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História do PT * Lincoln Secco Por John Kennedy Ferreira** “ escrever a história de um partido significa nada mais que escrever a história geral de um país” Antonio Gramsci, Cadernos do Cárceres Lincoln Secco escreveu a historia do Partido dos Trabalhadores (PT), segundo o autor, apesar de existir diversos livros que falem desse partido, somente nos dias de hoje é possível escrever uma historia do PT. Isso por que completou-se um ciclo. Onde o PT nasceu como uma força social dos de baixo, ganhou expressão na condição de oposição social e depois como oposição parlamentar e por fim, a chegada no poder. Isso define toda trajetória do PT a partir desse momento haverá outras análises e outras abordagens, mas o momento de compreender a história de um partido é este. Dessa forma, Secco, observa cada um dos momentos do partido, centrando sua análise na história dos quadros de base, nos militantes anônimos que tantas vezes traduziram através da simbologia do

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História do PT *

Lincoln Secco

Por John Kennedy Ferreira**

“ escrever a história de um partido significa nada mais que

escrever a história geral de um país”

Antonio Gramsci, Cadernos do Cárceres

Lincoln Secco escreveu a historia do Partido dos

Trabalhadores (PT), segundo o autor, apesar de existir

diversos livros que falem desse partido, somente nos dias

de hoje é possível escrever uma historia do PT. Isso por

que completou-se um ciclo. Onde o PT nasceu como uma

força social dos de baixo, ganhou expressão na condição

de oposição social e depois como oposição parlamentar e

por fim, a chegada no poder. Isso define toda trajetória do

PT a partir desse momento haverá outras análises e outras

abordagens, mas o momento de compreender a história de

um partido é este.

Dessa forma, Secco, observa cada um dos momentos do

partido, centrando sua análise na história dos quadros de

base, nos militantes anônimos que tantas vezes traduziram

através da simbologia do PT, uma vontade de mudança

social com uma e indefinida coloração socialista.

Essa mesma base que impulsionou o PT do chão da fábrica,

do canto da cela, dos bairros distantes até a chegada do

poder em 2002, será (e ainda é) responsável pela

principais enfrentamentos na sociedade brasileira, como

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ficou patente no episódio do Mensalão ou na campanha

eleitoral da presidente Dilma Rousseff em 2010.

O primeiro momento é marcado pelo ascenso das lutas do

movimento operário-popular, nos fins da década de 1970,

esses movimentos darão a primeira forma e (auto) imagem

da formação do PT, são as greves dos operários do ABCD

que se manifestam contra o arrojo salarial da ditadura que

possibilitam abrir uma oposição (e mesmo desenhar uma

alternativa) “dos de baixo” ao processo de transição

democrática em curso.

Esse movimento é fortemente marcado pela fala dos

operários, mas também militam nesse veio setores

advindos das organizações de esquerdas e das pastorais

católicas. Secco faz um extenso mapa mostrando de que

forma cada uma das (diversas) matizes petistas vão

tecendo o difícil esforço de legalização partidária uma

dinâmica regional rica e impar na história nacional e

internacional, que envolve na sua formação: ex-

guerrilheiros, ambientalistas, pastores metodistas, cristãos,

marxistas, operários, sindicalistas, trotskistas, estudantes,

liberais de esquerdas....

Esse rico e aparente “caos” foi construindo ao longo do

pais, núcleos de militantes reproduzindo a cultura

organizativa da CEBS (Comunidades Eclesiais de Bases) e

capilarizando pelo país, idéias e uma máquina partidária

que conseguiu a incrível marca de estar organizado em 21

estados já em 1983.

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O PT construiu assim, uma ideologia (programa) “como um

partido igual a você”, “uma partido de baixo para cima”,

“um partido feito pelas bases”, crenças que

necessariamente não são verdadeiras, como o autor

denota em demonstrar , em sua análise comparativa com o

PCB enquanto partido de massas.

Igualmente chama atenção que desde o seu primeiro

momento, apesar de fortemente marcado pela presença de

setores populares, o principal vínculo de financiamento do

partido será o parlamento e outras instituições ligadas ao

Estado, e este será , ao seu ver, um dos móveis centrais

que ao longo dos anos contribuirá fortemente para o

aggiornamento do PT.

Em 1982, o PT participa de sua primeira campanha eleitoral

seu empenho é inferior ao esperado, só conseguindo eleger

prefeitos em Diadema e em Santa Quitéria (Ma) e uma

pequena bancada de deputados. Mesmo com um restrito

peso parlamentar, o PT terá importante papel na lutas de

classes do período e na história nacional, ajudando na

organização de várias manifestações sindicais, com

destaque para a formação da CUT, no apoio a primeira

Greve Geral da história do país e em movimentações

políticas, como na importante campanha das diretas-já

Nesta, o partido comporta-se como a ala esquerda do

processo de redemocratização brasileira.

Este comportamento permite ao partido, ampliar seu

discurso alcançando as classes médias pauperizadas pelas

seguidas crises do fim da ditadura e ampliar seu peso nos

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setores organizados das classes populares e da sociedade

civil. O resultado será o importante crescimento nacional

nas eleições municipais de 1985, com destaque para a

vitória na primeira capital, Fortaleza em 1985. No ano

seguinte á bancada petista é fortalecida para Assembléia

Constituinte, tendo a frente, Lula como deputado mais

votado do país.. Na constituinte, o PT exerceu importante

liderança sobre a ala esquerda, conseguindo expressar as

reivindicações e as bandeiras de caráter popular. Essa

atuação, somado aos desacertos e instabilidade no primeiro

governo pós ditadura, credencia o partido para já em 1988,

vencer eleições importantes como em Porto Alegre, Vitória,

Santo André, São Bernardo, Campinas , São Paulo.etc.

Naquele momento, o ascenso das lutas populares,

impulsiona a recém eleita prefeita Luiza Erundina, em seu

discurso de posse a afirmar que o socialismo começava ali.

O binômio, crise do governo Sarney e ascenso dos

movimentos sindicais e populares, impulsionado por uma

poderosa greve geral de dois dias em março, possibilita que

a primeira candidatura Lula, passe a representar o anseio

dos setores proletários e das camadas médias organizadas.

Mesmo enfrentando uma disputa com os mais importantes

setores da política tradicional brasileira, Lula, consegue

passar ao segundo turno tendo pela frente o aventureiro

Collor de Mello, o que havia restado aos conservadores.

As classes dominantes protagonizaram o que talvez tenha

sido a campanha mais suja da história do Brasil recente,

terminou com a vitória de Collor

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A eleição de Collor de Mello, combina a crise internacional

com a queda do muro de Berilim e a crise provocada com

os ajustes neoliberais.. Aos poucos, os movimentos

sindicais e populares entram em descenso, tanto pelo

ajuste como pela crise que se instala dentro do pensamento

da esquerda. Momento em que setores tradicionais de

esquerda abandonam o ideário socialista, tanto no PT como

em outros agrupamentos.

O que reflete diretamente dentro da organização partidária,

Lincoln Secco, assinala que a crise alcança o PT no seu

primeiro congresso com a fragmentação de opiniões em

diversas correntes como a extinção do PRC, a mudança de

posicionamento da Proposta Socialista, a expulsão da

Convergência Socialista e outros pequenos agrupamentos.

Apesar da tensão política, o PT continua crescendo em nível

eleitoral e administrativo, sua bancada torna-se importante

nos parlamento nacional e já no inicio da década de 1990

administra o estado do Rio Grande Sul, Espírito Santo,

Distrito Federal etc. è com essa capacidade que

adentramos na campanha de 1994 e depois 1998.

A estratégia petista é pressionar o Estado por baixo pelos

movimentos sociais e agir por cima através do parlamento,

a “teoria da pinça”, como definiu o dirigente petista Juarez

Guimarães.. Mas em linhas gerais a realidade política não

alterara muito com a queda de Collor de Mello, a passagem

de Itamar Franco e a eleição de FHC (Fernando Henrique

Cardoso), os rumos políticos escolhidos pelo Estado,

continuavam totalmente alinhados com o Consenso de

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Washington e somente a partir da crise econômica do

segundo governo FHC é que o PT, apresenta-se as eleições,

novamente com a candidatura Lula

No Brasil da década 1990, o PT é antípoda ao

neoliberalismo, busca traumatizar e sugerir um projeto de

desenvolvimento, sua ação reflete a mudança de

conjuntura, os movimentos entram em defensiva, as

últimas grandes greves como a dos Petroleiros e dos

professores de São Paulo e o ensaio de greve geral de

1996, fracassam e ação opositora saí das ruas e vai para o

parlamento.

A esquerda petista ganha às eleições interna e a

presidência (ironicamente com Rui Falcão, atual presidente)

e maioria do diretório nacional, mas não consolidam essa

maioria ou não conseguem construir um convencimento

junto aos principais cardeais do PT, como denota o

fortalecimento e a ação dual do Instituto da Cidadania.

No encontro petista de 1997, a Articulação retoma a

liderança com Zé Dirceu na presidência, que operou, como

mesmo reconhece os seus adversários, um projeto de

construção política mais amplo. Dessa forma a autonomia

geral dos diretórios estaduais e locais e relativizado e

centralizado a partir da direção nacional. O impacto veio na

escolha de candidatos aos governos estaduais. O PT Rio de

Janeiro teve sua convenção desautorizada e a escolha de

Wladimir Palmeira, vetada em nome da aliança nacional

com Brizola.

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Era um momento em que o partido passava por uma forte

mudança de perfil, os militantes de base, os quadros

intermediários e suas instâncias como núcleos, diretórios e

setoriais perderam a importância na formulação de políticas

e ações do partido. Os jovens intelectuais com livros em

baixo do braço e calças jeans, vão perdendo o espaço, para

nunca mais retomarem. Ação e o pensamento político se

desloca para uma profissionalização parlamentar e

administrativa e por um novo tipo de ativista, técnico e com

uma visão restrita e burocrática.

Já nas eleições de 2000 e 2002, é traduzida na idéia de um

modo petista de governar o Estado, associando o PT a um

partido ético e comprometido com lisura pública. A

propaganda passa a ser feita por publicitários profissionais

como Duda Mendoça ou João Santana ex publicitário de

Maluf e de outras campanhas conservadoras. E o leque de

alianças ao campo da centro esquerda e através da cartas

aos brasileiros, conquista

Dinâmica regional

Dinâmica social

Política sindical

Oposição social

Conselho popular e poder local

As tendências e o centro

Cotidiano dos encontros

Formação

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Finanças

Diretas já

V encontro

Das constituinte as vitorio

Campanha 89

Cerroni (Teoria do Partido Político, 1982) definiu a experiência

moderna dos partidos políticos propondo uma fórmula sintética

capaz de captar aquilo que de essencial constituiu o fenômeno

surgido no início deste século. Para ele, um partido é um programa

mais uma máquina organizativa

O PT entre a militância e o poder

O historiador Lincoln Secco lança "História do PT", relato analítico de três décadas da história de um dos principais partidos da esquerda mundial. Em uma narrativa rigorosa e vertiginosa, ele busca decifrar os rumos de uma agremiação nascida contra a ordem e que se adaptou ao pragmatismo do poder como ele é.

Gilberto Maringoni

Leia também: “Eu quis fazer uma história social do PT, a partir das bases”

Há um belo livro na praça para aqueles que desejam entender a trajetória do PT.

Refaçamos a frase. Há um belo livro na praça para aqueles que desejam entender a vida política brasileira das últimas três décadas. Com três vantagens: é rigoroso, bem escrito e curto. Trata-se de História do PT (Ateliê Editorial, R$ 30), de Lincoln Secco, professor de História da USP.

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Embora filiado ao partido e membro do conselho de redação da revista Teoria e Debate, órgão teórico da agremiação, Secco tomou distância das histórias oficiais e louvações a personalidades. Decidiu combinar o exame de grandes processos políticos e sociais com a narrativa miúda de reuniões de base e militantes anônimos. O resultado é uma história muito mais ampla do que as protagonizadas pelas grandes lideranças e mostra o Partido dos Trabalhadores como um fenômeno político e cultural indissociável da história recente do Brasil. O livro é dividido em quatro capítulos: Formação (1978-1983), Oposição Social (1984-1989), Oposição Parlamentar (1990-2002) e Partido de Governo (2003-2010).

Batismo de fogoSecco mostra que o PT não é apenas fruto das greves operárias do ABC paulista – embora ali esteja o ponto agudo da crise histórica que o gerou – mas de condições criadas para a entrada na cena política de um largo contingente de setores empobrecidos da população. As lutas que se espalharam pelo país nos anos 1980 – com destaque para as Diretas Já – acabaram funcionando como o batismo de fogo da primeira geração de militantes, culminando com o Lula lá, da campanha presidencial de 1989.

A formação da agremiação foi fruto também de condições locais em diversos pontos do país, num contexto geral de crise da ditadura e de necessidade vital de expressão política dos setores populares, muito além dos operários industriais urbanos. Em detalhado levantamento, o livro mostra como em muitos lugares foram decisivos a atuação de setores da Igreja, de antigos militantes da luta armada, de trabalhadores rurais, de funcionários públicos, de grupos de estudantes e de clubes ou associações da periferia, entre outros. Esse mosaico social amplo e flexível possibilitou que em seu primeiro ano de atividade (1981), o partido já estivesse organizado em 21 estados.

Ao mesmo tempo, o historiador vê com certa melancolia os rumos tomados pelo PT a partir dos anos 1990, com a paulatina transformação de uma agremiação impulsionada

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pelo espírito militante em uma máquina eleitoral eficiente, burocratizada e moderada.

Avanços e recuos“Há que se considerar que depois dos anos 1980, vitórias eleitorais se tornaram rotina e o PT foi paulatinamente absorvido pela força histórica do poder local”, escreve ele. Somam-se a isso três fatores da cena política mundial: o avanço do neoliberalismo nos anos 1980-90, a queda dos regimes do leste europeu, que colocaram em xeque a própria existência da esquerda, e as transformações que o progresso tecnológico provocou no mundo do trabalho. Precarização, perda de direitos e desemprego estrutural resultaram em recuo do ímpeto de lutas e enfraquecimento das entidades sindicais. As históricas bases sociais da esquerda trincaram. Uma intensa guerra ideológica deflagrada pela imprensa encontrou eco nas universidades e espalhou-se pela sociedade, exaltando as vantagens da democracia liberal e do livre mercado.

O PT cresceu enquanto a maioria dos partidos de esquerda ao redor do mundo entrava em parafuso e a socialdemocracia europeia entregava-se aos dogmas ultraliberais. Era quase impossível que um partido popular passasse incólume por duas décadas de ofensiva conservadora.

A retomada do desenvolvimentismoLincoln não exalta uma suposta primazia do PT como partido de esquerda na história brasileira. Ele lembra que o Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, “esteve muito perto de ser um partido de massas num de seus curtos períodos de legalidade (1945-1947)”. Em 1945, o partido tinha mais de cinquenta mil militantes e elegeu 14 deputados e um senador. Alcançou 10% da votação para a presidência da República e despontava como a quarta força eleitoral do país.

O curioso da história é que o PT surgiu como contraponto – no campo da esquerda – à linha moderada adotada pelo PCB a partir do final dos anos 1950. Os comunistas passaram a atribuir à “burguesia nacional” um papel

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progressista e adotaram o nacional-desenvolvimentismo como bandeira de luta.

Para os petistas dos anos 1980, essa era a essência do que chamavam de “reformismo”. Á época, o termo tinha uma conotação negativa em relação à tática “revolucionária” de vários grupos que convergiam para o PT. Quem examina os governos petistas no plano federal percebe claramente uma retomada de uma tradição desenvolvimentista, embora essa guinada nunca tenha ficado clara nos documentos oficiais do partido.

Atualização e moderaçãoPara se adequar aos novos tempos – ou promover seu aggiornamento, no linguajar da esquerda – o partido sofreu também mudanças internas. A mais importante delas se deu a partir do VIII Encontro Nacional, em 1993. Uma cisão na tendência hegemônica, a Articulação (dirigida por Lula, José Dirceu, Luis Gushiken e outros) resultou na vitória de grupos mais à esquerda. Curiosamente, a principal liderança desse conjunto de correntes era o atual presidente do partido, Rui Falcão.

A situação teve duas decorrências principais. A primeira é que, a partir dali, Lula decidiu se afastar dos embates internos e deslocar suas atividades para o Instituto da Cidadania, ONG destinada à realização de debates e formulações fora do âmbito partidário. Lincoln Secco aponta que, com isso, “a Nova Maioria eleita no VIII Encontro dirigia o PT, mas não guiava seus principais líderes”.

O segundo passo foi dado no IX Encontro, em 1997, quando. José Dirceu foi eleito presidente da legenda. “Sacramentava-se uma dupla que Lula há muito procurava. Alguém que pudesse domesticar o PT enquanto ele se dedicava às ruas”. Foi a fórmula encontrada para conter os chamados “radicais”, abrir o leque de alianças e preparar o PT para a chegada ao palácio do Planalto.

Secco recusa-se a entoar o coro dos que veem uma suposta traição de ideais iniciais a partir daí. Nem mesmo a Carta aos brasileiros, lançada ás vésperas da eleição de 2002

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para acalmar os chamados mercados, seria um ponto de virada. “A trajetória do PT foi constantemente de aumento de influência eleitoral e moderação ideológica desde os anos 1990. (...) A Carta foi apenas espuma no mar”, lembra ele.

No fim, o autor deixa uma pergunta no ar: “É melhor manter os princípios e nunca chegar ao governo e não fazer mudanças favoráveis aos mais pobres? Chegar assim ao poder muda essencialmente a sorte dos de baixo?”

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

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Eu quis fazer uma história social do PT, a partir das bases”

Em entrevista à Carta Maior, o historiador Lincoln Secco fala sobre seu novo livro, "A história do PT". "O PT cumpriu grande parte do seu programa mínimo: melhoria do salário mínimo, diminuição da desigualdade social, reconhecimento das centrais sindicais, criação de um mercado interno de massas, política exterior soberana etc. Mas ele abandonou o programa máximo: um socialismo vagamente definido. Todavia, é preciso lembrar que nas condições brasileiras o programa mínimo já é muito, o que dificulta a tarefa da esquerda petista e de partidos de extrema esquerda", diz op autor.

Gilberto Maringoni

Nesta entrevista à Carta Maior, o historiador Lincoln Secco, 43, autor, entre outros de Caio Prado Júnior: O Sentido da Revolução (Boitempo, 2009) e de 25 de abril de 1974 - A Revolução dos Cravos (Compahia Editora Nacional, 2005) conta o que o levou a escrever História do PT.

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Leia também: O PT, entre a militância e o poder

Carta Maior - Quando e por que o senhor decidiu escrever o livro?

Lincoln Secco - Eu decidi escrever a obra quando Lula terminou o segundo mandato. Achei que somente agora seria possível uma história abrangente do PT, pois só o teste do poder permite avaliar a trajetória de um partido. Penso que um ciclo da história petista se encerrou. Agora era o momento. Antes não dava e, no futuro, isso será tarefa de teses acadêmicas e obras coletivas.

Carta Maior - Por que optou em não entrevistar os principais dirigentes?

Lincoln Secco - Eu conversei com alguns dirigentes, assessores, quadros intermediários e muitos ex-militantes. Dois motivos me guiaram. Em primeiro lugar, eu queria fazer uma história social do PT, a partir das bases e não estudar a evolução eleitoral, do discurso, das resoluções ou as mudanças ideológicas dos dirigentes. Não me interessava a história das ideias. Em segundo lugar, quis ficar distante de uma história oficial, comprometida com o PT. Eu até sonhava em seguir uma ideia basista: escrever a história do PT sem citar nenhum nome. Mas aí, quando comecei a redigir, escrevi no caderno, sem querer, o nome do Lula. Percebi que seria impossível ignorar os dirigentes.

Carta Maior - Quanto tempo levou sua elaboração?

Lincoln Secco - A redação demorou só seis meses. Aproveitei algumas coisas já escritas, anotações antigas. Eu guardei sempre recortes de jornais desde os anos 1980 e anotava em cadernos frases de dirigentes petistas e “falações” de reuniões. Mas o principal é que eu tinha muita documentação em casa ou com amigos próximos. A consulta de teses foi mais fácil ainda porque muitas estão na internet. Contou a meu favor também o fato de que eu conhecia a trajetória petista. Fui também testemunha ocular, ainda que na condição de bagrinho. Só que um

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bagrinho numa época em que a diferença entre dirigentes e dirigidos não era tão grande.

Carta Maior – O senhor acha que o PT cumpriu as principais metas que se propunha quando foi criado?

Lincoln Secco - Remetendo aos socialistas do inicio do século XX, eu diria que o PT cumpriu grande parte do seu programa mínimo: melhoria do salário mínimo, diminuição da desigualdade social, reconhecimento das centrais sindicais, criação de um mercado interno de massas, política exterior soberana etc. Mas ele abandonou o programa máximo: um socialismo vagamente definido. Nominalmente, ele continua nas resoluções congressuais, mas não dialoga mais com a prática partidária. Todavia, é preciso lembrar que nas condições brasileiras o programa mínimo já é muito, o que dificulta a tarefa da esquerda petista e de partidos de extrema esquerda.

Carta Maior – O senhor militou no PT. Segue filiado até hoje?

Lincoln Secco - Militei no PCB entre 1984 e 1986 e, desde então, no PT. Nunca tive cargo remunerado no partido ou em gabinetes. Continuo filiado e faço parte do conselho de redação de Teoria e Debate . Não sou mais militante. Considero-me hoje um eleitor crítico.

Um partido e sua contradição

Janes Jorge 3 de setembro de 2011 às 9:18h

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'História do PT', do professor de História da USP Lincoln Secco, mostra, desde o ato inaugural, os méritos e também os problemas da legenda. Foto: B. Salgado/AEInterpretações demasiadamente tranquilizadoras cercam a história do Partido dos Trabalhadores, que nasceu da vontade popular e chegou ao poder ao liderar uma ampla aliança. Sua trajetória, contudo, é complexa. Basta observar que em 2005, durante o chamado mensalão, uma ocorrência frustrou tanto aqueles que detectavam nos êxitos eleitorais uma estratégia política vitoriosa quanto os que viam no partido uma mera máquina eleitoral. A mobilização espontânea das bases do PT, quando essas pareciam ter perdido importância, manteve o apoio do eleitorado no ano seguinte.Essa complexidade ajuda a explicar as 300 referências bibliográficas sobre o partido entre 1980 e 2002, segundo a Fundação Perseu Abramo. E um dos livros mais importantes a abordá-lo é o recente História do PT, do professor de História da USP Lincoln Secco (Ateliê, 320 págs., R$ 30). Ele divide a história do partido em fases que intitula formação (1978-1983), oposição social (1984-1989), oposição parlamentar (1990-2002) e partido de governo (2003-2010). Apresenta aspectos fundamentais da trajetória da legenda e questiona interpretações recorrentes sobre ela.O pioneirismo do PT como agremiação de massas é relativizado. Secco retoma o PCB, fundado por trabalhadores longe dos meios políticos tradicionais e que, no curto período de legalidade (1945-1947), foi ou esteve perto de ser um verdadeiro partido de massas. Segundo o autor, em 1978, era mesmo “difícil separar radicalmente sindicalistas do PCB e do futuro PT”. Mas o sindicalismo vinculado ao PT era contra o imposto sindical e combatia o atrelamento ao Estado, o que o distinguia dos comunistas. Havia também a recusa ao modelo político soviético.O historiador encontrou forte diversidade no partido. Enquanto em alguns locais o operariado dava o tom, em outros a força do PT vinha dos trabalhadores rurais ou de setores médios. Isso leva- à questão de como foi possível convergir forças de contextos tão diversos. Aqui, Lula parece central, ao lado da utopia que saturava o imaginário popular, da qual o PT, mais do que causa, foi consequência. Partido que defendia o socialismo e a democracia

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participativa, ele impôs dificuldades a Lula, sua grande liderança, demonstrando a validade de sua democracia interna. Em 1993, quando o Brasil fez o plebiscito para escolher presidencialismo ou parlamentarismo, o sindicalista e outros dirigentes defendiam este último, mas os militantes votaram pelo primeiro. Em 2002, Lula enfrentou prévias, pois para muitos sua vitória parecia impossível.O livro trata da formação e do funcionamento dos núcleos de base do PT, que perderam espaço para lideranças envolvidas em campanhas eleitorais profissionalizadas. Isso colaborou para a retração da militância e da própria cultura política naqueles anos 1990 marcados pelo desemprego, precarização do trabalho e avanço do neoliberalismo. Nesse contexto o autor procura explicar o “mensalão”, cujas causas recuariam para além de 2002. Embora predomine o tom crítico e às vezes pessimista quanto ao presente não só do PT, mas da esquerda brasileira, o livro registra os méritos do partido, bem como a dimensão ao mesmo tempo utópica e concreta da luta dos petistas. Traz o testemunho de quem viu o poder popular no estádio de Vila Euclides, a construção da resistência no campo ou nas periferias do Brasil, os encontros partidários e comícios de massa, o compromisso com as lutas populares. Ao ler a obra, fica nítido que compreender a história do PT é entender melhor a história recente do Brasil