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  • Perspectivas e Reflexes2

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    Luclia Salgado (coord.)

    :A Educao de Adultosuma dupla

    oportunidadena famlia

  • LISBOA, 2010

    Perspectivas e Reflexes

    Luclia Salgado, Antnio Candeias, Lourdes Mata, Susana Coimbra, Ana Teberosky, Nria Ribera, Michael F. DiPaola, Manuela Castro Neves,

    Cristina Pinto, Joana Cruz, Catarina Costa, Clia Silva, Micaela Silva, Patrcia Pinto, Sara Almeida, Tnia Santos, Pierre Dominic, Patrcia vila,

    Cludia Andrade, Carolina Cardoso, Joana Ferreira

    :A Educao de Adultosuma dupla

    oportunidadena famlia

    Textos apresentados no I Encontro Internacional de Literacia Familiar

  • Ficha TcnicaTtulo:A Educao de Adultos: uma dupla oportunidade na famlia

    Editor:Agncia Nacional para a Qualificao, I.P.(1 edio, Dezembro 2010)

    CoordenaoLuclia Salgado

    AutoresLuclia Salgado, Antnio Candeias, Lourdes Mata, Susana Coimbra, Ana Teberosky, Nria Ribera, Michael F. DiPaola, Manuela Castro Neves, Cristina Pinto, Joana Cruz, Catarina Costa, Clia Silva, Micaela Silva, Patrcia Pinto, Sara Almeida, Tnia Santos, Pierre Dominic, Patrcia vila, Cludia Andrade, Carolina Cardoso, Joana Ferreira

    OrganizaoLuclia Salgado, Cludia Andrade, Joana Ferreira e Carolina Cardoso

    Design Grfico: Modjo Design, Lda.

    Adaptao do Design Grfico e Paginao:Regina Andrade

    Reviso:ANQ, I.P.

    Execuo Grfica:Eurodois, Lda.

    Depsito Legal:000 000/00

    Tiragem:1 500 exemplares

    ISBN: 978-972-8743-68-0

    A EDUCAO DE ADULTOS A educao de adultos : uma dupla oportunidade nas famlias / Luclia Salgado...[et al.]. (Perspectivas e reflexes ; 2)ISBN 978-972-8743-68-0

    I - SALGADO, Luclia

    CDU 374 331

    Biblioteca Nacional de Portugal Catalogao na Publicao

    Agncia Nacional para a Qualificao, I.P. Av. 24 de Julho, n138 1399-026 Lisboa Tel. 213 943 700 Fax. 213 943 799 www.anq.gov.pt

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    Prefcio

    Maria do Carmo Gomes

    Agncia Nacional para a Qualificao

    Nota de Apresentao

    Luclia Salgado

    Escola Superior de Educao de Coimbra

    IntroduoAs Novas Potencialidades da Educao de Adultos

    na Construo do Sucesso Escolar dos Filhos

    Luclia Salgado

    Parte IA Gnese do (In)sucesso Escolar: na Escola e na Famlia

    A Persistncia do Atraso Educativo Portugus nos Nossos Dias:

    Portugal nos Processos de Alfabetizao, Escolarizao

    e Criao de Capital Humano nos Sculos XIX, XX e XXI

    Antnio Candeias

    Literacia Familiar Diversidade, Desafios e Princpios Orientadores

    Lourdes Mata

    Uma Questo de Confiana: o que (Des)motiva a Gerao Actual?

    Susana Coimbra

    Los Juegos de Lenguaje y Alfabetizacin Inicial

    Ana Teberosky e Nria Ribera

    Parte IIA Construo do Sucesso Escolar

    Systemic Educational Reform in the United States:

    The No Child Left Behind Act of 2001

    Michael F. DiPaola

  • 4Envolver a Famlia no e atravs

    do Programa Nacional do Ensino do Portugus (PNEP)

    Cristina Pinto

    A Ler Vamos: Um Projecto da Cmara Municipal de Matosinhos

    Joana Cruz, Catarina Costa, Clia Silva, Micaela Silva,

    Patrcia Pinto, Sara Almeida, Tnia Santos

    Parte IIIO Projecto de Escolarizao

    para os Filhos e a Literacia Familiar: Contexto e Prticas

    La Formation Entendue Comme

    Processus Construit dans Lhistoire dune Vie

    Pierre Dominic

    Adultos pouco Escolarizados e Literacia.

    Um Olhar sobre a Literacia em Contexto Familiar

    Patrcia vila

    Conciliao Trabalho-Famlia em Adultos

    em Formao nos Centros Novas Oportunidades

    Cludia Andrade

    Os Adultos no Contexto do Processo de RVCC: Uma Abordagem

    das Representaes e Prticas da Leitura e da Escrita

    Carolina Cardoso e Joana Ferreira

    Os Adultos no Contexto do Processo de RVCC: Uma Abordagem

    das Representaes e Prticas do Processo de Escolarizao

    Joana Ferreira e Carolina Cardoso

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    PrefcioIt takes a village to raise a child um provrbio popular africano que tem sido usado frequentemente para salientar o papel conjunto da comunidade, dos pais e das instituies na educao das crianas e dos jovens. E verdade que os estudos mais recentes tm vindo a demonstrar que quanto maior o envolvimento dos pais e da comunidade na vida escolar dos seus filhos mais elevado o seu desempenho e mais tranquila a sua transio para a vida adulta. Maior envolvimento dos pais , pois, um dos caminhos para o sucesso escolar dos filhos.

    Mas se so verdadeiras estas concluses e resultados demonstrados pela investigao cientfica tambm verdade que algumas correlaes existem e que delas se devem retirar as devidas ilaes os pais que mais se envolvem so, em norma, pais mais escolarizados e com profisses mais qualificadas, com pertenas sociais a classes mais letradas e com prticas e hbitos culturais diferenciados e mais frequentes.

    Ora, o nosso pas tem em mdia, num nmero muito superior aos outros pases da OCDE e da Unio Europeia, pais pouco escolarizados, os quais pertencem largussima faixa de adultos que no completaram o ensino bsico ou secundrio e que, em 2001, perfaziam cerca de 75% da populao activa. Estvamos no incio do sculo XXI e em Portugal a situao estrutural das qualificaes da populao adulta era esta, pese embora o enorme esforo e o progresso assinalvel realizados.

    Desde o 25 de Abril que a escolarizao da populao portuguesa tem sofrido melhorias considerveis, no s em termos de taxa de escolarizao das geraes mais jovens mas tambm na elevao dos nveis de escolaridade. Se esta uma realidade inquestionvel, tambm se sabe que muitos dos que j tiveram oportunidade de prosseguir os seus estudos acabaram por abandonar precocemente a escola ou por ter a marca do insucesso nos seus percursos escolares. So estes os pais de baixa qualificao que hoje acompanham os seus filhos na vida escolar. E a estes pais que, muitas vezes, se pede um maior envolvimento na vida escolar dos seus filhos e uma maior participao cvica e social na comunidade.

    A investigao coordenada por Luclia Salgado sobre Literacia Familiar e Sucesso Escolar que deu origem ao I Encontro Internacional de Literacia Familiar e ao livro que aqui se publica tem demonstrado que h, neste momento, em Portugal um conjunto de polticas pblicas na rea da educao-formao de adultos que est a contribuir de modo decisivo para que esse maior envolvimento acontea, ao mesmo tempo que se alcana o objectivo de elevao dos nveis de qualificao dos portugueses. 1

    A Iniciativa Novas Oportunidades atravs do seu eixo de interveno destinado populao adulta objecto emprico do trabalho de investigao realizado pela equipa da Escola Superior de Educao de Coimbra enquadra, assim, as medidas de poltica de qualificao que tm tido efeitos (in)directos nas prticas familiares. Por um lado, h consequncias directas nas prticas de leitura, escrita e clculo, incrementando o uso de suportes escritos (e em grande parte das situaes usando suportes electrnicos); por outro lado, h efeitos indirectos, tais como o acompanhamento mais regular das tarefas escolares dos filhos, maior participao em reunies escolares, e maior ateno aos resultados obtidos pelas crianas e jovens destas famlias. H tambm a expectativa, numa dimenso mais projectiva, de que os seus filhos possam ter trajectrias escolares de maior sucesso que os prprios conseguindo assim concretizar aspiraes de mobilidade social para os seus descendentes, as quais passam em grande medida pela obteno de nveis de escolaridade superiores. Este estudo pretende ainda, ao longo do segundo ano de pesquisa, obter resultados sobre a relao que estes contextos familiares mais ricos em prticas de literacia possam ter no sucesso escolar das crianas e jovens.

    1 Vice-Presidente da Agncia Nacional para a Qualificao, I.P.

    Maria do Carmo Gomes1

  • 6Os resultados obtidos so muito encorajadores e reveladores da enorme potencialidade que as dinmicas de qualificao de adultos podem ter na promoo de prticas de literacia de maior complexidade na vida quotidiana, na maior participao dos pais nas comunidades escolares e no desenvolvimento de hbitos culturais mais diferenciados e frequentes. Veremos tambm se podero contribuir do mesmo modo para a existncia de vidas escolares mais bem sucedidas por parte dos filhos.

    Neste contexto, tive oportunidade na abertura dos trabalhos do encontro realizado em Coimbra, em Novembro de 2009, de considerar a Iniciativa Novas Oportunidades como uma revoluo silenciosa no contexto da educao em Portugal. Revoluo, sim! Revoluo nas prticas, nos pblicos, nas metodologias, nas pedagogias, nas referncias curriculares, nos tcnicos seus perfis e funes , nas solues organizacionais, nas respostas aos cidados. Muitas vezes desconhecida (ou mal conhecida) a Iniciativa Novas Oportunidades constituda por um conjunto muito diversificado de solues de educao-formao procurando responder de modo ajustado aos diferentes pblicos que a ela podero recorrer. E est a ser concretizada no terreno com um empenho tcnico e profissional por milhares de docentes, tcnicos, conselheiros de orientao, entre outros. So tambm centenas as organizaes que nela se envolveram escolas pblicas e privadas, centros de formao, escolas profissionais, entidades privadas, empresas, associaes empresariais e sindicais, e associaes de desenvolvimento local e regional. E, por ltimo, como um dos aspectos mais importantes a salientar, a Iniciativa reconhecida por mais de um milho de adultos portugueses como uma resposta adequada sua vontade de voltar a estudar, de aprender mais, de fazer mais formao ou de completar o 12 ano, como muitos afirmam.

    O estudo que a Luclia Salgado e a sua equipa est a desenvolver um bom princpio para explorarmos novas pistas de investigao, novos efeitos (in)directos, novas consequncias (im)previstas, novos desafios para a interveno das polticas pblicas de qualificao de adultos. Este seminrio deu um importantssimo contributo para que a anlise e reflexo cientfica neste domnio se tenha intensificado.

    Um dia ser possvel compreender de modo mais aprofundado de que forma que educando e formando os nossos adultos, educmos e formmos melhor as geraes dos seus filhos. E que esses filhos tornando-se pais e avs mais escolarizados, mais integrados e mais participativos tiveram tambm eles o seu papel de reproduo social criando geraes futuras de portugueses e portuguesas mais despertos para o conhecimento e para as aprendizagens. esse o futuro das sociedades mais desenvolvidas. Espero sinceramente que tambm possa passar por aqui o futuro de Portugal!

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    Nota de ApresentaoO presente livro prope-se dar conta das comunicaes apresentadas no I Encontro Internacional de Literacia Familiar realizado na Escola Superior de Educao de Coimbra (ESEC), em Novembro de 2009.1

    Procurava este Encontro cruzar os quadros tericos que, de uma forma transversal, fundamentaram e deram origem ao Estudo que temos em curso em colaborao com a Agncia Nacional para a Qualificao, I.P. (ANQ) sobre a importncia da frequncia dos pais, com baixos nveis de escolaridade, nos processos de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias (RVCC) para o sucesso escolar dos seus filhos.

    O livro abre com uma apresentao das principais problemticas fundamentadoras desta hiptese de investigao desenvolvidas por Luclia Salgado, Professora da ESEC, que tendo iniciado a sua actividade no domnio da Educao de Adultos, transporta estas perspectivas educativas para a compreenso da gnese do insucesso escolar das crianas entrada para a escola bsica. No artigo As novas potencialidades da Educao de Adultos na construo do sucesso escolar dos filhos, identifica-se as principais causas do insucesso escolar, quer junto das famlias de baixo nvel de escolaridade, quer junto do sistema educativo que nem sempre oferece respostas adequadas s necessidades destas crianas. esta compreenso que permite construir a hiptese de que atravs da educao de adultos (processo de RVCC), ser possvel criar condies de base para o sucesso das crianas logo no incio da vida escolar.

    A Parte I desta obra procura questionar A gnese do (in)sucesso escolar: na escola e na famlia. Assim, Antnio Candeias, Professor na Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com o artigo: A persistncia do atraso educativo portugus nos nossos dias: Portugal nos processos de alfabetizao, escolarizao e criao de Capital Humano nos sculos XIX, XX e XXI evoca uma perspectiva histrica explicativa da razo dos baixos nveis de competncias escolares das famlias portuguesas equacionados numa escolaridade tardia, comparada com a maior parte dos pases considerados desenvolvidos, sobretudo os europeus.

    Aps a apresentao da sua comunicao em Coimbra e j depois de corrigido o seu artigo para esta obra, faleceu inesperadamente Antnio Candeias e assim a possibilidade de nos poder continuar a elucidar sobre as razes histricas das nossas baixas qualificaes. Pela disponibilidade que sempre manifestou a este projecto os nossos agradecimentos. Pela extraordinria pessoa e investigador que foi aqui queremos registar a nossa homenagem.

    Esclarecendo a temtica chave deste Encontro, Lourdes Mata, Professora do Instituto Superior de Psicologia Aplicada apresenta o artigo: Literacia familiar diversidade, desafios e princpios orientadores evidenciando o modo como a Literacia na famlia portadora de potencialidade da aprendizagem da leitura e da escrita nas crianas.

    Procurando desvendar a importncia da famlia na construo do sucesso escolar dos filhos comeamos por evidenciar os trabalhos de Anne-Marie Fontaine sobre a motivao das crianas para o sucesso escolar2. Na impossibilidade da sua participao neste Encontro, Susana Coimbra, da sua equipa na Faculdade de Psicologia e Cincia da Educao da Universidade do Porto, apresenta o artigo: Uma questo de confiana: o que (des)motiva a gerao actual.

    Emlia Ferreiro e Ana Teberosky nos seus trabalhos sobre Psicognese da Linguagem Escrita3, apresentam os resultados da sua investigao, numa perspectiva piagetiana, sobre o tipo de motivao para a leitura e escrita e o modo como se desenvolvem as condies prvias para a sua

    Luclia Salgado1

  • 8aprendizagem no interior da famlia. Neste sentido, Ana Teberosky e Nria Ribera da Universidade de Barcelona trabalham um dos aspectos desta problemtica com o artigo: Los juegos de lenguaje y alfabetizacin inicial 4.

    Poderamos ser levados a considerar que dado o baixo nvel de escolaridade das famlias, as crianas de meios pouco letrados estariam fatalmente condenadas ao insucesso escolar. As autoras acima referidas participaram num Encontro na Amrica Latina5 onde mostraram como, em vrios pases, escolas e comunidades se organizaram para construir respostas adequadas a estas crianas.

    Na Parte II deste livro, sobre A construo do sucesso escolar quisemos trazer a experincia dos Estados Unidos convidando Michael F. DiPaola de Williamsburg, Virginia, que nos apresentou o Systemic Educational Reform in the United States: The No Child Left Behind Act Of 20016. Procurando experincias que tm por objectivo dar respostas ao insucesso escolar, apresentamos dois testemunhos e projectos de referncia realizados em Portugal: uma experincia da escola do 1 ciclo do ensino bsico que promove a participao das famlias na escrita dos filhos, Envolver a Famlia no e atravs do PNEP7, por Cristina Pinto e A Ler Vamos: Um projecto da Cmara Municipal de Matosinhos que visa a promoo de competncias de literacia emergente como estratgia de promoo do sucesso escolar, por Joana Cruz, Catarina Costa, Clia Silva, Micaela Silva, Patrcia Pinto, Sara Almeida e Tnia Santos.

    Na Parte III O projecto de escolarizao para os filhos e a Literacia Familiar: contexto e prcticas, debruamo-nos sobre as duas grandes mais-valias que a Educao de Adultos, mais precisamente atravs do processo de RVCC desenvolvido nos Centros Novas Oportunidades (CNO), pode constituir para o desenvolvimento de um Projecto de Escolarizao para os Filhos e para o desenvolvimento da Literacia Familiar. Neste captulo entra-se no mbito da Educao de Adultos, com Pierre Dominic da Facult de Psychologie et des Sciences de lducation da Universit de Genve que nos apresenta um depoimento: La formation entendue comme processus construit dans lhistoire dune vie extrado de uma extensa bibliografia neste domnio.

    Patrcia vila, professora no Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa (ISCTE), apresenta no seu artigo: Adultos pouco escolarizados e literacia. Um olhar sobre a literacia em contexto familiar alguns elementos de caracterizao do perfil de literacia dos adultos em Portugal e sistematiza alguns resultados de um estudo qualitativo realizado junto de adultos pouco escolarizados recentemente envolvidos em processos de educao e formao.

    Apresentam-se, seguidamente, trs artigos com os resultados de investigao desenvolvidos na primeira fase do projecto CNO uma Oportunidade Dupla: da promoo da literacia familiar ao sucesso escolar das crianas. Este estudo exploratrio teve por base entrevistas semi-estruturadas efectuadas a 40 adultos que realizaram o processo de RVCC de nvel bsico e que tm filhos a frequentar o 1 ciclo do ensino bsico8.

    Cludia Andrade, investigadora snior deste projecto, professora na ESEC e investigadora sobre a famlia no Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade do Porto, apresenta o seu artigo: Conciliao trabalho-famlia em adultos em formao nos Centros Novas Oportunidades, debruando-se sobre o contexto familiar onde se operam as transferncia entre pais e filhos.

    Carolina Cardoso e Joana Ferreira, assistentes de investigao neste projecto analisam, atravs do artigo: Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representaes e prticas da leitura e da escrita, de que modo o processo de RVCC facilita e potencia a introduo de hbitos e prticas de Leitura e Escrita na famlia, fundamentais na aprendizagem da linguagem escrita no incio da escolaridade.

    As mesmas autoras, no artigo: Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representaes e prticas do processo de escolarizao, procuram compreender se o adulto que realizou o processo de RVCC modifica a sua interaco com os filhos e em que medida as novas competncias e conhecimentos adquiridos permitem aos pais incutir nos filhos valores que passem pela vontade e interesse pela escolarizao.

    1 Professora na Escola Superior de Educao de Coimbra.2 Fontaine, A-M. (1990). Motivation pour la russite scolaire. Porto: Instituto Nacional de Investigao Cientfica e Centro de Psicologia da Universidade do Porto.3 Ferreiro, E. & Teberosky, A. (1985). Psicognese da lngua escrita. Porto Alegre: Artes Mdicas.4 Os jogos de linguagem e a alfabetizao inicial.5 Ferreiro, E. (1992). Os filhos do analfabetismo: Propostas para a alfabetizao escolar na Amrica Latina. Porto Alegre: Artes Mdicas.6 Reforma do Sistema Educativo: A Lei de 2001 No deixar crianas para traz.7 Alguns resultados do PNEP (Programa Nacional de Ensino do Portugus) promovido pelo Ministrio da Educao em escolas do 1 ciclo do ensino bsico e coordenado por Ins Sim-Sim (entre 2006 e 2010), mostram j a transformao efectuada em escolas envolvidas passveis de ajudar a modificar a situao de insucesso escolar.8 Esta fase do estudo foi realizada tambm por Filipa Moraes, docente da ESEC e Ins Cruz e Cludia Ferreira, assistentes de investigao, que apresentaram a metodologia do Projecto numa comunicao, neste Encontro.

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    INTRODUO

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    As novas potencialidades da educao de adultos na construo

    do sucesso escolar dos filhos

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    ResumoMarcado por um atraso na escolarizao para todos acesso e permanncia na escola do 1 ciclo a situao histrica portuguesa no sculo XX colocou os nossos nveis educativos numa escala de valores entre os mais baixos da Europa.

    A ausncia de uma cultura de escolarizao na famlia e a fraca utilizao da leitura e escrita estaro na origem do insucesso e desinteresse pela escola que dificultam uma escolarizao das crianas. Embora a perspectiva scio-institucional de atribuio causal do insucesso escolar (Benavente, 1976) no escuse a escola da resposta a atribuir a estes destinatrios verificamos que, apesar de existentes, so raras as situaes em que a Escola consegue vencer esta dificuldade de partida.

    A procura massiva dos Centros Novas Oportunidades por uma populao com baixos nveis de escolaridade conduziu criao da hiptese de que a situao nas famlias com filhos entrada para o ensino bsico estaria a mudar em relao ao envolvimento dos pais na sua escolaridade. O estudo que temos em curso tem vindo a produzir resultados que confirmam esta hiptese. Assim, poderemos ser levados a concluir que o envolvimento em Educao de Adultos, mais especificamente no processo de RVCC (Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias) estar a ter uma importncia indirecta na subida dos nveis de qualidade da educao escolar em Portugal.

    Luclia Salgado1, 2

    1. Introduo

    Marcada por nveis muito baixos de qualidade da educao, a sociedade portuguesa entra neste milnio numa situao difcil para recuperar o seu atraso secular em relao aos pases da Europa central e para enfrentar os novos desafios que anunciou na sua conferncia de Lisboa 2000, os da sociedade do conhecimento.1, 2

    As medidas polticas lanadas nos ltimos cinco anos parecem querer inverter a situao sendo, eventualmente, portadoras de uma reforma estrutural no campo educativo antevendo impactos esperados a nvel econmico e de cidadania dos portugueses. De facto, o quadro da luta contra a nossa pobreza secular parece

    1 Coordenadora do projecto: CNO - uma oportunidade dupla: da promoo da literacia familiar ao sucesso escolar das crianas. Professora na Escola Superior de Educao de Coimbra.

    2 Com a colaborao do assistente de investigao Carlo Patro.

    passar, para alm da resoluo dos problemas imediatos e quotidianos, por uma mudana profunda na educao de construo e acesso de uma formao que permita a todos o bem-estar possvel numa economia de carcter sustentvel.

    Aps uma anlise da situao da educao em Portugal que se apresentava sem esperana (Salgado, 2003) cumpre agora anunciar o incio de recuperao, ao identificar sinais de mudana positiva na educao das crianas e, sobretudo, na educao de adultos. o que nos propomos fazer neste captulo, apoiado pelos artigos que a seguir fundamentam o diagnstico e as mudanas que conseguimos visualizar na educao em Portugal. Foi j esse o sentido que encontramos no 1 Encontro de Literacia Familiar que realizmos em Coimbra, no ms de Novembro, de 2009, e cuja memria escrita apresentaremos nos prximos captulos deste livro.

    Vamos, numa primeira parte deste captulo, identificar as

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    nossas preocupaes de necessidade educativa na sociedade do conhecimento perspectivando o futuro a partir de um passado marcado por contingncias histricas identificadas.

    Numa segunda parte, tentaremos perceber como se constroem os nossos baixos nveis educativos logo entrada no 1 ciclo do ensino bsico. Da situao charneira entre a escola e a famlia, iremos reflectir e apurar quais os factores que, para alm de eventuais fatalismos sociolgicos, podem ser identificados e eventualmente removidos atravs de medidas polticas e pedaggicas adequadas. Nesse sentido, procuraremos recuperar, a nvel nacional e mundial, polticas potencialmente portadoras de mudana no sistema educativo e na comunidade.

    Feito o diagnstico e focalizadas as medidas de mudana no sistema educativo, desvendaremos, no campo das prticas da Iniciativa Novas Oportunidades, impactos na relao dos pais com os filhos, com o sistema escolar e com a necessidade de aprender que se apresentam hoje como factor de remoo do principal obstculo ao sucesso s aprendizagens das crianas: a baixa escolaridade dos pais.

    2. Das necessidades de aprendizagem na sociedade actual

    Nas sociedades actuais, marcadas pela globalizao da produo e das respectivas formas de regulao, assim como pelo desenvolvimento clere das tecnologias, a educao tem vindo a ser considerada e questionada como capaz de resolver ou de contribuir fortemente para atenuar grandes problemas actuais que vo desde a tradicionalmente considerada excluso social, ao desemprego estrutural, at aos entraves e aos avanos na produtividade que o desenvolvimento tecnolgico exige.

    Em 1992, a OCDE, atravs da edio do relatrio Analfabetismo Funcional e Rentabilidade Econmica, lana o desafio aos seus estados membros para que no mbito da educao, tomem especial ateno aos processos de aquisio da literacia, indo assim mais longe do que falar apenas, globalmente, em Educao como vinha sendo corrente. Com este relatrio estava lanado o alerta aos estados membros ligando a dificuldade com que se debatem devido s baixas competncias de leitura e escrita dos seus trabalhadores, referindo que no se trata de

    grupos marginais da populao como os idosos, deficientes de diverso tipo e imigrantes mas sim, referindo que cidados adultos, por vezes com mais de dez anos de frequncia de escola bsica, revelam actualmente uma absoluta incapacidade de recorrer leitura e escrita para a resoluo dos problemas do seu quotidiano.

    O Estudo Nacional da Literacia, publicado em 1996, vem mostrar que a nossa realidade cruza uma situao de analfabetismo tradicional de no acesso ou abandono precoce da escola, tpica dos pases perifricos, com a situao apresentada no estudo da OCDE referido em que cidados que j tiveram acesso escola revelam nveis reduzidos de competncia de leitura literacia quando confrontados com um texto escrito necessrio ao seu quotidiano. De facto, podemos a verificar que 47,3% da populao inquirida se situa nos nveis 0 e 1 de literacia revelando que praticamente metade da nossa populao adulta no l no seu quotidiano. Os nossos indicadores so no s os mais baixos dos pases da OCDE como semelhantes aos pases do chamado terceiro mundo onde a maioria da populao ainda no tem acesso escola. Estaremos em presena de uma dupla situao adversa ou sero apenas as duas faces de uma mesma moeda?

    O acesso tardio escolarizao da populao portuguesa (Candeias, 1996)3 justifica o nosso atraso educativo. Enquanto praticamente toda a Europa escolarizou toda a sua populao nos finais do sculo XIX, princpios do XX, ns, tendo perdido esta oportunidade, acabmos por poder garantir a presena na escola de toda a populao apenas nos anos 70. No entanto, escolarizao no significou alfabetizao e, apesar do acesso escola, muitas crianas vem vedado o acesso aos saberes considerados fundamentais para viver com direitos de cidadania, na sociedade actual. No aprendem a ler e comeam assim um ciclo de insucesso escolar nas suas vidas (Salgado, 2003).

    Questionando a gnese deste insucesso escolar deparamo-nos com dois grandes problemas convergentes nesta resposta, uma delas centrada na origem do problema: o que caracteriza as crianas que no adquirem as competncias previstas entrada

    3 Ver, nesta obra o artigo de Antnio Candeias, A persistncia do atraso educativo portugus nos nossos dias: Portugal nos processos de alfabetiza-o, escolarizao e criao de Capital humano nos sculos XIX, XX e XXI.

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    para escola. A outra centra-se no modo como a escola responde a estas caractersticas. De facto, se a escola para todos princpio constitucionalmente admitido poderemos dizer que existe uma inadequao da resposta a estes destinatrios.4

    3. Do atraso da escolarizao ao insucesso escolar

    Apesar da nossa abordagem das polticas educativas, nos ltimos anos, se ter preocupado com o tipo de resposta que a escola oferece s crianas oriundas de meios baixamente escolarizados (Salgado, 2003) a emergncia de uma nova resposta, inesperada, obriga-nos a centrar a nossa ateno nas necessidades e nos modos de aprendizagem das crianas na sua entrada no sistema escolar, focalizando a ateno na herana familiar.

    De facto, h mais de trinta anos que conseguimos que todas as nossas crianas frequentem a escola, no entanto, apenas uma parte consegue usufruir plenamente do acesso educao, mais precisamente, ao sucesso nas aprendizagens. Muitos jovens abandonam a escola sem a escolaridade obrigatria e quase metade tem que repetir pelo menos um ano para conseguir obter uma certificao mnima (Capucha, Albuquerque, Rodrigues e Estevo, 2009).

    Socializadas em famlias com baixos nveis de escolarizao encontramos uma populao que, na sua maioria, revela o que a escola chama de dificuldades de aprendizagem, desmotivao precoce, insucesso ou abandono escolar. De outras diramos ainda que conseguem ir avanando mal no sistema, portadoras da chamada morbilidade escolar, uma vez que os seus nveis de aprendizagem so inseguros, fracos.

    Sabemos tambm que uma das principais causas do insucesso escolar tem como base uma deficiente aprendizagem da leitura e da escrita: muitas crianas lem mal, lentamente, ou no compreendem o que lem. Estas crianas ou comeam cedo com insucesso e desinteresse escolar reprovando logo na primeira avaliao sumativa mais de 10% no 2 ano de escolaridade ou acabam por reprovar no 2 ciclo, ou ainda,

    4 De facto, este segundo vector do problema no ser objecto desta obra, em-bora as nossas preocupaes caminhem igualmente nesse caminho. Centrar-nos-emos, neste contexto, apenas na gnese do problema, as caractersticas dos destinatrios.

    arrastam o insucesso durante toda a escolaridade, enquanto se aguentam na escola (Salgado, 2003). Pases como a Frana, em que a participao de todas as crianas em pelo menos um ano de jardim-de-infncia conhecida h mais de quarenta anos, onde as bibliotecas de bairro proliferam h muitos mais, onde existem programas com associaes para a mediao da leitura em quase todos os lugares, debatem-se hoje com problemas srios devido s dificuldades de leitura sada da sua escola primria. Um recente alerta do Haut Conseil de lducation (2007) diz-nos que apenas 60% das suas crianas que terminam o 1 ciclo do ensino bsico (de cinco anos) est em condies de prosseguir uma escolaridade com sucesso. E qual ser a nossa percentagem?5

    O insucesso escolar no , de modo nenhum, um fatalismo. E a soluo no administrativa: passar todos de ano sem saberem. O desafio estar mesmo em conseguir que todos aprendam devidamente entrada para a escola. Adquirir as competncias bsicas nos dois primeiros anos de escolaridade o passaporte de sucesso para toda a vida.

    No sentido de evitar que muitas crianas arrastem o insucesso atravs de toda escolaridade os Estados Unidos promulgaram o No Child Left Behind Act 6 de modo a que nenhuma criana fique sem adquirir as competncias bsicas entrada para a escola.

    Em Portugal muitos professores, trabalhando em meios sociais adversos, conseguem ter todas as crianas a ler na Primavera do ano de iniciao da escolaridade. Os vrios materiais e estudo produzidos pelo e sobre o Movimento da Escola Moderna so testemunho da possibilidade de ensinar a ler a todas as que se iniciam na escolaridade7.

    De passagem gostaramos ainda de referir as mudanas

    5 Alguns clculos permitem-nos aventar para cerca de 60%. Ora, 60% de crian-as que no tem um bom domnio da leitura no uma minoria e estar na base dos nossos baixos nveis educativos.

    6 Ver a comunicao nesta obra de Michel Di Paola Systemic Educational Re-form in the United States: The No Child Left Behind Act of 2001.

    7 Referimo-nos s crianas no portadoras de deficincia sabendo que um meio social deficitrio no gera automaticamente crianas com dificuldades de aprendizagem perante uma pedagogia adequada.

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    que parecem estar a efectuar-se na prpria escola do ensino bsico. O Programa Nacional de Ensino do Portugus (PNEP) ser portador de novas maneiras de propor a aprendizagem s crianas, entrada do 1 ciclo facilitadoras de aquisio da competncia de ler e escrever com maior funcionalidade na sociedade do conhecimento. Apesar de no haver ainda estudos realizados neste domnio permitimo-nos, atravs de pequenos trabalhos exploratrios, aventar que crianas cujos professores tm estado envolvidos na formao deste Programa8 revelam, nas provas aferidas, melhores resultados em lngua portuguesa do aquelas cujos professores no se voluntariaram para esta formao. Um nmero significativo de crianas poder mais facilmente aceder literacia mas, a dificuldade de vencer a situao de base iliteracia nas famlias ser forosamente apoiada por outros programas de desenvolvimento na educao de infncia e nas comunidades para que as dificuldades de partida sejam um obstculo removido.

    4. Deficits nas famlias

    Apesar dos socilogos da educao dos anos 70 (Baudelot & Establet, 1974; Bourdieu & Passeron, 1970) evidenciarem a relao entre meio social e sucesso escolar apontando para a funo da escola de manuteno da estrutura de classe, cumpre questionar se no tempo da sociedade do conhecimento esta necessidade de recusar o acesso aprendizagem a uma grande maioria das crianas ainda seria til hegemonia dos grupos dominantes ou se a escola apenas mantm esta funo por inrcia reaccionria ao desenvolvimento a que se prope. No entanto, o investigador social preocupa-se em entender o modo como a escola se organiza para que, aps garantir o acesso a todas as crianas, apenas grupos minoritrios consigam a aprendizagem cabal dos objectivos enunciados. Mandato ou inrcia? O facto que apesar do discurso acerca da burguesia e do proletariado em que se polarizava a sociologia dos anos 70, a escola continua a reproduzir as classes sociais. Interessa, pois, saber, numa perspectiva contra hegemnica,

    8 O PNEP organiza-se atravs de um Formador Residente por Agrupamento de Escolas que, tendo sido sujeito a uma formao especfica, forma e apoia os professores do 1 ciclo do seu Agrupamento que se voluntariaram para esta formao. Este trabalho acompanhado por textos e materiais realizados por uma Comisso Nacional de Acompanhamento coordenada por Ins Sim-Sim e por um Coordenador Regional docente na Instituio de Ensino Superior de Educao do respectivo Distrito. Apesar do carcter voluntrio da formao calcula-se que cerca de metade dos professores do 1 ciclo j tero sido objecto desta formao realizada dentro e fora da sala de aula.

    quais os obstculos e os facilitadores que, entrada para a escola, podem contribuir para inverter a situao facilitando o acesso aprendizagem de todas as crianas qualquer que seja o seu meio social de origem. Nesta linha de preocupaes encontrmos duas caractersticas na maioria das famlias que se considera de meios socioeconmicos considerados desfavorecidos9 que estaro na gnese da produo do insucesso escolar:

    4.1. Tnue existncia de um projecto de escolarizao para os filhos

    Uma primeira caracterstica prende-se com a ausncia, ou presena tnue, de um projecto de escolarizao para os seus filhos. As suas vidas decorreram sem os levar a passar adequadamente pela escola e conseguiram sobreviver. Por essa razo, s primeiras dificuldades que os filhos registam consideram que No do para a escola. Estas famlias aceitam o fatalismo desta reproduo social, e o afecto aos filhos (coitadinhos no conseguem, a escola muito difcil) aliado falta de conscincia da sua auto-eficcia prpria neste domnio evadem-lhes a interveno no processo escolar dos seus descendentes directos.

    Estas famlias no escolarizadas no constituem modelo para os filhos na formao da sua identidade na relao positiva a conducente ao sucesso escolar com a escola. As preocupaes na famlia so de outra ordem no sentindo, as crianas que, escola, seja atribuda grande importncia. Para os rapazes, este problema acentua-se uma vez que todo o universo escolar composto por mulheres. As educadoras e professoras e todos os que trabalham na escola so mulheres, quem se preocupa de organizar a vida familiar para enviar os filhos escola so, maioritariamente, as mes. Nos modelos parentais e sociais de adultos que a criana encontra para construir a sua identidade, a escola no existe como algo determinante10.

    Sabemos tambm que as dificuldades de relao destes pais

    9 Consideramos que o factor desfavorecido, na sociedade do conhecimento, remete para a sua relao com a escolarizao enquanto projecto de vida para si e para os seus filhos, com a ausncia de prticas correntes de leitura e escrita no quotidiano.

    10 Em Inglaterra, a Pr-school Learning Alliance desenvolve um programa especial para que sejam os pais homens a relacionar-se com a vida escolar dos filhos rapazes.

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    com a escola, os leva a afastar-se contactando pouco com os professores dos filhos. Para alm da dificuldade de relao marcada pela diferena das classes sociais de pertena, os professores consideram que estes pais se entendem mal com a escola levando a atribuir as ausncias falta de interesse pelos filhos. O conflito, mesmo latente, est instalado o que dificulta ainda mais a comunicao (Perrenoud & Montandon, 1987).

    Tambm a conscincia da necessidade de ajudar os filhos a fazer os trabalhos escolares est ausente das suas preocupaes. Acreditam que a escola ensinar os seus filhos, no tendo conscincia da cumplicidade que a escola exige com a famlia para ajudar os filhos nas aprendizagens escolares (Meirieu, 1987). Muitas vezes, quando se dispem a ajudar temem no saber faz-lo ou por no saberem mesmo as matrias ou por no ser capazes de responder s expectativas dos professores (Salgado & Reis, 1993).

    4.2. Fraca (ou nula) existncia da literacia na famlia

    Uma segunda caracterstica passa pelas dificuldades de aprender a ler e a escrever entrada para a escola. Para alm da inadequao da oferta educativa j referida, estas crianas no possuem um projecto de leitor que lhes possibilite envolvimento nesta aprendizagem. Vrios autores (Ferreiro, 1985; Martins, 1996) referem que a aprendizagem da leitura passa pela criao ou desenvolvimento da necessidade de aprender a ler porque as suas pessoas significativas lem e lhes lem, pela compreenso da funcionalidade da leitura e da escrita saber onde, para qu e como se l (Chauveau, 2001) e pelo desenvolvimento de conceptualizaes sobre como se l e escreve, praticada anteriormente ao processo tcnico de aquisio da competncia de leitura e escrita (Salgado, 2000). O termo corrente para esta fase de aprendizagem o de literacia emergente (Clay, 1991). Sabemos tambm que as crianas de meios letrados, onde a literacia familiar se desenvolve, entram nas escolas com nveis elevados de literacia emergente, algumas tendo mesmo aprendido a ler quando inseridas num banho de escrita de natureza familiar (Chauveau & Martine, 1997).

    Inseridas em famlias no letradas, as crianas no tm oportunidade de ver os seus progenitores relacionar-se com a escrita. Mesmo se existem palavras escritas nas embalagens utilizadas no quotidiano domstico, os adultos no as referem

    nem as manipulam com as crianas. De facto, segundo Teberosky, (2001) a aprendizagem da escrita, enquanto artefacto cultural, no passa s pela presena no universo da criana mas pelo seu envolvimento, com outros indivduos, na sua manipulao.

    Semelhante ao modo como se aprende a falar a criana precisa, em primeiro lugar, de ter necessidade de ler. Esta necessidade, em famlias letradas11 cria-se pelo gosto adquirido ao ouvir os seus adultos significativos a contar-lhes histrias, fundamentais para o seu crescimento, respondendo s suas angstias e inseguranas (Bettelheim, 1985). Perceber ento que, se tiver a capacidade de ser ela prpria a faz-lo, se torna mais autnoma ao conseguir ler sozinha as histrias. O gosto pela leitura instala-se e, com ele, a vontade de aprender a ler e, sabemos (Ferreiro & Teberosky, 1985) que ela prpria, sozinha ou em grupo, enceta a descoberta da organizao do texto escrito e, amides vezes surgem casos de aprendizagem da leitura sem o seu ensino explcito.

    Tambm, nas famlias letradas, as crianas aprendem para que serve ler e escrever medida que, de um modo funcional, a criana v os seus adultos significativos a faz-lo. No seu quotidiano, lem instrues de aparelhos ou para fazer receitas de cozinha, escrevem por razes diversas no computador, lem notcias de jornais ou revistas, tiram dvidas em livros ou na internet, para comunicar com amigos ou familiares. Vem igualmente como os adultos se relacionam com o texto escrito onde escrevem e como o fazem, que materiais utilizam e com que funes.

    Numa famlia onde no existam estas prticas quotidianas dificilmente as crianas tm oportunidade de adquirir esta familiaridade com o texto escrito. Ao chegar escola, na maior parte dos casos, so-lhe apresentados textos sem nexo, letras para decifrar fora dos contextos reais, num manual escolar muitas vezes com palavras desfasadas do quotidiano (pua, guia). O texto escrito surge-lhes como um jogo escolar, muitas vezes fastidioso, que dificilmente poder criar o gosto, o interesse, a necessidade de ler. A leitura fica, deste modo remetida para a esfera escolar no passado a conscincia da sua utilidade no quotidiano social.

    11 As que utilizam no seu quotidiano a leitura e a escrita.

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    Os trabalhos de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky (1985) vm desvendar o conhecimento prvio que as crianas, que contactam com a escrita antes da sua iniciao formal em contexto escolar, adquirem atravs da sua construo numa aprendizagem por descoberta (Piaget, Bruner, 1999). Dizem-nos que no s constroem um projecto pessoal de leitor (Martins, 1991), como descobrem como o texto se organiza, evoluindo, passo a passo nessa compreenso, atravs de estgios de conhecimento evolutivos numa perspectiva piagetiana. Nesse processo adquirem a conscincia fonolgica e mesmo fonmica, facilitada pelo desenvolvimento da sua linguagem oral, sobretudo lexical (Duarte, 2008; Sim-Sim, 2007).

    Pelas razes expostas, a dificuldade de aprender a ler e o gosto e facilidade da leitura torna-se mais difcil para as crianas oriundas de famlias onde no se l nem escreve. Toda a retaguarda cultural e lingusta necessria aprendizagem da leitura e escrita no existe ou s aparece deficientemente, e a criana sente-se desprovida de um background fundamental para a aprendizagem. O jardim-de-infncia no tem, muitas vezes, esta preocupao diferenciada e sistemtica, a escola do 1 ciclo tambm no e, a no aprendizagem ou aprendizagem deficiente da leitura vai-se arrastando, criando o acto de ler em algo fatigante e mesmo fastidioso. A presena de livros de histrias que, para muitas crianas constitui fonte de satisfao, para as crianas que comeam, deste modo, a sofrer o seu primeiro insucesso, torna-se um instrumento de sofrimento e descriminao.

    5. Centros Novas Oportunidades (CNO) Uma oportunidade dupla: da promoo da literacia familiar ao sucesso escolar das crianas

    5.1. A procura dos Centros Novas Oportunidades

    Transportando esta preocupao pretendemos com o presente trabalho dar conta de novos movimentos na sociedade portuguesa com potencialidades de modificar a actual situao educativa.

    A menos que a situao de partida se altere e as crianas originrias de famlias menos escolarizadas passem a ter na famlia uma interaco com a leitura e a escrita e maior motivao para se envolverem na sua escolarizao.

    Foi esta hiptese que colocmos perante a informao de que cerca de 900 000 de pessoas, de baixos nveis de escolaridade procuravam os Centros Novas Oportunidades envolvendo-se num projecto de escolarizao (www.novasoportunidades.gov.pt).

    Os dados disponveis (Idem) permitem precisamente concluir que a procura de Centros advm de uma faixa de populao situada na idade de ter filhos entre os 25 e 44 anos (61,5%), sobretudo mulheres (53,5%) o que leva permitir criar a hiptese de que sendo a populao que procura os Centro Novas Oportunidades situada na idade de ter filhos em idade escolar e sendo as mulheres quem maioritariamente se ocupa da vida escolar dos filhos algo poderia acontecer na mudana de relao.

    Sendo a falta de projecto de escolarizao para os filhos e a ausncia de literacia nas famlias as duas grandes diferenas encontradas junto das famlias com mais altos nveis de escolarizao cujos filhos tm sucesso escolar, conhecendo as prticas desenvolvidas em contexto de RVCC (Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias) podemos pensar que as mudanas no interior das famlias poderiam ser portadoras de novas estratgias na escolarizao dos filhos.

    Por um lado, o facto de um dos pais procurar elevar o seu nvel de escolaridade significaria a existncia, aquisio ou desenvolvimento da importncia da escola para si prprio, primeiro passo para considerar a sua importncia no futuro dos seus filhos. Por outro lado, a manipulao de materiais de escrita na presena do seu filho trariam a esta famlia as condies prvias referidas para a aprendizagem da leitura e da escrita.

    Pierre Dominic considera que a expresso da sua histria de vida, contando-a a outro, portadora de aprendizagens quer seja no domnio do aprofundamento dos conhecimentos construdos quer na sua organizao e sistematizao12.

    A construo de um projecto de investigao feito com estas premissas permitiria verificar a hiptese percebendo as mudanas ocorridas no interior das famlias com a realizao de um processo de RVCC pelos seus progenitores.

    12 Ver o seu depoimento neste obra La formation entendue comme processus construit dans lHistoire de Vie mais desenvolvido na obra LHistoire de Vie comme Processus de Formation (1997), Paris: LHarmattan.

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    6. Conceitos

    Embora sabendo que quando interrogados acerca do processo de mudana, os inquiridos apenas nos dariam as suas percepes acerca do processo de mudana. Por outro lado, pela impossibilidade temporal de proceder a um estudo longitudinal optamos por, numa primeira fase, proceder realizao de entrevistas de carcter exploratrio a indivduos que realizaram um processo de RVCC de nvel bsico equivalente ao 9 ano de escolaridade e que tm filhos que frequentam o 1 ciclo de escolaridade. Optmos por esta amostra uma vez que se entende este ciclo como definidor decisivo de construo do sucesso escolar das crianas.

    Este estudo exploratrio partiu de conceitos definidores das questes colocadas aos sujeitos inquiridos. Um primeiro grupo de questes procurava inquirir acerca dos contextos pessoais e familiares de insero dos filhos. Remetiam para a conscincia da auto-eficcia dos indivduos no envolvimento em actividades com o filho e para o modo de Gesto de Papis no interior da famlia com a introduo das novas prticas desenvolvidas com a realizao do processo de RVCC. Um segundo grupo de conceitos fundamentam as questes referentes s mudanas no projecto de vida atribudo ao processo de escolarizao dos filhos atravs do envolvimento nesse processo e, por fim, um quarto grupo remete para as mudanas nas representaes e nas prticas da leitura e da escrita.

    No estudo que aqui se apresenta, procura compreender-se a importncia de um adulto fazer um processo de RVCC na vida escolar dos filhos que frequentam o 1 ciclo do ensino bsico. A auto-eficcia que o adulto desenvolve no seu processo de RVCC permite-lhe relacionar-se melhor com os outros, nomeadamente sentindo-se mais bem preparado para responder s perguntas do seu filho e para falar com os seus professores.

    Pretende-se, igualmente, saber quais as transferncias realizadas no interior da famlia e o modo como estas facilitam o empenho e o acompanhamento da vida escolar; mais especificamente, como as competncias adquiridas e/ou reconhecidas trazem maiores e melhores expectativas em relao escola na vida do seu filho e facilitam um maior envolvimento no seu projecto de escolarizao. Sabendo que a aprendizagem da leitura decisiva na construo do sucesso escolar, procura saber-se

    quais as transferncias pais-filhos, pelo envolvimento parental, no que se refere motivao criada, ao conhecimento da sua funcionalidade e ao desenvolvimento de conceptualizaes sobre a leitura e escrita facilitadoras da iniciao sua aprendizagem. Em seguida sero apresentados os conceitos- base envolvidos neste estudo.

    6.1. Auto-eficcia e envolvimento em actividades com o filho13

    A famlia desempenha um papel fundamental no sucesso escolar das crianas, sendo muitas vezes referenciado pela literatura que os pais so os primeiros professores e que a casa a primeira escola (Bandura, 1997, Morrow, 1995). No domnio das relaes pais-filhos as investigaes so consensuais no sentido de evidenciar que os pais exercem um papel activo e influente no modo como as crianas aprendem a ser pr-activas nas suas aprendizagens (Schneewind, 1995). O estudo de Mondell e Tyler (1981) demonstrou que quanto mais competentes os pais so (sendo esta competncia definida como nveis gerais elevados de auto-eficcia) mais apoio do aos seus filhos. Para alm disto, tambm evidenciam nveis mais frequentes de interaco positiva com as crianas e do menos ordens s crianas. Nesta linha, Grolnick, Ryan e Deci (1991) afirmam que o comportamento dos pais no afecta directamente as capacidades das crianas, como foi defendido em alguns estudos, mas antes que tem um impacto nas atitudes e motivaes das crianas em relao ao contexto escolar e escolarizao em geral. Um estudo de Bandura, Barbaranelli, Caprara e Pastorelli (1996) demonstrou ainda a existncia de uma ligao entre a percepo de eficcia acadmica e aspiraes dos pais e as mesmas percepes e aspiraes nos filhos; o autor destaca, ento, que o sentido de auto-eficcia dos pais promove as aspiraes educacionais dos filhos, actuando como incentivo e reforo constante em relao s aprendizagens e contribuindo para que as dificuldades encontradas pelas crianas sejam ultrapassadas de forma construtiva (Bandura, 1993). Corroborando esta perspectiva, Henk e Melnick (1995) argumentam que o modo como o indivduo adulto se v a si prprio enquanto leitor influencia, de forma activa, o tipo de actividades de leitura e a frequncia das mesmas. Estas vo ser observadas pelos filhos e, como tal, desenvolvem nestes

    13 A partir de um texto de Cludia Andrade no 1 Relatrio Progresso fase 1 1 parte, Julho 2009.

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    um interesse crescente por este tipo de actividades. Assim, e retomando a perspectiva de Bandura et al. (1996), a auto-eficcia acadmica dos pais promove a auto-eficcia acadmica dos filhos, embora esta relao seja mediada pelas crenas de sucesso acadmico das crianas.

    De um modo geral, a perspectiva defendida pelos diversos autores permite-nos, pela sua relevncia, considerar no presente estudo a importncia da auto-eficcia geral e a importncia da mesma para as dinmicas relacionais pais-filhos como varivel importante para a anlise da promoo da literacia familiar.

    6.2. Gesto de Papis14

    A anlise das relaes entre a vida profissional e familiar tem sofrido alteraes ao longo do tempo. Se durante alguns anos se analisou cada um dos domnios em separado, sendo o trabalho e famlia perspectivados como esferas independentes, mais recentemente tem-se assistido a um crescente interesse na relao e interdependncia destas duas esferas. De facto, a questo que se coloca actualmente na anlise dos processos pelos quais estas esferas esto ligadas, reporta-se aos efeitos que cada um dos sistemas pode ter no outro e no indivduo. Para este crescente interesse contriburam as novas tendncias sociais, nomeadamente o aumento do nmero de famlias de duplo-rendimento. Assim, a temtica da conciliao entre vida familiar e profissional surge como consequncia das mudanas sociais ocorridas nos pases industrializados, onde se verificou a entrada da mulher no mercado de trabalho e o aumento do nmero de papis por ela desempenhados bem como um aumento da participao dos homens no desempenho de tarefas no remuneradas (apesar deste aumento ser considerado insuficiente para equilibrar a distribuio do trabalho em casa). Paralelamente, mudanas ao nvel das expectativas profissionais, familiares e mesmo parentais contribuem, certamente, para o aumento das exigncias sobre os indivduos e influenciam a articulao entre os papis familiares e profissionais. Nesta linha, verifica-se actualmente que os indivduos desempenham cada vez mais papis com diferentes exigncias; o estudo da forma como estes so geridos e a anlise das suas consequncias individuais, familiares e profissionais, podem

    14 A partir de um texto de Cludia Andrade no 1 Relatrio Progresso fase 1 1 parte, Julho 2009.

    trazer benefcios importantes para a compreenso da vida das famlias. As mulheres so responsveis no s pelo cuidado e sustento dos seus filhos mas tambm por todos os aspectos associados ao seu desenvolvimento emocional e intelectual. As expectativas parentais tm, deste modo, sofrido tambm alteraes significativas. Um bom pai j no um ganha-po ausente e benevolente. esperado que esteja intimamente envolvido nos aspectos da vida da criana, desde o brincar ao cuidar, ao alimentar e ajudar nas tarefas da escola (Jacobs & Gerson, 2004). Estes dados parecem ser tambm vlidos em Portugal, onde se considera que o elemento masculino do casal deve tambm dedicar-se famlia, colocando os interesses desta acima de outros assuntos (Poeschl, 2000). Outro aspecto particularmente relevante para as exigncias crescentes da maternidade e da paternidade diz respeito ao papel privilegiado que a criana ocupa no contexto da famlia. De facto, ter uma criana implica actualmente maiores investimentos nos planos afectivos, relacionais e mesmo materiais que possibilitem percursos escolares mais longos tendo em vista a sua futura insero profissional. Adicionalmente, a preocupao, em particular dos pais, em promover o desenvolvimento cultural das crianas, inscrevendo-as num sem nmero de actividades extra-escolares, acrescenta um maior nmero de exigncias aos pais. As actividades centradas na criana dominam a vida familiar e criam um ritmo familiar e domstico muito intenso (Lareau, 2002 cit. por Jacobs & Gerson, 2004). O envolvimento crescente com as crianas que se espera dos pais torna as longas horas de trabalho mais problemticas e, como tal, pode gerar sentimentos de conflito entre papis.

    Assim, e na linha do que foi apresentado, o modo como as relaes entre papis familiares e profissionais so articuladas parece-nos ser uma dimenso importante para o presente estudo, na medida em que podem fornecer informao relevante sobre a interaco pais-filhos e seu impacto nos processos de aprendizagem destes ltimos.

    6.3. Representaes e prticas de envolvimento no processo de escolarizao

    O envolvimento das famlias nos processos de escolarizao dos filhos hoje reconhecido como condio de sucesso escolar das crianas. No basta envi-las escola diariamente para que o processo de escolarizao se efective. Entre as

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    necessidades decorrentes do empenhamento dos pais na sua escolarizao parecem ressaltar: a implicao das pessoas significativas no empenho dos filhos na relao pedaggica, a atribuio de sentido s aprendizagens e a necessidade de uma pedagogia diferenciada para acesso ao saber (Salgado, 2003) que a maioria da escola de massas dificulta.

    Sabendo que uma das primeiras condies de aprendizagem se situa na necessidade/vontade de aprender algo, poder-se- encontrar a gnese dessa apetncia nas tarefas propriamente ditas ou na vontade comunicada pelas pessoas significativas atravs da sua experincia de vida. No seu crescimento, a criana procura, por um lado, imitar essas pessoas, na maior parte das vezes os progenitores, por outro se a relao positiva ou pretende que seja procura agradar-lhes. Assim, se do projecto de vida dos pais faz parte a escolarizao e o sucesso dos filhos, estes senti-lo-o no seu quotidiano e procuraro responder a essas expectativas. O momento de fazer os trabalhos de casa, acompanhados por um dos progenitores, poder constituir um momento privilegiado para sentirem esse empenho. Igualmente, da parte dos filhos, o tempo de realizar as tarefas escolares acompanhados pelos pais acaba por ter a contrapartida positiva destes lhe dedicarem, especialmente, alguma ateno em torno do seu apoio. Tambm a relao pedaggica, que fundamental para que a criana consiga aprender, deveria ser acompanhada por um adulto significativo que fosse capaz de desenvolver as oito competncia inter-pessoais que Maria Emlia Brederode Santos (1985) considera: empatia, respeito, calor, autenticidade, especificidade, auto-exposio, confronto e imediaticidade. Esta relao, que em alguns dos seus aspectos exige uma proximidade individualizada, dificilmente se consegue numa escola em que os professores falam para todos ao mesmo tempo e em que a relao personalizada no aparece nas alturas chave das aprendizagens. A criana s acaba por encontrar na famlia, ao realizar os trabalhos, esta relao pedaggica que deveria ser paradigma da escola. Tambm o desenvolvimento da sua auto-estima aparece habitualmente apenas na famlia. A escola tradicional pauta-se por indicar criana apenas os erros, aquilo que est mal, penalizando-a muitas vezes por isso, esquecendo de referir e enaltecer os sucessos. Muitas das caractersticas que se consideram de importncia numa relao pedaggica (Dupont, 1983) congruncia, compreenso emptica, considerao, intencionalidade na considerao s acontecem na aprendizagem em famlia.

    A recusa escola constitui-se como uma situao de evaso s dificuldades de insero neste sistema. A valorizao atravs do trabalho permitiu a muitos adultos encontrarem o seu caminho na sociedade, revelia da escola. Quando, em Portugal, a Educao de Adultos enquadrada pelo sistema oficial de ensino e ministrada nos mesmo moldes do sistema educativo, os adultos de baixos nveis de escolaridade, no aderiam oferta, ou ento desmotivavam-se, no aprendiam ou/e abandonavam (Salgado, 1985).

    As relaes da escola com os pais de famlias de meios populares tambm no so pacficas. As dificuldades de entendimento dos cdigos escolares dificultam a relao com a escola que se acentua quando os seus filhos comeam a sentir dificuldades e so colocados em situao de insucesso. (Perrenoud & Montandon, 1987).

    No se poder, no entanto, dizer que os adultos de baixos nveis de escolaridade menosprezavam o saber e recusavam a aprendizagem. No tempo da Repblica e incio do Estado Novo criaram associaes de instruo e academias. No perodo a seguir ao 25 de Abril, as associaes populares foram reconhecidas com contexto educativo (Lei 3/79) dado o empenho dos adultos em actividades de aprendizagem (Melo e Benavente, 1978; Salgado e et al, 1980). Em contextos migratrios, e independentemente de sistemas formais de ensino, os trabalhadores emigrantes procuravam informao e acesso ao saber (Gago, 1978). No ser, pois de estranhar que, perante uma possibilidade organizada de educao baseada no reconhecimento dos saberes adquiridos previamente, os adultos com baixo nvel de escolaridade, pressionados pelas necessidades da sociedade do conhecimento (Lindley, 2000), tenham respondido de forma expressiva oferta dos Centros Novas Oportunidades, sobretudo dos processos de reconhecimento validao e certificao de competncias (RVCC).

    No entanto, no evidente que a passagem para o investimento na educao dos filhos tivesse acontecido. O facto de terem vivido na escola situaes de violncia provocadas, na sua maioria, pelo insucesso escolar, poderia ter conduzido a desenvolver o proteccionismo dos filhos, acreditando que o seu processo de aprendizagem poderia no ser coroado de sucesso. Esta foi uma das razes deste estudo: verificar se o acesso

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    a um processo de escolarizao cria, no interior da famlia, a construo de projecto de vida que passe pela escolarizao dos filhos, determinante para o seu sucesso escolar.

    Apoiar o processo de escolarizao dos filhos no sentido da promoo do seu sucesso escolar no s implicaria desconstruir, para si prprio e para a escola actual, a representao de excluso escolar que recusaria a sua cultura, traduzida na sua histria de vida, como passaria por reconhecer a necessidade de resposta, atravs da escola e das suas prticas familiares, das funes socialmente atribudas educao.

    6.4. Mudanas nas representaes e nas prticas da leitura e da escrita15

    As crianas que frequentam as escolas pblicas portuguesas revelam nveis de insucesso escolar elevados e nveis de competncias de leitura mais baixos que em outros pases da OCDE (Ferreiro, 1992; Sim-Sim, 1989). Um dos motivos para que ainda se verifiquem estes resultados reside, como referido anteriormente, na implementao tardia da escolaridade obrigatria em Portugal, que leva a que, nos dias de hoje, ainda exista por parte de muitas famlias uma fraca cultura de escolarizao. Esta pouca valorizao da escolarizao pode significar que, no quotidiano destas famlias, a importncia da utilizao da leitura e da escrita no seja muitas vezes reconhecida e incentivada.

    Pressupe-se que numa sociedade letrada todas as crianas tenham contacto com o mundo da leitura e da escrita. Contudo, no que respeita quantidade e qualidade dessas experincias, nem todas tm acesso s mesmas prticas de literacia, pois estas dependem dos valores e da cultura do grupo social em que esto inseridas. Sendo a famlia um dos agentes de socializao mais importantes para a criana, esta desempenha um papel preponderante na aquisio e valorizao das prticas de literacia. No tendo a escrita entrado no universo familiar de muitos portugueses, as condies culturais que a sua aquisio implica dificultam esta aprendizagem por parte das crianas (Chauveau, Chauveau, & Martins, 1997a; Chauveau & Martine, 1997b; Chauveau, 2001). Deste modo, no se propicia um ambiente

    15 A partir de um texto de Carolina Cardoso no 1 Relatrio Progresso fase 1 1 parte, Julho 2009.

    adequado para o desenvolvimento da literacia emergente e para a criao do projecto pessoal de leitor, que passa pela criao da vontade e necessidade de ler (Fontaine, 1990) e pelo desenvolvimento das representaes sobre a funcionalidade e conceptualizaes sobre a leitura e a escrita (Salgado, 2003).

    O processo de descoberta da linguagem escrita um processo participado e dinmico, em que a criana assume um papel activo e atravs do qual reconstri e reinventa activamente a linguagem escrita (Mata, 2002). Antes da entrada no ensino formal, as crianas j constroem representaes sobre a linguagem escrita, pois interpretam a informao recolhida conforme os esquemas de pensamento e os esquemas conceptuais que desenvolveram no contacto com a escrita (Martins, 1996), e colocam hipteses sobre o funcionamento e objectivos da linguagem escrita. Estudos demonstram que a conscincia fonolgica, a linguagem oral, o conhecimento das letras e as conceptualizaes acerca da leitura e da escrita so capacidades tidas como fundamentais para a posterior aprendizagem da leitura (Scarborough, 1998 cit. por Spira Bracken & Fichel, 2005). Observou-se ainda que existe uma relao entre as capacidades de literacia que as crianas tm ao entrar para a escola e o seu desempenho acadmico futuro (Teale, 1984; Hanei & Hill, 2004; Spira et al, 2005).

    Sabendo da importncia que a qualidade do ambiente familiar de literacia pode exercer sobre a aprendizagem e sobre a forma como as crianas se tornam mais predispostas em compreender a natureza da linguagem escrita, fundamental conhecer as concepes parentais acerca da literacia, bem como os comportamentos e prticas que os pais desenvolvem com os filhos neste domnio (Lynch et al, 2006). As famlias podem cultivar as competncias de literacia emergente dos filhos se i) de forma contextualizada e em situaes com significado, fornecerem uma larga diversidade de materiais de literacia, se ii) com frequncia, incentivarem as interaces interpessoais durante as actividades de leitura e escrita, iii) se permitirem a observao e participao dos filhos nas prticas de literacia do dia-a-dia e em contextos de entretenimento e se iv) integrarem materiais de literacia no ambiente social e familiar em que esto inseridos (DeBaryshe, Binder & Buell, 2000; Leichter, 1984; Purcell-Gates, 2003; Tizard & Hughes, 1984).

    Em suma, conclui-se que a relao entre as concepes

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    parentais sobre literacia e os comportamentos em ambiente familiar so fundamentais e tm uma relevante consequncia no desenvolvimento precoce da literacia. Assim, mudar as concepes parentais pode ter um impacto positivo na forma como os pais promovem a literacia no ambiente familiar e, por consequncia, na forma como as crianas desenvolvem as competncias de literacia, to importantes para o seu sucesso acadmico futuro (Bingham, 2007). Os Centros Novas Oportunidades surgem, assim, como oportunidades de formao que podem desencadear mecanismos facilitadores da promoo da leitura e da escrita no contexto familiar.

    7. Metodologia do estudo16

    O trabalho realizado, de carcter exploratrio, recorreu exclusivamente a metodologias qualitativas, mais especifica- mente atravs de entrevistas individuais semi-estruturadas devido fidelidade e riqueza das informaes que fornecem.

    O objectivo do recurso a esta metodologia prendeu-se com a necessidade de, nesta primeira fase, conhecer experincias subjectivas dos participantes nos Centros Novas Oportunidades (CNO) face a um conjunto de temas, partindo-se, neste sentido, das experincias do indivduo enquanto objecto de investigao. De facto, este tipo de entrevista colabora muito na investigao dos aspectos afectivos e valorativos dos respondentes que determinam significados pessoais das suas atitudes e comportamentos. Alm disso, a interaco entre entrevistador e entrevistado favorece respostas espontneas, possibilitando uma maior abertura e proximidade entre ambos, o que permite ao entrevistador abordar assuntos mais complexos e delicados, tais como os relativos a vivncias e experincias durante e aps a participao nas actividades dos CNO, ou seja, quanto menos estruturada a entrevista, maior o favorecimento de uma troca mais afectiva entre as duas partes.

    As respostas espontneas dos entrevistados e a maior liberdade que estes tm podem fazer surgir aspectos inesperados ao entrevistador que podero ser de grande utilidade na sua pesquisa. Tal verificou-se no presente estudo, fazendo com que as categorias posteriormente criadas para a anlise das

    16 A partir de um texto de Filipa Morais, Cludia ferreira e Ins Cruz no 1 Relatrio Progresso fase 1 1 parte, Julho 2009.

    entrevistas se desdobrassem num conjunto mais vasto do que o inicialmente previsto.

    A opo pela tcnica da entrevista semi-estruturada prendeu-se ainda com a sua elasticidade quanto durao, permitindo uma cobertura mais profunda sobre determinados assuntos e, simultaneamente, limitar o volume das informaes, obtendo-se assim uma maior ateno sobre o tema e, nesta etapa do estudo, lidar com a possvel dificuldade que muitas pessoas teriam de responder por escrito a um leque to abrangente de temas e de experincias.

    Partiu-se, assim, de um conjunto de questes previamente seleccionados a partir dos conceitos identificados na reviso bibliogrfica e nas dimenses em que foram decompostos, que definiram os pontos do guio de entrevista. Estes foram considerados na anlise de contedo, com base em protocolos de transcrio integral mas, posteriormente, seleccionados com base num conjunto de categorias e cuja descrio em pormenor ser apresentada no ponto seguinte deste trabalho.

    Para efectuar a anlise das entrevistas, recorreu-se anlise de contedo segundo o modelo de Bardin (1979) que tem por objectivo a descrio sistemtica do contedo da comunicao. Os dados recolhidos, neste caso atravs de entrevistas, so essencialmente de natureza qualitativa. A anlise de contedo foi a ferramenta de pesquisa usada para determinar a presena de certos conceitos e categorias no texto transcrito. Na anlise das entrevistas, o contedo foi codificado e dividido em categorias numa variedade de nveis. Em seguida, o contedo transcrito e seleccionado foi analisado e discutido conceptualmente. No presente trabalho, dada a quantidade e complexidade da informao recolhida, houve a necessidade de segmentar o contedo em categorias, subcategorias e componentes, partindo dos conceitos tericos mais relevantes, at s prticas concretas dos entrevistados.

    8. Resultados do estudo

    Sabendo a importncia da vinculao segura para o desenvolvimento das crianas, o facto dos pais se sentirem mais confiantes em si prprios possibilita, pelo maior investimento que propicia, ganhos na educao dos filhos. O facto dos entrevistados ganharem conscincia de que o RVCC

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    uma rampa de lanamento para investimentos profissionais e pessoais desenvolve a atribuio de maior valor escolarizao no futuro dos seus filhos.

    A importncia atribuda mobilidade social um exemplo da auto-estima conseguida neste processo. O orgulho de poder dizer que j tem o 9 ano, no exterior da famlia, parece ser um ganho incalculvel na relao com os filhos.

    A confiana em si prprio revela ser uma componente importante, referida por um grande grupo de entrevistados, quer na facilidade nas relaes com outras pessoas quer a nvel profissional.

    Sinto-me capaz de me fazer notar por outras pessoas, sinto-me com qualidades diferentes, que no tinha. Mesmo no trabalho sou mais valorizada, tenho novas oportunidades, novas portas a abrir, e isso muito importante. (E17; Sexo Feminino; Meio Rural; Regio Centro)

    Estas aquisies traduzem-se ainda na necessidade de continuar um projecto de estudos que a nvel de fazer mais formao que na possibilidade de dar continuidade a um processo de escolarizao, 12 ano ou mesmo Ensino Superior. Por vezes revelam a implicao da formao adquirida na possibilidade de concorrer a novos empregos.

    Importante na sociedade do conhecimento o sentimento manifestado da necessidade, do gosto e do prazer de aprender e do modo como se expressa na relao com os filhos. Considerou-se esta uma aquisio fundamental uma vez que na escola nem sempre se adquire o gosto por aprender numa perspectiva de Educao ao Longo da Vida.

    Deu-me mais entusiasmo para participar noutras coisas, deu-me mais entusiasmo para eu me desenvolver culturalmente, deu-me mais para pesquisar, deu-me mais para me informar mais sobre certos assuntos. (E33; Sexo feminino; Meio Suburbano; Regio LVT)

    A importncia atribuda ao desenvolvimento ou aprendizagem de novos saberes vem posteriormente revelar-se na interveno em relao escolarizao dos filhos. Os resultados obtidos revelam que existe um ganho substancial neste domnio aparecendo, cabea, a informtica. Em alguns entrevistados traduz-se numa

    maior destreza em ferramentas que j conheciam, e em outros numa completa iniciao. As aprendizagens neste domnio revelam ainda a hiptese de abertura de dilogo com os filhos, uma vez que estes instrumentos fazem hoje parte da cultura dos mais jovens. A mais-valia acrescida por esta potencialidade de criao de contedos de dilogo vir resolver o problema que muitos pais tinham de no conseguir ter com os filhos conversas que lhes interessem.

    Passo o mesmo tempo, () Mas quando estamos juntos costumamos passear, o mais novo ajuda-me a fazer o jantar nos meus dias de folga, vemos televiso e melhor, porque, s vezes, j vemos filmes juntos, porque agora j acompanho melhor as legendas e explico-lhes se eles no entenderem. (E7;Sexo feminino; Meio Urbano; Regio Centro)

    O modo de resoluo dos problemas na famlia acrescidos pela necessidade de participarem nas novas tarefas de aprendizagem processo de RVCC parece ter constitudo um novo campo de aprendizagens, para alm do modo de resoluo de conflitos conseguido17. A procura de solues de gesto do tempo ter levado a conseguir a criao de outros espaos e tempos em detrimento do lazer e preterindo algumas tarefas domsticas.

    Eu no acho que me tenha roubado algum tempo, se calhar eu aproveitei, foi melhor o tempo, deixei de fazer coisas que se calhar no so to importantes, ocupando o tempo numa mais-valia para mim (E14; Sexo feminino; Meio Rural; Regio Centro)

    A importncia atribuda ao processo de escolarizao dos filhos revelou ter sido um dos domnios de maior importncia na vida familiar sabendo como o papel dos pais decisivo na construo dos sucesso escolar e na motivao para as aprendizagens dos filhos. Este empenho traduziu-se na construo de um projecto de vida para os filhos que passe pelo sucesso da sua escolarizao. Dizem que esto dispostos a fazer todo o possvel para conseguirem que eles vo to longe quanto desejarem. A vontade dos pais ser um factor decisivo na criao desse desejo aparecendo logo no envolvimento nos

    17 O estudo destes aspectos deve ser aprofundado no captulo de Cludia Andrade Conciliao Trabalho-Famlia em Adultos em Formao nos Centros de Novas Oportunidades

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    trabalhos de casa que agora dizem j conseguir acompanhar e na relao que mantm com os professores e outros actores educativos que revelam agora conseguir melhor desenvolver.18

    () e eu hoje entendo isso e no quero de forma alguma que acontea isso aos meus filhos, que o facto de ter que comear a trabalhar cedo afasta-nos a nossa mente () graas ao RVCC, a abrir esta caixa e a soltar toda esta informao que estava guardada, que est c h muitos anos... e deixa-me muito mais vontade e isso sem dvida nenhuma ajuda os meus filhos no processo escolar () sempre achei que era importante andar na escola, acredito que hoje dou muito mais importncia a esse facto () (E19; Sexo masculino; Meio Rural; Regio Centro)

    Sabendo que os primeiros sintomas de insucesso escolar aparecem nos primeiros anos de escolaridade tendo na sua gnese, como j referimos, a ausncia de literacia na famlia foi possvel verificar, atravs das entrevistas realizadas que no s a literacia entrou na famlia confirmando a nossa hiptese de partida como adquiriu, em alguns casos, o envolvimento dos pais introduzindo-a como actividade do quotidiano no s nos trabalhos de casa e respectivo aprofundamento, como actividade colectiva de lazer.19

    A Playstation de trs para a frente, de frente para trs, l tudo, mesmo em ingls, no faz mal, (...) L, a nvel de computador, de Playstation, isso tudo, ele l. (...) jogos didcticos... na internet o jogo da forca... h a um jogo de perguntas, que tem as respostas, A, B, C e D, e ento a gente anda l entretidos a ver quem que erra mais... e sudoku (...) (E39; Sexo masculino; Meio Suburbano; Regio LVT)

    9. Concluses Prvias

    O objectivo deste estudo centrava-se na compreenso das mudanas ocorridas no interior das famlias, portadoras de

    18 O captulo, neste livro, de Joana Ferreira e Carolina Cardoso Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representaes e prticas do processo de escolarizao aprofunda os resultados do estudo acerca deste contributo.

    19 O captulo, neste livro, de Carolina Cardoso e Joana Ferreira Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representaes e prticas da leitura e da escrita aprofunda os resultados do estudo acerca deste contributo.

    condies de promoo do sucesso escolar das crianas. Foi possvel verificar que, na maioria, a mudana da situao de auto-estima e auto-eficcia do pai ou me que completaram o processo de RVCC B2 so facilitadores expressos nas relaes com os filhos ou com os professores, que a organizao da vida familiar entre conflito mal ou bem resolvido negociao ou criao de novas formas de gesto do tempo trouxeram acrescidamente vantagens qualitativas para as aprendizagens das crianas e que o interesse e empenho no sucesso escolar dos filhos passou pelo maior envolvimentos nos trabalhos de casa e o estabelecimento de maiores relaes com os professores e com a escola dos filhos. Tambm a literacia se desenvolveu na famlia, em termos de apoio escolar ou de lazer passando a ser prtica corrente no universo familiar.

    No entanto, embora o sistema tenha mostrado estas potencialidades nem todas as famlias atingiram estes objectivos. A maior parte do nmero que no revelou ter havido mudanas ou aqueles em que estas mudanas ficaram muito aqum do que outros conseguiram permitem-nos agora, uma vez que j conhecemos em detalhe as potencialidades do sistema, identificar necessidades de formao que podem ser respondidas quer nos processos de RVCC e nos cursos EFA, quer atravs das escolas do 1 ciclo na relao de parceria educativa que estabelecem com os pais dos seus alunos.

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    Child Development, 63, 1380-139

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    PARTE 1

    A gnese do (in)sucesso escolar: na escola e na famlia

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    A persistncia do atraso educativo portugus nos nossos dias: Portugal nos processos de alfabetizao, escolarizao e criao

    de capital humano nos sculos XIX, XX e XXI

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    ResumoEste texto, na continuidade de um trabalho que j dura h cerca de quinze anos, procura mostrar como uma das debilidades estruturais mais graves e persistentes com que Portugal se debate na Modernidade, se relaciona com o atraso com que o modo de cultura baseado na escrita se enraizou na sociedade portuguesa.

    Acompanhando o longo perodo de divergncia econmica e poltica dos sculos XIX e primeira metade do sculo XX e persistindo no brilhante perodo de convergncia da segunda metade do sculo XX, o atraso educativo portugus, que empurra a sociedade portuguesa para fora do contexto europeu, persiste nos dois ltimos sculos como uma ameaa sria sustentabilidade econmica e social deste pas.

    Programas como a actual Iniciativa Novas Oportunidades podero ser uma janela que h muito deveria estar aberta mas que, para ser eficiente, tem de se tornar permanente, cientificamente escrutinada e alvo de um consenso que permita a sua durabilidade independentemente dos ciclos polticos curtos que caracterizam as sociedades actuais.

    Antnio Candeias1

    1. Breve apontamento sobre as razes do atraso educativo portugus durante o sculo XIX 1

    O objectivo deste texto o de fornecer uma base explicativa que sirva para entendermos a persistncia de alguns dos atrasos estruturais que marcaram o tecido social portugus durante o que vulgarmente se chama de Modernidade, ou seja, o perodo de tempo que grosso modo se estende desde meados do sculo XVII aos nossos dias.

    Destes atrasos a que chamamos de estruturais porque se relacionam com a estrutura do tecido social portugus, o mais persistente e mesmo impressionante,