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II ENCONTRO DE CORTES SUPREMAS DOS ESTADOS PARTES E
ASSOCIADOS DO MERCOSUL
ABERTURA
(28/11/2004)
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) –
Senhoras e Senhores, muito boa-noite, dando início à
solenidade de abertura do II Encontro de Cortes Supremas dos
Estados-Partes e Associados do Mercosul, informamos que
compõem a Mesa as seguintes autoridades: O Excelentíssimo
Senhor Ministro Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal
Federal; o Excelentíssimo Senhor Embaixador Celso Amorim,
Ministro de Estado das Relações Exteriores; o Excelentíssimo
Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União,
representando o Presidente da República Luiz Inácio Lula da
Silva; a Excelentíssima Senhora Ministra Elena Highton de
Nolasco, representante da Corte Suprema de Justiça da
Argentina; o Excelentíssimo Senhor Victor Manoel Núnez
Rodrigues, Presidente da Corte Suprema de Justiça do
Paraguai; o Excelentíssimo Senhor Leslie Van Rompaey
Servillo, Presidente da Suprema Corte de Justiça do Uruguai;
o Excelentíssimo Senhor Magistrado Eduardo Rodriguez Veltzé,
Presidente da Corte Suprema da Bolívia; o Excelentíssimo
Senhor Magistrado Marcos Libedinsky, Presidente da Corte
Suprema do Chile; o Excelentíssimo Senhor Magistrado Javier
Alva Orlandini, Presidente da Corte Constitucional do Peru; o
Excelentíssimo Senhor Magistrado Juan Colombo Campbell,
Presidente da Corte Constitucional do Chile; o Excelentíssimo
Senhor Walter Kaune Arteaga, Presidente do Tribunal de
Justiça da Comunidade Andina.
Senhoras e Senhores, neste momento ouviremos a
celebração do Hino Nacional.
(CELEBRAÇÃO DO HINO NACIONAL)
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) -
Neste II Encontro de Cortes Supremas dos Estados-Partes e
Associados do Mercosul, registramos e agradecemos a presença
das seguintes autoridades: Ministra Ellen Gracie, Vice-
Presidente do Supremo Tribunal Federal; Ministro José Júlio
Pedrosa, Presidente do Superior Tribunal Militar; Ministro
José Raúl Torres Kirmser, Vice-Presidente da Corte Suprema de
Justiça do Paraguai; Dr. José Antônio Moreno Ruffinelli,
Presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul; Dr.
Walter Kaune Arteaga, Presidente do Tribunal de Justiça da
Comunidade Andina; registramos, também, as presenças do Dr.
Moises Troconis, Tribunal de Justiça da Comunidade Andina
(futuro Presidente); Dr. Hélio Alberto Bellinyani Jr., Centro
de Estudos de Direito Internacional; Embaixador Juan Carlos
Olima, Representante Permanente junto ao Mercosul –
Argentina; Dr. Juan Enrique Vargas Viancos, Centro de Estudos
de Justicia de las Américas – CEJA; Embaixador Luiz Felipe de
Macedo Soares, Subsecretário-Geral para a América do Sul do
Ministério das Relações Exteriores e Coordenador Nacional das
Negociações do Mercosul; Embaixador Bernardo Pericás Neto,
Representante Permanente junto ao Mercosul – Brasil;
Embaixador Hugo Saguier Caballero, Representante Permanente
junto ao Mercosul – Paraguai; Embaixador Agustín Espinosa
Lloveras, Representante Permanente junto ao Mercosul –
Uruguai; Embaixador Reginaldo Arcuri, Diretor da Secretaria
do Mercosul; Ministro Ari Pargendler, Diretor do Centro de
Estudos da Justiça Federal e Coordenador-Geral da Justiça;
Ministro Carlos Alberto Marques Soares, Vice-Presidente
Superior Tribunal Militar; Ministro Milton de Moura França,
Tribunal Superior do Trabalho; Ministro Fernando Neves,
Tribunal Superior Eleitoral; Desembargadora Federal Anna
Maria Pimentel, Presidente do TRF da 3ª Região; Desembargador
Federal Carlos Fernando Mathias, Diretor da Escola Judiciária
do TRF da 1ª Região; Desembargador Rubens Bergonzi Bossay,
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do
Sul; Desembargadora Maria de Nazareth Brabo de Souza,
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará;
Desembargador Jorge Mussi, Presidente do Tribunal de Justiça
do Estado de Santa Catarina; Desembargador Marco Antony
Steveson Villas Boas, Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado do Tocantins; Dr. Roberto Antônio Busato, Presidente
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil; Embaixador Diego
Ribadeneira Espinosa, Embaixador da República do Equador;
Embaixador José Coderch Planas, Embaixador do Reino da
Espanha; Embaixadora Cecília Soto Gonzáles, Embaixadora do
México; Embaixador Hermán Couturier Mariátegui, Embaixador da
República do Peru, acompanhado do Ministro-Conselheiro José
Betancourt; Embaixador Oswaldo Puccio Huidoro, Embaixador da
República do Chile; Cônsul Mariano Jodan, representando o
Senhor Juan Pablo Lohlé, Embaixador da República Argentina;
Conselheiro Apolimar Aguilar, representando o Senhor Edgar
Camacho Omiste, Embaixador da República da Bolívia; Ministra
Conselheira Edith Andrade Paez, representante da Embaixada da
República da Colômbia; 1º Secretário Nicollas Croivzer,
representando o Senhor Jean de Gliniasty, Embaixador da
República Francesa; Senhor Luiz Gonzaléz Arias, Embaixada da
República do Paraguai; Nicolau Dino de Castro e Costa Neto,
Associação Nacional dos Procuradores da República; Ministra
Cristina Boldorini, Comissão de Representantes Permanentes do
Mercosul; e, também, registramos a presença do Desembargador
Guinter Spode, Presidente da Federação Latino-Americana de
Magistrados (FLAM)e Secretário-Geral da Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB); Professor Jaime César
Lipovetzky, Estúdios Jurídicos y Consultorias Integrados –
Argentina; Dra. Cláudia Maria de Freitas Chagas, Secretária
Nacional de Justiça; Professora Adriana Dreysin de Klor –
Argentina; Ministro Carlos Eduardo Caputo Bastos, Ministro do
Tribunal Superior Eleitoral e Presidente do Centro de Estudos
de Direito Internacional – CEDI; Senhor Eduardo Alberto
Duhalde Maldonado, Presidente da Comissão de Representantes
Permanentes do Mercosul; e Dr. José Antônio Toffoli, Sub-
Chefe da Casa Civil da Presidência da República.
Senhoras e Senhores, Magistrados,
Embaixadores, Advogados, Procuradores, Professores, neste
momento ouviremos, agora, a palavra do Excelentíssimo Senhor
Embaixador Celso Amorim, Ministro de Estado das Relações
Exteriores.
O SENHOR EMBAIXADOR CELSO AMORIM (MINISTRO DE
ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES) – Senhor Ministro Nelson
Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Senhor
Ministro Álvaro Ribeiro da Costa, Advogado-Geral da União;
Senhores Presidentes das Cortes Supremas dos Estados-membros
do Mercosul e dos Estados Associados; Senhora Ministra Ellen
Gracie e Senhor Ministro Caputo Bastos, que organizaram este
evento; Senhores Presidentes dos Tribunais de Justiça dos
Estados; altas autoridades do Poder Judiciário; Senhores
Parlamentares; Senhores Embaixadores.
É para mim um grande prazer estar na abertura
do II Encontro de Cortes Supremas do Mercosul.
A política externa do governo do Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva tem como compromisso fundamental
aprofundar a integração entre os Países da América do Sul nos
mais diversos planos. A formação de um espaço econômico
unificado com base no livre comércio em projeto de infra-
estrutura vem servindo de base para incrementar o
relacionamento com os países da região nos mais diversos
níveis. Nesse sentido, o Mercosul constitui o pilar
fundamental de todas as iniciativas do Brasil de avançar no
projeto de construir uma América do Sul politicamente
estável, socialmente justa e economicamente próspera.
Além de reafirmar a importância dos temas de
natureza econômico-comercial do Mercosul, tem sido necessário
fortalecer a estrutura institucional do nosso Bloco,
particularmente no que se refere aos seus contornos
jurídicos. Nesse sentido, o II Encontro de Cortes Supremas do
Mercosul é realizado em momento bastante oportuno, já que o
tratamento da temática institucional requer a participação
efetiva dos Poderes Judiciários, em particular das Cortes
Supremas dos Estados-Partes no processo de integração
regional.
É fundamental reconhecer que os processos de
integração de maior êxito tiveram como alicerce primordial o
fortalecimento do seu arcabouço jurídico e de suas
instituições. A experiência da União Européia é prova da
importância de se buscar harmonizar, em nível regional, o
conjunto de normas dos Estados-membros relativos ao processo
de integração.
Cabe sublinhar, também, que os aspectos
comerciais, sociais e jurídicos do Mercosul têm vocação de
regular direitos e obrigações com efeitos diretos na vida dos
cidadãos e que, portanto, são passíveis de questionamentos
nos tribunais internos. Somente por essa razão, entre muitas
outras, que seria fundamental que os Poderes Judiciários dos
Estados-Partes estejam cada vez mais envolvidos com a
temática do Mercosul.
No que tange aos avanços institucionais
recentes que se relacionam com os Judiciários Nacionais, cabe
destacar, à guisa de exemplo, a importância da criação do
Tribunal Permanente de Revisão, cujo Presidente, o Embaixador
José Antônio Ruffinelli, está aqui entre nós, no âmbito do
Protocolo de Olivos, o qual, embora não seja efetivamente um
poder judiciário do Mercosul como tal, consiste em instância
de disponibilidade permanente para incumbir-se de resolver,
de forma definitiva, as controvérsias entre os Estados-
Partes.
Entre muitos outros exemplos, merece registro
pela sua relevância direta para a área judicial o acordo que
acaba de ser assinado há poucos dias sobre o combate à
pirataria no Mercosul. O instrumento contou com a adesão da
Bolívia, Chile e Peru, Estados já associados do Mercosul, e
representará um marco na colaboração entre esses Países para
reduzir atividades ilícitas.
Outro tema da ordem do dia no Mercosul e que
tem reflexos importantes na atuação do Judiciário é a
implementação da decisão do Conselho Mercado Comum nº
22/2004, aprovado em julho passado, na Cúpula de Iguaçu, que
versa sobre a vigência e aplicação das normas emanadas dos
órgãos com capacidade decisória do Mercosul. Essa decisão
visa aprovação nos instrumentos normativos, que
possibilitarão acelerar a implementação nos ordenamentos
jurídicos dos Estados-Partes, de atos do Poder Executivo,
originados da normativa Mercosul que não requeiram aprovação
legislativa.
Cabe destacar que esse procedimento apresenta
solução apenas parcial: a questão mais ampla de efetiva
aplicação das normas do Mercosul ao ordenamento jurídico dos
Estados-Partes. No caso brasileiro seria, por exemplo,
interessante estudar de que forma se poderia conceder o
status diferenciado às normas emanadas do processo de
integração do Mercosul, tomando como base o dispositivo
programático presente no art. 4º da Constituição Federal.
Creio que o temário desta Reunião que trata,
entre outros temas, das Assimetrias Constitucionais, da
Cooperação Judiciária, também da Harmonização Legislativa e,
por fim, do Sistema de Solução de Controvérsias, encaixa-se,
perfeitamente, em alguns dos temas que têm sido preocupação
dos próprios Poderes Executivos e Legislativos dos Estados-
membros.
Às vésperas da Reunião de Cúpula de Ouro
Preto, dez anos depois da assinatura do Protocolo, creio que
este Encontro é extremamente oportuno e, seguramente, espero
eu, possa constituir parte de um processo que resultará num
órgão permanente que reúna as Cortes Supremas dos Estados-
membros do Mercosul.
Muito obrigado.
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) –
Senhoras e senhores, registramos também e agradecemos a
presença do Deputado Federal Sigmaringa Seixas, representando
a Câmara dos Deputados neste evento.
Neste momento, ouviremos a palavra do
Excelentíssimo Senhor Ministro Nelson Jobim, Presidente do
Supremo Tribunal Federal.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Excelentíssimo Senhor Chanceler
Celso Amorim, Ministro de Estado das Relações Exteriores;
Excelentíssimo Dr. Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, Advogado-
Geral da União, representando o Presidente Luiz Inácio Lula
da Silva; saúdo os integrantes desta mesa, os Srs. Ministros
dos Tribunais Superiores e Tribunal Constitucional, na pessoa
da Ministra Elena Highton de Nolasco, a quem saúdo
efusivamente; minhas senhoras, meus senhores; minha Colega
Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen
Gracie.
Creio que o Ministro Celso Amorim colocou
claramente a nossa questão. Dois pontos de indagações surgem
em relação aos processos de integração, sendo o primeiro de
natureza política. Dentro da natureza política, decisão já
tomada, já existente de uma progressiva integração dos países
do Mercosul, inclusive da América Latina.
A busca da integração é exatamente a
possibilidade de termos capacidade competitiva não só interna
como externa, e, fundamentalmente, a redução de nossos custos
de transação para o enfrentamento do mundo moderno e a grande
disputa de espaços comerciais que possam assegurar o
desenvolvimento de cada uma de nossas Nações. Os Chefes das
Nações Latino-Americanas já decidiram a respeito dessa
temática, da necessidade do processo de integração. A
velocidade dessa integração também é uma decisão política,
que vai atendendo as circunstâncias geoeconômicas, inclusive,
das relações internacionais com diversos blocos do mundo.
Se de um lado o aspecto político está sendo
enfrentado, há também o outro aspecto que é exatamente o
institucional; ou seja, os meios pelos quais possam essas
decisões ser efetivamente implantadas e gerirem condutas
sociais e econômicas dentro dos nossos países. A visão
institucional de que ela é condição para realização de fins
que sejam determinados pelos poderes políticos da Nação, que
representam, ao fim e ao cabo, a soberania popular.
Creio, Senhor Chanceler, que o convite feito
por Vossa Excelência, no final de sua manifestação, no
sentido de que as Cortes Latino-Americanas possam criar um
organismo permanente de discussão dos meios pelos quais os
nossos países venham, com as suas reformas necessárias,
simetricamente viabilizar, pela perspectiva da segurança
jurídica, os processos de integração, não nos compete, como
órgãos judiciários, decidirmos a política da integração; isso
compete sim, Senhor Chanceler, aos órgãos representativos do
Poder Executivo e do Poder Legislativo. Cabe a nós, isto sim,
no diálogo transparente e constante com esses organismos,
adverti-los, identificarmos os problemas jurídicos que
eventualmente as decisões políticas possam determinar no
sentido da sua implantação.
Não podemos ficar passivos no sentido de
deixarmos que os Poderes Executivos e os Governos avancem no
processo de integração e nós, no final da linha, reservarmos
a eles uma surpresa de que o mecanismo por eles utilizados
acabou não tendo eficácia nas relações internas e nas
relações comerciais. Esta surpresa no final do túnel, que
pode estar reservada pelos Poderes Judiciários locais, pode
levar ao insucesso absoluto desta tentativa de integração,
que tem como objetivo nítido a busca do desenvolvimento e o
bem-estar paritário dos nossos povos.
Penso que a responsabilidade política do Poder
Judiciário é nítida nesta quadra. Precisamos, portanto, Srs.
Presidentes, Srª Presidenta, com absoluta transparência,
discutir e verificar se as nossas instituições jurídicas, tal
como estão desenhadas grande parte delas como a brasileira
neste ponto, ainda presa às concepções autonômicas do século
XIX, em que o tratado internacional tem um tratamento no
Brasil como norma de natureza ordinária, sujeita à
modificação, à revogação e à alteração por qualquer
legislação ordinária, sem qualquer audiência dos organismos
internacionais e dos países que foram co-participantes da
elaboração de um tratado de qualquer natureza: comercial,
civil, tributário.
E os problemas são imensos. Temos que resolver
questão de circulação de bens e de pessoas. E que possam
esses bens e pessoas, ao circularem, terem certeza de que os
pactos que mantiveram, os acordos que estabeleceram, as
negociações que realizaram tenham segurança jurídica e
“enforcement” necessário para sua realização; senão,
estaremos nós traindo, claramente, a vontade dos nossos
povos, não só a vontade, mas também a necessidade já
reconhecida por essa vontade de caminharmos para um processo
de integração.
As discussões, Senhor Chanceler, que estão
postas nesta temática organizada para esta nossa reunião
mostram claramente que o problema está exatamente - de um
lado começa-se com a discussão das assimetrias para chegar ao
fim - na forma de solução de controvérsia. Enquanto não se
tiver, claramente, uma linha de solução de controvérsias e de
conflitos jurídicos que possa haver, quer os conflitos
jurídicos entre os Estados, quer o conflito jurídico, que
decorre de pessoas jurídicas e físicas de cada um dos Estados
que tenham pactuado ajustes com base nos acordos
internacionais, se não tivermos nós nenhum sinal de que isso
tenha a garantia da eficácia e da realização por decisões que
possam ser tomadas, quer por um organismo internacional, que
seja plasmado como um tribunal, quer pelos tribunais
internos, nós não avançaremos e ficaremos exclusivamente na
obstrução política e judiciária daquelas tentativas que somos
responsáveis.
Creio, Srs. Presidentes, Srª Ministra, que
este é o nosso desafio.
A verdade seja dita, desde logo, que estamos
silentes já algum tempo, estamos silenciosos a algum tempo.
Por diversas vezes o Senhor Chanceler tocou em temas dessa
natureza e eu confesso aos senhoras e senhores que não tinha
como responder. Embora pessoalmente poderia ter dado e posso
dar a ele algumas respostas, ocorre que o Senhor Chanceler me
fez a pergunta não como o meu amigo Celso Amorim, mas fez a
pergunta, isto sim, como representante do País nas suas
relações internacionais, e eu não tinha condições, como
também agora ainda não tenho, de responder institucionalmente
à possibilidade do nosso compromisso político com o processo
de integração.
Creio, Srs. Presidentes, que este é um momento
importante para que possamos decidir entre nós, com
transparência, se o Poder Judiciário latino-americano tem ou
não tem compromisso com a integração de seus povos. Responde
ou não responde às necessidades políticas do desenvolvimento
do País, já que, ao fim e ao cabo, somos todos servos dos
nossos povos. Portanto, o bem dos nossos povos é exatamente o
nosso objetivo, o nosso serviço e a nossa dedicação.
Sejam bem-vindos. Vamos ao desafio.
Enfrentemos juntos com os Poderes Executivos e Legislativos
nacionais esta temática importantíssima que é participar do
processo de criação de mecanismos que assegurem a integração
e a realização dos processos comerciais e de circulação,
absolutamente necessários, para que a América Latina deixe de
ser nominada como terceiro mundo ou como “downtown”.
Muito obrigado a todos e sejam bem-vindos.
***************
SEGUNDO DIA
(29 de novembro de 2004)
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) –
Informamos que compõem a Mesa as seguintes autoridades: o
Excelentíssimo Senhor Ministro Nelson Jobim, Presidente do
Supremo Tribunal Federal; o Excelentíssimo Senhor Ministro
Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal; o Excelentíssimo
Senhor Victor Manuel Núnez Rodrigues, Presidente da Corte
Suprema de Justiça do Paraguai; a Excelentíssima Senhora
Ministra Elena Highton de Nolasco, representante da Corte
Suprema de Justiça da Argentina; o Excelentíssimo Senhor
Leslie Van Rompaey Servillo, Presidente da Corte Suprema de
Justiça do Uruguai; o Excelentíssimo Professor Jorge
Fontoura, Relator do Grupo I – Assimetrias Constitucionais; a
Excelentíssima Senhora Ellen Gracie, Vice-Presidente do
Supremo Tribunal Federal e Coordenadora Geral do Encontro.
Senhoras e senhores, com a palavra o
Excelentíssimo Senhor Ministro Nelson Jobim, Presidente do
Supremo Tribunal Federal, para conduzir os trabalhos desta
manhã.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Minhas senhoras e meus senhores,
estamos numa reunião de trabalho; então, portanto, as
referências foram feitas pelo Mestre de Cerimônias, daí por
que serão dispensadas saudações individualizadas.
Saúdo a todos os membros da Mesa e os
integrantes deste trabalho.
Hoje pela manhã, daremos início a esse ciclo
de palestras e de debates com o tema Assimetrias
Constitucionais. Assim, tenho a honra de convidar a
Excelentíssima Senhora Ministra Elena Highton de Nolasco,
representante da Corte Suprema de Justiça da Argentina, para
fazer uso da palavra.
Vossa Excelência dispõe de trinta minutos para
se manifestar sobre o tema proposto pelo roteiro.
A SENHORA MINISTRA ELENA HIGHTON DE NOLASCO
(CORTE SUPREMA DA JUSTIÇA DA ARGENTINA) - Bom dia.
Eu gostaria de começar com o tema Assimetrias
Constitucionais e a Hierarquia das Normas nos Ordenamentos
Jurídicos Nacionais e no Mercosul.
É uma verdade conhecida no âmbito jurídico dos
Países-membros do Mercosul que a estrutura constitucional que
sustenta o processo de integração não é uniforme. Em nenhum
dos casos os tratados prevaleceram às constituições; e nos
casos em que os Estados tinham previsto nas normas
constitucionais a possibilidade de confirmar sistemas de
integração supranacional, as normas produzidas neste âmbito
eram superiores às leis nacionais, mas inferiores às
constituições.
A hierarquia normativa no Mercosul também é
discrepante em cada Estado-membro e, portanto, vemos uma
mesma questão de Direito e obrigações para os particulares de
cada Estado, fragmentando o princípio de igualdade e
conspirando contra a expansão contínua e equilibrada de um
mercado amplo que ofereça condições de acordo com aquelas que
devam ser regidas no espaço nacional. Portanto, vemos que um
argentino vê que a pirâmide do Mercosul é uma para um país e
outra para outro.
Com relação ao ordenamento jurídico argentino,
a Constituição Nacional e a jurisprudência da Corte Suprema
de Justiça da Nação oferecem solução aos problemas de
integração das normas geradas no âmbito internacional no
Direito interno e a hierarquia entre as normas do Direito
internacional e as do Direito interno.
Em matéria de integração das normas que
obrigam o Estado argentino, estas estão incorporadas no
ordenamento interno. Foram tratados costumes aos princípios
gerais de Direito.
Com relação aos tratados, o art. 31 da Norma
Fundamental, ou seja, a Constituição, estabelece que existe
um bloco normativo constituído pela própria Constituição
nacional, as leis ditadas e os tratados feitos com as
potências estrangeiras - três processos de criação de norma
jurídica. Temos, então, a Lei Suprema da Nação, cujo art. 188
– quando se refere a Direito das pessoas - integra as normas
internacionais consuetudinárias do Estado argentino no
ordenamento interno.
Com relação aos tratados, é levado em
consideração que a possibilidade de aprová-los ou não -
conferida ao Congresso Nacional pela Constituição - não
implica a necessidade de contar com uma norma interna que
aplique a norma internacional. Dessa forma, com relação a
isso, as leis aprovadas são leis no sentido formal, que não
convertem o tratado em uma lei interna.
No ordenamento argentino, o Direito
internacional é Direito interno a partir do momento em que o
Poder Executivo, em virtude da atribuição constitucional de
gerenciar as relações exteriores do país, manifesta
intencionalmente o consentimento em se obrigar, de acordo com
o tratado, a essa norma interna quando, no âmbito
internacional, entrar em vigor no país.
Portanto, de acordo com o princípio da
integração das normas internacionais, pelas quais o país está
vinculando o Direito interno, é necessário analisar o
problema da relação hierárquica entre ambos os tipos de
normas. De acordo com o art. 27 da Norma Fundamental, os
princípios de Direito Público estabelecidos na Constituição
Nacional têm uma hierarquia superior aos tratados
internacionais, a partir do momento em que todo o acordo do
qual fez parte a Argentina deve estar em concordância com
eles. Então, de uma forma implícita, essa hierarquia superior
também é aplicável às normas consuetudinárias e aos
princípios gerais de Direito.
Nesse sentido, com a reforma constitucional de
1994, foi incorporada uma distinção de acordo com a matéria
das regras internacionais. Dessa forma, tivemos como
princípio geral a superioridade de todos os tratados
internacionais em vigência na Argentina com relação às leis
nacionais e aos ordenamentos estaduais – art. 75, XXII, da
Constituição.
Entretanto, temos a distinção entre os
instrumentos chamados – que devem ser integrados em nosso
Direito interno -, de acordo com o Direito Internacional dos
Direitos Humanos e de Direito da Integração.
Em primeiro lugar, o art. 75, XXII, parágrafo
2º, da Constituição nacional outorga hierarquia
constitucional a uma série de instrumentos internacionais
nomeados explicitamente, cujo âmbito de validade material são
os Direitos humanos. Dessa forma, quando temos as atribuições
do Congresso, esse artigo estabelece:
“Aprobar o desechar tratados concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienen jerarquía superior a las leyes. La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminacion Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminacion contra la Mujer; la
Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Niño: en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantías por ella reconocidos. Solo podrán ser denunciados, en su caso, por el Poder Ejecutivo nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara.
Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congreso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional.”
Então, o poder constituinte entendeu que o
conteúdo desses instrumentos não está na primeira parte da
Constituição e, portanto, devem ser entendidos como
complementares aos Direitos e garantias por ela reconhecidas.
Também tivemos a incorporação, mediante esse
processo, de outras convenções ao texto constitucional: a
Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento de Pessoas e
a Convenção sobre a Não-prescrição dos Crimes de Guerra e os
Crimes Contra a Humanidade, de 1997 e 2003, respectivamente.
Em segundo lugar, o art. 75, inciso XXIV,
adiciona outra precisão com relação à hierarquia, também
devido à matéria, estabelecendo a superioridade do Direito da
integração com relação às leis nacionais e o ordenamento
estadual. Neste caso, essa superioridade está condicionada à
existência de reciprocidade nas relações entre os Estados-
membros do processo de integração e de igualdade entre as
pessoas físicas e jurídicas que têm a sede dos seus negócios
nesses Estados.
Na norma, temos o estabelecimento de uma
diferenciação entre aqueles tratados de integração,
celebrados com os Estados da América Latina e aqueles
celebrados com outros Estados, e a maioria necessária no
Congresso para a sua aprovação, mantendo, em ambos os casos,
a hierarquia superior com relação às leis nacionais e o
ordenamento estadual. Esse inciso prevê não somente a
delegação de poderes normativos executivos, mas, também,
habilita à seção de jurisdição atribuições jurisdicionais.
Parte da doutrina interpreta que isso indica que foi a
intenção do constituinte autorizar os acordos por meio dos
quais tenhamos um poder judicial supranacional, pelo qual
existiria a habilitação constitucional para a criação de um
tribunal de justiça para o Mercosul. Conseqüentemente, os
tratados em vigência na Argentina integram o Direito interno,
têm uma hierarquia inferior aos princípios do Direito Público
contidos na Constituição Nacional e superior às outras normas
do ordenamento nacional ou dos ordenamentos estaduais.
Por outro lado, temos que levar em
consideração que os tratados podem conter normas que sejam
operacionais e normas que sejam programadas, de acordo com a
vontade das partes no momento dessa celebração. Então, no
primeiro caso, os Direitos e obrigações podem ser invocados
diretamente pelos indivíduos e aplicados pelos tribunais
nacionais sem a necessidade de medidas internas que os
regulem. No caso das normas programadas, em troca é
necessária a adoção dessas medidas com o objetivo de que as
suas disposições possam ser invocadas e aplicadas.
Portanto, é propício fazer uma menção com
relação à evolução que teve a jurisprudência na Corte Suprema
de Justiça da Nação com relação aos pronunciamentos sobre a
hierarquia dos tratados com relação à lei interna. Em termos
gerais, temos três etapas que não são rígidas. Mas numa
primeira etapa, no ordenamento jurídico argentino, a
jurisprudência da Corte de Justiça da Nação foi pacífica no
que se refere à aceitação imediata direta e sem necessidade
de uma aprovação específica em tudo o que se relaciona ao
Direito Internacional consuetudinário. Isso resulta,
facilitado pelo art. 118 da Constituição, com relação ao
Direito das pessoas ou à Lei das Nações. Nesse sentido, a
Corte Suprema de Justiça da Nação, tradicionalmente, deu
aplicação a esse Direito em assuntos relacionados à imunidade
jurisdicional, tanto dos Estados quanto dos diplomatas
estrangeiros, e solicitação de execução no território
nacional de sentenças estrangeiras sentenciadas nos tribunais
do Estado. Não há, então, nenhum tratado de cooperação
judicial, costume internacional em termos como a imunidade de
execução dos Estados estrangeiros e a jurisprudência
internacional.
Só em 1940, a Corte expediu, a respeito de uma
convenção internacional aprovada pela lei do Congresso, se
era suscetível de modificar a legislação nacional anterior e
operar, com a sua força normativa, a inclusão referida, ou
se, ao contrário, configurava unicamente o compromisso
assumido pelo Estado de revisar o seu Direito com o objetivo
de chegar ao resultado buscado pela convenção e,
conseqüentemente, era necessário a sansão de uma nova lei.
Então, um trabalhador rural havia reclamado
indenização por um acidente, alegando que a Convenção Sobre
Acidentes na Agricultura da OIT, no seu art. nº 1, dizia que
todo o membro da organização internacional do trabalho que
ratifica a presente Convenção estava comprometido a estender
a todos os assalariados agrícolas o benefício das leis e
regulamentos que tenham como objetivo indenizar as vítimas de
acidentes na ocasião do trabalho.
Então, gostaria de pontuar que a legislação
Argentina vigente na matéria, no momento da sentença, excluía
explicitamente, no seu regime, os trabalhadores agrícolas.
Neste caso, o Tribunal sustentou que a única
forma de ser efetiva a reparação dos acidentes de trabalho na
agricultura é por meio de uma lei que regule de forma clara e
concreta os Direitos e obrigações dos assalariados agrícolas.
Sem dúvida nenhuma, então, a Conferência de Genebra, quando
adotou o projeto de convenção, requereu que isso fosse feito
também pelos países soberanos que o ratificaram. Então, a
Justiça recusou a reclamação dizendo que a lei não amparava
os trabalhadores agrícolas e a Convenção de Genebra, do ano
21, não significou que a lei de acidentes de trabalho tinha
que ser modificada ipso facto, mas, simplesmente para a
República Argentina importou o compromisso de modificar tal
legislação.
Essa doutrina da Corte foi reiterada em falhas
posteriores nas quais, e atendo-se aos termos dos acordos
internacionais, disso se desprendia uma norma local para
internalizar os compromissos assumidos. Logo, o tribunal
estendeu a sua doutrina, convênio, a outros âmbitos,
demonstrando maior apego ao requisito de uma lei posterior
diferente da de aprovação que volte a ser aplicada. Então,
por isso, as convenções não podiam reger diretamente; apenas
fixavam pautas cujo indispensável complemento deveria ser
encontrado nos preceitos do legislador nacional.
Na segunda etapa, temos uma tendência a se
distanciar desse âmbito. Então, tivemos outra orientação e
esta orientação enfatiza, principalmente, a interpretação do
tratado com o objetivo de estabelecer que as suas disposições
permitam uma aplicação judicial. Mas, precisamente nessas
falhas, não foi negada a vigência interna dos tratados a
partir da sua aprovação e ratificação, mas exigimos como
requisito adicional necessário para a sua aplicabilidade,
onde estava prescrito, pelo próprio acordo, a obrigação de o
Estado adaptar a sua legislação mediante o Congresso.
Essa orientação foi mantida com relação ao
Tratado de Direitos Humanos, no caso a Convenção Americana
Sobre Direitos Humanos ao Pacto de São José da Costa Rica. A
questão que tínhamos de decidir é se o Direito de retificação
ou resposta enunciado no art. 14, inciso I, do Tratado,
poderia ser aplicado judicialmente, não obstante a ausência
de normas internas que o regulassem. No caso, foi assinalado
que o Pacto, ratificado e aprovado, estava em vigência no
nosso País. E as suas cláusulas mostravam a hierarquia
suprema da Nação e que, além disso, esse acordo contemplava,
também, o Direito à intimidade no qual apoiava a reclamação
por uma disposição constitucional.
Do exame da jurisprudência da Corte sobre o
tema, nesse período, surge que a outorga do caráter
operacional programático dos tratados internacionais dependeu
se o seu exercício tinha sido editado ou não com a adoção, no
caso concreto, de medidas legislativas por parte da ordem
jurídica interna do País contratante.
Assim, se as cláusulas dos tratados tivessem
sido incorporadas diretamente às legislações por virtude da
lei de aprovação, não seria necessário uma norma posterior
que votasse ou que fizesse com que ela fosse executada.
Então, recorremos a normas constitucionais, em particular ao
art. 31, declarado na Constituição das Leis Nacionais dos
Tratados, Lei Suprema da Nação.
É interessante destacar, nessa ordem de
idéias, um caso em que devia ter sido resolvido se o
cessionário do Direito de autor de uma obra literária era,
para a legislação Argentina, titular dos Direitos
contemplados na Convenção Universal de Genebra sobre os
Direitos Autorais. O tribunal declarou que o art. 3º dessa
Convenção foi incorporado ao ordenamento jurídico, com
alcance de lei suprema da Nação, designado pelo art. 31 da
Constituição. Essa incorporação surge de ter sido ratificada
a norma por uma lei sem que seja necessária uma lei especial
de adoção. O tribunal acrescentou que esse princípio responde
a um amplo sentido de solidariedade, baseado na manutenção da
palavra empenhada que está na hermenêutica jurídica.
Posteriormente, foi destacado que, no Direito
argentino, cabe reconhecer o princípio de acordo com o qual
as normas do Direito nacional, aprovadas pelo Poder
Legislativo e devidamente ratificadas, incorporam-se como
regras ao Direito interno, sendo aplicáveis dentro do Estado
quando revisam o caráter de auto-execução ou auto-
suficiência. No caso em questão, o empregado de uma
organização internacional, intergovernamental, a comissão
técnica mista de Salto Grande a processou por ser despedido
sem causa. Então, a Câmara do Trabalho tinha declarado a
inconstitucionalidade do art. 4º do acordo celebrado entre o
Governo da República Argentina e a Comissão, aprovado pela
lei que estabeleceu esse procedimento. A Corte deveria
resolver o conflito entre a norma, que nesse tratado tinha
então essa imunidade e a garantia constitucional do Direito à
jurisdição, fazendo prevalecer o tratado.
Temos uma terceira etapa na jurisprudência:
essa orientação é identificada a partir do diferente
tratamento que o tribunal concede a convênios que, até esse
momento, eram qualificados como de conteúdo programático.
Nesse sentido, a Corte se referiu ao Direito à dupla
instância de sede penal, prevista no art. 8º da Convenção
Americana de Direitos Humanos, e a sua vigência interna deve
ser assegurada por meio de um recurso na Corte Suprema.
Então, tínhamos que dar solução, já que esse
tratado declarava determinados Direitos que, com relação ao
Direito interno, precisavam de uma posterior materialização
legislativa. Nesse contexto, a Corte Argentina adotou uma
doutrina mediante a qual possibilitou a operacionalização de
uma cláusula contida no tratado internacional a que
considerou de hierarquia superior o Direito interno.
No caso em questão, a pessoa se sentia lesada
no seu sentimento religioso por expressões feitas em um canal
de televisão e, como temos no art. 14 do Pacto de São José da
Costa Rica, que fosse condenado a ler uma carta que tinha
enviado em resposta. Esse critério, formulado no ano de 1992
com relação à superioridade dos tratados, foi recebido na
reforma constitucional de 1994. Nesse pronunciamento também
destacamos que o não-cumprimento de um acordo internacional
pode acontecer por uma conduta positiva do Estado ou uma
omissão de estabelecer disposições que façam possíveis o seu
cumprimento.
Ambas as situações resultariam contraditórias
com a prévia ratificação internacional do tratado e
demonstrariam o seu não-cumprimento, como está no art. 27 da
Convenção de Viena, sobre o Direito dos Tratados. Portanto,
permite designar primazia a um tratado mediante um conflito
contra qualquer norma interna contrária ou com a omissão de
ditar disposições que possam equivaler ao não-cumprimento de
tratado internacional nos termos ali estabelecidos.
No seguinte ano, o tribunal, no caso em que
foi assinado o acordo entre a Argentina e a Comissão Técnica
Mista de Salto Grande aprovado pela lei, volta a invocar a
Convenção de Viena para designar primazia aos tratados
mediante um conflito de qualquer norma interna contrária e
afirma que essa solução está de acordo com as presentes
exigências de cooperação, harmonização e integração
internacional que a República Argentina estabeleceu, e
elimina a responsabilidade do Estado pelos atos dos seus
órgãos internos.
As disposições constitucionais mencionadas e
a sua interpretação pela Corte Suprema de Justiça da Nação
demonstram o indicador da vontade política de integração da
Argentina no plano jurídico. Com tais premissas, resulta
pouco provável que o Estado argentino possa apelar para a
doutrina desenvolvida por autores europeus e que chama “o
paradoxo do não-cumprimento ou da não-cooperação”. Então,
este se configura quando um Estado, não obstante a sua
vontade expressa na assinatura de compromissos
internacionais, não completa a tarefa de integrar tais
decisões no ordenamento jurídico interno por várias razões,
tais como questões burocráticas ou simples estratégia
comercial.
Então, transladar essa competência por parte
de análise da doutrina, foi dito que não significa renúncia,
mas inibe o Estado de exercer os atributos transmitidos para
que, daí por diante, uma nova entidade coloque em prática os
modelos avançados de integração conhecidos. Vemos que essa
integração para o fim determinado é a favor de uma
organização diferente do Estado que assume substituição, no
entendimento de que o ideal de todo o processo de integração
é aquele realizado a partir da transferência de poderes a um
órgão supranacional. A delegação de competências, ou seja, o
constituinte argentino habilita a delegação de competências e
jurisdição em organizações supra-estatais.
Essas atribuições devem ser feitas respeitando
as posições de igualdade e reciprocidade, exigências
intimamente relacionadas que, por um lado, garantem a
independência e soberania do país e, por outro lado, constrói
um sistema de integração baseado na justiça e na igualdade.
Ambos requisitos não se esgotam nos alcances das respectivas
delegações que as competências fornecem com o mesmo conteúdo,
mas sim será necessário, que os seus efeitos no Direito
interno sejam semelhantes.
A imperatividade e a obrigatoriedade do
Direito que nasce dos tratados de integração não encontrariam
o seu fundamento na atitude dos demais Estados-membros e
órgãos regionais senão com esse objetivo da integração. Por
tal razão, o sentido do art. 2º do Tratado de Assunção
garante que a efetivação do Direito de integração constitua
um mandato que assume cada país com relação ao resto dos
Estados, o que gera, definitivamente, o dever de cumprir
fielmente com o ordenamento da integração no país obrigado e
o Direito dos outros de exigir tal cumprimento, através das
vias estabelecidas para este objetivo. Por exemplo, no
Tratado de Assunção e o seu Direito conseqüente, por meio do
mecanismo estabelecido no protocolo. Isso está corroborado
pelo art. 38 do Protocolo de Ouro Preto que anuncia, no marco
do esquema do Mercosul, o princípio de lealdade.
Da análise do já mencionado art. 75 da
Constituição Nacional, vemos dois conceitos fundamentais na
matéria: a aplicação direta e a supremacia dos tratados sobre
as leis. Princípios estes, como vimos, foram destacados e
consolidados pela jurisprudência do tribunal.
Acho relevante o que foi dito pelo grupo de
trabalho do Brasil com relação às assimetrias constitucionais
dos países que fazem parte do Mercosul, coordenado pelo
Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no qual
formula como sugestão a harmonização, na medida do possível,
dos textos constitucionais brasileiros e uruguaios, com as
reformas ocorridas no Paraguai, em 1992, e na Argentina, em
1994, de tal forma que isso permite, explicitamente, que os
países deleguem competências e jurisdições a órgãos
supranacionais com cláusulas de igualdade e reciprocidade.
Vê a definição hierárquica dos tratados por
meio das normas de primazia que estabeleçam concretamente a
solução de um potencial conflito entre o tratado e a lei
antecedente ou posterior e o estabelecimento de mecanismos
institucionais de interação e diálogo entre os Poderes
Executivo e Judiciário, quando exista a aprovação, no
Congresso, do tratado antes de efetuar o depósito do
instrumento ratificado, isso para prevenir questões de
controle de constitucionalidade. Não obstante, deveria ser
esclarecido que esse último aspecto, essa possibilidade não é
viável no sistema constitucional argentino atual, pelo menos
já que a Corte não emite opiniões de caráter geral.
Poderia assinalar a importância da norma
constitucional brasileira (parágrafo único do art. 4º), que
diz que a República Federativa do Brasil buscará integração
econômica, política-social e cultural dos povos da América
Latina, com o objetivo de formar uma comunidade latino-
americana de nações. Essa clara disposição constitucional
assinala uma posição mais de acordo com os princípios do
Mercosul e poderia servir de referência frente às
dificuldades oferecidas pelo ordenamento interno no que se
refere à primazia dos acordos internacionais.
Outro parágrafo que fala a respeito dos
Direitos Humanos, na opinião sustentada por um jurista
brasileiro, incorpora obrigações de caráter objetivo que
transcendem os meros objetivos recíprocos entre as partes.
Então, o objetivo é salvaguardar os Direitos do ser humano e
não o Direito dos Estados. O Uruguai sustenta em seu
memorando que falar dos impedimentos constitucionais é um
modo de ocultar o verdadeiro obstáculo que é a falta de
vontade política. Nesse caminho, a proposta do Uruguai, no
art. 27 da Convenção e Viena sobre o Direito dos Tratados
para encontrar solução à falta constitucional do ordenamento
jurídico é um claro indicador de uma vontade política
orientada à integração. Então, o Uruguai sustenta, nesse
documento, que é improcedente invocar normas internas como
justificativa do não-cumprimento das obrigações
internacionais, adicionando que esse Estado ratificou os
Tratados de Assunção e a Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados e que, no princípio de irreversibilidade dos
compromissos assumidos, não há retorno.
A situação constitucional do Uruguai também
mereceu comentários que falam a respeito da necessidade da
sua adequação nos processos de integração.
De acordo com o que foi dito até aqui, o texto
constitucional argentino é um grande compromisso – e também o
paraguaio – em termos de invocação supranacional, porque
disponibiliza essa transferência de jurisdição e competência,
mas, na reciprocidade e igualdade de ambos incisos, reforça e
consagra, de uma forma definitiva, a doutrina que está sendo
desenvolvida pelo Tribunal da Nação.
As assimetrias surgem, e os obstáculos foram
reconhecidos pelas próprias Nações e pelos próprios países.
Isso foi discutido no Primeiro Encontro, na Carta de Ouro
Preto, e essa necessária adequação dos sistemas
constitucionais surge, também, ilustrada pelo que foi
assinalado no documento apresentado pelo Brasil.
Agora veremos como continua este Encontro. A
sorte já foi lançada.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)– Gratíssimo, Senhora Ministra.
Prosseguimos, desde logo, os trabalhos. Os
trinta minutos subseqüentes serão usados pelo Grupo nº 1,
composto pelos Senhores Ministros Gilmar Mendes e Caputo
Bastos, pelo Professor Jorge Fontoura e Luis Roberto Barroso.
Usará da palavra, em primeiro lugar, O
Ministro Gilmar Mendes e, depois o Relator, Professor Jorge
Fontoura e, por último, o Professor Luis Roberto Barroso.
Os senhores terão, ao todo, trinta minutos.
Controlarei o uso do tempo.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Senhores integrantes da Mesa, a
questão já foi devidamente explicitada na exposição
antecedente da nossa Relatora Argentina quanto às assimetrias
constitucionais que se colocam; e, certamente, muitas dessas
assimetrias, também como já demonstrado, vêm de uma cultura
que longe estava de dar importância aos valores da
supranacionalidade.
No relatório que será depois explicitado pelos
Professores Jorge Fontoura e Luis Roberto Barroso, nós
enfatizamos a jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal
Federal quanto à equivalência hierárquica entre leis e
tratados, questão que, a despeito das mudanças ocorridas com
a Constituição de 1988, subsistiu íntegra no nosso sistema
constitucional. Alguns autores, no Brasil, até dizem que o
Supremo Tribunal Federal continuou a interpretar a
Constituição à luz da velha jurisprudência. Não teria inovado
nesse passo.
Um foco de tensão entre nós, como se sabe, é a
própria interpretação do art. 5º, § 2º, da nossa
Constituição, quanto aos tratados de Direitos humanos, se
eles seriam recebidos como norma de hierarquia constitucional
ou, pelo menos, de hierarquia supralegal. O Supremo, todavia,
reafirmou aquela velha e tradicional jurisprudência,
especialmente em relação ao Pacto de São José, de que se
tratava de recepção também no plano da legislação ordinária.
Portanto, aplicando-se aqui o princípio da lex posterior
derogat priori, o princípio da lex specialis, a questão mais
sensível que ainda hoje se discute no Brasil e que está
reaberta no Plenário do Supremo diz respeito à prisão civil
por dívida do depositário infiel.
Entre nós há uma outra discussão que comporta
análise: a interpretação do art. 4º, parágrafo único. Se na
cláusula aqui constante haveria a possibilidade ou o
reconhecimento explícito ou implícito de um Direito
supranacional.
Alguns eminentes Professores, como Celso
Ribeiro Bastos, chegaram a sustentar essa possibilidade de
que aqui já haveria uma cláusula no símile europeu de uma
transferência de soberania ou algo assemelhado. Sabemos todos
que não tem sido esse o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, que continua também a exigir aqui – e há
manifestação expressa do Supremo Tribunal Federal nesse
sentido – uma adaptação pela via de uma emenda
constitucional. Daí a proposta clara feita no relatório.
Mas aqui já estamos a vislumbrar, portanto,
alguns espaços para discussão até no plano da eventual
revisão de orientação doutrinária e jurisprudencial.
Há uma outra questão sensível tocada em nosso
relatório, e já mencionada também no relatório antecedente da
Argentina, que diz respeito ao problema de controle de
legitimidade dos tratados. Entre nós tem-se entendido, com
grande naturalidade, o controle de constitucionalidade
incidental ou o controle de constitucionalidade concentrado,
pela via do controle abstrato, portanto, da ação direta de
inconstitucionalidade dos tratados, mesmo na perspectiva
chamada “a posteriori” ou “repressiva”. Sabemos todos que na
Europa, hoje, há um avanço significativo, em termos
institucionais, a ponto de já, em alguns sistemas, não se
admitir mais o controle de tratados a não ser na forma
preventiva. Já está levantada, também na doutrina brasileira,
uma discussão sobre a possibilidade de - e talvez aqui
prescindíssemos até mesmo de uma reforma constitucional,
tendo em vista esse longo processo de aprovação e
internalização dos tratados no âmbito interno -, também aqui,
adotarmos essa perspectiva, sem qualquer modificação. De
qualquer forma, no relatório, como vai ficar explicitado,
chega a propor, até mesmo, um controle preventivo para os
tratados devidamente formulados.
Em relação, portanto, a essas questões, temos
tanto a possibilidade de reformas explícitas, de reformas
constitucionais, quanto à revisão da própria jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal. Em relação àquela questão outra
já mencionada, do Tratado dos Direitos Humanos, o Congresso
Nacional acaba de aprovar uma emenda constitucional, a
chamada “Reforma do Poder Judiciário”, que altera, de certa
forma, esses tratados, um pouco na linha já realizada na
Argentina, e admite que os tratados de Direitos humanos,
aprovados nas duas casas na forma de uma emenda
constitucional - portanto, três quintos dos votos em dois
turnos de votação -, terão a força de uma emenda
constitucional. De qualquer sorte, esse tema, como tive
oportunidade de ressaltar, também está afeta ao plenário do
Supremo Tribunal Federal, especialmente no que diz respeito
ao Pacto de São José, à questão do depositário infiel, à
prisão civil por dívida.
Portanto, aqui, nós temos um panorama básico
das questões, tendo em vista as assimetrias verificadas e
detectadas. Com isso, eu posso a palavra ao Professor Jorge
Fontoura.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Com a palavra o Dr. Jorge
Fontoura.
O SENHOR PROFESSOR JORGE FONTOURA – Bom dia.
Nós iremos nos reportar, diante da natureza do
evento, diretamente ao relatório feito pelo grupo brasileiro,
que diz respeito ao modelo de disciplina constitucional da
hierarquia dos tratados com prevalência do ordenamento
jurídico interno. Esse modelo corresponderia à expectativa
da integração intergovernamental, que é o modelo brasileiro e
fundamentalmente o modelo uruguaio.
De fato, o ordenamento constitucional
brasileiro não prevê norma de prelação que regule confronto
entre lei federal e tratado antecedente ou posterior. A
leitura do texto constitucional brasileiro revela que,
paralelamente à referida ausência de normas, os tratados não
podem ser entendidos por intermédio de uma interpretação por,
eminentemente, analogia como possuidores de uma hierarquia
equiparada à lei federal - alínea “a” do inciso III do art.
105 -, sujeitos, portanto, ao controle de constitucionalidade
a que se referiu o Ministro Gilmar Mendes – alínea “b” do
inciso III do art. 102.
A pesquisa da jurisprudência do Supremo
Tribunal Brasileiro, relativa à questão da hierarquia dos
tratados, a hipótese da prevalência em situações de
confrontação entre lei e tratado, antecedente ou posterior,
revela, ao largo de sua história, sinais claros de que a
excelsa Corte entende, pelo menos em casos mais recentes, que
no caso do conflito prevalece a norma posterior. A falta de
regulamentação da disciplina hierárquica entre tratado e lei,
tomando-se por base, inclusive a Constituição de 1988 e das
anteriores, leva-nos a possibilidade de aplicação por
analogia e a compreensão de que o tratado se equipara à lei
com o necessário entendimento que seria possível afirmar que
a resposta diante do conflito seria buscada, de legi lata, no
§ 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, que
continua em vigor, e que diz respeito, também, ao aforismo
lex posterior derogat priori, também já citado no relatório
do grupo brasileiro.
Por ocasião do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 71.154, proveniente do Estado do Paraná,
começo dos anos 1970/1971, publicado no Diário da Justiça de
25 de agosto de 1971, de que foi Relator o Ministro Oswaldo
Trigueiro, tratou-se do tema da revogação da lei interna por
tratado posterior, mencionando o Ministro três precedentes de
primazia do tratado frente à lei anterior. Observe-se, com
relevância, para o tema sobre o qual agora nós refletimos,
que restava em aberto a possibilidade de que a lei posterior
também pudesse revogar um tratado anterior.
Posteriormente, por ocasião do julgamento
Recurso Extraordinário nº 80.004, proveniente do Estado de
Sergipe, 1977, publicado na Revista Trimestral de
Jurisprudência nº 83.809, de que foi Relator o Ministro Cunha
Peixoto, prevaleceu, por maioria, o critério de que a lei
posterior em conflito com o tratado prevalece sobre este, já
que não há um marco constitucional - preceito que determine
algum grau de hierarquia entre tratado e lei e vice e versa.
Na justificação do voto majoritário que a
Corte proferiu, entende-se que a supremacia do tratado entre
lei posterior só se dá no campo tributário. É uma
particularidade do Direito brasileiro, extremamente curiosa e
pouco conhecida nos demais países da América Latina. Por
força do art. 98 do Código Tributário Nacional - trata-se de
uma norma específica e não de um princípio de ordem geral -,
existe a obrigatoriedade da observância da hierarquia maior
do tratado em relação às normas internas.
Retornando ao tema central da revogação do
Direito interno pelo tratado, no Recurso Extraordinário nº
80.004, a questão voltou a ser discutida e o Relator
designado, Ministro Cunha Peixoto, faz um raciocínio de
natureza Kelseniana, pensa em relação às fontes dos diversos
ordenamentos jurídicos e conclui da seguinte forma:
A lei proveniente do Congresso
só pode ter a sua vigência interrompida se
viola alguma disposição da Constituição e
naquela – na Constituição – não há qualquer
art. que declare irrevogável uma lei positiva
brasileira pelo fato de ter a sua origem no
tratado. Do contrário, teríamos, e isso sim
seria inconstitucional, uma lei que poderia
ser revogada pelo Chefe do Poder Executivo,
através da denúncia do tratado.
A mesma linha de orientação seguiu o Ministro
Cordeiro Guerra, depois de observar que no próprio Direito
americano, onde se reconhece, ao tratar do caráter do
“supreme law of de land”, que não veda a posterior elaboração
legislativa contrário a ele.
Cumpre ainda citar, entre outros precedentes
relevantes do Supremo Tribunal Federal, que ao julgar o
Recurso Extraordinário nº 109.173, proveniente do Estado de
São Paulo, entendeu o Supremo Tribunal Federal que o tratado
não prevalece jamais sobre o texto constitucional. No voto
do Ministro-Relator, Ministro Carlos Madeira, lê-se o
seguinte:
Hierarquicamente o tratado e
lei se situam abaixo da Constituição Federal.
Aceitar que um tratado deve ser respeitado,
inclusive em sua possível confrontação como
texto constitucional é atribuí-lo, em uma
situação política, hierarquia superior à
própria Carta Política, a Constituição.
Conclui o Relator baseando-se em Carlos
Maxmiliano.
A constituição é a lei suprema
do país, contra a sua letra e o espírito não
prevalecem resoluções dos poderes federais,
constituições, decretos, sentenças federais,
nem tratados ou qualquer outros atos
diplomáticos.
O grupo brasileiro formula algumas
considerações finais, a título de conclusão, sugerindo a
harmonização, na medida do possível, dos textos
constitucionais brasileiros e uruguaios de acordo com as
reformas ocorridas no Paraguai em 1992, na Argentina em 1994,
de forma a que tais reformas permitam, explicitamente, que os
países deleguem competência e mesmo jurisdição a órgãos
supranacionais, ainda que com cláusulas de igualdade e
reciprocidade.
2. A definição hierárquica dos
tratados, por intermédio de normas de
primazia, que estabeleçam corretamente a
solução de potencial conflito entre tratado e
lei antecedente posterior.
3. O estabelecimento de
mecanismos institucionais de interação,
diálogo e, fundamentalmente, comunicação entre
os Poderes Executivo e Judiciário, desde que
haja possibilidade política e aprovação de
tratado que permita esse tipo de contato.
É importante destacar a possibilidade do
controle prévio de constitucionalidade para não permitir
antinomia entre tratado e constituição. É o procedimento
previsto na constituição portuguesa, em seu art. 278, ainda
que de observância facultativa. O mesmo ocorre na
constituição francesa, art. 54.
Essas idéias todas são importantes em função
das necessidades de modificações que devem ocorrer a partir
de um consenso da hegemonia das idéias sobre a mesma cultura
jurídica interna dos países.
Deixamos como mensagem final a idéia de que
não se faz integração sem se modificarem os livros e as
lições convencionais da escola primária. No sentido
jurídico, essas modificações sugeridas podem significar novos
livros para velhas escolas.
Por último, gostaria de fazer referência a uma
citação que tiramos de uma publicação, dos últimos anos 90,
dos Cadernos de Integração e Edições Técnicas do Senado
Federal, art. do Ministro Carlos Eduardo Caputo Bastos, que
faz a seguinte reflexão:
A consideração que se dá ao
tratado no ordenamento jurídico interno
reflete uma profunda atitude de cultura
jurídica. Um art. de constituição não muda,
necessariamente, a cultura jurídica; só a
evolução cultural conduz ao efetivo
aperfeiçoamento institucional e
constitucional.
Era isso que eu tinha a dizer, Senhor
Presidente.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL) – Muito obrigado.
Professor Luiz Roberto Barroso.
O SENHOR PROFESSOR LUIZ ROBERTO BARROSO –
Excelentíssimo Senhor Presidente, srs. Participantes, penso
que a matéria já tenha sido substancialmente esgotada pela
apresentação do Ministro Gilmar Mendes e do Professor Jorge
Fontoura, de modo que vou apenas, e muito sumariamente,
tentar reduzir à proposições objetivas as idéias que foram
aqui expostas.
Basicamente há uma fotografia do que é e uma
proposta para o que deve ser.
Na fotografia do que vem a ser o Direito
brasileiro hoje, as relações entre o Direito internacional e
o Direito interno se colocam, em termos de tratado e lei
ordinária, pela prevalência que se tem reconhecido ao
sistema de equiparação entre a lei ordinária e o tratado, de
forma tal que a lei ordinária posterior prevalece sobre o
tratado, e o tratado posterior prevalece sobre a lei
ordinária, salvo em matéria tributária e salvo em matéria de
transporte aéreo, terrestre e aquático. Portanto, há uma
situação, no Brasil, em que não se dá primazia ao Direito
internacional sobre a lei ordinária.
No tocante as relações entre o Direito
internacional e a Constituição, também se tem, por consenso
no Brasil, que prevalecem as normas constitucionais, sendo
inclusive admitido o controle incidental de
constitucionalidade sobre os tratados e, também, o controle
por ação direta sobre os tratados. Portanto, uma situação
que denota uma assimetria clara em relação a situações
vigentes na Argente e no Paraguai.
O Ministro Gilmar Mendes, ao tratar
inicialmente da questão da supranacionalidade, fez
referência à potencialidade oferecida pelo texto
constitucional brasileiro atual, na redação que é dada ao
parágrafo único do art.4º, onde se lê:
“Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”
É perfeitamente possível, com uma
interpretação criativa deste dispositivo, defender a
legitimidade constitucional do Brasil da criação de
instituições supranacionais. A verdade, todavia, é que o
dispositivo constitucional está longe de ser explícito e,
portanto, estaremos sujeitos, diante da criação de
instituições supranacionais, a questionamentos relativamente
às normas aprovadas por essa instituição, porque o art. 49
da Constituição brasileira exige a aprovação pelo Congresso
Nacional e, assim, teríamos uma dificuldade constitucional
que teria de ser dirimida relativamente à legitimidade de
atos normativos produzidos por instâncias supranacionais
quando internados à luz desse preceptivo constitucional do
art. 49.
E relativamente a instâncias judiciais ou
instâncias decisórias, no âmbito de instituições
supranacionais, também enfrentaremos, ou enfrentaríamos em
tese, a dificuldade da exigência constitucional no Brasil de
homologação das sentenças estrangeiras hoje pelo Supremo,
possivelmente, logo adiante, pelo Superior Tribunal de
Justiça.
Em resumo, penso que a criação de instituições
supranacionais, ainda quando possa encontrar fundamento de
legitimidade no parágrafo único do art. 4º, possivelmente
enfrentaria objeções doutrinárias e, eventualmente,
jurisprudenciais, que melhor seriam sanadas, se por emenda à
Constituição, na linha do que já foi feito na Argentina e no
Paraguai, espantasse qualquer tipo de dúvida a cerca desta
matéria.
Assim, relativamente às instituições
supranacionais, há fundamento de Direito positivo apto a
procurar legitimá-las, mas, certamente, seria uma opção mais
segura a de se reformar a Constituição para, claramente, se
dar substrato de legitimidade para essa mudança; e, aí,
registrado o acréscimo feito no relatório do Professor Jorge
Fontoura, endossado pelo Ministro Gilmar Mendes, em que,
esta sim, seria uma inovação no Direito brasileiro e que,
talvez, se precisasse de uma emenda a Constituição, é a
possibilidade de controle prévio desses tratados e desses
atos internacionais de modo a não sujeitar a sua validade, a
posteriori, depois de sua vigência a pronunciamentos
jurisdicionais internos.
Assim, Senhor Presidente, dito de forma
sumária, a Direito brasileiro hoje não consagra a primazia
do tratado internacional; o Direito brasileiro hoje coloca o
tratado internacional abaixo da Constituição; o Direito
brasileiro hoje fornece algum substrato, mas não suficiente,
para a criação de instituições supranacionais.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Muito obrigado ao Grupo
Brasileiro, e farei uma observação antes do encerramento.
A experiência que tive, junto ao Congresso
Nacional, mostra que o problema no Brasil, no que diz
respeito à hierarquia dos tratados, está intimamente
vinculado à questão da manifestação da vontade internacional
do País. No nosso sistema, quiçá parecido com alguns dos
senhores, o tratado é gerenciado, exclusivamente como não
poderia deixar de ser, com o Poder Executivo. E ao levar ou
ser enviado os tratados, firmados pelo Poder Executivo, ao
Congresso Nacional, ele não pode emendar os tratados, porque
a vontade internacional do País manifestou-se diretamente na
mesa de negociações internacionais. Com essa circunstância,
há uma exclusão do Poder Legislativo brasileiro na
manifestação da vontade internacional do País. Daí por que o
Congresso reage a qualquer tipo de prevalência do tratado à
lei ordinária, tendo em vista que na lei ordinária ele,
Congresso Nacional, tem participação absoluta, ao passo que
no tratado ele é relativamente excluído.
Esse é o grande problema político no Brasil.
Lembro-me que, em 1989, um dos maiores Embaixadores que já
conheci no Brasil, o Embaixador Paulo Nogueira Batista,
quando assessorava o Dr. Ulisses Guimarães na Presidência da
Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados,
havia sugerido uma fórmula pela qual pudesse haver uma
permeabilidade no sentido da participação dessa própria
Comissão na discussão da manifestação da vontade. Creio que,
se no Brasil não resolver o problema da relação Executivo-
Legislativo na formação da vontade internacional,
dificilmente o Congresso Nacional cederá espaços, porque
corresponderia a outorgar poderes ao Executivo,
independentemente da participação mais substancial do Poder
Legislativo a essa a questão política.
Em 1993, eu próprio propus, quando da revisão
constitucional, que os textos que fossem produzidos por
organismos internacionais no qual o Brasil tivesse aderido
como tratado, que esses textos viessem a ter vigência
interna no Brasil, independentemente da participação do
Congresso Nacional. E o Congresso revisou, naquela época,
rejeitando, sendo que eu obtive somente sessenta votos dos
quatrocentos votos necessários.
Ou seja, é importante ter presente que a
questão não é exclusivamente jurídico-doutrinária, é uma
questão política de extraordinária relevância, tendo em
vista o tema básico do pluralismo democrático. Nós estamos
num Estado plural-democrático e, portanto, esta
circunstância bate junto ao Congresso Nacional.
Observem que agora se consegue, com aprovação
do Senado Federal e será promulgada no dia 08 de dezembro, a
reforma chamada Reforma Constitucional do Poder Judiciário.
Ela tem dois dispositivos, sendo que, num deles, resolve a
questão da discussão estabelecida sobre os tratados dos
Direitos humanos, na leitura do texto primitivo, no texto da
Constituição, § 3º, estabelecendo que esse texto, uma vez
aprovados os tratados em três quintos, ou seja, adotado, na
aprovação do tratado, o rito da lei da emenda
constitucional, ele ingressará no Brasil como emenda
constitucional. Agora, não aprovado por esse rito, entra
como lei ordinária; e somente a alteração constitucional é
que poderia compor o problema da prevalência da lei
ordinária. Mas, para aprovar isso no Congresso, é necessário
rever-se paralelamente a forma, digamos, do acerto
internacional em relação aos tratados, ou seja, há que
estabelecer um entendimento do Poder Executivo com o Poder
Legislativo. O Poder Legislativo dificilmente concordará com
qualquer manifestação em que a formação da vontade do País
fique na mão exclusiva do Poder Executivo. Tenho longa
experiência disso, pelo menos durante os oito anos em que
integrei o Congresso Nacional.
Havia, meu caro Embaixador Pericás, uma reação
muito forte da burocracia do Itamaraty a qualquer
participação do Congresso Nacional. E Vossa Excelência sabe
que isso é, também, uma discussão de Poder, em relação à
possibilidade ou não da integração, nesta formação de
vontade, dos membros do Congresso Nacional.
Se não enfrentarmos esse assunto com clareza,
não há dúvida. E eu elogio, com transparência, a
manifestação do Grupo, quando disse que a conveniência
política, nos tratados, é que haja o controle prévio da
constitucionalidade e não o controle a posteriori da
constitucionalidade para efeitos de fazer com que,
efetivamente, a vontade do País se manifeste de forma
definitiva e independa de composições ou mutações de
composição da Corte Suprema, sob pena de nós negociarmos
internacionalmente e, depois, dali a dez anos, alguém
resolve dizer que essa situação mudou porque a sua formação
jurídica se deu em outros pendores que não aquele do momento
do nascimento. E nós precisamos fugir a essa insegurança que
possa decorrer, digamos, do autonomismo e do voluntarismo da
doutrina na condução das questões nacionais e
internacionais.
Vamos suspender os trabalhos por quinze
minutos e, depois, retornaremos imediatamente.
(PAUSA PARA COFFEE BREAK)
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Estão reiniciados os trabalhos.
Agora, ouviremos a exposição que será feita
pelo Senhor Vice-Presidente da Corte Suprema de Justiça do
Paraguai, Dr. José Raúl Torres Kirmser, que falará por quinze
minutos.
No prosseguimento do Grupo Paraguaio, falará o
Professor Dr. Roberto Ruiz Díaz Labrano.
Com a palavra Vossa Excelência.
O SENHOR MINISTRO JOSÉ RAÚL TORRES KIRMSER
(VICE-PRESIDENTE DA CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DO PARAGUAI) -
Com justificada honra e muito prazer, assistimos a esse
Segundo Encontro de Cortes Supremas dos Estados-Partes e
Associados do Mercosul, realizado na capital da República
Federativa do Brasil, uma cidade que prova a fé, a imaginação
e a tenaz vontade empreendedora desse povo ativo,
protagonista, na América, do presente no qual vivemos e
promotor rigoroso da compreensão dos nossos sonhos e ideais
frente aos desafios do Século XIX.
Vou me referir ao tema das assimetrias
constitucionais. Segundo questionário que nos foi entregue,
são formuladas as seguintes considerações e perguntas: é
possível a criação de instituições supranacionais ou os
modelos constitucionais só permitem a consecução do Tratado
de Assunção, limitado pela natureza intergovernamental do
bloco? É possível que prevaleçam as normas produzidas pelos
órgãos do Mercosul em confronto com os ordenamentos jurídicos
nacionais?
No nosso Grupo, somos dois. Vou me referir ao
primeiro questionamento e, depois, o Dr. Roberto Ruiz Díaz
Labrano continuará com a seguinte exposição.
Ou seja, reiterando, os problemas que podem
ser apresentados pelas assimetrias constitucionais dos
Estados-Partes são, na aplicação do Direito comunitário,
problemas de ordem de prelação e, na criação de órgãos
constitucionais, por razões de assimetria constitucional.
No primeiro ponto, a nossa Constituição
Nacional não oferece nenhum inconveniente. A norma do art.
137 da Constituição paraguaia estabelece taxativamente que a
lei suprema da República é a Constituição. Está nos tratados,
convênios internacionais, aprovados e ratificados, as leis
ditadas pelo Congresso e outras disposições jurídicas de
hierarquia inferior sancionadas e, como conseqüência,
integram o Direito positivo nacional na ordem de prelação
enunciada. Quem quiser mudar tal ordem, à margem dos
procedimentos previstos na Constituição, incorrerá nos
delitos que serão tipificados e penalizados através da lei.
Esta Constituição não perderá a sua vigência nem deixará de
ser observada através de atos de força ou através de outros
meios diferentes daqueles que são dispostos através dela.
Carecem de validade todas as disposições ou atos de
autoridades opostos àquilo estabelecido pela Constituição. De
tal forma, essas normas são claras em relação à prelação, aos
tratados, em relação às leis nacionais, sempre que elas sejam
ratificadas e aprovadas através do Parlamento Nacional.
Em relação ao tema da criação de órgãos
supranacionais, trataremos um pouco da História e, de tal
forma, observaremos as disposições que foram sendo criadas
para o progresso, nos últimos anos, desde a assinatura do
Tratado de Assunção.
Os representantes das Cortes Supremas de
Justiça do Paraguai, Argentina e Uruguai assinaram no mês de
setembro de 1997 a Carta de Ouro Preto, na qual foi feita a
recomendação de que os Estados que fazem parte do Mercosul
constituíssem uma Corte de Justiça supranacional, para que
aplique, interprete e unifique a jurisprudência do Direito
Comunitário. Naquela oportunidade, foi dito que, se o Brasil
decidisse se juntar à idéia, o Governo teria que promover a
reforma constitucional através do voto majoritário do
Congresso.
Os representantes das máximas instâncias
jurídicas do Paraguai, Argentina e Uruguai recomendaram um
tribunal supranacional, que decidiria, com caráter
vinculante, as controvérsias comerciais, diplomáticas e
fiscais.
No Quinto Encontro de Cortes Supremas do Cone
Sul, os representantes do Brasil, compreendendo as áreas
jurídica e administrativa, expressaram que prefeririam um
mecanismo de arbitragem para solucionar controvérsias nos
assuntos nos quais o Mercosul não necessitasse de um tribunal
supranacional. Então, o Ministro da Justiça deste País
renomado assinalou, nesse Encontro de Magistrados Judiciais,
que a decisão do Brasil sobre esse ponto não seria revisada,
por enquanto, pois considerava, todavia, muito prematuro
instaurar esse órgão supranacional.
Temos de lembrar que o Paraguai foi o primeiro
País do Mercosul que, na sua Constituição de 1992, consagrou
uma ordem jurídica supranacional. O art. 145 expressa essa
norma. A República do Paraguai, em condições de igualdade com
outros Estados, admite uma ordem jurídica supranacional, que
garanta a vigência dos Direitos humanos da paz, da justiça,
da cooperação e do desenvolvimento político, econômico,
social e cultural. Essas decisões somente poderão ser
adotadas através de maioria absoluta de cada uma das Câmaras
do Congresso.
Depois, tomou o mesmo caminho a República
Argentina, através da reforma constitucional de 1994. Entre
as atribuições do Congresso foi incluído: aprovar tratado de
integração que delegue competências e jurisdições a
organizações supra-estatais, em condições de reciprocidade e
igualdade, que representem a ordem democrática e os Direitos
humanos. As normas ditadas em conseqüência disso possuem
hierarquia superior àquela das leis.
Abordando o tema das assimetrias em matéria
constitucional, devemos assinalar que a Carta Magna do Brasil
preceitua, no seu art. 1º, o seguinte:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamento:
I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa; V - o pluralismo político.”
O art. 4º da Constituição deste País, em
vigoroso e promissor crescimento, estabelece o seguinte:
“Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos Direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao
racismo; IX - cooperação entre os povos para o
progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único – A República
Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”
A Constituição Uruguaia, neste tema, consagra
no seu art. 6º:
“Art. 6. En los tratados internacionales que celebre la República propondrá la cláusula de que todas las diferencias que surgan entre las partes contratantes, serán decididas por el arbitraje u otros medios pacíficos.
La República procurará la integración social y económica de los Estados Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas. Asimismo, propenderá a la efectiva complementación de sus servicios públicos.”
Esse art. nos leva, necessariamente, à
seguinte pergunta: aceita ou não a superlei da nobre pátria o
princípio da supranacionalidade? Esse é um ponto que é muito
debatido neste País. Existem vários constitucionalistas
respeitados que dão opinião sobre isso. Eles entendem que o
texto da Constituição deverá ser reformado para que este País
possa aceitar decisões provenientes de organismos
supranacionais.
O ilustre jurista Dr. Héctor Gros Espiel nos
explica o seguinte: em especial as questões referentes à
integração dos Estados Latino-americanos supõem uma
necessária relação internacional e, conseqüentemente, é
admissível que o respeito venha, em certos casos, das
decisões dos órgãos internacionais, criados em virtude de
tratados ou convenções regularmente ratificados, que tenham
aspecto erga omnes de forma direta.
O ex-Chanceler uruguaio adverte que, para que
seja possível a existência de órgãos internacionais não-
integrados por representantes uruguaios e cujas decisões
sejam obrigatórias em terras uruguaias, é necessário um
ajuste constitucional. Diz também: no meu conceito, o art.
6º, inciso II, da Constituição da República, habilita a
existência de um Direito constitucional, permitindo que os
órgãos públicos internos do Estado - o Poder Executivo que
tem competência de subscrever tratados e o Poder Legislativo
que tem o poder de ratificar os tratados - possam comprometer
o Uruguai como membro de um organismo supranacional, como
neste caso do Mercosul.
Evocamos, depois disso, que a Carta de Ouro
Preto chegou às seguintes conclusões:
Em primeiro lugar, que o processo de
integração do Mercado Comum do Sul, assim como as demais
outras regiões, começou a partir de fatores econômicos e foi
orientado em direção à troca de bens e serviços para
conseguir também uma união entre as fronteiras, para que, com
isso, tenham uma forma de consolidar e regular os movimentos
da área cultural, social e econômica, a fim promover uma
integração cultural, e é nesse campo que é indispensável o
desenvolvimento do Direito comunitário.
As recomendações provenientes da Corte Suprema
de Justiça do Cone Sul, sem prejuízo do uso de meios
pacíficos de alta composição na resolução das controvérsias.
Esses foram os pontos em que houve uma coincidência entre os
participantes do Primeiro Congresso Internacional de Direito
Comunitário, através de uma iniciativa da Escola
Internacional da Magistratura do Brasil e do Instituto
Interamericano de Estudos Jurídicos sobre o Mercosul, levando
em consideração a necessidade de aprofundar a integração no
Mercosul, tendo em vista os bons resultados obtidos e, por
outra parte, as carências comprovadas e assinaladas em tal
Congresso.
A Carta de Ouro Preto faz a seguinte
recomendação: adequação das normas constitucionais dos
Estados-membros com o objetivo de assegurar a supremacia do
Direito comunitário.
Depois disso, o professor Dr. Ruiz Díaz
continuará com a exposição.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Passo a palavra ao Professor
Roberto Ruiz Díaz Labrano.
O SENHOR PROFESSOR ROBERTO RUIZ DÍAZ LABRANO
– Vou continuar a exposição do Senhor Ministro, tentando
esclarecer alguns pontos.
Não só o Paraguai tem problemas de assimetrias
constitucionais, mas também, num enfoque de grande
apreciação, os conflitos que são gerados na interpretação das
normas constitucionais, segundo alguns, impedem o progresso
maior da integração entre os povos.
O primeiro ponto que pensei depois de escutar
as exposições que ouvi é o fato de que evidentemente existe
uma percepção de obstáculo de ordem constitucional para o
progresso da integração. Existe a percepção de que algumas
constituições devem ser reformadas ou precisão de alguns
ajustes. Hoje, escutei um comentário importante, em que o
principal obstáculo para a superação do problema, que
significa essa questão da hierarquia na aplicação dos
tratados frente às leis na ordem jurídico-constitucional
brasileira, é um tema de caráter político. Acredito que isso
é muito relevante e deve ser muito levado em consideração
durante essas reuniões.
A evolução do Direito e a evolução do Direito
Constitucional necessariamente requerem também levar em conta
o que aconteceu com os povos em geral durante esses tempos em
que vivemos. Existe uma nova realidade, um constitucionalismo
novo, existe uma nova relação entre os povos que não admitem
interpretações dogmáticas, inclusive no Direito
Constitucional. Aquelas velhas regras estabelecidas em função
de outras realidades, onde a soberania dos povos era assumida
como critério absoluto, no sentido de que qualquer concessão,
mesmo que fosse parcial, de competência ou de funções,
implicava num atentado à soberania. Isso não existe mais. O
Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai participam de
organizações internacionais. A Organização Internacional do
Comércio é uma realidade. O Mercado Mundial é uma realidade.
O constitucionalismo não pode ficar longe dessa realidade.
Essa integração é parte da nova realidade com a qual deve ser
olhado o constitucionalismo dos nossos povos.
Já foi dito aqui que, na região, temos duas
pirâmides – isso foi dito pela Ministra Argentina - que a
doutrina interpreta, mostrando o nível que ocupam os tratados
frente às leis nos respectivos ordenamentos políticos,
constitucionais de cada um dos povos da região. Alinhados na
impossibilidade da primazia, pelo menos numa interpretação
categórica dos tratados internacionais sobre as leis,
estariam a Argentina e também o Paraguai, no sentido de que,
para as nossas Constituições, através das modificações que
foram realizadas de 1994, na Constituição Argentina, no seu
art. 74, inciso XXIV, e complementada com o inciso XXII de
tal Constituição, o problema, que já tinha sido resolvido
pela jurisprudência, o da hierarquia superior e dos tratados
sobre as demais leis nacionais, não admitia discussão.
Na ordem jurídica do Paraguai, está
explicitado no art. 137 da Constituição Nacional, que a
prevalência desses tratados sobre as leis nacionais. A
dificuldade que vamos encontrar quando fazemos essa
interpretação constitucional está centrada na Constituição
brasileira.
Aqui, chegamos a uma análise que deve ser
feita necessariamente. Para a interpretação da Constituição
brasileira, é possível pensar que ela ignora que as relações
internacionais, hoje em dia, estão absolutamente
privilegiadas no contexto das relações internacionais de
Estado? É claro que não. Como conseqüência disso, essa
opinião sobre o obstáculo político é o verdadeiro obstáculo
para o progresso no sentido da interpretação sobre a
prevalência dos tratados de ordem constitucional brasileiro,
segundo acredito. Basta observar alguns dos princípios que
devemos partir para interpretar qual é a posição desta
Constituição de 1988.
Essa Constituição de 1988, no seu art. 4º,
utiliza alguns princípios que não teriam explicação, ou não
teriam aplicação na sua integridade se não fosse observada
uma certa prevalência de uma ordem hierárquica em função dos
tratados em relação à ordem interna. Utiliza alguns
princípios tais como aqueles vinculados à cooperação, utiliza
princípios vinculados à igualdade entre os Estados. E como
poderia existir igualdade entre os Estados se o Estado
brasileiro não levasse em consideração a reciprocidade de
igualdade daquele Estado que está diante dele? Esse tipo de
relação se modifica através dos tratados internacionais.
Outra coisa importante que impõe a
interpretação normativa constitucional é que existem dois
enfoques prioritários: o primeiro, que a norma posterior
derroga a norma anterior, aplicada a Constituição. Na ordem
jurídica constitucional brasileira teríamos que uma lei do
Poder Legislativo poderia derrogar eventualmente um tratado
internacional. Mas temos outro princípio no qual a lei
especial prevalece sobre a lei de caráter geral. Nesse ponto,
encontramos um sustento para a prevalência ou a interpretação
da prevalência da ordem jurídica emanada dos tratados frente
às leis nacionais. Por quê? Porque os tratados possuem um
conteúdo de natureza especial. São vinculados a relações
internacionais específicas. São vinculados a aspectos
contidos num tratado no qual a relação é claramente
específica. Que lei nacional poderia, sem afetar também a
ordem constitucional, introduzir-se nesse aspecto da relação
de caráter internacional?
Estou falando muito sobre a ordem
constitucional brasileira, mas estou fazendo isso numa
posição interpretativa. O que queremos dizer aqui é que
evidentemente um tratado internacional obedece a uma
categoria de natureza especial, que prevalece sobre qualquer
norma de caráter geral, e é difícil encontrar, numa norma
interna, um equivalente ou uma norma interna que se refira a
aspectos especiais dos quais se ocupa o Direito
Internacional.
A questão da prevalência, como conseqüência,
pode evoluir através da interpretação das respectivas cortes
supremas de toda parte. É evidente que nos quatro Estados-
Partes a ordem hierárquica constitucional, evidentemente é
hierarquicamente superior aos tratados e às leis.
Foi dito aqui que o mais importante é a
vontade política, mas acredito que a vontade política e a
realidade na qual vivemos hoje refletem o mundo atual. É
realidade que necessitam o mundo ocidental, ou seja, a
Argentina, o Brasil, o Uruguai, o Paraguai, para se inserir
dentro do contexto das nações, a fim de poder agir nesse
mundo globalizado, requer uma interpretação constitucional
que obedeça a modificações, a transformações dos tempos
atuais.
Achamos que isso vai acontecer, como nós
pudemos observar no processo de integração do Mercosul. Esse
processo nos mostrou claramente como essa vontade política
foi cedendo no sentido de ampliar o contexto no qual se
poderia interpretar, que se poderia desenvolver o processo de
integração do ponto de vista normativo.
Os princípios encontrados nas constituições
nacionais podem ser tratados a partir do seguinte: as
constituições nacionais falam de igualdade, geralmente com um
critério próprio, na Constituição argentina, na Constituição
paraguaia, na Constituição brasileira e também na uruguaia.
Como condição para que os tratados internacionais tenham
sustentabilidade.
Outro princípio introduzido na Constituição
argentina de 1994 é a reciprocidade.
E outro princípio contido na Constituição
paraguaia, explicitamente, é o de cooperação internacional.
Vimos também que os quatros Estados, quando se trata de
Direitos humanos, têm uma tendência às reformas
constitucionais ou a admitir, como interpretação normativa
constitucional, que esses tratados e convênios
internacionais, vinculados aos Direitos humanos, têm uma
hierarquia superior em relação às leis.
Outro elemento que aparece também para
sustentar a existência de um ordenamento jurídico de tipo
supranacional é o da integração, que aparece nas
Constituições dos quatros Estados, porém, aparece de forma
diferente. É notável a diferença que existe no modo em que
concebe a Constituição argentina ao se referir aos órgãos
supra-estatais. A Constituição paraguaia se refere a
ordenamentos jurídicos supra-estatais. A Constituição
argentina, portanto, parte da criação do órgão que criará
aquele ordenamento jurídico, hierarquicamente superior ao
ordenamento interno. A Constituição paraguaia parte do
princípio que necessariamente reconhece a sua participação na
comunidade internacional, numa ordem de igualdade com outros
Estados. Em sua atuação internacional, reconhece uma ordem
jurídica supranacional. A partir disso se dá a possibilidade
de criação dos órgãos.
Nós não vemos nisso um obstáculo substancial
na Constituição uruguaia e, tampouco, na Constituição
brasileira. Existe um obstáculo político que deve ser
harmonizado e compreendido, porque, se não entendermos essa
realidade, dificilmente vamos superar esse obstáculo que
talvez esteja impedindo que a região se ajuste ao tempo que
necessita para o seu relacionamento internacional.
Muito obrigado.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – A partir desse
momento ouviremos a palavra do Ministro Leslie Van Rompaey
Servillo, Presidente da Corte Suprema do Uruguai.
O SENHOR MINISTRO LESLIE VAN ROMPAEY SERVILLO
(PRESIDENTE DA CORTE SUPREMA DO URUGUAI) – Obrigado, Senhora
Vice-Presidente, estimados Colegas.
Na colocação desse problema, partimos da
premissa de que o Mercosul é um processo intergovernamental,
por decisão dos Estados-Partes. Se isto resolvesse - é um
passo grande no processo de integração -, então se acarretará
um problema para a divisão jurídica do Mercosul, que está
constituída precisamente pelas assimetrias constitucionais
dos Estados-Partes na hora da aplicação direta do Direito
comunitário ou a criação do órgão supranacional.
Estou sendo um pouco repetitivo. A
Constituição argentina é mais clara nesse sentido a partir de
1994, autorizando a delegação de competência e jurisdição a
organizações super-estatais em condições de reciprocidade e
de igualdade. Também é favorável a Constituição do Paraguai,
no art. 145, ao admitir uma ordem jurídica supranacional.
Os textos constitucionais da República do
Uruguai e do Brasil mostram enunciados genéricos e
pragmáticos; mas, no meu ponto de vista, de nenhuma forma,
pelo menos no caso do Uruguai, obstaculizam o desenvolvimento
dos processos de integração.
Portanto, numa primeira observação da situação
dos quatro Países membros do Mercosul, sugere uma aparente
falta de harmonia entre os regimes constitucionais de cada um
deles, classificando-se em dois grupos: o primeiro, integrado
pelo Paraguai e Argentina, contempla, fundamentalmente, a
supremacia dos tratados, com suas leis nacionais, e, por
outro lado, tem posições especiais para facilitar os
processos de integração regional. Os regimes respectivos de
ambos os Países demonstram as mesmas modalidades.
O segundo grupo de Estados seria o Brasil e o
Uruguai. Países cujas Cartas Magnas não prevêem esse tema
constitucional mencionado, pelo menos expressamente para seus
dois sócios do Mercosul. O art. 4º da Constituição brasileira
determina que a República Federativa do Brasil buscará a
integração econômica, política, social e cultural dos povos
da América Latina, aprovando a formação de uma comunidade
latino-americana de nações. A Constituição, entretanto, não
prevê normas explícitas em matéria de integração que
facilitem esse tipo de processo. Está se modificando a ordem
de prelação das normas internas, dando a possibilidade a
órgãos internos para delegar faculdades ou estabelecendo um
procedimento para aliviar a incorporação das normas
provenientes de decisões tomadas por uma estrutura regional.
No caso do Uruguai, a nova Constituição fala
do tema no art. 6º, que estabelece que a República procurará
a integração social e econômica dos Estados da América
Latina, especialmente no que se refere à defesa comum dos
seus produtos e matérias-primas que compreenderá a efetiva
complementação dos serviços públicos.
O art. 168 estabelece que compete ao Poder
Executivo a inscrição dos tratados, que faz acordo com o 85
da Assembléia Geral, que deverá aprovar os tratados
celebrados pelo Poder Executivo, e art. 139, quando se refere
às competências da Suprema Corte em questões relacionadas com
os tratados, pactos e convenções.
Nenhuma dessas normas constitucionais indica
como aplicar o Direito de origem internacional no Direito
interno nem com que hierarquia se incorpora no Direito
interno uruguaio.
A observação dos textos constitucionais de
ambos os países demonstra uma situação não muito favorável a
uma total integração nem da primazia dos tratados sobre o
texto constitucional. Então, o problema pode ser superado a
partir de uma interpretação dinâmica dos próprios textos
constitucionais e principalmente através da aplicação da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, seguindo a
jurisprudência mais moderna da matéria.
As assimetrias constitucionais entre os países
do Mercosul não são, no nosso juízo, um obstáculo para o
processo de integração. No Paraguai e na Argentina, as
Constituições nacionais estabelecem a supremacia dos tratados
internacionais sobre a lei doméstica. No Brasil, ou pelo
menos, na minha opinião, claramente no Uruguai, pareceria que
os efeitos dos primeiros poderiam ser modificados como
conseqüência das sanções de leis nacionais.
De acordo com essa visão, mesmo sem ter uma
convergência de princípios constitucionais, seria muito
difícil avançar num processo de integração, especialmente no
processo da soberania.
Enfatizar esse caráter constitucional parece
uma intimidação se é feita uma reforma na norma
constitucional. A magnitude política do desafio parece
difícil. Gostaria de ressaltar que no Uruguai as reformas
constitucionais sempre estiveram vinculadas às questões de
índole eleitoral, ou urgentes necessidades políticas da
condução do governo e da administração do Estado. Seria muito
difícil, no Uruguai, conseguir uma reforma constitucional
dirigida especificamente para a possibilidade de criação de
um organismo supranacional ou da aplicação direta da
normativa dos organismos comunitários.
Mas essa visão, entretanto, não esclarece a
questão. Existem mecanismos políticos e legais por meio dos
quais podemos adotar procedimentos que permitam a
excepcionalidade das normas se aplicar em casos particulares.
Em vários países europeus existe um conflito semelhante entre
as constituições nacionais e o processo de integração, com um
conteúdo muito mais supranacionais que no caso do Mercosul.
Aqueles que foram resolvidos como engenharia jurídica e
vontade política.
Os impedimentos constitucionais não podem ser
absolutos, mesmo que, ao ser apresentados, sirvam para
ocultar o verdadeiro aspecto quanto a isso. Ou seja, a falta
de vontade política para encontrar uma resposta adequada para
problemas como tais.
O mesmo critério poderia ser aplicado a outros
âmbitos, com relação as dificuldades de internalização da
normativa aprovado pelos órgãos do Mercosul. Nessa área, foi
sugerido que a adoção de mecanismo semelhante à via rápida
utilizada pelo Congresso norte-americano para autorizar
acordos internacionais poderia facilitar a tarefa de
internalização quando necessário um ato legislativo nacional.
Eu fazia referência à contribuição da
jurisprudência da Suprema Corte da nação Argentina, mas não
vou reiterar porque já foi exposto pela nossa Colega.
Vou falar a respeito da evolução operada no
mundo, em matéria de integração de grandes espaços
econômicos, quando se trata do fenômeno que Capereti
considerou como a dimensão transnacional do Direito e da
Justiça. O Direito Internacional, na atualidade, tem valor
subentendido à primazia da ordem internacional sobre a
interna, pelo qual é improcedente invocar as internas como
justificativa do não-cumprimento dos tratados internacionais
(arts. 26 e 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados).
De alguma forma, nas normas constitucionais
muitos países, como a Argentina, Chile, Paraguai e Colômbia,
reconhecem, no texto expresso, a supralegalidade e a
constitucionalidade dos tratados está inserida nessa linha.
As constituições que não prevêem essa questão, como a
uruguaia, isso é feito então na ratificação da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados. Esse critério que, em
princípio se refere apenas a tratados ratificados, fica
acentuado no âmbito dos Direitos humanos, com relação aos
quais sustenta a eficácia dos instrumentos nacionais
específicos inclusive com independência da sua ratificação.
Temos exemplos na Declaração Universal dos Direitos Humanos
das Nações Unidas, de 1948, e na Declaração Americana de
Direitos e Deveres do Homem, do mesmo ano.
Os tratados são fontes de Direito
Internacional, de acordo com o que foi estabelecido no art.
38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e, portanto,
devem ser respeitados pelos países que o ratificam, sejam
quais sejam os seus regimes constitucionais. Tanto o Brasil
quanto o Uruguai ratificaram o Tratado de Assunção, e a
Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados foram
ratificados pelo Uruguai: e, no âmbito internacional, em
grande parte as suas normas são Direitos consuetudinários.
Esta última convenção dispõe os seus membros pelos princípios
do livre consentimento e da boa-fé, em um pacto onde estão
universalmente reconhecidos. Os art.s 26 e 27 estabelecem que
todo tratado em vigência obriga as partes, devendo ser
cumpridos de boa-fé; e que o Estado Parte, em um tratado, não
poderá invocar a disposição do seu Direito interno como
justificativa de não-cumprimento do tratado. Essas normas
demarcam o princípio da irreversibilidade do princípio
comunitário, significando que, juridicamente, não podemos
voltar atrás. Não está permitido colocar novamente os
compromissos que já foram assumidos e os setores que já
passaram pela autoridade da comunidade.
Então, no momento em que se prepara para
ratificar os tratados, cada Estado deve resolver, então, os
problemas do tipo constitucional. Cada um é dono da solução,
mas, uma vez que foi aceito o compromisso nacional com toda
liberdade, existe aqui um fato histórico sobre o qual não é
possível mais voltar atrás. Opõe-se à boa-fé dos tratados
internacionais que um Estado-membro ou uma das suas
autoridades, por exemplo, na jurisdição, tenta colocar em
dúvida os compromissos aceitos, invocando obstáculos
constitucionais. Portanto, depois de ser ratificado o
instrumento internacional pelos Estados, existe uma ordem
jurídica supraconstitucional e supranacional que deve ser
cumprida também na ordem interna pelos juízes.
Como entendemos a respeito do Uruguai, nós
vimos que a Argentina e o Paraguai já resolveram o problema
nos seus textos constitucionais. Não é necessário reformar a
constituição, mas, sim, aplicar o Tratado de Assunção de
forma congruente com ele, harmonizando a interpretação e a
aplicação nos Direitos internos, de acordo com o que temos na
normativa internacional e na moderna jurisprudência e
doutrina com relação a esse tema.
Muito obrigado.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Muito obrigada,
Ministro Leslie.
A partir de agora, senhoras e senhores,
iniciaremos uma faze de debates que tem início com
precedência para os próprios integrantes da Mesa. Na
seqüência, a preferência se dá aos nossos observadores.
Depois disso, então, aberto ao público em geral o
questionamento.
Portanto, passo a palavra, inicialmente, ao
Ministro Gilmar Mendes, para que encaminhe aos demais
integrantes da Mesa um primeiro questionamento.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) – Sem dúvida, nós vimos aqui as múltiplas
perspectivas que o tema suscita e os esforços que vêm sendo
feitos, no âmbito de todos os países, para encontrar as
adequadas soluções.
No que diz respeito ao grupo de trabalho
brasileiro, já manifestamos aqui a preocupação com avanços
institucionais. Foram apontados déficits claros e
possibilidade de solução. Estamos, todavia, também
conscientes – e este é um outro ponto que ficou claro no
relatório brasileiro – de que ainda estamos distantes da
produção de um Direito supranacional, embora, em alguns
sistemas, especialmente no sistema argentino, já haja autores
que falam na existência de um Direito supranacional. Também
entre nós se identifica.
Esse ponto vai suscitar e há de suscitar –
isto já resultou na manifestação de alguns dos nossos Colegas
– uma outra discussão, que tem tido grande importância na
Europa, sobre a aplicação imediata do Direito Comunitário e o
seu eventual controle, como isso se administra nos sistemas
tradicionais das Cortes e se nós deveríamos caminhar – um
debate que também já teve maior ênfase, às vezes temos
avanços e retrocessos – para uma eventual Corte de Justiça do
Mercosul nessa relação de cooperação. Ficou claro também na
manifestação dos Colegas do Paraguai.
Então, essa é uma indagação que acredito fica
um pouco sobre todas essas nossas cogitações: de que Direito
supranacional se trata? Como vai se fazer a forma de
controle? Como hão de conviver os aparatos judiciais hoje
existentes em uma eventual corte de justiça?
Dr. Jorge.
O SENHOR PROFESSOR JORGE FONTOURA– Bem,
teríamos três perguntas. A primeira delas diz respeito à
seguinte idéia:
É possível a criação de instituições
supranacionais ou os modelos constitucionais só permitem a
consecução do Tratado de Assunção limitado pela natureza
intergovernamental do bloco?
Pediria ao Professor Luiz Roberto Barroso que
abordasse este tema.
O SENHOR PROFESSOR LUIZ ROBERTO BARROSO –
Senhora Presidente, penso que esta questão foi, em alguma
medida, já inserida no debate preliminar aqui travado, que é
a de se reduzir a margem de risco na interpretação da
cláusula constitucional existente no Direito brasileiro.
A pergunta se resume essencialmente em saber
se a criação de instituições supranacionais no Brasil depende
ou não da edição de uma norma constitucional específica.
O Professor e Ministro Gilmar Mendes advoga a
tese de que é possível extrair do parágrafo único do art. 4º
a potencialidade para a legitimação dessas instituições
supranacionais, pelo que entendi de uma conversa reservada
com ele, embora não tenha lido nenhum texto neste sentido.
Portanto, esta é a opinião autorizada de um Ministro do
Supremo Tribunal Federal.
Não obstante isso, é bem de se ver que o
parágrafo único do art. 1º, conquanto preconize a criação
desse tipo de mecanismo no âmbito do Mercosul, ele se
materializa em uma norma programática que não explicita
mecanismos para a realização desta integração. De modo que,
em tese, há o risco real de se questionar, no Direito
brasileiro, a falta de fundamento constitucional para essas
instituições supranacionais.
De modo, Senhora Presidente e Srs. Relatores,
que a posição da nossa comissão é no sentido de que é
possível uma interpretação construtiva do parágrafo único do
art. 4º para admitirem-se instituições supranacionais.
Portanto, nós não fechamos a porta diante do que já existe,
mas achamos que esta porta precisa ser talhada de uma forma
mais específica e que se possa, sem margem à contestação, dar
lugar à instituição desse tipo de organismos.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)- Muito bem. Abrindo a
palavra, agora, aos nossos observadores, chamo o Professor
Ricardo Alonso, que gostaria de encaminhar alguns
questionamentos.
O SENHOR PROFESSOR RICARDO ALONSO GARCÍA -
Gostaria de fazer três breves reflexões no marco da
coordenação científica sobre o que foi dito aqui, pela manhã,
e que acho que pode dar espaço a equívocos importantes no
ponto de vista.
Em primeiro lugar, foi dito esta manhã e está
no relatório brasileiro, de que a possibilidade, talvez, de
um caminho para a solução esteja no tema do controle prévio.
Gostaria de ressaltar que o controle prévio não pode resolver
os problemas de uma norma. É impossível que, no marco de um
controle prévio e abstrato de uma norma, utilizemos essa
norma para a vida toda. O princípio do controle prévio
serviria para estabelecer bases de segurança jurídica, mas,
de nenhuma forma, no meu ponto de vista, pode excluir os
controles ex post, simplesmente porque a prática da aplicação
de Direito é muito mais abrangente que as análises teóricas.
E, numa análise teórica, o que parece ser de acordo com o
Direito, na prática, pode ser diferente.
Em segundo lugar, estou preocupado com a visão
colocada ao longo desta manhã, de considerar, in totum, que
tudo o que foi adotado no marco do Mercosul são tratados
internacionais. Isso me preocupa enormemente.
Foi abordado que, a partir da perspectiva
brasileira, tudo que nasce do Mercosul para resolver uma
possível contradição com uma lei interna, tudo isso faria
parte de um tratado internacional. Então, isso está um pouco
longe da realidade. Evidentemente uma decisão da Comissão do
Comércio não é um tratado internacional; uma resolução do
grupo do Mercado Comum não é um tratado internacional. E
isso, portanto, tem conseqüência mais além do que as
palavras, porque, se abordamos as análises dessas decisões
dos órgãos do Mercosul em termos de tratado internacional, o
que vai provocar é um controle dessas decisões do ponto de
vista do Direito interno e não do ponto de vista do próprio
ordenamento jurídico do Mercosul, que está no contexto
mediante o qual deveria ser abordado.
E, finalmente, o tema chave hoje no Mercosul
foi apontado pelo Presidente Nelson Jobim. É um tema
fundamentalmente de controle político. Acho que todos nós
concordamos que o que não pode ser feito no sistema de
integração é permitir que os governos façam aquilo que eles
não podem pela porta de entrada, pois são impedidos pela
Constituição, porque o Poder Legislativo deve abordar essas
questões. Então, o que não pode ser feito internamente pode
ser feito pela porta dos fundos no marco do sistema do
Mercosul.
Então, não podemos tirar o espaço do Poder
Legislativo e reservar exclusivamente ao Poder Executivo, ou
seja, a negociação e a aprovação de normas no Mercosul devam
prevalecer automaticamente sobre as decisões adotadas pelo
Poder Legislativo.
Mas, além de abordar isso em termos de
primazia, creio que o que resulta é incorporar os próprios
legisladores nessas normas que estão sendo negociadas no
marco do sistema de integração e que estão destinadas a
prevalecer, nos dias de amanhã, frente a normas
incompatíveis.
Então, para que isso seja viável do ponto de
vista democrático, acho evidente que todo o processo passe,
necessariamente, por algum tipo de controle, por algum tipo
de participação do Poder Legislativo, controlando o que vai
sendo negociado pelo Executivo no marco do Mercosul. Talvez,
o primeiro passo já tenha sido dado com o acordo inter-
institucional, assinado em outubro do ano passado
precisamente pelo Conselho da Comissão Parlamentar em
conjunto, cuja pretensão é incorporar, através dessa
Comissão, os legisladores nacionais na negociação das normas
que vão sendo aprovadas no marco do Mercosul.
Muito obrigado.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)- Também solicitou
intervenção o Dr. Wilfrido Fernández de Brix, árbitro titular
do Tribunal Permanente de Revisão do Tribunal de Assunção.
O SENHOR WILFRIDO FERNÁNDEZ DE BRIX (ÀRBITRO
TITULAR PERMANENTE DO TRIBUNAL DE ASSUNÇÃO) - Senhora
Presidente, queria fazer um comentário e uma proposta de
conclusão.
Em primeiro lugar, quanto à proposta de
conclusão do que seria a recomendação final deste grupo de
trabalho, que fosse estipulado uma recomendação para a
harmonização constitucional dos nossos países, à luz da
postura argentina, uruguaia e brasileira; e, de acordo com o
que já foi esclarecido pelas Constituições paraguaia e
argentina em relação à prevalência do tratado sobre a Lei .1
e .2, e em relação à possibilidade da criação de uma entidade
supranacional com delegação de competências para tais
entidades.
Em segundo lugar, como parte da minha
proposta de conclusão deste grupo de trabalho, sugiro,
modestamente, que também fosse aceita a possibilidade de
exortar os nossos países que aprofundem um estudo sobre o
estabelecimento desse mecanismo institucional, o qual foi
referido brilhantemente pela doutora da Corte Suprema
argentina com relação aos Três Poderes.
Então, vemos que, de acordo com a realidade
paraguaia e de acordo com a realidade de todos os nossos
países, isso ainda não é possível; porque, como foi dito tão
corretamente, não existe em nosso esquema legislativo a
possibilidade de que os órgãos judiciais atuem como órgãos
consultores, somente podem fazer a sua expedição em causas.
Em terceiro lugar, eu modestamente gostaria
de contribuir para que se inclua, na conclusão deste grupo de
trabalho, a possibilidade de que, nas reformas
constitucionais que estamos apoiando sobremaneira, fosse
possível a inclusão do estudo a exemplo da Constituição
venezuelana, que é a única na América do Sul, pelo menos que
eu tenha ciência, cuja norma expressa o texto enfatiza
claramente a aplicabilidade direta e imediata do Direito
Comunitário.
Gostaria de fazer um breve comentário - não
quero me exceder no uso da palavra – para pontuar, breve e
respeitosamente, a experiência histórica, porque ela
demonstra que os processos de integração não começaram em nem
se aprofundaram pelas vias das reformas constitucionais.
Assim nos ensinou a União Européia e assim nos ensinou a
experiência dos nossos irmãos andinos aqui presentes.
Darei um exemplo concreto. Na comunidade
andina, no começo da criação que foi o Acordo de Cartagena e
o Pacto Andino, a única Constituição dos cinco países que
possibilitava à delegação dos entes supranacionais, a criação
destes, era a Constituição colombiana que, um ano antes, como
um país que lida na comunidade andina, tinha feito uma
reforma legislativa.
Ainda hoje, depois de três décadas da criação
da comunidade andina, temos o exemplo da Constituição
boliviana, que não faz referência a nenhum esquema
programático de integração. Entretanto, na República da
Bolívia, ninguém ousa colocar como obstáculo o projeto de
integração como suposto impedimento constitucional que
poderia existir ante tal carência.
As Constituições do Peru e do Equador não vão
muito mais além que a República da Bolívia. Apenas contêm
tímidas - e digo com o devido respeito - expressões com
relação a projeto de integração. Mas, em nenhum desses
países, nas três décadas de experiência da comunidade andina,
ninguém prevaleceu majoritariamente com escusa constitucional
como foi assinalado durante um mês pelo Presidente da Corte
Suprema do Uruguai e com “problemas constitucionais”,
impedindo o processo do avanço de integração.
Em resumo, gostaríamos de contribuir com esse
debate em que concordamos plenamente, apesar de não
aprofundarmos com essa conclusão da eliminação da assimetria
da reforma constitucional, mas com a clara observação de que
a experiência histórica nos ensina que primeiro vem a vontade
política e, depois, as reformas constitucionais.
Muito obrigado.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Continua a palavra
à disposição dos senhores observadores.
Pois não, tenha a bondade.
O SENHOR PROFESSOR JORGE LAVOPA – Muito
obrigado por me conceder a palavra.
Sou Jorge Lavopa, Diretor do Comitê de Estudos
de Assuntos Latino-americanos do Conselho Argentino para as
Relações Internacionais – CARI.
Estou assistindo este Congresso e quero
agradecer pelo convite e tentarei ser breve nos meus
comentários.
O ponto principal parece ser, como já foi dito
no painel anterior e depois ressaltado, o tema
constitucional. Pois acabamos de escutar que, tanto a
comunidade européia como a comunidade andina, não tiveram
problemas constitucionais para poderem avançar no processo de
integração.
Acho que se tivermos uma base política,
poderemos avançar nos processos de integração; e, se
quisermos, poderemos impulsionar no seu ordenamento para lhe
dar mais precisão nas reformas correspondentes nas
constituições.
Aqui, estava me lembrando, vocês têm o exemplo
do chamado Protocolo nº 5, que criava a Empresa Binacional
Argentina-Brasileira, que esteve muito tempo detido em
função, precisamente, da Constituição brasileira e de
empresários de outros países. Não irei me aprofundar a
respeito disso, mas foi resolvido através do art. 4º da
Constituição brasileira, hoje, vigente, mesmo que não seja
utilizada, a Empresa Binacional Argentina-Brasileira.
Então, o que devemos fazer com isso é que
devemos avançar nessa luta política evidentemente, sem que
seja preciso que as constituições, que são vistas com uma
mentalidade e um conceito dos séculos XVIII e XIX, se
detenham em questões que estão sendo colocadas na nossa
região.
Esse era um dos temas que eu queria comentar.
Muito obrigado.
O SENHOR PROFESSOR RONALD HERBERT – Senhora
Presidente, meu nome Ronald Herbert, sou do Uruguai.
Dá um pouco de medo falar a respeito deste
problema constitucional nessa questão. Mas, por essa mesma
razão, decidi falar.
Tenho medo de que se dê muita importância ao
fato de as Constituições do Uruguai e do Brasil não terem uma
norma expressa para habilitar a delegação de certos poderes
para criação de órgãos internacionais, e que isso se
constitui num grave problema quando, de repente, não é um
problema, seria um falso problema.
Não sou constituinte, e é um atrevimento de
minha parte, mas, de qualquer forma, sou advogado e a
Constituição é utilizada todos os dias. Então, se verifico o
art. 6 da Constituição Uruguaia, temos que há uma norma
dizendo que a República procurará a integração social e
econômica nos Estados da América Latina, especialmente no que
se refere à despesas com produtos e matérias-primas. Dessa
forma teremos a complementação dos serviços públicos.
Então, vemos que não podemos destacar uma
norma constitucional considerando toda sua problemática. Toda
norma constitucional deveria ser aplicada, de alguma forma,
às questões programadas.
Então, se seguíssemos, passo a passo, e
falássemos, por exemplo, das complementações dos serviços
públicos, ninguém ficaria surpreso se fosse criado um
organismo internacional para administrar a energia da região
– ninguém ficaria surpreso. Quem se surpreenderia se
existisse um organismo, digamos, criado pela Argentina,
Brasil, Uruguai e Paraguai para regular a energia elétrica se
os sistemas estivessem conectados. De fato, temos a comissão,
por exemplo, de administração de Salto Grande e ninguém se
surpreenderia com esses recursos.
Muito bem, esse sistema é de matéria. Ninguém
está pensando que, neste momento, em um sistema de
integração, vai-se legislar sobre Direitos humanos, porque
aqui foi insistido que matérias de Direitos humanos seriam
aplicadas diretamente às normas, mas as constituições, como a
uruguaia, têm normas dizendo que a enumeração dos Direitos
(inaudível) não exclui outros que são inerentes à
personalidade humana ou proveniente do governo.
É claro que, em matéria de Direitos humanos,
têm normas constitucionais que permitem a aplicação de textos
ainda não aprovados pelo país, mas que se referem à dignidade
humana, aos Direitos humanos.
O art. 6º não se refere a todas as matérias,
refere-se à defesa comum dos seus produtos em matérias-primas
e à integração social e econômica. Portanto, é um tema
próprio da integração.
Agora, o tema da integração não é um tema
estritamente de tratado, porque, por exemplo, os tratados, em
termos gerais, estão regulados na Convenção de Viena, que tem
sido considerado tratados autônomos e não incorporados a um
sistema progressivo dinâmico, como é o da integração. Em um
sistema de integração, por exemplo, alguns aspectos
relacionados com o Direito dos Tratados, com relação aos
contratos, com as medidas contraditórias, não fazem muito
sentido. Agora, tem sentido a interpretação contextual no
princípio de não contradição.
O tema da integração referidos aqui, claro,
numa constituição de 1966, ainda não estava na mesa, então
por isso existe uma norma mais específica. Mas não acho que
devamos nos adiantar em dizer que existe um grave problema em
uma questão em que não há uma norma específica com relação à
criação de uma normativa supranacional e órgãos
supranacionais. Então, isso, precisamente, depende da
interpretação dinâmica da norma constitucional, como já foi
dito.
Por essa razão, eu colocaria mais ênfase,
nesta Reunião, quanto à possibilidade de efetuar essa
interpretação dinâmica, do que em dar uma grande importância
à necessidade da existência de uma modificação nas
constituições, para que possam desenvolver o sistema de
integração.
Acho que o primeiro caminho é o mais
importante, porque a norma constitucional que ordena que a
República, e aqui diz, exatamente, que procurará a integração
regional, essa norma precisa ser cumprida da alguma forma. E
não poderemos, então, dizer que essa norma não poderá ser
cumprida até que venha outra norma constitucional, quando
essa é uma norma constitucional, e diga: bom, para cumprir
com essa norma constitucional, autorizo a criação de órgãos
internacionais e que tenhamos, portanto, um sistema
internacional para a integração. Isso já está implícito na
norma; é a forma de fazer uma integração. Portanto, eu
colocaria mais ênfase nesse aspecto do que na questão
constitucional.
Obrigado.
A SENHORA ADRIANA DREYSIN DE KLOR (PREFESSORA)
- Bom dia. O meu nome é Adriana Dreysin e estou aqui pela
Universidade Nacional de Córdoba.
Compartilho, em grande medida, com o que foi
exposto pelo Professor Ricardo Alonso García e o doutor
Ronald Herbert.
O que eu gostaria de dizer seriam os seguintes
aspectos: em primeiro lugar, não podemos deixar de reconhecer
que as assimetrias constitucionais são uma realidade que
estão nas constituições; em segundo lugar, partindo da
existência das assimetrias, devemos nos perguntar o que
queremos com relação ao Mercosul e o que temos nesse processo
para que possamos avançar. Sim, queremos avançar.
Nós estamos já há treze anos com este processo
e, de forma permanente, as vozes são favoráveis ao Mercosul.
Então, o que temos para poder avançar? Temos instrumentos
fundamentais que fazem com que hoje o Direito da Integração,
que não é esse Direito Internacional, possa ser considerado
como tal. Por que? Porque temos essa solução de controvérsia,
temos um grande passo que foi dado através da Constituição de
13 de agosto, no Tribunal Permanente de Revisão.
Então, se fizermos um acompanhamento sobre o
cumprimento, teremos que as diferenças constitucionais não
foram um obstáculo para utilizar como fonte, de ambos os
lados, o Direito à integração. E o que foi feito através
desses tribunais é também um controle do Direito do Mercosul,
que é o que importa.
Portanto, na perspectiva constitucional,
teremos, acho, muitas esperanças de que, a partir da
implementação do novo Protocolo de Olivos e do mecanismo de
opiniões, possamos avançar na interpretação uniforme, que é
outro dos mecanismos dinâmicos necessários para o sistema de
integração.
Então, da perspectiva legislativa, como foi
assinalado pelo Professor Ricardo Alonso García, temos esse
primeiro acordo institucional, que leva o seu nome, porque
foi o autor da chamada Emenda Alonso, é bem verdade,
estabelecendo um firme compromisso por parte do mercado comum
e um firme compromisso por parte da Comissão Parlamentar
Conjunta. A natureza que traz consigo é a de ser considerada
“soft law”; e, na medida em que se cumpra com esse
compromisso, aí, sim, teremos outra ferramenta fundamental
para o esquema, que não pode deixar de ser aplicada para não
sofrer com as fraquezas que estão estabelecidas no relatório
da Secretaria Técnica, que cinqüenta por cento do acervo da
integração aprovado pelos órgãos decisivos não foram
internalizados dentro dos ordenamentos dos respectivos
sistemas. Ou seja, temos ferramentas, o fato seria, então,
utilizá-las. E é isso que eu gostaria de resgatar.
Muito obrigada.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) - Temos mais uma
pergunta no centro, depois lhe passo a palavra.
Por favor, peço que cada um dos interlocutores
se identifique para efeito de registro.
O SENHOR ALEJANDRO DANIEL PEROTTI (CONSULTOR
CLÍNICO DA SECRETARIA DO MERCOSUL) – Bom dia. Muito Obrigado,
Senhora Presidente.
Meu nome é Alejandro Perotti, Consultor
Clínico da Secretaria do Mercosul.
Acredito que, ao longo das exposições que
aconteceram hoje de manhã, sobressaem três temas diferentes:
Uma questão é a questão da delegação ou não de competências a
órgãos criados através de tratados de integração
supranacionais ou intergovernamentais, no caso de negativa de
delegação. Outra questão é a da prevalência ou hierarquia
relacionadas ao Direito interno. E a outra é a aplicação
interna das normas dos Tratados Internos.
Vou começar pelo segundo tema: relação ou
hierarquia relacionadas às normas de Direito interno. Foi
muito citado o caso brasileiro sobre a relação: tratado e
lei. Aqui, vou fazer um pequeno comentário. Acho que foi
muito assinalado pelo Dr. García, quando distinguia que a
maioria das normas do Mercosul, setenta por cento, não é
tratada, mas, sim, normas derivadas de tratados adotados pelo
grupo, conselho ou comissão.
O que aconteceu na Argentina? Por que trago o
exemplo da Argentina? Porque é muito parecido com a história
jurídica brasileira. A etapa descrita pela Senhora Highton,
da Corte da Argentina, é dividida em três etapas. Até o ano
de 1940, a jurisprudência da Corte Argentina mantinha que
esses tratados estão acima das leis, anteriores ou
posteriores. Até 1992, mudou a jurisprudência, ou seja, para
nossa Corte Suprema, os tratados têm a mesma validade das
leis, ou seja, um tratado anterior a uma lei poderia ser
deixado sem efeito através da lei. Em 1992, a jurisprudência
da Corte Argentina mudou essa jurisprudência, que seria
citada posteriormente na Constituição.
A mudança em relação a esses tratados, nesse
momento, prevalece sobre as normas legais, ou seja,
posteriores ou anteriores. Em primeiro lugar, em caso
contrário, o Estado seria responsável internacionalmente.
Esse princípio é aplicável não somente no Estado da Argentina
como também nos países que não têm isso inscrito na lei, ou
seja, no Brasil e no Uruguai.
A segunda base invocada pela Corte da
Argentina foi a Convenção de Viena - todos sabemos o texto do
art. 27. Essa base também é aplicável ao Brasil e ao Uruguai.
Por que ao Brasil? Porque todos sabemos que a Convenção de
Viena não foi ratificada pelo Estado brasileiro; porém, a
Convenção de Havana, que rege também o Brasil, no seu art. 10
expõe a mesma coisa que o art. 27 da Convenção de Viena; e,
no caso do Uruguai, ele ratificou as duas Convenções de
Viena, a de 1959 e a de 1986.
A terceira base dada pela Corte da Argentina
também é um pilar que pode ser estendido aos dois países, ou
seja, para o Uruguai e para o Brasil. O processo que dá
renascimento a um tratado internacional pode ser reconhecido
como um ato complexo federal. O que significa isso? Para que
nasça validamente um tratado, é preciso que haja a vontade
dos dois Poderes do Estado, ou seja, assinatura e ratificação
através do Executivo e a aprovação do Legislativo através de
uma lei, que é um ato unilateral. Agora, se deixo de aplicar
de imediato um acordo ou um tratado internacional em que
participaram os dois Poderes, isso violaria o princípio de
jurisdição dos Poderes. Esse argumento poderia ser aplicado
aos dois países que não têm norma a respeito disso.
No que diz respeito à jurisprudência, por que
eu falaria que o caso Argentina é muito parecido com o
brasileiro? Porque, até o ano de 1977, a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal do Brasil mantinha uma posição
diferente, sobretudo sob a influência do Ministro Filadelfo
Azevedo, da Corte Suprema do Brasil, em 1950, dizendo que os
tratados estariam acima das leis internas posteriores ou
anteriores.
Do ponto de vista comparativo com a
jurisprudência da Argentina, a jurisprudência brasileira
estaria na segunda fase, ou seja, faltaria a terceira fase
que foi cumprida pela Corte Argentina. E mais, não foi
unânime a jurisprudência do Tribunal Federal. Eu lhes lembro
o voto dissidente do Ministro Décio Miranda, numa extradição
solicitada pela Suíça, no ano de 1980, na qual, apesar do
Recurso Extraordinário nº 80.004, manteve que os tratados
prevalecem sobre as leis. Devo dizer que era uma posição
minoritária.
Eu tomei a jurisprudência dos tribunais
inferiores, Se somarmos a isso um elemento de Direito
comparado, se queremos analisar como nasceu o Direito de
integração, obviamente deveremos recorrer à jurisprudência
européia, que foi o mentor dessas bases, desses pilares. Se
pegarmos um caso suposto do Tribunal de Justiça da Comunidade
Européia, que criaram o princípio da supremacia, vamos chegar
a mesma conclusão do Advogado-Geral da Itália, país onde um
tratado poderia ter um outro final. No Tribunal de Justiça,
apesar dessa situação constitucional, o Estado italiano
manteve que os tratados nasciam através de um processo de
integração comunitária européia e não poderiam ser invocados
contra as normas internas.
Em relação a transferência de competência e
aplicação da lei. Aqui se fala muito a respeito de
assimetria, como se fosse uma palavra negativa, e a
assimetria é a única que decide diferente. Assimetria não
significa obstáculo na integração, mas sim diferença na
regulamentação.
Se olharmos as quatro constituições dos países
do Mercosul, elas reconhecem o processo de integração. Nas
quatro constam cláusulas que se referem aos tratados de
integração. Essa é a primeira conclusão.
Obviamente, existem diferenças dos
regulamentos entre a Argentina e o Paraguai, e entre o
Uruguai e o Brasil. Mas essas diferenças são normas menos
específicas quanto ao significado da integração. Essas
diferenças são compensadas em relação à localização. Se
olharmos a constituição da Argentina e Paraguaia, a questão
da integração está concretizada como uma norma procedimental,
dentro da competência dos Poderes Legislativos. No Brasil e
no Uruguai estão localizadas dentro dos princípios
constitucionais, ou seja, os tratados de integração influem
todo o ordenamento jurídico brasileiro e o mesmo acontece com
a Constituição Uruguaia.
A segunda conclusão em relação a isso é que
ambos constituintes do Uruguai e do Paraguai distinguem os
tratados de integração e dos tratados clássicos, e assim são
regulamentados por diferentes posições. Para o constituinte
dos dois países os tratados de integração se distinguem dos
tratados clássicos, a razão disso é que tem diferentes
efeitos. Um dos efeitos que deve ser reconhecido, porque esse
é um dos princípios basilares do princípio de integração, é a
aplicação do Direito das normas. Isso está reconhecido de
alguma forma. Vocês devem pensar, por exemplo, nos
protocolos adicionais, subscritos no âmbito da LAD, nenhum
dos quatro países geralmente passam através dos parlamentos.
Ou seja, as normas do Mercosul que estão protocolizadas pela
LAD como protocolos adicionais ao art. 18 são colocados em
vigência a nível interno, através dos poderes executivos.
Bom isso era o que queria colocar.
Muito obrigada por ter me dado uso da palavra.
O SENHOR JOSÉ ANTONIO MORENO RUFFINELLI
(PRESIDENTE DO TRIBUNAL PERMANENTE DE REVISÃO DO MERCOSUL) –
Eu gostaria de fazer uso da palavra para reafirmar que as
assimetrias, as quais fazemos sempre referência, são mais de
palavras do que de conceitos, porque, conceitualmente, as
quatros Constituições estão de acordo que devemos levar
adiante o processo de integração. Inclusive, na Constituição
Brasileira se fala de processo de integração na comunidade
latino-americana de nações. O que está se concretizando,
brevemente, na Reunião de Cusco, daqui uns vinte dias. De
modo que, eu acredito que a assimetria, que foi
conceitualizada com uma diferença, está simplesmente colocada
nesse tipo de questão.
Outro tema que gostaria de tocar é o da
participação parlamentar que é muito delicado a ser
contemplado nesta situação. Os parlamentos, geralmente, não
participam nas negociações internacionais, elas são feitas
através das chancelarias, porque todas as constituições estão
de acordo e o presidente da república é aquele quem dirige as
relações internacionais de nosso país.
Então, através de um mecanismo criado no
Mercosul, o da comunicação permanente entre o parlamento e o
conselho do Mercado Comum, a questão fica solucionada
grandemente. Porque, todavia, o parlamento tem outros
mecanismos para solicitar relatórios ou perguntas se eles não
forem devidamente informados ou não estiverem de acordo com
as decisões que são tomadas.
De tal forma, é necessário criar uma relação
que seja suficientemente harmônica, mas que não impeça os
avanço das negociações, porque sabemos que, em matéria de
negociações internacionais, as velocidades são muito
diferentes em relação àquelas que se têm através dos
parlamentos. Eles têm um ritmo diferente das negociações
internacionais, que devem ser levados em conta pela
necessidade e urgência que têm de tomar decisões em matéria
internacional.
Então, de acordo com os demais oradores no uso
da palavra, creio que devemos insistir que a interpretação de
nossas cortes supremas seja de acordo e uniforme no sentido
de dar um apoio substancial ao processo de integração.
Muito obrigado.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Mais uma pergunta?
Peço-lhe que se identifique.
O SENHOR PROFESSOR JAIME CÉSAR LIPOVETZKY– Bom
dia. Fui convidado a participar desse evento como observador,
mas gostaria de informar-lhes que sou presidente da Sociedade
Argentina de Direito Trabalhista e da Sociedade Latino-
Americana de Direito do Trabalho e Integração Internacional.
Gostaria de colocar de forma pessoal e
refletindo o pensamento das entidades as quais pertenço. Nós
estamos muito preocupados com esse processo de integração e,
na maioria dos processos que estão em desenvolvimento na
Argentina e em outros países, insistimos em estabelecer o
estudo desse ramo do Direito com o tema da integração
internacional, que nós consideramos indissolúveis.
Então, estamos dando grande importância à
necessidade de manter e levar adiante o processo de
integração do Mercosul e das propostas de um grupo da América
Latina. Temos uma grande preocupação com as idéias que giram
em torno desse tema. A nossa preocupação é comum com a de um
representante extraordinário do Direito brasileiro. Nós
coincidimos com as idéias de harmonizar a legislação para
encontrar o uso de uma atividade comum que se contradiz com
as diferenças reconhecidas através da história de nosso país,
que são as diferenças culturais, históricas e tradicionais,
fundamentalmente nas condições de produção de diferentes
países, que são reconhecíveis e que têm a ver com a diferente
história por que passaram esses países, mas que não pode ser
um empecilho para integração regional.
Na doutrina dos quatro países existe uma
espécie de tentativa de harmonização. Esse conceito de
harmonização legislativa está silenciando as diferenças entre
os países, porém isso não é suficiente para que os outros,
através de normas superiores, constituam uma concessão que
supere o tema. É possível resolver esse problema da
integração, através de criação de ações normativas superiores
em comum nos quatro países e também através de criação de
órgãos jurídicos supranacionais.
Essas eram as idéias que queria colocar e
acredito que, de alguma forma, representam o pensamento da
maioria desse ramo do Direito, que na Argentina tem uma
grande importância.
Muito obrigado.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Temos mais duas
perguntas. A professora Desy se manifestou inicialmente;
depois, passo a palavra à Ministra.
A SENHORA DAISY DE FREITAS LIMA VENTURA
(CONSULTORA JURÍDICA DA SECRETARIA JURÍDICA DO MERCOSUL) –
Obrigada, Senhora Presidente.
Gostaria apenas de apontar um elemento de
reflexão relativamente à interpretação do parágrafo único do
art. 4º da Constituição Brasileira. Um dispositivo
constitucional não pode criar um tribunal supranacional,
sequer pode instituir princípios que vinculem a outros
Estados. Portanto, o que pode fazer uma constituição é
permitir a participação do nosso Estado num tribunal ou a
subscrição desses princípios. Ora, isso se faz como em
técnica constitucional? Através de uma cláusula
programática. Essa cláusula programática já existe e se
refere à existência de uma comunidade de nações. O que
significaria, no Direito brasileiro, a expressão comunidade
de nações? Não há uma identidade própria desse conceito no
nosso ordenamento pátrio; veríamos, no Direito comparado, o
que é uma comunidade de nações. Recorremos ao ordenamento
Andino, recorremos ao ordenamento Europeu e temos claro que
essa comunidade implica na criação de uma jurisdição
comunitária e na subscrição de certos princípios.
Por isso o elemento que eu traria como
questionamento é: querer detalhar a Constituição brasileira e
trazer explicitamente o permissivo de participação em dado
tribunal, ou a subscrição de certos princípios não seria
expressar uma visão sobre a Constituição que temos criticado
tão intensamente? A visão de que, na Constituição, tudo deve
estar detalhado. Com isso, neste mosaico imenso de normas,
que é a Constituição brasileira, não perderia uma parte de
sua força normativa.
Obrigada.
A SRS. MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-PRESIDENTE
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Muito obrigada.
Passo a palavra.
A SENHORA MINISTRA MARIA CRISTINA BOLDORINI
(COMISSÃO DE REPRESENTANTES PERMANENTES DO MERCOSUL) – Muito
obrigada.
Gostaria de destacar que a Constituição do
Uruguai quando assinala a inconstância da interpretação
dinâmica dos textos constitucionais da Convenção de Viena.
Porque há dificuldades para se fazer uma reforma
constitucional. Acredito que esse é o princípio que deveria
abranger uma interpretação dinâmica, seja da Convenção de
Viena e dos textos constitucionais. Por exemplo, temos
resultados concretos nesse sentido. Primeiro, na Constituição
do Tribunal Permanente, se um Estado do Brasil dita uma lei
que seja contrária aos compromissos do Mercosul,
imediatamente será levada ao Tribunal de Solução de
Controvérsias, que irá dispor de uma lei ou um levantamento
da medida que é inconsistente com os compromissos do
Mercosul. Ou seja, foi feita uma interpretação dinâmica. Por
outro lado, creio a lei proposta pelo Brasil, será resolvida
com a Corte Constitucional, que irá resolver através de uma
comissão.
Assim, trabalhos numa linha para que,
realmente, exista poucas possibilidades para que um Estado,
através de uma lei, deixe de lado os compromissos firmados
com o Mercosul. Em quatorze anos, isso nunca aconteceu; nunca
tivemos, realmente, esse tipo de problema.
Então, quais seriam os temas em que deveríamos
trabalhar? Justamente nas interpretações cada vez mais
dinâmicas, que nos permita avançar em determinados
compromissos, por exemplo, ir diretamente a uma aplicação de
uma norma, que não precise de tratamento parlamentar, e assim
ir eliminando as dificuldades que são enfrentadas, hoje em
dia, no Mercosul.
Em último lugar, gostaria de assinalar que
existem dois aspectos que, também, estão colaborando muito
nessa interpretação dinâmica: as opiniões construtivas, que
serão objeto de uma regulamentação imediata, que ajudará
muito aos tribunais com a colaboração do Tribunal Permanente.
O Mercosul conta com um sistema de solução de
controvérsias, com fortalecimento na parte legislativa quanto
às opiniões construtivas; e o que ficaria pendente seria um
foro das Cortes Supremas, institucionalizadas pelo Mercosul.
Esses Encontros são para cooperação, mas estão
fora do ordenamento do Mercosul.
Para completar, gostaria que esses Encontros
fossem realizados dentro de uma instituição do Mercosul, como
a Comissão de Corte, uma Reunião de Direito de Corte, para
que tudo isso pudesse ser utilizado pelos tribunais nacionais
e organismos do Mercosul.
Muito obrigada.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Muito obrigada,
Dra. Maria Cristina.
Mais alguma intervenção?
Passo a palavra ao Ministro Caputo Bastos.
O SENHOR MINISTRO CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS
(TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL) – Senhora Presidente, na
realidade, não vou fazer apenas uma observação também como
participante, mas necessariamente como membro da Coordenação
Científica.
Parece-me que, nesse tema das assimetrias
constitucionais, há uma significativa posição de que não
necessariamente se constitui um problema a eventual omissão,
tanto na Constituição brasileira quanto na Constituição
uruguaia, de que isso seja um obstáculo para que possamos
avançar. Desde a sua primeira colocação, Ministro Gilmar
Mendes, Coordenador do nosso Grupo, Professor Luiz Roberto
Barroso também já havia comentado o tema, parece-me que,
dentro de uma perspectiva de interpretação construtiva, isso
seria possível que avançássemos no tema.
Eu me recordo que, também, em se tratando de
Poder Judiciário - exatamente, através dos órgãos de cúpula
do Poder Judiciário -, em momento algum, desde que os
americanos, através do famoso caso Marmory x Madison,
revelaram a Teoria dos Poderes Implícitos, nunca houve
necessidade, em constituição alguma que estivesse à
disposição, de os poderes judiciários nacionais fazer o
controle de constitucionalidade. Não havia, até aquela época,
nenhuma disposição, nenhuma norma de ordem constitucional que
permitisse ou facultasse aos poderes judiciários assim o
exercer. De maneira que m talvez esteja aí uma reflexão que a
Coordenação Científica devesse considerar com relação à
questão das assimetrias constitucionais.
Como disse também o Professor Alejandro
Perotti, - e isso está inclusive expresso quando a Ministra
Ellen e eu subscrevemos a sugestão de organização desse
evento ao Presidente Jobim -, não há nenhuma preocupação ou
nenhuma intenção de que os Estados venham a ter constituições
com o mesmo dispositivo. É evidente que cada País, dentro do
âmbito do seu território, irá revelar aquilo que é o anseio
dos seus cidadãos. Agora, é certo - e isso também facilita um
pouco a atuação dos próprios poderes judiciários quando vão
aplicar essas normas - que isso esteja da maneira mais clara
possível, quer dizer, se for necessária uma reforma
constitucional, que se faça. Se essa reforma é difícil de ser
feita, então, quem sabe, aí, dentro da sensibilidade de cada
Corte, a gente possa avançar não só na interpretação
construtiva do que já existe no texto constitucional ou
valendo-se de outros também instrumentos de muita substância,
por exemplo, como é a convenção de Viena - embora o Brasil,
com relação a esse tópico, ainda esteja também omisso, porque
a convenção de Viena sobre Direitos e tratados ainda não
mereceu aprovação do Legislativo brasileiro.
Gostaria apenas de fazer uma outra observação,
que também foi objeto da manifestação do nosso querido
Professor Wilfrido Fernandes. Acho que estamos, também,
caminhando – e isso fica como reflexão para a Coordenação
Científica – no sentido da necessidade de, de alguma maneira,
criarmos um mecanismo institucional que coordene as ações do
Estado no plano internacional. Pelo que nós verificamos
quando fizemos o trabalho do Grupo 1, as constituições dos
quatro países - pelo menos que foram mais diretamente
observadas, da Argentina, Uruguai, Paraguai e brasileira -
têm disposições muito semelhantes com relação à competência
do poder executivo para conduzir as relações internacionais,
à competência dos poderes legislativos para aprovar o fruto
dessas negociações e, em nenhuma delas praticamente, a não
ser naquilo que dispõe sobre o controle de
constitucionalidade, nenhum papel, em princípio, é atribuído
aos poderes judiciários.
Eu acho que se nós tivermos em consideração
que todas essas negociações, todos esses tratados,
representam um compromisso de Estado - e compromisso de
Estado envolve efetivamente os três poderes constituídos:
legislativo, judiciário e executivo -, nós deveríamos, pelo
menos, ainda que em uma visão prospectiva, imaginar que algum
instrumento de interação deveria haver entre esses três
poderes antes que nós tivéssemos um tratado concluído e que,
no futuro, esse tratado pudesse ser objeto de algum
questionamento.
Concordo também, de uma certa maneira, com o
Professor Ricardo Alonso, quando fala que talvez o controle
prévio não vá eliminar o controle posterior na aplicação
dessas normas, sem dúvida nenhuma. Quem examina o exemplo
europeu sabe que, não obstante você ter no Tribunal de
Justiça das Comunidades Européias, o órgão que normalmente dá
a interpretação que deveria ter uma aplicação uniforme em
todos os Estados-membros, na realidade, o juízo europeu, por
excelência, é o juízo nacional. E é através do mecanismo de
procedimentos perante os tribunais nacionais que vamos ter ou
não a aplicação do Direito Comunitário Europeu.
Eram essas as observações que gostaria de
fazer.
Muito obrigado.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (VICE-
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Muito obrigada,
Ministro Caputo Bastos.
Creio que agora chegamos àquele momento em
que devemos encerrar os trabalhos deste primeiro Grupo.
Na seqüência, os seus integrantes haverão de,
sob a relatoria e coordenação do Ministro Gilmar Mendes,
tratar de compendiar tudo aquilo que foi discutido, foi
resultado das nossas reflexões desta manhã para, ao final,
apresentarem esse relatório parcial.
Nós devemos agora, em nome do Ministro Nelson
Jobim, agradecer a participação e atuação dos integrantes
desta mesa, que conseguiram algo que a mim me parecia muito
difícil, ou seja, em um tema já bastante discutido como este
de assimetrias constitucionais, onde parecia que tudo o que
foi dito já havia sido publicado, conseguiram Suas
Excelências fazer avançar o tema com a participação brilhante
deste plenário.
Eu parabenizo os integrantes do Grupo e, antes
de encerrar, quero convidar a todos os presentes para o
almoço que será servido no restaurante do Supremo Tribunal
Federal.
Aguardamos o retorno de todos a esta mesma
sala às 14:30.
Está encerrada esta sessão.
Muito obrigada.
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O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) –
Reiniciando os trabalhos deste primeiro dia do II Encontro de
Cortes Supremas dos Estados-Partes e Associados do Mercosul,
informamos que compõem a Mesa as seguintes autoridades:
O Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos Ayres
Britto, do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimo Senhor
Ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal;
Excelentíssimo Senhor Victor José Raúl Torres Kirmser, Vice-
Presidente da Corte Suprema de Justiça do Paraguai;
Excelentíssima Senhora Ministra Elena Highton de Nolasco,
representante da Corte Suprema de Justiça da Argentina;
Excelentíssimo Senhor Leslie Van Rompaey Servillo, Presidente
da Corte Suprema do Uruguai; Excelentíssimo Dr. Antenor
Madruga, Relator do Grupo II, Cooperação Judiciária;
Excelentíssimo Senhor Ministro Ari Pargendler, do Superior
Tribunal de Justiça e Coordenador Científico do Encontro.
Senhoras e senhores, com a palavra o
Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos Britto, do Supremo
Tribunal Federal, para conduzir os trabalhos desta tarde.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) – Boa tarde para todos.
É com muita alegria pessoal e muita honra
profissional e, porque não dizer, cívica, que presido os
trabalhos desta nossa Sessão vespertina, melhor dizendo,
reiniciando os trabalhos ontem começados.
Antes de passar a palavra para o primeiro
expositor, o Ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal
Federal, permito-me dizer algumas brevíssimas palavras sobre
uma característica da Constituição brasileira de 1988, que,
desde o seu preâmbulo, já fala da sociedade brasileira como
voltada para a solução pacífica das controvérsias. Uma
sociedade, diz a nossa Constituição, pluralista, fraterna,
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
assim na ordem interna como na ordem internacional, com a
solução pacífica das controvérsias.
Esse propósito, de pugnar por uma solução
pacífica dos conflitos, volta à preocupação do legislador
constituinte brasileiro, já sob a forma de princípio regente
das relações internacionais do Brasil. É exatamente o inciso
VII, do art. 4º da nossa Constituição, logo após falar a
nossa Lei Maior de defesa da paz e, em seguida, de cooperação
entre os povos para o progresso da humanidade.
Mas não ficou nisso a nossa Constituição,
nesse mesmo art. 4º - que consubstancia os princípios
regentes de todas as relações internacionais do Brasil -, no
seu parágrafo único, adota uma estratégia de ação, uma
espécie de metodologia de trabalho para que os princípios
regentes de nossas relações internacionais sejam efetivados
com fidedignidade.
A nossa Constituição diz, literalmente, que:
“A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, - e arremata a nossa Constituição, dizendo qual é o objetivo dessa integração política, social, econômica e cultural dos povos da América Latina -, “visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”
Vale dizer, a nossa Constituição pugna pela
formação permanente mais do que de uma associação, mas de uma
comunidade latino-americana de nações. Comunidade, todos
sabem, é uma palavra que significa comum unidade, ou comunhão
de vida, uma vida associativa, muito mais do que meramente
mecânica, linear, verdadeiramente orgânica, comprometida.
Então, a nossa Constituição faz, por exemplo,
do Mercosul, incorporando países que são partes do pacto e
países associados, uma obrigatória trilha, um obrigatório
caminho governamental a seguir. É um dos aspectos pelos quais
a nossa Constituição brasileira ganha o título de Dirigente,
porque ela se dispõe a dirigir o núcleo político do Poder. Em
outras palavras, é uma Constituição que pretende governar a
quem governa, dirigir a quem dirige, nessa perspectiva da
formação de uma comunidade latino-americana de nações; e, aí,
quem sabe, teremos associativamente, organicamente, a
oportunidade de experimentar a reinvenção como um estilo de
vida, a nos possibilitar, a todos nós, irmãos Latino-
americanos, um renascer constante dentro de nós mesmos. O
instrumental brasileiro de que dispomos, temos como
excelente: é essa Constituição redentora de 1988.
Com estas breves palavras, saúdo,
carinhosamente, respeitosamente, todas as pessoas presentes e
dou seqüência à programação do Encontro, passando a palavra
ao meu eminente Colega de Supremo Tribunal Federal Ministro
Cezar Peluso, que falará por trinta minutos.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL)– Senhor Presidente, Srs. Ministros e demais
autoridades presentes. Não vou falar por trinta minutos, mas
vou falar por um minuto, simplesmente para avançar que o
Grupo suscitou aquelas que me pareceram ser as questões mais
importantes da temática da cooperação judiciária e que, até
por coincidência muito oportuna, no momento em que às
vésperas da promulgação da emenda constitucional que desloca
a competência para os exequatur do Supremo Tribunal Federal
para o Superior Tribunal de Justiça, vão desde a questão dos
fundamentos da cooperação judiciária, cujas respostas podem
explicar certas soluções tidas por insatisfatórias, até à
questão da aturada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
sobre a não concessão de exequatur das cartas rogatórias de
caráter executório; depois até, um dos temas mais
importantes, da própria questão das medidas executórias de
caráter cautelares. Para isso, passo a palavra ao Professor
Antenor Madruga.
O SENHOR PROFESSOR ANTENOR MADRUGA – Obrigado
Ministro Peluso, Ministro Carlos Ayres.
Objetivamente o Grupo, em nome do Brasil,
analisou os problemas sob três pontos que são as perguntas
colocadas e distribuídas.
A primeira questão é se o conjunto normativo
atual é suficiente para promover ampla cooperação judiciária
entre os Estados-Partes e associados do Mercosul. A segunda
questão é, se na cooperação judiciária, no âmbito do
Mercosul, seria desejável que o exame prévio de ofensa à
ordem pública e à soberania para concessão de exequatur ou
homologação de sentença estrangeira fosse realizado de
maneira difusa. E a terceira questão, se diante das
constituições dos Estados-Partes do Mercosul, é possível
homologar sentenças estrangeiras para efeitos penais como o
confisco, impedimento de bens ou aplicação de penas
restritivas de liberdade. Caminhando essas três questões,
ocorre-me, em primeiro lugar, demonstrar o que pensa o
Supremo Tribunal Federal sobre a questão da cooperação
jurídica internacional.
A leitura da decisão do Supremo Tribunal
Federal, na Carta Rogatória nº 10.484, que foi julgada há
pouco mais de 1 ano, em 23 de outubro de 2003, demonstra a
sua posição em relação a cartas rogatórias, que o próprio
Tribunal classifica como de efeitos executórios ou cartas
rogatórias executórias. No exemplo dessa carta rogatória
mencionada, a Suíça pedia cooperação ao Brasil para obter a
quebra de sigilo bancário e seqüestro de bens no Brasil, que
eram medidas indispensáveis para uma investigação que a Suíça
conduzia sobre o tráfico de mulheres do Brasil para a Suíça.
A posição do Supremo, neste caso, foi a seguinte: “As
diligências de seqüestro de bens e quebra de sigilo de dados,
além de atentar contra a ordem pública, possuem caráter
executório, o que inviabiliza a concessão do exequatur”. Ou
seja, essa não é uma decisão isolada do Supremo, é uma
aplicação reiterada da jurisprudência, em que o Supremo vem
negando cooperação internacional, tendo em vista o caráter
executório das decisões.
Isso tem causado alguns problemas para o
Brasil porque a carta rogatória é também um meio pelo qual o
Brasil pede cooperação a vários outros Estados e há essa
jurisprudência do Supremo. Tem sido mais fácil obter, e é um
paradoxo, cooperação internacional do Brasil para extradição
de pessoas do que para quebra do seu sigilo bancário ou para
o seqüestro de bens.
Alguém poderia dizer que o Supremo não fecha
as portas da cooperação, apenas indica que essas medidas, de
caráter executório, deveriam tramitar pelo procedimento
específico de homologação de sentenças estrangeiras, previsto
no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Ocorre que
o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no que diz
respeito à homologação de sentença estrangeira, presta-se,
pelos seus próprios fundamentos, para homologação de
sentenças terminativas, não à homologação de decisões de
medidas cautelares, de decisões que dão início ao processo ou
de decisões interlocutórias. Por exemplo, o Regimento exige a
citação da parte contrária, o trânsito em julgado da decisão
a ser homologada, de forma que não se pode pensar que esse
procedimento seja utilizado para autorizar uma quebra de
sigilos bancários ou determinar uma medida cautelar.
Nessa seara há uma mudança em vista - como bem
lembrou o Ministro Cezar Pelluso - a partir do dia 08, quando
há de ser promulgada a reforma do Poder Judiciário, na qual
essa competência passa a ser do Superior Tribunal de Justiça,
que vai receber não apenas a competência como também a
herança dessa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Então, em relação ao primeiro ponto, o Brasil tem essa
dificuldade.
No que diz respeito ao Mercosul,
especificamente, o Supremo Tribunal Federal tem entendido
que, diante de acordos internacionais – a exemplo dos acordos
que pautam a cooperação no âmbito Mercosul, tanto em matéria
penal quanto em cível -, é possível haver medidas cautelares
ou cartas rogatórias que solicitem medidas cautelares de
efeito executório. Ou seja, no âmbito do Mercosul, esse
problema é diminuído.
Curiosamente, entretanto, essa jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal contradiz a sua própria linha de
argumentação para negar a cooperação aos demais países. Por
quê? Se, de fato, a concessão de exequatur a cartas
rogatórias viola a ordem pública ou a soberania – como quer o
Supremo nos demais casos -, não poderia um acordo
internacional autorizar uma violação à ordem pública ou à
soberania.
De forma que, no tocante, ao Mercosul,
especificamente, no primeiro tema, a posição do Brasil, em
relação aos países do Mercosul, é de certa maneira
confortável, porque, diferente dos demais países com os quais
o Brasil não tem acordo, permite-se que a decisão estrangeira
venha ao Brasil e seja válida e executada por meio de uma
carta rogatória ou de qualquer outro pedido – seja o nome que
for – de um juiz a outro.
Em relação à segunda pergunta: na cooperação
judiciária, no âmbito do Mercosul, seria desejável que o
exame prévio de ofensa à ordem pública ou à soberania, para a
concessão de exequatur ou homologação de sentença
estrangeira, fosse realizado de maneira difusa?
O grupo entendeu que a posição atual do Brasil
de concentrar esse juízo de delibação – hoje, no Supremo e,
amanha, no STJ - é um sistema que não encontra guarida na
maior parte dos países e que leva importantes tribunais, como
a nossa Corte Constitucional e o nosso Superior Tribunal de
Justiça, a terem que se preocupar com casos tais como:
homologação de sentenças de divórcio ou atos de mero
expediente.
O fato é que isso assim permanece, a despeito
de alguns tratados – inclusive no âmbito do Mercosul –
permitirem o envio direto, por exemplo, de cartas rogatórias
nas regiões de fronteiras, de juiz a juiz. O Supremo já
considerou isso inconstitucional, tendo em vista a regra do
art. 102, “h”, que determina a competência do Supremo
Tribunal Federal para homologar cartas rogatórias. De forma
que, se um juiz na fronteira com o Brasil tem que mandar uma
carta e precisa ouvir uma testemunha ou citar alguém no outro
lado da fronteira, deve mandar essa carta rogatória para
Brasília; Brasília a manda para Montevidéu – no caso do
Uruguai -; dá-se o exequatur; e vai para a fronteira, para o
juiz do outro lado da rua. Isso tem acontecido e a idéia de
se transformar esse juízo de delibação concentrado em um de
delibação difuso não deve ser muito estranho, porque, por
exemplo, a Lei de Introdução, no seu art. 17, estabelece:
“Art. 17 - As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”
No que diz respeito a atos e sentenças, isso
passa por um juízo de delibação concentrado, mas o juiz
brasileiro, todos os dias, aplica lei estrangeira fazendo
esse mesmo juízo de violação à ordem pública, à soberania e
aos bons costumes – como quer a lei – sem que isso seja de
maneira difusa, e o faz muito bem. Há, claro, pontos
positivos na concentração e há pontos positivos em tornar
esse juízo difuso, mas o consenso no Grupo é que o ideal
seria isso passar a ser exercido de maneira difusa.
Por fim, a última pergunta, último ponto para
consideração: diante das constituições dos Estados-Partes do
Mercosul, é possível homologar sentenças estrangeiras para
efeitos penais, como confisco, impedimento de bens ou
aplicação de penas restritivas de liberdade?
Alguém já disse que aplicação de Direito
Público de outro Estado é um verdadeiro tabu. O Brasil
permite a homologação de sentenças penais estrangeiras
basicamente para aplicação de medida de segurança e por seus
efeitos cíveis. Portanto, não permite a homologação de
sentenças penais estrangeiras, o que não condiz, atualmente,
com a demanda que esse mundo globalizado, esse mundo veloz
exige para dar efetividade ao próprio poder jurisdicional de
cada um dos Estados.
No âmbito da União Européia já se faz a
homologação das sentenças penais estrangeiras, mais e mais a
questão do impedimento de bens, a homologação do efeito penal
de impedimento de bens é necessário como o combate ao crime
como a lavagem do dinheiro. De forma a pergunta que se coloca
é a seguinte: se diante das Constituições dos Estados-Partes
do Mercosul, é possível? No caso do Brasil, o que se
interpreta é que há uma disposição infraconstitucional,
apenas à disposição do Código Penal, mas não haveria nenhum
óbice, salvo melhor juízo, que um tratado possa permitir a
homologação de sentenças penais estrangeiras para efeito como
confisco, impedimento de bens ou mesmo aplicação de penas
restritivas de liberdade.
Quando se vê, por exemplo, a transferência de
pessoas apenas – isso já é bastante comum -, nada mais é do
que o cumprimento no Brasil de uma sentença penal
estrangeira.
São essas, Senhor Presidente, as observações
que eu tinha a fazer em nome do Grupo.
Obrigado.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) – Como o Professor Madruga foi extremamente
rápido, a Professora Nádia de Araújo, Pontífice da
Universidade Católica do Rio Janeiro, vai ser mais. Por
favor.
A SENHORA NÁDIA DE ARAÚJO (PONTÍFICE DA
UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO) – Boa tarde a todos.
Senhor Presidente, procurarei ser breve, porque a idéia deste
Encontro, na verdade, não são palestras, são apenas
colocações as mais diretas possíveis.
O Ministro Ayres Britto falou dessa comunidade
orgânica de nações e, justamente, essa organicidade gera
inúmeros problemas para os particulares. No dia-a-dia do
Mercosul e da solução de controvérsias há um enorme vácuo
para o dia-a-dia dos particulares. E com a intensidade da
integração, evidentemente, temos mais contratos, mais trocas
pela internet; na área de família, que é uma área muito
ativa, mais casamentos, mais separações e problemas relativos
a questões de alimentos, a menores e tantos outros.
No sistema da cooperação, muito pouco se
avançou. Esse Mercosul jurídico relativo à cooperação, na
verdade, é Mercosul que avançou, é o Mercosul que, eu diria,
funciona. Até quando se fala na morte do Mercosul, nas
dificuldades do Mercosul, relançamento do Mercosul, esquece-
se que, desde os anos 90, estão em vigor: Protocolo de Las
Leñas, utilizado, amiúde, pelo Supremo, o Protocolo de
Medidas Cautelares e o Protocolo de Buenos Aires sobre
jurisdição nacional, além de toda uma normativa harmonizada
do Direito Internacional Privado, proveniente da OEA, das
Convenções Interamericanas, que muitas vezes já estão
internalizadas nos quatro Países.
Então, há muita uniformidade nessa área dos
problemas transnacionais no Mercosul e a cooperação jurídica
internacional assume um papel fundamental nesse dia-a-dia.
Ora, no Brasil há uma tradição extensa do papel do Supremo
Tribunal Federal na cooperação internacional. O Supremo
sempre teve o controle concentrado nas cartas rogatórias e
sentenças estrangeiras; e, talvez, para muito países, onde
faz parte de uma obrigação da primeira instância, receber uma
citação para um cidadão proveniente de um outro Estado, no
Brasil, no séc. XIX, já havia essa tradição e o exequatur foi
uma reação a enorme número de advogados portugueses e
ingleses, na época ainda da conservatória, que colocavam
debaixo dos braços as cartas rogatórias e vinham aqui citar,
cumprir medidas de caráter executório, etc. Essa reação, na
época, da administração e, depois, passando-se essa
competência para o Judiciário, a fim de se fazer um controle
prévio, foi uma reação, justamente, a uma atitude
desconhecida, mas não se pode dizer que o momento atual é o
mesmo do séc. XIX. O dia-a-dia de cooperação entre os Poderes
Judiciários é uma realidade e são necessários instrumentos
cada vez mais ágeis. Dizia-me um colega do Uruguai da
dificuldade de, num divórcio, citar-se uma pessoa no Brasil,
levando quatro, cinco meses. Tem-se que colocar uma carta
rogatória no Supremo Tribunal Federal, órgão que tem, em seus
afazeres, uma enorme gama de ações e de problemas da maior
importância, e, afinal, aquela citação não pode ir adiante
sem esse momento prévio no Supremo.
Mas os casos de mero trâmite são relativamente
fáceis. Como bem acentuou o Professor Madruga, há duas
questões muito importantes de se apontar, principalmente
nesse momento de troca de competência, onde certamente o
Superior Tribunal de Justiça se valerá da experiência
cumulada pelo Supremo Tribunal Federal.
O primeiro é nas medidas de caráter
executório. Na Década de 1980, o Ministro Neder negou uma
carta rogatória com caráter executório, dizendo que aquilo
era uma maneira de se evitar a homologação. A homologação de
uma sentença estrangeira exige o trânsito em julgado, exige a
citação da pessoa, uma série de garantias. Portanto, a carta
rogatória, que é mais célere, não podia ter um efeito
dependente da sentença. Estava correto o Ministro naquele
caso concreto, e disse que aquilo era contra a nossa ordem
pública. Todavia, não se passou por uma generalização desse
conceito. É verdade que se diga: a Lei nº 221, ainda de 1894,
também dizia que não se devia dar exequatur às cartas
rogatórias de caráter executório; então, havia toda uma
história de utilização contra medidas desse caráter.
Continuou-se a utilizar a ordem pública quase como um carimbo
vermelho contra tudo que viesse com esse caráter executório.
E não se fez uma análise de mérito, caso a caso, daquelas
hipóteses em que, de fato, a medida de urgência não depende
de sentença: o caso de alimentos provisionais, não há
sentença ainda; o caso de um arresto de bens; o caso de uma
medida garantidora do processo. Tantas são as hipóteses em
que a carta rogatória tem uma finalidade de reparar uma
situação de urgência, em que há uma situação a exigir uma
medida mais rápida. Há também os casos de quebra de sigilo
bancário, conforme ressaltado pelo Professor Antenor. Nesse
aspecto, a jurisprudência do Supremo não evoluiu por uma
análise caso a caso da ordem pública. Porque, afinal, o que é
ordem pública? Ela é o que diz o juiz, é a noção média de
justiça. Há sempre essa balança entre a ordem pública e a
aplicação da lei estrangeira. Manda a nossa lei de introdução
aplicarmos a lei estrangeira nos casos que ela indica. De
forma indireta, o Supremo Tribunal faz isso quando exerce
esse controle nas cartas rogatórias e sentenças estrangeiras.
Porém, há sempre também a válvula de escape da ordem pública,
mas, a meu entender, ela não deve ser vista como algo
negativo, apenas para impedir a aplicação da lei, senão como
algo positivo presente em todos os casos. Todas as vezes que
o Supremo Tribunal Federal e futuramente o STJ debruçam-se
sobre um caso enfocando a questão da ordem pública, ele está
vendo se é contra ou a favor. Então, há um aspecto positivo,
e aplicar o Direito estrangeiro certamente é dar um efeito
positivo à ordem pública.
No caso das medidas cautelares, abrandou-se
aquela jurisprudência de total impossibilidade, com
existência dos tratados internacionais. Isso, de certa forma,
deixou de fazer sentido no sistema, porque, então, só por ser
tratado não é mais contra a ordem pública? Ficou essa
questão, a meu ver, mal resolvida e a merecer uma nova
posição, agora certamente do STJ.
Quero apontar também a questão de medidas
cautelares no curso da sentença estrangeira. Ora, esse caso
apareceu no Supremo. É muito raro, são seis ou sete apenas,
sendo que o primeiro é da década de 1980, em uma Sentença
Estrangeira nº 3.408, havia um pedido de homologação do
divórcio, havia um acordo sobre partilha de bens - que era
parte desse acordo -, e a parte requerente, no curso da
homologação - ela se estendeu, houve vários pareceres e foi
bastante demorada -, teve temor de os bens se dissiparem,
porque houve um inventário em São Paulo, o dinheiro estava
ali e, de repente, o inventário se aprontou. A parte pediu
arresto desses bens para garantir que, quando a sentença
fosse homologada, houvesse bens para o cumprimento. O Supremo
entendeu que a decisão estrangeira só tem eficácia depois da
homologação e que era de todo impossível dar qualquer medida
antes desse momento. Essa decisão não levou em consideração
ser a sentença estrangeira uma ação; o processo de
homologação é uma ação, e, no curso desta, as questões
ligadas ao fumus boni juris e as emergenciais também podem
surgir. No entanto, houve poucos casos, e a questão restou um
pouco submergida, talvez, na extensa jurisprudência.
Mais recentemente, do Ministro Sepúlveda
Pertence, houve a Petição nº 849; no curso da Sentença
Estrangeira nº 4.951, a sentença canadense havia cassado o
Direito de visita à mãe. Esta teria vindo ao Brasil com as
crianças em descumprimento de uma ordem estrangeira, e havia
uma sentença cassando o seu Direito de visita e dizendo que
as crianças deveriam retornar ao Canadá. No curso do
processo, o pai requer já a volta das crianças, o Ministro
Sepúlveda indefere o pedido, mas dá um pedido alternativo,
porque impõe a outra parte o dever de não mudar de endereço
no curso do processo para não causar nenhum prejuízo. Ora,
aqui, diante dos elementos da necessidade da urgência, foi
dado algum tipo de efeito antes da homologação àquela
decisão, mostrando uma evolução na matéria, e os casos mais
recentes dizem respeito a essa questão relativa a menores,
numa certa corrida contra o tempo. São casos corriqueiros.
Hoje, os casais se casam em vários países e, se as coisas não
dão certo, muitas vezes, a mulher volta para o Brasil com as
crianças. No País de origem, o marido obteve um tipo de
decisão de uma guarda compartilhada, que hoje é muito comum
nos Estados Unidos e no Canadá, enquanto, no Brasil, ainda
temos uma preferência pela mãe e, aqui, a guarda provisória é
dada em vinte e quatro horas. Todo mundo sabe que basta
chegar com o pedido de guarda na justiça estadual e, isso é
comum, rapidamente os juízes darem essa medida cautelar. Aí,
há esse choque entre a decisão estrangeira que foi anterior,
mas que não está homologada, e a decisão brasileira que foi
primeira em relação à homologação. E a Justiça tem oscilado
nesses casos, que são bastante graves e estão a demandar mais
cuidado na sua análise.
Então, eram esses os pontos que eu queria
dizer em relação às perguntas. Entendo que é desejável, como
disse o professor Antenor, que se passe a fazer o controle
difuso, não sei se o STJ está menos sobrecarregado que o
Supremo Tribunal Federal e está disposto a dar a esse assunto
a atenção que ao menos nós professores de Direito
Internacional Privado damos, temos muito carinho por esses
temas. São temas que, claro, não têm o teor do dia-a-dia como
questões do consumidor, não têm o volume, mas que afetam o
dia-a-dia de muitas pessoas e que, de certa maneira, se
fossem resolvidos de forma mais rápida, dariam maior
transparência, maior contato entre os cidadãos do Mercosul.
Muito obrigada.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (SUPREMO
TRIBUNAL FEDEERAL) – Eu só queria, para efeito de sintetizar,
me referir especificamente à questão das medidas executórias
propriamente ditas, isto é, aquelas resultantes da eficácia
de sentenças e, portanto, seria dificilmente sustentável que
tais medidas pudessem ser cumpridas independentemente do
controle do ajustamento ao ordenamento jurídico de cada país
da sentença cuja medida deva ser executada. Agora, a
professora pontuou, muito bem, que isso nada tem a ver com as
medidas ditas “executórias” e que, na verdade, são medidas
típicas da chamada jurisdição de urgência e cuja definição
tende exatamente a prevenir situações, tendentes a assegurar
a efetividade de uma futura sentença; e, evidentemente, o
cumprimento desses atos, dessas decisões de caráter urgente
não pode ficar na dependência ou não pode ser indeferido a
pretexto de que dependeriam do controle de um ato que ainda
não existe.
Em terceiro lugar, a questão da ordem pública
- recordo-me da primeira vez em que a palavra ordem pública
foi usada, foi durante a revolução francesa, e quando se
referia à ordem pública, referia-se à ordem social pós-
revolucionária - passou a significar um conjunto quase
indefinível de conceitos para justificar uma série de
respostas, mas que esses chamados critérios de ordem pública
sejam critérios de ordem casuística, isto é, que cada caso
seja examinado à luz dos princípios fundamentais do
ordenamento jurídico, e não invocado de uma maneira genérica
e abstrata para negar o cumprimento de atos de cooperação
internacional.
Finalmente, a questão, que hoje estará mais
afeta ao Superior Tribunal de Justiça, da simplificação das
medidas de caráter instrutório como licitações, notificações,
inquirição de testemunhas, que parecem não poder ter o mesmo
tratamento, algo complexo, das cartas rogatórias que devam
chegar futuramente ao Superior Tribunal de Justiça.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) – Agradeço a coordenação do eminente
Ministro Cezar Peluso e a participação do Dr. Antenor
Madruga, que é da Universidade Católica de Brasília, e da
Dra. Nádia de Araújo, do Rio de Janeiro.
A propósito desse conceito ainda impreciso de
ordem pública, realmente, o Ministro Peluso remete a solução
para o dia-a-dia, para a cotidianidade dos casos, porque
doutrina e jurisprudência, no Brasil, ainda não se
conciliaram em torno do que significa, do ponto de vista
jurídico, essa expressão ordem pública, de que a Constituição
faz uso por mais de uma vez. Entretanto, parece-me que em uma
passagem, o art. 144 da Constituição, a propósito de
segurança pública, é possível dizer que a segurança pública
se assenta em dois pilares: um é a incolumidade das pessoas e
do patrimônio; outro é exatamente essa tal de ordem pública
que nos atormenta do ponto de vista dogmático, do ponto de
vista da aplicação jurisdicional quanto ao seu real
significado. Eu, particularmente, estudo Direito
Constitucional e tenho muita tendência para tentar conceituar
cada qual dos institutos, cada qual das instituições de uso
constitucional, mas confesso que, em matéria de ordem
pública, também não tenho praticamente nada a acrescer,
apenas prometo seguir meditando sobre esse tema. Disse muito
bem o Ministro Cezar Peluso.
Neste momento, em seqüência, ouviremos a
palavra do excelentíssimo Senhor José Raúl Torres Kirmser,
Vice-Presidente da Corte Suprema de Justiça do Paraguai.
Vossa excelência dispõe de 30 minutos também para se
manifestar sobre os temas do roteiro propositivo. Então,
falará seu coordenado, Roberto Ruiz Díaz Labrano.
Muito bem, professor, fique à vontade.
O SENHOR MINISTRO JOSÉ RAÚL TORRES KIRMSER
(VICE-PRESIDENTE DA CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DO PARAGUAI) -
Respondendo à primeira pergunta que diz, se o conjunto
normativo atual é suficiente para promover a ampla cooperação
judiciária entre os Estados-Partes e associados do Mercosul.
Desde o século passado, deste mesmo século, nos países sul-
americanos, tivemos a assinatura de vários tratados de
cooperação jurídica. No âmbito do Mercosul, temos vários
protocolos assinados entre os Estados-Partes e, também, entre
os Estados-Partes e seus associados. Mas, respondendo a essa
pergunta, eu diria: poderia ser se os Estados-Partes e
associados chegassem a ratificar os protocolos assinados,
porque, aqui, tenho uma longa lista de protocolos que até
hoje ainda não foram ratificados pelos Estados-Partes,
principalmente no que se refere aos países associados. Nós
temos protocolos que não foram ratificados, em particular,
por exemplo, temos acordos sobre benefícios de assistência
jurídica gratuita entre os Estados-Partes do Mercosul e as
Repúblicas do Chile e da Bolívia, e outros como o Protocolo
de Las Leñas, que ainda não foram ratificados. Mas gostaria
de me referir ao protocolo de cooperação e assistência
jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e
administrativa entre os Estados-Partes do Mercosul. Esse
mesmo protocolo, na República da Bolívia e na do Chile,
também não foi ratificado.
O Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação e
Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial,
Trabalhista e Administrativa entre os Estados-Partes do
Mercosul foi aprovado por decisão do Conselho do Mercado
Comum nº 5, de 1992, ratificado pela República da Argentina,
em 03 de julho de 1996, pela República Federativa do Brasil,
em 16 de fevereiro de 1996, pela República do Paraguai, em 12
de setembro de 1995, e pela República Oriental do Uruguai, em
15 de junho de 1998. Atualmente, está vigente entre todos os
que assinaram o Tratado de Assunção.
Como foi assinalado a existência de
instrumentos internacionais sobre o tema, podemos mencionar
como fonte desse protocolo as Convenções Interamericanas do
Panamá, de 1965, sobre cartas rogatórias e recepção de provas
no estrangeiro; as Convenções de Montevidéu, de 1997, sobre a
recepção de provas no Direito estrangeiro e cartas rogatórias
nos convênios uruguaio, brasileiro e argentino sobre
cooperação jurídica, no ano de 1991.
O que esse protocolo busca é uma adequada
cooperação jurídica entre os Estados-Partes do Tratado de
Assunção de acordo com a administração da justiça de cada um
deles, com o objetivo de coadjuvar o trato eqüitativo de seus
cidadãos e residentes permanentes e facilitar o livre acesso
à jurisdição, em tais Estados, para a defesa de seus Direitos
e interesses em alcançar a segurança jurídica.
Temos aqui, no preâmbulo, que se pretende
alcançar o fortalecimento do processo de integração e
promover e intensificar a cooperação jurídica em matéria
civil, comercial, trabalhista e administrativa, com o
objetivo de contribuir, dessa forma, ao desenvolvimento da
sua relação de integração, baseado nos princípios de respeito
à soberania nacional, à igualdade de Direitos e interesses
recíprocos e, dessa forma, alcançar os objetivos do Tratado
de Assunção.
Esse protocolo prevê a designação de uma
autoridade central, que será nomeada por cada Estado Parte, e
estará, então, encarregada de receber as solicitações de
assistência jurídica.
Vários são os temas que estão nesse protocolo,
mas, por razões de tempo, mencionaremos apenas o impacto e a
aplicação prática de algumas de suas disposições.
Com relação à aplicação de ofício do Direito
estrangeiro, no Paraguai, o art. 22 do nosso Código Civil
consagra o princípio de que o Direito estrangeiro, sempre que
aplicável, seja incorporado ao nosso regime legal. Então, com
a sua incorporação, os juízes fazem a sua aplicação. Com essa
mudança, com a nossa nova legislação, modificou-se um sistema
totalmente adverso, contrário, onde somente era consagrado
que o Direito estrangeiro poderia ser aplicado a pedido das
partes e com ônus da prova de cada uma das partes. Então,
agora, o juiz deve aplicar o que está na norma vigente. Os
juízes e tribunais aplicarão, de ofício, as leis estrangeiras
sempre que não se oponham às instituições políticas, às leis
da ordem pública, à moral e aos bons costumes, sem prejuízo
das partes, provando a existência e o conteúdo das mesmas.
Esse Protocolo de Las Leñas, de acordo com o
art. 22 do Código Civil paraguaio, facilita a questão
legislando a respeito da informação do Direito estrangeiro.
Com relação ao procedimento para a obtenção de
tal informação, o art. 28 dispõe que as autoridades centrais
dos Estados-Partes fornecerão, em conceito de cooperação
jurídica e sempre que não se oponham às disposições da ordem
pública, relatórios em matéria civil, comercial, trabalhista,
administrava e de Direito internacional privado, sem nenhum
gasto.
O art. 29 prevê a possibilidade de que a
informação jurídica referida no art. anterior possa ser
efetuada por meio das autoridades diplomáticas ou através do
consulado de cada Estado Parte.
Com relação ao alcance dos relatórios, o
Estado que os forneça não será responsável pela opinião
emitida. Nenhum Estado que os receba estará obrigado a
aplicar ou fazer aplicar o Direito estrangeiro de acordo com
o conteúdo da resposta recebida.
Essas disposições são muito úteis para os
países como o nosso, onde os juízes e os tribunais devem
aplicar, de ofício, as leis estrangeiras, pois elas são
incorporadas no pleno Direito do ordenamento jurídico
vigente.
Com relação à igualdade do trâmite processual
há norma relevante, principalmente no momento atual, pois a
troca comercial e o trânsito de pessoas aumentaram
consideravelmente desde a vigência do Tratado de Assunção. Os
cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados-Partes
gozarão das mesmas condições que os cidadãos e residentes
permanentes de outro Estado Parte de livre acesso à
jurisdição em tal Estado para a defesa dos seus Direitos e
interesses. O parágrafo precedente, no art. 3º, se aplicará
às pessoas jurídicas constituídas, autorizadas ou registradas
de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes. Essa
disposição consagra o princípio da igualdade, que no nosso
país tem figura constitucional, já que foi consagrado nos
art.s 46 e 47 da Constituição Nacional. O art. 46 estabelece
a igualdade das pessoas. Consagra o seguinte: Todos os
habitantes da República são iguais em dignidade e Direito.
Dito isto pelos paraguaios, então, não admitimos, portanto,
discriminações. O Estado resolverá os obstáculos e impedirá
os fatores que os propiciem ou os mantenham.
Conseqüentemente a essa igualdade de trâmite
processual, o art. 4º do protocolo consagra o princípio da
exclusão ou da necessidade das imposições das normas
processuais dos países signatários do tratado. Estabelece
essa disposição: nenhuma caução ou depósito, qualquer que
seja sua denominação, poderá ser imposta em razão da
qualidade ou residente de outro Estado Parte. O parágrafo
precedente será aplicado a pessoas jurídicas constituídas e
autorizadas ou registradas de acordo com as leis de qualquer
dos Estados-Partes. Entretanto, o nosso art. 225 do Código
Processual Civil consagra a exigência, mas esse art. 4º a
derroga com relação aos cidadãos ou entidades jurídicas dos
países integrantes do Mercosul.
Também temos disposições com relação à
cooperação em atividades de trâmite probatórias e em relação
ao reconhecimento e à execução de sentença e de laudos
arbitrais.
É bem verdade que o nosso código processual
estabelece disposições que são quase as mesmas. Vemos aqui,
no art. 2120, que estabelece as exigências para que as
sentenças ou os laudos possam ter eficácia nos países
signatários do Mercosul, com o esclarecimento de que não se
contrariem os princípios de ordem pública do Estado no qual
foi solicitado o reconhecimento ou a execução.
Aqui temos disposições com relação à validade
dos instrumentos públicos realizados nos diferentes países do
Mercosul. O protocolo contempla que é possível fazer valer em
outro país, sem a necessidade de solicitar que os
instrumentos sejam legalizados nos outros países. Mas para
que isso seja viável, deve ser realizado o procedimento por
meio das autoridades centrais. Para nós, paraguaios, e acho
que também para os argentinos, essa norma é muito relevante,
porque ainda não chegamos ao Mercosul, mas o trânsito de
pessoas é intenso. De acordo com dados extra-oficiais, neste
momento, em Buenos Aires, acho que moram mais de quinhentos
mil paraguaios, e, no Paraguai, centenas de argentinos filhos
de paraguaios, todos sem documentação. Temos, então, as
disposições desse protocolo e vemos que tudo poderia ser
resolvido com relação a documentações por meio de trâmites
das autoridades centrais.
Várias são as disposições e vários são os
tratados. Temos também o Protocolo de São Luis, de 1996/1998,
e outros, mas, por razões de tempo, mencionei apenas algumas
das disposições do Protocolo de Las Leñas.
Agora, passo a palavra para o Professor Dr.
Roberto Ruiz Dias Labrano.
O SENHOR MINISSTRO CARLOS BRITTO (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) – Então, ouviremos o Dr. Roberto.
Obrigado.
O PAROFESSOR ROBERTO RUIZ DÍAZ LABRANO – Muito
obrigado.
Tenho pouco tempo e terei que ser breve, e
assim facilita muito o trabalho e a tarefa.
Gostaria de agradecer ao Ministro, porque ele
já praticamente mencionou os temas das medidas cautelares.
Vamos ver se com esse pouco tempo eu poderei
falar um pouco das experiências do nosso país, em particular,
e da visão que temos da cooperação jurídica do Mercosul.
Digamos, em primeiro lugar, que a cooperação
jurídica no Mercosul, como foi dito em uma das disposições
anteriores, verdadeiramente é o âmbito dentro no qual tivemos
um progresso extraordinário no Mercosul. Essa aproximação dos
povos e dos Estados se manifestou no tema, particularmente no
da atividade dos Ministérios de Justiça dos Países-membros.
Por meio dos protocolos de cooperação, tivemos
a manifestação de uma das contribuições mais importantes para
aproximar os critérios jurídicos de aplicação e harmonização
legislativa em âmbitos tão importantes como o da cooperação
jurídica internacional.
Esses instrumentos, como vimos, já têm uma
aplicação prática. Entretanto, precisam ainda de certos
elementos, neste momento, de caráter prático que, então, os
Estados, as Cortes Supremas de Justiça dos Países-membros
podem adotar. Temos vários instrumentos jurídicos. Temos as
dificuldades dos mecanismos de aplicação. Vimos, e falarei
rapidamente sobre algumas diferenças.
O pedido de cartas rogatórias nos Países-
membros, em termos gerais, na Argentina, Paraguai e acho que
no Uruguai também, são canalizadas atualmente por meio da
autoridade central, ou canalizadas por intermédio da Corte
Suprema de Justiça. Elas vão para o juizado de primeira
instância, local onde estão aqueles que examinam se reúnem
essas condições ou requisitos básicos para a sua
aplicabilidade ou viabilidade.
Nós, entretanto, observamos que essa tarefa,
há muito tempo permanece nas mãos do Supremo Tribunal
Federal, no Brasil. Agora, escutei – e acho fantástico – que
isso vai para o Superior Tribunal de Justiça. Há muita lógica
que assim o seja, porque não concebemos no Direito de não
termos uma dupla instância de revisão. É verdade que o
Supremo Tribunal Federal é a última instância, a instância
suprema, mas a garantia essencial de justiça é a dupla
verificação, a dupla instância.
Também temos algumas falhas na Corte Inter-
Americana de Justiça, que estão propugnando anular aquilo que
não obedece a uma dupla instância. Então, aplaudo esse passo
importante dado e vemos o desprendimento do Supremo Tribunal
Federal no que se refere a essa tarefa de revisão das
rogatórias encaminhadas ao Brasil. Espero que, no futuro,
através dos organismos criados, esse tema seja ainda mais
ágil, inclusive para o controle de atributos essenciais para
os juízes de primeira instância, com a revisão das instâncias
superiores e da constitucionalidade, se assim for necessário.
Os aspectos práticos que se apresentam nessas
questões hoje em dia não são por falta de instrumentação. Os
instrumentos jurídicos estão presentes. Na região, temos
suficientes instrumentos jurídicos para alcançar a cooperação
jurídica, mas o problema é a implementação. Uma implementação
requer, no nosso ponto de vista – e eu já conversei com
algumas pessoas, especialmente com Perotti, a respeito -, de
alguns requisitos e oportunidades como essas, porque aqui
podemos dar saltos quantitativos, qualitativos com relação ao
que pode ser feito. Então, até esse momento, foram os
Ministérios da Justiça que propiciaram os instrumentos
jurídicos. Ainda falta uma instância ou um grupo de
funcionários que pertençam às cortes supremas de Justiça para
harmonizar o sistema de aplicação da cooperação judicial dos
quatro membros.
Acho muito importante que - e já está no Protocolo
de Las Leñas – podemos encontrar a base para a constituição
de um organismo dessa natureza, independente do Mercosul, sem
que os órgãos judiciários nacionais percam a sua competência.
O que faremos, então, se o órgão é criado? Simplesmente
facilitaria o trabalho dos órgãos judiciais serviriam de
veículo para agilizar a aplicação absolutamente rápida dos
requerimentos e das cartas rogatórias. Então, seria uma
grande contribuição da Corte Suprema de Justiça, que ocuparia
o plano que corresponde atualmente. Assim, temos o sistema
normativo de cooperação jurídica e ainda falta o sistema de
viabilização e aplicação desses instrumentos por meio da
criação desse tipo de órgão. Na prática esse tipo de órgão
seria absolutamente importante. Vou mencionar rapidamente um
exemplo: nenhuma instituição garante contra a corrupção, a
delinqüência que esta exista e, às vezes, por meio dos
instrumentos que recebem os Estados e os órgãos jurídicos,
podemos ver a situação que vimos, na prática, entre Argentina
e o Paraguai no caso concreto. No caso concreto, foram
solicitados uma pensão alimentícia e o reconhecimento de
paternidade na Argentina, sendo que o afetado apresenta como
prova, para demonstrar que não era o pai e que não tinha
obrigação de pensão alimentícia, o certificado de nascimento
legalizado num país estrangeiro. Mediante essa prova,
instrumento público, proveniente de um órgão público
estrangeiro, devidamente legalizado, o juizado de primeira
instância na Argentina não teve alternativa, senão não
reconhecer o instrumento de paternidade por causa também do
outro tema que mencionei da pensão alimentícia. Dessa forma,
mediante recursos e meios, porque se tratava de uma pessoa
com posses, a certidão de nascimento demonstrando que o pai
dessa criança era outro que vivia no exterior. Então, a
segunda instância confirma e chega ao Supremo Tribunal de
Justiça – e aí está a percepção do Poder Jurídico e do juiz
que deve, então, utilizar, não somente sua inteligência, mas
também não sair do marco legal – e o Ministro do Tribunal de
um dos Estados da Argentina percebeu o que estava por trás.
Percebeu que esse instrumento era falso, mas, como não podia
discutir a legalidade de um instrumento proveniente do
estrangeiro e legalizado e não podia anular este instrumento
sem ter nenhum elemento, portanto, pergunta simplesmente à
Corte Suprema de Justiça para que, por meio desse Tribunal
Supremo de Justiça, o órgão jurisdicional competente do
Paraguai verifique quais são os requisitos necessários na
legislação paraguaia para que um certificado, ou uma certidão
de nascimento seja válido. Assim, fez uma consulta técnica em
função da legislação aplicada e não quanto ao conteúdo. A
conseqüência desse pedido é que o pai não existia, a certidão
de nascimento era falsa e todos os elementos que tinham sido
publicamente apresentados eram falsos e provenientes de
notoriedade judicial do Estado estrangeiro, que tinha
emitido, em princípio, tal documento. Então, o Supremo
Tribunal de Justiça desse Estado declarou que aquele
instrumento não servia como instrumento de prova, por essas
razões, e se reconheceu a paternidade e, ao mesmo tempo, a
pensão alimentícia.
O que demonstra esse caso? Demonstra que não
estamos isentos desse tipo de coisa, que o que precisamos é
de órgãos ágeis, capazes de detectar e de viabilizar
rapidamente a informação necessária para que os órgãos
judiciais dos nossos Estados, no âmbito de Mercosul e no
âmbito da aplicação da cooperação judicial internacional
sejam o suficientemente expeditivos, mas ágeis e, também,
confiáveis, por meio de órgãos, para que assim seja.
Temos experiências na Argentina de centros de
cooperação jurídica; implementos feitos em outros Estados, no
Paraguai, experiências muito importantes, por intermédio da
Secretaria formada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
É difícil dizer, simplesmente, como uma resposta
concreta para todos os temas possa oferecer cooperação
judiciária internacional.
Esse é o último comentário que falamos a respeito
da ordem pública. A maioria dos convênios e protocolos de
cooperação jurídica internacional fala das violações da ordem
pública, que são expressos de uma forma manifesta, ou seja,
que sejam percebidos de uma forma manifesta. Isso significa,
em primeiro lugar, que há uma diferente entre a ordem pública
interna e a ordem pública internacional, e, também, há uma
diferença muito importante, que deve ser apreciada pelos
magistrados, com relação à qual ordem pública estamos
falando. Quando falamos de ordem pública internacional,
estamos falando daquilo que, frente ao que o Estado como tal
e a sua relação com outro Estado poderia considerar
verdadeiramente aberrante ou que é contrário à própria
estrutura do sistema jurídico de um Estado. Coisa que na
ordem interna é absolutamente diferente. Por isso as
expressões contidas nos protocolos de cooperação e nas
convenções interamericanas do Direito Internacional Privado
utilizam esta expressão: manifestamente atentem contra a
ordem pública, ou seja, não se trata de uma mera apreciação
de que estamos mediante uma possibilidade de que este
requerimento afete a ordem pública, mas deve ser de uma forma
palpável, de uma forma manifesta que deve despertar, então,
essa sensação, de que verdadeiramente isso é contrário à
ordem jurídica interna.
Penso que esta oportunidade é magnífica para a
proposta, que não é uma proposta da minha iniciativa, mas,
simplesmente, nasce do conteúdo dos próprios instrumentos do
Mercosul. Acho também que é uma magnífica oportunidade para
que o Supremo Tribunal de Justiça passe a observar os
instrumentos emanados pelos ministérios de Justiça para que
seja, então, o protagonista da criação dos órgãos necessários
para a viabilização desses instrumentos e para que a
cooperação jurídica internacional reflita cada vez mais essa
sensação de justiça, que o que esperam todos os cidadãos.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (SUPREMO
TRIBUNAL FFDERAL) – Agradeço ao Senhor Ministro da Suprema
Corte do Paraguai, José Raúl Torres Kirmser, assim como ao
Professor Doutor Roberto Ruiz Dias Labrano.
Deveríamos parar agora para o “coffee break”,
para um cafezinho, mas a direção me pediu para prosseguir na
exposição dos temas e o café fica para a parte final, antes
dos debates.
Dando seqüência, portanto, à programação,
convido o excelentíssimo Senhor Leslie Van Rompaey Servilllo,
Presidente da Corte Suprema do Uruguai, para fazer uso da
palavra. Também, como já temos observado, Vossa Excelência
dispõe de 30 minutos para se manifestar sobre os temas do
roteiro propositivo, o que Vossa Excelência pode fazer,
também, dividindo com os seus coordenados.
O SENHOR MAGISTRADO LESLIE VAN ROMPAEY
SERVILLO (PRESIDENTE DA CORTE SUPREMA DO URUGUAI) – Muito
obrigado, Senhor Presidente, vou ser muito mais breve do que
isso.
Entendemos que a cooperação ou a assistência
judicial constitui um princípio de Direito processual
internacional. A ação jurisdicional deve chegar a onde seja
necessário através de atos ou instâncias do processo que por
diferentes circunstâncias precisam ser executadas ou
cumpridas em outros Estados, notificar no estrangeiro,
encontrar provas em outro país, cumprir uma medida cautelar
ou executar uma sentença fora da fronteira. A cooperação
judicial internacional é um mecanismo que permite que a
Justiça não se detenha na fronteira dos Estados.
O mundo moderno está sinalizado pela
internacionalização das relações humanas; parte delas são
relações jurídicas, as que também apresentam grau crescente
de internacionalização. Assim, então, quando se desenvolve um
processo judicial num Estado, é freqüente que seja necessário
realizar algum ato processual no exterior através da
solicitação ao juiz desse país. Essa situação se dá em todas
as matérias jurídicas, desde as relações familiares, as
civis, as mercantis, empresariais, etc.
O fenômeno do Mercosul incrementou as relações
jurídicas-privadas entre os habitantes da região e,
conseqüentemente, de forma crescente, promovem-se processos
que precisam do auxílio judicial internacional. Na
atualidade, entre os quatro países que formam o bloco, existe
uma grande quantidade de tratados internacionais que têm por
objeto a cooperação judicial internacional, contribuindo para
o cumprimento do art. 1º do Tratado de Assunção. A situação
não é igual nas diferentes matérias civil e penal. Na
cooperação jurisdicional em matéria civil, devemos dizer que
os quatro países ratificaram as convenções da CIDIP sobre
cooperação. A convenção sobre cartas precatórias e cartas
rogatórias foi ratificada também por muitos outros Países
Americanos além dos Estados Unidos e Espanha e está em vigor
nos quatro Países. Há, também, a Convenção de Olivos,
cumprimento de mandatos judiciais e recepção de provas no
estrangeiro da convenção de medidas cautelares, da convenção
de eficácia extraterritorial das sentenças e laudos arbitrais
estrangeiros. Essas quatro convenções cobrem adequadamente o
aspecto da cooperação civil internacional.
Existe, também, o Protocolo Las Leñas sobre
Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil,
Comercial, Trabalhista e Administrativa. Existe a convenção
de medidas cautelares, Protocolo de Ouro Preto (decisão nº
27, de 94, do CMC). Essas duas convenções completam a
regulamentação das cooperações internacionais. Essas normas
do Mercosul tomaram como modelo as convenções da CIDIP, mesmo
tendo algumas desvantagens em relação àquelas. Por exemplo,
se determina como uma única de transmissão das cartas
precatórias, a via da autoridade central. Quando, 20 anos
atrás, além destas existiam quatro vias clássicas: a
diplomática, a judicial, a autoridade central e via
particular. Além disso, à época em que foram relatadas as
convenções do Mercosul poderiam ser previstas as vias de
“fax” e “internet” para mais rápida transmissão dessas cartas
precatórias. Nada impede fazê-lo; seria possível em favor da
cooperação.
A cooperação internacional entre os países do
Mercosul parece ótima, mas não é assim. Existem problemas
práticos e burocráticos que tornam mais lentos os processos e
dificultam a cooperação. Seria conveniente que os maiores
esforços se dedicassem a estudar e resolver os problemas
práticos existentes, pois o marco jurídico descrito é
adequado e suficiente. Isso não significa que esse marco não
possa ser complementado e melhorado, mas quem conhece de
perto esse funcionamento da cooperação judicial no Mercosul
sabe que os problemas reais que se enfrentam não têm a ver
com a falta de tratados e, sim, com outras intenções: a
lentidão, a má ou incorreta aplicação das normas vigentes por
parte dos encarregados de sua aplicação, a falta de
seguimento das cartas precatórias, etc. Estão ligados pelo
Protocolo de São Luiz, sobre as Assistência Jurídica e
Assuntos Mútuos em Assuntos Penais, de 25/06/96, (decisão
CMC, 02/96, e decisão CMC, 1201). Esse Tratado cobriu
aspectos da cooperação penal, que não eram convenientes e
modernamente regulamentados, pois faltava uma convenção sobre
os aspectos da chamada cooperação judicial internacional
penal de grau médio ou mínimo. Isso se refere à prova e às
medidas cautelares em matéria penal. Em matéria de extradição, subscreveram, no Rio
de Janeiro, os acordos de extradição, os seguintes Países
Partes: Bolívia e Chile. Em 1996, foi assinado esse acordo de
extradição; que também foi assinado, em 1995, na Argentina, e
no Uruguai, em 1999. Estimamos que existe um marco normativo
adequado, em matéria de cooperação judicial internacional,
nos quatro países do Mercosul, seja para as convenções
continentais em vigência, seja para as próprias convenções
nascidas e aprovadas no âmbito da região. Esse marco
normativo é o mais completo em matéria penal. O problema é
que existe uma falta de seguimento dos pedidos, um
cumprimento dos atos de cooperação solicitados, etc. Isso se
deve a aspectos que estão mal implementados na prática a
temas burocráticos, a não-previsão e falta de utilização dos
meios tecnológicos atuais, como a falta de conhecimentos e
costumes dos operadores jurídicos dos tribunais,
funcionários, etc. Há certos prejuízos que são mantidos nos
Estados sobre a ordem ou pedidos judiciais provenientes do
exterior.
Em definitivo, é necessária a difusão do
conhecimento das ferramentas que existem entre os operadores
jurídicos, que são aqueles que executam os mecanismos que
precisam os particulares para a elucidação daqueles litígios
que necessitem transcender as fronteiras.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) - Agradeço a Sua Excelência Leslie Van
Rompaey Servillo, que é Presidente da Corte Suprema do
Uruguai.
Em seqüência, ouviremos a palavra da Senhora
Ministra Elena Highton de Nolasco, que representa a Corte
Suprema de Justiça da Argentina, e aviso a Vossa Excelência
que o tempo é o mesmo: 30 minutos,
A SENHORA MINISTRA ELENA HIGHTON DE NOLASCO
(CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA ARGENTINA) – Muito obrigada.
Vocês devem estar um pouco cansados, mas vamos
completar com o 4º tema sobre Cooperação Judicial.
A globalização e os processos de integração
que implicam na transação de capitais, investimentos e forças
de trabalho, assim como um veículo vivificante para a troca
de culturas, também levam para esse desafio de encontrar
instrumentos de cooperação jurídica, que permitam enfrentar a
internacionalização do delito ou da persecução dos
responsáveis por um delito feito na jurisdição doméstica
quando isso ultrapassa as fronteiras e, portanto, resulta
imprescindível encontrar mecanismos que levam em consideração
os Poderes Judiciais dos Estados-Partes para terem esse
sentido de continuidade mais além das fronteiras.
No âmbito europeu, foi pioneiro o Convênio de
Shangai, que pautou as necessidades de cooperação tanto
judicial quanto policial, servindo, assim, como insumo
essencial no momento de chegar tal competência no âmbito
comunitário.
O desenvolvimento paulatino do Mercosul
produziu um aumento de interação jurídica entre os seus
habitantes, aumentando, assim, a quantidade de processos
promovidos que requerem um auxílio da administração de
Justiça. Dos antecedentes de cooperação judicial que veiculam
os Países-membros do Mercosul podemos estabelecer uma
diferenciação entre os instrumentos de caráter multilaterais
e os de caráter regional ou bilateral.
Entre os instrumentos multilaterais,
verificados em instância civil, temos a convenção de cartas
rogatórias e o seu protocolo adicional, a convenção sobre a
recepção de provas no estrangeiro e seu protocolo, a
convenção de medidas cautelares e a convenção sobre a
eficácia extraterritorial das sentenças e laudos arbitrais
estrangeiros.
Então, no âmbito do Mercosul, temos vigentes
os protocolos das leis sobre a cooperação e assistência
jurídica em matéria civil, comercial e trabalho
administrativo e a convenção das medidas cautelares –
Protocolo de Ouro Preto.
Mais precisamente no nosso País, gostaria de
mencionar a recente sanção da Lei nº 25.935, mediante a qual
temos a aprovação do acordo de cooperação e assistência
jurídica em matéria civil, comercial, trabalhista e
administrativa, entre os Estados-Partes do Mercosul e as
Repúblicas do Chile e da Bolívia. Para isso, foi levado em
consideração o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurídica
em tais matérias, aprovado em Lãs Lenhas, pela Decisão nº 592
do Conselho do Mercado Comum, vigente nos quatro Estados-
membros dos Acordos de Complementação Econômica nºs 35 e 36,
assinados pelo Mercosul e pelas Repúblicas do Chile e da
Bolívia, respectivamente, aprovados pelas decisões do
Conselho do Mercado Comum nºs 14/96 e 2/97.
Sancionando essas normas e afirmando a vontade
de ter resoluções jurídicas comuns, temos o propósito de
diversificar a cooperação jurídica em tais áreas, com o
objetivo de contribuir para o desenvolvimento das suas
relações de integração, baseando-se, então, no respeito da
soberania nacional, igualdade de Direitos e interesses
recíprocos.
De outro lado, esse acordo também leva em
consideração os residentes e cidadãos e facilitará, portanto,
o livre acesso à jurisdição dos Estados-membros.
Por tudo isso, então, vemos que esse é um
passo importante no marco de um processo de integração na
medida em que temos a adoção de instrumentos comuns com o
objetivo de consolidar a segurança jurídica. Na realidade,
esse ocorreu justamente no mês passado e foi promulgado como
lei na Argentina.
Ainda faltando instrumentos multilaterais
sobre a cobrança jurídica internacional da matéria, o
Mercosul pode exibir o Protocolo de São Luís sobre
Assistência Jurídica Mútua e Assuntos Penais, desde o ano de
1996, completando o esquema com os acordos de extradição
entre os Países-membros, assinados no Rio de Janeiro, em
1998.
Todos os instrumentos enunciados devem ser
somados aos tradicionais convênios bilaterais que vinculam
nos Países do Mercosul entre si. Se tivermos essa cooperação
jurídico-internacional como gesto de cortesia, portanto
sujeito à arbitragem dos Estados, a globalização que
interconecta as situações de variados contextos,
protagonizadas por cidadãos de múltiplas origens, tornou
imprescindível a busca de uma eficaz cooperação jurídica como
condição da própria necessidade do Estado, já que a
administração da justiça é um dos deveres indelegáveis. Disso
vemos, então, a necessidade de prestar cooperação a cada
Estado no concerto das nações.
A partir dessa perspectiva, coincidimos com a
postura exposta na minuta do Superior Tribunal Federal para o
grupo de trabalho de Cooperação Jurídica, mas não tem sentido
considerar as cartas rogatórias, que demandam medidas
executórias, como contrárias à ordem pública, à soberania
nacional, e só resultaria admissível a pretensão de
reciprocidade.
Portanto, resulta crucial este Encontro,
porque oferece a oportunidade de ter contato com a verdadeira
práxis dos acordos, revisando as dificuldades práticas, tais
como surgem também no Uruguai com o único âmbito de aproximar
os nossos povos na construção de um caminho comum. Por essa
razão, é preciso garantir a eficácia na tramitação de atos
processuais e jurisdicionais no âmbito internacional.
De certa forma, o obstáculo para isso é a
análise da jurisdição no Protocolo de Las Leñas, pois, com
relação à execução de sentença, temos a do juiz quando devia
ser a do requerente. Dessa forma, propusemos uma reforma.
Por outro lado, a experiência concreta do
Poder Judiciário, na Argentina, sobre alguns temas que
requerem cooperação internacional em matéria jurisdicional,
surge de um trabalho realizado, pela Comissão do Mercosul, da
Associação de Magistrados e Funcionários da Justiça Nacional
na Argentina, o Grupo Ibero-Americano apresentado na União
Internacional de Magistrados. Isso merece especial atenção,
pois o tratamento de alguns temas reflete as conquistas
alcançadas no âmbito regional, assim como o que está pendente
como ponto de referência para a construção de uma cooperação
mais frutífera e fecunda. Nesse contexto, gostaria de
mencionar alguns temas, entre eles a restituição
internacional de menores, porque, em nenhum dos quatro
países, um dos pais não tem - individualmente, o cenho ou a
conduta do progenitor, sem a intervenção do juiz competente -
o Direito de fixar residência habitual da criança no país
estrangeiro. Esse tema mereceu regulação penal nos quatros
Estados-membros.
Sendo a restituição de menores um capítulo
fundamental na cooperação internacional destinada à proteção
da criança, gostaria de destacar que três dos Países que
fazem parte do Mercosul – Argentina, Paraguai e Uruguai – têm
uma longa história de cooperação jurídica através de
instrumentos elaborados no final do séc. IX. No Tratado de
Direito Civil Internacional de Montevidéo, há posteriormente
aprovação também a respeito dessa matéria, na convenção sobre
a restituição de menores. Em 1992, recomendamos aos Estados-
Partes do Mercosul que a aprove, e, hoje em dia, felizmente,
esse convênio está vigente em todo o espaço integrado.
As carências e os desafios com relação a isso
ocorreram pelo aumento das relações entre as autoridades
centrais e as autoridades jurídicas dos quatros Estados-
membros, no que foi acordada e também acrescentada a reforma
introduzida pela emenda do Protocolo de Las Leñas, porque
amplia as opções para os juízes de fronteiras e para a via
diplomática organizar serviços jurídicos especializados que
estavam pendentes, melhorar o controle sobre as fronteiras
comuns com o objetivo de verificar de forma eficiente o
traslado dos menores com as devidas companhias e
autorizações, favorecendo a rápida localização de todo menor
perdido, ou deslocado ilicitamente, ou retido ou seqüestrado.
Em matéria de extradição, como conquista,
podemos dizer que, em 10 de setembro de 1998, celebramos o
acordo sobre extradição nos Estados-Partes do Mercosul,
tomando como base os instrumentos jurídicos do Tratado de
Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, da Decisão nº 01/95 do
Conselho do Mercado Comum e o Acordo nº 13/98, da Reunião de
Ministros de Justiça no Mercosul. Então, os Estados-Partes se
comprometeram a harmonizar as suas legislações, chegar a
soluções jurídicas comuns, com o objetivo de fortalecer o
processo de integração, fomentar a cooperação jurídica, e a
extradição com áreas de interesse comum, simplificar e
agilizar a cooperação internacional para possibilitar a
harmonização e a compatibilização das normas que regulam o
exercício das funções jurídicas. Mas, sem dúvida nenhuma, o
objetivo primordial é o da obrigação de conceder a extradição
recíproca, de acordo com as regras e condições estabelecidas
no acordo; da mesma forma, similar acordos penais com os
associados.
Vemos que a Argentina assinou o tratado de
extradição com o Brasil, Paraguai e Uruguai, além de outros
instrumentos para facilitar a cooperação e, também, o
traslado de condenados de cada um dos Estados-Partes. Depois, temos um tema interessante, como o
controle e fiscalização da fabricação e o tráfico de armas.
Em 1998, os Presidentes dos Estados-membros do Mercosul,
juntamente com os Estados associados – Bolívia e Chile -,
assinaram uma declaração para criar um mecanismo conjunto de
registro de compradores e vendedores de armas, munições,
explosivos e materiais conexos. Em 16 de outubro de 2003,
tivemos um memorando de entendimento para estabelecer um
mecanismo permanente de intercâmbio, de informação a respeito
da circulação do tráfico ilícito dos Governos da Argentina e
do Brasil, configurando o primeiro instrumento que veicula
dois dos signatários do Tratado de Assunção com relação à
matéria.
As carências com relação a esse tema são o de
que poderiam ser adotados os princípios e critérios sobre o
Código de Conduta da União Européia, em matéria de exportação
de armas, para poder prevenir o tráfico ilícito de armas
pequenas e leves. E deveríamos ter mecanismos que permitissem
um controle no comércio de armas de fogo, munições,
explosivos e materiais relacionados com os sistemas de
informações regionais e colaboração jurídica na matéria.
Algumas observações aos mecanismos vigentes
consistem em que parece existir uma coincidência, já que o
marco normativo da cooperação jurídica no Mercosul é apto
para acompanhar esse processo de integração. Entretanto, a
implementação prática muitas vezes não é tão satisfatória.
Por isso, temos a intervenção de fatores de diferentes
índoles, desde a resistência burocrática, a ineficiência
variada, como erros na aplicação da normativa vigente, até
concepções de fundo enraizadas nos tópicos tradicionais de
jurisprudência, que insistem em serem aplicados sem efetuar o
exame pontual do tema à luz dos compromissos contra eles em
matéria de integração. Por isso, somamos as observações
efetuadas com relação à jurisdição e ao alcance da ordem
pública.
Outra questão se refere à falta de
acompanhamento das cartas rogatórias por parte das nações
requerentes e o cumprimento por parte das nações requeridas.
Mas nos instrumentos vigentes, como o protocolo de medidas
cautelares do Mercosul, falta eficácia pela inclusão de
pautas que se referem a um sentido de soberania.
Então, chegamos a duas conclusões: aquelas que
estão vinculadas por razões de ordem fáticas e aquelas
questões conceituais. A primeira é o fato de que razões de
ineficiência também conspiram no momento de levar adiante a
gestão de medidas solicitadas através de cartas rogatórias.
Tal ineficácia é de índole bilateral, porque é originada em
obstáculos que operam tanto no país requerente como no
requerido.
Por essa razão, gostaria de destacar a
iniciativa que, oportunamente, teve a presidência da Corte
Suprema Argentina, cuja resolução propunha centralizar, numa
dependência própria, o seguimento das cartas rogatórias
enviadas ao exterior pelo juiz do Poder Judiciário da Nação,
assim como efetuar o acompanhamento da gestão dos mesmos.
Isso, à luz das propostas habituais que constam nos
documentos de trabalho que já circularam. O projeto que
oportunamente foi trabalhado, no âmbito da presidência e do
Tribunal, leva em consideração que era visto com preocupação
que a gestão das medidas solicitadas pelos magistrados
argentinos, mediante a justiça de países membros do Mercosul,
nem sempre se ajustava ao que tinha sido acordado no marco
dos protocolos.
Em matéria de cooperação, o judiciário requer,
então, uma efetiva coordenação institucional com relação aos
Ministérios de Justiça e Relações Exteriores. Dessa mesma
forma, considero que, na falta de instituições específicas e
de um tribunal supranacional, que defenda o cumprimento
uniforme das normas negociadas em conjunto, a Corte Suprema
de Justiça da Nação adverte a necessidade de garantir, por
meio das instituições, o cumprimento efetivo da tramitação de
medidas de procedimentos no marco de causas judiciais, que
requerem intervenção da justiça de países membros do
Mercosul. Para isso propõe então criar uma área institucional
que, dependendo da sua presidência, desempenhará, como função
principal, o acompanhamento efetivo da gestão de medidas
mediante a justiça dos países membros do Mercosul, assim como
manter informados todos os juízes a respeito dos protocolos e
acordos vigentes em matéria de cooperação judicial na região,
como medida imediata para garantir o acesso efetivo à
justiça.
Então, das conclusões vinculadas a estas
questões conceituais, que conspiram num caminho livre para a
integração, é preciso assinalar que o nosso país expediu
vários conflitos, aplicando a esses princípios jurídicos o
relatório emanado da Secretaria Técnica do Mercosul.
Temos também uma mudança que ocorreu neste
âmbito jurisdicional, e isso é uma esperança muito bem-vinda
no âmbito do Mercosul, criando concretos avanços para
satisfazer o acordado, mas não compartilhamos de alguns
aspectos contidos nesse instrumento.
Concordo com a interpretação de que a
concessão de exequatur, em qualquer carta rogatória, seja de
mero trâmite ou de caráter executório, não viola a ordem
pública nem a soberania nacional, muito pelo contrário, a
reafirma, pois o ato estrangeiro passou por um controle
concentrado, onde antes não tinha nenhuma eficácia; então,
isso surge dos documentos da Drª Nádia.
A reafirmação da soberania está numa
concepção moderna da mesma que caminha para esse processo de
integração regional que envolve o mundo.
Definitivamente, a Corte Suprema Argentina
pode exibir que, desde o começo, teve uma grande consciência
do mecanismo que a vincula a outros Estados no âmbito
internacional; assim expressou, num caso de 69, com relação à
execução de sentença estrangeira no território nacional,
ditada pelos tribunais de um Estado com o qual não tem nenhum
tratado de cooperação jurídica. Isso mencionado por Perotti,
que está aqui presente.
Gostaria de acrescentar que, definitivamente,
poderia ser interessante, em matéria de cooperação, que
pudéssemos pensar em elaborar um convênio duplo, ou seja,
juntamente com o que é exigido para a circulação de
documentos devemos estabelecer qual é a jurisdição
internacionalmente competente, com o objetivo de evitar
algumas dificuldades que sabemos existir.
Portanto, votamos no sentido de um maior
compromisso em matéria de cooperação jurídica para que os
corpos colegiados aqui presentes saibam dar, como em outras
ocasiões, indícios claros e construtivos para todo o âmbito
da justiça nacional própria, atenta aos seus pronunciamentos,
tendo presente que os documentos devem ser interpretados de
acordo com o princípio de confiança que sustenta o Mercosul.
Para esse desafio, todos nós que integramos os tribunais
estamos preparados e, também, oferecemos os nossos
compromisso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (SUPREMO
TRIBUNAL DEFERAL) – Também agradeço a Ministra Elena Highton
de Nolasco, da Suprema Corte de Justiça da Argentina.
Como economizamos tempo, que terminou rendendo
nas mãos dos eminentes expositores, já podemos iniciar, de
imediato, a fase dos debates e discussões que serão travados
entre os membros da Mesa, porém com a participação de todos
os observadores, que poderão, querendo, usar da tribuna para
que os temas aqui versados sejam retomados.
Observei que a formação e a implementação do
Mercosul demandam efetivamente a solução de problemas
jurídicos de toda ordem e anotei os campos de manifestação ou
de expressão desses problemas: extradição, exequatur às
cartas rogatórias, homologação de sentenças estrangeiras,
combate às infrações penais, problemas relacionados a Direito
de família, sobretudo no campo dos menores; relações
mercantis, trânsito, turismo, etc. Temos, portanto, um
instrumental de trabalho desafiando a nossa inteligência para
que o Mercosul se torne uma realidade, sempre nessa
perspectiva da busca da integração como sinônimo de
cooperação para a pré-falada formação de uma comunidade
latino-americana de nações, evidente que sem nenhum prejuízo
da igualdade entre os Estados, da solução pacífica das
controvérsias eventualmente surgidas, enfim, preservando-se a
soberania de cada país partícipe ou associado.
Os debates se iniciam agora, e a palavra está
franqueada.
Pois não, a senhora que levantou a mão pode
usar da palavra.
A SENHORA PROFESSORA ADRIANA DEYSIN DE KLOR -
(INÍCIO SEM TRADUÇÃO)
Então, eu tenho, quanto a isso, uma pergunta
nos âmbitos civis, comerciais, trabalhistas, administrativos,
especialmente no primeiro e segundo aspectos dessas áreas,
sobre se é adequada a cooperação ou a ajuda tendo como base
os instrumentos jurídicos disponíveis no Mercosul. Eu diria
que isso é muito relativo, porque, como foi bem assinalado
pela Ministra da Justiça da Argentina, mesmo contando com o
protocolo de Las Leñas e com o protocolo de medidas
cautelares, existem graves problemas marcados por três
aspectos: em primeiro lugar, pela forma em que é estabelecido
o jurisdicional; em segundo lugar, pelo alcance do Poder
Público - e quero destacar que nós, que trabalhamos como
particular, temos uma linguagem muito especializada, como foi
dito pelo Colega do Paraguai, Dr. Roberto Ruiz Díaz Labrano -
, e, em terceiro lugar, o modo pelo qual são implementados
esses protocolos.
Quanto aos aspectos jurisdicionais, sendo o
juiz aquele a quem se pede o reconhecimento e execução de uma
sentença para verificar ou determinar se a jurisdição
internacional é realmente competente, ele está contando com
esse princípio de confiança sobre o qual é sustentado o
processo de integração regional. A contradição chega a tal
ponto que um dos Estados do Mercosul, Uruguai, por exemplo,
no Código do Processo - e acredito que acontece assim, não é
Professor Ronald -, estabelece que o controle se realize em
função das regras do juiz que dita a sentença. Então, o que
encontramos pela frente? Resulta, em benéfico, não ser parte
do Mercosul se o proposto é o reconhecimento de uma sentença
frente aos tribunais uruguaios, se parte, já que essa é a
resposta que dá o código desde a dimensão autônoma.
O alcance do órgão público internacional foi
muito bem definido pela Dr. Elena, e não estamos falando
sobre um conjunto de normas, não é uma questão que seja
contrária a nossa legislação, que esteja violando a
legislação. Temos que partir de um conceito axiológico.
Então, falar de princípios, falar de valores, falar sobre
aqueles princípios que são fundamentais, é falar dos
princípios entre os quais os Estados têm uma total
coincidência. Então, amparar-se na ordem pública
internacional significa assumir uma posição que coloca
barreiras à livre circulação das sentenças.
Em relação às vias de transmissão, eu acredito
que é recomendável, pelo menos que deve ser sugerido, que os
Estados ratifiquem essa ementa, porque essa ementa foi
ampliada, como já foi assinalado em Las Leñas, dizendo que os
protocolos das leis seriam assinados pelas autoridades
centrais. Então, agora, encontramos neste Encontro, pessoas
muito mais voltadas em propor soluções mais satisfatórias que
o Convênio, pretendendo alcançar as quatro verdades
fundamentais.
Outra questão, que me parece seja importante
ser destacada, é em relação ao princípio favor-cooperação,
porque uma das cláusulas estabelecida pelo Protocolo de Las
Leñas, as chamadas cláusulas de compatibilidade, permitem que
possam ser aplicados outros convênios que tratem sobre a
mesma matéria, entre as mesmas pessoas numa mesma causa,
sempre que não sejam contraditórias em relação ao protocolo
de Las Leñas. Então, a pergunta é: quantas são
contraditórias? Na ementa, tem um esclarecimento que é muito
importante. O assinalado é que devem ser aplicados, entre os
convênios existentes, aqueles que sejam mais favoráveis à
cooperação, ou seja, aquele que, na sentença, não encontre um
obstáculo para poder circular livremente no Estado integrado.
Muito obrigada.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – A Senhora dirige sua palavra, em
particular, a algum dos quatro coordenadores de grupo ou fica
à vontade para cada qual responder?
A SENHORA PROFESSORA ADRIANA DREYSIN DE KLOR –
O que fiz foi assinalar as questões que acredito serem dignas
de serem trabalhadas porque facilitam a livre circulação.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Vossa Excelência não fez uma
pergunta específica, mas um comentário?
A SENHORA PROFESSORA ADRIANA DEYSIN DE KLOR –
Se é estabelecido esse tema do qual tanto se falou na mesa,
no qual as Cortes teriam a possibilidade de estabelecer
mecanismos inter-jurisdicionais, poderiam propor também a
possibilidade de uma emenda em função de receber essa
sugestão, assim como também começar a instalar a idéia de
elaborar um convênio duplo, para que seja possível que no
mesmo convênio estejam presentes as jurisdições competentes e
que assim seja possível a não-obstaculização da circulação
dos documentos.
Muito obrigada.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Então, Vossas Excelências estão
com a palavra. A Dra. Elena, que falou por último, gostaria
de se pronunciar?
A SENHORA MINISTRO ELENA HIGNTON DE NOLASCO
(REPRESENTANTE DA CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA ARGENTINA) – Eu
acho que a Dra. Adriana apoiou algumas das questões que foram
tratadas na mesa. Acho que não mereceria outros
esclarecimentos, pelo menos da minha parte, ela tratou alguns
dos temas que foram falados na mesa.
O SENHOR PROFESSOR ANTENOR MADRUGA – A União
Européia chegou num momento, este ano, em que estabeleceu
praticamente o fim da extradição, firmando o mandato de
detenção europeu; e, também, na questão de produção de
provas, o mandado de produção de provas europeu. O que se
adiantou na Europa é um sistema único de Justiça, um espaço
único de Justiça. É possível que o Mercosul possa caminhar
nesse sentido, o que fez os protocolos atuais do Mercosul foi
avançar um pouco no sentido de eliminar a via diplomática,
passar para o modelo de autoridades centrais. É possível e
acho que é salutar que caminhemos no sentido de dispensar
autoridades centrais, que possa uma decisão de um País ser
válida automaticamente em outro País e vice-versa.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Autoridades centrais no plano do
Poder Executivo?
O SENHOR PROFESSOR ANTENOR MADRUGA – Exato.
Atualmente, por exemplo, no caso do Brasil, a autoridade
central é o Ministério da Justiça. A vantagem do sistema de
autoridades centrais é que facilita acompanhar o andamento
desses pedidos, o que tem acontecido. Agora, é salutar que
demos um outro passo no sentido de estabelecer um espaço
comum de Justiça onde, efetivamente, possamos dispensar esses
mecanismos mais no futuro. Claro que depende de um
amadurecimento das relações entre os países. No momento,
estamos diante de um desafio de fazer funcionar bem esse
outro modelo. Um modelo onde a pluralidade de vias no passado
se mostrou extremamente complicado, porque não se tinha o
acompanhamento desses mecanismos.
Só para concluir, Senhor Presidente, parece-me
que a proposta da Dra. Adriana seria no sentido de emendarmos
esses protocolos para ampliarmos as vias de cooperação, mas o
que me parece melhor seria: ou caminharmos para um sistema
que é um espaço único de justiça - e que devemos caminhar
para isso -, ou mantermos a situação tal como está em um
singularidade de vil cooperação por autoridade central que
facilita, e muito, o acompanhamento dessa cooperação.
É claro que é preciso melhorar e, só dando um
exemplo das dificuldades: até pouco tempo atrás, no
Ministério da Justiça do Brasil tinha três pessoas para
cuidar de cooperação da tramitação, atualmente, são quarenta
e cinco a partir de fevereiro deste ano em função das
demandas.
Então, foi só para fazer essa nota, Senhor
Presidente, em observação ao que disse a Dra. Adriana.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Em uma cooperação, claro, dos
três níveis: Legislativo, Executivo e Judiciário, sobretudo
do Judiciário que, me parece, está chegando por último.
O SENHOR PROFESSOR ANTENOR MADRUGA –
Curiosamente, Senhor Presidente, num caso que está
acontecendo atualmente - até para ilustrar a dificuldade de
cooperação, porque ainda temos muito a avançar nessa cultura
- numa CPI, uma comissão parlamentar de inquérito que, de
acordo com a Constituição, tem poderes iguais a uma
autoridade judicial, fez um pedido, à luz do protocolo de São
Luís, que disciplina a cooperação em matéria penal, ao
Uruguai e a dúvida que se coloca é: uma CPI poderia acessar
os mecanismos de cooperação? E a resposta da autoridade
central uruguaia foi que não pode. Mas, do ponto de vista da
Constituição brasileira, a CPI é uma autoridade de natureza
judicial.
Então, há uma série de questões que ainda
estão abertas em nome da cooperação e que precisam ser
respondidas antes que encaminhemos para esse espaço de
cooperação de justiça comum.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Pois não, Vossa Excelência pode
usar da palavra.
DRA. BERTA FEDER (URUGUAI) - (INÍCIO SEM
TRADUÇÃO)
Boa tarde. Realmente não gostaria de falar
demais, mas apenas dar uma pequena contribuição à
qualificação de duas pequenas questões que foram tratadas à
Mesa.
Em primeiro lugar, a minha felicitação ao
Grupo 2, porque essa temática da Cooperação Judicial engloba
dois setores e duas áreas completamente diferentes, mesmo que
estejam intimamente conectadas entre elas. Por outro lado, a
parte operativa da Cooperação Judicial é o tema das
autoridades judiciais e, de alguma forma, através das
Supremas Cortes de Justiça ou através dos juízes de
hierarquia inferior, essa cooperação judicial - e agora não
vou entrar nos acordos particulares que foram referidos por
todos aqueles que falaram - se faz ao nível de juiz, ou seja,
esse é um dos lados da questão. Mas as minhas felicitações
são porque o tema da Cooperação Judicial, do ponto de vista
conceitual e intelectual, pede emprEstado a outra disciplina
jurídica que geralmente não é tratada pelos juízes, que é o
Direito Internacional Privado, exatamente por isso, uma das
excelentes relatoras, a Drª. Araújo, nos forneceu visões e
conceitos que, no seu conjunto, completaram as exposições dos
Srs. Conferencistas.
Qual foi a participação do Poder Judiciário
nessa cooperação judicial internacional? Se essa cooperação
não se produz, poderá existir uma denegação da justiça,
poderá haver uma lentidão da justiça ou uma justiça que não
atua bem. Essa é a parte onde estão sem evolução os Poderes
Judiciais na cooperação judicial na cooperação judicial. Como
estão sem evolução – e vou me referir a isso de forma muito
sintética, pois é simplesmente um esclarecimento -, existe um
outro aspecto que foi reiterado, foi muito repetido no dia de
hoje, é se, em virtude da ordem pública, eventualmente, pode
não ser dada essa cooperação judicial internacional. Em
virtude disso, gostaria de lembrar que os quatro Países
participantes do Mercosul e os Países associados são parte da
convenção de normas gerais, de Montevidéu de 1979, na qual
existe uma referência à ordem pública.
Gostaria de colocar à disposição de todos
vocês, pela internet, que o Uruguai, depois de firmar e
ratificar a convenção de normas gerais, realizou uma
declaração interna dirigida aos juízes internos uruguaios
que, acredito, contenha um conceito muito acertado sobre o
que significa ordem pública, que nada tem a ver com a ordem
pública no Direito Administrativo, no Direito Público, aquele
vinculado à tranqüilidade pública e a segurança pública
interna.
Finalizo, lendo dois parágrafos dessa
Declaração Uruguaia, que provavelmente vocês não lembrem
neste momento: a declaração significa, em referência à ordem
pública, na convenção de normas gerais, se refere à ordem
pública internacional, que, evidentemente, é diferente da
ordem pública interna - não vou entrar em mais detalhes sobre
o tema -, como um instituto jurídico singular, não
identificável, necessariamente, com ordem pública interna de
cada Estado. Agora, acho que vamos chegar na parte mais
importante e que poderia ser aplicada conceitualmente à
posição sustentada pela ordem pública. Na República Oriental
do Uruguai a fórmula aprovada na Convenção de Normas Gerais
comporta uma autorização excepcional nos diferentes Estados-
Partes e é muito importante que se trate de uma autorização
excepcional. Isso quer dizer que uma ordem pública não pode
ser aplicada a todos os casos de forma automática, pois é
excepcional, nos diferentes Estados-Parte, de uma forma
detalhada e deve estar muita bem fundamentada em cada caso.
Que sejam declarados não aplicáveis os preceitos da lei
estrangeira – e nesse caso seria da lei estrangeira que
permite pedir a cooperação internacional -, quando eles
ofendam, de forma grave, normas e princípios essenciais da
ordem pública internacional e nos quais cada Estado assenta a
sua independência jurídica. Isso serve para destacar que o
sentido da ordem pública para não prestar cooperação pode ser
fundamentado de forma excepcional e, de maneira nenhuma,
poderia ser admitido de um ponto de vista internacional,
deixando de lado a pratica vinculada a exemplo de alguns
países, o de que não poderia ser admitido que isso fosse
realizado de forma regular.
Essa foi a minha contribuição. Gostaria de
falar sobre muitos outros temas, mas não há tempo.
Muito obrigada.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) - Como a Dra. Nádia de Araújo foi
expressamente referida, acho que seria oportuno, se você
Excelência entender, usar da palavra.
A SENHORA PROFESSORA NÁDIA ARAÚJO– Senhor
Presidente, muito obrigada. De fato, não houve tempo, porque
nesse pequeno espaço que tive na tribuna tentei dispor melhor
a questão da ordem pública.
Temos defendido, já em outras oportunidades,
que a ordem pública para o sentido do Direito Internacional
Privado deve ser vista como exceção muito limitada. Boa a
lembrança da Dra. Berta Feder da participação do Brasil na
Convenção da CEDIP II. A Convenção Interamericana de Regras
de Direito Internacional Privado está internalizada no
Brasil, portanto deveria servir também de parâmetro pára essa
assunção da ordem pública. No caso concreto, a utilização da
ordem pública deve ser feita de forma bastante limitada e
adequada àquele caso e só pode ser informada não por uma
vontade do juiz, não de uma discricionariedade daquilo que
lhe desgosta, mas apenas daquilo que são os valores
constitucionais. Tem de estar informada pela Constituição,
porque a idéia da aplicação do Direito Internacional Privado,
da aplicação do Direito Estrangeiro, que a cooperação exige e
que, de forma indireta na cooperação, ou de forma direta,
quando o juiz brasileiro é obrigado de ofício a aplicar o
Direito estrangeiro, é a idéia da tolerância. Evidentemente
que os outros sistemas jurídicos são diferentes dos nossos e,
se tudo aquilo que é diferente nos fizesse mal, não haveria
Direito Internacional Privado, não haveria nunca aplicação de
nenhum Direito Estrangeiro. Portanto, se aceitamos a
cooperação, se temos uma tradição de cooperação, é preciso
usar a exceção da ordem pública com muita parcimônia e em
casos muito limitados.
Era só esse esclarecimento que eu queria prestar.
DR. WALFRIDO FERNÁNDEZ DE BRIX (PARAGUAI)– Senhor
Presidente, serei breve.
Eu gostaria de fazer duas contribuições: em
primeiro lugar, assinalar que acho que não tem nenhuma pessoa
nesta sala que não esteja a favor da consolidação do processo
de colaboração judicial entre nossos países, mas é necessário
levar em conta que o conceito de cooperação judicial não é um
patrimônio exclusivo do Mercosul, como foi bem dito pela
Presidente da Corte do Uruguai. Fala-se em cooperação
internacional, então, aquilo que eu gostaria de sugerir é que
as autoridades do Mercosul, encarregadas de promover o
fortalecimento e desenvolvimento de todo esse tipo de
normativas relativas ao tema da cooperação judicial, em
especial em cooperação jurídica em geral, em primeiro lugar,
antes de realizar um informe sobre o Mercosul, sejam tratados
os três níveis: mundial, continental e regional.
Dou um exemplo muito concreto, reconhecimento de
sentenças estrangeiras e laudos arbitrais. Cito a Convenção
de Nova York, que é de caráter mundial. Existe mais de uma
convenção interamericana fruto das resoluções da CIDIP e
existe um protocolo sobre o mesmo tema do Mercosul. Então,
a conclusão à qual modestamente chego é que, na tentativa de
consolidar esse processo de cooperação jurisdicional e
judicial, não se deve incorrer naquilo que modestamente
chamaria de “convencionites”. O que é necessário ver é se a
convenção de Nova York corresponde aos nossos ideais, ou se
existe uma convenção interamericana e, se os nossos países do
Mercosul, já aderiram a essa tal convenção. Só em um caso
negativo, aí, então, entra-se no campo da elaboração de
protocolos cem por cento no âmbito do Mercosul.
Gostaria de enfatizar a contribuição da Senhora,
Membro da Corte da Argentina, que falou muito bem que, hoje
em dia, a cooperação judicial e a jurídica e geral englobam
todos os povos e não passam pela adesão de instrumentos
normativos que não respondem mais a conceitos de soberania no
séc. XXI. Não podemos deixar de analisar, quando redigimos um
protocolo, ou quando decidimos aderir a um corpo normativo já
existente do tipo do Mercosul ou de caráter mundial, não
podemos esquecer a análise de que devemos aderir àqueles
protocolos, e aí está a sabedoria das autoridades, não só de
cooperação judicial, como de soberania. Não devem ser aceitos
aqueles que estão carregados de conceitos pertencentes a
outras épocas.
Muito obrigado.
O SENHOR PROFESSOR RONALD HEBERT (URUGUAI0) –
Senhor Presidente, a cooperação judicial internacional está
fundamentada no respeito devido ao processo. O controle do
devido processo passa pelos juízes de instância. Pelos Juízes
dos tribunais em geral. Todos os tribunais da região possuem
um critério certamente unânime, consensual, e poderia dizer
sobre o que significa devido processo. Um avanço interessante
nesse marco do Mercosul, onde são conhecidos perfeitamente
esses conceitos básicos que fundam a cooperação judicial
internacional, seria o de que o juízo do exequater não fosse
de competência das Cortes Supremas, e sim de cada um dos
juízes de Instância, ou seja, que, no âmbito do Mercosul, a
cooperação pudesse ser levada a cabo de juiz para juiz,
porque ambos são as garantias em seu próprio procedimento, no
qual ditam as suas sentenças. Então, um está em condição de
solicitar a cooperação do outro; e o outro está em condições
de qualificar se foram cumpridas as condições do processo.
Uma coisa que facilitaria muito a cooperação
judicial dentro do âmbito do Mercosul seria, exatamente, que
esse pequeno juízo de qualificação da sentença no exterior
não fosse de competência exclusiva da Corte. Isso, de
qualquer forma, tem uma garantia extra e é a possibilidade de
que venha a existir uma dupla instância frente aos tribunais
de apelação. Nesse caso, não seria perdido o tempo que é
perdido hoje nos juizados exequatur.
Obrigado.
O SENHOR ALEJANDRO DANIEL PEROTTI (CONSULTOR
JURÍDICO DO MERCOSUL) – Obrigado Presidente.
Uma pergunta e uma observação, que será dirigida ao
Dr. Madruga, que eu o parabenizo pela sua excelente
exposição. A sua intervenção levou-me à reflexão a respeito
do art. 18 do Protocolo de Las Lenãs. Está localizado no
capítulo V, dedicado ao reconhecimento e execução de
sentenças, que diz o seguinte:
“As disposições do presente Capítulo serão aplicáveis ao reconhecimento e à execução das sentenças e dos laudos arbitrais pronunciados nas jurisdições dos Estados partes em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, e serão igualmente aplicáveis às sentenças em matéria de reparação de danos e restituição de bens pronunciadas na esfera penal. “
Eu gostaria de saber da compatibilidade desta
disposição com o ordenamento brasileiro e, também, o art. 19
do Protocolo de Las Leñas, que está na emenda do acordo de
Las Leñas. O art. 19 das medidas cautelares, corrigido na
emenda dos Protocolos de Las Leñas, dizendo que os juízes e
tribunais das zonas fronteiriças dos Estados-Partes poderão
transmitir de forma direta as Cartas Rogatórias previstas
neste protocolo sem necessidade de legalização. Relembrando
uma sentença do Supremo tribunal Federal, a Reclamação nº
717, que a minha querida Colega Daise Ventura chamou à
atenção com grande maestria, esta Reclamação produziu a
subtração da cláusula de um juiz de Livramento, solicitada
cautelarmente através de um pedido proveniente de um juiz
vizinho, do juiz de Rivera. Para todos aqueles que conhecem a
fronteira entre Uruguai e Brasil, saberão que Rivera e
Livramento são uma única zona urbana separadas unicamente por
uma rua. E um comentário, levando em consideração a idéia do
Professor Roberto Labrano, com relação à necessidade de uma
reunião de representantes das Cortes Supremas no marco do
Mercosul. E por que estou dizendo isso? Porque essas
intervenções e também o relatório da secretaria demonstram
que há uma cooperação jurisdicional de fato. E aqui
exemplifico, no Protocolo vocês poderão encontrar um
relatório fornecido pela autoridade central do Uruguai, que
demonstra numericamente, à infinidade, centenas de
expedientes tramitados ano após ano nos tribunais dos Estados
- membros do Mercosul de cooperação jurisdicional, ou seja,
aplicação dos protocolos. Basta visitar o “site” do Supremo
Tribunal Federal, e somente digitando a palavra ”Mercosul”
você verá a infinita aplicação desse protocolo. No caso do
Paraguai, a aplicação de ofício da Corte Suprema dos
Protocolos Las Leñas ou medidas cautelares. Também a
aplicação recente da Corte Suprema Argentina, do Protocolo de
São Luís sobre a Assistência, ou seja, igualdade civil nos
acidentes de trânsito. Mas, claro, que essa cooperação
jurisdicional de fato teve problemas: os protocolos foram
interpretados de forma divergente. Basta mencionar uma medida
cautelar no Supremo Tribunal Federal do Brasil, o qual
aplicou uma resolução a uma empresa requerente do Uruguai,
que queria residir aqui no Brasil. Então, essa cooperação
precisa ser canalizada por meio de um órgão que represente os
poderes de todos.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Obrigado a Vossa Excelência,
passo a palavra ao Dr. Antenor Madruga.
O SENHOR PROFESSOR ANTENOR MADRUGA – Senhor
Presidente, acho que a primeira parte da pergunta foi um
pouco distraída pela pergunta forte. Mas, se entendi bem a
posição do Dr. Perotti, que perguntava se havia
compatibilidade entre o Protocolo de São Luís,
especificamente, e as posições que determinam impedimento de
bens. Foi isso ou não, do art. 17 do Protocolo de São Luís?
O DR. ALEJANDRO DANIEL PEROTTI – (INÍCIO
INAUDÍVEL) ... de bens em matéria penal e também ao art. 19
do Protocolo de Medidas Cautelares, que estabelece a
possibilidade de contatos diretos entre os juízes das zonas
fronteiriças.
O SENHOR PROFESSOR ANTENOR MADRUGA – Em
relação à segunda, o contato direto entre os juízes da zona
fronteiriça, o Senhor mesmo já deu a resposta da posição do
Supremo Tribunal Federal, considerando inconstitucional essa
disposição do Protocolo Las Leñas em medidas cautelares e
entendeu que deveria, sim, de acordo com a Constituição, no
dispositivo do art. 102, h, que impõe, necessariamente, o
juízo de delibação pelo Supremo Tribunal Federal. De forma,
que, realmente, quem conhece Rivera e quem conhece
Livramento, verifica que, na prática, isso levou a uma
cooperação à margem da lei, em vários aspectos, não só dos
aspectos cíveis, como também dos aspectos penais. Por
exemplo: na questão de extradição, brinca-se que, na
fronteira, se estabelece a extradição por empurrão. Na
verdade, não se recorre à Brasília, mas apenas se entrega ou
se expulsa, ou chame como quiser, mas a questão é que existe
um fato jurídico na fronteira que demanda cooperação – por
ser fronteira e por ser tão próxima -, não porque os
protocolos não digam assim, mas por uma leitura, que deve ser
respeitada do Supremo Tribunal Federal, de que a
Constituição, tal como posta, impediria.
Como isso deve ficar agora com a mudança para
o STJ?
Na verdade, a mudança é muito sutil,
praticamente não há mudança no texto constitucional, apenas
passa-se a atribuir o mesmo que se atribuía ao STF para o
STJ. Há uma única ressalva, importante de lembrar: no art.
102, h, a Constituição Federal dá competência ao Supremo,
dizendo que pode ser delegado ao seu Presidente para
homologar as sentenças estrangeiras e conceder exequatur às
cartas rogatórias.
Ao passar essa competência para o STJ, a
reforma eliminou essa possibilidade, pelo menos, não disse
expressamente que ela poderia ser delegada ao seu Presidente.
Mas, como conversávamos antes, o que talvez a reforma tenha
feito foi corrigir uma atecnia, na medida em que, de qualquer
forma, compete ao Regimento determinar a quem se distribui os
feitos internamente.
Em relação à pergunta da compatibilidade de
autorização e de medidas de seqüestro, de medidas de caráter
de proteção ou medidas que visem a garantir o processo, o
Supremo tem tido uma posição, no âmbito do Mercosul, muito
aberta, permitindo a aplicação dessas medidas em vários
casos. O primeiro caso era de apreensão de um automóvel, a
pedido da Argentina, e o Supremo reconheceu, entendendo que o
que Las Leñas fez, na verdade, foi estabelecer um mecanismo
de homologação de sentença estrangeira por meio de carta
rogatória.
Então, não sei se respondi às suas colocações,
mas espero que sim.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Bem, acho que podemos concluir.
Eu me permitiria dizer apenas o seguinte: um filósofo
brasileiro, mais de perto nascido no Nordeste do Brasil, lá
em Sergipe, que tinha o nome de Tobias Barreto, por volta do
ano de 1871, portanto, no século XIX, disse que o Direito não
é um filho do céu; não é um presente dos deuses; o Direito
não cai de pára-quedas – numa linguagem bem coloquial -; mas
é produto da história; ele é fruto da experiência humana;
logo, é um objeto cultural e, por isso mesmo, experimenta
avanços e recuos, mas é dominado basicamente pelo signo da
mudança, está sempre em movimento, sempre mudando. E o
Direito muda assim no plano legislativo, como no plano da sua
interpretação.
Estamos aqui a discutir, há algum tempo, sobre
o conceito de ordem pública e não chegamos a um consenso,
porque parece mesmo um conceito aberto. O conteúdo, o recheio
desse conceito vai depender de ponderação de valores, a qual
se faz diante de um caso concreto.
O Direito, portanto, neste momento, em termos
de Mercosul, está se expandindo, evoluindo. Nós vivemos
todos, segundo o conceito tubiático, ou seja, de Tobias
Barreto, de reconceituações à medida que se expandem as
fronteiras da nossa inteligência, da nossa consciência,
porque não dizer da nossa sensibilidade. Isso não é ruim e
não adianta reclamar contra isso, porque é da ordem natural
das coisas, é o imperativo da vida. Hieráclito, o grego, já
dizia: tudo muda menos a mudança. Tudo é impermanente.
De sorte que o nosso desafio, agora, é o de
produzir uma legislação compatível com esse propósito firme
de todos nós de levar a nossa cooperação para o plano da
institucionalização e fazer do Mercosul uma realidade
crescentemente aperfeiçoada; internalizando essa idéia de que
o Mercosul é tão necessário que é uma abençoada viagem sem
volta. Não adianta pensar em retorno, temos de avançar mais e
mais.
Eu iria concluir, dando um último aviso, mas
alguém quer falar e a palavra está concedida.
O SENHOR DESEMBARGADOR NESTOR ALVES DE MELO
FILHO - Senhor Ministro, lá na nossa pequenina e modesta
Paraíba, nos termos do convite que recebemos lá no nosso
Tribunal de Justiça, diz o seguinte: o evento traduz
empreendido pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário do
Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai para o
aperfeiçoamento da instituição do Mercosul, sobretudo com
relação à sua normatividade e conseqüente segurança jurídica
dos cidadãos e dos Estados-Partes.
Senhor Ministro, com a devida vênia,
amenidades à parte, um problema que não podemos desconhecer,
porque vem preocupando a segurança pública interna deste
País, servindo de escândalo, quase que diário, pela grande
imprensa nacional, é o atinente ao contrabando de automóveis
roubados do Brasil para alguns países do Mercosul; é o
tráfico de armas de alguns dos países do Mercosul para o
Brasil, comprometendo a segurança interna do país. Ninguém
pode desconhecer isso.
Então, gostaria de saber de Vossa Excelência e
dos demais membros da ilustre Mesa, se no Protocolo de Las
Leñas, tão decantado nesta Reunião em um possível órgão que
se pretende criar, talvez como produto desta Reunião, se essa
preocupação tem sido aventada, tem sido objeto de estudos a
respeito?
Era essa a minha observação, Senhor Ministro.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)– A resposta é fácil, porque os
noticiários, no Brasil, a todo instante dão conta de que esse
problema se tornou um problema central. Ainda á poucos dias,
vimos nesse programa de tão grande audiência que é o
Fantástico, ou foi num outro programa específico, Linha
Direta, ou coisa assim, que é uma das preocupações centrais
do Governo brasileiro. Agora, me parece que, no plano destes
nossos debates, o tema não aflorou, especificamente não foi
objeto nem de estudo, nem da conclusão de nenhum dos Grupos,
por isso me permito poupar os coordenadores do Grupo, porque
não constou da pauta de trabalho.
Mas, sem dúvida, que a preocupação de Vossa
Excelência é procedente e nos introduz na discussão de um
tema atual, extremamente preocupante e que se arrasta no
plano não digo do Poder Judiciário, mas do Poder Executivo,
sem uma solução satisfatória.
Com essas palavras, vou dar como encerrado os
trabalhos, agradecendo a presença de quantos participaram
desta tarde de discussão. De modo especial agradeço a
participação dos eminentes Ministros que se encontram aqui à
Mesa dos Trabalhos, do Dr. Antenor, do Dr. Roberto Ruiz Díaz
Labrano, da Dra. Nádia Araújo, enfim, de todos os que
contribuíram para tornar este nosso Encontro fecundo,
producente, a altura das espectativas geradas com a
convocação de todos.
O que me cabe, agora, é passar a palavra ao
Mestre de Cerimônias.
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) –
Senhoras e senhores, encerramos os trabalhos deste primeiro
dia do Segundo Encontro de Cortes Supremas dos Estados-Partes
e Associados do Mercosul, convidando os presentes a se
dirigirem ao Salão Branco desta Corte, onde haverá solenidade
de outorga de medalha da Secretaria do Mercosul aos
Presidentes das Cortes Supremas do Mercosul para a
Coordenação-Geral do Encontro.
Lembramos, ainda, que o início dos trabalhos
de amanhã será pontualmente às 9 horas, neste mesmo local.
E, agora, os senhores estão convidados para o
“coffe break”
Muito obrigado, uma boa-tarde.
(TERCEIRO DIA)
(30 DE NOVEMBRO DE 2004)
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) -
Senhoras e Senhores, muito bom-dia.
Iniciando os trabalhos deste segundo dia, do
II Encontro de Cortes Supremas dos Estados-Partes e
Associados do Mercosul, informamos que compõem a Mesa as
seguintes autoridades: O Excelentísimo Senhor Ministro Ari
Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça; o Excelentíssimo
Senhor Ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal; o
Excelentíssimo Senhor Victor José Raúl Torres Kirmser, Vice-
Presidente da Corte Suprema de Justiça do Paraguai; a
Excelentíssima Senhora Ministra Elena Highton de Nolasco,
representante da Corte Suprema de Justiça da Argentina; o
Excelentíssimo Senhor Leslie Van Rompaey Servillo, Presidente
da Corte Suprema de Justiça do Uruguai; a Excelentíssima
Professora Estefânia Viveiros, Presidente da OAB do Distrito
Federal e Relatora do Grupo III (Harmonização Legislativa em
Direito Material e Processual) e a Excelentíssima Ministra
Ellen Gracie, Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e
Coordenadora do evento.
Com a palavra o Excelentíssimo Senhor Ministro
Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça, para
conduzir os trabalhos desta manhã.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA) – Bom-dia. Retomando os nossos
trabalhos, iniciamos a jornada de hoje com a exposição que
será feita, em nome do Vice-Presidente da Corte Suprema de
Justiça do Paraguai, pelo Profº Roberto Ruiz Díaz Labrano,
que está com a palavra.
O PROFESSOR ROBERTO RUÍZ DÍAS LABRANO –
(PARAGUAI) - Muito bom-dia. A tecnologia (sem tradução) se
não aperto o botão as idéias não aparecem, então deveríamos
insistir. Eu espero que essa apresentação seja realmente boa.
Solicitaram-me uma tarefa muito difícil. Nós falamos com os
Ministros do meu país e a abordagem da harmonização jurídica
no Mercosul é uma questão que aparentemente não tem muita
normativa de desenvolvimento, digo aparentemente, porque, na
medida em que formos analisando aquilo que foi feito em torno
do Mercosul e a evolução do Mercosul a partir do Tratado de
Assunção, assinalamos que, pelo contrário, embora não existam
trabalhos concretos ou grupos trabalhando concretamente na
questão da harmonização legislativa, na prática, o que
aconteceu foi uma tarefa gigantesca de procura de
harmonização das legislações.
Esse processo de integração do Mercosul, que
nasce a partir do Tratado de Assunção, fortaleceu-se com o
Protocolo de Ouro Preto. Inicia-se a partir da idéia da
criação de um mercado comum. Isso é inconcebível, e o
desenvolvimento de um processo de integração não pode ser
concebido sem que esteja presente a idéia da harmonização das
legislações.
Se formos analisar o que é o mercado comum,
que foi o propósito inicial do Tratado de Assunção e continua
sendo o objetivo da nossa região, nós perceberemos que uma
das exigências básicas é justamente a coordenação de
políticas macroeconômicas, como aspectos gerais, além da
questão da liberdade e a harmonização legislativa. Mas o que
deve ser harmonizado? O que foi sendo harmonizado? Aqui,
descreveremos a idéia do que está sendo proposto pelo Tratado
de Assunção e o que fizemos em função daquilo que foi
assinado, no Tratado de Assunção, pelo Protocolo de Ouro
Preto.
A construção de um mercado implica em certas
questões necessárias que devem ser necessariamente
harmonizadas. Questões que, na construção do mercado, se não
estiverem presentes, não poderemos falar de um mercado. Nós
utilizamos a expressão “mercado” no sentido de lugar onde se
trocam bens. Utilizamos a expressão “mercado” no sentido em
que é utilizada pelo Tratado de Mercosul, ou seja, criação de
um espaço integrado, onde regem as quatro liberdades
clássicas: livre circulação de bens e serviços e capital, e
outros dois fatores essenciais que são a coordenação de
políticas macroeconômicas e a harmonização legislativa.
Nessa construção de mercado devemos ter uma
idéia do que estamos construindo para saber o que já se
conseguiu e em qual direção vamos. Pretende-se a construção
de mercado, mas em que sentido? Pretende-se construir um
mercado em bases econômicas, avançando em direção a bases
políticas e sustentando as bases sociais. Por isso, a idéia
de mercado implica em certas disciplinas necessárias que, se
os Estados-Partes não harmonizassem - não estou falando de
unificar, mas de harmonizar -, essa idéia de mercado que
ficaria dissolvida, se perderia. Há algumas questões
concretas de harmonização para além da harmonização: questões
de legislação, de tarifas alfandegárias, além desses aspectos
que fazem parte de algumas disciplinas básicas na construção
de um mercado.
Não há mercado se não houver um controle de
competência empresarial. Sem regras claras, regras
harmonizadas, no que diz respeito à maneira em que as
empresas e as indústrias participam do mercado criado,
dificilmente poder-se-ia pensar na concretização de um
mercado. A primeira tarefa, então, é harmonizar as regras e
normas para que sejam normas claras dentro dos Estados,
através de uma tarefa maior, que é a unificação dos critérios
comuns. Nesse aspecto da construção do mercado resulta
essencial a harmonização das regras de competência, porque a
competência no mercado implicará no desenvolvimento econômico
do Mercosul ou de qualquer processo de integração que tenha o
objetivo de ser bem-sucedido.
A grande tarefa da União Européia tem sido
estabelecer uma normativa sobre a competência ou a política
de concorrência, como chamam no Brasil. Se nós observamos
resoluções das sentenças dos Tribunais de Justiça da
Comunidade Européia, veremos que uma grande parte da
jurisprudência baseia-se na aplicação da regra de
concorrência, regras que tendem a estabelecer, em primeiro
lugar, o limite de atuação das empresas, isto é, não admitir
regras de monopólio, não admitir regras de distorção do
mercado, não admitir regras nas quais uma empresa ou uma
indústria exclua outra do jogo da livre concorrência - o
fundamento básico do mercado é a livre concorrência. Não
podemos falar de um mercado único na Europa nem de um mercado
comum no Mercosul se não existir livre concorrência. Por
isso, é essencial não apenas que todos os Estados-Partes
tenham uma adequada legislação interna, no que diz respeito à
concorrência, mas que essa legislação exista, porque no caso
do Paraguai, por exemplo, no art. 107 da Constituição
Nacional, estão previstas regras. Há uma regra especial que
determina que não se admitirão os monopólios privados ou
públicos, mas, ainda hoje, não temos uma legislação
específica na questão da concorrência.
No Uruguai, as regras de concorrência
continuam sendo as relativas. Seria necessário aprofundar a
elaboração da legislação embora as regras existentes, hoje,
já estejam suficientemente desenvolvidas no âmbito do
Uruguai, como para que possa considerar-se que existem regras
de concorrência.
Na Argentina e no Brasil há uma experiência
mais ampla, mas, em matérias essenciais como essas, é
necessário colocar um foco no desenvolvimento de integração.
Há outra questão importante que diz respeito à harmonização -
estou falando aqui da harmonização com vistas ao futuro. A
primeira fase do desenvolvimento da manifestação
investigativa foi desenvolvida para estabelecer as tarifas
alfandegárias comuns, estabelecer as pautas de
desenvolvimento do processo de integração do ponto de vista
econômico. Mas as grandes fases da harmonização estão
determinadas por essas disciplinas.
Há outra disciplina muito importante. Estou
observando alguém que é especialista nesta questão - a defesa
do consumidor -, que é a contraparte da defesa do direito da
concorrência, porque, da mesma maneira que o controle no
mercado se produz em matéria de defesa da livre concorrência,
através do controle recíproco que as empresas criam entre si,
estando as instituições governamentais a eliminar as
distorções, são as empresas que se controlam reciprocamente
através de regras estabelecidas de forma tal que não
aconteçam distorções no mercado, como seriam políticas
anticompetitivas, como políticas monopólicas, políticas de
distorção do mercado em grandes crimes.
No que diz respeito ao direito do consumidor,
dissemos que há contraparte da defesa da livre concorrência,
porque aí estaríamos falando do cidadão comum, o cidadão que
se encontra dentro de um espaço integrado denominado “mercado
comum”, ou a idéia de mercado comum, lembrando que o processo
de integração do Mercosul avança na direção de um mercado
comum, mas a fase na qual nós estamos é um processo integrado
em que existe um mercado no qual o cidadão faz parte
essencial desse desenvolvimento.
O cidadão, como parte essencial do
desenvolvimento do MERCOSUL, tem sua participação através da
disciplina conhecida como Direito do Consumidor. No Direito
do Consumidor, pelas regras estabelecidas no âmbito estatal e
pelas regras que venham ser estabelecidas no âmbito
comunitário, o cidadão é quem controla de baixo para cima,
defendendo o seu próprio interesse, a atuação das empresas e
das indústrias. É um controle exercido pelo cidadão sobre a
atuação das empresas e indústrias no mercado.
A defesa da livre concorrência é a defesa do
consumidor, que é o controle do consumidor através da
exigência do cumprimento de regras estabelecidas para que o
consumidor não seja vítima do mercado, para que o consumidor
exerça uma atividade de controle da atuação das empresas no
mercado, sempre existindo a idéia de que a construção do
Estado deveria partir das instituições de caráter estatal.
Isso é relativamente verdadeiro. Por quê? É de competência
dos órgãos estatais, num processo de integração, criar as
bases para que o mercado se desenvolva, proporcionando as
condições para que as empresas, as indústrias e os
destinatários de um processo de construção, que são as
empresas, as indústrias, aqueles que desenvolvem a atividade
econômica e os cidadãos que vivem e moram, desenvolvam a sua
atividade nesse espaço integrado. Conseqüentemente, emerge a
grande tarefa de harmonização, que nós percebemos no futuro,
de aperfeiçoar e harmonizar internamente as regras de
concorrência. Não é à toa que os países desenvolvidos, a
União Européia, desenvolveram e fizeram um grande esforço
para criar as regras de concorrência que garantam ao
consumidor a sua participação como agente ativo do processo
de integração na União Européia.
O mesmo aconteceu nos Estados Unidos: as
políticas antitrustes, as políticas desenvolvidas em função
do controle de mercado para evitar a distorção e,
conseqüentemente, permitindo que o desenvolvimento do livre
comércio não se veja obstaculizado, que não existam
empecilhos ao processo de integração.
Percebemos o Mercosul como uma construção não
apenas em função daquilo que desenvolvem os órgãos estaduais
do Estado, como parte de uma entidade intergovernamental, mas
como aqueles órgãos do Mercosul que devem propiciar as regras
de funcionamento próprias do mercado. E a atuação dos
particulares e das instituições privadas, por sua vez, está
condicionada a que essas regras funcionem efetivamente.
Que outros aspectos devem ser harmonizados? Se
nós observamos a tendência, em função da legislação do
comércio internacional, perceberemos rapidamente quais são as
outras regras que devem ser harmonizadas como, por exemplo, a
regra do que chamamos de “Direito de Mercado” como criação de
juristas uruguaios que perceberam a necessidade de achar ou
de unificar as disciplinas encarregadas dessa questão no
desenvolvimento presente do movimento comercial internacional
e especialmente no processo de integração. Encontraremos ali
o Direito da Concorrência, o Direito do Consumidor e as
Regras da Organização Mundial de Comércio que condicionam o
funcionamento do mercado.
Então, tudo aquilo que possamos fazer – nós,
no sentido de região, no sentido de Paraguai, Brasil,
Argentina e Uruguai – está condicionado por regras na
organização mundial de comércio das quais fazemos parte, nas
quais nós também devemos harmonizar o modo de incorporação
desse tipo de legislação.
Outros desafios estão sendo abordados como a
harmonização de novos aspectos do Direito - e novos é uma
maneira de dizer, porque eles já foram desenvolvidos – como,
por exemplo, a questão do desenvolvimento intelectual, que é
uma questão da qual o Mercosul tem se ocupado recentemente. É
uma preocupação simplesmente porque da mesma maneira que a
troca de bens tangíveis, bens materiais tem sido, na fase do
desenvolvimento do comércio internacional, uma das questões
mais importantes para o desenvolvimento do comércio
internacional, hoje o desenvolvimento da propriedade
intelectual passou a ser uma das questões mais importantes e
relevantes de preocupação de países desenvolvidos e não
desenvolvidos. Por quê? Porque está praticamente
condicionando à defesa da propriedade intelectual todo tipo
de acordo de caráter internacional assinado hoje em dia. Por
isso teremos as regras da organização mundial do comércio e a
harmonização no modo de incorporação dessas regras. Nós temos
as regras de defesa da concorrência, as regras do Direito do
Consumidor e temos o desenvolvimento próprio de um processo
integrado que se realiza através da tarifa externa comum,
através de uma constante harmonização legislativa para a
construção de um espaço aduaneiro alfandegário comum. Esses
são os grandes temas desenvolvidos em torno da harmonização
legislativa.
Outras áreas importantes de harmonização serão
os critérios com que os Estados-Partes, através das suas
respectivas legislações internas e, também, da legislação
comum do Mercosul, haverão, em face da realidade, no futuro,
de encontrar um espaço integrado confiável, como a possessão
comum, tendo em vista os investimentos estrangeiros, que
devem ter garantia, e onde há um balanço de interesses para
os países desenvolvidos, o interesse deve estar voltado à
questão de que o investimento estrangeiro que se faz possa
voltar ao país de origem no momento em que o investidor assim
o desejar.
Para nós, como países da região, o nosso
interesse é que esses investimentos se estabeleçam em nossos
países e que o resultado desses investimentos seja
reinvestido durante um determinado tempo. Então, a
harmonização das políticas comuns em torno dessas questões
básicas para o desenvolvimento do Mercosul deve ser levada em
consideração pelos órgãos do Mercosul, dando-lhe um caráter
prioritário.
Outro aspecto do novo desenvolvimento do
comércio internacional e, particularmente, do desenvolvimento
do mercado regional e mundial, é a questão dos serviços;
estabelecer normas adequadas e comuns; harmonizar, no mínimo,
as legislações em função do acesso ao mercado de serviços de
caráter público na região.
Imaginem o que aconteceria se houvesse uma
falta de harmonização ou critérios políticos não acordados,
não consertados, relativos à questão tão essencial aos
serviços públicos, que são um objeto de desejo no processo de
liberalização do comércio mundial, pela sua importância
econômica, e, sobretudo, pelas condições de algumas empresas
ou indústrias de participar em licitações de serviços
públicos.
Outra questão e outro desafio para o Mercosul:
as regras devem ser não apenas claras, no âmbito regional,
como no Mercosul, mas também devem ser harmonizadas com
caráter prioritário. Devemos harmonizar as legislações
relativas aos serviços e o acesso ao mercado como expressão
que abrange tudo aquilo que estamos dizendo. Finalmente, o
desenvolvimento do Mercosul não é outra coisa senão a
facilitação do acesso ao mercado de cidadãos da região;
condicionar o acesso ao mercado daqueles que não são cidadãos
da região, ou cidadãos, digamos, de outros países que não da
região. Condicionar no sentido de criar as condições para que
o propósito fundamental do Tratado de Assunção seja
alcançado, isto é, o desenvolvimento econômico da região.
Esses são os critérios relevantes que devem
ser o alvo dos órgãos do Mercosul no desenvolvimento futuro
desse processo de integração. Não devemos esquecer que não
são outra coisa que interesses econômicos, políticos e
sociais os que estão em jogo; e são esses interesses os que
condicionam o funcionamento do mercado que, se for eficiente,
o será na medida em que sejamos capazes de entender que o
Mercosul não é apenas um espaço de oportunidades internas
dentro do espaço integrado, mas, também, uma oportunidade de
desenvolvimento regional, que é o mais importante.
Sem as condições legislativas adequadas e sem
a harmonização através de uma política legislativa consertada
entre os Estados-Partes, provavelmente esse tipo de discussão
– acesso ao mercado de serviços ou acesso à tecnologia
através da propriedade intelectual, ambos fundamentais para o
desenvolvimento de qualquer povo ou região -, nesse momento,
longe de produzir benefícios, poderia produzir graves danos.
Repetirei uma coisa, simplesmente porque sei
que a Ministra Ellen Gracie gostou do exemplo. Apresentei uma
questão semelhante e me lembrei de um filme, que todos nós
vimos e que se chama, em espanhol, “Uma Mente Brilhante”. Diz
respeito a uma pessoa que chegou a ser esquizofrênica, e que,
pelos seus trabalhos feitos, obteve o prêmio Nobel da
economia. Não se é oportuno, mas direi que, no filme, em
determinado momento, esse gênio, que ainda é jovem e está com
várias pessoas que entram num bar; estão sentados, como
jovens que são, distraídos, falando entre eles, e, nesse
momento, entram várias jovens, uma delas muito mais bonita do
que as outras, visivelmente mais bonita. Vocês poderão
imaginar facilmente que todos os olhares foram em direção à
mulher mais bonita, e, segundo o roteiro, esse homem escreve
aquilo que resultará no prêmio Nobel: uma oposição às teorias
econômicas que predominavam naquele momento, porque todos
assinalavam quem seria o ganhador, quem teria a oportunidade
de poder paquerar aquela pessoa. Mas ele colocou o seguinte:
se todos nós procurássemos o objetivo comum em questão,
naquela reunião, todos perderiam. Acredito que o melhor seja
olhar as outras meninas. Todos dançaremos, todos estaremos
acompanhados e teremos nos divertido, teremos feito uma coisa
importante, sem provocar dano aos outros. Não é apenas o
melhor exemplo de como a economia, muitas vezes, demonstra
que há muitos aspectos de realidade prática, mas demonstra,
como disse na reunião do Uruguai, como devemos agir no
Mercosul. Às vezes, não é importante ter um olhar único sobre
o objetivo exclusivo e quase egoísta de conseguir o melhor,
mas não provocar danos aos outros, e que todos tenhamos o
melhor benefício do desenvolvimento econômico do Mercosul.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) - Agradeço ao
Professor Roberto Rui Díaz Labrano por sua participação.
Ouviremos, agora, como representante da Corte Suprema do
Uruguai, o Professor Ronald Herbert.
DR. RONALD HERBERT (URUGUAI) - Senhor
Presidente, este é um tema muito amplo, e eu não posso senão
seguir a proposta do Professor Roberto Lavral.
Aqui, neste tema amplo, pode haver várias
aproximações, mas o termo geral é uma aproximação teórica e
há também uma aproximação pragmática.
O ideal seria quantificar verdadeiramente o
problema. De que estamos falando? E, depois, escolher as
ferramentas. Se adotarmos um critério pragmático, vamos
retirar o drama desta questão e este é o caminho seguido pelo
Professor Ruiz Diáz Labrano.
É verdade que é necessário harmonizar normas
num processo de integração. Mas devemos estar conscientes do
que consiste esse processo de integração e devemos ter
consciência de que o processo de integração é dinâmico e que
possui vários estágios. E a harmonização dessas normas ou o
quantum dessa harmonização depende do estágio em que se
encontra o processo de harmonização. De forma que, se
falarmos de integração de mercados, estamos falando em
aumentar o espaço geográfico do mercado. E, aqui, é claro,
teríamos que harmonizar as normas referentes ao tratamento
dos fatores relevantes no que diz respeito à configuração
desse mercado a que o Professor se refere.
Trata-se de uma matéria em que realmente se
avançou muito nas últimas décadas, portanto, desenvolveram-se
critérios universais e, praticamente, uma linguagem
universal. Por exemplo, tudo o que diz respeito às normas de
alfândega, tributárias, sanitárias, migratórias, bancos
centralistas ou de proteção de mercado como acabou de falar o
Senhor Roberto Ruiz Díaz Labrano, que tem a ver com a
concorrência, com as fusões de empresas, os monopólios, o
abuso da posição dominante e as legislações que são muito
importantes, como a proteção do consumidor, a administração
dos recursos naturais e as normas sobre meio ambiente.
Destaco, aqui, algo que já foi dito e não
precisa ser repetido pelo Professor Labrano: as normas
laborais são as relacionadas ao principal fator de produção e
que estão entre a integração econômica e a social.
Esse é um tema muito importante no Mercado
Comum. O Direito trabalhista tem problemas próprios. Não há
avanço na integração – no meu conceito – se não tivermos uma
harmonização quanto à situação dessa matéria tão importante,
não só por se referir ao principal fator de produção, mas por
se referir aos habitantes de nossa região.
Neste estágio do Mercosul, essa é a legislação
própria do Mercosul. E aqui teremos de retirar o drama da
questão, porque estamos falando uma mesma linguagem mesmo que
possamos ter ou se possa influir com interesses diversos. Mas
essas normas estão sendo negociadas pelos quatro países
integrantes do Mercosul, durante esse processo
intergovernamental. São aplicadas pelos juízes de todos os
Estados Partes que integram essa estrutura judicial do
Mercosul.
Obviamente, há elementos que permitem ver o
controle de uma interpretação harmônica, ao mesmo tempo, com
o recentemente criado Tribunal Permanente de Revisão,
sobretudo no que diz respeito às opiniões construtivas que
são uma espécie de recurso de prejudicialidade. É uma coisa
mais rudimentar, mas acredito que terá um grande futuro nas
atividades desse Tribunal.
Se continuarmos na observação dos campos que
devem ser harmonizados, há outra matéria, também muito
importante dentro do processo de integração, que diz respeito
à cooperação judicial internacional, tema de um dos painéis
que tivemos ontem. É claro, a facilitação da cooperação,
sobretudo neste vasto continente do Mercosul, é muito
importante, ou seja, tudo relacionado à facilitação da
matéria processual em ter os mesmos critérios na ocasião de
harmonizar as soluções, isso também é matéria própria da
harmonização atual dentro deste estágio do Mercosul. Bem,
isso fazia parte do que aconteceu nos Estados Unidos,
considerando-se que os atos e as decisões judiciais de cada
Estado têm plena eficácia em outros Estados da União, os
Estados irmãos. Um exemplo do qual falávamos é sobre o caso
do exequatur. Não é tolerável que, para executar a resolução
do juiz de uma cidade fronteiriça, que implique em um ato de
coação sobre um cidadão que esteja em uma cidade próxima,
deva chegar-se até o Supremo Tribunal para realizar um juízo
exequatur. Isto poderia, perfeitamente, ser harmonizado,
porque os juízes cooperam diretamente com os juízes. Todo o
poder judicial do Mercosul são os juízes de cada um dos
Estados do Mercosul. Aqui, há uma área propícia para a
harmonização.
Outro campo propício para harmonização é uma
área que separo porque, tradicionalmente, foi considerada
jurisdição exclusiva de cada Estado, mas parece ser
necessário para o desenvolvimento do Mercosul, que é a
regulamentação de alguns registros da propriedade: registros
de garantias mobiliárias.
Aqui, temos temas jurídicos, técnicos que são
necessários de serem vistos pelo meio do Mercosul. No
entanto, quando falamos em harmonização de normas, é claro
que não falamos da maior parte do Direito Civil, nem de
famílias, de pessoas, nem dos bens. Estamos falando, na
verdade, de uma coisa que não tem porque ser objeto de
harmonização. Tem que tirar o drama deste tema tratado em
termos teóricos. É verdade que há matérias a meio caminho,
por exemplo, matéria que diz respeito à contratação, mas não
esqueçamos que nesta matéria já há um caminho percorrido. Com
os princípios da contratação internacional, há algum tipo de
contrato que seria interessante harmonizar, cuja legislação
seria harmonizável, como, por exemplo, o transporte
internacional ou os seguros internacionais. Em outro plano da
responsabilidade de contratação, que é um tema que poderia
chegar a ser matéria de harmonização entre os países do
Mercosul.
Em resumo, a minha proposta é: em primeiro
lugar, não se pode tratar esse tema de maneira abstrata. E,
nesse sentido, coincido plenamente com o que diz o Professor
Roberto Labrano. Nem todas as matérias são relevantes aos
efeitos, para serem eficazes, para o estágio em que se
encontra o processo de integração. Apenas algumas dessas
matérias são importantes. A harmonização da legislação
referente a essas matérias eleitas como importantes para cada
um dos estágios da integração exige uma diferente metodologia
de harmonização que deveria ser determinada em cada um dos
casos.
Em segundo lugar, deve-se utilizar um critério
instrumental, deve-se localizar, a cada momento, as matérias
que devem ser objeto de harmonização. Deve-se adotar uma
posição a respeito da metodologia de harmonização de cada uma
dessas matérias para cada Estado.
E, por último, quais são os meios ou
instrumentos para levar a cabo esse processo? Visualizo um,
que considero o mais adequado atualmente, que é a utilização
das possibilidades outorgadas pela Secretaria do Mercosul. A
Secretaria do Mercosul passou de uma secretaria meramente
administrativa para ser uma secretaria técnica.
Conforme comentei, em outras ocasiões, há uma
burocracia boa e uma ruim. Em qualquer sistema de integração
deve-se ter uma boa burocracia como base. O sistema de
integração deve especializar funcionários da maior hierarquia
para que possam atuar, pensar e refletir não apenas vestindo
a camiseta de cada Estado, mas carregando o nome do Mercosul,
porque é a única maneira de progredir dentro do Mercosul.
A Secretaria do Mercosul tem todas as
possibilidades de localizar as matérias em cada estágio desse
processo de integração sejam passíveis de harmonização. Em
segundo lugar, preparar, aconselhar sobre a metodologia de
integração que será feita pelos órgãos de cada Estado
correspondentemente. Essa é a minha proposta.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) – Agradeço a
participação do Professor Ronald Herbert e anuncio que
faremos agora uma pausa de quinze minutos.
(PAUSA PARA O COFFEE BREAK)
O SR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) – Atenção, senhoras e
senhores, os trabalhos serão retomados.
Na seqüência ouviremos a Senhora Ministra
Elena Highton de Nolasco, representante da Corte Suprema de
Justiça da Argentina.
A SRA MINISTRA ELENA HIGHTON DE NOLASCO (CORTE
SUPREMA DE JUSTIÇA DA ARGENTINA) – Obrigada, Senhor
Presidente.
Bem, no que diz respeito à harmonização
legislativa, questão que estamos abordando hoje, todos
sabemos que Mercosul foi concebido, no início, a partir de
uma abordagem gradual. Começou sendo um acordo econômico que
foi se estendendo paulatinamente a outras áreas. Os
acontecimentos posteriores lideram uma transcendência que
superou, muito, àquela inicial concepção minimalista.
Em função do exposto no art. 1º, inciso IV,
relativo à harmonização legislativa nas áreas pertinentes,
considerou-se que deveria se dar prioridade a esse campo pela
preocupação com as assimetrias econômicas e suas
conseqüências.
Atemo-nos à letra do Tratado de Assunção,
particularmente ao preâmbulo, que apresenta ambos os
objetivos entre eles a essa alegação do processo de
desenvolvimento econômico com justiça social, a melhora da
condição da situação de vida dos seus moradores, conseguindo
uma adequada inserção numericamente nacional. Observamos que
esses objetivos vão além de uma limitada concepção ao qual
nós nos referimos, porque esses assuntos não podem se esgotar
nas trocas econômicas, embora sejam processos gradativos, é
fundamental chegar-se a uma harmonização entre os Estados.
Cabe ressaltar que, nessa evolução, para se estabelecer, no
futuro, um legítimo sistema jurídico de integração do
direito, é preciso constituir um direito próprio com força
política de penetração na ordem interna dos Países membros, o
que deveria se revelar em três dos aspectos peculiares deste
direito: a. aplicabilidade imediata; b. efeito imediato das
normas; e c. a supremacia sobre os direitos nacionais. Em
síntese, o Direito esperado não constituiu um Direito
estrangeiro nem é Direito internacional, mas é,
principalmente, Direito de integração.
Essa questão foi abordada pela Comunidade
Européia para aproximar os sistemas legais através dos órgãos
supranacionais. O Direito Comunitário Europeu é conduzido
pelas autoridades administrativas, legislativas e judiciais
de cada um dos Estados, em virtude do princípio de
aplicabilidade direta e da supremacia com um tribunal que
funciona como órgão que utiliza a interpretação, justamente
como meio de harmonização e unificação do Direito.
No âmbito do Mercosul, optou-se por um sistema
intergovernamental, sem poder imperativo nem autonomia. Isso
é um empecilho, no que diz respeito ao método adotado pela
harmonização legislativa nas áreas pertinentes. Isso sem
desconhecer a natureza mista da União Européia. Embora tenham
aspectos supranacional em matéria jurisdicional, deveríamos
encontrar formas solucionáveis para que os Estados possam
cumprir com os exigentes compromissos assumidos pelo Tratado.
Trata-se de um projeto que subordina certos interesses
nacionais à conquista de objetivos regionais e, portanto, sem
transferir poderes, tem, no mínimo nesse momento inicial, a
possibilidade normalmente reconhecida aos Estados soberanos e
que deveríamos, aqui, aprofundar isso numa fase de
integração. Nesse contexto apresentam-se dificuldades,
particularmente se levarmos em consideração que a
harmonização de Direito é uma ação prioritária a ser
desenvolvida para a proteção dos interesses econômicos
daqueles que poderiam ser prejudicados pela
internacionalidade dos mercados. A regulação dessa
possibilidade tende a eliminar, mediante a correlação das
destinações dos Estados-membros, os inconvenientes que a
disparidade normativa existente em cada matéria incita no que
diz respeito ao funcionamento do mercado. Justifica-se a
necessidade de uma aproximação das efetivações dos Estados,
porém as diferenças poderiam afetar a livre circulação das
mercadorias e favorecer a existência de diversos graus de
protecionismo, que afetem aqueles que produzem e exercem o
comércio.
É necessário determinar a relação das normas
comuns do Tratado de Assunção e do ordenamento jurídico
derivado do Tratado com o ordenamento jurídico interno. Essa
questão é essencial para a Argentina, através de uma
jurisprudência da Suprema Corte de Justiça da Argentina, onde
eram exigidos direitos de importação relativos a café em
grão, originário do Brasil, baseada no Acordo nº 1 entre
Argentina e Brasil. Em 1993, o Tribunal afirmou que:
salvaguardados os Direitos Públicos Constitucionais,
corresponde atribuir prioridade aos tratados que estejam em
conflito com uma norma internacional contrária. Foi
assinalado que um critério diferente comportaria sustentar
que o legislador argentino produziria uma norma que
contradiria um acordo internacional, havendo incorrido numa
transgressão a um tratado internacional. Quando não se tem
uma atribuição para modificar um tratado, faz-se uma lei,
embora pudesse elaborar uma norma diferente, seria impossível
esse ato de um órgão oficial, comportando numa transgressão
ao princípio de hierarquia das normas. Logo, a Reforma
Constitucional de 1994 deixou claramente estabelecida a
primazia do direito originado num acordo regional com o
Mercosul.
Essa questão, como já vista, é de maior
importância, mais ainda quando todos os integrantes
interpretam da mesma maneira. Devendo introduzir-se
gradualmente os elementos que estabelecem as atividades das
normas jurídicas do Mercosul. Pois isso redundará numa
supremacia e numa maior segurança jurídica, enquanto que,
numa posterior unidade de interpretação, poderia se
introduzir um mecanismo similar ao da Comunidade União
Européia para evitar uma disparidade desse tipo quanto à
integridade nacional, que possa por em perigo o princípio de
igualdade. Esse é o mecanismo já referido como questão
prejudicial. Adianto, mas só vou falar a esse respeito na
hora que eu mencionar as controvérsias que, no nosso
critério, é um passo, um instrumento indispensável para o
avanço na harmonização legislativa. Dessa forma, se supera,
de alguma uma maneira, a ausência de mecanismos para
consolidar o compromisso assumido no Tratado de Assunção -
art. 1o, inciso IV - e para cumprir com o disposto no art. 42
do Protocolo de Ouro Preto, enquanto assinala que as fontes
jurídicas obrigatórias devem ser incorporadas aos
ordenamentos jurídicos nacionais, mediante procedimentos
previstos na legislação de cada país, norma que gerou
interpretações contraditórias.
Em razão do desenho outorgado, a
internacionalização de uma normativa outorgada, o Mercosul
não pode omitir a integração comercial e formal de cada
Estado, porque não existe, ainda, um órgão legiferante do
tipo supra-estatal. Essas dificuldades, que faço referência,
manifestam quando valorizamos a internalização da normativa,
segundo informe da Secretaria Técnica de julho deste ano,
conforme entendo; porque, conforme o que surgiu desse
relatório, a existência de dificuldade está clara, já que
aproximadamente cinqüenta por cento das normas dos órgãos não
foi incorporada aos ordenamentos jurídicos dos países, o que
suscita preocupação, sem levarmos em consideração de que se
trata de normas votadas, por consenso, pelos representantes
dos quatro Países e que se relacionam diretamente com o tema
da harmonização legislativa.
Essa carência, a partir das ditas resoluções,
sendo a última dessas, a CMC 2204, estabelece-se que, para a
vigência e aplicação nos Estados-Partes das decisões,
resoluções e diretivas dos órgãos do Mercosul, com capacidade
decisória que não precisam de aprovação legislativa, será
adotado o procedimento contemplado. Tal sistema, com respeito
ao ordenamento jurídico interno, prevê a realização de
consultas e análises de consistência jurídica, já determinada
pela Decisão nº 2002.
Atualmente, a Secretaria do Mercosul não
recebeu informação dos Estados a respeito da incorporação da
Decisão 2204. Sobre esse tema, ontem a Ministra Cristina
Boldorini disse que estão tentando fazer uma reunião para
analisar a aplicabilidade dessa normativa, eventualmente
quando for o momento das contribuições pelos peritos. Talvez
a Ministra Boldorini possa esclarecer um pouco mais sobre
essa situação. Se bem que esse é um avanço no que diz
respeito à incorporação normativa, e somente é aplicável
àquelas normas adotadas pelo Mercosul, previstas em um artigo
de Ouro Preto, que não requer a inclusão de uma portaria
local, porquanto, o alcance, pelo que se pode observar, é
limitado. Não deixa de ser difícil tornar imperativa tal
decisão, já que requer toda uma série de consultas que são
necessárias nas diversas áreas dos governos nacionais, o que
conspira contra os prazos estabelecidos para a sua
concretização.
Todas as considerações levam a uma reflexão
sobre outras vias possíveis para alcançar os objetivos
propostos. Além disso, que é notadamente jurisdicional, como
a via jurisdicional, temos que o cumprimento ao primeiro
acórdão institucional, conhecido como Emenda Henrique
Allonso, aprovado entre o CMC e a Comissão Parlamentar, da
qual também se falou nesta Reunião, é um mecanismo importante
para harmonizar as legislações.
Se a Comissão Parlamentar assume a faculdade
legiferante que é a reconhecida, podem-se determinar alguns
temas fundamentais que podem abranger o espaço integrado. Da
mesma forma, considero fundamental, como o que foi assinalado
pelo Professor Herbert, do Uruguai, que a Secretaria Técnica
cumpra um papel essencial no trabalho de harmonização
legislativa dentro do Mercosul.
O compromisso seria efetivado de maneira
satisfatória se incluirmos temas como a proteção ao
consumidor já mencionado, se bem que o Mercosul já decidiu e
não foi internalizado pelos Estados ainda. No âmbito interno
de cada país, durante os últimos anos, isso está
relativamente solucionado por meio de leis sobre a matéria
quanto à responsabilidade dos fabricantes, vendedores,
concessionárias, importadores. Existe todo tipo cláusulas que
confere responsabilidades ao sujeito; e seria importante,
também, incluir a questão da garantia nos contratos, a
propriedade intelectual, licença de tecnologia, porque, ainda
que alguns desses aspectos tenham sido abordados, isso foi
feito sem nenhum sucesso.
A CMC aprovou, na Decisão 22, a defesa
comercial, estabelecendo disciplinas para os procedimentos e
regras para pesquisas “antidumping”. Apesar do tempo
transcorrido, a norma ainda não foi incorporada por nenhum
dos Estados-Parte. Acho que cabe assinalar que, embora não
seja uma questão de harmonização legislativa, sabemos que a
tarefa de oficializar os registros de propriedade imóvel -
cujos diretores se reúnem há mais de uma década no Comitê
Latino-Americano de Registros, com a tarefa de trocar
informações relativas a questões concretas de cada registro –
é o meio para se conduzir o serviço com legalidade e
transparência de nível técnico, adaptando-se às necessidades
da época. Por outro lado, o Colégio de Notários tem uma
tarefa que aborda o tratamento em reuniões periódicas das
leis da região no que diz respeito à atividade cartorial.
Esse tipo de iniciativa de trabalho conjunto poderia ser
adotado por especialistas em outras questões, por outras
associações de classe, porque um melhor conhecimento das
realidades jurídicas facilita a tarefa de articulação. Até
hoje, alguns aspectos de Direito internacional privado têm
oferecido a solução dos casos com elementos estrangeiros
mediante uma norma conflituosa cujo ponto de conexão remetia
ao Direito encarregado da resolução do problema. Apesar
disso, a legislação conflituosa é insuficiente em algumas
questões, particularmente nas relações jurídicas efêmeras.
Ocorreram, assim, as principais normas do
Direito Internacional Privado, como, por exemplo, a da CIDIP.
Embora se a CIDIP for considerada como a fonte para elaborar
normas equivalentes, talvez só conseguiríamos desperdiçar
esforços, porque os Estados fazem parte do sistema
interamericano. Também, se se desejar estabelecer um Direito
uniforme no âmbito do Mercosul, a recepção normativa de uma
série de princípios de articulação é imprescindível. Mas há
questão sobre isso, também falaram as pessoas que me
precederam no anúncio da palavra. Poderíamos, também,
observar algumas questões com sentido amplo. Poderíamos
tentar a harmonização a partir de normas comuns que funcionem
como garantias mínimas ou de regras de procedimento para o
exercício de Direito privado: um exemplo é a declaração
sócio-trabalhista do Mercosul, entre outros.
No mesmo âmbito, poderíamos assinalar que a
possibilidade, sugerida na doutrina uruguaia, no sentido de
considerar a questão dos Direitos Humanos quanto à prestação
dos Direitos Trabalhistas, a partir de acordos internacionais
obrigatórios, adotados homogeneamente pelos Países do
Mercosul, considerando que esses elementos são supranacionais
até para os países que não assinaram a Convenção de Viena.
Isso é mais claro para os países que, como a República
Argentina, assinaram essa Convenção, que no art. 27, ao qual
fizemos referência ontem, estabeleceram que os Estados Parte
não poderão invocar o Direito interno como justificativa para
o não-cumprimento de um tratado. A alternativa deriva de não
deixar de reconhecer a importância da ordem judiciária.
A evolução do Direito e a nova administração
do conjunto do segmento do território jurídico só serão
possíveis através de uma interpretação dinâmica e
teleológica, sem alterar o devido cumprimento da lei. Na área
interna do Mercosul, cada juiz será chamado, por exigência
das suas funções, a intervir em conflitos cuja solução
envolverá, cada vez mais, o conhecimento e a aplicação do
Direito do Mercosul já existente, ou elaborada por ele. A
realidade na qual deverá estar inserido determina que todo
juiz nacional deverá fazer um estudo jurídico daquela
matéria, porque deverá ser aplicado o direito do Mercosul, e
o seu avanço ou retrocesso será um elemento fundamental.
A experiência européia demonstrou que os
juízes nacionais são os verdadeiros juízes comunitários.
Dessa forma, nós magistrados enfrentamos o desafio de ser
partícipes ativos nesse processo para a proteção dos
Direitos, e da efetiva tutela e garantia, fazendo parte da
delicada missão dos juízes e dá sentido a essa tarefa do
juiz.
Muito obrigada.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA) – Agradeço a participação da
Ministra Elena Highton de Nolasco e passo a palavra ao
Ministro Eros Grau do Supremo Tribunal Federal.
O SENHOR MINISTRO EROS GRAU (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL) – Muito obrigado, Senhor Ministro.
A mim incumbe dizer duas pequenas palavras.
Nós vamos dividir o nosso tempo. Gostaria de dizer,
inicialmente, que foram extremamente substanciais,
extremamente ricas essas primeiras exposições.
Fica bem claro que o mercado - e agora falo do
mercado em geral - é uma instituição jurídica ao contrário do
que se pregou, durante muito tempo, quando se falou na mão
invisível do mercado. Não existe essa mão invisível; o
mercado não é um lócus naturalis, é um lócus artificialis, na
verdade, formado, conformado, plasmado, construído pela mão
que coloca aquilo que já se chamou de mínimo normativo. Sem
um mínimo normativo – e isso ficou muito claro em todas as
disposições anteriores – essa instituição jurídica não é uma
instituição econômica. Por isso digo, às vezes, de
brincadeira, que para falar de moeda, de mercado, é preciso
chamar um jurista e impedir que os economistas falem
sozinhos, porque nós, que somos operadores do Direito,
efetivamente somos capazes de descrever o mercado, a moeda
etc. Esse mínimo normativo está naquele quadro normativo
periférico dos nossos protocolos quando pensamos em termos de
Mercosul, mas precisa ser reconstruído.
De certa forma, fugindo de Kelsen e passando
para o lado de Carl Smith - quando falamos num mercado como o
Mercosul, quando se fala também em Comunidade Européia, e aí
está o desafio da constituição européia - talvez falte o
nomos da terra de que falava Carl Smith. Isso precisa, então,
ser escalado. Precisa-se escalar e construir. O desafio
europeu, hoje, certamente, é muito mais difícil do que o
nosso, porque, se nos falta aqui o nomos da terra para essa
harmonização e uniformização, seguramente é “pars terrible”
quando se fala em uma constituição européia, por exemplo, sem
o nomos.
Mas, de qualquer modo, essas eram as
observações, eu diria, otimistas, porque estamos melhores que
os europeus, neste momento. Gostaria de passar a palavra a
dois Colegas: primeiro, ao Professor Eduardo Gleber e,
depois, à Professora Stefania.
O PROFESSOR EDUARDO GLEBER (PUC-MG) – Muito
obrigado, Ministro Eros, Senhor Presidente.
O aprofundamento da integração econômica no
Mercosul tem como uma de suas condições de eficácia a
integração jurídica entre os Estados Partes naquelas matérias
capazes de influir na atividade econômica que nele se
desenvolve e que se deseja incrementar. Nessa categoria se
inserem, primordialmente, é claro, a norma que regem a
circulação de bens e serviços, especialmente aquelas que
estabelecem um tratamento tarifário e às que coíbem a
imposição de barreiras não tarifárias, barreiras técnicas,
barreiras fitossanitárias, que vedam a concessão de subsídios
e as praticas “antidumping”. Em torno dessas regras,
entretanto, que constituem a essência da normatividade da
integração econômica, orbitam normas jurídicas de outras
classes, que condicionam o funcionamento do comércio de bens
e serviços no espaço integrado e mesmo as relações jurídicas
que se estabelecem a partir da aproximação dos indivíduos
conectados a diferentes ordenamentos jurídicos nacionais.
É inegável que um processo de integração
econômica, Senhor Presidente, sofre a influência dos
instrumentos legais destinados a conferir segurança às
relações jurídicas no plano internacional. A maior ou menor
eficácia desses instrumentos pode limitar o sucesso ou
determinar o fracasso da integração na medida em que deixe de
assegurar a proteção aos interesses legítimos das partes,
seja diante da omissão do quadro normativo do Direito
material, seja pela ineficácia da prestação jurisdicional
indispensável para vindicá-los.
Em face disso, avulta a necessidade de um
razoável grau de homogeneidade quanto às regras de Direito
concernentes, por exemplo: as obrigações contratuais, nelas
incluídos os aspectos da entrega, do pagamento da mora, das
garantias de qualidade; assim como, quanto ao Direito do
Consumidor, as regras da concorrência, ou competência, como
dizem os espanhóis, a propriedade intelectual, aí incluída a
proteção ao software e, até mesmo, a repressão penal, a
pirataria e a contrafação, dentre outras, cuja assimetria é
capaz de gerar obstáculos e distorções prejudiciais ao
funcionamento do livre comércio entre os agentes econômicos
dos Estados-Partes.
Ao lado disso, é mister assegurar aos agentes
econômicos acesso desobstruído aos mecanismos jurisdicionais,
seja na justiça estatal, seja na instância arbitral, entendo-
se aí como tal, não somente o direito de postular como também
as condições necessárias para execução da sentença judicial
ou arbitral que se produzir no âmbito do procedimento
contencioso. Nesse sentido, normas processuais, homogêneas e
eficazes, são os objetivos a serem perseguidos. Sabemos que a
sua falta é, com impressionante freqüência, fonte de
frustração da efetividade da prestação jurisdicional e, por
conseguinte, da segurança jurídica indispensável para o
desenvolvimento da atividade econômica.
A relevância desse tema para o comércio
internacional encontra o seu melhor exemplo na conversão de
Bruxelas sobre jurisdição e execução, em matéria civil e
comercial, inicialmente concebida para viger apenas no âmbito
da Comunidade Econômica Européia, à qual, posteriormente,
entretanto, aderiram outros Estados europeus igualmente
interessados na eficácia da prestação jurisdicional,
transformando-se, em 1988, na Convenção de Bruxelas e Lugano,
com vigência em todo espaço europeu.
Com esse pano de fundo, três questões foram
formuladas pela Coordenação Científica deste Encontro no
concernente à harmonização legislativa em Direito Material e
Processual: a primeira, no estágio atual, qual o caminho a
seguir para concretizar a expectativa de um ordenamento
jurídico no Mercosul, harmonização ou uniformização?
O exercício da harmonização legislativa
constitui um delicado mister, mediante o qual se busca
compatibilizar normas jurídicas que devem ser criadas, se
ainda inexistentes, ou que devem ser alteradas, se já
existentes e conflitantes entre si, de modo a se ajustarem a
um paradigma consensualmente estabelecido pelos Estados. Por
conter uma fase autóctone a geração de normas na ordem
jurídica interna, o processo de harmonização requer passagem
pelo processo legiferante de cada um dos Estados-Partes
interessados, submetendo-se aos respectivos Poderes
Legislativos Nacionais, de conformidade com os ritos de cada
um deles. Esse processo, conseqüentemente, é sujeito às
circunstâncias políticas próprias dos trâmites congressuais,
cuja característica inerente é a necessidade de realizar
concessões num processo de negociação, que não raramente
resulta em alterações nas regras submetidas à deliberação
parlamentar, por vezes, a ponto de desfigurá-las.
A técnica de harmonização legislativa, por
conseguinte, embora compatível com os graus iniciais do
processo de integração, nos quais é possível conviver com
discrepâncias pontuais, não se mostra bem ajustada, a nosso
ver, a um processo de integração mais profundo, no qual a
homogeneidade buscada impõe a identidade entre os
dispositivos legais relevantes, pelo menos nas questões de
maior impacto sobre o funcionamento do bloco.
Com a uniformização legislativa que, por seu
turno, pretende estabelecer normas jurídicas efetivamente
homogêneas, que reflitam identidade normativa nos territórios
de todos os Estados Partes envolvidos, faz-se mediante a
celebração de tratados normativos, mediante os quais os
Estados Partes assumem, uns perante os outros, a obrigação de
internalizá-los em seus respectivos territórios, de modo que,
respeitadas as soberanias individuais, acabam todos os
convenentes por adotar um só texto, o que produz efeito
semelhante ao que se teria numa eventual norma supranacional,
porquanto vigente igualmente em todos os espaços territoriais
nacionais.
Em âmbito mundial, a uniformização tem sido
objetivo de diferentes instituições, dentre as quais
sobressaem a Conferência da Haia, Unidraw e a Uncitral como
modo de estabelecer normas comuns em diferentes ordenamentos
jurídicos nacionais. Utiliza-se para tanto o método da lei
modelo, cujos exemplos mais conhecidos são a Lei Modelo sobre
Arbitragem Comercial e Internacional e a Lei Modelo sobre
Comércio Eletrônico ambas da Uncitral; ou o método dos
tratados, contendo normas especiais, do qual são exemplos a
Lei Uniforme sobre Venda Internacional de Mercadorias também
da Uncitral, de 1980; as Convenções de Genebra sobre notas
promissórias, letras de câmbio e sobre cheques, já antigas da
década de 30; e a Convenção de Nova Iorque sobre
Reconhecimento de Execução de Laudos Arbitrais Estrangeiros,
de 1958. Mas, também no âmbito do hemisfério americano, a
uniformização legislativa tem sido utilizada. As Conferências
Interamericanas de Direito Internacional Privado – CIDIP,
celebradas a partir de 1975, estabeleceram Direito uniforme
sobre os mais variados temas, tanto de natureza substantiva,
como adoção, alimentos, lei aplicável aos contratos
internacionais menores; como de natureza procedimental, como
a arbitragem, as cartas rogatórias citatórias, a competência
jurisdicional, procurações, prova de direito estrangeiro.
Embora nem todas essas convenções tenham sido
internalizadas por todos os países que as subscreveram, a
CIDIP se constitui num exemplo marcante da capacidade de
mobilização dos Estados do sul, centro e norte do continente
americano, em busca da uniformidade nos aspectos mais
relevantes do Direito Civil, Comercial e Processual Civil,
notoriamente os que dizem mais de perto com a atividade
econômica.
No espaço regional do Mercosul, a
uniformização legislativa tem sido, Senhor Presidente,
particularmente importante, dela sendo exemplos vivos o
Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação e Assistência
Jurisdicional, de 1992, o Protocolo de Buenos Aires sobre
Jurisdição Internacional e Matéria Contratual, de 1994, o
Protocolo de Ouro Preto sobre Medidas Cautelares, de 1994, e
o Protocolo de São Luis sobre Responsabilidade Civil em
Matéria de Acidentes de Trânsito, de 1996. Qualquer reparo
que se possa fazer à técnica ou a soluções adotadas pelo
legislador uniforme nesses instrumentos não anula os efeitos
positivos desses mesmos instrumentos no processo de
integração econômica regional. Mas é necessário fazer em
termos de uniformização legislativa, pois inúmeros temas
ainda estão a reclamar a abordagem homogênea pelos Estados-
Partes do Mercosul.
Questões como a propriedade intelectual e a
repressão à pirataria e contrafação não estão, ainda,
suficientemente resolvidas no espaço integrado. Pois, mesmo
que se considere que todos os Estados Partes sejam também
signatários do acordo tríplice, verifica-se a necessidade de
instrumentos específicos que permitam a efetiva implementação
das regras mundiais.
Em síntese, opina-se no sentido de que a
continuidade do processo de uniformização legislativa
proporcionará a consolidação de um ordenamento jurídico do
Mercosul, absolutamente indispensável para o sucesso do
propósito integracionista.
A segunda questão proposta refere-se ao papel
que os respectivos Poderes Judiciários podem ou devem exercer
em prol da integração com base na premissa de que, como um
dos ramos do Estado a que pertencem, estão eles, Poderes
Judiciários, vinculados à vontade desses mesmos Estados na
escolha da integração regional como elemento de sua política
externa.
Em vários momentos deste Encontro, temos
ouvido e assistido manifestações de apoio e encômio ao
Processo de Integração Latino-americano, do qual o Mercosul é
o mais visível exemplo. Contudo, essas manifestações não têm
sido coincidentes com os pronunciamentos do Poder Judiciário
brasileiro no exercício de sua função judicante.
Realmente, a partir do julgamento do Recuso
Extraordinário nº 80.004, de 1977 – já se vão aí vinte e sete
anos -, a posição do Supremo Tribunal Federal brasileiro tem
sido invariavelmente no sentido de que a lei interna
posterior prevalece sobre o tratado que lhe fora antecedente,
seja este ou não oriundo do Processo de Integração Latino-
americano. No entender da Corte Suprema brasileira, deve-se
assegurar a última palavra ao Congresso Nacional, ainda que
tal importe afronta a um compromisso internacional do País, o
que constituiria apenas um fato político e não jurídico.
Também, no que concerne à cooperação
jurisdicional no cumprimento de medidas cautelares de caráter
executório, não tem sido conferida pela nossa Corte Suprema,
ao Protocolo de Medidas Cautelares, celebrado no âmbito do
Mercosul, qualquer deferência especial que o excepcione das
regras de homologação da sentença estrangeira, fato já
repetidamente abordado neste Encontro.
Se por um lado se pode vislumbrar o escrúpulo
do Supremo Tribunal Federal, atento para não invadir a esfera
de competência do Poder Legislativo, assim como para observar
fielmente os ditames da Constituição da República; por outro
lado, é de esperar que a Corte Suprema, no exercício de sua
específica atribuição de interprete e de aplicadora da
Constituição, o faça de modo consentâneo com o princípio,
segundo o qual o fundamento da organização política
brasileira se assenta, entre outros valores, na formação da
Comunidade Latino-americana das Nações, na qual, repito, o
Mercosul é a expressão.
Igual papel é de se esperar dos Poderes
Judiciários e dos demais Estados-Partes do Mercosul e dos
Estados Associados de modo que o projeto de integração
regional possa ser impulsionado pela convergência dos Poderes
dos Estados harmônicos entre si.
A terceira e última questão proposta,
concernente às Assimetrias das Organizações Judiciárias
Nacionais, como obstáculos ou potenciais contribuintes para
harmonização e uniformização legislativa, ficará a cargo dos
comentários da Professora Stefânia.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA) – Agradeço a participação do
Professor Eduardo Gleber, e passo a palavra à Professora
Stefânia Viveiros.
A SENHORA PROFESSORA STEFÂNIA VIVEIROS (OAB–
DF) - Muito obrigada, Senhor Presidente, me compete analisar
a terceira questão que se refere às Assimetrias das
Organizações Judiciárias Nacionais se são obstáculos ou podem
contribuir para a harmonização e uniformização legislativa.
Não vejo, inicialmente, que tais Assimetrias
das Organizações Judiciárias Nacionais sejam obstáculos para
harmonizar e uniformizar a parte legislativa. A título de
exemplo, podemos citar o próprio deslocamento de competência
do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de
Justiça no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e
a concessão de exequatur às cartas rogatórias. Essa
alteração, que já foi aprovada pelo Congresso na reforma do
Poder Judiciário, sairá do art. 102, alínea “h”, para o art.
105, alínea “i”, do Superior Tribunal de Justiça. Esse
deslocamento não constou lá de quem seria a competência para
proceder essa homologação e a concessão do exequatur como
consta na alínea “h”, do Supremo Tribunal Federal. Dessa
forma, verifico que competirá ao Regimento Interno do STJ
definir ou então distribuir a competência adequada para tais
atos.
Essa seria a primeira observação, deixando
claro que, no Regimento Interno do Supremo, está previsto, no
seu art. 215, o que compete ao Presidente do Supremo; e o STJ
irá fazer essa distribuição da competência, por meio do seu
Regimento, que poderá até concluir e achar mais adequado,
também, se essa análise competirá ao Presidente do Superior
Tribunal de Justiça, do mesmo modo utilizando-se do controle
concentrado.
A segunda observação que faço está relacionada
ao Protocolo de Las Leñas, firmado em 1992. Lá está
registrado que o cumprimento da carta rogatória de mero
expediente – quando falo de mero expediente, leiam as
hipóteses de citação – competirá às autoridades das divisas.
Então, nesse aspecto, pelo menos numa linha teórica,
vislumbro, para se ter maior efetividade nessa prestação
jurisdicional, a possibilidade, teoricamente, de que essa
competência realmente deveria ser concedida aos juízes de
primeiro grau, tendo em vista, já que estamos diante de
países vizinhos, que teria muito mais efetividade. Então,
seria uma análise, buscando a questão de efetividade na
prestação jurisdicional, até porque vejo que não haveria
nenhum tipo de dificuldade para a análise de soberania
nacional e a ordem pública realizada pelo juiz de primeiro
grau, como também já acontece nas aplicações das leis
estrangeiras pelo próprio juiz brasileiro. Nesse aspecto,
vejo que teríamos uma efetividade com relação a essa
prestação jurisdicional no momento em que poderia ser
atribuída a esse juiz de primeiro grau a realização do
cumprimento dessa citação, conforme já consta no Protocolo de
Las Leñas. Com isso teria integração e uma rapidez nesse
cumprimento dessas cartas rogatórias por meio dessas
citações.
Senhor Presidente, essas foram as
considerações relacionadas com a questão a que fui incumbida.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA) – Agradeço a participação da
Professora Stefânia Viveiros.
Agora, iniciaremos os debates que estão
franqueados também aos observadores.
Pediria a todos que dissessem o nome e a
procedência.
A DRA. BERTA FERDER (URUGUAI) – Eu gostaria de
fazer referência a uma questão estritamente técnica, em
virtude de que a parte material da questão foi amplamente
esclarecida de maneira muito eficiente pelos palestrantes do
painel.
Minha intervenção, minha contribuição,
exclusivamente técnica, está na linha do orador Professor
Eduardo Gleber, porque nós temos uma formação ius privatista,
o que nos dá, provavelmente, uma mesma abordagem da questão.
Gostaria de fazer referência, concretamente,
ao estabelecido pelo Tratado de Assunção sobre a obrigação da
harmonização. Isso está no primeiro capítulo do Tratado de
Assunção, no último parágrafo. E Faz referência ao
compromisso dos Estados-Partes em harmonizar suas legislações
nas áreas pertinentes para fortalecer o processo de
integração, isto é, há um compromisso específico dos Estados-
Partes: o compromisso de harmonizar as legislações. O único
que pode ser harmonizado, realmente, é o direito interno.
Esse esclarecimento é pertinente, porque, nos diversos
âmbitos de negociação do Mercosul, quando estão sendo
celebrados acordos, tratados, no sentido técnico, ou acordos
que deverão ser depois aprovados via administrativa, as
pessoas entendem que estão harmonizando quando, na verdade,
não estão harmonizando; o que elas estão fazendo é procurando
normas comuns, que é um processo diferente da harmonização e
que tende à uniformização e não à harmonização. Só podem ser
harmonizadas normas internas. O que quer dizer harmonizar?
Quer dizer compatibilizar as normas em algumas matérias
específicas que não sejam contraditórias entre si com a
finalidade de obter o processo de integração nos seus mais
amplos aspectos.
O parágrafo anterior, do mesmo Capítulo I do
Tratado de Assunção, diz uma coisa que poderia ser
interpretada como semelhante, mas é completamente diferente.
O parágrafo anterior diz, porque o parágrafo denomina-se o
objetivo, os princípios e os instrumentos. Eu diria que o
último parágrafo refere-se a propósitos sem instrumentos,
isto é, a harmonização é um dos instrumentos, não é o
instrumento ideal, mas é o único viável, dadas as
circunstâncias e tem um objetivo, um propósito. Porém, o
parágrafo anterior, que fala sobre Coordenação de Políticas
Macroeconômicas, como nós sabemos, não se produziu, mas
alguns setoriais, sim, se concretizaram, refere-se aos três
elementos do título do Capítulo I do Tratado de Assunção,
porque diz: “oferecer aos princípios, aos instrumentos e aos
propósitos”. Isso, sim, pode ser realizado através de
tratados, porque a coordenação de políticas macroeconômicas e
setoriais pode ser feita por tratados e raramente poderá
realizar-se por um instrumento da harmonização apenas.
Harmonização significa ter normas nacionais que não sejam
incompatíveis entre si.
Também se falou aqui sobre uma questão que nos
afeta diretamente, porque funciona muito mal: o famoso tema
da incorporação, que, possivelmente, será modificado - pelo
menos espero que venha a ser modificado.
Com relação a tudo isso, quero fazer um último
esclarecimento. Gostaria de fazer referência ao que está na
agenda, a reformulação eventual do Protocolo de Ouro Preto,
mas não do Tratado de Assunção. Isto é, que essa atualidade
de mecanismos de instrumentos que estão aqui, o último deles
no capítulo da harmonização já referido e o outro da
coordenação de políticas, feitas por meio de tratado,
permanecerá no sistema ainda que o Protocolo de Ouro Preto
venha ser reformado e que possa surgir um Protocolo de Ouro
Preto II, apenas se houver uma definição técnica dos
instrumentos que devem ser utilizados para alcançar os
diversos objetivos do Mercosul.
Essa é a contribuição que gostaria de fazer.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) – Agradeço a
contribuição da Doutora Berta Feder.
Passo a palavra ao Dr. Ricardo Alonso García.
O PROFESSOR RICARDO ALONSO GARCÍA (ESPANHA) –
Obrigado, Senhor Presidente. A propósito do que a minha amiga
Berta Ferder dizia, não vou entrar numa discussão que é
realmente muito conceitual e técnica sobre como se harmoniza,
ou não, e o que se entende por organização. Na Europa,
utilizam-se conceitos claros. Uma coisa é a uniformização,
que significa haver uma única norma sobre o Direito nacional,
e outra é a harmonização que implica em admitir-se a
diversidade das legislações nacionais dentro de pautas
comuns. Essas pautas comuns, esses pontos comuns são marcados
por uma norma européia. Na Europa, está claro que, quando se
fala de harmonização, significa que estamos eliminando
disparidades nacionais, mas mantendo uma certa diversidade
dentro de pontos comuns que são recolhidos numa norma
européia.
Eu gostaria de sublinhar dois pontos
essenciais que (sem tradução) um pequeno câmbio, um mínimo
câmbio qualitativo que é uma maneira diferente de abordar o
tema da integração pelas altas instâncias políticas. Tenho a
impressão - uma impressão pessoal e uma impressão
fundamentada, porque trabalhei em relação nisso - que, às
vezes, as mais altas instâncias políticas abordam o tema da
Secretaria, em primeiro lugar, e corre-se o risco de que isso
aconteça também com o Tribunal Permanente de Revisão,
recentemente criado. Essas instâncias são criadas e parece
que nelas se vê uma espécie de – não exagerando minhas
palavras – modelo de sistema. Cria-se a Secretaria, mas
depois surge o medo de verem o que a Secretaria pode fazer.
Acredito que a Secretaria alcançou um nível de maturidade
suficiente para começar a contribuir nessa fase na maneira de
como se legisla. Quando falamos na legislação, significa que
devemos ter técnicos preparados, trazidos com apoio de outros
órgãos internos ou externos preparados que dão uma visão,
vestindo a camiseta do Mercosul, uma posição que aglutine
todos os interesses individuais num único interesse comum
para começar a apresentar possíveis esboços. Insisto que isso
deve ficar claro para as altas instâncias políticas; isso não
significa, de jeito algum, tirar o poder político. Ao
contrário, a única coisa que essa atividade da Secretaria
poderá fazer é melhorar quem vai continuar conservando cem
por cento do poder decisório. Sensivelmente, isso vai
melhorar - por um lado. Acredito que é hora de que se
continue. Não temos que reformar nenhum tratado. Devemos
deixar o papel da Secretaria para apoiar. Insisto: não
estamos falando em tirar poder político nem melhorar a
capacidade de decisão de quem tem o poder de decisão.
Em segundo lugar, vamos destacar aqui também.
Para mim é chave, que quando falávamos nessas simetrias
constitucionais ontem, tratávamos de um tema importante. Quem
harmoniza? Hoje em dia quem harmoniza são os Poderes
Executivos. Não podemos nos enganar em relação a isso: quem
harmoniza são os Executivos. E, harmonizando, é evidente que
estamos repetindo aqui a história vivida na Europa, há 50
anos. Isso implica que, antes da harmonização, quem estava
legislando nos Estados Partes eram os Parlamentos. Quando
começamos a harmonizar, esses Parlamentos ficaram fora do
jogo, porque quem harmoniza são os Poderes Executivos. E o
que aconteceu? Como os Parlamentos não foram associados a
essa fase de harmonização, quando chegou o momento de
internalizar, quando chegou a hora de fazer efetiva essa
harmonização, em face de uma realidade no Mercosul,
simplesmente os Parlamentos reclamaram - no meu ponto de
vista, legitimamente - o papel do qual eles foram despojados
na fase de negociação.
Ontem, destacava-se aqui – se não me engano
foi o Presidente quem disse isso – que isso tem uma certa
lógica, porque, em definitivo, em todos os países que
negociam, que detenham o monopólio de política exterior, são
os Poderes Executivos que harmonizam. Concordo com isso como
afirmação de princípio, mas não com as últimas conseqüências.
Em todos os países, efetivamente, os Poderes
Executivos têm o poder para desenvolver as políticas
exteriores e plasmar aquilo em tratados, mas não para
harmonizar as legislações nacionais. Esse é um salto
qualitativo. Em outras palavras, esse poder onipresente do
Executivo tradicional, em termos de celebração de tratados,
não pode ser estendido na hora da negociação de algo que é
muito mais que um tratado: fazer esse processo operativo,
setor por setor, por meio do Legislativo. Essa é a realidade.
Que soluções podem ser oferecidas? Esse é o
ponto de vista do problema que está presente. E creio que as
soluções passam - isso foi destacado aqui também - por fazer
partícipes aos Parlamentos das negociações dessa harmonização
que está acontecendo no Mercosul. Dessa maneira se alcançam
duas coisas importantes: uma, implicar os Parlamentos
nacionais na fase ascendente de formação da norma comum e, ao
mesmo tempo, precisamente porque foram partícipes dessa
negociação; outra, implicar-lhes com seriedade na fase de
internacionalização. O primeiro passo foi realizado com a
assinatura do acordo institucional, em outubro do ano
passado. A segunda parte desse compromisso, que às vezes é
esquecida desse compromisso ainda tem que ser feita.
Lembro aqui que todo acordo institucional tem
duas partes: a primeira é consultar, e a segunda parte é que
a comissão parlamentar conjunta se fez responsável através
desse acordo, desse tratado, de tentar agilizar a fase de
internacionalização das normas do Mercosul no âmbito interno.
Finalmente - vou concluir, Senhor Presidente,
porque este será um tema de debate intenso no painel de hoje
à tarde - , há o segundo aspecto da harmonização que, para
mim, é essencial: de nada nos serve negociar uma norma do
Mercosul, ficar durante anos esperando que essa norma se
internalize, até que o último dos Estados-membros dite a
norma legislativa correspondente para a sua
internacionalização, e, finalmente, quando tivermos essa
norma sobre o papel, percebermos que ela não se aplica de
maneira efetiva. E aqui resulta a chave – insisto, não vou me
estender porque vamos falar disso hoje à tarde e espero,
também, que não levem a mal as minhas palavras -: muito mais
essencial do que o trabalho do Tribunal Permanente de Revisão
é o trabalho que exercem todos e cada um dos juízes
nacionais, desde o juiz de primeira instância do povo do
interior até as Cortes Supremas, os Tribunais Supremos das
respectivas partes. Por quê? Porque não podemos esquecer que
quem aplica cotidianamente o Direito do Mercosul, quem aplica
diariamente o Direito do Mercosul não é o Tribunal Permanente
de Revisão. O Tribunal Permanente de Revisão serve para
outras coisas.
Tive a honra de presidir o último Tribunal do
Mercosul - foi o nono. Em dez, onze anos foram feitos nove
laudos. Isso significa muito pouco; isso significa que não se
aplica ao Direito do Mercosul porque ele está sendo aplicado.
A Secretaria acaba de destacar um relatório excelente sobre
como se aplica, nos Poderes Judiciários nacionais e como se
faz operativo esse Direito do Mercosul. Isso acontece assim:
na Europa, e em todos os sistemas de integração que pretendam
ser sérios, quem aplica diariamente o Direito são os Poderes
nacionais. O Tribunal Permanente de Revisão servia, a
princípio, para outras coisas: para resolver questões,
controvérsias internas e estatais. A chave disso tudo vai ser
abordada hoje à tarde.
A querida Ministra argentina destacou também
esse ponto. Se isso acontece dessa maneira, resulta chave
manter uma uniformidade na aplicação dessa norma comum. Se
estivermos afirmando que quem aplica cotidianamente o Direito
do Mercosul são os milhares de juízes, em tribunais de
estados diferentes, corre-se o risco de que cada juiz, cada
Tribunal interprete de uma maneira diferente essa norma
comum. E ali temos o risco real, em termos práticos, de como
se pode quebrar essa harmonização. De nada serve essa
complexa fase de negociação com o consenso, e, depois, a fase
de internacionalização com todos os problemas que trazem os
Parlamentos Nacionais à Justiça, se, no final, quisermos ter
uma norma comum. Mas, uma norma comum que não se aplique
comumente no território de todos os Estados-Partes, porque
isso não vai servir para nada. Definitivamente, a chave está
no fato de ter-se que manter essa harmonização por uma norma
comum, desde a fase de sua produção até a de sua efetiva
aplicabilidade aos cidadãos. Para isso, é chave o tema da
opinião consultiva. Acredito que essa será a questão-chave
nos próximos anos de Mercosul. Analisaremos hoje à tarde como
isso será abordado, como essa peça-chave será aplicada para
que o Tribunal Permanente de Revisão dê uma resposta não só
aos juízes concretos, mas que essa resposta seja uniforme
para todos os Tribunais de todos os Estados-membros.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) - Agradeço a
participação do Professor Ricardo Alonso García.
Peço ao próximo participante que indique seu o
nome e a sua procedência.
A PROFESSORA ADRIANA DREYSIN DE KLOR
(UNIVERSIDADE DE CÓRDOBA) – Não tenho muito a agregar após
tão importantes apresentações aos temas assinalados pelo
Professor Ricardo Alonso García, porém, acredito que uma
questão tão importante como a que está sendo agora debatida
tenha a ver com outra questão que, aqui, deveria ser
desenvolvida pela Comissão Parlamentar Conjunta, ou, num
período mais ou menos próximo: a criação de um Parlamento.
Estamos aqui, numa reunião de juízes de
Tribunais Superiores, onde acho fundamental fazer-se chegar,
a todos os juízes e magistrados de cada um dos países, o
papel que devem assumir como juízes da integração, porque,
efetivamente, a opinião consultiva é um instrumento
fundamental para o futuro. Mas, pergunto-me: hoje, quantos
dos nossos juízes nacionais, de cada um dos nossos países,
sabem que é possível fazer uma consulta ao Tribunal
Permanente de Revisão, que tem o efeito tão importante de
contribuir para a interpretação uniforme do Direito do
Mercosul?
Eles sabem que existe uma regulamentação do
Protocolo de Olivos, então, no momento de se pensar nas
conclusões, não devemos esquecer que é necessário trabalhar
para a formação dos nossos juízes a fim de que eles conheçam,
pormenorizadamente, o instrumento que lhes ajudará na
interpretação de um direito novo e de uma grande medida ainda
desconhecida deles.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) – Agradeço à
Professora Adriana Dreysin de Klor.
Passo a palavra à Professora Nadia de Araújo.
A PROFESSORA NADIA DE ARAÚJO (PUC/RJ) -
Gostaria de retomar as palavras do Professor Ricardo Alonso,
que apontou o problema de como se legisla, para falar de um
momento anterior a isso: como se prepara uma legislação.
É muito importante agregar, neste momento, o
trabalho dos acadêmicos em apoio a essas novas legislações.
Há necessidade de se utilizar os centros especializados para
que se faça um trabalho prévio, até de levantamento do status
quo da legislação de cada país, por área, por assunto. Uma
verdadeira integração dos que estudam essas questões e uma
valorização dos trabalhos dos especialistas e do Direito
Comparado.
Queria aproveitar a oportunidade para
homenagear a Professora Ana Maria Vilela, a qual não tive a
felicidade de conhecer, mas pude aproveitar os seus
ensinamentos – ela tem um artigo da década de 80 sobre
unificação e uniformização da Revista de Informação
Legislativa, que, até hoje, é um marco nessa questão. O
estudo do Direito Comparado dará a base para que toda essa
nova legislação, ou mesmo, a pergunta sobre qual legislação
há de ser feita.
Aqui, há um grupo grande de jus privatista,
como disse a minha Colega Berta Feder, que sabe que, nas
convenções interamericanas, o sucesso ou não de uma das
convenções está intimamente ligado à qualidade do trabalho
dos especialistas e das reuniões preparatórias.
Também gostaria de fazer uma sugestão aos
tribunais, que têm o seu labor diário de julgar, mas têm-se
preocupado, cada vez mais, com a questão da formação dos
magistrados sobre essa maior integração da parte do Mercosul,
ligada à Secretaria Administrativa, que já existe um corpo
técnico.
O Ministro Ari Pargendler, do Conselho da
Justiça Federal, tem incentivado vários trabalhos e temos
participado deles. Queria, também, aproveitar para agradecer
o convite, na pessoa da Ministra Ellen e do Ministro Caputo
Bastos, que tiveram a sensibilidade, na Comissão Técnica, de
ver o futuro, porque só com o trabalho de todos os
especialistas chegaremos a essa maior harmonização ou
unificação. A questão de saber se devemos harmonizar ou
unificar é tão profunda que deve ser vista caso a caso, por
área. No Direito Internacional Privado, a OEA tem promovido
as conferências interamericanas, desde de 1975, e continuamos
cheios de tema. Na prática, essa integração, essa mistura dos
diversos especialistas e das pessoas provenientes dos
diversos órgãos operadores do Direito já foi vista pela
Comissão Técnica, a qual fez o Plenário tão misto.
O MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUANAL DE JUSSTIÇA DO BRASIL) – Agradeço a
participação da Professora Nadia Araújo.
Passo a palavra à Professora Cláudia Lima
Marques.
A PROFESSORA CLAUDIA LIMA MARQUES - Gostaria
também de retomar as palavras da Ministra Elena Highton de
Nolasco sobre a importância desse processo contínuo, como
frisaram os Colegas neste belíssimo painel e nesse caminhar
para o fortalecimento do Mercosul, e de dar maior
credibilidade às normas oriundas dessa fonte nova de Direito,
como afirma a Professora Adriana Dreysin de Klor, que é o
Mercosul.
Nesse sentido, para caminhar um pouco nessa
credibilidade, talvez pudéssemos fazer uma reflexão, iniciada
pelo o Professor Ronald Herbert, no sentido de uma
determinação clara da metodologia utilizada pelo Mercosul.
A Ministra Elena Highton de Nolasco muito bem
frisou ao lembrar-nos que o preâmbulo do Tratado de Assunção,
isto é, a idéia teleológica que o orienta, é melhorar a
qualidade de vida dos povos da região. E nesse sentido, nas
críticas aqui realizadas, parece que o Mercosul talvez tenha
pensado muito na parte econômica e pouco na parte da
qualidade de vida dos seus cidadãos. Creio que isso daria
maior credibilidade para esse processo e maior profusão na
sociedade. E, pegando o exemplo aqui trazido pelo Professor
Roberto Ruiz Díaz Labrano, do Direito do Consumidor, o que se
viu foi uma harmonização um pouco atrapalhada que, começando
com pautas comuns, em 1997, optou por um tratado-lei. Esse é
um problema da falta de instrumentos jurídicos do Mercosul
para realizar, semelhante às diretivas, uma harmonização
verdadeira e tendendo, então, a uma uniformização.
Esse processo levaria à destruição de algumas
barreiras, consideradas na época barreiras ao comércio ou
barreiras equivalentes, e, na verdade, levaria à revogação,
no caso concreto, de vinte e seis artigos do Código de Defesa
do Consumidor brasileiro, e alguns outros da lei Argentina,
na época as únicas existentes. Isso demonstrou bem - não
aconteceu, é claro - que o Mercosul deve, assim, inspirando-
se na metodologia usada quem sabe na Europa - nesse caso, o
grande legislador em prol do cidadão europeu, dessa
identidade européia de que hoje tanto se orgulham -, no
sentido de ser um legislador construtivo e não destrutivo. A
harmonização é uma chance para avançar e, com isso, ganhar
credibilidade e legitimação para proteger as pessoas, e não
só proteger o que, no momento, parece um objeto imediato, mas
um pensar em longo prazo.
Nesse sentido, parece-me muito importante a
conclusão desse painel para frisar a necessidade da evolução
do Mercosul. Que se desenvolvam instrumentos possíveis de
harmonização e de legitimação; que o Mercosul seja um
legislador, mesmo que oriundo do Executivo - quem sabe já
trabalhando com o Parlamento e com a Academia, como bem
frisou a Professora Nadia de Araújo, para construir um
Direito do qual possamos, assim como os europeus, nos
orgulhar.
Gostaria de frisar a importante menção do
Ministro Eros Grau sobre os mercados, isto é, também há a
necessidade de valorizarmos as nossas diferenças. O mercado
brasileiro, obviamente, tem as suas idiossincrasias, mas é
diferente do mercado uruguaio - apenas como exemplo - e,
nesse sentido, as leis que regulam esse mercado, o Direito
econômico, tão mencionado, da concorrência e da defesa do
consumidor. Por isso, talvez pensando mais para o futuro,
creio que devemos nos visualizar como “standers”
internacionais, como mencionou a Ministra Elena Highton de
Nolasco. Para evoluir, não podemos baixar o nível de proteção
ou achar que a realidade de hoje será a mesma de daqui a dez,
vinte anos. Se pretendermos construir uma união aduaneira, um
Mercosul, realmente temos de evoluir respeitando as
diferenças culturais e do mercado de cada um desses países.
Por último, parece-me que, neste encontro,
como bem frisou a Professora Nadia de Araujo, há uma grande
chance de evolução, porque, também aqui, os expositores dos
painéis demonstraram que a maior evolução no Mercosul se deu
em matéria de processo civil internacional e por sugestão da
Reunião de Ministros, que era uma instituição sequer prevista
no início no Mercosul e que, depois, foi institucionalizada.
E, quem sabe, esse foro, que vai criar uma reunião de Cortes
Supremas que conhecem, pelos seus juízes, os problemas claros
de aplicação, uniformização e eficácia da normativa do
Mercosul, no futuro, possa também propor, quem sabe com ajuda
da Secretaria do Mercosul, tratados internacionais de
cooperação judicial, ou do que for necessário na época, para
que essa normativa do Mercosul, realmente, chegue a esse
nível internacional e com essa identidade de respeito e de
construção de uma qualidade de vida melhor dos povos.
Seria essa a reflexão.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) - Agradeço à
Professora Claudia Lima Marques.
Passo a palavra ao Ministro Wilfrido Fernández
de Brix, do Tribunal do Mercosul.
O DR. WILFRIDO FERNÁNDEZ DE BRIX (PARAGUAI) –
Vou fazer dois esclarecimentos concretos. Primeiramente, como
disse o Professor Ricardo Alonso García, diferenciando os
conceitos entre harmonização e unificação. São dois conceitos
que têm um grau de evolução num processo de integração. O que
nos foi ensinado sobre harmonia, pela experiência do
Mercosul? Uma experiência é afirmar que, se continuarmos
utilizando o princípio de intergovernabilidade, só será
possível fazer uma harmonização pela metade. No caso da
propriedade intelectual lhes darei um exemplo concreto: a
comunidade andina tem quinhentos e sessenta corpos normativos
relativos à propriedade intelectual. O Mercosul, em treze
anos de existência, tem dois protocolos que morreram no
caminho: um sobre marcas, que foi ratificado pelo Paraguai e
pelo Uruguai, e o outro sobre desenho industrial, que não foi
ratificado por nenhum dos países e nenhum deles sequer o
conhece. Então, no que diz respeito a continuar-se no caminho
da harmonização ou da unificação, faz-se necessário vincular
isso a uma reflexão séria sobre a conveniência de se
continuar sob a regência de um Mercosul interestadual ou se
seria melhor seguir pelo caminho da supranacionalidade, como
nos ensina a comunidade andina e os nossos irmãos europeus.
Em segundo lugar, o que poderia ser feito? O
que os Poderes Judiciários poderiam fazer no Mercosul? Não
repetirei o que foi dito ontem - o exemplo da comunidade
andina -, mas falarei, sim, da posição dos magistrados
andinos que, em dois países, Peru e Equador, contam apenas
com cláusulas programáticas de integração. Só isso. Na
Bolívia, não há sequer uma cláusula programática; há apenas
uma disposição tradicional que estava nas Constituições
anteriores, e que diz que o Poder Executivo tem a faculdade
de fazer tratados que beneficiam a República. E ponto. Mas
devemos admirar a tarefa dos países andinos porque eles
tiveram a consciência de que o Direito Constitucional moderno
foi deixado de lado, apesar de que todos devem ser
regulamentados pela Constituição. É necessária apenas uma
cláusula programática de integração, que está em todos os
países do Mercosul, para estabelecer um direito comunitário.
Mas o maior mérito dos juízes andinos é o de ter consciência
de que aquela teoria restritiva que recusa eficácia prática
às cláusulas programáticas da Constituição, na história do
Direito, é uma herança não muito feliz do fascismo italiano.
Foram os juízes italianos nomeados por Mussolini que
permaneceram em suas funções, nessa Constituição, que se
recusaram a cumprir a Constituição italiana de 47, baseando-
se na questão de que a cláusula programática não tem nenhuma
utilidade. Os juízes andinos tiveram a consciência histórica
de reconhecer o que é uma herança proveitosa e uma herança
lamentável. Nós, cidadãos do Mercosul, deveríamos fazer essa
mesma reflexão e não copiá-los, mas pensar na atitude que
mencionei.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENGLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) – Agradeço a
participação do Doutor Fernández de Brix.
A Senhora está com a palavra. Pediria que
dissesse o seu nome e a sua procedência.
A SENHORA MINISTRA MARIA CRISTINA BOLDORINI
(ARGENTINA) – Brevemente gostaria de fazer referência à
metodologia que utilizou o Mercosul no caminho para a
harmonização. Na verdade, quando se acenou para o Tratado de
Assunção, os países pensaram em como avançar na nossa
integração. Aprovamos o livre-comércio, mas a redução (sem
tradução) não era suficiente. Era necessário contar com
normas, comuns ou harmonizadas, que assegurassem o livre-
comércio. Então, a primeira tentativa de harmonização e
uniformização foi o famoso cronograma de Las Leñas, onde se
fez uma lista de todos os trabalhos para alcançar essa
unidade normativa.
Então, podemos falar de vários eixos. Houve um
eixo técnico que foi trabalhado com esses grupos e, hoje,
temos mais de mil normas que refletem esse trabalho técnico,
em que se uniformizaram critérios, princípios e disposições.
Esse trabalho foi realizado pelos subgrupos III, VIII e XI.
Logo, temos um outro eixo que foi desenvolvido na Reunião de
Ministros e, como assinalou agora a Doutora, não foi um órgão
previsto no Tratado, mas no regulamento do Tratado do Mercado
Comum, e é uma tarefa muito importante desenvolvida no âmbito
da educação, da justiça e dos ministros de interior.
O outro eixo foi aquele feito pelos órgãos
decisórios na defesa de competência e de concorrência na
propriedade intelectual, mas foi o que apresentou mais
dificuldades para lograr uma norma de atividade comum.
Entre todos esses trabalhos, devo dizer que
temos um resultado muito positivo, porque, atualmente, o
grosso desse intercâmbio é desenvolvido com base nessas
atividades, mas há um âmbito em que temos uma dificuldade a
enfrentar, já assinalada aqui, que é a falta de incorporação
normativa. Como os países superaram essas dificuldades? Eles
tentaram fazer isso através de dois caminhos: o primeiro,
procurando um reconhecimento mútuo para o intercâmbio. É um
dos eixos em que se trabalha intensamente, também nesse
sistema, para ir a uma aplicação direta, normativa que não
requeira tratamento parlamentar.
Como assinalou a Ministra Elena Highton de
Nolasco, há um avanço no Mercosul, silencioso, mas muito
importante: a decisão aprovada no último Conselho que tende,
por meio de um sistema que é mais uma harmonização do que uma
uniformização, porque se prevê que cada Estado Parte adote
uma normativa própria que permita ter esse regime da
aplicação direta normativa. Então, trabalha-se intensivamente
em cada uma das chancelarias dos países para ter-se essa
norma interna que permita essa aplicação direta até o final
do ano.
O MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) – Agradeço à Ministra
Maria Cristina Boldorini.
Passo a palavra ao Professor Jaime Lipovetzky.
O SENHOR PROFESSOR JAIME CÉSAR LIPOVETZKY
(ARGENTINA) - Gostaria de lhes dizer que continuo preocupado,
porque não estão sendo abordadas as questões trabalhistas. O
representante do Uruguai falou disso há pouco, mas essas
questões estão relacionadas com os objetivos de
desenvolvimento que o Mercosul se propõe a alcançar. Não é
uma questão alheia ao desenvolvimento econômico. Todos esses
aspectos têm um papel na formação dos preços relativos e
absolutos das economias dos Países-membros, e certamente
influenciou a decisão do Supremo Tribunal argentino, quando
se estabeleceu uma relação entre a vigência do direito de
proteção de tarifas e o ordenamento supranacional, num artigo
que está na Constituição da Argentina.
Gostaria de mencionar também que, quando se
fala das questões econômicas aqui neste evento, se faz
referência a elas do ponto de vista do Direito privado, e não
com uma visão macro da economia. A verdade é que, nas
economias regionais tributárias, onde os investimentos
estrangeiros representam um refluxo de utilidades que acabam
endividando os nossos países, os salários dos nossos
trabalhadores têm um papel muito importante, porque são os
únicos que têm tarifas nos países respectivos.
Vocês sabem que os preços das mercadorias no
mercado internacional são, geralmente, determinados pelos
principais importadores ou exportadores. As tarifas salariais
são o único tipo de tarifa uniformemente determinada nos
mercados internacionais. E não se fala disso. É como se fosse
um filme argentino que diz: “Disso não falamos”. Mas seria
muito importante que abordássemos a questão num contexto que,
desde Santiago do Chile, de alguma maneira, vem ameaçando
dois países do Mercosul, porque eles rejeitaram a criação de
uma área de livre-comércio norte-americano.
Aqui, parece, há necessidade de
desregulamentar o mercado de trabalho latino-americano. Tal
como foi reconhecido pela Corte argentina, esse direito está
reconhecido em todos os países latino-americanos e se
reconhece também uma proteção constitucional. Isso significa
que se o Projeto Alca continuasse avançando, tal como tem
sido colocado pelos norte-americanos, isso suporia a reforma
das Constituições de vinte e um países, mas não aconteceria
se os norte-americanos estivessem dispostos a revogar a
Constituição norte-americana, porque ela não reconhece o
aspecto dos contratos de trabalho dos nossos países, que é o
princípio de igualdade das partes, o que está sempre
estabelecido em todas as Constituições norte-americanas e
resolve o conflito entre trabalhador e patrão pela criação de
novos mecanismos de proteção.
Isso representa proteger os mais fracos,
implica dar garantias ao patrão, tal como foi feito em alguns
países latino-americanos, onde o argentino Dr. Frandinsing,
em nome do Supremo Tribunal argentino, mencionou as normas
derivadas do Direito do Trabalho. Não quero prejudicar o
andamento da nossa reunião, mas a questão da harmonização das
leis não satisfaz as exigências de desenvolvimento de uma
norma geral na questão trabalhista. O Direito trabalhista dos
nossos países tem normas comuns, mas são suficientemente
diferentes para que se faça necessária uma abordagem num
âmbito superior. Talvez isso implique na elaboração de normas
e na convocatória de comissões paritárias à redação de
convênios coletivos para os quatro países e para aqueles que
venham a se incorporar, no futuro, no marco também do
Mercosul ampliado para que, de alguma maneira, possamos
começar a trabalhar com seriedade numa economia comum do
ponto de vista macro e não apenas micro; uma economia comum
que comece por resolver os problemas de dependência e da
tributação, que são os principais problemas da maioria dos
países da América Latina.
Muito obrigado.
O DR. JOSÉ ANTÔNIO MORENO RUFFINELLI
(PRESIDENTE DO TRIBUNAL PERMANENTE DE REVISÃO DO MERCOSUL) –
Senhor Presidente, gostaria de retomar o que foi dito pela
Professora Nadia Araújo, no que diz respeito às questões
relativas à harmonização do Estado de Direito.
Creio que, até agora, não ouvi dizer que em
julho, na última Cúpula de Foz do Iguaçu, foi criado o Centro
de Promoção de Estado de Direito do Mercosul. O Centro de
Promoção do Estado de Direito do Mercosul tem duas vertentes
fundamentais: uma vertente pública que se ocupa das questões
da governabilidade democrática, da promoção da democracia e
de outras questões que se referem ao direito público; e outra
privada, que fala da harmonização das normas dos países do
Mercosul.
Para isso está-se trabalhando na implementação
de institutos acadêmicos que ofereçam o apoio necessário à
elaboração de uma legislação dentro do Mercosul.
Nesse sentido, foi criado um instituto de
consolidação institucional do Mercosul e outros que serão
criados no futuro, com o objetivo de ser um marco acadêmico
para a discussão de todas essas questões que nos preocupam
tão intensamente hoje.
Por isso, já contamos no Mercosul com um
instrumento válido, e uma das conclusões que poderíamos
extrair desse encontro é potencializar justamente esse centro
de promoção do Estado de Direito do Mercosul.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA) -Agradeço ao Presidente José
Antonio Moreno Ruffinelli.
O SENHOR PROFESSOR JORGE LAVOPA (CARI)-
Gostaria de fazer uma breve reflexão. Creio que estamos aqui
falando de harmonização legislativa. A minha pergunta é: a
harmonização legislativa, no sentido amplo, inclui apenas as
questões legislativas ou, como foi colocado pela Ministra
Cristina Boldorini, estamos também falando dos aspectos de
normas administrativas? Isto é, a vida de todos nós,
cidadãos, neste momento, é regida - por exemplo, quando vamos
ao supermercado - por regulamentos técnicos aplicados aos
alimentos e que devem ser cumpridos ou, caso contrário, não
poderiam ser vendidos no Mercosul. É interessante sublinhar
essa questão, pois o que está sendo trabalhado agora é a
possibilidade de que essas normas, que geralmente terão
caráter administrativo - porque serão aplicadas pelos poderes
executivos através de seus ministérios -, possam ser
aplicadas nos estados onde deverão ser harmonizadas com uma
legislação interna - como disse a Doutora Boldorini - para
permitir que um procedimento administrativo possa
possibilitar a entrada no Mercosul.
Os problemas apresentados não estão no âmbito
administrativo, mas no legislativo, o que aparentemente seria
contraditório, uma vez que foram os próprios congressos que
autorizaram e delegaram ao Executivo um poder de negociação -
e, às vezes, foram além do autorizado -, quando agora é
necessário internalizar as normas. Esse próprio Poder
Executivo, através dos seus órgãos, geralmente Conselho de
Mercado Comum, apresenta resistência para essa internalização
das normas. Devemos abordar isso, porque senão estaremos, por
um lado, atacando o sistema republicano e, por outro,
estaremos querendo consolidá-lo.
Então, também queria que abordássemos a
questão administrativa para ver se podemos, efetivamente,
internalizar as normas legislativas e administrativas.
Muito obrigado.
A SENHORA PROFESSORA REBECA (BRASIL) - Senhor
Presidente, agradeço pelo uso da palavra.
Ontem, por diversas vezes, ouvi a utilização
do termo “Direito comunitário” referindo-se ao Mercosul. Isso
me preocupou bastante. Preocupou-me porque, no âmbito do
Mercosul, não podemos considerar o que acontece conosco como
um Direito propriamente comunitário.
Vou lhes fazer uma pequena introdução: a
Comunidade Européia, quando foi criada, teve como objetivo a
instituição dos Estados Unidos da Europa, Estados que
renunciaram à parcela de sua soberania em favor da Comunidade
Européia, conferindo a estes poderes próprios e independentes
dos Estados-membros; conferindo a essa Comunidade competência
para promulgar atos equivalentes aos atos nacionais.
A construção da Comunidade Européia só foi
possível porque se baseou em princípios fundamentais que
todos os Estados-membros reconhecem como válidos e cuja
execução cabe aos órgãos executivos. Esses princípios
fundamentais, aos quais me referi, destacam-se pela
realização de uma paz duradoura – já dura 40 anos -, de uma
unidade, da igualdade entre os Estados, da liberdade, da
segurança, da solidariedade, da democracia do Estado de
Direito e prevê sérias medidas em caso de violação desses
princípios. A salvaguarda desses princípios fundamentais é
assegurada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades
Européias, que fortalece a comunidade na medida em que firma
jurisprudência com base no primado do Direito Comunitário
sobre o Direito nacional, aplicabilidade direta do Direito
Comunitário e autonomia da ordem jurídica comunitária, entre
outros princípios.
A União Européia hoje, como vimos, foi
implantada sobre três pilares: as comunidades européias, a
política externa e segurança comum e a cooperação em matéria
de justiça e assuntos internos, ou seja, o que estamos
exercitando nestes três dias são assuntos referentes ao
terceiro pilar. É aí onde quero chegar, pois não tenho
nenhuma pretensão de dar aulas para “experts” em Direito
Internacional.
Senhores, ontem e hoje fiquei muito preocupada
e lhes digo o porquê: estamos discutindo o terceiro pilar da
comunidade e, ontem, o Ministro Carlos Britto bem nos
relembrou o sentido da palavra “comunidade” como a unidade de
interesses comuns, sem ao menos termos o primeiro, o mínimo,
consolidado.
Explico: não temos um mercado interno comum,
uma vez que não temos livre circulação de mercadorias e
serviços, em sentido amplo. Não temos livre circulação de
capitais e pagamento, tampouco liberdade de estabelecimento,
em sentido amplo. É como se fosse uma reunião de condomínio
sem que esse condomínio tenha realmente se instituído; ou
seja, a discussão de assuntos referentes a um condomínio que
ainda não é uma realidade.
Necessitamos não pensar como nacionais de
Estados-membros, preocupados em defender sua soberania de
Estados individualmente. Necessitamos nos despir destes
casacos de brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios e
temos que vestir o casaco Mercosulense. Temos que raciocinar
como comunidade de interesses comuns. Só iremos sobreviver no
mundo se formos fortes, se pensarmos em comunidade, se os
objetivos a serem alcançados forem determinados em consenso.
Em certo momento, a comunidade teve que
verificar se seguiria adiante, se havia vontade política para
permanecer como um ideal de comunidade ou se cada um seguiria
seu caminho. Eles resolveram seguir adiante.
Vejo este momento de forma semelhante. Temos
que pensar se queremos ou não seguir adiante, hoje, no
Mercosul. Temos que nos conscientizar que não podemos pular
etapas, mas temos que vencê-las de forma sólida, caso
contrário, nós deixaremos um mercado comum inacabado, como a
zona de livre comércio imperfeita, e com pretensões de ser um
Bloco.
Somos quatro, não vinte e cinco. Não temos
diferenças culturais relevantes. Não temos catástrofes
ambientais, mas temos que ter vontade. Temos que realmente
nos comprometer por um ideal. Temos realmente que ceder uma
parcela da nossa soberania. Temos que ter nossas instituições
Mercosulenses. Temos que ter a possibilidade de encaminhar
pedidos de decisão prejudicial. Temos que ter direito em ter
um direito supranacional. Temos que cumprir com os nossos
compromissos assumidos. Temos que ser uma comunidade de
Direito. Temos que garantir aplicação uniforme e prioritária
do Direito Mercosulense em todos os Estados-membros.
Muito obrigada.
O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (MINISTRO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL) – Neste momento,
daremos por encerrado este primeiro ciclo da nossa jornada de
hoje. Faremos, então, uma pausa e retornaremos às 14h. Temos
um convite para visitar o Plenário do Supremo Tribunal
Federal e, depois, retornaremos às 14 horas. O almoço será
servido no restaurante às 12h30.
Por último, quero agradecer aos organizadores
pelo Encontro, a honra que me conferiram de partilhar a Mesa
com o Ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal; o
Vice-Presidente da Corte Suprema do Paraguai, José Raul
Torres Kirmser; a Ministra Elena Highton de Nolasco, da Corte
Suprema de Justiça da Argentina; o Presidente da Corte
Suprema de Justiça do Uruguai, magistrado Leslie Van Rompaey
Servillo; a professora Estefânia Viveiros; e o professor
Ricardo Allonso Garcia.
Muito obrigado.
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) –
Apenas um aviso. O Senhor Ministro Gilmar Mendes convida os
presentes para a palestra que o Professor Ricardo Alonso
Garcia proferirá sobre Constituição Européia, no Instituto de
Direito Público, amanhã, quarta-feira, às sete horas da
noite, localizado na QL 12, Conj. 09, Casa 10, no Lago Sul.
************
(SEGUNDA PARTE DO DIA 30/11/2004)
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) –
Reiniciando os trabalhos no segundo dia do II Encontro de
Cortes Supremas dos Estados-Partes e Associados do Mercosul,
informamos que compõem a Mesa as seguintes autoridades: o
Excelentíssimo Senhor Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo
Tribunal Federal; o Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos
Velloso, do Supremo Tribunal Federal; o Excelentíssimo Doutor
José Antônio Moreno Ruffinelli, Presidente do Tribunal
Permanente de Revisão do Mercosul; a Excelentíssima Senhora
Ministra Elena Highton de Nolasco, representante da Corte
Suprema de Justiça da Argentina; o Excelentíssimo Senhor
Leslie Van Rompaey Servillo, Presidente da Corte Suprema de
Justiça do Uruguai; o Excelentíssimo Professor Márcio Garcia,
Relator do Grupo IV do Sistema de Soluções e Controvérsias; a
Excelentíssima Senhora Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente
do Supremo Tribunal Federal e Coordenadora-Geral do Encontro.
Com a palavra o Excelentíssimo Senhor Ministro
Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, para conduzir
os trabalhos desta tarde.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Senhoras e Senhores, boa tarde.
Para darmos início ao ciclo de palestras desta
tarde, reservado ao Grupo IV – Sistema de Solução de
Controvérsias -, tenho a honra de convidar o Excelentíssimo
Senhor Ministro Carlos Velloso para fazer uso da palavra.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Excelentíssimo Senhor Ministro
Joaquim Barbosa, que preside os nossos trabalhos,
Excelentíssimos Senhores integrantes da Mesa, meus
companheiros do grupo, Senhoras e Senhores.
Nosso grupo de trabalho subordina-se ao tema
Sistema de Solução de Controvérsias. Uma palavra a respeito
do nosso tema.
Em conferência que proferi, já há algum tempo,
sobre a integração de mercados no Poder Judiciário, comecei
por afirmar que foi nas comunidades européias que os países
latino-americanos, especialmente o nosso País, fomos buscar
inspiração na edificação do nosso Direito comunitário, ou,
conforme é do gosto dos latino-americanos, do Direito da
integração.
A primeira experiência brasileira em termos de
Direito da integração deu-se com a assinatura do Tratado de
Montevidéu, em 18 de fevereiro de 1960, que criou a
Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC,
reunindo Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e
Uruguai e, posteriormente, Colômbia, Equador, Venezuela e
Bolívia, que aderiram ao Tratado.
Se o objetivo era a criação de um Mercado
Comum, a partir de uma zona de livre comércio, em 1969,
Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru firmam o Tratado de
Cartagena, estabelecendo o Pacto Andino, ao qual Venezuela
aderiu em 1973. Do Pacto Andino retirou-se o Chile em 1976.
Em 12 de agosto de 1980, os onze países
signatários do Tratado de Montevidéu firmaram novo tratado
também em Montevidéu, visando aperfeiçoar a ALALC. Foi
criado, então, o segundo Tratado de Montevidéu, de 12 de
agosto de 1980, Associação Latino-Americana de
Desenvolvimento Industrial – ALADI. O segundo Tratado de
Montevidéu foi firmado pelos países integrantes da ALALC -
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México,
Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. A finalidade principal
da ALADI consistia em estabelecer, em longo prazo, de modo
gradual e progressivo, um Mercado Comum Latino-americano,
visando promover o desenvolvimento econômico e social,
harmônico e equilibrado da região, respeitando os princípios
do pluralismo, da convergência, da flexibilidade e da
possibilidade de tratamento diferenciado.
Convém mencionar que, em dezembro de 1992, os
Estados Unidos, Canadá e México criaram o NAFTA, vigente a
partir de 1º de janeiro de 1994, o mais abrangente acordo
comercial, sem pretender colocar-se como Mercado Comum, e a
primeira zona de livre comércio bilateral negociada entre
parceiros comerciais - dois países desenvolvidos e um, em
vias de desenvolvimento -, estabelecendo significativos
compromissos em matéria de liberalização do comércio e
investimentos, com eliminações progressivas de barreiras
tarifárias, em período de dez a quinze anos, lembra o
Professor Francisco Amaral.
O Mercado Comum do Sul – Mercosul foi
instituído pelo Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991,
firmado pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tendo
ficado estabelecido que até 31 de dezembro de 1994 seria
constituído o Mercado Comum. O Tratado de Assunção pretendeu,
em última análise, segundo seu artigo 1º, instituir uma união
aduaneira, caracterizada pela completa eliminação das
barreiras alfandegárias entre os países-membros e por uma
política comercial comum em relação a outros mercados.
O Tratado de Assunção, de 1991, especialmente
o Protocolo de Ouro Preto, de 1994, atribuíram ao Mercosul
personalidade jurídica de direito internacional. Menciono, em
seguida, a sua estrutura.
Assim, os mecanismos – e aqui enfrento o nosso
tema específico – de solução de litígios, no Mercosul,
segundo especialmente o Protocolo de Brasília, derrogado pelo
Protocolo de Olivos, de 18 de fevereiro de 2002, vigente no
Brasil a partir de janeiro de 2004, o Mercosul é sobretudo
uma união aduaneira. Por isso mesmo, o Tratado de Assunção
privilegiou a via diplomática para a solução de
controvérsias, vale dizer, as negociações entre os Estados-
membros.
A Professora Nádia de Araújo, que está aqui
entre nós, escreveu interessante trabalho a respeito –
Mecanismos de Solução de Conflitos – está na agenda política
e institucional do Mercosul, Fundação Konrad Adenauer.
Registra esta eminente Professora que o Tratado de Assunção,
no seu anexo III, artigo 3º, acolhe o sistema arbitral para a
solução de controvérsias no âmbito do Mercosul. Todavia a
arbitragem somente será acionada após o esgotamento das
negociações diretas mediante gestões do Grupo Mercado Comum –
GMC.
O Protocolo de Brasília, de 1991, disciplinou
o procedimento. Os órgãos do Mercosul que têm competência
decisória são o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado
Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul. Podem ser
solucionadas nessa área controvérsias entre Estado-membro X
Estado-membro, Estado-membro X particulares e particulares X
particulares.
O Protocolo de Brasília, na linha do Tratado
de Assunção, privilegiou as negociações diretas entre as
partes, o que foi mantido pelo Protocolo de Ouro Preto. As
fases do procedimento eram assim indicadas:
Primeira fase – negociações diretas através de
consultas na CCM – Comissão de Comércio do Mercosul.
Segunda fase – intervenção do grupo executivo
do Mercosul com julgamento da Reclamação da GMC – Grupo
Mercado Comum.
Terceira fase - arbitral, com a instalação do
Tribunal Ad Hoc.
Em resumo, as controvérsias seriam
solucionadas, primeiro, pela via institucional do Mercosul,
mediante gestões do Grupo Mercado Comum, tendo competência
decisória os seguintes órgãos do Mercosul: o Conselho do
Mercado Comum, CMC; o Grupo Mercado Comum GMC; e a Comissão
de Comércio do Mercosul, CCM. Falhando as negociações,
instalar-se-ia a arbitragem.
A solução de litígios pela via judicial nos
Estados-membros não poderia, entretanto, ser descartada.
Leciona - e invoco novamente o magistério da Professora Nádia
de Araújo - que qualquer controvérsia que envolva uma
situação a respeito da aplicação do Direito da integração
pode ser levada ao Poder Judiciário nacional para análise, já
que o acesso à justiça é irrestrito, e essas normas integram
o ordenamento jurídico interno, tendo sido, na maior das
vezes, integradas a este na forma devida. Certo que esta via
foi objeto de regulamentação pelo Mercosul, que não a
eliminou, substituiu pelo sistema do Protocolo de Brasília,
mas procurou criar instrumentos para a facilitação de sua
utilização através do Protocolo de Cooperação e Assistência
Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e
Administrativa, que ainda foi recentemente ratificado e
promulgado pelo Decreto nº 2.067, de 1996. Estabelece o
citado Protocolo, denominado Protocolo de Las Leñas:
1º - a garantia do acesso à justiça (artigo
3º);
2º - a vedação ao estabelecimento de caução
pelos litigantes residentes em outro Estado (artigo 4º).
É dizer: para os litigantes domiciliados nos
Estados-membros, não teria aplicação, disposto no art.835 do
Código de Processo Civil, a estabelecer que:
“Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.”
3º - o trâmite das cartas rogatórias, artigo
5o e seguintes;
4º - eficácia extraterritorial das sentenças e
laudos arbitrais dos Estados-membros, artigos 19 e 20; e,
finalmente,
5º - mecanismo de informação e consulta entre
as autoridades centrais, criadas para responder pelo trâmite
dos procedimentos, artigo 28 a 31.
Chegamos, senhores, ao Protocolo feito na
Cidade de Olivos, província de Buenos Aires, Argentina, em 18
de fevereiro de 2002.
O que se inovou? A grande inovação, registram
os especialistas, foi a criação do Tribunal Permanente de
Revisão do Mercosul. Registre-se, também, que a intervenção
do Grupo Mercado Comum tornou-se opcional. A criação do
Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul foi, na verdade, a
grande inovação introduzida pelo Protocolo de Olivos.
Integrado por cinco árbitros, cada Estado Parte do Mercosul
designará um e seu suplente por um período de dois anos,
renovável por, no máximo, dois períodos consecutivos. O
quinto árbitro, designado por um período de três anos não
renovável, salvo acordo em contrário dos Estados-Partes, será
escolhido por unanimidade dos Estados-Partes. Não havendo
unanimidade, a designação far-se-á por sorteio.
Ao Tribunal Permanente de Revisão, as partes
poderão pedir a revisão do laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc,
art. 17, nº 1, do Protocolo de Olivos. Os Estados poderão,
também, submeter diretamente a controvérsia ao Tribunal
Permanente de Revisão, eliminando, assim, a submissão da
questão ao Tribunal Ad Hoc – Protocolo de Olivos, artigo 23.
É dizer: as partes terão acesso direto ao
tribunal, desde que assim acordarem.
Também é novidade a possibilidade de consulta
ao Tribunal Permanente, sobre o Direito da integração –
Protocolo de Olivos, artigo 3o. As inovações - verifica-se -
não são de monta. Na verdade, torna-se necessária a criação
do Tribunal de Justiça Supranacional, e esta, ao que me
parece, seria a grande decisão a ser tomada.
O exemplo do Tribunal de Justiça europeu de
Luxemburgo, cúpula do sistema judicial na Comunidade
Européia, deveria inspirar os países signatários do Tratado
de Assunção, mas esta é uma medida de grande alcance.
Conhecendo como conhecemos a burocracia latina, discussões
inúmeras são travadas. Gerações e gerações participarão de
tais discussões e a grande solução virá só Deus sabe quando.
Ao fim e ao cabo, busco na lição de Welber
Barral, o internacionalista da Universidade Federal de Santa
Catarina, o resumo da matéria hoje: o Protocolo de Olivos não
traz alterações fundamentais na sistemática anteriormente
adotada, algumas características básicas foram mantidas:
a) a Resolução das Controvérsias continuará a
se operar por negociação e arbitragem, inexistindo uma
instância judicial supranacional;
b) os particulares continuarão dependendo dos
governos nacionais para apresentarem suas demandas – esta é,
aliás, a grande questão nesta área, a questão dos
particulares;
c) o sistema continua sendo provisório, e
deverá ser novamente modificado quando ocorrer o processo de
convergência da tarifa externa comum.
E assim, senhores, uma resenha do que
poderíamos dizer a respeito do sistema de solução de
controvérsias. Os debates prosseguirão, e, ao fim e ao cabo,
nosso grupo estará à disposição para responder a indagações
e, mais, para realizar as conclusões finais deste debate que
ocorrerá daqui para frente.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL DO BRASIL) – Tenho a honra de convidar o
Excelentíssimo Senhor Leslie Van Rompaey Servillo, Presidente
da Corte Suprema do Uruguai a fazer uso da palavra. Vossa
Excelência tem trinta minutos.
O SENHOR MINISTRO LESLIE VAN ROMPAEY SERVILLO
(PRESIDENTRE DA CORTE SUPREMA DO URUGUAI) – Muito obrigado,
Senhor Presidente.
Numa reunião realizada recentemente, em
agosto, quando foi instalado em Assunção o Tribunal
Permanente de Revisão, alguns dos Colegas integrantes de
cortes supremas do Mercosul, entre eles, a Ministra Ellen
Gracie e a Dra. Elena Highton, surgiu a questão relativa à
natureza jurídica desse Tribunal e sua projeção no futuro: se
esse Tribunal poderia ser a semente, o embrião do futuro
Tribunal de Justiça do Mercosul, ou a base de um edifício
jurídico do Mercosul. O tempo responderá essa questão. Ao que
chegamos foi a um acordo tácito, que reafirmamos agora, que
sustenta que os nossos judiciários não podem, de maneira
alguma, ser um obstáculo, um empecilho ao desenvolvimento
desse seu instituto. Nossa posição deverá ser de franca e
leal colaboração com as suas atividades futuras. Nesse
sentido, vai ser trabalho que assinala a posição do
judiciário uruguaio sobre os mecanismos consultivos.
No que diz respeito aos tribunais nacionais,
que poderão utilizar o mecanismo das opiniões consultivas, o
Protocolo de Olivos, para solução de controvérsias no
Mercosul, institucionaliza dois órgãos de arbitragem: o
Tribunal Permanente de Revisão, um deles.
Por outra parte, o regulamento do Protocolo de
Olivos oferece uma ferramenta para uniformizar a
interpretação do Direito do Mercosul, as chamadas opiniões
consultivas, que estão legitimados para solicitar opiniões
consultivas, os Estados-Partes, atuando, conjuntamente, os
órgãos com capacidade de decisão do Mercosul e os Tribunais
Superiores dos Estados-Partes, com jurisdição nacional,
segundo o artigo 2o.
As opiniões consultivas poderão ser relativas
a qualquer questão jurídica abrangida pelo Tratado de
Assunção, Ouro Preto e todos os outros acordos celebrados no
marco do Tratado de Assunção; as resoluções de Grupo ao
Mercado Comum e a diretriz de comércio do Mercosul, no seu
artigo 3o.
As opiniões consultivas poderão ser
solicitadas, então, pelos Tribunais Superiores de Justiça dos
Estados-membros com jurisdição nacional. A norma não exclui
que a consulta endereçada a esses tribunais seja feita à
solicitação dos órgãos judiciários inferiores de primeira e
segunda instância. Nesse sentido, poderia interpretar o
fundamento do Protocolo de Olivos em duas perspectivas, como
aconteceu no meu país. Primeiramente, seria a possibilidade
de consulta apenas aos Tribunais Superiores, num marco de
causas judiciárias que estejam tramitando nelas.
A segunda perspectiva, mais ampla - eu diria,
qualquer juiz ou tribunal, à solicitação das partes,
independentemente da sua posição hierárquica na estrutura
judiciária -, qualquer tribunal que se encontre resolvendo um
caso afetado por exceções no âmbito do Mercosul poderia
enviar uma solicitação de opinião consultiva através da
Suprema Corte do seu Estado, e essa última deveria endereçar
a solicitação ao Tribunal Permanente de Revisão.
Entendemos que essa segunda tese é mais justa
e democrática, desde que a consulta seja filtrada pela
Suprema Corte de Justiça, aos efeitos de constatar a
pertinência, admissibilidade, e também, muito importante,
evitar que a consulta seja endereçada com uma finalidade de
dilatória para adiar o processo.
Para enviar essas solicitações, tentaremos
fazer uma proposta segundo determina o artigo 4o, número 2o do
Protocolo de Olivos para a solução de controvérsias no
Mercosul. O procedimento para solicitação de opiniões
consultivas será regulamentado, uma vez consultados os
Tribunais Superiores de Justiça, os Estados-Partes. Sobre
essa questão, faremos uma proposta destinada a canalizar as
opiniões consultivas surgidas no marco do procedimento
judiciário, no marco da legislação uruguaia. Apoiamos a idéia
de que qualquer tribunal possa efetuar a consulta, desde que
ela seja endereçada primeiramente à Suprema Corte de Justiça
do Uruguai. A solicitação de uma opinião consultiva poderia
ser feita por qualquer juiz, ou pelas próprias partes em
litígio, em procedimentos, onde existam causas relativas à
normativo do Mercosul. A opinião deveria referir-se tanto à
interpretação jurídica da norma relativa ao Mercosul quanto a
sua validade. Dentro das determinações do marco originativo
do Mercosul, poder-se-ia suspender o procedimento, aguardando
a admissibilidade ou pertinência declarada pelo Tribunal. Se
a Suprema Corte de Justiça entendesse que é inadmissível a
solicitação por qualquer motivo, ou a opinião consultiva
obedecesse a uma finalidade de adiar o processo, a consulta
seria devolvida a consulta, e o Tribunal apresentaria a
consulta junto ao Tribunal de Revisão para que ele emitisse
um parecer sobre ela. Uma vez elucidada a consulta, de que
essa posição será vinculante, mas não obrigatória, a Suprema
Corte enviaria a consulta ao juizado que lhe deu origem para
que este continuasse com os procedimentos. Cabe assinalar que
o pronunciamento do Tribunal, ao elucidar uma dúvida em
abstrato, não procura resolver o conflito originário. Esse
pronunciamento deveria ser de alcance geral e teria como
potenciais destinatários não apenas o que originou, mas todos
os juízes de todos e cada um dos Estados-Partes.
Essa é, em síntese, a proposta que
apresentamos.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Tenho a honra de passar a palavra
ao Excelentíssimo Senhor Doutor José Antônio Moreno
Ruffinelli, Presidente do Tribunal Permanente de Revisão do
Mercosul. Vossa Excelência dispõe de trinta minutos.
O SENHOR JOSÉ ANTÔNIO MORENO RUFFINELLI
(PRESIDENTE DO TRIBUNAL PERMANENTE DE REVISÃO DO MERCOSUL) –
Após muitos anos, após a assinatura do Acordo de Assunção, do
Tratado de Assunção, onde já se vislumbrava a necessidade da
criação de um sistema de solução de controvérsias, foi
possível chegar-se ao Protocolo de Olivos no ano de 2002.
Não foram poucas as dificuldades que os
Estados tiveram de superar para chegar a um sistema que,
ainda não sendo o ideal ou definitivo, oferecesse uma
possibilidade de transparência e segurança nas decisões do
Direito comunitário.
O Protocolo de Olivos está longe de ser um
ideal, que todos estamos procurando, para que seja possível
acontecer algo assim. O Protocolo de Olivos prevê uma série
de situações, as quais deveriam haver sido contempladas
anteriormente, mas, por circunstâncias de ordem política, não
foi possível serem concretizadas anteriormente. Porém,
sublinho, queremos que isso seja um passo a mais, mas não o
último para a decisão das controvérsias no Mercosul.
Eu disse, aqui, estar longe de ser a solução
definitiva. Queremos que exista uma justiça permanente de
Mercosul e, nesse nível, como há na justiça andina, que não
seja simplesmente um Tribunal de arbitragem, o qual, ainda de
caráter permanente, sempre está ligado à figura da arbitragem
como ponta final, central, e não da justiça, como aconteceu
na Comunidade Andina das Nações ou a União Européia. Mas é um
passo adiante, muito importante. Por isso, devemos dizer que
tudo que fizermos de hoje em diante no Tribunal fará parte do
corpus juris comunitário. É o que todos desejamos ter.
No Tribunal, compreendemos que tínhamos a
faculdade de regulamentar ou estabelecer as regras de
procedimento para o funcionamento do Tribunal. Encontramos
dois instrumentos fundamentais: o Protocolo de Olivos e o seu
regulamento. Ao comparar esses instrumentos, vimos que o
regulamento tentava desenvolver as questões que, pela
urgência, não puderam ser resolvidas no Protocolo de Olivos.
Mas, ainda assim, observamos que muitas dessas questões
também não estavam suficientemente desenvolvidas ou tinham
algum problema de limitação das faculdades do Tribunal.
Pensávamos que, através de uma interpretação extensiva,
estaríamos dando muito mais força às decisões do Tribunal.
Isso é o que aconteceu, primeiramente, com a questão das
opiniões consultivas.
Como disse o nosso amigo Ricardo Alonso, em um
de seus livros, que ele teve a amabilidade de me enviar, as
opiniões consultivas são a coluna vertebral do Direito
comunitário. Por isso, devemos prestar atenção às opiniões
consultivas, preferencialmente, para que delas possa surgir
uma interpretação comum de todo o direito de Mercosul. Se não
for assim, voltaríamos ao caos que tínhamos anteriormente
quando havia Tribunais Ad Hoc, os quais poderiam, sobre um
mesmo assunto, ter opiniões diferentes. É isso o que,
precisamente, queremos evitar com as opiniões consultivas.
O problema que encontramos é que, tanto o
Protocolo quanto o Regulamento, estabeleciam que as opiniões
consultivas deveriam ser efetuadas pelos Tribunais Superiores
dos Países-membros do Mercosul.
Fazendo um esforço interpretativo lógico,
pensamos que qualquer juiz de qualquer instância dos Estados-
Partes tem o direito de pedir uma opinião consultiva, porque,
em definitiva, são eles ou é a eles a quem se pede uma
decisão sobre uma questão conflitiva no momento determinado,
e são eles que estão enfrentando a dúvida de saber se aplica
o Direito nacional ou o Direito comunitário. Portanto, quem
melhor que eles está legitimado para solicitar, junto ao
Tribunal de Revisão, uma opinião que sirva como orientação na
adoção de uma decisão definitiva.
Sou Advogado, com muitos anos de exercício
profissional, e sei, também, que os advogados, às vezes,
utilizam alguns artifícios para estender o prazo dos
processos. Logicamente, e sabemos, que esse poderia ser um
pedido formulado por um advogado para adiar a decisão de um
processo, e, portanto, estender quatro, cinco, seis meses ou
mais a decisão do juiz. É aí onde entra a função das Cortes
Supremas de Justiça dos países, como bem disse o Presidente
da Corte Suprema do Uruguai, as Cortes devem atuar como um
filtro, visando impedir que esse instrumento tão valioso de
Direito comunitário seja um artifício de tribunal, para adiar
indefinidamente a solução dos litígios. Pensamos que os
tribunais, as Cortes Superiores de Justiça deverão subscrever
no Tribunal Permanente de Revisão algum tipo de acordo –
porque assim é estabelecido pelo acordo que deverá ser
mediante o acordo das Cortes Supremas de Justiça dos países.
Nesse sentido, solicitei ao Secretário do Mercosul,
Embaixador Reginaldo Arcuri, que agendasse no início deste
Encontro uma reunião específica entre o Presidente do
Tribunal Permanente de Revisão e as Cortes para chegar a uma
definição sobre a questão. Lamentavelmente, o tempo impede
que estendamos, mas fica essa pendência. Acho que, por via
eletrônica, poderemos comunicar-nos para chegarmos a uma
solução que possibilite a implementação rápida das opiniões
consultivas.
Também me preocupa o fato de que até hoje não
chegou nenhuma opinião consultiva ao Tribunal de Revisão. Um
Colega andino disse-me que um juiz da União Européia havia
dito-lhe que à primeira vez em que chegou uma opinião
consultiva eles abriram uma garrafa de champanhe, porque
haviam esperado tanto tempo pela chegada de alguma, que,
quando chegou, foi motivo de celebração para eles. Acho que,
em algum momento, também estaremos abrindo uma garrafa de
champanhe quando nos chegar a primeira opinião consultiva. O
fato é que o mecanismo existe, o instrumento existe, devemos
utilizá-lo da melhor maneira possível, para que ele seja um
instrumento, porque nesse caso o Tribunal Permanente de
Revisão atua como um verdadeiro tribunal de cassação dentro
do Mercosul, para uniformizar as interpretações que deverão
ser feitas pelo tribunal do Mercosul sobre o Direito
comunitário. A função será muito importante.
No que diz respeito aos outros temas, o
regulamento do Protocolo de Olivos foi suficientemente claro
e extenso. Porém, as regras de procedimento, adotadas pelo
Tribunal e que deverão ser aprovadas pelo Conselho de Mercado
Comum estabelecem algumas questões, tais como o
esclarecimento na fase de admissão de provas.
Gostaria que falasse aqui o nosso Colega, do
Paraguai, Dr. Wilfrido Fernández, para não tomar todo o tempo
dos senhores aqui presentes.
Muito obrigado.
O DR. WILFRIDO FERNÁNDEZ DE BRIX (PARAGUAI)–
Vamos apresentar cada uma das perguntas do questionário sobre
controvérsias do Mercosul, e, se tivermos tempo suficiente,
faremos comentários adicionais.
A primeira pergunta é a seguinte: se a
desjudicialização dos conflitos, conforme disciplina o
Protocolo de Brasília (em treze anos) foi benéfica para a
implantação do Bloco.
Acredito que essa pergunta deve ser dividida
em duas respostas: em primeiro lugar, se a pergunta se refere
à desjudicialização de per se, a que os tribunais regionais
se referem, obviamente a resposta deve ser favorável, já que,
mencionado anteriormente, apenas para nós, dentro do
Mercosul, havia uma etapa intermediária, talvez, sem negar,
no entanto, que pode criar uma Corte, um tribunal judicial
interestadual, que é um conceito jurídico muito forçado, ou
um tribunal arbitrário interestadual, que é o criado pelo
Protocolo de Olivos e está mais em conformidade com a atual
estrutura normativa do Mercosul.
Para dar uma resposta à segunda fase, o que
convém, a médio ou curto prazo, à arbitragem interestadual ou
eventual arbitragem supranacional é recorrer a outra
alternativa, como foi feito pela União Européia desde o
início, ou como foi feito pela Comunidade Andina desde o
início, como disse um estadista, apenas o tempo e a história
nos julgarão e nos darão a razão ou a falta de razão por ter
escolhido a via arbitrária.
Não obstante, dois documentários breves a
respeito disso: primeiro, na União Européia, quando os
franceses e alemães começaram a refletir se convinha eleger a
via arbitrária ou judicial, os franceses julgaram, mas os
alemães disseram não à via arbitrária. Acredito que, na
Europa, depois de cinco décadas de experiências, eles se
arrependeram por esse não. É óbvio que a União Européia, a
estruturação judicial supranacional serviu-lhes de remédio.
Enquanto da experiência da Comunidade Andina da também nasceu
a Corte de Justiça da Comunidade Andina como Tribunal
Judicial Supranacional. No entanto, pelo Protocolo de
Cochabamba, nunca foi implementado na prática. Adicionaram-se
funções arbitrais ao Tribunal de Justiça da Comunidade
Andina, mas de maneira peculiar. Digo respeitosamente
peculiar porque aquelas funções arbitrais, de maneira alguma,
alteravam a função do Tribunal jurisdicional sobre o Direito
comunitário. Simplesmente, tentava-se, pela influência das
câmaras de comércio de alguns países da Comunidade Andina
inserir um segundo momento no Tribunal de Justiça da
Comunidade Andina para atuarem como juízes, inclusive, de
forma sui generis, conforme disposto no Direito Privado, em
disputas como as que poderiam surgir entre um particular e um
órgão do sistema andino, afetado ou embasado em um contrato.
Então, essa é a função arbitral que foi assinada,
historicamente, ao Tribunal de Justiça da Comunidade Andina.
Mais que os nossos irmãos andinos, peço-lhes que nos ajudem
sobre esse assunto ou ilustrem a experiência, sobretudo
porque nunca se implementou o Protocolo de Cochabamba. Então,
pensamos que a eleição da via arbitral é a única via apta
para a realidade normativa e fática do Mercosul.
A segunda pergunta: se o Protocolo de Olivos
contribuiu para a efetiva implantação de um Mercado Comum, a
nosso ver, a resposta também é favorável, pois simplesmente
porque é óbvio que o Protocolo de Olivos, com todas suas
virtudes e defeitos, constitui um grande avanço institucional
por ter estabelecido o procedimento de solução de
controvérsias no Mercosul.
E por que um grande avanço? Em primeiro lugar,
por criarem um Tribunal Permanente, ainda que seja de revisão
ou arbitral - e, muitas vezes, de segunda instância arbitral,
já que é muito curioso que se tenha criado um arbitral com
duas instâncias -, mas é um avanço.
Em segundo lugar, é claro, apenas porque,
enunciando alguns dos avanços do corpo normativo, podemos
citar o procedimento meramente optativo ante o GMC, as
medidas provisionais, que são as cautelares, as quais,
analisando a fundo, o Protocolo de Olivos concedeu a um ente
arbitral, com a possibilidade de não ter de recorrer a um
ente judicial, por estarem - as medidas cautelares de per se
- em momento próprio.
Também podemos citar a criação do Tribunal
Permanente de Revisão, ao qual já me referi, porque tem uma
dupla função: o corpo normativo, o Protocolo de Olivos e toda
a regulamentação que dá ao Tribunal Arbitral do Mercosul,
especificamente, enquanto ao Tribunal Permanente de Revisão,
uma dupla função. Qual? Primeiramente, a possibilidade de
atuar como instância única no acordo de partes. Em segundo
lugar, atuando como recurso de revisão enquanto há questões
de Direito que, na verdade, era uma revisão em fase de
cassação, e não de apelação.
Também está como avanço institucional do
Protocolo de Olivos as medidas institucionais de urgência,
que nos é uma figura muito apropriada para nossa realidade do
Mercosul e esperamos que tenha bastante aplicabilidade. É
claro que é um avanço, também, porque no Protocolo de Olivos,
já se aprofunda, com maior certeza, a questão das medidas
compensatórias, inclusive o questionamento das medidas
compensatórias que os Estados-Partes ou as partes afetadas,
em uma eventual disputa, possam suscitar.
Por isso tudo, o Protocolo de Olivos tem uma
resposta favorável enquanto a contribuição institucional,
enquanto a solução de controvérsias do Mercosul se refere.
Obviamente, ainda existem nas assinaturas pendentes.
Essas pendências, em primeiro lugar, seria o
acesso aos particulares. Atualmente é só olhar para o leste e
para o oeste, a começar a União Européia e a Comunidade
Andina.
A Comunidade Andina tem uma visão mais ampla
do acesso aos particulares à justiça comunitária. No entanto,
para minha surpresa, quando fomos a Luxemburgo, há dois
meses, percebemos, entre os próprios juízes da Europa, que na
Europa o conceito que a Comunidade Andina tem de maior
abertura no acesso aos particulares, diretamente à justiça
comunitária, essa visão entra, lenta e progressivamente, no
continente europeu.
O medo que se tinha na Europa passou
fundamentalmente porque a Corte de Justiça da Europa tem uma
primeira instância que todos conhecem - o Tribunal de
Justiça. E já se concebeu, em princípio, segundo as
informações que eles me deram, a criação em duas áreas de um
tribunal que seria de primeira instância, na verdade, mas
que, em geral, toda a estrutura comunitária jurisdicional da
Corte de Justiça da Europa deveria ter três instâncias. Duas
cortes vão ter que ser criadas: uma referente à propriedade
intelectual e a outra para o que alguns chamam de Direito
trabalhista comunitário, mas que, para nós, parece mais
apropriado o nome de Direito Constitucional comunitário. Para
isso, seria uma terceira corte, de forma que a Corte Superior
de Justiça européia, exceto quando a causa, devido a algumas
circunstâncias, mereça ser abordada assim.
No que diz respeito às opiniões consultivas,
resulta óbvio que o regime presente das opiniões consultivas
é o fruto de uma intensa negociação. Temos consciência disso
e reconhecemos o avanço feito. Assim, como podemos dizer que
a criança já nasceu, a criança pode ser bonita ou feia;
geralmente uma criança é sempre muito bonita para a mãe. Mas
acho que a questão de opiniões consultivas, tal como está, é
um avanço significativo. Devemos respeitar as normas como
estão. E qual é a pendência? Fazemos de tudo, mais reflexivo,
e não misturar conceitos, não confundir conceitos. A opinião
consultiva pode ser estudada no art. 46 da Carta das Nações
Unidas, pode ser estudada na Carta normativa da Corte
Interamericana de Direitos Humanos. E, per se, o que é a
opinião consultiva? Historicamente, é um mecanismo de
consulta sobre um tema não-litigioso que não tenha uma força
vinculante, como faz, por exemplo, a Assembléia das Nações
Unidas junto à Corte Internacional de Justiça, geralmente por
motivos políticos, mais do que jurídicos, a sentença é aceita
pela Assembléia das Nações Unidas. A opinião consultiva é
fazer com que alguém atue como advogado consultivo da maior
hierarquia. A interpretação prejudicial que algumas vezes
acontece e se prevê no Protocolo de Olivos é diferente. A
interpretação prejudicial é um mecanismo de cooperação entre
o juiz nacional e o tribunal comunitário, onde não há nenhuma
submissão de um ao outro. Não: é dado ao César o que é do
César e é dado ao rei aquilo que é do rei. Quando um juiz
nacional tende aplicar uma norma comunitária na Europa ou na
Comunidade Andina, o juiz tem a opção, não a obrigação, de
requerer a interpretação dessa norma comunitária. Mas, se o
Tribunal que agir em última instância - e esse é um conselho
importante: última instância não quer dizer a Corte Suprema
de Justiça; última instância poderia ser um juiz de primeira
instância que, pela normativa de processo, funcione como
tribunal de última instância, em função de apelações que vêm
de outros juizados.
O tribunal de última instância é aquele que
deve requerer essa interpretação. Mas, seja “a” ou seja “b”,
se aquele juiz de instância inferior ou o juiz de última
instância assina a petição, essa interpretação solicitada
junto ao Tribunal comunitário deverá ser sempre vinculante,
como acontece na Comunidade Andina e na União Européia. Essa
é uma reflexão para o futuro. Vamos respeitar aquilo que
temos e criar as melhores armas possíveis para trabalhar com
a opinião consultiva. Por isso, não haveria uma segunda
interpretação da posição uruguaia, aquela que diz
concretamente - se entendi - que poderão exercer essa opção
os tribunais inferiores, tendo de utilizar como filtro a
Suprema Corte de Justiça do Uruguai ou de qualquer corte
suprema, para depois apresentar essa consulta junto ao
Tribunal Permanente de Revisão.
Não é a situação ideal, mas é uma solução
do Mercosul, mas vamos respeitar essa possibilidade e
utilizaremos essa ferramenta para trabalhar da melhor maneira
possível.
Outra questão pendente: a sentença de
iniqüidade. O direito comunitário e o direito de integração
estão baseados numa ordem pública, que, conseqüentemente, não
pode haver sentença de iniqüidade. É um comentário que deixo
aqui para que num futuro nós possamos refletir mais
profundamente sobre essa questão.
Finalmente outra questão pendente: uma
tipificação mais detalhada, porque o direito comunitário,
ainda que no Mercosul, ele não existe. Há apenas um direito
de integração, não estamos numa aposta de supranacionalidade.
Há quatro ações pertinentes: uma: ação de nulidade; duas:
ação de cumprimento, três: ação de omissão e, finalmente, a
interpretação prejudicial. Mas como alguém dizia aqui o Profº
Moreno Rufinelli a interpretação prejudicial, com o devido
respeito, é a mais importante, porque é a essência da criação
de um tribunal, ainda que fosse supranacional visando um
direito comunitário do Mercosul.
Finalmente a terceira pergunta refere-se
especificamente a: se a competência permitir opiniões
consultivas deveria ser uma atribuição de um órgão de revisão
arbitral ou se deveria ser atribuída a um órgão de cooperação
composto por membros do poderes judiciários nacionais.
Senhoras e senhores, ninguém pode reinventar a
rosa nem histórias de direito, como o direito de integração e
comunitário. Aqueles que prefiram a segunda alternativa,
porque essa função da opinião consultiva possa ser atribuída
a um órgão de cooperação integrada por membros do poderes
judiciários nacionais, simplesmente se opõem ao processo de
integração, não há uma outra resposta possível. Deveríamos
ter um conceito da ordem comunitária e a ordem comunitária
exige a criação de um tribunal supranacional ou um tribunal
arbitral desse tipo, mas não poderíamos ser como caranguejo
Optando pela segunda possibilidade, então, nós preferimos a
primeira alternativa: que não deveria ser um órgão de revisão
arbitral. Deveria ser um órgão de revisão, seja arbitral ou
judicial, pelos motivos aos quais me referi anteriormente.
Finalmente, com a autorização do presidente da
Mesa, faria uma sugestão que poderia ser incluída na Carta de
Brasília, como lado dissidente, que não acho que seja uma
sugestão apressada.
Em 09 de dezembro, será assinado em Ayacucho
um acordo, marco ou declaração de princípios para a futura
comunidade sul-americana. Far-se-á uma reunião de cúpula
presidencial. Pensamos que seria bom, com a nossa experiência
no Mercosul e contando com a colaboração de nossos irmãos
amigos, apresentar como recomendação uma respeitosa
recomendação aos plenipotenciários, que assinarão um acordo
para que nessa oportunidade seja incluída a constituição de
um comitê jurídico misto, composto por integrantes do
Tribunal Permanente de Revisão, pelo Tribunal de Justiça
Andino e, também, pelos membros da Corte Suprema, nomeados
por cada país, para que eles elaborem um regime normativo
para a solução de disputas dentro do que será a comunidade
sul-americana, e que eventualmente, seja a semente de um
tribunal de justiça, arbitral ou judiciário.
Eu já entreguei a Dra. Ellen Gracie, hoje pela
manhã, essa proposta, mas gostaria de lê-la. Serei breve:
Projeto - condução: conclamar a cúpula de
presidentes Mercosulenses, a ser realizada no dia 09 de
dezembro deste ano para que contemplem no acordo - marco da
constituição na comunidade sul-americana que se formalizará
nesta oportunidade – a constituição de um comitê misto,
integrado por representantes de Tribunal Permanente de
revisão do Tribunal Arbitral do Mercosul, do Tribunal de
Justiça da Comunidade Andina e de membros da Corte Suprema de
Justiça dos Estados-Parte, encarregado de estabelecer as
bases e o regime normativo do mecanismo jurisdicional de
solução de controvérsia dessa entidade, e que se chegue à
criação de um tribunal de justiça da comunidade sul-
americana.
Finalmente, como uma homenagem aos nossos
irmãos andinos e chilenos que aqui estão, gostaria de lembrar
as palavras de O´Higgins que disse, há mais de cem anos, que
o progresso de seu povo, o Chile, jamais seria possível se
não se atendesse o progresso dos países vizinhos. E as
palavras de O´Higgins, que foram pronunciadas cem anos antes
dos primeiros precursores da União Européia, começam a serem
chamadas de “união”. Jean Monet, cem anos depois, disse
também sabiamente que é muito importante na vida aprender que
nada é possível se fazer sem os homens e disse, finalmente,
que é muito mais importante ainda aprender que nada perdura
sem as instituições. Então, com a frase de O´Higgins e com a
de Jean Monet, conclamo todos os participantes deste evento a
que façam um esforço para redigir as conclusões para que um
dia possamos ver um Mercosul muito mais aprofundado e melhor
estruturado, e que o processo de integração continue adiante,
dentro e fora do processo de solução de controvérsias no
Mercosul per si.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) - Tenho a honra de passar a palavra a
Excelentíssima Senhora Ministra Elena Highton de Nolasco,
representante da Corte Suprema da Argentina.
Vossa Excelência dispõe de 30 minutos.
A SENHORA MINISTRA ELENA HIGHTON DE NOLASCO
(CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA ARGENTINA) – Vamos discutir
sobre as cortes supremas dos diferentes países. Vamos ver
qual o primeiro caso.
No tocante à solução de controvérsias, na
verdade, nossas cidades democráticas culturais admitem que o
conflito integra a normalidade das relações interpessoais e,
na última década, já não se observa como doença social, mas
como elemento indispensável para a evolução da humanidade.
Essa é uma visão positiva do conflito, na qual
se visualiza como motor para mudança capaz de gerar energia
criativa que pode melhorar as situações, uma oportunidade
definitiva para o crescimento e enriquecimento pessoal e de
grupo.
Não obstante, a quantidade de conflitos que
uma sociedade pode tolerar tem um limite que, se é
ultrapassado, conduz à perda de energia para afrontar e
desenvolver outras atividades.
Eu disse: transferível às vinculações geradas
a partir de um processo de integração. Daí que, para evitar
os efeitos perniciosos dos conflitos e evitar também a
multiplicação dos mesmos, retroalimentação, é importante,
para isso, conter um sistema institucionalizado de soluções e
diferenças.
Este, como em outros aspectos, a evolução de
Mercosul é de lenta gradualidade.
Como experiência valiosa dentro desse processo
de integração, pode-se destacar o sistema instituído por meio
da adoção da carta sóciolaboral do Mercosul. Reconhece-se
como antecedente o núcleo das organizações sindicais na
coordenadora de 1976, o Conselho Vistorial do Mercosul, que
agrupa os nucleadores, em 1994, o Conselho de Câmara de
Comércio, em 1995, e a Confederação Agrícola, em 1997.
Entre esses sujeitos coletivos, deu-se um
diálogo que consta de vários Estados e se integra à noção de
tripartícipe Tangara a organização internacional do trabalho
cujo feito foi a declaração sociolaboral do Mercosul, adotada
pelos países membros no dia 10 de dezembro de 1998 e
publicado no Boletim do Mercosul em março de 1999.
No campo das negociações coletivas já havia um
antecedente na região. Trata-se do convênio coletivo de
trabalho, celebrado entre a empresa Wolkswagem e os
Sindicatos de Trabalhadores Metalúrgicos Automobilísticos do
Brasil e dos Mecânicos e afins do Transporte Automotor da
República da Argentina, que contém um primitivo sistema de
solução de conflitos entre as partes.
Por outro lado, na Europa, existem inúmeros
antecedentes, medidas de ação direta com as indústrias
multinacionais e diretivas específicas nesse sentido.
A declaração sociolaboral do Mercosul, na
proclamação solene dos direitos sociais fundamentais
reconhecidos na região, contribui para atender o conjunto de
efeitos sociais que provoca a integração regional Cabe
destacar que nelas Estados-Partes se comprometem a
desenvolver as formas preventivas e alternativas de alta
composição nos conflitos individuais e coletivos do trabalho,
fomentando, assim, a utilização de procedimentos
independentes e imparciais de solução de controvérsias. Conta
também como a convenção sociolaboral tripartícipe auxiliar do
mercado comum de caráter promocional e não sancioratório com
o objetivo de fomentar e acompanhar a aplicação do
ensinamento.
A declaração sociolaboral do Mercosul foi,
entre outros, entre várias sentenças da Corte, há uma muito
recente, na qual participei, que foi mencionada agora por um
dos participantes e outros instrumentos de caráter
internacional de proteção dos direitos trabalhistas.
Nesta evolução, pode-se observar também, que
há outros processos de interação regional dos quais se podem
extrair algumas experiências para serem consideradas como
possíveis alternativas motivos no aperfeiçoamento do desenho.
Efetivamente, aqui se mencionou, várias vezes, o grupo
andino. Podemos observar no âmbito da América do Sul o acordo
de interação sul regional andina, que tem a particularidade
de reconhecer os diferentes graus de desenvolvimentos
existentes. E nesse sentido obter dentro do sistema de
medidas concretas que dêem um tratamento diferenciado aos
países de menor desenvolvimento econômico e um mercado
suficiente para ter uma situação econômica harmônica e
equilibrada na região. A comunidade Argentina é integrada por
Bolívia, Colômbia, Equador. A Venezuela tem algumas
instituições que foram implementadas, a posteriori, entre
elas temos o Tribunal de Justiça, órgão principal para fazer
com que os compromissos derivados do acordo de Cartagena
prevejam entre as suas responsabilidades não só a resolução
de controvérsias, mas, também, o controle de legalidade e a
interpretação uniforme do Direito dentro do sistema de
integração da Comunidade Andina como órgão jurisdicional
permanente e independente em questões prejudiciais.
É importante sublinhar que essas jurisdições
obrigatórias para os Estados-membros da Argentina, em tudo
que se refere à aplicação das normas do seu ordenamento
jurídico, estão previstas no Tratado de Criação do Tribunal.
Essa obrigatoriedade é enfaticamente expressa enquanto os
Estados-Partes se comprometem a não se meter em nenhuma
controvérsia que surja pelas normas do acordo, a nenhum
tribunal sistemas de arbitragem ou procedimento diferente dos
que estão contemplados no Tratado do órgão. Isto é, que a
jurisdição do tribunal é obrigatória para os Estados-Partes
e, além disso, é exclusivo, já que não se pode recorrer a
outros mecanismos. Tal obrigatoriedade se estenderá a todos
os países que façam parte do Acordo de Cartagena. Essa
estrutura está prevista pelo sistema da Comunidade Européia
enquanto as características de organização se constituem em
uma das mais completas, no que se refere ao sistema. Entendo,
portanto, que deve se levar em consideração na medida em que
esse modelo pode contribuir no futuro na consolidação do
recentemente criado Tribunal de Revisão do Mercosul. Outros
acordos de integração econômicas, tanto regionais quanto
inter-regionais, não contemplam o sistema de resolução de
diversas características tão avançadas.
No âmbito do Mercosul – e voltamos ao nosso
âmbito – o Protocolo de Olivas para a solução de
controvérsias se acorda reconhecendo que o processo de
integração requer um aperfeiçoamento e considerando que é
necessário garantir a correta interpretação, aplicação e
cumprimento dos instrumentos fundamentais e do conjunto
normativo do Mercosul de maneira consistente e sistemática.
Sem dúvida, um dos aspectos mais inovadores do
protocolo é o de ter consagrado consentimento de revisão que
possibilita a qualquer uma das partes na controvérsia
apresentar um recurso ante o Tribunal Permanente de Revisão
contra o laudo do Tribunal Ad Hoc.
A criação desse Tribunal foi originada em uma
proposta argentina fundada no risco da existência de laudos
arbitrais contraditórios. Em razão do tribunal arbitral de
única instância previsto no protocolo de Brasília, que se
constitui em cada caso de controvérsia com o que podia estar
integrado em cada ocasião por diversos árbitros, que recebem
assim as críticas que tinham sido formuladas no sistema
anterior e que podiam tornar difícil contar com uma ajuda de
jurisprudência que pudesse ser considerada estável.
Efetivamente aconteceu assim.
Na 25ª Reunião do Mercosul, em 2003, aprovou-
se o regulamento do Protocolo de Olivas, cumprindo assim o
mandato estabelecido. Essa decisão não precisa ser
incorporada aos ordenamentos jurídicos nacionais por
regulamentar as peças de funcionamento do bloco.
Vou-me deter apenas em algumas dessas
descrições que considero relevante. No 55º artigo, o
regulamento aborda as matérias contempladas no protocolo,
mesmo que continuem sem resposta alguns aspectos importantes
sobre os quais se dispõe a necessidade de aprovar um novo
documento. Esse tribunal deve entender, nos recursos que
foram decididos contra os laudos arbitrais, no entanto, as
partes têm a possibilidade de renunciar ao procedimento
arbitral e recorrer diretamente ao TPR com o qual o processo
seria abreviado.
A Declaração 3703 regulamenta, no seu primeiro
artigo, a opção do fórum. Esse tema é justamente diferente do
Pacto Andino. Na opção de fórum é feito o protocolo que
estabelece que o demandante ou as partes, de comum acordo,
pode optar por manterem a disputa ao sistema de instrução de
conflitos da Organização Mundial de Comércio ou a outros
temas a que pertençam os Estados individualmente. A única
exceção é que, quando o processo for iniciado perante um
fórum, não se pode recorrer a outro. A omissão do exercício
dessa opção gerou intensos debates, deixando a favor de uma e
outra estrutura como justificação diversos órgãos de razão. O
fato de que ao ser o demandante titular desse direito,
ninguém melhor do que ele conhece se o interesse legítimo
fica mais protegido pelo Protocolo de Olivos ou pelo
mecanismo que ele escolha.
Da mesma maneira, na opção a favor do sistema
as partes podem preferir esse sistema, pela natureza
obrigatória das decisões, a brevidade dos prazos, a
automaticidade dos prazos no processo, tudo isso contribui a
resolução para acordos, tratados mútuos. Isso é dito por
Adriana Dreysin, justamente em contraposição à opinião de
Alejandro Perotti que, caso contrário, não é favorável a essa
cláusula com argumentos que sublinham as desvantagens desse
exercício, o enfraquecimento do sistema de integração e
também considera que admitir a opção é um erro imposto, seria
uma prática contrária ao Tratado de Assunção.
Nesse ponto cabe lembrar que o Pacto Andino,
ou a comunidade andina tem o foro exclusivo e excludente. De
qualquer forma, no sistema atual de evolução do Mercosul é
assim que está regulamentado e, mesmo quem se pronuncia a
favor da cláusula desse ponto do fórum, eles mantém que, no
seu núcleo, colocando em dúvida a confiança merecida pelo
sistema. O artigo 24 do documento aborda medidas excepcionais
e de urgência dizendo que poderão ser estabelecidos
procedimentos especiais para casos excepcionais e de urgência
que pudessem provocar danos irreparáveis às partes. Sobre
essas medidas, expressa o protocolo que será o CMC, o órgão
com faculdade para estabelecer os procedimentos especiais, o
que foi abordado pelo detrito CMC 2304, que ainda não foi
incorporado ao dos Estados-membros.
Outro aspecto inovador é o das opiniões
consultivas que foram mencionadas agora e se encontram
contempladas pelo artigo 3. O CMC poderá estabelecer
mecanismos relativos a solicitações de opiniões consultivas
junto ao Tribunal Permanente de Revisão, definindo a
abrangência e procedimentos. O artigo 2 do Regulamento do
Protocolo determina que estão legitimados para solicitar não
apenas os Estados-Parte no seu conjunto dos órgãos com
capacidade decisória do sistema, mas que, com o critério
correto, foram incluídos os Tribunais Superiores dos países
membros com jurisdição nacional. O fato de que, no caso dos
Estados-Parte, a opinião deve ser solicitada por consenso não
é uma contribuição valiosa para o sistema. No que diz
respeito à possibilidade de que os particulares possam
requerer essas opiniões, houve critérios favoráveis e contra.
Isso pode provocar um adiar no tempo as decisões do Tribunal,
mas aqueles que assinalam que seria benéfico afirmam que esse
problema poderia ser resolvido através de uma adequada
regulamentação. Deveríamos saber tomar uma decisão, apesar de
não habilitados para participar da determinação da não-
legalidade do conjunto normativo. Aqui a questão é: as
opiniões conjuntivas têm quais características? Porque se
disse: são consultas “ex ant”, mas isso só quando são
requeridas pelos Estados-Partes ou pelos próprios órgãos do
Mercosul, antes que se produzam as circunstâncias, eventos ou
fatos, ou que sejam adotadas soluções porque nesse sentido
elas são um mecanismo de solução de controvérsias que estão
orientados a evitar esses problemas, mas quando a Corte
Suprema solicita uma opinião, então já não é preventivo, não
é “ex ant”, porque estaremos diante de um conflito já
existente nos tribunais.
Sobre a solicitação dos tribunais superiores
de justiça, o art. 4º dispõe que o TPR poderá emitir opiniões
consultivas solicitadas pelo Superior Tribunal de Justiça dos
Estados-Partes com jurisdição nacional. Nesse caso, as
opiniões consultivas se deferirão e possivelmente a
interpretação jurídica na normativa do Mercosul, mencionada
no art. 3º, § 1º, do presente regulamento; questão jurídica
compreendida no Tratado de Assunção, Protocolo de Ouro Preto,
protocolo de acordos celebrados, um marco das decisões no
CMC, as resoluções do GMC, e havia diretrizes do CCM, sempre
que estejam vinculadas com causas em tramitação.
Temos, então, assim, causa em tramitação. Por
isso não é mais preventiva. O procedimento para solicitação
de opiniões consultivas junto ao TPR será regulamentado após
consulta a tribunal superior. Nesse sentido talvez seja
interessante fazer um primeiro regulamento que poderíamos
denominar “temporário”, “regulamento provisório”, porque
conseguir fazer um regulamento provisório, para ver como
funciona e depois ter de mudá-lo, é uma espécie de fracasso o
regulamento.
Como nós estamos numa questão tão delicada, eu
sugeriria que fosse feita uma espécie de plano piloto, o
primeiro regulamento, e só numa segunda etapa, após ver o
funcionamento e tendo aprendido sobre na base de ensaio e
erro, fosse elaborado um regulamento definitivo. A
regulamentação está contemplada e como nós já ouvimos aqui,
para responder às perguntas, nós deveríamos falar de algumas
questões: a identificação dos tribunais superiores que
estariam habilitados para apresentar solicitações de opiniões
consultivas, para concentrar o encaminhamento das
solicitações; o árbitro paraguaio Willfrido propõe que seja
qualquer tribunal superior daquela causa, isso complica
muito. Há, ainda, um país como Uruguai, onde há uma única
Corte. nós teríamos a Corte Suprema do país e todas as cortes
dos tribunais superiores das províncias e, além disso, com o
conceito que foi dado por Willfrido, agora, teríamos, também
tribunais de primeira instância quando os passos não fossem
passíveis de apelação e, também, a princípio, todas as
câmaras de apelação, porque entre as Cortes superiores ou a
Corte superior, ainda mais elas não são uma terceira
instância ordinária, mas estão habilitadas para recursos
extraordinários, questões federais. Por isso, na verdade,
coincidem com o Uruguai, ainda mais acho que seria caótica,
no nosso país, uma interpretação ampla a esse respeito. Acho
que deveria ser entendido somente como sendo o Superior
Tribunal de Justiça do país visitar sua Corte Suprema de
Justiça da nação para encaminhá-lo, uma coisa que todos os
juízes possam solicitar, de acordo com o caso, segundo as
partes, uma opinião consultiva e outra questão: por onde
endereçar essa opinião consultiva? Nós achamos que deveriam
ser encaminhadas pelo Superior Tribunal de Justiça do país,
para conseguir uma melhor ordem das consultas. Isso já vai
carregar os tribunais, porque isso propiciaria que a
diferença do Uruguai que fala de uma reforma de fundo seria
importante fazer um exame do tipo formal, sem fazer um
controle da pertinência das solicitações pelo menos num
primeiro momento, assim mesmo em função de que uma vez mais,
novamente, estaríamos diante de uma dificuldade provocada
pela diversidade de regulamentações sobre a pertinência das
solicitações apresentadas pelo tribunal, o que conspiraria
contra a unidade de que teve a desvalorização das
solicitações formuladas segundo o Estado correspondente. No
que diz respeito à possibilidade de serem identificadas
contas de contato nos supremos tribunais superiores dos
Estados-Parte, evidentemente facilitaria o procedimento e
tudo deveria ser feito de acordo com o critério de cada
tribunal superior, segundo cada um consideraria apropriado.
Há uma questão importante que é a do custo
dessas consultas, que se chega a uma outra reflexão: não
deveríamos deixar de lado que possa isto ser incorporada a
custa do litígio, ou poderia ser cobrada no final, mas se
houver um pagamento prévio, seria muito difícil para um juiz
de primeira instância ou quem esteja fazendo isto. A questão
de como pagar os custos do processo, que é uma questão muito
importante porque a taxa de justiça no nosso país cobre todas
as despesas do julgamento. Deveríamos ver em que medida é
isso. Uma situação extraordinária no processo poderia ser, no
mínimo, adiantada. Estamos falando de montantes importantes
ou de montantes pequenos, mas, para poder abrir a primeira
garrafa de champanha, nós deveríamos tentar os custos; o
champanha deverá ser pago pelo colega.
No que diz respeito ao valor das opiniões
emitidas pelo TPR o texto de Olivos diz que não possuem
caráter vinculante nem obrigatório, mas apesar da clara
expressão os tribunais superiores poderiam entender de
maneira diferente esta posição, sustentando uma posição capaz
de deixar de lado as argumentações do tribunal permanente.
Deve-se assinalar que para nós é importante que, em caso de
que não se chegue a uma posição unânime, fossem aceitas as
argumentações divergentes. Esse aqui não é o tribunal de
arbitragem, que funcionando como tribunal, mas esclarecendo
com uma opinião construtiva. Por isso, quanto mais
enriquecedora for, melhor será. A questão das opiniões
consultivas revela a importância de que, nas reuniões de
trabalho se chegue a uma interpretação uniforme das normas do
Mercosul e está baseado de que essa forma de abordar a
solução de litígio, as negociações, as arbitragens conspiram
contra o objetivo de se chegar a uma interpretação uniforme,
sem que os tribunais arbitrais cheguem a laudos anteriores. A
fundamentação e decisões, também em algumas ocasiões, isso
não foi assim, motivando diversos e contraditórias situações,
mas nós não podemos deixar de mencionar aqui as situações
particulares, que se pode apresentar ao tribunal, mas
continua sem ter um assessor direto a outras instâncias.
Gradualmente, à medida que cresce a interação na região,
estão se desenvolvendo as instituições. Aparentemente o
Mercosul já tem a preocupação de garantir a divisão de
poderes necessários para se chegar a um autêntico Mercado
Comum. Então, o Tribunal Permanente de Revisão poderia
representar, se for possível chegar a um adequado
funcionamento, a uma forma de fortalecer o processo de
integração, o que implicaria no fortalecimento da posição dos
países integrantes do bloco; juntou ao continente e ao
conjunto dos países em geral.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) – Tenho a honra de passar a palavra ao
Professor Márcio Garcia.
O SENHOR PROFESSOR MÁRCIO GARCIA – Muito
obrigado, Senhor Presidente.
O Ministro Carlos Velloso, que preside o
quarto grupo, teve de se ausentar momentaneamente tendo em
vista a dinâmica do tribunal - hoje tem sessão da Segunda
Turma. Então, ele pediu que desse notícia da razão de não
estar presente aqui, mas deve regressar. Como todos sabemos,
hoje é o último dia de trabalhos do mês e a pauta,
aparentemente, está muito extensa. Incumbiu-me, assim, a
professora Cláudia Lima Marques, de conduzir os trabalhos e,
conversando com a professora Cláudia, em atenção, sobretudo
ao adiantado da hora, decidimos fazer uma divisão dos
trabalhos, de modo que fizesse um rápido apanhado do que foi
o relatório produzido pelo grupo e a Professora, após, então,
enfrentaria as questões colocadas para a apreciação de todos
que aqui se encontram.
Devo dizer que não quero fugir às minhas
obrigações. Conversei antes, de modo exaustivo, com a
Professora Cláudia, e estamos, enfim, de acordo e,
obviamente, fico mais tranqüilo, porque ela saberá, com muito
mais charme e conhecimento, conduzir as respostas às questões
lançadas.
Provavelmente, o tema, Solução de
Controvérsia, foi colocado por último dentro de uma leitura
que ia, mais ou menos, encadeando-se, das assimetrias, da
necessidade de incorporação da normativa Mercosul e, por
final, o sistema de solução de controvérsias à vista,
sobretudo, da existência de um novo mecanismo produzido por
Olivos. É o mecanismo de Solução de Controvérsia, que se
aproxima do seu primeiro ano de vida e, ainda, não foi
acionado.
Evidentemente, o grupo tem muito mais
questões, quer dizer, as interrogações são inúmeras, muito
mais ampliado do que as eventuais respostas. Nós observamos
aqui que alguns temas convidam, de modo mais próximo, a
atenção de todos. Nós preocupados com o avanço do sistema de
integração no Mercosul. Por exemplo, a questão das opiniões
consultivas. Nesse sentido, o grupo produziu relatório, o
qual faz algumas considerações. Vou ler de modo bastante
resumido. Principia dizendo o seguinte:
O princípio de Solução de
Controvérsias internacionais goza, nos dias
atuais, de indiscutível autoridade. No plano
do direito da integração, o ideal de solução
pacífico de controvérsia encontra mais um
fundamento, que é exatamente a necessidade
imperiosa de entendimento e aplicação uniforme
do direito construído.
Dentro dessa ordem de idéias, o Mercado Comum
do Sul – CONESUL – contém, desde o seu nascimento, regras
que apontam para a necessidade de se estabelecer sistema
permanente de solução de divergência – Tratado de Assunção,
1991, item III do anexo 3 e Protocolo de Ouro Preto, 1994,
artigo 44.
Com essa preocupação, os Estados-Partes
aprovaram o Protocolo de Brasília para a Solução de
Controvérsias, em 1991 e, mais adiante, o seu substituto, o
Protocolo de Olivos, de 2002.
Ambos, no entanto, dão notícia de que ainda
não são permanentes, Brasília, artigo 34, Olivos, artigo 53.
O novo protocolo representa algum avanço em
relação ao seu antecessor. A primeira impressão, no entanto,
é que ele ficou no meio termo possível. Adotou-se o justo
meio entre o que era e o que muitos almejavam: a existência
do sistema permanente de um lado, mas não de funcionamento
permanente.
Aqui uma observação, que me parece, desde
logo, importante, à vista do que já foi dito aqui e do muito
que já foi produzido sobre o Sistema de Olivos: nós ainda não
estamos diante de um tribunal de uma estrutura permanente.
Nós ainda não temos um modelo como o europeu, o qual tem um
tribunal supranacional. Isso, obviamente, demanda uma
reflexão no sentido de um avanço na linha, quem sabe, do
Saramago, que diz que devemos avançar sem pressa, mas sem
perder tempo. Se tivermos alguma pressa em avançar e nos
inspirarmos, de modo muito contundente, no modelo europeu -
sem dúvida, é o modelo a ser considerado -, poderemos perder
também os olhos da nossa realidade, do nosso dia-a-dia, no
plano aqui do Mercosul. Então, esse avanço, esse meio termo,
foi o meio termo político possível. Quer dizer, nós não
saímos da leitura de um tribunal arbitral, e o tribunal
permanente de revisão é um tribunal arbitral, criando uma
segunda instância, como foi mencionado aqui. É algo até
bastante inovador no sentido, sobretudo, considerando tratar-
se da via arbitral de solução de controvérsia.
Mais adiante, observamos que o discurso
preambular de Olivos invoca a necessidade de se garantir a
correta interpretação, aplicação e cumprimento dos
instrumentos fundamentais do processo de integração e do
conjunto normativo do Mercosul, de forma consistente e
sistemática.
Nesse sentido, o documento produz avanço de
que pode ser exemplo o chamado Tribunal Permanente de
Revisão. E, aí, o grupo, como disse, levantou inúmeras
dúvidas. Aqui, quem sabe, inspirada em Francis Bacon, para
quem onde há muita luz, há muita sombra. Então, é preferível
começar em dúvida e tentar chegar a algum consenso. Muitas
dessas dúvidas já foram aqui abordadas, mas vou me permitir,
tendo em vista o material que o grupo recebeu, ler as
questões, enfim, suscitadas.
Primeiro, seria como resolver o problema do
acesso direto dos particulares ao Sistema de Solução de
Controvérsia. Nós não chegamos a isso. Olivos mantém o modelo
anterior de reclamação perante às sessões nacionais do GMC.
Tal como está, os protagonistas principais continuam sendo os
Estados. Resta, aos particulares, acesso às instâncias locais
com eventual prejuízo para interpretação uniforme ou, pelo
menos, harmônica do ordenamento jurídico Mercosulino. Some-se
a isso aprovarem a necessidade - e aí vem em aspas - “de
lobby” junto ao respectivo GMC no sentido de fazer valer
determinada reclamação, o que deixa reclamações de menor
valor econômico ou que digam respeito a direitos humanos
individuais ou contra os interesses do próprio Estado,
praticamente sem chance. Pode-se invocar, ainda, a exigência
de transparência e democratização do sistema para permitir o
ingresso direto do particular.
Outro aspecto a ser considerado é o fato de o
particular contar com poucos recursos no caso de
descumprimento da decisão do tribunal ad hoc ou do tribunal
permanente, pois, nesses casos, a exigência de compensação ou
retaliação fica a cargo do Estado-Parte e não,
necessariamente, reverte em favor do particular prejudicado
pelas medidas restritivas consideradas ilegítimas.
Uma alternativa de solução seria franquear,
aos particulares, acesso às vias administrativas e judiciais
nacionais para reclamar os prejuízos causados pelo Estado que
não cumpriu laudo ou a decisão.
Outra saída possível seria a criação de um
fundo de compensação para os particulares lesados a ser
gerido pela secretaria do Mercosul em conjunto com as Cortes
Superiores dos Estados-membros em que o valor do fundo
poderia ser reavido em processo no âmbito nacional.
Outra linha de dúvida, também bastante
discutida no grupo, é em relação ao mecanismo de consultas -
e aqui também tivemos algumas propostas concretas. Quais os
tribunais poderiam solicitar essa opinião consultiva? O
artigo 2º do Regulamento do Protocolo de Olivos indica que só
poderão solicitar opiniões consultivas os Estados-Partes,
atuando conjuntamente, os órgãos com capacidade decisória do
Mercosul e os tribunais superiores com jurisdição nacional
dos Estados-Partes. De um lado, as opiniões consultivas podem
ser um excelente meio para alcançar a interpretação uniforme
das normas do bloco, mas, de outro, a depender da natureza
vinculante ou não atribuída a essas opiniões frente ao Poder
Judiciário nacional, podem engessar a interpretação dos
tribunais nacionais, o que remete a dois problemas atualmente
existentes no sistema europeu: primeiro, o papel das Cortes
nacionais, quando a opinião consultiva fixa interpretação que
afeta temas de direitos humanos ou direitos fundamentais não
suficientemente protegidos no bloco, mas de aplicação
impositiva no sistema constitucional nacional; e o problema
da responsabilidade civil dos Estados-Partes por ato do seu
Judiciário e em descumprimento às normas emanadas pelo bloco
ou aos seus laudos e decisões interpretativas.
Parece que aqui observamos inúmeras sugestões,
algumas convergentes, outras nem tanto, na linha de quem
poderia eventualmente solicitar essas opiniões consultivas.
Uma leitura tanto do Regulamento quanto do Protocolo fica, à
primeira vista, bastante claro, que seriam os tribunais
superiores com jurisdição nacional. Há um exercício, já em
gestação, de se avançar no sentido de que os juízes de
primeira instância poderiam fazer essa opinião consultiva,
obviamente, inspirados - e aí uma boa inspiração - no modelo
europeu em que os juízes de primeira instância foram, de
algum modo, os grandes condutores de toda a construção
jurídica, porque os tribunais superiores não conduziram, ou
pelo menos foi extremamente tímido, o número de opiniões
consultivas canalizadas no âmbito do modelo europeu.
A pergunta inicial é saber se nós estamos
ainda preparados para isso, se teríamos estrutura – basta
imaginar a dimensão do Brasil. Daí, provavelmente, a idéia,
na linha proposta pelo representante Uruguai, de um juiz de
admissibilidade por um colegiado das Cortes Constitucionais,
o que a mim, à primeira vista, e sem maiores reflexões,
parece simpático, mas também temo por essa possibilidade de o
juiz nacional, que demandaria evidentemente uma interpretação
- essa interpretação, a mim me parece que o texto está muito
claro. Na linha daquilo que dizíamos anteriormente, não
estamos diante ainda de um sistema permanente, nem de um
tribunal supranacional.
Enfim, essa questão está em aberto. O texto
diz, o parecer, as opiniões consultivas não são nem
vinculantes, nem obrigatórias. Quer dizer, aqui, também,
parece-me que é muito razoável digerir isso, de modo a tornar
bem claro para que, eventualmente, a velocidade não possa
atropelar a realidade de um momento político em que o próprio
bloco se encontra.
Outra questão que o grupo levantou foi
atinente à questão do aperfeiçoamento da etapa pós-laudo ou
decisão. E aí não tivemos um enfrentamento dessa questão de
modo claro em Olivos, mas é uma questão que continua em
aberto.
No que diz respeito ao cumprimento dos laudos
e decisões e ao alcance das medidas compensatórias. Para
afastar problemas de interpretação, é necessário esclarecer e
delimitar da “obrigatoriedade do laudo” e da “decisão do
tribunal”.
De outro lado, parece importante a introdução
de sistema de acompanhamento do laudo e da decisão proferida
a fim de verificar sua aplicação e cumprimento.
Os laudos e decisões devem passar a ser
publicados tanto no diário oficial dos Estados-Partes quanto
no Boletim Oficial do Mercosul, em um determinado prazo de
tempo. Aqui já são sugestões de fácil implementação – pelo
menos imagino - no tocante ao Brasil. Essa publicidade do
laudo é absolutamente importante. No Brasil, por exemplo, a
publicidade não se faz de modo – pelo menos a meu juízo –
como a Constituição determina. Nós deveríamos ter a
publicidade – penso - via publicação no Diário Oficial.
Depois, aparelhamento do sistema de solução de
controvérsias. Ele deve contar com pessoal técnico-
administrativo permanente, de modo a contribuir tanto para a
execução das atividades relativas aos casos em curso quanto
para a consolidação da cultura e da memória institucionais -
aqui, também, fazendo uma ressalva que temos que ter atenção
para a integração de países que têm limitação de recursos.
Obviamente não é a hipótese de se criar um grande aparato
burocrático, mas de se ter minimamente algo que possa dar
condições de trabalho a esse sistema de solução de
controvérsias.
Depois, também, o grupo levantou questão em
relação à opção de foro e, então, o estabelecimento de
normas, regras e procedimentos para que as partes delimitem
de forma oportuna, clara e determinada o objeto da
controvérsia.
Às vezes, nós vemos nos nove laudos
produzidos, após 13 anos, que esse objeto não está claro. E,
aí, lançamos como sugestão, quer dizer, seguir um pouco o
modelo do “tramits of reference” da Organização Mundial do
Comércio. Em relação à opção do foro, contemplada no novo
Protocolo de Olivos, art. 1º, ponderamos que se pode optar
pela Organização Mundial de Comércio, se for o caso, ou
outros esquemas preferenciais de comércio. Esse procedimento
pode acarretar questionamento, como proceder, por exemplo, na
hipótese de a parte vencida submeter o caso ao sistema de
solução de controvérsia da OMC - à luz do Protocolo de
Olivos, parece absolutamente claro. Agora, caso ele se dirija
à Organização Mundial de Comércio e aciona o sistema de
solução de controvérsia - a Organização Mundial de Comércio,
à primeira vista, não está vinculada ao normativo do Mercosul
-, ela vai proceder, dar seguimento aos trabalhos do sistema
de solução de controvérsias. Nessa hipótese, qual seria a
solução do ponto de vista. Aqui, do bloco, parece-me claro,
mais em relação à OMC. Posteriormente, conversava com
Ricardo Alonso, ele lançou uma outra dúvida. Se, no âmbito
do bloco, dois estados “A” e “b” demandam e um resta vencido
e a normativa ou a interpretação que se deu é incompatível,
por exemplo, em relação ao que pensa o estado “c”, poderia o
estado “C”, em relação ao mesmo assunto, acionar a
Organização Mundial do Comércio e não acionar o sistema de
solução de controvérsias nessa cláusula de opção de foro?
Também é uma questão que permanece em aberto. A organização
Mundial do Comércio acataria como preliminar o fato de ter
havido a opção pelo sistema de Olivos. O sistema pode dar
lugar ao “foro shopping”, que não convive bem em um processo
de integração. Quer dizer, então, aí, também, parece-me que
foi um avanço que, na realidade, não é bem um avanço, pode
até representar mais adiante, quem sabe, um retrocesso,
porque, dentro de uma leitura de um eventual foro shopping,
poderíamos ter decisões absolutamente antagônicas e isso
seria um problema, considerando o espírito de Olivos, que é
exatamente dar uma leitura, um rosto uniforme à normativa, ao
ordenamento jurídico do Mercosul.
Por fim, estudo da conveniência, da
oportunidade, da criação do um sistema de cooperação e
informação recíproca entre o tribunal permanente de revisão e
as cortes superiores, evitando situações limites, facilitando
a comunicação e conhecimento mútuo das decisões em lias de
interpretação, aproximando assim o sistema arbitral do
Mercosul das jurisdições nacionais. Penso que o escopo desse
segundo encontro é nessa linha de uma maior aproximação dos
poderes judiciários.
Fico por aqui, Senhor Presidente, e penso que
a professora Cláudia Lima Marques poderia, então, enfrentar,
nesse tempo final, as questões que foram colocadas.
Muito obrigado.
A SENHORA PROFESSORA CLÁUDIA LIMA MARQUES –
Agradeço a palavra.
Parece-me que o relatório do professor Márcio
Garcia esgota já o problema. Gostaria, apenas, de colocar,
nesses cinco minutos que nos restam, dois pontos que também
preparamos, respondendo à primeira pergunta.
A desprocessualização e desjudicialização dos
conflitos, como disciplina, do Protocolo de Brasília - nove
laudos em treze anos – foi benéfica à implantação do bloco.
Pensamos em dois temas importantes: em
primeiro, a conquista dessa legitimação e a função que os
laudos poderiam ter exercido e que, talvez, o Protocolo de
Olivos e os seus novos instrumentos possam exercer; e, o
segundo tema, a crítica, essa falta de diálogo entre as
cortes supremas, ou poder judiciário nacional, e isso que
nasce, o gérmen que nasce de interpretação uniforme ou de
laudos do Mercosul.
Então, quanto ao primeiro tema, o modelo claro
é o Tribunal de Justiça da União Européia, motor da
integração e, por isso, a procura dessa falta de
legitimidade, analisa os nove laudos e os seus efeitos.
Existem dois efeitos, normalmente, da jurisprudência, até
mesmo da jurisprudência arbitral como da OMC. Um efeito
pedagógico, mas existe um efeito mais interessante para se
analisado agora, ou debatido, que é o efeito chamado
projetivo “Wash back efect”, isto é, quando eu faço um lado,
demonstro como se devem conduzir as partes, quais são os
princípios que o Mercosul segue e quais são os valores que
ele prepondera em relação aos outros? Justamente no temário
do encontro, na primeira idéia das assimetrias
constitucionais - que poderia ser os direitos humanos,
poderia ser as constituições dos países, poderia ser a
simples integração à liberdade de circulação de bens e
produtos, e no segundo tema, poderia ser a cooperação
judicial -, procuramos caminhar juntos para alcançar alguma
coisa, ou poderia ser o novo, a normativa do Mercosul, a
harmonização legislativa, levando a uma conclusão.
Na análise dos nove laudos, o resultado foi o
seguinte: laudo nº 1, cinco dos nove laudos analisam os
aspectos processuais sobre o objeto da controvérsia; laudo nº
3, dos têxteis; laudo nº 2, sobre carne de porco ou cervo;
laudo nº 4, sobre frango; e laudo nº 5, sobre pneus. Eles se
dividem em três diferentes grupos: o objeto é só no início, o
objeto é no contexto, o objeto é na resposta e, segundo o
laudo dos pneus, sequer as tratativas diplomáticas fixaram o
objeto, portanto, não há um efeito projetivo. Não se sabe,
exatamente para o Mercosul, até agora, qual é e como deve ser
a própria controvérsia para que ela chegue a um bom termo,
que é a harmonização da controvérsia. Tanto que, no caso
mais grave, no o laudo dos frangos, se recorreu à OMC para
haver uma resposta de mérito e não simplesmente processual.
Então, quanto à primeira pergunta, se há uma
desprocessualização, parece que não houve no caso concreto.
Segundo problema: da hierarquia entre os
tratados e a normativa do Mercosul, o Tratado da ALADI,
especialmente em seu art. 50, que faz as exceções, tem a
proteção dos Direitos Humanos, do meio ambiente, do Direito
do Consumidor, da saúde pública e vários laudos - três para
ser exato. O laudo nº 1, que utilizou o Tratado da ALADI como
exemplo, laudo fitosanitário; e o laudo dos pneus que não
utilizou o Tratado da ALADI. Sobre o aspecto da liberação
comercial, poderia ser a OMC e as suas normas; e o Laudo nº 1
utilizou as regras da OMC, inclusive o Pacto Assunção, o
Direito Internacional, boa-fé, um direito operacional, uma
interpretação finalista, teleológica, afim, circulação de
bens e a criação de um direito novo, um direito talvez
comunitário. Já no Laudo nº 2, a decisão do Mercosul foi
interpretada conforme a OMC. No Laudo nº 3, dos testes, não
se utiliza as regras do OMC e chega-se à conclusão que a
legislação específica do Mercosul está acima da legislação da
OMC. No Laudo nº 4, dos frangos, se diz que não há, apesar de
haver legislação da OMC, regras para serem utilizadas pelo
Mercosul. E o regulamento comum da OMC não é utilizado. No
laudo dos pneus, mais uma vez se remete a essa dúvida, se o
Direito Internacional deve ser utilizado, se vai aos
princípios gerais do Direito Internacional, e não aos
tratados claros e se recorre, então, à Convenção de Viena,
enfim, há uma espécie de conflito. No Laudo nº 7, dos
fitosanitários, há o Tratado de Montevidéu, as resoluções não
teriam sido incorporadas e, portanto, a normativa do Mercosul
não teria chegado ao seu fim, não poderia proteger os
Direitos Humanos das pessoas na região. No Laudo nº 8,
cigarros, esse sim, houve prevalência da normativa do
Mercosul somente, porque havia efeitos discriminatórios da
legislação interna. No Laudo nº 9 voltou-se, então, a idéia
do incentivo à exportação e de uma interpretação teleológica
do Mercosul, mas se ponderou sobre a importância do Direito
Internacional, no caso do GAT. Chegamos à conclusão de que
não há esse efeito projetivo nem em relação à primazia
interna. Se o Tratado da ALADI, do qual o Mercosul faz parte,
tem alguma primazia em relação às resoluções, sequer
decisões, às resoluções do Mercosul, e com a hierarquia entre
as resoluções, as decisões e os tratados marcos do próprio
Mercosul. Em relação ao OMC, não há certeza qual é a
primazia: se é da OMC, que é multilateral, ou se é a lei
específica, no caso, do próprio Mercosul, seja resoluções,
decisões ou tratados-bases, tratados quadros. Portanto,
talvez uma primeira opinião consultiva seria justamente de
criar essa hierarquia interna das próprias normas do
Mercosul.
Quanto ao segundo tema, a falta de diálogo
para conseguir esse efeito pedagógico, observa-se que o
grande sucesso na solução de controvérsias foi o da
diplomacia, que evitou muitas controvérsias. Os nove laudos e
a exclusão praticamente dos particulares desse acesso,
através da interposição de fases que dependem unilateralmente
do Estado nacional, levam à conclusão que houve uma grande
demanda reprimida de decisões, e se criticamos, de um lado, o
fato de as cortes nacionais não aplicarem o direito do
Mercosul, ou não sempre aplicarem o direito do Mercosul, se
observa que os laudos sequer utilizam ou citam as decisões
das cortes supremas. Vamos pegar como exemplo: existem dez
decisões do Supremo Tribunal Federal no caso dos pneus. Leio
o Recurso Extraordinário de relatoria do Ministro Carlos
Velloso, nosso Presidente, de 25 de março de 1997,
considerando constitucional a proibição de importação de
produtos estrangeiros. “A importação de produtos
estrangeiros, sujeitos ao controle governamental,
inocorrência de ofensa ao princípio isonômico no fato de não
ter sido autorizado a importação de pneumáticos usados”.
Nenhuma dessas dez decisões da Corte Suprema brasileira foram
sequer mencionadas na decisão dos pneus, o Laudo nº 6
considerou contrária a normativa Mercosul a essa proibição.
Para terminar, nossas conclusões são no
sentido de que realmente se avançou muito pouco com essa
flexibilização, tão inicialmente homenageada pelos colegas
doutrinadores brasileiros. O Protocolo de Brasília teve
várias imperfeições que o Protocolo de Olivos tenta melhorar,
mas parece que é necessária uma mudança de mentalidade no
sentido de que estejamos todos seguros da necessidade desse
diálogo e de criar, no Mercosul, algo, um direito legítimo,
isto é, que tenha argumentos, mesmo que seja de “soft law”,
mesmo que seja com base na autoridade e que utilize então o
Direito Internacional, realmente, e que consiga uma certa
uniformização, pelo menos quanto às fontes do próprio
Mercosul e seus tratados, qual a hierarquia entre elas.
Muito obrigada!
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL) – Faremos, agora, uma pausa para café e
consolidação dos relatórios. Voltaremos dentro de quinze
minutos.
(PAUSA PARA O COFFEE BREAK)
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Senhores e senhoras, damos
início, então, à Sessão de encerramento do nosso II Encontro
de Cortes Supremas do Mercosul e, desde logo, passo a palavra
à Senhora Ministra Ellen Gracie.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (MINISTRA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Muito obrigada, Senhor
Presidente.
Incumbe-me, na condição de Coordenadora deste
evento, fazer chegar aos Senhores um breve relatório
consolidado dos grupos de trabalho. Todos receberão cópia
deste material e dentro de, aproximadamente, quinze dias,
faremos chegar, também, uma gravação em vídeo de todas as
sessões do Encontro. De modo que cada um dos Senhores,
especialmente aqueles que atuam na área acadêmica, possam
utilizar-se desse material didático.
O Grupo nº 01, que tratou das Assimetrias
Constitucionais, chega às seguintes conclusões:
1º) As Constituições da Argentina e do
Paraguai reconhecem, expressamente, a possibilidade de
convalidação de instituições supranacionais, bem como possuem
norma específica sobre conflito entre a lei interna e os
tratados, o que não é previsto nas Constituições brasileira e
uruguaia;
2º) Seria conveniente que, sob a perspectiva
da segurança jurídica, os Estados brasileiro e uruguaio
promovessem reformas constitucionais aptas a afastar apontada
omissão;
3º) Não se verificam, ademais, fatores
impeditivos para que as Cortes Supremas do Brasil e do
Uruguai caminhem no sentido de viabilizar, juridicamente, a
vontade política conducente ao processo de integração;
4º) Além dos instrumentos jurídicos
permissivos de interpretações construtivas, em particular, a
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 23 de maio
de 1969, os Poderes Judiciários devem buscar soluções
internas que previnam a possibilidade de antinomia na
interpretação e efetiva aplicação das normativas Mercosul;
5º) Sem prejuízo das atribuições
constitucionais de cada Poder constituído, é desejável que se
estabeleça forma de diálogo interinstitucional com vista a
preservar os esforços resultantes das negociações voltadas ao
aprofundamento e à consolidação da integração regional em
prol do desenvolvimento e do bem-estar de nossos povos.
Essas as conclusões, Senhor Presidente, do
Grupo nº 01, Assimetrias Constitucionais.
Passo à leitura das conclusões do Grupo nº 02,
Cooperação Judiciária. Conclui o Grupo nº 02:
1º) Sem cooperação internacional, não
exercício pleno do Poder jurisdicional nem efetividade das
decisões judiciais;
2º) Anotou, também, a existência de
instrumentos normativos, no âmbito do Mercosul, em execução
assídua pelos órgãos judiciários dos Estados-Partes;
3º) Recomendou a atenção para instrumentos
regionais sobre os mesmos temas, a exemplo das Convenções
interamericanas de Direito Internacional Privado;
4º) Demonstrou preocupação com jurisprudência
que aplique, desmedidamente, a exceção de ordem pública, como
limitação à cooperação judiciária internacional;
5º) Reconheceu ser desejável que o exame da
admissibilidade dos pedidos de cooperação judiciária,
especialmente no âmbito do Mercosul, não seja feito apenas de
forma concentrada, mas também diretamente pelo juízo de
primeiro grau competente para a execução da medida
solicitada;
6º) Parte do grupo concordou não haver
obstáculos constitucionais à elaboração de tratados
internacionais ou leis internas que autorizem a homologação
de sentenças estrangeiras para efeitos penais, como confisco
e perdimento de bens ou aplicação de penas restritivas de
liberdade.
Essas, Senhor Presidente, as conclusões do
Grupo nº 02.
O Grupo nº 03, que cuidou da Harmonização
Legislativa em Direito Material ou Processual alcançou as
seguintes conclusões:
1º) Salientou a relevância da existência de
textos normativos coerentes com as finalidades do Mercosul,
em matéria de Direito do Consumidor, da concorrência, da
propriedade intelectual, da proteção de investimentos
estrangeiros e de responsabilidade civil, contratual e
extracontratutal, dentre outros;
2º) Apontou, igualmente, a necessidade de
aperfeiçoamento de normas processuais aptas a assegurar a
efetividade da prestação jurisdicional nos contenciosos
gerados em torno do comércio de bens e serviços do Mercosul;
3º) Registrou a conveniência da criação de
mecanismos que conduzam a uniformização dos critérios de
interpretação das normas oriundas do processo de integração
pelos diferentes Poderes Judiciários dos Estados-Partes e
associados;
4º) Recomendou que a Secretaria do Mercosul se
incumba de propor os temas que devam ser objeto de esforço,
de harmonização e/ou uniformização legislativa a partir do
exame de situações concretas e das necessidades verificadas;
5º) Propôs encorajarem-se os Poderes
Judiciários nacionais, no sentido de atender aos compromissos
dos seus respectivos estados, voltados à integração regional.
Essas são as conclusões do Grupo nº03.
Finalmente, as conclusões do Grupo nº 04, que
cuidou da Solução de Controvérsias. E, neste ponto, Senhor
Presidente, permito-me informar à platéia que ficamos
frustrados da oportunidade de debate sobre um tema tão rico.
No entanto, a Coordenação se compromete a encaminhar aos
integrantes dos Grupos todos os questionamentos que nos
chegarem, bem como fazer com que estes questionamentos sejam
incluídos nos anais do Encontro.
Passo a ler as conclusões do Grupo nº 04.
1º) Concluiu-se que o Sistema de Solução de
Controvérsias do Mercosul, mediante o Protocolo de Olivos,
avançou, mas ainda demanda maior aperfeiçoamento;
2º) Ponderou-se que as opções do sistema de
controvérsias do Mercosul e a sua prática, com nove laudos,
com interpretações contraditórias sobre temas mais
processuais do que materiais, levando à conclusão que eles
não criaram uma interpretação comum sequer sobre a primazia
da normativa Mercosul e sua relação com o Tratado Macro de
ALADE;
3º) Observou-se a necessidade de se
desenvolver forma eficiente de garantir o acesso dos
particulares ao sistema de controvérsias do Mercosul, de modo
a não depender do exame unilateral do seu estado de
domicílio.
4º) Sugeriu-se, concretamente, interpretar o
Protocolo de Olivos no sentido de que qualquer Tribunal
nacional poderá enviar um pedido de opinião consultiva ao
Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, desde que passe
por juízo de admissibilidade da Corte Suprema do Estado-Parte
respectivo;
5º) Uma sugestão seria que os particulares,
uma vez que entrassem com ações, frente ao juiz nacional,
estes juízes e Tribunais Regionais tivessem a possibilidade
de enviar para a sua Corte Superior, ou ainda, para um órgão
a ser criado, que reúna as Cortes Supremas, um pedido de
opinião consultiva para o Tribunal Permanente do Mercosul
sobre este problema do particular que, depois, pudesse ser
usada pelo Poder Judiciário.
As opiniões consultivas são um germe de
supranacionalidade e uma chance para a interpretação uniforme
da normativa do Mercosul.
Essas são, Senhor Presidente, as conclusões
dos quatro grupos de trabalho.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Muito obrigado, Ministra Ellen
Gracie.
Passo a palavra ao Dr. Walter Kaune Arteaga,
Magistrado do Tribunal de Justiça da Comunidade Andina de
Nações.
O SENHOR WALTER KAUNE ARTEAGA (PRESIDENTE DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA COMUNIDADE ANDINA) - Excelentíssimo
Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Srs.
Presidentes e Ministros das Cortes Supremas do Mercosul e do
Tribunal Constitucional, Srs. Assessores e Professores,
participantes deste importante evento, gostaria de
testemunhar o agradecimento do Tribunal de Justiça da
Comunidade Andina, agradecer a oportunidade de assistir a
este evento e felicitar e parabenizar pela maneira como foi
desenvolvido, pelas conclusões as quais chegamos que, com
certeza, se projetarão para o aperfeiçoamento deste processo
de integração do Mercosul.
Os sistemas adotados entre a Comunidade Andina
e as diferentes partes não são semelhantes, assim foi
reconhecido. No entanto, temos um grande interesse em
participar e coordenar junto a vocês os trabalhos no que
concerne à parte de Solução de Controvérsias. No entanto,
levando em consideração que ambos os processos regionais
devem chegar a um processo regional, por meio da criação da
Comunidade Sul-americana que vai se subscrever no dia 09 de
dezembro deste ano.
Por essa razão, nossas experiências
conquistadas durante esses vinte e cinco anos de criação do
Tribunal, em que pudemos contribuir para o aperfeiçoamento
institucional da Comunidade Andina, por meio do exercício das
competências próprias do sistema de supranacionalidade, pelo
qual optou a Comunidade Andina no sentido de interpretar a
lei comunitária, no sentido de cuidar e garantir a legalidade
do ordenamento jurídico, o controle constitucional da ordem
jurídica comunitária, a admissão de conflitos suscitados na
aplicação da lei comunitária e outras competências que, sem
qualquer dúvidas, nos permitiram elaborar um conjunto de
princípios jurídicos comunitários que estão inseridos no
livro que chamamos de “Vinte e cinco anos de celebração,
testemunho comunitário”, que passamos para os presentes,
aqui, e esperamos que possa servir como contribuição das
nossas experiências.
E mais ainda: consideramos que o sistema de
interpretação prescricional, que é a coluna vertebral do
sistema da supranacionalidade, que converte e torna os juízes
nacionais em juízes comunitários e que torna possível que os
habitantes dos Países-membros se tornem cidadãos comunitários
que possam receber benefícios e direitos. Talvez essa
atividade possa, no que corresponde dentro do Mercosul,
servir para se dirigir nesse sentido de aperfeiçoamento.
Sabemos que todo início é difícil e que todo processo é
diferente. Há diversos ritmos e tempos. Nesse sentido,
gostaria de confessar a vocês que celebramos, com muito
entusiasmo, o dia em que se instalou o Tribunal Permanente de
Revisão do Mercosul, porque consideramos ser este um passo
extremamente importante.
Desejo-lhes grande sucesso! Vocês têm, na
Comunidade Andina, o irmão gêmeo que, neste momento, tem que
caminhar junto à execução da integração dessa Comunidade Sul-
americana.
Compartilhamos o entusiasmo e a sugestão feita
pelo Senhor Magistrado do Tribunal Permanente de Revisão e
sugiro que, nessa cúpula de Presidentes, vá se formando um
comitê misto Mercosul com o comitê jurídico, para poder
assentar as bases, estabelecer os projetos, marcos do que
poderá ser esse futuro do Tribunal que, com o tempo,
administrará os direitos, os interesses e os problemas que
possam emergir dessa nova realidade de integração que será a
Comunidade Sul-americana.
Obrigado.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) – Obrigado, Dr.Walter.
Cabe-me, portanto, proceder ao encerramento
deste Encontro, mas, antes de fazê-lo, desejo formular alguns
agradecimentos especiais, inicialmente, ao Embaixador
Reginaldo Arcuri, Secretário-Geral do Mercosul, pela
presteza, dedicação e orientação que prestou ao nosso
Encontro, como também ao Centro de Estudos de Direito
Internacional (CEDI), que prestou importante apoio a nossa
comissão técnica e científica e que nos deu condição de um
trabalho amplo e organizado. O medo que se tinha foi vencido,
porque, às vezes, encontro dessa natureza, no mais das vezes,
permanecemos nas generalidades e não entramos nos problemas.
Exatamente aquela técnica de formular perguntas para os
grupos faz com que o foco do tema seja nas questões que
podemos contribuir no curto e médio prazo.
Agradecemos, também, aos servidores do Supremo
Tribunal Federal, que nos deram toda essa infra-estrutura e
possibilitaram esses entendimentos.
Também agradeço, fundamentalmente, aos
participantes da Mesa e aos Senhores Presidentes das Cortes
Supremas do Mercosul, como também Presidentes das Cortes
participantes. Tudo isso mostra a nossa necessidade de
participarmos deste processo de integração.
Por último, agradeço a presença de todos,
senhores e senhoras, que nos ajudaram, fundamentalmente,
neste Encontro. Faço uma referência especial à Senhora
Ministra Ellen Gracie que, na verdade, ao fim e ao cabo, foi
a grande construtora deste Encontro. É a ela que convido a
todos para uma grande salva de palmas.
Declaro, portanto, encerrado o II Encontro. O
Senhor Chefe de cerimonial fará as referências finais sobre
os últimos eventos.
Muito obrigado a todos. Sejam felizes.
Passaremos, agora, para a assinatura da Carta do Mercosul,
que se dará no Salão Branco do Tribunal.
O SENHOR WALTER LIMA (MESTRE DE CERIMÔNIAS) –
O Senhor Ministro Nelson Jobim está convidando os presentes a
se dirigirem ao Salão Branco desta Corte onde haverá a
solenidade de assinatura da Carta de Brasília, pelos
Excelentíssimos Senhores Presidentes das Cortes Supremas dos
Estados-Partes e associados do Mercosul e o encerramento do
Encontro.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes convida os
presentes para a palestra que o Professor Ricardo Alonso
Garcia proferirá sobre Constituição Européia, no Instituto de
Direito Público, amanhã, quarta-feira, às sete horas da
noite, localizado na QL 12, Conj. 09, Casa 10, no Lago Sul.
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