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Evangelho segundo S. João 20,1-18. – cf.par. Mt 28,1-10; M 16,1-10; Lc 24,1-11 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo logo de manhã, ainda escuro, e viu retirada a pedra que o tapava. Correndo, foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, o que Jesus amava, e disse-lhes: «O Senhor foi levado do túmulo e não sabemos onde o puseram.» Pedro saiu com o outro discípulo e foram ao túmulo. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Inclinou-se para observar e reparou que os panos de linho estavam espalmados no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no túmulo e ficou admirado ao ver os panos de linho espalmados no chão, ao passo que o lenço que tivera em volta da cabeça não estava espalmado no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição. Então, entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao túmulo. Viu e começou a crer, pois ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos. Maria estava junto ao túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo, e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. Perguntaram-lhe: «Mulher, porque choras?» E ela respondeu: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.» Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus, de pé, mas não se dava conta que era Ele. E Jesus disse- lhe: «Mulher, porque choras? Quem procuras?» Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: «Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou buscá- lo.» Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: «Rabbuni!» que quer dizer: «Mestre!» Jesus disse-lhe: «Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus.'» Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito. S. Gregório de Nissa (c. de 335-395), monge e bispo Homilia para a santa e salutar Páscoa O primeiro dia da vida nova Eis uma máxima sábia: "No dia da felicidade, esquecemos todos os males" (Si 11,25). Hoje foi esquecida a sentença lançada sobre nós, melhor, não foi esquecida mas anulada! Este dia apagou completamente qualquer lembrança da nossa condenação. Outrora, o parto passava-se na dor; agora, o nosso nascimento é sem sofrimento. Outrora não éramos senão carne, nascíamos da carne; hoje o que nasce é espírito, nascido do Espírito. Ontem, nascíamos simples filhos dos homens; hoje nascemos filhos de Deus. Ontem, éramos os rejeitados dos céus sobre a terra; hoje, Aquele que reina nos céus faz de nós cidadãos do céu. Ontem a morte reinava por causa do pecado; hoje, graças à Vida, é a justiça quem toma o poder. Um único homem abriu-nos outrora as portas da morte; hoje, um único homem traz-nos de novo à vida. Ontem, perdemos a vida por causa da morte; mas hoje a Vida destruiu a morte. Ontem, a vergonha fazia-nos esconder debaixo da figueira; hoje, a glória atrai-nos para a árvore de vida. Ontem, a desobediência tinha-nos expulsado do Paraíso; hoje, a nossa fé faz- nos entrar nele. De novo nos é oferecido o fruto da vida para que o saboreemos tanto quanto

Homilias Dos Santos Padres

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Homélies des Saints Pères

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  • Evangelho segundo S. Joo 20,1-18. cf.par. Mt 28,1-10; M 16,1-10; Lc 24,1-11 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao tmulo logo de manh, ainda escuro, e viu retirada a pedra que o tapava. Correndo, foi ter com Simo Pedro e com o outro discpulo, o que Jesus amava, e disse-lhes: O Senhor foi levado do tmulo e no sabemos onde o puseram. Pedro saiu com o outro discpulo e foram ao tmulo. Corriam os dois juntos, mas o outro discpulo correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao tmulo. Inclinou-se para observar e reparou que os panos de linho estavam espalmados no cho, mas no entrou. Entretanto, chegou tambm Simo Pedro, que o seguira. Entrou no tmulo e ficou admirado ao ver os panos de linho espalmados no cho, ao passo que o leno que tivera em volta da cabea no estava espalmado no cho juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posio. Ento, entrou tambm o outro discpulo, o que tinha chegado primeiro ao tmulo. Viu e comeou a crer, pois ainda no tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos. Maria estava junto ao tmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruou-se para dentro do tmulo, e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um cabeceira e o outro aos ps. Perguntaram-lhe: Mulher, porque choras? E ela respondeu: Porque levaram o meu Senhor e no sei onde o puseram. Dito isto, voltou-se para trs e viu Jesus, de p, mas no se dava conta que era Ele. E Jesus disse-lhe: Mulher, porque choras? Quem procuras? Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou busc-lo. Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: Rabbuni! que quer dizer: Mestre! Jesus disse-lhe: No me detenhas, pois ainda no subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que vosso Pai, para o meu Deus, que vosso Deus.' Maria Madalena foi e anunciou aos discpulos: Vi o Senhor! E contou o que Ele lhe tinha dito. S. Gregrio de Nissa (c. de 335-395), monge e bispo Homilia para a santa e salutar Pscoa

    O primeiro dia da vida nova

    Eis uma mxima sbia: "No dia da felicidade, esquecemos todos os males" (Si 11,25). Hoje foi esquecida a sentena lanada sobre ns, melhor, no foi esquecida mas anulada! Este dia apagou completamente qualquer lembrana da nossa condenao. Outrora, o parto passava-se na dor; agora, o nosso nascimento sem sofrimento. Outrora no ramos seno carne, nascamos da carne; hoje o que nasce esprito, nascido do Esprito. Ontem, nascamos simples filhos dos homens; hoje nascemos filhos de Deus. Ontem, ramos os rejeitados dos cus sobre a terra; hoje, Aquele que reina nos cus faz de ns cidados do cu. Ontem a morte reinava por causa do pecado; hoje, graas Vida, a justia quem toma o poder. Um nico homem abriu-nos outrora as portas da morte; hoje, um nico homem traz-nos de novo vida. Ontem, perdemos a vida por causa da morte; mas hoje a Vida destruiu a morte. Ontem, a vergonha fazia-nos esconder debaixo da figueira; hoje, a glria atrai-nos para a rvore de vida. Ontem, a desobedincia tinha-nos expulsado do Paraso; hoje, a nossa f faz-nos entrar nele. De novo nos oferecido o fruto da vida para que o saboreemos tanto quanto

  • quisermos. De novo a nascente do Paraso, cuja gua nos irriga pelos quatro rios dos evangelhos (cf Gn 2,10), vem refrescar todo o rosto da Igreja... Que devemos fazer agora, seno imitar, nos seus saltos jubilosos, as montanhas e as colinas das profecias: "Montanhas, saltai como carneiros; e vs, colinas, como cordeiros!" (Sl 113,4) Vinde, pois, gritemos de alegria no Senhor! (Sl 94,1) Ele quebrou o poder do inimigo e ergueu o grande trofu da cruz... Digamos, pois: "Grande o Senhor nosso Deus, um grande rei em toda a terra!" (Sl 94,3; 46,3) Ele abenoa o ano coroando-o com os seus benefcios (Sl 64,12) e reune-nos num coro espiritual, em Jesus Cristo, nosso Senhor, a quem pertence a glria pelos sculos dos sculos. Amen!

    S. Gregrio Magno (c. 540-604), papa, doutor da Igreja

    Homilia 25

    "Mulher, porque choras?"

    Maria torna-se testemunha da compaixo de Deus; sim... aquela Maria a quem um fariseu queria quebrar o arroubo de ternura. "Se este homem fosse profeta, exclamava ele, saberia quem esta mulher que o toca e o que ela : uma pecadora" (Lc 7,39). Mas as suas lgrimas apagaram-lhe as manchas do corpo e do corao; ela precipitou-se a seguir os passos do seu Salvador, afastando-se dos caminhos do mal. Estava sentada aos ps de Jesus e escutava-o (Lc 10,39). Vivo, apertava-o nos seus braos; morto, procurava-o. E encontrou vivo aquele que procurava morto. Encontrou nele tanta graa que acabou por ser ela a levar a boa nova aos apstolos, aos mensageiros de Deus!

    Que devemos ver aqui, meus irmos, seno a infinita ternura do nosso Criador, que, para dar novo nimo nossa conscincia, nos d constantemente exemplos de pecadores arrependidos. Lano os meus olhos sobre Pedro, olho para o ladro, examino Zaqueu, considero Maria e s vejo neles apelos esperana e ao arrependimento. Foi a vossa f tocada pela dvida? Pensem em Pedro que chora amargamente a sua cobardia. Estais ardendo em clera contra o vosso prximo? Pensai no ladro: em plena agonia, arrepende-se e ganha as recompensas eternas. A avareza seca-vos o corao? Prejudicastes algum? Vede Zaqueu que devolve quatro vezes mais aquilo que tinha roubado a um homem. Por causa de uma paixo, perdestes a pureza da carne? Olhai para Maria que purifica o amor da carne com o fogo do amor divino.

    Sim, Deus todo-poderoso oferece-nos constantemente exemplos e sinais da sua compaixo. Enchamo-nos, pois, de horror pelos nossos pecados, mesmo pelos mais antigos. Deus todo-poderoso esquece com facilidade que ns cometemos o mal e est pronto a olhar para o nosso arrependimento como se fosse a prpria inocncia. Ns que, depois das guas da salvao, nos tnhamos de novo manchado, renasamos das nossas lgrimas... O nosso Redentor consolar as vossas lgrimas com a sua alegria eterna.

    S. Gregrio Magno (cerca de 540 - 604), papa, doutor da Igreja Homilias sobre os Evangelhos

    "Vistes aquele que o meu corao ama?" preciso calcular a fora com que o amor tinha abrasado a alma desta mulher que no se afastava do tmulo do Senhor, mesmo quando os discpulos o tinham abandonado. Procurava

  • aquele que no encontrava, chorava procurando-o e, abrasada pelo fogo do seu amor, ardia de desejo por aquele que ela julgava que tinham roubado. Por isso, foi a nica a v-lo, ela que tinha ficado para o procurar, porque a eficcia de uma boa obra leva perseverana e a Verdade diz esta palavra: "Aquele que tiver perseverado at ao fim ser salvo" (Mt 10,22)... Porque a espera faz crescer os santos desejos. Se a espera os faz cair, porque no eram verdadeiros desejos. Foi com um amor semelhante que arderam todos os que puderam atingir a verdade. por isso que David diz: "A minha alma tem sede do Deus vivo: quando me encontrarei diante da face de Deus?" (Sl 41,3) E a Igreja diz tambm no Cntico dos Cnticos: "Estou ferida de amor" e, mais frente: "A minha alma desfaleceu" (Ct 2,5). "Mulher, porque choras? Quem procuras?" Perguntam-lhe o motivo da sua dor, para que o desejo aumente, para que nomeando aquele que procura, ela torne mais ardente o seu amor por ele. "Disse-lhe Jesus: Maria". Aps a palavra banal de "mulher", ele chama-a pelo nome. Era como se dissesse: "Reconhece aquele que te conhece. No te conheo de uma maneira geral, como a todas as outras; conheo-te de um modo pessoal". Chamada pelo nome, Maria reconhece ento o seu Criador e chama-lhe imediatamente: "Rabunni, isto , mestre", porque aquele que procurava exteriormente era o mesmo que lhe ensinara interiormente a procur-lo. Uma homilia atribuda a S. Joo Crisstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia depois de Constantinopla, doutor da Igreja

    Dia da Ressurreio, dia da nossa alegria Eis o dia que fez o Senhor; nele exultemos e rejubilemos! (Sl 117,24). Porqu? Porque o sol j no est obscurecido, mas tudo se ilumina; o vu do templo j no est rasgado, mas a Igreja est revelada; ns j no seguramos ramos de palmeira, mas cercamos os novos baptizados. Eis o dia que fez o Senhor... eis o dia no sentido prprio, o dia triunfal, o dia dedicado a festejar a ressurreio, o dia em que nos revestimos de graa, o dia em que partilhamos o Cordeiro espiritual, o dia em que se ensopa de leite os que acabam de nascer, o dia em que se realiza o plano da Providncia em favor dos pobres. Exultemos e rejubilemos neste dia... Eis o dia em que Ado foi libertado, em que Eva foi libertada da sua pena, em que a morte selvagem estremeceu, em que o poder das pedras se quebrou, em que os ferrolhos dos tmulos foram arrancados..., em que as leis imutveis dos poderes dos infernos foram anuladas, em que os cus se abriram quando Cristo, Nosso Senhor, ressuscitou. Eis o d ia em que, para bem dos homens, a planta verdejante e frtil da ressurreio multiplicou os seus rebentos em todo o universo como num jardim, onde os lrios dos novos baptizados desabrocharam, onde a multido dos crentes rejubila, onde as coroas dos mrtires reverdejam. Eis o dia que fez o Senhor; nele exultemos e rejubilemos. Joo Escoto Ergena (?-c. 870), beneditino irlands Homilia sobre o Prlogo de So Joo, 2 (trad. Jean Expliqu, DDB 1985, p. 27 rev.) O que era desde o princpio [...], o que contemplmos [...], isso vos anunciamos (1Jo 1,1-3)

  • Pedro e Joo acorrem juntos ao tmulo. O tmulo de Cristo a Sagrada Escritura, em que os mistrios mais obscuros da Sua divindade e da Sua humanidade se encontram protegidos, se assim ouso expressar-me, por uma muralha de rocha. Mas Joo corre mais depressa do que Pedro, porque o poder da contemplao totalmente purificada entra nos segredos das obras divinas com um olhar mais penetrante e mais vivo do que o poder da aco, que ainda tem necessidade de ser purificada. Mas Pedro o primeiro a entrar no tmulo; Joo segue-o. Correm os dois e entram os dois. Aqui, Pedro a imagem da f, Joo representa a inteligncia. [...] A f tem, pois, de ser a primeira a entrar no tmulo, imagem da Sagrada Escritura, onde a inteligncia entra a seguir. [...] Pelo poder da f e das virtudes, Pedro, que tambm representa a prtica das virtudes, v o Filho de Deus encerrado de maneira inefvel e maravilhosa nos limites da carne. Por sua vez, Joo, que representa a mais elevada contemplao da verdade, admira o Verbo de Deus, perfeito em Si mesmo e infinito na Sua origem, ou seja, em Seu Pai. Conduzido pela revelao divina, Pedro contempla simultaneamente as coisas eternas e as coisas deste mundo, unidas em Cristo. Joo contempla e anuncia a eternidade do Verbo, para d-Lo a conhecer s almas crentes. Afirmo, pois, que Joo uma guia espiritual de voo rpido, que v a Deus; e chamo-lhe telogo. Ele domina toda a criao, visvel e invisvel, ultrapassa todas as faculdades do intelecto, entra divinizado em Deus, que o faz partilhar da Sua prpria vida divina. Papa Bento XVI Audincia geral de 9/8/06 (trad. DC n 2365, p. 821 Libreria Editrice Vaticana) O ensinamento do Apstolo S. Joo Se existe um assunto caracterstico que mais sobressai nos escritos de Joo, o amor. No foi por acaso que quis iniciar a minha primeira Carta encclica com as palavras deste Apstolo: "Deus amor (Deus caritas est); quem est no amor habita em Deus e Deus habita nele" (1 Jo 4, 16). muito difcil encontrar textos do gnero noutras religies. Portanto, tais expresses pem-nos diante de um dado verdadeiramente peculiar do cristianismo. Certamente Joo no o nico autor das origens crists que fala do amor. Sendo este um elemento essencial do cristianismo, todos os escritores do Novo Testamento falam dele, mesmo se com acentuaes diferentes. Se agora nos detemos a reflectir sobre este tema em Joo, porque ele nos traou com insistncia e de modo incisivo as suas linhas principais. Portanto, confiemo-nos s suas palavras. Uma coisa certa: ele no reflecte de modo abstracto, filosfico, ou at teolgico, sobre o que o amor. No, ele no um terico. De facto, o verdadeiro amor, por sua natureza, nunca meramente especulativo, mas faz referncia directa, concreta e verificvel a pessoas reais. Pois bem, Joo, como apstolo e amigo de Jesus mostra-nos quais so os componentes ou melhor as fases do amor cristo, um movimento caracterizado por trs momentos.

  • O primeiro refere-se prpria Fonte do amor, que o Apstolo coloca em Deus, chegando, como ouvimos, a afirmar que "Deus amor" (1 Jo 4, 8.16). Joo o nico autor do Novo Testamento que nos d uma espcie de definio de Deus. Ele diz, por exemplo, que "Deus Esprito" (Jo 4, 24) ou que "Deus luz" (1 Jo 1, 5). Aqui proclama com intuio resplandecente que "Deus amor". Observe-se bem: no simplesmente afirmado que "Deus ama", nem sequer que "o amor Deus"! Por outras palavras: Joo no se limita a descrever o agir divino, mas procede at s suas razes. Alm disso, no pretende atribuir uma qualidade a um amor genrico e talvez impessoal; no se eleva do amor a Deus, mas dirige-se directamente a Deus para definir a sua natureza com a dimenso infinita do amor. Com isto Joo deseja dizer que o constitutivo essencial de Deus o amor e, portanto, toda a actividade de Deus nasce do amor e est orientada para o amor: tudo o que Deus faz por amor, mesmo se nem sempre podemos compreender imediatamente que Ele amor, o verdadeiro amor.

    Evangelho segundo S. Joo 20,11-18. Maria estava junto ao tmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruou-se para dentro do tmulo, e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um cabeceira e o outro aos ps. Perguntaram-lhe: Mulher, porque choras? E ela respondeu: Porque levaram o meu Senhor e no sei onde o puseram. Dito isto, voltou-se para trs e viu Jesus, de p, mas no se dava conta que era Ele. E Jesus disse-lhe: Mulher, porque choras? Quem procuras? Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou busc-lo. Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: Rabbuni! que quer dizer: Mestre! Jesus disse-lhe: No me detenhas, pois ainda no subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que vosso Pai, para o meu Deus, que vosso Deus.' Maria Madalena foi e anunciou aos discpulos: Vi o Senhor! E contou o que Ele lhe tinha dito. S. Gregrio de Nazianzo (330-390), bispo, doutor da Igreja Homilia para a festa da Pscoa "Ressuscitastes com Cristo; buscai, ento, as coisas do alto" (Col 3,1) Cristo ressuscitou dos mortos: levantai-vos tambm vs... Dia de ressurreio, feliz incio do mundo novo! Celebremos na alegria esta festa: demo-nos o beijo da paz! Ontem, imolava-se o Cordeiro, o Egipto chorava os seus primognitos, um sangue precioso nos protegia. Hoje, purificados, fugimos do Egipto e do seu tirano cruel. J no somos condenados; ningum nos pode impedir de celebrar, em honra do nosso Deus, o dia em que saimos do Egipto, de celebrar a nossa Pscoa na pureza e na verdade (cf. Ex 5,2; 1 Co 5,8). Ontem, eu estava crucificado com Cristo; hoje sou glorificado com Ele! Ontem, morria com Cristo; hoje revivo com Ele! Ontem, estava sepultado com Cristo; hoje saio com Ele do tmulo... Levemos pois as nossas oferendas quele que sofreu e que ressuscitou por ns. Ofereamo-nos a ns mesmos; o presente mais precioso aos olhos de Deus, o mais prximo d'Ele. Ofereamos Sua imagem o que mais se lhe assemelha. Reconheamos a nossa grandeza; honremos o nosso modelo; compreendamos a fora deste mistrio e as razes da morte de Cristo. Sejamos como Cristo, uma vez que Cristo foi como ns.

  • S. Romano, o Melodista ( ? c.560), compositor de hinos Hino 40

    Maria Madalena, enviada para anunciar a ressurreio Aquele que perscruta no mais ntimo dos coraes (Sl 7,10) sabendo que Maria lhe reconhecer a voz, chamava a sua ovelha pelo nome, como fazem os pastores (Jo 10,4), dizendo : Maria ! Ela logo responde : Sim, o meu pastor quem me chama, Ele vem minha procura e quer contar comigo, acrescentando-me s suas noventa e nove ovelhas (Lc 15,4). Vejo atrs dEle legies de santos, exrcitos de justos []. Sei bem quem Ele , Este que me chama ; tinha-o dito, o meu Senhor, Aquele que oferece a ressurreio aos pecadores. Levada pelo fervor do amor, a jovem mulher quis deter Aquele que completou toda a criao []. Mas o Criador [] ergueu-a at ao mundo divino, dizendo : No me detenhas ; Pensas que sou um simples mortal ? Eu sou Deus, no me detenhas [] Ergue os olhos ao cu e olha o mundo celeste ; a que Me deves procurar. Porque eu subo para o meu Pai, que no abandonei. Estive sempre com Ele desde o incio dos tempos, partilho o seu trono, recebo as mesmas honras, Eu, que ofereo aos pecadores a ressurreio. Que de ora em diante a tua lngua proclame estas coisas e as explique aos filhos do Reino que esperam que Eu desperte ; Eu sou Aquele que vive. Vai depressa, Maria, rene os meus discpulos. Sers uma trombeta de som poderoso ; toca um canto de paz aos ouvidos temerosos dos meus amigos escondidos, desperta-os a todos desse seu sono, para que venham ao meu encontro. Diz-lhes : O Esposo acordou, saiu do seu tmulo. Apstolos, deixai essa tristeza mortal, porque Ele ergueu-Se, Aquele que oferece aos pecadores a ressurreio [] Maria exclama : E de repente o meu luto fez-se jbilo, em tudo vi alegria. No hesito em diz-lo : recebi glria igual de Moiss (Ex 33,18s). Vi, ouvi, vi, no no monte mas no sepulcro, velado no pela nuvem, mas por um corpo, o Senhor dos seres incorpreos e das nuvens, seu Senhor de ontem, de agora e de todo sempre. Ele disse-me : Maria, apressa-te ! Como pomba queem seu bico leva um raminho de oliveira, vai anunciar a boa nova aos descendentes de No (Gn 8,11). Diz-lhes que a morte foi aniquilada e que ressuscitou Aquele que aos pecadores oferece a ressurreio. Santo Anselmo (1033-1109), monge, bispo, doutor da Igreja 74 orao

    Porque choras? "Mulher, porque choras?" Bem-amado Senhor, como podes perguntar porque que ela chora? No verdade que ela te viu cruelmente imolado, atravessado por pregos, suspenso do madeiro como um salteador, entregue s zombarias dos mpios? Como que podes dizer-lhe: "Mulher, porque choras?" Ele no conseguiu arrancar-te morte mas queria, ao menos, embalsamar o teu corpo, para o perservar da corrupo o mximo tempo possvel... E eis que, para cmulo, julga ter perdido esse corpo que ela tinha ainda a alegria de possuir. Com essa perda, toda a esperana se esfumou para ela, se nada pode guardar em memria de ti. Como que, nesse momento, lhe podes perguntar: "Mulher, porque choras? Quem procuras?"

  • bom Senhor, v que a tua discpula fiel, resgatada pelo teu sangue, que est atormentada pelo desejo de te ver. Vais permitir que um tal sofrimento dure muito tempo? Agora que escapaste corrupo, perdeste toda a compaixo? Agora que atingiste a imortalidade, esqueceste a misericrdia? No, a tua doce bondade, Amigo, faz-te intervir sem tardar para que aquela que chora o seu Senhor no ceda amargura do corao. "Maria!" Senhor, tu chamaste a tua serva pelo seu nome de famlia e ela reconheceu imediatamente a voz familiar do seu Sennhor. "Maria!" Palavra to doce, to transbordante de ternura e de amor! -te impossvel, Mestre, diz-lo de forma mais breve e mais forte: "Maria! Eu sei quem tu s. Sei o que queres. Eis-me aqui! No chores mais. Eis-me aqui, aquele que tu procuras." Imediatamente as lgrimas mudam de natureza: como poderiam elas estancar, quando agora brotam de um corao em festa?

    S. Gregrio Magno (c. 540-604), papa, doutor da Igreja Homila 25 sobre o Evangelho

    Porque choras? Maria, em lgrimas, inclina-se e olha para dentro do tmulo. Ela j tinha todavia constatado que estava vazio, e tinha anunciado o desaparecimento do Senhor. Porque se inclina ento ainda? Porque quer ver de novo? Porque o amor no se contenta com um nico olhar; o amor uma conquista sempre mais ardente. Ela j O procurou, mas em vo; obstina-se e acaba por descobrir... No Cntico dos Cnticos, a Igreja dizia do mesmo Esposo: No meu leito, de noite, procurei aquele que o meu corao ama. Procurei-o, mas no o encontrei. Vou levantar-me e percorrer a cidade; pelas ruas e pelas praas, vistes aquele que o meu corao ama? (Ct 3, 1-2). Duas vezes ela exprime a sua decepo: Procurei-o, mas no o encontrei! Mas o sucesso vem, por fim, coroar o esforo: Os guardas encontraram-me, aqueles que fazem ronda pela cidade. Vistes aquele que o meu corao ama? Mal os ultrapassei, encontrei aquele que o meu corao ama. (Ct 3,3-4) E ns, quando que, nos nossos leitos, procuraremos o Amado? Durante os breves repousos desta vida, quando suspiramos na ausncia do nosso Redemptor. Ns procuramo-Lo na noite, pois apesar do nosso esprito j estar desperto para Ele, os nossos olhos s vem a Sua sombra. Mas, como no encontramos nela o Amado, levantemo-nos; percorramos a cidade, ou seja a assembleia dos eleitos. Procuremos de todo o corao. Procuremos nas ruas e nas praas, ou seja nas passagens escarpadas da vida ou nos caminhos espaosos; abramos os olhos, procuremos a os passos do nosso Bem-Amado... Esse desejo fez dizer a David: A minha alma tem sede do Deus de vida. Quando irei ver a face de Deus? Sem descanso, procurai a Sua face (Sl 42,3). Homilia monstica annima (sc. XIII) Meditao sobre a Paixo e a Ressurreio de Cristo

    Porque choras? Quem procuras? Mulher, porque choras? Quem procuras? Contudo vs o conheceis bem, santos anjos, Aquele que ela chorava e procurava. Porqu ento reavivar as suas lgrimas relembrando-lhe?

  • Mas Maria pode dar livre curso a toda a sua dor e s suas lgrimas, porque a alegria de uma consolao inesperada se aproxima. Ela volta-se e v Jesus de p, mas no o reconhece. Cena cheia de encanto e de beleza, onde Aquele que desejado e procurado se mostra e contudo se esconde. Ele esconde-se para ser procurado com mais ardor, encontrado com mais alegria, retido com maior desvelo, at que aquele a quem Ele se apresentou, possa a ficar, na morada do amor (cf Ct 3,4). Eis como a Sabedoria conduz o seu jogo face da terra, ela que se diverte junto dos filhos do homem (Pr 8,31). Mulher, porque choras? Quem procuras? Tu tens Aquele que procuras, e ignora-lo? Tu tens a verdadeira alegria eterna, e choras? Tu o tens em ti, Aquele que tu procuras fora. Verdadeiramente tu deixas-te ficar no exterior, toda em lgrimas perto de um tmulo. O meu tmulo o teu corao; Eu no estou morto, mas repouso a, vivo por toda a eternidade. A tua alma o meu jardim. Tu tinhas razo em pensar que Eu era o jardineiro. Novo Ado, Eu cultivo o meu paraso e guardo-o. As tuas lgrimas, o teu amor e o teu desejo so obra minha. Tu me tens em ti sem o saber, e por isso que me procuras no exterior. Eu vou pois aparecer-te l tambm para te fazer entrar em ti mesma a fim de que encontres no interior Aquele que procuras no exterior. Joo Escoto Ergeno (? c. 870), monge beneditino irlands Homilia sobre o prlogo de So Joo O que existia desde o princpio, o que contemplmos, isso vos anunciamos (1 Jo 1,

    1-3) Pedro e Joo correm ambos ao sepulcro. O sepulcro de Cristo a sagrada escritura, na qual os mistrios mais recnditos da sua divindade e da sua humanidade esto protegidos, atrevo-me a diz-lo, por uma muralha de pedra. Mas Joo corre mais depressa do que Pedro, porque o poder da contemplao totalmente purificada penetra os segredos das obras divinas com um olhar mais agudo e mais vivo do que o poder da aco, que tem ainda necessidade de ser purificada. Pedro, no entanto, entra primeiro no sepulcro; Joo segue-o. Ambos correm e ambos entram. Aqui, Pedro a imagem da f e Joo representa a inteligncia A f deve, portanto, ser a primeira a entrar no sepulcro, imagem da sagrada Escritura, e logo a seguir a inteligncia Pedro, que representa tambm a prtica das virtudes, v pelo poder da f e da aco do Filho de Deus encerrado de maneira inefvel e maravilhosa nos limites da carne. Joo, que representa a mais alta contemplao da verdade, admira o Verbo de Deus, perfeito em Si mesmo e infinito na sua origem, isto , no seu pai. Pedro, conduzido pela revelao divina, v ao mesmo tempo as coisas eternas e as coisas deste mundo, unidas em Cristo. Joo contempla e anuncia a eternidade do Verbo a fim de d-lO a conhecer s almas crentes.

  • Rupert de Deutz (cerca de 1075-1130), monge beneditino As Obras do Esprito Santo

    O discpulo que "penetrou o mistrio de Deus, onde esto escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento" (Col 2,3)

    Proporcionalmente graa que fazia que Jesus o amasse e que lhe permitiu repousar sobre o peito de Jesus durante a Ceia (Jo 13,23), Joo recebeu com abundncia a inteligncia e a sabedoria [os dons do Esprito] (Is 11,2) - a inteligncia para compreender as Escrituras e a sabedoria para redigir os seus prprios livros com uma arte admirvel. A bem dizer, ele no recebeu estes dons a partir do momento em que repousou sobre o peito do Senhor, mesmo se, em consequncia disso, ele tenha podido beber nesse corao "onde esto escondidos todos os tesouros de sabedoria e de cincia" (Col 2,3). Quando diz que, entrando no tmulo, "viu e acreditou", Joo reconhece "que eles no conheciam ainda as Escrituras e que tinha sido preciso que Jesus ressuscitasse dos mortos" (Jo 20,9). Tal como os outros apstolos, Joo recebeu a sua medida plena no Pentecostes, quando veio o Esprito Santo, quando a graa foi dada a cada um "de acordo com a medida do dom de Cristo" (Ef 4,7)... O Senhor Jesus amou este discpulo mais do que os outros..., e abriu-lhe os segredos do cu... para fazer dele o escritor do mistrio profundo acerca do qual o homem no pode dizer nada por si mesmo: o mistrio do Verbo de Deus, do Verbo que se fez carne. Mas, ainda que o amasse, no foi a ele que Jesus disse: "Tu s Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja" (Mt 16,18)... Embora amasse todos os seus discpulos e sobretudo Pedro com um amor do esprito e da alma, nosso Senhor amou Joo com um amor do corao... Na ordem do apostolado, Simo Pedro recebeu o primeiro lugar e "as chaves do Reino dos cus" (Mt 16,19); quanto a Joo, ele obteve uma outra herana: o esprito de inteligncia, "um tesouro de alegria e jbilo" (Si 15,15). Evangelho segundo S. Joo 20,11-18. Maria estava junto ao tmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruou-se para dentro do tmulo, e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um cabeceira e o outro aos ps. Perguntaram-lhe: Mulher, porque choras? E ela respondeu: Porque levaram o meu Senhor e no sei onde o puseram. Dito isto, voltou-se para trs e viu Jesus, de p, mas no se dava conta que era Ele. E Jesus disse-lhe: Mulher, porque choras? Quem procuras? Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou busc-lo. Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: Rabbuni! que quer dizer: Mestre! Jesus disse-lhe: No me detenhas, pois ainda no subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que vosso Pai, para o meu Deus, que vosso Deus.' Maria Madalena foi e anunciou aos discpulos: Vi o Senhor! E contou o que Ele lhe tinha dito.

  • Gregrio Palamas (1296-1359), monge, bispo e telogo ortodoxo Homlia 20

    Vai procurar os meus irmos Entre os que trouxeram perfume ao tmulo de Cristo, Maria Madalena foi a nica cuja memria celebramos. Cristo tinha expulso dela sete espritos malignos (Lc 8,2), para dar lugar s sete operaes da graa do Esprito. A sua perseverana em permanecer junto do tmulo valeu-lhe a viso e a conversao com os anjos; depois, aps ter visto o Senhor, ela tornou-se sua apstola junto dos apstolos. Elucidada e plenamente convencida pela prpria boca de Deus, vai anunciar que tinha visto o Senhor e repetir-lhes o que ele dissera. Considerai, meus irmos, como Maria Madalena cedeu em dignidade a Pedro, o chefe dos apstolos e a Joo, o bem amado telogo de Cristo, e como todavia ela foi mais favorecida que estes. Eles, assim que acorreram ao sepulcro, no viram seno as ligaduras e o sudrio; mas ela, que tinha ficado at ao fim com uma firme perseverana porta do tmulo, viu antes dos apstolos, no somente os anjos, mas o Senhor dos anjos, ele prprio, ressuscitado na carne. Ela escutou a sua voz e assim Deus, pela sua palavra, p-la ao seu servio. Evangelho segundo S. Joo 20,19-31. cf.par. Lc 24,36-43 Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas do lugar onde os discpulos se encontravam, com medo das autoridades judaicas, veio Jesus, ps-se no meio deles e disse-lhes: A paz esteja convosco! Dito isto, mostrou-lhes as mos e o peito. Os discpulos encheram-se de alegria por verem o Senhor. E Ele voltou a dizer-lhes: A paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, tambm Eu vos envio a vs. Em seguida, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Esprito Santo. queles a quem perdoardes os pecados, ficaro perdoados; queles a quem os retiverdes, ficaro retidos. Tom, um dos Doze, a quem chamavam o Gmeo, no estava com eles quando Jesus veio. Diziam-lhe os outros discpulos: Vimos o Senhor! Mas ele respondeu-lhes: Se eu no vir o sinal dos pregos nas suas mos e no meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mo no seu peito, no acredito. Oito dias depois, estavam os discpulos outra vez dentro de casa e Tom com eles. Estando as portas fechadas, Jesus veio, ps-se no meio deles e disse: A paz seja convosco! Depois, disse a Tom: Olha as minhas mos: chega c o teu dedo! Estende a tua mo e pe-na no meu peito. E no sejas incrdulo, mas fiel. Tom respondeu-lhe: Meu Senhor e meu Deus! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crem sem terem visto. Muitos outros sinais miraculosos realizou ainda Jesus, na presena dos seus discpulos, que no esto escritos neste livro. Estes, porm, foram escritos para acreditardes que Jesus o Messias, o Filho de Deus, e, acreditando, terdes a vida nele. Baslio da Selucida [?-c. 468], bispo Sermo sobre a Ressurreio, 1-4

    Acredita e s meu apstolo Mete o dedo no lugar dos cravos. Procuraste-Me quando Eu aqui no estava, aproveita agora que estou. Conheo o teu desejo, apesar do teu silncio. Sei o que pensas antes de mo dizeres. Ouvi-te falar e, embora invisvel, estava junto de ti, junto das tuas dvidas; sem Me deixar ver, fiz-te esperar, para melhor observar a tua impacincia. Mete o dedo no lugar dos cravos. Mete a mo no Meu lado, e no sejas incrdulo, mas crente.

  • Ento, Tom toca-O e a sua atitude de desafio verga-se por completo; cheio de uma f sincera e de todo o amor que se deve a Deus, exclama: Meu Senhor e meu Deus! E o Senhor diz-lhe: Porque Me viste, acreditaste. Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditaram! Tom comunica a notcia da ressurreio a quantos no viram. Anima a terra inteira a acreditar, no nos seus olhos, mas nas suas palavras. Percorre povos e cidades longnquas. Ensina-os a levar a cruz s costas, em vez das armas. Continuamente anuncia: eles acreditaro e adorar-Me-o. No exigiro outras provas. Diz-lhes que foram chamados pela graa, e contempla a sua f: Bem-aventurados, na verdade, os que, sem terem visto, acreditaram! Tal o exrcito que o Senhor congrega; tais os filhos da pia baptismal, as obras da graa, a colheita do Esprito. Eles seguiram Cristo sem O terem visto, procuraram e acreditaram. Reconheceram com os olhos da f, que no os do corpo. No meteram os dedos no lugar dos cravos, mas deixaram-se pregar prpria cruz, abraando o sofrimento. No viram o lado do Senhor mas tornaram-se, pela graa, membros do seu corpo, tornando suas as palavras de Cristo: Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditaram!

    S. Toms de Vilanova (cerca de 1487-1555), eremita de Santo Agostinho, depois bispo Seramo para o domingo in albis

    "Meu Senhor e meu Deus!" Se eu no vir nas suas mos a marca dos cravos, diz Tom, se no meter o dedo no lugar dos cravos e a minha mo no seu lado, no acreditarei. Espantoso endurecimento o deste discpuolo: o testemunho de tantos irmos e at a vista da sua alegria no bastam para lhe dar a f. E eis que, para tomar conta dele, o Senhor aparece. O bom Pastor no suporta a perda da sua ovelha, ele que tinha dito a seu Pai: No perdi nenhum dos que me deste (Jo 17,12). Que os pastores aprendam ento a solicitude que devem manifestar para com as suas ovelhas, uma vez que o Senhor apareceu por causa de uma s. Toda a solicitude e todo o labor so pouca coisa em comparao com o interesse de uma nica alma... Aquele que trouxer uma ovelha errante de volta ao redil ganhou um poderoso advogado junto de Deus. Aproxima o teu dedo e v as minhas mos, mete a mo no meu lado e no sejas incrdulo mas fiel. Feliz mo que perscrutou os segredos do corao de Jesus! Que riquezas no ter encontrado! Foi ao repousar sobre esse corao que Joo penetrou nos mistrios do cu. Penetrando-o, Tom descobriu nele grandes tesouros. Admirvel escola que formou tais discpulos! Graas a ela, o primeiro exprimiu acerca da divindade maravilhas mais altas do que os astros ao dizer: No princpio era o Verbo e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus (Jo 1,1); o outro, tocado pelo raio da Verdade, lanou esse grito sublime: Meu Senhor e meu Deus! Papa Bento XVI

  • Audincia geral de 10.05.06 (Libreria Editrice Vaticana)

    Meu Senhor e meu Deus Depois, muito conhecida e at proverbial a cena de Tom incrdulo, que aconteceu oito dias depois da Pscoa. Num primeiro momento, ele no tinha acreditado em Jesus que apareceu na sua ausncia, e dissera: "Se eu no vir o sinal dos cravos nas suas mos, se no meter o dedo no lugar dos cravos e no meter a mo no seu lado, no acreditarei" (Jo 20, 25). No fundo, destas palavras sobressai a convico de que Jesus j reconhecvel no tanto pelo rosto quanto pelas chagas. Tom considera que os sinais qualificadores da identidade de Jesus so agora sobretudo as chagas, nas quais se revela at que ponto Ele nos amou. Nisto o Apstolo no se engana. Como sabemos, oito dias depois, Jesus aparece no meio dos seus discpulos, e desta vez Tom est presente. E Jesus interpela-o: "Chega aqui teu dedo e v minhas mos; aproxima a tua mo e mete-a no meu lado; e no sejas incrdulo, mas crente!" (Jo 20, 27). Tom reage com a profisso de f mais maravilhosa de todo o Novo Testamento: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20, 28). A este propsito, Santo Agostinho comenta: Tom via e tocava o homem, mas confessava a sua f em Deus, que no via nem tocava. Mas o que via e tocava levava-o a crer naquilo de que at quele momento tinha duvidado" (In Iohann. 121, 5). O evangelista prossegue com uma ltima palavra de Jesus a Tom: "Porque me viste, acreditaste. Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditam" (cf. Jo 20, 29). [] O caso do Apstolo Tom importante para ns pelo menos por trs motivos: primeiro, porque nos conforta nas nossas inseguranas; segundo porque nos demonstra que qualquer dvida pode levar a um xito luminoso, para alm de qualquer incerteza; e por fim, porque as palavras dirigidas a ele por Jesus nos recordam o verdadeiro sentido da f madura e nos encorajam a prosseguir, apesar das dificuldades, pelo nosso caminho de adeso a Ele. Evangelho segundo S. Joo 20,24-29. Tom, um dos Doze, a quem chamavam o Gmeo, no estava com eles quando Jesus veio. Diziam-lhe os outros discpulos: Vimos o Senhor! Mas ele respondeu-lhes: Se eu no vir o sinal dos pregos nas suas mos e no meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mo no seu peito, no acredito. Oito dias depois, estavam os discpulos outra vez dentro de casa e Tom com eles. Estando as portas fechadas, Jesus veio, ps-se no meio deles e disse: A paz seja convosco! Depois, disse a Tom: Olha as minhas mos: chega c o teu dedo! Estende a tua mo e pe-na no meu peito. E no sejas incrdulo, mas fiel. Tom respondeu-lhe: Meu Senhor e meu Deus! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crem sem terem visto. Papa Bento XVI Audincia geral do dia 27/9/06 (trad. DC 2367, p. 958 Libreria Editrice Vaticana)

    S. Tom quer seguir Cristo onde quer que Ele v e compreender tudo o que Ele diz Quando Jesus, num momento crtico da sua vida, decidiu ir a Betnia para ressuscitar Lzaro, aproximando-se assim perigosamente de Jerusalm (cf. Mc 10, 32), Tom disse aos seus condiscpulos: "Vamos ns tambm, para morrermos com Ele" (Jo 11, 16). Esta sua determinao em seguir o Mestre deveras exemplar e oferece-nos um precioso ensinamento:

  • revela a disponibilidade total a aderir a Jesus, at identificar o prprio destino com o d'Ele e querer partilhar com Ele a prova suprema da morte. De facto,... quando os Evangelhos usam o verbo "seguir" para significar que para onde Ele se dirige, para l deve ir tambm o seu discpulo. Deste modo, a vida crist define-se como uma vida com Jesus Cristo...: morrer juntos, viver juntos, estar no seu corao como Ele est no nosso. Uma segunda interveno de Tom est registada na ltima Ceia. Naquela ocasio Jesus, predizendo a sua partida iminente, anuncia que vai preparar um lugar para os discpulos para que tambm eles estejam onde Ele estiver; e esclarece: "E, para onde Eu vou, vs sabeis o caminho" (Jo 14, 4). ento que Tom intervm e diz: "Senhor, no sabemos para onde vais, como podemos ns saber o caminho?" (Jo 14, 5)... Estas suas palavras fornecem a Jesus a ocasio para pronunciar a clebre definio: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14, 6). Portanto, Tom o primeiro a quem feita esta revelao, mas ela vlida tambm para todos ns e para sempre... Ao mesmo tempo, a sua pergunta confere tambm a ns o direito, por assim dizer, de pedir explicaes a Jesus. Com frequncia ns no o compreendemos. Temos a coragem para dizer: no te compreendo, Senhor, ouve-me, ajuda-me a compreender. Desta forma, com esta franqueza que o verdadeiro modo de rezar, de falar com Jesus, exprimimos a insuficincia da nossa capacidade de compreender, ao mesmo tempo colocamo-nos na atitude confiante de quem espera luz e fora de quem capaz de as doar. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de frica) e doutor da Igreja Sermo 258

    E Deus disse: 'Faa-se a luz' (Gn 1,3) Este o dia que o Senhor fez (Sl 117,24). Lembrai-vos do estado do mundo no princpio: As trevas cobriam o abismo, e o Esprito de Deus movia-se sobre a superfcie das guas. Deus disse: 'Faa-se a luz'. E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou dia luz e s trevas noite (Gn 1,2s) ... Este o dia que o Senhor fez. o dia de que fala o apstolo Paulo: Outrora reis trevas, mas agora sois luz no Senhor (Ef 5,8) ... No era Tom um homem, um dos discpulos, um homem da multido, por assim dizer? Os seus irmos disseram-lhe: Vimos o Senhor. E ele: Se eu no tocar, se no meter o meu dedo no seu lado, no acreditarei. Os evangelistas trazem-te a novidade, e tu no acreditas? O mundo acreditou e um discpulo no acreditou?... Ainda no tinha chegado esse dia que o Senhor fez; as trevas estavam ainda sobre o abismo, nas profundezas do corao humano, que estava nas trevas. Que venha pois Esse que o sinal do dia, que ele venha e que diga com pacincia, com doura, sem clera, ele que cura: Vem. Vem, toca aqui e acredita. Tu declaraste: 'Se no tocar, se no meter o meu dedo, no acreditarei'. Vem, toca, pe o teu dedo e no sejas incrdulo, mas crente. Eu conheo as tuas feridas, guardei para ti a minha cicatriz. Aproximando a sua mo, o discpulo pode plenamente completar a sua f. Qual , com efeito, a plenitude da f? No acreditar que Cristo somente homem, no acreditar tambm que Cristo somente Deus, mas acreditar que ele homem e Deus... Assim, o discpulo ao qual o

  • seu Salvador deu a tocar os membros do seu corpo e as suas cicatrizes exclamou: Meu Senhor e meu Deus. Ele tocou o homem, reconheceu Deus. Tocou a carne, voltou-se para a Palavra, porque a Palavra fez-se carne e habitou entre ns (Jo 1,14). A Palavra suportou que a sua carne fosse suspensa na cruz...; a Palavra suportou que a sua carne fosse colocada no tmulo. A Palavra ressuscitou na sua carne, mostrou-a aos olhos dos seus discpulos, prestou-se a ser tocada pelas suas mos. Eles tocaram, e eles exclamaram: Meu Senhor e meu Deus! Este o Dia que o Senhor fez.

    S. Pedro Crislogo ( c. 406-450), Bispo de Ravena, Doutor da Igreja Sermo 84

    O testemunho de Tom O vosso amor, irmos, teria gostado que depois da Ressurreio do Senhor a impiedade no deixasse dvidas a ningum. Mas Tom trazia consigo a incerteza, no s do seu corao, mas a de todos os homens. E, devendo pregar a Ressurreio s naes, ele procurava, como bom obreiro, sobre o qu fundar um mistrio que exige tanta f. E o Senhor mostrou a todos os Apstolos aquilo que Tom pediu oito dias mais tarde. Jesus veio e mostrou-lhes as Suas mos e o Seu lado. Com efeito, Aquele que entrava, estando as portas fechadas, podia ser tomado pelos discpulos por um esprito, se no tivesse podido mostrar-lhes que era mesmo Ele, sendo as chagas o sinal da Sua Paixo. Em seguida Ele veio a Tom e disse-Lhe: Mete a tua mo no meu lado e no sejas incrdulo, mas crente. Que estas chagas que voltas a abrir deixem escorrer a f em todo o universo, elas que j verteram a gua do baptismo e o sangue da remisso. Tom respondeu: Meu senhor e meu Deus. Que os hereges venham e oiam e, co mo diz o Senhor, que eles no voltem a ser incrdulos mas crentes. Tom manifesta e proclama que ali no est apenas um corpo humano, mas que, pela Paixo do Seu corpo de carne, Cristo Deus e Senhor. Que verdadeiramente Deus aquele que sai vivo da morte e que ressuscita pela sua chaga. Bento XVI apresenta o apstolo Tom Na audincia geral da quarta-feira CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 27 de setembro de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos a interveno de Bento XVI na audincia geral desta quarta-feira, dedicada a apresentar a figura do apstolo Tom.

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    Queridos irmos e irms: Continuando com nossos encontros com os doze apstolos escolhidos diretamente por Jesus, hoje dedicamos nossa ateno a Tom. Sempre presente nas quatro listas do Novo Testamento, apresentado nos trs primeiros evangelhos junto a Mateus (cf. Mateus 10, 4; Marcos 3, 18; Lucas 6, 15), enquanto nos Atos dos Apstolos aparece junto a Felipe (cf. Atos 1, 13). Seu nome deriva de uma raiz hebraica, taam, que significa gmeo. No fica claro

  • o motivo deste apelido. O quarto Evangelho, em particular, d-nos dados sobre algumas caractersticas significativas de sua personalidade. A primeira a exortao que fez aos demais apstolos quando Jesus, em um momento crtico de sua vida, decidiu ir a Betnia para ressuscitar Lzaro, aproximando-se assim de maneira perigosa de Jerusalm (cf. Marcos 10, 32). Naquela ocasio, Tom disse a seus condiscpulos: Vamos tambm ns morrer com ele (Joo 11, 16). Sua determinao de seguir o Mestre verdadeiramente exemplar e nos oferece um ensinamento belssimo: revela a total disponibilidade de adeso a Jesus at identificar a prpria sorte com a sua e querer compartilhar com Ele a prova suprema da morte. De fato, o mais importante no se afastar nunca de Jesus. Quando os Evangelhos utilizam o verbo seguir, querem explicar que aonde ele se dirige, tem de ir tambm seu discpulo. Deste modo, a vida crist se define como uma vida com Jesus Cristo, uma vida ao seu lado. So Paulo escreve algo parecido quando tranqiliza com estas palavras os cristos de Corinto: Na vida e na morte, estais unidos ao meu corao (2 Corntios, 7, 3). O que acontece entre o apstolo e seus cristos tem de acontecer antes de tudo na relao entre os cristos e o prprio Jesus: morrer juntos, viver juntos, estar em seu corao como Ele est no nosso. Uma segunda interveno de Tom se registra na ltima Ceia. Naquela ocasio, Jesus, predizendo sua iminente partida, anuncia que ir preparar um lugar para os discpulos para que eles tambm estejam onde Ele estiver; e especifica: E para onde eu vou, j sabeis o caminho (Joo 14, 4). Ento Tom intervm, dizendo: Senhor, no sabemos aonde vais, como podemos saber o caminho? (Joo 14, 5). Na realidade, com estas palavras, ele se coloca em um nvel de compreenso baixo; mas oferece a Jesus a oportunidade para pronunciar a famosa definio: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Joo 14, 6). Portanto, em primeiro lugar, faz esta revelao a Tom, mas vlida para todos ns e para todos os tempos. Cada vez que escutamos ou lemos estas palavras, podemos pr-nos com o pensamento junto a Tom e imaginar que o Senhor tambm fala conosco como falou com ele. Ao mesmo tempo, sua pergunta tambm nos d o direito, por assim dizer, de pedir explicaes a Jesus. Com freqncia no o compreendemos. Devemos ter o valor de dizer-lhe: no te entendo, Senhor, escuta-me, ajuda-me a compreender. Deste modo, com esta franqueza, que o autntico modo de rezar, de falar com Jesus, expressamos a pequenez de nossa capacidade para compreender, mas ao mesmo tempo assumimos a atitude de confiana de quem espera luz e fora de quem capaz de d-las. Depois, muito conhecida, inclusive proverbial, a cena de incredulidade de Tom, que aconteceu oito dias depois da Pscoa. Em um primeiro momento, ele no havia acreditado que Jesus tinha aparecido em sua ausncia, e disse: Se no vejo em suas mos o sinal dos pregos e no coloco meu dedo no lugar dos pregos e no coloco minha mo no seu lado, no acreditarei (Joo 20, 25). No fundo, destas palavras emerge a convico de que j no se reconhece Jesus pelo rosto, mas pelas chagas. Tom considera que os sinais caractersticos da identidade de Jesus so agora sobretudo as feridas, nas quais se revela at que ponto nos amou. Nisto o apstolo no se equivoca. Como sabemos, oito dias depois, Jesus volta a aparecer a seus discpulos e nesta ocasio Tom est presente. E Jesus o interpela: Aproxima aqui teu dedo e olha minhas mos; traz tua mo e coloca-a em meu lado, e no sejas incrdulo, mas crente (Joo 20, 27). Tom reage com a profisso de f mais esplndida do Novo Testamento: Meu Senhor e meu Deus (Joo 20, 28). Neste sentido, Santo Agostinho comenta: Tom via e tocava o homem, mas confessava sua f em Deus, a quem nem via e nem tocava. Mas o que via e tocava o

  • levava a crer no que at ento tinha duvidado (In Iohann 121, 5). O evangelista continua com uma ltima frase de Jesus dirigida a Tom: Porque me viste, acreditaste. Felizes os que no viram e creram (Joo 20, 29). Esta frase pode ser dita tambm no presente: Felizes os que no vem e crem. De qualquer forma, Jesus enuncia aqui um princpio fundamental para os cristos que viriam depois de Tom, ou seja, para todos ns. interessante observar como outro Tom, o grande telogo medieval de Aquino, une esta bem-aventurana a outra referida por Lucas que parece oposta: Felizes os olhos que vem o que vedes (Lucas 10, 23). Mas Toms de Aquino comenta: Tem muito mais mrito quem cr sem ver que quem cr vendo (In Johann. XX lectio VI 2566). De fato, a Carta aos Hebreus, recordando toda a srie dos antigos patriarcas bblicos, que creram em Deus sem ver o cumprimento de suas promessas, define a f como garantia do que se espera; a prova das realidades que no se vem (11, 1). O caso do apstolo Tom importante para ns, ao menos por trs motivos: primeiro, porque nos consola em nossas inseguranas; em segundo lugar, porque nos demonstra que toda dvida pode ter um final luminoso, alm de toda incerteza; e, por ltimo, porque as palavras que Jesus lhe dirigiu nos recordam o autntico sentido da f madura e nos estimulam a continuar, apesar das dificuldades, pelo caminho de fidelidade a ele. O quarto Evangelho nos conservou uma ltima nota sobre Tom, ao apresent-lo como testemunha do Ressuscitado no momento sucessivo pesca milagrosa no Lago de Tiberades (cf. Joo 21, 2). Nessa ocasio, mencionado inclusive imediatamente depois de Simo Pedro: sinal evidente da notvel importncia de que gozava no mbito das primeiras comunidades crists. De fato, em seu nome, foram escritos depois os Atos e o Evangelho de Tom, ambos apcrifos, mas de qualquer forma importantes para o estudo das origens crists. Recordemos, por ltimo, que segundo uma antiga tradio, Tom evangelizou em um primeiro momento a Sria e a Prsia (assim afirma Orgenes, segundo refere Eusbio de Cesaria, Hist. Eccl. 3, 1), e logo chegou at a ndia ocidental (cf. Atos de Tom 1-2, 17 e seguintes), desde onde depois o cristianismo chegou tambm ao sul da ndia: com esta perspectiva missionria terminamos nossa reflexo, desejando que o exemplo de Tom confirme cada vez mais nossa f em Jesus Cristo, nosso Senhor e nosso Deus. [Traduzido por Zenit. Ao final da audincia, o Papa saudou os peregrinos em vrios idiomas. [ Copyright 2006 - Libreria Editrice Vaticana] ZP06092704

    Pregador do Papa recorda: a f no privilgio, mas dom Comentrio do padre Raniero Cantalamessa, ofmcap., ao Evangelho dominical ROMA, domingo, 23 de abril de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos o comentrio ao Evangelho deste domingo, II de Pscoa, do padre Raniero Cantalamessa, ofmcap, pregador da Casa Pontifcia.

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    II Domingo de Pscoa B (Joo 20, 19-31)

    Se no colocar minhas mos em seu lado, no acreditarei

    Oito dias depois, estavam outra vez seus discpulos dentro, e Tom com eles. Apresentou-se Jesus no meio deles estando as portas fechadas, e disse: A paz esteja convosco. Logo diz a Tom: Aproxima teu dedo e v minhas mos; traz tua mo e coloca em meu lado, e no sejas incrdulo, mas crente. Tom lhe respondeu: Senhor meu e Deus meu. Diz Jesus: Porque me viste acreditaste. Felizes os que no viram e creram. Com a insistncia sobre o sucedido a Tom e sua incredulidade inicial (Se no vejo em suas mos o sinal dos cravos e no coloco meu dedo nas chagas dos cravos no acredito), o Evangelho sai ao encontro do homem e da era tecnolgica que no cr mais que no que pode verificar. Podemos chamar Tom de nosso contemporneo entre os apstolos. So Gregrio Magno diz que, com sua incredulidade, Tom foi-nos mais til que todos os demais apstolos que creram em seguida. Atuando de tal maneira, por assim dizer, obrigou Jesus a dar-nos uma prova tangvel da verdade de sua ressurreio. A f na ressurreio saiu beneficiada de suas dvidas. Isto certo, ao menos em parte, tambm aplicado aos numerosos Toms de hoje que so os no crentes. A crtica e o dilogo com os no crentes, quando se desenvolvem no respeito e na lealdade recproca, resultam-nos de grande utilidade. Antes de tudo nos fazem humildes. Obrigam-nos a tomar nota de que a f no um privilgio, ou uma vantagem para ningum. No podemos imp-la nem demonstr-la, mas s prop-la e mostr-la com a vida. Que que possuis que no tenhas recebido? E, se o recebeste, por que haverias de te ensoberbecer como se no o tivesses recebido?, diz So Paulo! (1 Corntios 4,7). A f, no fundo, um dom, no um mrito, e como todo dom no pode viver-se mais que na gratido e na humildade. A relao com os no crentes ajuda-nos tambm a purificar nossa f de representaes. Com muita freqncia, o que os no crentes rejeitam no o verdadeiro Deus, o Deus vivo da Bblia, mas uma imagem distorcida de Deus que os prprios crentes contriburam a criar. Rejeitando este Deus, os no crentes obrigam-nos a voltarmos a situar aps as marcas do Deus vivo e verdadeiro, que est mais alm de toda nossa representao e explicao. A no fossilizar ou banalizar a Deus. Mas tambm h um desejo que expressar: que So Tom encontre hoje muitos imitadores no s na primeira parte de sua histria --quando declara que no cr--, mas tambm ao final, naquele magnfico ato seu de f que o leva a exclamar: Senhor meu, Deus meu!. Tom tambm imitvel por outro fato. No fecha a porta; no fica em sua postura, dando por resolvido, de uma vez por todas, o problema. De fato, certamente o encontramos oito dias depois com os demais apstolos no cenculo. Se no tivesse desejado crer, ou mudar de opinio, no teria estado ali. Quer ver, tocar: portanto est em busca. E ao final, depois de

  • que viu e tocou com sua mo, exclama, dirigindo a Jesus, no como um vencido, mas como um vencedor: Senhor meu, Deus meu!. Nenhum outro apstolo havia-se lanado ainda a proclamar com tanta clareza a divindade de Cristo. [Traduzido por Zenit] ZP06042301 Pregador do Papa: orao, segredo para um novo Pentecostes

    Comentrio do Pe. Cantalamessa liturgia do prximo domingo

    ROMA, sexta-feira, 9 de maio de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentrio do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap. pregador da Casa Pontifcia sobre a Liturgia da Palavra do prximo domingo, Solenidade de Pentecostes.

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    Domingo de Pentecostes

    Atos 2, 1-11; I Corntios 12, 3b-7. 12-13; Joo 20, 19-23

    O poder do alto

    Todos vimos em alguma ocasio a cena de um carro quebrado: dentro est o motorista e detrs uma ou duas pessoas empurrando o veculo, tentando inutilmente dar-lhe a velocidade necessria para que funcione. Param, secam o suor, voltam a empurrar... E de repente, um rudo, o motor comea a funcionar, o carro avana e os que o empurravam se erguem com um suspiro de alvio. uma imagem do que ocorre na vida crist. Caminha-se base de impulsos, com fadiga, sem grandes progressos. E pensar que temos disposio um motor potentssimo (o poder do alto!) que espera s que o faamos funcionar. A festa de Pentecostes dever ajudar-nos a descobrir este motor e como coloc-lo em movimento.

    O relato dos Atos dos Apstolos comea dizendo: Ao chegar o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos em um mesmo lugar. Destas palavras deduzimos que Pentecostes pr-existia... a Pentecostes. Em outras palavras: havia j uma festa de Pentecostes no judasmo e foi durante tal festa que o Esprito Santo desceu. No se entende o Pentecostes cristo sem levar em conta o Pentecostes judaico que o preparou. No Antigo Testamento houve duas interpretaes da festa de Pentecostes. No princpio era a festa das sete semanas, a festa da colheita, quando se ofereciam a Deus as primcias do trigo; mas sucessivamente, e certamente em tempos de Jesus, a festa se havia enriquecido de um novo significado: era a festa da entrega da lei no monte Sinai e da aliana.

    Se o Esprito Santo vem sobre a Igreja precisamente no dia em que em Israel se celebrava a festa da lei e da aliana, para indicar que o Esprito Santo a lei nova, a lei espiritual que sela a nova e eterna aliana. Uma lei escrita j no sobre tbuas de pedra, mas em tbuas de carne, que so os coraes dos homens. Estas consideraes suscitam de imediato uma interrogao: vivemos sob a antiga lei ou sob a lei nova? Cumprimos nossos deveres

  • religiosos por constrio, por temor e por costume, ou ao contrrio por convico ntima e quase por atrao? Sentimos Deus com pai ou como patro?

    Concluo com uma histria. No princpio do sculo XX, uma famlia do sul da Itlia emigra aos Estados Unidos. Como carecem de dinheiro suficiente para pagar as refeies no restaurante, levam consigo alimento pela viagem: po e queijo. Com o passar dos dias e das semanas, o po se endurece e o queijo mofa; em certo momento, o filho no o agenta mais e no pra de chorar. Ento seus pais tiram os poucos trocados que restam e que do para desfrutar uma boa refeio no restaurante. O filho vai, come e volta a seus pais banhado em lgrimas. Como? Gastamos tudo para pagar-lhe um almoo, e voc continua chorando?. Choro porque descobri que uma refeio por dia no restaurante estava includa no preo, e passamos todo o tempo a po e queijo!. Muitos cristos realizam a travessia da vida a po e queijo, sem alegria, sem entusiasmo, quando poderiam, espiritualmente falando, desfrutar cada dia de todo bem de Deus, tudo includo no preo de ser cristos.

    O segredo para experimentar aquilo que Joo XXIII chamava de um novo Pentecostes se chama orao. a onde se acende a chama que liga o motor! Jesus prometeu que o Pai celestial dar o Esprito Santo a quem o pedir (Lc 11, 13). Ento, vamos pedir! A liturgia de Pentecostes nos oferece magnficas expresses para faz-lo: Vinde, Esprito Santo... Vinde, Pai dos pobres; vinde, doador dos dons; vemvinde luz dos coraes. No esforo, descanso; refgio nas horas de fogo; consolo no pranto. Vinde, Esprito Santo!.

    [Traduo: lison Santos. Reviso: Aline Banchieri]

    Aelred de Rielvaux (1110-1167), monge cisterciense ingls Sermo sobre a sptupla voz do Esprito Santo no Pentecostes, Sermes inditos

    Tu envias o teu Esprito tu renovas a face da terra (Sal. 103, 30)

    Segundo os desgnios de Deus, no princpio, o Esprito Santo encheu o universo, estendendo o seu vigor de um extremo ao outro da terra e governando todas as coisas com doura (Sab. 8, 1). Mais, no que diz respeito sua obra de santificao, foi a partir deste dia de Pentecostes que o Esprito do Senhor encheu o universo (Sab. 1, 7). Porque neste dia que o Esprito de doura enviado pelo Pai e pelo Filho, para santificar toda a criatura segundo um plano novo, uma maneira nova, uma manifestao nova do seu poder e da sua fora. Anteriormente, o Esprito no tinha sido dado porque Jesus ainda no tinha sido glorificado (Jo. 7, 39) Hoje, vindo das moradas celestes, o Esprito dado s almas dos mortais, com toda a sua riqueza e toda a sua fecundidade. Deste modo, o orvalho divino estende-se sobre toda a terra, na diversidade dos seus dons espirituais. E, compreende-se que a plenitude das suas riquezas tenha descido sobre ns das alturas, porque poucos dias antes, pela generosidade da nossa terra, o cu recebeu um fruto de maravilhosa doura A humanidade de Cristo, toda a graa da terra; o Esprito de Cristo toda a doura do cu. Produziu-se assim uma troca muito salutar: a humanidade de Cristo subiu da terra ao cu; hoje, do cu nos vem o Esprito de Cristo O Esprito age por toda a parte; por toda a parte ele toma a palavra. Certamente, antes da Ascenso, o Esprito do Senhor foi dado aos discpulos quando o Senhor lhes disse: Recebei o Esprito Santo. queles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-o perdoados, queles a

  • quem os retiverdes, ser-lhes-o retidos. Mas antes do Pentecostes, no se tinha ouvido a voz do Esprito Santo, no se tinha visto brilhar o seu poder. E o seu conhecimento no chegou aos discpulos de Cristo, que no tinham sido confirmados em coragem, j que o medo ainda os mantinha escondidos numa sala fechada chave. Mas a partir deste dia, a voz do Senhor ressoa sobre as guas ela forja lminas de fogo e todos exclamam: Glria!. (Sal. 28, 3-9)

    Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI] Retiro Vaticano 1983

    "Todos os ouvimos proclamar nas nossas lnguas as maravilhas de Deus" (Act 2,11) O dia de Pentecostes revela a catolicidade da Igreja, a sua universalidade. O Esprito Santo manifesta a sua presena pelo dom das lnguas. Renova assim, mas invertendo-o, o acontecimento de Babel (Gn 11), aquela expresso do orgulho dos homens que querem tornar-se como Deus e construir com as suas prprias foras, isto , sem Deus, uma ponte at ao cu, a torre de Babel. Esse orgulho provoca divises no mundo e ergue os muros da separao. Por causa do orgulho, o homem reconhece apenas a sua prpria inteligncia, a sua prpria vontade, o seu prprio corao; desse modo, ele j no capaz, nem de compreender a linguagem dos outros, nem de ouvir a voz de Deus. O Esprito Santo, o amor divino, compreende e faz compreender as lnguas; ele cria a unidade na diversidade. Assim, desde o primeiro dia, a Igreja fala em todas as lnguas. Por isso, ela catlica, universal. A ponte entre o cu e a terra existe mesmo: essa ponte a cruz e foi o amor do Senhor que a construiu. A construo desta ponte ultrapassa as possibilidades da tcnica. A ambio de Babel devia e deve fracassar; s o amor incarnado de Deus podia responder a tal ambio... A Igreja catlica desde o primeiro instante da sua existncia; ela abraa todas as lnguas. O sinal das lnguas exprime um aspecto muito importante da eclesiologia fiel Escritura: a Igreja universal precede as Igrejas particulares, a unidade vem antes das partes. A Igreja universal no uma fuso secundria das Igrejas locais; a Igreja universal, catlica, que gera as Igrejas particulares e estas no podem permanecer Igrejas seno em comunho com a catolicidade. Por outro lado, a catolicidade exige a multiplicidade das lnguas, a partilha e a harmonizao das riquezas da humanidade no amor do Crucificado.