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História Local, Ensino e Pesquisa Em Busca de Outras Memórias de Salgado Filho Antonio Juscelino Batista 1 RESUMO O presente artigo discute a relevância dos estudos de história local no âmbito das atividades de ensino de História nas escolas públicas paranaenses, com base na elaboração e aplicação de projeto de implementação pedagógica no Colégio estadual Padre Anchieta, na cidade de Salgado Filho. Optou-se por categorias e metodologias que favorecessem a pesquisa e o ensino da história local, objetivando contribuir para a dinamização do ensino de História nas escolas públicas. Deste modo, partiu-se de estudos sobre história oral, memória e fotografia para o desenvolvimento do presente projeto. O presente artigo pretende apresentar e discutir com maior ênfase o segundo momento do projeto, quando foram realizadas entrevistas com moradores da cidade, seguindo o arcabouço metodológico da história oral. Buscou-se conhecer outras memórias do cotidiano das pessoas, vislumbrando possíveis ambiguidades e contradições da memória local até então divulgada. Os resultados são indicativos de que a história local é uma rica e instigante metodologia a ser empregada por professores e alunos das escolas públicas, e um caminho para a coesão entre atividades de ensino e pesquisa nas escolas. A pesquisa de campo identificou uma vasta riqueza de memórias sobre a inserção dos moradores no espaço urbano, sua participação e suas memórias sobre a construção e a transformação da cidade. PALAVRAS CHAVE: História Local. Ensino de História. História Oral. Fotografia. Memória ________________________ 1. Graduado em História, especialista em psicopedagogia, professor da rede pública paranaense, professor PDE turma 2008. 2. O presente trabalho contou, em todas as suas etapas, com a orientação da professora Dra. Meri Frostcher, da Universidade do Oeste do Paraná - UNIOESTE. 3. Expressamos nossos agradecimentos às pessoas e instituições que contribuíram para a realização desta pesquisa, proporcionando as condições necessárias e indispensáveis para os estudos bibliográficos, as pesquisas de campo e a implementação prática do projeto. Agradecemos especialmente: Governo do Estado do Paraná (SEED), Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Professora Orientadora Dra. Meri Frostcher, Colegas Professores PDE Luiz Miolla e Celma Souza Burille, Colegas Professores de História do Colégio Estadual Padre Anchieta, da Cidade de Salgado Filho, Vanda Krause de Ramos e Agostinho Gonçalves, Direção, Equipe Pedagógica e demais professores e funcionários deste estabelecimento onde aplicamos nosso projeto de implementação pedagógica.

História Local, Ensino e Pesquisa Em Busca de Outras ... · ... partiu-se de estudos sobre história oral, memória e fotografia para o ... e dos alunos que fizeram parte deste projeto,

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História Local, Ensino e Pesquisa

Em Busca de Outras Memórias de Salgado Filho

Antonio Juscelino Batista1

RESUMO O presente artigo discute a relevância dos estudos de história local no âmbito das atividades de ensino de História nas escolas públicas paranaenses, com base na elaboração e aplicação de projeto de implementação pedagógica no Colégio estadual Padre Anchieta, na cidade de Salgado Filho. Optou-se por categorias e metodologias que favorecessem a pesquisa e o ensino da história local, objetivando contribuir para a dinamização do ensino de História nas escolas públicas. Deste modo, partiu-se de estudos sobre história oral, memória e fotografia para o desenvolvimento do presente projeto. O presente artigo pretende apresentar e discutir com maior ênfase o segundo momento do projeto, quando foram realizadas entrevistas com moradores da cidade, seguindo o arcabouço metodológico da história oral. Buscou-se conhecer outras memórias do cotidiano das pessoas, vislumbrando possíveis ambiguidades e contradições da memória local até então divulgada. Os resultados são indicativos de que a história local é uma rica e instigante metodologia a ser empregada por professores e alunos das escolas públicas, e um caminho para a coesão entre atividades de ensino e pesquisa nas escolas. A pesquisa de campo identificou uma vasta riqueza de memórias sobre a inserção dos moradores no espaço urbano, sua participação e suas memórias sobre a construção e a transformação da cidade. PALAVRAS CHAVE: História Local. Ensino de História. História Oral. Fotografia. Memória ________________________

1. Graduado em História, especialista em psicopedagogia, professor da rede pública paranaense, professor PDE turma 2008.

2. O presente trabalho contou, em todas as suas etapas, com a orientação da

professora Dra. Meri Frostcher, da Universidade do Oeste do Paraná - UNIOESTE.

3. Expressamos nossos agradecimentos às pessoas e instituições que

contribuíram para a realização desta pesquisa, proporcionando as condições necessárias e indispensáveis para os estudos bibliográficos, as pesquisas de campo e a implementação prática do projeto. Agradecemos especialmente: Governo do Estado do Paraná (SEED), Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Professora Orientadora Dra. Meri Frostcher, Colegas Professores PDE Luiz Miolla e Celma Souza Burille, Colegas Professores de História do Colégio Estadual Padre Anchieta, da Cidade de Salgado Filho, Vanda Krause de Ramos e Agostinho Gonçalves, Direção, Equipe Pedagógica e demais professores e funcionários deste estabelecimento onde aplicamos nosso projeto de implementação pedagógica.

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ABSTRACT This article discusses the relevance of local history studies as part of the history teaching in public schools of Paraná, it is based on the development and implementation of project of training implementation in Colégio Estadual Padre Anchieta, in Salgado Filho. We chose categories and methodologies that promoted research and teaching of local history, aiming to contribute to the dynamism of history teaching in public schools. Thus, we came from studies on oral history, memory and photography for the development of this project. This article aims to present and discuss with more emphasis the second phase of the project, when some residents of the city were interviewed, following the methodological structure of oral history. We tried to know other memories of everyday life, seeing possible ambiguities and contradictions of the local memory previously disclosed. The results are indicative that local history is a rich and compelling methodology to be used by teachers and students in public schools, and a path to social cohesion activities between research and teaching in schools. The field research has identified a great wealth of memories about the inclusion of residents in urban areas, their participation and their memories about the construction and transformation of the city. KEY WORDS: Local History. History Teaching. Oral History. Photography. Memory. I - INTRODUÇÃO

O presente artigo origina-se de uma ampla proposta de formação

continuada de professores e de melhoria da qualidade da educação nas

escolas públicas no Estado do Paraná, através do Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE, realizado de modo articulado entre a

Secretaria de Estado da Educação – SEED e as universidades públicas

paranaenses, que neste caso específico conta com a participação da

Universidade do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

A presente produção objetiva focar suas análises no ensino de História

nas escolas públicas do Paraná, tendo como base o estudo do caso do Colégio

Estadual Padre Anchieta, na cidade de Salgado Filho, onde o

professor/pesquisador atua e desenvolveu o presente projeto. Pretende-se

relatar todo o processo de aplicação do projeto de implementação pedagógica,

realizado em duas turmas de concluintes do Ensino Médio, analisando os

resultados alcançados no processo de ensino e pesquisa da História Local. O

ponto de partida é uma realidade vivenciada no ensino de História neste

colégio, onde se constatou a necessidade da aplicação de novas metodologias

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e conteúdos para tornar o ensino desta disciplina mais atrativo aos alunos e ao

mesmo tempo proporcionar melhores condições de aprendizagem.

O presente trabalho está fundamentado nas Diretrizes Curriculares para

o Ensino de História no Paraná, que aponta como primordial, nas palavras de

Sergio Buarque de Holanda, a busca de significados e representações

elaborados pelos sujeitos em seu cotidiano de vida. A busca de outras

narrativas até então não encontradas nos livros de História: Para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da História e são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros, os que apenas escrevem a História. (DCE’S História – SEED/PR. 2009. p. 37) O texto pretende oferecer contribuições no sentido do aperfeiçoamento

qualitativo na relação pesquisa, ensino e aprendizagem de História nas escolas

públicas do Paraná.

Considerando que a implementação deste projeto foi partilhada com

outros professores de História do sistema público paranaense, através de

Grupo de Trabalho em Rede – GTR, em ambiente virtual, pretende-se

apresentar e discutir também a receptividade deste tipo de projeto de história

local junto aos demais historiadores.

Em seguida pretende-se discutir sobre a importância da realização do

projeto, em seu âmbito teórico e prático, com alunos e professores de História.

Buscamos demonstrar os resultados da realização desta pesquisa envolvendo

alunos e demais professores, que partiram de uma discussão teórica e em

seguida foram a campo coletar e produzir imagens fotográficas, proceder

leituras do urbano e produzir documentos através de testemunhos orais de

vivências urbanas.

Em referência à história local, a pesquisa foi desenvolvida no sentido de

conhecer e discutir outras memórias que moradores da cidade de Salgado

Filho possam expressar sobre a cidade e a sua inserção nela, divergentes ou

convergentes aos relatos até então publicados sobre a cidade de Salgado

Filho. Neste artigo objetiva-se demonstrar o caminho percorrido na presente

pesquisa, embasados em estudos e discussões oriundos da História Oral,

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memória, fotografia e cidade, bem como em pressupostos relacionados ao

ensino e pesquisa de História nas escolas públicas da educação básica.

A História Local se apresenta como uma realidade muito próxima do

professor-pesquisador e dos alunos que fizeram parte deste projeto, em uma

conjuntura de construção do saber histórico, valorizado como tal, e também do

processo de construção deste saber. O Ensino de História partiu das cores e

sons do passado local ainda presentes em diversos tipos de documentos, em

evidências muito palpáveis, como descritas por Rafael Samuel: A História Local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto nível de desenvolvimento nacional e dá ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado. Ele a encontra dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode ouvir os seus ecos no mercado, ler o seu grafite nas paredes, seguir suas pegadas nos campos. As categorias abstratas de classe social, ao invés de serem pressupostas, têm de ser traduzidas em diferenças ocupacionais e trajetórias de vidas individuais; O impacto da mudança tem de ser medido por suas consequências para certos domicílios. (SAMUEL,1990. p. 220).

A pesquisa da História Local primou pelo uso dos diversos tipos de

documentos históricos a que o autor teve acesso ou pôde produzir no

transcorrer do projeto, dando ênfase, porém, a fotografias e depoimentos orais.

As fotografias foram tomadas como documentos históricos, passíveis de

toda crítica a que estão sujeitos tais documentos, e tidas como produções

culturais de um determinado indivíduo ou grupo: O registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e ideologia acabam transparecendo em suas imagens, particularmente naquelas que realiza para si mesmo enquanto forma de expressão pessoal. (KOSSOY, 1989, p.27)

As fotografias não foram tratadas como cópias da realidade ou

portadoras de verdades absolutas. As imagens fotográficas foram fornecidas

ou escolhidas pelos entrevistados, e serviram basicamente como uma espécie

de “gatilho para a memória”. Alguns homens e mulheres, moradores da cidade

de Salgado Filho, tiveram gravados seus depoimentos sobre seu cotidiano de

vida nesta cidade, tendo sobre a mesa fotografias oriundas de seus próprios

arquivos pessoais. Dessa maneira, estabeleceu-se um diálogo entre a História

Oral e a fotografia.

Apresenta-se aqui uma metodologia ainda pouco explorada na pesquisa

e ensino de história, a conjugação da fotografia com os recursos da História

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Oral, em busca de representações acerca do cotidiano passado das pessoas

na cidade. Certamente o presente trabalho aponta este caminho metodológico

para outros pesquisadores que pretendam investigar o campo das memórias

em nível mais local e regional. O uso de fotografias aliado aos documentos

orais tem se mostrado como uma alternativa interessante para a pesquisa e o

ensino de História.

A perspectiva do autor foi no sentido de conhecer relatos polifônicos da

História Local, conhecendo algumas memórias produzidas por moradores tidos

como ‘menos ilustres’ que aqueles que normalmente foram entrevistados por

pesquisadores e órgãos de imprensa até então. Explica-se aí a utilização do

termo “outras histórias” neste artigo. Utilizamos este termo de acordo com a

proposta de Dea Fenelon e outros autores, exposta no livro “Muitas Memórias, Outras Histórias”:

Se vivemos em uma sociedade que exclui, domina, oprime e oculta os conflitos e as diferenças sob a ideologia e o valor das identidades e da unidade do homogêneo e do único, então o direito à memória se torna uma reivindicação para fazer surgir a diversidade, a diferença, o múltiplo, as muitas memórias e as outras histórias que queremos contribuir para construir”. (FENELON, 2004, p.16)

A História de Salgado Filho até então contada e recontada, utilizada

como referência nas atividades de ensino de História nas escolas locais,

divulgada em todos os órgãos de imprensa da região, apostilas e livros, dão

conta de uma versão “pasteurizada” da História Local. Nesta versão imposta

não aparecem conflitos nem contradições, apenas a narrativa do processo de

criação e desenvolvimento da cidade e do município, do trabalho dos

“pioneiros” para desbravar os sertões e transformar este espaço em um lugar

ideal para se viver e prosperar. As “outras histórias” que buscamos são o

reverso da história oficial, é o não dito, o silenciado. Os moradores,

camponeses, operários, pequenos comerciantes ou artesãos, relatam as suas

histórias, dando conta de todo um universo rico de vivências e representações

sobre seu próprio cotidiano no passado e da relação com os demais. Nestas

outras histórias já se vislumbra a presença de contradições sobre a posse da

terra, conflitos agrários, violências, perseguições políticas, expectativas

frustradas, dentre outras.

O objetivo foi realmente conhecer possíveis relatos destoantes da

história da cidade de Salgado Filho até então contada e recontada. Mais que os

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fatos comumente tidos como relevantes da História Local, buscou-se conhecer

o significado que as pessoas atribuíram às suas vivências na constituição da

cidade, as suas memórias, levando em conta o papel ativo destes personagens

na produção e significação destas memórias. (...) Pois, não só a filosofia vai implícita nos fatos, mas a motivação para narrar consiste precisamente em expressar o significado da experiência através dos fatos: recordar e contar já é interpretar. A subjetividade, o trabalho através do qual as pessoas constroem e atribuem o significado à própria experiência e à própria identidade, constitui por si mesmo o argumento, o fim mesmo do discurso. (PORTELLI, 1996, P.59)

Articulam-se aqui também reflexões sobre memórias e identidades.

Memórias são entendidas neste artigo como fenômenos produzidos de modo

individual e coletivo, constituídos por recordações elaboradas sobre os

acontecimentos vivenciados das mais diversas maneiras. Trata-se de

vislumbrar o que os indivíduos pensaram ou como interpretaram tais

acontecimentos, ou como os recordam. Estar ciente que a sedimentação

destas memórias em sentimentos e valores mais profundos é o que leva os

indivíduos a se situar em relação a si mesmos, aos demais, ao ambiente social

em que estão inseridos, construindo deste modo as suas identidades.

Ao propor um estudo sobre a História local de Salgado Filho, esta

pesquisa aponta na direção do conhecimento e da discussão das memórias

elaboradas pelos moradores desta cidade em relação ao seu próprio cotidiano

de vida inserido no processo de constituição do espaço urbano. Em suma,

cruzar as trajetórias pessoais com aquilo que já se escreveu sobre a História

da cidade de Salgado Filho. Conforme Michael Pollak, é importante ressaltar

que as memórias assim produzidas passam a ser constituintes fundamentais

das identidades. Se podemos dizer que, em todos os níveis, a memória é um fenômeno construído social e individualmente, quando se trata da memória herdada, podemos também dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade. Aqui o sentimento de identidade está sendo tomado no seu sentido mais superficial, mas que nos basta no momento, que é o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros. (POLLAK, 1992, p. 5)

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II – REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA LOCAL A cidade de Salgado Filho é a sede do município paranaense com

mesmo nome, situado no extremo Sudoeste do Paraná, próximo à divisa com o

estado de Santa Catarina (10 km) e com a Argentina (40 km), com área

territorial de 183 km2. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística), no ano de 2007 o município contava com 4.666

habitantes, distribuídos entre a área urbana e a área rural.

Versões da História Local do município ou da cidade de Salgado Filho

estão registradas em jornais de circulação regional, publicações da Prefeitura

Municipal, como revistas, sites da internet, folhetos de divulgação da Festa do

Vinho e do Queijo e em um livreto publicado no ano de 1989, intitulado “Assim

é Salgado Filho”.

Analisando algumas destas publicações memorialísticas, pode-se

afirmar que a história escrita, divulgada e ensinada sobre a cidade e seu

entorno, e sobre os processos de apropriação da terra e urbanização, tem um

viés positivista, que parte de uma situação de defasagem e percorre um

caminho no sentido do desenvolvimento, do progresso, protagonizado por

“pioneiros” vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina,

predominantemente descendentes de italianos e de alemães. Praticamente

todas as publicações se referem a um processo de colonização e povoamento

de terras tidas como “desabitadas”, na segunda metade do século XX,

promovidos pela empresa Colonizadora Erechim, sem nenhum relato de

conflitos ou antagonismos. Habitado por gaúchos e catarinenses de origem italiana e alemã, caboclos e poloneses, este município experimentou um crescimento econômico e social pela ação corajosa de seus colonizadores que chegaram a partir de 1940 abrindo picadas, construindo pequenos ranchos de acampamento e derrubando as matas para cultivar a terra. Na sede do município floresceu uma pequena cidade que hoje conta com toda infra-estrutura necessária ao conforto da população, tais como (...). (BATISTA, 1989, p.5) Em poucas palavras o autor supracitado torna pública a narrativa

corrente e oficial sobre a história do município, sublinhando algumas

qualidades dos imigrantes e apontando a trajetória dos mesmos como

transformadores da realidade deficitária para uma realidade ideal. Deixa claro

que a “ação corajosa de seus colonizadores” fez brotar uma confortável cidade

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onde antes havia apenas florestas. O relato de Batista, entretanto, destoa da

maioria dos relatos sobre o povoamento de Salgado Filho ao considerar

“caboclos e poloneses” também como “pioneiros” e “desbravadores” destas

terras, visto que a maioria dos relatos aponta apenas os descendentes de

italianos e alemães como responsáveis por este processo.

Mesmo assim, com algumas poucas variações, a “saga dos pioneiros” é

contada e recontada nas diversas publicações consultadas, sempre

representada como um processo sem contradições, sem violências nem vozes

destoantes em qualquer fase do processo de ocupação e povoamento. O Hino

Municipal de Salgado Filho, criado no ano de 2002, também reforça memórias

hegemônicas construídas ao longo do processo de estabelecimento do

povoamento e do espaço urbano, cristalizando a idéia de uma “saga” do

colonizador sulista que teria vindo trazer o progresso. Joaquim Pedro Salgado Filho, vulto ilustre o nome te emprestou E hoje és pleno de luz e brilho, pois aqui o progresso chegou Imigrantes gaúchos, catarinenses, braços forte com alma e vigor Densas matas então desbravaram, nos doando esta terra de amor (...) És tão bela cidade Salgado Filho, povo heróico fazendo acontecer Com a educação para nossos filhos, com saúde para bem viver O desporte e a cultura dessa gente, com bravura conseguimos conquistar Igualdade e liberdade resplandece, com justiça por amor à este lugar (...) Neste solo o progresso se expande, e a semente germina sempre mais!

(Domínio Público) Com destacado ufanismo, o que é próprio dos hinos em geral, o Hino

Municipal de Salgado Filho celebra a ação dos desbravadores “gaúchos e

catarinenses” que chegam a este lugar inóspito, coberto de florestas e com seu

trabalho “heróico” o transformam no lugar dos sonhos, repetindo o mito da terra

prometida.

A expressão “igualdade e liberdade resplandece, com justiça por amor a

este lugar”, no Hino de Salgado Filho, mostra um processo idealizado de

povoamento e constituição da cidade. A primeira impressão é de um processo

totalmente pacífico, sem desigualdades, sem nenhuma injustiça e com todas as

liberdades garantidas.

Prosseguindo as pesquisas sobre a História Local da cidade de Salgado

Filho, observou-se que os relatos são quase uníssonos na maioria dos pontos

enfocados, como a origem da cidade pelo povoamento promovido pela

Colonizadora Erechim, o processo pacífico de ocupação das terras e a

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ausência de conflitos e antagonismos nesta trajetória inicial da cidade. Os

fragmentos abaixo fazem parte de um “Histórico do Município”, publicado na

página oficial do IBGE na internet, repetindo afirmações já consolidadas nos

ambientes escolares, administrativos e na imprensa local e regional. As terras que não pertenciam a Colonizadora Erechim eram de propriedade do INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], destinadas a Colonização e Reforma Agrária. Conta-se que os posseiros que chegavam ao município escolhiam suas terras a dedo num acerto entre os próprios moradores. Somente mais tarde que o INCRA mediu essas terras e as titulou segundo o que cada posseiro havia ocupado. (FREITAS, 2009) O trecho acima narra a chegada dos imigrantes e a tomada de posse da

terra como uma situação plenamente resolvida. Uma parte das terras era da

Colonizadora Erechim e era vendida a baixos preços a quem podia comprar. A

outra parte pertencia ao INCRA e nestas terras os posseiros teriam escolhido

seus lotes a dedo, em comum acordo com os já moradores e em seguida o

INCRA titula estas terras gratuitamente aos seus ocupantes. É quase uma

narrativa poética de como teria acontecido a constituição do município e da

cidade de Salgado Filho.

Esta narrativa volta a destacar a presença diferenciada dos

descendentes de europeus como protagonistas de ações que culminaram com

a constituição de uma nova realidade cultural, social e econômica, inclusive

com a criação de eventos e festas de realização anual: Com as famílias de italianos e alemães, Salgado Filho acolheu muitas manifestações e usos tradicionais e populares que deram origem a eventos de cunho regional, interestadual, tais como: Bailes de Kerb, Rodeio Crioulo Interestadual, Festival Municipal da Canção e Festa do Vinho e Feira do Queijo. (FREITAS, 2009) Ainda sobre a importância do papel dos chamados pioneiros na História

Local de Salgado Filho, Helton Pfeiffer afirma que desde o início da colonização do município, os pioneiros desempenharam papel imprescindível na organização e posterior transformação do espaço (ultrapassando dificuldades de ordem natural e econômica) oportunizando mudanças físicas e socioeconômicas. (PFEIFER, 2002. p. 15). É oportuno que se questione sobre os motivos desta repetição de

memórias muito semelhantes por um razoável período de tempo. Algumas

razões certamente podem ser apontadas, como a falta de pesquisas em

história local, realizadas em maior profundidade e com rigor científico, que

ultrapassem estes limites estabelecidos por uma historiografia até então

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embasada nas narrativas oficiais e nos relatos produzidos pela própria

empresa colonizadora. Jacques Le Goff, em História e Memória, aborda este

tipo de situação, apontando a apropriação do passado das populações por

parte do poder estabelecido, como forma de domínio do seu presente, ou seja,

um processo de construção de memórias centradas nos interesses do Estado e

das classes dominantes. Sobre o poder que reside nas memórias, Jacques Le

Goff define: [...] ela faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando todas pelo poder e pela vida, pela sobrevivência e pela promoção. (LE GOFF,1984. p. 46) É preciso salientar que a presente pesquisa pretente rever a perspectiva

das narrativas até então produzidas sobre a cidade de Salgado. O autor

trabalhou com a possibilidade de travar conhecimento com narrativas de

trajetórias individuais, familiares e comunitárias ricas em vivências e memórias

que podem acrescentar novas cores, abordagens e perspectivas aos relatos

históricos quase monocromáticos circulantes em meio a atual população de

Salgado Filho e nas raras publicações existentes sobre o tema.

É possível ancorar as discussões sobre as representações repetitivas e

quase uníssonas em relação a história da cidade com base no conceito de

Discurso Fundador, conforme Eni Orlandi: Essa é também uma das características do discurso fundador: a sua relação particular com a filiação. Cria tradição de sentidos projetando-se para frente e para trás, trazendo o novo para o efeito do permanente. Instala-se irrevogavelmente. É talvez esse efeito que o identifica como fundador: a eficácia em produzir o efeito do novo que se arraiga, no entanto na memória permanente (sem limite). Produz desse modo o efeito do familiar, do evidente, do que só pode ser assim (...). O fundador busca a notoriedade e a possibilidade de criar um lugar na história, um lugar particular. (ORLANDI, 2005, p. 14).

Fica bastante evidente nos relatos dos entrevistados e em fragmentos

de documentos da época do povoamento de Salgado Filho a ação da

Companhia de Terras e do poder político local no sentido de criar um “discurso

fundador”, quando se propõem a criar uma nova cidade, que traria progresso,

riquezas, conforto e prosperidade aos seus moradores. A companhia de terras

valia-se de uma situação desconfortável para os agricultores do Rio Grande do

Sul e de Santa Catarina, que viveram um processo de fragmentação das

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propriedades rurais em razão da herança, além da degradação do solo pelo

uso tradicional e prolongado.

Neste caso, o processo de convencimento feito pela Colonizadora

Erechim, para promover a migração e o povoamento, se baseava na

propaganda das terras de Salgado Filho, e que salientavam a suposta

elevadíssima fertilidade, o preço baixo das terras e a ausência de embates pela

sua posse. Na década de 1950, a Colonizadora Erechim intensificou a

propaganda direcionada àqueles colonos sulistas. O fragmento abaixo é de um

impresso, uma espécie de panfleto impresso em tipografia e fartamente

distribuído em determinadas regiões do Rio Grande do Sul e de Santa

Catarina: A “INDUSTRIAL COLONIZADORA ERECHIM LTDA.”, oferece para venda uma das maiores áreas de terras até agora colonizadas. Trata-se de 2.200 colônias de puro mato branco e parte de pinhal, terras das mais férteis, servidas com águas abundantes, localizadas na zona mais rica do Oeste Paranaense, na divisa com o Estado de Santa Catarina constituindo parte dos novos municípios de marrecas, Barracão e Santo Antonio.

De modo explícito e eficaz a colonizadora estabelecia o “mito fundador”

de Salgado Filho, que deveria ser um lugar de prosperidade e riqueza, uma

espécie de “terra prometida” para estes agricultores sulistas. Na sequência do

mesmo documento (propaganda), menciona que: Comprar terras desta Companhia, será adquirir riquezas com pouco, por que as terras que esta Companhia lança à venda, são, ainda das mais baratas e adquiri-las agora será um ótimo emprego de capital e certeza de um futuro promissor. Acham-se ligadas à estrada federal estratégica de Santo Antonio, Marrecas, Pato Branco, Clevelândia e Porto da União por ótima estrada construída pela própria Companhia que dispõe para isso de maquinário mais moderno. Trata-se de um discurso afirmativo direcionado aos agricultores que

possuíam poucas terras em seus locais de origem. Procura-se convencê-los de

que vendendo as terras eles conseguiriam o valor suficiente para adquirir áreas

muito maiores em Salgado Filho. É interessante sublinhar a expressão “futuro

promissor” e “adquirir riquezas”, como a síntese daquilo que se apregoava

sobre a fundação da cidade de Salgado Filho. A propaganda prossegue

assegurando a existência de “boas estradas” para cidades vizinhas e “sertão

adentro”, e o pleno andamento de obras como igrejas, escolas, moinhos e

“uma usina elétrica movida por força hidráulica”.

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.Outra afirmação interessante deste documento diz respeito ao poder

político local, quando afirma que “As autoridades municipais do novo município

de Barracão, já escolheram o povoado SALGADO FILHO, para sede de um

dos Prósperos Distritos daquele município.”.

Considerando que o Oeste e Sudoeste do Paraná viveram nas décadas

de 50 e 60 intensos conflitos agrários, grilagens, venda de terras com

documentação irregular, justifica-se o modo como a Colonizadora Erechim

encerra a referida propaganda escrita afirmando que: A Companhia possue todos os documentos de DOMÍNIO – POSSE, e, por isso, está capacitada a escriturar no ATO DA VENDA. O comprador receberá no momento da compra, a terra devidamente ESCRITURA E REGISTRADA. O documento (propaganda) pode ser analisado sob diversos aspectos.

Há que se considerar que ele cumpriu a sua função, estabelecida pelos seus

autores, na época de sua distribuição, já que acorreu um grande número de

novos moradores para o então povoado de Salgado Filho. Os imigrantes

traziam um sonho, alimentado pela propaganda da colonizadora, de um futuro

próspero, de certo modo uma reprodução social do cotidiano do pequeno

agricultor, o dito colono, em um novo cenário.

A realidade encontrada por estes imigrantes, entretanto, não

correspondia totalmente ao discurso da empresa colonizadora. Em primeiro

lugar, omitiu-se na propaganda o fato destas terras possuírem relevo

totalmente acidentado, dificultando imensamente a atividade agrícola. Quanto à

madeira existente, a sua extração comercial era inviável inicialmente, devido à

ausência de estradas, ao relevo montanhoso, ausência de indústrias e baixo

preço final da madeira pronta. Na verdade a madeira era um empecilho para a

atividade agropastoril. Usava-se o necessário para a construção de casas,

cercas e galpões e o restante das árvores simplesmente eram queimadas nas

chamadas “roçadas”, em que a terra era limpa para o plantio.

Quanto à existência das ditas “boas estradas rasgadas sertão adentro”,

alguns entrevistados deste projeto falam textualmente da sua precariedade ou

inexistência. A este respeito, Alceno Schwingel, morador de Salgado Filho

desde o ano 1953, proprietário de serraria, agricultor, em entrevista a este

pesquisador diz “Entremo eu e o meu cunhado, eu fui fazendo pique [trilha]

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com a foice e ele veio de atrás com o cavalo com o arreio pra acampar e fazer

roça, e fazê a casa. (risos) né?!” 4

As terras da região Oeste e Sudoeste do Paraná realmente eram

recobertas por densa floresta, algumas regiões com Araucárias e Erva-Mate,

outras com vegetação variada. Alceno Schwingel, que chegou a ser sócio de

uma pequena serraria, fala das dificuldades para a extração da mencionada

“riqueza” da madeira apregoada pela colonizadora. É pra colocá uma serraria véia, pra nós sofre que nem cachorro. Pra colocá uma serraria ali, aí. E daí veio pra nóis sofrê que nem cachorro. Tinha duas junta de boi. Nóis tinha, ,nóis tinha que pegá uma tora no mato. Ia lá derrubá e...,trazê prá serrá, prá depois, ih!...a turma não tinha mais dinheiro pra pagá as coisa. A gente...sofremo; (risos) mas tâmo vivo. Derrubadas a serrote, a machado e serrote...,daí rolava em cima da carroça e trazia aí na serraria,né?! Alceno relata que sofreram “que nem cachorro” naqueles tempos,

porque além das dificuldades na lida com a serraria, além de enfrentar o

serviço bruto no mato cortando as toras de madeira e transportando com

carroça até a cidade, não recebiam o devido pagamento pelo serviço. Ressalte-

se que esta foi a primeira serraria na cidade, que atendeu a muitas demandas

dos moradores. Do ponto de vista da colonizadora e dos detentores do poder

político e econômico esta era uma realidade de progresso, prosperidade e

geração de riqueza. Em relação a isso, o relato de Alceno Schwingel é

contundente, sublinhando o sofrimento e a frustração.

Estes são alguns exemplos de “outras memórias”, são representações

elaboradas por indivíduos, a partir do presente, sobre o seu cotidiano de vida

na criação da Cidade de Salgado Filho. Nota-se aí o contraditório em relação

às memórias correntes.

Inicialmente o que causa estranhamento ao pesquisador são alguns

silêncios ou ausências nas narrativas correntes na História Local, como por

exemplo, a ausência de menção sobre a presença de moradores nesta área

antes da chegada dos ditos “colonizadores”.

A maioria dos relatos memorialísticos e historiográficos sobre a História

Local de Salgado Filho afirma que o município e a cidade foram fundados por

_____________________ 4. Entrevista concedida ao autor em 16 de agosto de 2009.

14

descendentes de italianos e alemães, oriundos dos estados de Santa Catarina

e Rio Grande do Sul, deixando em plano secundário os demais componentes

étnicos da população. Há um silêncio sobre a participação de outras

composições étnicas na formação da população inicial de Salgado Filho.

Do modo como a história local é contada, tem-se a impressão que a

“colonização” é o marco zero da História Local, que antes disso não havia

História. Desta forma, os “pioneiros” não trouxeram apenas a civilização, o

progresso, o desenvolvimento, a fundação da cidade, mas a fundação da

própria História. Este seria o “mito fundador” da cidade de Salgado Filho, a

saga de colonos “sulistas”, descendentes de europeus (italianos e alemães),

liderados pela companhia de terras, que teriam cumprido sua função de

civilizadores de uma terra rica, mas inóspita e desabitada. Segundo Olavo de

Carvalho: Um mito fundador constitui-se, em geral, da narrativa simbólica de fatos que efetivamente [ou supostamente] sucederam, fatos tão essenciais e significativos que acabam por transferir parte do seu padrão de significado para tudo o que venha a acontecer em seguida numa determinada área civilizacional. (CARVALHO, 2001). Quanto ao povoamento da região Sudoeste do Paraná, é correto afirmar

que os primeiros ocupantes eram populações indígenas. Desde épocas

longínquas no tempo até o presente houve e há a passagem e aldeamentos de

Kaingang e Guaranis na região, inclusive com aldeamentos atuais muito

próximos a Salgado Filho, nos municípios de Mangueirinha e Palmas.

No território do município de Salgado Filho, e inclusive na área urbana,

já foram encontrados inúmeros artefatos em pedra, ferramentas e utensílios,

que indicam a presença de grupos indígenas nestas terras. Salgado Filho é

uma pequena parcela das terras que nas décadas de 30 e 40 do século XX

formavam o chamado “vazio demográfico” do Oeste Paranaense. O

povoamento por eurodescendes avançava de Curitiba para o Norte e para os

campos gerais de Guarapuava e Palmas. Nestes tempos os Kaingang e os

Guaranis viviam no Sudoeste do Paraná.

A certeza da presença indígena na região Sudoeste do Paraná derruba,

uma vez mais, o “mito fundador” construído com base na chegada dos

“pioneiros sulistas”. Várias populações já habitaram estas terras antes dos

imigrantes sulistas, dentre as quais estão os indígenas e os luso-brasileiros,

15

mestiços, negros e caboclos. Para melhor aprofundamento da questão

indígena na região indicam-se os trabalhos de Lúcio Tadeu Mota e Sarah

Gomes Tibes.

Há que se registrar ainda que no século XIX e início do XX estas terras

eram freqüentadas pelos descendentes dos espanhóis, os argentinos e

paraguaios que trabalhavam em toda a região na extração da erva mate.

Enfim, temos a presença dos ditos “caboclos” ou “brasileiros” que vieram

para estas terras de Salgado Filho muito antes da década de 1950. Estes, luso-

brasileiros, sem muitas posses, vinham migrando também do Rio Grande do

Sul e especialmente de Santa Catarina. Muito provavelmente uma parte destes

imigrantes era remanescente da Guerra do Contestado.

Grande parte dos nossos entrevistados concorda que havia gente

morando em Salgado Filho antes da chegada dos colonos. No entanto, estes

nativos são considerados como se fossem “os outros”, deixam transparecer

que esta era uma gente diferente, que não estava aqui para os mesmos fins e

não tinha os mesmos direitos dos pioneiros. Transcrevemos abaixo um

fragmento da entrevista com Ivanoi Centenaro, muito elucidativa sobre as

representações dos “pioneiros” sobre os que já estavam aqui: ANTONIO: Já que o Senhor falou em terra, seu Ivanoi... Quando a colonizadora veio, e vocês vieram não tinha posseiros nestas terras? Não tinha outros ocupantes? Pessoas que já moravam aqui? IVANOI: Tinha pessoas que já morava aqui, mas a... Não seriam posseiros. Seria ponto de parada, de estratégica assim... Que nem Salgado Filho, na época teria os Abreu, também nem muito posseiro porque eles se apossaram aqui da Peroba hoje pertence ao nosso município, que seria as terra da Cango. Teria um terreno que eles apossaram que seria a Peroba. Então eles usam esse ponto aqui mais como travessia pra Santa Catarina aqui né. Daí né, na questão, o primeiro município da região seria Clevelândia, né. Então eles ocupavam essa finalidade aqui pra se deslocar até Clevelândia. Ma não, não existia possero aqui. Existia safrista. Aquelas pessoas que derrubavam o mato, e daí plantavam e largava os porco. Chamavam safra, safrista. ANTONIO: E eles não eram dono? IVANOI: Não, não eram dono. Não eram dono porque eles sabiam que a divisa da Cango a coisa era muito bem traçada. ANTONIO: E quando veio a colonizadora e os moradores que compraram as terras, não teve conflito com estas pessoas? IVANOI: Não. Não teve conflito porque na época assim eles sabiam que era documentada e essa firma Erechim já veio com bastante segurança né, elas

16

vieram com bastante pessoas que protegiam, e coisa né. Não tinha reação. Teve reação daqui da outra gleba pra frente daqui, que pertencia pra Santa Catarina, aqui existia muito possero. Até aconteceu morte por causa disso aí, mas não que eles queriam se adonar das terras, né. É mais era vingança, né. Sobre os terrenos não existiu muito conflito não.”.5

Note-se que o entrevistado se contradiz. Assegura que existiam

moradores, que não eram proprietários e que utilizavam as terras para a

produção. Percebe-se aí um esforço da negação do outro, uma disputa no

sentido de manter o “mito fundador” exclusivamente nas mãos dos

colonizadores trazidos pela companhia de terras.

Uma possível causa para a mudança de opiniões durante a mesma

entrevista, afirmando certas coisas e depois as negando, seria talvez a pressão

da memória coletiva que circula no município sobre a sua memória individual.

Primeiro fala uma coisa depois muda de idéia. Primeiro fala aquilo que a

sociedade fala, o que se convencionou a afirmar sobre a cidade e seu

povoamento. Depois fala por si mesmo, revelando representações muito

pessoais sobre o seu cotidiano de vida. Ivanoi Centenaro apressa-se em

afirmar que não houve conflitos com estes posseiros, porque “essa firma

Erechim já veio com bastante segurança né, eles vieram com bastante pessoas

que protegiam, e coisa né. Não tinha reação”.

Observa-se que ao mesmo tempo em que o entrevistado afirma que não

houve conflitos, ele diz que “eles vieram com bastante pessoas que protegiam,

e coisa, né. Não tinha reação”. Pode-se deduzir que a companhia de terras

tinha uma presença autoritária e truculenta, levando em conta a presença

destas “pessoas que protegiam”. Estes seriam então seguranças, pistoleiros ou

talvez jagunços.

A pesquisa realizada conseguiu captar algumas vozes discordantes,

geralmente oriundas de pessoas ligadas a associações de moradores,

sindicatos e outras entidades congêneres. Destaca-se aqui a iniciativa de um

grupo de moradores da Comunidade de Linha São Roque, no entorno da

cidade de salgado Filho, que criou uma associação destinada a discutir seu

cotidiano de vida, suas relações de trabalho, suas histórias de vida e propor

_____________________ 5. Entrevista concedida ao autor em 26 de novembro de 2008.

17

mudanças a serem vivenciadas coletivamente. Denominada Associação São

Roque, publicou em livro a sua forma de organização, a visão de mundo de

seus membros, incluindo idosos, mulheres, jovens e crianças. Foi uma

experiência interessante de retomada e reelaboração de suas memórias com

vistas à reafirmação de suas identidades. Sessenta por cento dos jovens do município de Salgado Filho, que estudam à noite, vêm do interior, a maioria deles estuda com o objetivo de ter um emprego. Hoje, no meio urbano, o emprego sem qualificação da mão de obra já não existe mais, mesmo que ainda se trabalhe com esta idéia até na escola. É que a cultura torna muitas coisas como que automática em nossas vidas, vamos fazendo sem pensar muito. Quando pensamos, temos condições de ir mudando a realidade em movimento. (ASSOCIAÇÃO SÃO ROQUE, 2000, p.46). Nota-se neste fragmento do livro da Associação São Roque uma visão

diferenciada sobre a inserção do jovem no espaço urbano, em contradição com

a apregoada cidade perfeita, desenvolvida, e com oportunidades iguais para

todas as pessoas. O texto demonstra a clareza que estes membros da

associação têm do processo de exploração de mão de obra na cidade.

A maior parte das produções existentes sobre a História Local são

publicações oficiais da Prefeitura Municipal ou por ela patrocinadas, veiculando

de forma predominante as verdades próprias do poder econômico e político

local, dando destaque para o desenvolvimento econômico e as obras

realizadas pelo poder público e o nome das autoridades que as fizeram

construir. Um pequeno texto sobre a história de Salgado Filho disponível no

site oficial do município, relatando sobre um determinado projeto de

implantação de plantações de parreiras, ressalta que: O incentivo começou durante o governo de Sperandio Ângelo de Conto (1983-1989), e retomado com firmeza no governo Amarildo Smaniotto (1997-2000), o qual através da lei nº 012/97, concedeu aos produtores rurais do Município, incentivos e estímulos de videira e formação de parreiras com doação de mudas de videira e em comodato, palanques de concreto, política adotada também pela atual administração Irceu Picini/Sperandio Ângelo de Conto (2001-2004). (Site Oficial, 2008)

O relato dá grande destaque às autoridades que fizeram acontecer o

projeto de implantação de parreirais, silenciando sobre outros aspectos do

processo de implantação desta nova atividade econômica no município. Não

menciona, por exemplo, o modo como ocorreu o processo de discussão sobre

esta nova alternativa, quais as dificuldades enfrentadas, quem foram as

18

famílias que aderiram ao projeto e qual a visão delas sobre todo o projeto.

Outro aspecto interessante neste texto é que ele sequer menciona os demais

prefeitos municipais que governaram o município na vigência deste projeto de

parreirais e qual teria sido a sua contribuição para o mesmo, porque estes

prefeitos eram de um grupo político antagônico ao grupo que estava no poder

por ocasião da elaboração do referido texto. Neste projeto para transformar

Salgado Filho em um grande produtor de uvas, a Prefeitura Municipal doava as

mudas de parreira, os palanques e a assistência técnica e o produtor entrava

com o arame necessário. Se a plantação não desse bons resultados, o

produtor teria que devolver os palanques e pagar o valor das mudas de

parreiras. Ainda sobre este projeto de parreirais, a Associação São Roque, em

seu livro, ressalta que: Nossa esperança começou a ficar menor quando pegamos as primeiras mudas eram muito fracas, com problemas nos enxertos e pouquíssimas raízes. (...) Começamos a discutir a qualidade das mudas e resolvemos devolver uma parte, então apesar de não gostar muito, o pessoal da administração aceitou as mudas de volta e nos deram mudas de melhor qualidade. As mudas se desenvolveram devagar, mas pelo menos se desenvolveram. Já no ano de 1998 a coisa ficou pior. À primeira vista as mudas pareciam ser um pouco melhor, mas só aparentemente. (...) Como não tivemos bons resultados resolvemos saber realmente o porquê das mudas estarem daquele jeito. Encaminhamos então amostras de nossas mudas para Curitiba, para exame, e quando o exame veio, comprovou aquilo que já suspeitávamos: as mudas estavam realmente com problema de contaminação de fusiorun oxysporun associado à podridão de raízes. (ASSOCIAÇÃO SÃO ROQUE, 2000, p. 100). Neste cenário constata-se a contradição entre as várias representações

que os indivíduos e grupos elaboram sobre os acontecimentos. Cada indivíduo

possui ou elabora a sua versão dos fatos, de acordo com o modo com que ele

os vivenciou ou e de acordo com os mais variados fatores que o influenciam. E

assim, conforme os indivíduos interagem nos mais diversos grupos que

freqüentam na sociedade, são influenciados e ao mesmo tempo influenciam na

sedimentação de memórias pessoais e coletivas. Por outro lado, ocorre a

formação da memória hegemônica, construída e disseminada geralmente pelos

detentores do poder econômico, político, social ou dos meios de comunicação.

A publicação do livro pela Associação São Roque é um raro caso em

que grupos minoritários conseguem a autonomia necessária para fazer frente a

grupos majoritários na conjuntura de poder local, expondo suas análises

publicamente, registrando as suas representações, a significação dada aos

19

acontecimentos e contribuindo para elaboração de memórias próprias de suas

vivências.

Nas entrevistas que produzimos neste projeto estão presentes memórias

que variam entre a reprodução da saga transformadora e civilizadora dos

imigrantes gaúchos e catarinenses e relatos divergentes da história oficial e

corrente.

Um dos entrevistados, Ivanoi Centenaro, relata seu cotidiano de vida na

cidade de Salgado Filho, apoiando a sua inserção na vida urbana, através de

seu trabalho profissional como carpinteiro e operador de máquinas da

prefeitura municipal e também pela sua vida social e religiosa, a participação

em um clube social local e nas atividades sociais e religiosas da igreja católica

local. Ivanoi comenta sobre algumas dificuldades do passado, mas centra a

sua fala na repetição do discurso do colonizador sulista que traria o progresso,

a transformação da natureza para a construção da sociedade ideal. Ele mesmo

se insere neste processo, como colaborador do progresso. IVANOI: (...) Não construí, mas ajudei a desmanchar uma das primeiras pontes de Salgado Filho, né?! Então seria esta foto, pra mim, uma referência, né, assim, do meu trabalho, né? Além de desmanchar esta, foi construída outra de alvenaria. Então saiu da madeira pra alvenaria. Pra mim, seria já um passo, assim, de progresso.

Nesta e em outras falas, Ivanoi costura a sua relação com a cidade

basicamente através do trabalho, como funcionário público que foi, com

“carteira assinada”, como ele reforça.

Em outros momentos de suas falas, os entrevistados relembram as

dificuldades pelas quais passaram no início do povoamento e algumas

dificuldades do presente.

Nas entrevistas realizadas, os colaboradores foram convidados a

mostrar as fotografias mais interessantes, sob seu ponto de vista, que

ilustrassem a sua vida na cidade ou em seu entorno. Ivanoi Centenaro

escolheu a foto abaixo, de sua propriedade, em que aparecem ele e seus

companheiros de trabalho desmanchando uma determinada ponte na entrada

do vilarejo que viria ser a cidade de Salgado Filho.

20

Imagem 01, cedida por Ivanoi Centenaro, década de 1950, autoria atribuída a Osvino Krause

Ao analisar esta imagem é possível observar a nítida intenção do autor

em enquadrar tanto a ponte que estava sendo demolida para dar lugar a uma

nova ponte, quanto os trabalhadores, que se apresentam com ferramentas e

trajes de trabalho. Pode-se afirmar que esta fotografia é uma produção cultural

do fotógrafo, que escolheu o ângulo de sua preferência, mostrando aquilo que

queria mostrar e deixando de mostrar o que supostamente preferia ocultar. É

também uma produção cultural dos personagens fotografados, onde cada um

se coloca do modo como quer aparecer para “a posteridade”. Observe-se que

dois deles fazem gestos com os braços, demonstrando força. Outro

simplesmente trabalha, outro cruza os braços, e assim por diante.

Observe-se que a imagem foi tomada a partir da cidade, tendo ao fundo

apenas mais duas construções. Se o fotógrafo tivesse se posicionado no lado

contrário apareceria a ponte e o que seria a cidade nesta época. Cabe aqui um

questionamento sobre a intencionalidade ou não de fotografar apenas a ponte,

o início da estrada e o vazio urbano que ao fundo aparece.

A propósito, a parte da estrada que aparece ao fundo da imagem, em

uma ladeira, era um dos principais acessos à cidade, e não se parece em nada

com as “boas estradas” anunciadas pela colonizadora.

Em outro momento da entrevista, Ivanoi passa a relatar as dificuldades e

as decepções em relação ao não desenvolvimento urbano apontando

21

exatamente o tema da foto (transporte/comunicação) como razão para a

frustração do esperado desenvolvimento da cidade. IVANOI: (...) E naquela época a hoje, não teve como também muito a se desenvolver porque nós ficamo num lugar que não tinha acesso. Agora há pouco tempo que começou ter acesso, asfalto e coisa. Então nós teria uma rota fora de mão, né. Que chama-se assim uma rota que ficou fora de mão. Mas em si a cidade não, não cresceu muito no...do que a gente esperava, mas tudo que é da nossa necessidade aqui do nosso município nós temos, né. Então... A não ser agora que foi fechado o nosso hospital que no restante tudo que se precisaria, teria, né. (...) Por aí ela teve a evolução dela. Mas nós almejasse que fosse mais, né. (...) Aí fica bem mais difícil da turma adquiri uma casa, uma moradia digna e coisa...Então por isso que a cidade não cresce tanto, né. Quando o entrevistado fala que a cidade ficou uma “rota fora de

mão” ou um “um lugar que não tinha acesso”, está se referindo ao fato

de que a cidade de Salgado Filho permaneceu isolada das demais

cidades da região, sem um acesso por asfalto. Apenas nos anos 80 foi

construída uma rodovia pavimentada, dando acesso a Francisco Beltrão

e a outros municípios da região. Mesmo assim, Salgado Filho continuou

“fora de mão” porque ninguém passava pela cidade. Existia apenas um

acesso pavimentado, com vinte quilômetros de extensão. Apenas nos

anos 90 foi feito um segundo acesso pavimentado com asfalto, com dez

quilômetros de extensão, ligando a Barracão, Argentina e Santa

Catarina.

Ao se produzir um documento oral, o entrevistado parte sempre

do presente para formular seus relatos sobre as memórias que elabora

sobre seu passado. Percebe-se aqui que Ivanoi comenta sobre o

problema de acesso à cidade, hoje algo superado. No entanto, ele

amplia a sua análise do cotidiano da cidade ao falar do desemprego e do

fechamento do único hospital da cidade, ocorrido recentemente. Cabe

ressaltar que na produção de uma entrevista de História Oral o passado

e o presente dialogam, conjugam-se na elaboração das memórias e

identidades.

Percebe-se aqui, uma vez mais, a frustração das pessoas pela

promessa de progresso e riquezas que surgiriam no processo de

povoamento e colonização, segundo a companhia colonizadora. Hoje a

cidade não é mais fora de mão, pois as pontes e rodovias finalmente

22

foram construídas, mas o progresso, os empregos e a prosperidade não

vieram.

A esposa do Senhor Ivanoi, Senhora Loni Centenaro, também

entrevistada nesta pesquisa, revela pontos interessantes sobre suas

vivências na cidade. Ela jamais teve uma ocupação profissional formal e

não esconde a sua frustração por isso. Ela apóia seu relato em uma

imagem fotográfica diversa de seu esposo. Enquanto ele apresentou

uma imagem relativa ao trabalho, em idade madura, ela escolheu uma

imagem de um acontecimento inesperado, extraordinário, uma nevasca

que se abateu sobre a cidade no ano de 1965, quando ela vivia seus

dias de plena juventude. Em seu relato, a partir da fotografia da nevasca,

Dona Loni externa suas memórias mais relacionadas ao lúdico, à

confraternização. LONI: Bom, eu escolheria aquela foto da... Daquela época da neve... Que foi feito de brincadeira, que foi inventado de fazê bonecos e de neve... E daí saiu aquela que foi tirada a foto, né. Daquele boneco de... Da neve na União da Serra, que aquela época se chamava a Linha Belvedera. E daí a juventude lá ajuntaram, na parte da manhã... Com uma coisa muito bonito de ver aquilo que nunca ninguém tinha visto. O amanhecer daquele dia, né... De acordar pela manhã e ver... Parecia que o mundo tinha acabado. Da gente não vê uma coisa verde, tudo branco.6

Imagem 02, cedida por Loni Centenaro, ano 1965, autoria não determinada. ______________________________ 6. Entrevista concedida ao autor em 26 de novembro de 2008.

23

Através da análise da imagem, é apropriado considerar que os

personagens fotografados e o autor da imagem tinham a clara noção que

estavam produzindo um documento para a posteridade, tendo em vista o

caráter raro e extraordinário do acontecimento. O cenário foi cuidadosamente

preparado, um boneco de neve confeccionado, as pessoas muito bem vestidas

para a época, dando um caráter solene ao evento e o detalhe imprescindível, a

data gravada no próprio boneco. Note-se que o boneco de neve está com arma

de fogo no cinturão, revelando um comportamento bastante comum entre os

homens nos anos 50 e 60 nesta região.

Em referência ao cinturão colocado no boneco de neve, com um

revolver, verdadeiro ou imitação, traz à tona comportamentos e fatos

geralmente silenciados na História Local, ligados à violência. De modo geral, os

relatos circulantes não mencionam as disputas, brigas, assassinatos e

perseguições. Tem-se a impressão que a cidade tem um passado totalmente

pacifico, o que não corresponde à realidade.

Na medida em que se faz uma leitura mais profunda das fotografias e

dos documentos orais produzidos a partir delas, observa-se com maior nitidez

as ricas possibilidades de pesquisa se conjugando História Oral e Fotografia.

Assim como a memória é um campo de profundas disputas, a fotografia

também entra no rol de disputas e negociações, no estabelecimento de

narrativas e representações divergentes sobre a mesma imagem. Esta

fotografia do boneco de neve, de autoria não conhecida, segundo o relato de

Dona Loni, foi feita em um determinado local, a Linha Belvedera, onde ela

residia com sua família. Outros relatos, no entanto, dão conta de que esta

fotografia foi produzida na Comunidade de Flor da Serra, verificando-se uma

divergência em relação à produção desse documento histórico. Naquele dia a

nevasca atingiu todo o território do município de Salgado Filho e certamente

foram feitos vários bonecos de neve em diferentes lugares, mas nem todos

foram fotografados. Como existe um grande número de fotografias referentes a

este evento em circulação no meio social local, é possível notar que algumas

pessoas e grupos, como é o caso de Dona Loni, reivindicam as imagens

existentes como o “seu boneco de neve”.

Analisando esta outra imagem, cedida por Graciano Ribeiro Dias,

produzida nos anos 50, pode-se perceber a intensidade do uso de armas por

24

Imagem 03, cedida por Graciano Ribeiro Dias, década de 1950, autoria não determinada.

uma parcela da população daquela época. O próprio Senhor Graciano,

conhecido por “Cassiano”, fez diversos relatos de brigas em bailes,

assassinatos, torturas e outros tipos de violências, que relutam em aparecer

nos relatos oficiais da História Local.

Nesta imagem, “Seu Cassiano”, o primeiro da direita, aparece armado,

servindo bebida a um de seus companheiros. Note-se que na foto, pelo menos,

faz-se questão de deixar as armas na parte da frente, bem à mostra. Talvez

esta combinação de arma e bebida alcoólica seria uma espécie de código de

masculinidade. Certamente é uma imagem reveladora do cotidiano de Salgado

Filho nas décadas de 50/60, que merece um estudo mais aprofundado.

Por outro, a continuação da narrativa da Senhora Loni revela algumas

de suas memórias sobre a cidade e a sua inserção nela. O seu relado mostra a

frustração de suas esperanças na “cidade prometida”, no lugar idealizado que

atenderia a todas as necessidades dos moradores, segundo a história oficial: LONI: Aqui na cidade foi difícil... pra gente mulher não foi fácil, (...) pra ir embora... Depois não tinha como sair... Mas pra mim não foi fácil porque pra mulher não tinha emprego aqui. Não tinha serviço. E a gente não tinha terra onde trabalhar. Então não foi fácil, a gente sempre cuidou a casa... costurava um pouco pra fora, ia ganha uns troquinho. Faze alguma coisa aqui, ali, tranquila, casada, fui levando como dava. A gente não pode ter mais... Com o que a gente ganhou a gente não teve como. A gente não conseguiu muita empresa... lugar pequeno,... não vai pra frente não. Então a idéia da gente era

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de ir embora pra um lugar que poderia ter emprego. Mas não foi fácil, não. Só que a vida da gente era pra ser aqui... Como os filhos foram embora e agora tão voltando de novo, decerto nosso lugar é aqui. (...) Se o lugar fosse pra frente, a gente poderia saber se ele vai pra frente... nunca ia ser uma cidade grande, mas a gente tinha esperança. (...) Que a gente esperô, esperô. Por falta de serviço, por falta de trabalho a gente não conseguiu. Trata-se de um depoimento dramático, dando conta de uma existência

alimentada pela esperança de uma melhor colocação profissional e social, a

espera da abundância material. A Senhora Loni fala devagar, com voz baixa e

firme, demonstrando uma forte carga emocional em suas palavras.

É possível perceber representações contraditórias no âmbito da mesma

família. Enquanto Ivanói se considera uma pessoa realizada profissionalmente,

apesar de suas expectativas não terem sido atendidas plenamente, Loni

expressava com clareza a sua frustração por ter ficado apenas em casa,

esperando, executando trabalhos não formais e pouco remunerados. Esta é a

riqueza da História Oral, discutida por Portelli, pois através dela cada indivíduo

constrói a sua representação sobre o mesmo processo ou acontecimento.

Dona Loni é filha de agricultores e vinha de uma realidade em que os

papéis sociais de gênero eram bem definidos, onde a mulher era responsável

pelos afazeres domésticos e também ajudava praticamente em todos os

serviços da lavoura. É possível que a frustração revelada em sua narrativa

resida no fato de eles não possuírem ou terem pouca terra para trabalhar em

Salgado Filho depois de casados. Então ela não se realiza, pois não consegue

reproduzir o papel social da mulher em sua comunidade de origem. Também

se frustra porque surge um novo papel social para a mulher na nova cidade

que se funda, o da mulher que trabalha fora de casa, que tem uma ocupação

formal remunerada. Ela, no entanto, jamais teve um emprego formal.

Em seu relato, Dona Loni externa elementos que caracterizam a cidade

sonhada e a cidade real, aquilo que se esperava ou ainda se espera da cidade

e aquilo que efetivamente se torna realidade na vida concreta de seus

habitantes.

Outra entrevista realizada foi com a Senhora Josephina Maria Titon

Krause, 74 anos e moradora de Salgado Filho desde o ano de 1953. ‘Dona

Pina’, como é conhecida, faz um longo depoimento sobre a sua vida na cidade,

ancorando suas memórias nas diversas atividades que desenvolveu na cidade.

26

Sua narrativa está focada no “tempo em que foi” professora, catequista da

Igreja Católica, rezadeira, costureira e também nas grandes dificuldades que

enfrentou, especialmente quando esteve muito doente e também quando

faleceu uma filha com dois anos de idade e em outra ocasião o falecimento de

outro filho, com apenas 35 dias de vida: PINA: “tinha chovido. Dai eles foram e eu fiquei, imagina! Ver a menina daquele jeito, eu fiquei chorando. Meu irmão Mário falou pra mim me acalmar, a enfermeira vaio em trazer um chá, falou, falou, falou que agora ia ser melhor, que eles iam levar pra fora ia ser melhor, não era pra mim me preocupar. Ai eu disse, você acha que eu não vi o médico falar que a coisa não ta boa. Infelizmente é verdade, daí me bateu o desespero, um desespero, daí daquele dia lá eu fiquei ruim, fiquei ruim. Eles foram pra Curitiba e eles não vinham, daí quando fazia 8 dias, veio o homem que tinham ido pra lá e falou que ainda não tinham conseguido consultar, ver o que, que a menina tinha nas vista, mas daí até que vem de lá até aqui, dá 2 ou 3 dias. Daí o terceiro que veio de lá disse que tinham tirado a vista da menina, daí ela ficou boa, ai nós fomos lá, o médico falou, olha, nós vamos poder colocar uma vista nova nela. Quando foi de repente, 6 meses depois, começou dar um negócio na menina, começou inchar, inchar, inchar [a vista], ficou que nem um tumor e de vez em quando sangrava, saía aqueles pedaços de carne; daí levamos e ele [o médico], falou que não tinha o que fazer. Daí ficamos, daí ele durou de julho até setembro ela durou.7 Ao se recordar destes acontecimentos, Dona Pina emociona-se e chora.

Demonstra estar bastante apegada a estas lembranças de tempos bastante

sofridos para ela e sua família. Ela vê a cidade a partir da carência, da falta de

assistência médica e das dificuldades para procurar recursos médicos em

outros lugares. Centra seu relato em um cotidiano de sofrimento, pela doença e

perda de sua filha e também da perda de outro filho recém nascido. A presente

pesquisa mostra, com este depoimento, o cotidiano de pessoas cujas

memórias ainda não foram levadas em conta no registro da História Local.

Pessoas simples, trabalhadores, mulheres.

Outro morador entrevistado foi o Senhor Euzébio Aurélio Sponchiado, 78

anos de idade, morador de Salgado Filho desde o ano de 1953. O Senhor

Aurélio, como é conhecido na cidade, relata parte de suas memórias sobre a

cidade de Salgado Filho, contando detalhes de sua vida como comerciante

local e relembrando de seu cotidiano como jogador de futebol amador pelo

Clube Juventus, da mesma cidade. Insiste em contar detalhadamente sobre o

____________________ 7. Entrevista concedida ao autor em 14 de abril de 2009.

27

episódio do falecimento de um de seus companheiros do time, por ter fraturado

uma perna durante um jogo. O Senhor Aurélio revela uma informação bastante

interessante sobre o povoamento da cidade e seu entorno, dando a conhecer

moradores que aqui estavam antes da chegada dos migrantes trazidos pela

colonizadora. Ele conta sobre os clientes de sua loja e inclui nesta categoria a

“caboclada”: EUSÉBIO: Sim, então a Erechim a gente fornecia um vale, Requesição a gente fornecia fim do mês, daí ele vinha e acertava. Agora tinha assim a caboclada que vinha aqui e comprava três metros, por exemplo, um pra faze uma camisa,. Chegava e te pagava. (...) Dinheirinho vivo, e depois sobrava dinheiro, não conheciam dinheiro. A gente se fosse dize assim nunca tirei um tustão de um coitado. Não! Eu quis trabaiá certo porque meu pai é. Quando saí e vim pra cá meu pai disse: - Olha filho, tu seja certo, o metro, o peso e a conta. (...) Então a gente negociava até que tinha um real, que hoje é um real, né. Naquele tempo era mil réis. Mai olha, balança não conheciam, milho... Viviam de milho. Era à mão, era espiga contada, depois nós viemo, nóis pesava o milho e com a balança, né! A firma Erechim tinha três tratorzinho que pra derruba uma árvore então tinha primeiro que destoca em roda, corta as raiz e depois chega com o tratorzinho pra podê derruba uma árvore e abri uma estrada. (...) Olha naquele tempo pertencia a Barracão. Era o município de Barracão. Então vinha botava um inspetor, subdelegado, mas quando que é que é no fim, pensa bem, esses aí era pra criar mais (confusão). Sabe o que que acontece, acontecia que era aquele coitado lá sem merecer, daí dava a favor que vinha dar uma queixa para você. E você dava razão pro outro. Sabia, depois talvez o pistolava só por causa que ficava com raiva, né. Eu levantava quando clareava o dia. Bom tempo que reunia porco duas, três hora da madrugada, pega balança nas costas, balança de vara e cordinha ou i com carroça porque pra trazê os porco, se era porco que engordava na roça, daí a gente trazia tocado, olha da oito, nove, dez quilômetros. E comprava também dos safristas, né. (...) ANTONIO: O Senhor lembra de algum safrista? Assim, o nome? EUSÉBIO: Mais olha, Arlindo Cordeiro, Geraldo Bilibiu, Eurico Gomes e o Gildo Vieira. Até esse Antonio Mostarda ali que pegava e engordava bastante. Ali o Costro, o Moisés Abreu”.

ANTONIO: E esses safristas eram donos ou posseiros? EUSÉBIO: Eles eram posseiros e vieram aqui, entraram ali. Cortavam aqui, ano que vem cortavam lá. Esses safristas ali, eles acostumaram a cortar este ano aqui outro ano lá.8

O depoimento do Senhor Aurélio Sponchiado oferece a possibilidade de

discutirmos a afirmação fartamente divulgada na História Local de Salgado

Filho, de que os migrantes gaúchos e catarinenses, a maioria deles descentes

_____________________ 8. Entrevista concedida ao autor em 14 de maio de 2009.

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de italianos e de alemães, chegaram a uma terra desabitada, como pioneiros

do povoamento, e que contaram com toda a infra-estrutura necessária ao

“desbravamento” destas terras. O Senhor Aurélio, ao referir-se à “caboclada” e

aos “safristas”, está assegurando que aqui residiam outras pessoas, as quais já

praticavam uma atividade econômica que era o sistema de “safras de porcos”.

Ao ressaltar que os “caboclos” tinham dinheiro e pagavam suas contas com

exatidão, demonstra um preconceito então existente.

Ao referir-se à “caboclada”, no singular, Seu Aurélio deixa bem clara a

distinção do “nós” e dos “outros”. Nesta sociedade “colonizadora” de Salgado

Filho dava-se muito valor às “pessoas de origem”, que seriam neste caso os

descendentes de italianos e de alemães. Os “outros”, vistos como de menor

importância no processo de ocupação, eram os caboclos ou simplesmente

“brasileiros”, tidos como não muito afeitas ao trabalho e possuidores de outros

defeitos. Por isso, Seu Aurélio ressalta que os caboclos faziam compras em

sua loja e pagavam à vista.

Cabe esclarecer o termo “safrista”, muito empregado ao referir-se aos

anos de início do povoamento de Salgado Filho. As safras de porcos

consistiam em fazer um roçado em meio à floresta, deixar secar por alguns

dias e atear fogo. Em seguida, plantava-se o milho nesta clareira. Quando o

milho estava maduro para ser colhido, soltava-se uma determinada quantidade

de porcos na roça e os animais permaneciam ali se alimentando até devorarem

toda a plantação. Algumas vezes eram transferidos para outras áreas

plantadas. Quando finalmente estavam prontos para o abate, eram tocados até

a cidade, em caminhadas que duravam muitas horas. Na cidade os porcos

eram vendidos para os comerciantes, que então faziam a venda e o transporte

dos animais para os frigoríficos de Ponta Grossa e Curitiba. Cabe ressaltar que

os referidos “safristas”, em sua maioria, eram “caboclos”, não eram donos das

terras que usavam e chegaram em Salgado Filho antes dos “colonizadores”.

Por outro lado, nas memórias de Seu Aurélio, verifica-se a pouca

estrutura que a colonizadora dispunha para auxiliar os compradores de terras e

transparece ainda a total ausência do poder público para assegurar os direitos

fundamentais destas pessoas que aqui residiam, realidade muito diferente do

divulgado nas propagandas da Colonizadora Erechim, e distribuídas no sul do

Brasil para atrair novos compradores para estas terras.

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III – IMPLEMENTAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROJETO Seguindo os pressupostos metodológicos estabelecidos pela

coordenação do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, vinculado

à Secretaria de Estado da Educação – SEED, no Estado do Paraná, o presente

projeto conta com dois grandes eixos de ação. O primeiro deles foi a pesquisa

científica e metodológica sobre a História Local, com base nos pressupostos

teóricos da História Oral, Fotografia e Memória. O segundo eixo de ação é a

implementação do projeto de intervenção pedagógica no Colégio Estadual

Padre Anchieta, na cidade de Salgado Filho.

A implementação pedagógica consistiu na realização de um trabalho

conjunto deste pesquisador com os demais professores de História da referida

escola, professores de áreas afins, funcionários, equipe pedagógica e alunos

de duas turmas de terceiras séries do Ensino Médio, totalizando cerca de

cinqüenta alunos.

Saliente-se que o projeto foi construído com base em estudos realizados

durante o primeiro ano do programa PDE, com intensas pesquisas

bibliográficas e encontros presenciais de estudos realizados no âmbito da

Universidade Unioeste, Campus de Marechal Cândido Rondon, contando com

a orientação da professora Dra. Meri Frostcher. Este foi um período muito

importante de embasamento teórico e suporte metodológico às ações que se

seguiriam. Em paralelo a estes estudos, este pesquisador realizou ampla

pesquisa documental, bibliográfica, iconográfica e através de fontes orais sobre

a História Local (de Salgado Filho) e da região Sudoeste do Paraná.

Em seguida, o projeto foi apresentado por este pesquisador aos

professores de História, professores de áreas afins, equipe pedagógica e

funcionários da escola, sendo discutido e avaliado durante vários encontros

presenciais por este grupo denominado de “grupo de apoio”.

O principal objetivo do projeto de implementação foi contribuir no

processo ensino/aprendizagem de História, através da realização de estudos

teóricos com os alunos, sobre História Oral, História Local, memória e

fotografia e através da realização de trabalhos de campo, entrevistas, produção

de fotografias, recolhimento de fotografias junto a moradores da cidade, e

análise de fotografias.

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Sob a coordenação da Professora Vanda Krause e do Professor

Agustinho Gonçalves, titulares da disciplina de História no Colégio Estadual

Padre Anchieta, foram realizadas várias discussões a respeito das memórias

correntes (oficiais) e possíveis memórias alternativas ou silenciadas na história

local, buscando sugestões de nomes de possíveis colaboradores a serem

entrevistados.

Na sequência do projeto, foram realizadas diversas entrevistas com

moradores de Salgado Filho, sendo a maioria delas com a presença e

participação ativas de alunos. Estas entrevistas tiveram enfoque nas possíveis

memórias sobre a transformação do espaço urbano e as vivências e

significados atribuídos pelos seus moradores, e possibilitaram que estas

discussões fossem levadas às salas de aula do Ensino Médio.

Foi neste momento da implementação que percebemos um salto

qualitativo na relação do aluno com a disciplina estudada, constatando-se que

em atividades práticas, de campo ou de laboratório, há um maior envolvimento

do aluno com a aprendizagem.

Outra atividade de campo proposta aos alunos foi a produção de uma

fotografia da cidade, que representasse a sua inserção neste espaço. A

atividade foi realizada duas vezes, uma no início do projeto e outra ao final.

Cada um dos cerca de cinqüenta alunos, com a assistência de professores e

demais membros da equipe de apoio, produziu uma fotografia da cidade,

mostrando o lugar da cidade onde ele se sentia melhor inserido. Cada aluno

redigiu também uma breve justificativa para a escolha daquele local para ser

fotografado. Ao final do projeto, após a realização dos estudos teóricos, os

alunos voltaram a campo para refazer a atividade da fotografia, com o mesmo

enunciado anterior, a produção de uma fotografia que melhor representasse a

sua inserção no urbano de Salgado Filho, anexando uma pequena justificativa.

As fotografias e justificativas de ambas as etapas foram transformadas em

material multimídia e abalizadas em sala de aula, percebendo-se que ocorreu

uma mudança significativa no foco das imagens entre uma e outra etapa. Na

primeira atividade os alunos produziram basicamente imagens panorâmicas da

cidade, vistas gerais, e fotos de pontos considerados turísticos na cidade, como

a igreja católica, o parque de exposições, a caixa de água em forma de

garrafão de vinho, o prédio em forma de pipa de vinho. Já na segunda etapa,

31

após os estudos sobre fotografia, memória, história local e cidade, os alunos

produziram imagens de suas moradias, do seu bairro, da escola, da lavoura da

família, da igreja e dos locais de lazer que frequentam.

Saliente-se que na realização das atividades de produção de fotografias, os

alunos ficaram totalmente livres pra fotografar o que quisessem, sendo que não

houve direcionamento por parte dos professores e equipe de apoio.

A mudança de foco observada entre uma e outra etapa desta atividade de

produção de fotografias aponta para uma efetiva aprendizagem por parte dos

alunos a respeito dos conceitos apresentados, os quais passam a entender a

importância dos espaços da cidade que são qualificados pelo seu uso. Este foi

um trabalho que mobilizou e motivou os alunos nas aulas de História, levando-

os à reflexão sobre muitos aspectos da história local e de sua inserção nela (na

História) e na própria cidade. Foi um momento muito rico no processo

ensino/aprendizagem, vivenciado por alunos e professores.

A implementação do projeto foi concluída com uma atividade envolvendo a

comunidade local e regional, através da realização de uma exposição de

fotografias, coletadas pelos alunos, digitalizadas e ampliadas. O evento foi

inserido na programação da Festa do Vinho e Feira do Queijo de Salgado

Filho, nos dias dezessete a dezenove de julho de 2009. Esta exposição foi

abrigada em uma casa de madeira, rústica, semelhante às primeiras casas

construídas em Salgado Filho, antes da vinda da empresa colonizadora e dos

migrantes por ela trazidos.

Esta exposição fotográfica consistiu em um momento privilegiado de

encontro dos moradores de Salgado Filho e da região não apenas para

observar fotografias, mas principalmente para reavivar e reelaborar suas

memórias, em um processo de confronto, negociação e rememoração. Durante

os três dias da Festa do Vinho calcula-se que circularam pelo Parque de

Exposições cerca de quarenta mil pessoas e estima-se que três mil visitantes

estiveram na exposição fotográfica.

Esta atividade proporcionou momentos ímpares para o estudo da História

Local, onde tivemos a presença de alunos, professores e moradores de todas

as idades, interagindo ativamente diante dos painéis fotográficos, discutindo,

concordando ou discordando de datas, locais, eventos, personagens ali

expostos. Muitos dos visitantes, moradores de Salgado Filho ou da região,

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ofereceram fotografias para serem juntadas a esta exposição em outras

edições, se houver. Tem-se a impressão de que as pessoas, ao visitarem uma

exposição de fotografias que conta parte de sua história, fazem questão de

marcar a sua presença nesta história. O fato de oferecer outras fotografias para

serem juntadas a esta coleção demonstra isso. Do mesmo modo, várias

pessoas se mostraram interessadas em conceder entrevistas, chegaram

mesmo a oferecer-se para contar algo de suas vidas para fazer parte da

“História de Salgado Filho”.

Várias outras atividades foram realizadas durante a implementação do

projeto na escola, não sendo possível, entretanto, o seu relato mais detalhado

neste artigo devido à limitação de espaço.

Cabe ressaltar ainda que as os estudos e discussões sobre os temas em

pauta neste artigo, bem como os resultados da implementação na escola,

foram partilhados e analisados por um grupo de professores de História, cerca

de vinte profissionais, através de curso coordenado por este pesquisador em

ambiente virtual, através do portal e-escola.

Os participantes deste curso, em sua grande maioria, avaliaram-no como

altamente positivo para utilização no ensino de História como fator de melhoria

da qualidade da relação ensino/aprendizagem.

IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa procurou vislumbrar diferentes caminhos para o

estudo da História Local, partindo de atividades de ensino e pesquisa no

âmbito escolar. Alunos do Ensino Médio, professores e membros da Equipe de

Apoio participaram ativamente de ações, planejamentos, discussões,

entrevistas, transcrições, produção e estudo de imagens. Criou-se um ótimo

ambiente de pesquisa e produção, levando os alunos e sentirem-se realmente

parte da História Local e produtores da mesma, capazes de estudá-la

criticamente e contribuir na construção de outras narrativas.

O estudo das memórias através da produção de documentos orais e

com a utilização das memórias visuais, apoiando-se em fotografias,

demonstrou ser uma possibilidade interessante para pesquisas com a História

Local, considerando-se a riqueza dos relatos colhidos ao longo deste trabalho.

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O envolvimento dos alunos neste projeto, desde os estudos e

discussões iniciais até a produção e análise de documentos orais e visuais

mostrou-se como uma alternativa viável para aproximar o ensino à pesquisa

em História no cotidiano da escola de Ensino Médio, possibilitando melhorias

na qualidade das relações ensino e aprendizagem.

O estudo da História Local através das memórias de seus moradores

aponta para a produção de outras narrativas do passado dos moradores, sob

novas perspectivas, levando em conta o cotidiano destes moradores e as suas

representações sobre a cidade e sobre a sua inserção nela. Neste sentido, o

presente trabalho indica a realização de novas pesquisas sobre a história Local

de Salgado Filho, com ênfase nas memórias de seus moradores.

V - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO SÃO ROQUE. Organização, Conhecimento e Qualidade de Vida. Possibilidades da Agricultura Familiar. Salgado Filho, Assessoar,

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