesto. Das colónias vinham apenas 30% no total.

No capítulo das exportações o primeiro lugar cabia à Inglaterra (21,5%) Seguia-se o Brasil (18%), a Espanha (15%, principalmente de gado), e as Colónias (14%) Depois vinha a Alemanha, a França, os EUA e, finalmente, a Bélgica e a Rússia.

Em 1926, a ordem nas importações era: Inglaterra (24,5%), Alemanha (17%), EUA (13,5%) e França (11,5%). As colónias centravam com uns 6%.

Nas exportações vinha à cabeça a Inglaterra (29,5%) e, a grande distância, o Brasil e a França, a Alemanha e EUA, reservando-se às colónias quase 10% de todas as exportações portuguesas

O enquadramento legal do comércio externo português estava na pauta aduaneira de 1892 Tida como altamente proteccionista à entrada em vigor foi, depois, considerada insuficiente

Foi assim corrigida pela lei de 1908 e, enfim, substituída pelas pautas de 1923 e 1929 Apesar de criticada, a pauta de 1892 teve efeitos benéficos, sobretudo sobre a agricultura, travando a

importação de géneros alimentícios que podiam ser produzidos no País. No que respeita à indústria, porém, as realidades e os interesses de 1910 ou 20 eram tão diferentes que a

pauta merecia todos os reparos e carecia das mais amplas reformas. Para atenuar os efeitos nocivos das tarifas em vigor, vigoravam tratados comerciais bilaterais

Com a Dinamarca, Bélgica, Rússia, Noruega, Holanda, Estados Unidos, etc., todavia, só a Espanha e o Brasil beneficiaram, durante largos anos, de acordos importantes.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

61

A Inglaterra, a Alemanha e a França exigiam facilidades que Portugal julgava ruinosas para a indústria e agricultura. A Itália ou a Espanha, menos receosos de garantirem privilégios, beneficiavam das vantagens que, em contrapartida, elas lhes concediam.

Risco exagerado nos tempos da propaganda republicana. Os governos saídos do 5 de Outubro tentaram realizar acordos comerciais julgados necessários pela economia nacional

O primeiro foi assinado com a França (1911), pondo fim à guerra aduaneira que dividia os dois países desde a entrada em vigor da pauta de 1892. Reduziam-se os direitos sobre as batatas, aço em obra, automóveis e a outros produtos franceses e, em troca, Portugal

concorria em pé de igualdade com as demais nações do sul europeu na colocação em França de vinho, cortiça e fruta. Os direitos pesados impostos pela França como represália às negociações comerciais entre Portugal e a Espanha, em 1906, haviam-se agravado em 1910.

Outros tratados foram celebrados com a Itália, Bélgica, Checoslováquia, Noruega, Holanda, Sião e Áustria. A desvalorização do escudo levou a estabelecer sobretaxas em ouro sobre direitos de importação.

A pauta aduaneira de 1923 manteve esse sistema de cobrança

3. – As finanças Públicas Desde os começos do séc. XIX que as contas públicas apresentavam um deficit em aumento

Os próprios orçamentos se apresentavam desequilibrados, com raríssimas excepções (1904-5, Hintze Ribeiro, com venda de títulos e a contracção de empréstimos).

O desequilíbrio atingiu 6 mil contos em 1907-8 e 3 mil em 1909-10 Depois de proclamada a República, tentou-se a sério conseguir o desejado superavit.

Mas, sem aumento das contribuições e com as reformas propostas, despesistas, tal era difícil Depois, havia falta de experiência governativa e muita instabilidade na administração A manutenção da ordem pública requeria somas avultadas Também interesses partidários e inconfessáveis interesses pessoais agudizavam o problema

Contudo, a análise dos orçamentos revela um esforço constante na compressão de despesas O aparente crescimento dos valores no início da República deve-se à desvalorização da moeda

A política severa de manejo dos dinheiros públicos, advogada por Afonso Costa, consegue reduzir as despesas do orçamento para 1913-1914 em mais de l.500.000 libras

Tendência que se manteve até 1917-1918, derradeiro orçamento daquele político O Sidonismo, o deficiente manejo da coisa pública, a vontade de multiplicar reformas e outras razões, fizeram

aumentar as despesas nas propostas orçamentais de 1918-19 e 1919-20 Pela primeira vez foi superado o nível de gastos dos primeiros anos da República.

A persistência dos deficits e a opinião pública fizeram reduzir as despesas entre 1920 e 23 Gastava-se 1/2 do que se gastara no início do regime! Prova da penúria do Estado republicano

Só a partir da reforma tributária de 1922 (em vigor pleno em 1924-25), foi possível fazer subir as receitas orçamentadas.

O último orçamento da 1ª República melhorou, com uma verba de despesas superior à de 1911-12 Só porém com o Salazarismo se entraria consistentemente em despesas orçamentais superiores.

As receitas públicas, que eram de 70.804 contos no último orçamento da Monarquia, decresceram até 1918-19. A não actualização das receitas verificou-se sobretudo entre 19 e 25, devido a considerandos de natureza geralmente política. O orçamento para 22-23 apresentou o número mais baixo: 401.887 contos. Era 5,5 vezes o de 1910-11, mas o escudo valia 10 a 20 vezes menos.

O resultado era o deficit permanente, exceptuados os orçamentos de Afonso Costa (1913-1916), e sem contar com o custo da guerra.

A estrutura das receitas públicas, na Monarquia, traduzia-se por um predomínio dos impostos indirectos, uns 32% do total. Os direitos de importação representavam mais de 50% do total

Só dos impostos de consumo e do real de água (onerando sobretudo a população de Lisboa) provinham 13% dos impostos indirectos.

A seguir, mas muito abaixo, vinham os impostos directos, com 20 a 21% das receitas

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

62

Cerca de metade saía do imposto de rendimento e 1/4 da contribuição predial rústica e urbana Em terceiro vinham os impostos de selo e registo, com 9 a 10% da totalidade Seguia-se uma soma grande de pequenos impostos e compensações de despesa dos serviços autónomos que,

no conjunto, rendiam 37% de todas as receitas. O período republicano diminui dos impostos directos que irão baixar de 20 aos 15%, e menos

Esta diminuição foi uma consequência da desvalorização da moeda e da fraqueza dos governos, sempre tíbios em actualizá-los, temerosos de arrostar com as iras do eleitorado.

Nos primeiros anos do novo regime aboliram-se as contribuições sobre rendas de casas e a décima de juros, baixou a contribuição industrial e, sobretudo, o imposto de rendimento, o que se traduziu por uma baixa considerável das receitas do Estado.

Por outro lado, o nível dos impostos directos manteve-se com poucas oscilações até 1920, tendo o escudo desvalorizado em metade.

Fizeram-se, então, actualizações anuais, mas sempre inferiores ao montante da desvalorização. Só com a reforma tributária salazarista (1929), se voltaria a valores afins aos de antes da guerra Também os impostos indirectos diminuíram a partir de 1914-15, colocando-se a sua percentagem, no total,

entre 20 e 28%. Diminuição devida sobretudo à baixa no montante dos direitos de importação, consequência da guerra e da

desvalorização do escudo. Subiram sim os impostos de registo e do selo, os adicionais e variadas outras taxas, que chegaram a significar

mais de metade das receitas totais. Entre 19 e 21, as receitas de rendas fixas e participação do Estado em lucros de empresas (Fósforos e Tabacos,

bancos emissores, etc.) foram superiores às contribuições e impostos directos. A estrutura fiscal da Monarquia, no fundo igual à do 1º período republicano, foi agora modificada

A criação do imposto progressivo representou medida de enorme alcance, sobretudo pela questão de princípio que introduzia.

Aplicou-se, logo no Governo Provisório, o sistema de cota à contribuição predial rústica, por meio da aplicação de taxas progressivas e degressivas. O 1º governo Afonso Costa, alterando e melhorando normas, alargou o nível de isenção para 10$00 e criou mais dois escalões.

As leis da contribuição predial de 1913, estatuíam a aplicação o sistema de cotidade por meio de taxas progressivas e degressivas, baseadas na taxa média fixada na lei anual do orçamento do Estado, para cada uma das espécies de propriedade: urbana e rústica.

Leis saudadas especialmente pelos democráticos que, porém, pretendiam mais Álvaro de Castro propõe a criação de um imposto de rendimento calculado progressivamente, tal como a

França o introduzira nesse mesmo ano (1914) A guerra, a fraqueza posterior dos governos, a falta de financeiros de envergadura, o ressurgir da grande

burguesia impediram que tal fosse levado à prática com a rapidez desejada A reforma tributária viria em 1922 com António Maria da Silva e Vitorino Guimarães

Modificava o sistema tributário anterior e criava novos impostos, o mais importante dos quais assente no princípio da progressividade

Foram criados o imposto sobre o valor das transacções e o imposto sobre a aplicação de capitais (antigos impostos da décima de juros e sobre rendimentos de capitais em títulos de créditos), ambos de base proporcional, e o imposto pessoal de rendimento, progressivo, incidindo sobre o rendimento anual de cada contribuinte, incluindo capitais, propriedades, indústrias, comércio, profissões, artes e ofícios, ou outros

Modificava-se o regime da contribuição industrial (multiplicando pelos coeficientes 4, 6 e 7 os rendimentos colectáveis de 1914, para efeitos de contribuição predial)

Abolia impostos menores, nomeadamente o real da água, o de fabricação e consumo, o proporcional de minas, o de águas medicinais, a contribuição sumptuária, etc.

Esta reforma suscitou inúmeras resistências, nem chegando a entrar em total execução

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

63

Uma comissão é criada em 1926 para elaborar um Relatório sobre as novas medidas e que aponta a falta de pessoal, a falta de instruções oportunas, a instabilidade governativa, etc.

A liquidação e a cobrança faziam-se com atraso de meses. O imposto pessoal de rendimento, quase chegou a cair no olvido, sendo tardiamente liquidado em muitos concelhos e, em certos casos, a administração aceitou mesmo declarações ridículas, assentes em sofismações da lei

O Relatório pactua com os interesses dos grandes possidentes, resolvendo «suspender por três anos» o imposto pessoal de rendimento, «por ser pessoal e também por ser progressivo».

Considera a progressividade um princípio injusto por confiscar a riqueza dos melhores contribuintes Findava o programa dos partidos republicanos e voltava-se, mesmo reformadas, às bases fiscais da Monarquia,

assentes na proporcionalidade. Na estrutura das despesas públicas sobressai o peso enorme de dois grandes blocos que, um ao outro, se

sucederam: a dívida pública e as despesas militares. A primeira foi o grande pesadelo até à guerra.

Atingiu quase metade do total no último ano da Monarquia e no 1º da República Com a desvalorização da moeda e os esforços de Afonso Costa, baixou, depois, aos poucos Em 14-15 já se encontrava abaixo dos 30% e em 18-19 não excedia 16%. Sobe novamente com as grandes despesas cívicas do pós-guerra, atingindo 27% em 21-22 Torna a baixar e a subir nos anos imediatos, mas nunca alcança os antigos níveis Mantinha-se, ao abandonar o topo da tabela, em 2º nas despesas do Estado quando finda a l." República. Com a Ditadura, a dívida pública oscilou entre o primeiro e segundo lugar nas despesas gerais.

As despesas militares ocupavam o segundo posto com cerca de 20% do total Até à guerra sofreu poucas alterações. Depois ultrapassou em muito a dívida pública De 1917 a 19, o País pagou ao Exército e à Marinha 66% das despesas totais Mesmo após o Armistício as despesas de guerra arrastam-se, só se liquidando de todo em 27

Sem elas, todavia, bastavam as do Ministério da Guerra (a Marinha, proporcionalmente, gastava pouco) para onerar pesadamente orçamentos e contas.

Finda a conflagração mundial, Exército e Marinha custavam ao País 20% a 30% das despesas Com a Ditadura, as despesas subiram ainda, ocupando em 1929-30, o primeiro lugar (25,8%) Sobrasse assim muito pouco para despesas produtivas e úteis.

No fim da Monarquia, gastava-se sobretudo com as Obras Públicas, Comércio e Indústria, seguindo-se o Reino, a Fazenda e, a grande distância, a Justiça e os Negócios Estrangeiros

Em 1910-11, dos 34% disponíveis, gastou-se com o Fomento (Obras Públicas) cerca de 10% e um pouco menos com o Interior, de onde saíam as despesas com as forças militarizadas, eleições e instrução. Seguiam-se as Finanças (6,1%), as Colónias (2,8%), a Justiça (1,8%) e os Negócios Estrangeiros (0,6%). Para os encargos gerais iam cerca de 3%.

Até à guerra, reduziram-se ou mantiveram-se com poucas alterações as verbas despendidas pelas pastas do Fomento, Negócios Estrangeiros, Justiça, Colónias e Finanças. Amputou-se o Ministério do Interior criando a nova pasta da Instrução (4%)

Durante a guerra todas as verbas foram contraídas. Ao retornar a paz, os gastos com o Interior cresceram, sobretudo com as verbas para a Assistência

O Fomento, agora subdividido em Comércio e Agricultura, passou a gastar muito mais. Também com a Instrução se gastou muito na segunda fase do período republicano (7 a 10,3%) O Ministério das Finanças aumentou a sua dotação, enquanto a Justiça se mantinha na penúria Os Negócios Estrangeiros cresceram (mais representações diplomáticas e melhores condições) Com as Colónias gastou-se sempre pouco (4,7% de 1924-25, menos que os 5,2% de 1909-10)

As Colónias teriam de pagar para si próprias e a gradual concessão de autonomia fazia que os gastos do governo de Lisboa não aumentassem proporcionalmente

Importantes nas despesas do Estado a partir da I Guerra foram as subvenções, ajudas de custo e melhorias de vencimento ao funcionalismo público, causando verbas cada vez mais onerosas

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

64

Ao findar a Monarquia, o montante da dívida pública servia para assustar os menos timoratos: 876 mil contos, dez vezes o orçamento das receitas. A maior capitação europeia, França incluída

Era o resultado de décadas de fomento e progresso, feitos invariavelmente à base do empréstimo Mas também o resultado da dissipação e deficiente manejo da coisa pública

A República administrou com mais cuidado e sofreu um controlo maior por parte do parlamento Gastou muito menos em obras de fomento e a desvalorização da moeda ajudou, reduzindo nominalmente a

dívida. A bolsa, contudo, baixava constantemente as cotações, dada a falta de crédito dos possidentes De 1910 a 16 houve amortizações regulares anuais, tanto na dívida interna como externa Só a dívida flutuante interna é que aumentou. O único empréstimo desse período efectuou-se em 1912 para

a construção do caminho-de-ferro do Sado O 1.° governo Afonso Costa (1913-14) teve papel de relevo nessa política de amortização.

A dívida flutuante externa baixou dos 9 mil para os 3 mil c de 1913 para 14, ano em que ficou praticamente extinta.

A eclosão da 1ª Guerra, todavia, veio obrigar a novos empréstimos e travar as amortizações (já sem falar na dívida externa de guerra)

Em 1920, já em paz, o montante da dívida pública voltava a afligir o País, tendo subido dos 648 mil c de 1914 para l,2 milhões. Sem inflação a subida fora, mesmo assim, de 87%

O aumento devera-se, sobretudo, a encargos internos, pois a dívida externa subira pouco Só com a extinção do deficit (1929) seria possível iniciar medidas eficazes visando a amortização da dívida.

A dívida de guerra tem uma história diferente. Iniciou-se em 1916, aquando da declaração de guerra da Alemanha. O governo inglês comprometeu-se a fazer a Portugal os

empréstimos necessários para as despesas de guerra. A dívida seria paga dentro de dois anos a contar da assinatura do tratado de paz, com o produto de um empréstimo externo para cuja emissão a Inglaterra daria todas as facilidades possíveis

Em 1925, liquidadas todas as despesas, a totalidade da dívida de guerra portuguesa ascendia a uns 2,2 milhões de contos. Mas o seu pagamento não se fez nos termos do acordo de 1916, devido à evolução da conjuntura. O Tratado de Versailles estabelecia o pagamento, pela Alemanha, de “reparações” aos países por ela atacados. Para Portugal, o montante estava orçado, em 1920, em 432 milhões de libras de prejuízos e mais 78 milhões de despesas de guerra. Na Conferência de Spa (1920) reconheceu-se a Portugal o direito aos navios, cargos e bens do inimigo confiscados, além de 37.500.000 libras. O pagamento à Inglaterra ficava pois dependente do pagamento alemão. A Alemanha, porém, apenas pagou uma parcela ínfima e as negociações entre com o governo inglês arrastaram-se anos a fio. Só em 1926, sob a Ditadura, se celebrou um acordo que não trouxe para Portugal vantagens apreciáveis.

Já na Monarquia se pensava numa «reforma monetária» destinada a substituir o real por uma unidade de maior valor e mais aproximada das moedas da Europa.

No contexto internacional, equivaliam-se peseta, francos francês, belga e suíço, lira, coroa austro-húngara, dinar sérvio, dracma, lev búlgaro, leu romeno, numerosas moedas da América, Ásia e África, todas de prata. O real era uma fracção, com 1/182 do respectivo valor

A República decidiu-se (1911) pelo escudo de ouro, equivalente à moeda de 1$000 réis em ouro, seria dividido em cem partes ou centavos.

Mais que uma reforma monetária, era sobretudo uma alteração do processo de conta. E apenas se efectivou verdadeiramente em 1913. Estabelecia-se ainda o uso legal de conto e o cifrão ($)

As moedas de ouro, previstas para 1914, não se chegaram a cunhar devido à Guerra. Das de prata emitira-se a de 50 (12) e a de 20 centavos (13). O escudo (14) teve direito a sessão solene comemorativa do 3.º aniversário da República. A de 10 centavos é a derradeira (1915)

As previstas em bronze-níquel tiveram um atraso ainda maior e a escassez de metais provocada pela guerra levou à sua substituição por moedas de cupro-A-níquel (4c.) e bronze (2 e l c.).

No Verão de 1914, ao rebentarem as hostilidades e ao subir a libra-ouro no mercado, regista-se uma corrida à prata, para entesouramento, o que o Governo teve de proibir, lembrando a obrigatoriedade de aceitação do papel-moeda. Nos anos seguintes, foi-se gradualmente reduzindo a quantidade de moeda em circulação (prata e bronze) pois o seu valor intrínseco ultrapassava o respectivo valor nominal.

Em 17, a escassez de moeda obrigou à impressão de cédulas improvisadas, emitidas um pouco por todo o País

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

65

Ordenou-se mesmo a recolha de toda a moeda de prata do tempo da Monarquia. Apareceram então (1917) as primeiras cédulas de 1, 2 e 5 centavos (Casa da Moeda e Santa Casa da

Misericórdia). Mais tarde (1922) surgiram ainda cédulas de 20 c. Contudo, mesmo assim havia faltas para trocos, o que fez com que as emissões privadas continuassem, com valores faciais de 1, 2, 5, 10 e mesmo 20 centavos. A prata amoedada só voltaria em 1932

Estes vales-moeda circulavam num meio mais ou menos restrito, conforme a importância do emissor (Câmara Municipal, estabelecimento comercial, empresa) e só na década de 30 cessariam de vez

As moedas de 10 e 20 centavos, com a progressiva desvalorização do escudo justificavam-se agora em metais muito mais pobres. Uma lei de 1920 passou-as para cupro-níquel. A moeda de 5 centavos surge, no mesmo ano, em liga de cobre-zinco. Até de ferro se cunharam moedas de 2 centavos, em 1918

A gerência Álvaro de Castro remodelou todo o sistema monetário. Foram criadas moedas de cobre-alumínio (l escudo e 50 cent.) e de cobre-zinco (5, 10 e 20 c)

Os mil-réis, nunca chegaram a ter paridade com a libra, equivalendo cada uma destas a pouco mais de 5$000 no princípio do século. A cotação desceu um pouco de 1905 a 11. Porém, a desvalorização do escudo iniciada em 1911 leva a libra ao valor de 5$67 em 1914, e já de 6$72 em 1915. De 1916 até 24, a cotação do escudo tem de ser avaliada ao mês. De 7$00 em Novembro de 1915, a libra sobe para 8 (Jan. 1918), 9 (Set. 1919), 14 (Jan. 1920), 35 (Dez. 1920), 45 (Nov. 1921), 60 (Julho 1922), 100 (Dez. 1922), 120 (Dez. 1923), atingindo os 155$00 em Julho de 1924. Era 30 vezes o valor de 1911

A desvalorização teve como causa cimeira a intervenção de Portugal na guerra. As enormes despesas logo em 1914 com o equipamento e manutenção das expedições a África, as

campanhas militares de Angola e Moçambique, a preparação e apetrechamento do Exército e da Marinha e, a partir de 1916, a participação activa nos campos de batalha da Flandres. Tudo isto deitou por terra o custoso equilíbrio orçamental conseguido em 1913-14, obrigando a sucessivas emissões de notas para cobrir os deficits. A assistência financeira inglesa, não chegara para as despesas (o custo da guerra terá sido mesmo 2 vezes superior).

A guerra também desorganiza o sistema das importações, exportações e circulação interna e priva Portugal do importante mercado alemão, afectando os rendimentos do Estado

A guerra dita ainda o abaixamento da emigração, reduzindo a entrada de divisas entre 1914 e 1920, enquanto a proclamação da república reduz o turismo abastado

Dá-se ainda a emigração política de um pequeno mas importante núcleo de gente abastada após o 5 de Outubro e a fracassada Monarquia do Norte, que continuava a receber as suas rendas.

A instabilidade politico-social também provoca uma saída constante de capitais Só em 1924 foi possível iniciar o saneamento da moeda. Mercê de um conjunto de medidas sobre câmbios e

juros tomado pelo 2º governo Álvaro de Castro e da venda da prata que o governo possuía em depósito no Banco de Portugal

4 – A Sociedade e as Instituições Sociais

4.1 – Os Grupos Sociais

4.1.1 – O Campo

País predominantemente agrícola, a população camponesa forma o estrato de base mais numeroso e porventura mais homogéneo

3.367.199 pessoas no Continente e Ilhas que trabalhavam a terra em exclusivo (censo de 1900) A que se somariam parte das 52.598 ocupadas na pesca e caça e parte das 73.318 «improdutivas» Desses 3 milhões e tal, teriam que se descontar uns milhares, residentes nas cidades.

Uns 3,5 milhões de portugueses ocupados exclusivamente na agricultura em 1900 (64%) Os trabalhadores rurais, contudo, eram mais. Do mais de 1 M de pessoas sob a rubrica «indústria», apenas uns 200 mil

eram autênticos proletários (dependentes de 85 mil operários). O resto (800 mil) seriam artesãos de tipo doméstico ou operários eventuais e que também trabalhavam na agricultura

Arredondando, poderíamos contabilizar 4,3 M de camponeses (80%, mais de 1 M de famílias) Cifras que não se alteraram grandemente até 1911, ou mesmo 1920.

O aumento geral da população foi contrabalançado pela emigração urbana e para o estrangeiro

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

66

Segundo o censo de 1911, haveria uns 4,5 M de rurais (75%, mais de 1 M de famílias) No censo de 1920 não há dados referentes à repartição profissional. Mas não seriam muito diferentes, uma vez

que a emigração, as epidemias e a guerra quase estagnaram a população O censo de 1930 já apresenta uma redução do número absoluto da população rural para 3,3 M, embora

pescadores e caçadores aumentassem para 112.022 e os improdutivos e não classificados passassem para 376.899 o que poderia dar uns 4 M de pessoas dependentes da terra

Existe portanto uma relativa estabilidade da população rural no País durante esses 30 anos Cerca de 1 M de famílias viviam e trabalhavam no campo, embora muitas não o senhoreassem

Em termos de trabalhadores efectivos haveria apenas 1,5 M de rurais exclusivos em 1900, l,4 M em 1911 e l,2 em 1930. Adicionemos uns 48% mais, os membros da família auxiliares.

A ligeira diminuição ao longo das 3 décadas era resultado de vários factores actuando conjuntamente: emigração, urbanismo, envelhecimento demográfico.

Os detentores da pequena, média e grande propriedade, não ultrapassavam 564.539 (42%) Uma classe de camponeses pobres constituía a base da pirâmide social

Em 1914-1915 seriam 771.325 (58% da totalidade) os pequeníssimos proprietários (rendimento colectável abaixo 10$00/ano), isentos de contribuição predial.

Cerca de 3 M de pessoas (770 mil x 4) formavam a classe ínfima, o campesinato pobre, desprovido de terra bastante para viver, pois o nº de totalmente desprovidos seria uma pequena minoria, pelo menos a norte do Tejo (pelo menos teria um quintal ou horta por sua conta). A sul deste rio aumentava o número de autênticos proletários do solo

É verdade que, entre os pequeníssimos proprietários, se encontravam alguns burgueses citadinos, com terrenos provenientes de heranças ou comprados para gozo veraneante. Nº contudo insignificante em termos estatísticos globais (a maioria vivendo nas 2 grandes cidades)

Não dispondo de terra suficiente para o sustento, o pequeníssimo proprietário convertia-se num rendeiro ou num assalariado. 39% da propriedade rural portuguesa era explorada por arrendamento ao findar a l." República. 66% dos trabalhadores eram compelidos a servir predominantemente como assalariados, rendeiros ou outra forma que não fosse por conta própria

Muitos vendiam periodicamente a sua força de trabalho, migrando para o Sul por ocasião das ceifas, debulhas, mondas, apanhas da azeitona, fainas que requeriam mão-de-obra temporária

Outro destino provisório eram as regiões de viticultura do Douro. Também se ofereciam às fábricas implantadas no meio rural. As remessas de familiares emigrados igualmente permitiam arredondar os parcos rendimentos E existia sempre o recurso ao crédito, à dívida, à venda de animais e utensílios de trabalho, etc.

Nas vésperas da proclamação da República, um trabalhador rural assalariado ganhava, em média, 280 réis por dia, a seco, variando consoante a região (médias de 160 a 450 réis ou mais)

Os salários médios mais baixos correspondiam às Beiras interiores (distritos de Viseu, Guarda, Castelo Branco e grande parte de Coimbra), ao Algarve e aos distritos de Braga, Porto e Santarém (jornais abaixo dos 280 réis)

Pagava-se mais no Alentejo, Trás-os-Montes (escassez da mão-de-obra devido à emigração) e distritos de Aveiro e Lisboa (médias de 300 réis, Com Lisboa e Setúbal a atingir 348 réi)

O dia de trabalho andava ao redor das nove horas, com poucas excepções. A alimentação consumia quase 60% do salário.

Regiões de comida barata eram Entre Douro e Minho, Beiras interiores e Ribatejo. Em Viseu e Faro o camponês assalariado ficava com menos de 100 réis/dia (l tostão) deduzida a alimentação, e com pouco mais em Bragança, Beja, Coimbra, Guarda e Castelo Branco. Só no distrito de Lisboa é que lhe sobrariam uns 173 réis.

Apesar da legislação social republicana ser quase só dirigida ao operário da cidade ou ao servidor do Estado, de 1910 a 1930 a situação do trabalhador rural, proprietário ou não, modificou-se ligeiramente para melhor, dada a escassez de mão-de-obra causada pela emigração.

Houve um aumento considerável dos salários agrícolas, que ultrapassou a desvalorização

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

67

Por outra parte, é sabido que, onde há uma desvalorização monetária considerável, as condições salariais se modificam, para melhor, depois da estabilização da moeda.

O salário agrícola médio subiu de 100 para 154,4 até 1926. A partir de 1914-15, a subida de preços causada pela guerra foi maior que os salários, mas logo em 1917 a situação do

rural voltou a melhorar, prolongando-se até 1920. Seguiu-se novo período de baixa real (1921-23), para se retomar a ascensão com a estabilização da moeda, até ao máximo de 154,4 em 26. Desceram um pouco depois, mas ainda se mantinham em 134,9 ao encerrar-se a década. A grande crise económica posterior fá-los-ia baixar novamente até níveis inferiores aos dos começos do regime.

Ao começar a República, o trabalhador rural não tinha qualquer forma de organização. Sindicatos agrícolas, cooperativas e caixas de crédito eram organismos de grandes e médios proprietários,

às vezes com alguns pequenos, onde não cabiam camponeses de grau ínfimo A partir de 1910, sobretudo o Sul, onde estava a maioria dos proletários rurais, assistiu a uma proliferação

rápida de associações de trabalhadores rurais (sindicatos rurais e não sindicatos agrícolas). Em 1912 existia já um núcleo importante no Alentejo

Dispuseram-se a actuar, principalmente, no campo dos salários e dos horários de trabalho Por vezes apresentou formas mais violentas de reivindicação, com greves e confrontos com as autoridades

locais, originando prisões, espancamentos, etc.) Em 1911-12 teve lugar a chamada «insurreição alentejana» (sobretudo em Évora)

O proletariado rural reivindicava um salário mínimo, prioridade de contratação para os trabalhadores locais, restrição das áreas de trabalho das máquinas agrícolas, a praça de jorna e a relação salário/custo de vida.

Enveredando pela via revolucionária, desdenhando das novas instituições e rejeitando-as como coisa burguesa, o sindicalismo rural deparou com a resistência dos partidos organizados e com a repressão por parte dos governos

Mesmo durante o apogeu, os sindicatos nunca agruparam 50% da população rural dos 3 distritos alentejanos, e menos ainda nos de Setúbal, Santarém, Faro e Castelo Branco, onde existiram sindicatos. Foi assim fácil à burguesia local travar o avanço sindical. O interesse pela luta e participação activa dos sindicatos numa acção conjunta contra a burguesia rural esmoreceram depressa depois do fogacho de 1911-1913

Depois da Guerra as tentativas de provocar um renascimento sindical pouco conseguiram Havia, em começos de 1926, 67 associações de trabalhadores rurais. Metade daquilo que fora Os poucos rurais conscientes achavam-se também divididos entre anarquistas e comunistas

Igualmente as reivindicações do proletariado rural se tinham modificado a partir da guerra, com protestos agora dirigidos ao arroteamento de terras abandonadas e à redistribuição dos baldios. Começou também a ventilar-se a ideia de reforma agrária

Acima deste estrato inferior, colocava-se a classe dos pequenos e médios proprietários. Seriam (seg Lima Basto) 559.685 contribuintes (42%), distinguindo neles os pequenos proprietários

(532.124 = 39,9% e rendimentos colectáveis entre 11 e 300$00), e os médios proprietários (27.561=2%, com rendimentos entre 301 e 2.000$00). Eram cerca de 1,M de pessoas.

Esta classe constituía o cerne da sociedade rural portuguesa e a maior fonte de preocupação de legisladores e de teóricos. O seu bem-estar e o seu apoio procuraram-se sem descanso.

Eram os lavradores quase pobres, os remediados e aqueles a tender para a abastança. Grandes e «grandíssimos» proprietários não iam além de 5 mil, umas 15 mil pessoas (0,36%)

Os «grandes» tinham um rendimento colectável de 2 a 20 contos, e os «grandíssimos» mais de 20 contos (estes não mais de 2.500 pessoas, sobretudo em Santarém, Évora e Lisboa)

No topo da classe, estavam apenas 125 proprietários com rendimento superior a 50 contos A maioria dos grandes proprietários era absentista, arrendando a terra a rendeiros que a exploravam de forma

extensiva e com pouco recurso à mecanização. A produtividade era fraca e dependia de vasta mão-de-obra assalariada, em parte temporária

Os proprietários rurais possuíam um esboço de organização nos “sindicatos agrícolas” (1894) O principal objectivo destas associações, porém, era facilitar a análise das terras e aumentar o emprego dos

adubos químicos. Pouco faziam pela defesa dos interesses dos proprietários

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

68

Com a República, o seu número aumentou, passando de 77, em 1909-10, para o dobro em 1917-18 e já mais de 300 nos finais dos anos Vinte. A sua extinção legal deu-se em 1933

A propaganda associacionista, as vantagens em relação ao crédito e a exacerbação da luta de classes transposta para os meios rurais, conduziram ao desenvolvimento destas associações Tinham muito mais de organismos de protecção e defesa do proprietário nos finais da 1ª República do que no seu início

Mas nunca passaram dos 50 mil associados, número ínfimo para os quase 600 mil proprietários Agrupavam-se em 4 federações: Centro, Norte, Beja e Douro. Em conjunto realizaram alguns congressos

para debater problemas de classe e fomentar o associativismo nos campos. A Associação Central da Agricultura Portuguesa (1860), controlada pelos grandes proprietários servia de

cúpula, tendo mudado de nome com o novo regime. Primeiro para Sindicato Agrícola Central (1911) e, depois para União Central da Agricultura Portuguesa (1921)

Muitos sindicatos, ainda por cima, funcionavam mal ou não funcionavam de todo (talvez apenas uns 34% demonstravam actividade que valesse a pena)

A maior percentagem dos inactivos encontrava-se no norte, regiões onde era mais difícil a vida associativa. O Alentejo testemunhava uma actividade sindical bastante intensa

4.1.2 – A cidade

4.1.2.1 – O operariado

Os efectivos operários seriam de uns 85.600 obreiros (homens, mulheres e menores) em 1907 Em 1917 atingiriam os 142.600, atingindo os 300 mil no fim da década Ter-se-iam assim 214 mil pessoas em 1907 e 750 mil em 1930 dependentes do trabalho operário

O grosso da classe concentrava-se em Lisboa (40 mil) e Porto (17 mil) (1917) Mas, se as duas cidades apenas davam cerca de 1/3 dos efectivoa industriais efectiva, já passavam além de

1/2 do número total de proletários vivendo no País. Eram porém duas bolsas com pouca comunicação entre si, para defesa de interesses mútuos, e apresentando

características diferentes. No Norte, o capitalismo industrial mostrava-se ainda intimamente ligado à economia camponesa familiar e

ao artesanato doméstico. Também surgiam, contudo, alguns pequenos focos industriais distintos daqueles dois (Covilhã, Marinha

Grande, Tomar, parte do Algarve) Em 1930 os números seriam de 280 mil para a capital e 90 mil para a Cidade Invicta.

Lisboa tinha quase 600 mil habitantes nesta data (450 mil em 17) e foi contendo uma percentagem cada vez maior de gente proletária (surto das actividades industriais no País)

O Porto tinha uns 233 mil (200 mil em 17) e a percentagem proletária terá também subido De qualquer modo era ainda uma minoria proletária a fabril, conquanto crescente, nas 2 cidades

É certo que, àquela minoria, seria de acrescentar alguma população assalariada nos transportes E os assalariados do comércio que fizeram, por vezes, causa comum com o proletariado fabril

O peso crescente deste operariado, porém, aliado à “questão social” em discussão na época, levou a uma legislação republicana abundante, embora parte já viesse dos tempos da monarquia

Houve assim uma melhoria de bem-estar do proletário urbano.

a) Horários Legislou-se sobretudo acerca de horários, acidentes de trabalho e arbitragens (disputas operários/patrões)

A fixação de um horário de trabalho razoável para todo o País constituiu um cavalo-de-batalha das classes operárias. Nos últimos anos da Monarquia, só alguns trabalhadores (tabacos) estavam abrangidos por leis especificamente reguladoras dos seus horários.

Não existia descanso semanal. Laborava-se ao domingo, a não ser quando a religiosidade ou compreensão social do capitalista o interdiziam. Só se exceptuavam os funcionários públicos

O dia normal de trabalho era de 12 horas em média (de 9 a 14, consoante a indústria) Mulheres e menores estavam bem mais protegidos com a legislação de 1891-93 e com a convenção

internacional de 1906.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

69

Por pressão do Partido Republicano, João Franco estabeleceu um horário para todos os trabalhadores da indústria e comércio, com a cláusula do descanso semanal obrigatório (1907)

Mas a regulamentação ficava para câmaras municipais, o que impedia a generalização ao País, e os patrões é que designariam o dia de descanso dos seus subordinados. Para mais, os governadores civis tinham autoridade para alterarem as disposições tomadas pelas câmaras

Com a queda do Franquismo (1908) a lei caducou, voltando-se à antiga. Foi a República que estabeleceu, de vez, o regime dos horários de trabalho.

Em 1911 decretava-se o descanso semanal obrigatório, ao domingo, com regulação municipal Seguiu-se a fixação do n.º de horas de trabalho, 7h00 para empregados de escritório e bancários, 8 a 10 para

operários e 10 para empregados de lojas, com intervalo de 2h00 para almoço (1915). Estabeleceu-se também o horário de trabalho nas fábricas e oficinas agrícolas.

Sem estipular multas nem o encerramento dos locais de trabalho, a efectivação foi difícil, sobretudo na província e muitas disposições, só moderada e incompletamente se cumpriam.

Em 1919, com o socialista Augusto Dias da Silva, estabeleceram-se as 8h00 para a indústria e comércio (as 48h00 semanais, acabadas de ser votadas em França)

Medida muito avançada para a época, que provocou protestos dos deputados das direitas e que teve muitas dificuldades em ser aceite na generalidade dos estabelecimentos (ainda em 1926)

Mas já os sindicatos exigiam o dia de 6h00, o que à grande maioria parecia então utópico.

b) Acidentes de trabalho A responsabilidade patronal pelos acidentes de trabalho foi estabelecida por lei de 1913

Lei acompanhada por outras disposições sobre assistência clínica e regulamentações diversas Mas só em 1919 é que um Decreto fixou a obrigatoriedade do seguro em todas as profissões Nessa data criou-se o seguro social obrigatório (doença, invalidez, velhice e sobrevivência)

Os compromissos forçados pela fraqueza dos governos tornaram estas medidas pouco efectivas A Associação Central da Agricultura Portuguesa e os Sindicatos Agrícolas opuseram-se firmemente à

aplicação dos seguros ao proletariado rural

c) Habitação A habitação do trabalhador era precária e acanhada

As famílias operárias de todo o País, ao tempo da guerra, dispunham de menos de 4 divisões, isto com famílias geralmente numerosas (inquéritos no Porto davam menos de 6 m2/pessoa)

Antes da República só empresas mais progressivas se preocuparam com a questão da habitação O panorama não se modificou substancialmente durante o período republicano.

O próprio Estado só tomou iniciativas durante o consulado sidonista, pressionado pela «questão social» Com o ministro do Trabalho socialista, Augusto Dias da Silva (1919) há um crédito de 100 contos para a

construção de bairros operários na margem sul do Tejo. Outros créditos se seguiram. Mas dos bairros propostos (3 em Lisboa 1 na Covilhã e outro no Porto) pouco se fez (lentidão, má administração, exploração por parte dos construtores, falta de planeamento, etc.).

Um Decreto de 1925 liquidava os bairros sociais, menos o do Arco do Cego, o qual, contudo apenas viria a ser completado em pleno Estado Novo

d) A alimentação, Vestuário e outras despesas A questão social, dos últimos anos da Monarquia à 1ª República levou a que fossem realizados alguns

inquéritos importantes, sobre as condições de vida do operariado fabril Um deles (1916) analisa 538 famílias operárias do Continente, onde se verifica que quase metade vivia em permanente

défice, endividando-se progressivamente. A alimentação vinha à cabeça das despesas. E se, em alguns casos extremos, chegava a exceder o orçamento,

nunca desciam abaixo dos 56%. Esta era mais cara no Alentejo (comercialização deficiente) onde podia ser o dobro da capital.

A ingestão de calorias (1921) indicava para o proletário português a cifra de 2.373, contra 2.591 do italiano, 2.796 do russo, 3.135 do alemão, 3.220 do francês e 4.210 do inglês.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

70

O rendimento em cavalos-vapor, durante oito horas, era um dos mais baixos da Europa, avaliado em 0,0068, contra os 0,0074 do operário italiano, 0,0229 do alemão, 0,0321 do francês e 0,0671 do inglês. Só o russo lhe seria inferior, com 0,0057

Durante a guerra baixaram ainda mais as calorias ingeridas (2.326) e o rendimento (0,0049) Seguia-se, nas despesas, o vestuário (muito inferior), luz e o combustível, renda de casa e diversos

Em 1920 apenas se vislumbram pequenas mudanças.

e) Os salários Em 1907-9, um operário da Covilhã ganhava 400 réis/dia. Em Coimbra iria aos 460. Em Lisboa, elevava-se a

500 e 600 réis, ou mais. Em 1914, um operário lisboeta recebia uns 630 réis de média diária ($63). Mas note-se que a disparidade por sector e por região era considerável

A desvalorização da moeda e as reivindicações elevaram estes valores para cerca de l$00 (1916), 2$00 (19), 2$52 (20), 4$73 (21), 5$67 (22), 10$41 (23), 14$13 (24), 14$70 (25) e 13$20 (26)

Acompanhando, com altos e baixos, o custo de vida (melhor em 24-25, pior em 20-23) Comparando com o operariado estrangeiro, o nível salarial português vinha na cauda da Europa com um

índice 38 relativo à base 100 do operário londrino, o mais bem pago de todos (1925)

f) Os pobres Parte ínfima do proletariado urbano (vagabundos e elementos marginalizados) vivia em condições de

indigência, dependendo da assistência pública para subsistir. O número destes «pobres» aumentou durante 1ª República, primeiramente em situação transitória, devido à

guerra, depois e com permanência, devido ao afluxo de imigrantes da província. Em 1908 uns 3.400 pobres beneficiavam da assistência das cozinhas económicas (senhas de pão) e da Mesiricórdia (sopa da

caridade). Com a guerra, a cifra subiu bruscamente para a casa dos 5.000 (16), até terminarem as consequências do conflito. Baixou depois um pouco, para atingir novamente aqueles níveis nos meados da década de 20. Estes milhares de pobres também povoavam os portais das igrejas e outros lugares públicos mais frequentados, ou pediam de porta em porta.

g) Sindicatos A sindicalização operária achava-se numa fase incipiente na primeira década do século XX.

Os dirigentes do movimento operário, em geral, tinham pouca cultura e raro se elevavam acima de interesses e objectivos limitados, com uma formação teórica rudimentar.

No Portugal de 1909 existiam 135 associações de classe, reunindo mais de 27 000 membros (umas 100.000 pessoas). Em Lisboa tinha 32 dessas associações e o Porto e Vª Nª de Gaia tinham 38. Depois vinha Setúbal e, a grande distância, a Póvoa de Varzím, Lagos e Almada. No interior as associações rareavam ou eram inexistentes (os operários da Covilhã, por exemplo, não se achavam sindicalizados). Nas Ilhas só Ponta Delgada registava associações

Depois da proclamação da República, o movimento associativo operário progrediu muito. Em 1911 contavam-se mais de 30 mil sindicados na indústria e nos transportes.

Em 1917, um inquérito oficial registou 55.287 sindicados (incluindo os trabalhadores do mar) Contudo continuava a não haver sindicatos no distrito de Bragança. Até nos Açores e Madeira o movimento

progredira, apenas estando isento o distrito da Horta. Na região de Lisboa-Setúbal continuava a assentar a força sindical operária (mais de 50% dos associados

do País). Seguiam-se o Porto e arredores (menos de 20% da totalidade) Em termos ideológicos, o operário sindicalizado evoluiu de um mero reformismo pragmático para um

sindicalismo anarquista de tipo revolucionário, já patente em 1912, aquando da tentativa de greve geral. A partir de 1922 o movimento associativo declina. Conclusões que coincidem com as que foram referidas em

relação ao associativismo rural. Dezenas de sindicatos alheavam-se do movimento associativo. E os sindicatos de filiação socialista ou

comunista que não aderiam ao sindicalismo de raiz anarquista da maioria.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

71

Em 1926, existiam mais de 300 sindicatos de operários da indústria, de trabalhadores do mar, de empregados de transporte, etc. (sem contar os de empregados do comércio, de trabalhadores rurais, de professores e de funcionários públicos). Contudo, apenas 1/3 participaram no Congresso Operário de 1925.

Os sindicatos operários agrupavam-se em uniões e federações várias, de carácter regional ou profissional. Em 1914 constituiu-se a União Operária Nacional, dividida nas secções Sul e Norte, que procurou unificar o movimento operário. Em 1919 transformou-se na Confederação Geral do Trabalho, de estrutura interna já bastante complexa e de objectivos mais amplos: disciplinar e uniformizar o movimento associativo obreiro, através de uma pirâmide cujo vértice era a CGT e cuja base e camadas intermédias eram os sindicatos, uniões de sindicatos regionais e as federações de indústrias afins (uma federação de federações)

Apesar de todos os esforços para organizar uma frente comum dos assalariados contra os patrões, não era possível considerar estes sindicatos necessariamente irmanados nem componentes da mesma classe social do proletariado.

A partir da guerra, o movimento obreiro consciente tentou a generalização do princípio do sindicato único. Em 1926 já existiam mais de 90 sindicatos únicos, representando 1/3 da população operária sindicada (sobretudo em Braga e Faro)

h) Greves (coalizões) Proibidas pela legislação monárquica, nem por isso as coligações ou coalizões deixaram de representar um

meio de combate efectivo na transição do séc. XIX para o séc. XX De 1903 ao 5 de Outubro registou-se uma centena de greves no território do Continente, com realce para os

distritos nortenhos, o que correspondia ao crescimento geral do operariado. Proclamada a República, foi oficialmente decretado o direito à greve, mas também ao lock-out, exceptuando o

funcionalismo público. As greves em serviços de interesse público deviam ser anunciadas com a antecipação de 8 ou 12 dias consoante o sector afectado (luz, água, serviços hospitalares, transportes). Era punido com prisão e multa o recurso à violência e ameaças e com a dissolução as associações que quisessem obrigar os sócios a tomarem parte ou a saírem de uma coligação operária ou patronal

Este decreto foi mal recebido por operários e patrões, constituindo o ponto de partida para descontentamentos sociais contra o regime, que se viriam a exacerbar com o tempo.

O operariado criticava-o por decretar a liberdade do trabalho e inserir a cláusula anunciadora. O movimento grevista conseguiu, contudo, o melhoramento efectivo da vida do proletário. O movimento grevista português teve o seu correspondente em outros países da Europa, não sendo de

estranhar os números elevados de 1910 e 1911. Baixou depois de intensidade, a não ser durante o ano de 17 (carências de bens, alta dos preços e inflação), voltando a subir em 1919-20. Depois de nova baixa em 1921, manteve-se alto até 24 (inflação), diminuindo em 25

Ocorreram greves gerais ou tentativas delas em 1911, 12 (a mais bem sucedida), 18, 19, 20, 21, etc., mas o seu mecanismo jamais funcionou perfeitamente (poucos associados).

Os governos republicanos ligavam sempre (com razão ou sem ela) as tentativas de greve geral a conspirações monárquicas, reprimindo-as assim com alguma violência.

A maioria das greves apenas conseguia alguns compromissos relacionados com as reivindicações A maioria das coalizões respeitava a aumentos de salário e a horários de trabalho. Em menor percentagem,

eram razões de solidariedade obreira (em crescendo, com o passar dos anos) Mas conseguira, sobretudo em Lisboa, certa melhoria do nível de vida, o descanso semanal, a diminuição

das horas de trabalho e garantias contra desastres e velhice. No conspecto geral dos grupos sociais, terá sido o proletário urbano quem mais beneficiou com o advento da

República e mais foi prejudicado com a sua queda.

4.1.2.2 – A burguesia

O Censo de 1900 sugeria a existência de 600.000 burgueses no território do Continente e Ilhas, com 330.000 dependendo do comércio, quase 100.000 das profissões liberais, 70.000 da força pública, 60.000 vivendo de rendimentos e 50.000 na administração do Estado.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

72

Ao acrescentar patrões, empregados superiores e médios da indústria e uns milhares rubricados em «trabalhos domésticos» e «improdutivos», teríamos de descontar soldados, marinheiros e parte da criadagem. Contas feitas voltaríamos ao nº primitivo de uns 600 mil

Desses, quase metade vivia em Lisboa (200 mil) e Porto (90.000). Os efectivos da burguesia aumentaram consideravelmente nas décadas a seguir.

Mais de 800.000 em 1911 e 1,2 M em 1930. O dobro, quando a população aumentara 25%. Nas duas grandes cidades, contudo, a burguesia não aumentara mais de 40%, ao passo que a população

respectiva subira quase 60% nesses 30 anos. O aumento havia sido do proletariado Nos início da republica os assalariados do comércio seriam umas 170 mil pessoas e outro tanto de patrões

(colectados nas Finanças). Uns 40.000 de cada grupo em Lisboa e 17.000 no Porto. Desses 170 000 «patrões», só uns 35.000 entrariam na condição de médio e grande comerciante, sendo os

demais taberneiros, vendedores ambulantes, capelistas, etc. Em 1930 o censo indicava, pela primeira vez, a distinção entre quem trabalhava por conta própria e quem

trabalhava por conta alheia Contabilizam-se assim perto de 700.000 trabalhadores por conta própria, vivendo cerca de 150.000 nas duas

principais cidades. Este grupo, porém, incluía milhares de agricultores que dedicavam também à indústria, embora de forma

subsidiária ou que por «indústria» entendiam pequenas actividades artesanais. Também os «comerciantes» da província, a trabalharem por conta própria, só parcialmente viviam da

actividade mercantil. Atendendo a estes considerandos já a média e a grande burguesia cairiam abaixo dos tais 700 mil

Contudo, os seus efectivos seriam maiores que noutros países europeus e a pirâmide social resultaria desequilibrada no conjunto da burguesia, resultado da estrutura do comércio e da indústria, de escassa concentração capitalista, fraccionada em pequenas lojas e oficinas de propriedade individual ou familiar. País de pequenos e médios proprietários, também Portugal constituía a pátria dos donos de tendas e de fabriquetas, que proliferavam por toda a parte

A guerra trouxe algumas modificações, mas não de estrutura, mas de movimentação Numerosos pequenos burgueses subiram na escala social (com os negócios irregulares), os «novos-ricos»

caricaturados sem piedade na literatura e no teatro ligeiro do tempo. Também banqueiros, industriais e comerciantes lucraram com a guerra e com as especulações

Por outro lado, formou-se uma categoria, bem mais numerosa, de «novos-pobres», aqueles que viviam de rendimentos pecuniários fixos ou de difícil modificação: pensionistas, juristas, funcionários públicos, oficiais do Exército, professores, empregados comerciais e algumas categorias de operários menos favorecidos. Endividavam-se à espera de melhores dias

A partir de 1919-21, de forma tímida e ineficiente, o poder efectivo de compra melhorou, conquanto raramente atingiu o nível anterior à guerra

A burguesia burocrática perdeu assim todas as características de relativa independência e altivez que uma situação de mediania ou até de bem-estar lhe emprestara até à guerra. Tornou-se numa clientela esfomeada e suplicante, sensível a qualquer miragem de futuro risonho

A alta burguesia (incluindo a aristocracia) eram uma centena de famílias que gozavam de todos os privilégios, auferindo proventos fabulosos em desproporção à tacanhez económica do País.

a) Associativismo patronal O associativismo de classe entre a burguesia tardou a se desenvolver. Em 1910 fraccionava-se em associações isoladas. O surto do movimento operário e a sensação de falta de

protecção por parte dos governos levaram os patrões a formas mais activas Em 1911, constituiu-se a União da Agricultura, Comércio e Indústria, que pretendia confederar todas as

associações de carácter económico-social existentes no País. Apesar das centenas de adesões, os resultados práticos não foram animadores

Em 1910 havia uns 12 mil sócios de associações patronais, n.º que subira para 15.601 em 1917

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

73

Em 1920 surgiu a Confederação Patronal Portuguesa, cujo 1º congresso se dá em 1921 (Lisboa) Nele se fizeram representar cerca de 60 associações comerciais, industriais e agrícolas, além de 2 federações

de sindicatos agrícolas e da Associação Central da Agricultura Portuguesa. Pretendia organizar as forças da burguesia numa frente comum, mas nunca o conseguiu.

A Confederação Patronal teve sempre muito mais de urbano do que de campesino e a força efémera que demonstrou, em 1921-22, baseou-se nas associações de comércio e indústria

O atentado contra um dos seus dirigentes, de raiz anarquista, em 1922, contribuiu para enfraquecer o movimento, já de si pouco coeso

Entre os patrões, como entre os operários, trabalhadores do campo ou pequenos senhores da terra, não sobrava espírito associativo ao nível da luta de classes.

Para mais, a burguesia patronal lá ia conseguindo os seus objectivos junto dos governos republicanos que essencialmente a representavam e dela dependiam, pelo menos na década de Vinte

Dispunha de armas subtis e eficazes para travar tudo aquilo que julgava afectá-la Em 1924, por iniciativa da Associação Comercial de Lisboa, constituiu-se a União dos Interesses Económicos,

englobando as associações comerciais e industriais das principais cidades de Portugal e a Associação Central da Agricultura Portuguesa. Mais ampla em objectivos do que a Confederação Patronal, a UIE estava a meio caminho entre um organismo de intuitos

meramente económicos e um partido político. Participou mesmo na luta eleitoral de Nov. de 25, conquistando alguns lugares na Câmara e no Senado. Desempenhou papel relevante na preparação e definição do movimento de 28 de Maio

Esta UIE representava mais a alta burguesia do que a Confederação Patronal Teve desde logo contra si os chamados «consumidores», que realizaram manifestações de protesto,

conferências, reuniões, etc., numa aproximação de classes que incluía pequenos e médios burgueses e proletários urbanos que viam claramente o perigo político que a UIE constituía, como força das direitas, «reaccionária» e ameaçadora para o Estado republicano.

4.2 – As instituições sociais Antes da proclamação da República, o Estado intervinha, essencialmente, como protector dos

estabelecimentos de caridade e fiscalizador das suas contas. Poucos eram sua propriedade. A grande maioria dependia de fundos próprios ou de iniciativas particulares.

Em 1909 existiam 241 hospitais de todos os tipos. Só em Lisboa 19.338 aí tinham sido assistidas Ao lado dos hospitais civis funcionavam os hospitais e enfermarias militares (uns 49) Havia ainda o Hospital da Marinha e o Hospital Colonial, ambos de reduzidas dimensões Dois hospitais para alienados (com mais de um milhar de enfermos) Havia ainda alguns (poucos e pequenos) hospitais particulares

A burguesia e a aristocracia preferiam tratar os seus doentes em casa, sempre que possível. A rede das misericórdias ajudava à assistência, gratuita ou quase, a vastas massas da população

A cargo das misericórdias contavam-se também diversos hospitais, recolhimentos e asilos. Para a tuberculose existia, desde 1899, a Assistência Nacional aos Tuberculosos (5 sanatórios) O sistema de beneficência e assistência comportava ainda 134 asilos (infância, inválidos, mendigos, velhos,

entrevados, cegos, aleijados, recolhimentos, etc.) com cerca de 8.000 pessoas Contavam-se, entre eles, as quatro casas pias (Lisboa, Beja, Évora e Paço de Sousa) com cerca de mil

crianças e adolescentes A assistência infantil era diminuta. Não existiam maternidades, e funcionavam apenas 8 creches A pobreza dispunha de 6 cozinhas económicas (desde 1892, com a duquesa de Palmela), todas em Lisboa,

fornecendo refeições aos indigentes, a preços módicos ou mesmo gratuitas A República preocupou-se com a assistência pública, direito reconhecido na Constituição

A expulsão das ordens religiosas obrigou a resoluções rápidas. Sobretudo em relação a asilos, recolhimentos, hospitais, cozinhas económicas, etc.(dependentes de pessoal religioso)

Uma nova lei da assistência saiu em 1911 (Antº José de Almeida). Era criada uma Direcção-Geral de Assistência que superintendia os organismos oficiais de beneficência,

incluindo as misericórdias

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

74

Instituía-se um Fundo Nacional de Assistência (administrado por um Conselho Nacional de Assistência Pública), com dotação orçamental fixa e receitas variáveis, provenientes de um imposto sobre bilhetes e guias de caminhos-de-ferro, e um selo de correio adicional em certos dias do ano e outras fontes menores

Instituía-se a Provedoria Central da Assistência de Lisboa, uma Comissão Central de Assistência distrital (Lisboa), uma Comissão de Assistência Pública para o Porto, comissões distritais e comissões municipais. Previa ainda a fundação de colónias agrícolas (nos baldios), povoadas com menores da Casa Pia e dos asilos.

Ao lado da Direcção-Geral de Assistência passou a existir uma Direcção-Geral de Saúde. Em 1916, a criação do Ministério do Trabalho e Previdência Social trouxe o alargamento dos serviços de

assistência dispensados pelo Estado. Surgiram a Direcção-Geral de Previdência Social e Subsistências, a Inspecção de Previdência Social e um

Conselho Superior de Previdência Social (socorros mútuos, seguros, caixas de pensão e económicas, cooperativas, etc.).

A centralização não trouxe os resultados esperados, nem o Fundo Nacional de Assistência (exiguo) extinguiu a caridade pública

A reacção sidonista, pronta a dar satisfação aos descontentamentos, concedeu de novo autonomia aos hospitais civis de Lisboa (com uma direcção-geral própria) e ampliava os serviços de beneficência com a chamada Obra de Assistência 5 de Dezembro. Também o novo regime passou para a Secretaria de Estado do Trabalho, a Direcção-Geral de Assistência, a Direcção-Geral de Saúde e a Direcção-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa.

As reformas de 1919 prosseguiram a via descentralizadora, garantindo de novo autonomia à Casa Pia e à Misericórdia de Lisboa, mas subordinando-as à Direcção-Geral de Assistência

Na mesma data era criado o Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral, de administração autónoma, com tutela sobre os organismos de assistência pública

A Obra de Assistência 5 de Dezembro era extinta como organismo autónomo, ficando incorporada na Provedoria Central da Assistência de : Lisboa

Em 1925 é extinto o Ministério do Trabalho, passando quase todos os serviços de assistência novamente para o Ministério do Interior

Ao surgir o 28 de Maio de 1926, existiam, para superintender na assistência pública, o Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral, a Direcção-geral de Saúde, a Direcção-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa e a Direcção-Geral de Assistência.

No quadro desta copiosa legislação, acabaram por se criar alguns novos asilos e escolas infantis, subiu o número de hospitais em funcionamento, inauguraram-se mais 3 sanatórios e outros tantos dispensários para tuberculosos, multiplicaram-se as creches (eram agora 29)

Inovação importante foram as maternidades: Coimbra (1911), Angra (1926), Lisboa (1927) Criaram-se 33 cozinhas económicas em Lisboa (1918, iniciativa de S. Pais e da Obra de Assistência 5 de

Dezembro), em atenção à onda de miséria provocada pela guerra (4 mil ref/dia) Em 1926 eram já 35 em e Lisboa, alargando-se a Viseu (2) Faro (1), Viana (1) e Leiria (1) Em 1930, o seu número total baixou para 29

A falta ou a deficiência dos serviços sociais estava, em parte, compensada pela difusão da prática associativa entre os portugueses de então (socorros mútuos, cooperativas).

Vasto movimento associativo, herança do século XIX (ideais humanitários) que ajuda a compreender os lentos progressos do movimento associativo de classe e do intervencionismo estatal generalizado.

As associações de socorros mútuos tinham surgido a meados de Oitocentos. Eram, de início, a resposta do artesanato à dissolução das corporações. Mas, gradualmente, estas associações foram agrupando também burgueses de vários estratos de riqueza.

Eram 3 associações em 1843, 27 em 1853, 280 em 1891, 589 em 1903 e 628 em 1909 Este mutualismo associativo tinha carácter predominantemente urbano (Lisboa e Porto)

Com a República e até à I Grande Guerra, o movimento prosseguiu: 657 associações em 1915

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

75

Posteriormente, o seu número diminuiu por fusão de agrupamentos mais pequenos, mas a totalidade dos sócios continuou a aumentar: eram 533 associações em 1931, com 575.976 sócios

O cooperativismo jamais conheceu a amplitude e a prosperidade do mutualismo associativo. As primeiras cooperativas de consumo surgiram em na 2ªm do séc. XIX, mas não passavam de 17 no início

do XX. Eram 62 ao tempo da Republica, subindo depois aos sacões, sendo 136 em 1919 e 472 em 1922, no seu apogeu. Depois declinam reduzindo-se a 271 em 1929

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

76

III - O ESTADO NOVO

1 – A Demografia De 1930 a 1970, a população do País aumentou em mais de um terço. A taxa de crescimento mostrou-se especialmente elevada de 1930 a 1940

De 6,8 M para 7,7 M (1940), 8,4 M (1950) e 8,9 M (1960), mais de 9 M a meados de 60 1970 viria a registar 8.668.267, um recuo sem precedentes na demografia do País (emigração)

A taxa de mortalidade baixou para metade 22,43%o em 1926, 10,72%o em 65, 11,8%o em 74 (com mortalidade infantil ainda elevada)

A taxa de natalidade diminuiu também 32,82%o (1926), 23,74%o (1965) e 19,42%o (1974).

Depois da alta da emigração do período posterior a 1919, esta baixou nos anos 30 e 40 (restrições nas nações americanas e a eclosão da guerra)

Com o regresso à normalidade, iniciou-se nova vaga de emigração, sempre em crescendo, para o Brasil (1945-63), Estados Unidos e Canadá, (final dos 60) e Europa (decénio de 60)

Baixou depois um pouco em 1971, mas sobe outra vez em 73. Nas décadas de 60 e 70 a maior parte dos emigrantes sai com destino à França e Alemanha

A emigração trouxe certas vantagens, com o envio de somas avultadas em moeda estrangeira, a aceleração da mecanização agrícola, o aumento de salários (falta de braços), a modernização de muitas aldeias e vilas, etc.

Mas a perda de homens e mulheres válidos, resultando em problemas de mão-de-obra. Também o surto urbano se acelerou, constituindo as áreas de Lisboa e Porto focos de atracção

Em 1960, 25% da população vivia nessas 2 zonas. Mas a pop. urbana total era de apenas 23% Grande percentagem dependia da agricultura (49% em 1950, 44% em 60, 32% em 70)

Mas cresciam os ocupados na indústria e comercio (34% em 1950, 29% em 60,42% em 70) Em serviços, a percentagem da população baixou (28% em 1960, 25% em 1970.

O censo de 1970 revelou uma distribuição muito equitativa da população activa nos 3 sectores A agricultura (32%) foi, pela 1ª vez, superada pelas actividades industriais e comerciais (32%)

Embora na indústria propriamente dita apenas trabalhasse 23% da população Juntando, às indústrias transformadoras, construção, obras públicas, electricidade, gás e água, teríamos uma

percentagem de quase 32%

2 – A Economia

2.1 – A propriedade

2.1.1 – A propriedade rural

Analisando a dimensão dos prédios rústicos, confirma-se a tradicional divisão A área do latifúndio em Beja, Évora, Setúbal e Portalegre; as áreas de transição de Lisboa, Santarém e

Castelo Branco e Faro; no Norte, regiões de pequena propriedade, com maiores proporções no litoral (Aveiro, Braga, Coimbra e Leiria, além de Viseu, uma excepção)

A análise da evolução do fenómeno, leva-nos a concluir o aumento da superfície média dos prédios em todos os distritos, com excepção de Beja, Setúbal e Portalegre (sobretudo após 54)

É ainda de salientar o facto de que os ganhos de superfície média serem maiores entre 1931 e 1952-1954 do que na fase subsequente, a qual coincide com a conjuntura de maior crescimento económico em Portugal. Crescimento que assentou numa industrialização («económica e social»), e num enorme surto migratório, (para o exterior e para as cidades)

Este aparente decréscimo no ritmo de «acumulação» de terra (fora das zonas de latifúndio) pode ajudar a explicar o bloqueio sofrido pelo crescimento económico no sector agrícola, ao mesmo tempo que as migrações das populações rurais não chegaram a romper a estrutura agrária existente, tendo mesmo,

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

77

eventualmente, ajudado à manutenção do status. Muitas vezes, os rendimentos provenientes da saída ajudaram a consolidar a estrutura da propriedade

Da mesma forma a industrialização, enquanto fonte de trabalho e rendimento, reforçou a função da posse da terra como recurso económico da família

A fábrica e a cidade não conseguiram separar definitivamente o mundo tradicional do moderno Observa-se que há uma diminuição do peso da pequena propriedade com menos de l ha, aumentando

significativamente as explorações agrícolas entre l e 20 ha.(mais na classe 4 a 20 há). É no entanto possível concluir que os ganhos não se fizeram somente com as perdas da pequena

propriedade, uma vez que, entre 1952 e 1968, houve um claro aumento da área de exploração agrícola (de 4.111.507 para 4.983.149 ha) acrescentando a superfície arável do País.

Regista-se também a grande pulverização, por parcelas, das explorações agrícolas (tradicional) Na comparação entre os períodos estudados, a redução dessa pulverização é pouco significativa (de 76,8%

para 75,4%). Certas zonas rondam os 80% das explorações com mais de l bloco (ou parcela). Distritos como Viseu, Vila Real, Viana, Leiria, Coimbra, Bragança e Aveiro caracterizam-se por quantitativos superiores a 40% em explorações com 6 e mais blocos

A evolução da propriedade rural caracteriza-se pela «resistência» à mudança.

2.1.2 – Propriedade Industrial

Os dados dos anos que aqui observamos (1937-1939, 1957-1959 e 1964) representam o desenvolvimento de um processo de concentração industrial, decorrente da criação de um sector industrial em moldes «modernos».

Em 1939 apenas existem 6 unidades industriais com mais de 400 operários. Em 1957-1959 contabilizam-se 57.900 operários laborando em fábricas com mais de 1.000 trabalhadores. Já em 1964 contam-se 73.600 no mesmo item.

A continua industrialização e a crescente importância e dimensão da propriedade industrial são conferidas em todos os patamares, da pequeníssima à grande fábrica.

2.1.3 Propriedade urbana

O afluxo populacional às cidades (sobretudo a Lisboa e Porto) tornou o problema da posse e uso do espaço citadino particularmente delicado tendo para ele o Estado Novo encontrado soluções políticas pouco satisfatórias.

Uma das políticas de intervenção foram as expropriações. No intuito claro de se proceder à urbanização mediante a obediência a um plano prévio, servidor do interesse público e não cedendo, aparentemente, a interesses do foro privado quando chocava com a «vontade geral»

Os períodos de 1935-49 e 1950-71 caracterizam-se, respectivamente, por um maior e um menor intervencionismo, que revela a existência de uma estratégia que, com o tempo se atenuou

Um outro importante factor na evolução histórica da propriedade urbana (Lisboa e Porto) relaciona-se com o arrendamento de prédios urbanos e os sucessivos bloqueios à subida das rendas

Após o 28 de Maio este bloqueio passa por estabelecer a prorrogação legal (obrigatória) dos contratos de arrendamento (1927). Em 28 abre-se a possibilidade de uma actualização pontual das rendas. A Reforma Fiscal de 1928-29 faz depender qualquer desbloqueamento do regime de arrendamento vigente da organização de matrizes prediais urbanas. Facto que prolonga o bloqueio das rendas por mais 20 anos. Em 1948, e depois da organização da matriz predial, a legislação, por omissão deliberada, mantém o já instituído «princípio da prorrogação forçada do controlo do arrendamento». A lei contemplaria, no entanto, o princípio da actualização das rendas estabelecendo várias distinções, mas salvaguardando sempre a consequente reavaliação das matrizes urbanas.

Também a figura das rendas convencionadas (mais facilmente sujeita a actualizações) não chegou a vigorar em Lisboa e Porto.

Este quadro legal foi uma das causas do problema habitacional que caracterizou as cidades de Lisboa e Porto e as suas imediações suburbanas.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

78

Entre 1950 e 60, verifica-se mesmo um claro agravamento da situação referente às «famílias alojadas em piores condições».

2.2 – Política ou políticas económicas do Estado Novo A política ou as políticas económicas do Estado Novo remontam, em boa parte, a opções que haviam sido

delineadas antes do 28 de Maio. Pretendiam o saneamento das finanças públicas e, posteriormente, uma política de fomento assente, em boa

parte, em investimentos provenientes dos cofres do Estado. Saneamento feito à base de agravamento fiscal e corte nas despesas, promovendo-se assim a estabilidade da

moeda pelo controle da inflação. Garantida a credibilidade poder-se-ia retomar do investimento. Assim era também possível o investimento público, que actuaria como remédio anti-recessão depois da contracção provocada pela política anti-inflacionista

O Estado Novo viria a desenvolver outros mecanismos jurídicos condicionadores da sua política económica, para além da reforma do regime tributário em 1928-1929 ou das medidas proteccionistas (iniciadas em 1928), que se apresentavam como promotoras de receitas públicas

O Condicionamento Industrial, a Lei de Reconstituição Económica, a Constituição Política de 33 ou o Estatuto do Trabalho Nacional, são exemplos da teia político-económica tecida

Estabeleceu-se uma ortodoxia político-ideológica subjacente à manutenção de contas públicas saneadas, gerando polémicas em momentos-chave: pós-guerra, da década de 60.

Discutiram-se as soluções das questões pendentes para a solução da economia portuguesa: Agricultura ou indústria? Que agricultura ou indústria? Europa ou espaço económ. português?

Contudo, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, cada vez a evolução da realidade económica e as formas de intervenção se tornavam mais dependentes de factores externos.

Tal facto promoveu a sua abertura e uma certa modernização, a par de um crescimento singular da economia portuguesa a partir da década de 50 até 1973 (insuficiente e com defeito)

Para melhor compreensão, dividimos em 3 o período do Estado Novo: 1928-48, 48-60 e 60-73.

2.2.1 – O período de 1928-1948

Caracterizado pela implantação das estruturas definidoras da política económica do Estado Novo Condicionado por uma série de eventos externos particularmente adversos: crise económica mundial com

início em l929 Guerra Civil de Espanha) e II Guerra Mundial e seu rescaldo Conjuntura que obriga a certas medidas, muitas delas condicionadas pelo exterior: Política de saneamento

financeiro, Acto Colonial, Campanha do Trigo, Condicionamento Industrial, organização corporativa, etc. Por outro lado a primeira preocupação da política em geral, não só económica, é a estabilização financeira e

monetária que permitiria promover o progresso O progresso seria assim obtido não só pela instalação da confiança monetária, mas também pelo investimento

(do Estado e público) em organizações e infra-estruturas que levariam à unificação do mercado interno e ao fornecimento de energia a baixo preço (hidroeléctrica)

Avançaria a inerente electrificação rural e eventual expansão do regadio a par de transportes e vias de comunicação «modernas», apoiando-se ainda a industrialização

Na reforma fiscal de 28-29 introduz-se o imposto complementar, a tributação do rendimento normal das empresas (e não do seu rendimento real), um imposto de salvação pública (sobre os funcionários públicos), uma taxa de salvação nacional (sobre o açúcar, gasolina e óleos minerais leves importados) e de uma revisão das tarifas aduaneiras e de várias taxas e impostos

Paralelamente, uma reforma orçamental levaria a uma forte contracção das despesas. Reforma que estipulou a cobertura das despesas ordinárias pelas receitas ordinárias, restringiu o conceito de despesas

extraordinárias, limitou o recurso ao crédito e tornou a elaboração e execução do orçamento mais facilmente controláveis Outro conjunto de medidas financeiras englobou a reorganização da Caixa Geral de Depósitos, a reforma

da Contabilidade Pública e a nova criação do Tribunal de Contas A partir de 29, o permanente equilíbrio das contas públicas permitiu a adesão do escudo ao padrão divisas-

ouro (1931), possibilitando a estabilização do valor externo da moeda.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

79

Os princípios autoritários e nacionalistas do regime e a compartimentação da economia mundial dos anos 30, promotora de opções autárcicas, regem muitas das medidas então tomadas

O Acto Colonial (de 1930 e integrado na Constituição de 33) promovia as colónias como fontes de matérias-primas para a indústria (algodão) ou para o consumo corrente (açúcar, óleos) e como consumidores de parte da produção metropolitana excedentária (industrial e agrícola)

O condicionamento industrial (revelando as intenções interventoras do regime na vida económica), começou por ser uma actuação necessária decorrente do marasmo industrial dos anos 20 Logo em 26 condiciona-se a actividade moageira. Até 31 houve outras intervenções avulsas (resinosos e conservas). Em 31

produz-se o acto jurídico, apresentado como disposição transitória para minorar a crise, e que teve alcance conjuntural A legislação procurava o controlo da indústria por nacionais e «a regulação da actividade produtiva e da

concorrência». Eram critérios prioritários para a instalação de unidades industriais a sua localização e capacidade técnica e financeira. Procuram-se criar pólos (controlando a actividade e dimensão) reduzindo os impactos sócio-políticos da realidade industrial

Não funcionou como instrumento «promotor» da industrialização (tal só sucederá nos anos 50) e apresentou-se omissa de qualquer intenção modernizadora ou de racionalização económica

O regulamento nasce como decreto em 1931, desenvolve-se como lei em 37, já como elemento fundamental da política industrial enquadrado na organização corporativa

Consequências negativas (já consciencializadas em 37) são a burocracia (autorização de instalação, alargamento ou introdução de nova tecnologia) que promove a criação e manutenção de indústrias sem viabilidade a prazo mas cujo mercado o condicionamento protege

O Corporativismo económico teve, em Portugal, um alcance limitado, raramente conseguindo fazer a síntese que os seus pressupostos teóricos propunham: atenuar os efeitos negativos da concorrência económica de cariz liberal, promover o diálogo entre as forças sociais em presença (patrões e assalariados), e desenvolver a acção do Estado com os meios convenientes

Enfrentou um «amorfísmo» da sociedade civil que preocupou alguns dos seus teóricos As instituições corporativas (corporações, grémios, sindicatos, etc) acabaram por ser impostas pelo Estado.

Mais que fixar preços e salários, proceder à caracterização e concentração da produção ou promover a cooperação entre produtores, estes organismos desempenhavam sobretudo funções consultivas.

A Lei de Reconstituição Económica (1935) é um dos sucessos parciais da política do EN. Instrumento de uma política de fomento (obras públicas e infra-estruturas), previa o desenvolvimento de

um plano de investimentos públicos a concluir em 15 anos (1936-50) Privilegiava a defesa nacional (rearmamento e reapetrechamento do exército e da armada, dada a conjuntura

internacional) e depois a «reconstituição económica» (com transportes e telecomunicações, seguindo-se a rede eléctrica, hidráulica agrícola, povoamento, edifícios públicos, urbanização e colónias)

As realidades externas (Crise Económica Internacional dos anos 30 – depressão de 1929 – e a II Guerra Mundial), tiveram consequências para além daquelas que se poderiam esperar.

No que respeita à depressão, o impacte da crise tardou (1931), durou pouco tempo (até 32-33), não teve resultados desastrosos, mas obrigou os Governos a «navegarem à vista». Afectou mais as áreas agrícolas ligadas à exportação e outras ligados às actividades de import-export

Imunidade parcial devida sobretudo a 4 ordens de factores: - a) escassa abertura da economia portuguesa ao exterior – nunca as exportações representaram mais do que 10% do

PIB, andando as exportações pelos 20% em 1930, sendo a produção agrícola destinada sobretudo ao mercado interno, tal como a da indústria;

- b) as tradicionais exportações portuguesas, à excepção do vinho, eram alvo de reduzida concorrência. Alguma diminuição nos rendimentos, dada a baixa geral de preços, foi compensada no domínio da macroeconomia pelo menor custo do défice no comércio externo;

- c) no domínio industrial, a crise tornou-se positiva. Beneficiando do seu atraso (baixa tecnologia, pulverização geográfica, mão-de-obra barata) a crise, tal como a guerra nos anos 40, terá um efeito reprodutor na indústria, ao promover uma política de substituição de importações;

- d) a complementaridade entre mundo rural e realidade industrial igualmente amorteceu o impacte da crise, dado o sobredimensionamento da agricultura e a sua vocação para o autoconsumo

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

80

Simultaneamente, todo o conjunto de medidas tomadas pela governação funcionou como remédio para os males da crise: a reforma fiscal e do crédito, o empenho na adopção de uma política anti-depressiva (Lei de Reconstituição Económica, Condicionamento Industrial, Instituições Corporativas ou o Acto Colonial)

Os efeitos directos mais negativos da crise reflectiram-se na quebra das remessas dos emigrantes da América Latina, redução dos fluxos migratórios devido ao «encerramento» dos destinos e, finalmente, na baixa significativa dos preços das exportações coloniais (matérias-primas)

O impacte económico da Guerra Civil Espanhola em Portugal ainda está por estudar Recordaremos contudo o apoio do Estado Novo aos rebeldes nacionalistas, desconhecendo-se o efeito no

mundo agrícola e industrial, metropolitano ou ultramarino, mas que intensificou os contactos entre as populações raianas (carências espanholas durante e após o conflito)

Período de ouro do contrabando, a par do de volfrâmio, durante a II Guerra Mundial A política económica entre 1939-45 teve dois objectivos: manutenção da neutralidade e sustentação do

equilíbrio sócio-económico mínimo que não provocasse internamente abalo idêntico ao da intervenção portuguesa no anterior conflito bélico mundial

A tentativa de aliviar os efeitos do bloqueio económico levou a uma forçada fuga para a frente Assim, apesar das dificuldades, a guerra constituiu «um momento de prosperidade global da economia

portuguesa» (evolução favorável do PIB), com 2 momentos distintos: um, favorável vai até 43, outro, oscilante, vai de 1944 a 46 Sintomas desta prosperidade foram o grande crescimento dos depósitos bancários, o acréscimo nas receitas públicas

(tributação crescente do rendimento das empresas) e a valorização dos títulos de participação em sociedades anónimas Dá-se uma nova amplitude do papel de planeamento/financiamento/organização assumido pelo Estado,

detentor de largas reservas em ouro e divisas, apostando na modernização económica Opta-se pela via industrializadora para suprir as faltas do exterior e fornecer mercados conjunturalmente

deficitários, com lucros imediatos Surgem os grandes documentos programáticos do industrialismo português: leis da electrificação e do

fomento e reorganização industrial. No entanto, esta prosperidade de guerra, especulativa, é uma prosperidade sem modernização A política económica seguida completava-se por uma acção anti-inflacionista, controlando preços e salários e

fomentando o mais completo possível abastecimento do mercado de consumo de bens essenciais («economia dirigida de consumo»).

Com o final do conflito, e pressionado pelas ameaças de derrube do regime, a preocupação imediata será controlar a inflação através da importação maciça de bens alimentares, empenhando a riqueza acumulada durante o conflito

Daniel Barbosa delineia esta acção, vindo a ser demitido em 1948 quando se tornou assustador o desequilíbrio das contas públicas e o défice comercial com o exterior.

2.2.2 – O período de 1948-1960

Em 1948, terminada a política de estabilização da oferta, que pôs fim à economia de guerra, retomam-se os projectos de política económica presentes na Lei de Reconstituição Económica

Os acontecimentos relevantes deste período são os seguintes: retomar do equilíbrio das finanças públicas, lançamento do I e II Planos de Fomentos (1953-58 e 1959-64), aceitação da 2.° fase de ajuda financeira do Plano Marshall, aceitação da entrada na EFTA (AECL) fomentando uma abertura ímpar e impondo uma redefinição da política industrial;

A partir de 1960 a política de substituição de importações (criação da Siderurgia Nacional) deu lugar a uma industrialização virada para o mercado externo

O I Plano de Fomento (1952) é um seguimento inequívoco da filosofia subjacente à Lei de Reconstituição Económica.

Promove investimento público. Constatando as dificuldades económicas (baixo nível de vida e de produtividade, reduzido apetrechamento técnico), propõe o investimento em infraestruturas (electricidade, transportes, comunicações), indústrias-base, agricultura, ensino e colónias.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

81

O II Plano de Fomento (1958) é o primeiro que se assume claramente como «um programa de política económica» com objectivos gerais (o I Plano apenas manifestava «preocupações»).

Procura incrementar o ritmo de crescimento económico, «aumentar a produtividade do capital fixo, melhorar o nível de vida, garantir emprego e melhorar a balança comercial».

Este plano tem algum sucesso, com um crescente peso do sector industrial (subsectores da indústria transformadora), o incremento no crescimento do PIB ou do Produto per capita

Talvez a maior novidade político-ideológica do Plano fosse o aparecimento da agricultura como actividade económica subordinada à indústria.

2.2.3 – O período de 1960-1973

Os anos 60 puseram fim à marginalização do país em relação à ordem económica internacional Já membro da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE -1948), beneficiário da ajuda

económica americana (Plano Marshall e outros – 1950) Em 60 estabelece acordos com o Banco Int. Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e FMI.

Também nesse ano, Portugal adere à EFTA (Associação Económica de Comércio Livre). Apresenta razões para não aderir à CEE (com mais fortes mecanismos de integração): forte atraso

económico e desconfiança do regime em relação à independência nacional. Em 1962, adere ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que regulava parte das trocas

internacionais desde 48. Noutro plano é promovida a integração económica, sobretudo no respeitante aos mecanismos monetários e

sistema de pagamentos interterritoriais (Fundo Monetário da Zona do Escudo) O Plano Intercalar de Fomento (l965-67) foi considerado como de transição (coincidindo também com a

substituição de Salazar por Caetano). Adianta medidas que entroncam nas que eram habituais nestes Planos, mas promove outras que viriam a

caracterizar os III e IV Planos de Fomento – Na sua elaboração foram utilizados novos métodos, com intervenção de novas estruturas técnicas e administrativas

Funcionava agora como instrumento de natureza imperativa para o sector público, mas indicativo para a iniciativa privada, garantindo liberdade de acção (salvo os condicionalismos legais de política económica), definindo-se como quadro orientador e de informação dos agentes económicos e como um compromisso do Estado na realização de certos investimentos

Os objectivos do Plano eram acelerar o crescimento do produto e garantir a repartição mais equilibrada do rendimento: «coordenação com o esforço de defesa, manutenção da estabilidade financeira interna e da solvibilidade externa da moeda, equilíbrio do mercado de trabalho

Nasce também aqui a noção da criação de pólos regionais de desenvolvimento. Desenvolvimento prioritário das indústrias de base e continuação da política de substituição de importações

O III Plano de Fomento (1968-73) aparece desfasado conjunturalmente (desajuste entre a data da sua concepção e o período de vigência)

Não veio contudo a ser posto em causa nas suas linhas gerais, pois propunha objectivos genéricos, consensuais e habituais: aceleração do ritmo de crescimento do produto e repartição mais equilibrada do rendimento. Mais original era a ideia de correcção dos desequilíbrios regionais

Aos objectivos habituais (coordenação com o esforço de defesa, manutenção da estabilidade financeira, solvibilidade externa da moeda e equilíbrio do mercado de emprego) junta-se a necessidade da adaptação da economia portuguesa aos condicionalismos decorrentes da sua integração em espaços mais vastos

Também se propõe a obter uma «expansão e diversificação de exportações O IV Plano de Fomento (73-78) não passou da concepção e é desenvolvido com base na decisão política

relativa do desenvolvimento do complexo de Sines (1971), na publicação da Lei de Fomento Industrial (1972) e no acordo comercial com a CEE (1972)

Procura consolidar a acção de modernização socio-económica e de abertura ao exterior O marcelismo pretendia «um largo predomínio e desenvolvimento da iniciativa privada, fortemente

apoiada pelo Estado, a abertura deliberada ao capital estrangeiro e o prosseguimento da corrente emigratória e do seu papel no mercado de trabalho e na balança de pagamentos

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

82

Procurava a transição do Estado corporativo para o Estado social, estabelecendo um novo quadro institucional e jurídico menos distante da Europa, mas sem perder a essência do regime

2.3 – Crescimento e desenvolvimento económico Avançando as consequências quantitativas da acção desenvolvida, constata--se o contínuo crescimento do PIB

de 1927 a 1935, retomado em 1938, novamente interrompido em 1943 e prosseguido ininterruptamente de 1946 a 74.

Os valores referentes ao produto per capita crescem moderadamente de 1927 a 34, mais ou menos estagnando até 1949, apesar de algumas oscilações de sinal contrário, valorizando-se permanente a partir dos anos 50 até ser interrompido em 1973.

Ou seja, um crescimento do PIB à média de 4,7% entre 1921 e 41 (produto per capita à média de 3,5%); recuo entre 1942 e 45 com uma média de 3,8% (o produto/capita desvalorizou-se 4,8%); e, finalmente, um incremento do PIB na casa dos 5,4% de 1946 a 73 (produto/per capita crescendo anualmente 5,2%).

Mas, nos anos do pós-guerra, observamos que os países da OCDE cresceram 8,1% em média Há pois, um crescimento económico quase contínuo desde os anos 20, com quebras na década de 30 e na II

Guerra Mundial, mas que nunca são tão assinaláveis como no resto da Europa. Contudo, as taxas de crescimento, quase sempre com comparação favorável a Portugal, não o são. A contribuição das regiões para o Produto Nacional é desigual, mas as diferenças acentuam-se com o decorrer

dos anos, garantindo a posição à partida de Aveiro, Braga, Lisboa e Porto e apenas «agarrando» Setúbal Sacrificam-se os mais pobres (a maioria) privilegiando pólos regionais (Av., Braga, Lxª, Porto, Setúbal). Coimbra,

Sant., Viseu perdem as veleidades de ter relevância futura na formação do Produto Até 1940 (ou 50), tem grande peso do mundo rural e uma economia agrária atrasada e pouco integrada no

mercado (nacional ou internacional, o que atenuou o impacto da crise económica dos anos 30). Assim o crescimento elevado do PIB nos anos seguintes deve ser relativizado

Todo o esforço modernizador do pós-guerra é feito a partir de uma situação comparativamente mais pobre em relação ao mundo mais desenvolvido, proporcionando ganhos imediatos na repercussão no Produto, mas que não significa qualquer vitória na modernização do País

Portugal conheceu ainda bloqueios muito significativos à modernização da agricultura. Se qualquer sector de actividade multiplica os seus activos entre a percentagem na população e o seu peso na

evolução dos valores acrescentados brutos, apresentando ganhos claros, tal não acontece com a agricultura. Através do recuo do quantitativo dos seus activos e os estímulos produzidos à modernização global da economia, não consegue descolar para uma lógica de mercado, aberta à mudança e solícita ao desafio

Mantêm-se as formas de exploração agrícola tradicionais (até com um reforço das culturas de subsistência) com uma emergência reduzida de explorações mercantis.

Há mesmo retracção no arrendamento, revelando obstáculos na mercantilização da produção Aumenta sim a população activa nos sectores da indústria transformadora, revelando o carácter sustentado do

crescimento económico Paralelamente a um salto quantitativo há um salto qualitativo (pós 50) constatável pelos ganhos dos sectores de

construção civil, obras públicas, electricidade, água e gás Também a análise da estrutura das despesas públicas permite apreender a modernização económica no pós-

guerra. Até 45 a estrutura da despesa pública concentrava-se, em mais de 60%, em alíneas não directamente produtivas (dívida pública, administração e defesa), depois daquela data, concentra-se em torno de rubricas produtivas e em serviços sociais (fomento colonial, economia e educação)

Balanço: sob o EN Portugal beneficiou de um crescimento económico com características modernas. No entanto, e pelo impacto das crises económicas dos anos 70 e 80 e pela instabilidade política pós 74, o alcance foi limitado tendo-se rapidamente revelado as sua fraquezas

E se o crescimento económico foi superior à média verificada nos países europeus ocidentais, o certo é que a análise da evolução económica detecta erros, vícios e hesitações evitáveis

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

83

Fiquemo-nos pela ideia final e essencial de que a história do moderno crescimento económico português começa no 2° pós-guerra aproveitando a conjuntura externa favorável e definindo um conjunto de medidas sucessivamente prorrogadas, corrigidas ou abandonadas, se lançaram as bases da realidade socio-económica que hoje nos enquadra.

3 - Elementos para uma história Social do Salazarismo

3.1 – O corporativismo O século XX assistiu a uma profunda transformação da sociedade portuguesa.

Esvaziamento dos campos, emigração, enriquecimento global, escolarização maciça O EN procurou moldar a sociedade através de referências ao direito e à moral.

Apresenta-se como doutrina política equidistante do liberalismo e socialismo Valorizava a “alma da nação portuguesa”, entidade mística formada «através dos séculos pelo trabalho e

solidariedade de sucessivas gerações ligadas por afinidades de sangue e espírito» O regime propunha-se pois «fazer uma criação política estruturalmente portuguesa»

Na sua legalização institucional determinou-se em encontrar uma fórmula política de representatividade onde o tecido social fosse mantido «o mais possível no seu plano natural»

Este caldear da Nação na organização política seria (anos 30) o Estado Social e Corporativo, com a família, como célula básica, depois a freguesia, o município, etc., agora cobertos de dignidade constitucional.

O desígnio era o de operar a concórdia dos contrastes sociais, enquadrando as actividades económicas. O Estado Novo procurou inserir-se entre o atomismo das doutrinas individualistas e a absorção da economia

pelo Estado, procurando um novo equilíbrio entre a esfera de acção do homem e os poderes de coordenação de um Governo que buscava a salvaguarda do bem comum

Para que não viesse a gerar um outro sistema «abstracto», era-lhe fundamental compatibilizar as aspirações sociais com o que afirmava serem as possibilidades realistas da economia coeva

A obra da harmonização realizar-se-ia de forma progressiva, «colocando os valores espirituais acima das coisas precárias, sem que os interesses de classe se desligassem dos naturais direitos da pessoa humana.

À iniciativa privada apontavam-se os limites da liberdade alheia, exigindo a todos os agentes económicos que actuassem com inequívoco «espírito de paz social»

Assumia-se a necessidade de moldar a mentalidade de «gerações educadas no individualismo», habituadas à «falsa liberdade, à concorrência sem limites» e à «feroz luta de classes»

O sistema seria montado através de uma burocracia que alastraria pelos seus próprios meios, de acordo com um efeito que o regime caracterizava de «capilaridade social»

A organização teria assim dois níveis, montados em duas fases: o primeiro constituído pela homogeneização de interesses análogos e o segundo aquele que, através de negociação contínua, propiciasse o ajuste de interesses divergentes. O equilíbrio pacificador não se atingiria por ordem da esfera jurídica, mas pela prática política diária

A teia corporativa foi alastrando sobre os mais variados domínios da vida social: o trabalho, a família, a previdência, a habitação.

A compatibilização do segundo tipo de interesses esteve confiada a diferentes órgãos de pura representação política (encimados pela Câmara Corporativa). O dispositivo era formado por três tipos de organismos:

- Os Grémios, organismos patronais de actividades comerciais e industriais diferenciadas - Os Sindicatos Nacionais, que organizavam profissionais dos diferentes ramos (indústria, comércio, actividades

livres), constituindo «forças de ordem e de colaboração social»; - As Casas do Povo e Casas dos Pescadores, nas quais o regime pretendia sintetizar «a índole comunitária do viver

tradicional» Além da fiscalização das Associações de Socorros Mútuos (consideradas formas de previdência inorgânica),

estimularam-se outras modalidades: Caixas Sindicais de Previdência e Caixas de Reforma. O essencial desta organização ficara estabelecido no Estatuto do Trabalho Nacional (ETN, 1933)

O Estado prefigurou-se como agente estruturante dos processos da harmonização social

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

84

Vocação autoritária que se justificava com a melhor de todas as causas, a da pacificação Este ETN (Pedro Teotónio Pereira) decalca muito da Carta dei Lavoro, fascista.

É publicado no mesmo dia que os decretos-lei referentes aos Grémios; aos Sindicatos Nacionais; às Casas do Povo; e ao Instituto do Trabalho Nacional, órgão ministerial de intervenção e coordenação. Estava-se a impor uma visão global das coisas, de modo urgente

Obtém-se um cimento autoritário: a hierarquia das funções e dos interesses sociais é condição essencial da organização da economia nacional, como já era o caso na ordem política geral, e essa hierarquia é aquela que o estado, e só ele, reconhece

Ao Estado cabe o direito e a obrigação de coordenar e regular a vida económica e social Por outro lado estabelece-se o princípio da colaboração de classes e grupos sociais. O «direito ao trabalho

promete impedir os lucros exagerados do capital não permitindo que este se desvie da sua finalidade humana e cristã».

No ETN surgem então os enunciados preventivos e repressivos das agitações. A Constituição proibira a greve e o lock-out, o Estatuto retoma a proibição e alarga-a

A ideologia salazarista, profundamente nacionalista, declarou possível um sistema alternativo aos dois grandes projectos políticos seus concorrentes.

Para isso ia dispondo, através de decretos e despachos, uma sucessão de corpos institucionais entre o indivíduo e o poder político, que, porém, não brotava da sociedade civil mas antes enraizava naquele

3.2 – Políticas sociais Se foi instituído lentamente, o corporativismo não se ficou pela mera declaração de intenções. O regime fez em diversas ocasiões balanços da acção empreendida, recolheu indicadores, mostrou resultados,

repensou-se a si próprio

3.2.1 – O trabalho

Existe preocupação constante de «equilíbrio e de realismo» em termos laborais. Não se entende a remuneração como preço nem o trabalho mercadoria sujeita à oferta e procura

O salário desce pois o empresário está em nítida superioridade no contrato de trabalho Procura-se acabar com a luta entre sindicalismo profissional e (greves, lock-out)

Na economia corporativa, a empresa surge como uma unidade funcional, expressão da «solidariedade dos vários elementos da produção»

O Estado Novo fixava o mínimo absoluto do salário, correspondente «ao mínimo fisiológico necessário para conservar e transmitir vida», devendo serem consideradas as necessidades do «núcleo familiar», satisfeitas através de abono pago pelas caixas de previdência, sendo que o rendimento do trabalho remuneraria superiormente os mais «hábeis e diligentes»

Por outro lado, as necessidades das empresas determinariam que o montante do salário fosse limitado pelas suas possibilidades, não pondo em causa a «justa retribuição dos outros factores de produção» nem provocando a elevação do preço do produto

A política do trabalho prometia igualmente protecção às empresas que laborassem «em condições mais desfavoráveis», impedindo assim que desaparecessem

A observância das necessidades da produção seria competência de órgãos governamentais O corporativismo dotou-se então de vários instrumentos:

- o contrato colectivo de trabalho - os regimentos corporativos - os despachos de regulamentações de ordenados e salários - o sistema jurídico do trabalho que considerava a greve como forma de violência sistemática

Se o direito Corporativo «pouco interesse dedica ao direito do trabalho, é porque no fundo este continua a ser pouco corporativo. É essencialmente o fruto de uma adaptação do Direito Civil às novas circunstâncias (necessidade de resolver a questão social)

A empresa é intocável e a iniciativa privada exaltada. Procura-se a colaboração orgânica dos factores de produção e a disciplina da concorrência, através do intervencionismo moderado

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

85

No direito português, a empresa é concebida como instituição e o contrato de trabalho não deve servir apenas aos fins egoístas das partes. Mas as reais posições de uma e de outra não são equilibradas. Os trabalhadores não ocupam uma posição diferente da do passado

A prática corporativa aparece a montante, com a disciplina de negociação colectiva e a punição das formas agudas da luta de classes (por exemplo: a greve), e a jusante, com os tribunais de trabalho e das comissões corporativas. A par da acção do INTP, agente do Estado A greve e o lock-out são considerados manifestações da justiça privada, próprios de uma época sem organização judicial

adequada, associações profissionais estáveis ou convenções colectivas A prática corporativa, porém, faltara ao prometido.

A guerra mundial levara a substituir a ideia da autodirecção da economia por um dirigismo centralizado. Fez-se uma política de estabilização dos salários mas sem deter a subida dos preços

As convenções colectivas de trabalho foram celebradas mormente a partir dos anos 40, com especial força após o fim da II Guerra, para perderem depois parte da sua energia

Em 51 (abrangendo 380.000 trabalhadores) apenas nos sectores das indústrias transformadoras, transportes, comércio e seguros os números tinham algum significado

A figura do salário mínimo só se desencadeou no contexto adverso da guerra e até 1942 não atingia 50 mil trabalhadores mas, em 46, eram já mais de 350 mil os abrangidos (indústria)

Igual percurso têm as convenções colectivas Em ambas as situações, a concertação foi encabeçada pelo Estado. Por ele inteiramente forçada

3.2.2 – A previdência

O direito do trabalho era, como se mostrou, essencialmente contratual e muito pouco corporativo A justiça social era relegada para compensações seriam ajustadas na medida do possível

Consagrava apenas que a colaboração interclassista se devia materializar na constituição de um fundo comum capaz de solver as necessidades dos trabalhadores e suas famílias

Pagamento e administração da previdência seriam efectuados pelas partes envolvidas no contrato Contudo, dadas as limitações das empresas, os montantes mantiveram-se num nível irrisório A lógica absorvente do poder político vai asfixiar o que não passava de precária realidade: a gestão dos

fundos é de imediato submetida à dominante preocupação do equilíbrio financeiro O que origina um significativo superavit não utilizado em proveito dos naturais destinatários, mas antes

servindo para o financiamento do Estado Nos últimos anos, até desembolsam para as guerras de África.

3.2.3 – A família e a habitação

O esquema desenvolvido pela segurança social salazarista não terá nunca passado de paleativo A sua política para a célula social básica seguiu curso idêntico

Família: fonte de conservação e desenvolvimento da raça, base primária da educação, da disciplina e harmonia social, fundamento de toda a ordem política

Saldaram-se na instituição do abono de família (1942), na edificação de bairros económicos, campanhas de educação sanitária e pouco mais

O abono foi considerado o meio por excelência realizador da ideia do salário familiar Não se tratava de um estímulo demográfico ou de um subsídio de natureza assistencial (expressão natural

da solidariedade da empresa), tão-somente um complemento do salário Ainda para defender a «instituição básica da sociedade», surgia o princípio da «habitação própria»

Os lares edificados (casas económicas construídas com dinheiros das caixas) seriam exemplo da capacidade do regime e expressão substantiva da viabilidade da sua matriz de valores

Receberam maior impulso na 2ªm dos anos 30, concentradas nas principais cidades do país Eram afinal depositárias de uma concepção pré-industrial, de um explícito e vincado ruralismo

Defendia-se a «moradia de família com quintal», com fachadas de «sabor português, regional» Habitação unifamiliar afim da «higiene moral» adaptada ao «nosso feitio independente», sendo o regime «contrário às

grandes construções de habitação operária, com restaurantes anexos e mesas em comum»

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

86

Paga a prestações e entregue em propriedade, tornou-se uma forma primeira de capitalização dos modestos recursos familiares

3.2.4 – As sociabilidades

Aos organismos concebidos pelo salazarismo cabia o desígnio de agir como plataformas de uma efectiva ou sistemática aculturação.

O estabelecimento e divulgação de uma visão do mundo conforme ao projecto nacionalista era mesmo a grande ambição programática: acção educativa, «formação» cultural das gentes dos campos» pela preservação dos «traços particularistas» e das «reservas espirituais e nacionais do mundo rural»

Mas mais pareciam agentes paralisados, incapazes de serem intermediários do Estado junto das populações, limitando-se a funções administrativas

A sua natureza autoritária (legislar e intervir livremente, sem oposição política organizada) fê-lo pensar e levar à prática o preceito da compatibilização

Existia um projecto abrangente, pretendendo ajustar todos os segmentos sociais Com o fim de «integrar os portugueses no pensamento moral» que devia «dirigir a Nação», foi criado o

Secretariado da Propaganda Nacional (SPN, 1933), competindo-lhe «coordenar toda a informação relativa à acção dos Ministérios» para oportuna difusão, no País e estrangeiro:

- regulando as relações da imprensa com o Estado» - fomentando a edição de publicações para «fazer conhecer a actividade do Estado e da Nação» - organizando «manifestações nacionais e festas públicas», - combatendo a penetração «de ideias perturbadoras e dissolventes da unidade e interesse nacional» - estimulando a solução dos problemas referentes à vida do espírito, colaborando com artistas e escritores,

propiciando o «desenvolvimento de uma arte e de uma literatura nacionais» - utilizando a radiodifusão, o cinema e o teatro como meios indispensáveis à sua acção»

Em 44 foram concentrados neste departamento os serviços oficiais de imprensa, rádio, cinema, teatro e turismo, passou a Secretariado da Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI)

Em 1935, o EN concebe a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), com a incumbência de promover «o aproveitamento do tempo livre dos trabalhadores», «assegurando-lhes o maior desenvolvimento físico e a elevação do seu nível intelectual e moral»

Em 36 surge a Mocidade Portuguesa (MP), dirigida à «formação» da juventude, escolar ou não Destinava-se a estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter, a

devoção à Pátria, o sentimento da ordem, da disciplina e o culto do dever militar Ainda em 36 organiza-se a Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN), para estimular a educação

familiar, orientar as mães, embelezar a vida rural, defender os bons costumes e organizar a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), que prosseguiria os mesmos princípios da MP, acrescentando «a devoção ao serviço social» e o «gosto da vida doméstica»

O regime foi sabendo canalizar para estes organismos formas da sociabilidade tradicional, apresentando manifestações culturais aparentadas com produções do imaginário popular

O poder político intentou mostrar-se o fiel depositário das crenças e práticas maioritariamente partilhadas. Falamos aqui de persuasão e menos de uma aculturação de recorte impositivo

Chefiado por António Ferro (anos 30-40) o SPN/SNI foi o interface cultural do regime Conseguiu a maior encenação até aí feita em Portugal: a Exposição do Mundo Português (1940)

O fito comum era educar o povo, reencontrando-o com a sua própria cultura (no entender do poder) Em 1941 lançou a campanha do «Bom Gosto» (consagração das formas de vida e arte do mundo rural)

com iniciativas simultâneas («bibliotecas ambulantes de etnografia e folclore», «Teatro do Povo», bailado «Verde Gaio», «Museu de Arte Popular»)

Paralelamente constrói uma imagem turística de Portugal de contornos tradicionalistas No pós-guerra, a FNAT, a Junta Central das Casas do Povo (1945), a Emissora Nacional e as organizações

de juventude fizeram-se eco daquelas preocupações

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

87

3.3. – Apoios e equilíbrios A doutrina do regime reconhecia a necessidade de harmonizar interesses não imediatamente compatíveis, de

onde resultava uma delonga no tempo e a um quotidiano político de uma permanente procura de equilíbrio entre as forças económicas e sociais em presença.

Dois grandes blocos sociais apoiaram a Ditadura Militar em 1926: - os médios e grandes interesses económicos da indústria, do comércio e da agricultura (as «forças vivas») agrupados

na União dos Interesses Económicos (com uma vaga mas real coesão doutrinária conservadora de inspiração diversa);

- os interesses intermédios dos pequenos industriais, comerciantes e agricultores à beira da ruína provocada pela crise económica, a que se juntavam o pequeno funcionalismo e os empregados (pequena burguesia urbana) atingidos pela inflação e desvalorização dos rendimentos fixos

Exterior a estes grupos encontrava-se, isolado, o movimento operário e as suas organizações Insuspeito de simpatias para com a República, que tenazmente o perseguia, o operariado organizado

compreendeu rapidamente que um dos poucos elementos de coesão destes grupos se realizava em torno do objectivo de aniquilar o que dele restava

A questão da regulação pela arbitragem terá desde logo sido compreendida, procurando o EN cumprir «um triplo equilíbrio social»

1º concretiza o objectivo consensual da base de apoio: repressão do movimento operário Proíbe os sindicatos livres (1933), reprime as lutas operárias, prende os seus dirigentes. Tenta igualmente

contê-lo através de uma política de enquadramento (sindicatos únicos submetidos às associações patronais nas uniões)

Depois o equilíbrio «realiza-se entre os principais blocos de interesses contraditórios que compõem a classe dominante da sociedade nos anos trinta: arbitragem entre as estratégias da indústria e as da grande agricultura, entre os interesses produtivos e os do comércio internacional em geral e colonial em particular»

Enfim a «composição dos grandes com os pequenos interesses da agricultura e da indústria» Sendo os interesses económicos dos empresários, e não raramente, sujeitos ao propósito de uma evolução

social harmoniosa, o que terá suavizado os embates O regime ter-se-á apoiado sobretudo nas classes médias

O regime consegue com estes mecanismos alguma adaptação que lhe permite resistir a grandes crises: o impacto de 1929, os efeitos económicos da Guerra e a guerra colonial

3.3.1 – A política agrarista e a indústria até à guerra

A doutrina agrarista do regime bebia (com Rafael Duque, min. da Agricultura 34-40) através de Ezequiel de Campos) nas mitologias do desenvolvimento agrícola oitocentistas

Via a salvação na hidráulica agrícola, na colonização interna e no povoamento florestal Visava a autarcia alimentar do país através de um indefinido fomento geral da produção, que se traduziu na

Campanha do Trigo e no proteccionismo alfandegário. Neste pensamento existia «se não um anti-industrialismo pelo menos um anti-urbanismo»

A manutenção de esquemas agrícolas pouco remuneradores acelera contudo e êxodo rural

3.3.2 – Os anos da guerra - Anos de crise

Os salários deixaram de acompanhar a constante especulação, degradando o nível de vida Mais notório nas cidades, mas universal

Os salários do funcionalismo (público e privado) estão em constante decréscimo de 41 a 46; os do operariado atingem níveis preocupantes, no limiar da sobrevivência

Neste contexto o regime terá sentido fortemente a necessidade de salvaguardar a base sobre que vinha construindo os seus equilíbrios. Mas tal estado de coisas só se inverteria findo a Guerra, com a importação maciça de géneros e a consequente estabilização dos preços

3.3.3 – A ofensiva industrialista nas décadas de quarenta e cinquenta

A atitude face ao mundo rural mudou também.

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

88

Até ao fim da Guerra subordinou-se a indústria à necessidade de ocupar a mão-de-obra excedentária dos campos. Mas o avolumar da urbanização e a evidência de que o país se tornara muito «vulnerável pela insipiência da sua produção industrial» obrigam a uma reformulação brutal da política económica (Ferreira Dias, subsecretário do comércio, 1940-44)

Aprovam-se as leis de electrificação (1944) e do fomento e reorganização industrial (1945) Agora o processo de industrialização é «preocupação dominante» e a agricultura tem de subordinar-se à

industrialização sendo, atribuído à indústria transformadora o papel de motor Modelo de desenvolvimento que assenta nos seguintes pilares:

- proteccionismo interno e externo (coexistindo com o nacionalismo permanentemente afirmado) protecção do mercado interno, substituição de importações, lançamento das indústrias de base, electrificação,

desenvolvimento dos sectores de transporte e comunicações; - desigual repartição do rendimento, conseguida sobretudo através de esterilização do poder reivindicativo dos

trabalhadores enquadrados nos sindicatos corporativos; - penalização da agricultura em favor do sector industrial

política de baixos salários, cuja manutenção requeria baixos preços para os produtos alimentares e portanto uma norma muito restritiva em relação aos preços agrícolas;

- intensificação da exploração colonial colónias como fornecedores privilegiados das matérias-primas necessárias à industrialização

Assim, os anos 50 marcariam «o período de maiores transformações na economia e na sociedade portuguesa desde o princípio do século» com o lançamento de grandes projectos industriais: hidroeléctrica, celulose, adubos azotados, metalurgia do cobre, trefilaria, etc. com a emergência simultânea de fortes grupos industriais e financeiros.

3.4 – A mudança Social É ainda cedo para tentar a síntese no que concerne às transformações sócio-económicas do EN Os dados conhecidos mostram um grande peso da vida rural, que só lentamente foi diminuindo.

No campo (apesar das diferenças regionais) existe grande concentração de riqueza e fracos estratos intermédios; a larga maioria da população vivia no patamar mínimo da subsistência, causa primeira do êxodo rural e, de seguida, da emigração

No decurso do regime, existe um afunilamento dos patrões e trabalhadores independentes e um crescimento do nº de assalariados, com uma transferência quase sempre em favor da indústria

Aumentam as ilhas industriais em meio rural e as situações de complementaridade de actividade Há também um crescimento, gradual, da população industrial e operária propriamente dita

Com concentração sobretudo nos ramos modernos da indústria (cimentos, siderurgia, energia). Diminuía o número de domésticos e o sector dos serviços ganhava características diversas

É nos anos 50 que estas transformações se tornam mais evidentes Mas o país continuava a funcionar a 2 tempos: um litoral dinâmico e um interior tradicionalista

Numa perspectiva global é forçoso registar uma melhoria do nível de vida e enormes progressos na escolarização, ao mesmo tempo que se multiplicam as bolsas de pobreza entre os recém-chegados do campo à cidade; um aumento da esperança de vida com um correlativo envelhecimento da população

Se algumas transformações foram incitadas pelo regime, as principais resultaram de desequilíbrios sociais inerentes ao crescimento de Portugal

3.4.1 – As actividades profissionais

Ressalta a importância da agricultura, com valores na ordem dos 50% até 1950. Andará na casa dos 40% ainda em 1960, quando regista a primeira quebra em termos absolutos

O secundário progride lentamente desde o início (19% em 1930, 21 em 40, 24 em 50 e 29 em 60), muito à custa do crescimento demográfico

Nos anos 30 o desenvolvimento industrial baseou-se na multiplicação de pequenas oficinas nascidas à sombra da política de substituição de importações, com modalidades de trabalho semiartesanal e familiar

Depois de 50 dá-se então uma forte concentração de capitais e trabalhadores

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

89

No terciário, com evolução quantitativa pouco clara, há uma profunda alteração de estatutos Os serviços regridem no seu conjunto mas a administração pública e o comércio crescem O declínio de domésticos coteja com a emergência de novas profissões (saúde, ensino, banca)

Portugal parte de uma estrutura típica de Antigo Regime, que progressivamente vai esvaziando em favor de um terciário de composição moderna

A ruralidade salazarista é ultrapassada pela dinâmica social e o campo, sem capacidade para albergar todos os braços, obrigou à industrialização forçada de Ferreira Dias

3.4.2 – Os contrastes do mundo rural

Acentuada diversidade regional e enormes contrastes. Cuba, Baixo Alentejo, maioritariamente trabalhadores agrícolas (67%), apesar de significativo terciário

(comércio, transportes, funcionalismo, profissões liberais, serviços domésticos) Sto. Tirso, os grupos mais importantes eram os dos caseiros e jornaleiros, mas cada indivíduo tem uma

multiplicidade de posições secundárias. A classe dos proprietários era numerosa Existe relação estreita com a propriedade e enorme variação de situações concretas De 1952 e 1957 as explorações patronais continuam mais pesadas nos distritos do Alentejo (acima de 20%).

Outros distritos com média superior à nacional: Bragança, Guarda, Vila Real e Viseu (explorações familiares perfeitas) com média superior à do país (32,4%)

No Portugal de então as explorações com l a 5 ha, embora correspondam apenas a 18,3% da área, constituem 38,4% das existências

Há também uma grande dispersão (explorações com 6 e mais blocos) Excepto o Sul, com propriedade frequentemente indivisa e de dimensão superior à média

As assimetrias regionais, multisseculares, permanecem não por imobilismo social mas por inércia da estrutura da propriedade, incapaz de sustentar uma viragem social assaz rápida

3.4.3 – Situações na profissão

Entre 1930 e 1960 há uma evolução nítida com um empolamento dos assalariados a expensas dos trabalhadores independentes ou não remunerados (por regra, trabalhadores familiares)

Em 30 há 620.700 não remunerados no sector primário e 211.800 na indústria (em 366.300) mostrando a resistência das formas artesanais de trabalho no secundário

Em 30 os assalariados agrícolas são apenas metade dos assalariados, em 60 rondam os 30% No grupo dos patrões a baixa é mais abrupta pois, de 70%, os agricultores passam a 25%

Demonstrando a forte emigração do campo para as fábricas e cidades. O crescimento dos assalariados directamente produtivos trai uma progressiva concentração da propriedade,

que distingue com clareza os poucos patrões dos muitos trabalhadores, indo apagando as situações intermédias, onde trabalho e a gestão económica ainda se solidarizam

Em 1957, 59,43,8% deles já laboram em unidades com mais de 100 empregados e que o pessoal estritamente operário representa 90,6% dos estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores

3.4.4 – A pirâmide social

Parece ser possível fazer-se um agrupamento em 4 camadas, definidas por dados objectivos e utilizando critérios de distinção social como a profissão, nível de instrução, dimensão do local de trabalho e propriedade, tipo de qualificação e zona de residência (Sedas Nunes)

Podemos definir assim «conjuntos relativamente homogéneos de indivíduos cujos status se afiguravam relativamente equivalentes ou próximos» (revela uma pirâmide aguçada)

As colectas da contribuição industrial mostram 3% de escalões médios com 27% do rendimento e 9% com 39% do rendimento

Em 1962 só 2,3% das famílias tinham rendimentos anuais superiores a 60 contos e 82,5% dos trabalhadores recebia mais de 15 contos

Um inquérito sociológico do início dos anos 60 mostra uma pirâmide idêntica

História de Portugal Contemporâneo – Economia e Sociedade – 405

90

Mais de 10.500$00 (1%), de 6.500-10.500 (3%), de 3.500-6.500 (16%), de 3.500-1.500 (46%), menos de l.500 (34%)

A exígua elite não é fenómeno económico: só 4,4% da pop. activa tinha instrução secundária Na GB (51) a população distribui-se assim, por camadas: I-3,3%; II-23,4%; III-44,4%; IV-28,9%

Mais surpreendente é o contraste entre os perfis do campo e da cidade Em Portugal, a camada inferior baixa das zonas rurais era 79% e 41,2% nos centros urbanos

Na classe média baixa (III) é 35% nas cidades, multiplicando por 3 a situação das zonas rurais Em meio urbano, as camadas intermédias (II e III) tinham peso significativo e a sua importância relativa ia em

aumento, desenhando uma silhueta mais próxima da inglesa, mais urbanizada A pirâmide mais acentuada, docaso português, resultava da repartição do rendimento do trabalho: 44% contra 79,1 % no UK, 66% na RFA., 64,9% em França e 55% em Espanha Só a partir de 1966 se começou a inverter a tendência, com um crescimento dos salários mais rápido que o do

produto industrial

3.4.5 – Indicadores de evolução social

O produto per capita mostra importante evolução, não distinguindo situações sociais e regionais A preços de 1914, o PIB passou de 97$00 em 1920 para 124 em 30, 159 em 40, 208 em 50 e 312 em 60 – A

riqueza global disponível quase triplicou nas 3 décadas abrangidas Sabe-se porém que, numa I fase o crescimento recompensou sobretudo o capital e só a partir dos anos 60 o

trabalho conseguiu subir mais que o produto. Mas o país mudava, pelo menos nas cidades, onde grupos intermédios eram parcela significativa

O aumento do rendimento gerou expectativas concretizadas na aquisição de outro tipo de bens A escolarização, fruto directo da intervenção estatal, levou à duplicação do número de professores e à vigorosa

descida das taxas de analfabetismo (de 61,8% em 30 para 30,3% em 60) Os consumos de ordem cultural (cinema e rádio) registaram notável e sustentado impulso Contudo, o crescimento económico conheceu maior aceleração ao longo dos anos 50 (8%/ano) Na década seguinte, as mudanças sentidas nas esferas económica e social ligam-se já a fortes exigências de

recorte eminentemente político. O desafio das colónias, a contestação interna, o isolamento internacional abala profundamente o regime autoritário.

Em 1961/1962 o salazarismo podia ter caído. Conspirações no próprio bloco unionista, campanha de Delgado, invasão da Índia, guerra nas colónias,

greves operárias, prolongado «luto académico», golpe de Beja. Mas tudo foram acções defeituosamente coordenadas, que foram reprimidas uma a uma Salazar recuperou. Levantou o dogma da defesa da Pátria e do Ocidente, endureceu a repressão

3.5 Conclusão: comportamentos esperados Se o Estado Novo procurou estruturar a vida portuguesa, as suas políticas sociais tiveram eficácias muito

diferentes de sector a sector, apesar da notável tenacidade na montagem da organização corporativa. Conjunturas económicas desfavoráveis modificaram-lhe logo a base social de apoio

Os esforços para conciliar interesses opostos tiveram por vezes efeitos perversos. Por exemplo, a insistência em proteger uma agricultura imóvel provocou o êxodo dos campos e forneceu «ilhas»

operárias às cidades. Os desajustes invariavelmente pareciam resultar da manutenção de procedimentos ignorando a dinâmica das

transformações. Mas as interacções entre o poder e a sociedade civil passaram por uma interpenetração mais íntima, na

medida em que a prescrição de comportamentos foi rodeando o quotidiano. A distinção entre o autoritarismo e a democracia liberal anterior é, justamente, o carácter sistemático de uma

acção, não violenta mas insinuante, na reprodução dos seus códigos ideológicos, concorrendo todos para a conservação social, para a exaltação do viver rústico português.