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Igreja do Rosário, Maceió.

Igreja do Rosário, Maceió. - academia.org.br BRASILEIRA 58-POESIA... · Sinos do Rosário e do Livramento e da Catedral sinos da alegria da fé e tormento perdidos no vento sinos

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Igreja do Rosário, Maceió.

Poemas inéditos

Lêdo Ivo

Os sinos de Maceió

Não escuto os sinosque sempre escuteiquando era menino.

Não escuto os sinosque anunciam a mortena cidade morta.

Sinos dos pés juntose das mãos cruzadasdos frios defuntos.

Carrilhões que trazemo fedor da mortee as ressurreições.

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Poes ia

Ocupante daCadeira 10na AcademiaBrasileira deLetras.

Não escuto os sinosque anunciam a vidapelas ruas tortas.

Minha vida é pobrecomo a dos mendigos.Não escuto os sinos

e nem mesmo os hinosque estavam comigoquando era menino.

De manhã à noiteos sinos tocavamnas velhas igrejas.

Sinos do Rosárioe do Livramentoe da Catedral

sinos da alegriada fé e tormentoperdidos no vento

sinos dos Martíriosque se irradiavampelo firmamento.

E Deus era amor.Os homens pecavame Deus perdoava.

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Lêdo Ivo

No confessionárioou no Seu sacrárioDeus era perdão.

Livrava do infernoo ladrão de terrase o estelionatário.

Também perdoavaas belas adúlterase o frio assassino.

Ao toque dos sinostodos recebiamo perdão divino.

O estado de graçabem pouco duravaao sol e ao mormaço.

O arrependimentosumia no vento.Pecado nefando

e coito danadopousavam de novonos quartos fechados.

Pecador relapsoo homem tornavatornava a pecar.

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Poemas inéditos

E Deus perdoavaos corpos e as almas.Perdoava em vão

o bicho insensatoque jamais mereceo menor perdão.

A neve e o amor

Neste dia de calor ardente, estou esperando a neve.Sempre estive à sua espera.Quando menino, li Recordações da Casa dos Mortose vi a neve caindo na estepe siberianae no casaco roto de Fédor Dostoievski.Amo a neve porque ela não separa o dia da noitenem afasta o céu das aflições da terra.Une o que está separado:os passos dos homens condenados ao gelo escurecidoe os suspiros de amor que se perdem no ar.É necessário ter um ouvido muito afiadopara ouvir a música da neve caindo, algo quase silenciosocomo o roçar da asa de um anjo, caso os anjos existissem,ou o estertor de um pássaro.Não se deve esperar a neve como se espera o amor.São coisas diferentes. Basta abrirmos os olhos para ver a nevecair no campo desolado. E ela cai em nós, a neve branca e friaque não queima como o fogo do amor.Para ver o amor os nossos olhos não bastam,nem os ouvidos, nem a boca, nem mesmo os nossos coraçõesque batem na escuridão com o mesmo rumor

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Lêdo Ivo

da neve caindo nas estepese nos telhados das cabanas escurase no casaco roto de Fédor Dostoievski.Para ver o amor, nada basta. E tanto o frio do inverno como o calor escaldanteo afastam de nós, de nossos braços abertose de nossos corações atormentados.Fiel à minha infância, prefiro ver a neveque une o céu e a terra, a noite e o dia,a ser a presa indefesa do amor,o amor que não é branco nem puro nem frio como a neve.

Novo soneto de Paris

Uma folha caída na avenida.É assim que se extingue um amanhã.Paris me diz que toda vida é vã,a branca estrela da estação perdida.

A ti, folha de plátano caídano chão dourado da plúmbea manhã,um frio de outono que nenhuma lãvai proteger da morte prometida,

a ti dedico os passos derradeirosque me afastam da vida quando passosob as árvores da longa alameda.

Entre a noite indolente e os sóis primeiroscai a folha do amor, e cai no espaçodo dia breve. E a morte é muda e leda.

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Poemas inéditos