Homens Do Ouro - Simone Cristina de Faria

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Os homens do ouro: perfil, atuao e redes dos Cobradores dos Quintos Reais em Mariana Setecentista

Simone Cristina de Faria

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social, do Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Histria.

Orientador: Prof. Dr. Antnio Carlos Juc de Sampaio

Rio de Janeiro Maro de 2010

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Os homens do ouro: perfil, atuao e redes dos Cobradores dos Quintos Reais em Mariana Setecentista

Simone Cristina de Faria

Orientador: Prof. Dr. Antnio Carlos Juc de Sampaio

Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social do Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Histria.

Aprovada por:

_____________________________________________ Prof. Dr. Antnio Carlos Juc de Sampaio Orientador Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

_____________________________________________ Prof. Dr. Joo Lus Ribeiro Fragoso Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

_____________________________________________ Prof.a Dr.a Carla Maria Carvalho de Almeida Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

_____________________________________________ Prof. Dr. Roberto Guedes Ferreira (Suplente) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Rio de Janeiro Maro de 2010

3 Ficha Catalogrfica

FARIA, Simone Cristina de. Os homens do ouro: perfil, atuao e redes dos Cobradores dos Quintos Reais em Mariana Setecentista / Simone Cristina de Faria. Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2010. xii, 198f.: il.; 31 cm. Orientador: Antnio Carlos Juc de Sampaio. Dissertao (Mestrado) UFRJ / IFCS / Programa de Ps-Graduao em Histria Social, 2010. Referncias Bibliogrficas: f. 174-198. 1 Histria do Brasil. 2 Histria de Minas Gerais. 3 Quinto Real. 4 Cobradores dos Quintos. I Sampaio, Antnio Carlos Juc de. II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Ps-Graduao em Histria Social. III Ttulo.

4 Resumo

A presente pesquisa tem por objetivo investigar os indivduos que exerceram o cargo de cobrador dos quintos reais no Termo de Mariana Setecentista de 1718 a 1733, um ofcio de grande responsabilidade nos quadros do Imprio portugus no Ultramar. Os propsitos foram traar o perfil e insero social desses homens, analisar sua atuao e funes, delimitar suas estratgias de ascenso social e recursos disponveis para efetivar seus interesses, e reconstruir algumas redes sociais criadas e mantidas por esses homens do ouro com outros cobradores dos quintos e poderosos locais. Alm disso, e paralelamente, foi essencial compreender o funcionamento local da cobrana do quinto e as responsabilidades institucionais sobre esse direito que mais preocupaes trouxeram Coroa portuguesa no sculo XVIII.

5 Abstract

The present research has as objective to investigate the individuals that exercised the royal fifth collectors office in the 18th century Marianas Term in the period from 1718 to 1733, one big responsibility office in the scenes of Ultramarine Portuguese Empire. The purposes were to trace the profile and social insertion of those men, to analyze their performance and functions, to delineate their social ascension strategies and available resources to effect their interests, and to reconstruct some social networks created and maintained to those gold men with others fifth collectors and local powerful. Moreover, and paralleling, it were essential to understand the local functioning of the fifth collect and the institutional responsibilities about this right that carried more preoccupations to Portuguese crown in the 18th century.

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queles que me deram a vida e me ensinaram a viver.

7 Agradecimentos

Ao meu orientador, Antnio Carlos Juc de Sampaio, devo mais do que sinceros agradecimentos por uma orientao certa, atenciosa e precisa. Sou extremamente grata pelo cuidado e satisfao que sempre demonstrou em acompanhar os progressos dessa pesquisa. Mas mais do que isso, seu estmulo foi essencial por desempenhar essa tarefa com uma alegria contagiante. No h como no mencionar sua alegria to caracterstica no trato, que tornava as responsabilidades acadmicas muito mais leves, porque investidas de enorme humanidade. E por fim, a ele agradeo principalmente por ter confiado em mim, por ter acreditado e apostado em cada fase do desenvolvimento desse trabalho. Ao CNPq, pelo financiamento integral da pesquisa com concesso de bolsa nos dois anos do curso. Aos professores Carla Maria Carvalho de Almeida e Joo Lus Ribeiro Fragoso agradeo pela participao e rica contribuio no exame de qualificao e na banca examinadora. Foi imensa a satisfao em poder contar com a leitura de pesquisadores cujas obras tenho to grande admirao e respeito. As sugestes e crticas que me dirigiram, pertinentes, pontuais, e ao mesmo tempo inquietadoras, abriram novos horizontes e trouxeram preciosos estmulos produo de um conhecimento histrico muito mais refinado e preocupado com a atuao dos sujeitos histricos sobre sua realidade. Aos queridos funcionrios dos arquivos das minhas Minas Arquivo da Cmara Municipal de Mariana, Arquivo da Casa Setecentista de Mariana e Casa dos Contos de Ouro Preto meus verdadeiros agradecimentos pela ateno e alegria com que sempre me receberam. Nesses lugares, o solitrio trabalho do historiador no foi to solitrio assim pra mim. Com a importante contribuio dessas pessoas, pude identificar, transcrever e fotografar todas as fontes que necessitei para a base emprica dessa pesquisa, alm de poder contar ainda com bons apontamentos. Agradeo a dedicao e pacincia pelas minhas permanncias at os ltimos minutos de se fechar as portas. Aproveito a oportunidade para agradecer tambm ao carinho das secretrias do PPGHIS. Sandra e Rita sempre tornaram as questes burocrticas extremamente simples, dispensando enorme gentileza e dedicao quando precisei de ajuda. Aos queridos colegas e eternos amigos que conheci no mestrado, com os quais dividi momentos de enriquecedora discusso acadmica e de grande descontrao, tambm meus mais sinceros agradecimentos. Opto por no citar nomes para no correr riscos de

8 alguma indesculpvel omisso, mas todos vocs sabem como foram essenciais na minha vida nesses dois anos. extraordinrio poder reconhecer que precisamos de amigos e que sem eles tudo seria muito mais difcil. Com vocs tive ainda mais certeza dessa verdade. Cada um sua maneira, fez com que minha trajetria na UFRJ fosse mais compensadora e muito mais feliz. Aproveito ainda para dizer que as tambm eternas amigas do pensionato participaram decisivamente na alegria que foram os dias na cidade maravilhosa. A minha irm tenho e sempre terei muito que agradecer. Seu amor e compreenso foram constantes e sua ateno e cuidado em me ouvir foram nicos. Foi sempre participante de tudo que conquistei, e ainda que de longe se manteve presente em cada simples momento, em cada singelo instante. Mas para no perder o costume repito que a ela meu agradecimento maior sempre ser por ter nos dado Lavnia. Lala me cobriu de um amor to verdadeiro e gratuito e me ensinou que poucas coisas nesse mundo so mais maravilhosas que o sorriso e o carinho sincero de uma criana. Mesmo que em momentos de estudo quisesse pegar minhas canetas ou digitar no meu computador. Aos meus pais agradeo pela vida, pelo apoio incondicional, pelo refgio, pelo amor, por serem meus alicerces. Com uma alegria indescritvel e uma simplicidade s deles, sempre vibraram com as minhas vitrias. No caso das acadmicas, estimularam e se emocionaram ainda que no soubessem muito bem o que elas significavam. Certamente sabiam que para mim elas valiam muito, isso bastava. Sem o consolo na hora do choro e sem o entusiasmo na hora do riso, no teria tido foras para continuar. Eles foram e sempre sero a razo pra que eu queira sempre mais, e pra que eu sinta necessidade de ser algum sempre melhor. A Deus. A Ele nem h que se dispensar palavras, pois j as conhece todas.

9 Sumrio

Lista de Abreviaturas

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Lista de Tabelas e Grficos

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Introduo - Para se tratar da matria dos quintos...

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Captulo 1 - A Cmara da Leal Vila do Carmo na cobrana dos Reais Quintos 1.1 - As extensas e abundantes minas de ouro e o quinto de El-Rei 1.2 - Os reais quintos que se cobram por esta cmara 1.2.1 - Os livros dos quintos e uma breve sistematizao 1.2.2 - A responsabilidade institucional na cobrana dos quintos

23 23 27 29 47

Captulo 2 - Das principais pessoas daquelas terras: o perfil dos homens do ouro 59 2.1 - Para que bem e fielmente faam seu ofcio 59

2.2 - Sustentando-se com o luzimento devido ao seu posto: caracterizao dos cobradores 64

Captulo 3 - Autoridade de mando a servio da arrecadao do ouro: atuao, estratgias e redes dos cobradores dos quintos 95

3.1 - Andando na diligncia de sua cobrana: os cobradores dos quintos em atividade 97

3.2 - Vende de hoje para todo o sempre?: o caso das escrituras fantsticas120 3.3 - O entrelaar de vrias trajetrias: as redes dos cobradores dos quintos 126

Consideraes Finais

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Anexos

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Referncias Bibliogrficas

174

10 Lista de Abreviaturas Arquivo Histrico da Casa Setecentista de Mariana Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana Arquivo Histrico Ultramarino Arquivo Pblico Mineiro Casa dos Contos Seo Colonial

AHCSM AHCMM AHU APM CC SC

11 Lista de Tabelas e Grficos Tabelas

Tabela 1 Arrecadao dos Reais Quintos no Termo de Mariana por distrito 1721-1733 Tabela 2 Indicadores da insero poltico-social dos Cobradores dos Quintos Reais Tabela 3 Bens encontrados nos inventrios dos Cobradores dos Quintos Reais Tabela 4 Mdia de escravos possudos pelos Cobradores dos Quintos Tabela 5 Vendas declaradas dos Cobradores dos Quintos no Termo de Mariana em 1725 Tabela 6 Monte-mores dos Cobradores dos Quintos Reais em Mariana Tabela 7 Mdias comparativas dos Monte-mores dos Cobradores dos Quintos Reais e dos Homens Ricos da Lista de 1756 75 71 72 41 66 67 71

Tabela 8 Cobradores dos Quintos Reais na Lista dos homens mais abastados das Minas de 1756 Tabela 9 Pertencimento a irmandades e ordens religiosas Tabela 10 Pedidos de Celebrao de Missas pelos Cobradores dos Quintos Reais 76 77 79

Tabela 11 Consultas mais freqentes de mercs no Conselho Ultramarino (dos 41 nomes para os quais temos informaes) Tabela 12 Distribuio das patentes militares dos Cobradores dos Quintos Reais em Mariana Setecentista (dos 68% que possuam estes postos) 83 82

Tabela 13 Localidades de concentrao dos Cobradores dos Quintos Reais com patentes militares (dos 68% que possuam estes postos) Tabela 14 Naturalidade dos Cobradores dos Quintos Reais Tabela 15 Situao Civil dos Cobradores dos Quintos Reais Tabela 16 As "Donas" esposas dos Cobradores dos Reais Quintos Tabela 17 Mdia de permanncia no cargo de Cobrador dos Quintos Reais Tabela 18 Cobradores dos Quintos com outros cargos camarrios Tabela 19 Outros cargos e funes desempenhados pelos Cobradores dos Quintos Reais 111 86 90 91 92 93 108

12 Grficos

Grfico 1-A Arrecadao dos Reais Quinto no Termo de Mariana 1721-1733 Grfico 1-B Tendncia geral da arrecadao dos Reais Quintos no Termo de Mariana 1721-1733 Grfico 2 Participao dos distritos na arrecadao dos Reais Quintos 1721-1733 Grfico 3 Distritos com maior arrecadao dos Reais Quintos 1721-1733 Grfico 4 Distritos com menor arrecadao dos Reais Quintos 1721-1733 Grfico 5 Mdias comparativas dos Monte-mores dos Cobradores dos Quintos Reais e dos Homens Ricos da Lista de 1756 Grfico 6 Mdia de permanncia no cargo de Cobrador dos Quintos Reais Grfico 7 Organograma dos oficiais envolvidos nas atividades de arrecadao, recebimento,preparo e conduo dos Reais Quintos de Sua Majestade Grfico 8 Rede dos Cobradores dos Quintos Reais I Grfico 9 Rede dos Cobradores dos Quintos Reais II Grfico 10 Rede dos Cobradores dos Quintos Reais III

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43 44 45 46

76 93

104 132 133 134

13 Introduo

Para se tratar da matria dos quintos... O relato j nos bem conhecido. No fim do sculo XVII, incio do seguinte, na regio que posteriormente ficou conhecida por Minas Gerais, descobriu-se o rico metal amarelo que provocou um fluxo populacional sem precedentes para aquelas paragens. Em tal perodo, Portugal se tornou cabea de um desproporcionado imprio colonial1 por conta de riqueza tamanha. As remessas de ouro para a Coroa garantiram grande fatia das receitas do Reino2, elevando a regio no nvel das atenes do Imprio e lhe conferindo centralidade declarada para o futuro econmico portugus.3 Nesse momento, fica evidente como a monarquia dependia em grande medida dos territrios extra-europeus para garantir sua sobrevivncia. No obstante tudo isso, a expressiva quantidade e diversidade de estudos sobre Minas Gerais no sculo XVIII d a falsa impresso que temas como o da arrecadao do quinto sobre o ouro retirado da ento preciosa regio mineradora assunto j excessivamente consagrado e esgotado. Tal impresso no se sustenta. No obstante a riqueza e abrangncia dos variados trabalhos, as lacunas de nossa historiografia no que tange aos caminhos cotidianos da fiscalidade na formao da sociedade colonial so mais do que evidentes e demonstram a relevncia de novas perspectivas sobre o tema. Assim, mesmo se considerarmos a intensa preocupao que a questo da coleta do ouro adquiriu principalmente nos reinados de D. Joo V (1706-1750) e de D. Jos I (17501777), e de ter sido o metal amarelo de longe o recurso mais vital do imprio portugus4 - constataes estas que dispensam excessiva explicao , constatamos que foram raros os historiadores que investigaram como a Coroa tentou arrecadar a parte que teria direito nessas riquezas naturais, ainda que tenham acentuado a quantidade de ouro e logo depois de diamantes que teria chegado em Portugal nesse perodo. Poucos pesquisadores se preocuparam tambm em conhecer quais foram as diferentes polticas rgias discutidas eMONTEIRO, Nuno Gonalo. Elites e poder entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Lisboa: ICS, 2003, p. 25. 2 COSTA, Leonor Freire; ROCHA, Maria Manuela; SOUSA, Rita Martins de. O ouro do Brasil: transporte e fiscalidade (1720-1764). In: site www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_83.pdf -, pp. 1-23, p. 1. 3 FURTADO, Jnia Ferreira. Dom Luis da Cunha e a centralidade das minas aurferas brasileiras. Anais de Histria de Alm-Mar. Lisboa: 2007, Vol. VIII, pp. 69-87, p. 69. 4 PEDREIRA, Jorge M. As conseqncias econmicas do imprio: Portugal (1415-1822). Anlise Social, vol. XXXII (146-147), 1998, pp. 433-461, p. 438.1

14 delineadas para cada tipo de cobrana do ouro,5 e acrescentamos ainda que nenhum investigador procurou at o momento entender o funcionamento local dessa atividade e/ou o perfil e atuao dos agentes que diretamente estavam envolvidos na cobrana desse ouro. Parte da explicao de tal desinteresse reside nas dificuldades das prprias fontes ligadas fiscalidade, e tambm da ausncia de estudos crticos sobre elas6. A fragmentao dessas fontes, o pouco conhecimento da organizao dessas informaes restantes e parciais, bem como os contratempos ligados organizao dos arquivos patente e tm causado significativos obstculos ao trabalho dos historiadores. A explicao para essa lacuna no se resume obviamente, a nosso ver, apenas nessa carncia documental. O tipo de interpretao reinante at a dcada de 1990 tinha um carter estrutural marcante e tornava impensvel que reflexes como aquelas sobre o papel da Coroa nas regies de produo aurfera partissem de uma perspectiva local.7 O estudo das cobranas dos reais quintos originando-se, portanto, do seu funcionamento mais rudimentar e local no teria significado algum at a bem pouco tempo atrs. Nem muito menos despertaria interesse um estudo do grupo que a essa atividade se dedicava.8 No entanto, foram e continuam sendo expressivos alguns trabalhos sobre a fiscalidade dedicados a outra ordem de questes, estudos estes que aqui no cabe esmiuar, mas que interessa mencionar rapidamente algumas tendncias. O mais recente e significativo trabalho sobre o tema da fiscalidade no Brasil como um todo, teve por preocupao central, atravs de um levantamento das sries documentais existentes para os sculos XVII e XVIII, tecer tendncias gerais sobre as receitas e despesas na colnia, eNIZZA DA SILVA, Maria Beatriz. Ouro e diamantes: as dificuldades da cobrana dos Direitos Reais. Anais de Histria de Alm-Mar. Lisboa: 2007, Vol. VIII, pp. 89-101, p. 89. 6 Com exceo do trabalho sobre o Cdice Costa Matoso. FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida, CAMPOS, Maria Vernica (coord.). Cdice Costa Matoso. Coleo das notcias dos primeiros descobrimentos das minas na Amrica que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749 & vrios papis. So Paulo: Fundao Joo Pinheiro, 1999. 8 O clssico estudo de Laura de Mello e Souza, por estes motivos e pelos inerentes s fontes, deixou vazios no que tange s questes ligadas fiscalidade. o caso de: MELLO E SOUZA, Laura de. Os desclassificados do ouro: a pobreza mineira no sculo XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982, e tambm de MELLO E SOUZA, Laura de. O sol e a sombra: poltica e administrao na Amrica portuguesa do sculo XVIII. So Paulo: Companhia das Letras, 2006. 8 S recentemente alguns trabalhos mais gerais permitiram que esse tipo de tema ganhasse espao de produo. Destaca-se a importncia das atuais perspectivas prosopogrficas e suas conseqentes inovaes nas interpretaes sobre o Imprio portugus. Para citar apenas algumas obras, entre outras: FRAGOSO, Joo; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVA, Maria de Ftima Silva. (Orgs.) O Antigo Regime nos trpicos: a dinmica imperial portuguesa (sculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001; FRAGOSO, Joo Lus Ribeiro de, ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de, SAMPAIO, Antnio Carlos Juc de. Conquistadores e negociantes: histrias de elites no Antigo Regime nos trpicos. Amrica lusa, sculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mnica Ribeiro de. Nomes e nmeros: alternativas metodolgicas para a histria econmica e social. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2006.5

15 assim averiguar quanto teria custado para a metrpole o empreendimento colonial.9 Para avanar na identificao das conjunturas financeiras do Estado do Brasil, buscou-se sistematizar os dados relativos estrutura da receita e da despesa em sua relao, e no somente os montantes recebidos e arrecadados e logo depois empregados em pagamentos. Ainda que discordemos de algumas de suas concluses e de seu aparato terico, que o leva a acreditar que com a entrada de cena da minerao e montagem do seu aparato fiscal o objetivo principal foi extrair recursos para a metrpole10, reconhecemos a relevncia de um trabalho to detalhado com tema to rduo. Seguindo na mesma direo, de que o fisco foi esfera fundamental de afirmao do poder da Coroa nas Minas, encontram-se trabalhos que tendem a relacionar as polticas fiscais aos movimentos sediciosos, ou seja, compreendendo muitas das resistncias no perodo colonial como fundamentalmente antifiscais. Assim, alguns grandes tumultos e agitaes da ordem social no sculo XVIII foram associados a oposies quanto s variadas formas de pagamento do quinto do ouro, e legitimidade e justia da sua cobrana. A revolta de Vila Rica em 1720, por exemplo, teve, por muitos, causa principal atribuda discordncia com a proposta de implantao das casas de fundio.11 Para um perodo um pouco posterior, de 1764 a 1777, o mtodo da derrama foi associado poltica da ilustrao de cooptao dos mineiros na tarefa de arrecadao dos quintos. Baseando-se na interpretao fiscalista da formao do Antigo Sistema Colonial, afirma-se que muitos foram os constrangimentos e injustias que assolaram os moradores que, por sua vez, responderam pesada carga tributria com insurreies.12 Mas ainda que as razes fiscais fossem tidas como essenciais, pouco se atentou para o cotidiano da arrecadao desse direito que tanto causava, segundo eles, contestaes e violncia da populao. Mesmo a historiografia que faz de certa forma uma reviso a essas questes, conferindo s revoltas uma conjuno de fatores explicativos que no s os relativos fiscalidade, ou buscando conhecer os jogos de interesses e negociaes que tinham destacada importncia no decorrer das agitaes, em momento algum se conferiu interesse

CARRARA, Angelo Alves. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil; 1607-1700. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2009; e ______. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil, sculo XVIII: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2009. 10 CARRARA, Angelo Alves. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil, sculo XVIII... p. 9, 10. 11 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na Amrica Portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-1761. Tese de Doutorado. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1996. 12 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Derrama e poltica fiscal ilustrada. Dossi. Revista do Arquivo Pblico Mineiro. Volume 41, jul. dez. 2005, pp. 23-39.

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16 claro ao modo como essa arrecadao era feita e aos que a faziam. De fato no eram esses os objetivos das referidas pesquisas.13 Outros trabalhos atuais, ainda que escassos, comeam a dedicar-se s polticas de cobrana dos quintos que eram esboadas a cada mudana de modo de arrecadao, ou seja, que tipo de foras podiam mover essas decises e debates. Alguns acentuam, atravs de troca de cartas e defesas de secretrios do rei, os projetos de novas formas de cobrana (como o de Alexandre de Gusmo) e suas discusses na Corte.14 As alteraes fiscais so relacionadas com a formulao e uma nova percepo sobre a poltica ultramarina com discusso sobre o exerccio da poltica e a organizao do poder na Corte. Discusses sobre projetos se repetem, s quais alm de um mtodo de arrecadao, se discutia, nas entrelinhas deste processo de implementao fiscal a estrutura de mando o modo de governar.15 Os circuitos de deciso e de tomadas de deciso acerca dos mtodos de arrecadao do ouro podem ser dessa maneira bem melhor conhecidos e problematizados.16 Em um caminho um pouco distinto, mas igualmente inovador, outra srie de estudos tm conferido ateno s remessas do ouro da Coroa ou de particulares, bem como o seu transporte, logo aps que o precioso metal fizesse essa passagem para o lado de l do oceano, e assim uma parcela chegasse ao destino dos cofres da realeza de Portugal. Afinal, fiscalizar bem a entrada de ouro era to importante quanto registrar os pormenores de sua produo na Colnia e de seu transporte at Portugal.17 Alguns desses estudos tentam dar um enfoque mais monetrio, analisando as emisses de moeda de ouro em Portugal e as polticas monetrias no Brasil18; outros buscam caracterizar o fluxo do ouro sob a forma de p, barra e moeda entre o Brasil e Portugal como fator para a compreenso das relaes

ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos rebeldes: violncia coletiva nas Minas na primeira metade do sculo XVIII. Belo Horizonte: Editora c/ Arte, 1998; CAMPOS, Maria Vernica. Governo de mineiros: de como meter as minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado 1693 a 1737. Tese de doutorado. So Paulo: Universidade de So Paulo, 2002; KELMER MATHIAS, Carlos Leonardo. Jogos de interesses e estratgias de ao no contexto da revolta mineira de Vila Rica, c. 1709 c. 1736. Dissertao de mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. 14 NIZZA DA SILVA, Maria Beatriz. Ouro e diamantes: as dificuldades da cobrana dos Direitos Reais. Anais de Histria de Alm-Mar. Lisboa: Vol. VIII, 2007, pp. 89-101. 15 BICALHO, Maria Fernanda. Inflexes na poltica imperial no reinado de D. Joo V. Anais de Histria de Alm-Mar. Lisboa: 2007, Vol. VIII, pp. 37-56. 16 COSTA, Andr da Silva. Direitos reais, tributao, governo: os papis sobre a capitao do ouro na dinmica poltica da Corte (1731-1750). Texto indito. Lisboa: 2003, pp. 1-40. 17 COSTA, Leonor Freire; ROCHA, Maria Manuela; SOUSA, Rita Martins de. Primeira parada: Portugal. Dossi ouro. Revista de Histria da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: novembro 2008, ano 4, no 38, pp. 22-25. 18 SOUSA, Rita Martins de. O Brasil e as emisses monetrias de ouro em Portugal (1700-1797). Penlope. N 23, 2000, pp. 89-107.

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17 econmicas19; ou ainda visam conferir relevncia questionamentos mais especficos do universo de agentes ligados ao circuito do ouro, buscando conhecer a rede de sujeitos ligados a essa rota, com fontes at ento desconhecidas.20 J os trabalhos que de certa maneira chegaram mais perto especificamente do tema da arrecadao dos quintos privilegiaram, em geral, o conhecer as periodizaes dos mtodos de cobrana, ou seja, construir basicamente sistematizaes dos tipos de coleta por perodo. Para tanto, tiveram correntemente por base a legislao e os regimentos decretados sobre as Minas, em nenhum momento se dedicando para tanto a uma anlise da documentao especfica sobre a cobrana dos quintos. Tais estudos, alguns mais indiretamente que outros na abordagem do tema, remontam dcada 193021; alm de diversos memorialistas e viajantes que nos ofereceram tambm importantes informaes sobre as cobranas, ainda que esparsas.22 Desde l se sucederam vrias menes s formas de arrecadao do ouro, dando a perceber que a fixao dessas sistematizaes parecia caro para a historiografia afeita ao tema. Percebem-se apenas pequenas discordncias em tais periodizaes, que em geral dividem as dcadas da minerao em perodos de alternncia dos mtodos de bateias, capitao, e casas de fundio.23 Outro estudo, que teve por objeto o processo de centralizao monrquica com fins tributrios e administrativos nas Minas entre 1693 e 1737, buscou conferir grande ateno

COSTA, Leonor Freire; ROCHA, Maria Manuela; SOUSA, Rita Martins de. Op. Cit. COSTA, Leonor Freire; ROCHA, Maria Manuela. Remessas do ouro brasileiro: organizao mercantil e problemas de agncia em meados do sculo XVIII. Anlise Social. Vol. XLII (182), 2007, pp. 77-98. 21 Os trabalhos mais comumente citados, que no so focados exclusivamente na arrecadao dos quintos, so os seguintes, entre outros tantos: BOXER, Charles R. A idade do ouro do Brasil. So Paulo: Editora Nacional, 1969; HOLANDA, Srgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: Histria Geral da Civilizao Brasileira. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1973, pp. 259-310; PINTO, Virglio Noya. O ouro brasileiro e o comrcio anglo-portugus: uma contribuio aos estudos da economia atlntica no sculo XVIII. 2. ed. So Paulo: Ed. Nacional, 1979. Alguns mais especficos podem ser mencionados: CALGERAS, Joo Pandi. As minas do Brasil e sua legislao. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935; CARDOSO, Manuel da Silveira Soares. Os quintos do ouro em Minas Gerais (1721-1732). Congresso do Mundo Portugus. Lisboa, vol. 10, 1940, pp. 117-128. 22 ANTONIL, Andr Joo [Joo Antnio Andreoni]. Cultura e opulncia do Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1982; ROCHA, Jos Joaquim da. Geografia histrica da Capitania de Minas Gerais. Descrio geogrfica, topogrfica, histrica e poltica da Capitania de Minas Gerais. Memria histrica da Capitania de Minas Gerais (1788). Belo Horizonte: Fundao Joo Pinheiro, 1995; entre outros. 23 Para detalhes sobre as formas que a Coroa portuguesa lanou na cobrana dos quintos ver: CARRARA, Angelo Alves. Administrao fazendria e conjunturas financeiras da capitania de Minas Gerais 17001807. (Relatrio de Pesquisa). Mariana: UFOP, 2002; CARRARA, Angelo Alves. Produo mineral e circulao mercantil na capitania de Minas Gerais 1700-1807. (Relatrio de pesquisa). Mariana: UFOP, 2002; PAULA, Joo Antnio de. A minerao de ouro em Minas Gerais do sculo XVIII. In: RESENDE, Maria Efignia Lage de; VILLATA, Luiz Carlos. Histria de Minas Gerais: As Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autntica, Companhia do Tempo, 2007, pp. 279-301. Essas sistematizaes foram feitas com base em uma srie de autores desde Simonsen, Pinto, Boxer, Eschwege, entre outros, como se pode verificar nos artigos.20

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18 arrecadao dos quintos.24 As formas de cobrana, dificuldades de coleta, e os variados conflitos envolvendo a questo, foram contemplados. Mas ainda que tal pesquisa tenha qualidades evidentes, a utilizao somente de corpus documentais de cunho oficial correspondncia de governadores, editais, ordens rgias, regimentos, entre outros -, deixa dvidas quanto validade de algumas periodizaes, alm de dar suporte para equvocos e concluses demasiado categricas sobre o processo de centralizao da Coroa em Minas. Os momentos fundadores de obedincia Coroa remontariam aos primeiros anos de ocupao, sendo a dcada de 1730 o fim de um processo de limitao realmente efetivo da atuao das elites locais e das autoridades que deviam cuidar dos interesses rgios na regio. No decorrer dessa pesquisa, que objetivou sanar algumas das lacunas mencionadas no incio, fomos verificando como esse tipo de interpretao, pelo menos no tocante arrecadao do quinto real, no tinha sustentao emprica. Ao traar o perfil dos cobradores dos quintos do Termo de Mariana, que atuaram entre 1718 e 1733, e analisar sua atuao, suas estratgias e redes, fomos descobrindo como esses homens que se constituam poderosos locais, supostamente afastados da matria dos quintos, continuavam tratando dela em perodos mais longos do que se supunha. E quando nos colocamos ainda na tarefa de compreender o funcionamento local da cobrana do quinto e das responsabilidades institucionais nessa atividade, tambm verificamos como o tema da arrecadao dos quintos necessitava de um tratamento mais social e menos afeito a nmeros e verses oficiais. Assim, situamos nosso trabalho distante de esquematismos excessivos de dominao que, alis, h muito no so aceitveis diante de consecutivos estudos a acentuar como as dimenses da negociao so essenciais para entender esse tipo de sociedade.25 Nesse contexto crtico, as tendncias atuais apontam para a colocao do estudo de elites coloniais em cena, bem como tambm na sua relao com os demais grupos, revelando produo notvel e elevada qualidade.26 Nesse momento, deixamos claro que, amparados nesses estudos, entendemos por elites aqueles que controlavam ou

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CAMPOS, Maria Vernica. Governo de mineiros... Segundo Jean-Frdric Schaub, a historiografia brasileira, juntamente com a dos Estados Unidos, se encontra engajada nas confrontaes que podem revelar-se teis para refletir melhor as articulaes entre as metrpoles e suas conquistas, e que se afastam de ortodoxias anteriores. SCHAUB, Jean-Frdric. La catgorie tudes coloniales est-elle indispensable? Editions de lEHESS, Annales. Historie, Sciences Sociales. 2008/3, 63e anne, pp. 625-646, p. 625. 26 Alguns dos principais trabalhos j mencionados na nota 8.

19 pretendiam controlar as artrias da economia colonial,27 no plural considerando a heterogeneidade desses grupos.28 Para as Minas, esses grupos locais, reconhecidos como parte fundamental do organismo pelo qual o rei devia zelar29, j comearam a ser satisfatoriamente conhecidos. Os conquistadores, que se tornavam a nobreza da nova terra, faziam surgir uma nova geografia poltica, com novas feies e alianas familiares supracapitanias.30 Trabalhos visando conhecer o perfil econmico, origem e insero poltica e social desses grupos, revelam que esses homens em geral se destacavam pelos bens que possuam, pelas patentes militares que ostentavam, pelos pleitos com o Conselho Ultramarino ou cargos da administrao colonial que ocupavam.31 Destacamos ainda que falamos de um perodo e regio caracteristicamente vinculado ao que vem sendo denominado mais recentemente de monarquia pluricontinental. Tal noo, agregada concepo corporativa de sociedade e de autogoverno das comunidades, seria uma chave cognitiva importante e capaz de dar conta da dinmica do imprio ultramarino portugus.32 Nessa monarquia pluricontinental os diferentes espaos, Reino e domnios, estariam integrados em uma mesma construo poltica. Tanto para Portugal quanto para as diversas conquistas extra-europias, havia um grande conjunto de leis, regras e corporaes, que conferiam unidade e significado s variadas reas vinculadas entre si e ao Reino.33 E tudo isso se tornava realidade pela ao cotidiana de indivduos que viviam espalhados pelo imprio em busca de oportunidades de acrescentamento social e material,

FRAGOSO, Joo Lus Ribeiro; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; SAMPAIO, Antnio Carlos Juc de. Introduo. In: ______. Conquistadores e Negociantes..,. p. 19. Adotamos essa definio, mas tambm entendemos a impreciso do termo elite e concordamos tambm com Hespanha quando destaca que todos os grupos so de certa forma elite por ter algum grupo que os reconheam como detentores de uma legitimidade para dirigir. HESPANHA, Antnio Manuel. Governo, elites e competncia social: sugestes para um entendimento renovado da histria das elites. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lcia Amaral. Modos de Governar: idias e prticas polticas no Imprio Portugus, sculos XVI a XIX. So Paulo: Alameda, 2005, pp. 39-44. 28 Sobre as mltiplas formas que a nobreza assumiu na colnia ver: NIZZA DA SILVA, Maria Beatriz. Ser nobre na colnia. So Paulo: Unesp, 2005. 29 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mnica Ribeiro de. A conquista do Centro-Sul: fundao da Colnia de Sacramento e o achamento das Minas. Texto indito (em prelo). Rio de Janeiro: 2009, pp. 1-39, p. 38,39. 30 FRAGOSO, Joo. Potentados coloniais e circuitos imperiais: notas sobre uma nobreza da terra, supracapitanias, no Setecentos. In: MONTEIRO, Nuno; CARDIM, Pedro; CUNHA, Mafalda Soares da (org.). Optima Pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo Regime. Lisboa: ICS, 2005, pp. 133-168, p. 133. 31 Destaque especial para: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, homens bons... 32 Constatao feita por: FRAGOSO, Joo; GOUVA, Maria de Ftima. Monarquia pluricontinental e repblicas: algumas reflexes sobre a Amrica lusa nos sculos XVI-XVIII. Texto indito (em prelo). Rio de Janeiro: 2009, pp. 1-18, p. 2. Ver ainda: 33 Idem, p. 8.

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20 e que tais indivduos no se colocam passivos diante das regras gerais e que se utilizam das fraturas existentes no permanente dilogo travado entre regras gerais e locais.34 A concepo de sociedade corporativa, por sua vez, se assenta principalmente na noo de que no havia a possibilidade de um poder incompartilhado, em sociedade e tempo algum. A cabea, ou seja, o rei, deveria manter a harmonia e realizar a justia, mas seu poder era tambm distribudo com os demais membros da sociedade, e s assim se garantia o funcionamento do bem comum. Essa indispensabilidade de todos os rgos da sociedade se desdobra da constatao da impossibilidade de um poder puro, absoluto.35 E tambm nas colnias o que teria prevalecido foi um modelo corporativo no perodo moderno e a Coroa podia dispor de poucos meios para se afirmar de maneira exclusiva.36 Afinal, concordamos que num ambiente muito mais pluralista que no reino, estirado por foras centrfugas ainda mais potentes, alongado pelas distncias, a centralidade do imprio portugus:dissolvia-se num emaranhado de relaes contraditrias entre uma multiplicidade de plos, nos quais a coroa ocupava lugares e hierarquias diversas, freqentemente insignificantes, por vezes escandalosamente rebaixadas; e em que, em contrapartida, tanto se alevantavam poderes locais altaneiros, como as tais sombras dos funcionrios rgios se alongavam em dimenses autnomas, cobrindo e dando legitimidade prtica a toda a sorte de iniciativas e ousadias, que os regimentos rejeitavam e as cartas rgias mal podiam coonestar.37

J a prerrogativa do auto-governo das comunidades, isto , a legitimao desse poder pela legislao da prpria monarquia, deu-se para reconhecer o papel de liderana local que cabia s "pessoas principais das terras" (1570), aos "melhores dos lugares" (1603, Ordenaes), aos "melhores da terra" (1618), s "pessoas da melhor nobreza" (1709), e assim reservando-lhes os "principais ofcios da Repblica" nas diversas povoaes do reino, ou seja, os ofcios honorrios das cmaras e os postos superiores das ordenanas."38 Essa noo enfatiza a vitalidade e autonomia dos corpos polticos locais, onde a realeza por no dispor de meios para provir nomeaes em toda parte, e para aprovar e interferir nas34 35

FRAGOSO, Joo; GOUVA, Maria de Ftima. Op. Cit., p. 9. HESPANHA, Antnio Manuel. A representao da sociedade e do poder. In: Mattoso, Jos. (Org.) Histria de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 122-125, p. 123. 36 MONTEIRO, Nuno Gonalo. Elites e poder entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Lisboa: ICS, 2003, p. 26, 27. 37 HESPANHA, Antnio Manuel. Depois do Leviathan. Almanack Braziliense. No 5, maio 2007, pp. 55-66, p. 58. 38 MONTEIRO, Nuno Gonalo. Op. Cit., p. 43.

21 escolhas locais, teve que reconhecer os grupos locais prestigiados. Assim, a vida econmica, as questes de abastecimento, o recrutamento militar, a defesa sanitria e parte das imposies fiscais, ou eram atribuies que iam sendo reforadas, ou eram novamente delegadas aos municpios, ou at para eles transferidas.39 Por fim, destacamos que nos amparamos terica e metodologicamente nos pressupostos da micro-histria italiana, e tambm no que foi influenciada por concepes antropolgicas de Fredrik Barth.40 No decorrer do trabalho se ver como tais pressupostos nos foram fundamentais, principalmente quando admitimos a relevncia de se conhecer a vida e as relaes de um grupo de indivduos na sua atuao direta e cotidiana com o ouro do quinto, para se compreender melhor a prpria sociedade que tinha tal metal como protagonista da principal atividade econmica do perodo. Por agora apenas destacamos que essa experimentao metodolgica foi a mais acertada e nos permitiu uma anlise muito mais refinada do processo de arrecadao do quinto.Quanto ao mais, parece-me evidente que a prtica micro-histrica hoje uma das mais vivas e uma das mais fecundas do ponto de vista analtico: a escolha essencial de uma escala de observao se baseia na convico central de que ela oferece a possibilidade de enriquecer as significaes dos processos histricos por meio de uma renovao radical das categorias interpretativas e de sua verificao experimental.41

O que se ver nas prximas pginas, portanto, uma tentativa de tratamento social a um tema fiscal, investindo de vida e povoando de indivduos a compreenso de um ato de cobrana. No Captulo 1 tivemos por objetivo apresentar a tema da arrecadao dos quintos do ouro, no contexto das Minas no sculo XVIII, como um problema que merece ainda um tratamento diferenciado do que at ento se verifica. O tema legitimado passamos a resgatar importantes informaes sobre o funcionamento local da atividade atravs principalmente de um conjunto documental da Cmara Municipal de Mariana. Atentamos, tanto quanto possvel, para o cotidiano dessa tarefa, como efetivamente ela se realizava no seu sentido mais rudimentar, nos mais variados lugarejos das Minas. SistematizamosMAGALHES, Joaquim Romero. Os nobres da governana das terras. In: MONTEIRO, Nuno; CARDIM, Pedro; CUNHA, Mafalda Soares da (org.). Optima Pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo Regime. Lisboa: ICS, 2005, p. 66, 67. 40 A obra de Karl Polanyi tambm foi referncia igualmente importante para alguns autores, na medida em que defendeu uma substncia humana e natural da sociedade, onde a economia sempre estaria submersa nas relaes sociais, sendo assim impossvel de se pensar em uma mo invisvel a controlar o mercado em qualquer poca. POLANYI, Karl. A grande transformao: as origens da nossa poca. Rio de Janeiro: Campus, 2000. 41 GRENDI, Edoardo. Repensar a micro-histria? In: REVEL, Jacques (org.) Jogos de escalas: a experincia da microanlise. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1998, p. 262.39

22 alguns dados estatsticos, mas centramos a ateno mais detidamente na discusso sobre quais instituies recaa a responsabilidade concreta de gerir a cobrana, o que foi nos dando constantemente embasamento emprico para uma crtica das periodizaes consagradas sobre os quintos. No captulo 2 apresentamos os personagens que tornavam realidade essa cobrana do real quinto de Sua Majestade, aqueles que deviam se responsabilizar por ela cotidianamente. Mostramos como a historiografia at o momento tem trazido esses atores a nosso conhecimento de forma exclusivamente informativa, ainda que tenha nos permitido fazer as primeiras incurses ao mundo desses homens do ouro, como nos demos permisso de denomin-los. Logo aps, nos dedicamos a uma caracterizao detalhada desses indivduos, bens que possuam, situao civil, naturalidade, pertencimento a irmandades e ordens religiosas, mdia de permanncia no cargo, requerimentos ao Conselho Ultramarino, entre outros aspectos. J o Captulo 3 foi dedicado a uma sondagem da atuao desses homens enquanto agentes da cobrana de um direito to importante; s estratgias de ascenso social e manuteno de status que, por vezes, tomavam carter to especfico; e s reconstrues das redes criadas e mantidas por alguns desses homens com outros cobradores dos quintos ou poderosos locais. Verificamos como esses indivduos desempenhavam diversos papis sociais e ocuparam os mais variados postos na Vila do Carmo, sejam eles de natureza administrativa, judicial ou militar. Demonstramos como a acumulao desses cargos tinha por objetivo afirmar ainda mais o prestgio social desses homens e sua autoridade de mando e controle da populao, prerrogativas essas indispensveis para a prpria boa realizao da atividade de cobrana dos quintos.

23 Captulo 1 A Cmara da Leal Vila do Carmo na cobrana dos Reais Quintos

1.1 As extensas e abundantes minas de ouro e o quinto de El-ReiO ouro o metal mais sublime e mais admirado que a terra produz... Entre outras virtudes que a natureza lhe conferiu, uma singular: a de confortar a fraqueza do corao e provocar alegria e magnanimidade, afastar a melancolia e clarear os olhos na escurido... 42 Porque no atendeis a grande fome que de ouro esto padecendo e os voos cobradores sempre dizendo Venha a ns43

O impacto da descoberta das preciosas minas de ouro na regio que hoje conhecemos por Minas Gerais foi comprovadamente sem precedentes, sem dvidas uma das experincias coloniais mais marcantes no Novo Mundo. Por essas Minas, que teriam tomado este nome por serem as suas faisqueiras continuadas, em as quais se acha ouro com mais ou menos conta, foram se rompendo os matos gerais, desde a grande Serra da Mantiqueira, at penetrarem o mais recndito das Minas, menos j na conquista do gentio que na diligncia do ouro.44 Tal descobrimento, em fins dos Seiscentos, encarregou-se de encerrar dois sculos de frustrao por tal faanha no ter se realizado nos momentos iniciais da colonizao. No entanto, a surpresa da descoberta desse tesouro, ainda que tardia, no deixou de ser uma feliz novidade. Assim que o achado de quantias significativas do metal se deu por certo, o fascnio foi inevitvel e as correntes migratrias a se direcionar para as minas eram provenientes dos mais diversos lugares do Imprio portugus. A busca por enriquecimento fcil, seja no trabalho direto com a minerao ou em outras atividades que dariam suporte para essa sociedade em formao, era uma expectativa real. Naquela regio montanhosa, de gua abundante, vrios minerais e toda espcie deBAKEWELL, A minerao na Amrica Espanhola Colonial. In: Bethell, Leslie (org.). Histria da Amrica Latina: a Amrica Latina Colonial. Vol 2. So Paulo: EDUSP, 1999, p. 99. Segundo Raphael Bluteau este era o mais precioso dos metaes. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez e latino. DINFO: Universidade do Estado de Rio de Janeiro. CR-ROM. 43 Padre noo dos moradores das minas gerais, documento citado por FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na Amrica Portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-1761. Tese de Doutorado. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1996, p. 175-180. 44 ROCHA, Jos Joaquim da. Geografia histrica da Capitania de Minas Gerais. Descrio geogrfica, topogrfica, histrica e poltica da Capitania de Minas Gerais. Memria histrica da Capitania de Minas Gerais (1788). Belo Horizonte: Fundao Joo Pinheiro, 1995, p. 78.42

24 animais,45 de riquezas de todas as espcies,46 foram-se adentrando dia-a-dia distintos personagens, convidou a fama das minas to abundantes do Brasil homens de toda a casta e de todas as partes.47 Os obstculos que as perigosas marchas certamente traziam, pareciam no ser intransponveis e diversos relatos sobre uma desordenada corrente migratria apontam para a dificuldade de se estimar quantos para l se dirigiram. Seja como for, uma extenso territorial at ento desconhecida foi penetrada, no se perdoando ao rio mais remoto e caudaloso, nem a serra mais intratvel e spera.48 E a nossa Chile, segundo Toms Antnio Gonzaga, tinha flor da terra, extensas e abundantes minas de ouro.49 A Vila do Carmo (depois cidade de Mariana), uma das mais ricas e povoadas regies de extrao aurfera, possua grande capacidade de arrecadao e gerao de recursos,50 e o ouro l retirado era em grandes quantias e de excelente qualidade, chegando a 22 quilates.51 Muitas fortunas foram feitas e perdidas naqueles dias de ouro.52 Essa riqueza, evidentemente valiosa, proporia rumos distintos para a sociedade colonial nessas localidades recm descobertas. Acreditamos que a orientao tenha sido semelhante evidenciada para a Amrica espanhola: Poucos aspectos da vida colonial permaneceram intocados pela minerao. O ouro e a prata acenderam os olhos dos conquistadores e exploradores.53 Seria mais do que plausvel que todas as esferas da vida fossem atingidas quando uma mudana dessa natureza se verificava bruscamente. Aos poucos os arraiais das vrias minas foram crescendo, as vilas sendo criadas, as cmaras institudas, os caminhos construdos e melhorados, e um vasto mercado consumidor se originou para suprir as variadas necessidades dos habitantes desses sertes. As outras capitanias, como So Paulo e Rio de Janeiro, foram perdendo populao e vendo

MATOS, Raimundo Jos da Cunha. Corografia Histrica da Provncia de Minas Gerais (1837). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; So Paulo: Ed. da Universidade de So Paulo, 1981, p. 164, 165. 46 ORBIGNY, Alcides d. Viagem pitoresca atravs do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; So Paulo: Ed. da Universidade de So Paulo, 1976, p. 161. 47 ROCHA, Jos Joaquim da. Op. Cit., p. 194. 48 Idem, p. 80,81. 49 GONZAGA, Toms Antnio. Cartas Chilenas. 1789. Site: www.hotbook.com.br., p. 23. 50 Carrara destaca que a arrecadao em Mariana foi a maior em praticamente todo o perodo compreendido entre 1717 e 1737, s sendo superada em alguns momentos por Sabar. CARRARA, ngelo Alves. Agricultura e pecuria na capitania de Minas Gerais (1674-1807). Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1997, p. 63-64. Sobre gerao de recursos na Comarca de Vila Rica ver: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, homens bons: produo e hierarquizao social em Minas Colonial: 1750-1822. Tese de doutorado. Niteri: Universidade Federal Fluminense, 2001, cap. 5. 51 ANTONIL, Andr Joo. Cultura e opulncia do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1982, p. 166. 52 BOXER, Charles Ralph. A idade de ouro do Brasil: dores de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 75. 53 BAKEWELL, Peter. Op. Cit., p. 148.

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25 suas lavouras abandonadas por conta do intenso interesse pelo precioso metal.54 E foram evidentes tambm as redefinies de papel conseqentes da descoberta desse ouro. Nenhum outro acontecimento teria tido tanta importncia na redefinio do papel do Rio de Janeiro nos quadros do Imprio portugus quanto a descoberta do ouro no interior da Amrica, fazendo com que a economia da cidade se transformasse rapidamente por conta da abertura de um amplo mercado consumidor nas regies aurferas55 Obviamente, tambm dentro das Minas, admitindo uma metfora j utilizada, nem tudo que reluz vem do ouro.56 A extrao aurfera fora a razo de ser da ocupao dessa regio,57a impulsionadora, mas no a principal atividade econmica em todos os cantos das Minas. As atividades agropastoris e manufatureiras, alm das intensas relaes comerciais, tiveram espao muito importante.58 Acrescente-se ainda que difcil negar a excepcionalidade da ocupao e desenvolvimento das Minas. evidente que toda uma conjuntura poltico-econmica diversa emergiu naqueles sertes como efeito do novo e cobiado produto. Diferentemente da grande lavoura, a minerao em Minas no sculo XVIII foi, como acentuam muitos, a produo de uma moeda que a qualquer instante poderia ser posta em circulao, em barras ou em ouro em p. No dependendo de financiamentos externos como as outras atividades, esse empreendimento se autofinanciava.59 Mas certo, de igual forma, que em Minas tambm se constituiria uma sociedade que herdara padres de Antigo Regime, a saber, aqueles de honra, status, privilgios, amizade, to profundamente inculcados na mentalidade e no agir das pessoas dessa poca.60 Tratava-se de uma formao especfica, mas fundamentalmente de uma sociedade que tambm traava destinos dspares para os indivduos que nela viviam61, justamente

HOLANDA, Srgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: Histria Geral da Civilizao Brasileira A poca colonial Administrao, economia, sociedade. Vol. 2. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1973, p. 280. 55 SAMPAIO, Antnio Carlos Juc de. Na encruzilhada do Imprio: hierarquias sociais e conjunturas econmicas no Rio de Janeiro (c. 1650 c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 151. 56 BOSCHI, Caio C. Nem tudo o que reluz vem do ouro... In: SZWRECSNYI, Tams (org.). Histria Econmica do Perodo Colonial. So Paulo: Hucitec, Associao Brasileira de Pesquisadores em Histria Econmica, Editora da Universidade de So Paulo, Imprensa Oficial, 2002, pp. 57-65. 57 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Op. Cit., p. 84. 58 BOSCHI, Caio C. Op. Cit. 59 CARRARA, Angelo Alves. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil, sculo XVIII: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2009, p. 18, 19. 60 HESPANHA, Antnio Manuel; XAVIER, ngela Barreto. As redes clientelares. In: Mattoso, Jos. (Org.) Histria de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 381. 61 ALMEIDA, Op. Cit., p. 84.

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26 porque era uma constituio que no surgira do nada, mas de valores comuns ao Imprio portugus ao qual fazia parte.62 Uma forma mais sofisticada de entender tal realidade das sociedades no Ultramar acreditamos ser aquela que admite que a cultura institucional do Imprio portugus era uma cultura viajante, ou seja, parte de um local, chega a outro, mistura-se, dialoga, violentada ou violenta instituies locais. E as periferias criam variaes s vezes muito longe do modelo central.63 De fato, as variaes existiram at dentro das sociedades europias, pois a estrutura de Antigo Regime no era um bloco monoliticamente isento de mudanas, repetindo-se homogeneamente ao longo destes trs sculos e tal.64 Para as colnias certamente no seria diferente, muito pelo contrrio, face a um modelo geral, as adaptaes seriam at mais perceptveis. J o justo direito do rei, enquanto soberano de suas conquistas, sobre o precioso ouro das Minas Gerais, foi uma prerrogativa constantemente afirmada e discutida. Regimentos e instrues buscaram regular a atividade aurfera e assim assegurar o mximo de privilgios s autoridades metropolitanas, principalmente que fosse recebida corretamente a parte dessa riqueza que cabia ao monarca portugus. Com efeito, desde a chegada Amrica, a Coroa incentivara a entrada no serto busca do ouro e todos aqueles que se dispusessem a procur-lo, assim como tambm s pedras preciosas, deviam ser recompensados com mercs por seus trabalhos e despesas.65 Mas nesse incio os achamentos foram minguados e o Errio Rgio no tinha tido interesse algum pelos quintos do ouro extrados no Brasil.66 J no incio do sculo XVIII, a situao era outra, e dificilmente se poderia imaginar que houvesse uma preocupao maior no momento para a Coroa portuguesa do que a arrecadao desse ouro. Todavia, a legitimidade dessa cobrana foi tema sempre posto em causa. Do quinto do ouro retirado das minas do Brasil, acentuou-se o fundamento de que dessa riqueza se devia a El-Rei em conscincia, e ainda afirmou-se que a lei feita para garantir a cobrana do precioso metal amarelo no meramente penal, ainda que traga anexa a cominao da pena contra os transgressores, mas que lei dispositiva e moral e que obriga antes da

Idem, p. 174. HESPANHA, Antnio Manuel. Entre a lei e a realidade. Entrevista. In: Nossa Histria, agosto 2006, p. 43. 64 GODINHO, Vitorino Magalhes. A estrutura social do Antigo Regime. In: A estrutura da antiga sociedade portuguesa. Lisboa: Arcdia, 1975, p. 108. 65 NIZZA DA SILVA, Maria Beatriz. Ser nobre na colnia. So Paulo: Unesp, 2005, p. 93. 66 MATOS, Raimundo Jos da Cunha. Corografia Histrica da Provncia de Minas Gerais (1837). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; So Paulo: Ed. da Universidade de So Paulo, 1981, p. 312.63

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27 sentena do juiz, em conscincia (...).67 Obviamente essa concepo foi contestada e muito debatida, e outros consideravam que o quinto sobre o ouro poderia ser tratado apenas do ponto de vista formal e que seria, portanto, um tributo, j que estabelecia pena de perda de fazenda e degredo por descaminho.68 A polmica do que era tributo ou renda real em torno do ouro das Minas, ainda mais sendo ele aluvionar, ou de superfcie, que tinha o complicador de no ser objeto de disposio legal, foi levantada bem no incio da ocupao pelo Governador Artur de S Menezes (1697-1701). Quando Antonil escreveu sua obra, o problema jurdico j estaria superado, e justamente por isso o livro teria sido apreendido e proibido de circular, para que no se reacendessem as dvidas a respeito do assunto.69 Em 1717, o Conde de Assumar, em seu discurso de posse do governo das capitanias de So Paulo e Minas do Ouro, advertiu que para que a antiga glria dos descobrimentos se renovasse, e o rei recebesse ainda maiores tesouros, e para que os vassalos da colnia tambm se enriquecessem, devia-se com menos avareza e mais generosidade aumentar-se os seus errios com mais quintos to devidos pelas humanas leis, quanto pelas divinas (...)70 No temos por objetivo concluir algo sobre questo to delicada. S acentuamos que o que era certo que o ouro arrecadado no era usado para interesses do Reino, mas sim do monarca, da famlia real. Por isso acreditamos na sua natureza de direito senhorial, que devia ser gasto por decises privadas e no para manuteno das colnias ou da metrpole.71 De qualquer modo, o fato que a preocupao com a cobrana desse ouro era certa e urgente, porque a quinta parte de tudo que se retirasse era devida figura de Sua Majestade. E essa riqueza foi arrecadada e enviada aos cofres do rei. Agora veremos como e para quem tamanha responsabilidade foi confiada.

1.2 Os reais quintos que se cobram por esta cmara

ANTONIL, Andr Joo. Op. Cit., p. 178, 179. CAMPOS, Maria Vernica. Op. Cit., p.75. 69 MATOS, Raimundo Jos da Cunha. Op. Cit., p. 205. 70 MELLO E SOUZA, Laura de. Um documento indito: o discurso de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como Governador das capitanias de So Paulo e Minas do Ouro, em 1717. In: Norma e conflito: aspectos da histria de Minas no sculo XVIII. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999, p. 39. 71 Carrara afirma que do montante arrecadado no se poderia retirar valor algum para despesas ordinrias ou eventuais. Isso aconteceu somente quando se teve que gastar com obras para a Casa da Fundio e Moeda e para se fazer emprstimo Demarcao Diamantina em 1772. CARRARA, Angelo Alves. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil, sculo XVIII... p. 13, 44-47.68

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28 Vila de Nossa Senhora do Carmo, seis de novembro de 1718. O provedor dos quintos reais, Sargento-mor Rafael da Silva e Souza, no ato da cobrana do quinto real do Capito Gaspar Dias de Azevedo, dava o Juramento dos Santos Evangelhos conforme o Regimento que lhe havia sido declarado e recebido. Esse mineiro, morador de Bento Rodrigues, distrito da referida vila, declarava ao dito provedor que possua os escravos Antnio Mina, Bernardo Mina, Sebastio Congo, Domingos Banguela, Manoel Banguela e Maria Conga, alm de duas vendas. Sobre esses incidia o famoso direito do quinto. E o provedor assinava no fim do registro. Alguns dias depois, em 12 de novembro do mesmo ano, outro morador de Bento Rodrigues, Diogo Gonalves, declarou ao mesmo provedor dos reais quintos seus dois escravos, Caetano Cabo Verde e Jorge Mina. Esse homem que vivia de sua lavoura, tambm cumpria a mesma tarefa de declarao que o primeiro, ainda que no desenvolvesse a atividade mineradora. E tambm assinava junto ao provedor e o escrivo, mas por no saber ler e escrever fazia a marca de uma cruz, como era de costume nesses casos.72 J no ano de 1733, aos sete dias do ms de agosto, o cobrador Capito Manoel Pereira de Souza, carregava em receita ao tesoureiro geral o Sargento-mor Manoel Ferraz, 2.165 oitavas, e 80 ris de ouro, referentes lista de escravos e vendas de Vila do Carmo. No mesmo dia tambm fazia uma entrega de ouro ao tesoureiro da cmara o cobrador Manoel Correia Rebelo, das suas 3.114 oitavas e de ouro, do recebimento da arrecadao do quinto onde era responsvel, no distrito de Furquim, tambm localizado no Termo de Vila do Carmo.73 Esse teor de registros, respectivamente para o marco cronolgico que abrange o perodo entre o primeiro e o segundo relato acima, ou seja, 1718 e 1733, consta nos Livros de Matrculas, Arrolamentos de Escravos e Lanamentos para a Cobrana do Quinto do Ouro de 1718 a 1720, localizados no Centro de Estudos do Ciclo do Ouro da Casa dos Contos de Ouro Preto (originais no Arquivo Pblico Mineiro); e nos Livros de Recebimento, Receita e Lanamento dos Quintos de Ouro de 1721 a 1733 (com lacuna para 1726), existentes no Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana. So no total 13 livros.74 Os trechos acima, contidos nesses livros, testemunham sobre a realizao da atividade de arrecadao do quinto do ouro, que devia seguir para o rei de Portugal, como

72 73

CC, Rolo 5, Volume 1033. AHCMM, Cdice 421 Livro da receita de cobrana dos reais quintos 1728-1739. 74 Referncias completas no fim deste texto.

29 parte devida de seu patrimnio nas Minas. Essas fontes sero agora nossa principal base para investigar como essa importante tarefa foi desempenhada.

1.2.1 Os livros dos quintos e uma breve sistematizao Entre os dois limites temporais acima situamos, portanto, nosso enfoque de investigao sobre o funcionamento local da cobrana do quinto. Evidentemente o trabalho com os livros para esses dezesseis anos no permite a sua utilizao como base para o conhecimento da totalidade da arrecadao dos quintos em Mariana. Mas esse tambm nunca foi nosso objetivo direto, que se concentra, como j mencionamos, no cotidiano da arrecadao e no cargo de cobrador. Acrescentamos ainda que essas fontes no constituem um registro serial padronizado, ou seja, cada livro ou conjunto de livros obedece a uma lgica de contedo prprio, no apresentando rigidamente as mesmas informaes, como vimos nos excertos do incio. Nossa hiptese que so somente resqucios de um corpus documental que provavelmente abrangia a quase totalidade do perodo setecentista. Infelizmente no temos conhecimento onde se encontram os demais cdices. Talvez estejam perdidos em algum arquivo de Portugal75 ou tenham simplesmente desaparecido e/ou sido destrudos no decorrer dos sculos.76 Contudo, apesar dos problemas destacados, que seguramente so os mesmos para muitos dos arquivos no Brasil, e dos obstculos pesquisa deles resultantes, fundamental reconhecer que as potencialidades dessas fontes para estudos sobre o perodo colonial no so de forma alguma desprezveis, sobretudo para o propsito que aqui nos dedicamos. Diante da diversidade de dados contidos nesses registros, optamos por identificar detalhadamente os grupos de documentos que convergem no contedo de informaes oferecidas. Assim, vamos evidenciando que tipo de dados concretamente podemos

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Nas despesas dos quintos de 1721, encontramos uma referncia do gasto Por um livro para trasladar todas as contas dos quintos que foi para o Reino. certo que foram enviadas cpias dos registros feitos nas vilas, s no sabemos se eles ainda existem e onde esto em Portugal. AHCMM, Cdice 648 Livro de recebimento dos quintos de ouro 1721-1735. 76 Na poca da revolta de Vila Rica, quando os amotinados foram casa do ouvidor Martinho Vieira, no o encontrando, saquearam sua casa e rasgaram seus livros, processos e despachos. Todos os papis ficaram na casa, rasgados ou inteiros, exceto os livros da Fazenda Real com os registros sobre as contas do quinto, que desapareceram. Os cabeas sabiam da inteno do governador de os verificar, e por isso o sumio. Desta forma, o conde de Assumar justificava as violncias cometidas na casa do ouvidor: tinham por fim evitar a verificao de sonegao de escravos. CAMPOS, Maria Vernica. Op. Cit., p. 220.

30 conhecer atravs de cada um deles, e analisando no que esses registros revelam sobre o dia-a-dia dessa cobrana. Os sete livros referentes ao primeiro perodo, de 1718 a 1720, seguem em geral um mesmo padro. Nas suas folhas de abertura a variao a seguinte:Este livro h de servir para nele se escrever, e carregarem todos os escravos que houver na freguesia de Guarapiranga termo da Vila do Carmo para a arrecadao dos quintos reais na forma do Regimento que foi feito para o pagamento deles (...) Vila Rica, 20 de Abril de 1717.77 Este livro h de servir para nele se carregarem todos os Escravos dos moradores da freguesia de So Sebastio do termo da Vila do Carmo desta Comarca do Ouro Preto e nela se ho de escrever e carregar ordem do Provedor dos quintos da dita freguesia na forma do Regimento o que lhe faz (...) Vila do Carmo 22 de Janeiro de 1718.78 (negrito nosso)

A utilidade desses livros atribuda ao lanamento dos escravos, por freguesia, para a arrecadao dos quintos, como se pode ver acima. No segundo trecho a diferena apenas a nfase para o papel ativo do provedor dos quintos nessa tarefa, da qual falaremos mais adiante. Quando a seguir atentamos para o lanamento dos dados, verificamos que existem algumas variaes pontuais quanto ao seu contedo. O trecho mais completo o que se segue abaixo, onde inclusive o declarante, proprietrio dos escravos, o prprio provedor dos quintos:O Mestre de Campo Francisco Ferreira de S Provedor dos Quintos Reais aos nove dias do ms de Maio de mil setecentos e dezoito anos nesta freguesia de So Sebastio, e casas de morada do Mestre de Campo Francisco Ferreira de S Provedor dos Quintos Reais desta dita freguesia a por ele Provedor debaixo do juramento de seu cargo foram dados a escrever neste Livro os Escravos capazes de servio que possua seguintes (nomes dos 78 escravos, com sua nao e profisso e descries fsicas) E por esta maneira disse ele Provedor havia dado a escrever neste Livro todos os Escravos capazes de servio que possua debaixo do juramento que Recebi do Provedor excetuava os que de portas adentro o serviam como era notria no ter deles lucro algum, que pelo Regimento lhe so concedidos, dos que por doentes eram incapazes de servio de que fiz este termo que ele assinou e eu Loureno Pereira da Silva Escrivo dos Quintos Reais o Escrevi. Francisco Ferreira de S79 (negrito nosso)

O que confere semelhana aos registros, ainda que a forma de lanamento difira um pouco, a recorrncia dos seguintes itens: relao dos escravos, nome do dono do escravo77 78

CC, Rolo 3, Volume 1022, f. 1. CC, Rolo 3 e 4, Volume 1024, f. 1. 79 CC, Rolo 3 e 4, Volume 1024, f. 2.

31 (no caso o declarante), nome do provedor dos quintos, lugar onde era feita a listagem dos escravos (no caso a casa do prprio provedor), freguesia sobre a qual incidia a cobrana e nome do escrivo dos quintos. A data exata da cobrana aparece somente em trechos como o exemplificado acima, nos demais o dia e ms no so mencionados, os lanamentos apenas esto inclusos em um conjunto anual. H ainda, nesse conjunto de livros, algumas recomendaes especficas. Mencionava-se que todos os escravos deviam ser declarados, e que se assim no se fizesse, o declarante deveria arcar com as penas dessa irregularidade e sujeitar-se s conseqncias de se ocultar os mesmos da relao feita para o pagamento dos quintos sobre o ouro. No volume 1022, por exemplo, v-se que o Capito Diogo Lara e Morais: declarou debaixo de Juramento que recebeu da mo do Provedor no tinha mais escravos que nomear na forma do Regimento para o pagamento dos quintos e se obrigando as penas dele pelos que ocultasse.80 Alm disso, como se v ainda na citao acima, costumava se excetuar dessa declarao dos negros que se possua, os que se dedicassem ao trabalho domstico, os que de portas adentro o serviam, por no se obter lucro com o trabalho desses escravos, e ainda os que estivessem doentes, pois no estariam aptos ao servio naquele momento. Por fim, cumpre destacar que essas exposies ou nomeaes de escravos eram feitas pelos diversos habitantes dos distritos do Termo de Mariana, e em alguns momentos suas ocupaes eram mencionadas (mestres de campo, oficiais de carpinteiro, alferes, entre outros). No fim do registro, esses declarantes assinavam juntamente com o provedor e o escrivo dos quintos, mediante juramento que atestasse a veracidade do que se afirmava. Vejamos:Rafael dias Morador no distrito do Gama oficial de carpinteiro a quem o Provedor dos Quintos Reais deu o Juramento dos Santos Evangelhos na forma do Regimento que lhe foi declarado e Recebido por ele declarou possua os escravos que abaixo se seguem e assinou no fim deste com o dito provedor o qual me mandou a mim escrivo escrever os nomes deles escrevi. Jos Banguela Silva (Rafael da Silva e Sousa, provedor dos quintos)81

Assim se faziam as listagens de escravos de 1718 a 1720, j que para tal perodo no temos registros do recebimento do quinto referente a esses escravos. O proprietrio ia perante o provedor, por vezes na sua prpria casa, e declarava a quantidade de negros possuda. Tambm mencionavam quando tinham escravos domsticos ou os que no80 81

CC, Rolo 3, Volume 1022, f. 4. CC, Rolo 5, Volume 1033, f. 3.

32 estivessem aptos para o servio, para que no entrassem na soma sobre os quais pagaria o direito. Nessa ocasio prestava juramento e assinava o termo para atestar que dizia a verdade e o escrivo registrava toda essa operao. Os cdices do segundo perodo mencionado, de 1721 a 1733, j apresentam uma diversidade bem maior, e so os que foram produzidos pela cmara. Deveriam servir para se lanar as cobranas e conhecimento ou recibos dos quintos82, ou registros das listas dos reais quintos83, ou ainda para a receita do donativo real.84 E ainda que as designaes sejam at mais variadas, dividem-se, de certa forma, em dois grupos de documentos. Os que de alguma maneira se assemelham aos registros acima, contendo basicamente o mesmo conjunto de dados, obedecem s seguintes variaes de lanamento:Lista da freguesia de Nossa Senhora da Conceio das Catas Altas de que so Provedores o Capito Mor Manoel Jorge Coelho e o Capito Domingos Nunes Neto. (nmero de escravos e vendas por proprietrio)85 Lista dos escravos e escravas Lojas e Vendas que h na freguesia dos Camargos de que Provedor o Capito Antnio Alves de Souza. (nmero de escravos, vendas, lojas por proprietrio)86 Cpia da Lista do distrito de Antnio Pereira entregue pelo Provedor do Donativo Real. Deu a lista Antnio Alves Torres. (provedor) (nmero de escravos e vendas por proprietrio)87 (negritos nossos)

Esses trechos so, portanto, de livros que foram abertos para conter as matrculas de escravos e relaes de vendas por proprietrio. Assim apresentam: nome da freguesia da cobrana, nome do provedor dos quintos dessa freguesia, e quantidade de escravos, vendas,

AHCMM, Cdice 648 Livro de recebimento dos quintos de ouro 1721-1735, f. 1. AHCMM, Cdice 166 Lanamento dos reais quintos 1723, f. 1. No fim desse cdice h tambm um Registro de Confirmao de uma patente de Capito da Companhia de Ordenana da gente de Vila de Nossa Senhora do Carmo, de Manoel Cardoso da Cruz, de 15/07/1721. Sobre esse cobrador, que tambm foi tesoureiro dos quintos em Vila do Carmo e Mata Cavalos, falaremos mais no captulo 3. 84 AHCMM, Cdice 421 Livro da receita de cobrana dos reais quintos 1728-1739, f. 1. Nesse cdice, na folha de encerramento diz que o livro devia servir de receita e cobrana dos reais quintos que pela Cmara se cobra para Sua Majestade (...) Vila do Carmo aos vinte e dois de fevereiro de 1728, Teodsio Ribeiro de Andrade. 85 AHCMM, Cdice 150 Quintos (listas de escravos de diversas freguesias de Mariana) 1725. 86 Idem. 87 AHCMM, Cdice 648 Livro de recebimento dos quintos de ouro 1721-1735, f. 65. Esse cdice no segue unicamente esse padro. Veremos adiante.83

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33 lojas, ofcios mecnicos por proprietrio. Quanto aos escravos h tambm sua profisso e local de origem.88 No entanto, a lgica de funcionamento dessas declaraes parece ser um pouco diferente da primeira que analisamos. Para o perodo compreendido entre 1718 e 1720 a impresso que temos que os proprietrios iam at o provedor para relatar quantos escravos possuam, j que assinavam junto com o dito provedor e o escrivo. J nessa ocasio, de 1721 a 1733, parecia que os cobradores iam at as moradias dos proprietrios pra verificar quantos escravos possuam, pois entregavam uma listagem nas cmaras que, ainda que tambm fossem assinadas pelos proprietrios, no eram produzidas dentro da cmara, j que o escrivo no era quem fazia o registro, e sim o prprio cobrador. No que se refere ao outro grupo de livros do perodo de 1721 a 1733, vemos um significativo diferencial em relao aos at o momento analisados, o valor total da arrecadao do distrito, e o valor individual por escravo e venda sobre os quais a cobrana recaa. Isso significa que, para esse perodo, alm de matrculas de escravos, temos tambm registros de recebimento do quinto na cmara. A variao no valor unitrio de escravos e vendas, pelo que verificamos nesses livros, manteve-se acima da mdia recomendada para o perodo. A oscilao que encontramos foi de duas oitavas e quatro vintns a duas oitavas e 15 vintns de ouro para o escravo, e de sete a 12 oitavas de ouro para a venda.89 O valor aconselhado encontramos em uma correspondncia de Jos Peixoto da Silva, morador de Vila Rica, ao Conde de Assumar, em 28 de junho de 1720. Nela vemos:E outrossim, levaro pelos negros a oitava e meia por cada um, e querem segurar Sua Majestade, que Deus guarde, as trinta arrobas de ouro, lanando-se a cada negro uma oitava e meia; e no caso que esta no chegue, se obriguem a inteirlas, para o que contribuiro as lojas e vendas conforme a falta que houver para a dita conta, de sorte que no passem de cinco oitavas cada uma, para cuja cobrana elegero as cmaras dois homens em cada arraial ou os que necessrio forem.90 (negrito nosso)No fim do cdice do ltimo trecho, o 648, h tambm registros de fianas e coimas para 1733-1736. Esses registros so respectivamente anotaes sobre multas agrrias, ou seja, penas pecunirias por pequenos furtos e falta de licena para animais pastarem em propriedade alheia; e informaes sobre atos de abonar, garantir o pagamento de uma obrigao assumida por outra pessoa. Fica evidente a reutilizao desse livro para outros fins que no somente os da cobrana dos quintos. E destaca-se assim que certamente estes ltimos dados no nos interessam. 89 Variao no perodo compreendido entre 1721 e 1724. Para os outros anos no temos informaes desses valores individuais. 90 FIGUEIREDO, Cdice Costa Matoso... p. 372. Em momentos anteriores, 1710, havia sido proposto em junta pelos paulistas um valor superior, de quatro oitavas por escravo. CAMPOS, Maria Vernica. Governo de mineiros: de como meter as minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado 1693 a 1737. Tese de doutorado. So Paulo: Universidade de So Paulo, 2002, p. 111,112.88

34 Bem, mas passemos s anlises dos lanamentos desses registros:Passagem Em aos sete dias do ms de maro de mil setecentos e vinte um anos nesta Leal Villa de Nossa Senhora do Carmo carrego em receita ao Tesoureiro o Capito Manoel Cardoso Cruz duas mil sessenta e sete oitavas e meia de ouro que lhe entregou o Sargento Mor Jacinto Pinto de Magalhes morador na Passagem procedidas de oitocentos e vinte oito negros, e de quarenta e quatro vendas, que as devia para o cmputo das vinte e cinco arrobas de ouro dos quintos do ano de mil setecentos e dezenove para os de mil setecentos e vinte a respeito de duas oitavas e quatro vintns que tocou a cada escravo, e de sete oitavas que tocou a cada venda, de que o lhe dito foi cobrador, e assinou aqui comigo e com o juiz mestre de campo Manoel de Queiroz, e a dita parte se lhe passou certido desta entrega para sua descarga eu Hilrio Antnio de Arajo escrivo da Cmara o escrevi.91 1728 Passagem e Morro de Mata Cavalos Em dezenove de Fevereiro de 1728 se carregou em Receita ao Tesoureiro geral do Donativo Real o Capito Manoel Feraz quinhentas e onze oitavas de ouro --------------------------------------------------------------------------------------------------511 que Recebeu do Sargento Mor Antnio Gomes da Silva Provedor da Passagem e Morro de que se lhe passou recibo o de como o Recebeu assinou Juiz da Fazenda Ribeiro escrivo da Cmara e escreveu. Manoel Ferraz92(negritos nossos)

Com esse tipo de cdice pudemos ento retirar os seguintes dados: data da cobrana, distrito, nome do tesoureiro, valor total recebido, nome do cobrador dos quintos93 e local de moradia, quantidade de escravos e vendas sobre os quais recaa a cobrana, valor para cada um deles, nome do juiz ou vereador mais velho, e nome do escrivo dos quintos. No segundo trecho v-se que para alguns anos no possvel obter a quantidade de escravos e vendas da cobrana, isso para os anos de 1728 a 1733. Por esses excertos vemos que, em determinado dia, o cobrador dos quintos entregava ao tesoureiro dos quintos da cmara uma quantia especfica de ouro, tocante ao quinto acordado no perodo, referente ao nmero de escravos e vendas do distrito de sua jurisdio. E esses escravos e vendas eram referentes lista que havia feito dos mesmos. O

AHCMM, Cdice 648 Livro de recebimento dos quintos de ouro 1721-1735, f. 2. Esse livro no catlogo est denominado como de 1721 a 1735, mas s cobre os anos de 1721, 1722, 1727 e 1728. 92 AHCMM, Cdice 421 Livro da receita de cobrana dos reais quintos 1728-1739, f. 6. 93 V-se nesses trechos que o vocbulo provedor sinnimo de cobrador. H casos de um mesmo cdice, o 166, trazer em suas pginas as duas designaes, confirmando nossa afirmativa de que tratavam do mesmo cargo, AHCMM, Cdice 166, f. 15 e 125 respectivamente.

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35 prprio cobrador recebia desses moradores, j que em ocasio nenhuma vemos assinaturas de proprietrios nesses registros. Em algumas ocasies, quando no apareciam o nmero de escravos e vendas, mas sim expresses como por conta de sua lista, para ajuste da sua lista, ou por importncia da sua lista, fica claro que algumas pessoas ficavam devendo e depois o cobrador provavelmente voltava sua moradia para receber o que se devia. As justificativas pela no entrega do montante referente sua lista eram as mais variadas, fazendo com que consigamos sondar o tipo de dificuldades que os cobradores encontravam na sua tarefa. Quando traziam de menos do que toca pela dita lista, era porque o senhor estava ausente,94 porque o senhor fugiu,95porque moradores se ausentaram,96ou porque o escravo se ausentou sem saber para onde.97 Alm desses lanamentos mais cotidianos, tambm temos vrias recorrncias de casos de cobranas especficos, recorrentes em grande parte do descumprimento daquelas recomendaes de no sonegao j mencionadas acima. So diversas as referncias de recebimentos de ouro por devassas de sonegados pelos diferentes distritos do Termo. Todo fim de ano havia listas de pessoas que eram condenadas por ocultar escravos e vendas da cobrana dos quintos. Vejamos alguns exemplos de como esse lanamento era feito:Condenaes 30/08/1730 137 oitavas e 80 ris que recebeu do escrivo da cmara das condenaes das devassas que havia recebido de vrias pessoas. 98 Em onze do dito digo de dezembro do dito ano (1732) se carregou em Receita ao Tesoureiro Geral o Sargento Mor Manoel Ferras cinqenta e duas oitavas de ouro ------------------------------------------------------------------------------------------------52 Que Recebeu do Capito Miguel Gomes de Carvalho e de Luiz Moreira e Manoel Domingues por mo do Escrivo da Cmara de condenaes a saber do Capito Miguel Gomes de Carvalho quarenta oitavas de ouro em que foi condenado por sonegar uns escravos // e de Luiz Moreira oficial de ferreiro seis oitavas de ouro e de Manoel Domingues oficial de carapina seis oitavas de ouro que fazem estas parcelas a sobre dita quantia acima e de como as Recebeu o dito Tesoureiro assinou Pedro Duarte Pereira Escrivo da Cmara que o Escrevi. Manoel Ferraz99

Ou seja, a promessa de castigo no caso de sonegao parece que no permanecia somente em recomendao. Ao menos um bom nmero de pessoas teve que pagar aos94 95

AHCMM, Cdice 648 Livro de recebimento dos quintos de ouro 1721-1735, f. 4v. Idem, f. 6v. 96 Idem, f. 32. 97 Idem, f. 46. 98 AHCMM, Cdice 166 Lanamento dos reais quintos 1723, f. 44v. 99 AHCMM, Cdice 421 Livro da receita de cobrana dos reais quintos 1728-1739, f. 63v.

36 cobradores dos quintos reais o que deviam do quinto de Sua Majestade. As que escaparam desse pagamento devido, se eram outro bom nmero ou no, no temos como mensurar. O que destacamos nesse momento somente que se buscou cobrar os quintos das pessoas que tentavam burlar as regras do jogo da arrecadao. Obviamente as quantias atrasadas de uns anos para outros existiam independente dos motivos. Casos de ouro que no se puderam cobrar por se ausentarem os homens ou as listas de nomes e distritos tambm ocorreram. Somas de adies de cobranas ficavam por vezes nos cofres da cmara para lanamentos e cobranas futuros. Em muitos casos conseguia-se receber e em outros no. Vejamos:1728 Os oficiais da Cmara da Vila de Nossa Senhora do Carmo [&] Fazemos saber que o Lanamento do Donativo Real feito pelos nossos antecessores o ano passado de 1727 e se h de cobrar neste de 1728 pelo Tesoureiro Geral o Capito Manoel Ferras importa a quantia que se somada ao p da pauta abaixo de todas as Listas.100 Em treze de Julho do dito ano se carregou em Receita ao Tesoureiro geral o Sargento mor Manoel Ferras cento e setenta e uma oitavas e trs quartos de ouro ---------------------------------------------------------------------------------------------171 Que Recebeu dos Sargentos mores Andr Gonalves Chaves e Paulo Rodrigues Duro que deviam ao donativo de 728 e 29 e 30 de que lhe passou Recibo e de como Recebeu assinou e eu Pedro Duarte Pereira escrivo da Cmara que o Escrevi. Manoel Ferraz101

Para o ano de 1725, outro lanamento traz um detalhe importante, visto a peculiaridade de ser o ano da implantao das Casas de Fundio. Parece interessante acrescentar mais essa citao:Em primeiro de Abril do dito ano carrego em Receita do dito Capito e Tesoureiro Manoel Ferraz sessenta e sete oitavas trs quartos cento e vinte ris de ouro -------------------------------------------------------------------------------------------- 67 / 120r que Recebeu de Sargento Manoel de Pinho Provedor dos 1932 40 quintos do distrito do Morro o qual ouro foi quintado por receber este recibo depois da Casa de fundio posta e ajustou com este cmputo a sua conta tanto de principal como de quanto de que se lhe passou Receita e de como o Recebeu assinou com o Provedor Jos Mexia escrivo da Cmara o escrevi. (negrito nosso) Manoel Ferraz102

100 101

Idem, f. 5. Ibidem, f. 62v. 102 AHCMM, Cdice 200 Livros de quintos: 1723-1726, f. 54.

37 Esse tipo de situao ainda deve ser melhor investigado, mas parece que na ocasio acima o provedor levou o ouro para ser quintado recebendo recibo da Casa de Fundio. S nesse ano, em um livro apenas, encontramos essa referncia de ouro quintado. O esclarecimento desse procedimento pode nos ajudar a compreender um pouco mais o funcionamento da cobrana em ocasies de mudana das formas de se arrecadar, bem como se as atribuies do responsvel pela cobrana se modificavam nesses perodos. Por enquanto temos apenas esse indcio. Cabe recordar que para o perodo que tratamos, diferentes modos de arrecadao do quinto do ouro tiveram vigncia. De 1713 a 1724, a cobrana teria sido feita por bateias (o que na prtica representava uma capitao) razo de 12 oitavas por cabea de escravo por ano, bem como com uma finta de 30 arrobas anuais.103 Em 1718, durante o governo do Conde de Assumar, essa finta seria diminuda para 25 arrobas e s cmaras teria sido retirada a administrao da cobrana dos quintos, que passava a ser feita pela Real Fazenda. Em 1722, a finta subiu para 37 arrobas anuais. E de 1724 a 1735, teriam sido as Casas de fundio a controlar a cobrana, ainda que at incio de 1725 fundiu-se o ouro sem quintar, porque a quota j havia sido satisfeita. O quinto de 20% at 1730 teria passado para 12% depois dessa data, o que teria durado at 1732. E depois de 1735 teria voltado o regime da capitao.104 Isso nos diz a historiografia sobre Minas, que essa oscilao entre bateias, capitao, e casas de fundio, nesses perodos mencionados, foram as formas que a Coroa portuguesa lanou mo na cobrana dos quintos reais sobre o ouro. No entanto, os registros que encontramos nesses livros no nos dizem exatamente isso. A forma de cobrana no parece se modificar significativamente (conservando uma espcie de capitao em todo o perodo de 1718 a 1733) e os cobradores claramente tm sua funo conservada de forma, a nosso ver, muito semelhante durante todo esse tempo. Os registros de 1718 a 1720 eram feitos pela Provedoria da Fazenda e depois disso, de 1721 a 1733, pelas instituies camarrias, nos seus livros e por seus homens. (voltaremos a essa questo brevemente)103 104

Parece que esse valor no pode ser constatado pelas fontes que tivemos acesso. CARRARA, ngelo Alves. Administrao fazendria e conjunturas financeiras da capitania de Minas Gerais 1700-1807. (Relatrio de Pesquisa). Mariana: UFOP, 2002; ______. Produo mineral e circulao mercantil na capitania de Minas Gerais 1700-1807. (Relatrio de pesquisa). Mariana: UFOP, 2002. Outra sistematizao da legislao e das formas de cobrana dos quintos em: PAULA, Joo Antnio de. A minerao de ouro em Minas Gerais do sculo XVIII. In: RESENDE, Maria Efignia Lage de; VILLATA, Luiz Carlos. Histria de Minas Gerais: As Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autntica, Companhia do Tempo, 2007, pp. 279-301.

38 Apenas sublinhamos que o que foi at o momento exposto sobre esses livros dos quintos comea a nos esclarecer sobre o dia-a-dia da cobrana desse famoso direito. A diversidade de dados desses registros, obedecendo a lgicas distintas, permitiu, at certo ponto, que as informaes se complementassem, afastando um pouco os obstculos da aleatoriedade dos anos abrangidos. E ainda, a inexistncia de uma nica padronizao na organizao das informaes sobre o mais importante direito cobrado em Minas no perodo revela-nos mais do que a falta concreta do restante dos livros. Arriscamos na hiptese de que essa carncia de uma uniformizao dos registros possa nos indicar bastante sobre a dificuldade, ou melhor, sobre a forma especfica que a institucionalizao da presena da Coroa na regio assumiu. Mais frente trabalharemos melhor esses questionamentos.

***

Ainda que os Livros dos Quintos para o Termo de Mariana de 1718 a 1733 caream de uma unidade efetiva e contemplem um perodo relativamente curto do sculo XVIII, no deixam de oferecer ao investigador importantes informaes sobre o funcionamento da arrecadao local de um direito rgio, como vimos e ainda discorremos mais adiante. Alguns desses dados permitem ao menos uma primeira aproximao das conjunturas de curta durao da produo aurfera.105 E foi seguindo esse pensamento que sistematizamos a arrecadao que nos foi possvel dentro do perodo abordado.106 Veremos mais frente que atravs desse exerccio o objetivo no foi tanto o conhecimento numrico dessa arrecadao, mas as relaes que posteriormente poderamos estabelecer entre a relevncia da localidade no total da arrecadao e a atuao do cobrador dos quintos e sua posio social. A Comarca de Vila Rica, nesse perodo, detinha a maior capacidade de gerao de recursos,107 e a arrecadao em Mariana era a maior em praticamente todo o perodo

O perodo para o qual temos informaes dos valores de recebimento do ouro apenas de 1721 a 1733. Para a Amrica espanhola os historiadores tm construdo sries fiscais importantes dos direitos reais cobrados sobre a produo dos metais preciosos, o famoso quinto, segundo eles. E acentuam que ainda que suas sries nunca possam ser consideradas totalmente seguras, porque seria impossvel resolver definitivamente o problema da evaso do direito, as sries dos quintos, dzimos, etc. que possuem so nesse momento de muito mais confiana que as anteriores da produo aurfera e argentfera na Hispano Amrica colonial. BAKEWELL, Peter J. Los determinantes de la produccin minera en Charcas y en Nueva Espaa durante el siglo XVII. In: BONILLA, Heraclio. El sistema colonial en la Amrica Espaola. Barcelona: Editoral Crtica, 1991, p. 58, 59. 107 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos..., cap.5.106

105

39 compreendido entre 1717 e 1737, s sendo superada em alguns momentos por Sabar.108 A povoao do Carmo tambm tinha muito boa reputao na cobrana dos quintos, como vemos na citao abaixo, por mais que a mesma precise ser um pouco relativizada por nos despertar um pouco de exagero:Foi crescendo a povoao desta vila do Carmo e igualmente avantajando-se o seu governo poltico, de sorte que, especializando-se entre as mais povoaes, mereceu mostrar-se sempre agradecida a Majestade, expressando por muitas cartas escritas Cmara o quanto se dava por bem servido fervoroso zelo e lealdade // com que a mesma se empregava no real servio do mesmo senhor e do bem pblico. E do mesmo modo os governadores nunca deixaram de publicar e engrandecer a maioria e distino com que, entre as mais vilas, esta se realava no bom regime da repblica e pronta cobrana dos reais quintos que tocavam da sua repartio, sem violncia nem a menor queixa do povo, que tanto a este respeito como em todos os negcios pblicos sempre se conteve fiel, pacfico e obediente s determinaes dos superiores.109 (negrito nosso)

As localidades que pesquisamos so os distritos do Termo de Mariana e lugarejos a ele subordinados: Antnio Pereira, Bacalhau (subordinado a Guarapiranga), Bento Rodrigues (famoso arraial e centro de minerao, subordinado a Camargos), Brumado, Camargos (um dos primeiros a serem formados em perodo de forte escassez), Catas Altas (cujo nome provm das profundas escavaes que se faziam no alto do morro), Furquim (um dos lugares mais antigos de minas e centro de minerao), Gama, Gualachos (com rios riqussimos em ouro), Guarapiranga, Inficionado, Itacolomi, Mata Cavalos (ncleo primitivo da Vila do Carmo), Morrinho, Monsus, Passagem (situada a meio caminho entre Ouro Preto e Mariana), Pinheiro e Rocha (distrito de Piranga, Pinheiro subordinado a Sumidouro), Rio do Peixe (subordinado a Inficionado), So Caetano (antigo distrito e antiga freguesia do termo de Mariana, dos mais populosos e ricos), So Sebastio (surgido tambm nos primeiros tempos das Minas Gerais), Sumidouro e Vila do Carmo (cujo ouro logo chamou a ateno no s pela abundncia, como pela excelente qualidade). A quantidade de freguesias bem maior que as do termo de Vila Rica, e o termo abrangia os sertes do Rio Pomba, Muria e Doce, atingindo as fronteiras do Rio de Janeiro.110(Ver Anexo 1-A e 1-B)CARRARA, Angelo Alves. Agricultura e pecuria na capitania de Minas Gerais (1674-1807). Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1997. 109 ROCHA, Jos Joaquim da. Cdice [Informao das antiguidades da Cidade Mariana]. Geografia histrica da Capitania de Minas Gerais. Descrio geogrfica, topogrfica, histrica e poltica da Capitania de Minas Gerais. Memria histrica da Capitania de Minas Gerais (1788). Belo Horizonte: Fundao Joo Pinheiro, 1995, p. 252. 110 Informaes adicionais retiradas de: BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionrio Histrico-geogrfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Promoo da Famlia, 1971 e FONSECA, Cludia Damasceno. O espao108

40 Vejamos os totais da arrecadao sob controle dos cobradores dos quintos nessas localidades.

urbano de Mariana: sua formao e suas representaes. In: GONALVES, Andra Lisly, OLIVEIRA, Ronald Polito de (org.). Termo de Mariana: histria e documentao. Mariana: Imprensa Universitria da UFOP, 1998, pp. 27-66. Para os lugares subordinados aos distritos at 1750 ver: PIRES, Maria do Carmo. O Termo de Vila de Nossa Senhora do Carmo/Mariana e suas freguesias no sculo XVIII. In: CHAVES, Cludia Maria das Graas; PIRES, Maria do Carmo, MAGALHES, Snia Maria (orgs.). Casa de Vereana de Mariana: 300 anos de Histria da Cmara Municipal. Ouro Preto: Editora UFOP, 2008, p. 21.

Tabela 1 Arrecadao dos Reais Quintos no Termo de Mariana por Distrito - 1721 / 17331727 843 1/4 6 461 650 1/2 2 1643 4 2530 1/2 2 2361 1/4 1 1131 3/4 2 1536 1/2 6 1307 3/4 2 420 3/4 4 1141 1378 1300 407 3/4 807 3/4 6 1667 1/2 2 2486 3/4 4 2363 1/2 4 1728 830 3/4 442 1/4 2

1721 1610 1/4

906 12 780 1/4 925 4 3982 1/4 2748 3/4 4 764 1372 1/4 2819 1/4 2959 1/2 616 1/2 527 1/4 4

1722 2918 3/4 2481 163