177
 2 Introdução Estudar a história do pensamento econômico é uma oportunidade de conhecer as origens das teorias adotadas pelos pesquisadores e profissionais na atualidade e como estas foram pensadas e lapidadas ao longo dos séculos. Cada personalidade - economistas, engenheiros, médicos, estadistas, filósofos, entre outros, a seu tempo, foi rabiscando uma teoria, criticando uma ali, aprimorando outra aqui, até chegar nos conceitos e, em muitos casos, representações gráficas usados especialmen te nos cursos de economia do mundo inteiro. Isso significa que só pela contextualização das teorias na historia do pensamento econômico é que podemos avaliar com propriedade as questões de fundo que estão envolvidas no debate econômico (OLIVEIRA & GENNARI, 2009). Em outras palavras, o estudo da história do pensamento econômico fornece  perspectiva e entendimento do nosso passado, de idéias e problemas em mutação, além da nossa direção de movimento (BRUE, 2011). Assim, partindo da idéia de que os grandes pensadores econômicos têm uma grande influência sobre as sociedades em que atuam, ao tempo em que são forjados  pelos contextos histórico, cultural e intelectual em que viveram, elaboramos este material com a finalidade de ajudar os estudantes de graduação na compreensão das idéias econômicas através do tempo e do espaço. É este, portanto, um trabalho didático que pretende auxiliar a todos que buscam  pelos po stulados econômicos desde a escola neoclás sica até os dias atuais, e pretende, através da perspectiva histórica, compreender a natureza dos sistemas econômicos. Os autores aqui discutidos buscavam identificar as características mais importantes do capitalismo, seu funcionamento, os determinantes do crescimento econômico, a questão da distribuição da renda e da riqueza, bem como a crítica ao sistema e a alternativa pela via do socialismo. Este material está dividido em sete capítulos. O primeiro trata do pensamento econômico neoclássico, período que vai de 1870 à década e 1930, com a grande depressão norte-americana. Nele se tem uma visão geral do que foi a escola, quais os seus principais pensadores, além de se discutir as principais idéias de alguns autores como Francis Y. Edgeworth, John Bates Clark e Alfred Marshall.

HPE II UEA

Embed Size (px)

Citation preview

2

IntroduoEstudar a histria do pensamento econmico uma oportunidade de conhecer as origens das teorias adotadas pelos pesquisadores e profissionais na atualidade e como estas foram pensadas e lapidadas ao longo dos sculos. Cada personalidade - economistas, engenheiros, mdicos, estadistas, filsofos, entre outros, a seu tempo, foi rabiscando uma teoria, criticando uma ali, aprimorando outra aqui, at chegar nos conceitos e, em muitos casos, representaes grficas usados especialmente nos cursos de economia do mundo inteiro. Isso significa que s pela contextualizao das teorias na historia do pensamento econmico que podemos avaliar com propriedade as questes de fundo que esto envolvidas no debate econmico (OLIVEIRA & GENNARI, 2009). Em outras palavras, o estudo da histria do pensamento econmico fornece perspectiva e entendimento do nosso passado, de idias e problemas em mutao, alm da nossa direo de movimento (BRUE, 2011). Assim, partindo da idia de que os grandes pensadores econmicos tm uma grande influncia sobre as sociedades em que atuam, ao tempo em que so forjados pelos contextos histrico, cultural e intelectual em que viveram, elaboramos este material com a finalidade de ajudar os estudantes de graduao na compreenso das idias econmicas atravs do tempo e do espao. este, portanto, um trabalho didtico que pretende auxiliar a todos que buscam pelos postulados econmicos desde a escola neoclssica at os dias atuais, e pretende, atravs da perspectiva histrica, compreender a natureza dos sistemas econmicos. Os autores aqui discutidos buscavam identificar as caractersticas mais importantes do capitalismo, seu funcionamento, os determinantes do crescimento econmico, a questo da distribuio da renda e da riqueza, bem como a crtica ao sistema e a alternativa pela via do socialismo. Este material est dividido em sete captulos. O primeiro trata do pensamento econmico neoclssico, perodo que vai de 1870 dcada e 1930, com a grande depresso norte-americana. Nele se tem uma viso geral do que foi a escola, quais os seus principais pensadores, alm de se discutir as principais idias de alguns autores como Francis Y. Edgeworth, John Bates Clark e Alfred Marshall.

3

O segundo discorre sobre o imperialismo, considerado como uma questo no superada, apesar do discurso neoliberal do fim da histria. Uma reviso dos fundamentos das teorias de John Atkinson Hobson, Rosa Luxemburgo, Lnis, Paul Baran e Paul Sweezy e Atlio Born, contribuir para maior compreenso do tema, contextualizado no perodo inicial do predomnio do capital financeiro do sculo XX e analisado a partir da contraposio das vises marxista e conservadora. Estabelecem-se tambm as diferenas entre aquele imperialismo e os outros tipos j existentes. O terceiro apresenta a escola institucionalista e a economia do bem-estar. O institucionalismo, uma escola de origem americana, comeou por volta de 1900 e continua at o presente. Discute-se neste captulo as idias de Thorstein Bunde Veblen, Wesley Clair Mitchell e John Kenneth Galbraith. Na economia do bem-estar, um ramo da anlise econmica que se preocupa com o estudo dos princpios que geram o bemestar social, estudam-se as contribuies de Vilfredo Pareto, Arthur Cecil Pigou, Ludwig Von Mises e Oscar Lange. O quarto apresenta o sistema de idias keynesiano, uma das escolas mais importantes do pensamento econmico burgus e que atualmente constitui uma importante contribuio economia ortodoxa. Ela se origina na escola neoclssica, seguindo a tradio da teoria de Alfred Marshall e utiliza muitos dos seus postulados e de seus mtodos. O quinto trata do pensamento econmico neoclssico contemporneo. Nele so apresentadas as idias de Milton Friedman e da escola econmica de Chicago, cujos representantes tiveram a oportunidade de retornar os conceitos neoclssicos com uma nova roupagem, em um momento da historia em que os postulados keynesianos j no atendiam a uma das maiores preocupaes em nvel mundial: a inflao. O sexto esclarece a diferena entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento econmico, bem como apresenta alguns autores que contriburam para estas teorias tais como Evsey Domar, Joseph Alois Schumpeter, Theodore Schultz e Ragnar Nurkse. Finalmente, o stimo apresenta as idias das principais correntes de pensamento econmico no Brasil. Com isto pretende-se preencher uma lacuna existente nos manuais de histria do pensamento econmico, em sua maioria de origem estrangeira, que no contemplam o pensamento de economistas brasileiros. Consideram-se para efeito de

4

estudo os autores que representam as correntes liberal, neoliberal, desenvolvimentista, socialista e social-liberal.

5

Captulo I

O Pensamento Econmico NeoclssicoOrigens O perodo compreendido entre 1840 e 1873 foi um momento de rpida expanso econmica com base na industrializao em quase toda a Europa continental, bem como nos Estados Unidos. A nova revoluo industrial deu um grande impulso indstria pesada, sendo a indstria de bens de capital a que experimentou maior dinamismo, e as grandes transformaes que se processavam nos setores agrcola, qumico, ferrovirio e eltrico. Nestas regies altamente desenvolvidas para os padres da poca, o rpido crescimento industrial resultou em um maior grau de concentrao de capital, dando incio a era da formao dos monoplios e de uma nova fase imperialista no mundo. Naquele perodo, as mudanas nos transportes e nas comunicaes aceleraram a concentrao industrial, possibilitaram o acesso a mercados cada vez mais amplos e longnquos que passaram a ser servido por um pequeno nmero de empresas gigantescas. Na Europa e na Amrica do Norte cresceu um mercado financeiro bem organizado, que canalizava os pequenos recursos financeiros de um grande nmero de indivduos e pequenas firmas para o poder das grandes sociedades annimas. O contexto scio-econmico da poca indicava que muitos problemas sociais continuavam sem soluo, mesmo tendo passado um sculo desde o incio da primeira revoluo industrial. Pobreza generalizada, concentrao progressiva da renda e da riqueza, tudo isso ligava-se a problemas do desenvolvimento e levavam crtica social que vinha do socialismo, do sindicalismo e do intervencionismo estatal. Contra estas trs tendncias viravam-se os marginalistas, que consideravam este o melhor dos mundos, defendiam o laissez-faire, desprezavam a interveno do governo, abominavam o socialismo e consideravam os sindicatos trabalhistas perniciosos e ineficientes.

6

A Escola Neoclssica, tambm chamada Escola Marginalista, ao contrrio de sua antecessora a Escola Clssica, desenvolveu-se em diversos pases por pensadores diferentes que, inicialmente trabalhavam de forma independente uns dos outros. Entre os precursores estavam Antoine Cournot, Jules Dupuit, Johann H. Von Thnen, Herman H.h Gossen, William S. Jevons, Carl Menger, Friedrich Von Wieser, Eugen Von Bnhm-Bawerk, e Leon Walras. Estes representantes, alm de economistas, possuam, individualmente, outra formao acadmica, com acentuada inclinao para a matemtica, e tiveram seus primeiros trabalhos publicados por volta de 1850. A partir de 1870, quase um sculo depois de Adam Smith ter lanado seu Riqueza das Naes, o marginalismo comea seu reinado como substituto da economia clssica que se estende at meados da dcada de 1930, com o surgimento da teoria keynesiana, quando passa a se desenvolver lado a lado com ela. ainda a teoria dominante, ou parcial, na anlise microeconmica contempornea. As principais idias do marginalismo podem ser resumidas a seguir (OSER; BLANCHFIELD, 1983, pp. 207-208): 1. Idia da margem para explicar os fenmenos econmicos, ou seja, o ponto de mudana em que se baseiam as decises. O princpio marginal j tinha sido desenvolvido por David Ricardo em sua teoria da renda. 2. Abordagem microeconmica ao invs da macroeconmica adotada pelos clssicos. Significa que os marginalistas consideravam a economia em suas partes individuais, seja de pessoas ou empresas. 3. Sistema econmico baseado na concorrncia pura, embora considera-se o monoplio como um modelo extremo de imperfeio. Isto , sistema formado por um grande nmero de pequenas empresas individuais, muitos consumidores, muitos vendedores, produtos homogneos, preos uniformes, transparncia de mercado e propaganda insignificante. 4. A demanda como a fora principal para a determinao do preo das mercadorias e no o seu valor (de uso e de troca) como postularam os clssicos.

7

5. Teoria do equilbrio, orientado pelas foras econmicas opostas que, em momentos de distrbio, movimentariam a economia em direo ao equilbrio. 6. Racionalidade do consumidor individual maximizando o prazer ou a utilidade do bem consumido e minimizando os custos de aquisio. 7. Preservao da idia do laissez-faire oriundo da escola clssica como a poltica mais desejvel. O melhor governo aquele que menos governa, pelo menos nas questes sociais. Livre atuao das leis econmicas naturais. Entre os conceitos discutidos por esta Escola inserem-se: receita total e receita marginal, monoplio, duoplio, funo de reao, utilidade marginal decrescente, curva de consumo, excedente dos consumidores, diferenciao de preos, produtividade marginal, grau final de utilidade, teoria da regra eqimarginal, a teoria da mancha solar do ciclo comercial, nmeros-ndices, princpio dos custos de oportunidade, produo indireta, curva de indiferena, curva de contrato, produto marginal versus produto mdio, teoria da produtividade marginal de salrios e juros, e retornos constantes crescentes e decrescentes escala. E entre as preocupaes comuns das escolas que compem o movimento marginalista estavam o fato de eles acreditarem que existem foras internas e atuantes que tendem a levar o sistema ao equilbrio econmico (enfoque do equilbrio); sua preocupao em estudar as firmas individuais, as unidades familiais e a relao entre ambos (nfase nos aspectos microeconmicos); e que ao produzir alguma coisa o prprio processo produtivo est criando poder de compra para este e para outros produtos (lei de Say). Os enfoques dos marginalistas ajudaram a abafar algumas intranqilidades entre os economistas poca (1870-1930) os quais no conseguiam elucidar a questo do excedente econmico e a apropriao deste pelas diversas classes sociais (ARAUJO, 1995). Destes enfoques surgiu o fluxo circular simples da economia, conforme ilustra a figura 1.1.

8

Figura 1.1 Fluxo circular Fonte: Araujo, 1995

Neste sistema, as unidades familiais oferecem trabalho, capital e recursos naturais s empresas que com eles produzem bens e servios para as mesmas unidades familiais. O fluxo mais externo (sentido anti-horrio) representa o fluxo real e o ciclo interno (sentido horrio) o fluxo nominal. A escola marginalista considera a sociedade como um sistema dado (sem distino de classes), cuja relao se d atravs deste fluxo circular. Observa-se que, para eles, no h distino entre remunerao do trabalho (salrios e honorrios) e remunerao da propriedade (capital, juros e alugueis). Importa saber que as unidades familiais procuram maximizar sua utilidade em bens e servios (fluxo interno) e as empresas procuram maximizar o lucro (fluxo externo) (ARAUJO, 1995). Seguindo esta linha de pensamento, o modelo neoclssico supe, ento, um mundo de concorrncia perfeita, ou seja, os economistas baseavam suas anlises na suposio da livre-concorrncia (ou concorrncia perfeita). Esse um mundo de empreendedores pequenos, individualistas e independentes, inmeros compradores, muitos vendedores, produtos homogneos, preos uniformes e nenhuma propaganda. Nenhuma pessoa ou empresa possui fora econmica suficiente para influenciar os preos de mercado de forma perceptvel (BRUE, 2011). Sabemos que a realidade no como este modelo se apresenta e por tratar-se de um modelo terico, que tenta apresentar as principais linhas de fora do sistema, faz

9

abstraes de outras variveis menos significativas. A validade de um modelo, porm, depender de como ela ajuda a compreender a realidade. Seguindo estes pressupostos, no pensamento econmico neoclssico, quem tem a ltima palavra na economia o consumidor final, que ir comprar ou rejeitar tal ou tal produto (teoria da soberania do consumidor). Conseqentemente, as firmas devem ajustar seus processos de forma a atender este comportamento subjetivo. Sobre estas teorias, destacam-se as de Francis Y. Edgeworth, John Bates Clark , Philip Henry Wicksteed Alfred Marshall e Jacob Viner, apresentadas nas prximas sees. Edgeworth e as curvas de contrato (ou de troca) A Caixa de Edgeworth (com curvas de indiferena) que conhecemos hoje originou-se nos estudos das curvas de contrato realizados por Francis Y. Edgeworth (1845-1926), em 1881, objetivando mostrar as vrias combinaes de dois itens que resultaro em um nvel igual de utilidade para um indivduo. Edgeworth ilustrou estas curvas usando dois detentores de produtos diferentes, porm complementares: Robinson Cruso detinha o dinheiro (x1) e Sexta-feira detinha o trabalho (x2). Ambos so personagens do livro As aventuras de Robinson Cruso, de Daniel Defoe, originalmente publicado em 1719. Sexta-feira deseja um pouco do dinheiro de Cruso e Cruso deseja utilizar um pouco do trabalho de Sexta-feira. Esta troca de produtos est representada pelas curvas da Figura 1.2.

10

Figura 1.2 Curvas de utilidade para Sexta-feira e para Cruso Fonte: Adaptado de Brue, 2011

Recomenda-se a anlise do comportamento das curvas de forma separada. As curvas azuis 1,2 e 3 representam nveis de utilidade para Sexta-feira. Ou seja, todas as combinaes de trabalho e dinheiro, e que resultam em nveis idnticos de utilidades, esto representadas ao longo de cada curva 1,2 e 3. Das trs curvas a que resulta em utilidade maior a curva 3. Para chegar a esta concluso, desenhamos uma linha horizontal para cada curva azul e verificamos que cada interseo desta linha com uma curva denota os nveis de dinheiro de Cruso e de trabalho de Sexta-feira. Da resulta que Sexta-feira preferir estar nas curvas de indiferena localizadas mais ao leste (se imaginarmos um mapa). As curvas vermelhas I, II e III, segundo o autor, completam o mapa de indiferena, com os nveis de utilidade total para Cruso. Inversamente ao que foi analisado para Sexta-feira, se desenharmos uma linha vertical para cada curva vermelha, descobriremos que as curvas de indiferena localizadas mais ao norte resultam em nveis maiores de utilidade total para Cruso. Nesta sobreposio de curvas, detectamos pontos de tangncia dos conjuntos de curvas vermelhas e azuis, indicados pelas letras A, B e C na figura 1.3.

11

Figura 1.3 Curva de contrato entre Sexta-feira e Cruso Fonte: Brue, 2011

Estes pontos na reta ABC (curva de contrato) indicam possveis pontos de equilbrio nas negociaes entre Cruso e Sexta-feira, porm o contrato final entre estes dois agentes indeterminado. Esta indeterminao das condies finais do negcio decorre, segundo Brue (2011), porque tanto Sexta-feira quanto Cruso podero fazer adies sua utilidade, posicionando-se em pontos diferentes da reta ABC, como por exemplo o ponto indicado pela letra D. Ao optar por pontos diferentes, nenhum agente reduz o ganho da outra parte, mas tambm no aumenta o seu. Cruso tem o direito de optar pela curva III, no ponto A, e Sexta-feira pensa em atingir a maior utilidade optando pela curva 3, no ponto C. O interesse prprio os empurraria para a curva de contrato e a negociao est sujeita barganha. Atualmente, esta representao de Edgeworth usada nas aulas de Microeconomia se assemelha a da figura 1.4, denominada Caixa de Edgeworth.

12

Figura 1.4 Caixa de Edgeworth para dois bens Fonte: Riella, 2011

Na posio normal, a figura representa as cestas de consumo do consumidor A. Riella (2011) explica que a dotao inicial de A inclui uma grande quantidade do bem 1 e uma quantidade pequena do bem 2. Por outro lado, ao posicionarmos a figura de cabea para baixo, esta agora representa as cestas de consumo de B. Inversamente ao que observamos para o consumidor A, a dotao inicial de B inclui uma quantidade pequena do bem 1 e uma quantidade grande do bem 2. Em captulos posteriores, teremos a oportunidade de apreciar a utilizao deste diagrama por Vilfredo Pareto.

Produto Marginal versus Produto Mdio Embora David Ricardo (por volta de 1815) e Joham Heinrich von Thunen (por volta de 1850) tenham, respectivamente, pressuposto que a funo de produo decorrente das quantidades de insumos e da produtividade marginal da mo-de-obra relacionada agricultura, foi Edgeworth quem distinguiu os produtos mdios e marginais de uma funo de produo (BRUE, 2011). Para tal pressuposto, Edgeworth considerou a terra como sendo um recurso fixo, ao passo que mo-de-obra e ferramentas seriam os recursos variveis. Para determinados nveis de plantaes ele relacionou vrios nveis de recursos variveis (no caso mo-de-obra e ferramentas), de cuja relao calculou o produto (ou produo) marginal, conforme exemplifica no quadro 1.1.

13

INSUMOS (Mo-deobra/Ferramentas) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

PRODUTO TOTAL (Plantaco) 4 9 15 22 30 36 41 44 44 42

PRODUTO MARGINAL

PRODUTO MDIO

5 6 7 8 6 5 3 0 -2

4 4,5 5 5,5 6 6 5,8 5,5 4,8 4,2

Quadro 1.1 Relaes entre o produto total, marginal e mdio

A terceira coluna indica a alterao no produto total associada a cada adio do insumo mo-de-obra/ferramentas. Os valores das quarta coluna o resultado da diviso do produto total pelos insumos mo-de-obra/ferramentas. Observa-se que alteraes na quantidade de insumos aumentam o produto total (PT) at determinado nvel. Depois, a produo permanece constante e, logo em seguida, reduz. Este comportamento de uma empresa competitiva que opera a curto prazo e ilustrado na figura 1.5.

Figura 1.5 Relao entre produto total, mdio e marginal Fonte: Adaptado de Brue (2011)

14

A figura 1.5a a representao de uma funo de produo no curto prazo enquanto a figura 1.5b representa os produtos marginais e mdios correspondentes curva de produto total da figura 1.5a. Observa-se que o produto mdio (PMe) cresce at determinado ponto e depois se reduz progressivamente; o mesmo ocorrendo com o produto marginal (PMg), sendo que este chega a ficar nulo e negativo em determinado nvel de produo. Quando o produto total (PT) aumenta a uma taxa crescente, o produto marginal (PMg) tambm aumenta em nveis maiores que o produto mdio (PMe). O contrrio tambm vlido e chamado de rendimentos marginais decrescentes (BRUE, 2011)

Clark e a Produtividade marginal (da distribuio) Embora controverso, atribui-se a John Bates Clark (1847-1938) a inveno do termo produtividade marginal (BRUE, 2011). Clark aplicou sua teoria, que por sua vez era baseada na lei de rendimentos decrescentes, a todos os fatores de produo, e no somente aos da atividade agrcola, como at ento tinha sido feito. Sups ele que se capital, terra e empreendedorismo permanecerem constantes enquanto forem adicionadas unidades de trabalho, os produtos marginais e mdios do trabalho diminuiro, embora a produo total possa continuar a aumentar. Esta situao seria semelhante para o capital ou outra varivel. Clark destaca que estes rendimentos decrescentes no esto relacionados qualidade do trabalho que adicionado na produo e sim ao fator fixo o qual se torna usado em demasia em relao ao fator varivel. Em outras palavras, ...o fator varivel torna-se to abundante em relao ao fator fixo que unidade adicionais do fator varivel no podem contribuir muito para a produo (BRUE, 2011). Clark explica que pode haver fila de operrios querendo usar uma mesma mquina quando o trabalho um fator varivel abundante. Pode acontecer de mquinas e ferramentas ficarem subutilizadas se o recurso varivel for o capital. O primeiro caso Clark definiu como produtividade marginal decrescente da mo-de-obra; o segundo

15

caso representa a produtividade marginal decrescente do capital. Ambas as situaes esto ilustradas nas figuras 1.6 e 1.7, respectivamente.

Figura 1.6 Produtividade marginal decrescente da mo-de-obra Fonte: Adaptado de Brue (2011)

A figura 1.6 expressa a situao em que o capital um recurso fixo e a mo de obra um recurso varivel. A produtividade marginal da mo-de-obra representada pela curva azul BC, que por sua vez foi extrada do trecho xy da curva PMg da figura 1.5 (BRUE, 2011). O primeiro trabalhador, indicado pela letra A, produzir o montante AB. Porm, cada trabalhador adicional acrescentar menos ao produto total, por conta dos rendimentos decrescentes. A figura ilustra que o ltimo trabalhador produzir apenas o montante DC, mas este nvel que estabelecer o salrio para todos os outros trabalhadores, pois a curva BC tambm uma curva de demanda por mo-de-obra e representa o nmero de trabalhadores que sero contratados em cada um dos vrios salrios diferentes. Se o salrio fosse maior que o nvel AE (ou DC) os empregadores contratariam menos que AD trabalhadores. Por outro lado, poucos trabalhadores no produziriam o suficiente para merecer salrios altos. Inversamente, se o salrio fosse menor que o nvel AE (ou DC) os empregadores contratariam mais que AD trabalhadores (BRUE, 2011).

16

Sendo os salrios totais representados pela rea AECD e a produo total a rea ABCD, a rea equivalente a EBC representa o acumulado do capital na forma de juros, sendo este um rendimento para o fator fixo. Inversamente ao analisado na figura 1.6, a figura 1.7 expressa a situao em que o capital um recurso varivel, enquanto o trabalho um recurso constante.

Figura 1.7 Produtividade marginal decrescente do capital Fonte: Adaptado de Brue (2011)

A produtividade marginal do capital representada pela curva azul BC, que por sua vez representa uma curva de demanda para o capital. Em uma situao de equilbrio, cada unidade de capital (de A a D) obtm como recompensa a produo marginal do capital. Adicionando capital at o nvel DC, o juro total representado pela rea AECD. A diferena entre ABCD o capital transformado em salrios (EBC). Se o capital excedesse o nvel DC, a produtividade marginal do capital e o juro seriam menores (BRUE, 2011). Se AECD for menor que EBC, existe um lucro econmico lucro acima do retorno normal para o capital e o empreendimento - para o empresrio. Para Clark, alis, as reas referentes ao salrio e ao capital, nos dois grficos, seriam iguais, o que levou Philip Henry Wicksteed (1844-1927) a investigar mais detalhadamente esta proporo.

17

Wicksteed e os retornos escala (constantes, crescentes e decrescentes) Wicksteed concluiu que a soma dos pagamentos baseados na produtividade marginal seria adicionada ao produto total somente em mercado de concorrncia perfeita e se houvesse retorno constantes escala (BRUE, 2011). Por retornos constantes entende-se o aumento no produto total na mesma proporo em que se aumentam os recursos utilizados no processo produtivo. Se, por exemplo, capital e mo-de-obra forem aumentados em 100%, o produto total dobrar. Embora desafiado em seus argumentos, Wicksteed contribuiu consideravelmente para a compreenso da lei de retorno escala. Por meio dela, por exemplo, possvel ver o que acontece com a produo no somente quando se aumenta apenas um insumo, como tambm quando se aumenta todos os insumos na mesma proporo. Quando os retornos escala so constantes, o custo mdio de produzir um produto a longo prazo tambm constante, pois a produo total aumenta mesma taxa que o custo total (BRUE, 2011). Outra modalidade de retorno so os retornos crescentes de escala, que ocorrer quando o produto total aumenta em uma proporo maior que o aumento dos insumos. Isto implica, segundo Brue (2011) em custo mdio de produo menor, pois o custo total aumenta em um montante menor que o produto total. Por fim, dizemos que uma funo de produo tem retornos decrescentes de escala quando o produto total aumenta em uma proporo menor que o aumento dos insumos. Observa-se que uma das caractersticas destas duas ltimas sees a abordagem marginal do lado da firma, ao contrrio dos primeiros marginalistas, que analisaram o lado do consumidor. Esta nova perspectiva pode caracterizar uma transio para a economia neoclssica, ou para a microeconomia contempornea. As contribuies das anlises marginalistas no esgotam com esta transio, pois os representantes subseqentes continuam aprimorando as idias originais, como o caso de Alfred Marshall (1842-1924).

18

Alfred Marshall Clark comparou diferentes equilbrios fixos, cujo mtodo hoje conhecido como esttica comparativa. Segundo Brue (2011, p.266), sua teoria ...foi criada para demonstrar os nveis para os quais os preos, os salrios e os juros tendero, se o trabalho e o capital se mantiverem fixos na oferta, se as melhorias nos mtodos de produo pararem e se os desejos dos consumidores nunca mudarem. Assim como Clark, Marshall preocupou-se com a demanda e oferta de fatores de produo (ou insumos produtivos). Por conta do aspecto esttico das teorias estabelecidas por Clark, elas exigiriam melhorias por parte de Marshall. Na verdade, Marshall foi o responsvel por unificar as correntes objetiva e subjetiva do valor, esclarecendo que os economistas clssicos ressaltavam as condies de produo, enquanto que para os marginalistas neoclssicos o grau de utilidade dos bens eram os determinantes do valor (MONTELLA, 2010). Considerando que as idias no eram excludentes, inseriu a varivel tempo, objetivando conciliar ambos os princpios, para posteriormente desenvolver suas teorias do consumidor, da firma e do equilbrio parcial, a seguir expostas. Teoria do consumidor A anlise dinmica de Marshall foi inicialmente aplicada lei da utilidade marginal decrescente, na qual introduziu duas qualificaes importantes: a questo temporal da aquisio e a indivisibilidade do bem. Um intervalo de tempo muito curto para se considerar qualquer mudana no carter e nos gostos de uma pessoa em particular escreveu Marshall (apud Brue, 2011), considerando que mudanas dinmicas nos gostos e preferncias eram excludas das anlises das demandas. Mudanas dinmicas (aumento ou diminuio de preferncias) so imperceptveis em curto espao de tempo. No que se refere indivisibilidade do bem, a abordagem de Marshall lida com a necessidade de medir prazeres, esforos, desejos, incentivos, etc. Segundo ele... uma pequena quantidade de mercadoria pode ser insuficiente para atender a uma certa necessidade especial [...] haver um aumento mais que proporcional

19

do prazer quando o consumidor obtiver o suficiente dessa mercadoria que lhe permita atingir o fim desejado. (BRUE, 2011, p.276)

Dentre os vrios exemplos, usou os pneus de carro: 4 pneus geram mais utilidade do que 3. E para mensurar a utilidade de bens intangveis, Marshall lanou mo das propriedades do dinheiro. Ele inverteu a abordagem marginalista da disposio a pagar ou trabalhar para adquirir algo para a qual usou uma escala financeira de pagamentos. Os marginalistas raciocinavam do seguinte modo: Se os sapatos so duas vezes mais teis para uma pessoa do que o um chapu, esta si dispe a pagar do dobro pelos sapatos Marshall relacionou estas preferncias em termos financeiros da seguinte forma: Se uma pessoa est disposta a pagar o dobro pelos sapatos em relao ao preo do chapu, que custa $20, os sapatos produzem duas vezes mais utilidades para esta pessoa, ou seja, $40. Quando se trata de comparar prazeres de duas pessoas pelo mesmo tipo de bem ou mesmo para bens diferentes, a unidade monetria o instrumento que melhor atende a mensurao destas utilidades. Marshall recomenda que a forma indireta seja a mais indicada para comparar as satisfaes fsicas, observando o que motiva a produo da ao de um individuo. Em outras palavras, desejos s podem ser medidos indiretamente pelos fenmenos externos que lhe do lugar, neste caso, o preo que um indivduo se dispe a pagar (MONTELLA, 2010). Se duas pessoas em circunstancias similares esto dispostas a pagar o mesmo montante de dinheiro por um bem ou servio, podemos dizer que esses prazeres so iguais em seus propsitos. Isto no quer dizer, contudo, que duas pessoas com rendimentos iguais tero, necessariamente, os mesmos benefcios de seu uso, pois as intensidades de satisfaes variam em cada individuo. Quando se trata se muitas pessoas envolvidas, prevalece o consenso coletivo.

20

Marshall ressalta que um aumento no dinheiro, como uma unidade adicional de bens, possui uma utilidade marginal maior para uma pessoa pobre do que para uma pessoa rica, pois o pobre, inicialmente, tem menos dinheiro. Essas diferenas de utilidade implicam em decises econmicas de cunho fiscal, conforme ser abordado em captulos posteriores (BRUE, 2011). Marshall associou a teoria da utilidade marginal decrescente teoria da escolha racional do consumidor, considerando o limite de gasto para uma determinada despesa. Como exemplo de medio de utilidade marginal de dois tipos de diferentes de gastos, ele citou um consumidor que precisa decidir entre comprar roupas novas ou usar o dinheiro para umas frias. Da associao destas duas teorias, ele fundamentou sua lei da demanda, considerando um consumidor com despesas equilibradas de forma que o ltimo dlar em cada um de diversos produtos gera utilidade marginal idntica, expressa na seguinte relao (BRUE, 2011): UMx = UMy = ... UMn Px Py Pn

Se o preo do produto X cair e os preos de outros bens permanecerem constantes, um consumidor racional compraria mais do produto X. Isso levaria a razo UMx /Px exceder as razes UM/P de outros bens. Buscando recuperar o equilbrio das despesas, o consumidor substituir mais de X por menos de Y, Z, etc; isto reduziria a utilidade marginal de X, aumentando a de outros bens. A utilidade de X mais baixa por conta do preo baixo produzir a razo UMx /Px = UMy /Py = UMn /Pn recuperando o equilbrio (BRUE, 2011). Marshall tinha uma ntida concepo das diferenas entre as alteraes na quantidade demandada (medida no eixo horizontal) e as alteraes na demanda (mudana em toda curva). Para ele, a utilidade total de um bem a soma das utilidades marginais sucessivas de cada unidade adicionada, pois estas margens correspondem aos preos que uma pessoa est disposta a pagar por um bem, cuja satisfao total de adquiri-lo

21

excede o sacrifcio exigido para pag-lo, expressando o excedente do consumidor, que Marshall ilustrou com dados de preos e de quantidade, ilustrados no quadro 1.2.Preo por libra, em xelins (S/lb) Quantidade demandada, em libras (lb) 20 1 14 2 10 3 6 4 4 5 3 6 2 7 Quadro 1.2 Relaes entre preo e quantidade demandada de ch Fonte: Adaptado de Brue (2011)

Por 20 xelins a libra, um individuo compraria 1 libra ch, anualmente; por 14 xelins a libra compraria 2 libras de ch; por 10 xelins a libra compraria 3 libras; e assim sucessivamente. Esta relao indica que a primeira libra de ch proporciona um valor de utilidade de 20 xelins, a segunda libra, um valor de utilidade de 14 xelins, e assim por diante (BRUE, 2011). Segundo Marshall, o ganho total em utilidade dessa pessoa com a compra de 7 libras de ch seria de 59 xelins (20+14+10+6+4+3+2). Porm, se o preo de mercado fosse de 2 xelins, e esse consumidor comprasse 7 libras de ch, gastando quem sabe at 14 xelins por ano, ele receberia um excedente de consumidor de 45 xelins (59-14). possvel analisar o excedente do consumidor de outra forma. Na primeira libra de ch, o excedente do consumidor 18 xelins (20-2); na segunda, 12 xelins (14-2), e assim por diante, chegando a 45 xelins (BRUE, 2011). Portanto, esse excedente acontece quando o consumidor beneficiado por uma variao de preos, conforme ilustra a figura 1.8.

22

Figura 1.8 Representao do excedente do consumidor

Como exemplificado por Marshall, o excedente do consumidor a rea abaixo da curva de demanda individual (originalmente apresentada como excedente de utilidade) e acima do preo de mercado (SANDRONI, 2009). Quanto mais o indivduo atinge um ponto inferior na curva de demanda (comprando mais bens quando eles ficarem baratos) seu excedente aumenta. Com este postulado, Marshall analisou a variao na renda real de um consumidor e sua relao com o poder de compra deste consumidor, quando ento aproveitou para esclarecer que para a anlise do excedente do consumidor devem-se considerar os tipos de bens e seu contexto. Ademais, quando se trata de analisar as curvas de demanda de mercado, a medio do excedente do consumidor exige a incluso de unidades interpessoais de utilidades, sendo este um trabalho impossvel em funo da diversidade de preferncias e de nveis de renda dos consumidores. Ao analisar os diversos determinantes da demanda, Marshall aprimorou a anlise de elasticidade da demanda originalmente apresentada por Stewart Mill, quando este endossou a defesa de David Ricardo do mercado livre internacional baseado na lei dos custos comparativos. Segundo Marshall, a elasticidade da demanda de mercado tende a ser maior quando um bem tem um preo alto em relao ao tamanho da renda dos compradores. Um preo baixo possibilita mais pessoas de adquirirem o produto. Entretanto, se o preo for baixo em relao renda das pessoas, uma pequena alterao percentual no preo no resultar em grande aumento de compras (BRUE, 2011).

23

Teoria da firma Segundo a teoria da imputao de Menger (apud Brue, 2011), os fatores de produo ajudam, indiretamente, a produzir itens que satisfaam necessidade do consumidor. Este foi o inicio da anlise da oferta, a qual, segundo Marshall, controlada pelo custo de produo. Para analisar estas relaes de mercado, e considerando que as dificuldades que aparecem dependem das variaes, principalmente, de espao e tempo, Marshall (apud Montella, 2010) introduziu o fator tempo distinguindo-o entre curtssimo, curto e longo prazos. A oferta no curtssimo prazo (no presente imediato) depende pouco do clculo do custo de produo e mais do estoque disponvel. Significa, segundo Brue (2011), que caso haja uma alterao na demanda, no h tempo suficiente para adaptao da quantidade fornecida. Se um bem perecvel, a curva de oferta perfeitamente inelstica (linha vertical reta), pois prefervel vender o alimento fresco a um pequeno valor do que deix-los estragar. Se um bem no perecvel, os vendedores possuem um preo reserva, abaixo dos quais no vendero, a menos que tenham contas urgentes a pagar (BRUE, 2011). No curto prazo, j possvel contar com tempo para adaptao da produo s alteraes da procura, porm no to longo que permita quaisquer modificaes importantes na oferta dos fatores de produo (MONTELLA, 2010). Ou seja, s possvel aumentar a oferta se houver estoque de fatores de produo. Vale destacar que os custos fixos (ou custos suplementares, como denominou Marshall) de fbrica no podem ser alterados, no curto prazo, ao contrrio dos custos variveis (ou principais, como tambm denominou Marshall), que mudam de acordo com os nveis variveis da produo (BRUE, 2011). No longo prazo, ... a ao normal das foras econmicas tem tempo para se exercer completamente. [...] uma escassez temporria de trabalho qualificado pode ser

24

remediada [...]., cita Marshall (apud MONTELLA, 2010). Significa que as situaes podem ser remediadas. No curto prazo, um aumento da demanda eleva o preo, porque o processo produtivo precisa ser ajustado. No longo prazo, mais fbricas podem ser construdas de forma a atender um aumento previsto na demanda. A compreenso da questo temporal importante para compreender o equilbrio entre oferta e demanda sintetizada por Marshall em uma tentativa de conciliar os postulados dos clssicos e dos marginalistas sobre os determinantes do preo de mercado, conforme apresentado a seguir. Teoria do equilbrio parcial Para Marshall, tanto oferta quanto demanda so determinantes do preo do mercado, sendo que a oferta envolve o entendimento dos custos financeiros e custos subjetivos, e a demanda envolve a questo da utilidade e da utilidade marginal decrescente (BRUE, 2011). Examinar as relaes entre oferta e demanda vinculadas ao preo foi o caminho que Marshall encontrou para explicar sua teoria do equilbrio parcial, mas teve como premissa, um mercado em concorrncia perfeita. Neste tipo de mercado, os produtos so homogneos (idnticos); a quantidade de compradores e de vendedores to grande que nenhum deles consegue influenciar o comportamento dos preos; compradores e vendedores so tomadores (aceitadores) de preos. Cada empresa, individualmente, vende uma pequena parte da produo total do mercado e, portanto, no tem influncia no preo de mercado. O consumidor, individualmente, compra uma poro muito pequena da produo industrial, no tendo qualquer impacto sobre o preo de mercado (VARIAN, 2003). Diante desta situao, cada produtor apresenta sua curva de oferta (individual) igual curva de demanda, como ilustra a figura 1.9.

25

Figura 1.9 Equilbrio entre preo e quantidade em concorrncia perfeita Fonte: Montanella, 2010

Em um mercado perfeitamente competitivo, as empresas partem do pressuposto de que o preo de mercado independe de seu nvel de produo. Seja qual for a quantidade produzida, uma empresa s poder vender a um preo: o preo vigente no mercado. Adentrando na questo do equilbrio proposto por Marshall, tm-se de um lado consumidores querendo maximizar sua utilidade sujeita a restries oramentrias, e de outro as empresas querendo maximizar seus lucros sujeitos s restries dos custos (MONTELLA, 2010). Considerando que Marshall foi superior aos seus antecessores por ter lanado mo de recursos matemticos e algbricos, a representao algbrica deste equilbrio segue os seguintes pressupostos: a) A receita total tudo que a firma recebe com a venda de seus produtos. Algebricamente, RT = p.q, sendo p o preo de venda; b) A receita marginal a variao da RT proveniente da venda de mais uma unidade produzida. Algebricamente, RMg = RT / q; c) Se considerarmos que o acrscimo na receita da firma provm do preo pago pela quantidade vendida, cada preo obtido por uma unidade a mais vendida representa uma receita marginal. Algebricamente, RMg = RT / q = p. Ou Algebricamente, RMg = p. Estes pressupostos so representados na figura 1.10.

26

Figura 1.10 Receita total e Receita marginal Fonte: Montanella, 2010

A mxima lucratividade ocorre quando a receita obtida com a venda de mais uma unidade produzida do bem no compensa, ao produtor, produzi-la. Esta anlise exige o conhecimento dos custos. Jacob Viner (1892-1970) Foi Jacob Viner (1892-1970) quem inicialmente ilustrou as curvas de custo de curto prazo e de longo prazo, como complemento das relaes de produo, e os distinguiu entre custo mdio e custo marginal (BRUE, 2011). Dividindo a produo total pelos seus custos totais obtemos o custo mdio (CMe ou AC). J o custo marginal (CMg ou MC), exemplificado por Viner por um mercado de mo-de-obra competitiva, [...] o pagamento do salrio de um trabalhador extra dividido pelo seu produto marginal. [...] Um produto marginal maior, acompanhado por um pagamento constante de salrio, produz um custo de produo marginal menor, postulou Viner (apud Brue, 2011). Na curva que representa o custo marginal, a parte decrescente corresponde parte crescente da curva de produto marginal (figura 1.11).

27

Figura 1.11 Curvas de custo mdio e custo marginal Fonte: Adaptado de Varian (2003)

medida que o produto marginal cai, o custo de produo aumenta, pois cada trabalhador extra adiciona menos produo mas recebe um salrio idntico. A parte crescente da curva de custo marginal corresponde parte decrescente da curva de produto marginal. No longo prazo, a curva CMe reflete o custo mdio mnimo em que qualquer produo pode ser obtida depois que a empresa tiver tipo tempo de fazer todos os ajustes adequados ao tamanho de suas instalaes. A curva CMe de longo prazo a envoltria inferior das curvas de custo mdio de curto prazo, conforme ilustra a figura 1.12 (BRUE, 2011).

Figura 1.12 Curvas de custo mdio no longo prazo Fonte: Adaptado de Varian (2003)

28

Chega-se condio de equilbrio das firmas relacionando receita e custo. Segundo Marshall, uma empresa est em equilbrio quando consegue maximizar seu lucro total (LT) (MONTANELLA, 2010). Neste ponto, seu lucro marginal LMg ser zero, pois uma unidade a mais proporciona um lucro menor que o obtido anteriormente. Logo, LMg = LT / q = 0. Neste mesmo nvel, a RMg ser igual ao CMg, considerando que LT / q = RT / q = CT / q. Como a curva da RMg da firma individual a mesma curva da demanda D do consumidor ao nvel do preo p, o equilbrio de mercado ser expresso por D = RMg(=p) e sua representao grfica ilustrada na figura 1.13 (MONTANELLA, 2010).

Figura 1.13 Equilbrio segundo a tica marshaliana Fonte: Adaptado de Varian (2003)

importante destacar que embora a indstria seja um conjunto de firmas com caractersticas semelhantes, no se pode dizer que o equilbrio dela seja a soma linear dos vrios equilbrios individuais, conforme lembra Montanella (2010), pois, no caso da indstria, a curva de demanda decrescente em relao ao preo, os quais variam em consonncia com a Lei da Demanda. Uma indstria em condies de concorrncia perfeita est em equilbrio quando o preo da procura igual ao da oferta a uma quantidade de produo constante. Se porventura esta quantidade sai do equilbrio, entra a mo invisvel, explicada por Adam Smith, mas cujo impacto no preo no pode excluir o fator tempo, analisado por Marshall.

29

Se a demanda aumenta em um perodo curto, no h tempo para alterar a produo, levando a utilidade a determinar os preos, expressa na curva de demanda. Se o aumento da demanda ocorre em perodos longos, quando h tempo para alterar a produo, so os custos de produo que determinam o preo, expressos na curva de oferta. Est anlise nos permite diferenciar preos normais (influncia da procura no curto prazo) de preos de mercado (influncia da alterao dos custos de produo), conforme definio dos clssicos (Histria do Pensamento Econmico I). Distribuio de renda Outras contribuies de Marshall referem-se a participao dos salrios e dos juros na anlise dos empreendimentos em um economia competitiva e o ciclo de vida de um negcio. A distribuio de renda em uma economia competitiva determinada pelos preos dos fatores de produo. Os empreendedores devem estimar quanto uma unidade extra de qualquer fator de produo ir agregar ao valor total do produto final. Devem empregar cada agente at a margem em que seu produto lquido no mais exceda o preo que teria que pagar por ele. Marshall baseou sua anlise nos rendimentos decrescentes resultante do uso desproporcional de qualquer agente de produo. (BRUE, 2011) Os salrios, segundo Marshall, so determinados pela produtividade marginal do trabalho, e esto atrelados demanda dos consumidores pelo produto final, que por sua vez motiva a demanda pelo trabalho. Se a oferta de trabalho aumenta, ceteris paribus, a produtividade marginal do trabalho cai (conforme apresentado por Clark). Inversamente, se a oferta de trabalho diminui, ceteris paribus, a produtividade marginal do trabalho aumenta e o nvel salarial aumenta. No que se refere aos juros, segundo Marshall, um aumento na taxa de juros, diminui o uso de equipamentos, pois o empresrio evita o uso de todas as mquinas cujo excedente anual lquido menor que a taxa de juros. Ou seja, quanto mais unidades so adquiridas, a produtividade marginal decrescente do capital constitui a demanda por capital, por preos registrados em termos de taxa de juros (BRUE, 2011)

30

A demanda pelo emprstimo de capital o agregado das demandas de todos os indivduos em todos os negcios. Da mesma forma que com as mercadorias finais, quanto maior o preo, menor o capital demandado; quanto menor o preo, maior o capital demandado. A quantidade de poupana ofertada depende da taxa de juros, e a taxa de juros depende da oferta de poupana. A oferta de poupana toda srie que seria oferecida a diferentes taxas de juros, da mesma forma que a demanda a srie de quantidades que seria comprada a diferentes preos (BRUE, 2011). A taxa de juros estabelecida no ponto de interseo das curvas de oferta e demanda. Assim o preo (taxa de juros) determina a quantidade de mercadoria ofertada (poupana). Os lucros normais, para Marshall, incluem os juros, os ganhos de gerenciamento e o preo da oferta das organizaes comerciais. Esta seria uma recompensa ao empreendedor, nos moldes teoria ricardiana sobre a renda.O total de renda controlado pela fertilidade da terra, pelo preo da produo e pela posio da margem: o excesso do valor dos retornos totais obtidos pelo capital e pelo trabalho aplicados terra, sobre aqueles que eles teriam obtido em circunstncias to desfavorveis quanto aquelas na margem do cultivo.(apud BRUE, 2011, p. 288)

Ou seja, no h muita diferena entre terra e prdios; ambos esto sujeitos a rendimentos decrescente quando seu proprietrio tenta o resultado adicional com eles. A quase renda representa os ganhos sobre os investimentos de capital anteriores no curto prazo. Quanto a influncia dos custos (variveis) de produo nos preos, Marshall escreve que[...] Todo agente de produo, terra, equipamentos, trabalho qualificado etc.,tende a ser aplicado em produo de maneira mais lucrativa possvel. Se os empregadores e outros executivos pensam que podem obter um melhor resultado utilizando um pouco mais de qualquer fator, eles faro isso. Eles estimam o produto liquido (isto , o aumento liquido do valor do dinheiro da sua produo total depois de deduzir as despesas incidentais) que ser obtido por um pouco mais de despesa nessa direo ou um pouco mais na outra, e se podem ganhar mudando um pouco de suas despesas de uma direo para outra, eles o faro. (apud BRUE, 2011, p. 288)

31

Empresa representativa Ainda do lado da oferta, Marshall introduziu o conceito de firma representativa, que simplificaria a anlise ao desconsiderar a variedade de firmas do mundo real. Segundo ele, a firma representativa seguiria a dinmica dos recursos naturais renovveis (para cuja explicao usou a metfora de uma rvore), teria vida razoavelmente longa, xito razovel, e seria gerida com habilidade normal. Enfrentaria economias internas e externas pertencentes quele conjunto de produo. Economias internas seriam aquelas relacionadas a maior produtividade advinda da diviso do trabalho e especializao do capital ocorridas no interior de cada firma. As economias externas se referem aos custos reduzidos em uma indstria devido a proximidade de fornecedores ou a possibilidade de gerar em um local especfico uma demanda contnua por mo-de-obra especializada. Este aperfeioamento implicaria nos rendimentos de escala (crescentes, decrescentes ou constantes). Surge porem um difcil problema nesta questo de economia de escala: o crescimento de algumas firmas pode levar ao oligoplio e ao monoplio, e isto destruiria o quadro idlico da concorrncia perfeita. E se esta a tendncia histrica, as teorias de Marshall no se sustentam. Ele resolveu este dilema fazendo a analogia do ciclo econmico com os organismos vivos.

32

Biografias citadas

JOHN FRANCIS Y EDGEWORTH (1845-1926), irlands, foi professor titular de poltica econmica em Oxford. Fundou a Royal Economic Society e editou o Economic Journal por 35 anos. Escreveu Mathematical psychis (1881), na qual constam as contribuies para a economia. Ele popularizou o estudo da matemtica na economia, usando o calculo diferencial como ferramenta. Escreveu diversos artigos.(BRUE, 2011)

www.en.wikipedia.org

www.schoolworkhelper.net

JOHN BATES CLARK (1847-1938) Clark nasceu e foi criado em Providence, Rhode Island. e graduou-se Amherst College, em Massachusetts, com 25 anos de idade. Entre 1872 e 1875, freqentou a Universidade de Zurique e a Universidade de Heidelberg, onde estudou sobre Karl Knies (um lder da Escola Histrica Alem). No incio de sua carreira, os textos de Clark refletem sua origem alem socialista e ele mostrou-se como um crtico do capitalismo. No entanto, durante o seu tempo como professor na Universidade de Columbia, a sua opinio mudou gradualmente at que veio apoiar o capitalismo. Mais tarde ele tornou-se conhecido como um dos principais apoiadores do sistema capitalista. Economista neoclssica americano (naturalizado), foi um dos pioneiros da revoluo marginalista e opositor da escola institucionalista da economia, e passou a maior parte de sua carreira docente na Universidade de ColumbiaFonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Bates_Clark John Bates Clark

PHILIP HENRY WICKSTEED (1844-1927) Escreveu sobre teologia e tica. Ao direcionar seus estudos de tica para a sociedade comercial moderna, com suas perturbadoras desigualdades de riqueza e de renda, foi levado aos estudos econmicos. Em 1894 publicou seu clebre Um Ensaio sobre a Coordenao das Leis de Distribuio, em que tentou provar matematicamente que um sistema distributivo que recompensava os proprietrios de acordo com a produtividade marginal iria esgotar o total do produto produzido.Fonte: http://mises.org/about/3245

www.socserv.mcmaster.ca

33

www. en.wikipedia.org

ALFRED MARSHALL (1842-1924) Seu pai queria que ele seguisse a carreira religiosa mas ele resolveu estudar matemtica em Cambridge. Era hipocondraco em relao sua sade. Tambm era detalhista e isto atrasou quase 10 anos sua primeira publicao Princpios de Economia . Esta obra, contudo, passou a ser o novo livro-texto cursos de Economia. Suas anlises combinavam o melhor da economia clssica com o pensamento marginalista, resultando na economia clssica. Mesmo gostando de matemtica, no achava imprescindvel para os estudos da Economia.(BRUE, 2011)

JACOB VINER (1892-1970) foi professor da universidade de Chicago. Trabalhou em diversos campos mas se destacou em historia do pensamento econmico e na teoria do economia internacional. Estudou a determinao dos preos de mercado e as relaes entre as curvas de custo e curvas de oferta no curto e no longo prazo. Foi quando cometeu um dos grandes erros grficos mais famosos da histria da economia.Traduzido de: http://www.eumed.net/cursecon/economistas/viner.htm www.browsebiography.com

34

QUESTES PARA ESTUDO E DISCUSSO 1. Comente brevemente os princpios fundamentais da Escola Neoclssica ou Marginalista. 2. Elabore um quadro com duas colunas sendo que na coluna 1 voc insere os termos ou palavras-chaves apreendidos neste captulo e na coluna 2 voc insere os autores e sua escola. O nmero de linhas o quanto se fizer necessrio. 3. Explique, no diagrama da caixa de Edgeworth, de que forma um determinado ponto consegue simultaneamente representar os interesses de dois detentores de dois bens relacionados. Qual a importncia da negociao dos interesses e dos pontos na curva de contrato, ABC? 4. Qual a relao entre as curvas de custo mdio e marginal de curto prazo, de Viner, e as curvas de produto marginal e de produto mdio de Edgeworth? 5. Explique em que aspectos as curvas de produtividade marginal de Clark so, nas figuras 1.6 e 1.7, curvas de demanda de trabalho e de demanda de capital, respectivamente. 6. Explique a fundamentao da lei de demanda de Marshall. 7. Traduza esta afirmao para os dias atuais: curto prazo, uma empresa lucrativa se concentra unicamente em seus custos principais (_________) ao decidir quanto deve produzir. Os custos suplementares deciso.(Marshall) 8. Compare a teoria de salrios apresentada por John Bates Clark com a apresentada por Alfred Marshall. 9. De que forma Marshall classificou a questo temporal na determinao da oferta, da procura e da produo? (_________) so irrelevantes sua

35

Referncias ARAUJO, Carlos R. V. Histria Do Pensamento Econmico: uma abordagem introdutria. So Paulo: Ed. Atlas, 1995. BRUE, Stanley L. Histria do pensamento econmico. So Paulo: Cengage Learning, 2011 MONTELLA, Maura. Os grandes mestres do valor: de Smith a Marx, de Jevons a Marshal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. OSER, Jacob; BLANCHFIELD, William C. Histria do pensamento econmico. So Paulo: Atlas, 1983. RIELLA, Gil. Notas de Aula de Micro II de16 de agosto de 2011. Acessado em: 01/11/2011, Disponvel em:

https://files.nyu.edu/gr610/public/NotasDeAulaMicro2Graduacao.pdf SANDRONI, Paulo. Dicionrio de Economia do Sculo XXI. So Paulo: Record, 2009. VARIAN, Hal. Microeconomia: Princpios Bsicos. 7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

36

Captulo II

Teorias do imperialismoBreve histrico Em suas origens, o imperialismo estava associado idia de governos tiranos, centralizados, que usassem mtodos despticos de administrao e cuja expresso podia ser encontrada nos imprios romano, grego etc. Ao longo dos sculos, outros exemplos se seguiram. Chineses, japoneses, birmaneses e rabes compem os exemplos orientais do mundo antigo (LANDES, 1998). Uma caracterstica comum dessa forma primeira de dominao era a de que os imprios se expandiam atravs da submisso de povos que habitavam as regies fronteirias, na extenso de seus prprios limites territoriais, ao contrrio da forma posterior que foi conseguida atravs da conquista de regies ultramarinas. No perodo mercantilista, o imperialismo foi associado ao colonialismo europeu originrio da era dos descobrimentos e se estendeu at a segunda metade do sculo XVIII. Esta onda imperialista era caracterizada pela conquista militar dos territrios de alm-mar com objetivos comerciais e de acumulao de metais preciosos, levada a efeito por portugueses, espanhis, franceses e alguns outros, em regies do continente americano, do mar do Caribe, da ndia e de algumas ilhas do Pacfico. A descoberta do Novo Mundo facilitou o acesso de alguns pases europeus aos metais preciosos que representavam a expresso de riqueza do perodo. medida que o ouro e prata passaram a representar a forma mais importante de riqueza nacional, criouse uma regulamentao mercantil que visava estabelecer relaes comerciais com o resto do mundo, de forma a manter um supervit na balana comercial. Sob esta tica, as colnias ofereciam a oportunidade de excluir a concorrncia comercial, garantindo o acesso exclusivo aos novos mercados e fontes de matrias-primas e, em alguns casos, como na Amrica Latina, s prprias fontes de metais preciosos. 1 Essa poca marcou o surgimento dos Estados-naes, resultado da unificao poltica que concentrou o

poder nas mos de governos centrais.

1

Isso compunha a prpria essncia da doutrina mercantilista, ou seja, a ideologia e a prtica da regulamentao governamental das aes econmicas, para aumentar o poder e a segurana do Estado.

37

O primeiro grande estado mercantil foi Portugal, que no sculo XVI expandiu sua atuao comercial por vrias regies do mundo, incluindo as Ilhas Molucas, nas ndias Orientais, Angola e Moambique, na frica e o Brasil na Amrica do Sul, alm de vrias outras possesses. Segue-se a Espanha, que conquistou diversas regies da Amrica do Sul e do Mar do Caribe e algumas ilhas do Pacfico. Devido, principalmente, incapacidade de suas armadas manterem o domnio martimo em regies to vastas, estes dois pases foram perdendo terreno e seus imprios entraram em declnio, cedendo lugar para outras naes europias e, na primeira metade do sculo XIX, os Pases Baixos atingiram a posio de supremacia comercial e naval mundial, superando Espanha e Portugal, dos quais tomaram a maioria de seus territrios coloniais nas ndias Orientais e na costa atlntica da Amrica do Norte e do Sul. Na segunda metade deste mesmo sculo, a Frana tambm entrou na corrida imperial, estabelecendo colnias na Amrica do Norte e na ndia. O velho imperialismo europeu atingiu seu ponto culminante em meados do sculo XVIII, quando o poderio martimo ingls conquistou grande parte da Amrica do Norte, ndias Ocidentais e parte da frica e do Pacfico, restringindo o imprio colonial holands s ndias Ocidentais e ao extremo sul da frica e eliminando o imprio colonial francs. A Inglaterra foi o primeiro pas a experimentar o capitalismo concorrencial, ao se transformar na grande fornecedora de manufatura para todos os pases, os quais, por sua vez, lhes forneciam a maioria das matrias-primas que necessitava. O monoplio comercial e industrial ingls comeou a dar sinais de enfraquecimento com a entrada de alguns outros pases como fornecedores de manufaturas. O ponto de inflexo do imperialismo britnico ocorre em 1776, com a declarao de independncia dos Estados Unidos, o que significou uma reduo drstica em seu domnio colonial ultramarino. Nas dcadas seguintes, com a Espanha e Portugal tambm perdendo quase todo o resto de suas possesses coloniais na Amrica Latina e a Frana perdendo o Haiti no mar do Caribe, os antigos imprios coloniais entraram em franco declnio. Com a relativa decadncia dos imprios coloniais, declina tambm a influncia da doutrina que lhe dava sustentao. Sob o aspecto da teoria econmica, o ano de 1776 tambm presenciou o lanamento da Riqueza das Naes de Adam Smith fundador da Escola Clssica inglesa de pensamento econmico , um libelo contra as premissas mercantilistas sobre

38

o comrcio exterior. Nesta obra, Smith procurou demonstrar, dentro da nova ordem burguesa que se construa na Inglaterra sob os auspcios da 1 Revoluo Industrial, que o significado de riqueza nacional no era mais a quantidade de ouro e prata que um pas dispunha, como queriam os mercantilistas, mas a produo de bens materiais capazes de satisfazer as necessidades humanas e que o ganho comercial estava na oportunidade de se obter vantagens de uma nova diviso de trabalho. A idia bsica do comrcio exterior fincava-se agora na teoria das vantagens comparativas sugerida por ele e aperfeioada por David Ricardo, outro expoente do pensamento econmico liberal ingls. Essa teoria preconizava, em sntese, que uma determinada nao deveria se especializar na produo de bens que para ela representasse maiores benefcios e menores custos comparativos. A doutrina do livre comrcio parecia opor-se a qualquer forma de conquistas coloniais. Mas, tal no aconteceu. Algo que era claramente a expresso de poder no poderia desaparecer justamente quando o advento do industrialismo dava novo alento aos interesses mundiais dos europeus. Dessa forma, continuaram as conquistas a incurso francesa Arglia, as conquistas britnicas na ndia e na Birmnia (atual Mianmar), a expanso para o oeste norte-americano, as conquistas russas no Cucaso e na Sibria que demonstravam intensa atividade colonial (LANDES, 1998). Nos anos 1800, essa nova onda colonial criou os maiores imprios da Histria (COHEN, 1976). A Gr-Bretanha conquistou territrios que equivaliam a quase 50 vezes o seu territrio original, a Frana 16 vezes e a Alemanha a sete vezes o tamanho de seu territrio. Entre 1870 e 1900, os principais estados europeus estenderam seus domnios polticos por mais de 25 milhes de quilmetros quadrados de territrios e sobre quase 150 milhes de pessoas, mais ou menos 20% da rea territorial mundial e quase 10% de toda a populao mundial da poca (COHEN, 1976, P. 23). Uma caracterstica marcante desse novo imperialismo foi sua agressividade e truculncia. A conquista dos novos territrios pelos governos imperiais foi feita atravs de sangrentas guerras de iniciativa unilateral contra as populaes nativas. Como resultado, vastas reas da frica (90% de seu territrio), da sia e do Pacfico foram conquistados fora das armas. No limiar do novo sculo a poltica colonial dos pases centrais se completava com as conquistas de todas as terras no ocupadas ainda disponveis no planeta (CATANI, 1985, p. 34). As origens do capitalismo monopolista

39

O apogeu do desenvolvimento do capitalismo concorrencial ocorreu entre 1860 e 1870, aproximadamente. a partir de 1870 que se observa o aumento do movimento de conquistas coloniais. Da, a passagem para o capitalismo monopolista de carter mais financeiro corresponde exacerbao da luta pela partilha do mundo (CATANI, 1965, p. 35). A formao de monoplios toma flego entre 1860 e 1870, quando a livre concorrncia ainda era a forma dominante de mercado. A partir da, a concentrao de capital impulsiona o desenvolvimento dos cartis que, na virada do sculo que viria, iriam se transformar na base de toda atividade produtiva e financeira de um sistema que entrava em uma fase imperialista mais aguda. A concorrncia se transforma em monoplios e oligoplios, cuja caracterstica fundamental , entre outras, a ditadura de preos, isto , em ambos os modelos de mercado o preo dos produtos no determinado pela lei da oferta e da demanda e, sim, pela estrutura de custos das empresas e de suas expectativas de lucros, o que confere aos grandes conglomerados a capacidade de controlar a oferta ao sabor de seus interesses. Dadas as economias de escala dessas grandes empresas, os processos de inveno e de aperfeioamento tecnolgico monopolizam a ocupao da mo-de-obra qualificada atravs da contratao de seus melhores quadros intelectuais e cientficos. As vias e os meios de transporte linhas frreas nas Amricas e as companhias de navegao dos Estados Unidos e da Europa so exemplos primeiros desses monoplios. Como j exposto, a poltica colonial e o imperialismo j existiam antes do advento do modo de produo capitalista. Mas o tipo de imperialismo da virada do sculo XX diferenciava-se dos modelos anteriores. Uma caracterstica nova importante era o poder exercido pelos monoplios industriais. A posse de colnias garante o xito dos monoplios, um tipo particular de mercado um pequeno nmero de grandes corporaes que se formaram no controle do mercado contra a concorrncia e uma tendncia do capital financeiro de ampliar o seu territrio econmico e o seu territrio em geral. Ao capital financeiro no interessava a liberdade, mas o domnio das naes e dos povos do mundo. A expanso financeira compe uma caracterstica geral do

capitalismo, enquanto o imperialismo contemporneo constitui uma etapa especfica. Os atributos fundamentais do imperialismo contemporneo, calcados no uso da fora militar e da persuaso econmica, continuam presentes na virada para o sculo XXI. Compreender a natureza do imperialismo da segunda metade do sculo XX em

40

diante, constitui uma das questes centrais dos dias atuais. Um importante diferencial a distinguir o imperialismo da ps-modernidade com o que se formou em pocas anteriores encontra-se no desenvolvimento da tecnologia da informao. O conhecimento em geral e os conhecimentos cientficos e tecnolgicos, em particular, criam novas formas de relaes sociais com excluso social reconfigurada pelo mundo digital. A virada para o novo milnio Usar o termo imperialismo na linguagem atual considerado obsoleto e atrasado quando confrontado com a terminologia acadmica contempornea. Nos domnios da linguagem ps-moderna conservadora prefere-se o uso de termos globalizao ou mundializao dependendo da corrente terica utilizada. Parece lgico que imperialismo atual enquanto conceito no seja o mesmo de pocas anteriores. No obstante, sob determinados aspectos, terem ocorrido mudanas importante na forma como o modo do capital se reorganiza atravs dos tempos em termos das relaes internacionais, no perdeu suas caractersticas mais originais. Conserva ainda sua identidade e estrutura e continua desempenhando sua funo histrica na lgica de acumulao do capital (MELLO, 2006, p. 86). Os atributos fundamentais do imperialismo j assinalados iro permanecer nos tempos atuais. A concentrao de capital, o predomnio dos monoplios e oligoplios, o aumento da influncia do capital financeiro e o retalhamento do mundo em reas de domnio guardam os traos clssicos do imperialismo. Diferentemente de pocas anteriores, porm, o imperialismo hoje no se manifesta primordialmente pelo controle territorial fsico e utiliza a fora e o terror somente como o ltimo recurso, mas pela via do domnio do saber, manifestado na cincia e na sua aplicao tecnolgica, alm do domnio ideolgico que opera no convencimento das sociedades da unicidade da hegemonia neoliberal e do fenmeno da globalizao. No caso dos pases subdesenvolvidos, as armas econmicas continuam sendo um instrumento muito mais eficiente de controle preferindo-se, onde for possvel, recorrer aos organismos econmicos internacionais que aos servios de inteligncia ou aos fuzileiros.

41

As relaes imperialistas contemporneas envolvem um conjunto de iniciativas impulsionadas por Washington para persuadir outros pases para que adotem valores e prticas estadunidenses, modelam as polticas a serem adotadas pelos organismos internacionais, como o Fundo Monetrio Internacional, FMI, e o Banco Mundial, BM, para forar pases com economias frgeis a adotar polticas sociais e econmicas no em beneficio de seus povos e sim para favorecer os pases centrais. O processo acelerado da mundializao financeira ocorrido no ltimo quartel do sculo passado reforou as assimetrias estruturais nas quais um conjunto de pases do centro reforou a sua capacidade de controlar parte dos processos produtivos em escala mundial e a crescente circulao internacional de bens e servios. Para os pases perifricos, o resultado foi o aumento da dependncia externa e do hiato que os separa das naes desenvolvidas. A globalizao consolidou o domnio imperial e agravou a submisso dos pases subdesenvolvidos com o controle de seus processos econmicos. Os instrumentos de domnio econmico derivam dos monoplios originados h um sculo, que recebem hoje o nome de empresas transnacionais. O pensamento econmico do imperialismo contemporneo Enquanto conceito, o termo imperialismo foi usado inicialmente na Frana, nos anos 1830, para denominar os partidrios do imprio napolenico, estendendo-se Gr-Bretanha na dcada de 1870, e nas dcadas que se seguem o termo se confunde com o de colonialismo expanso das soberanias de algumas naes europias e posteriormente, norte-americana e japonesa, sobre povos territrios estrangeiros. John Atkinson Hobson (1858 1940) O jornalista e economista reformista ingls John Atkinson Hobson, nasceu em Derby e viveu no perodo do apogeu do imperialismo britnico e acreditava que o capitalismo tinha criado uma injusta e ineficiente sociedade. Foi ele quem inventou o conceito de imperialismo econmico. Ele via o imperialismo como uma

degenerescncia do capitalismo e no como sua evoluo natural, onde predominavam os interesses financeiros sobre os interesses comerciais. Com o imperialismo desenvolveu-se a classe dos rentistas, um grupo de indivduos que vivem unicamente do

42

lucro vindo das aplicaes financeiras especulativas e no do lucro oriundo do aparato produtivo (CATANI, 1985, p. 44). Hobson ganhou popularidade principalmente devido a sua crtica economia clssica. Ele argumentava que a teoria econmica burguesa ignorava problemas ticos relacionados ao bem-estar social e que por isso precisava ser reformado. O economista ingls crtico do imperialismo escreveu vrios livros, entre os quais Problems of Poverty (1891), Evolution of Modern Capitalism (1894), John Ruskin: social reformer, (1898), War in South Africa (1900) e Imperialism: a study (1902), seu principal trabalho. Neste ltimo, Hobson faz uma descrio pormenorizada das caractersticas econmicas e fundamentais do imperialismo e oferece a primeira explicao sistemtica vinculando a expanso colonial dos fins do sculo XIX com a dinmica da expanso capitalista, numa viso crtica da expanso dos imprios, particularmente dos ingleses. O economista argumentava que o imperialismo era um resultado direto do capitalismo. Para ele, no era o impulso comercial a questo central do novo imperialismo, mas sim o excedente econmico, a quantidade de capital sem aplicao. Somente os capitalistas eram capazes de acumular e investir, pois os trabalhadores no ganhavam o suficiente para isso, alm de que, devido aos baixos salrios recebidos, no tinha condies de consumir tudo que era produzido pelo setor industrial, limitando a capacidade das empresas em expandir sua produo. O sistema econmico de mercado com base nos grandes conglomerados estimula a concentrao da riqueza por fora da maior reduo possvel do salrio real. Isto resulta no subconsumo para a maioria da populao. Tal fato condenaria as naes industriais estagnao econmica, a menos que estas pudessem garantir para si oportunidades de novos investimentos. Ele via, ento, nas conquistas coloniais a oportunidade de monopolizar mercados para a exportao de capitais, por parte das plutocracias nacionais. A concentrao da riqueza gera o entesouramento que precisar ser investido. No dispostos a promover o aumento de salrios, o capital vislumbra no investimento do excedente em reas subdesenvolvidas, oportunidades de ganhos extraordinrios. Isto levou ao investimento nas reas subdesenvolvidas da frica e da sia. A nica maneira de proteger seus investimentos das populaes locais seria contar

43

com a ajuda dos governos locais. Melhor ainda seria que seus pases de origem anexassem essas reas ou pases onde haviam investido pesadamente. Na sua opinio, contudo, o imperialismo no era um fenmeno inevitvel. O desequilbrio entre consumo e poupana era provocado pela distribuio desigual da riqueza em cada nao o que poderia ser remediado com a elevao da participao dos rendimentos do trabalho nos lucros dos capitalistas. Isto levaria os mercados nacionais a consumir tudo o que eles pudessem produzir internamente e faria com que o imperialismo fosse corrigido atravs de uma reforma distributiva da renda dentro das prprias naes (HOBSON, 1983). Esta interpretao econmica para o imperialismo forneceu elementos aos marxistas para a elaborao de suas teorias sobre o problema, mas estes no compartilham com Hobson o otimismo da possibilidade de reformas no capitalismo. Os crticos do modo do capital no consideravam o novo imperialismo como uma distoro reparvel do capitalismo acumulador, como acreditava Hobson, mas sim como uma fase essencial e inerente ao seu prprio processo de desenvolvimento. Nesse quadro da crtica do inicio do sculo XX se inserem alguns pensadores cujas idias, de forma sinttica, passaremos a apresentar. Rosa Luxemburgo (1871 1919) Rosa Luxemburgo, polonesa naturalizada alem, era filosofa e economista. Nasceu em Zamosc, na Polnia, ento controlada pelo Imprio Russo. Filha de uma famlia judaica, tornou-se conhecida por sua militncia revolucionaria ligada a socialdemocracia alem. Em janeiro de 1919, no decorrer da revoluo alem, foi presa juntamente com alguns companheiros de luta, por opor-se aos rumos polticos do pas determinados pelo ento hegemnico Partido Social Democrata Alemo. Ela e os outros lderes do Partido Comunista Alemo, foram espancados, ela foi baleada e jogada no rio, sendo seu corpo encontrado somente no final de julho daquele ano. Luxemburgo foi a primeira economista marxista a discorrer sobre o tema do imperialismo. Durante sua militncia no Partido Social Democrata Alemo, resolveu combater as idias de Edward Bernstein, um revisionista dirigente do PSDA que defendia a idia de que o desenvolvimento do capitalismo no levaria monopolizao

44

crescente da economia, mas democratizao do capital, atravs da compra de aes das empresas pelos trabalhadores (LOUREIRO, 1999). A teorizao de Rosa Luxemburgo sobre a questo do imperialismo foi desenvolvida em uma de suas obras mais importantes, A Acumulao de Capital, publicada inicialmente em 1912, onde afirmava que o capital destrua as formas pr-capitalistas de produo. Interessava-se pelos problemas do crescimento e procurava destacar os movimentos cclicos da economia. A existncia de ciclos econmicos faz com que a produo oscile frente a demanda efetiva, tornando a propenso ao investimento um dos aspectos principais da acumulao capitalista. Nesse trabalho, a autora enfatizava que o problema principal do capitalismo era a falta de demanda efetiva. O sistema Capitalista no poderia continuar se expandindo se os trabalhadores no tivessem poder aquisitivo suficiente para consumir o excedente econmico. Mas no se deveria esperar que os trabalhadores ganhassem mais, nem que os capitalistas reduzissem seus lucros e seus investimentos. Desse modo, a possibilidade de superproduo parecia crnica, com as naes capitalistas sendo incapazes de criar um mercado consumidor para seus produtos dentro de seus limites regionais. A formao de monoplios, resultado da crescente concentrao de capital, levava a esta situao. Para revert-la, a nica soluo seria a busca de outros mercados em outras regies. O capitalismo s poderia se expandir se o excedente produzido em seu ncleo pudesse ser negociado com as economias no-capitalistas ou capitalistas menos desenvolvidas no exterior, beneficiando-se de suas vantagens comparativas. Poderia ocorrer, no entanto, que estas economias no desejassem o intercambio comercial com as naes mais desenvolvidas. Segundo Cohen (1976, p.35)Na verdade, no haveria qualquer comrcio entre elas, a menos que as economias capitalistas controlassem as economias no-capitalistas e as forassem a negociar nestas condies desvantajosas. Portanto, para que o capitalismo pudesse sobreviver, tinha que se procurar a anexao colonial. Tiveram que criar imprios coloniais a fim de assegurar mercados para a superproduo interna. Aqui estava, supostamente, a razo do novo imperialismo.

Os mercados externos tronaram-se indispensveis para a realizao da maisvalia dos pases centrais. A insuficincia de consumo interno impedia a venda de todos os estoques no mercado interno e acabava induzindo os capitalistas a procurar realizar seus excedentes nos mercados externos, da a necessidade do imperialismo. A conquista

45

dos mercados no exterior significava tambm a conquista de mercados e setores prcapitalista dentro das prprias fronteiras nacionais. Dessa brevssima exposio do pensamento de Rosa Luxemburgo pode-se tirar pelo menos duas concluses significativas. A primeira, que a sada para o exterior no um fato novo no capitalismo do sculo XX, mas uma condio permanente desse modo de produo. A conquista de novos mercados uma necessidade constante do imperialismo para fazer frente tendncia decrescente das taxas de lucro. A segunda, decorrente da primeira, a contradio essencial do sistema expressa na necessidade constante de buscar novos mercados no exterior. A teoria de Luxemburgo foi aceita por alguns intelectuais marxistas, mas no por todos. Para seus crticos, a razo fundamental do imperialismo no residia na questo do subconsumo e da superproduo, mas nas suas necessidades financeiras, ou seja, na necessidade que as empresas dos pases centrais tinham de encontrar situaes vantajosas para a aplicao de seu excedente de capital. O economista egpcio Samir

Amin (1931 - ) acredita que a tese do subconsumo de Rosa Luxemburgo equivocada, no s pelo fato de no considerar o papel da moeda e do crdito, cuja argumentao j tinha sido desenvolvida por Nicolai Bukharin (1888 1938) em O Imperialismo e a Acumulao de Capital, mas sobretudo porque a argumentao da economista polonesa no consegue definir as caractersticas prprias do imperialismo, entre as quais a questo do capital financeiro. Pra Amin, Luxemburgo [. . .] confunde o novo imperialismo com o antigo expansionismo (AMIN, 1976, p. 135). Rudolf Hilferding (18771941) Ao largo dessa discusso Rudolf Hilferding lanava, em 1910, sua viso sobre o fenmeno do imperialismo. Hilferding nasceu de uma prspera famlia judaica em Viena. Formou-se inicialmente em medicina na Universidade de Viena e aps seu doutoramento em 1901, passando a exercer a profisso de pediatra. Sem muito entusiasmo pela medicina, passou a dedicar grande parte de seu tempo livre estudando economia poltica. Com o sucesso de seus primeiros trabalhos em economia, abandonou a medicina e mudou-se para Berlim onde passou a ensinar economia poltica no centro de treinamento do Partido Social Democrata Alemo. Pouco depois obrigado a deixar

46

o emprego em virtude de uma lei recm criada que proibia o exerccio do magistrio aos estrangeiros sendo substitudo por Rosa Luxemburgo Aps tornar-se um importante jornalista ligado ao SPD, Hilferding participou da Revoluo Alem (1918 1919), tornando-se Ministro da Fazenda por duas vezes, em 1923 e de 1928 a 1929. Em 1933, aps a ascenso de Hitler ao poder, Hilferding muda-se para Zurich, fugindo da perseguio nazista aos judeus, indo posteriormente para Paris, onde foi assassinado pela Gestapo em 1941. Hilferding inicialmente pode ser considerado um economista marxista, mas suas concepes errneas o levaram a posio revisionista, rompendo com o marxismo e deslocando-se para os paradigmas da economia poltica vulgar. Escreveu vrias obras em economia, entre as quais se destaca O Capital Financeiro, escrito em 1910, dois anos antes de Rosa Luxemburgo publicar sua obra maior. Nesse trabalho, Hilferding comeou a investigar o capital financeiro, que definia como o domnio do capital bancrio sobre o capital industrial. Assim, uma parte cada vez maior do capital industrial no pertence mais aos empresrios do setor produtivo. Podem dispor de capital apenas por intermdio dos bancos que so os verdadeiros proprietrios do dinheiro. Ao controlar as fontes de crdito, os bancos assumiram o poder de determinar os rumos do desenvolvimento industrial, de promover fuses e aquisies, substituindo os empresrios industriais no controle do grande capital. Visto que os bancos negociavam com a mercadoria-dinheiro e no com a mercadoria-produto, seu interesse maior estava nos dividendos oriundos das transaes financeiras e no nos mercados produtivos. Isto tendia a criao do capitalismo rentista, cuja burguesia representativa tinha maiores lucros com a especulao financeira que com a produo de mercadorias (MELLO, 2006, p. 50 51).

Como, de acordo com a tradio marxista, a taxa de lucro obtida internamente pelas empresas tendia a declinar no longo prazo, o capital financeiro foi levado a aplicar no exterior o capital excedente, na busca por maiores lucros. Isto teve como resultado o imperialismo, j que cada pas central buscava estabelecer domnios exclusivos para os seus prprios investimentos externos (COHEN, 2976). Hilferding no indica, entretanto, que o aumento da concentrao de capital e da produo em elevado grau conduz a

47

formao de monoplios. Ignora tambm o papel dos trustes no mercado mundial, a formao da classe parasitaria que vive das rendas e o nexo entre o imperialismo e o movimento operrio. Sua anlise no mostrou o problema da luta do capital monopolista por uma nova repartio do mundo. E, no perodo da crise geral do capitalismo, passa a defender a reviso do marxismo, lanando sua teoria do capital organizado, no qual se eliminariam as crises, se reduziria o desemprego com a melhoria da situao da classe operria e o capitalismo faria sua transio pacfica para o socialismo. As idias de Hilferding logo foram aperfeioadas por outros pensadores, como o alemo Karl Kautsky (1854 1938), que considerava o imperialismo um modo particular de como o capitalismo se expressava quando apresentava a tendncia de anexar territrios agrcolas, o vienense Otto Bauer (1881 1938), o russo Bukharin (1888 - 1938) e pelo mais importante lder russo da Revoluo de 1917, V. I. Lenin (MELLO, 2006). Vladimir Ilitch Lnin (18701924) Lnin foi um revolucionrio e chefe do Estado russo, responsvel em grande parte pela Revoluo Russa de 1917. Sua origem nobre e seus antepassados por parte de me, de origem judaica, foram fontes de constrangimento. Seus antepassados judeus foram sempre ocultados pelo regime stalinista. Lder do Partido Comunista (Bolchevique) da Unio Sovitica influenciou teoricamente os partidos comunistas de todo o mundo e suas idias contriburam na formao de uma corrente terica baseada na tica do estado, que ficou conhecida como leninismo. Entrou relativamente tarde nas lides polticas e em parte de sua juventude ainda era religioso e no mostrava qualquer interesse pela poltica. No liceu onde estudou em Simbirsk, seus principais interesses foram pelas cadeiras de filologia clssica e literatura. A causa da morte de Lnin permanece desconhecida at a atualidade. As hipteses mais correntes a de que ele teria morrido devido sfilis ou por causa de um tiro que ficou alojado no pescoo desde que ele sofreu um dos seus vrios atentados.

48

Em finais de 1893, Lnin vai para S. Petersburg, onde elabora o projeto da criao de um partido operrio revolucionrio na Rssia e contata com lideranas trabalhadoras da capital e funda a Unio de Luta pela Emancipao da Classe Operria. A organizao logo comea a funcionar e lana o primeiro nmero do jornal A Causa Operria, quando a sua direo cai nas mos da polcia poltica czarista. Lnin encarcerado por catorze meses. No tempo em que esteve preso escreveu cerca de trinta textos. Na sada do crcere comea a elaborar O desenvolvimento do capitalismo na Rssia, cuja 1 edio saiu em 1899. Sua obra mxima, entretanto, foi Imperialismo: estgio superior do capitalista, de 1916. O esquema analtico desenvolvido por Lnin em seu Imperialismo foi inspirado nos estudos de Hilferding, como ele prprio reconheceu. Numa breve definio do imperialismo, Lnin o classificava como o estgio monopolista do capitalismo. O imperialismo podia ser tambm identificado como uma etapa da internacionalizao do capital. Lnin definia esta fase do desenvolvimento capitalista como caracterizada pela concentrao do capital a partir do surgimento e expanso das grandes companhias monopolistas (COHEN, 1976). Lnin publicou o Imperialismo primeiramente na ustria, 1917. Nesta obra ele fez um balano do desenvolvimento do capitalismo no meio sculo decorrido desde a publicao de O Capital de Karl Marx, em 1867. Apoiando-se na lei da dinmica do capitalismo, que incorpora sua evoluo nascimento, desenvolvimento e decadncia , fez uma profunda anlise cientfica da essncia econmica e poltica do imperialismo, caracterizando-o como sendo a etapa do capitalismo parasitrio, em estado de decomposio, e revelou as condies de seu desaparecimento e a inevitabilidade da substituio desse modo de produo pelo socialismo que ele acreditava ser um regime social mais progressista e mais justo. Ele se debruou sobre o tema entre 1912 e 1916, perodo que culminou na elaborao de vinte cadernos de notas publicados aps sua morte como Cadernos sobre o Imperialismo que serviram de base para a sua obra mxima. Nela Lnin afirmava que o imperialismo era, por essncia, um fenmeno econmico, o capitalismo monopolista, nascido precisamente da livre concorrncia. O monoplio o produto da

49

concentrao do capital e da produo, formado pelas associaes entre um pequeno grupo de capitalistas, pelos cartis, pelos trustes e pelos sindicatos. Estava consciente da estreita vinculao entre a hegemonia crescente dos monoplios, a expanso mundial do capitalismo e do colonialismo e as conseqncias polticas do surgimento de uma aristocracia operria nos centros industriais imperialistas. Para Lnin, o incio do sculo marcou a passagem para uma nova fase do sistema de mercado em que o predomnio do setor produtivo cedia espao para o capitalismo financeiro. Uma das caractersticas do capitalismo concorrencial era a exportao de mercadorias. No capitalismo moderno, onde predomina o monoplio, prevalece a exportao de capitais. A expanso do capitalismo monopolista, no-concorrencial, observada no incio do sculo XX mostrou um trao fundamental comum o monoplio como conseqncia da concentrao da produo. A centralizao do capital em grandes conglomerados veio a agravar a luta pela conquista de fontes de matrias-primas importadas, particularmente para a indstria siderrgica que demanda, historicamente, grandes quantidades de energia e para a indstria carbonfera, subsidiria da siderrgica, ambas com o controle centralizado do capital proporcionado pelo aumento do poderio das grandes corporaes. Da as guerras imperialistas do perodo. O monoplio nasceu, segundo Lnin, da poltica colonial, da luta em busca de novas fontes de matrias-primas, da exportao de capitais e do controle econmico territorial. Os monoplios, os oligoplios, a dominao poltica e a explorao econmica de um nmero pequeno de grandes naes sobre um nmero cada vez mais crescente de naes economicamente fracas, so traos caractersticos do imperialismo do sculo passado. A primeira manifestao histrica da concentrao do capital foi observada no setor financeiro. Ao longo de suas trajetrias, os bancos evoluram de pequenas firmas guardadoras de dinheiro, para grandes conglomerados do capital financeiro, com tentculos sobre o capital industrial, do qual o seu credor principal.

50

Outras teorias do imperialismo do incio do sculo XX O fenmeno do imperialismo tambm teve sua interpretao sociolgica atravs do economista austraco Joseph Alois Schumpeter (18831950), quem entre 1918 e 1919 publicou na forma de artigo A Sociologia dos Imperialismos. Neste trabalho, o imperialismo visto como tendo um carter atvico, fruto das necessidades vitais de situaes que levaram povos e classes sociais a serem guerreiras [. . .] e no fato de que disposies psicolgicas e estruturas sociais adquiridas em tais situaes, num passado remoto, [. . .], tendem a se manter e a continuar em vigor muito depois de terem perdido o seu significado e funo de preservao da vida [. . .] [o imperialismo] um elemento que provm das condies de vida [relaes de produo] no do presente, mas do passado. um atavismo na estrutura social, nos hbitos individuais, psicolgicos [. . .] (apud COHEN, 1976, p. 72). Desta forma, Schumpeter discordava da teorizao marxiana que afirmava ser o imperialismo uma evoluo inevitvel do capitalismo e, ao defender que o imperialismo era apenas o resultado de formas pr-capitalistas remanescentes e que o sistema poderia se desenvolver, poca, sem a dominao colonial, negava, ou parecia desconhecer o carter do conflito de interesses na evoluo histrica do capitalismo. H, ainda, tericos como David Kenneth Fieldhouse (1925 -) e o seu Imperialismo: uma reviso histogrfica e Richard Hammond com o Imperialismo Econmico, que colocam o sistema poltico como a questo central do imperialismo. A unificao poltica dos Estados-naes europeus dificultou a expanso em territrios contguos. A constituio de um imprio fora dos limites da Europa ajudava-os a obter o sentimento de glria e grandeza nacionais e de compensar as derrotas nas disputas entre eles alem de, como no caso ingls, conservar suas rotas martimas para os continentes africano e indiano. Naturalmente, as colnias eram as mais que simples trunfos no jogo do poder representavam tambm vantagens potenciais de natureza comercial ou financeira, o que ajudava no desenvolvimento das economias nacionais, embora estas vantagens estivessem subordinadas s estratgias polcias mais amplas. O ganho material seria um resultado da questo poltica, e no o prprio fim do colonialismo. Essa fase do imperialismo, enquanto um processo de expansionismo colonial comeou a perder flego com o trmino da 2 Guerra Mundial. Com o fim do conflito

51

em fins de 1945, grande parte das antigas colnias da frica, ndia e sia comea a obter sua emancipao poltica. Mas o imperialismo, entendido como um sistema de dominao e dependncia iro permanecer. No perodo da guerra fria o imperialismo ainda era o melhor termo para definir relaes econmicas assimtricas entre pases centrais e perifricos. Em outras palavras, relaes de dominao e dependncia.

O imperialismo do Ps-guerra O recente controle hegemnico passa a ser exercido informalmente atravs principalmente da penetrao econmica o que reverte, em ltima instancia, tambm no controle poltico. A idia central dominante nos pases desenvolvidos parece ser a de conservar os pases pobres em seu lugar dentro do nexo capitalista mundial, perpetuando as relaes desiguais. Os governos e as grandes empresas dos pases centrais usam o comrcio e o investimento direto como forma de subordinar os pases perifricos e torn-los dependentes de seus interesses. Essa subordinao econmica debilita a soberania poltica e gera uma nova forma de colonialismo em que os Estados dependentes tm seus sistemas econmicos e, portanto, suas polticas internas controladas ou monitoradas pelos pases avanado ou por seus representantes, as chamadas agncias multilaterais de desenvolvimento. Neste cenrio, o investimento direto feito atravs das grandes corporaes multinacionais que tm como sede os pases centrais, passa a desempenhar um papel dos mais importantes no desequilbrio da diviso internacional do trabalho e das relaes internacionais. Para o capital internacional sobreviver na ausncia de colnias formais, necessrio um novo tipo de controle expresso via relaes comerciais e de investimento, como forma de garantir mercados perifricos cativos para seus produtos. Essa linha de argumentao compartilhada por alguns autores que veremos a seguir. Paul A. Baran (1910 1964) e Paul M. Sweezy (19102004) Paul Alexander Baran nasceu em Vilna, Imprio Russo. Recebe seu diploma em economia pela Universidade de Moscou, em 1928. Posteriormente, muda-se para Berlim, associando-se a Escola de Frankfurt no Instituto para Pesquisa Social. Conheceu Rudolf Hilferding e escreveu sob o pseudnimo de Alexandre Gabriel para a

52

revista do Partido Social-Democrata Alemo. Com a ascenso do regime nazista Baran fugiu para Paris e depois volta para Vilna (ento na Polnia). Um pouco antes da invaso da Polnia, Baran e sua famlia migram para os Estados Unidos onde ele tirou seu mestrado em Harvard. Trabalhou para John Kenneth Galbraith no Strategic Bombing Survey, viajando no ps-guerra para a Alemanha e o Japo. Ingressa na Universidade de Stanford em 1949. A partir da foi um participante ativo na formulao de idias em editoriais da The Monthly Review, revista editada por Paul Sweezy e Leo Huberman. Nos ltimos anos de sua vida, trabalhou no livro Capital Monopolista, em parceria como Sweezy. Morreu antes de seu trmino, de ataque cardaco em 1964. Paul Marlor Sweezy nasceu nos Estados Unidos e foi um dos mais influentes economistas marxistas do sculo XX. Oriundo de famlia rica seu pai era vicepresidente do First National Bank of New York, depois transformado no Citibank , desenvolveu suas idias como resposta crise de 192