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Terminologia e Delimitação Conceitual José Afonso da Silva (2009, p. 175) explica que a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem são as grandes responsáveis pela dificuldade de obter-se um conceito sintético e preciso a respeito desta espécie, até porque os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde a conjugação de pensamentos filosófico-jurídicos até as ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural (MORAES, 2007, p. 1). Fala-se em Direitos do Homem, Direitos Naturais, Direitos Individuais, Liberdades Públicas, Direitos Subjetivos Públicos, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Todavia, a melhor doutrina vem apontando para o fim da heterogeneidade, ambigüidade e ausência de consenso no tocante à esfera conceitual e terminológica, rechaçando a utilização, ao menos como termos genéricos, das expressões: liberdades públicas, direitos individuais e direitos subjetivos públicos (SARLET, 2009a, p. 28). A expressão direitos individuais”, por exemplo, mostra-se insuficiente para figurar como gênero dos direitos, pois, limita-se ao rol das liberdades e direitos civis. De igual modo, a expressão “direitos subjetivos públicos” denota o exercício do direito de acordo com a vontade do titular, o que fere as características de inalienabilidade e irrenunciabilidade típicas destes direitos (SILVA, 2009, pp. 176 e 181).

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Terminologia e Delimitação Conceitual CARTA MAGNA. HISTORIA

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Terminologia e Delimitação Conceitual 

José Afonso da Silva (2009, p. 175) explica que a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem são as grandes responsáveis pela dificuldade de obter-se um conceito sintético e preciso a respeito desta espécie, até porque os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde a conjugação de pensamentos filosófico-jurídicos até as ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural (MORAES, 2007, p. 1).Fala-se em Direitos do Homem, Direitos Naturais, Direitos Individuais, Liberdades Públicas, Direitos Subjetivos Públicos, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais.

Todavia, a melhor doutrina vem apontando para o fim da heterogeneidade, ambigüidade e ausência de consenso no tocante à esfera conceitual e terminológica, rechaçando a utilização, ao menos como termos genéricos, das expressões: liberdades públicas, direitos individuais e direitos subjetivos públicos (SARLET, 2009a, p. 28).A expressão “direitos individuais”, por exemplo, mostra-se insuficiente para figurar como gênero dos direitos, pois, limita-se ao rol das liberdades e direitos civis. De igual modo, a expressão “direitos subjetivos públicos” denota o exercício do direito de acordo com a vontade do titular, o que fere as características de inalienabilidade e irrenunciabilidade típicas destes direitos (SILVA, 2009, pp. 176 e 181).Contudo, ainda que estas expressões não sejam adequadas para abarcar todas as dimensões dos direitos objetos deste estudo, elas não se excluem e também não são incompatíveis, apenas se distinguem por suas esferas de alcance, positivação e consequências práticas (SARLET, 2009a, p. 34).

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Não à toa, o legislador constituinte brasileiro optou por fixar o título  “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” em nossa Lei Maior, utilizando, desta forma, a mais adequada expressão no sentido de abranger as várias dimensões dos direitos aqui estudados.É que os direitos fundamentais, segundo a maior parte da moderna doutrina constitucional, são aqueles reconhecidos e vinculados à esfera do Direito Constitucional de determinado Estado, enquanto que os direitos humanos estão firmados pelas posições jurídicas de âmbito internacional que se reconhecem ao ser humano, independentemente de sua vinculação com determinada ordem Constitucional (SARLET, 2009a, pp. 30-31).De fato, os direitos humanos exprimem certa consciência ética universal, e por isso estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado (COMPARATO, 2010, p. 74), sendo a expressão preferida nos documentos internacionais (SILVA, 2009, p. 176).Já os direitos fundamentais são compreendidos como princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico (SILVA, 2009, p. 176), no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação do poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana no âmbito nacional (MORAES, 2007, p. 2).José Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 529), que utiliza a expressão direitos do homem em lugar da expressão direitos humanos, explica:

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira:direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.A teoria positivista considera essa indagação como despida de sentido, pois, parte da premissa de que não há direito fora da organização política estatal, fora do direito posto, escrito. Mas essa concepção, notavelmente, demonstra-se incompatível com o reconhecimento da existência de direitos humanos, pois a característica de tais direitos consiste, como proclamaram os revolucionários americanos e franceses no século XVIII, no fato de valerem contra o Estado.

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Seja como for, eventual conflito entre normas internacionais e internas, em matéria de direitos humanos, invoca a aplicação da norma mais favorável ao ser humano, pois a proteção da dignidade da pessoa é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico (COMPARATO, 2010, p. 74).

Quanto ao âmbito da discussão em torno da melhor terminologia a ser adotada, temos que a utilização da expressão direitos humanos fundamentais possui o condão de reforçar a unidade essencial e indissolúvel entre os direitos humanos e os direitos fundamentais e, por essa razão, torna-se a mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo, também informa a ideologia política de nosso ordenamento jurídico.No qualificativo fundamentais, como bem explica José Afonso da Silva (2009, p. 178), acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive, interpretação perfeitamente compatível com os direitos aqui estudados.Ademais, como veremos adiante, o reconhecimento de tais direitos constitui uma das principais (mas não a única) exigência da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2009c, p. 23), decorrendo daí seu caráter fundamental, sua essencialidade, indisponibilidade, irrenunciabilidade.

Perspectiva HistóricaHá quem aponte como primeiro documento histórico de importância ao estudo dos direitos humanos fundamentais, o Código de Hammurabi (1690 a.c), que defendeu a supremacia das leis em relação aos governantes (MORAES, 2007, p. 6) ao reconhecer, ainda que num contexto diferente do atual, a dignidade, a propriedade e outros direitos fundamentais do homem.

Na Inglaterra, a supremacia do rei sobre os barões feudais, reforçada durante todo o século XII, enfraqueceu-se no início do reinado de João Sem-Terra, porquanto o rei aumentou as exações fiscais para financiar a guerra em disputa pelo trono. A pressão tributária, observa Fabio Konder Comparato (2010, p. 85), fez com que a nobreza passasse a exigir o reconhecimento formal de seus direitos como condição para o pagamento de impostos.

Segundo Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 689), o reconhecimento dos direitos fundamentais, na Inglaterra medieval, foi marcado pelo pragmatismo e significou apenas a concessão de privilégios para grupos determinados,

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como a igreja, a nobreza, as corporações, não se reconhecendo direitos universais.

A advertência do jurista é razoável. Encontra amparo nos excertos da Magna Carta[1], da qual extraímos o primeiro parágrafo, que diz respeito às liberdades outorgadas a Igreja da Inglaterra:1. Em primeiro lugar, garantimos perante Deus e confirmamos pela presente Carta, em nosso nome e no de nossos herdeiros para sempre, que a Igreja da Inglaterra será livre e manterá os seus direitos íntegros e as suas liberdades intocadas; e é a nossa vontade que assim seja observado; o que é evidente pelo fato de que, antes de principiar a atual querela entre nós e nossos barões, nós, voluntária e espontaneamente, garantimos e pela nossa carta confirmamos a liberdade de escolha (dos superiores eclesiásticos), a qual é reconhecida como da maior importância e verdadeiramente essencial para a Igreja inglesa, e obtivemos confirmação disto de parte do Senhor Papa Inocêncio III; o que observaremos e queremos que nossos herdeiros observem em boa-fé, para sempre (COMPARATO, 2010, p. 83).

De fato o documento não pretendia universalizar o conceito de direitos fundamentais a todo e qualquer ser humano. Contudo, deixou implícito pela primeira vez que o rei achava-se naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita (COMPARATO, 2010, p. 92), despontando-se aí o embrião da democracia moderna.

Fala-se em democracia moderna, pois, nela, a soberania popular é meramente passiva ou formal, o governo é representativo. Em compensação, os poderes governamentais são sempre limitados e as liberdades individuais afirmadas (COMPARATO, 2010, p. 93).

Em síntese, o documento reconheceu as liberdades eclesiásticas, apontando para a futura separação entre Igreja e Estado. Avançou no sentido de que a tributação precisa ser consentida, dispondo que “ninguém será obrigado a prestar um serviço maior do que for devido em benefício do feudo de um cavaleiro ou de qualquer outro domínio livre”  [2].Outro fato de relevo é o reconhecimento, em seu item 40, de que o monarca não é o dono da justiça, sendo esta um assunto de eminente interesse público. Outrossim, merece especial destaque o item 61 que estipula a responsabilidade do rei perante os seus súbitos, o que demonstra o início do

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processo de derrocada do próprio regime monárquico (COMPARATO, 2010, p. 95).

Para o Professor Alexandre de Moraes (2007, p.7), os principais avanços com a Magna Carta podem ser sentidos, em especial, no tocante a liberdade da igreja, restrições tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção (item 20), previsão do devido processo legal (item 39) e livre acesso à justiça (item 40), além da liberdade de locomoção e a livre entrada e saída do país.

Os Constitucionalistas Sylvio Motta e Gustavo Barchet (2007, p. 149) advertem, no entanto, que a efetiva positivação dos direitos humanos fundamentais deu-se com as declarações de direito elaboradas nos Estados norte-americanos, no século XVIII (Virgínia – 1776), o que não dispensa, é claro, a importância histórica da Magna Carta.

De igual relevância foi o surgimento, em 1679, do Habeas-Corpus Act. O ilustre jurista Fabio Konder Comparato (2010, p. 100), explica que o remédio processual já existia na Inglaterra há vários séculos (antes mesmo de 1215) e servia como mandado judicial em caso de prisão arbitrária, carecendo, entretanto, de regras processuais adequadas ao seu pleno exercício, o que somente aconteceu em 1679.

A lei corrigiu lacunas processuais e sua importância histórica consiste no fato de que essa garantia judicial, criada para proteger a liberdade de locomoção, tornou-se o modelo para outros remédios constitucionais que viriam depois, como o mandado de segurança, por exemplo.

Vejamos um trecho do documento, traduzido por Fabio Konder Comparato (2010, pp. 102-103):

1. Toda vez que alguma pessoa ou pessoas apresentarem um habeas corpus a algum xerife ou xerifes, carcereiro, ministro ou quaisquer outras pessoas, em favor de alguém mantido em sua custódia, e dito writ for notificado a tais funcionários, ou deixado na prisão com algum funcionário subordinado, estes funcionários devem, dentro de três dias do recebimento da notificação (exceto se se tratar de traição ou felonia, assim expressamente declarada no mandado respectivo), após pagamento ou oferta das custas correspondentes ao transporte do dito prisioneiro, [...] conduzir ou fazer com que seja conduzido o paciente em pessoa perante o lorde Chanceler, ou, interinamente, perante o Lorde Guardião do grande sinete da Inglaterra, ou os juízes ou barões do tribunal que deve expedir dito mandado, ou perante a pessoa ou as pessoas às quais dito mandado deve ser devolvido, de acordo com o seu teor, devendo, igualmente, certificar as verdadeiras causas da

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detenção ou prisão, a menos que o local de encarceramento do paciente seja distante em mais de 20 milhas do local ou locais da sede do mencionado tribunal ou do domicílio da pessoa; e se a distância for de mais de 20 milhas, mas não superior a 100 milhas (a apresentação do paciente deverá ocorrer), dentro de 10 dias, e se a distância for superior a 100 milhas, dentro de 20 dias [...]

Observa o mesmo autor que, essa característica de a autoridade que detém o paciente o apresentar incontinenti em juízo, não foi reproduzida em boa parte das legislações. Em contrapartida, o instituto passou a ser utilizado não só em caso de prisão efetiva, mas também em caso de ameaça e constrangimento à liberdade individual de ir e vir (2010, pp. 101 e 102).

Dez anos depois, temos a declaração de direitos denominada Bill Of Rights. Ela surgiu em conturbado contexto histórico de grande intolerância religiosa. Três anos antes de sua edição, Luís XIX revogou o edito de Nantes (escrito em 1598), ato que reconhecia aos protestantes franceses a liberdade de consciência e uma limitada liberdade de culto, além da igualdade civil com os católicos (COMPARATO, 2010, p. 107).Apesar dos avanços sentidos no fortalecimento do princípio da legalidade, no surgimento do direito de petição, na vedação à aplicação de penas cruéis, entre outros, esse contexto de intolerância religiosa foi levado adiante com o documento, que negou a liberdade e igualdade religiosa, como se lê de seu item IX:

Considerando que a experiência tem demonstrado que é incompatível com a segurança e bem-estar deste reino protestante ser governado por um príncipe papista ou por um rei ou rainha casada com um papista, os lordes espirituais e temporais e os comuns pedem, além disso, que fique estabelecido que quaisquer pessoas que participem ou comunguem da Sé e Igreja de Roma ou professem a religião papista ou venha a casar com um papista sejam excluídos e se tornem para sempre incapazes de herdar, possuir ou ocupar o trono deste reino, da Irlanda e seus domínios ou de qualquer parte do mesmo ou exercer qualquer poder, autoridade ou jurisdição régia; e, se tal se verificar, mais reclamar que o povo destes reinos fique desligado do dever de obediência e que o trono passe para a pessoa ou as pessoas de religião protestante que o herdariam e ocupariam em caso de morte da pessoa ou das pessoas dadas por incapazes.Inobstante, o documento continha uma essência que prevalecia sobre as intolerâncias religiosas. Ele preservou a separação dos poderes, quando atribuiu ao Parlamento o encargo de defender os súditos perante o Rei, que não poderia exercer seu arbítrio em relação a este poder constituído (COMPARATO, 2010, p. 108).

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A instituição-chave para a limitação do poder monárquico e a garantia das liberdades na sociedade civil foi o Parlamento. A partir do Bill Of Rights britânico, a ideia de um governo representativo, ainda que não de todo o povo, mas pelo menos de suas camadas superiores, começa a firmar-se como uma garantia institucional indispensável das liberdades civis (COMPARATO, 2010, pp. 61 e 62).

Indispensável também mencionar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que se tornou além da mais famosa declaração de direitos, o modelo dos pactos sociais por excelência, transformando-se num verdadeiro expoente de previsão dos direitos humanos fundamentais.

Ensina o ilustre jurista Fabio Konder Comparato (2010, p. 65):

As declarações de direito norte-americanas, juntamente com a Declaração Francesa de 1789, representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as organizações religiosas. É preciso reconhecer que o terreno, nesse campo, fora preparado mais de dois séculos antes, de um lado pela reforma protestante, que enfatizou a importância decisiva da consciência individual em matéria de moral e religião; de outro lado, pela cultura da personalidade de exceção, do herói que forja sozinho o seu próprio destino e os destinos do seu povo, como se viu sobretudo na Itália renascentista.

A Declaração calcava-se na ideia de que todos os homens nascem livres e iguais em direitos e que a única fonte de poder era o próprio povo, o que mudou radicalmente os fundamentos da legitimidade política (COMPARATO, 2010, p. 63). Tanto que os revolucionários passaram a questionar os valores institucionalizados pelo antigo regime, conforme explica antes indicada:

a convicção de fundar um mundo novo, que não sucedia o antigo, mas a ele se opunha radicalmente, levou aliás os revolucionários à destruição sem remorsos de um número colossal de monumentos históricos e obras de arte, em todo o território do reino. Para os líderes intelectuais da revolução, esses bens não apresentavam nenhum valor cultural, mas eram, bem ao contrário, contravalores (2010, p. 63).

Essa valorização do indivíduo, com a previsão de uma igualdade formal, aponta Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 288), revelou-se uma

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pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores. Patrões e operários eram considerados, pela majestade da lei, como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho (COMPARATO, 2010, p. 66).

Num artigo intitulado “A questão judaica”, Karl Marx observou que “a emancipação política não implica emancipação humana” e que o “homem” contemplado nos estatutos da Revolução Francesa não é o ser humano universalmente considerado, mas o “membro da sociedade burguesa” (LOSURDO, 1996, p. 687).

Com efeito, a crítica de Marx tocou fundo ao denunciar o caráter “formal” das liberdades reconhecidas nas declarações[3]. Ora, é fato que o exercício das liberdades pressupunha condições econômicas para que os indivíduos usufruíssem das liberdades, o que reafirma a advertência feita anteriormente.Em síntese, Marx advogou a propriedade coletiva da terra, a obrigação do trabalho para todos e a real igualdade econômica de todos os indivíduos (HERKENHOFF, 2002, p. 37), não se contentando, evidentemente, com a mera enunciação de igualdade formal entre os homens, pois, esta não afasta a desigualdade que faz a maioria miserável, sem condições mínimas de subsistência.

Inobstante, para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 289), a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das revoltas e das conseqüentes declarações, que previram, em cada um de seus artigos, uma resposta a determinado abuso praticado na vigência do absolutismo.

Assim, o entendimento da Mario Schmidt (2000, p. 95), a saber:

A França era um país de camponeses. Dos 26 milhões de habitantes, 23 milhões eram trabalhadores rurais. Gente que trabalhava como um animal de carga que era submetida a toda espécie de exploração feudal. Pior ainda, eram tratados como seres desprezíveis. Por exemplo, se numa estrada encontrassem um nobre, deveriam humildemente se curvar em sinal de submissão. Caso contrário, seriam punidos com bastonadas.

Eric J. Hobsbawm (1988, pp. 71-72) sustenta que a Revolução Francesa certamente influenciou a política e ideologia no século XIX, irradiando consequências bastante profundas:

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A Revolução Francesa pode não ter sido um fenômeno isolado, mas foi muito mais fundamental do que os outros fenômenos contemporâneos e suas consequências foram portanto mais profundas. Em primeiro lugar, ela se deu no mais populoso e poderoso Estado da Europa (não considerando a Rússia). Em 1789, cerca de um em cada cinco europeus era Francês. Em segundo lugar, ela foi, diferentemente de todas as revoluções que a precederam e a seguiram, uma revolução social de massa, e incomensuravelmente mais radical do que qualquer levante comparável.

Encontra-se na obra do jurista José Afonso da Silva (2009, p. 158), menção às três principais características da Declaração de 1789 que foram apontadas por Jacques Robert[4], quais sejam: ointelectualismo, o mundialismo e o individualismo.Intelectualismo porque aafirmação de direitos imprescritíveis do homem e a restauração de um poder legítimo, baseado no consentimento popular, foi uma operação de ordem puramente intelectual que se desenrolaria no plano unicamente das ideias; é que, para os homens de 1789, a Declaração dos direitos era antes de tudo um documento filosófico e jurídico que devia anunciar a chegada de uma sociedade ideal (SILVA, 2009, pp. 157 e 158).

Mundialismo, no sentido de que “os princípios enunciados no texto da Declaração pretendem um valor geral que ultrapassa os indivíduos do país, para alcançar valor universal” (SILVA, 2009, p. 158).Individualismo, porque “só consagra as liberdades dos indivíduos, não menciona a liberdade de associação nem a liberdade de reunião; preocupa-se com o defender o indivíduo contra o Estado” (SILVA, 2009, p. 158).A natureza do documento, como o próprio nome sugere, é declaratória, vale dizer, declaram-se os direitos (eles não são criados), com o objetivo de que sejam recordados, lembrados, difundidos. É o que explica o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, pp. 22-23), que além de explicar a natureza da declaração, descreve, em linhas gerais, as principais características destes direitos:

 Ora, declaração presume preexistência. Esses direitos declarados são os que derivam da natureza humana, são naturais, portanto. Ora, vinculados à natureza, necessariamente são abstratos, são do homem, e não apenas de franceses, de ingleses etc. São imprescritíveis, não se perdem como o passar do tempo, pois se prendem á natureza imutável do ser humano. Sãoinalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da própria natureza. São

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individuais, porque cada ser humano é um ente perfeito e completo, mesmo se considerado isoladamente, independentemente da comunidade (não é um ser social que só se completa na vida em sociedade). Por essas mesmas razões, são eles universais – pertencem a todos os homens, em consequência estendem-se por todo o campo aberto ao ser humano, potencialmente o universo. A constituição mexicana de 1917, por seu turno, segundo alguns estudiosos, é considerada um marco no tocante à concepção dos direitos fundamentais. De outro lado, há doutrinadores que não coadunam com este entendimento, como é o caso do Prof. Manoel Gonçalves (2009, p. 46):

Não há razão para isso, mesmo sem registrar que sua repercussão imediata, mesmo na América Latina, foi mínima. Na verdade, o que essa carta apresenta como novidade é o nacionalismo, a reforma agrária e a hostilidade em relação ao poder econômico, e não propriamente o direito ao trabalho, mas um elenco dos diretos do trabalhador. (…) Nem de longe, todavia, espelha a nova versão dos direitos fundamentais.

Não há como concordar em plenitude com a afirmativa do jurista. Há que se ressaltar a importância dos documentos históricos que inauguraram, ainda que de forma inédita no restrito âmbito de um Estado, um regime político diferenciado do que vigia até aquele momento. Se tomada no contexto global, a Constituição Mexicana pode não ter sido uma novidade, como diz o professor. Mas, por outro lado, é indiscutível que tenha sido novidade aos cidadãos mexicanos, o que lhe confere uma importância que não pode ser delegada para segundo plano.

Outro documento que merece nossa atenção é a Constituição de Weimar. A Alemanha, ao final da primeira guerra, encontrava-se em situação agravada e com suas instituições políticas em declínio, de modo que não havia nem condições para reunir a Assembleia Constituinte.

Com muito custo, elaborou-se uma constituição que previa os direitos e deveres fundamentais dos alemães, abrangendo-se o individuo, sua vida social, sua religião, bem como a educação que lhe era devida para atingir a emancipação econômica.

Um novo espírito, que se pode dizer social, nasceu naquela constituição. Foi nela que a propriedade se viu, talvez pela primeira vez, submetida à função social. Essa e outras características fizeram dela um modelo, depois imitado

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pelo direito brasileiro, mas especificamente a partir da Carta de 1934, que é a primeira das Constituições que enunciam uma Ordem Econômica e Social.

Tem-se percebido que os direitos, em geral, aparecem por meio de reivindicações de movimentos sociais, em períodos delicados da história, mas não o fruto exclusivo do determinismo social, sem considerar o sujeito dotado de necessidades, desejos, aspirações, sentimento e razão (USP, Estudos avançados, Vol. 30, p. 20).

A Classificação em DimensõesO lema da Revolução Francesa exprimiu em três princípios todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade (BONAVIDES, 2006, p. 562).

Os documentos internacionais que estudamos em anterior seção, como a Magna Carta Libertatum, o Bill Of Rights e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, por exemplo, exerceram grande influência nas Constituições Brasileiras, em especial a de 1988, titulada como Constituição Cidadã.A primeira dimensão dos direitos fundamentais, entendendo-se por estes a vida, a propriedade, a liberdade de locomoção, de participação política, são direitos que representam a vitória, ao menos parcial, do Estado Liberal sobre o Estado absolutista (MOTTA FILHO, 2007, p. 149).A primeira dimensão dos direitos fundamentais é fortemente marcada pelo caráter individualista das declarações dos séculos XVIII e XIX. O Estado é encarado como um mal necessário, daí a preocupação de se enunciar liberdades “formais” para proteger o indivíduo (FERREIRA FILHO, 2008, p. 290).

Para Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 727), a primeira dimensão dos direitos fundamentais contida no ordenamento brasileiro pode ser traduzida pelos direitos individuais, ou seja, aqueles que se caracterizam pela autonomia e oponibilidade ao Estado, tendo por base a liberdade – autonomia como atributo da pessoa, relativamente a suas faculdades pessoais e seus bens. “São, em síntese, direitos de status negativo, pois o seu núcleo está na proibição de interferência imediata imposta ao Estado” (CARVALHO, 2009, p. 727).Pode-se dizer, por outro lado, que os direitos fundamentais de primeira dimensão, também chamados Liberdades Públicas, são

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essencialmente direitos de defesa do indivíduo, pois objetivam, em regra, o não-agir do Estado em benefício da liberdade do indivíduo (MOTTA FILHO, 2007, p. 150).Para Guilherme Peña de Moraes (2008, p. 504), os direitos individuais são “direitos fundamentaispróprios do homem-indivíduo, porque titularizados e exercidos por pessoas individualmente consideradas em si, com a delimitação de uma esfera de ação pessoal”.O jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 30) explica que não só o Estado, mas todos os indivíduos estão obrigados a observar o direito individual de cada qual. Com tais direitos, “visa-se tutelar uma conduta, um agir ou não agir, fazer ou não fazer. Ir, vir ou ficar”.

Esses direitos-liberdades, na classificação doutrinária do Professor Manoel Gonçalves (2009, p. 34), estão garantidos pela ordem jurídica, e sua violação dá ensejo à tutela de proteção pelo Judiciário, inclusive nos casos em que o próprio Estado é o agressor, dado que este tenha sido classificado como o inimigo das liberdades públicas.

Há uma corrente doutrinária, aliás, que em matéria de limitação das liberdades públicas, entende ser cabível (e, portanto, constitucional) somente a lei formal, jamais o ato com força de lei ou qualquer ato administrativo, justamente, para assegurar a liberdade do indivíduo (FERREIRA FILHO, 2009, p. 34).

Tal interpretação decorre da observância do inciso II, § 1º, Artigo 68 da Constituição Federal, dispositivo que proíbe seja feita delegação para legislar sobre nacionalidade, cidadania, direitos individuais (liberdades públicas), políticos e eleitorais.

Em nosso país, o controle das liberdades públicas é feito por meio do regime repressivo que, grosso modo, consiste em deixar o titular do direito livre e incondicionado para exercê-lo, de sorte que, as violações e abusos aos limites pré-estabelecidos importam em sanções.

Trata-se de um regime, de certo modo, favorável ao titular do direito, que não se vê adstrito a formalidades excessivas e, caso ultrapasse os limites estabelecidos pela lei, somente poderá ser punido por meio do devido processo legal.

Em situações excepcionais (Estado de Sítio ou de Defesa), as liberdades públicas podem se submeter a um regime extraordinário, que varia de

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Estado para Estado, adentrando em uma legalidade excepcional e transitória.

A segunda dimensão dos direitos humanos fundamentais parte da premissa de que a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu (a família, as organizações religiosas) tornou-o muito mais vulnerável às vicissitudes da vida.A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca da segurança a legalidade, com a garantia da igualdade formal. Mas explica Fabio Konder Comparato (2010, p. 66) que:

essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas empresas capitalistas. Patrões e operários eram considerados, pela majestade da lei, como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho.

O movimento socialista contribuiu para o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais de caráter econômico, e o capitalismo teve muita dificuldade de convier com essa outra dimensão de direitos.

O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, mas o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome a marginalização (COMPARATO, 2010, p. 66), porquanto a lógica do capitalismo consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas.

Enquanto, de um lado, assistia-se ao avanço do liberalismo político e econômico, de outro, crescia a deterioração do chamado “quadro social”, ou na preferência de uma linguagem adepta ao socialismo, “a luta de classes”.

Em um momento especial de evolução do capitalismo, esse quadro social era formado pela situação da classe trabalhadora, sem acesso aos direitos sociais. O desenvolvimento capitalista provocou um acréscimo súbito de riqueza jamais visto, porém, um acréscimo concentrado nas mãos dos burgueses.

Em contrapartida, aponta Manuel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 42) que “a classe trabalhadora se viu numa situação de miséria (…) o trabalho era uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura” A máquina reduziu a necessidade de mão-de-obra: eis o surgimento da massa de

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desempregados. Sem contar as condições insalubres e perigosas a que estavam sujeitos os trabalhadores, homens, mulheres e crianças. Isso redundou, obviamente, na marginalização da classe trabalhadora, que passou a viver em condições subumanas, invocando-se o surgimento da hostilidade com os ricos.

Nesse sentido, Motta & Barchet (2007, p. 151):

Era necessário mais, que o Estado abandonasse sua postura passiva, como lhe foi exigido no momento histórico anterior, e passasse a atuar positivamente perante a sociedade, a fim de propiciar as condições para que a igualdade formal então obtida fosse transformada em uma igualdade material, real, efetiva (…) Percebeu-se que não bastava o reconhecimento formal da igualdade e a garantia da liberdade individual para se assegurar um pleno desenvolvimento da sociedade como um todo, já que a maioria de seus membros não dispunha de condições reais para obter condições dignas de existência.

Parte dos trabalhadores passou a alcançar os direitos políticos, o que resultou na exigência, por partes desses, pelo voto comum. Os detentores do poder cederam às exigências da classe trabalhadora, fortemente apoiada por idealistas e postulantes da reforma, o que deu grande força aos movimentos e partidos políticos.

O movimento reformista ganhou forte apoio com a doutrina social da Igreja, a partir da encíclicaRerum Novarum, de 1891 (Papa Leão XIII), que reascendeu a tese do bem comum, do famoso filósofo São Tomás de Aquino.A Constituição Federal de 1934, embora vigente por tão pouco tempo e em tão conturbado contexto histórico, refletiu com bastante veemência as aspirações por um sistema jurídico fincado nos direitos econômicos e sociais, sobretudo o direito ao trabalho.

Foi mesmo, em verdade, a Constituição Federal de 1988, como fruto da exposição histórica que ora colacionamos, que estipulou com certa eficácia um extenso rol de direitos fundamentais de segunda dimensão em seu Artigo 6º (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade etc.), visando melhoria das condições de existência, mediante prestações positivas do Estado.

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De fato, os direitos humanos fundamentais de segunda dimensão possuem status positivo,  já que permitem ao indivíduo exigir determinada atuação do Estado, garantindo os pressupostos materiaispara o exercício dos chamados direitos de primeira dimensão (CARVALHO, 2009, p. 727).Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 315), os direitos fundamentais de segunda dimensão são vistos como necessários para o estabelecimento de condições mínimas de vida digna para todos, pensamento compartilhado com outros doutrinadores:

Os direitos sociais são direitos fundamentais próprios do homem-social, porque dizem respeito a um complexo de relações sociais, econômicas ou culturais que o indivíduo desenvolve para realização da vida em todas as suas potencialidades, sem as quais o seu titular não poderia alcançar e fruir dos bens de que necessita (MORAES, 2008, p. 535).

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 50), os direitos sociais se igualam as liberdades públicas no tocante à subjetividade, todavia, não são meros poderes de agir – como o são as liberdades públicas -, mas sim poderes de exigir, chamados, também, de direitos de crédito:

Há, sem dúvida, direitos sociais que são antes poderes de agir. É o caso do direito ao lazer. Mas assim mesmo quando a eles se referem, as constituições tendem a encará-los pelo prisma do dever do Estado, portanto, como poderes de exigir prestação concreta por parte deste.

Em que pese a responsabilidade pela concretização destes direitos possa ser partilhada com a família (no caso do direito à educação), é o Estado o responsável pelo atendimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão, ou seja, ele é o sujeito passivo (FERREIRA FILHO, 2009, p. 50).

Salienta o jurista que existe a possibilidade desta prestação ser realizada indiretamente, com uma compensação em dinheiro, por exemplo, na hipótese da contraprestação em forma de prestação do serviço tornar-se impossível, como é o caso do Seguro-Desemprego, tomando-se o exemplo do Direito ao trabalho.

A esse respeito, a instigante observação de Manoel Gonçalves (2009, p. 51):

Foi aliás a obrigação de atender a esses direitos que ditou a expansão dos serviços públicos, dos anos vinte para frente. Isto gera pesados encargos

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diretamente para o Estado e indiretamente para os contribuintes, o que contemporaneamente suscita um repensar a propósito desses direitos. Impõe-se a pergunte: até que ponto o Estado deve dar o atendimento a esses direitos, até que ponto deve apenas amparar a busca do indivíduo pelo atendimento desses direitos?

Pergunta o Prof. Manoel Gonçalves (2009, p. 52): “Se a proteção judicial dos direitos sociais não sugere dúvida, quando encarada do ângulo de suas violações, o que se pode dizer a partir do ângulo prestacional? Ela é, de fato, efetiva ou mesmo possível?”.

Eis uma preocupação do direito constitucional contemporâneo. Principalmente no tocante a efetividade da proteção judicial dos diretos sociais. Como por exemplo, a ação de inconstitucionalidade por omissão, que tem por intuito forçar o poder público a efetivar uma norma programática prevista na Constituição.

Entretanto,

a experiência prática, todavia, não é animadora. Ademais, a efetivação de direitos sociais, quando reclama a instituição de serviço público, dificilmente pode resultar de uma determinação judicial. Tal instituição depende de inúmeros fatores que não se coadunam com o imperativo judicial. Por isso, a inconstitucionalidade por omissão tem sido letra morta e o mandado de injunção de pouco tem servido” (FERREIRA FILHO, 2009, p. 52).

Inobstante, a Constituição Federal dispôs no §2º, de seu Artigo 5º, que o rol de direitos por ela declarados não é taxativo, admitindo-se a identificação de direitos fundamentais implícitos, desde que decorrentes (critério material) dos princípios adotados pela Lei Maior (dignidade da pessoa humana, em especial).

Os direitos humanos fundamentais de terceira dimensão, referem-se a qualidade de vida e à solidariedade entre as pessoas, sendo que esta atua em três dimensões: “dentro de cada grupo social, no relacionamento externo entre grupos, povos ou nações, bem como entre as sucessivas gerações na História” (COMPARATO, 2010, p. 53).Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, pp. 57-58), os direitos humanos fundamentais de terceira dimensão calcam-se na solidariedade, tomando-se por completo o lema proclamado na Revolução Francesa,

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embora não se possa afirmar com clareza quais seriam os direitos inscritos neste rol, dada a amplitude do termo solidariedade:

São estes chamados, na falta de melhor expressão, de direitos de solidariedade, ou fraternidade. A primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, completaria a lema da Revolução francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.

Na verdade, não se cristalizou ainda a doutrina a seu respeito. Muita controvérsia existe quanto a sua natureza e a seu rol. Há mesmo quem os conteste como falsos direitos do Homem. Tal hesitação é natural, pois foi somente a partir de 1979 que se passou a falar desses novos direitos, cabendo a primazia a Karel Vasak.

Todavia, parece ser consenso, nas diversas classificações apontadas a respeito dos direitos humanos fundamentais de terceira dimensão, que o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao patrimônio comum da humanidade, sejam direitos de terceira dimensão.

O direito à paz é deduzido do Artigo 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, enquanto que um direito ao desenvolvimento foi consagrado em 1986, em Declaração da ONU.

No plano do direito interno, a Constituição de 1988 não o menciona. Entretanto – sempre ao editar princípios destinados a reger as relações internacionais do Brasil, refere-se à cooperação dos povos com o progresso da humanidade (Artigo 4º, IX).O direito ao patrimônio comum da humanidade insinua-se na Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados; adotada pela ONU em 1974, em relação ao fundo do mar e seu subsolo.De todos os direitos de terceira dimensão o mais elaborado é o direito ao meio ambiente, que encontra seu grande marco na Declaração de 1972 (Estocolmo), que prevê:

o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem a solene

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obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.

Segundo o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 64), os direitos humanos fundamentais de terceira dimensão foram concebidos como “direitos de titularidade coletiva”, baseando-se numa identidade de circunstâncias de fato, e não numa affectio societatis, num impulso associativo. 

[1] Magna Carta Libertatum Seu Concordiam Inter Regem Johannem Et Barones Pro Concessione Libertatum Ecclesiae Et Regni Angliae ou Carta Magna das Liberdades entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da igreja e do reino inglês.[2] Item 16.[3] Essa frase é utilizada pelo Jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho.[4] Cf. Libertés publiques, p. 44 e ss. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª edição. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã (Theorie der Grundrechte). Malheiros Editores. Impresso no Brasil em Março de 2011.ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987.ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.AVELAR, Mateus Rocha. Manual de Direito Constitucional. 5ª ed. Curitiba: Juruá, 2009.BARROSO, Luis Roberto. A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. In Vade Mecum. 5ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.CAMARGO, Marcelo Novelino. Leituras Complementares de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2007.COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

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