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EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 9 HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA: repercussão da Lei 10.639 nas escolas municipais da cidade de Petrolina - PE Adlene Silva Arantes 1 Fabiana Cristina da Silva Introdução Sabemos que a educação tem sido entendida como um direito social e um processo de desenvolvimento humano. Como pode ser observado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a educação escolar corresponde a um espaço sociocultural e institucional, responsável pelo trato pedagógico do conhecimento e da cultura. Sendo assim, estaríamos, segundo Cavalleiro (2006), trabalhando em solo pacífico, porque universalista. Mas, na realidade, as práticas educativas, que se pretendem universalistas, isto é, iguais para todos, acabam sendo as mais discriminatórias. Daí a luta histórica dos movimentos sociais, e, de maneira específica, a dos movimentos negros brasileiros por uma sociedade mais justa e uma educação que valorize cada sujeito, inclusive o negro, sempre excluído da história (ou incluído de maneira estereotipada) e da cultura deste país. Pela via legal, ou seja, por meio da legislação, os direitos do povo negro foram assegurados, principalmente, na segunda metade do século XX. A partir da criação da organização das Nações Unidas (ONU), em 1945 e a proclamação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Brasil iniciou as ações de combate ao racismo e ao preconceito sancionando a Lei Afonso Arinos (1951), que caracterizou a discriminação racial como contraversão penal, ao proibir a discriminação racial no Brasil. Em seguida, vários movimentos e eventos foram organizados no solo brasileiro em prol da eliminação de todas as formas de discriminação racial. Assim, chegamos a mais uma conquista, a Constituição de 1988 que considerou a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, e as manifestações culturais como um bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Posteriormente, foi publicada a Lei nº 7716/89, a chamada Lei Caó, que define os crimes resultantes de discriminação por raça ou cor (CAVALLEIRO, 2006, p.16). Portanto, as Leis foram sendo sancionadas tendo em vista impedir o racismo na 1 Professora assistente - Campus Petrolina - Universidade de Pernambuco.

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HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA: repercussão da Lei 10.639 nas escolas municipais da cidade de Petrolina - PE

Adlene Silva Arantes1

Fabiana Cristina da SilvaIntrodução

Sabemos que a educação tem sido entendida como um direito social e um processo de desenvolvimento humano. Como pode ser observado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a educação escolar corresponde a um espaço sociocultural e institucional, responsável pelo trato pedagógico do conhecimento e da cultura. Sendo assim, estaríamos, segundo Cavalleiro (2006), trabalhando em solo pacífico, porque universalista. Mas, na realidade, as práticas educativas, que se pretendem universalistas, isto é, iguais para todos, acabam sendo as mais discriminatórias. Daí a luta histórica dos movimentos sociais, e, de maneira específica, a dos movimentos negros brasileiros por uma sociedade mais justa e uma educação que valorize cada sujeito, inclusive o negro, sempre excluído da história (ou incluído de maneira estereotipada) e da cultura deste país.

Pela via legal, ou seja, por meio da legislação, os direitos do povo negro foram assegurados, principalmente, na segunda metade do século XX. A partir da criação da organização das Nações Unidas (ONU), em 1945 e a proclamação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Brasil iniciou as ações de combate ao racismo e ao preconceito sancionando a Lei Afonso Arinos (1951), que caracterizou a discriminação racial como contraversão penal, ao proibir a discriminação racial no Brasil. Em seguida, vários movimentos e eventos foram organizados no solo brasileiro em prol da eliminação de todas as formas de discriminação racial. Assim, chegamos a mais uma conquista, a Constituição de 1988 que considerou a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, e as manifestações culturais como um bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Posteriormente, foi publicada a Lei nº 7716/89, a chamada Lei Caó, que define os crimes resultantes de discriminação por raça ou cor (CAVALLEIRO, 2006, p.16).

Portanto, as Leis foram sendo sancionadas tendo em vista impedir o racismo na

1 Professora assistente - Campus Petrolina - Universidade de Pernambuco.

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sociedade brasileira, pois até então, no campo educacional, só tínhamos de concreto os PCN que tratam da pluralidade cultural, mas, por se tratar de um parâmetro e não de uma Lei, não obrigou ninguém a inserir a temática na sala de aula. Nesse sentido, Lopes (2008) afirma que os PCN - valorizam os saberes locais na medida em que são ponto de partida para a assimilação do patrimônio cultural da humanidade, mas tratam as diferenças culturais como diferenças psicológicas, desconsiderando os aspectos sociológicos. Sendo assim, os PCN procuram homogeneizar, garantir uma equidade social e mascaram as desigualdades econômicas, sociais e culturais das crianças. O tema pluralidade cultural “é justificado por se considerar que a vida democrática exige o respeito às diferenças culturais” e, apesar de os PCN fazerem referências às diferenças de gênero e aos deficientes, o enfoque central é nas características étnicas, o que entra em desacordo com o próprio objetivo dos PCN, que visam posicionar-se também contra discriminações baseadas em diferenças de classe social, crenças, sexo e outras características individuais e sociais (p.70-71).

Só em janeiro de 2003, com a aprovação da Lei 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional, nº 9394/96 para incluir no currículo oficial a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira e africana é que se assinala, segundo Cavalleiro (2006), a intenção do estado brasileiro em eliminar o racismo e a discriminação racial nas escolas. Porém, sabemos que uma lei não implica necessariamente uma mudança de práticas historicamente constituídas de desvalorização da história e da cultura do povo negro nas salas de aula. E, mesmo no caso de se inserir a temática, sabemos que o enfoque dado pelos professores pode até reforçar ainda mais a situação de exclusão do povo negro do sistema oficial de ensino. Cury (2002) afirma que “[...] o contorno legal indica possibilidades e limites de atuação, os direitos, os deveres, proibições, enfim, regras. Tudo isto possui enorme impacto no cotidiano das pessoas, mesmo que nem sempre elas estejam conscientes de todas as implicações e consequências” (p.8). Conhecer as Leis é, segundo o autor, como acender uma luz numa sala de aula escura, cheia de carteiras, mesas e outros objetos, “As Leis acendem uma luz importante, mas elas não são todas as luzes. O importante é que um ponto luminoso ajuda a seguir o caminho” (CURY, 2002, p.8).

Como a educação constitui-se um dos principais mecanismos de transformação na vida de um povo, é papel da escola, de forma democrática e comprometida com a promoção do ser humano e de sua integralidade, estimular a formação de valores, hábitos e comportamentos que respeitem as diferenças e as características próprias de grupos sociais e minorias. Ou seja, a educação é essencial no processo

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de formação de qualquer sociedade e abre caminhos para a ampliação da cidadania (BRASIL, 2004).

Diante do exposto, buscamos mapear a repercussão da Lei 10.639/03 e a inserção da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas municipais de Petrolina, buscando compreender de que forma a secretaria municipal tem tentado implementar a temática e como os professores estão atuando nas salas de aula da educação básica. Para tanto, fez-se necessário sondar se os(as) professores(as) e gestores(as) da rede municipal de ensino tiveram acesso à Lei 10.639 e às Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; identificar as ações que a Secretaria municipal de educação tem feito para implementar a referida lei no currículo escolar da educação básica, compreender o papel atribuído à Lei tanto pela secretaria, como pelos(as) professores(as) pesquisados(as), caracterizar o perfil dos professores, que atuam na rede municipal, em relação à escolarização e à autoidentificação étnico racial e apontar dificuldades/facilidades que o docente encontra para abordar a temática em sala de aula.

Além das respostas para essas questões, também nos propomos, a apresentar os resultados parciais da proposta de intervenção que estamos realizando em uma das escolas da rede, objetivando sensibilizar os professores sobre a importância de trabalhar a temática na sala de aula e construindo estratégias e instrumentos para essa ação.

Este texto está organizado em três partes distintas e complementares. No primeiro momento, realizamos uma breve reflexão sobre a Lei 10.639/03, cujos princípios destacados nas diretrizes curriculares instituídas sobre a temática e autores, nos ajudam a compreender as práticas históricas e sociológicas, que, por muitos anos, vêm criando e reproduzindo, nas escolas, um perfil único do povo brasileiro. No segundo momento, apresentamos dados de uma pesquisa descritiva, realizada com professores e membros das equipes gestoras de dez escolas da rede municipal de Petrolina sobre a repercussão e execução da referida Lei2. No terceiro momento do texto, registramos a nossa proposta de intervenção para implementação da temática na sala de aula.

É importante destacar que a nossa proposta de pesquisa e de intervenção também está alicerçada na metodologia da pesquisa-ação por ser um método de pesquisa - que agrega diversas técnicas de pesquisa social - com as quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa no nível da captação da informação; requer, portanto, a participação das pessoas envolvidas no problema

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investigado. Esse método pressupõe ênfase à análise das diferentes formas de ação. Os temas são limitados ao contexto da pesquisa com base empírica, voltando-se para a descrição de situações concretas e para a intervenção orientada em função da resolução dos problemas efetivamente detectados na coletividade (THIOLLENT, 1986).

Em síntese, como propõe esse autor, a pesquisa-ação é uma estratégia metodológica da pesquisa social, na qual existe ampla e explícita interação entre o pesquisador e as pessoas envolvidas na situação investigada. Dessa interação resulta a priorização dos problemas a serem pesquisados e das soluções a serem encaminhadas em ações concretas; o objeto de investigação não se constitui em pessoas, mas, sim, em situações sociais e seus problemas; o objetivo da pesquisa-ação é resolver ou esclarecer os problemas identificados na situação observada. A pesquisa não se limita à ação; pressupõe um aumento do conhecimento e do “nível de consciência” das pessoas ligadas à situação e do próprio pesquisador. De acordo com os princípios da pesquisa-ação, os aspectos práticos de concepção e organização do trabalho apresentam fases, que não são rigorosamente sequenciais, sendo seu planejamento flexível e passível de adequação às necessidades do pesquisador e dos participantes (THIOLLENT, 1992). Ou seja, na pesquisa descrita neste artigo, a pouca compreensão sobre a Lei 10.639/03 ou seu total desconhecimento em algumas escolas da rede municipal de ensino possibilitaram a execução de um projeto de intervenção, de longo prazo, sobre a temática. É importante destacar, também, dentro desse contexto da pesquisa, que a relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra; ao contrário, dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática. (BRASIL, 2004). É essa perspectiva de construção de uma sociedade plural e que respeite a diversidade que estamos tentando construir em conjunto com alunos e professores da escola na qual desenvolvemos o referido projeto.

2 Neste momento, gostaríamos de agradecer a todos os que contribuíram para a realização das nossas ações, entre os quais destacamos as alunas que participam do projeto: Ana Paula Mendes Porto e Eslany Vanessa da Silva Teotonio, bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Incentivo Acadêmico da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco BIA/FACEPE; Michella Eloina de Sá Torres e Terezinha da Silva Santos, bolsistas da Pro-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade de Pernambuco – PROEC/UPE e aos alunos voluntários, Maria Amélia Jesus da Costa, Aurilia de Brito Lima, Maria dos Anjos Sa Moreira, Maércio José dos Santos, Maria Cecília dos Santos e Ivonete Silva Almeida.

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História e cultura africana e afro-brasileira na educação básica: algumas determinações legais

Acreditamos que o primeiro passo para o reconhecimento e a valorização do povo negro nas escolas brasileiras se deve à inserção dos artigos 26A e 79B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, LDB, como veremos a seguir:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História BrasileirasArt. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’” (BRASIL, 2003).

Analisando essas alterações na LDB, percebemos que é clara a determinação. A temática deve ser inserida no conteúdo programático oficial e não como uma disciplina nova como muitos profissionais da educação pensaram assim que a Lei foi sancionada; mas, nas disciplinas já existentes de maneira a desconstruir a história, muitas vezes, contada na escola e contida nos livros didáticos em que o povo negro aparece na grande maioria, como sujeitos inferiores e, portanto, menos importantes que os brancos na formação da sociedade brasileira.

Após a publicação da Lei 10.639/03, o Conselho Nacional de Educação CNE aprovou o parecer CNE/CP3/2004, que instituiu as Diretrizes Curriculares Para a Educação das Relações Étnico-Raciais e Para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana a serem executadas pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis e modalidades, cabendo aos sistemas, no âmbito de sua jurisdição, orientar e promover a formação de professores e professoras e supervisionar o

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cumprimento das referidas diretrizes.Entretanto, temos consciência de que a sociedade brasileira tende a fazer

vista grossa ainda hoje, aos muitos casos que tomam, por exemplo, espaço na mídia nacional, mostrando o quanto ainda é preciso lutar para que todos recebam uma educação igualitária, que possibilite desenvolvimento intelectual e emocional, independentemente do pertencimento étnico-racial do aluno. Com isso, os profissionais da educação permanecem não comprendendo em quais momentos suas atitudes diárias acabam por cometer práticas favorecedoras de apenas parte de seus grupos de alunos e alunas (CAVALLEIRO, 2006).

Nesse sentido, a autora menciona que o silêncio da escola sobre as dinâmicas das relações raciais tem permitido que se transmita aos alunos uma pretensa superioridade branca, sem que haja questionamento desse problema por parte dos profissionais da educação e envolvendo o cotidiano escolar em práticas prejudiciais ao grupo negro. Silenciar-se diante do problema não apaga magicamente as diferenças; ao contrário, permite que cada um construa, a seu modo, um entendimento, muitas vezes estereotipado do outro que lhe é diferente. Esse entendimento acaba sendo pautado pelas vivências sociais de modo acrítico, conformando a divisão e a hierarquização raciais.

Segundo as Diretrizes Curriculares para a Educação das relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana para conduzir suas ações, os sistemas de ensino, os estabelecimentos e os professores terão como referência, entre outros, aspectos pertinentes às bases filosóficas e pedagógicas que assumem os princípios a seguir explicitados.

O primeiro princípio, consciência política e histórica da diversidade, deve conduzir à igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos; à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que, em conjunto, constroem, na nação brasileira, sua história; ao conhecimento e à valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira na construção histórica e cultural brasileira; à superação da indiferença, injustiça e desqualificação com que os negros, os povos indígenas e, também, as classes populares às quais os negros, no geral, pertencem, são comumente tratados; à desconstrução, por meio de questionamentos e análises críticas, objetivando eliminar conceitos, ideias, comportamentos veiculados pela ideologia do branqueamento, pelo mito da democracia racial, que tanto mal fazem a negros e brancos; à busca de pessoas em particular, de professores não familiarizados com a análise das relações étnico-

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raciais e sociais com o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana, das informações e dos subsídios que lhes permitam formular concepções não baseadas em preconceitos e construir ações respeitosas; ao diálogo, via fundamental para o entendimento entre diferentes, com a finalidade de negociações, tendo em vista objetivos comuns, visando a uma sociedade justa.

O segundo princípio, fortalecimento de identidades e de direitos, deve orientar para o desencadeamento do processo de afirmação de identidades, da historicidade negada ou distorcida; o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de comunicação, contra os negros e os povos indígenas; os esclarecimentos a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal; o combate à privação e violação de direitos; a ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira e sobre a recriação das identidades, provocada por relações étnico-raciais; as excelentes condições de formação e de instrução, que precisam ser oferecidas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, em todos os estabelecimentos, inclusive os localizados nas chamadas periferias urbanas e nas zonas rurais.

O terceiro princípio, ações educativas de combate ao racismo e a discriminações, encaminha para a conexão dos objetivos, estratégias de ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e professores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com pessoas negras, brancas, mestiças, assim como as vinculadas às relações entre negros, indígenas e brancos no conjunto da sociedade; a crítica pelos coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores, das representações dos negros e de outras minorias nos textos, materiais didáticos, bem como providências para corrigi-las; condições para professores e alunos pensarem, decidirem, agirem, assumindo responsabilidade por relações étnico-raciais positivas, enfrentando e superando discordâncias, conflitos, contestações, valorizando os contrastes das diferenças; valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, como por exemplo, a dança, marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura; educação patrimonial, aprendizado a partir do patrimônio cultural afro-brasileiro, visando preservá-lo e difundi-lo;o cuidado para que se dê um sentido construtivo à participação dos diferentes grupos sociais, étnico-raciais na construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos entre diferentes grupos étnico-raciais, às alianças sociais; participação de grupos do Movimento Negro e de grupos culturais negros, bem como da comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de projetos político-pedagógicos, que contemplem a diversidade étnico-racial (BRASIL,2004).

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A partir da compreensão de tais princípios, é possível perceber que são várias as frentes de atuação, não só por parte dos professores mas também de todos os profissionais da educação que devem atuar desde a desconstrução das ideias e comportamentos presentes na sociedade, passando pela valorização dos elementos da cultura afro-brasileira para a construção da identidade até a análise crítica dos textos didáticos, principalmente, contidos nos livros didáticos e paradidáticos, que circulam nas escolas. É preciso compreender a história e a cultura africana e afro-brasileira para que possamos, de fato, contribuir para a formação da consciência política e histórica da diversidade, para a construção da identidade e a promoção de práticas que superem o racismo e o preconceito que existem no cotidiano escolar. Esses princípios e seus desdobramentos mostram exigências de mudança de mentalidade, de maneiras de pensar e agir dos indivíduos em particular, assim como das instituições e das suas tradições culturais. É neste sentido que se fazem as seguintes determinações em relação ao ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas, destacando-se:

O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das relações étnico-raciais, se desenvolverão no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas particularmente Educação Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais em atividades curriculares ou não, trabalhos em salas de aula, nos laboratórios de ciências e de informática, na utilização de sala de leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra de esportes e outros ambientes escolares (BRASIL, 2004, p.21).

Apesar de sabermos que os sistemas de ensino e os estabelecimentos de educação básica em todos os níveis e modalidades, segundo as referidas diretrizes, precisam se organizar para garantir a inserção da temática nas salas de aulas, acreditamos que ainda não são todas as redes que o fazem. Sabemos da existência de iniciativas individuais que acontecem, e, muitas vezes, não são nem divulgadas. Apontaremos a seguir as impressões dos professores e membros das equipes gestoras sobre a lei 10.639/03 e a inserção da temática na rede municipal e as ações, que estão acontecendo em Petrolina, com o objetivo de implementar a referida Lei. Uma delas é a nossa própria proposta de intervenção.

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Algumas indicações sobre a repercussão da Lei 10.639/03 nas escolas municipais da cidade de Petrolina- PE

A cidade de Petrolina, localizada no interior do estado de Pernambuco, fica situada a 800 quilômetros da capital recifense. Construída na região hoje denominada como Médio São Francisco, cidade de altas temperaturas do sertão pernambucano ou como é mais popularmente conhecida do semiárido é privilegiada por ter sido construída e constituída às margens do chamado rio da integração nacional, o rio São Francisco. Segundo dados do IBGE de 2008, a cidade tem, atualmente, 285 mil habitantes. Petrolina destaca-se no cenário nacional e internacional como uma das maiores produtoras e exportadoras de frutas do país, segundo Nunes (2009),

[...] tudo isso graças ao trabalho de petrolinenses, aqui nascidos, ou PR ela adotados, que com garra, inteligência e determinação implantaram a tecnologia da irrigação [cultura irrigada] transformando o cinza da caatinga semimorta em verdes e imensuráveis paisagens de encher os olhos do sertanejo acostumados a terra e troncos ressequidos, e mais ainda dos japoneses e investidores da região sul do Brasil, que viram e vêm nestas terras banhadas pelas águas do Velho Chico, como é popularmente conhecido o rio São Francisco, um futuro promissor (p.11).

É da plantação de frutas em projetos de cultura irrigada que gira toda a economia da cidade. Petrolina é hoje considerada um dos polos de desenvolvimento econômico do estado, apontada por diversas revistas econômicas como uma das cidades mais dinâmicas do País. Toda essa riqueza também tem seu reflexo na educação. Atualmente, a cidade conta com três instituições de ensino superior de grande porte. A FACAPE (Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Petrolina), uma autarquia mantida pelos governos municipal e estadual com oito cursos nas áreas de ciências Humanas e Sociais. A UNIVASF - Universidade Federal do Vale do São Francisco, recentemente criada, com vinte e um cursos das áreas de Ciências Humanas, Exatas e Saúde e a UPE - Universidade de Pernambuco, instituição da qual fazemos parte, mantida pelo governo do estado e que possui sete cursos de licenciatura e três cursos na área de saúde.

A rede escolar municipal possui um quantitativo ainda pequeno de escolas

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no nível da educação básica e um bom quadro de profissionais em permanente qualificação. Segundo Nunes (2009), a rede municipal, contava em 2008 com 82 escolas de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, sendo 60 escolas na zona rural e 22 na zona urbana. Neste mesmo ano, foram matriculados 22.032 alunos, e a rede possuía 804 professores. Foram respondidos, 62 questionários: 50 por professores e 12 membros das equipes gestoras em 10 escolas da rede municipal de Petrolina. A partir da análise desse instrumento, estabelecemos, primeiramente, o perfil dos sujeitos da pesquisa e, em seguida, apresentamos as categorias de análise e os resultados obtidos.

Constatamos que a maioria dos professores pesquisados são do sexo feminino. Em relação ao vínculo com a rede de ensino, temos temporários (46%); concursado (52%), não informado (2%). Acreditamos que o vínculo permanente, via concurso, pode favorecer o trabalho contínuo enquanto o contrato pode impedir que práticas interessantes e eficazes sejam continuadas.

Em relação à origem étnico-racial, constatamos que a maior parte dos professores se autoclassifica como parda, mas, considerando que as classificações morena, morena clara, preta e negra dizem respeito à raça negra, a maior parte dos professores se autodenomina afro-brasileiro. Temos consciência dos progressos da Genética, que apontam para a impossibilidade de determinar a raça de um ser humano. Nesse sentido, os pesquisadores da área descobriram que os patrimônios genéticos de duas pessoas pertencentes a uma mesma raça podem ser mais distantes do que os de indivíduos pertencentes a raças diferentes. Sendo assim, concluíram que a raça não é uma realidade biológica humana, mas um conceito cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em grupos. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem. Por isso, estamos utilizando o termo raça como conceito relacional, que se constituiu histórica e culturalmente, a partir de relações concretas entre grupos sociais em cada sociedade, rejeitando o determinismo biológico e valorizando a cultura e a identidade de cada um (MUNANGA, 2003; SISS, 2003).

Porém, não podemos deixar de mencionar o número de professores que se considera branco e amarelo, como pode ser observado, a seguir:

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Autoclassificação dos professores quanto à origem étnico-racial

MORENA 8%

MORENA CLARA 2%

AMARELA 2%

PRETA 4%

BRANCA 22%

NEGRA 20%

PARDA 36%

NÃO INFORMADA 6%

Definir a origem étnico-racial dos brasileiros não é tarefa simples. Existem muitos adjetivos para dizer o que somos e aqui tivemos uma pequena amostra desses adjetivos. Nesse sentido, Silva (2007) afirma que a percepção dos professores negros em relação à questão étnico-racial em sala de aula está intimamente associada à forma como eles lidam com o seu pertencimento étnico-racial. Esse pertencimento, geralmente, foi gerado de forma lenta, processual e gradativa o que, muitas vezes, só ocorre depois de os professores terem sofrido algum tipo de preconceito ou discriminação que os tenha atingido de tal forma que os levou a se verem como negro ou negra. Sabemos que o conceito de identidade é múltiplo, ou seja, fala-se em identidades de gênero, identidades etárias, identidades raciais, entre outras. Nesse sentido, gostaríamos de ressaltar o conceito de identidade segundo Munanga (2003)

(...) uma realidade sempre presente em todas as sociedades humanas. Qualquer grupo humano, através de seu sistema axiológico, sempre selecionou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para se definir em contraposição ao alheio. A definição de si(autodefinição) e a definição dos outros(identidade atribuída) tem funções conhecidas: a defesa da unidade do grupo, a proteção do território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por interesses econômicos, políticos, psicológicos etc (p.45).

Portanto, podemos dizer que a construção da identidade não é tarefa simples, se pensarmos na nossa história contada em sala de aula, por exemplo, perceberemos o quanto é difícil para uma criança negra se identificar como tal e assumir a sua identidade de negro ou negra pois aprendeu e ainda aprende na escola que os

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brancos são “os heróis nacionais” e que não havia lugar de prestigio para os negros na sociedade brasileira ao longo dos tempos , diferentemente do lugar ocupado pelos brancos no nosso país. Assim, situações vivenciadas em aula de história pode levar as crianças negras a negarem sua origem e assumirem-se como brancas.

A pesquisa revelou que a maior parte dos docentes tem entre 11 e 20 anos de atuação e, portanto, com muita experiência na área de educação, o que nos permite inferir que desenvolvem (ou deveriam desenvolver), a cada dia, seu trabalho de maneira melhor e mais consciente. Apesar de acreditarmos que o comprometimento com a temática independe do tempo de atuação. Ou seja, se os professores realmente quiserem abordar esse tema em várias situações irão fazê-lo, independente do tempo de serviço, embora reconheçamos que essa tarefa não é fácil. Nesse sentido, temos relatos de professores que foram acusados de racistas às avessas por estarem tentando valorizar a cultura negra nas salas de aula e quererem mudar o foco eurocêntrico para o afrocêntrico (MUNANGA, 2003).

Em relação à escolarização, a maior parte dos professores possui nível superior, com predominância do curso de Pedagogia. Esse dado demonstra que o município está seguindo a LDB 9394/96, a qual determina que, até 2010, os professores da educação básica possuam formação superior. Porém, sabemos que os cursos de formação de professores da região do vale do São Francisco ainda não estão preparando os alunos para trabalharem a temática, à exceção de algumas iniciativas relacionadas a práticas de alguns professores com essa preocupação. Infelizmente, a maioria das universidades brasileiras ainda não inseriu a temática em seus currículos e, assim, não podem formar professores conscientes e preparados para abordar a história e a cultura africana e afro-brasileira em suas salas de aula. Nesse sentido, Gomes Junior (2007) menciona, por exemplo, que são poucos os cursos de história que oferecem a disciplina História da África nas universidades do Nordeste, disciplina que seria de fundamental importância para a formação dos futuros professores de história. Imaginemos, então, a situação dos demais cursos de formação de professores.

Portanto, a inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica é, também, uma questão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive no que se refere à formação de professores. Nesse sentido, os cursos de Pedagogia vêm reformulando seus currículos em todo o país, com fins a contemplar o exigido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas pelo Conselho Nacional de Educação em maio de 2005. As diretrizes, em acordo com o anseio de formação de uma sociedade igualitária e mais justa,

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compreendem a docência, em seu Art. 2º, parágrafo 1º:

(...) Como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo (BRASIL, 2005, p.19, Grifo nosso).

Assim sendo, o curso de Pedagogia, do qual fazem parte todos os alunos envolvidos nesse projeto, poderá contribuir, entre outras coisas, para a formação do futuro licenciado em relação à temática. Em sintonia com a Lei 10.639/03, as Diretrizes, acima citadas, também instituem a abordagem educativa diferenciada em escolas indígenas ou em escolas de remanescentes de quilombos, como podemos observar a seguir:

§ 1º No caso dos professores indígenas e de professores que venham a atuar em escolas indígenas, dada a particularidade das populações com que trabalham das situações em que atuam, sem excluir o acima explicitado, deverão:I - promover diálogo entre conhecimentos, valores, modos de vida, orientações filosóficas, políticas e religiosas próprias à cultura do povo indígena junto a quem atuam e os provenientes da sociedade majoritária;II - atuar como agentes interculturais, com vistas à valorização e o estudo de temas indígenas relevantes.§ 2º As mesmas determinações se aplicam à formação de professores para escolas de remanescentes de quilombos ou que se caracterizem por receber populações de etnias e culturas específicas. (BRASIL, 2005, Grifo nosso).

No que diz respeito aos níveis em que os professores atuam no momento, temos (12%) na educação infantil, (70%) na educação fundamental, (4%) na educação média e (14%) não informaram em que nível atuam. Os professores da

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educação infantil, que participaram da nossa pesquisa, mencionaram a importância de inserir a temática nesse nível de ensino para que nos níveis em que se seguirem, as crianças já tenham uma base de compreensão menos preconceituosa e mais inclusiva.

Entre os membros das equipes gestoras (MEG), todos os sujeitos participantes são do sexo feminino, apenas um não informou esse dado. Como o número de questionários recebidos das MEG foi bem menor que o dos professores, remetemos ao quantitativo em números e não em percentuais. Como são membros da gestão escolar, todas as participantes possuem vinculo permanente com a rede municipal, são todas concursadas, possuem nível superior, sendo que quatro possuem curso de Pós-Graduação Lato Sensu. Têm entre 30 e 50 anos de idade e atuam de 11 a 20 anos na área da educação. Em relação à origem étnico- racial , cinco se autodeclararam brancas, três pardas, uma morena, uma preta e duas não informaram, como pode ser observado no quadro abaixo:

Autoclassificação dos membros das equipes gestoras quanto a origem étnico-racial

MORENA 01

PRETA 01

BRANCA 05

PARDA 03

NÃO INFORMADA 02

A partir da análise do nosso instrumento de coleta, estabelecemos as seguintes categorias: conhecimento sobre a Lei 10.639 e a história e cultura africana e afro-brasileira; prática docente – inserção da temática na sala de aula e os materiais didáticos utilizados; importância da temática; ações da escola e da secretaria da educação para implementação da Lei.

É importante destacar que, embora saibamos que o nosso instrumento apresenta falhas, como qualquer outro, na medida em que menciona a temática antes de questionar sobre o conhecimento da Lei (na apresentação/objetivo da pesquisa para o pesquisado) e seu conteúdo, acreditamos que isso poderia levar os sujeitos a copiarem, ou seja, a responderem mesmo sem o conhecimento real da Lei. Mesmo assim, acreditamos que as respostas revelam mesmo que, parcialmente, - considerando que nossa amostra representa em torno de 10 % das escolas municipais - aspectos da realidade do município de Petrolina sobre a inserção da temática história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas.

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No que se refere ao conhecimento sobre a Lei 10.639 e a história e cultura africana e afro-brasileira, cujo objetivo era sondar se os professores e membros das equipes gestoras da rede detinham algum conhecimento sobre a Lei e o seu conteúdo, percebemos que (42%) dos professores não responderam às questões referentes a essa categoria. Dos (24%) que responderam, (14%) demonstraram conhecer a Lei e seu conteúdo, como veremos a seguir: “É uma Lei que exige que a cultura afro-brasileira faça parte da grade curricular do ensino brasileiro”. “É uma Lei que diz que é obrigatório trabalhar a cultura afro-brasileira na escola”. Porém, não podemos deixar de mencionar os depoimentos que demonstraram conhecimento parcial ou equivocado sobre a Lei e a temática. “Foi uma Lei criada para defender os nossos irmãos afros”. “A mesma fala sobre as punições referentes à discriminação racial”. “Determina os direitos e deveres da cultura afro-brasileira”. Os relatos dos professores referem-se ao combate da discriminação e ao respeito aos direitos dos afro-brasileiros, o que demonstra que, mesmo não sabendo exatamente do conteúdo da Lei, sabem que esse diz respeito aos negros e seus descendentes.

Em relação aos Membros das equipes gestoras (MEG), quatro (4) membros não responderam e oito (8) demonstraram conhecer a Lei e seu conteúdo mesmo que parcialmente, como podemos observar:

“Fala dos direitos dos afrodescendentes. Há um documento (Lei) que determina o ensino nas escolas”. […]“A reformulação da LDB que determina o ensino essa inclusão da cultura africana e afro-brasileira em ensino regular. Está na LDB, como também nos estados para definir dentro do conteúdo pedagógico na cultura local”.[…] “Trata-se do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira”. […] “A Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003 que determinou a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino fundamental e médio, nas escolas publicas e particulares do Brasil”. […]“É importante para ser vivenciada na educação do Brasil. Eu já li essa Lei. Que é obrigatório incluir no currículo o ensino da cultura afro-brasileira nas áreas de educação artística, literatura e história”.

Ao analisar os depoimentos anteriormente mencionados, percebemos que as MEG demonstraram um conhecimento mais pontual que os professores em

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relação à Lei e ao seu conteúdo. Esse diferencial pode ser atribuído ao próprio setor de atuação, ou seja, a própria atividade de gerir uma unidade escolar exige maior conhecimento sobre legislação da educação. Esse conhecimento a mais, demonstrado pelas MEG, poderia favorecer uma prática pedagógica mais eficiente, desde que houvesse uma gestão democrática de fato no interior das escolas.

Em relação à prática docente – inserção da temática na sala de aula e os materiais didáticos, o nosso o objetivo era tomar conhecimento da forma com que o professor aborda a temática em sala de aula e que materiais e recursos utiliza para tanto. Percebemos que os professores que não abordam a temática em sala de aula não opinaram sobre materiais didáticos disponíveis na escola. Entre os relatos de suas práticas, os professores afirmaram que abordam a temática em situações pontuais como datas comemorativas com uso de vídeos e livros didáticos como pode ser observado a seguir:

Explicação sobre o assunto que tem em livros didáticos, filmes que o próprio professor loca”. […] “Só com danças”. “A importância dos negros na cultura brasileira”. […]“Apenas nas datas comemorativas, 13 de maio e 20 de novembro dia da consciência negra”. “Sim, debatendo sobre como os negros chegaram em nosso pais e também sobre as diferenças raciais”.[…] “Sim, através de conversas e debates sobre a escravidão e de forma resumida”. […]“Utilizando gráficos, filmes e slides sobre vários temas que se fazem necessário abordar o tema”. […]“Explanando noticias e eventos do que está acontecendo no momento e conteúdos do livro didático”.[…] “Com atrativos da história dos negros e da literatura. Exemplo: um passeio pela África de Alberto Costa e Silva”. “A escola dispõe da coleção “Vivendo a diversidade (cultura afro-brasileira) a qual é de grande contribuição para o ensino e a aprendizagem”.[…]

Em relação aos materiais específicos que tratam da história e cultura africana e afro-brasileira, menciona-se o livro Um passeio pela África e a coleção Vivendo a diversidade. Em Um passeio pela África, primeiro livro infanto-juvenil do embaixador e acadêmico Alberto da Costa e Silva, os jovens brasileiros Zezinha, Gustavo e Inácio se aventuram por um continente que, na maioria das vezes,

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conhecemos apenas por meio dos atlas geográficos: Angola, Guiné, Costa do Marfim, Senegal, Congo. Maior africanista do país e autor do clássico A enxada e a lança, Costa e Silva propõe um delicioso roteiro em que olha para o passado africano - mostrando as diferenças culturais entre os vários povos que vieram para o Brasil como escravos e ajudaram a formar nossa cultura - também aponta para o futuro. Fugindo dos clichês, ele revela para os jovens leitores uma África urbana e moderna, sem deixar de destacar as peculiaridades de cada país visitado por seu trio de personagens. “Um passeio pela África” conta com as ilustrações de Rodrigo Rosa. Multicoloridas, elas enfatizam a imagem de um continente vibrante e plural, destacada pelo autor (www.historianet.com.br).

A coleção Vivendo a Diversidade: cultura afro-brasileira, também mencionada por professores e MEG, é uma proposta pedagógica para a superação do racismo na escola e, consequentemente na sociedade, da Editora Fapi. Ela traz atividades, proposta e projetos que visam subsidiar o trabalho do educador sobre as relações étnico-raciais positivas, reconhecendo e valorizando a história, a cultura e a identidade da população afro-descendente do Brasil. A coleção busca levar os alunos e os educadores a se posicionarem de maneira reflexiva e crítica, partindo do conhecimento e da contextualização de situações variadas, para que aprendam por meio da análise de fatos. O objetivo é formá-los para que sejam capazes de intervir na realidade, transformando-a, quando necessário. Essa proposta de trabalho visa estabelecer relações humanas mais fraternas, promovendo a colaboração, a solidariedade e a construção da dignidade pessoal, além de proporcionar a reflexão de todos (www.educacaoecia.com.br). Entre os membros das equipes gestoras, uma não respondeu e onze disseram que a escola dispõe dos mesmos materiais citados pelos professores.

No que diz respeito à importância da temática, os professores, apesar de alguns desconhecerem a importância da temática e outros acharem que não é importante, (14%) disseram que não acham importante e (4%) não opinaram, (4%) disseram sim, mas não sabem por que. A maioria afirma que é importante por vários motivos (valorização da nossa história, contribuição da cultura africana para o nosso país, por causa do preconceito e da discriminação racial, inclusão social, construção da identidade entre outros). Nos depoimentos que seguem, encontramos várias justificativas para a inserção da temática.

Foi grande a contribuição cultural do nosso pais mas os negros não foram valorizados como deveria ser”. […] “Temos que

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esclarecer o assunto como aconteceu para os alunos”. […] “Sim, porque vai ampliar o universo cultural dos docentes e dos discentes”. […] “Sim, porque existe muito preconceito com o negro e a sociedade em geral não conhece a riqueza que é a cultura afro e a contribuição que esta trouxe para o nosso pais”.[…] “Sim porque existe muito preconceito em relação ao negro e precisamos mostrar a riqueza, que há na sua cultura”. […]“Sim por conta da inclusão social”. […] “Sim existem crianças que tem racismo com o colega”. […] “Sim para informar e esclarecer o porquê da discriminação”.[…]“Sim, nos ajuda a reconhecer a nossa história, nossa origem e respeitar as diferenças”. […] “Sim, somos um país afrodescendente, é preciso conhecer nossas origens, raízes”. […]“Devemos preservar o legado cultural deixado pelos africanos para o brasileiro respeitando, assim, a diversidade cultural”.

Podemos apontar algumas direções em relação aos depoimentos dos docentes. A primeira aponta para a abordagem feita em sala de aula, remetendo ao passado, principalmente à escravidão e às datas comemorativas como o “13 de maio” e o “Dia da consciência negra”. A segunda aponta para o uso de filmes e livros didáticos. Em relação ao uso do livro didático, destacamos a nossa preocupação, pois sabemos que esse é, muitas vezes, o único impresso a que professores e alunos têm acesso, sobretudo nas escolas públicas, e, muitos livros didáticos ainda trazem representações distorcidas sobre a situação do negro na sociedade brasileira, apesar da política de elaboração de livros de qualidade nos últimos tempos. Os estudos de Silva (1995) sobre representação de negros em livros didáticos apontam que a maneira como os negros eram representados era estereotipada, negativa, em episódios que narram a escravidão; por exemplo, o africano foi estereotipado como “selvagem”, “mau”, “sem alma”, para justificar a sua sujeição aos maus tratos dos brancos. Nosella (1978), por sua vez, analisou livros de comunicação e expressão da 1ª à 4ª série do primeiro grau, na Rede Oficial do Espírito Santo, na década de 1970, com o objetivo de desmascarar a ideologia subjacente aos textos em que os negros - entre outros atores, como mulheres - apareciam. Essa última análise demonstrou que os negros eram representados como empregadas domésticas, empregados da casa grande, pobres, entre outros.

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Ainda em relação aos relatos anteriormente citados, percebemos que a valorização da cultura e da raça, a discriminação, que existe na sociedade, a construção da identidade afro-brasileira foram apontados como motivos importantes para se trabalhar a história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, na opinião da maioria dos professores pesquisados.

Porém, tem um depoimento que gostaríamos de destacar. Diz o seguinte: “Sim porque o nosso país é formado por um quantitativo enorme de pessoas da raça negra onde os próprios negros se discriminam”. Mencionamos que a professora e autora desse depoimento se auto-denominou negra e que esse tipo de relato é comum não só na escola mas também na sociedade como um todo; nós, nem sempre, aceitamos quando pessoas à nossa frente, que nós consideramos negros e negras, agem de maneira preconceituosa ou mesmo racista com outros que consideramos negros e negras também. Isso nos leva a outro depoimento também comum na sociedade, isto é, não nos identificarmos como negro ou negra, ou os considerarmos diferentes de nós, mesmo sendo afro-brasileiros. Referimo-nos ao depoimento a seguir: “Sim porque é sempre bom saber sobre as culturas diferentes da nossa. […]”. A professora que fez esse relato se declarou parda. O que é comum, como já foi dito, são muitos adjetivos utilizados para não dizer que somos negros, mas o IBGE considera como negro os pardos também.

Em relação aos depoimentos dos membros das equipes gestoras, percebemos que todos responderam, atribuindo algo de importante para a implementação da temática, como segue:

“Sim, porque a diversidade cultural deve ser trabalhada, compreendida e respeitada”.[…] “Sim, pois é preciso que haja conscientização de que a abordagem é problema de todos”. […] “Sim, porque há muita discriminação e é muito bom falar (discutir) em sala de aula”. […]“Sim, porque se faz necessário conscientizar os alunos do papel cultural e da infiltração dos valores que os negros exerceram na história do país”. […]“Sim, resgata as raízes origens do povo brasileiro”. […]“Sim, essa temática oferece elementos para a contribuição dos povos africanos e destaca a ocorrência cultural e política”. […]“Sim, porque todos os assuntos que abordam a história dos povos é importante para a formação dos alunos”. […] “Sim, porque esse aprofundamento sobre a temática contribui para

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enriquecer nossa pratica pedagógica”.[…]

Por fim, no que se refere às ações da escola e da secretaria da educação para implementação da Lei, segundo os professores, há algumas iniciativas da escola e da secretaria para inserir a temática e facilitar o trabalho dos professores e professoras em Petrolina. Em relação às ações da escola, (30%) dos professores afirmaram que nada tem sido feito pela escola. Mas a maioria apontou algo a respeito do trabalho da escola, que ainda não é suficiente para garantir efetivamente a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira na sala de aula, como mencionamos a seguir:

“Apenas com material disponível na escola, livros, debates que escreve pouco sobre o assunto”. […] “É um tema que eu não trabalho é mais para os professores de história”. […] “A escola desde 2008 vem colaborando através de visitas com estudantes da UPE e palestras com os mesmos, aquisição de recursos didáticos (livros, computadores, atividades artísticas)”. […] “Não foi posta ainda em prática essa temática”. […] “Não trabalhamos ainda essa temática mas a escola disponibiliza internet”. […] “Facilitando ao conhecimento através de oportunidades de estudos e novas tecnologias”. “ Incentivo a trabalhar o tema na disciplina historia, educação artística e literatura”. […] “Oferecendo subsídios para trabalhar a temática”. […] “Minha escola nunca tratou desse assunto, talvez nas aulas de geografia ou artes, não sei”. “A escola garante a autonomia do professor em sala de aula. Isso já é uma vitoria”. […]

Analisando os depoimentos acima mencionados, percebemos que história, geografia, literatura e artes são colocadas como únicas áreas em que se pode abordar a temática, como se, nas demais áreas do conhecimento, isso não fosse possível, o que é comum se pensar por desconhecimento da Lei e das suas diretrizes. Os depoimentos dos membros das equipes gestoras não são diferentes. Seis (6) membros não responderam, e, entre os que responderam, encontramos: “Aborda superficialmente nas disciplinas afins: história e geografia”. “Dando suporte na medida do possível”.[…] “Os professores da área de história vem trabalhando a

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consciência negra através de pesquisas, trabalhos expositivos, teatro, leitura”. […] “Irão preparar apostilas para o trabalho em sala de aula”. […] “Dispõe de material com a temática”. Em relação à Secretaria de Educação, percebemos que há pouco incentivo, restringe-se à formação continuada no geral na opinião dos professores apesar de (20%) afirmarem que nada tem sido feito. Entre os que apontam ações acontecendo, temos:

“Há pouco encontro da secretaria, mas pode mudar esse quadro”. “Colabora na formação dos professores”. […] “Disponibilizou um documento que visa o professor abordar e trabalhar com ênfase sobre a semana da consciência negra e o incentivo a criação de projetos”. […] “O mínimo possível, pois não se conscientizou que é preciso investir na cultura sobre temas importantes que fizeram e fazem parte do nosso país”. […] “No ano passado e durante as formações continuadas com professores algumas formações de história abordaram o tema”. […]“Tivemos orientações, mas não existe prática na escola”. […] “Já fomos orientados inclusive recebemos um projeto, mas ainda não entramos em ação”. […] “Por enquanto somente formações de história”. “Capacitando através de estudos em grupo.

No que diz respeito ao trabalho da Secretaria de Educação entre os membros das equipes gestoras, seis (6) não responderam e as demais apontam que, nas formações continuadas, essa temática é abordada. Vejamos os depoimentos:

“Acho que tem feito muito pouco, mas pode melhorar dando maior suporte nessa construção”. […] “Já foram preparadas algumas apostilas”. […] “Todas as escolas municipais receberam material didático com esta temática que foi a coleção citada na questão 11 (coleção diversidade e cultura afro-brasileira)”.[…] “Promove encontros de professores nessa área na formação continuada”.[…]

Portanto, segundo os professores e as MEG, não existe uma política efetiva para a inserção da história e cultura afro-brasileira e africana na rede municipal de

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Petrolina, mas há algumas iniciativas sendo realizadas, mesmo que só nas formações continuadas. Assim, acreditamos que a nossa proposta de intervenção pode ser ampliada para atender toda a rede municipal por meio de formações continuadas, não só para professores de história, mas também para todos os níveis da educação básica. A seguir, apresentamos o nosso projeto de intervenção.

História e cultura africana e afro-brasileira: literatura infantil, música e produção de materiais didáticos – uma proposta de intervenção

No intuito de atingir, mesmo que inicialmente, os três princípios definidos pelas diretrizes curriculares: consciência política e histórica da diversidade; fortalecimento de identidades e de direitos, ações educativas de combate ao racismo e a discriminações, construímos um projeto de extensão/intervenção. A proposta divide-se em três perspectivas. A primeira perspectiva de atuação é a formação dos professores em História e Cultura Afro-brasileira e Africana com o objetivo de sensibilizá-los sobre a importância de se trabalhar a temática em suas atividades didáticas cotidianas para a construção da cidadania (por meio do projeto Escola cidadã: formação de professores em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em Petrolina – PE) e a segunda perspectiva é a construção e o acesso a materiais didático-pedagógicos (por meio do projeto intitulado Produção de materiais didático-pedagógicos para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana em Petrolina-PE), como, por exemplo, jogos, que irão contribuir para a realização de situações de aprendizagem relacionadas à temática para facilitar o trabalho com os alunos nas salas da escola, onde o projeto está sendo realizado. Apesar de saber da existência dos materiais didáticos sobre a História e Cultura Afro brasileira e africana, como os materiais que o MEC produziu via Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), os professores declaram não saber da existência desse tipo de material. As próprias Diretrizes sobre a Lei não chegaram às escolas municipais. E a terceira perspectiva é de atuação direta com os alunos, desenvolvendo atividades de sensibilização e construção da identidade a partir da literatura infantil (por meio do projeto Escola: espaço de construção da identidade cidadã- tentativas de implementação da Lei 10.639 nas escolas municipais da cidade de Petrolina) e da música (por meio do projeto Cultura afro-brasileira: inserção da música nas escolas municipais de Petrolina-PE).

A pesquisa analisada no item anterior possibilitou reafirmar, em nosso

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contexto, a necessidade de a universidade tentar iniciar um caminho de diálogo sobre a temática dentro das escolas públicas. Atualmente, já podemos considerar um aumento na produção do conhecimento sobre as questões afro-brasileiras nas instituições públicas de nível superior, mas sabemos que apenas um pouco de tudo isso chega de forma concreta às escolas regulares. É importante destacar que, no projeto de extensão, priorizamos o trabalho com as professoras e alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, com o objetivo de aproximar nossos alunos da graduação, envolvidos no projeto, nos níveis de ensino em que atuarão mais efetivamente.

Diante disso, com a proposta de sensibilizar, inicialmente, um grupo de professores para a temática, encaminhamos para a Secretaria de Educação o nosso projeto, que foi aprovado e indicado pelo Secretário de Educação para uma das escolas da rede. A escolha de uma única escola se deve ao fato de nossa equipe ser pequena e de possibilitar a realização de uma ação longa e duradoura com um mesmo grupo de professoras.

A escola indicada pela Secretaria de Educação, como já explicitado anteriormente, chama-se professora Laurita Coelho Leda Ferreira3 . Existe há onze anos e fica situada em um bairro popular chamado Vila Marcela. A instituição funciona nos horários da manhã, tarde e noite, com turmas da educação infantil, ensino fundamental e Educação de Jovens e Adultos.

No ano de 2009, data principal de execução de nossos projetos, a escola possuia treze professores, onze funcionários e quatrocentos e vinte e oito alunos matriculados.

A instituição possui uma infraestrutura pequena, com apenas seis salas de aula, uma biblioteca com espaço amplo, mesas e cadeiras, porém com poucos livros; um laboratório de informática, um refeitório e um grande pátio para o recreio sem cobertura contra o sol. Em relação aos equipamentos, os quadros são de giz e, em toda a instituição, só existe uma TV, um DVD, um vídeo, um retroprojetor e um aparelho de som.

O público-alvo é composto de cinco professoras que atuam na educação infantil e fundamental, nos dois turnos, da escola já citada e, consequentemente, seus respectivos alunos4. Para a realização do projeto, as professoras ficam reunidas em uma sala da própria da instituição conosco (coordenadoras do projeto) e com

3 Vale ressaltar que esta escola faz parte da amostra analisada na primeira parte do artigo.4 Agradecemos imensamente a toda a equipe (professores, funcionários, alunos) da escola Laurita Coelho Leda Ferreira pela atenção e carinho com que sempre nos receberam.

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a bolsista responsável realizando estudos, atividades e discussões a respeito da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, enquanto os alunos permanecem em suas salas com as outras bolsistas do projeto, realizando atividades relacionadas à temática, que descreveremos a seguir. É importante destacar que todo o material didático e pedagógico, que construímos em conjunto com os graduandos de pedagogia que fazem parte do projeto para a execução das oficinas, nós disponibilizamos uma cópia para a escola, no intuito de possibilitar sua utilização por todos os professores. Destacaremos três oficinas já realizadas com as professoras.

A primeira foi para a apresentação dos projetos e de nossa intenção para com essa proposta de intervenção. Nesse momento, percebemos que as professoras dessa escola não conheciam a referida Lei e nem trabalhavam com a temática em sala de aula. Vale ressaltar que ninguém conhecia as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, o que demonstra que nem toda escola recebeu o referido documento. Esse relato se repetiu nas escolas cujos dados foram coletados. Durante o nosso primeiro encontro, muitos exemplos de preconceito em sala de aula foram relatados pelas professoras, entre os quais podemos destacar: “os alunos do pré discriminam um determinado aluno por ser negro, dizem que a mãe dele o colocou no forno e esqueceu de tirar e ele queimou todo até o cabelo, eu os repreendo, mas não tem jeito” (professora. da Educação Infantil). “Outro dia mesmo a moça da limpeza entrou na sala e perguntou: cadê a vassoura? E a turma inteira respondeu como um coral: tá na cabeça da aluna [... ]. Eu fiquei sem ação, deu vontade de rir, mas me controlei”(Professora do 2º ano Ensino Fundamental).

É comum ouvir das professoras, com quem trabalhamos, que não estão preparadas para lidar com essas situações. Como a escola é um reflexo da sociedade, as crianças reproduzem o que veem no seu cotidiano e, muitas vezes, os profissionais da educação, principalmente os professores não enxergam situações como as descritas como preconceituosas e não interferem, contribuindo, assim, para a disseminação de preconceitos na sala de aula. Ao final do encontro, tivemos relatos positivos em relação ao encontro e a necessidade de se tornar atento a situações que, aparentemente, pareçam “brincadeira de criança” no cotidiano escolar para que situações preconceituosas não se repitam. Nesse encontro, os alunos conheceram os livros de literatura infantil Menina bonita do laço de fitas, de Ana Maria Machado,editora Ática; Bom dia todas as cores de Ruth Rocha, editora Quinteto Editorial e Na minha escola todo mundo é igual de Rossana

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Ramos, da editora Cortez. O objetivo do dia foi trabalhar a identidade de cada um e a autoestima, por meio da construção de seu autorretrato de duas maneiras: uma maneira foi construir um autorretrato com massa de modelar, momento em que se observou o fato de os alunos não pegarem a massa de cor preta, apesar de serem afro-brasileiros. Outra maneira foi confeccionar um boneco de jornal em que deveria colocar suas características físicas e, também, pudemos perceber que nenhum pintou seu boneco de preto. Quando apresentamos os referidos livros às professoras, apesar de saberem da existência de uma ou outra obra, afirmaram não conhecê-las.

A segunda oficina foi dedicada exclusivamente à sensibilização desses profissionais sobre a importância de trabalhar essa temática em sala de aula e apresentar a própria Lei e suas diretrizes curriculares. Nessa oficina, utilizamos os recursos que tínhamos disponíveis para atingir os nossos objetivos, imagens que mostravam as mudanças históricas e sociológicas do povo negro no mundo, desde o próprio continente africano, seu lugar de origem, a chegada ao Brasil e sua contribuição para a constituição do povo brasileiro. Destacamos a luta de anos pela instituição da Lei 10.639/03 e como e quais as razões que fizeram a Lei se tornar realidade durante o Governo Lula. Estudamos a Lei e, principalmente, o que é instituído nas Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, como as alternativas e sugestões de colocar a temática ao longo do currículo escolar. As professoras pediram para ter uma cópia das referidas diretrizes curriculares e relataram o que a pesquisa anteriormente relatada demonstrou, ou seja, a realidade da rede municipal: não há formação continuada para se trabalhar a temática por isso acreditavam que era para se criar uma nova disciplina chamada História da África, mencionaram a falta de materiais didáticos, entre outros. Nesse encontro, os alunos continuaram trabalhando com literatura infantil mas com um livro ainda não lido entre os mencionados. Nesse dia uma das turmas trabalhou com o conto africano Kiriku e a feiticeira em vídeo. Percebemos que as professoras e os alunos não conheciam o vídeo em questão. Os alunos prestaram bastante atenção durante a exibição do vídeo e demonstraram estranhamento, pois nunca tinham assistido a um desenho animado em que todos os personagens fossem negros, inclusive o herói. O primeiro comentário das crianças: é “todo mundo é negro!” As professoras solicitaram uma cópia do vídeo para ficar na escola e nós já a providenciamos. Em outros momentos, relataram que tem sido muito boa a experiência de assistir ao vídeo, até as turmas que não participam do nosso projeto querem assistir a ele.

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A terceira oficina denominou-se África: um país ou continente? Tivemos como objetivo conhecer, em conjunto com as professoras, aspectos geográficos do continente africano para valorizar, entre outros fatores, a cultura dos povos que lá viveram e vivem. Destacamos, nessa oficina, os países que compõem esse continente, sua cultura e seus costumes através de um jogo, elaborado pela equipe. O jogo em questão é composto de perguntas e respostas e seu tabuleiro é um grande mapa do continente africano. Nessa oficina, além de jogarmos com as professoras e refletirmos aos poucos sobre aspectos da Geografia desse continente, apresentamos vídeos e slides referentes à fauna e flora africana, destacando curiosidades e aproximações com o nosso país, além de sempre mostrar possibilidades e facilidades de trabalhar essa temática em sala de aula. Essa oficina teve grande receptividade por parte das professoras, segundo suas próprias avaliações, por conseguirmos trabalhar de forma lúdica e construir o conhecimento geográfico sobre o continente africano que elas não conheciam e, ao mesmo tempo, possibilitar a criação de estratégias de como vivenciar tudo isso em sala de aula com os seus alunos. No momento de jogar, as professoras demonstraram conhecer alguns dos países africanos por características particulares positivas ou negativas. A dinâmica do jogo consiste em jogar um dado para saber em que lugar vai estar e, dependendo da resposta correta para uma pergunta sobre assuntos gerais sobre o país em que está, avançará ou permanecerá no lugar. Todos partem do mesmo lugar. Temos relatos para exemplificar esse momento, entre eles: “não quero ficar na Etiópia, pois lá tem muita fome!” […] “No Congo eu fico, pois queria ver um gorila”, “Vou pra Camarões aprender a jogar futebol!” […] “ a África do Sul é o lugar que tem mais brancos em todo o continente”[…]

Entre as grandes dificuldades reveladas pelos professores, na pesquisa e na escola em que atuamos, estão a sua formação inicial na universidade, momento em que esse tema não tem sido abordado e o acesso a materiais didáticos - que abordem a História e Cultura Afro brasileira e Africana. Como já foi mencionado, o próprio MEC produziu por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) inúmeros materiais que têm contribuído para a implementação da temática em sala de aula, mas esse material, que pode até circular com facilidade nas capitais, não tem sido divulgado em cidades do interior, como é o caso de Petrolina. Pensando nesse acesso, principalmente em uma cidade do sertão do estado nos propomos possibilitar o acesso e a construção dos materiais didático-pedagógicos, o que contribuirá para a realização de situações de aprendizagens relacionadas à temática história e cultura afro-brasileira e africana,

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pensando assim, na real efetivação dessa temática em sala de aula. Além do jogo de perguntas e respostas já citado, construímos dominós e jogos de memória sobre a fauna e a flora do continente africano. Os referidos jogos foram confeccionados com imagens que representam a flora e a fauna e o nome do elemento logo abaixo para que, além do lúdico, se possa trabalhar a língua portuguesa por meio da escrita dos elementos que expressam a biodiversidade do continente.

Nesse encontro, algumas turmas trabalharam com literatura infantil, uma com Kiriku e outra trabalhou com música, com o objetivo de proporcionar uma vivência interdisciplinar da cultura afro-brasileira a partir da música. Nesse momento, os alunos tiveram contato com músicas e os ritmos afro-brasileiros, como o frevo em seus diversos tipos melódicos: frevo canção, frevo de rua, frevo de bloco, e seus instrumentos, principalmente um acessório: sombrinha de frevo, a partir de atividades que proporcionassem às crianças o reconhecimento dessa música como de origem africana. Além do conhecimento e a construção de instrumentos musicais de origem africana como o Ganzá (construído com copos descartáveis e sementes) e o pandeiro (construído com embalagens de goiabada e tampinhas de refrigerante).

Gostaríamos de finalizar com os depoimentos das professoras que participam da nossa proposta de intervenção, em relação ao vídeo Rompendo o Silêncio, que aborda a caso de uma professora branca que modifica sua prática em sala de aula a partir de uma formação continuada e passa a fazer coisas simples que surtem efeitos importantes no combate ao preconceito. “A realidade diante do preconceito faz com que a gente reconheça o preconceito diante dos alunos”.[…] “A professora tem que estar mais atenta ao preconceito dentro da sala de aula e ensinar aos alunos a respeitar as diferenças entre eles”. […]“Nós não podemos fechar os olhos para os problemas que aparecem dentro da sala e no nosso dia a dia. Como diz o filme Rompendo o silencio, precisamos ser mais uma sementinha contra o preconceito e a discriminação racial”. […]

Algumas Considerações

Diante da especificidade do tema abordado, é necessária uma reflexão mais prolongada e sistematizada sobre o papel, que nós, professores, de todos os níveis de ensino, deveremos construir junto com os nossos alunos, sobre o nosso país e sobre o nosso povo. O respeito à diversidade e as diferenças vão além de um problema escolar, porém, é a escola o local com maior capacidade de empreender alternativas de solução, ou ao menos, de diminuição dessa desigualdade. A partir

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da pesquisa realizada, foi possível perceber que muitos professores e membros das equipes gestoras, da rede municipal de Petrolina, acreditam que a Lei 10.639/03 tem sua importância no combate ao preconceito e à discriminação em sala de aula e que abordar a temática se faz necessário para valorizar, resgatar nossa história, nossa raiz africana e, assim, promover o inclusão social. Mas as iniciativas da rede municipal ainda não são efetivas e nem atingem todos os professores da rede, restringindo-se aos professores de história em momentos pontuais da formação continuada. Uma das grandes dificuldades reveladas pelos professores pesquisados é que, além de em sua formação inicial na universidade esse tema não ter sido abordado, pelo menos, sistematicamente, é a real falta de material didático que aborde a História e Cultura Afro brasileira e africana nas escolas municipais de Petrolina.

De fato, não se pode negar a importância da temática História e cultura Afro-brasileira e africana na sala de aula e sua repercussão na sociedade brasileira. Reafirmamos mais uma vez que, sem a escola, seria impossível reverter o racismo. Já dizia Nelson Mandela “[...] ninguém nasce odiando ninguém, nós aprendemos a odiar e achar que as pessoas valem menos. Se nós aprendemos a odiar, podemos desaprender, e o espaço escolar é essencial para essa desaprendizagem”.

Temos consciência de que uma Lei por si só não pode mudar uma realidade, que foi construída historicamente a partir da hierarquização social em que o negro e o índio foram considerados inferiores aos brancos.

A partir dos resultados obtidos, principalmente, no que se refere a nossa iniciativa de trabalhar a temática em uma escola, inicialmente, poderá contribuir para ampliar essa discussão. A sensibilização dos professores e a tomada de consciência pela existência do tema já é um passo importante para essa construção. Assim, acreditamos que a nossa proposta de intervenção pode ser ampliada e atender o maior quantitativo da rede municipal que for possível, por meio de formações continuadas não só para professores de história, mas também para todos os níveis da educação básica. Esperamos, assim, contribuir, mesmo que minimamente, para o desenvolvimento de políticas públicas que garantam a inclusão efetiva da história e cultura africana e afro-brasileira, a formação de cidadãos conscientes de sua história e cultura e consequentemente, para a redução das desigualdades sociais e educacionais existentes pelo menos em nossa cidade.

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