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CARTILHA DO DIREITO DO PETRÓLEO NO BRASIL II Volume da José Carlos Ribeiro Filho (Coordenador) Vieira Rezende Advogados

II Volume da CARTILHA DO DIREITO DO PETRÓLEO NO BRASIL · Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil

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CARTILHA DO DIREITO

DO PETRÓLEO NO BRASIL

II Volume da

José Carlos Ribeiro Filho (Coordenador)

Vieira Rezende Advogados

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VOLUME II

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www.lumenjuris.com.br

EditorJoão Luiz da Silva Almeida

Conselho Editorial

Abel Fernandes GomesAbel Fernandes GomesAdriano Pilatti

Alexandre Bernardino CostaAlexandre Bernardino CostaAna Alice De CarliAna Alice De Carli

Anderson Soares MadeiraAnderson Soares MadeiraAndré Abreu CostaAndré Abreu CostaBeatriz Souza CostaBeatriz Souza CostaBleine Queiroz CaúlaBleine Queiroz Caúla

Daniele Maghelly Menezes MoreiraDaniele Maghelly Menezes MoreiraDiego Araujo CamposDiego Araujo Campos

Enzo BelloFirly Nascimento FilhoFirly Nascimento Filho

Flávio AhmedFrederico Antonio Lima de OliveiraFrederico Antonio Lima de Oliveira

Frederico Price GrechiFrederico Price GrechiGeraldo L. M. PradoGeraldo L. M. Prado

Gina Vidal Marcilio PompeuGisele Cittadino

Gustavo Noronha de ÁvilaGustavo Sénéchal de Goffredo

Jean Carlos DiasJean Carlos Fernandes

Jeferson Antônio Fernandes BacelarJerson Carneiro Gonçalves Junior

João Marcelo de Lima AssafimJoão Theotonio Mendes de Almeida Jr.

José Emílio MedauarJosé Ricardo Ferreira CunhaJosé Rubens Morato Leite

Josiane Rose Petry VeroneseLeonardo El-Amme Souza e Silva da Cunha

Lúcio Antônio Chamon Junior

Luigi BonizzatoLuigi BonizzatoLuis Carlos AlcoforadoLuis Carlos Alcoforado

Luiz Henrique Sormani BarbugianiLuiz Henrique Sormani BarbugianiManoel Messias PeixinhoManoel Messias PeixinhoMarcelo Ribeiro UchôaMarcelo Ribeiro UchôaMárcio Ricardo StaffenMárcio Ricardo Staffen

Marco Aurélio Bezerra de MeloMarco Aurélio Bezerra de MeloMarcus Mauricius HolandaMarcus Mauricius Holanda

Maria Celeste Simões MarquesMaria Celeste Simões MarquesOcélio de Jesús Carneiro de MoraisOcélio de Jesús Carneiro de Morais

Ricardo Lodi RibeiroRicardo Lodi RibeiroSalah Hassan Khaled Jr.Salah Hassan Khaled Jr.

Sérgio André RochaSérgio André RochaSimone Alvarez LimaSimone Alvarez Lima

Valter Moura do CarmoValter Moura do CarmoVicente Paulo BarrettoVicente Paulo BarrettoVinícius Borges FortesVinícius Borges Fortes

Conselheiros Beneméritos

Denis Borges Barbosa (in memoriamDenis Borges Barbosa (in memoriamDenis Borges Barbosa ( )Marcos Juruena Villela Souto (in memoriamMarcos Juruena Villela Souto (in memoriamMarcos Juruena Villela Souto ( )

Filiais

Sede: Rio de JaneiroRua Octávio de Faria - n° 81, sala 301 –

CEP: 22795-415Recreio dos Bandeirantes – RJ

Tel. (21) 3933-4004 / (21) 3249-2898

São Paulo (Distribuidor)Rua Sousa Lima, 75 –

CEP: 01153-020Barra Funda – São Paulo – SP

Telefax (11) 5908-0240

Minas Gerais (Divulgação)Sergio Ricardo de Souza

[email protected] Horizonte – MG

Tel. (31) 9-9296-1764

Santa Catarina (Divulgação)Cristiano Alfama Mabilia

[email protected]ópolis – SC

Tel. (48) 9-9981-9353

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Editora LumEn Juris rio dE JanEiro

2019

VOLUME II

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Copyright © 2019 by José Carlos Ribeiro Filho

Categoria: Direito Industrial

Produção Editorial

Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Diagramação: Alex Sandro Nunes de Souza

A LIVRARIA E Editora luMEN JuriS ltda.não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu Autor.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características

gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895,

de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados àLivraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

Cartilha do direito do petróleo no Brasil : volume II / José Carlos Ribeiro Filho (coord.) ; Vieira Rezende Advogados. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2019.

260 p. ; 23 cm. – (Cartilha do Direito do Petróleo no Brasil ; 2).

Inclui bibliografia

ISBN 978-85-519-1105-1

1. Petróleo. 2. Petróleo – Legislação - Brasil. 3. Indústria. I. Ribeiro Filho, José Carlos. II. Vieira Rezende Advogados. III. Título. IV. Série.

CDD 343

Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927

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Lista de Colaboradores

Alberto Weyland Vieira

Bernardo Mendes Vianna

Breno Ladeira Kingma Orlando

Bruno de Arruda Mantovaneli

Camila Borba Lefèvre

Carlos da Costa e Silva Filho

Carlos Maurício Maia Ribeiro

Claudio R. Pieruccetti Marques

Daniel Araújo

Daniela Ribeiro Davila

Duane Sarlo de Brito Santos

Erika Feitosa Chaves

Flavia Melo

José Carlos Ribeiro Filho

Lucas Hermeto

Luiz André Nunes de Oliveira

Luiza Latini

Maria Carolina França

Maria Ramos Dias

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Marina Ferraz Aidar

Michel Siqueira Pereira Batista

Paloma Amorim

Paulo Vieira

Pedro Hermeto

Pietro De Biase

Rafael de Moraes Amorim

Ricardo Martinez de Almeida

Rodrigo Leite Moreira

Thiago Luiz Pereira da Silva

Tiago Severini

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Agradecimento do Coordenador

“Agradeço a todos os colaboradores que me ajudaram a tornar este meu sonho realidade, aceitando os meus convites e redigindo capítulos notáveis, que compõem este segundo volume da Cartilha. Esses queridos colaboradores sacrificaram suas horas de lazer para pesquisar e produzir excelentes traba-lhos, que, estou certo, vão ajudar muito o setor de Petróleo e Gás Natural, ao lançar um facho de luz em assuntos que estão na ordem do dia e vão ser muito discutidos nos próximos anos.”

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Nota do Coordenador

O Vieira Rezende tem um compromisso com a integração entre seus sócios e associados de todas as áreas de seu portfólio de serviços oferecidos aos seus clientes, de modo a que se mantenha dentro do escritório um constante clima de harmonia, respeito mútuo, estudo e eficiência.

A publicação do 1º volume da Cartilha do Direito do Petróleo no Brasil em outubro de 2016 deixou um saldo muito positivo nesse particular aspecto, porque, durante sua elaboração, sócios e associados de diversas áreas se irma-naram para escrever os capítulos, tendo havido uma incessante troca de ideias e de conhecimento.

Também não menos importante foi a resposta da clientela nacional e estran-geira, que valorizou muito os assuntos selecionados e a maneira de abordá-los de forma simples e direta, possibilitando uma compreensão rápida, clara e segura para assuntos complexos do dia a dia dos negócios petroleiros.

Agora neste 2º volume não foi diferente, tendo sido alargado o escopo, que, de O&G e Offshore, transformou-se numa coletânea de capítulos distribuídos por sete partes, abrangendo também noções práticas e casos vividos nas áreas de direito marítimo e tributário, bem como assuntos relativos à produção de gás natural e de geração de energia elétrica e de resolução de conflitos, valendo-se da Mediação.

A escolha dos temas privilegiou matérias que estão na ordem do dia das pre-ocupações da nossa indústria e para as quais não se encontram com facilidade informações descomplicadas para ajudar na tomada de decisões operacionais.

As partes estão divididas em: Novas regras que impactam o Setor de O&G; Compra de Ativos de O&G; Temas de O&G, Offshore e Ambiental; Questões Fiscais; Questões envolvendo Unidades Marítimas; Resolução de Controvérsias na Indústria do Petróleo; e Temas de Gás Natural e GNL (ge-ração de energia elétrica).

As novas regras acima referidas (Parte I) têm informações sobre Lei das Estatais, Conteúdo Local, Repetro e sobre o fim do Operador Único. Essas matérias, ressalvada a primeira, ajudaram muito o nosso setor a se recuperar a partir do ano de 2017. Quanto à Lei das Estatais, esta vem com atraso de

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quase 30 anos e quando esse tipo de empresa tende ao desuso por diversas razões ali explicadas.

A Compra de Ativos de O&G (Parte II) está na ordem do dia com a exe-cução do programa de desinvestimentos da Petrobras. Há uma grande movi-mentação no setor com a retomada da atividade, chegada de novos players e novas formas de contratação. Nesse contexto, cresce a importância de uma boa auditoria, assim como a responsabilidade dos administradores, nesses tempos de Lava Jato, assume uma relevância extraordinária. Todos os olhares da fiscaliza-ção interna e externa das empresas estatais e privadas estão voltados para eles. Finalmente, sobre financiamento da exploração e da produção, cresce a utiliza-ção do reserve based lending como forma de ajudar na captação de empréstimos.

Quanto aos temas de O&G, Offshore e Ambiental (Parte III), foram esco-lhidos assuntos sensíveis neste momento, como é o caso do farm-in em campos maduros e os seus desafios. Outro tema relevantíssimo, que precisa ser bem compreendido por todos aqueles que militam na nossa indústria, é o papel do Tribunal de Contas da União, que, recentemente, anulou uma Rodada da ANP porque discordou do regime escolhido, com o qual já concordara o Ministro de Minas e Energia, o CNPE e, naturalmente, o Presidente da República. Na parte ambiental destacam-se três temas: Licenciamento, Água de Lastro e Avaliação Ambiental Estratégica no Processo de Oferta de Blocos de E&P – temas in-dispensáveis pela repercussão econômica que podem trazer aos projetos o não cumprimento das respectivas regulamentações. Sobre Offshore, julgamos per-tinente tratar das garantias para o financiamento de projetos offshore e trazer um capítulo versando sobre os desafios e as limitações à aplicação do artigo 93, inciso III, da Lei nº 8.213/1991 nas operações petrolíferas.

Quanto às questões fiscais (Parte IV), o leitor encontrará capítulos tratando do regime jurídico/fiscal estabelecido para as águas internacionais e nacionais e uma questão atualíssima, que é o conceito de insumo na indústria do petróleo e suas repercussões em IPI, ICMS, PIS e Cofins na indústria de nosso setor. Por fim, informações sobre as estruturas adotadas pela indústria em um contexto fiscal internacional.

A seguir, os capítulos envolvendo unidades marítimas (Parte V) trazem in-formações muito práticas e úteis sobre arrestos de embarcações e sobre como os Tribunais brasileiros trataram da questão do prazo prescricional em relação à avaria de carga no transporte marítimo. Outro assunto que sempre desperta muito interesse por sua relevância refere-se aos limites da jurisdição brasileira

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para processar e julgar conflitos oriundos da Indústria Marítima Internacional à luz do CPC. Encerra-se essa parte com notas sobre a responsabilidade do transportador marítimo de cargas em contêineres.

Na parte VI o leitor terá notícias de uma “nova fronteira” da Ciência do Direito que vem revolucionando a resolução de controvérsias e que cresce em importância sem parar, qual seja: a Mediação.

Finalmente, devido à relevância assumida pelo Gás Natural na matriz ener-gética do Brasil (Parte VII), devido, em grande parte, às resoluções resultantes da Conferência sobre clima em Paris, julgamos importante trazer um estudo so-bre a integração entre a produção de gás natural e a geração de energia elétrica, bem como um estudo sobre gás natural no Brasil.

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Prefácio

Quando José Carlos Ribeiro Filho, nosso sócio e consultor sênior da área de petróleo e gás, propôs lançar o volume II da Cartilha de Petróleo e Gás, imaginá-vamos que tivesse em mente preencher as lacunas do primeiro volume com os assuntos que também deveriam ser analisados sobre o tema.

Era mais que isso. Homem de pensamento prolífico e um dos maiores conhece-dores da área, na teoria e na prática, JC (como é mais conhecido) anteviu a neces-sidade não somente de ampliar a obra que coordenara, mas também de revisá-la.

Se o Brasil não é para principiantes, a área de Petróleo e Gás muito menos. Só quem é profundo conhecedor e tem uma visão holística do setor, pode se dar ao luxo de falar sobre ele.

O Vieira Rezende foi presenteado por JC com uma atuação integrada no setor de Petróleo e Gás, onde várias áreas como o regulatório, o societário, o tributário, o contencioso, o trabalhista, o aduaneiro, entre outros, passaram a entender e servir o setor. A Cartilha é um reflexo dessa atuação.

Dizem que os antigos sábios chineses consideravam a estabilidade dos tem-pos o melhor ambiente para a evolução do pensamento, além de ser ingrediente fundamental para uma vida equilibrada e feliz.

Assim, atribui-se a eles a forja da maldição: “que você viva em tempos interessantes”.

O Brasil foi atingido em cheio por essa “maldição”.Nosso maior desafio é transformar esses “tempos interessantes” em um solo

fértil para a construção de um novo e melhor país.Mas, enquanto o futuro não chega, os dias trepidantes e cheios de in-

certeza são um desafio enorme para aqueles que procuram dar segurança a contratos e investimentos.

Parte desse desafio é enfrentado nesta cartilha em inúmeros ensaios que abrangem temas complexos e atuais, buscando levar objetividade e clareza ao leitor, seja ele um expert ou um neófito.

Boa leitura!

Paulo Vieira

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Sumário

Prefácio ........................................................................................................XIII

PartE i NovaS rEgraS quE iMPactaM o SEtor o&g

1. Lei das estatais e seus reflexos na indústria de O&G .............................. 1José Carlos Ribeiro Filho Daniel Araújo

2. As novas regras sobre o conteúdo local ................................................. 15Tiago Vasconcelos Severini Daniel Araújo

3. O novo Repetro ....................................................................................... 25Tiago Vasconcelos SeveriniLuiz André Nunes de OliveiraPaloma Amorim

4. A Lei nº 13.365/2016 e o fim do regime de operador único nas áreas do pré-sal e áreas estratégicas ............................................................ 35

Carlos Maurício Maia RibeiroBruno de Arruda Mantovaneli

PartE ii coMPra dE ativoS dE o&g

5. Compra de ativos de O&G e projeto de desinvestimento de campos maduros da Petrobras ..................................................................... 43

Daniela Ribeiro DavilaAlberto Weyland VieiraMaria Ramos Dias

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6. Responsabilização de administradores e aquisição de ativos em tempos de Lava Jato ...................................................................................... 51

Paulo VieiraCamila Borba LefèvreLucas Hermeto

7. Reserve Based Lending no Brasil ............................................................. 59Daniela Ribeiro Davila

PartE iii tEMaS dE o&g,

offShorE E aMbiENtal

8. Farm-in em campos maduros e seus desafios ......................................... 65Thiago Luiz Pereira da Silva

9. O papel do Tribunal de Contas da União na indústria do O&G ........ 73Cláudio R. Pieruccetti Marques

10. Garantias para o financiamento de projetos offshore........................... 85Marina Ferraz Aidar

11. Aplicação do artigo 93, inciso III, da Lei nº 8.213/1991 nas atividades offshore ......................................................................................... 93

Rodrigo Leite Moreira

12. O Licenciamento ambiental offshore ..................................................... 97Carlos Maurício Maia RibeiroPietro de Biase

13. Descarte de água de lastro: Disciplina por meio de normas estaduais ...107Carlos da Costa e Silva Filho

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14. Avaliação ambiental estratégica no processo de oferta de blocos para E&P de petróleo e gás natural no Brasil ...........................................119

Pietro De Biase (copyright 2018, Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis – IRB)

PartE iv quEStõES fiScaiS

15. Competência tributária e a regulamentação internacional de exploração de O&G em áreas além da jurisdição nacional ..................... 133

Luiz André Nunes de Oliveira

16. Competência para tributação de atividades desenvolvidas em águas marítimas: Controvérsias quanto à legitimidade dos tributos estaduais e municipais .................................................................................143

Michel Siqueira Pereira Batista

17. Conceito de insumo na indústria do petróleo e suas repercussões em IPI, ICMS, PIS e Cofins........................................................................151

Breno Ladeira Kingma Orlando

18. Estruturas adotadas pela indústria em um contexto fiscal internacional .. 161Rafael de Moraes Amorim

PartE v quEStõES ENvolvENdo uNidadES MarítiMaS

19. Arresto de embarcações – Evolução do sistema legal brasileiro – Visão e preocupações atuais .......................................................................169

Erika Feitosa Chaves

20. Avaria de carga no transporte marítimo – Considerações sobre o prazo prescricional à luz do Direito brasileiro ........................................181

Bernardo Mendes ViannaMaria Carolina de FrançaDuane Sarlo de Brito Santos

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21. Os limites da jurisdição brasileira para processar e julgar conflitos oriundos da indústria marítima internacional à luz do Código de Processo Civil ...............................................................................................187

Flávia Melo

22. Breves notas sobre a responsabilidade do transportador marítimo de cargas em contêineres .....................................................................................199

Bernardo Mendes Vianna

PartE vi rESolução dE coNtrovérSiaS

Na iNdúStria do PEtrólEo

23. Mediação no setor do petróleo no Brasil ............................................ 209Pedro HermetoLuíza Latini Cunha

PartE vii tEMaS dE gáS Natural E gNl

24. A integração entre a produção de gás natural e a geração de energia elétrica .............................................................................................219

Ricardo Martinez de Almeida

25. O gás natural no Brasil ........................................................................ 229Ricardo Martinez de Almeida

PoSfácio

26. A recuperação do setor de óleo e gás após 2016 ............................... 235José Carlos Ribeiro FilhoCarlos Maurício Maia Ribeiro

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PartE i

NovaS rEgraS quE iMPactaM o SEtor o&g

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1. Lei das estatais e seus reflexos na indústria de O&G

José Carlos Ribeiro Filho Daniel Araújo

1.1 Breve escorço histórico das estatais

O Banco do Brasil (1808) e a Caixa Econômica Federal foram as primeiras empresas estatais criadas no Brasil.

Nos anos 1940, 1950 e 1960, foram criadas muitas estatais, como CSN (1941), CVRD (1942) Chesf (1945), BNDES e BNB (1952), Petrobras (1953), Furnas e RFFSA (1957), Cepal (1959), Embratel e Correios (1969) e Sepro (1970).

Todas essas empresas eram regidas pelas respectivas leis de sua criação e pelos seus estatutos sociais e, como se revestiam sob a forma de sociedades anô-nimas, pela Lei vigente à época, subsidiariamente.

Nos anos 1970, com o crescimento vertiginoso da economia brasileira, co-meçaram os estudos e as discussões para uma nova lei das sociedades anônimas, a fim de atender a um mercado de ações que já tomava corpo naquela época. Essa lei entrou em vigor em 1976 – Lei nº 6.404.

As estatais participaram ativamente do mencionado desenvolvimento eco-nômico, sendo utilizadas para impulsionar setores da economia que estavam carentes de investimentos privados.

Vivia-se o auge do capitalismo de estado – modelo econômico preferido do regime militar e que se ajustava à economia daquela época.

A Lei das Sociedades Anônimas de 1976 dedicou um capítulo para disciplinar as estatais (arts. 235 a 242), na parte concernente a sua face voltada para o setor privado.

Os autores do Anteprojeto, Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, em ofício com a exposição de motivos dirigido ao Ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, justificaram a inclusão dos dispositivos da seguinte forma:

“29 Sociedade de Economia Mista foi objeto de alguns preceitos visando, basicamente, proteger os minoritários sem sacrifício do seu funciona-

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mento. Trata-se de empresa de maior significação na vida econômica do País, e a conciliação do interesse público que ditou sua organização com o objetivo do lucro, que inspira o investidor particular, requer normas que o Anteprojeto – abstendo-se de muito inovar na matéria – limitou ao mínimo necessário.”1

Quanto à face das sociedades de economia mista voltada para a adminis-tração pública, foi criada, por meio do Decreto nº 84.128, de 29 de outubro de 1979, a Secretaria de Controle das Empresas Estatais (Sest), como órgão central do subsistema de controle de recursos e dispêndios de empresas estatais, no âm-bito do sistema de Planejamento Federal. A Sest integrava a Estrutura da Pre-sidência da República e era vinculada à Secretaria de Planejamento (Seplan), que tinha status de ministério.

Atualmente, criada pelo Decreto nº 8.818, de julho de 2016, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais atua sobre as empresas em que a União, direta ou indiretamente, detém a maioria do capital social com direito a voto, ou seja, as empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas chamadas estatais.

1.2 Considerações gerais

A Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, tem respaldo constitucional no Artigo 173, §1º, cuja verba reza:

“A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econô-mica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de servi-ços, dispondo sobre: I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclu-sive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;

1 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Reforma da S.A. e criação de valores mobiliários (anteprojeto). Rio de Janeiro: Sindicato dos Bancos da Guanabara, 1945, p. 27.

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IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.”

Essa lei veio à lume 28 anos depois da promulgação da Constituição Federal (CF) e muito por consequência dos escândalos de corrupção evidenciados pela conhecida Operação Lava Jato, que descobriu nas estatais verdadeiras organiza-ções criminosas compostas por políticos, empresários e diretores/funcionários, formadas com o fim de tomar vantagens ilícitas e criminosas.

Em razão disso, a Lei tem uma preocupação excessiva com matérias atinen-tes a compliance, detalhando procedimentos e burocratizando a administração, matérias que estariam melhor disciplinadas em normas regulamentares e nos estatutos das estatais. De qualquer sorte, servem de guia para os administrado-res e para os seus fiscais internos e externos, como se verá adiante.

Dessa forma, as sociedades de economia mista, embora continuem ope-rando no meio civil, observando normas do Direito privado nas suas relações com terceiros e enfrentando uma forte concorrência, estão cada vez mais ma-nietadas, sendo tarefa difícil administrá-las com a velocidade de decisões que os negócios requerem.

A referida lei é resultante de um somatório de normas legais e regulamenta-res pré-existentes e incide sobre os balizamentos legais dirigidos para a face das sociedades de economia mista voltada para a administração federal.

A sociedade de economia mista, embora seja dotada de personalidade de direito privado, é uma entidade integrante da administração pública indireta, estando sujeita, portanto, a todos os rigores daqueles que lidam com dinheiro público. E num cotejo entre o interesse público do acionista controlador e o do acionista investidor privado, prevalece o interesse público, mesmo que em detrimento do lucro da empresa.

Confirmando essa assertiva, há um capítulo na aludida lei que trata da fun-ção social da empresa pública e da sociedade de economia mista. Aqui, uma reflexão, um parêntesis, para dizer que os dois tipos de estatais não deveriam ter sido tratados de forma simétrica, porque a primeira não tem acionista privado, e a segunda tem. As sociedades de economia mista, antes de perseguir o lucro, têm de atender ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para sua criação, o que torna a

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tarefa de administrá-las, sob a ótica da eficiência do meio privado, uma missão quase impossível.

A Petrobras, quando foi criada nos idos dos anos 50 do século passado, pas-sou a exercer o monopólio da atividade para desenvolver o setor de petróleo no País, até então inexistente. Naquela época, não havia capitais disponíveis para tanto, e a empresa estatal cumpriu sua missão de forma admirável. Hoje, o referido setor está plenamente desenvolvido, com diversas petroleiras de grande porte disputando o mercado de igual para igual com a Petrobras.

De lá para cá a economia brasileira cresceu muito, e acredita-se que, numa perspectiva de futuro, esse tipo de sociedade estatal será cada vez menos utili-zado entre nós para explorar negócios no meio civil, porque o cumprimento de todas as obrigações legais torna a sua administração muito cara e não atende à agilidade e flexibilidade necessárias às transações comerciais. Encontrar bons gestores que queiram administrá-las, com todos os riscos daí decorrentes, tam-bém será cada vez mais difícil.

Como vimos acima, no Brasil dos anos 1940, 1950, 1960 e 1970 esse insti-tuto jurídico foi de enorme valia para desenvolver setores da economia para os quais não havia investidores privados interessados. Hoje, com a nossa economia plenamente desenvolvida e com o descalabro das administrações nos últimos 13 anos que estiveram à frente dessas empresas, cogita-se que elas tendem a ser privatizadas num futuro próximo. Recente estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) avalia que metade das 151 estatais controladas pela União poderia ser repassada ao setor privado. A exemplo dessa situação, pode-se citar o caso da Eletrobras, para a qual está sendo elaborado o Projeto de Privatização.

1.3 Destaques na Lei de disposições aplicáveis às sociedades de economia mista, como a Petrobras

A sociedade de economia mista está enquadrada na Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ainda que esteja participando de consórcio com outras empresas privadas, desde que seja a operadora do consórcio (§ 5º do art. 1º). Daí se depre-ende que, quando não operadora, a presença dela não contamina o consórcio, que ficará livre da sistemática dessa lei. Por óbvio, nessa hipótese a sociedade de economia mista terá que, internamente, prestar suas contas à administração pública, na forma da Lei.

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Contudo, no caso da Petrobras, a aplicação da Lei nº 13.303/2016 não se dá de forma irrestrita a todas as suas contratações. Isso porque o Decreto nº 9.355/2018, art. 1º, § 7º, determinou que:

“As contratações de bens e serviços efetuadas pelos consórcios ope-rados pela Petrobras ficarão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, hipótese em que não se aplicam o regime licitatório [e a Lei 13.303/2016], observados os princípios da Administração Pública pre-vistos na Constituição.”

A Lei da referência no § 3º do Artigo 1º garantiu aos Poderes Executivos federal, estadual ou municipal poderes para baixar normas de governança para suas empresas estatais. Esse dispositivo, uma delegação de competência do Po-der Legislativo ao Poder Executivo nos três níveis de governo, denota a preocu-pação do legislador em evitar a todo custo a repetição dos fatos apurados pela Operação Lava Jato.

A Lei também alcança as sociedades de propósito específico que venham a ser criadas pelas sociedades de economia mista. Antes, era entendimento cor-rente que essas empresas escapavam dos rigores da fiscalização das estatais, por não preencherem os requisitos para serem consideradas como estatais. Agora não há mais discussão.

A dita lei detalha, no § 7º do Artigo 1º, um elenco de cuidados que a socie-dade de economia mista terá de tomar quando participar de alguma empresa de forma minoritária. Trata-se de um guia para os seus administradores que façam a interface com a empresa privada.

O § 3º do Artigo 2º libera a sociedade de economia mista da autorização legislativa para participação no capital de outra empresa, quando esta for de-corrente de operações de tesouraria, adjudicação de ações em garantia e parti-cipações autorizadas pelo Conselho de Administração em linha com o plano de negócios da empresa.

Por ser a sociedade de economia mista federal controlada pela União, se-gundo o § 1º do Artigo 4º, tem esta última os deveres e as responsabilidades do acionista controlador estabelecidos na Lei das S/A e deverá exercer o poder de controle no interesse da companhia, respeitado o interesse público que justificou sua criação.

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Esse dispositivo é muito atual em tempos de Lava Jato, porque a Petrobras, por exemplo, vem se defendendo nas ações no exterior dizendo-se vítima dos seus administradores, que usaram de seus cargos para se locupletarem devido aos maus negócios para a empresa em troca de propinas.

Todavia, até agora a Petrobras não acionou os ex-administradores inculpa-dos na Lava Jato, o que poderia ter feito, por força do Artigo 159 da Lei das S/A, o qual diz que: “Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia geral, ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio”.

Esse tipo de sociedade, em atendimento ao inciso I do Artigo 8º, deverá ela-borar uma carta anual subscrita pelos membros do Conselho de Administração, com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas em atendimento ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a sua criação, com a definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim, bem como dos impactos econômico-financeiros da consecução desses objetivos, mensuráveis por meio de indicadores objetivos.

Além disso, deverá divulgar, de forma tempestiva e atualizada, as informa-ções relevantes, em especial as relativas a atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, dados econômicos e financeiros, comentários dos administradores sobre o desempenho, políticas e práticas de governança corpo-rativa e discrição da composição e da remuneração da administração.

Esses são novos documentos que terão de passar por ampla divulgação e que, certamente, aumentaram muito o trabalho burocrático na empresa, documen-tos esses visivelmente destinados aos órgãos de controle interno e externo que terão em muito diminuídos o seu trabalho ordinário de auditoria, uma vez que este foi transferido para a administração das estatais.

A sociedade de economia mista terá que adotar regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno descritos no Artigo 9º, que alcança administradores e empregados

Certo é que, a cada passo em que se vai tomando conhecimento das obrigações, mais aumenta a certeza de que empresas de economia mista não se prestam a concorrer com empresas do setor privado que exploram as mesmas atividades, haja vista a quantidade de informações duplicadas que terão que produzir para o seu acionista controlador, com perda de tempo e aumento de custos.

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A criação do comitê estatutário, no Artigo 10, visa verificar a conformi-dade do processo de indicação e de avaliação de membros para o Conselho de Administração e para o Conselho Fiscal, com competência para auxiliar o acionista controlador na indicação desses membros. Certamente, visa o dispositivo evitar a nomeação de políticos para ocupar tais cargos, mas, na prática, não vemos como possa ser implementado, a não ser que sejam pessoas estranhas aos quadros da empresa e tenham mandato fixo, para assegurar a independência na atuação.

A natureza dos contratos celebrados com as empresas – estatais enquanto exploradoras de atividade econômica – sempre foi ponto de discussão. Grande parte da doutrina atribuía a esses contratos uma natureza híbrida, aplicando--se as regras atinentes à administração pública, bem como todo o regramento do Direito privado, o que acabava por gerar certa confusão no momento da aplicação do direito.

A Lei nº 13.303/2016 resolveu a incerteza que havia sobre a questão, esta-belecendo2 que aos contratos celebrados pelas estatais se aplicam as normas de direito privado, bem como as disposições da Lei. Apesar de serem contratos celebrados com a administração pública, esses contratos são essencialmente pri-vados, visto que decorrem da exploração de atividade econômica pela estatal.

Como consequência prática, temos a aplicação do Código Civil (Lei nº 10.406/2010), acarretando, por exemplo, o fim das alterações unilaterais dos contratos, definindo que as alterações devem ser consensuais (art. 81 da Lei nº 13.303/2016). Dessa forma, à medida que a supremacia do interesse pú-blico parece perder força, reduz-se a hipossuficiência do particular em face da entidade estatal, aproximando-se do equilíbrio contratual característico das relações privadas.

Nesse ínterim, percebe-se que a Lei nº 13.303/2016 não prevê, por exemplo, hipótese de rescisão unilateral de contrato pela entidade estatal. Como resultado da lacuna da Lei, pode-se afirmar que caberá ao julgador apreciar caso a caso o direito das partes. Assim, entende-se que as estatais precisarão seguir o contrato com maior rigor e razoabilidade, visto que estarão sujeitas ao arbítrio da justiça.

Para o caso específico da Petrobras, vale notar que, diante da revogação expressa dos Artigos 67 e 68 da Lei nº 9.478/1997, que serviam de fundamento

2 “Art. 68. Os contratos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas, pelo disposto nesta Lei e pelos preceitos de direito privado.”

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para o regime simplificado de contratação da Petrobras e para o Manual da Pe-trobras para Contratação (MPC), bem como do próprio Decreto nº 2.745/1998, de modo a caracterizar a revogação tácita do Decreto em referência e do MPC, a Petrobras editou o Regulamento de Licitações e Contratos da Petrobras (RLCP), em obediência à nova lei3.

O Conselho de Administração da empresa, tendo em vista o disposto na Lei em comento e no uso da atribuição que lhe confere o Artigo 71, § 1º, do Decreto nº 8.945, de 27 de dezembro de 2016, aprovou o referido regu-lamento, com vigência na data de sua publicação – 15 de janeiro de 2018 –, produzindo efeitos de modo progressivo, de modo que restou vigente em todo o território nacional a partir de 30/06/2018, Artigo 64 do Decreto.

O § 2º do Artigo 226 do Regulamento esclarece que permanecem regidos pela legislação anterior os procedimentos licitatórios e contratações iniciados ou celebrados antes da vigência dele, inclusive eventuais aditivos.

Esclareça-se, ainda por oportuno, que havia ficado ressalvada a utilização da legislação anterior para os procedimentos licitatórios e contratuais até a vigên-cia do regulamento interno acima referido (art. 91 da Lei nº 13.303, de 20 de ju-nho de 2016, e § 1º do art. 71 do Decreto nº 8.945, de 27 de dezembro de 2016).

A comparação entre as normas do Decreto nº 2.745 e do MPC em face da nova lei, no concernente às etapas para licitação e contratação – que será estu-dada no próximo item –, revela que foi eliminada a possibilidade de a empresa fazer convites. Na nova lei, haverá a divulgação do certame por meio do Diário Oficial da União (DOU) ou em jornal de grande circulação.

3 Lei nº 13.303/2016: “Art. 40. As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos, compatível com o disposto nesta Lei, especialmente quanto a: I - glossário de expressões técnicas; II - cadastro de fornecedores; III - minutas-padrão de editais e contratos; IV - procedimentos de licitação e contratação direta; V - tramitação de recursos; VI - formalização de contratos; VII - gestão e fiscalização de contratos; VIII - aplicação de penalidades; IX - recebimento do objeto do contrato.”

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1.4 comparação entre as normas de licitação e contratação do regulamento de licitações e contratos da Petrobras e as do regime anterior (Decreto nº 2.745 e MPC)

1.4.1 Pré-qualificação e registro cadastral

A bem da verdade, desde sua publicação, a Lei nº 13.303/2016 ainda não pro-duziu uma interpretação totalmente consolidada, o que dificulta a formulação de avaliações precisas e seguras. Em análise da Lei em referência, verifica-se que muitas de suas previsões estabelecem conceitos em aberto, deixando a regulação para as próprias empresas, por meio de seus regulamentos internos. Entretanto, outras disposições da Lei constituem atos vinculados da administração pública, sem margem para liberalidade e discricionariedade das estatais, a exemplo da pré--qualificação e do cadastro de fornecedores para contratação de bens e serviços, que tratam de critérios objetivos para participação de licitação pública.

No regime simplificado de contratação introduzido pelo Decreto nº 2.745 já havia o Certificado de Registro e Classificação, o CRCC, e a Declaração de Registro Simplificado (DRS), emitidos pela Petrobras para as empresas for-necedoras de bens e serviços que atendessem aos critérios estabelecidos pela estatal. Entretanto, na prática, as unidades da Petrobras faziam manutenção das chamadas vendor lists, que consistiam em uma relação de fornecedores conten-do o cadastro dos respectivos materiais e/ou serviços ofertados que fossem de interesse dessas unidades de operação, as quais enviavam convites apenas para fornecedores selecionados participarem de concorrência conforme demanda.

Esse mecanismo foi encerrado com o advento da Lei nº 13.303/2016, que consagrou os princípios da isonomia e da publicidade ao determinar a livre par-ticipação nos procedimentos licitatórios das estatais. O CRCC e a DRS deram lugar ao Certificado de Registro Cadastral (CRC). De todo modo, a pré-qualifi-cação e o registro cadastral previstos nos Artigos 64 e 65 da Lei nº 13.303/2016 não constituem, a princípio, entraves ou limitações aos princípios informados, uma vez que a garantia de participação nas licitações independe de inscrição em tais listas de fornecedores.

O RLCP estabelece, em seu Artigo 9º, que a Petrobras poderá promover a pré-qualificação subjetiva para identificar fornecedores em condições atender quesitos para determinada demanda; bem como a pré-qualificação objetiva, para

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identificar bens que atendam a critérios técnicos e de qualidade da Petrobras. Trata-se de procedimento auxiliar prévio à licitação, podendo ser utilizado quan-do a licitação possuir requisitos de habilitação que demandem uma análise técni-ca mais detalhada. Assim, objetiva-se com a pré-qualificação buscar o princípio administrativo da eficiência, uma vez que a análise prévia dos requisitos técnicos será capaz de imprimir um caráter mais célere ao procedimento licitatório.

Já o registro cadastral, previsto no Artigo 22 e seguintes do RLCP, tem por objetivo a avaliação prévia das empresas, podendo ser utilizado para efeitos de habilitação prévia de inscritos em futuros certames. Para os inscritos a Petro-bras emitirá o CRC, que poderá substituir, total ou parcialmente, a documen-tação necessária para habilitação em determinada licitação, a depender das exigências de cada edital.

Vale ressaltar que a ausência de CRC não impede a participação nas li-citações da Petrobras, desde que o licitante atenda aos requisitos do edital. Inclusive, o Artigo 22, § 3º, do RLCP prevê que a Petrobras poderá, de ofício, inscrever determinado licitante no registro cadastral utilizando a documenta-ção apresentada para habilitação no certame em questão. Apesar disso, as li-citações poderão ser restritas às empresas pré-qualificadas, sendo, para tanto, necessária a publicação de Aviso de Licitação no DOU e no portal Petronect.

Ademais, um dos ganhos que se espera ter com o registro cadastral é a cen-tralização e uma maior publicidade da avaliação de desempenho das empresas que se relacionam com a Petrobras, sendo tal desempenho medido por critérios objetivos a serem definidos e podendo levar a alteração, suspensão ou cancela-mento do registro cadastral do fornecedor na Petrobras. Antes, a avaliação dos fornecedores ficava restrita ao Boletim de Avaliação de Desempenho (BAD) e, posteriormente, ao Índice de Desempenho do Fornecedor (IDF), sem que houvesse maior visibilidade dos dados.

1.4.2 Programa de Prevenção à Corrupção (PPPC) e Grau de Risco de Integridade (GRI)

O PPPC já existia desde 2014, de modo que não parece haver grandes ino-vações nesse tema. Entretanto, no RLCP, o PPPC parece estar sendo utilizado como diretriz para condução dos negócios da estatal.

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As regras para definição do GRI estão disponibilizadas no website da Petro-bras, mas os critérios são subjetivos. Contudo, o ponto controverso continua sendo a polêmica acerca da impossibilidade de participação em licitação, em ra-zão de atribuição de grau alto de risco de integridade. Primeiramente, é preciso destacar que, a rigor, a suspensão de participação em licitações é a penalidade mais severa do Direito Administrativo acerca da matéria. Analogicamente, a suspensão ligada à classificação negativa quanto ao GRI tem o mesmo efeito da penalidade em comento.

Nesse sentido, considerando-se que a Petrobras não disponibiliza fundamen-tação individualizada para a classificação atribuída às empresas fornecedoras de bens e serviços, conclui-se que tal impedimento é abusivo. Isso porque, além de não ser competência da estatal o julgamento sobre a integridade de seus forne-cedores, não há contraditório para essas empresas apresentarem defesa, poden-do apenas retificar as informações para análise da Petrobras após seis meses.

Sobre o assunto, vale destacar a diferença entre bloqueio cautelar e suspen-são provisória. Nos últimos anos, após as descobertas da Operação Lava Jato, diversas empresas foram impedidas de participar de licitações em caráter inde-terminado. Nesse caso, trata-se de bloqueio cautelar, que tem seu fundamento na Lei de processos administrativos (Lei nº 9.784/99, art. 454), para a qual não há limitação de tempo definido, aplicada em situação de alegado risco iminen-te. Já a suspensão temporária, prevista originalmente na Lei nº 8.666/1993 e replicada no Artigo 206, III, do RLCP, é aplicada como sanção a um descum-primento da empresa fornecedora, tendo limite de dois anos.

1.4.3 Licitações

De forma geral, a Lei nº 13.303/2016 buscou, em certa medida, modernizar as disposições sobre a matéria de licitações tratada na Lei nº 8.666, aproximan-do-se das regras previstas no Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) – instituído pela Lei nº 12.462/2011 –, de modo que ambos os regimes assentam a inversão de fases (habilitação do licitante ao final do certame, após julgamento da melhor proposta), modos de disputa aberto e fechado, bem como possibilidade de recurso apenas ao final da licitação.

4 “Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.”

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Apesar do avanço que a Lei nº 13.303/2016 aparenta representar em matéria de licitação para as estatais, para a Petrobras o efeito preliminar foi negativo, uma vez que o Regime Simplificado anteriormente vigente dava maior liberdade ao ad-ministrador, além de imprimir um caráter mais célere e menos burocrático que o atual. Além disso, do ponto de vista do formalismo, verifica-se que o novo regime de contratação da Petrobras apresenta um número maior de procedimentos a se-rem seguidos pela estatal, engessando, em certa medida, seu aparato burocrático.

A novo diploma legal determina, em seu Artigo 42, § 4º, que, no caso de licitação de obras e serviços de engenharia, as empresas deverão utilizar a con-tratação semi-integrada, que consiste em elaboração e desenvolvimento do pro-jeto executivo, execução das obras e serviços, pré-operação, bem como demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto do contrato. Nesse sentido, a contratação Turn-Key (EPCI), tida como padrão no regime do Decreto nº 2.745, transforma-se em exceção, devendo ser apresentada justifica-tiva técnica para a utilização desse modelo de contratação.

A Lei nº 13.303/2016 determina que o pregão deve, preferencialmente, ser a modalidade de licitação a ser escolhida, conforme rito previsto na Lei nº 10.520/2002. Ao tratar a definição da modalidade de licitação a ser adotada dessa forma, o legislador deixou espaço para regulamentação das próprias estatais, uma vez que o caráter preferencial não pode ser entendido como uma obrigatoriedade.

Dessa forma, o RLCP definiu, em seu artigo 46, as seguintes modalidades de licitação: I – rito do pregão; II – modo de disputa aberto; III – modo de disputa fechado; IV – modo de disputa combinado. Já os critérios de seleção da melhor proposta poderão ser escolhidos entre: I) menor preço; II) maior desconto; III) melhor combinação de técnica e preço; IV) melhor técnica; V) melhor conteú-do artístico; VI) maior oferta de preço; VII) maior retorno econômico; e VIII) melhor destinação de bens alienados.

Outro destaque que chama a atenção no regime introduzido pelo RLCP e pela nova lei é que os contratos não podem ter prazo de vigência superior a cin-co anos, incluídos nesse limite possíveis aditivos5. São exceções a essa regra os projetos contemplados no plano de negócios e investimentos da Petrobras, bem como quando a contratação por prazo superior a cinco anos seja prática de mer-

5 “Art. 137. O prazo total dos contratos não poderá exceder a 5 (cinco) anos, contados a partir de sua celebração, incluindo eventuais Aditivos de prorrogação, ressalvadas as exceções do Art. 71, da Lei nº 13.303.”

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cado. Em se tratando das exceções citadas, será necessário apresentar justifica-tiva, que deverá ser anexada ao procedimento de instauração da contratação.

Há, ainda, a criação de uma nova figura de contratação direta, em que se verifica a inaplicabilidade de licitação (art. 28, § 3º, da Lei nº 13.303/2016). A comercialização e a prestação de serviços, quando realizadas pelo próprio ente estatal, relacionadas com a execução do objeto social não precisam ser licitadas. A Lei também faz menção à escolha de parceiros em hipóteses de oportunidade de negócio.

Destaca-se também a alteração nos limites para contratações de pequeno valor (art. 29, I e II, da Lei nº 13.303/2016). De acordo com a nova lei, os limites passam a ser de 100 mil reais para obras e serviços de engenharia e de 50 mil reais para outros serviços e compras.

Além disso, é importante salientar a alteração das Condições de Forneci-mento da Petrobras (CFM), documento alterado em 2018 que consiste em um guia de condições gerais para fornecimento de bens e serviços. Como principal alteração destaca-se a responsabilização do fornecedor por danos causados à Pe-trobras e a terceiros, independentemente de dolo ou culpa, atendendo ao Artigo 76 da Lei nº 13.303/20166.

Apesar de as condições estabelecidas nesse documento poderem ser altera-das conforme disposições do edital e do contrato, a CFM cresce de importância nas situações de contratação em que o edital e o contrato não estabelecem condições jurídicas e comerciais específicas, remetendo-se à CFM.

Por fim, temos a replicação da figura da Manifestação do Interesse Privado (art. 31, § 4º, da Lei nº 13.303/2016), que, em sua essência, já era praticada no rela-cionamento de particulares com a administração pública. A empresa estatal pode convocar os particulares a elaborar propostas e projetos de empreendimentos.

Vale ressaltar que, na prática, as empresas já costumavam apresentar pro-jetos (design, pesquisa, etc.) para a Petrobras por livre iniciativa, porém sem receber nada em troca. Com esse novo instrumento, surge a oportunidade de as empresas serem remuneradas pelo que sempre fizeram, sem poder repassar custos para a Petrobras.

6 “Art. 76. O contratado é obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados, e responderá por danos causados diretamente a terceiros ou à empresa pública ou sociedade de economia mista, independentemente da comprovação de sua culpa ou dolo na execução do contrato.”

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2. As novas regras sobre o conteúdo local

Tiago Vasconcelos Severini Daniel Araújo

2.1 Introdução

Com o advento da Lei do Petróleo de 1997, que flexibilizou o monopólio das atividades de exploração e produção de petróleo e gás para implantar o regime dos contratos de concessão no País, novos agentes ingressaram no setor, e a Pe-trobras perdeu suas prerrogativas de monopolista, equiparando-se, em direitos e obrigações, às novas concessionárias.

Essa movimentação no setor demonstrou o despreparo da indústria brasileira para atender à nova demanda por fornecimento de bens e serviços, que precisavam ser importados de países com maior experiência de atuação em tais segmentos.

Diante desse cenário, e tendo em vista a intenção de aproveitar a demanda crescente oriunda das atividades de exploração e produção de petróleo e gás para carrear o desenvolvimento da indústria brasileira de bens e serviços – com destaque para a tentativa de recuperação do setor naval –, entendeu-se por bem adotar, nos primeiros contratos de concessão celebrados na chamada Rodada Zero, cláusulas para garantir a aquisição local de bens e serviços fornecidos pela indústria brasileira (“cláusulas de conteúdo local”).

2.2 Evolução histórica

A partir da 1ª Rodada Licitatória, ocorrida em junho de 1999, visando estimular a contratação da indústria brasileira, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) passou a estipular a indicação de um percentual de conteú-do local, pelas empresas participantes do processo licitatório, como um dos critérios de julgamento das propostas.

Em 2003, com o segmento do petróleo cada vez mais forte na economia brasileira e sob o argumento de representar um fator de criação de emprego

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e geração de divisas, o Governo resolveu, por meio do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), editar a Resolução nº 8, publicada em 21 de julho daquele ano, determinando que a ANP passasse a fixar percentual mínimo de conteúdo local para fornecimento de bens e serviços nas atividades de explora-ção e produção de petróleo e gás natural.

Em razão da referida Resolução, os editais das licitações, a partir da 5ª Rodada, passaram a prever um percentual mínimo de conteúdo local que deveria ser utilizado pelos concessionários.

Dessa forma, os percentuais a serem indicados para fins de proposta nos pro-cessos licitatórios deveriam necessariamente superar o valor mínimo, além de, conforme o patamar fixado pelos licitantes, continuarem a consistir em critério de avaliação das propostas.

Destaque-se que esse movimento protecionista introduzido pela política do conteúdo local tem como fundamento o Artigo 219 da Constituição Federal (CF), que declara ser o mercado interno integrante do patrimônio nacional e, como norma programática, determina que este seja incentivado para viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País.

Cabe ressaltar, aqui, que, desde o início, a política de conteúdo local foi analisada como potencialmente violadora de acordos internacionais no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), na medida em que privilegia o produto nacional em detrimento dos importados.

É de se destacar, nesse contexto, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de que o Brasil é signatário, e cujo principal pilar é o princípio da não discriminação entre produtos nacionais e importados de outro Estado signatário.

No entanto, a implementação de uma política de conteúdo local, particu-larmente para o setor de petróleo e gás, não é uma inovação brasileira, já tendo sido adotada por outros países, inclusive também signatários do Acordo GATT, como é o caso da Noruega.

Em face de tais circunstâncias, e a despeito da aparente violação ao Acordo GATT, a política brasileira de conteúdo local – talvez em razão da sua utilização também por outros países, talvez pela dificuldade de mensuração dos seus efetivos impactos sobre os produtos importados – não chegou a ser frontalmente atacada por meio de questionamentos de outros Estados signatários no âmbito da OMC.

Ao mesmo tempo, contudo, não passou despercebida, tendo sido mencio-nada de forma colateral, em diferentes questionamentos, como medida que,

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conjugada a outros subsídios e incentivos à produção local, acaba por causar danos a produtos importados.

Paralelamente à implantação dessa política, ainda em 2003 foi criado, no âm-bito do Ministério de Minas e Energia (MME), o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), com o intuito de viabi-lizar o aumento da participação da indústria brasileira de bens e serviços no setor.

Dada a exigência, nos contratos de concessão, de percentual mínimo para aquisição local de bens e serviços, o Prominp elaborou, em julho de 2004, com base na metodologia de financiamento de bens do Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma metodologia para cálculo do índice de conteúdo local de bens, sistemas e serviços rela-cionados à indústria do petróleo e gás natural, que foi denominada Cartilha de Conteúdo Local (Cartilha).

A Cartilha passou a ser aplicada a partir da 7ª Rodada, em cujos contra-tos de concessão foi inserida, ainda, outra inovação: a de estabelecer que os compromissos dos concessionários quanto à aquisição local de bens e serviços deveriam ser comprovados perante a ANP, que ficaria responsável por regular a forma de certificação desse conteúdo local.

Perceba-se, nesse contexto, que até a 6ª Rodada os compromissos de conteúdo local – inicialmente informados livremente pelos licitantes, e em seguida fixados necessariamente em patamares equivalentes ou superiores ao percentual mínimo – não estavam submetidos a critérios claros e regu-lados de medição, o que só passou a existir a partir da 7ª Rodada, com a instituição de todas as regras relacionadas à certificação de conteúdo local.

É, portanto, a partir da 7ª Rodada que a política de conteúdo local ad-quire disciplina jurídica autônoma, passando a enfrentar diversos conflitos interpretativos e a suscitar significativo impacto sobre as relações contratuais estabelecidas entre as concessionárias – comprometidas com os percentuais informados por ocasião do processo licitatório vencido – e a sua cadeia de fornecimento de bens e serviços.

Isso porque tornou-se regra no setor de petróleo e gás o repasse contratual, pelas concessionárias às suas contratadas, dos compromissos de conteúdo local assumidos pelas primeiras perante a ANP, de modo que, embora a certificação de conteúdo local só seja oponível à concessionária, sob a ótica regulatória, ela tam-bém tem a condição de obrigação contratual para as contratadas para a prestação de serviços e/ou o fornecimento de bens ao longo da cadeia de fornecimento.

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A fim de atender à missão de regular a certificação de conteúdo local, a ANP publicou, em 2007, a Resolução no 36, que foi a responsável pelo estabelecimento dos critérios e procedimentos para certificação de conteúdo local em relação a bens, bens de uso temporal, serviços, subsistemas, sistemas e conjuntos.

Tal resolução foi posteriormente revogada, para dar lugar à Resolução ANP nº 19/2013, que está atualmente em vigor, regulamentando a cláusula de conteúdo local constante dos Contratos de Concessão estabelecidos en-tre a ANP e os concessionários a partir de 2005, dos Contratos de Cessão Onerosa e dos Contratos de Partilha, disciplinando a forma de medição e certificação de conteúdo local dos contratos e trazendo, como Anexo I, o Modelo de Certificado de Conteúdo Local, e como Anexo II, a Cartilha do Conteúdo Local.

2.3 Sistemática vigente de aferição de conteúdo local

A medição e a certificação do conteúdo local precisam ser aferidas, em con-formidade com a Resolução nº 19/2013, em relação a cada produto ou serviço adquirido pela signatária do Contrato de Concessão, Cessão Onerosa ou Par-tilha, a fim de demonstrar o devido cumprimento ao compromisso assumido quanto ao percentual de conteúdo local relativo àquele contrato.

Caso descumpra o referido compromisso, há sujeição da empresa à aplicação de multa, por parte da ANP, em montante correspondente ao percentual de conteúdo local constante do compromisso e não alcançado.

É em razão desse risco de multa que as concessionárias, cessionárias ou con-tratadas em regime de partilha repassam os compromissos de conteúdo local assumidos para as suas contratadas, sejam prestadoras de serviços ou fornece-doras de bens, além de preverem, nos respectivos instrumentos contratuais com suas contratadas, a aplicação de multas para o não cumprimento do percentual exigido de conteúdo local.

Diante desse cenário, embora o compromisso de conteúdo local seja assumido apenas pela concessionária, cessionária ou signatária de contrato de partilha peran-te a ANP, ele acaba sendo repassado contratualmente a toda a cadeia de forneci-mento. Daí a significativa relevância do tema para todo o setor de Petróleo e Gás.

De forma resumida, portanto, pode-se sintetizar a sistemática de imple-mentação da política de conteúdo local da seguinte forma: (i) a concessio-

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nária, cessionária ou signatária de contrato de partilha assume compromis-so de conteúdo local por ocasião do processo licitatório ou da assinatura do contrato com a ANP; (ii) em seguida, repassa proporcionalmente o referido compromisso a cada um de seus contratados para o fornecimento de bens ou prestação de serviços; (iii) cada um desses contratados (direta ou indi-retamente) contrata uma empresa certificadora, para que esta possa aferir o conteúdo local praticado no respectivo escopo contratual; (iv) cada um desses contratados entrega às contratantes, junto com o produto ou serviço contra-tado, um certificado de conteúdo local ou documentação comprobatória da origem, quando há dispensa de certificação; (v) a concessionária, cessionária ou signatária do contrato de partilha reúne todos os certificados e documen-tos recebidos dos diferentes contratados e os entrega, junto com os eventuais certificados que ela própria detenha em razão de produtos que tenha fabrica-do por conta própria, à certificadora por ela contratada, que, enfim, realiza a aferição do cumprimento do próprio compromisso de conteúdo local assumi-do perante a ANP; e (vi) por fim, todo o trabalho de certificação realizado pela certificadora da concessionária, cessionária ou signatária de contrato de partilha é auditado pela ANP, encerrando o ciclo.

2.4 Análise crítica

Ocorre que, na prática, a sistemática acima prevista está sujeita a uma série de variáveis, como o mecanismo de waiver – que consiste na dispensa, pela ANP, do cumprimento de certo compromisso de conteúdo local em relação a determinado produto ou serviço, mediante a devida comprovação da impossi-bilidade ou inviabilidade comercial, técnica ou operacional de se adquirir certo bem ou serviço no Brasil – ou as variações de preço de produtos e serviços entre a data em que assumidos os compromissos e o momento em que eles precisam ser cumpridos, durante o desenrolar da execução contratual, o que acaba dis-torcendo a comparação entre os percentuais de conteúdo local constantes do compromissos e aqueles efetivamente alcançados.

Além disso, são recorrentes os conflitos interpretativos que surgem da análise e da aplicação das Resoluções publicadas pela ANP, e, consequen-temente, são comuns as dúvidas das empresas, os conflitos contratuais de-correntes de interpretações diversas adotadas por cada parte contratual, as

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divergências de entendimentos entre as próprias certificadoras e até mesmo a ausência de posicionamento consolidado por parte da própria ANP.

Diante desse cenário, é importante estabelecer uma distinção entre as crí-ticas direcionadas à política de conteúdo local e os problemas relacionados às regras de conteúdo local.

No que tange à política, há discussão, por exemplo, sobre a pertinência das regras protetivas no contexto do setor no Brasil e sobre se a amplitude da políti-ca deveria ter caráter mais abrangente e detalhado, com abertura, inclusive, de cada natureza de bens e serviços, como vinha ocorrendo, ou mais concentrado em focos principais de estímulo ao desenvolvimento industrial brasileiro, como consubstanciado nas orientações mais recente do CNPE, por meio da fixação de percentuais mínimos globais por segmento.

Por outro lado, em relação às regras, discute-se a necessidade de segurança jurídica quanto ao regramento aplicável a cada contrato – de modo a restringir as eventuais alterações na legislação de conteúdo local à geração de efeitos sobre contratos futuros, e não como ocorre atualmente, com aplicação imediata in-clusive sobre contratos já celebrados e que se encontram em curso – mesmo nos casos em que as mudanças implementadas acarretam maior onerosidade –, bem como as possíveis formas de minimizar os conflitos contratuais que decorrem das dúvidas interpretativas sobre a aplicação das normas editadas pela ANP.

Nesse contexto, é emblemática a mudança de tratamento acarretada a diver-sos bens em razão da revogação da Resolução 36/2007 pela Resolução 19/2013.

Isso porque a primeira segregava o conceito de bens passíveis de certificação – que envolve o detalhamento de todo o seu processo produtivo, para análise, e correspondente medição dos valores correspondentes, da origem nacional ou não de cada um dos insumos e componentes do bem fabricado – do de materiais – que dependiam apenas da comprovação de origem para terem o seu valor in-tegralmente considerado como conteúdo local – com base na classificação fiscal (código na Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM) do item sob análise. Dessa forma, sob a vigência da Resolução 36/2007, bastava a verificação da classificação fiscal do item para se concluir sobre a forma como o seu conteúdo local seria aferido.

Diferentemente, a Resolução 19/2013 deixou de atrelar os referidos con-ceitos de bem e material à classificação fiscal dos respectivos itens, passando a diferenciá-los com base na previsão expressa ou não nas tabelas de compro-missos de conteúdo local, anexas aos Contratos de Concessão, Cessão Onero-

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sa e Partilha, ou nos itens e subitens referentes aos compromissos contratuais de conteúdo local.

Dessa forma, passaram a ser bens com base na nova Resolução – estando, portanto, sujeitos à certificação – todos os itens expressamente previstos nos compromissos contratuais dos Contratos de Concessão, Cessão Onerosa ou Partilha, enquanto os materiais – aferidos com base na comprovação de origem e dispensados de certificação – passaram a consistir em conceito residual.

Tal modificação ensejou a requalificação de diversos itens – que, com base na classificação fiscal, seriam classificados de uma forma, mas que, por conta dos novos conceitos, passaram a assumir outra natureza –, afetando o corres-pondente percentual de conteúdo local atrelado a cada um deles e gerando uma série de conflitos entre empresas, certificadoras e a ANP.

A ANP foi consultada sobre o tema e, depois de muitas discussões – que evi-denciaram opiniões divergentes dentro da própria Coordenadoria de Conteúdo Local –, acabou decidindo por uma nova modificação normativa que instituiu um tratamento misto para certas categorias de materiais, os quais passaram a estar sujeitos aos procedimentos de certificação, como se bens fossem.

A situação acima descrita evidenciou a necessidade de maior amadureci-mento jurídico da normatização e aplicação da política de conteúdo local, con-texto em que destacamos, a título exemplificativo: (a) a relevância de que seja criado e regulado pela ANP um mecanismo institucional de consultas, com a devida previsão dos efeitos destas sobre as empresas consulentes e cujas respos-tas sejam tornadas públicas para todos os interessados (nos moldes das consul-tas sobre interpretação da legislação tributária e das consultas sobre classifica-ção fiscal de mercadorias e serviços, existentes no âmbito da Receita Federal); e (b) a autorização, pela ANP, de que as certificadoras utilizem mecanismos e instrumentos já consolidados em outras áreas (como as informações de valor, natureza da operação, CFOP, CST, origem do produto, etc. constantes dos do-cumentos fiscais), de modo a evitar tratamentos divergentes ou a sobreposição de obrigações formais com objetivos equivalentes ao de obrigações já existentes e legalmente previstas.

Além do exposto, constatam-se, ainda, certas limitações de alcance das re-gras de conteúdo local – que acabam por não conseguir incluir na aferição a totalidade dos bens fabricados no Brasil e dos serviços aqui prestados –, o que evidencia incongruência com a própria política de conteúdo local, cujo caráter é de abrangência geral.

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Enquadram-se na limitação acima referida os bens fabricados no Brasil que sejam classificados como materiais e que, uma vez finalizados, sejam remetidos ao exterior para integração a certo bem ou sistema que posteriormente retorne ao Brasil para ser utilizado nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás. Exceto pelos itens com essas características que foram tratados pela Re-solução 12/2016, que alterou a Resolução 19/2013, todos os demais continuam não sendo computados para fins de conteúdo local.

Como se percebe, o tratamento dos itens para fins de conteúdo local acaba sendo impactado em tal situação, a depender do formato contratual estabelecido para o fornecimento, de modo que um mesmo item pode ou não ter o seu conte-údo local computado conforme seja fornecido diretamente em território brasileiro para a concessionária, ou seja exportado para etapa intermediária, antes de retor-nar ao Brasil e ser entregue ao cliente final.

Ainda nesse contexto, é de se destacar que a estruturação das contratações no setor de petróleo e gás no Brasil é eminentemente influenciada pelos regimes adu-aneiros especiais aplicáveis, com destaque para o Repetro, de modo que, muitas vezes, a exportação física ou ficta de bem fabricado no Brasil decorre de estrutura contratual que visa beneficiar-se de tratamento tributário mais favorável.

Não se revela coerente, nesse contexto, que a forma de estruturação das operações acabe por afetar o conteúdo local aferido, quando o elemento de-finidor deveria ser, de modo inafastável, o local de fabricação do bem ou de prestação do serviço.

2.5 Recentes inovações e um novo horizonte

Exatamente por conta das incongruências acima expostas, e com o intuito de suprir as lacunas deixadas pelas regras de conteúdo local até então vigentes, foi publicado, em 15/01/2016, o Decreto nº 8.637, que instituiu o Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural Pedefor).

O Pedefor possui, essencialmente, dois novos mecanismos relacionados à política de conteúdo local: (i) a previsão da criação de pesos para certos inves-timentos considerados estratégicos e que envolvam engenharia desenvolvida localmente, desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País, elevado potencial de geração de empregos qualificados; e promoção de exportações; e

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(ii) a instituição de bônus, a serem computados sob a forma de Unidades de Conteúdo Local (UCL) – apurados em relação à celebração de contratos de compra de bens, serviços e sistemas que tenham viabilizado a instalação de novos fornecedores no País, ao investimento direto na expansão da capacidade produtiva de fornecedores, ao investimento direto no processo de inovação tec-nológica de fornecedores, à compra de bens e sistemas no País, com conteúdo local, para atendimento a operações no exterior, e à aquisição de lotes pioneiros de bens e sistemas desenvolvidos no País – e que poderão ser abatidos dos com-promissos de conteúdo local, a fim de assegurar o seu cumprimento ou mitigar o impacto do eventual descumprimento.

O Decreto instituidor do Pedefor prevê apenas as diretrizes gerais dos mecanismos descritos, de modo que a efetiva implementação, aplicação e conjugações destes às demais regras já em vigor depende de uma regula-mentação mais detalhada, a qual vem sendo proposta em ritmo bastante lento pelo Comitê Diretivo, composto por Casa Civil da Presidência da Re-pública; Ministério da Fazenda; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Ministério de Minas e Energia; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bio-combustíveis; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Cabe esclarecer, contudo, que as novas regras, que vêm sendo divulgadas aos poucos ao longo dos últimos 2 (dois) anos, têm partido de uma abordagem mais macro, em vez de se concentrarem na regulamentação dos parâmetros definidos pelo CNPE sob o arcabouço normativo vigente.

Em outras palavras, destacam-se dentre as inovações normativas a fixação de percentuais mínimos em patamares inferiores aos que vinham sendo prati-cados, combinada com a aferição do percentual de conteúdo local com base em grandes grupos representativos de cada segmento, em lugar do detalhamento exaustivo relacionado a cada bem ou serviço – o que pode ser aplicado, tanto para novas rodadas quanto por demanda das empresas interessadas, a contratos antigos (relativos aos Contratos de Concessão da 7ª à 13ª rodada e aos Contra-tos de Cessão Onerosa da 1ª e da 2ª rodada) – e o fortalecimento da eficácia do mecanismo de waiver.

Nesse sentido, ainda que bem-intencionadas, as novas regras acabam repre-sentando uma nova guinada na própria política de conteúdo local, em vez de se

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inserirem em um contexto de aperfeiçoamento das regras sob uma perspectiva mais técnica.

Dessa forma, em vez de preencher as lacunas normativas causadoras do cenário de insegurança jurídica, as recentes inovações acabaram por reduzir profundamente o peso do caráter protecionista envolvido na política de con-teúdo local, por meio da flexibilização das condições para o cumprimento das exigências de conteúdo local.

O efeito, até aqui, é bastante positivo para o setor de petróleo e gás e sobre-tudo para a atratividade deste tanto para as empresas já atuantes no mercado brasileiro quanto para novas empresas interessadas em ingressar no mercado brasileiro – especialmente no momento de retomada, após anos de crise –, na medida em que as inovações introduzidas viabilizam redução de custos e de ônus associados ao Risco Brasil.

No entanto, a forma como tais inovações foram implementadas, ou pro-postas – já que boa parte delas foi fixada como diretriz e ainda está pendente de regulamentação –, vem gerando fortes reações de órgãos representativos da cadeia de subfornecedores locais, o que suscita preocupação com a robustez e a perenidade das novas regras e principalmente do novo viés adotado para a política de conteúdo local.

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3. O novo Repetro

Tiago Vasconcelos SeveriniLuiz André Nunes de Oliveira

Paloma Amorim

3.1 Introdução

Dentre as diversas alterações introduzidas na legislação da indústria de petróleo e gás brasileiro em decorrência da publicação recente da Lei nº 11.358/2017, das Instruções Normativas 1.781/2017, 1.796/2018 e 1.802/2018 e do Convênio ICMS 03/2018, além dos correspondentes Decretos ou Leis Estaduais que internalizaram as normas dispostas no referido Convênio, des-tacam-se três tipos de modificações: (a) as alterações referentes à estrutura do regime, com a sua ampliação a bens importados de forma permanente (com transferência da propriedade) ou adquiridos localmente por empresa domiciliada no Brasil; (b) as alterações relativas aos procedimentos aplicáveis e à rotina de operacionalização do regime; e (c) as alterações relacionadas aos requisitos e condições para aplicação do regime, ou para a fruição plena do tratamento tributário especial pertinente.

Diante de tal cenário, cumpre ressaltar que diversas modificações intro-duzidas pela sucessão de novas regras relacionadas ao Repetro têm relevantes impactos nas modelagens contratuais tipicamente praticadas em diferentes seg-mentos da indústria, as quais precisarão ser revistas e discutidas entre as partes envolvidas, seja para maximização da fruição do tratamento fiscal favorável, em determinados casos, seja para mitigação do inevitável impacto financeiro a ser gerado sob outras circunstâncias.

O primeiro grupo de modificações envolve a ampliação do Repetro para operações envolvendo a aquisição da propriedade dos bens pela empresa benefi-ciária no Brasil, a qual pode passar a ser realizada com o benefício da suspensão dos tributos federais, que posteriormente é convertida em isenção.

De acordo com a nova legislação, foram criadas duas listas (Anexos I e II da IN 1.781/2017) que se referem aos bens passíveis de sujeição ao Repetro-Sped,

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uma indicando os bens temporários, e outra, os bens permanentes. Além dos bens expressamente listados, podem ser submetidos ao Repetro-Sped apenas os aparelhos, partes e peças a serem diretamente incorporados aos bens listados e as ferramentas utilizadas diretamente na manutenção dos bens listados.

Aos bens temporários aplica-se tanto a modalidade de importação temporária, que segue o mesmo mecanismos do “antigo” Repetro – em que a propriedade do bem é detida por empresa domiciliada no exterior, e a sua posse é transferida com base em contrato de afretamento, locação, arrendamento, comodato, etc. à empresa domicilia-da no Brasil e que vai utilizá-lo nas atividades de petróleo e gás no Brasil – quanto a nova modalidade de importação definitiva, por escolha do importador e beneficiário.

Já aos bens permanentes aplica-se exclusivamente a nova modalidade de importação, que envolve a aquisição da propriedade do bem pela empresa be-neficiária, domiciliada no Brasil, com a suspensão dos tributos federais e o re-colhimento do ICMS (que pode ser feito com base na alíquota geral relativa ao ICMS – importação fixada pelo Estado onde está situado o estabelecimento importador – no Rio de Janeiro, por exemplo, equivale a 18%; ou a alíquota de 3%, sem direito a crédito, caso o beneficiário tenha aderido ao tratamento tributário a que se refere o Convênio ICMS 03/2018).

Nesse contexto, destaca-se a questão relativa à incidência do ICMS nessas operações, que, por depender de legislação estadual, foi objeto de bastante dis-cussão, especialmente no Estado do Rio de Janeiro, e que, de qualquer modo, mesmo nos demais estados, envolve a necessidade de adesão atrelada a uma po-lêmica desistência (e renúncia do direito) pelas empresas quanto às discussões judiciais relativas ao questionamento da incidência do ICMS em importações que não envolvem a transferência da propriedade do bem importado, matéria essa que já foi decidida, em rito de repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em favor das empresas. Ou seja, os Estados atrelaram a adesão aos benefícios do Repetro em nível estadual à aceitação de uma cobrança já reconhecida como inconstitucional pelo STF.

No que se refere ao segundo grupo de alterações, dentre diversas mo-dificações relativas à operacionalização do regime, destaca-se a maior in-tegração deste às demais obrigações fiscais aplicáveis às empresas e que se impõem, como regra, a diferentes setores da economia.

Dessa forma, a utilização de sistemas de controle específicos regulados pe-las autoridades aduaneiras da Receita Federal cede espaço para a integração das operações sob Repetro às regras gerais do Sped, o que gera a expectativa

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de um incremento no nível de controle e, especialmente, um aumento no foco da fiscalização em nível estadual sobre essas operações.

Enfim, no que tange ao terceiro grupo, sobre o qual discorreremos de for-ma mais detalhada, há que se destacar: (i) a modificação nos percentuais-limite aplicáveis ao chamado “split contratual” (o modelo de contrato tripartite, com execução simultânea de um contrato de serviços e um contrato de afretamento, arrendamento ou locação); (ii) a criação de restrições específicas para os contra-tos de afretamento a casco nu, que não se aplicam aos contratos de afretamento por tempo; (iii) a obrigação de que a parte contratual responsável pelo pagamen-to das contraprestações (via de regra, a Operadora) seja a importadora e figure como beneficiária do regime, relativamente aos bens principais importados com base em contratos de afretamento a casco nu, arrendamento, locação, cessão ou disponibilização; e (iv) a vedação à previsão, nos contratos de serviços, de forne-cimento de bens a serem consumidos durante a prestação de serviços.

3.2 Impactos das novas regras sobre a modelagem

contratual e a formação de preços em diferentes

segmentos da indústria

Partindo dos quatro principais grupos de alterações destacados no tópico de introdução, cumpre passar a dispor brevemente sobre os efeitos de cada uma delas nas modelagens contratuais praticadas.

3.2.1 A modificação nos percentuais-limite aplicáveis ao chamado “split contratual”

A modificação dos percentuais do “split contratual” reduziu as diferenças entre os valores do contrato de afretamento (arrendamento ou locação) e os valores dos contratos de serviços, para a maior parte das embarcações (como plataformas de perfuração e plataformas de produção), tendo sido excepciona-das apenas as embarcações de apoio marítimo.

A redução dos valores passíveis de serem pagos no âmbito dos contratos de afretamento gera, sem que seja feita a mudança do formato de precificação dos contratos, um aumento da carga tributária incidente sobre a fretadora,

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em razão da retenção pela afretadora (Operadora) no Brasil, do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), à alíquota de 15%, sobre a diferença entre o valor efetivamente pago com base no contrato de afretamento e o valor-limite calculado com base nos percentuais definidos na legislação.

Esse impacto em termos de carga tributária suscita, no mínimo, uma redis-cussão de reequilíbrio econômico contratual entre as partes, sobretudo para os contratos em curso, tendo em vista que se trata de novidade normativa super-veniente que enseja impacto no custo da fretadora. Outro desmembramento dessa questão, podendo gerar conflito entre as partes envolvidas, é a questão da comprovação de que esse aumento na carga tributária aplicável ao contrato de afretamento efetivamente representa um incremento do custo da fretadora. Sob a perspectiva estrita do âmbito contratual, esse aumento de custo é evidente. Entretanto, sob aspecto mais amplo, essa demonstração muitas vezes é comple-xa, a depender do regime fiscal aplicável à fretadora na jurisdição em que está domiciliada, de modo que a definição sobre qual das partes deve suportar o ônus da mudança normativa tende a gerar significativo desgaste.

Outra possibilidade a ser considerada, ainda em relação a essa modificação, é a revisão dos preços contratuais, de modo a reduzir o valor do contrato de afretamen-to, a fim de compatibilizá-lo com os novos percentuais-limite do “split contratual”. Nesse caso, seria afastada a incidência do IRRF à alíquota de 15% sobre a contra-prestação do afretamento e a correspondente discussão sobre o ônus do encargo. Por outro lado, seria majorado o valor do contrato de serviços, que se sujeita à inci-dência de PIS/Cofins (9,25%) e do ISS (2% a 5%). O PIS e a Cofins são creditáveis e podem não vir a gerar impacto, porém o ISS representará custo efetivo. Além disso, a depender do incremento adicional de receitas do prestador de serviços em razão dessa nova precificação, ele pode, eventualmente, reverter os prejuízos fiscais em lucros tributáveis, o que representaria uma carga tributária adicional de 34% (IR = 25% e CSLL = 9%), o que consiste em impacto mais substancial e talvez impeditivo para a adoção desse formato, sem mencionar a eventual necessidade de remodela-gem financeira exigida para a fretadora em razão da redução dos recebíveis.

3.2.2 A criação de restrições específicas para os contratos de afretamento a casco nu

Em relação à diferenciação feita pelas novas regras quanto aos requisitos aplicáveis aos contratos de afretamento a casco nu e afretamento por tempo,

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revela-se uma tendência à adoção preferencial do afretamento por tempo, na medida em que sujeito a menos exigências. Entretanto, deve-se atentar para o detalhamento do escopo desse contrato, sobretudo quando considerada a sua execução simultânea com o contrato de serviços, de modo a evitar questiona-mentos relacionados a eventual simulação ou caracterização de importação de serviços (cuja carga tributária é muito superior à do afretamento).

O afretamento é o instrumento contratual por meio do qual o fretador disponibiliza temporariamente uma embarcação ao afretador mediante o pa-gamento de contraprestação pecuniária.

Ocorre que o contrato de afretamento, por envolver diferentes modalidades, é considerado figura jurídica complexa, sendo cerceado por inúmeras discussões acerca de seu conceito, enquadramento normativo, abrangência e natureza jurídica, podendo este ser segregado em três principais modalidades, quais sejam: “a casco nu” (bareboat charter), “por tempo” (time charter) e “por viagem” (voyage charter).

Para fins da presente análise, focaremos nas semelhanças e disparidades existentes entre as duas primeiras modalidades de afretamento (“a casco nu” e “por tempo”), tendo em vista serem elas as comumente aplicadas no setor de O&G brasileiro, de forma que possamos avançar no endereçamento dos impac-tos e riscos gerados pela nova legislação.

Comparando as modalidades de afretamento referidas acima, conclui-se que a principal disparidade entre ambas reside na parte responsável pelo controle da gestão náutica da embarcação, que, no caso do afretamento “a casco nu”, está sob a responsabilidade do afretador, enquanto, no afretamento “por tempo”, essa obrigação recai sobre o fretador.

Isso porque, enquanto no afretamento “por tempo” a embarcação já é disponi-bilizada armada e devidamente tripulada, no afretamento “a casco nu” a embar-cação é disponibilizada de forma “pura”, sendo a obrigação de armá-la e tripulá-la transferida por completo ao afretador, que será, nesse caso, responsável por garan-tir a navegabilidade da embarcação.

Nesse contexto, é certo que a alteração da modalidade “a casco nu” para afretamento “por tempo” exige, essencialmente, a adequação da parte responsá-vel pela gestão náutica (controle náutico) da embarcação objeto do afretamento avençado, sendo indispensável que a parte fretadora passe a ser responsável por armar e equipar a embarcação e disponibilizá-la em condições de navegabilidade.

É importante notar que essa responsabilização da gestão náutica envolve, essencialmente, a assunção dos custos a ela relacionados pela parte contratual

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dela incumbida. Não há, contudo, a necessidade de que o pessoal alocado a tais atividades pertença necessariamente à folha de pagamentos da fretadora, sendo possível, por exemplo, que ela subcontrate tal mão de obra, ou mesmo que promova o ressarcimento dos custos a ela relativos perante a prestadora de serviços domiciliada no Brasil, caso esta já disponha de tais profissionais.

Ante o exposto, pode-se concluir que a adequação da natureza dos contratos para o atendimento às novas regras envolve não apenas a revisão do objeto contra-tual, mas também o estabelecimento de uma criteriosa e transparente segregação dos custos e responsabilidades advindas puramente da gestão náutica da embar-cação, daquelas relacionadas à gestão comercial, i.e., à operação da embarcação.

Nesse sentido, faz-se necessária, por exemplo a exclusão do contrato de afretamento de cláusulas típicas de prestação de serviços relacionados à operação da embarcação, o que ocorre muito frequentemente nos modelos contratuais praticados na indústria de O&G no Brasil.

Isso porque a presença de elementos típicos de uma prestação de serviços, caso constantes do contrato de afretamento, enseja o risco de que as autori-dades fiscais entendam ter restado desnaturado o afretamento, com vistas à imposição, sobre a correspondente contraprestação, da tributação aplicável às importações de serviço (IRRF, Cide, PIS, Cofins e ISS), em detrimento da desoneração dos referidos tributos, de que é beneficiário o afretamento.

Dessa forma, nosso entendimento é no sentido de que os contratos de afre-tamento “por tempo” devem se limitar a contemplar, como escopo de serviços, a presença de uma tripulação mínima necessária à gestão náutica da unidade, a qual variará de acordo com o tipo e o porte da embarcação a ser disponibili-zada. Todas as demais obrigações de fazer deverão ser previstas exclusivamente em contrato de serviços, sob pena de fragilizar a estrita caracterização do con-trato como de afretamento por tempo, e não de serviços.

3.2.3 A obrigação de importação pela Operadora

Com relação às situações em que a Operadora viria a se tornar a responsável pela importação, a tendência é que também sejam evitadas, tendo em vista o desinteresse das Operadoras em assumir a responsabilidade pela gestão de uma série de ativos (e se responsabilizar pelos riscos inerentes à aplicação do regime a eles) que, atualmente, são de responsabilidade das contratadas. Para assumir

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tais responsabilidades, além de reduzir o custo da remuneração das contratadas (por conta da redução do risco associado), as Operadoras teriam que investir em pessoal, de modo a ampliar suas áreas fiscal e de comércio exterior/logística, o que torna essa alternativa bastante desfavorável a eles.

Dessa forma, uma primeira alternativa viável para afastar a aplicabilidade de tal restrição, no caso de contratos envolvendo a operação de embarcações, entre as quais as plataformas de produção e perfuração, é a celebração de con-trato de afretamento por tempo, em vez de contrato de afretamento a casco nu, tendo em vista o fato de que a obrigação de importação pela Operadora não se aplica aos contratos de afretamento por tempo.

Nesse contexto, devem-se observar os comentários expostos no tópico an-terior, seja para verificação da conformidade de eventual contrato já existente com as condições para enquadramento como um afretamento por tempo, seja para a implementação das adequações necessárias, via instrumento aditivo, caso se constate que a natureza dos contratos em curso é diversa, qual seja a de afretamento a casco nu (já que os afretamentos por tempo, via de regra, não são utilizados no setor.

Outra possibilidade, que alcança não somente os contratos envolvendo em-barcações, mas também aqueles relacionados a outros equipamentos, seria a utilização do procedimento de importação por conta e ordem, de modo que as prestadoras de serviço promovam a adoção de todos os procedimentos relacio-nados à importação, mas sejam esses adotados em nome da Operadora.

Há que se destacar, contudo, que essa modalidade de importação acarre-ta a responsabilização solidária de ambas as empresas, além de não ser capaz de afastar o ônus da Operadora pelo cumprimento dos requisitos e condi-ções que permanecem aplicáveis enquanto perdurar a suspensão dos tribu-tos incidentes sobre a importação. De qualquer modo, a execução dessas atividades pode, obviamente, ser subcontratada, inclusive perante a própria prestadora de serviços, com acordo contratual sobre a remuneração por tais atividades e a divisão de responsabilidade, embora essa convenção entre as partes se preste apenas a fundamentar eventual direito de regresso, já que não é oponível às autoridades fiscais.

Por fim, há, ainda, a possibilidade de que seja modificado o formato de utili-zação de contratos de execução simultânea com a Operadora, seja por meio da celebração dos contratos de locação, arrendamento, afretamento ou comodato, entre a prestadora de serviços no Brasil e a detentora dos bens no exterior (usu-

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almente empresas relacionadas) – conjugado a um contrato de serviços local entre a prestadora de serviços e a Operadora –, seja por meio da celebração de um contrato único de prestação de serviços entre a detentora dos ativos no exterior e a Operadora no Brasil.

Em caso de um contrato entre empresas relacionadas combinado com contrato local de prestação de serviços, a tributação, em tese, será menor, já que o contrato entre partes relacionadas envolveria apenas a disponibilização do bem (obrigação de dar, e não de fazer), de modo que sobre a remuneração ali prevista incidirá apenas o IRRF, enquanto sobre os serviços locais incidirão PIS, Cofins e ISS.

Por outro lado, esse formato contratual exige que o valor das contrapresta-ções a serem pagas no âmbito do contrato de locação, arrendamento, afreta-mento ou comodato estejam limitadas ao valor do próprio bem importado, no momento da importação.

Já no caso de contrato único de importação de serviços entre a detentora dos ativos no exterior e Operadora no Brasil, a carga tributária aplicável será signifi-cativamente maior, eis que sobre a remuneração relativa a tal contrato incidirão IRRF, Cide, PIS, Cofins e ISS.

3.2.4 A vedação ao fornecimento de bens a serem consumidos durante a prestação de serviços

Por fim, no que se refere à vedação relacionada ao fornecimento de bens no âmbito dos contratos de serviços, há impacto relevante sobre os contratos de serviços que, muitas vezes, possuem natureza mista, contendo o fornecimento de bens, além da prestação dos serviços, e ainda diversos casos de remuneração pelo tempo de aguardo (standby) dos bens alocados pelo prestador de serviço para utilização no contrato.

As novas regras impõem um formato de precificação exclusivamente base-ado nos serviços, além de uma atenção com as previsões contratuais descritas acima, a fim de que a redação contratual não gere problemas de interpretação e questionamentos por parte das autoridades fiscais e aduaneiras e que eventuais parcelas do escopo que possam ensejar a não adequação às regras do Repetro sejam segregadas em contrato específico.

A preocupação resultante da inovação acima descrita decorre do fato de que, nos modelos contratuais comumente praticados no setor de O&G no

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Brasil, os contratos de prestação de serviços contêm PPUs listando uma série de itens, em geral precificados por unidade ou peso.

É importante esclarecer, no entanto, que o aspecto relevante, para fins de definição da aplicabilidade ou não da restrição de que trata a nova legislação, refere-se à existência ou não nos contratos de fornecimento de bens por parte do contratado ao contratante. Ou seja, a vedação refere-se à venda pelo con-tratado à contratante (com pagamento seja com margem ou ao valor de custo) pelo fornecimento de bem ou mercadoria empregado na execução dos serviços.

Tal vedação não se confunde, contudo, com a mera listagem contratual de bens que devem ser utilizados pela prestadora de serviços no âmbito da execu-ção do contrato e que não são vendidos ou fornecidos à contratante.

A nosso ver, a restrição não estará sendo violada caso esses bens sejam lis-tados apenas por conta do formato de precificação dos serviços previstos no contrato, especialmente para identificação do quantitativo de bens nacionais e importados a serem empregados na execução dos serviços, a fim de que o con-tratante tenha melhor visibilidade sobre a composição do preço do prestador de serviço e possa, dessa forma, assegurar tanto uma verificação mais precisa de diferentes propostas por ocasião dos procedimentos de contratação, quanto assegurar a preservação do equilíbrio econômico-contratual, sempre que haja eventuais variações nos custos considerados pelo contratado.

O importante, nesse contexto, para que não haja descumprimento da ve-dação de que trata a nova regulação do Repetro é que o escopo dos contratos de prestação de serviços não contemple a venda de bens nem o ressarcimento por bens fornecidos pelo prestador de serviços, ainda que o custo de bens possa ser considerado na PPU para a composição do preço a ser cobrado pela prestação de serviços, preço esse que será integralmente cobrado por meio de nota fiscal de serviços e submetido à tributação de serviços (no caso de servi-ços locais, PIS, Cofins e ISS).

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4. A Lei nº 13.365/2016 e o fim do regime de operador único nas áreas

do pré-sal e áreas estratégicas

Carlos Maurício Maia Ribeiro Bruno de Arruda Mantovaneli

Em 2010 foi promulgada a Lei nº 12.351, que estabeleceu o marco regula-tório para a Partilha de Produção de petróleo, gás natural e outros hidrocar-bonetos fluidos nas áreas do pré-sal e aquelas definidas como estratégicas. A demora para a aprovação do diploma, aproximadamente cinco anos depois das descobertas no pré-sal do Brasil, já foi motivo de críticas. O conteúdo da estrutura regulatória definido na Lei, entretanto, foi ainda mais questionado.

O resultado de todo o esforço legislativo tardio foi um modelo engessado, que não permitia a competitividade, em razão da intensa presença estatal que ele exigia, agravado, ainda, pelos desafios de ordem financeira e logística ine-rentes à atividade na região, acompanhados das circunstâncias econômicas e políticas do País, pouco após a aprovação da Lei de Partilha de Produção. O resultado foi um baixo interesse do mercado nos ativos ofertados em leilão e, por consequência, um subaproveitamento do potencial produtivo das reservas de tais hidrocarbonetos.

Inicialmente, cumpre destacar que a estrutura concebida pelo Governo Fe-deral na redação original da Lei de Partilha de Produção foi motivada por sua vontade política de fazer da Petrobras novamente o centro de toda a cadeia produtiva, atribuindo-lhe diversas prerrogativas no âmbito da exploração e pro-dução do pré-sal e áreas estratégicas. Pretendeu, ainda, o Governo constituir um fundo social para combate à pobreza e à desigualdade regional, constituir poupança pública e mitigar flutuações de renda e preços na economia nacional decorrentes das variações na renda gerada pelas atividades de produção e ex-ploração de petróleo e de outros recursos não renováveis1, a partir de recursos

1 Lei nº 12.351/2010 (Lei de Partilha de Produção): “Artigo 48. O FS tem por objetivos: I - constituir poupança pública de longo prazo com base nas receitas auferidas pela União;

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provenientes dos bônus de assinatura, royalties, receita de comercialização do hidrocarbonetos, entre outros estabelecidos no Artigo 49 da Lei de Partilha de Produção.

Embora elogiável a intenção do Governo Federal de constituir o referido fundo social, a Lei pecou ao não atentar para pontos sensíveis tocantes à viabi-lidade econômica do modelo de Partilha de Produção proposto, que impossibi-litava maior dinamismo e era vulnerável a um agravamento na situação finan-ceira da figura central das atividades – no caso, a Petrobras.

Com respeito ao não dinamismo do modelo, este era decorrente do trata-mento não isonômico à Petrobras conferido pela Lei de Partilha de Produção em relação às demais empresas petroleiras e dos impactos dele decorrentes. Por força da redação original da Lei, dois cenários de contratação pela União, por meio do Ministério de Minas e Energia, eram possíveis:

• A União poderia celebrar diretamente com a Petrobras um contrato de Partilha de Produção, caso em que seria dispensada a licitação, para áreas assim definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em razão de relevante interesse nacional; ou

• A União poderia contratar, mediante licitação sob a modalidade de lei-lão, um consórcio formado, obrigatoriamente, (i) pelo licitante, (ii) pela a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) – estatal criada pela Lei de Partilha de Produção para realizar a gestão do contrato de consórcio – e (iii) pela Petrobras, que deveria ser a operadora única do consórcio e cuja partici-pação mínima neste seria proposta pelo Ministério de Minas e Energia ao CNPE, mas que não poderia ser inferior a 30%.

Dessa forma, ficava nomeada a Petrobras para conduzir a execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção. Evidente-mente, a efetividade dessa medida estava intrinsecamente ligada à sua capaci-dade de investimentos.

II - oferecer fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma prevista no art. 47; e III - mitigar as flutuações de renda e de preços na economia nacional, decorrentes das variações na renda gerada pelas atividades de produção e exploração de petróleo e de outros recursos não renováveis.”

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Tal conexão com a capacidade de investimentos da estatal foi justamente o motivador de uma das mais vigorosas críticas à obrigatoriedade de operador único nessas áreas. Com a repercussão na imprensa e a opinião pública sobre numerosos episódios de má gestão dos recursos da Petrobras e, principalmente, com o desenrolar da Operação Lava Jato, em que diversos membros de sua alta administração foram condenados por práticas de corrupção, bem como os consequentes impactos financeiros e reputacionais, fora ações de indenização no exterior dela decorrentes, a estatal se viu obrigada a implantar uma política mais restritiva de investimentos.

O referido desdobramento na política de investimentos da Petrobras vinha de encontro à imposição, por força da Lei de Partilha de Produção, de que ela seria operadora de todos os blocos. Não só a estatal perdera a autonomia para priorizar as alocações de seus recursos, como também se via obrigada por lei a investir capital, tecnologia e pessoal em uma atividade exploratória e produtora em áreas de pré-sal e estratégicas, além de participação mínima de 30% em consórcios vencedores de licitação.

Essa incompatibilidade foi ainda agravada pelos custos e desafios logísticos inerentes à produção de petróleo, gás natural e hidrocarbonetos nas áreas do pré-sal. As distâncias entre os blocos exploratórios e a costa são maiores, tal como a profundidade, o que exige um gasto mais elevado com equipamentos, pessoal e tecnologia.

Vale observar que as críticas relacionadas à capacidade de investimentos da Petrobras não foram as únicas direcionadas ao regime de operador único. Em razão do pouco poder que teriam as consorciadas de influir nas operações do consórcio, já que a PPSA seria a responsável pela gestão dos contratos, tornou--se pouco atrativo para empresas de petróleo e gás investir os altos recursos de-mandados para as operações. Ademais, por conta do regime de operador único, a participação dessas empresas nas atividades de exploração e produção desses hidrocarbonetos seria puramente financeira, sem que elas pudessem decidir a respeito de diretrizes do consórcio ou sequer contribuir com suas respectivas tecnologias, estando sujeitas, ainda, a decisões do Comitê Operacional (Opera-ting Committee – Opcom) que pudessem incorrer em custos adicionais.

Em tal contexto, na Primeira Rodada de Partilha da Produção – única ocor-rida durante a vigência da redação original da Lei de Partilha de Produção –, em que foi oferecida para licitação uma área no campo de Libra, a área foi arrematada pela Petrobras e outras companhias, sem que tivesse havido efetiva

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competição entre elas. A partir de tal quadro, constatou-se uma baixa atrativi-dade do modelo como originalmente concebido e, com efeito, baixa competiti-vidade no setor para desenvolver os ativos.

Paralelamente, entidades ligadas ao setor de petróleo e gás natural mostra-ram-se favoráveis à reforma da Lei da Partilha de Produção e manifestaram tais entendimentos perante a sociedade civil, destacando-se a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (ABESPetro), o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) e a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

Adicionalmente, o debate pela reforma foi reforçado pelas manifestações fa-voráveis dos Governos dos Estados de Rio de Janeiro e Espírito Santo, os quais são os principais estados produtores de petróleo e gás natural no País e também os maiores beneficiados com a arrecadação de royalties relacionados ao proces-so de sua exploração e produção.

Além dos apelos da Petrobras, de governos de estados e de entidades li-gadas ao setor de petróleo e gás, as discussões quanto à reforma na Lei nº 12.351/2010 foram inseridas em um contexto de crise política. Como conse-quência do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, ocorrido em 2016, o Planalto passou a ser composto por um grupo com propostas ad-ministrativas mais voltadas para a livre iniciativa e livre concorrência, o que tornou mais favorável o cenário político para que se discutisse a flexibilização das regras referentes ao operador único.

Com efeito, muito embora o Governo Dilma Rousseff tivesse sinalizado que consideraria o fim do operador único no pré-sal, somente no Governo Michel Temer tal reforma foi levada a cabo. Após os devidos trâmites no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 4.567/2016, de autoria do Deputado José Serra, foi aprovado e publicado como a Lei nº 13.365/2016.

Por meio da Lei reformadora, conferiu-se atribuição ao CNPE para, desta vez, oferecer à Petrobras a preferência para ser operadora dos blocos a serem contratados sob o regime de Partilha de Produção2. A estatal terá, então, 30 (trinta) dias para se manifestar ao CNPE, apresentando suas justificativas para tanto. Em outras palavras, ela não está mais obrigada a ser operadora dos blo-

2 Idem: “Artigo 4º. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), considerando o interesse nacional, oferecerá à Petrobras a preferência para ser operador dos blocos a serem contratados sob o regime de partilha de produção.”

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cos. Dessa forma, caso a estatal não considere o prospecto atrativo, ela pode renunciar à sua preferência, e o bloco, então, será oferecido normalmente para a exploração pelo mercado, nos termos da Lei e do respectivo edital.

Observa-se que, caso a Petrobras exerça sua preferência em ser a operadora do bloco e a contratação seja definida por meio de licitação, continua-se exi-gindo dos consórcios um percentual mínimo de participação dessa estatal, per-centual esse a ser indicado pelo CNPE e que não poderá ser inferior ao mesmo piso legal de 30% (trinta por cento) introduzido pela redação original da Lei de Partilha de Produção.

Independentemente disso, a reforma legislativa foi bem recebida pelo mer-cado, destravando novas rodadas de licitações, de modo que as 2ª, 3ª e 4ª Rodadas de Partilha da Produção tiveram arremates, sendo que na 2ª e na 3ª Rodada, como resultado da grande competição entre as companhias de petróleo, seis das oito áreas ofertadas foram arrematadas, com números rele-vantes de bônus de assinatura e expressivas alíquotas de excedente em óleo para a União. Com respeito à 4ª Rodada, destaca-se que a Petrobras, após um período de reestruturação financeira e de revisão de seus investimentos conduzidas pela nova administração, exerceu seu direito de preferência para três das quatro áreas ofertadas.

Evidentemente, apesar de elogiada e de ter trazido relevantes impactos para a competitividade do setor no País, fato é que a legislação para o pré-sal ainda está sujeita a questionamentos e poderá ser aprimorada no futuro3, sendo certo que a consecução de tais novas reformas dependerá das conjunturas econômi-ca, social e política do Brasil, pois que a nova composição do Congresso, bem como do Executivo, será fundamental para o avanço dessas discussões.

3 Previamente à aprovação da Lei nº 13.365/2016, fora apresentado no Senado Federal o Projeto de Lei nº 417/2014, de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira, que dispunha justamente sobre a substituição do regime de partilha pelo de concessão nessas áreas. Entretanto, tal projeto foi retirado pelo senador autor e arquivado. O atual Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, chegou a defender, em 2017, que fosse pautado para discussão na Casa o fim do regime de Partilha de Produção e a adoção do regime de concessão também para as áreas do pré-sal ainda não leiloadas. Contudo, posteriormente, defendeu o Presidente da Câmara que, em substituição, fosse colocado em pauta o fim do chamado polígono do pré-sal, definido como a área descrita no Anexo I da Lei de Partilha de Produção. Até a presente data não foi apresentado projeto de lei nesse sentido.

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PARTE II

COMPRA DE ATIVOS DE O&G

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5. Compra de ativos de O&G e projeto de desinvestimento de campos maduros da Petrobras

Daniela Ribeiro DavilaAlberto Weyland Vieira

Maria Ramos Dias

5.1 M&A na área de O&G

As operações de M&A são bastante comuns no setor de O&G, envolvendo transações relevantes e complexas. No segundo trimestre de 2017, operações de M&A no setor de O&G no Brasil subiram 200% em relação ao segundo trimes-tre de 2016, conforme estudo da KPMG. Pesquisa recente (junho de 2018) da Ernst & Young indica que três entre cinco companhias de óleo e gás pretendem concretizar aquisições na área nos próximos 12 meses, e 60% dos executivos entrevistados declararam que intencionam realizar as aquisições predominan-temente nos Estados Unidos, no Brasil e no Canadá.

Tais operações são estruturadas na forma de cessão de direitos exploratórios de um contrato de concessão.

No Artigo 29 da Lei do Petróleo1 encontra-se a base legal para a trans-ferência dos contratos de concessão, desde que preservados o seu objeto e as condições contratuais ajustadas com a ANP e que o novo concessionário atenda aos critérios adotados pela Agência para aprovação da cessão de direi-tos, conforme previsto no Artigo 25 do mesmo diploma legal.

O contrato celebrado nesse tipo de operação é um Farmout Agreement (Con-tato de Compra e Venda de Ativos), o qual é corriqueiramente celebrado entre petroleiras que compram participações ou se retiram de consórcios, dependen-do de seu portfólio de blocos e dos resultados de suas áreas em exploração e produção em diversos países.

1 Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.

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No Direito anglo-saxão as cláusulas do Farmout Agreement devem discipli-nar as relações privadas entre Farmor (cedente) e Farmee (cessionário) no que concerne às regras para cessão e correlata aquisição ou venda dos direitos ex-ploratórios de uma área concedida ou contratada.

O Farmout tem sua correspondência no Direito brasileiro no Termo de Ces-são. O primeiro nada mais é do que uma versão detalhada e ampliada do segun-do, com cláusulas disciplinando, minuciosamente, o relacionamento das partes no âmbito privado, antes e depois da assinatura da respectiva cessão, sendo certo que muitas das disposições dele constantes não precisam ser submetidas ao agente regulador2.

Destacamos a importância da realização de auditoria nesse tipo de ope-ração, uma vez que o Farmout Agreement deve regular a responsabilidade do vendedor e do comprador em relação a passivos da operação objeto do M&A.

De fato, o modelo padrão do Termo de Cessão aprovado pela ANP exige que cedente e cessionário comprometam-se a cumprir, integral e estritamente, as obrigações previstas nos termos e condições da Lei do Petróleo e do contrato de concessão, respondendo solidariamente pelas obrigações ali previstas perante a ANP e a União Federal, inclusive aquelas incorridas antes da data da cessão e até o final contrato.

Recomenda-se, portanto, no Farmout a repartição das obrigações entre os diversos coobrigados, devendo ser inserida uma cláusula de garantia, a ser oferecida pelo cessionário ao cedente, de que vai preservá-lo de toda e qual-quer cobrança decorrente dessa responsabilidade solidária após a assinatura do Termo de Cessão.

Sendo a cessão de posição contratual um contrato que se encaixa na siste-mática do Código Civil brasileiro, a solidariedade pactuada entre cedente e ces-sionário para responder perante a União e a ANP se constitui numa obrigação muito gravosa que remanesce sobre o cedente, que se retira daquela concessão.

Essa solidariedade pode, em tese, obrigar o cedente de um bloco na fase de exploração a, anos depois, indenizar a União, por exemplo, por um derrama-mento de óleo que tenha causado dano ambiental ocorrido na fase de produção por culpa exclusiva do cessionário e seus prepostos.

Outra cláusula muito usada na indústria do petróleo é aquela que reserva ao cedente o direito de participar dos resultados da produção daquele bloco cedi-

2 Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

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do, desde que o preço da cessão tenha sido fixado com base num limite máximo de perspectiva de produção no bloco cedido.

Com efeito, nessas transações a parte cedente disponibiliza para a cessioná-ria os dados e informações, a fim de que esta avalie o valor econômico do bloco e fixe um preço. Então, caso o resultado real daquele bloco cedido supere o valor ajustado, é comum as petroleiras cedentes garantirem para si, no Farmout, um percentual futuro sobre a produção daquele bloco.

5.2 Processo de desinvestimento da Petrobras e Legislação aplicável

Passamos, agora, a discorrer sobre o processo de desinvestimento da Petro-bras, que regula a alienação (M&A) dos ativos e concessões da empresa.

Muito embora a Petrobras seja uma sociedade de economia mista, inte-grante da administração pública indireta brasileira, de acordo com o pri-meiro parágrafo, inciso II, do Artigo 173 da Constituição Federal Brasileira (Constituição), ela está sujeita ao regime de direito privado no que tange às suas relações comerciais.

No entanto, por ser parte da administração pública indireta, a Petrobras está obrigada a adotar, em suas contratações, o procedimento licitatório, bem como a observar os princípios gerais aplicáveis aos membros da administração pública, tais como os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (cf. caput do art. 37 da Constituição).

Como já acima referido, com o advento da Emenda Constitucional nº 9/1995 e a subsequente edição da Lei do Petróleo, de acordo com a qual a Petrobras foi inserida em um ambiente de livre concorrência com outras em-presas petrolíferas, tornou-se necessária a adoção de regras especiais de con-tratação para permitir que a Petrobras contratasse bens e serviços de maneira mais célere e eficiente.

Nesse sentido, a Lei do Petróleo estabeleceu que os contratos celebrados pela Petrobras deveriam ser precedidos de um procedimento licitatório simplificado, em substituição à Lei de Licitações Públicas (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993) anteriormente aplicável.

Sendo assim, o Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobras foi edi-tado pelo Decreto nº 2.745/1998 (Decreto) e, em seguida, complementado pelas

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regras contidas no chamado Manual de Procedimentos Contratuais da Petro-bras, hoje denominado Manual da Petrobras para Contratação (MPC), cujos dispositivos têm o mesmo grau de hierarquia do Decreto, em decorrência do item 10.1 deste último (Decreto).

Vale notar, no entanto, que no dia 1º de julho de 2016 foi publicada a Lei Federal nº 13.303 (Lei das Estatais), a qual, entre outras coisas, criou o estatuto jurídico das sociedades de economia mista, revogando expressamente o Artigo 67 da Lei do Petróleo e, por consequência, o Decreto.

Após a Lei das Estatais, a alienação ou cessão onerosa de ativos da Petro-bras passou a ser regulada por uma nova Sistemática para Desinvestimentos de Ativos e Empresas do Sistema da Petrobras (Sistemática de Desinves-timentos). Tal documento detalha todas as etapas do processo, define as partes envolvidas, as responsabilidades de cada área e a governança do pro-cesso, entre outros aspectos.

A Sistemática de Desinvestimento da Petrobras já sofreu algumas críticas e teve que passar por adaptações, por força de decisão judicial. Como exemplo, em 6 de maio de 2016 foi instaurado o processo administrativo para averiguar os argumentos apresentados pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Petróleo, Gás Natural e Mineração (Seinfra-Petróleo) contra a versão então existente da Sistemática para Desinvestimentos. A Seinfra-Petróleo questio-nou, inicialmente, (i) a conformidade da Sistemática para Desinvestimentos ao ordenamento jurídico vigente, (ii) a necessidade de autorização legislativa para alienação de subsidiária de sociedade de economia mista e (iii) a averiguação de obrigatoriedade de aplicação do programa nacional de desestatização.

Em 29 de março de 2017 o Tribunal de Contas da União (TCU), pelo Acórdão nº 442/2017, deu provimento à Representação da Seinfra-Petróleo, o que ocasionou modificações que tiveram que ser realizadas pela Petrobras na Sistemática para Desinvestimentos (a qual, atualmente, conta com a aprovação do TCU).

Ressalte-se que o Conselho de Administração da Petrobras aprovou, em 14 de março de 2018, a adesão da companhia ao regime previsto no Decreto nº 9.188, de 1º de novembro de 2017. A norma, que regulamenta o Regime Espe-cial de Desinvestimento de ativos pelas sociedades de economia mista federais para fins de atendimento à Lei das Estatais, estabelece regras de governança, transparência e boas práticas de mercado, com o objetivo de dar maior clareza e segurança jurídica aos procedimentos. O Decreto estabelece as normas para

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a formação e a extinção de parcerias, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais pelas empresas estatais.

Os desinvestimentos da Petrobras são ainda regulados pelo Decreto nº 9.355/2018, o qual determina as etapas e diretrizes a serem seguidas pela Pe-trobras, suas subsidiárias e controladas nos processos de cessão de direitos de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, gás natural e outros hi-drocarbonetos fluidos. Além de discorrer sobre as características das sete fases da operação (entre a preparação e a assinatura dos instrumentos jurídicos nego-ciais), o Decreto passou a permitir à Petrobras, em contratações de bens e servi-ços, quando agindo como operadora de consórcios privados, prescindir do pro-cedimento licitatório (sujeitando-se ao regime próprio das empresas privadas).

O processo de desinvestimento é bastante complexo, iniciando-se inter-namente pela preparação do projeto pela Petrobras, a qual definirá o modelo de negócios e preparará o ativo para venda (o que envolve a descrição dos contratos existentes e futuros, questões regulatórias, entre outros). O lança-mento oficial do processo competitivo é marcado pela divulgação ao mercado do teaser (alerta de venda), o qual conterá as informações iniciais sobre a oportunidade de investimento.

Os potenciais compradores que forem habilitados em uma primeira fase (por meio do envio de propostas não -vinculantes) iniciarão o processo de auditoria (due diligence) mediante o acesso a um data room virtual contendo mais infor-mações sobre o projeto, além de instruções sobre o processo de desinvestimento, incluindo as orientações para elaboração e envio das propostas. Também será facultado aos participantes do processo submeter perguntas que serão respondi-das pela Petrobras de acordo com cronograma e regras específicos ao processo.

A fase de due diligence, como em todas operações de fusões e aquisições, é essencial para identificação de contingências já materializadas, condutas que podem levar a passivos futuros, eventuais ônus ou gravames dos ativos, cum-primento da legislação aplicável e adoção de boas práticas pela empresa-alvo, melhor entendimento do estado do ativo, verificação de potenciais dificuldades na operação, etc. Tal análise servirá para cálculo do preço na apresentação da proposta vinculante, bem como para estabelecimento dos termos e condições na negociação do contrato de compra e venda.

A Petrobras também poderá agendar visitas técnicas, nas quais serão presta-das informações mais detalhas e será possível visitar os campos e plataformas.

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A apresentação da proposta vinculante deverá ser acompanhada de uma versão revisada das minutas dos contratos a serem firmados para a concreti-zação do negócio jurídico pretendido.

Por fim, a Petrobras selecionará a oferta considerada mais vantajosa, conforme critério estabelecido, que deverá levar em consideração o maior benefício econômi-co para a empresa.

5.3 Questões críticas na negociação do Farmout/SPA e fechamento da operação

Além das questões peculiares a um processo de aquisição de ativos da Petro-bras, enquanto sociedade de economia mista, surgem nesse processo de desinves-timento desafios ao investidor quanto a atos extrínsecos ao negócio em si, que fogem ao controle e à negociação das partes. Refere-se, aqui, especialmente, a atos que dependem da discricionariedade da agência reguladora do setor, a ANP.

A primeira questão que se identifica refere-se especialmente aos blocos da Rodada Zero, isto é, aqueles concedidos à Petrobras no âmbito da Lei nº 9.478/1997 – Lei do Petróleo –, que, ao retirar da Petrobras o exercício exclusivo do monopólio da União para as atividades de exploração e produção de hidro-carbonetos, concedeu os direitos para exercício de tais atividades à Petrobras pelo prazo de 25 anos.

Sendo assim, o prazo dessas concessões expira em 2023, e os investidores hoje (ano de 2018) interessados na aquisição desses direitos têm como premis-sa básica para a viabilidade e a atratividade de um negócio no qual vultosos investimentos são necessários e custos e responsabilidades tão relevantes são assumidos a necessidade da extensão do prazo da concessão, eis que o propósito do negócio está justamente em prolongar a vida produtiva dos campos nos quais a Petrobras não tem mais interesse em seguir investindo, dentro das prioridades impostas pelo descobrimento de áreas muito promissoras, como o pré-sal.

Considerando-se que apenas a concessionária tem legitimidade para soli-citar extensão de prazo dos seus contratos de concessão à ANP e que não faz sentido que a Petrobras, tendo decidido alienar tais direitos a terceiros, apresen-te à ANP um pedido de extensão que deve se basear em um plano de desenvol-vimento e de investimentos que já não serão seus, há uma situação de impasse, ou melhor, de incerteza, já que o potencial adquirente tem que fazer oferta para

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um bloco cuja concessão hoje termina em 2023, na expectativa de que esse contrato de concessão tenha seu prazo estendido pela ANP.

Essa incerteza foi de certa forma mitigada – ainda que não totalmente su-perada – pela Resolução nº 17 do Conselho de Política Energética (CNPE), de 08/06/2017, que ditou, em seu Artigo 3º, VIII, como uma das diretrizes a serem seguidas pela ANP a de “estimular a extensão de vida útil dos cam-pos, promovendo, simultaneamente, a cultura de preservação das condições de segurança e respeito ao meio ambiente”. Nesse passo, em princípio, a ANP deverá ter disposição de estender os prazos de concessão de campos maduros, sendo certo que, para tanto, o novo concessionário deverá apre-sentar um plano de desenvolvimento que dê à Agência elementos que sus-tentem uma decisão favorável. Nesse momento não se pode ignorar o grau de discricionariedade da ANP, o que provoca, sem sombra de dúvida, uma incerteza no investidor com relação à compra dos ativos em exame, eis que, repita-se, a extensão do prazo da concessão é premissa básica desse negócio.

Outra questão recorrente em transações de Farmout no Brasil – e o pro-cesso de desinvestimento de campos maduros não fugirá à regra – é que a cessão dos direitos do concessionário de exercer atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural só se opera mediante a aprovação, pela ANP, do respectivo termo de cessão. Assim, os contratos de compra de venda – SPA – contém condição resolutiva de que a ANP aprove a cessão.

Para as petroleiras já estabelecidas e cadastradas na ANP (seja como ope-radoras A, B ou C ou não operadoras), essa condição é naturalmente menos preocupante, tendo em vista que já são reconhecidas como agentes capacita-dos para as atividades em questão pela Agência.

Entretanto, para empresas recentemente estabelecidas, a aprovação do termo de cessão passará, ainda, pelo estágio prévio de registro perante a ANP, como operadoras ou não operadoras aptas a exercer as atividades de E&P. Diga-se a esse respeito que a supramencionada Resolução nº 17/2017 do CNPE, em seu Artigo 3º, inciso VII, visa incentivar descobertas de pequeno e médio portes.

A depender do valor da operação de compra de direitos, pode haver, ainda, a necessidade de aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o que consta também, normalmente, como condição resolutiva de transações de cessão de direitos petrolíferos.

Em suma, ainda que não reste dúvida de que a Resolução nº17/2017 do CNPE veio traçar diretrizes de fomento e destravamento para o setor de óleo e

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gás, visivelmente visando expandir o mercado para ativos maduros e de menor atratividade para empresas de pequeno e médio porte, os processos como o que ora assistimos de desinvestimento de campos maduros da Petrobras ainda colo-cam para os investidores interessados uma série de desafios na hora de compor suas ofertas e avaliar seus riscos.

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6. Responsabilização de administradores e aquisição de ativos em tempos de Lava Jato

Paulo Vieira Camila Borba Lefèvre

Lucas Hermeto

6.1 O contexto

A Lava Jato e outras operações correlatas que surgiram nos últimos anos para investigar atos de corrupção em vários setores de governo tiveram um grande impacto no Brasil. Pela primeira vez, o País viu empresários poderosos sendo condenados e presos por esse tipo de delito. Penalidades inéditas foram aplicadas a grandes conglomerados empresariais, que tiveram seus nomes, suas marcas e sua reputação fortemente abalados por envolvimento com ilícitos.

A severidade das condenações – inclusive a de um ex-presidente da Re-pública – evidencia a rigidez com que o Ministério Público e o Poder Judici-ário vêm aplicando a Lei, ficando cada vez mais claro que um determinado tipo de comportamento, por parte tanto de agentes públicos como do setor privado, não é mais aceitável aos olhos dessas autoridades.

Decisões recentes mostram, inclusive, que, ao contrário do que a teoria processual-penal tradicional ensina, um conjunto de fatos e sua mera contex-tualização podem, sim, servir como prova de ilícitos – mesmo que os fatos con-siderados individualmente não fossem suficientes para uma condenação. Não é mais possível confiar em formalismos para se evitá-la.

Em paralelo, e como demonstração do mesmo fenômeno de intolerância para com a prática de tais atos, a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), passou a responsabilizar, na esfera administrativa, também a pessoa jurídica que se envolve em corrupção, sendo que essa responsabilidade, em tese, transfere-se a quem eventualmente adquirir aquela entidade.

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Enfim, os novos parâmetros para responsabilização de administradores de sociedades e as penalidades estabelecidas pela Lei Anticorrupção produziram impactos significativos na seara empresarial, tornando, de certa forma, indese-jadas a assunção de cargos de administração em grandes empresas e a aquisição de ativos de grandes conglomerados (especialmente os de grupos que contratem com o Poder Público que sejam beneficiários de isenções fiscais, etc.). Teoria e prática demonstram, porém, que é, sim, possível, senão afastar, ao menos miti-gar esses riscos.

6.2 Cuidados necessários à proteção dos administradores (e, em última análise, também das empresas)

O elevado número de condenações proferidas contra altos executivos tem atraído aplausos, de um lado – por quebrar o estigma de que crimes empresariais seriam sinônimo de impunidade no Brasil –, e críticas, de outro – relacionadas, em geral, a alegadas violações a direitos individuais por parte das autoridades.

Por certo, em princípio, o recebimento de denúncias criminais pelo Poder Ju-diciário – para dar início ao processo penal – deveria depender da existência de “justa causa”1, isto é, de indícios mínimos que atribuam a autoria do crime a determinada pessoa. Em tese, não se admitem denúncias genéricas, que não in-dividualizem a efetiva participação de cada um dos acusados na prática do crime.

Entretanto, em se tratando de acusações de crimes cometidos no contexto empresarial (incluindo corrupção ativa, lavagem de dinheiro, crimes ambientais, etc.), há entendimento consolidado dos Tribunais no sentido de que a descrição minuciosa de cada uma das condutas seria desnecessária2. Essa circunstância, não raro, permite a instauração de processos criminais apenas em razão do car-go ou da posição societária ocupado(a) por determinada pessoa, sem indicação de elementos que comprovem minimamente sua participação efetiva no crime3.

1 Código de Processo Penal, art. 395, III.

2 Por exemplo: “(...) Nos crimes societários é prescindível a descrição minuciosa e detalhada das condutas de cada autor, bastando a descrição do fato típico, das circunstâncias comuns, os motivos do crime e indícios suficientes da autoria ainda que sucintamente, a fim de garantir o direito à ampla defesa e contraditório (...)”. (STF, DJe 16/12/2016, HC 136.822 AgR, Rel. Min. Luiz Fux)

3 Por exemplo: “(...) De acordo com o órgão ministerial, o ilícito foi praticado pelos acusados porque eram administradores da aludida pessoa jurídica, detendo, no período em questão, o domínio do

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Esse cenário inspira uma série de cuidados, não só para minimizar riscos de acusações criminais generalizadas contra administradores – e também contra sócios –, como, ainda, para maximizar as chances de, havendo o ajuizamento de uma ação penal, os executivos não relacionados aos fatos serem prematura-mente retirados do processo.

Nesse sentido, em meio a um movimento pendular claramente favorável à acusação, ainda há precedentes judiciais que determinam a extinção prema-tura (ou “trancamento”) de ações penais por se entender que, nas respectivas situações concretas, não havia indícios da participação individual de certos ad-ministradores na prática dos crimes societários que lhes são imputados4. Na falta de parâmetros mais claros e objetivos na legislação e na jurisprudência majoritária – para estabelecer até que ponto pode ir a responsabilização penal dos administradores –, a análise desses casos específicos e das decisões judiciais neles proferidas constitui importante ponto de partida para se pensar em medi-das preventivas contra esse tipo de acusação.

E a conclusão é que, a despeito da oscilação inerente ao Poder Judiciário, exis-tem mecanismos que permitem às empresas, em alguma medida, mitigar os riscos de acusações criminais genéricas e maximizar as chances de tais processos, se ajuizados, serem extintos.

Nesse sentido, para se obter a extinção prematura de uma ação penal, ain-da que apenas em relação a determina(s) pessoa(s), é preciso que o equívoco da acusação seja perceptível por elementos muito evidentes. Afinal, como se registrou, havendo dúvida quanto à possível participação do(s) acusado(s) no

fato, isto é, o poder de determinar, de decidir e de fazer com que seus empregados e contratados executassem o ato, sendo, portanto, os responsáveis pela infração penal narrada. (...) a descrição dos fatos exposta pelo órgão ministerial na exordial atende de forma satisfatória os requisitos legais exigidos para que se garanta à ré o exercício da ampla defesa e do contraditório”. (STJ, DJe 01/02/2017, RHC 77.050, Rel. Min. Jorge Mussi)

4 Por exemplo: “(...) não basta invocar que o paciente se encontrava numa posição hierarquicamente superior para se presumir tivesse ele dominado toda a realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre a prática do crime de evasão de divisas, sua interrupção e suas circunstâncias, máxime considerando-se a estrutura das empresas da qual era diretor-presidente, que eram dotadas de uma diretoria financeira, no âmbito da qual se realizaram as operações ora incriminadas. Exigível na espécie, portanto, que a denúncia descrevesse atos concretamente imputáveis ao paciente, constitutivos da plataforma indiciária mínima reveladora de sua contribuição dolosa para o crime” (STF, j. 06/12/2016, HC 127.397, Rel. Min. Dias Toffolli, pendente de publicação) V. tb.: STF, DJe 27/09/2016, HC 127.415, Rel. Min. Gilmar Mendes.

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suposto crime, a tendência é que a denúncia seja recebida, e o processo criminal prossiga com relação a ele.

Daí a importância de a empresa ter regras claras que definam as (efetivas) atribuições de seus diversos órgãos e cargos. Com efeito, ao facilitar a visualização dos diversos feixes de atribuições existentes na empresa, a medida possivelmente diminuirá os riscos de acusações criminais genéricas e aumentará as chances de, sendo instaurado o processo, obter-se o seu trancamento em relação aos adminis-tradores cujas atividades não se relacionem aos fatos objeto da acusação.

Além disso, é recomendável que as empresas tenham sistemas efetivos de gerenciamento dos riscos específicos de suas atividades. Assim, por exemplo, instituições financeiras devem ter o cuidado de prevenir a lavagem de dinhei-ro; empresas que contratam com o Poder Público, de garantir a higidez dessas contratações; e empresas que exploram recursos naturais, de prevenir e conter danos ambientais.

Decerto, embora tradicionalmente seja dito que o administrador não pode ser responsabilizado a menos que tenha recebido um alerta (red flag) que o obri-gasse a agir para impedir o implemento de certo risco5, atualmente, a prática demonstra que a mera inexistência de red flag pode não ser suficiente a eximi-lo dessa responsabilidade. Por certo, será preciso, ainda, que ele tenha se assegu-rado da criação e da manutenção de mecanismos que permitam a identificação dos red flags e o seu efetivo tratamento. Os doutrinadores de direito empresarial já apontam para essa evolução, segundo a qual o “dever de diligência” abrange a obrigação de criar e manter estruturas efetivas de controle e gerenciamento de riscos6. Essa preocupação é refletida, inclusive, na evolução do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, do Instituto Brasileiro de Go-vernança Corporativa (IBGC), cuja versão atual conheceu significativo incre-mento nesse particular em relação às anteriores7.

5 Por todos: EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. v. III, São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 124.

6 Cf., p. ex., YAZBEK, Otávio. Representações do dever de diligências na doutrina jurídica brasileira. In: KUYVEN, Luiz Fernando Martins (Coord.). Temas essenciais de direito empresarial: Estudos em homenagem a Modesto Carvalhosa. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 957-958.

7 Cf. a versão atual: “4.5 Gerenciamento de riscos, controles internos e conformidade (compliance). (...) Práticas: (...) g) A diretoria, auxiliada pelos órgãos de controle vinculados ao conselho de administração (comitê de auditoria, vide 4.1) e pela auditoria interna (vide 4.4), deve estabelecer e operar um sistema de controles internos eficaz para o monitoramento dos processos operacionais e financeiros, inclusive os relacionados com a gestão de riscos e de conformidade (compliance). Deve, ainda, avaliar, pelo menos anualmente, a eficácia do sistema de controles internos, bem como prestar

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E para além dos instrumentos de compliance – bastante debatidos no cenário atual –, os mecanismos de governança corporativa tradicional (diretorias, con-selho de administração, conselho fiscal, comitês, auditorias, etc.) também ad-quirem especial relevância nesse contexto. Afinal, uma sociedade que disponha de órgãos de administração e de controle com atribuições claramente definidas, com fluida interação entre si e compostos por profissionais capacitados e de expertise complementar certamente minimizará o risco de acusações criminais genéricas, além de propiciar eficiências que decerto se refletirão em um melhor gerenciamento de riscos.

6.3 Novos cuidados em operações de M&A

A mudança de paradigma decorrente da Operação Lava Jato e de movimentos correlatos também afetou a condução das operações de venda de ativos (M&A).

Até pouco tempo atrás, as principais preocupações dos investidores interes-sados na aquisição de ativos no Brasil, de forma geral, eram dirigidas a riscos trabalhistas, fiscais e, dependendo do setor, regulatórios e ambientais. Mais re-centemente, contudo, o foco da due diligence nas operações tem migrado para os riscos envolvendo compliance e o cumprimento da Lei Anticorrupção.

Como se mencionou, essa lei inovou ao responsabilizar a pessoa jurídica de forma objetiva (independentemente de culpa ou dolo) por atos ilícitos prati-cados em seu nome ou em seu benefício (art. 2º). Seu artigo 4º estabelece, de forma não muito clara, que essa responsabilidade não cessa na hipótese de alte-ração societária. Assim, diante do teor amplo e genérico do dispositivo, não há como afastar o risco de a responsabilidade por atos de corrupção permanecer, mesmo na hipótese de venda do negócio, seja por meio de troca de controle ou por reestruturação societária.

Além disso, a Lei estabelece que empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico são solidariamente responsáveis pela prática dos ilícitos (art. 4º, § 2º) – de forma que, em uma aquisição, o comprador pode levar para seu grupo

contas ao conselho de administração sobre essa avaliação. h) O sistema de controles internos não deve focar-se exclusivamente em monitorar fatos passados, mas também contemplar visão prospectiva na antecipação de riscos. A diretoria deve assegurar-se de que o sistema de controles internos estimule os órgãos da organização a adotar atitudes preventivas, prospectivas e proativas na minimização e antecipação de riscos”.

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responsabilidades envolvendo ilícitos praticados pela empresa-alvo ou por qual-quer outra do seu antigo conglomerado, mesmo que não relacionadas com o negócio que está sendo adquirido.

Nesse cenário legislativo, do ponto de vista do comprador, a due diligence anti-corrupção – inclusive com o uso de ferramentas de investigação forense, confor-me o caso – torna-se um elemento essencial na avaliação dos riscos envolvidos em uma aquisição. E do lado das autoridades, a due diligence aprimorada também é in-teressante, pois eleva as possibilidades de revelação de atos de corrupção, dados os benefícios que a Lei oferece – por meio do “acordo de leniência” –, para a empresa que denunciar ilícitos eventualmente identificados no contexto de uma operação.

Nesse contexto, a celebração de acordos de leniência – pelos quais empresas reconhecem a prática de ilegalidades e negociam com as autoridades a penalidade a lhes ser aplicada – passa a ser instrumento à disposição dos contratantes, inclu-sive para fins de se atribuir maior segurança a uma operação de M&A. Com efei-to, se bem conduzidos – e se envolverem todas as autoridades competentes para punir aquele mesmo fato –, tais acordos podem dar previsibilidade em relação à extensão das consequências do ato de corrupção – que, eventualmente, vier a ser revelado ao potencial comprador no âmbito de uma due diligence “anticorrupção”.

Se, por um lado, um ativo envolvido em atos de corrupção pode, em tese, mostrar-se indesejado em decorrência do risco que essa circunstância pode re-presentar para o adquirente, por outro, essa mesma “qualidade” decerto im-pactará negativamente o seu preço – comparativamente a um ativo que não apresente tal risco. Desse modo, conhecendo os riscos, a aquisição de ativos de grupos envolvidos em escândalos pode representar uma oportunidade de bom negócio, para o qual a celebração de acordo de leniência, dependendo da hipó-tese, pode se mostrar um instrumento interessante.

E além dessas alternativas, existem técnicas contratuais – algumas tradicio-nais e outras até há pouco tempo incomuns – para se lidar com esses mesmos riscos (como o uso de cláusulas de indenidade, escrow account, garantias espe-cíficas, possibilidade de desfazimento do negócio, etc.).

6.4 Conclusão

O fenômeno do enrijecimento da repressão contra atos de corrupção – do qual a Operação Lava Jato e a Lei Anticorrupção são manifestações – teve

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impactos de extrema relevância na vida empresarial, alterando a dinâmica que tradicionalmente definia os (i) parâmetros para responsabilização de ad-ministradores e (ii) os riscos envolvidos em operações de M&A.

Quanto ao primeiro ponto, para se evitarem acusações generalizadas contra seus executivos, é recomendável que as empresas identifiquem os riscos que são inerentes às suas atividades e, a partir daí, reavaliem e, se for o caso, reformu-lem suas estruturas internas (de compliance e de governança, em geral), com o objetivo de melhorar a gestão e o controle daqueles riscos. Com isso, decerto se conseguirá proteger sua esfera jurídica e também a de seus administradores, inclusive na eventual ocorrência de eventos indesejados.

Com relação ao segundo ponto, a due diligence tradicional e o uso de cláusu-las de anticorrupção nos contratos deixaram de ser suficientes para prover a se-gurança necessária aos adquirentes de ativos – sendo altamente recomendável a realização, ainda, de uma due diligence específica objetivando apurar possível envolvimento da sociedade adquirida em atos de corrupção, com o possível uso de investigações forenses. Adicionalmente, ferramentas contratuais e ou-tros instrumentos legais (como a celebração de acordo de leniência) podem ser adequadamente customizados de modo a criar um nível desejado de proteção aos ativos e seus compradores –, de maneira a viabilizar o aproveitamento de boas oportunidades de negócios.

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7. Reserve Based Lending no Brasil

Daniela Ribeiro Davila

Reserve Based Lending (RBL) é um mecanismo de financiamento internacio-nalmente utilizado pelas empresas produtoras de petróleo e gás natural para fi-nanciar suas atividades, cujas garantias são, entre outras, suas reservas compro-vadas e instalações de produção. Tendo como lastro suas reservas, as empresas alavancam seus balanços patrimoniais de forma a captar recursos para atender às suas necessidades de capital intensivo e amortizam tal financiamento com recursos provenientes da venda de sua produção.

O RBL começou a ser utilizado nos anos 1970 nos Estados Unidos, onde a legislação sobre a propriedade das reservas in situ é peculiar, eis que pertencem ao detentor da licença, mas logo se adotou no Mar do Norte do Reino Unido e da Noruega, com as devidas adaptações às legislações de cada país.

Prestam-se ao RBL os projetos estruturados normalmente sob a forma de project finance, envolvendo campos já em produção ou em que a produção está próxima de começar, e se aplicam, em regra, às operações de empréstimos non--recourse e, às vezes, também em empréstimos limited recourse.

O montante a ser disponibilizado numa estrutura de RBL se baseia e depen-de de diversos fatores-chave, tais como: (i) valor presente da produção futura e esperada do campo em questão, levando-se em consideração o volume das re-servas; (ii) projeção do preço do barril do petróleo; (iii) alguma taxa de descon-to; (iv) custos com capex e opex; (v) tributos; (v) participações governamentais; (vi) valores de hedge.

O RBL é um mecanismo que possibilita à empresa petroleira reciclar o capital investido durante a fase de exploração para utilização nas fases de desenvolvi-mento e produção, antecipar seu fluxo de caixa da fase de produção de uma determinada área para utilização na exploração de outra área e, ainda, a aquisição alavancada de novos ativos em produção.

As instituições financeiras que trabalham com RBL estão preparadas para correr riscos inerentes à indústria do petróleo, qual sejam, performance do ope-

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rador, risco de produção (projeção X realizada), flutuação da cotação do petró-leo e riscos relacionados a sua efetiva comercialização.

Com efeito, as quantias disponibilizadas no RBL são inversamente propor-cionais ao principal risco apontado acima, isto é, o risco de produção. Assim, os valores são maiores quando as reservas são provadas, estão desenvolvidas e já em produção. Contrariamente, os valores são menores quando as reservas são prova-das e desenvolvidas, mas ainda não estão em produção, e menores ainda quando são provadas, mas ainda não estão desenvolvidas.

Vê-se, portanto, que o RBL é uma forma de financiamento desenvolvida especialmente para a indústria de O&G e praticada por instituições financeiras com conhecimento especializado no setor.

Salta aos olhos, portanto, que o RBL é uma ferramenta muito valiosa para uma indústria de O&G em expansão, como a brasileira. Maior relevância, ain-da, adquire nesse momento da história do setor, no qual a política de Estado aponta para o incentivo à entrada de novos players de pequeno e médio porte e para uma mudança no portfólio da Petrobras, que, como player dominante, impacta todo o setor. Assim, no momento em que a Petrobras estrategicamente decide focar mais nas áreas com maior potencial como o pré-sal e põe a venda diversos campos maduros em um processo estruturado de desinvestimento, a discussão sobre RBL ganha especial relevância e atualidade.

No Brasil, o fato de as reservas de hidrocarbonetos in situ serem bens dominicais da União Federal não constitui empecilho para a utilização do RBL, eis que o montante do empréstimo tem lastro na valoração das re-servas, mas as garantias recaem sobre a produção futura, e o pagamento do empréstimo se dá com o produto da venda da produção, a qual, após o ponto de medição, é de propriedade exclusiva do concessionário no regime de concessão e deve ser dividida com a União nos percentuais que caibam no regime de Partilha de Produção.

Hoje já se adotam no Brasil financiamentos com garantias do modelo de RBL, tais como penhor/cessão fiduciária de petróleo e gás; de contas contro-ladas, de direitos decorrentes de contratos de concessão; de recebíveis de-correntes de contratos offtake; de quotas e ações; de direitos decorrentes de contratos de operação conjunta (JOAs) e contratos de consórcio; cessão de contratos operacionais; hipoteca ou alienação fiduciária das unidades de pro-dução (FPSOs, WHP, etc.).

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Entretanto, os desafios encontrados pelas partes – empresas e instituições fi-nanceiras – são de ordem regulatória, tendo em vista a ingerência da ANP em diversos aspectos na constituição de garantias (vedações contratuais e necessida-de de anuência previa da Agência) e dificuldades no momento da excussão das garantias em casos de inadimplemento.

É preciso criar um conjunto de regras que ofereçam segurança jurídica e previsibilidade na criação e na excussão das garantias. Para isso, a ANP deve indicar, de forma clara, requisitos mínimos e dar ao concessionário liberdade para constituir garantias, respeitados os ditos requisitos mínimos.

É necessário também dotar de maior agilidade e certeza os procedimentos preparatórios à excussão das garantias, isto é, prever mecanismos de interven-ção temporária no projeto, como a troca forçada do concessionário – direito de step-in. Hoje, caso haja um inadimplemento, há necessidade de aprovação da cessão de direitos pela ANP (em qualquer caso, seja em operações de venda voluntária – farmout –, seja em casos de excussão por inadimplemento), o que atrasa e dota de incerteza o processo, sobretudo em se tratando de uma indús-tria altamente especializada. Nesse ponto, a sugestão unânime dos agentes do mercado, na Consulta Pública da ANP sobre o assunto, foi a criação da figura de operadores emergenciais pré-aprovados pela ANP que possam assumir tem-porariamente as operações de forma a se compatibilizar com períodos de cura típicos de contratos de financiamento, preservando os ativos e mantendo as operações em condições de segurança. Nesse ponto, fica claro que um mecanis-mo de step-in, com operadores emergenciais pré-aprovados pela Agência, serve ao alinhamento de interesses entre a ANP e os financiadores.

Outra questão relevante que precisa ser endereçada pela ANP, sobretudo com respeito a contratos mais antigos, muitos dos quais fazem parte do pro-grama de desinvestimento da Petrobras (campos maduros), são as disposições contratuais sobre deterioração financeira do concessionário. Com efeito, tais cláusulas foram aperfeiçoadas nos contratos de rodadas posteriores, sobretu-do no que diz respeito a hipóteses de recuperação judicial. Assim, na referida Consulta Pública foi sugerido à ANP estudar a aplicação das disposições dos contratos atuais aos contratos anteriores, mediante solicitações, caso a caso.

Em suma, as ações listadas acima em relação a pontos críticos identificados, cujo endereçamento pela ANP é necessário à plena utilização do RBL no Brasil, não só urgem, como também estão totalmente em linha com os princípios da Política Energética do CNPE (vide Resolução nº 17/2017), uma vez que somente

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o financiamento em grande escala de instituições financeiras que entendem e tomam o risco do setor de petróleo será capaz de alavancar e possibilitar a entrada de pequenas e médias empresas de petróleo nesse setor de capital in-tensivo e riscos tão peculiares.

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PARTE III

TEMAS DE O&G, OFFSHORE E AMBIENTAL

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8. Farm-in em campos maduros e seus desafios

Thiago Luiz Pereira da Silva

8.1 Introdução

A indústria de óleo e gás no Brasil atingiu seu primeiro grande ciclo de ama-durecimento dos ativos de exploração e produção. Os atuais campos maduros, que em seu auge de produtividade eram “as meninas dos olhos” dos detentores de seus direitos de exploração e produção, gradualmente perdem, junto com sua produtividade, a atratividade para grandes empresas de exploração e produ-ção. No entanto, para outros agentes econômicos esses ativos representam uma oportunidade de diversificar seu portfólio de faturamento, bem como a porta de entrada na indústria de óleo e gás brasileira.

Sobre a importância de atrair novos investidores, precisamos ter em men-te que manter a produção de hidrocarbonetos dos campos maduros significa manter a continuidade da arrecadação de royalties e tributos e uma quantidade significativa de empregos, fatores sensíveis para o progresso econômico do País. Nesse intuito, o Governo brasileiro tem tomado louváveis medidas de fomento para manter o interesse econômico nesses ativos, com especial atenção para a Resolução nº 17/2017 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Dentre as medidas, destacam-se: i) a redução das exigências de Conteúdo Local nos novos contratos de concessão para campos maduros marítimos; ii) a inexigibilidade de Conteúdo Local nos novos contratos de concessão para cam-pos maduros terrestres; iii) a extensão do Repetro, que beneficia diversos dos ativos utilizados na operação desses campos; iv) a redução dos royalties inciden-tes sobre tais campos; v) a redução do patrimônio líquido necessário para quali-ficação de empresas interessadas em atuar como não operadores, incentivando a entrada de novos agentes na indústria; vi) incentivos para participação de fundos de investimentos, promovendo a participação como concessionário de pessoas jurídicas de natureza estritamente financeira; vii) a implementação do

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reserve based lending, que viabilizará projetos de exploração e produção que não suportam financiamentos mais agressivos; viii) a orientação realizada pelo Con-selho Nacional de Política Energética para que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) estimule a extensão de vida útil dos campos maduros, entre outras.

Por mais louvável que seja a adoção das medidas indicadas, há alguns obs-táculos criados pela atual regulação que precisam ser enfrentados para garantir uma real indústria do óleo e gás brasileira, com significativo número de agentes e multiplicidade de operadores atuando em cada um dos segmentos.

8.2 Formas de investimento em ativos de exploração e

produção maduros

Basicamente, existem duas formas de se investir em campos maduros: i) a aquisição de participação total ou parcial em concessões em campos madu-ros, por meio das licitações da ANP, com destaque para a recentemente im-plementada Oferta Permanente; e ii) a compra e venda, total ou parcial, da participação detida por uma empresa em determinado campo e a cessão de seu(s) respectivo(s) contrato(s) de concessão (farm-in). Nesta segunda modali-dade, merece particular destaque o Programa de Desinvestimento da Petrobras, em que mais de cem concessões estão sendo oferecidas, com oportunidades de diferentes perfis.

O investimento em áreas da Oferta Permanente traz vantagens como a possibilidade de análise dos ativos “sem pressa” pelos potenciais investidores (em comparação com as Rodadas de Licitação ordinárias), uma vez que não há uma data única para apresentação das propostas, as quais, caso realizadas, ocorrerão fora do ambiente competitivo de uma licitação. Por outro lado, em comparação com o farm-in em campos maduros sob operação, nesse cenário há disponibilidade reduzida de informações sobre os reservatórios e seus modelos, necessidade maior de investimento no desenvolvimento do campo e algum ris-co exploratório (ainda que diminuto).

Por sua vez, a aquisição de ativos via farm-in apresenta vantagens, como, por exemplo, o potencial significativo de incremento do fator de recuperação dos campos, a potencial redução dos custos de descomissionamento estimados pelo atual operador por meio de técnicas mais eficientes e sua mitigação ao longo do

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período estendido de vida útil dos campos, a possibilidade de aquisição progres-siva de participação, com a transição da operação escalonada.

A aquisição de participação em campos maduros atualmente operacionais é a forma de investimento que apresenta os maiores desafios para análise por investidores que desejam assumir a operação (em contraposição a investidores que planejam ser não operadores).

Para os fins deste estudo, focaremos na análise desses desafios, com suges-tões de solução para os atuais obstáculos.

8.3 A extensão da vida útil dos campos e a atual dinâmica para apresentação dos Planos de Desenvolvimento

Em um processo de farm -in em campos maduros, a viabilidade econômica dos projetos costuma depender do aumento do fator de recuperação dos campos e respectiva extensão dos prazos dos contratos de concessão. Em seu turno, a extensão do prazo dos contratos de concessão fica condicionada à demonstra-ção, pelo concessionário, de que a extensão da vida útil dos campos é comer-cialmente viável, por meio dos respectivos Planos de Desenvolvimento.

Do ponto de vista operacional, a extensão da vida útil dos campos exige a implementação de técnicas cujo ineditismo no cenário brasileiro podem gerar incertezas sobre sua aceitabilidade, o mesmo podendo ser dito das técnicas de descomissionamento mais avançadas.

Ocorre que a atual dinâmica do procedimento de cessão de direitos não permite que o investidor adquirente afaste as incertezas sobre a viabilidade do seu projeto (e do respectivo Plano de Desenvolvimento projetado) antes da aprovação do pedido de cessão de direitos, momento no qual tal investi-dor já terá assumido integralmente as obrigações do contrato de concessão cedido perante a ANP.

Isso porque o processo de cessão de direitos inicia-se com o envio do pedido de cessão pelo concessionário cedente, junto com os documentos relevantes, para análise e aprovação da ANP. Somente após a análise e aprovação do pe-dido de cessão de direitos é que o concessionário adquirente poderá apresentar o seu plano de desenvolvimento (o que deve fazer 180 dias após a aprovação do pedido de cessão de direitos). Nesse momento, o investidor, já concessionário, não poderá “desistir” da cessão e permanecerá obrigado a cumprir o plano de

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desenvolvimento anteriormente aprovado, incluindo o respectivo descomissio-namento. Ou seja, no atual marco regulatório, os potenciais investidores somen-te têm certeza de que os contratos de concessão terão seus prazos estendidos e seu plano para desenvolvimento e produção estendida do campo é aceitável após terem assumido integralmente as obrigações e riscos dos contratos.

Uma solução negocial para esse impasse, mas com significativo risco para o concessionário cedente, é que esse concessionário envie o plano de desenvolvi-mento pretendido pelo concessionário potencialmente adquirente para análise e aprovação da ANP antes do envio do pedido de cessão de direitos. Existem alguns obstáculos consideráveis para essa solução. Sob a perspectiva técnico--operacional, há o desafio gerado pelo fato de, antes de assumir a operação do campo, o concessionário adquirente não deterá as informações necessárias à apresentação de um plano de desenvolvimento robusto e definitivo.

Pela perspectiva do concessionário cedente, caso o plano de desenvolvimen-to pretendido pelo adquirente seja aprovado pela ANP e a operação de farm-in não se efetive entre suas contrapartes, o concessionário cedente terá se com-prometido ao cumprimento do plano de desenvolvimento pretendido perante a ANP, cuja aprovação do plano de desenvolvimento é vinculante.

Outra solução que depende da modificação regulatória no processo de ces-são de direitos, entre outros possíveis desafios, é a criação de um procedimento que permita o envio pelos potenciais adquirentes de um teaser do plano de desenvolvimento projetado para determinado campo, a ser analisado pela ANP sem efeito vinculante e com garantia da confidencialidade das informações. O sigilo do teaser é essencial, pois, uma vez que o farm-in ainda não terá sido con-cluído, a publicação do conteúdo do Plano de Desenvolvimento terá potencial extremamente gravoso para a transação.

No cenário sugerido, a ANP apontará as eventuais necessidades de ajustes para aprovação do teaser, o que garante que suas premissas técnicas e de segu-rança serão respeitadas. Uma vez indicadas as necessidades de ajuste, as partes envolvidas no farm-in poderão melhor precificar o eventual desenvolvimento dos campos, afastando as incertezas sobre a viabilidade do projeto. Embora tal dinâmica represente novos custos administrativos referentes à análise pela ANP, o potencial adquirente poderá custear essa análise, representando uma justa troca pelas incertezas afastadas.

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8.4 Falta de objetividade na regulação sobre

descomissionamento

Não há como discutir investimento em campos maduros sem abordar as responsabilidades pelo descomissionamento que surgirão para os investi-dores. É importante frisar que somente com a certeza de que os prazos dos contratos de concessão serão estendidos é que o projeto terá capacidade de ser financeiramente viável e de incorporar os custos significativos do desco-missionamento de um campo maduro, que serão dispersados durante o novo e estendido prazo contratual.

Nesse sentido, vale lembrar que o CNPE, na Resolução 17/2017, instrui a ANP a tomar medidas para que o “descomissionamento das instalações só seja realizado ao final da vida útil dos campos, evitando que ocorra de forma pre-matura”. Para tanto, é essencial garantir que a extensão da vida útil dos campos será atingida sem grandes obstáculos.

Sobre a materialidade dos custos de descomissionamento, a experiência prá-tica tem mostrado que os projetos de campos maduros hoje em análise no Brasil têm como custos de descomissionamento seu principal fator econômico, sendo que o compromisso de assumir a responsabilidade pelos custos de descomissio-namento tem sido parte substancial da composição de valor das propostas.

No aspecto regulatório, atualmente o assunto ainda é regulado pelas Reso-luções ANP nº 27 e 28, de 2006 – normas bastante genéricas, que não traçam detalhadamente critérios objetivos de avaliação utilizados pela ANP para in-dicar se um projeto de descomissionamento será considerado aceitável para a Agência. Devido à ausência de tais critérios, temos um cenário similar àquele gerado pelas incertezas sobre a aceitação dos Planos de Desenvolvimento para os campos maduros e respectiva extensão da vida útil dos campos, menciona-do no tópico acima.

As Resoluções mencionadas estão atualmente sob revisão da ANP, sendo crucial que nessa revisão critérios objetivos de avaliação para o descomissiona-mento sejam traçados.

No entanto, embora a revisão das Resoluções seja de importância crítica, é necessária uma solução urgente para o assunto, que permita tanto aos atuais operadores quanto aos potenciais investidores avaliarem o que será aceitável pelas entidades reguladoras para o descomissionamento dos campos.

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Por um lado, a falta de objetividade dos critérios torna a mensuração dos custos de descomissionamento a ser assumido pelos potenciais investidores quase impossível. Perguntas como “o que será considerado um risco aceitá-vel pelas autoridades?”, “quais tipos de instalação poderão permanecer no leito marinho?”, “ainda que se decida por agir de forma conservadora, quais medidas são necessárias para comprovar que determinado risco é aceitá-vel?” surgem sem resposta durante uma avaliação de investimento, e, per-manecendo sem respostas, afugentam novos investidores. Por outro lado, os atuais operadores ficam incapacitados de planejar uma potencial extensão da vida útil dos campos, que permitiria dispersar os custos de descomissio-namento pelo período de concessão adicional.

De modo similar ao sugerido sobre o envio de teasers dos Planos de Desen-volvimento dos Campos, deve ser analisada a criação de um novo procedimen-to que permita aos potenciais adquirentes enviarem seu planejamento para o descomissionamento do campo para análise da ANP, sem efeito vinculante, incluindo as pretendidas garantias a serem fornecidas. Isso possibilitaria o sur-gimento de modelos criativos e sustentáveis nos pontos de vista técnico-opera-cional e financeiro. Nesse cenário, a ANP continuaria tendo toda a capacidade de avaliação sobre os ajustes necessários para aprovação dos projetos contidos nos teasers, ao mesmo tempo permitindo a precificação das responsabilidades assumidas pelo descomissionamento.

É também necessário ampliar as formas de garantia aceitáveis pela ANP para o descomissionamento, uma vez que as garantias atualmente aceitas representam custos financeiros significativos e que não se encaixam nas reduzidas margens econômicas desses projetos.

Do ponto de vista técnico-operacional, talvez o melhor método para que a ANP estabeleça os critérios objetivos razoáveis seja o comparativo, com base na experiência mundial no descomissionamento de áreas. É relativa-mente simples consultar1 projetos de descomissionamento aprovados ou sob análise das entidades reguladoras ao redor do mundo, e, certamente, a ANP tem legitimidade para solicitar tais informações a outras entidades regula-doras ao redor do mundo. Essa consulta proporcionará métodos para que as

1 No site do Governo britânico, por exemplo, é possível consultar, em versão integral, todos os projetos de descomissionamento sob análise e já aprovados desde 2006. Disponível em: <https://www.gov.uk/guidance/oil-and-gas-decommissioning-of-offshore-installations-and-pipelines>

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entidades brasileiras possam consultar as melhores técnicas mundiais, com a verificação do que é factível (e, portanto, exigível) e bem-sucedido na indústria. A indicação de determinados projetos bem-sucedidos em outras regiões do mundo como modelos de referência pelas entidades reguladoras poderá ser uma solução rápida e eficiente para o atual cenário de urgência, enquanto uma regulação pormenorizada é feita.

8.5 Conclusão

Apesar dos incentivos e medidas fomentadoras hoje existentes, projetos em campos maduros apresentam condições econômicas marginais. Garantir sua viabilidade econômica é um desafio que precisa de planejamento minucioso e da vontade dos agentes reguladores de fomentar negócios. A entrada de novos agentes econômicos na indústria de óleo e gás brasileira – meta tão almejada pela ANP – somente será possível com a adoção de medidas criativas e flexibili-zação dos procedimentos atualmente vigentes, os quais foram desenhados para empresas economicamente robustas e com capacidade de financiamento sólido. Com o devido esforço das entidades reguladoras, há oportunidades de negócio recompensadoras para os investidores dispostos a aceitar os desafios, cuja maior beneficiária será sempre a sociedade brasileira.

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9. O papel do Tribunal de Contas da União na indústria do O&G

Cláudio R. Pieruccetti Marques

É indiscutível que a geração de energia, convencional ou alternativa, é es-tratégica para o desenvolvimento de qualquer nação, não sendo o Brasil uma exceção a essa regra. Em razão de suas características naturais, a produção de petróleo e seus derivados ganha especial relevância em nosso país, seja sob o ponto de vista estratégico, seja mesmo sob o aspecto econômico-financeiro.

Tal fato, aliado à experiência estrangeira com órgãos de regulação, fez com que a União, na década de 1990, criasse alguns órgãos destinados a efe-tuar a regulação de setores considerados estratégicos. Naquilo que importa para a indústria do óleo & gás, a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, criou o Conselho Nacional de Política Energética, ao qual cabe, por exemplo, “definir os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção1”.

A Lei nº 9.478/1997 também criou a Agência Nacional do Petróleo (ANP), incumbindo a esta “promover estudos visando à delimitação de blocos, para efeito de concessão ou contratação sob o regime de partilha de produção das atividades de exploração, desenvolvimento e produção”2, “regular a execução de serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção petrolífera, visan-do ao levantamento de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases não-exclusivas”3 e, ainda, “elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a sua execução”4.

No setor de óleo & gás são esses dois órgãos – ou ao menos deveriam ser – que exercem as funções de fiscalização e regulação atribuídas à União pela pri-

1 Redação do inciso VIII do Artigo 2º da Lei nº 9.478/1997.

2 Redação do inciso II do Artigo 8º da Lei nº 9.478/1997.

3 Redação do inciso III do Artigo 8º da Lei nº 9.478/1997.

4 Redação do inciso IV do Artigo 8º da Lei nº 9.478/1997.

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meira parte do Artigo 5º da Lei nº 9.478/19975. Contudo, o complexo modelo de repartição de competências estabelecido na Constituição Federal promulgada em 1988 faz com que esses não sejam os únicos órgãos que exercem atividade fiscalizatória no setor, o que acaba, por vezes, gerando um cenário de inseguran-ça jurídica para os investidores.

Com efeito, nos termos do que dispõe o Artigo 20, inciso IX, da Consti-tuição Federal, o petróleo e o gás natural são bens de propriedade da União, constituindo a pesquisa e a lavra de tais recursos um monopólio, tal como pre-visto no Artigo 177 da Carta Constitucional, que em seu § 1º ainda prevê a possibilidade de contratação de empresas estatais ou privadas para o exercício de tais atividades, “mediante concessão, autorização ou contratação sob o re-gime de partilha de produção”, conforme previsão expressa na parte final do já mencionado Artigo 5º da Lei nº 9.478/1997.

Lançando mão a União de qualquer um dos mecanismos postos à disposição pela Lei nº 9.478/1997 para a exploração de petróleo e gás natural, estará ela contratando com um terceiro a “administração” de bens de sua propriedade, o que insere no contexto da fiscalização o Tribunal de Contas da União, a quem foi atribuída, pelo inciso II do Artigo 71 da Constituição Federal, a competência para “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta”6.

No âmbito dessa competência de fiscalizar a utilização de bens e recur-sos públicos, ao Tribunal de Contas da União é conferida a prerrogativa de sustar a execução7 dos atos sujeitos ao seu poder fiscalizatório, isto é, dos “atos de que resulte receita ou despesa, praticados pelos responsáveis sujeitos à sua jurisdição”8.

Aliás, nos termos do que dispõe o Artigo 276, § 2º, da Resolução TCU nº 246, de 30 de novembro de 20119 – o Regimento do Tribunal de Contas da

5 “Art. 5o As atividades econômicas de que trata o art. 4o desta Lei serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão, autorização ou contratação sob o regime de partilha de produção, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País.”

6 Parte inicial do inciso II do Artigo 71 da Constituição Federal.

7 Vide o inciso XI do Artigo 71 da Lei nº 9.478/1997.

8 Parte final do Artigo 41 da Lei nº 8.443/1992 – a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União.

9 “Art. 276. O Plenário, o relator, ou, na hipótese do art. 28, inciso XVI, o Presidente, em caso de urgência, de fundado receio de grave lesão ao erário, ao interesse público, ou de risco de ineficácia da decisão de mérito, poderá, de ofício ou mediante provocação, adotar medida cautelar, com ou

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União –, pode a Corte de Contas até mesmo conceder medida cautelar destina-da a suspender preventivamente o ato impugnado até que sobrevenha decisão definitiva sobre a matéria.

Especificamente no que diz respeito ao setor de óleo & gás, as licitações a cargo da Agência Nacional do Petróleo (ANP) são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União segundo as diretrizes constantes da Instrução Normativa nº 27, de 2 de dezembro de 1998, que cuidam das concessões, permissões e autori-zações de serviços públicos.

Em seu Artigo 7º e seguintes, a Instrução Normativa em comento divide o procedimento de fiscalização em 4 (quatro) estágios, sendo o primeiro deles destinado à análise, prévia ou concomitante:

“relatório sintético sobre os estudos de viabilidade técnica e econômica do empreendimento, com informações sobre o seu objeto, área e prazo de concessão ou de permissão, orçamento das obras realizadas e a reali-zar, data de referência dos orçamentos, custo estimado de prestação dos serviços, bem como sobre as eventuais fontes de receitas alternativas, complementares, acessórias e as provenientes de projetos associados”10

Pois bem, no início do ano de 2018 a ANP publicou o Edital da 15ª Rodada de Licitações para blocos terrestres e marítimos, para outorga de contratos de concessão para atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, que incluía os Blocos S-M-645 e S-M-534 (externos ao polígono do pré-sal) e, simultaneamente, da 4ª Rodada sob o Regime de Partilha de Produção, englo-bando o Bloco de Saturno (interno ao polígono), todos eles localizados na Área de Saturno, na Bacia de Santos.

Analisando a documentação relativa à 15ª Rodada enviada inicialmente pela ANP, o Tribunal de Contas da União constatou a ausência de documentos rele-vantes, o que ensejou pedido de encaminhamento de documentação complemen-tar, sendo certo que, a partir dessa resposta, a Corte de Contas apontou (i) que

“o risco de unitização entre as áreas a serem contratadas separadamente implica, além de descumprimento dos normativos legais e regulamen-

sem a prévia oitiva da parte, determinando, entre outras providências, a suspensão do ato ou do procedimento impugnado, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão suscitada, nos termos do art. 45 da Lei nº 8.443, de 1992.”

10 Texto do Artigo 7º, inciso I, alínea ‘a’, da Instrução Normativa nº 27/98.

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tares existentes, em risco econômico, pois tem potencial de interferir negativamente na própria atratividade da parcela de Saturno que rema-nesceu na 4ª Rodada de Partilha”11

e, (ii)

“outro risco relevante, de viés regulatório, criado pela decisão de se ofertar em licitações e regimes distintos duas áreas para as quais as in-formações técnicas hoje existentes sinalizam de forma bastante clara a necessidade de unitização.”12

Em virtude disso, acabou por determinar “a suspensão cautelar dos proce-dimentos de oferta pública dos blocos S-M-645 e S-M-534, no âmbito da 15ª Rodada de Licitações, até que o Tribunal se pronuncie definitivamente quan-to ao mérito das irregularidades apontadas”13, o que gerou enorme impacto – negativo – no mercado, não apenas pela interferência em si, mas também pelo fato de ela ter ocorrido na véspera da data designada para o leilão.

Ainda que se tenha feito um panorama geral da atividade fiscalizatória do Tribunal de Contas no setor de óleo & gás, esse tipo de medida traz à tona pelo menos duas importantes questões sob o ponto de vista jurídico.

A primeira delas diz respeito ao possível questionamento sobre a apli-cabilidade ou não da Instrução Normativa nº 27/1998 às licitações para a exploração de campos de petróleo, uma vez que a aludida norma, insista--se, regulamenta a fiscalização das concessões, permissões e autorizações de serviços públicos, categoria na qual se pode sustentar não estar enquadrada a exploração de jazidas de petróleo.

Muito embora não seja possível encontrar no ordenamento jurídico brasi-leiro uma definição precisa do conceito de “serviço público”14, a leitura do ar-

11 Essa justificativa consta do item 8 do relatório do Acórdão nº 672/2018 – Plenário (Processo TC nº 000.016/2018-7).

12 Esta, por sua vez, pode ser lida no item 9 do mesmo relatório.

13 Item 9.1 do Acórdão nº 672/2018 – Plenário.

14 Leia-se, por todos, o que diz Vlamir da Rocha França in: Comentários à Constituição Federal de 1988. Coordenadores: Paulo Bonavides, Jorge Miranda e Walber Moura Agra. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 2002.

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tigo 175 da Constituição Federal15 deixa transparecer que é ínsita ao conceito de serviço público a oferta de determinada “prestação” à sociedade, o que não se identifica na exploração econômica da atividade de lavra de jazidas de petróleo e gás natural16.

Mesmo que se alegue que os frutos dessa atividade serão eventualmente destinados ao custeio de diversas prestações a serem entregues pelo Estado à sociedade, certo é que a exploração da atividade em si não inclui nenhuma prestação direta. Não há nela um serviço que é diretamente disponibilizado para a população.

Esse argumento ainda é corroborado pelo fato de que o parágrafo único do Artigo 175 da Constituição Federal17, ao delimitar o escopo da Lei que deveria ser editada para regulamentar as concessões e permissões de serviços públicos (que veio a ser a Lei nº 8.987/1995), referiu-se a itens que guardam relação direta com os usuários, como, por exemplo, “direitos dos usuários”, “política tarifária” e “adequação do serviço”.

De todo modo, não se pode ignorar o fato de que o Tribunal de Contas da União, partindo das premissas de que (i) a União é proprietária das jazidas de petróleo e gás natural e (ii) a disposição contida no Artigo 2º, § 1º, alínea a, da Lei nº 9.491/1997, que trata do Programa Nacional de Desestatização, considera como desestatização “a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos desta Lei”, fazendo incidir sobre a licitação dos blocos de petróleo a Instrução Normativa nº 27/1998.

Diante disso, é recomendável que os interessados em participar de tais ne-gócios verifiquem o cumprimento, por parte da ANP, das regras contidas na Instrução Normativa nº 27/1998, de modo a reduzir os riscos de que, às vésperas

15 “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

16 Isso ainda é reforçado pelo disposto no Artigo 2º da Lei nº 8.987/1995, que, ao definir concessão de serviço público e permissão de serviço público, igualmente faz menção a uma prestação que deve ser entregue à sociedade.

17 “Parágrafo único. A lei disporá sobre:I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;II - os direitos dos usuários;III - política tarifária;IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

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de um leilão, ou mesmo após o seu término, seja surpreendida com decisão que venha a suspender o certame ou mesmo anulá-lo, o que seria de todo indesejado não só pelo inconveniente jurídico, mas sobretudo pelos altos investimentos que essa espécie de negócio normalmente demanda.

Já a segunda importante questão concerne ao alcance da competência fisca-lizatória a cargo do Tribunal de Contas da União.

Como se sabe, conquanto a história das agências reguladores no País te-nha tido início quando da criação, entre outros, do Instituto Brasileiro do Café (IBC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sua profusão se deu na década de 90 do século passado, com o advento do Programa Nacional de De-sestatização (PND).

Para cada um dos setores nos quais foi implementada a retirada da atuação direta do Estado na economia criou-se um órgão independente, dotado de auto-nomia administrativa e financeira, sem a qual a sua atuação – de índole técnica – poderia ficar comprometida.

Pois bem, as agências reguladoras, independentemente de sua autonomia técnica, administrativa e financeira, foram sendo constituídas sob o regime au-tárquico especial, sendo certo que com a ANP isso não foi diferente18.

Vale dizer que a ANP, enquanto integrante da estrutura da administração pública federal, especificamente do Ministério de Minas e Energia, realiza atos normais de gestão, que, inclusive, geram despesas para os cofres públicos, como a contratação de pessoal, o aluguel ou a compra de imóveis para servir de sede, etc. Para tais atos parece não haver dúvida quanto à possibilidade de controle externo por parte do Tribunal de Contas da União19.

O real problema reside na atividade fiscalizatória sobre as atividades-fim das agências reguladoras, já que, segundo adverte Marianna Montebello Wil-leman20, Conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, foi

18 “Art. 7o Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves - ANP, entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.”

19 É o que diz Alexandre Santos de Aragão: “Não há dúvidas de que as agências reguladoras, como autarquias que são, devem prestar contas aos Tribunais de Contas quanto às verbas públicas por elas despendidas (art. 70, CF).” In: Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 339.

20 In: Accountability democrática e o desenho institucional dos Tribunais de Contas no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 300.

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“como forma de assegurar credibilidade ao novo modelo de regulação estatal da economia” que se atribuiu “às agências reguladoras um regime jurídico especial que lhes reconhece autonomia administrativa e financeira, bem assim inde-pendência para poder atuar livre de injunções políticas frente aos segmentos regulados e ao próprio poder concedente”.

A nosso ver, inclusive, a autonomia técnica das agências reguladoras desta-cada pela Conselheira, que se constitui em verdadeira “blindagem” em relação ao poder concedente, poderia – talvez fosse melhor dizer deveria – ser extensiva a todos os órgãos integrantes da estrutura do poder concedente. Aliás, não ape-nas dele, mas também dos demais órgãos e entidades integrantes da estrutura da administração pública, mesmo que sejam de outros poderes.

Essa, em verdade, é a garantia que o Estado deveria dar ao “mercado” de que a sua retirada da atuação direta na economia é efetiva.

Essa é a opinião do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso21 ao afirmar que “a instituição de um regime jurídico especial visa a preservar as agências reguladoras de ingerências indevidas, inclusive e sobretu-do, como assinalado, por parte do Estado e seus agentes”.

Analisando caso concreto envolvendo a Agência de Serviços Públicos do Estado do Rio de Janeiro, ainda atuando na qualidade de Procurador do Esta-do, ele asseverou22, de maneira ainda mais veemente, a limitação do controle externo por parte do Tribunal de Contas na atuação finalística da agência as-sentando que “não pode o Tribunal de Contas questionar decisões político--administrativas da ASEP-RJ nem tampouco requisitar planilhas e relatórios expedidos pela Agência ou por concessionário, que especifiquem fiscalização e procedimentos adotados na execução contratual”.

Todavia, a insegurança jurídica ganha corpo no entendimento daqueles que, como Alexandre Santos de Aragão23, afirmam que o Tribunal de Contas “pode realmente controlar tais atos de regulação, uma vez que, imediata ou mediata-mente, os atos de regulação e de fiscalização sobre os concessionários de serviços públicos se refletem sobre o Erário”.

21 “Agências Reguladoras. Constituição, Transformações do Estado e Legitimidade Democrática” In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 174-178.

22 Parecer nº 05/98 – LRB, exarado em 10/12/1998, no bojo do Processo Administrativo nº E-14/35468/98.

23 In: Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 340.

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Na prática, as decisões do Tribunal de Contas da União, ao menos em tese, vêm sustentando que a fiscalização encontra limite na competência da própria agência reguladora. Nesse sentido, o Acórdão nº 2071/201524 assentou que “a atuação do controle externo nas atividades finalísticas das agências reguladoras limita-se a fiscalização de segunda ordem, respeitando os limites de atuação e a autonomia funcional daquelas entidades”25.

Em outro acórdão, do qual foi relator o Ministro do Tribunal de Contas da União Augusto Nardes26, consignou-se que “na fiscalização das atividades-fim das agências reguladoras, o TCU não deve substituir-se aos órgãos que con-trola, nem estabelecer o conteúdo do ato de competência do órgão regulador, determinando-lhe a adoção de medidas”.

Tratando do tema sob a ótica exclusivamente teórica, o Ministro do Tribu-nal de Contas da União Benjamin Zymler27 destaca que:

“o papel do Tribunal no controle das concessões, permissões e autori-zações de serviço público não se confunde com o das agências regula-doras. Afinal, o TCU fiscaliza a atuação da agência, visando a aferir sua aderência ao ordenamento jurídico e às orientações emanadas do poder competente.”

A nosso ver, essa parece ser a posição mais correta, até mesmo em virtude do princípio da eficiência inserido no Artigo 37, caput, da Constituição Federal, já que não faria sentido que dois órgãos integrantes da estrutura do Estado rea-lizassem fiscalização com o mesmo objeto.

Muito embora tais decisões estejam em consonância com a posição de que,

“em linha de princípio, as Cortes de Contas devem seguir padrões de autocontenção, reconhecendo, com humildade e prudência, que não lhes compete formular escolhas regulatórias em substituição às agên-

24 Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo.

25 Esse entendimento já havia sido firmado anteriormente quando da prolação do Acórdão nº 2138/2007 – Plenário (Rel. Min. Benjamin Zymler).

26 Acórdão nº 715/5008 – Plenário (Rel. Min. Augusto Nardes).

27 In: O controle externo das concessões e das parcerias público-privadas. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pp. 164/165.

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cias, particularmente quanto a aspectos técnicos próprios e específicos do segmento regulado”28

é possível identificar na própria jurisprudência do Tribunal de Contas da União decisão que aparentemente cria exceção a essa “regra”.

Com efeito, no bojo do Acórdão nº 602/2008 – Plenário29, lê-se claramente que:

“não é suprimida a competência do Tribunal para determinar medidas corretivas a ato praticado na esfera de discricionariedade das agências reguladoras, desde que viciado em seus atributos, a exemplo da compe-tência, da forma, da finalidade ou, ainda, inexistente o motivo determi-nante e declarado. Em tais hipóteses e se a irregularidade for grave, pode até mesmo determinar a anulação do ato.”

Em que pese a exceção para o controle de legalidade formal das decisões regu-latórias, tal como ocorreu no caso antes mencionado, encontre amparo na voz dos especialistas30 e esteja até mesmo respaldada por precedentes do próprio Tribunal de Contas da União31, fato é que ela acaba servindo de fundamento para interferências substancialmente mais profundas.

Já no ano de 2003 encontra-se Acórdão proferido pelo Plenário do Tribunal de Contas no qual foi determinado à ANP que propusesse outros mecanismos de avaliação da viabilidade econômico-financeira para substituir o Estudo de Viabilidade Técnica para a escolha de blocos a serem inseridos em futuras roda-das de licitação. Eis os termos do item 9.2.2 das conclusões da decisão:

“9.2.2) avalie a utilidade do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômi-ca como instrumento para a seleção de blocos para as futuras rodadas de licitação, propondo outros mecanismos de verificação da viabilida-de econômico-financeira, caso o estudo atualmente elaborado não es-

28 WILLEMAN, Marianna Montbello. In: Accountability democrática e o desenho institucional dos Tribunais de Contas no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2017, pp. 302/303.

29 Rel. Min. Benjamin Zymler.

30 WILLEMAN, Marianna Montbello. Ibid, p. 303.

31 Esse entendimento pode ser inferido das seguintes decisões: Decisão Plenário nº 351/1999, Decisão Plenário nº 232/2002, Acórdão nº 2.249/2007 – Plenário.

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teja sendo efetivamente utilizado na tomada de decisão sobre os blocos a serem licitados.”32

Voltando ao Acórdão nº 672/2018, que suspendeu parcialmente o leilão da 15ª Rodada de Concessão para exploração de blocos de petróleo, esse foi o fundamento que, aparentemente, norteou a decisão. O item 5 do relatório do Acórdão nº 672/2018 – Plenário expressamente indicou que:

“a instrução preliminar (peça 37) destacou que no decorrer da análi-se do pacote de documentos inicialmente encaminhados pela Agência Reguladora, esta Unidade Técnica constatou ausência de informações relevantes, que deveriam ter sido encaminhadas para exame do Primeiro Estágio do processo de outorga, em cumprimento ao inciso I, do art. 8º, da IN TCU 27/1998.”

Contudo, ao analisar com mais vagar a recente e marcante decisão do Tribunal de Contas da União, infere-se que a justificativa formal e, segundo alguns, correta, na verdade encoberta uma interferência na atividade regula-tória propriamente dita.

Assim se diz, inicialmente, diante da simples verificação de que, conforme consta do mesmo relatório, o envio, com atraso e incompleto, da documentação exigida pela Instrução Normativa nº 27/98 foi de alguma forma suprido pela Corte de Contas, que não apenas enviou ofícios à ANP requisitando o encami-nhamento das informações faltantes (Ofício 1-55/2018 – TCU/SeinfraPetróleo, de 2,3,18 e Ofício 2-55/2018 – TCU/SeinfraPetróleo, de 6.3.18), como ainda determinou a oitiva prévia da agência e de outros órgãos em razão da decisão que viria a ser proferida em sede cautelar.

Tanto a falha formal foi suprida que as informações apresentadas pela ANP em resposta aos comunicados do Tribunal de Contas da União per-mitiram a apreciação – aprofundada, diga-se de passagem – do pedido de medida cautelar, que incluiu pronunciamento sobre aspectos atinentes a juízo eminentemente regulatório.

Veja-se que em determinado trecho do voto condutor o Tribunal de Con-tas da União explicitamente emite juízo de valor sobre determinado critério

32 Acórdão nº 68/2003 – Plenário (Rel. Min. Ubiratan Aguiar).

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utilizado pela ANP, asseverando que ele não se coaduna com aquele adotado pelo próprio Tribunal:

“203. Outro aspecto revelado é que a ANP entende que a visão da análise eco-nômica deve ser de curtíssimo prazo, ou seja: apenas no horizonte do leilão e não do projeto como um todo. Claramente, cogita desprezar as curvas futuras de receitas das parcelas governamentais. O que não parece compatível para a visão de um agente regulador e com a legislação vigente. Pelo menos, não é compatível com os critérios de fiscalização de outorga aplicados pelo TCU.”

Apesar de o corpo do acórdão conter diversas ressalvas de que o Tribunal não estava naquele ato substituindo a ANP na decisão que adotou determinada mode-lagem para a outorga do direito de exploração de jazidas de petróleo e gás natural, justificando sempre a sua ingerência em falhas formais (ausência de fundamentação para a opção, por exemplo), tal motivo não encontra respaldo na instrução do proces-so, que conta com as informações prestadas não apenas pela Agência, mas também pelo Ministério de Minas e Energia e pelo Conselho Nacional de Política Energética.

Maior prova disso está às fls. 12/20 do Acórdão prolatado pelo Tribunal de Contas da União, nas quais foi feita uma minuciosa descrição dos esclarecimen-tos prestados e a correlata análise da Corte de Contas sobre as justificativas apresentadas pela ANP pelos referidos órgãos.

Portanto, é inverossímil creditar a decisão do Tribunal de Contas da União a falhas formais que, tendo sido supridas, não podem servir – como de fato não serviram – de empecilho para a análise de determinada matéria, principalmen-te se de relevância estratégica para o País.

Em suma, o que se percebe é que a prática do Tribunal de Contas da União na fiscalização do setor de óleo & gás é a de realizar controle de mérito das decisões regulatórias, ainda que sob a justificativa da existência de falhas for-mais, como a ausência de fundamentação, quando discordante das posições da Corte de Contas.

Por tal razão é que, diante dos vultosos investimentos direcionados ao setor de óleo & gás a cada rodada de licitação de blocos, é aconselhável sejam adotadas todas as cautelas necessárias à verificação da conformidade dos procedimentos adotados pela ANP com as “orientações” do Tribunal de Contas da União, de modo a evitar surpresas como a suspensão, total ou parcial, de uma rodada de licitações ou mesmo a declaração de nulidade de um contrato já assinado.

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10. Garantias para o financiamento de projetos offshore

Marina Ferraz Aidar

10.1 Introdução

Como disse Daniel Yergin, de forma crua e direta, em sua célebre frase sobre a indústria de petróleo e gás, “[n]enhum outro negócio define de forma tão pulsante e extrema o conceito de risco e recompensa – e o profundo impacto do acaso e destino”1.

De acordo com estimativas do setor, a indústria de petróleo e gás no Brasil deve movimentar R$ 1,28 trilhão até 2030, contribuindo para essa surpreen-dente cifra o elevado nível de especialização e tecnologia dos equipamentos e embarcações empregados nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás offshore, bem como nas atividades de apoio marítimo e logístico.

Muito embora, uma vez que o empreendimento seja bem-sucedido, este ofe-recer retorno elevado ao investidor, recompensando de forma significativa o investimento realizado, o estágio inicial desses projetos envolve riscos e investi-mentos altíssimos. Acrescente-se a isso o fato de, muitas vezes, os ativos empre-gados nas atividades de perfuração, apoio e produção precisarem ser construídos ou adaptados para projetos específicos, elevando o custo e os riscos do projeto.

Para conciliar esses dois fatores – riscos X investimentos no superlativo – e possibilitar ao empreendedor taxas de financiamento atrativas, as operações es-truturadas de financiamento na modalidade Project Finance têm sido alternativa recorrente para viabilizar a exploração e produção de petróleo e gás. A maior característica desse tipo de operação é a utilização da receita gerada pela ex-ploração do projeto para o repagamento do financiamento em um longo prazo. Para que isso seja possível, a outra característica essencial dessa modalidade de financiamento é a construção de um sólido pacote de garantias.

1 Tradução livre do original: “No other business so starkly and extremely defines the meaning of risk and reward – and the profound impact of chance and fate” – YERGIN, Daniel. The prize: The epic quest for oil, money & power. 2011, p.16.

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Em uma operação de Project Finance o financiador (individualmente ou em grupo, como veremos adiante), confiando em um plano de negócios bem funda-mentado, depara-se com um cenário em que deve desembolsar recursos finan-ceiros em um momento em que não há geração de receita pelo empreendedor e, em muitos casos, em que o início da geração de receita tardará um par de anos ou mais, como ocorre com frequência nos casos de construção de embarcações.

Há, portanto, a necessidade de um pacote de garantias robusto que mitigue os riscos de construção e falha do empreendimento. É nesse cenário que nasce o que Graham D. Vinter2 define como perfil defensivo do pacote de garantias, pois sendo o pilar de um Project Finance a continuidade do projeto, é impres-cindível que o financiador possa nele intervir, se necessário, em um cenário de stress. A forma como isso se dá é do que trataremos neste capítulo.

10.2 Regime jurídico das garantias no Brasil

O Direito brasileiro classifica as garantias em fidejussórias e reais. As garantias fidejussórias são aquelas concedidas por um terceiro, que pode ser estranho ou não à relação principal, que se responsabiliza pelo pagamento da dívida, por meio de aval ou fiança. Já as garantias reais, que são aquelas que consistem na oneração de um ou mais bens para garantir o cumprimento da obrigação, podem ser constituídas por meio de hipoteca, penhor e anticrese, sendo estas as formas clássicas de garantias reais previstas em nosso ordenamento jurídico; ou ainda, a alienação ou cessão fidu-ciária em garantia, mais modernamente incluída no rol de garantias reais.

Dessa forma, ainda que regidos por legislação diversa no contrato principal, as operações de Project Finance no Brasil usualmente possuem um pacote de garantias que combinam garantias reais e fidejussórias.

10.3 Principais Garantias Reais em Projetos Offshore

10.3.1 Direitos de crédito

Como dissemos acima, em se tratando de um financiamento estruturado de longo prazo, a receita da exploração de petróleo e gás é o coração do pro-

2 VINTER, Graham D. Project finance. 3. ed., Thomson, Sweet & Maxwell, 2006.

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jeto, o que permitirá sua longevidade. Sendo um financiamento que objetiva garantir a realização de um projeto já contratado, o grande trunfo do finan-ciador é obter a receita contratada como garantia de seu pagamento. Nesse sentido, a principal garantia a ser dada ao financiador são os direitos de cré-dito oriundos da venda do produto obtido.

No Brasil o instituto mais utilizado é o da cessão fiduciária, cujo embasa-mento jurídico já foi tratado em nossa primeira cartilha, de maneira que neste livro nosso enfoque será no mecanismo de operacionalização dessa garantia.

Diferentemente de outros ativos em que é possível individualizar e identi-ficar o bem dado em garantia, como no caso de um veículo ou um imóvel, por exemplo, os recursos financeiros não são passíveis de identificação (como diz o dito popular “dinheiro não tem carimbo”). Dessa forma, essa garantia envolve a abertura de contas bancárias de movimentação restrita, objeto de um contrato específico, separado ou não do contrato de cessão fiduciária, que versa sobre o fluxo financeiro do projeto.

Nesse contrato podem-se prever estruturas simples ou complexas de con-tas bancárias utilizando o conceito de cascata (waterfall), em que, depois de a primeira conta ser alimentada, os recursos devem ser depositados em outra, e assim por diante, até que eventual saldo seja liberado para o devedor em uma conta de livre movimento.

Para essa estrutura funcionar, é imperativo que todo e qualquer recurso ob-tido pelo devedor seja depositado em uma conta centralizadora objeto da cessão fiduciária. A partir de então, será o banco depositário o responsável pela movi-mentação dos recursos.

Tais contas recebem não apenas os direitos creditórios oriundos das operações dos projetos, mas também aqueles decorrentes de pagamentos realizados por se-guradoras em caso de sinistro e demais direitos de crédito decorrentes do projeto.

Esse controle sobre o fluxo financeiro é um dos grandes alicerces de toda a estrutura do Project Finance. Isso permite ao financiador a identificação e o acesso aos recursos em uma eventual necessidade de excussão dessa garantia e também o monitoramento da entrada dos recursos financeiros nas contas, bem como sua utilização durante o prazo do financiamento. Assim, é possível antecipar um evento de inadimplemento ou outra situação de potencial stress e solicitar ao devedor que tome (ou mesmo tomar diretamente, em certos casos) as medidas preventivas ou reparatórias, a fim de se evitar um problema que impacte o projeto.

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10.3.2 Ações ou quotas da SPE

A modalidade de Project Finance implica a necessidade de constituição de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) para exploração do projeto. Desse modo, a SPE não é contaminada pelo risco das atividades de seus acionistas ou empresas coligadas, segregando os deveres e obrigações inerentes às atividades do empreendimento.

Se a receita é o coração do projeto, é possível dizer que as ações ou quotas da SPE são sua alma. É por meio da participação na SPE que as decisões que definem o rumo do projeto são tomadas.

Portanto, além da função tradicional da constituição de garantia real sobre essa participação (que pode se dar por meio de penhor ou alienação fiduciária e possibilita a utilização dos recursos da excussão para quitação da dívida), o gra-vame sobre a participação na SPE permite a interferência direta no projeto. Isso porque o contrato que constitui a garantia tanto pode prever que determinados assuntos sejam deliberados em acordo com o credor3, como também permite que em um cenário de stress essa participação seja transferida, em uma venda extrajudicial, para outra empresa escolhida pelo financiador.

10.3.3 Embarcações

A garantia real sobre a embarcação é outro importante instrumento de garan-tia nas operações de Project Finance, por duas razões: a primeira porque, quando executada junto com a cessão dos principais contratos, viabiliza a continuidade do projeto por terceiro indicado pelos financiadores; e a segunda por ser a em-barcação, como regra, o ativo de maior valor do projeto e, portanto, importante recurso para se obter o pagamento da dívida.

Em financiamentos estruturados, as embarcações são usualmente gravadas por meio de hipotecas. As hipotecas de embarcações de bandeira brasileira de-vem ser registradas perante no Tribunal marítimo. Já as hipotecas de embarca-

3 Lei nº 6.404/1976: “Art. 113. O penhor da ação não impede o acionista de exercer o direito de voto; será lícito, todavia, estabelecer, no contrato, que o acionista não poderá, sem consentimento do credor pignoratício, votar em certas deliberações.Parágrafo único. O credor garantido por alienação fiduciária da ação não poderá exercer o direito de voto; o devedor somente poderá exercê-lo nos termos do contrato.”

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ções de bandeira estrangeira são usualmente registradas no país da bandeira e, no Brasil, no Cartório de Registro de Título e Documentos (RTD).

Não podemos falar sobre garantia hipotecária de embarcações no Brasil sem mencionar a grande discussão tida nos últimos anos sobre o reconhecimento de hipotecas estrangeiras no Brasil.

A celeuma foi oriunda da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia entendido que a garantia hipotecária sobre uma embarcação do tipo FPSO não reunia condições de ser reconhecida à luz do Direito brasileiro. En-tre os motivos alegados para o não reconhecimento estava o fato de o país da bandeira da embarcação e local da constituição da hipoteca não ser signatário da Convenção de Bruxelas, de 1926, validada no Brasil por meio do Decreto nº 351/1935, e do Código Bustamante, internalizado por meio do Decreto nº 18.871/1929, que seriam os instrumentos legais pertinentes para reger a validade de hipotecas estrangeiras no Brasil.

Essa discussão foi levada ao Superior Tribunal de Justiça, que decidiu, no fim de 2017, pela validade da hipoteca, reduzindo a grande insegurança jurídica iniciada com a anterior decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Além da oneração da embarcação por meio de hipoteca, vale, aqui, ressal-tar a possibilidade de se constituir a alienação fiduciária do bem como parte do pacote de garantias dos financiadores4.

Como se sabe, a alienação fiduciária é um tipo de garantia que se consti-tui pela transferência da propriedade resolúvel do bem ao credor (fiduciário), enquanto a posse direta do bem permanece com o devedor (fiduciante). Essa situação perdura até a quitação da obrigação, quando o fiduciante retorna à plena propriedade do bem.

Vale dizer que, enquanto na hipoteca os credores possuem uma garantia real sobre a embarcação, na alienação fiduciária o que se observa é o credor com a posse indireta do bem, tendo a prática nos mostrado que o procedi-mento de execução da alienação fiduciária é, como regra, mais rápido do que o procedimento de execução da garantia hipotecária.

4 Vale lembrar que as unidades utilizadas nas atividades offshore são equiparadas a embarcações, e, como tal, são fictamente consideradas bens imóveis, podendo tanto ser objeto de hipoteca quanto objeto de alienação fiduciária de bens imóveis.

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10.3.4 Direitos dos principais contratos

Outra garantia essencial para a continuidade do projeto é a cessão condi-cionada de seus principais contratos, que envolvem o contrato com o cliente, principal fonte de recursos do projeto, o contrato de construção ou conversão da embarcação, que, se aplicável, viabiliza a existência do projeto, e os contratos com os principais subcontratados, os chamados major subcontractors.

Por vezes, esses contratos têm cláusulas que tornam obrigatório o consenti-mento da outra parte para se realizar tal cessão, o que torna necessário não só o envio de notificações de cessão, como também o pedido de anuência.

Vale, aqui, dizer que, quando o cliente é a Petrobras, os documentos usu-almente emitidos pela estatal seguem modelos padrão, e para essa hipótese utiliza-se o chamado termo de ciência como o documento no qual a Petrobras atesta ter ciência da existência do financiamento, embora não consinta de for-ma expressa com a sua cessão condicional de forma antecipada.

É importante ressaltar que, em um cenário de cessão dos principais contra-tos, esta deve acontecer sem impacto nas atividades do projeto.

10.4 Garantias fidejussórias

As estruturas de Project Finance podem ou não contar com garantias corpo-rativas dos acionistas do projeto. Os projetos que não contam com esse tipo de garantia são chamados de non-recourse. Já os que contam podem ser full recourse ou limited recourse, dependendo da extensão dessa garantia.

Um cenário comum é os acionistas prestarem garantia corporativa na fase de construção do projeto, em que o risco tende a ser maior, a fim de garantir principalmente o risco de completion. Nesses casos, após o início da exploração e comercialização do produto, a garantia corporativa é retirada, de modo que as únicas garantias a serem mantidas são aquelas relativas ao projeto. O fim da garantia corporativa pode ser condicionado a alguns eventos, tais como cumprimento de índices financeiros pré-determinados, inexistência de sobrecustos e outros.

É também comum que os acionistas prestem garantias em relação à parcela do financiamento que não conseguirá ser paga pelo período do projeto, o cha-mado ballon. Isso acontece quando os recebíveis do projeto, utilizados conforme

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a cascata de pagamento (waterfall), não são suficientes para quitar em sua tota-lidade os recursos fornecidos pelos financiadores, e, portanto, ao fim do projeto há um excedente de dívida, sem que haja cobertura de projeto. Nessa hipótese, a depender de diversos fatores que incluem o cenário da indústria, os financia-dores podem requerer que os acionistas garantam o excedente.

10.5 Compartilhamento de garantias

Como o volume de recursos necessário para essas operações costuma ser muito alto, é comum que o financiamento seja concedido por um sindicato de bancos, que podem ser representados por um agente (administrativo ou de garantia) ou não. Em qualquer caso, as garantias deverão ser compartilhadas entre os membros do sindicato por meio da celebração de um acordo entre cre-dores. Esse documento prevê como se dá o compartilhamento das garantias (ge-ralmente pari passu), a forma de execução das garantias, o quórum para tomada de decisões relativas aos temas de interesse do sindicato, incluindo aprovação da execução das garantias, entre outros assuntos.

10.6 Conclusão

A indústria de petróleo e gás mundial movimenta bilhões de dólares anual-mente em operações de financiamentos estruturados, representando uma par-cela significativa de todos os Project Finance realizados anualmente no mundo.

Aos financiadores, geralmente organizados em sindicatos, são outorgadas uma combinação de garantias reais e fidejussórias em financiamentos estru-turados puros (non recourse) ou combinados (full recourse ou limited recour-se), formando o pacote de garantias do projeto. Como se buscou demonstrar aqui, são esses pacotes de garantia (aliados, naturalmente, a um projeto de qualidade) que viabilizam os vultosos investimentos dessa indústria.

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11. Aplicação do artigo 93, inciso III, da Lei nº 8.213/1991

nas atividades offshore

Rodrigo Leite Moreira

Muito se fala da aplicação do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991 nas atividades de risco, em especial nas atividades offshore. Diversas são as autuações do Mi-nistério do Trabalho e Emprego (MTE) pelo descumprimento da legislação sob o argumento de desrespeito do número mínimo de empregados com deficiência.

O referido artigo dispõe que:

“a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preen-cher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilita-das, na seguinte proporção: (...)”.

Nesse caso, não há previsão expressa e objetiva em relação à base de cálculo da cota mencionada no referido artigo, aplicando-se o cálculo para todas as atividades da empresa, ainda que em tais atividades não seja possível o emprego de pessoas com deficiência.

Esse, por exemplo, é o caso de empresas com atividades de risco que, por questões de segurança, não podem empregar pessoas com deficiência.

Essa falta de previsão legal faz com que o Ministério do Trabalho – órgão res-ponsável por fiscalizar o cumprimento da Lei – lavre autos de infração, cobran-do altas multas das empresas e, muitas vezes, culminando com o ajuizamento de Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), de forma indiscriminada e sem a devida análise da atividade da empresa.

Para muitas empresas que atuam nas atividades de exploração de Petróleo, cumprir a cota de PCD significa ter em seu quadro onshore – isto é, aqueles empregados que trabalham em atividades administrativas – quase a totalidade de pessoas com deficiência.

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Não obstante a sabida dificuldade de se contratarem pessoas com de-ficiência, a intransigência no entendimento do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho leva a um desentendimen-to desnecessário, como a cobrança de multas altíssimas, além de inúmeras ações requerendo o pagamento de indenizações por danos morais.

Por óbvio, assim como acontece com os aprendizes, seria razoável que o Ar-tigo 93 da Lei nº 8.213/1991 fosse “flexibilizado”, para que as empresas que têm empregados em atividades offshore pudessem excluir da base de cálculo da cota de PCD os respectivos postos de trabalho, já que pessoas com deficiência não podem trabalhar em embarcações.

Felizmente, a Justiça do Trabalho vem adotando entendimentos no sentido de “flexibilizar” a aplicação do Artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, em especial para empresas petrolíferas. Diversas são as decisões nesse sentido.

“TRABALHO EM PLATAFORMA DE PETRÓLEO. COTAS. ARTI-GO 93 DA LEI 8.213/91. AUSÊNCIA DE DANO MORAL COLETI-VO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. A lei de cotas, embora não tenha estabelecido exceções, deve ser aplicada com razoabilidade para que empregadores não sejam excessivamente punidos por não conse-guirem cumprir o percentual da totalidade de seu quadro efetivo. No caso das empresas ligadas ao setor de petróleo, que executam trabalhos off-shore, o número de empregados embarcados deve ser excluído para o cálculo da cota, já que pessoas com determinados tipos de deficiên-cia, por questões de segurança, não podem trabalhar em plataformas de petróleo. Diante da Teoria do Risco Profissional, ao empregador caberá a avaliação de cada caso separadamente, certamente não fugindo à re-comendação de observância do tipo de deficiência acoplada o trabalho ofertado, com as respectivas capacitações cabíveis.”1

É notório que as empresas enfrentam muitas dificuldades para contratar pessoas com algum tipo de deficiência, inclusive pela falta de capacitação dos profissionais ou até pela falta de interesse de trabalhadores para não perde-rem benefícios sociais. Essa dificuldade para contratar pessoas com deficiência agrava-se quando se trata de trabalho offshore.

1 (TRT-1 – RO 0148400-98.2009.5.01.0482 – Relator Marcelo Antero de Carvalho. Data de Julgamento: 23/11/2015. Décima Turma. Data de Publicação: 03/12/2015)

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É certo que a Lei de cotas deve ser aplicada com razoabilidade pelos fiscais do trabalho, para que empregadores não sejam excessivamente punidos por não conseguirem cumprir as cotas fixadas na Lei.

E quando se trata de empresas do setor de óleo e gás, que executam traba-lhos offshore, o número de empregados embarcados deve ser excluído da base de cálculo da cota, já que pessoas com deficiência, por questões de segurança, não podem trabalhar em plataformas de petróleo.

Portanto, é de extrema importância para todas as empresas – não só as pe-trolíferas – a comprovação da tentativa de contratação de pessoas com defi-ciência, haja vista a grande dificuldade de contratação de tais trabalhadores. Com esse argumento, a Justiça do Trabalho vem anulando diversas autuações lavradas pelo MTE.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA ADMI-NISTRATIVA. COTAS DESTINADAS A PESSOAS PORTADO-RAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS. DESCUMPRIMENTO DO ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91. O Regional manteve a multa imposta à recorrente, em razão do descumprimento do disposto no art. 93 da Lei nº 8.213/91, consignando que a autora limita-se a indicar conflito de normas e que não tem como atender as normas de proteção ao defi-ciente físico, sem, no entanto, demonstrar, ao longo dos anos, nenhu-ma tentativa concreta para o preenchimento das cotas. Salientou que não consta dos autos nenhum estudo efetivo por parte da requerente a corroborar a tese de que não pode atender referidas cotas. O acórdão recorrido destaca que a imposição de contratação de percentual de pessoas com deficiências habilitadas ou reabilitadas decorre de uma combinação de esforços, visando inibir a discriminação e satisfazer plenamente o princípio maior do respeito à dignidade humana. Nesse contexto, não se vislumbra a indigitada ofensa aos dispositivos cons-titucionais e legais invocados no presente recurso. Agravo de instru-mento conhecido e não provido.”2

No caso das empresas Petrolíferas, é importante que a Lei de cotas seja cum-prida, mas excluindo-se da base de cálculo os empregados cujas atividades se

2 (Processo: AIRR - 134200-63.2007.5.02.0083 Data de Julgamento: 07/11/2012, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/11/2012)

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desenvolvem em plataformas de petróleo, sabidamente atividades de risco, con-tabilizando apenas os empregados onshore.

Em caso de autuação pelo MTE ou mesmo ajuizamento de Ação Civil Pú-blica, cabe à empresa demonstrar que tomou todas as providências para a con-tratação de pessoas com deficiência, ainda que utilizando como base de cálculo apenas os empregados onshore.

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12. O Licenciamento ambiental offshore

Carlos Maurício Maia RibeiroPietro de Biase

12.1 Introdução

Há décadas a questão ambiental vem ganhando centralidade no debate público. Suas origens remontam à emergência da consciência ecológica internacional e à realização da 1ª Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (CNUMA) – Estocolmo 1972 –, motivada, em grande medida, pelos desafios da sustentabilidade nos processos de desenvolvi-mento. Na esfera internacional nota-se uma paulatina edição de normas protetivas ao meio ambiente.

No âmbito da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que inaugurou a Polí-tica Nacional de Meio Ambiente (PNMA), foi instituído o Conselho Nacio-nal do Meio Ambiente (Conama), órgão responsável pelo estabelecimento de normas e critérios para o licenciamento ambiental, que, dada a necessidade de se estabelecerem definições, responsabilidades, critérios básicos e diretrizes para o uso e a implementação da avaliação de impacto ambiental, publicou, em janeiro de 1986, a Resolução Conama nº 01, submetendo o licenciamen-to ambiental de determinadas atividades modificadoras do meio ambiente à elaboração prévia de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima).

Na esteira da PNMA e inspirado nas constituições “verdes” (Estado Democrático Social de Direito Ambiental) de Portugal (1976) e Espanha (1978), o Brasil consagrou a proteção ao patrimônio ambiental natural como norma constitucional pela promulgação da Constituição da Repúbli-ca Federativa do Brasil de 1988, que define os direitos e deveres do Poder Público e da coletividade em relação à conservação do meio ambiente como bem de uso comum de todos.

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A relevância da tutela do meio ambiente no cenário brasileiro levou o cons-tituinte originário a recepcionar a avaliação de impacto ambiental como con-dicionante para a instalação de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.

12.2 Processo de licenciamento ambiental

Com a evolução da experiência do licenciamento ambiental perante os órgãos ambientais, ficou evidenciada a necessidade de revisão dos proce-dimentos e critérios utilizados no sistema de licenciamento. Em dezembro de 1997 foi editada a Resolução Conama nº 237, que regulamentou, em normas gerais, as competências para o licenciamento nas esferas federal, estadual e municipal, além das etapas do procedimento de licenciamento, entre outros fatores a serem observados pelos empreendimentos passíveis de licenciamento ambiental.

Nesse sentido, o procedimento administrativo de licenciamento ambiental, caso o empreendimento seja aprovado, culminará na expedição de ao menos uma licença ambiental, que, nos termos da Resolução Conama 237/1997, ca-racteriza-se como:

“ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.”

A Resolução 237/1997 define que as licenças ambientais poderão ser de três espécies, a saber: Licença Prévia (LP), concedida na fase preliminar do plane-jamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e con-cepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação; Licença de Instalação (LI), que autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais con-dicionantes, da qual constituem motivo determinante; e Licença de Operação

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(LO), que autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verifi-cação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

A licença ambiental poderá ser concedida isolada ou sucessivamente, a de-pender da natureza e da fase do empreendimento. A LP tem prazo de validade de cinco anos, ao passo que a LI não poderá ter validade superior a seis anos. Os prazos da LO variam entre quatro e dez anos.

Não obstante os avanços regulatórios trilhados pelos órgãos ambientais brasileiros desde a criação do Conama, havia significativas lacunas no pro-cesso de licenciamento que geravam conflitos quanto à competência para licenciar que, fatalmente, eram resolvidos em juízo, em vista da ausência de uma regulação clara acerca de repartição de competência.

12.3 Licenciamento ambiental upstream

Assim, em 2011 foi publicada a Lei Complementar (LC) nº 140, que se tor-nou a principal norma infraconstitucional a disciplinar a competência federati-va para o licenciamento ambiental. A definição do órgão licenciador se dá pelo critério da extensão do impacto ambiental. Numa apertada síntese, a compe-tência será municipal para o licenciamento de atividades e empreendimentos cujo impacto não ultrapasse os limites territoriais do Município (impacto local). No mesmo caminho, nas atividades cujo impacto esteja adstrito aos limites do Estado a competência para o licenciamento será do órgão ambiental estadu-al. Por fim, quanto aos empreendimentos cujos impactos extrapolem os limites estaduais, de impacto regional ou nacional, a competência para licenciar será da União, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

De outro vértice, vale assinalar que, além do critério da extensão do impacto ambiental, a LC 140/2011 estabelece o critério da dominialidade do bem público afetável. Em resumo, quando se tratar de bens públicos (municipal, estadual ou federal), a competência para o licenciamento será do órgão ambiental vinculado ao ente político titular do bem. Desse modo, em bens públicos municipais a com-petência será, em princípio, do órgão ambiental municipal, e assim por diante.

Impende ressaltar que a LC 140/211 estabelece que o licenciamento am-biental das atividades de exploração e produção de petróleo, gás natural e

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outros hidrocarbonetos localizados em jazidas no mar territorial, na plata-forma continental ou na zona econômica exclusiva será da alçada do Ibama, que, por sua vez, será orientado pelas diretrizes previstas na Portaria nº 422, de 26 de outubro de 2011, do Ministério de Meio Ambiente (MMA).

A Portaria MMA 422/2011 estabelece critérios mais objetivos para o licen-ciamento das atividades de E&P. Entre eles está a delimitação do polígono de perfuração, a racionalização dos estudos ambientais, o Processo Administrati-vo de Referência (PAR), uma espécie de banco de informações que objetivam otimizar o aproveitamento de dados nos processos de licenciamento e, final-mente, o estabelecimento do Processo de Licenciamento único.

Atualmente o licenciamento ambiental do upstream é processado na Coor-denação de Licenciamento de Empreendimentos Marinhos e Costeiros (CG-MAC) do Ibama, que, por sua vez, subdivide-se nas Coordenações de Licencia-mento de Exploração de Petróleo e Gás (Coexp) e na Coordenação de Produ-ção de Petróleo e Gás (Coprod).

Insta acentuar que a Resolução Conama 23/1994 instituiu duas licenças pré-vias suplementares à LP, à LI e à LO. São elas: Licença Prévia para Perfuração (LPper), que autoriza a atividade de perfuração; e a Licença Prévia de Produção para Pesquisa (LPpro), que autoriza a produção para pesquisa da viabilidade econômica da jazida.

12.4 Estudos ambientais

Entre os estudos ambientais ínsitos ao licenciamento ambiental de ativi-dades de E&P passíveis de serem requeridos aos empreendedores estão o Estu-do Ambiental de Sísmica (EAS), o Estudo Ambiental de Perfuração (EAP), o Estudo Ambiental de Teste de Longa Duração (EATLD), o Plano de Controle Ambiental de Sísmica (PCAS) – documento elaborado pelo empreendedor em que devem estar relacionadas as medidas de controle ambiental a serem adotadas na pesquisa de dados sísmicos, a fim de mitigar os impactos ambien-tais –, além do EIA/Rima.

No EIA são abordados os aspectos técnicos necessários à avaliação dos im-pactos ambientais a serem gerados pelo empreendimento. O EIA deve ser elabo-rado por equipe técnica multidisciplinar habilitada e deverá conter, no mínimo, diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, análise dos recursos

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ambientais, suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando-se os meios físico, biológico e socioeconômico.

O EIA deverá compreender a análise dos impactos ambientais do proje-to e de suas alternativas, por meio de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, indicando os impactos positivos e negativos, diretos e indiretos, imediatos e a médio e lon-go prazos, temporários e permanentes, bem como seu grau de reversibilidade, suas propriedades cumulativas e sinérgicas, a distribuição dos ônus e benefícios sociais. Deverá, ainda, definir as medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas. Por fim, o EIA deverá prever um programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos das atividades.

O Rima, por sua vez, refletirá as conclusões do EIA, devendo ser apresen-tado da forma mais clara e objetiva possível, a fim de proporcionar maior com-preensão para a sociedade quanto as características do empreendimento, os impactos ambientais a ele associados, as propostas de mitigação dos impactos, entre outros aspectos da implantação e operação do empreendimento. As in-formações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as consequências ambientais de sua implementação.

Vale registrar que, para a concessão da LPper, o empreendedor deverá apre-sentar o Relatório de Controle Ambiental (RCA), que deve compreender a des-crição da atividade de perfuração, os riscos ambientais envolvidos, a identifica-ção dos impactos e medidas mitigadoras. Já para a expedição da LPpro, faz-se necessária a apresentação do Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA), elabora-do pelo empreendedor, contendo plano de desenvolvimento da produção para a pesquisa pretendida, com avaliação ambiental e indicação das medidas de controle a serem adotadas.

O Estudo Ambiental de Perfuração deve apresentar a avaliação dos impactos ambientais não significativos da atividade de perfuração marítima nos ecossiste-mas marinho e costeiro.

Já o Estudo Ambiental de Sísmica consiste no documento elaborado pelo empreendedor que apresenta a avaliação dos impactos ambientais não

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significativos da atividade de pesquisa sísmica marítima nos ecossistemas marinho e costeiro.

Para a realização dos testes de poços, realizados durante a fase de exploração com a finalidade precípua de obtenção de dados e informações para conheci-mento dos reservatórios, com tempo total de fluxo superior a 72 (setenta e duas) horas, chamados habitualmente de Testes de Longa Duração (TLDs), faz-se ne-cessária a apresentação do Estudo Ambiental de Teste de Longa Duração, que apresenta a avaliação dos impactos ambientais não significativos da atividade de teste de longa duração nos ecossistemas marinho e costeiro.

Por fim, o empreendedor deverá apresentar um Plano de Controle Ambiental de Sísmica, que disporá sobre as medidas de controle ambiental a serem adotadas durante a pesquisa de dados sísmicos, além de informações sobre embarcações e equipamentos utilizados.

Outra inovação trazida pela Portaria MMA 422/2011 foi a previsão de re-alização da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), de forma a diagnosticar o impacto socioambiental das atividades e do empreendimento de E&P, gerando subsídios para a classificação da aptidão da área avaliada para o desenvolvimento das referidas atividades, bem como a definição de recomen-dações a serem integradas aos processos decisórios relativos à outorga de blocos exploratórios e ao respectivo licenciamento ambiental1.

12.5 Compensação ambiental

Com vistas a contrabalancear os impactos negativos socioambientais iden-tificados no processo de licenciamento, a Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), estipula que, em casos de licenciamento ambiental de em-preendimentos de significativo impacto ambiental, como E&P de petróleo e gás natural, com fundamento no EIA/Rima, o empreendedor estará obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação (UC) do Grupo de Proteção Integral e, no caso de ser diretamente afetada, também daquelas do Grupo de Uso Sustentável.

1 Vide artigo sobre Avaliação Ambiental Estratégica na oferta de blocos de E&P, apresentado durante a Rio Oil&Gas 2018 e publicado nesta obra.

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O Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, regulamentou a aplicação da compensação ambiental. De acordo com o referido diploma legal, a fór-mula para o cálculo da compensação ambiental levará em conta os custos to-tais previstos para a implantação do empreendimento (Valor de Referência). Atualmente, a compensação é calculada pelo produto do valor de referência pelo Grau de Impacto sobre a biodiversidade, comprometimento de áreas de proteção e nas unidades de conservação, este, a seu turno, estabelecido pela autoridade ambiental a partir de EIA/Rima, tal como prevê a Resolução Co-nama 371/2006.

Não são incluídos no cálculo da compensação ambiental os investimentos referentes aos planos, projetos e programas exigidos no procedimento de licen-ciamento ambiental para mitigação de impactos.

Cumpre observar que em acórdão2 recente o Tribunal de Contas da União (TCU) negou provimento ao recurso interposto pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pelo MMA e determinou que o cumprimento das compensações ambientais seja realizado na modalidade direta, ou seja, pela execução de serviços e implementação de programas nas UCs, em detrimento da modalidade indireta que se dava pelo pagamento em dinheiro em conta escritural. Por força da Lei nº 13.668, de 28 de maio de 2018, o ICMBio foi autorizado a selecionar instituição financeira oficial para criar e administrar um fundo privado a ser integralizado com recursos oriun-dos da compensação ambiental.

12.6 Descomissionamento

Entre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente estão a imposição ao poluidor da obrigação de recuperar os danos causados aos recursos ambien-tais pelo seu uso com fins econômicos. Outrossim, a PNMA estabelece o dever de restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente.

Substancialmente, pode-se definir o descomissionamento como conjunto de ações legais, técnicas e procedimentos de engenharia aplicados de forma integrada a um empreendimento ou parte dele, visando assegurar que sua

2 Acórdão 1004/2016 – Plenário.

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desativação ou retirada de operação atenda às condições de segurança, pre-servação do meio ambiente, confiabilidade e rastreabilidade de informações e de documentos. A obrigação do descomissionamento plasma-se no Princípio Ambiental da Reparação Integral, uma vez que resvala para a responsabilida-de civil ambiental do empreendedor, que o obriga a reestabelecer o status quo ante do ambiente natural.

Por se tratar de uma obrigação de observância apenas ao final do perí-odo produtivo, por vezes ela não representa uma preocupação precípua das concessionárias no momento da assinatura dos contratos. À medida que as reservas dos campos chegam ao fim, surge a necessidade do descomissiona-mento das instalações. Nesse desiderato, a ANP3 atualmente busca rever a Resolução nº 27/2006 sobre os procedimentos a serem adotados na desati-vação de instalações as condições para a devolução de áreas de concessão na fase de produção.

É curial salientar que não há uma regulação ambiental específica a estabe-lecer os requisitos ambientais mínimos a serem observados quando do desco-missionamento de instalações de E&P. Todavia, cabe destacar que a Instrução Normativa do Ibama4 nº 22, de 10 de julho de 2009, autoriza a transformação de embarcações e plataformas offshore em recifes artificiais, condicionada a um Plano Logístico de Descomissionamento, que deverá abranger o tratamento re-alizado para adequação à finalidade proposta, com a retirada de cantos vivos e a remoção total de substâncias e materiais potencialmente poluentes.

3 Disponível em: <http://www.anp.gov.br/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/seguranca-operacional-e-meio-ambiente/projeto-oil-gas-decommissioning-from-the-uk-s-north-sea-to-the-brazilian-atlantic> Acesso em: 4 Ago. 2018.

4 “Art. 10. Fica proibida a instalação de recifes artificiais em locais que ameacem, em sua área de influência direta, a integridade de formações recifais e demais habitats protegidos por legislação específica. § 1° Fica proibida a instalação de recifes artificiais em estuários, lagunas e águas continentais, exceto quando definida em medida de ordenamento pesqueiro por meio de normativa específica ou com a finalidade de pesquisa científica. § 2° A instalação de recifes artificiais em fundos de algas calcárias fica condicionada à análise de viabilidade pelo órgão competente. § 3° No caso de embarcações e plataformas offshore, deverá ser apresentado ao IBAMA plano logístico de descomissionamento, abrangendo todo tratamento realizado para adequação à finalidade proposta, com a retirada de cantos vivos e a remoção total de substâncias e materiais potencialmente poluentes (óleos e combustíveis, asbestos, PCBs, tintas anti-incrustantes, materiais que possam flutuar e representar risco, plásticos, vidros, baterias, anticongelantes, lâmpadas com mercúrio etc.), em conformidade com as Normas da Autoridade Marítima para Atividade de Inspeção Naval.”

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Deveras, o tema escapa ao consenso e está na ordem do dia. Isso porque os blocos da Rodada Zero, para os quais a Petrobras obteve a ratificação de seus direitos, estão próximos ao fim da produção, levando à necessidade de desco-missionamento de determinadas instalações offshore, em razão do fim da vida produtiva de alguns poços.

A emergência de uma regulação mais clara acerca do descomissionamento se intensifica, uma vez que entre os ativos que foram incluídos no Plano de Desinvestimento da Petrobras estão diversos campos maduros cujo descomis-sionamento será de responsabilidade dos adquirentes.

12.7 Nova legislação - PL 3.729/2004

O Projeto de Lei (PL) nº 3.729/2004, em atual tramitação na Câmara dos Deputados5, propõe-se a revisitar alguns pontos sensíveis ao licenciamento am-biental previstos pela Lei Complementar (LC) nº 140/2011. O aludido PL buscou incorporar sugestões propostas por setores da sociedade na identificação dos prin-cipais gargalos estruturais do processo de licenciamento ambiental no Brasil.

Vale salientar que o PL 3.729/2004 inclui a possibilidade de oferecimento, pelos órgãos licenciadores aos empreendedores que adotarem tecnologias com-provadamente mais eficazes de controle ambiental, condições especiais de li-cenciamento, tais como redução dos prazos de análise, dilação de prazos de renovação das licenças, simplificação do procedimento de licenciamento, etc.

Por seu turno, foram fixados prazos de análise para cada tipo de licença am-biental, reforçando disposição já prevista na LC 140/2011 de um único pedido de complementação no decorrer do processo de licenciamento.

Outrossim, foi previsto que atividades ou empreendimentos com áreas de in-fluência sobrepostas total ou parcialmente podem, a critério da autoridade licen-ciadora, ter as condicionantes ambientais executadas de forma integrada, desde que definidas as responsabilidades por seu cumprimento. As condicionantes esta-belecidas não poderão obrigar o empreendedor a operar serviços públicos.

Por fim, o PL 3.729/2004 da Câmara dos Deputados consagra a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) como instrumento de política ambiental capaz de avaliar, prévia e estrategicamente, políticas, planos e programas governa-

5 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1592274&filename=SBT+11+CFT+%3D%3E+PL+3729/2004> Acesso em: 6 ago. 2018.

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mentais mais amplos, buscando prevenir que eventuais questões venham a ser discutidas no âmbito do licenciamento ambiental de atividades ou empreendi-mentos específicos.

12.8 Conclusão

O desafio do desenvolvimento sustentável tem agendas múltiplas, envolvendo os setores governamentais, empresariais e da sociedade civil. O Relatório Brun-dtland, de 1987 (Nosso Futuro Comum), elaborado pela Comissão Mundial so-bre Meio Ambiente e Desenvolvimento, abalizou o desenvolvimento sustentável como aquele capaz de “satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.

A partir de reformas realizadas nos anos 1990, o Estado brasileiro passou por um processo de modernização, cujos reflexos se observam num maior dinamis-mo da economia e um redimensionamento dos processos de desenvolvimento. A dinâmica dos investimentos em infraestrutura, combinada com a necessida-de de segurança energética, entre outras, levou a um acentuado incremento dos pedidos de licenciamento ambiental.

No setor de meio ambiente, o processo de modernização do Estado brasileiro trouxe a perspectiva da abordagem da variável ambiental como condicionante do processo de desenvolvimento. Esse cenário mostra-se peculiarmente sinto-mático, na medida em que o processo de licenciamento é, por vezes, associado a um “entrave” ao desenvolvimento do País, seja por seu custo elevado, seja pelo tempo na emissão das licenças.

Nessa toada, a dinamismo do licenciamento se revela como um grande de-safio que se impõe ao legislador, qual seja o de assegurar a segurança energética e o desenvolvimento nacional de forma sustentável, materializando os com-promissos ecológicos firmados pelo Brasil perante a comunidade internacional.

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13. Descarte de água de lastro: Disciplina por meio de normas estaduais

Carlos da Costa e Silva Filho

13.1 Introdução

Até o final do século XIX, o volume de viagens marítimas de longa distância era relativamente modesto, em comparação com o que ocorre nos dias atuais, como também o controle do equilíbrio das embarcações fazia-se por meio de lastro sólido1, especialmente por meio de areia ou pedras.

Entretanto, o exponencial incremento das viagens marítimas, impulsionado pela utilização de fonte geradora de energia cinética mais eficiente do que as até então existentes (vento e carvão) e, mais recentemente, pela inserção da vasta maioria dos países em um sistema de trocas comerciais de alcance global que depende em larga escala do sistema de transporte marítimo trouxe consigo, por um lado, a mudança da forma de lastreamento das embarcações e, de outro lado, riscos ambientais até então não detectados.

Com efeito, com a escassez e a dificuldade operacional de lastreamento e deslastreamento de material sólido nos portos, passou-se a utilizar água como lastro das embarcações2, água essa na qual se encontram organismos vivos, ainda que em fase planctônica. Com isso, e em decorrência também de que organismos vivos que se fixam aos cascos dos navios (bioincrusta-ção) são deslocados de um oceano a outro do globo, passou-se a perceber a

1 FONSECA, Maurílio Magalhães. Arte naval. 7. ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2005. v. 1 apud SOUSA, Marcos Ticiano Alves de. Bioinvasão provocada pela água de lastro de embarcações: Consequências jurídicas. Revista Jus Navigandi. Teresina: ano 20, n. 4466, 23 set. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/42998> Acesso em: 4 fev. 2017.

2 Segundo definição constante da Norman 20/2005 (Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento de água de Lastro de Navios), água de lastro é “a água com suas partículas suspensas levada a bordo de uma embarcação nos seus tanques de lastro, para o controle do trim, banda, calado, estabilidade ou tensões da embarcação”.

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invasão de habitats por espécies não autóctones (bioinvasão) e, paulatina-mente, a perda da biodiversidade local.

Trata-se, portanto, de fenômeno típico das sociedades de risco3, em que se confrontam o modus vivendi típico da modernidade (pós-)industrial e os riscos por ela criados – riscos esses que, na modernidade clássica, eram considerados residuais e insignificantes, quando comparados aos custos do não progresso4.

Para fazer face a esse desequilíbrio que a sobrecapacidade técnica causou sobre as forças da natureza5, uma série de medidas normativas vêm sendo ado-tadas, tanto no que respeita ao Direito Internacional, como no que concerne ao Direito doméstico.

O presente artigo tem por objeto, portanto, identificar as normas adotadas pelo ordenamento jurídico federal para o controle da bioinvasão por meio do descarte de água de lastro e verificar se há espaço para a atuação legiferante dos Estados-Membros à luz da repartição de competências levada a termo pela atual Constituição da República.

13.2 Poluição ambiental por água de lastro: Tratamento normativo

Como já brevemente referido, a invasão do habitat marinho por espécies exóticas – seja por meio do alijamento de água de lastro, seja por meio da bioin-crustação –, com a consequente perda da biodiversidade aquática, é um proble-ma para o qual as atenções se voltaram apenas recentemente, se comparado ao aspecto milenar do transporte marinho.

3 Cf. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Ediciones Paidos Ibérica, 1998.

4 Nas palavras de Beck et alli, “pode-se virtualmente dizer que as constelações da sociedade de risco são produzidas porque as certezas da sociedade industrial (o consenso para o progresso ou a abstração dos efeitos e dos riscos ecológicos) dominam o pensamento e a ação das pessoas e das instituições na sociedade industrial. A sociedade de risco não é uma opção que se pode escolher ou rejeitar no decorrer de disputas políticas. Ela surge na continuidade dos processos de modernização autônoma, que são cegos e surdos a seus próprios efeitos e ameaças. De maneira cumulativa e latente, estes últimos produzem ameaças que questionam e finalmente destroem as bases da sociedade industrial” (BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: Política, tradição e estética na ordem social moderna. 2a reimpressão. São Paulo: Editora Unesp, 1997, p. 16).

5 Cf. SOARES, Cláudia Alexandra Dias. Stvdia ivridica 58 – O imposto ecológico. Contributo para o estudo dos instrumentos econômicos de defesa do ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 34.

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Com o incremento exponencial das viagens marítimas, motivadas sobretudo pela intensificação do comércio internacional, e com a potencialidade danosa ao meio ambiente decorrente do alijamento sem qualquer restrição de água de lastro – potencialidade essa que se concretizou em casos como o do mexilhão--zebra europeu Dreissena polymorpha, que infestou 40% das vias navegáveis nos Estados Unidos6, e da água-viva filtradora norte-americana Mnemiopsis leidyi, que esgotou os estoques de plâncton nativo, contribuindo para o colapso de toda a pesca comercial no Mar Negro7 –, a crescente preocupação internacional acerca do tema tomou corpo, inicialmente por meio da Convenção Internacio-nal das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982 (Convenção de Monte-go Bay), cujos Artigos 194, 207 a 212 e 235 proíbem a poluição transfronteiriça e estabelecem obrigação de cada país de adotar legislação nacional e internacio-nal para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho.

Na sequência, instituiu a Organização Marítima Internacional (IMO), pe-rante o seu Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho (MEPC), um grupo de trabalho para tratar do tema, redundando tal esforço na edição da Resolução MPEC nº 50 (31), de 1991, de caráter voluntário, acolhida pela Assembleia da IMO por meio da Resolução A nº 774 (18), de 1993, e sucedida pela Resolução A nº 868 (20), de 1997, com as “Diretrizes para o Controle e Gerenciamento da Água de Lastro dos Navios, para Minimizar a Transferência de Organismos Aquáticos Nocivos e Agentes Patogênicos”.

Finalmente, em 16 de fevereiro de 2004, na esteira da senda aberta pela Convenção de Montego Bay8, veio à lume a Convenção Internacional sobre Controle e Gestão de Água de Lastro e Sedimentos de Navios, de 2004 (Con-venção sobre Água de Lastro), convenção essa que, nos termos de seu Artigo

6 CAMACHO, Wellington Nogueira. Aspectos jurídicos acerca da poluição causada por água de lastro. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: ano 12, n. 46, p. 191-222, abr./jun. 2007.

7 Disponível em: <http://www.mma.gov.br/biodiversidade/agua-de-lastro/contexto>

8 Consoante a lição de Maria Helena Fonseca de Souza Rolim, “a Convenção sobre Água de Lastro referenda princípio fundamentais sobre a proteção do meio ambiente marinho, em particular os adotados pela CONVEMAR [Convenção de Montego Bay] e CDB [Convenção sobre Diversidade Biológica], com ênfase para o princípio da prevenção, princípio da precaução, cooperação internacional, transferência de tecnologia e proibição da poluição transfronteiriça”. (ROLIM, Maria Helena Fonseca de Souza. A Convemar e a proteção do meio ambiente marinho: Impacto na evolução e codificação do direito do mar – As ações implementadas pelo Brasil e seus reflexos no direito nacional. In: BEIRÃO, André Panno; PEREIRA, Antônio Celso Alves (orgs). Reflexões sobre a Convenção do Direito do Mar. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2014, p. 356).

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18, com a adesão da Finlândia a seus termos, entrou em vigor em 8 de setembro do ano em curso.

A Convenção sobre Água de Lastro tipifica os direitos e obrigações do Esta-do da bandeira, Estado do porto e Estado costeiro no texto principal, abrangen-do 22 artigos, ao passo que seu Anexo apresenta os aspectos técnicos relacio-nados ao controle e gestão de água de lastro dos navios e dos sedimentos nela contidos, merecendo menção a regra segundo a qual as trocas de água de lastro deverão ocorrer a pelo menos 200 milhas náuticas, quando possível, ou imprete-rivelmente a 50 milhas da costa e com no mínimo 200 metros de profundidade, pois a salinidade, maior em alto-mar, reduz as chances de sobrevivência dos organismos de ambientes costeiros e fluviais9.

No Brasil, ainda sob à égide da Constituição anterior, o tema atinente à poluição marinha causada por embarcações – embora não especificamente em decorrência do alijamento de água de lastro –, foi objeto da Lei nº 5.357/1967, que cometia a fiscalização de suas disposições à Diretoria de Portos e Costas do Ministério da Marinha, ainda que em cooperação com outros órgãos federais e estaduais interessados.

Quando do avento da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), o seu Artigo 14, § 4º, estabeleceu que, “nos casos de poluição provocada pelo derramamento ou lançamento de detritos ou óleo em águas brasileiras, por embarcações e terminais marítimos ou fluviais, prevalecerá o disposto na Lei nº 5.357, de 17 de novembro de 1967”, reafirmando, portanto, a eficácia do disposto na Lei anterior.

Em 1987, a Convenção de Montego Bay, aqui antes referida, recebeu aprova-ção legislativa por meio do Decreto Legislativo nº 05/1987, mas sua promulga-ção só veio à lume quando vigente a nova ordem constitucional, por intermédio do Decreto nº 1.530/1995, quando já vigia a Lei nº 8.617/1993, promulgada em consonância com a Convenção de Montego Bay, reconhecendo a jurisdição brasileira até o limite externo da zona econômica exclusiva, com o “o direito exclusivo de regulamentar a proteção e preservação do meio marítimo” (cf. art. 8º da Lei nº 8.617/1993).

9 Segundo Tiago Vinícius Zanella, “em função do grande volume de água que é despejado nos estuários pelos rios que deságuam no mar, a salinidade próxima à linha de costa é menor que em alto-mar. Os embriões das espécies que vivem além das 200 milhas não sobrevivem quando são introduzidas em águas com a salinidade mais baixa, como nas baias portuárias” (ZANELLA, Tiago Vinícius. Água de lastro: Um problema ambiental global. Curitiba: Juruá, 2010, p. 78).

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Cerca de quatro anos depois, foi promulgada a Lei nº 9.537/1997 (Lei de Se-gurança do Tráfego Aquaviário – Lesta), em cujos artigos 3º, caput, e 4º, VII, verifica-se a atribuição de competência à autoridade marítima para adotar me-didas de prevenção e controle da poluição ambiental por parte das embarcações.

A atribuição à autoridade marítima de poder-dever para adotar medidas executivas de prevenção da poluição ambiental oriunda das embarcações, como também para estabelecer requisitos, por meio de atos normativos inferiores, para a prevenção da referida poluição restou reforçada pelos dizeres dos Artigos 16-A e 17 da Lei Complementar nº 97/1999 (e, mais tarde, pelo Artigo 70 da Lei nº 9.605/1998), ao reconhecer como autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo, entre outros, os agentes das Capitanias dos Portos do Ministério da Marinha.

Finalmente, em abril de 2000 promulgou-se a Lei nº 9.966/2000, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lança-mento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional. Estabeleceu-se, ali, afora exceções previstas na própria Lei, a proibi-ção genérica de descarga, em águas sob jurisdição nacional, de água de lastro, entre outras substâncias nocivas ou perigosas, e, revogado o Artigo 14, § 4º, da Lei nº 6.938/1981, atribuiu-se, em seu Artigo 27, competência para aplicação da Lei a autoridades federais, estaduais e municipais, tendo o parágrafo único do Artigo 29 remetido à regulamentação posterior a definição de como se daria a atuação coordenada das autoridades ambientais e marítimas.

A regulamentação da Lei, levada a termo pelo Decreto nº 4.136/2002, seguiu o critério geral segundo o qual, sempre que a poluição decorresse de embarca-ções, a competência para a fiscalização e imposição de sanções caberia à auto-ridade marítima, ao passo que sempre que a poluição tivesse origem em portos, marinas, estaleiros, clubes náuticos, ou instalações costeiras, a competência se-ria dos órgãos ambientais competentes.

Assim, os Artigos 19 a 27 do Decreto em comento, que dizem respeito às infrações decorrentes do transporte de substâncias nocivas por navios (Subse-ções IV e V da Seção II do Capítulo II do Decreto), terão por ente fiscalizador a autoridade marítima (cf. art. 28), o que também se verifica em relação ao disposto no Artigos 29 e 32, que se referem explicitamente a descarte de água de lastro por embarcações.

Por seu turno, os Artigos 31 e 33 do mesmo Decreto cometem a competên-cia administrativa sancionatória aos órgãos ambientais, e não à autoridade ma-

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rítima, quando o descarte de substâncias nocivas ou poluentes, entre as quais a água de lastro, provier de portos organizados, instalações portuárias e dutos, ou seja, de estruturas fixas.

Com a celebração, em 13 de fevereiro de 2004, da Convenção Interna-cional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e Sedimentos de Navios, e visando dar concretude à disposição constante do Artigo 52 do Decreto nº 4.136/2002, foi expedida a Norman 20/2005 (Norma da Autori-dade Marítima para o Gerenciamento de água de Lastro de Navios).

Finalmente, com a edição do Decreto Legislativo nº 148/2010 e o depó-sito do respectivo instrumento de ratificação perante a Organização Marí-tima Internacional (IMO), e com a entrada em vigor da Convenção sobre Água de Lastro, em 8 de setembro de 2017, por força do que dispõe o seu Artigo 18, o Brasil passou a contar com mais uma lei a dispor sobre a maté-ria, uma vez que os tratados, de maneira geral, têm força de lei ordinária10.

Esse é o arcabouço legislativo existente, no âmbito da União, para o trata-mento da poluição por descarte indevido de água de lastro, com caráter bastan-te abrangente. Poderiam os Estados-Membros, ainda assim, também estabelecer normas sobre o tema?

A dúvida é relevante, porque inúmeros estados brasileiros localizam-se na costa e dispõem de portos públicos e terminais portuários privados em seus litorais, e porque, recentemente, em movimento que pode incentivar a produção legislativa estadual acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.030, em que se questionava a constitucionalidade de dispositivos da Lei catarinense nº 11.078/1999, que estabeleceu normas sobre controle de resíduos de embar-cações, oleodutos e instalações costeiras.

O exame da decisão proferida pela Corte Suprema será feito a seguir, não sem antes revisitarmos o tema da repartição de competências entre entes federativos.

10 Vale lembrar que a Convenção em tela dispõe sobre poluição ambiental decorrente do alijamento de água de lastro, e, a se entender que direito ao meio ambiente equilibrado compõe o rol dos direitos humanos fundamentais, será defensável atribuir à Convenção, finda sua internalização, a força de emenda constitucional, se respeitado o § 3º do Artigo 5º da Constituição, ou, ainda que não obtido o quórum constitucional, hierarquia superior à de mera lei ordinária, conforme RE 349.703/RS.

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13.3 Repartição de competências: Critério da

predominância do interesse

A apresentação, levada a cabo no capítulo anterior, do arcabouço normativo no âmbito do Direito Internacional e no âmbito interno em relação à proteção do meio ambiente aquático contra a poluição oriunda do descarte inadequado de água de lastro demonstra que a União Federal tem legislado repetidamente sobre o tema, e o faz, basicamente, por duas razões: (i) água de lastro é instituto atinente ao Direito Marítimo, pois que respeita à utilização de água como meio de prover estabilidade às embarcações, sendo sua utilização procedimento cor-riqueiro adotado em todo o mundo, muito antes que se pudessem perceber os danos ambientais decorrentes do seu descarte indevido, e a competência para legislar sobre direito marítimo incumbe à União; e (ii) a poluição ambiental relacionada ao lançamento de água de lastro no ambiente marinho pode ser en-carada como espécie de poluição transfronteiriça, que reclama do País medidas protetivas de sua fauna aquática no exercício de sua soberania.

A Constituição da República, em seu Artigo 22, inciso I, estabelece compe-tir privativamente à União Federal legislar sobre direito marítimo, assim como o inciso X do mesmo dispositivo estatui caber à União legislar sobre navegação lacustre, fluvial e marítima, sendo que os Estados-Membros somente podem legislar sobre tais matérias se devidamente autorizados por lei complementar (cf. art. 22, parágrafo único, CRFB/1988), hoje inexistente. Trata-se de opção do legislador constituinte que obedece a lógica, pois direito marítimo e navegação são temas que, em última análise, dizem respeito ao relacionamento do Brasil com países estrangeiros, seus cidadãos e suas empresas, certo que a parte mais expressiva do comércio internacional é transportada pela via marítima.

Poder-se-ia supor que, por força do que contêm os incisos VI a VIII do Ar-tigo 24 da Lei Maior, haveria espaço para o exercício de atividade legiferante por parte dos Estados-Membros em relação ao tema objeto da presente análise. Ocorre que a competência legislativa dos Estados-Membros, nos termos dos §§ 3º e 4º do Artigo 24 da Constituição, pode ser exercida plenamente, se inexis-tente lei federal acerca do tema, e, como visto, a produção legislativa federal acerca da matéria é vasta, tornando, salvo demonstração em sentido contrário, desnecessária qualquer suplementação dos demais entes federados.

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Acrescente-se que a competência suplementar dos Estados-Membros, pre-vista nos §§ 1º a 4º do Artigo 24 da Constituição Federal (assim como a com-petência dos Municípios, decorrente do Artigo 30, I e II, da Carta Magna), somente pode ser exercida para tratar de assuntos de seu peculiar interesse, pois o § 3º do Artigo 24 refere-se à legislação estadual para atender a peculia-ridades de cada estado.

Em verdade, o critério de que se serviu o legislador para enumerar as com-petências legislativas privativas da União, e que também serve à elucidação de problemas atinentes à competência legislativa concorrente, é o da predominân-cia do interesse, de modo que, predominante o interesse federal, e exaurida a necessidade de regulação de dada matéria, não há espaço para interposição legislativa dos demais entes federados (cf., por todos, STF, Pleno, Adin 3.035/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14/10/2005).

Em suma, se é certo que nos termos da Constituição Federal compete con-correntemente à União e aos Estados-Membros legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (CRFB/1988, art. 24, inciso VI), também é certo que a competência dos entes estaduais limita-se a suple-mentar a norma federal, quando houver espaço para tanto.

No caso já referido, atinente à Adin 2.030, estava em discussão o teor da Lei nº 11.078, de 11 de janeiro de 1999, do Estado de Santa Catarina, que preten-dera estabelecer procedimentos e critérios para o controle de resíduos oriundos de embarcações, oleodutos e instalações costeiras. Um dos artigos impugnados (art. 4º) dispõe que “as embarcações deverão contar com sistemas adequados para receber, selecionar e dispor seus próprios resíduos, que serão descartados somente em instalações terrestres”.

O julgamento ocorreu na data de 9 de agosto de 2017, e não houve, até 30 de agosto de 2018, publicação do respectivo acórdão. A notícia obtida no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal dá conta de que os Ministros teriam entendido que as normas questionadas não diziam respeito a matéria de direito marítimo, que é privativa da União, mas sim a matéria de direito ambiental, considerando, portanto, legítimo o exercício da competência concorrente legis-lativa por parte de Santa Catarina.

A mesma notícia extraída da página do STF na internet, porém, ressalva que, segundo o voto do Ministro Relator, como à época da edição da legislação contestada não havia lei geral sobre o tema, os Estados-Membros tinham plena

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competência legislativa nessa matéria e poderiam suprir o espaço normativo com legislações locais, mas que, “com a superveniência de diploma federal sobre a matéria, a legislação catarinense poderia perder força normativa naquilo que contrastasse à legislação geral de regência”.

Ora, água de lastro é tema objeto de tratamento legislativo federal desde há muito, de forma que, quanto à espécie, haveria uma contradição no julgado, eis que a Lei catarinense inclui no conceito de resíduo também o que denomina “lastro sujo” (art. 2º, caput). E ainda que inexistisse qualquer lei à época do jul-gamento, a decisão ali proferida haveria de ser reexaminada à luz da entrada em vigor da Convenção sobre Água de Lastro, em 8 de setembro de 2017.

Veja-se que uma das alegações constantes da petição inicial era a de que a Lei catarinense seria contrária à Convenção sobre Prevenção da Poluição Ma-rinha por Alijamento de Resíduos e outras matérias. Tal fundamentação não chegou a ser analisada, por desbordar dos limites da Ação Direta de Inconstitu-cionalidade (a Convenção não seria parâmetro de controle de constitucionali-dade). No caso da água de lastro, porém, não se trata de contrastar lei estadual e convenção internacional, mas sim lei estadual e lei federal (pois o tratado teria sido recepcionado pelo ordenamento jurídico pátrio ou como lei ordinária, ou como emenda constitucional).

Assim, fazendo as necessárias ressalvas com relação ao fato de inexistir acór-dão publicado passível de análise pormenorizada, e sem examinar os casos re-lativos aos demais tipos de resíduos objeto da Lei catarinense, pensamos que o julgado proferido pelo STF na causa em comento mereceria ser expurgado de seus vícios em sede de embargos de declaração.

Poderiam, então, os Estados-Membros, não por meio de lei, mas por meio de atos administrativos normativos, regular a matéria atinente a descarte de água de lastro? Trata-se de possibilidade concreta, uma vez que a doutrina admite a produção de atos normativos pela Administração, como exteriorização do seu poder de polícia11.

11 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros; CASTRO, Sonia Rabello de. O poder de polícia normativo, o direito urbanístico e as normas de planejamento urbano. Tese elaborada como Requisito Parcial para o Concurso ao cargo de Professor Titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nov.-2001. Do trabalho desta última jurista extrai-se o seguinte excerto: “Hoje é muito frequente o uso, pela administração pública, da normatividade administrativa em inúmeras áreas de sua atuação e, em especial, nas áreas de intervenção no domínio econômico; a prática administrativa tem feito

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Para responder a tal questionamento, vale lembrar que, no que concerne à competência administrativa, estatui o Artigo 23 da Carta Constitucional caber à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios proteger o meio am-biente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI) e preservar as florestas, a fauna e a flora (inciso VII).

A despeito de se tratar de competência comum a todos os entes federados, doutrina e jurisprudência sempre entenderam que, à luz de um dado caso con-creto, um e apenas um dos entes teria a atribuição específica de agir, e que o critério a balizar a definição do ente competente seria, mais uma vez, o da pre-dominância do interesse.

Confira-se, nessa linha, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ex-traído do Agravo Regimental na Medida Cautelar na Ação Cautelar nº 1.255/RR, da lavra do Ministro Celso de Mello, em que o referido Ministro esclarece que:

“considerada a repartição constitucional de competências em matéria ambiental, que, na eventualidade de surgir conflito entre as pessoas po-líticas no desempenho de atribuições que lhes sejam comuns – como sucederia, p. ex., no exercício da competência material a que aludem os incisos VI e VII do art. 23 da Constituição –, tal situação de antagonis-mo resolver-se-á mediante aplicação do critério da preponderância do interesse e, quando tal for possível, pela utilização do critério da coope-ração entre as entidades integrantes da Federação.”

Ora, a se entender que se trata de poluição transfronteiriça aquela decorren-te do alijamento indevido de água de lastro por embarcações, o interesse predo-minante em relação à adoção de medidas de prevenção, controle e fiscalização é da União Federal.

De todo modo, especificamente em relação à competência comum relativa à proteção do meio ambiente, e no exercício da faculdade disposta no parágrafo único do Artigo 23 da Constituição da República, foi editada, em 8 de dezem-bro de 2011, a Lei Complementar nº 140/2011, que fixa normas para a coopera-ção entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

De início, mencione-se que o Artigo 3º, inciso IV, da Lei Complementar em comento estabelece ser um dos objetivos fundamentais da União, dos Estados,

uso desta forma de normatividade de maneira cada vez mais intensa, na medida em que o objeto do regramento está mais complexo, mais técnico e, ao mesmo tempo, mais dinâmico”.

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do Distrito Federal e dos Municípios “garantir a uniformidade da política am-biental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais”, o que, em outros termos, significa que a existência de peculiaridades regionais e locais é que justifica a atuação estadual e municipal.

Observando o já mencionado critério da predominância do interesse, a Lei Complementar nº 140/2011, em seu Artigo 7º, inciso XVII, definiu como sendo atribuição da União Federal controlar a introdução no País de espécies exóticas que possam ameaçar os ecossistemas, habitats e espécies nativas.

Mais do que isso, o inciso XXIV do mesmo Artigo 7º estabelece ser de com-petência da União exercer o controle ambiental sobre o transporte marítimo de produtos perigosos, valendo recordar, a propósito, que o tratamento dado pela Lei nº 9.966/2000 à água de lastro é semelhante àquele conferido ao óleo, ambos, portanto, inseridos no conceito de produtos perigosos.

Ora, se à União foi conferida a competência para tais ações administrativas, pode ela, e não os demais entes federativos, editar atos normativos necessários ao implemento de tais medidas, consoante o disposto na lógica inerente à Teo-ria dos Poderes Implícitos.

Assim, a Lei Complementar nº 140/2011, em relação ao tema aqui examina-do, ratificou depois tudo aquilo que fora regulado pela legislação de direito ma-rítimo e pela legislação ambiental até então produzida, enfeixando, mais uma vez, em mãos da União Federal o exercício do poder de polícia ambiental em relação à água de lastro lançada por embarcações, de modo que, também pelo ponto de vista da competência material, administrativa, não há espaço para exigências formuladas por meio de atos administrativos normativos estaduais.

13.4 Conclusão

À vista do exposto, ainda que se aceite a tese de que descarte de água de las-tro é matéria que, por sua repercussão e relevância ambiental, não se encarta na competência privativa da União para legislar sobre direito marítimo – tal como entendeu o STF na Adin 2.030 –, salvo alguma peculiaridade regional devida-mente aferível que justifique a intervenção legiferante estadual, cabe à União a competência para edição de normas legais e administrativas que tratem do tema.

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14. Avaliação ambiental estratégica no processo de oferta de blocos para E&P

de petróleo e gás natural no Brasil

Pietro De Biase (copyright 2018, Instituto Brasileiro de Petróleo,

Gás e Biocombustíveis – IRB)

14.1 Introdução

O Artigo 2º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, Lei do Petróleo, atribui ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a definição dos blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção. A mesma lei instituiu a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), à qual incumbe a promoção das licitações para a concessão1 de blocos exploratórios e fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural e de preservação do meio ambiente, de modo a melhor atender às diretrizes do CNPE. A partir dessas diretrizes, a ANP prepara o conjunto de rodadas de oferta de blocos para E&P.

Previamente às rodadas, a ANP realiza o planejamento setorial da expan-são das atividades de E&P, cabendo ao CNPE a chancela para as áreas e as datas dos leilões. Numa apertada síntese, a etapa de planejamento compre-ende a proposição de áreas a serem ofertadas e a determinação dos critérios de qualificação técnica e jurídica. A delimitação dos blocos postos em oferta está alicerçada em dois elementos determinantes, a saber: a disponibilidade de dados geológicos e geofísicos que demonstrem indícios da presença de óleo

1 A Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, instituiu o regime de partilha de produção em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas. Nesse regime, os contratos são celebrados em nome da União pelo Ministério de Minas e Energia.

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e gás natural e as considerações preliminares sobre as condicionantes ambien-tais (ANP, 2007).

A despeito da análise das condicionantes ambientais, a incorporação do vetor ambiental no planejamento setorial na oferta de blocos pela ANP ainda se revela insuficiente para harmonizar as atividades de E&P e a tutela do meio ambiente, tal como determina a Lei do Petróleo. Isso porque o processo de consecução dos objetivos das políticas de petróleo e gás e da agenda ambiental, ambas de interesse nacional, mostra-se, até o momento, condensado substancialmente no processo de licenciamento ambiental, o que se tem revestido de incertezas e inseguranças tanto para o órgão regulador quanto para as concessionárias.

A edição da Resolução nº 8/2003 do CNPE trouxe a integração formal da variável ambiental como um dos requisitos para o planejamento e seleção dos blocos. Essa Resolução também estabeleceu que a escolha das áreas a serem postas em leilão deveria ser precedida de manifestação conjunta da ANP, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama)2 e dos ór-gãos ambientais dos Estados, quando aplicável, sendo possível a exclusão de áreas por conta de restrições ambientais. Esse diálogo institucional lançou as bases para o fortalecimento do planejamento setorial previamente à tomada formal de decisão sobre quais blocos deveriam ser ofertados.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio da Portaria 218/2012, instituiu o Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG), com o objetivo de apoiar tecnicamente a interlocução com o setor de exploração e produção de petróleo e gás natural, em especial no que se refere às análises ambientais prévias à definição de áreas para outorga e às recomendações estratégicas para o processo de licenciamento ambiental dessas atividades no território nacional. O GTPEG é composto por membros do MMA, do Ibama, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Agência Nacional de Águas (ANA).

2 Cabe lembrar que desde 1999 o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ibama e a ANP estabeleceram as bases para o diálogo institucional para definir uma agenda de trabalho que possibilitasse a implantação das medidas necessárias à revisão do sistema de licenciamento ambiental, o aprimoramento de outros instrumentos de gestão ambiental e a elaboração de cartas de sensibilidade ambiental, a fim de melhorar a abordagem da variável ambiental no processo de E&P. O objetivo era reduzir a incerteza sobre a viabilidade ambiental das atividades petrolíferas. Esse processo resultou em dois instrumentos específicos: o primeiro, de natureza político-institucional, a Agenda Ambiental do Petróleo, assinada em 2000 pelo MMA e pela ANP; e o segundo, o Guia de Licenciamento Ambiental, lançado, em 2002 em sua primeira versão (MMA, 2002).

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Hodiernamente, por força da Resolução nº 17/2017, a variável ambiental está incorporada ao planejamento de oferecimento de blocos exploratórios, por meio de análise prévia dos órgãos ambientais reguladores, no intuito de excluir áreas por restrições ambientais em função de sobreposição com unidades de conser-vação ou outras áreas sensíveis onde não é possível ou recomendável atividades de E&P. O resultado dessa análise se consubstancia no Parecer Técnico Preli-minar do GTPEG, que, por sua vez, integrará o Guia do Licenciamento Am-biental3, permitindo ao futuro concessionário a inclusão da variável ambiental em seus estudos de viabilidade técnica e econômica dos projetos.

A quebra do exercício do monopólio pela Lei do Petróleo gerou um aumen-to na demanda pelo licenciamento ambiental, mas, devido à falta de clareza nas condicionantes ambientais, tem ocasionado uma explosão de custos para o segmento de E&P. Segundo Costamilan, o processo de licenciamento am-biental do ciclo operacional é, por vezes, superior a 18 meses, ao passo que a fase exploratória tem duração média de três meses, ou seja, 20% do tempo desse ciclo, sendo o restante referente ao licenciamento. Em linhas gerais, es-tima-se que em projetos de infraestrutura com o ciclo de vida extenso, como se verifica nas atividades de E&P, o licenciamento preencha, em média, 8% do tempo do ciclo do empreendimento.

Ciente desse gargalo regulatório, o Governo Federal, por meio do Decreto nº 4.925, de 19 de setembro de 2003, criou o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp). Dentre os estudos realizados pelo Prominp destaca-se a Análise do Licenciamento Ambiental das Atividades do Ciclo de Petróleo e Gás Natural, que sinalizou a necessidade de complementação de normas existentes sobre as condicionantes ambientais.

Não obstante os avanços acima descritos, a integração do vetor ambien-tal às atividades de E&P ainda se mostra insatisfatória, gerando incertezas sobre a viabilidade dos projetos, dado que as diretrizes ambientais que sub-sidiam a tomada de decisão permanecem essencialmente dirigidas ao licen-ciamento e, portanto, circunscritas à instância de projetos. O licenciamento ambiental não é capaz de realizar uma avaliação integrada de todos esses

3 O Guia de Licenciamento foi lançado na Quarta Rodada, como resultado da ação conjunta da ANP e do Ibama, que reuniu em base cartográfica as principais informações sobre os recursos ambientais, sinalizando as áreas de maior sensibilidade ambiental e estabelecendo diretrizes para a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental relacionados ao licenciamento.

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empreendimentos ligados à cadeia de petróleo, de avaliar a cumulatividade e a sinergia de seus impactos, associados, ainda, aos empreendimentos já instalados na região.

“Não é capaz de avaliar as transformações socioambientais provocadas pelo desenvolvimento do conjunto de empreendimentos. Não é capaz de prever se o petróleo é uma adequada vocação econômica, compatível com as demais vocações. Não é capaz, portanto, de responder a uma per-gunta fundamental: em determinada região, a exploração e a produção de petróleo, considerando toda a cadeia envolvida, é viável ambiental-mente? Em quais condições?” (Ibama, 2018)

Segundo a lição de Teixeira, a insuficiência do licenciamento ambiental para encaminhar questões socioambientais de natureza estratégica (por exem-plo, potenciais conflitos com outras atividades econômicas co-localizadas ou conflitos entre objetivos de uso de áreas de interesse comum, em particular entre os setores de meio ambiente e de energia), que não são previamente ava-liadas pelas entidades governamentais envolvidas, tem se tornado cada vez mais evidente pelo incremento progressivo das atividades de E&P. O modelo adotado não minimiza a incerteza dos investidores quanto à viabilidade ambiental do desenvolvimento da atividade petrolífera nos blocos ofertados4.

Caso não se evolua na interação da agenda ambiental e das atividades de E&P, projeta-se um crescimento dos conflitos socioambientais associados aos usos dos recursos naturais e à preservação de áreas de interesse ambiental. Isso se justifica porquanto as análises são orientadas fundamentalmente pelo potencial de dano ambiental associado à atividade de E&P. O que se nota, tanto no processo de análise técnica como no de tomada de decisão, é uma ausência de estudos que levem em consideração uma avaliação estratégica so-bre o potencial de impacto e risco, fatores críticos decorrentes da implantação de uma atividade de E&P.

4 Cabe lembrar o caso emblemático de negativa de licença ambiental pelo Ibama envolvendo a empresa Newfield do Brasil Ltda., que teve sua licença de exploração negada pelo Ibama em 2005 para operar o bloco BM-ES-20, localizado na Bacia do Espírito Santo. A Newfield moveu uma ação arbitral contra a ANP que perdurou por mais de dez anos. Por fim, a ANP foi condenada a indenizar a concessionária em 5,38 milhões de reais por não ter conseguido explorar o bloco arrematado, uma vez que ele se localizava próximo ao arquipélago de abrolhos.

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Diante desse quadro, propõe-se a incorporação da variável ambiental ex ante à tomada de decisão a partir de um procedimento sistemático e contínuo de avaliação da qualidade do meio ambiente e das consequências ambientais decorrentes de visões e intenções alternativas de desenvolvimento, incorpo-radas em iniciativas tais como a formulação de políticas, planos e progra-mas (PPP), de modo a assegurar a integração efetiva dos aspectos biofísicos, econômicos, sociais e políticos. (Ministério do Meio Ambiente, 2002). Tal instrumento de política ambiental é comumente conhecido como Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).

No tocante ao uso da Avaliação Ambiental Estratégica no setor de petróleo, a experiência internacional revela que esse instrumento pode ser adotado por diferentes sistemas de planejamento e tomada de decisão, adaptando-se à reali-dade legal de cada país, sem o risco da frustração dos seus propósitos.

Cumpre lembrar que a AAE é aplicada por países tradicionalmente pro-dutores de petróleo e gás natural, como Estados Unidos, Noruega e Canadá. A despeito das diferenças de modelos de planejamento setorial de cada país, relacionadas às especificidades do ordenamento jurídico local, a variável am-biental mostra-se como tema estratégico para subsidiar a tomada de decisão sobre a oferta ou não de blocos exploratórios. Das análises realizadas por esses três países observam-se os seguintes elementos comuns (Teixeira, 2008):

• A incorporação do vetor ambiental não se limita ao projeto. Pelo contrá-rio, ele é adotado no momento do planejamento setorial de concessões de novas áreas, por meio de insumos técnicos e científicos, com critérios e regras claros, previstos em procedimentos transparentes;

• Há diálogo entre o Estado, as empresas e a sociedade civil, respaldados em processos sistemáticos integrados ao planejamento;

• O Estado se faz presente em todo o processo, envidando esforços a fim de mitigar incertezas sobre a viabilidade de novas atividades de E&P.

Por fim, cumpre destacar que todos os países se valem de processos es-truturados de avaliação ambiental, com ampla participação de interessados, ex ante à tomada de decisão, buscando antever os impactos socioambientais associados ao desenvolvimento de atividades de E&P. Da mesma forma, os países utilizam a nomenclatura ambiental para a tomada de decisão sobre a

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abertura de áreas exploratórias (moratória, exclusão ou exploração com níveis especiais de controle ambiental).

14.2 A experiência brasileira com o uso da AAE no setor de petróleo

Até o presente momento, a única AAE realizada no âmbito de uma ativida-de de E&P foi a AAE da Bacia de Camamu-Almada5 (2002-2003), promovida pelas concessionárias e realizado pela equipe do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pes-quisa de Engenharia (COPPE), da Universidade Federal dório de Janeiro (Lima/COPPE/UFRJ). A AAE teve como finalidade avaliar as implicações ambientais das possíveis opções de exploração e produção de petróleo e gás natural em áre-as de elevada sensibilidade ambiental e seus impactos socioambientais cumula-tivos relacionados à proximidade de Unidades de Conservação e à dependência das populações locais das atividades de pesca e turismo.

Cabe destacar a clara vinculação da AAE a uma abordagem que pudesse elencar as externalidades decorrentes da atividade de E&P naquela região. Foi preciso contextualizar impactos socioeconômicos da indústria de petróleo nas demais indústrias, como, por exemplo, a do turismo. Foi preciso, ainda, com-preender os desafios econômicos, considerando-se as necessidades da cadeia de E&P, como integração de modais para o transporte e a destinação dos hidro-carbonetos prospectados.

É importante notar que a AAE de Camamu-Almada se deslindou num con-texto de um projeto estruturante, cujos impactos do seu desenvolvimento na região não estavam previstos nem dimensionados e cujas variáveis não estariam contempladas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Cabe assinalar que fo-ram definidos 18 cenários de desenvolvimento e 166 alternativas tecnológicas para a cadeia de produção. Além dos referidos impactos socioambientais das al-ternativas produtivas, estudou-se o potencial do risco ambiental atrelado a elas.

5 Esta AAE foi elaborada a pedido de Petrobras, El Paso, Queiroz Galvão, Ipiranga e Petroserv, que contrataram, em 2002, o Lima/COPPE/UFRJ para desenvolver o estudo do projeto exploratório. Este autor, no entanto, entende que o momento ideal para elaboração de uma AAE seja antes da oferta das áreas no leilão.

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Embora a AAE de Camamu-Almada não tenha debatido diretamente a questão da sustentabilidade, ela buscou definir alternativas de E&P am-bientalmente mais amigáveis numa área de elevada sensibilidade ambiental, que não tinha sido objeto de qualquer prospecção petrolífera até aquele momento. Na dicção de Teixeira, para além da avalição dos fatores críticos das atividades de E&P naquela região, as concessionárias buscaram outros caminhos de interlocução com as populações locais e a área ambiental, ao apontarem para as sinergias e as externalidades positivas decorrentes do desenvolvimento dos blocos concedidos.

14.3 A AAE na agenda regulatória

Atento às insuficiências do modelo atual de oferta de blocos e de diálogo interinstitucional em prol da incorporação da variável ambiental ao planeja-mento setorial de abertura de áreas às atividades de E&P, foi editada a Porta-ria Interministerial MME/MMA nº198, de 5 de abril de 2012, que instituiu a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), disciplinando sua relação com o processo de outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás natural, localizados nas bacias sedimentares marítimas e terrestres, e com o processo de licenciamento ambiental dos respectivos empreendimentos e atividades.

Uma das inovações trazidas pela Portaria foi a definição de que o processo de esco-lha de blocos a serem leiloados deverá ser precedida de avaliação baseada em estudos multidisciplinares, com abrangência regional, que, por sua vez, fornecerão subsídio ao planejamento estratégico de políticas setoriais no segmento de E&P. A partir da análise do diagnóstico socioambiental de determinada área sedimentar e da identifi-cação dos potenciais impactos socioambientais associados às atividades de E&P, será feita a classificação da aptidão da área avaliada para o desenvolvimento das referidas atividades ou empreendimentos, bem como a definição de recomendações a serem integradas aos processos decisórios e ao licenciamento ambiental.

Dentre os objetivos da AAAS, destacam-se a busca pelo aumento da segu-rança jurídica nos processos de licenciamento ambiental e uma maior racionali-dade e sinergia para o desenvolvimento de estudos ambientais nos processos de licenciamento ambiental, aproveitando-se a utilização dos dados e informações da AAAS nos referidos estudos.

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Além disso, a AAAS foi consagrada como instrumento de política e gestão ambiental apto a respaldar ações governamentais que considerem desenvolvimento sustentável ao planejamento estratégico, à medida que contribui para a classificação de determinado espaço regional com efetivo ou potencial interesse de E&P.

É mister assinalar que a referida Portaria dispõe que a AAAS será precedida de um Estudo Ambiental (EAAS). Este, por seu turno, resultará na classificação das áreas sedimentares quanto à sua aptidão para operações de E&P, categorizando-as em áreas aptas, não aptas ou em moratória6. Foi previsto, ainda, que o EAAS resulte na elaboração de uma base hidrodinâmica de referência, a ser disponibilizada aos empreendedores, como subsídio à modelagem de dispersão de óleo e poluentes na região, na proposição de recomendações não vinculantes ao processo de licencia-mento ambiental, além de um prazo para a sua própria revisão.

Ademais, previu-se que para cada AAAS fosse constituído um Comitê Técnico de Acompanhamento (CTA), a ser necessariamente composto por membros da ANP, do Ibama e do ICMBio, entre outros7, substituindo o atual GTPEG. O CTA, no curso de seus trabalhos, poderá ouvir membros da acade-mia e especialistas. As conclusões da AAAS incidirão apenas sobre as áreas a serem leiloadas, assegurando, assim, a continuidade das atividades licenciadas antes de sua efetivação.

Embora a AAAS não vincule órgão ambiental, os estudos produzidos no seu âmbito, bem como as decisões do CTA, deverão ser considerados pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) no processo de licencia-

6 Portaria 198/2012 MMA/MME: “Art. 1º (...)IV - Áreas aptas: áreas cujas condições e características socioambientais, identificadas a partir da AAAS, são compatíveis com atividades e empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural, mediante a utilização das melhores práticas da indústria; V - Áreas não aptas: áreas onde são encontrados ativos ambientais altamente relevantes, identificadas a partir da AAAS, cuja necessidade de conservação seja incompatível com os impactos e riscos associados à exploração petrolífera; VI - Áreas em moratória: áreas onde, com base na AAAS, foram identificadas importantes lacunas de conhecimento científico ou relevantes conflitos de uso do espaço e dos recursos socioambientais, dependendo de aprofundamento de estudos e desenvolvimento tecnológico de alternativas ambientalmente mais adequadas, para decisão quanto à aptidão para exploração petrolífera”

7 Portaria Interministerial MME/MMA nº 621, de 18 de novembro de 2014, institui o CTA para a AAAS da Bacia Sedimentar Terrestre de Solimões; Portaria Interministerial MME/MMA nº 622, de 18 de novembro de 2014, institui o CTA para a AAAS da Bacia Sedimentar Marítima de Sergipe-Alagoas/Jacuípe.

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mento ambiental, com vistas à racionalização dos estudos exigidos, inclusive do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima).

Cabe, aqui, uma digressão referente ao órgão competente a conduzir a AAAS. Há quem defenda que, por se tratar de um estudo de caráter ambiental, o Ibama, na qualidade órgão executor da Política Nacional de Meio Ambiente, deveria ser a autarquia responsável pela condução dessa avaliação. Cumpre pon-tuar que não há norma que condicione o licenciamento ambiental de atividades de E&P à elaboração de AAAS. Há, contudo, disposição clara na Lei do Petró-leo de que será da atribuição da ANP a implementação da política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, contida na política energética nacional. Ora, sendo da alçada da ANP o planejamento das rodadas de concessão e sen-do a AAAS um instrumento que pretende subsidiar o planejamento estratégico da política de ofertas de blocos exploratórios, faz sentido que a competência para sua implantação recaia com razão nas atribuições da agência.

14.4 O uso da AAAS na visão dos órgãos de controle

Especialmente a partir da 11ª Rodada de Concessões, o Parecer Técnico Preliminar do GTPEG já começa a dar sinais de esgotamento quando se preten-de antever os possíveis impactos socioambientais e discutir a variável ambiental ex ante à tomada de decisão.

Cumpre salientar que o Judiciário8 e o Tribunal de Contas da União9 já se manifestaram no sentido de que se amplie o diálogo a respeito da via-

8 Por força de liminar judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 5005509-18.2014.404.7005, foram suspensos os efeitos dos contratos de concessão relativos aos blocos localizados no setor SPAR-CS da bacia do Paraná. Além disso, a Diretoria Colegiada da ANP, por força de decisão judicial, anulou a assinatura do contrato de concessão referente ao bloco PN-T-597, localizado no setor SPN-O da bacia de Parnaíba, leiloados na 12ª Rodada. Adicionalmente, foi concedida medida liminar nos autos da Ação Civil Pública nº 080036679.2016.4.05.8500 para suspender os contratos de concessão que envolvam a exploração de gás xisto por meio de faturamento (fracking) na Bacia Sergipe-Alagoas. Por fim, foi proferida medida liminar nos autos de Ação Civil Pública nº 0030652-38.2014.4.01.3300 também para suspender a exploração por faturamento na Bacia do Recôncavo. Todas as medidas antecipatórias de tutela concedidas pela Justiça condicionam a continuidade das atividades de E&P nas regiões à realização de AAAS.

9 Acórdão 3639/2013 do TCU julgado em 10/12/2013. Ministro Relator Jose Jorge. “ (...) Recomenda-se a adoção da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) como um dos instrumentos adequados à definição das condições de contorno para utilização das técnicas de fraturamento hidráulico em poços horizontais nas bacias de interesse (...) 53. A análise do conjunto dessas informações aponta

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bilidade ambiental no planejamento estratégico do processo de outorga de blocos exploratórios.

Recentemente, o próprio Ibama emitiu um parecer10 que reconhece a impor-tância estratégica do uso da AAAS pelas instâncias do planejamento setorial de modo a mitigar riscos para as concessionárias no cumprimento das exigên-cias técnicas para a elaboração do EIA. O Parecer reforça, ainda, que apenas uma avaliação ambiental estratégica seria capaz de fornecer subsídios adequa-dos para uma melhor análise técnica quando do licenciamento ambiental.

14.5 Conclusão

A experiência internacional revela que a abertura de áreas de nova fron-teira para as atividades de E&P, de notória sensibilidade socioambiental ou de elevado interesse de proteção da biodiversidade, está longe de ser uma decisão isenta de conflitos de interesse. No entanto, a discussão em torno de objetivos estratégicos de desenvolvimento, tais como a garantia da se-gurança energética nacional, uma diversidade da matriz energética e uma perene autossuficiência em petróleo e gás natural, pode levar à decisão de oferta de áreas para E&P sem que se precise excluir outros usos pretendidos ou outras atividades econômicas.

Sendo assim, a Avaliação Ambiental Estratégica se mostra um relevante instrumento para o planejamento energético e ambiental nacional, ao compa-tibilizar os objetivos de geração de energia e de conservação ambiental e sus-

inequivocamente para falta de planejamento adequado quanto ao tratamento das questões de impacto ambiental da produção em áreas não convencionais, principalmente quanto à ausência de registros de debates sobre o tema com foco na criação de regras.”

10 Parecer Técnico nº 73/2018-COEXP/CGMAC/DILIC: “Se realizada previamente, a avaliação resolveria com maior propriedade determinadas questões que dariam maior segurança, efetividade e celeridade aos processos de licenciamento ambiental. Todavia, até a presente data, a AAAS não fora implementada em nenhuma área do país. Esta Coordenação entende que áreas de notória sensibilidade socioambiental e de nova fronteira para a indústria do petróleo, em especial onde ainda não se tem empreendimentos de produção, a AAAS se faz prioritária e essencial para uma adequada tomada de decisão. Esta reflexão não tem o intuito – nem poderia ter – de afirmar que licenças ambientais de perfuração exploratória não devam ser emitidas em tais situações até que seja realizada uma avaliação ambiental estratégica, como a AAAS. Tem na verdade a intenção de reforçar sua importância e destacar a maior responsabilidade dos técnicos em analisar um licenciamento ambiental sem o subsídio de uma avaliação ambiental estratégica. Neste sentido, considera-se fundamental realizar a AAAS ao menos antes do licenciamento ambiental de produção.”

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tentabilidade, além de contribuir para um dinamismo do processo de licencia-mento ambiental. Isso posto, estima-se que a correta incorporação da AAAS ao planejamento de oferta de blocos de E&P contribua para uma maior previsi-bilidade e simplificação do licenciamento, reforçando a segurança jurídica para os empreendedores da indústria de óleo e gás brasileira.

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PARTE IV

QUESTÕES FISCAIS

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15. Competência tributária e a regulamentação internacional

de exploração de O&G em áreas além da jurisdição nacional

Luiz André Nunes de Oliveira

Há dois aspectos extremamente sensíveis que tocam o tema: a questão da soberania e a importância econômica da atividade petrolífera.

Para analisar o cenário posto, deve-se levar em consideração: i) que as re-ceitas advindas da exploração de óleo e gás envolvem valores expressivos; ii) que tais bens minerais fósseis não estão geologicamente distribuídos de forma equânime nos territórios dos países; e iii) que a exploração de óleo e gás tem potencial de causar danos ambientais.

A competência tributária é uma das expressões da soberania. É a faculdade de criar leis que instituam tributos. Compreende as capacidades de legislar, fiscalizar e arrecadar tributos.

É nesse panorama que surge a necessidade de delimitar as áreas que estão sob jurisdição dos países costeiros e as áreas que extrapolem sua jurisdição, a fim de evitar conflitos.

Há sempre uma tensão entre os Estados quando tratamos de soberania. Em par-ticular com relação às riquezas no mar, o conflito sempre foi uma constante. Daí o esforço da comunidade internacional de promover amplos e duradouros debates que culminaram com a Terceira CNUDM-Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, conhecida como Convenção de Montego Bay1, de 1982 com o objetivo de regular e normatizar as relações jurídicas no mar.

15.1 A convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar

A CNUDM surgiu da necessidade de elaboração de novas regras sobre o Di-reito do Mar em decorrência da estrutura geopolítica do período e foi recebida com entusiasmo pelos países em desenvolvimento, animados com a previsão de

1 Sigla em inglês: Unclos – United Nations Convention on the Law of the Sea.

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poderem participar do produto da exploração das riquezas em áreas do mar que passariam a constituir patrimônio comum da humanidade.

A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, com a presen-ça de 164 Estados (membros e não membros da ONU), logrou adotar urna Conven-ção sobre o Direito do Mar, mediante uma votação de 130 Estados a favor, 4 contra (Estados Unidos da América, Venezuela, Israel e Turquia) e 18 abstenções, tendo sido assinada em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982. Atualmente, com a implementação do Protocolo da Parte XI em 1994, conta com 162 ratificações2.

O Brasil, signatário da Convenção, em consequência, promulgou a Lei nº 8.617/1993, que estabeleceu, internamente, um mar territorial de apenas 12 mi-lhas marítimas e revogou o Decreto-Lei nº 1.098/1970, que dispunha, unilate-ralmente, sobre um mar territorial de 200 milhas marítimas.

15.2 Direito do mar: Regulamentação internacional de exploração de óleo e gás

A indivisibilidade geográfica do mar opõe-se à diversidade jurídica das águas que o integram, o que demanda a regulamentação das implicações jurídicas daí decorrentes.

A exploração de óleo e gás e outros minerais tem regulamentação espe-cífica baseada na legislação de cada país que deve ser observada nos locais onde os países possuem plena soberania.

Contudo, a exploração de óleo e gás em áreas sob jurisdição internacional obedece a uma normatização diferenciada das normas que regulam a explora-ção desses materiais em áreas sob jurisdição dos países.

É necessário, então, identificar quais são as áreas sob jurisdição nacional e as áreas sob jurisdição internacional.

15.3 Espaços marítimos sob jurisdição nacional

15.3.1 mar territorial

De acordo com a CNUDM, a soberania do país costeiro estende-se, além do seu território e das suas águas interiores, a uma zona de mar adjacente

2 Dados de 2012.

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designada pelo nome de mar territorial3 e 4. Alcança as águas, o leito do mar, o respectivo subsolo e ainda o espaço aéreo sobrejacente – ressalvando-se o direito de passagem inocente (contínua, rápida e pacífica) em favor dos navios de qualquer país.

Assim, não há dúvidas de que o país costeiro tem competência tributária sobre a atividade de exploração de óleo e gás na área conhecida como mar ter-ritorial, em decorrência do exercício de sua soberania plena nessa área.

15.3.2 zona contígua

A zona contígua é a área adjacente ao mar territorial no qual o país pode tomar as medidas de fiscalização necessárias para evitar as infrações às Leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração e sanitários no seu território e para reprimir as infrações legais e regulamentares no seu território e no seu mar territorial em geral.

A Convenção de 1982 refere-se à zona contígua, sumariando essas prerrogati-vas do Estado costeiro e estabelecendo o limite da faixa de 24 milhas marítimas contadas da mesma linha de base do mar territorial no mesmo sentido da legisla-ção nacional brasileira5.

15.3.3 Zona econômica exclusiva

A zona econômica exclusiva engloba a zona contígua e se estende até o li-mite de duzentas milhas náuticas, iniciando nas linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Conforme a CNUDM, nessa área o país costeiro exerce direitos de sobera-nia, podendo explorar a produção de energia derivada da água, das correntes e

3 Lei nº 8.617/1993: “Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil”.

4 CNUDM: “Art. 2.1. A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial”.

5 Art. 4º da Lei nº 8.617/1993: “A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial”.

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dos ventos, o estabelecimento e a utilização das ilhas, instalações de estruturas, a investigação ou pesquisa científica, a proteção e a preservação do meio mari-nho e principalmente a exploração dos recursos naturais6 encontrados no solo e subsolo marinhos7.

15.3.4 Plataforma continental

A plataforma continental é um conceito geológico que se refere às camadas de rocha que se projetam da massa continental para o mar e são cobertas apenas por uma camada de água. É uma extensão suave que se inicia no litoral, onde termina a terra firme, e vai até certa distância da costa, para além das águas territoriais, onde se inclina radicalmente até cair nas extremas profundezas do alto-mar.

O Estado costeiro goza do direito de explorar exclusivamente os recursos na-turais existentes na plataforma continental, de modo que nenhum outro seja au-torizado a fazê-lo sem o consentimento desse Estado.

15.4 Espaços marítimos sob jurisdição internacional

Há áreas adjacentes aos espaços marítimos que estão sob jurisdição inter-nacional, não estando essas áreas afeitas ou sob a jurisdição de qualquer país individualmente, e são consideradas patrimônio comum da humanidade. São elas a Área e o Alto Mar.

15.4.1 O alto-mar

Além dos limites da plataforma continental, as porções de água correspon-dentes fazem parte do alto-mar, mas o solo e o subsolo (Área) marinhos têm um regime jurídico próprio.

6 A CNUDM – usa o termo “recursos” significando todos os recursos minerais sólidos, líquidos ou gasosos situados na Área, leito do mar ou subsolo. Quando extraídos são denominados “minerais”.

7 Lei nº 8.617/1993: “Art. 7º Na zona econômica exclusiva, o Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos”.

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No alto-mar não há exercício de soberania. Ele compreende todas as partes marítimas não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar terri-torial ou nas águas interiores de um país nem nas águas arquipelágicas de um Estado Arquipélago8.

A liberdade no alto-mar compreende, para todos os Estados, indiscrimi-nadamente, a liberdade de navegação, de sobrevoo, a colocação de cabos e dutos submarinos, de construção de ilhas artificiais, liberdade de pesca e de investigação científica, sendo inaceitável que qualquer estado pretenda submeter qualquer parte do alto-mar à sua soberania.

No alto-mar, fora dos limites da jurisdição nacional, a liberdade de construir instalações é limitada, para todos os Estados, às estruturas não relacionadas à exploração dos recursos naturais da Área, isto é, todas as atividades relativas a explorações devem ser submetidas ao crivo da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.

15.4.2 A área

A Convenção de Montego Bay chama de Área o leito do mar na região dos fundos marinhos. Trata-se de um espaço (terrestre) considerado internacional que não se sujeita à soberania territorial de qualquer país.

A chamada Área é o espaço terrestre que integra, grosso modo, o solo e o subsolo subjacentes ao alto-mar e que são o prolongamento da plataforma conti-nental considerado como patrimônio da humanidade. A humanidade é a titular dos direitos de exploração das riquezas que venham a ser encontradas nessa área.

15.4.3 A autoridade e a empresa

A Convenção instituiu e regulamentou, na sua Parte XI9, a Autoridade In-ternacional dos Fundos Marinhos10 para se ocupar da administração da Área,

8 Estado arquipélago significa um Estado constituído totalmente por um ou vários arquipélagos, podendo incluir outras ilhas.

9 Internalizado pelo Brasil por meio do Decreto nº 6.440/2008.

10 Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, dotada de personalidade jurídica internacional, é composta pelos órgãos Assembleia, Conselho e Secretariado. Dela são partes todos os Estados-Partes na Convenção de Montego Bay.

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encarregando-se de regulamentar, fiscalizar e gerir a exploração dos recursos existentes nesse espaço.

De um lado, a Autoridade fornece o suporte institucional do regime relativo aos recursos naturais da Área. De outro, a Empresa11 é responsável pela opera-ção das atividades na Área e por eventuais parcerias ou joint ventures com os países para efetivamente realizar as atividades na Área.

A exploração de recursos da Área dependerá de plano de trabalho para a Em-presa, que, uma vez aprovado, firma um contrato entre a Autoridade e a Empresa.

Assim, a exploração propriamente dita dos recursos naturais existentes no fundo dos mares é realizada pela Empresa sob a gestão da Autoridade e a parti-cipação de qualquer Estado-Parte da CNUDM.

15.5 A plataforma continental brasileira e a possibilidade de sua extensão

Como regra geral, a CNUDM garante a cada país costeiro uma plataforma continental de até 200 milhas náuticas no limite do seu prolongamento natural. Contudo, há uma previsão no Artigo 76 da CNUDM que estabelece a possi-bilidade de expansão dessa plataforma até um limite máximo de 350 milhas marítimas, a partir das linhas de base da costa, desde que possua uma porção do continente submersa além das 200 milhas náuticas e haja o seu reconhecimento mediante análise de um órgão da ONU denominado Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC).

Eventual pedido de prolongamento da plataforma continental deve ser fun-damentado em informação técnica que demonstre que o relevo do fundo do oceano está de acordo com o comprimento desejado. De qualquer maneira, o limite da plataforma continental não deve exceder 350 milhas náuticas da linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial.

11 Empresa é um órgão da Autoridade dotada de personalidade internacional que realiza diretamente as atividades na Área, incluindo transporte, processamento e comercialização dos recursos extraídos na Área.

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O papel da CLCP é relevante, uma vez que a maioria dos Estados não utilizará seus serviços. Contudo, os efeitos das decisões e recomendações da Comissão vão impactar toda a sociedade internacional. Isso ocorre porque toda expansão da plataforma continental de um Estado costeiro, além do limite das 200 milhas marítimas, tem como consequência a diminuição da Área, considerada patrimônio comum da humanidade. É por esse motivo que a Comissão sofre pressão de dois lados. De um lado, dos Estados costeiros, que buscam maximizar seus pleitos, e, de outro, dos Estados geograficamente desfavorecidos12, que não têm interesse em um aumento das plataformas con-tinentais dos Estados costeiros.

O Brasil foi um dos pioneiros em submissão de pleito de expansão da pla-taforma continental. A Leplac13 realizou levantamento de dados e elaborou proposta de expansão da plataforma continental brasileira. O pleito brasileiro reivindica uma área de 960 mil km2 ao longo da sua costa.

Em 2004 o Brasil submeteu e defendeu seu pleito perante a CLPC e uma sub-comissão de peritos. Em 2007, após análise, a CLPC não concordou com cerca de 190 mil km2 do pleito brasileiro – aproximadamente 19% da área reivindicada para extensão. Em 2008 iniciou-se uma nova fase de aquisição de dados geofísicos da margem continental brasileira.

Em consequência à negativa parcial da CLPC, inconformado, o Brasil decidiu elaborar uma Proposta Revista14, ainda sem conclusão da análise pela CLPC.

Consequentemente, no cenário jurídico atual a plataforma continental brasilei-ra limita-se às 200 milhas náuticas estabelecidas na Convenção de Montego Bay, em razão de o pleito brasileiro para sua expansão não ter sido apreciado definitiva-mente pela Comissão da ONU.

12 Os Estados sem litoral, que não têm plataforma continental, ou aqueles sem possibilidade de expandi-la.

13 Plano de levantamento da plataforma continental Brasileira (Leplac) é um programa do Governo instituído pelo Decreto nº 98.145/1989, coordenado pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), que tem como meta de trabalho estabelecer o limite exterior da plataforma continental brasileira.

14 A Proposta Revista foi dividida em três regiões: região Sul (encaminhada e apresentada em 2015 e defendida em 2017, em análise na CLPC); região equatorial (encaminhada em 2017, a ser apresentada em 08/03/2018); e região oriental (em fase de elaboração, prevista para ser encaminhada em julho de 2018).

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15.6 Competência tributária na extensão da plataforma

continental e a cobrança da contribuição internacional

(royalty) prevista no Artigo 82 da CNUDM

Se, de um lado, a CNUDM autoriza a extensão da plataforma continental15, de outro lado, em contrapartida, prevê a cobrança de uma contribuição16 do Estado costeiro que explore os recursos não vivos da plataforma estendida, por intermédio da Autoridade, com base em critérios de repartição equitativa e com vistas a atender às necessidades dos países em desenvolvimento.

Essa contribuição tem natureza de royalty pela exploração de patrimônio de outrem e fundamenta-se no fato de que, não havendo aumento dos limites da plataforma continental, os recursos existentes no espaço situado além das 200 milhas marítimas fariam parte da Área sob jurisdição internacional e considerados patrimônio comum da humanidade, devendo sua exploração se dar em proveito de todos por meio de um fundo comum da humanidade.

O país obrigado ao pagamento desse royalty é o país costeiro que possua plataforma estendida, o qual poderá repassar o ônus ao efetivo explorador.

O Artigo 82.2 da CNUDM dispõe que a cobrança do royalty será efe-tivada anualmente, a partir do 6o ano de produção, a uma taxa de 1%, que aumentará 1% anualmente até o 12o ano e, daí por diante, será mantida em 7%. O referido royalty não tem natureza tributária.

15 Artigo 76 da CNUDM.

16 CNUDM: “Art. 82.1. O Estado costeiro deve efetuar pagamentos ou contribuições em espécie relativos ao aproveitamento dos recursos não vivos da plataforma continental além de 200 milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial.Art. 82.2. Os pagamentos e contribuições devem ser efetuados anualmente em relação a toda a produção de um sítio após os primeiros cinco anos de produção nesse sítio. No sexto ano, a taxa de pagamento ou contribuição será de 1% do valor ou volume da produção no sítio. A taxa deve aumentar 1% em cada ano seguinte até o décimo segundo ano, e daí por diante deve ser mantida em 7%. A produção não deve incluir os recursos utilizados em relação com o aproveitamento.Art. 82.3. Um Estado em desenvolvimento que seja importador substancial de um recurso mineral extraído da sua plataforma continental fica isento desses pagamentos ou contribuições em relação a esse recurso mineral".Art. 82.4. Os pagamentos ou contribuições devem ser efetuados por intermédio da Autoridade, que os distribuirá entre os Estados Partes na presente Convenção na base de critérios de repartição equitativa, tendo em conta os interesses e necessidades dos Estados em desenvolvimento, particularmente entre eles, os menos desenvolvidos e os sem litoral”.

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Os royalties serão distribuídos pela Autoridade entre os Países-Partes da Convenção, com base em critérios de repartição equitativa e com vistas a aten-der às necessidades dos países em desenvolvimento.

Assim, no prolongamento da plataforma continental além das 200 milhas conviverão duas competências para cobranças de encargos na exploração de recursos naturais não vivos. Adicionalmente à cobrança do royalty, será devido ao país costeiro titular da plataforma estendida todos os tributos previstos na legislação interna deste aplicáveis às atividades relacionadas à exploração de recursos naturais no mar.

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16. Competência para tributação de atividades desenvolvidas em águas marítimas:

Controvérsias quanto à legitimidade dos tributos estaduais e municipais

Michel Siqueira Pereira Batista

16.1 Introdução

Como se sabe, a Convenção de Montego Bay concede aos Estados signatá-rios liberdade para explorarem economicamente as áreas marítimas (inclusive recursos naturais) localizadas dentro da zona econômica exclusiva e platafor-ma continental anexas aos seus territórios, ressalvado o direito de navegação dos demais países.

O exercício da soberania nesses termos autoriza, em tese, a implementação da competência tributária do Estado costeiro em águas marítimas.

Ocorre, no entanto, que, para instituir e cobrar tributos, os entes federati-vos, e em especial no caso em exame os Estados e Municípios, devem observar certos limites e condições previstos na Constituição Federal. O descumprimen-to desses requisitos, por outro lado, leva à completa inconstitucionalidade e ilegalidade da cobrança de tributos.

O objetivo deste ensaio é analisar brevemente a legitimidade da cobran-ça de tributos pelos Estados e Municípios sobre atividades desenvolvidas em águas marítimas, notadamente na zona econômica exclusiva e na pla-taforma continental.

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Como se verá, afigura-se questionável o exercício da competência tributá-ria desses entes em águas marítimas nas condições atuais, o que afeta poten-cialmente a incidência dos impostos estaduais e municipais mais relevantes: o ICMS1 (incidente sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, bem como de comunicação) e o ISS2 (incidente sobre serviços em geral).

16.2 Competência Tributária

Competência tributária diz respeito à aptidão atribuída expressamente pela Constituição Federal a cada ente federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para instituir tributos.

Trata-se de atribuição que confere aos entes federativos amplos poderes, consistentes na liberdade de tomar decisões de caráter notadamente político relativas à própria criação de tributos, bem como à amplitude de sua incidência, obedecendo sempre, naturalmente, aos critérios de partilha e limites do poder de tributar determinados pela Constituição Federal.

Nesse sentido, na Constituição Federal promulgada em 1988 optou-se por um critério rígido de repartição de competência tributária, de acordo com o qual a própria Constituição estabelece expressamente, e de forma exaustiva, as materialidades (fatos geradores) sobre as quais União, Estados e Município poderão instituir impostos.

1 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

2 Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

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Dito isso, os impostos de competência de cada ente federativo são os seguintes:

Ente Federativo TributosUnião Imposto de Importação (art. 153, I)

Imposto de Exportação (art. 153, II)

Imposto de Renda (art. 153, III)

IPI3 (art. 153, IV)

IOF1034 (art. 153, V)

ITR5 (art. 153, VI)

IGF6 (art. 153, VII)

Imposto Residual (art. 154, I)

Imposto Extraordinário de Guerra (art. 154, II)Estados ITCMD7 (art. 155, I)

ICMS (art. 155, II)

IPVA8 (art. 155, III)

3 Imposto sobre Produtos Industrializados.

4 Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários.

5 Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural.

6 Imposto sobre Grandes Fortunas.

7 Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos.

8 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.

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Distrito Federal ITCMD (art. 155, I)

ICMS (art. 155, II)

IPVA (art. 155, III)

IPTU9 (art. 147 c/c 156, I)

ITBI10 (art. 147 c/c 156, II)

ISS (art. 147 c/c 156, III)Municípios IPTU (art. 156, I)

ITBI (art. 156, II)

ISS (art. 156, III)

O Distrito Federal acumula as competências atribuídas aos Estados e Municípios. Em relação aos Territórios11, cabem à União os impostos esta-duais e, se o Território não for dividido em municípios, cumulativamente, os impostos municipais.

16.3 Atividades em águas marítimas: Controvérsias

Um dos limites intrínsecos ao exercício da competência tributária é o prin-cípio da territorialidade, o qual pressupõe que os entes federativos somente po-dem tributar atividades cujo fato gerador ocorra dentro do seu território.

Trata-se de regra instintiva decorrente do próprio sistema constitucional, mas que pela sua importância encontra-se reproduzida expressamente no Arti-go 102 do Código Tributário Nacional (CTN), o qual reconhece a possibilidade

9 Imposto Predial e Territorial Urbano.

10 Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter-Vivos.

11 Os Territórios, de forma resumida, são entes federativos sem autonomia administrativa que integram a União. Atualmente não existem territórios no Brasil. Os últimos exemplos foram Fernando de Noronha (incorporado ao Estado de Pernambuco), Amapá e Roraima, que receberam o status pela Constituição de 1988.

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de efeitos extraterritoriais das Leis apenas em casos específicos (estabelecidos em convênios ou leis complementares federais) nos seguintes termos:

“Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que parti-cipem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expe-didas pela União.”

Ocorre, porém, que o ordenamento brasileiro não define de maneira expres-sa se as águas marítimas compõem ou não os territórios dos Estados e Municí-pios costeiros, o que suscita discussões sobre a tributação de atividades desen-volvidas nessa região.

A questão, de relevância extrema (sobretudo após a descoberta do pré--sal, que gerou um aumento sensível de atividades econômicas em águas marítimas), será julgada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.080/RJ.

A ADI foi ajuizada em 1999 pela Confederação Nacional do Transporte com pedido liminar para questionar a constitucionalidade dos dispositivos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, bem como de lei local que autorizou e instituiu, respectivamente, a cobrança do ICMS sobre o transporte interesta-dual e intermunicipal prestado entre plataformas de petróleo.

Em 2002 o pedido de liminar foi indeferido, e, desde então, a questão se encontra pendente de decisão final e definitiva. Importa destacar, no entanto, que, após um longo período sem movimentações processuais, recentemente o processo voltou a tramitar, e desde 2017 o voto do Relator está em elaboração (concluso ao Relator Min. Gilmar Mendes), de modo que há a expectativa de que em breve a matéria seja julgada

Apesar de o objeto da ADI se restringir ao ICMS sobre serviços de trans-porte interestadual e intermunicipal, o conteúdo da discussão é similar à da questão envolvendo a cobrança do ISS pelos Municípios (ressalvadas algumas peculiaridades). Dessa forma, espera-se que o resultado desse julgamento gere repercussão também em matéria de ISS.

Superada a questão sobre a possibilidade em abstrato do exercício da compe-tência tributária dos Estados e Municípios na projeção dos respectivos territó-rios em águas marítimas, cabe discutir, ainda (em especial se tal questão não for

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endereçada pela ADI), a validade dos critérios atualmente aplicados, sobretudo pelos Municípios, para fundamentar a aplicação de suas legislações.

É que em face da ausência de regulamentação expressa e específica de critérios e metodologias para projetar em águas marítimas os territórios dos Estados e Mu-nicípios, os Municípios em especial têm utilizado de forma emprestada os parâme-tros previstos pela Lei nº 7.525/1986, regulamentada pelo Decreto nº 93.189/1986.

Ocorre que, além de não se prestarem a matéria tributária (as regras ali pre-vistas pretendem definir as projeções dos Territórios sobre as águas marítimas para fins de pagamento de royalties aos Municípios confrontantes às áreas de produção), os critérios existentes não são absolutos, eis que suscitam dúvidas em sua aplicação, permitindo, inclusive, a sobreposição de áreas.

Ou seja, de acordo com o método aplicado (linhas paralelas ou linhas orto-gonais), uma mesma área pode ser atribuída a mais de um município. Exemplo paradigmático nesse sentido é a Ação Cível Originária (ACO) 444, em que se discute a demarcação, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do limite interestadual marítimo entre Santa Catarina e Paraná para fins de distribuição de royalties.

Para além da discussão quanto à validade para fins fiscais dos métodos e critérios aplicados para fins de distribuição de royalties, salta, ainda, aos olhos o fato de se tratar de parâmetros previstos em lei ordinária, quando a Cons-tituição de 1988 (art. 146, I12) determina, de modo expresso, que o veículo adequado para dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária é a Lei Complementar.

Ademais, o já citado Artigo 102 do CTN leva a igual conclusão, ao condi-cionar os efeitos extraterritoriais de normas estaduais (o que seria o caso, exceto se a própria Constituição reconhecesse a projeção sobre águas marítimas como território dos Estados e Municípios – o que não parece ocorrer, ao menos de modo expresso) à prévia edição de “leis de normas gerais expedidas pela União” – o que, nos termos do Artigo 146, III13, da Constituição igualmente é reserva-do à Lei Complementar.

12 “Art. 146. Cabe à lei complementar:I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”

13 “Art. 146. Cabe à lei complementar:III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:”

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Por fim, em especial no caso do ISS, veja-se que mesmo os supostos critérios previstos na Lei Complementar nº 116/2003 não parecem suficientes para diri-mir completamente as dúvidas.

Com efeito, o § 3º do Artigo 3º prevê que, em relação aos serviços executa-dos em águas marítimas, “considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no local do estabelecimento prestador”.

O Artigo 4º da mesma Lei, por sua vez, define “estabelecimento presta-dor” como “o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade eco-nômica ou profissional”.

Com base nessas definições, é possível sustentar que nas situações em que o prestador possuir um estabelecimento em águas marítimas o serviço será considerado aí prestado. No entanto, o exercício da competência tribu-tária pelos Municípios em águas marítimas afigura-se controverso, confor-me anteriormente visto.

Ademais, seria equivocado, nesse contexto, pretender atribuir a competên-cia ao Município onde estiver domiciliado o prestador do serviço (localização da sede no continente), eis que o caput do Artigo 3º da Lei Complementar nº 116/200314 estabelece que o serviço será considerado prestado no local do domi-cílio (sede) apenas quando não houver a caracterização de um estabelecimento prestador no local em que o serviço for efetivamente prestado.

Veja-se que a situação acima proposta não é algo completamente estranho à realidade, já que é possível identificar municípios que entendem que existe uni-dade econômica ou profissional (e, portanto, estabelecimento), por exemplo, nas plataformas onde determinados serviços são prestados, bem como outros que con-sideram devidos os impostos no local onde a sede da empresta estiver registrada.

16.4 Conclusão

Feitos os esclarecimentos acima, percebe-se que ainda persistem muitas dúvi-das em relação à tributação por estados e municípios de atividades desenvolvidas em águas marítimas.

14 “Art. 3º O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local:”

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O espectro desse ambiente de incerteza é amplo e abrange desde o cenário em que nenhum estado ou município deteria legitimidade e competência para cobrar tributos nesse espaço, até a hipótese em que múltiplos estados e municí-pios venham a se considerar competentes para tributar o mesmo evento.

A solução ideal, naturalmente, passaria pela edição de uma lei comple-mentar endereçando adequadamente todos os aspectos controversos anterior-mente mencionados.

Enquanto isso, resta aos contribuintes acompanhar a evolução das contro-vérsias – em especial o resultado do julgamento da ADI nº 2.080/RJ –, de modo a reavaliar, se preciso, o tratamento dispensado a suas operações, bem como analisar a viabilidade de medidas preventivas com vistas a assegurar o aprovei-tamento integral de eventual entendimento que lhes seja favorável.

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17. Conceito de insumo na indústria do petróleo e suas repercussões

em IPI, ICMS, PIS e Cofins

Breno Ladeira Kingma Orlando

Determinados tributos que incidem na cadeia produtiva das empresas pos-suem um sistema de créditos e débitos. O contribuinte pode abater do valor devido de tributo em suas vendas, créditos relacionados às suas despesas com serviços e bens adquiridos em etapas anteriores.

A legislação de cada tributo estabelece quais despesas darão direito a esse crédito.Como regra geral, matérias-primas que fazem parte do produto final

(minério de ferro utilizado na fabricação de aço, por exemplo) sempre dão direito a crédito.

As dúvidas ocorrem em relação a bens que não se integram ao produto final, mas que são essenciais ao processo produtivo (energia elétrica, com-bustíveis e máquinas, por exemplo). Em relação a esses itens, cada tributo brasileiro tem regras próprias.

17.1 Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)

O IPI, que incide sobre a venda de produtos que passaram por processo de industrialização, possui regras de aproveitamento de créditos bem restritivas. Segundo a regra do IPI dão direito a crédito as despesas com matéria-prima, bem intermediário e material de embalagem.

Nessa trilha, de acordo com o posicionamento oficial da Receita Federal do Brasil (RFB), externado pelo Parecer Cosit 65/79, apenas dão direito a crédito aqueles itens que se agregam ao produto final (matéria-prima) ou que tenham contato físico com o produto final e sofra desgaste, dano e perda das características no processo produtivo (bens intermediários). Apesar disso, di-versos bens intermediários são, na maioria das vezes, entendidos pela Receita Federal como ativo fixo da empresa, de forma que não deem direito a crédito.

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17.2 Imposto sobre Circulação d Mercadorias

e Serviços (ICMS)

O ICMS, espécie de VAT/IVA estadual, possui um espectro de créditos mais ampliado que o IPI. Geram crédito, conforme a Lei Complementar (LC) nº 84/1996, os seguintes itens: Matéria-Prima, Bens intermediários, Material de embalagem, Bens de Uso e Consumo (materiais de escritório, por exemplo) a partir do ano de 2020, bens do ativo fixo das empresas (máquinas por exemplo) na proporção de 1/48 (um e quarenta e oito avos), energia, comunicações e transporte.

No âmbito estadual, como bens de uso e consumo ainda não dão direito a crédito de ICMS, as empresas sofrem com as fiscalizações, que sempre preten-dem reclassificar bens com notória participação no processo produtivo como se bens de uso e consumo fossem. A título de ilustração, bens refratários utilizados na indústria siderúrgica para “forrar” as “panelas” e impedir que produtos de alta temperatura “grudem” ou danifiquem as estruturas são equiparados a bens de uso e consumo pelos fiscais estaduais.

Na indústria do petróleo, o problema se agrava. Como o óleo é extraído do subsolo e não é, como na indústria de transformação, uma “soma” de matérias--primas que geram um novo produto, os Estados têm tido uma posição errada-mente restritiva1. Glosam créditos de diversos bens intermediários sob o argu-mento de que não houve contato físico com o produto extraído. Por exemplo, no recurso 5821 do Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro, chegou-se

1 A restrição de créditos na indústria de extração repete-se em mineração, celulose, agricultura, pecuária, entre outras. A título de exemplo, veja decisão abaixo em ação relacionada ao uso de explosivos na indústria cimenteira:“(...) APROVEITAMENTO DE CRÉDITO DE ICMS. EXPLOSIVOS PARA A EXTRAÇÃO DE CALCÁRIO USADO NA FABRICAÇÃO DE CIMENTO. NÃO-CUMULATIVIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. No processo específico de industrialização realizado pela embargante - que fabrica o cimento a partir da extração do calcário, praticando todas as operações necessárias - os explosivos para a extração do referido minério devem ser considerados produtos intermediários na fabricação do cimento, nos termos da Instrução Normativa DLT/SER n.º 01/86, porque embora não se integrem ao novo produto, são consumidos, imediata e integralmente, no curso da industrialização. Sob o aspecto da circulação de mercadorias, visualiza-se a entrada dos explosivos necessários para a extração do calcário e a saída, do mesmo estabelecimento, do produto final que é o cimento, cabendo o aproveitamento do ICMS dos insumos em razão do o princípio da não-cumulatividade incidente nessa linha linear de produção. (...)”(TJMG, Processo n. 1.0290.95.000773-9/001, Rel. Des. ALBERGARIA COSTA, DJ de 04.11.2008)

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à decisão, por maioria dos votos, no sentido de que “O fluido de perfuração é um material de consumo, utilizado na exploração petrolífera e posteriormente des-cartado como efluente, não gerando direito à apropriação do crédito do ICMS”.

Vale registrar, por oportuno, que a matéria não é unânime no âmbito dos Conselhos de Contribuintes Estaduais. No mesmo julgamento, um dos votos foi na direção de que “O fluido de perfuração é um produto intermediário empre-gado diretamente no processo produtivo, sem o qual é impossível a obtenção do produto final, sendo então, válida a apropriação do crédito do ICMS”.

A lógica acima é repetidamente aplicada a um sem-número de itens adquiri-dos pela indústria de óleo e gás. A matéria só será resolvida, a nosso ver, quando a legislação nacional complementar for alterada de forma que o creditamento de tais itens seja garantido de forma expressa.

Enquanto isso, as empresas devem se antecipar e demonstrar, por meio de laudos técnicos, a efetiva participação de cada um dos produtos adquiridos na exploração e produção do petróleo, de forma que a chance de sucesso em even-tual demanda administrativa ou judicial seja majorada.

17.3 Imposto de Renda

De acordo com a legislação do imposto de renda, toda despesa usual e necessária para a obtenção das receitas do contribuinte pode ser dedutível. Portanto, para fins de imposto de renda, toda e qualquer despesa da empresa, desde que necessária, não pode ser glosada pela fiscalização. Assim, para o imposto de renda o conceito de insu-mo é quase irrestrito. O gráfico abaixo indica, de forma geral, as despesas dedutíveis:

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17.4 Contribuições do PIS e da Cofins

As contribuições ao PIS e à Cofins incidem sobre as receitas das empresas. A legislação que rege esses tributos permite uma ampla gama de créditos sobre despesas do contribuinte, que serão abatidos do valor devido do tributo:

• bens adquiridos para revenda;

• bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda;

• energia elétrica e energia térmica consumidas nos estabelecimentos da pes-soa jurídica;

• aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;

• valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica (exceto de optante pelo Simples);

• máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobiliza-do, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros, ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços;

• edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros, utilizados nas atividades da empresa;

• bens recebidos em devolução cuja receita de venda tenha integrado fa-turamento;

• armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, de insumos e bens adquiridos para revenda quando o ônus for suportado pelo vendedor;

• vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou unifor-me fornecidos aos empregados (por pessoa jurídica que explore as ativi-dades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção); e

• bens incorporados ao ativo intangível, adquiridos para utilização na pro-dução de bens destinados à venda ou na prestação de serviços.

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Em relação aos itens acima, a dúvida que permaneceu em aberto na legisla-ção foi definir qual o conceito de insumo para fins de tomada de crédito. Qual seria o conceito? O do IPI, o do ICMS ou o do Imposto de Renda?

A Receita Federal do Brasil não perdeu tempo e editou regra infralegal (Ins-trução Normativa 247) para trazer ao PIS e à Cofins o conceito de crédito físico restritivo do IPI. De acordo com a autoridade fiscal, entende-se como insumos:

“I - utilizados na fabricação ou produção de bens destinados à venda:a) as matérias primas, os produtos intermediários, o material de embala-gem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado;b) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplica-dos ou consumidos na produção ou fabricação do produto;II - utilizados na prestação de serviços:a) os bens aplicados ou consumidos na prestação de serviços, desde que não estejam incluídos no ativo imobilizado; eb) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplica-dos ou consumidos na prestação do serviço.”

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Ao examinar os casos autuados pela fiscalização, contudo, as primeiras de-cisões administrativas e judiciais ora se inclinavam para o conceito de IPI, ora se aproximavam do Imposto de Renda:

Por fim, a linha de interpretação que vem prevalecendo propõe que sejam tratados como insumos apenas os bens e serviços considerados indispensáveis (essenciais) ao processo produtivo ou ao serviço prestado, sem os quais o produ-to final/serviço não pudesse ser concluído/prestado. Nesse caso, não se exigiria um contato direto do bem ou serviço com o processo de produção, mas tam-pouco bastaria a necessidade, normalidade e usualidade que ensejam a deduti-bilidade da despesa para fins de imposto de renda.

Esta última linha parece ter sido chancelada pelo Superior Tribunal de Justi-ça, sob a sistemática dos Recursos Repetitivos (Resp. 1.221.170/PR).

Muito embora ainda persistam algumas dúvidas quanto à aplicação no caso concreto dos requisitos propugnados por essa corrente (tais quais essencialida-de, relevância, imprescindibilidade e importância), notadamente em razão da sua subjetividade, entendemos que a terceira linha prevalecerá:

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Nesse sentido, passamos a indicar abaixo quais despesas, a nosso ver, são essenciais, relevantes, imprescindíveis e importantes na indústria de óleo e gás. Em relação a essas despesas, entendemos que o crédito de PIS e Cofins deve ser garantido de maneira inconteste. Da mesma forma, a nosso ver, o crédito de ICMS dos bens aplicados nas etapas abaixo também deve ser ad-mitido pela fiscalização.

17.5 O funcionamento da indústria

Como amplamente já dito, a indústria de óleo e gás é dividida, para fins regulatórios e didáticos, em etapas de exploração, desenvolvimento e produção.

Nesses três grandes conceitos, porém, está compreendida uma série bem definida de atividades da indústria:

• Aquisição e Processamento de dados sísmicos; Imaging de reservatórios; Gerenciamento de dados; Equipamentos geofísicos;

• Sondas de perfuração onshore e offshore; Sondas de workover;

• Brocas e lamas de perfuração; Controles de Sólidos; Ferramentas de Poço; Aluguel de ferramentas; Serviços de Pesca; Perfilagem;

• Serviços de revestimento e tubulação, inspeção de tubulação, bombeamento de pressão, equipamentos de cimentação e completação, testes de produção;

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• Engenharia e Infraestrutura offshore;

• Extração Artificial, equipamentos submarinos e de superfície, manuten-ção dos poços, produtos químicos especiais, serviços de compressão;

• Tamponamento e abandono/descomissionamento, serviços de limpeza, tratamento e disposição de efluentes;

• Remoção e/ou sucateamento das instalações, monitoramento de passivos;

• Apoio logístico e marítimo em todas as etapas.

A análise dos procedimentos expostos acima indica que todas essas ativi-dades são o core business da indústria do petróleo. Todas estão umbilicalmente conectadas e imbricadas. A divisão citada acima em exploração, desenvolvi-mento e produção, como dito, é apenas para fins de melhor visualização, mas o fato é que podem ser consideradas uma coisa só. Portanto, a nosso ver, todas as despesas de serviço e bens aplicados nos procedimentos acima são inques-tionavelmente insumo para fins de definição de creditamento. Obviamente, em alguns casos, os bens aplicados nas etapas serão considerados como ativo em razão de sua vida útil e classificação contábil; em outros, bens intermediá-rios. Contudo, de forma alguma poderão ser reclassificados pelas fiscalizações como itens de uso e consumo.

Nessa trilha, as empresas precisam examinar seu perfil de despesas, a fim de parametrizar sua tomada dos créditos. Obviamente, deverão sempre levar em consideração que as autoridades fiscais insistem em aplicar à indústria do petró-leo um posicionamento extremamente restritivo quanto à tomada de créditos.

Alguns exemplos de despesas que devem ser objeto de análise e discussão pelas prestadoras de serviço e operadoras no setor, conforme o caso:

• Subcontratações para a execução do objeto contratado;

• Estudos técnicos contratados de terceiros que viabilizam o objeto do contrato;

• Todos os serviços contratados para garantir a segurança do serviço;

• Todos os serviços contratados para assegurar a qualidade da execução;

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• Se houver fornecimento de mercadoria, todos os bens e serviços neces-sários ao fornecimento;

• Todos os valores em que a empresa legalmente tem que incorrer para pres-tar o serviço (trajes especiais, Equipamento de Proteção IndividuaI – EPI);

• Todos os bens essenciais para a prestação de serviços (comida e água para tripulação embarcada);

• Manutenção de equipamentos;

• Telecomunicação;

• Transporte para a plataforma;

• Movimentação dos equipamentos e bens necessários à prestação do serviço;

• Todos os serviços e estudos geológicos contratados para a exploração;

• Todos os bem adquiridos e serviços contratados para garantir a seguran-ça da operação (seguros ambientais, responsabilidade civil);

• Todos os produtos utilizados na exploração (fluido de perfuração, lama, brocas), no desenvolvimento (cimentação), manutenção (serviços de compressão) e desativação dos poços (tratamento de efluentes, recupe-ração ambiental).

Portanto, a caracterização de cada um dos itens acima como insumo permi-tirá que a empresa tenha um regramento tributário justo e eficiente.

17.6 Considerações finais

Longe de esgotar o tema, o objetivo do presente artigo foi dar um panorama geral sobre a tomada de créditos e o conceito de insumo na indústria. Grande par-te do entendimento que temos hoje em nosso escritório sobre o setor devemos ao querido sócio José Carlos Ribeiro Filho, um dos maiores conhecedores da matéri a que tive o prazer de conhecer. Nesse sentido, fica aqui registrada toda a minha grande admiração por sua inteligência e amizade.

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Dito isso, algumas propostas de reforma tributária são no sentido de fundir o IPI, o ICMS e PIS e a Cofins, de forma que seja criado um imposto de valor agregado único IVA/VAT. Ainda nessa linha, há quem defenda que o crédito seja irrestrito, distancie-se do crédito físico e se aproxime do crédito financeiro.

Obviamente, caso a proposta seja aprovada, a ampliação dos créditos terá como contrapartida o aumento da alíquota do tributo, e o conceito de insumo perderá, por hora, a importância.

De toda forma, o estudo do tema é importante, pois reforma tributária é ma-téria de futurologia, e o que temos hoje é um grande contencioso entre fisco e empresas sobre quais despesas geram direito a crédito, a forma e o momento de contabilização dessas despesas em caso de ativos e bens adquiridos em momentos pré-operacionais, entre outras discussões.

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18. Estruturas adotadas pela indústria em um contexto fiscal internacional

Rafael de Moraes Amorim

18.1 Estruturas comumente adotadas pela indústria de óleo e gás

Ao longo das últimas décadas as empresas que atuam no setor vieram ado-tando estruturas parecidas em relação às operações realizadas no Brasil, tanto do ponto de vista societário quanto do contratual, tendo em vista as vantagens fiscais proporcionadas. Basicamente, a estrutura mais comum seria a seguinte:

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Tanto no que se refere à importação de máquinas e equipamentos quanto no que toca ao afretamento de embarcações para exploração e produção, nor-malmente o que se verifica é a constituição de uma empresa na Holanda para ser a proprietária dos ativos, a qual, por sua vez, aluga/afreta-os à concessionária brasileira que os utilizar no processo de exploração/produção.

Essa estrutura vinha formando um cenário tributário “ótimo” para as empre-sas envolvidas, visto que no processo de importação a empresa concessionária pode se utilizar dos benefícios vinculados ao Repetro e, ao mesmo tempo, desde que observadas algumas condições, aproveitar-se da incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) à alíquota de 0% nas remessas para pagamento de valores relativos ao afretamento.

Somando-se a isso, quando as remessas são tributadas pelo IRRF, o Tratado para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre o Brasil e a Holanda prevê um mecanismo de Tax Sparing, disposição segundo a qual a Holanda concede cré-dito de imposto em alíquota presumida superior à praticada para fins de IRRF quando do pagamento feito pela empresa brasileira. Tal situação pode resultar em praticamente uma isenção de tributos na Holanda, caso a natureza do ren-dimento tenha tratamento benéfico de acordo com a legislação doméstica.

Nesse sentido, em operações dessa natureza, as empresas envolvidas pode-riam se aproveitar de uma tributação global bastante reduzida ou mesmo em

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dupla não tributação, em virtude dos benefícios do tratado associados às vanta-gens estabelecidas pelas Leis locais.

No entanto, diante de um contexto de profundas mudanças nas práticas de tributação internacional, tais estruturas não se mostrarão mais viáveis.

18.2 O projeto BEPS e as consequências para a tributação internacional

Num passado recente, o G20 e a Organização para a Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE) firmaram um acordo para dar início a um processo bastante ousado denominado Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), com o objetivo de limitar e até impedir que países e empresas façam uso de ferramentas que levem a uma competição desigual no contexto tributário in-ternacional, seja pela falta de transparência nas regras e estruturas adotadas, pelo uso indevido de benefícios por empresas sem substância, pela alocação de lucros em locais sem que haja atividade econômica respectiva, pela exploração de lacunas nas Leis domésticas e pela criação de modelos em que a aplicação de tratados para evitar a dupla tributação acabe resultando numa situação de dupla não tributação.

Em sua gestação, tal projeto foi bastante contestado sob diversos argumen-tos, tais como: (i) eventual ataque à soberania dos Estados, (ii) dificuldades práticas para implementação, (iii) imposição de regras aos países em desenvol-vimento por entidades (tais como OCDE e G20) lideradas por países desenvol-vidos, entre outros.

Entretanto, em 2013, contrariando muitas expectativas, o projeto foi lan-çado, e, desde então, diversas ações foram realizadas. Ainda que sujeito a muitos entraves, principalmente no que se refere ao alinhamento dos países em relação à forma de implementação, à troca e uso das informações e à harmonização dos procedimentos e diplomas legais, o BEPS tornou-se uma realidade, e as empresas já são obrigadas a observar diversas regras vincula-das ao projeto. Também chama a atenção a velocidade com que as diretrizes principais vêm sendo discutidas e implementadas, com muita rapidez, se con-siderada a complexidade da iniciativa.

O BEPS baseia-se em quatro pilares principais, a fim de que as medidas de política fiscal internacional proporcionem justiça, coerência, transparência

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e substância para que lucros não sejam transferidos para jurisdições de baixa tributação de forma artificial. Nesse sentido, foram lançadas 15 grandes ações sustentadas por esses pilares principais, que incluem, entre outras, a prevenção ao uso de estruturas híbridas1 que levam à dupla não tributação, ao uso abusivo de tratados, a alocação correta dos lucros onde efetivamente é gerado valor num contexto de economia digital e a criação de um instrumento multilateral que proporcione a harmonização dos sistemas tributários no contexto internacional.

Atualmente, mais de 110 países2 comprometeram-se, no âmbito do OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS, a aplicar os conceitos e iniciar os processos de alteração das Leis locais e também de eventuais tratados para evitar a dupla tributação que porventura promovessem normas em conflito com o projeto. Esse passo, inclusive, vem sendo adotado por paraísos fiscais, que estão alteran-do seus regimes tributários preferenciais de forma a que eles fiquem consistentes com as ações do BEPS.

Adicionalmente, foram criados mecanismos de troca automática de infor-mações entre os fiscos dos países aderidos para fins de atendimento ao pilar da transparência e, por consequência, aos demais pilares do projeto.

18.3 Impactos do BEPS na indústria de óleo e gás

Nesse contexto, a partir da premissa de que o BEPS é “irreversível”, a indústria de óleo e gás certamente alterará ou adaptará as estruturas que vi-nham sendo adotadas. Não era incomum que empresas sem substância (sem funcionários ou com um número incompatível de empregados se comparado com a movimentação financeira realizada e com os bens detidos) fossem cria-das na Holanda ou em paraísos fiscais para adquirir os ativos utilizados na operação no Brasil e receber os lucros dela derivados com pouca ou nenhuma tributação. Também não era incomum que as empresas se utilizassem dos

1 Estruturas pelas quais um determinado rendimento pode ter uma natureza jurídica em um país e outra diferente em um segundo país, resultando em situações de dupla não tributação pela simples interpretação diversa em cada jurisdição. Um exemplo no Brasil seria o pagamento de juros sobre o capital próprio, que poderia ser tratado como uma remuneração ao acionista com a natureza de dividendos ou como uma despesa de natureza financeira.

2 OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS – Progress Report July 2017-June 2018.

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Tratados para evitar a dupla tributação de forma a reduzi-la ou eliminá-la em ambos os países envolvidos.

Com o advento do BEPS essa conduta não é mais sustentável, não só porque ela não seria mais aceitável sob um ponto de vista conceitual de jus-tiça fiscal internacional, como também porque os próprios países envolvidos já vêm construindo barreiras para que isso aconteça.

Nesse sentido, como Brasil e Holanda são signatários do projeto (assim como diversas outras jurisdições eventualmente envolvidas em atividades que afetam a indústria de óleo e gás), alterações já começaram a ser introduzidas nas Leis domésticas e nos Tratados para evitar a dupla tributação. Recente-mente, em julho de 20173, Brasil e Argentina firmaram protocolo alterando diversas cláusulas do respectivo Tratado para fins de adaptação ao BEPS.

Note-se, portanto, que os países adotaram o compromisso de, entre outros procedimentos: (i) adaptar as suas leis seguindo as diretrizes do BEPS para eli-minar benefícios ou lacunas que sejam prejudiciais a uma correta alocação das receitas tributárias ao redor do mundo (harmful tax practices); (ii) iniciar pro-cedimentos multilaterais ou bilaterais no sentido de adaptar as cláusulas dos Tratados para evitar a dupla tributação de forma que eventuais benefícios sejam artificialmente utilizados para criar situações de dupla não tributação; (iii) criar mecanismos de solução de disputas ou de conflitos de interpretação em função da aplicação dos tratados; (iv) aderir a um sistema de troca de informações bas-tante robusto, com a participação ativa dos bancos como os intermediários das movimentações financeiras internacionais.

Consequentemente, a criação de planejamentos tributários agressivos será praticamente impossível, a não ser que sejam incluídas na estrutura jurisdições não cooperativas com o BEPS. De qualquer forma, tal fato chamará tanto a atenção dos fiscos que provavelmente não se sustentará no longo prazo.

Por outro lado, pode-se dizer que não há mais espaço para que a indústria de óleo e gás crie planejamentos de ordem tributária no contexto internacio-nal? Na verdade, não. No âmbito do próprio BEPS há um levantamento de todos os regimes e benefícios existentes nos países, de forma que as especifi-cidades de cada jurisdição sejam levadas em conta. Nesse sentido, países com poucos recursos ou com pouca vocação industrial ou mercado consumidor

3 Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2017/julho/brasil-e-argentina-assinam-protocolo-que-altera-o-acordo-para-evitar-a-dupla-tributacao-entre-os-paises>

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podem manter determinados incentivos desde que proporcionem geração de valor no próprio local, não gerem distorções nem competição desleal por re-ceitas tributárias e que não decorram de estruturas sem substância, alocando resultados nas jurisdições adequadas.

Portanto, as empresas que atuam no setor precisarão ser criativas e consis-tentes na definição de suas estruturas, sem que elas sejam criadas com o único propósito de geração de vantagens tributárias. Conforme dito anteriormente, num primeiro momento houve muita reação ao projeto BEPS, mas, com o de-senvolvimento das ações e a percepção de que uma competição por receitas tributárias se dará de forma mais justa, isso sem dúvidas traz benefícios num mundo muito mais integrado e globalizado. Da mesma forma que se busca com-petição leal no âmbito concorrencial/econômico, um cenário em que a disputa por receitas tributárias também é leal acaba por ser bastante sadio.

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PARTE V

QUESTÕES ENVOLVENDO UNIDADES MARÍTIMAS

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19. Arresto de embarcações – Evolução do sistema legal brasileiro – Visão e

preocupações atuais

Erika Feitosa Chaves

19.1 Introdução

A despeito dos inúmeros temas pertinentes ao Direito Marítimo, neste ar-tigo será abordado o instituto do arresto1 de embarcações como instrumento processual para garantir a segurança das relações comerciais, em especial no tocante à satisfação de créditos2.

Isso porque no comércio internacional de mercadorias os casos de inadim-plência se avolumam. Os credores nacionais, diante da inexistência de bens, filial ou representação do devedor estrangeiro no Brasil, acabam por encontrar na medida constritiva do arresto de embarcações que chegam aos portos brasi-leiros uma saída eficiente para sua satisfação.

1 Neste artigo as denominações arresto, embargo ou detenção de embarcações serão consideradas como sinônimos, no sentido de medidas restritivas à navegabilidade de embarcações, ressalvando-se o posicionamento de parte da doutrina quanto à diferença entre os termos. Sobre o tema, Ruy de Mello Miller destacou “(...) verifica-se que o EMBARGO é limitado à natureza do débito e o ARRESTO não se vincula à natureza do débito, mas, sim, à sua qualidade – liquidez e certeza. Não é menos verdade e é necessário que se diga que alguns tratadistas nem cogitam a respeito do entendimento aqui exposto, pois afirmam, categoricamente, que inexiste qualquer diferença entre ambos. Embora parte da doutrina não veja qualquer diferença entre os dois INSTITUTOS, vislumbrando-os no mesmo ‘saco’, ousamos dela discordar, pois, na prática, há uma resistência da 1ª instância do Poder Judiciário em conceder a apreensão ou retenção do navio, quando o crédito apresentado NÃO É LÍQUIDO E CERTO, ainda que as peças iniciais venham alicerçadas em um crédito PRIVILEGIADO.” (Direito marítimo e portuário. Editora Comunnicar, 2011, p. 21)

2 “(...) é um verdadeiro instrumento de garantia – uma medida acautelatória – que tem por escopo a eficácia de uma futura execução ou execução já em andamento, evitando a dilapidação do patrimônio do devedor em consequente prejuízo dos seus credores.” (GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. Editora Renovar, 3ª Edição, 2014, p. 349)

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19.2 Legislação aplicável e sua evolução

O Código Comercial Brasileiro de 1.8503 consistiu no primeiro instrumento normativo brasileiro próprio por meio do qual se regularam as relações comer-ciais com clara finalidade de garantir maior segurança jurídica ao comércio nacional e internacional, visando a seu fortalecimento e ampliação.

Foi por meio do referido Código Comercial que o legislador brasileiro pro-curou normatizar o comércio realizado por meio do transporte marítimo, maior responsável pelo fluxo de mercadorias, especialmente no âmbito internacional (exportação e importação), como se verifica nos Artigos 457 a 7964.

Nessa esteira, a previsão específica do Artigo 4805 do aludido diploma comercial consagrou a possibilidade de se embargarem ou reterem embar-cações para satisfação do crédito perseguido, nas hipóteses enquadradas no

3 O Código Comercial foi sancionado e promulgado por meio do Decreto nº 556, de 25/06/1850.

4 A despeito da revogação da primeira parte do Código Comercial de 1850 pelo Artigo 2.045 da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro), os dispositivos relativos ao transporte marítimo (arts. 457 a 796) permanecem em vigor.

5 “Art. 480. Nenhuma embarcação pode ser embargada ou detida por dívida não privilegiada; salvo no porto da sua matrícula; e mesmo neste, unicamente nos casos em que os devedores são por direito obrigados a prestar caução em juízo, achando-se previamente intentadas as ações competentes.”

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rol taxativo constante dos seus Artigos 4706, 4717 e 4748. Ou seja, apenas as dívidas vinculadas diretamente à embarcação configurariam crédito privi-legiado, de maneira a legitimar a concessão da medida cautelar prevista no Código Comercial de 1850.

Acrescente-se que o Artigo 4799 do referido diploma legal estabeleceu exi-gências adicionais à concretização da aludida medida restritiva, ao proibir a retenção de embarcações que (i) já se encontrassem com quantidade de merca-

6 “Art. 470. No caso de venda voluntária, a propriedade da embarcação passa para o comprador com todos os seus encargos; salvo os direitos dos credores privilegiados que nela tiverem hipoteca tácita. Tais são:1 - os salários devidos por serviços prestados ao navio, compreendidos os de salvados e pilotagem;2 - todos os direitos de porto e impostos de navegação;3 - os vencimentos de depositários e despesas necessárias feitas na guarda do navio, compreendido o aluguel dos armazéns de depósito dos aprestos e aparelhos do mesmo navio;4 - todas as despesas do custeio do navio e seus pertences, que houverem sido feitas para sua guarda e conservação depois da última viagem e durante a sua estadia no porto da venda;5 - as soldadas do capitão, oficiais e gente da tripulação, vencidas na última viagem;6 - o principal e prêmio das letras de risco tomadas pelo capitão sobre o casco e aparelho ou sobre os fretes (artigo nº. 651) durante a última viagem, sendo o contrato celebrado e assinado antes do navio partir do porto onde tais obrigações forem contraídas;7 - o principal e prêmio de letras de risco, tomadas sobre o casco e aparelhos, ou fretes, antes de começar a última viagem, no porto da carga (artigo nº. 515);8 - as quantias emprestadas ao capitão, ou dívidas por ele contraídas para o conserto e custeio do navio, durante a última viagem, com os respectivos prêmios de seguro, quando em virtude de tais empréstimos o capitão houver evitado firmar letras de risco (artigo nº. 515);9 - faltas na entrega da carga, prêmios de seguro sobre o navio ou fretes, e avarias ordinárias, e tudo o que respeitar à última viagem somente.”

7 “Art. 471. São igualmente privilegiadas, ainda que contraídas fossem anteriormente à última viagem:1 - as dívidas provenientes do contrato da construção do navio e juros respectivos, por tempo de 3 (três) anos, a contar do dia em que a construção ficar acabada;2 - as despesas do conserto do navio e seus aparelhos, e juros respectivos, por tempo dos 2 (dois) últimos anos, a contar do dia em que o conserto terminou.”

8 “Art. 474. Em seguimento dos créditos mencionados nos artigo nºs 470 e 471, são também privilegiados o preço da compra do navio não pago, e os juros respectivos, por tempo de 3 (três) anos, a contar da data do instrumento do contrato; contanto, porém, que tais créditos constem de documentos inscritos lançados no Registro do Comércio em tempo útil, e a sua importância se ache anotada no registro da embarcação.”

9 “Art. 479. Enquanto durar a responsabilidade da embarcação por obrigações privilegiadas, pode esta ser embargada e detida, a requerimento de credores que apresentarem títulos legais (artigo nºs 470, 471 e 474), em qualquer porto do Império onde se achar, estando sem carga ou não tendo recebido a bordo mais da quarta parte da que corresponder à sua lotação; o embargo, porém, não será admissível achando-se a embarcação com os despachos necessários para poder ser declarada desimpedida, qualquer que seja o estado da carga; salvo se a dívida proceder de fornecimentos feitos no mesmo porto, e para a mesma viagem.”

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doria superior a um quarto (25%) de sua capacidade de carregamento total; ou, ainda, (ii) já estivessem prontas para zarpar, hipótese em que seria irrelevante a quantidade de carga embarcada.

As limitações previstas no Código Comercial de 1850 tinham como finali-dade precípua a de resguardar os interesses das partes envolvidas no transporte marítimo, inclusive os interesses do armador/transportador. Isso porque as em-barcações igualmente encontram-se atreladas à sua própria cadeia de relações contratuais, sendo inegável que o embargo ou retenção dessas embarcações em um porto específico impossibilitaria o cumprimento dos demais contratos, acar-retando prejuízos “em cascata”.

Entretanto, os dispositivos do Código Comercial de 1850 passaram a ser intensamente contestados pela doutrina e jurisprudência10, sob o fundamento de que os requisitos acima detalhados, em especial, no que concerne à restrição relativa ao percentual da carga embarcada, na prática, inviabilizariam a conces-são do arresto. Isso porque a parte interessada facilmente providenciaria o car-regamento da embarcação com um quarto de sua capacidade total, de maneira a impedir a concessão de seu arresto.

A dificuldade de preencher as condições legais para legitimar a concessão do arresto de embarcações também foi considerada por muitos como verdadei-ra violação ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), uma vez que, em se tratando de transpor-tador/armador estrangeiro sem qualquer outro bem no Brasil, a liberação da embarcação configuraria a total inviabilidade de satisfação do credor, o que equivaleria à impossibilidade de prestação da tutela jurisdicional.

10 “(...) O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), ao julgar os embargos declaratórios opostos ao agravo de instrumento, afastou as regras limitadoras do art. 479 do Código Comercial, (...)”Destaco, a propósito, que a própria validade da proibição legal de arresto quando o navio está carregado com mais de 25% (vinte e cinco por cento) de sua carga, tal qual defendido pela requerente, tem sido questionada pela doutrina especializada, frente às disposições da Convenção de Bruxelas, internalizada pelo Decreto nº 351/1935, que não faz referência a qualquer limite para adoção da medida. Segundo a lição de GILBERTONI, Carla Adriana Comitre, em Teoria e prática do direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 264:“Além do título representativo do crédito, é necessário que o navio ou embarcação, objeto do arresto esteja sem carga ou com menos de um quarto de sua capacidade de carga, isto é, 25% de sua lotação. Essa lotação, no entanto, é duvidosa, uma vez que pode tornar-se difícil sua comprovação. Ademais, não está consignado na Convenção de Bruxelas a obrigatoriedade da comprovação de tal limite, nem mesmo a sua observância, abrindo-se, dessa forma, a possibilidade de um arresto sem tal comprovação” (MC 021042 – Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira - Data da Publicação: 28/05/2013).

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Reforçando as críticas às exigências previstas no Artigo 479 do Código Co-mercial, alguns doutrinadores sustentaram também que a Convenção de Bru-xelas, de 192611, internalizada no ordenamento brasileiro por meio do Decreto nº 351/1935, não previa qualquer limite de carga à concessão do arresto da embarcação. E, portanto, por se tratar de norma posterior, a internalização da regra estrangeira em questão demonstraria a intenção do legislador de afastar as condições limitadoras previstas no Código Comercial de 1850.

Como inovação, o Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 adequou a nomenclatura do instituto do embargo/detenção da embarcação para esta-belecer, em seus Artigos 81312 e 81413, a denominada medida cautelar típica de arresto. O referido diploma processual dispensou as limitações previstas no Código Comercial de 1850 relativas ao carregamento da embarcação bem como à vinculação da dívida a créditos privilegiados. Contudo, estabeleceu outros requisitos legais para a concessão da tutela cautelar de arresto, tais como: (i) a comprovação da liquidez e certeza do débito, assim como (ii) a prestação de caução nas hipóteses em que a parte demandante pretendesse obter a tute-

11 A Convenção de Bruxelas, aplicada entre os países contratantes, entre os quais o Brasil, versa sobre a competência judiciária e a execução de decisões em matéria civil e comercial, regulando a questão do arresto no Artigo 54.

12 “Art. 813. O arresto tem lugar:I - quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado;II - quando o devedor, que tem domicílio:a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente;b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores;III - quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas;IV - nos demais casos expressos em lei.”

13 “Art. 814. Para a concessão do arresto é essencial:I - prova literal da dívida líquida e certa; II - prova documental ou justificação de algum dos casos mencionados no artigo antecedente.Parágrafo único. Equipara-se à prova literal da dívida líquida e certa, para efeito de concessão de arresto, a sentença, líquida ou ilíquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa converter-se.”

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la cautelar antes mesmo da audiência inaugural, denominada como aquela de “justificação” (arts. 80414 e 81615, inciso II, do Código de Processo Civil).

Especificamente no tocante à comprovação da liquidez e certeza da dívida, a jurisprudência da época16 flexibilizou tal requisito legal para admitir a detenção de embarcações com base no instituto jurídico do poder geral de cautela con-ferido aos magistrados com base no Artigo 79817 do Código de Processo Civil Brasileiro de 1973.

Considerando-se que os navios que transportam carga do ou para o Bra-sil, em sua maioria pertencem a empresas estrangeiras, sem representação, tampouco bens localizados no Brasil, houve uma tendência por parte da ju-risprudência de prestigiar a concessão de medidas (tutelas) com fundamento

14 “Art. 804. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.”

15 “Art. 816. O juiz concederá o arresto independentemente de justificação prévia:I - quando for requerido pela União, Estado ou Município, nos casos previstos em lei;II - se o credor prestar caução (art. 804).”

16 “(...) PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. CPC, ARTS. 798 e 799. (...)II - No caso, embora não se trate de arresto, nada impedia fosse concedida cautelar para proibir a alienação de caminhão do requerido, para assegurar a eficácia de decisão a ser proferida em ação indenizatória ajuizada pela viúva da vítima de acidente causado pelo citado veículo.III - Recurso especial conhecido e provido" (Resp n. 148.087/SP, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 31/8/2000, DJ 20/11/2000, p. 288). (...)3. Possibilidade de deferimento de medida cautelar de arresto, aproveitando pedido de antecipação de tutela deferido pelo juízo de 1º grau, com base no poder geral de cautela do Magistrado, a fim de adequar o provimento jurisdicional à natureza da obrigação e a garantir o resultado prático do processo.AGRAVO DESPROVIDO. MEDIDA CAUTELAR EXTINTA." (AgRg na MC n. 16.906/RJ, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 16/09/2010, DJe 23/11/2010).“(...) AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. PODER GERAL DE CAUTELA. PROCEDIMENTO ESPECÍFICO. ARRESTO. DÍVIDA LÍQUIDA E CERTA NÃO CONFIGURADA. (...)É admissível o ajuizamento de ação cautelar inominada, com os mesmos efeitos do arresto, em face do poder geral de cautela estabelecido no art. 798 do CPC, para fins de assegurar a eficácia de futura decisão em ação de indenização proposta pelo autor, caso lhe seja favorável. Na hipótese, existe óbice à concessão desse procedimento específico - arresto - em razão da dívida não ser considerada líquida e certa (art. 814 do CPC), pois ainda em trâmite a outra demanda proposta contra o requerido. Recurso provido. ”(Resp n. 753.788/AL, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 4/10/2005, DJ 14/11/2005, p. 400).

17 “Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

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no acima referido poder geral de cautela, atribuindo-lhes ao mesmo os efeitos da tutela típica de arresto.

A referida tutela tinha como finalidade principal evitar a frustação na satis-fação de crédito que só se tornaria exigível anos depois, com o julgamento defi-nitivo da ação judicial, momento em que a embarcação muito provavelmente já se encontraria fora do alcance da jurisdição brasileira.

Em sintonia com o entendimento acima descrito, o novo Código de Proces-so Civil Brasileiro de 201518 prestigiou o posicionamento da jurisprudência no sentido de afastar definitivamente os requisitos legais anteriormente impostos pelo Código Comercial de 1850, desprezando também aqueles estabelecidos pelo Código de Processo Civil de 1973.

O Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 estabeleceu a nova figura pro-cessual da tutela provisória de urgência de natureza cautelar, que inclui o arresto, prevista nos Artigos 30019 e 30120, por meio da qual se exige para sua concessão apenas a comprovação de elementos que evidenciem a “probabilidade do direi-to” e o “perigo de dano” ou, ainda, o “risco ao resultado útil do processo”.

Percebe-se que a partir de então houve verdadeira mudança de paradigma, a fim de prestigiar a prestação de garantia (entre outras, por meio do arresto de embarcações), assegurando, assim, o pagamento futuro de credores nacionais envolvidos em relações comerciais realizadas por transporte marítimo.

A evolução da legislação processual brasileira não olvidou, porém, os temo-res refletidos na legislação primária, na medida em que, apesar de flexibilizar os requisitos legais para a concessão de arresto, estipulou expressamente no Artigo

18 O Código de Processo Civil de 2015 entrou em vigor um ano após sua publicação, ou seja, em 18/03/2016, de acordo com o disposto no Artigo 1.045 do aludido diploma processual.

19 “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.”

20 “Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.”

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30221 do Código de Processo Civil de 2015 a obrigação de reparar os danos materiais e imateriais decorrentes da efetivação de uma tutela cautelar (arresto) que, ao final, venha a ser declarada como indevida (wrongful arrest).

É importante que se registre, nos últimos anos, um número crescente de tu-telas cautelares que acabam por ser julgadas improcedentes. A razão, em grande parte, é a ausência de comprovação documental hábil quanto ao privilégio do crédito perseguido, ou mesmo a discrepância entre o valor quase ínfimo do cré-dito quando comparado com a radicalidade do ato de constrição.

Os indicativos ainda demonstram que muitas das mencionadas tutelas cautelares de arresto/detenção acabam sendo deferidas com base em afir-mações incorretas de fugas de embarcações, muitas vezes trazidas de forma temerária por alguns aventureiros jurídicos.

Parte disso deve-se, é fato, ao assoberbamento do Poder Judiciário bra-sileiro. A sobrecarga dos magistrados de 1ª instância, que já foi, inclu-sive, alvo de estudos estatísticos por parte de nosso Conselho Nacional de Justiça22, contribui de forma decisiva para uma prestação de serviço com qualidade inferior àquela desejada. Afinal, em cognição sumária, sem muito tempo para analisar profundamente os documentos que instruem as demandas judiciais propostas por aqueles que se dizem credores e con-fiando na boa-fé das partes litigantes, há uma tendência dos magistrados a conceder o arresto.

21 “Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:I - a sentença lhe for desfavorável;II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.”

22 Fonte de pesquisa: site do CNJ. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao> – “O primeiro grau de jurisdição é o segmento mais sobrecarregado do Poder Judiciário e, por conseguinte, aquele que presta serviços judiciários mais aquém da qualidade desejada. Dados do Relatório Justiça em Números 2015 revelam que dos 99,7 milhões de processos que tramitaram no Judiciário brasileiro no ano de 2014, 91,9 milhões encontravam-se no primeiro grau, o que corresponde a 92% do total”.

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19.3 Visão atual – Posicionamento das Cortes brasileiras

À vista da flexibilização dos requisitos legais para a concessão do arresto de embarcações, com o afastamento de critérios objetivos (quantidade de carga embarcada, vinculação do débito a credores privilegiados, liquidez e certeza da dívida...), o legislador conferiu maior liberdade aos magistrados para apreciar a real necessidade de se levarem a efeito tais constrições de acordo com as pecu-liaridades de cada caso.

Considerando-se que a última reforma processual – implementada pelo Có-digo de Processo Civil de 2015 – é muito recente, verifica-se que ainda não há uniformidade nas decisões proferidas pelos magistrados.

Como visto, há uma tendência dos magistrados, em sede de análise limi-nar, de resguardar os interesses do credor nacional, concedendo-se o arresto de embarcações com fundamento na ausência de representação e/ou bens da empresa estrangeira no Brasil. Percebe-se que inúmeras decisões judi-ciais23 não estão atentando para os prejuízos decorrentes do ato constritivo, concedendo arresto de embarcações avaliadas em valores milionários para garantir discussões muitas vezes envolvendo dívidas de valores comparati-vamente irrisórios.

23 “(...) O valor atualizado da dívida é de U$ 7.588, 63 (sete mil, quinhentos e oitenta e oito dólares americanos e sessenta e três centavos de dólar americano), valor convertido na moeda nacional representa o montante de R$ 23.266,73 (vinte e três mil, duzentos e sessenta e seis reais e setenta e três centavos). Destaca que a embarcação é de bandeira estrangeira e pertence a empresa alienígena, podendo a qualquer momento zarpar das águas brasileiras (...). Nos termos do Código Comercial Brasileiro, a obrigação oriunda da prestação de serviços contratada entre as partes é classificada como privilegiada, garantindo à autora o direito de reter ou embargar a referida embarcação, para fins de pagamento da dívida. Mediante análise dos fatos e dos documentos acostados aos autos, vislumbra-se os requisitos autorizadores da medida liminar inaudita altera parte, pois resta comprovada a relação jurídica e a existência da dívida, o que aparenta o bom direito, o perigo na demora se traduz pelo simples fato do bem pertencer à empresa estrangeira, cuja localização restará incerta a partir da saída da embarcação do Brasil e ainda porque não se ter notícia de outros bens que possam garantir futura cobrança ou execução do crédito. Isto posto, DEFIRO O REQUERIMENTO LIMINAR para determinar os embargos da embarcação [...] de bandeira inscrita em Cyprus, de propriedade da 2ª ré, com a detenção da referida embarcação, em área de fundeio do Porto de Macaé, até que as requeridas quitem ou apresentem caução fidejussória no valor de R$ 23.266,73 (vinte e três mil, duzentos e sessenta e seis reais e setenta e três centavos).” (Tribunal de Justiça do Estado Rio de Janeiro – 3ª Vara Empresarial – proc. n. 0058281-48.2017.8.19.0001)

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Por outro lado, constatam-se outras decisões24 nas quais se pondera não ape-nas o risco de a embarcação deixar as águas brasileiras, mas também o valor da pretensão formulada judicialmente, assim como os prejuízos decorrentes da concessão da tutela cautelar requerida, exigindo-se o mínimo de lastro probató-rio da dívida alegada. Nesses casos, pondera-se a gravidade da medida cautelar requerida, entendida como por demais onerosa ao devedor, proprietário da em-barcação a ser arrestada.

19.4 Conclusão

Da breve análise temporal do instituto processual do arresto, percebe-se que as exigências legais à concessão da tutela cautelar de arresto de embarcações foram flexibilizadas como uma forma de garantir maior rapidez e eficácia com relação à obtenção de garantia ao futuro pagamento dos créditos perseguidos.

A evolução da legislação brasileira, até a edição das regras contidas no Código de Processo Civil de 2015, conferiu maior liberdade e poder aos ma-gistrados para a apreciação de “tutelas de urgência de natureza cautelar”, devendo-se, contudo, sopesarem os interesses das partes envolvidas em cada caso para evitar não só os prejuízos decorrentes da não concessão do arres-to, mas também aqueles decorrentes do dano inverso25, que emerge como

24 “(...) O promovente requer tutela de urgência que iniba um dos navios dos réus a deixar o porto da cidade do Rio de Janeiro ou, alternativamente, proíba a embarcação de ausentar-se do território nacional, aí compreendido as águas jurisdicionais brasileiras. Para tanto, alega a existência de um débito consigo, decorrente da venda de bilhetes aéreos, os quais não foram efetivamente pagos, existindo risco de que se evadam do território nacional e frustre os fins desta ação. Reforça sua tese alegando a existência de dívidas com outras empresas, bem assim uma alteração fraudulenta em seu nome de fantasia, a fim de frustrar as expectativas dos credores. (...) a medida buscada importa em supressão no uso da propriedade de um navio, cuja paralisação significa gastos que, dependendo do tempo, somarão valor superior àquele buscado. Para concessão de uma medida de tamanha largueza, exige-se o mínimo de provas acerca do débito, sua origem e os riscos de irreparabilidade do dano suscitado. Deste modo, indefiro a tutela cautelar, sem prejuízo de revisão, após a formação do contraditório.” (Proc. n. 0163766-97.2017.8.06.0001, 33ª Vara Cível – Tribunal de Justiça do Estado do Ceará)

25 “De forma inclusive mais contundente, adverte também ARAGÃO (1990, v. 42) que ‘há certas liminares que trazem resultados piores que aqueles que visavam evitar’. A não produção do denominado periculum in mora inverso, necessariamente implícito no próprio bom sendo do julgador, portanto, desponta inegavelmente como um pressuposto inafastável para a decisão final pela concessão da medida liminar – ser sempre e obrigatoriamente verificado, de forma compulsória –, uma vez que, em nenhuma hipótese, poderia ser entendido como um procedimento lícito a

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consequência natural da referida constrição, medida extremamente gravosa e cujos impactos negativos podem até mesmo superar o crédito cuja satisfação pretende-se garantir ao credor original.

modificação de uma situação de fato perigosa para uma parte – mas tranquila para outra – por uma nova que apenas invertesse a equação original, salvaguardando os interesses de uma das partes em detrimento da outra e ao elevado custo da imposição de gravames (até então inexistentes e por vezes até mesmo insuportáveis).” (Des. Federal Reis Friede - R. Emerj, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 249-286, set-dez 2014 - p. 271)

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20. Avaria de carga no transporte marítimo – Considerações sobre o prazo prescricional à luz do Direito brasileiro

Bernardo Mendes ViannaMaria Carolina de França

Duane Sarlo de Brito Santos

A atividade do transporte marítimo indubitavelmente carrega em si grandes desafios provenientes dos perigos inerentes à própria navegação. Inúmeras são as vezes em que o oceano surpreende até o mais experiente navegador, tornan-do a travessia inesperadamente laboriosa. Assim, em função de tantos riscos em alto-mar, o transportador marítimo sempre se viu às voltas com a ocorrência de avarias. Durante séculos pensou-se em inúmeros meios de lidar com os danos, tanto da embarcação quanto da carga transportada.

A sofisticação e o avanço do transporte marítimo têm feito com que o insti-tuto da avaria tenha igualmente experimentado importante evolução. As rela-ções comerciais, cada vez mais complexas, envolvem, na maior parte das vezes, diferentes players com contratos que, majoritariamente, contemplam um pedaço isolado dessa grande cadeia. Por isso, o grande desafio das partes envolvidas é saber como proceder quando da ocorrência de um sinistro.

Um dos aspectos que mais inquietam as partes que se lançam em uma aven-tura marítima é a questão envolvendo a prescrição do seu direito em reclamar pelas avarias sofridas. Esse instituto, tipicamente do Direito Civil, tem por obje-tivo essencial estipular um lapso temporal no qual o detentor do direito ou seu sub-rogado possa apresentar sua reclamação ao Judiciário, com o intuito ver o pre-juízo sofrido devidamente reparado. Por isso, o Direito regula esse período entre o nascer e o terminar de uma pretensão jurídica, de acordo com a gravidade e a complexidade das circunstâncias que circundam a referida relação.

No presente artigo, vamos nos ater unicamente ao instituto da prescrição perti-nente à avaria de cargas transportadas pelo modal marítimo. O referido tema nave-ga em águas turvas e pouco calmas no tocante ao Direito brasileiro. Apesar da evo-

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lução, a doutrina e a jurisprudência vacilaram muito na última década, deixando o setor bastante apreensivo. Atualmente, percebe-se um firme direcionamento no entendimento jurisprudencial, mas que ainda precisa ter sua consolidação atestada de forma definitiva, a fim de acalmar todo o seguimento.

Mas nem sempre foi assim. Ironicamente, a referida questão era facilmente respondida quando a pri-

meira parte do Código Comercial Brasileiro de 18501 (CCom) ainda estava em vigor. Isso porque na referida primeira parte – Título XVIII – havia uma seção totalmente devotada à prescrição no transporte marítimo, estabelecendo expressamente, em seu Artigo 449, 2, acerca do prazo prescricional de um (01) ano para disputas envolvendo a entrega de carga2.

A referida regra foi, inclusive, estendida às seguradoras que se sub-rogavam os direitos e ações dos seus segurados (proprietários das cargas transportadas), por meio da Súmula 151 do Supremo Tribunal Federal (STF), editada em 19633.

Reforçando a aplicação do prazo prescricional anual, entrou em vigor, quase em seguida, a disposição contida no Artigo 8º4 do Decreto-Lei nº 116, de 19675, alcançando as ações decorrentes de extravio, diminuição, dano ou avarias à carga.

Ocorre, porém, que a primeira parte do mencionado CCom acabou sendo in-tegralmente revogada no ano de 2002, com o advento do atual Código Civil Bra-sileiro6 (CCB), e, como consequência, revogou-se o já mencionado Artigo 449, 2.

A derrogação do CCom na parte que tratava justamente da prescrição para avarias de carga acabou por abrir perigosamente as portas para que interesses de alguns seguimentos do comércio marítimo, mormente a do setor securitário, vindicassem a ampliação do referido prazo prescricional. A referida ampliação

1 Artigos 1º ao 456 da Lei nº 556, de 25/06/1850.

2 “Art. 449. Prescrevem igualmente no fim de 1 (um) ano:2 - As ações por entrega da carga, a contar do dia em que findou a viagem.”

3 Súmula 151 STF: “Prescreve em um ano a ação do segurador sub-rogado para haver indenização por extravio ou perda de carga transportada por navio”.

4 “Art. 8º Prescrevem ao fim de um ano, contado da data do término da descarga do navio transportador, as ações por extravio de carga, bem como as ações por falta de conteúdo, diminuição, perdas e avarias ou danos à carga.”

5 “Dispõe sôbre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d'água nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tratando das faltas e avarias.”

6 Lei nº 10.406, de 10/01/2002, em seu Artigo 2.045.

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tinha como fundamento original justamente a aplicação da nova regra geral prescricional estabelecida pelo CCB.

Sendo o setor securitário o responsável pelo ajuizamento da quase totalidade das ações de regresso decorrentes dos sinistros pagos às suas seguradas (proprietá-rias das cargas), tinha este, na qualidade de sub-rogado, todo interesse no aumen-to do prazo para ingressar na Justiça vindicando os respectivos ressarcimentos.

Embora o CCB tenha sido silente no tocante à prescrição em relação especificamente à avaria de carga, estabeleceu, em seu Artigo 2067, a regra prescricional geral de três (03) anos para aquelas reparações por danos de natureza civil (ressarcimento de prejuízos).

Foi com base nessa nova regra prescricional geral, aliada ao argumento de que a regra específica do CCom não mais prevaleceria em razão de sua der-rogação, que, então, surgiu uma corrente doutrinaria defendendo a aplicação do prazo prescricional trienal às ações judiciais envolvendo avarias de cargas transportadas pela via marítima.

Mas a avidez desses interesses não parou por aí. Quase em paralelo, uma outra e desgastante discussão jurídica tomou conta

de nosso Poder Judiciário. Essa mesma corrente que pugnava pela aplicação da nova regra prescricional geral do CCB acabou por também invocar, de forma subsidiária, a aplicação de uma regra prescricional ainda mais elástica. Para tanto, utilizam uma regra prescricional contida no Código Brasileiro de Defesa do Con-sumidor8 (CDC), sancionado 12 anos antes do CCB e quando ainda se encon-trava em pleno vigor a regra prescricional contida na primeira parte do CCom.

A regra prescricional para reparação de danos contida no CDC e estabeleci-da por meio do Artigo 279 previa o prazo de cinco (05) anos.

Apesar de o CDC dispor sobre a proteção ao consumidor (hipossuficiente), disciplinando exclusivamente as relações e responsabilidades entre o fornecedor de produtos ou serviços e o consumidor final, fato é que diversos tribunais bra-sileiros, inclusive com endosso de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de

7 “Art. 206. Prescreve: (...)§ 3º. Em três anos: (...)V - a pretensão de reparação civil;”

8 Lei nº 8.078, de 11/09/1990.

9 “Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”

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Justiça (STJ), começaram, inadvertidamente, a acolher a tese da prescrição quin-quenal. Em linhas gerais, o principal argumento adotado pela referida tese vinha pautado no entendimento de que qualquer relação contratual envolvendo o dono da carga e o transportador marítimo evidenciava uma relação de consumo.

Foi então que se estabeleceu em nosso ordenamento jurídico um verdadeiro caos em matéria prescricional quanto a avarias de carga ocorridas durante o transporte marítimo.

Tínhamos na ocasião, portanto, as seguintes regras prescricionais em discus-são: prazo anual, contido tanto no Decreto-Lei nº 116/1967 como na Súmula 151, do STF; prazo trienal, estabelecido pelo novo CCB; e, por fim, o prazo quinquenal, constante do CDC.

Por anos sofremos com a referida discussão e, por consequência, com uma gran-de insegurança jurídica. Quantas não foram as vezes em que recomendamos a nos-sos clientes a adoção da posição mais cautelosa, a fim de evitar perda do direito, ou, ainda, nos debruçávamos longamente na tentativa de explicar aos clientes (sobretu-do os estrangeiros) qual seria o prazo prescricional aplicável ao caso concreto.

Somente agora a referida discussão começa, finalmente, a ter um desfecho con-creto, por meio do qual as posições jurisprudenciais divergentes de outrora passam a seguir uma orientação uníssona, dando tranquilidade a essa tortuosa divergência e, sobretudo, tentando, finalmente, impor a tão almejada segurança jurídica.

Os mais recentes julgados, tanto dos Tribunais Estaduais como do próprio STJ, vêm analisando mais detalhadamente a referida questão, concluindo, de for-ma reiterada, pela ausência de relação consumerista na grande maioria dos con-tratos de transporte de carga. Isso não significa dizer que a questão envolvendo o transporte de cargas não possa vir a ser examinada à luz do código consumerista (o que deve ser analisado caso a caso), mas o importante é que os Tribunais deram-se conta de que estavam cometendo um grande equívoco ao julgar indis-criminadamente todos os contratos de transporte sob a égide do CDC.

Aliás, no exame de cada caso concreto o posicionamento da atual jurispru-dência é justamente pela distinção da natureza jurídica das relações de cada contrato de transporte, compatibilizando-a com a norma legal específica (espe-cial) que disciplina a matéria, na forma do Artigo 732 do CCB10.

10 “Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais.”

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E ao se debruçar sobre tal discussão, a jurisprudência afastou a premissa de que o CCB teria se sobreposto às legislações especiais vigentes, confirmando a validade e a aplicabilidade tanto do Decreto-Lei nº 116/1967 como da própria Súmula 151/STF para as ações de regresso ajuizadas por seguradoras sub-roga-das nos direitos de suas seguradas. Por via de consequência, consagrou-se o en-tendimento de que as seguradoras ficam submetidas à regra prescricional anual.

Nessa mesma discussão estamos vislumbrando prevalecer o posicionamen-to de que o termo inicial para contagem do referido prazo prescricional anual somente terá seu início quando da efetiva concretização da sub-rogação. Ou seja, a partir do momento em que a indenização securitária for integralmente satisfeita em favor do segurado pelas vias administrativas (processo regulatório interno) ou por meio do pagamento em processo judicial.

Cumpre, por fim, destacar, apenas a título de esclarecimento, o fato de o CCB garantir à parte interessada o direito de renovar o prazo prescricional por período igual ao que dispunha originalmente. O detentor do crédito (proprie-tário da carga ou sua seguradora) tem o direito de renovar o marco inicial para a contagem do prazo prescricional, mas com a limitação de poder exercer tal extensão por apenas uma única vez11.

A materialização dessa renovação ocorre por meio de uma notificação ju-dicial12, sem caráter litigioso, a ser apresentada em juízo ainda na vigência do prazo prescricional original. Ao instrumento processual utilizado para tanto convencionou-se denominar como “Protesto Interruptivo de Prescrição”.

11 “Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;III - por protesto cambial;IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.”

12 “Art. 726. Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito.§ 1o Se a pretensão for a de dar conhecimento geral ao público, mediante edital, o juiz só a deferirá se a tiver por fundada e necessária ao resguardo de direito.§ 2o Aplica-se o disposto nesta Seção, no que couber, ao protesto judicial.”

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Esperamos poder ter contribuído para o esclarecimento das razões pelas quais a referida questão se tornou um dos temas principais do nosso Judiciário nos últimos anos.

A controvérsia envolvendo o prazo prescricional aplicado às segurado-ras, sub-rogadas, parece-nos agora estar num caminho de unicidade. Não obstante, precisamos estar atentos às discussões envolvendo as relações de consumo no transporte de cargas, a fim de evitar um retrocesso dos prece-dentes jurisprudenciais.

Seja como for, e até que o tema esteja definitivamente pacificado, de-vemos continuar defendendo a posição de prevalência das Leis especiais existentes sobre aquelas de caráter geral, em conformidade com a melhor hermenêutica jurídica.

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21. Os limites da jurisdição brasileira para processar e julgar conflitos oriundos

da indústria marítima internacional à luz do Código de Processo Civil

Flávia Melo

21.1 Introdução

Quase todo advogado brasileiro que lide diuturnamente com questões ma-rítimas já lamentou não poder atender a determinado cliente estrangeiro pelo fato de o Brasil não possuir jurisdição para apreciar determinada matéria. Isso porque, ao contrário dos países que possuem um judiciário com regras mais atraentes ao mercado de forum shopping1, nosso país estabeleceu seu sistema jurídico em sentido diametralmente oposto. Isso deu-se principalmente pelo fato de que somos um país de proporções continentais e gerador de um volume de conflitos que cresce exponencialmente, assoberbando o Judiciário. Assim, ao mesmo tempo em que o legislador enxergou a necessidade de flexibilizar a soberania brasileira, limitando as hipóteses em que o Brasil possui jurisdição exclusiva para determinados assuntos, não houve interesse em atrair para o Judiciário questões jurídicas sem qualquer elo de ligação com o País2.

Assim, muito embora a Constituição Federal preveja, em seu Artigo 5°, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

1 “… procura, dentre jurisdições de competência concorrente para apreciar determinada lide, daquela onde o autor ou as partes supõem possa ser obtida decisão mais favorável aos seus interesses, em razão da lei a ser aplicada, ou em decorrência de normas processuais que permitam maior agilização nos julgamentos.” (JATAHY, Vera Maria Barrera. Do conflito de jurisdições. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 283)

2 “...sendo o Estado uma organização com finalidade prática, não seria de seu interesse ocupar seus juízes com questões que não se liguem ao seu ordenamento jurídico por qualquer circunstância, como o domicílio das partes ou a localização do objeto da demanda no seu território, ou a ocorrência neste dos fatos que originam a demanda etc.” (BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 301)

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ameaça a direito”, o legislador entendeu que seria melhor estabelecer regras de jurisdição que limitam as hipóteses em que um pleito de natureza estrangeira possa vir a ser processado e julgado no Brasil. Neste capítulo vamos abordar algumas dessas hipóteses, limitando-nos aos casos mais comuns em nossa ro-tina como advogados maritimistas – mas sem a pretensão de esgotar o assun-to, apenas trazendo alguns pontos interessantes ao fomento do pensamento crítico sobre a matéria.

21.2 Limites à jurisdição brasileira

Os limites à jurisdição brasileira estão previstos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e nos Artigos 21 a 25 do Código de Processo Civil. Essas são as primeiras normas para as quais o julgador brasileiro deve atentar para determinar se é competente ou não para processar e julgar uma determinada ação.

Para o nosso estudo, que tem como foco matérias de interesse da in-dústria marítima internacional, interessam especialmente as hipóteses de jurisdição concorrente, ou seja, as hipóteses em que tanto o Judiciário bra-sileiro como o Judiciário estrangeiro possuem jurisdição para processar e julgar ação que envolva pessoa ou matéria estrangeira. Essas hipóteses estão previstas especificamente no Artigo 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro3, no Artigo 21 e no Artigo 22, incisos II e III, do Código de Processo Civil.

Também de interesse de nosso estudo é o Artigo 25 do Código de Processo Civil, que trata da hipótese contrária, ou seja, situação em que a justiça brasi-leira não possui jurisdição para processar e julgar ação que envolva pessoa ou matéria estrangeira.

Passemos, então, a analisar as hipóteses descritas nos Artigos supracitados, sempre sob o viés do interesse da comunidade marítima internacional.

3 “Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.” Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942). As hipóteses estão tratadas separadamente, nos itens III e IV desse Capítulo, seguindo a redação do Código de Processo Civil.

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21.3 Réu domiciliado no Brasil

O Artigo 21, inciso I, do Código de Processo Civil define as condições em que o réu poderá ser processado e julgado pela justiça brasileira:

“Art. 21. Compete à autoridade judiciaria brasileira processar e julgar as ações em que:I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;(...)Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domici-liada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal.” (Destaques nossos.)

O primeiro conceito que merece nossos comentários é o conceito de domicí-lio, cuja definição está no Código Civil, em seu Artigo 75, IV, parágrafos 1o e 2o:

“Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:(...)IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respec-tivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.§ 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferen-tes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver--se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraí-das por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.” (Destaques nossos.)

Vemos, portanto, que, de modo geral, a Lei brasileira estabelece que será considerado domicílio da empresa o lugar em que funcionar sua diretoria e administração, ou em localidade estabelecida em seus atos constitutivos. Caso a empresa possua outros estabelecimentos, exercendo, portanto, suas ativida-des em lugares diversos, cada um desses estabelecimentos poderá ser conside-rado domicílio para fim dos atos praticados naqueles respectivos locais.

O mesmo se aplica à empresa sediada no estrangeiro, mas com uma única e importantíssima diferença: a empresa estrangeira deve ter agência, filial ou su-

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cursal4 no Brasil, conforme nos ensinam o parágrafo 2o do Artigo 75 do Código Civil e o parágrafo único do Artigo 21 do Código de Processo Civil. Assim, a justiça brasileira tem jurisdição para processar ações com base em atos pratica-dos nos locais de estabelecimento de suas agências, filiais ou sucursais.

Como visto, a definição de filial, sucursal e agência está ligada ao conceito de estabelecimento, definido pelo Artigo 1.142 do Código Civil como um “com-plexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.” Embora a jurisprudência já tenha definido que a nomen-clatura não importa para o entendimento de que a agência, filial ou sucursal constituem-se como estabelecimentos para atuação de uma empresa estrangei-ra5, devemos, aqui, abrir um pequeno parêntese em nosso estudo sobre jurisdi-ção para destacar a confusão que a definição de agência, conforme prevista na Lei brasileira, traz para o universo marítimo.

Para que possamos entender a celeuma, vejamos os conceitos de agência, fi-lial ou sucursal inscritos no Código Civil. O conceito de agência está no Artigo 710 e seguintes do Código Civil, valendo citar especialmente o caput do Artigo 710, bem como o Artigo 711, que estabelecem, respectivamente, o seguinte:

“Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

4 “Os estabelecimentos comerciais secundários são as filiais, sucursais ou agências. Esses termos são, em regra, empregados como sinônimos. Mas, poder-se-á entender, em sentido estrito, como: a) sucursal, o estabelecimento secundário subordinado ao principal, pois foi criado para expandir seus negócios, por isso, seu gerente, apesar de gozar de alguma autonomia e organização própria, deverá seguir a orientação ou instrução dada pela matriz sobre os negócios mais importantes; b) filial, aquele estabelecimento secundário ligado à matriz e da qual depende, com poder de representá-la, sob a direção de um preposto que exerce atividade econômica dentro das instruções dadas; logo, esse gerente não tem qualquer autonomia, estando totalmente vinculado à administração centralizada da matriz. Há, na filial, uma total subordinação jurídica e econômica ao estabelecimento principal; e c) agência seria o estabelecimento secundário que representa o principal com o fim de efetivar negócios empresariais em outra praça.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. volume 8: Direito de Empresa. 2. ed. Reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 780-781)

5 “Agência, filial ou sucursal (CC 75 § 2o). Quando a lei fala em agência, filial ou sucursal, está se referindo à existência de estabelecimento de pessoa jurídica estrangeira no Brasil, seja qual for o nome que se dê a esse estabelecimento (RT 596/117).” (I. NERY JUNIOR, Nelson. II NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 205, p. 275)

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(...)Art. 711. Salvo ajuste, o proponente não pode constituir, ao mesmo tem-po, mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência; nem pode o agente assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes.” (Destaques nossos.)

Vimos, portanto, que no contrato de agência o agente é nomeado pelo pro-ponente estrangeiro para realizar negócios em caráter não eventual, não poden-do ser nomeado para realizar o mesmo serviço para terceiros.

Transpondo esses conceitos para o direito marítimo, torna-se claro que um agente marítimo6, por exemplo, não exerce as atividades do contrato de agência conforme descritas no Código Civil. Ao contrário do que dispõe o Código Civil em relação ao contrato de agência, o agente marítimo atua sob as ordens de vários armadores diferentes7 e de maneira absolutamente eventual8, qual seja, apenas quando os navios de seus mandantes aportam em águas brasileiras. No entanto, a coincidência das nomenclaturas costuma causar confusão, fazendo com que operadores do direito brasileiro não habituados às praxes marítimas entendam as atividades dos agentes marítimos como aquelas descritas no Códi-go Civil para o contrato de agência.

Feita essa pequena observação, concluímos que, nos termos do inciso I do Artigo 21 do Código de Processo Civil, só pode figurar como ré perante os Tribunais brasileiros a empresa estrangeira que possua estabelecimento

6 “Como auxiliar na armação estão os serviços prestados ao navio e que não dizem respeito, diretamente, à função comercial da embarcação, tais como: assistência nos despachos de navio e repartições governamentais; embarque e desembarque de tripulantes; pagamentos; prestação de serviços junto à previdência social ou à saúde dos portos; condução para navios fundeados ao largo; requisição de práticos; amarradores; atracação; passagens aéreas ou terrestres para tripulantes que desembarcam; providencias junto aos fornecedores; lavanderias etc. Como auxiliar do transporte marítimo assume a função de contratação do transporte de carga, assim como as operações de manipulação da mesma; além do redespacho de mercadorias, ou seja, o despacho de mercadorias em trânsito após a descarga do navio.” (I. ANJOS, J. Haroldo dos. II. GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 69)

7 “O agente marítimo poderá representar o proprietário do navio, o armador, o gestor ou o afretador, o transportador ou alguns destes simultaneamente.” (OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Curso de direito marítimo. volume I: teoria geral. 4. ed. Barueri: Manole, 2013, p. 324)

8 “O agente age até onde o seu agir não o põe no lugar do agenciado. Não é representante, nem, sequer, mandatário. Por outro lado, a sua estabilidade separa-o do mandato, que corresponde, de regra, ocasionalidade.” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2006. Parte Especial, Tomo XLIV, p. 66)

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no Brasil, seja este estabelecimento uma agência, filial ou sucursal, não se confundindo as atividades destas com as atividades do agente marítimo, mero mandatário9.

21.4 Obrigação a ser cumprida, fato ocorrido ou ato praticado no Brasil

Vejamos, então, as hipóteses descritas nos incisos II e III do Artigo 21 do Código de Processo Civil:

“Art. 21. Compete à autoridade judiciaria brasileira processar e julgar as ações em que:(...)II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.” (Desta-ques nossos.)

Vemos que a justiça brasileira, por óbvio, possui jurisdição para processar e julgar ação que trate de obrigação a ser cumprida no Brasil. Aplicando-se o dis-positivo do supracitado inciso II às atividades desempenhadas pela comunidade marítima, vejamos como exemplo um contrato de afretamento para transporte de carga a ser embarcada no Brasil com destino a um porto estrangeiro. As partes do contrato podem ser estrangeiras, e a avença pode ter se dado fora do Brasil, mas dando-se o embarque da carga em águas brasileiras, a princípio as Cortes brasileiras teriam jurisdição para processar e julgar ação para garantir o cumprimento da obrigação de embarque da carga no Brasil – muito embora haja dúvidas quanto à competência da justiça brasileira para analisar as demais obrigações do contrato10.É importante notar que, neste caso, não importa o

9 “O conceito de agente marítimo – ou agente autorizado – geralmente se consubstancia na figura contratual do mandato.” (OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Id. Ibid.)

10 “O lugar do cumprimento da obrigação é um foro especial nos contratos. O pedido de indenização pelo inadimplemento do contrato segue essa regra? Acredito que não, pois ela só se aplica ao pedido de cumprimento da obrigação, e não à sua conversão em perdas e danos, nos casos de descumprimento.” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. volume I. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 157)

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lugar onde a obrigação foi contraída, mas sim o fato de que a execução da obri-gação se dá no Brasil11, em atenção ao princípio da efetividade12.

Da mesma forma, nos termos do inciso III do Artigo 21 do Código de Pro-cesso Civil, quando a ação se fundamentar em fato ocorrido ou ato praticado no Brasil, há de se atentar para o mesmo princípio da efetividade. Na indústria marítima, em se tratando de um fato ocorrido no Brasil, podemos exemplificar por meio de um acidente envolvendo tripulante estrangeiro de embarcação es-trangeira que opere em águas brasileiras; ou, em se tratando de ato praticado no Brasil, temos a hipótese de uma ação de ressarcimento por perdas e danos causados pelo embargo equivocado de uma embarcação estrangeira.

21.5 Consumidor residente ou domiciliado no Brasil

Uma nova hipótese de atração da jurisdição brasileira foi levada a efeito quando da promulgação do novo Código de Processo Civil, por meio do in-ciso II do Artigo 22. O referido dispositivo contempla as ações que envolvam matéria consumerista, nas hipóteses em que o consumidor tenha domicílio ou residência no Brasil:

“Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:(...)II - decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;” (Destaques nossos.)

Nesse particular, cumpre esclarecer que o Código de Defesa do Consumidor define, em seu Artigo 2°, que: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Isso significa dizer que não se enquadram como consumidores as empresas que adquirem insumos ou contratam serviços como parte de sua cadeia produtiva.

11 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. I, Rio de Janeiro, Forense, 2008, pg. 303.

12 “Ao escolher a lei aplicável, o tribunal deve ter em mente a exequibilidade da decisão baseada em tal lei. Ou seja: não terá havido boa seleção se a sentença produzir resultado inexequível onde ela normalmente deva ser executada.” (DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado)

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Existe, ainda, um elemento subjetivo na relação de consumo, que é a hi-possuficiência13, um dos pilares da proteção consumerista. A hipossuficiência traduz-se na vulnerabilidade do consumidor e sua incapacidade de entender as peculiaridades do negócio para contratar a aquisição do produto ou a pres-tação de serviço em igualdade de condições com o fornecedor.

Aplicando-se os conceitos descritos à indústria marítima, percebemos, por-tanto, que o parágrafo 2o do Artigo 22 do Código de Processo Civil foi criado para atrair determinados casos para a jurisdição brasileira, de modo a proteger o consumidor residente ou domiciliado no Brasil. São exemplos clássicos o passa-geiro de um navio de cruzeiro, o expatriado que contrata um transportador ma-rítimo para realizar um serviço de mudança internacional, ou até mesmo uma empresa que extraordinariamente contrate o frete marítimo de determinado equipamento importado. Em todos os exemplos, percebe-se a hipossuficiência da parte como base da atração do caso para a jurisdição brasileira.

21.6 Eleição de foro em contrato internacional

Outra novidade muito comemorada pelos advogados que militam na área internacional foi a inserção do Artigo 25 no novo Código de Processo Civil, que possibilita o afastamento da jurisdição brasileira na cláusula de eleição de foro estabelecida em contrato internacional14. Vejamos:

13 “(...) É evidente que o consumidor é, da mesma forma, hipossuficiente para contratar. Não tem ele conhecimento técnico que lhe permita entender o conteúdo das cláusulas contratuais. Tanto mais levando-se em conta que os contratos são típicos de adesão a cujas cláusulas são impostas unilateralmente pelo fornecedor (ou são outras formas de contratar – como veremos mais adiante – por conteúdo ao qual o consumidor não tem acesso). Por isso que, na interpretação dos contratos, tem-se de levar em conta a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor.” (RIZZATTO NUNES, Luis Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. Ver. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 556)

14 “O caráter internacional de um contrato pode ser definido de maneiras bastante variadas. As soluções adotadas tanto pela legislação nacional quanto internacional variam desde referências ao lugar do estabelecimento comercial ou residência habitual das partes em países diferentes, até a adoção de critérios mais gerais, como o contrato ter ‘conexões significantes com mais de um Estado-Nação’, ‘envolver uma escolha entre leis de diferentes Estados-Nação’ ou ‘afetar os interesses do comércio internacional’.Os Princípios não estabelecem expressamente nenhum destes critérios. A presunção, contudo, é de que ao conceito de contratos ‘internacionais’ deve ser dada a interpretação mais ampla possível, de modo a excluir, última análise, apenas aquelas situações em que nenhum elemento internacional está envolvido, i.e., em que todos os elementos relevantes do contrato estão conectados a apenas um país.” (VILLELA,

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“Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e julgamento da ação quando houver cláusula de foro exclusivo estran-geiro em contrato internacional.” (Destaques nossos.)

A maior parte dos documentos utilizados na indústria marítima – de contratos de construção e afretamento de embarcações a conhecimentos de transporte – possuem cláusulas de eleição de foro estrangeiro que, muitas vezes, não eram respeitadas pelas autoridades judiciárias brasileiras15. O Ar-tigo 25 inovou nesse sentido, finalmente colocando o Brasil em situação de paridade com o restante do mundo, tendo por base o princípio da autonomia da vontade das partes.

Nesse particular, cumpre esclarecer que, para que a escolha do foro seja aceita de maneira a afastar a jurisdição brasileira, faz-se necessário que a cláusula esteja expressa no contrato, estabelecendo o foro escolhido como exclusivo16, ou seja, o único competente para processar e julgar os conflitos oriundos daquela avença.

Em complemento, o parágrafo 2°17 do mesmo Artigo 25 remete às dispo-sições do Artigo 63 e parágrafos18, também do Código de Processo Civil, que

João Baptista et al. Princípios unidroit relativos aos contratos comerciais internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 2)

15 “No Brasil, apesar de o tema ter sido enfrentado na doutrina e na jurisprudência, até a promulgação do Novo Código de Processo Civil a ausência de uma norma expressa levava à incerteza e insegurança jurídica. Agora, com a inclusão de permissão expressa à cláusula de eleição de foro no CPC, a situação muda inteiramente. Os contratos internacionais com tal cláusula gozarão da mesma segurança jurídica desfrutada pelos contratos que optaram pela arbitragem internacional, na qual essa escolha já era plenamente aceita.” (ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: Teoria e prática brasileira. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018. p. 179)

16 “(...) Para que a cláusula seja válida, é necessário que o acordo seja expresso e ainda explicite que se trata de uma cláusula exclusiva. Isso evita a interpretação da cláusula como uma mera obrigação de fazer e está de acordo com a práticas dos países da common law em que na ausência de determinação expressa de que a cláusula tem caráter exclusivo implica na possibilidade de as partes recorrerem a Poder Judiciário diverso do escolhido. A Convenção de Haia sobre os Acordos de Eleição de Foro contém previsão no mesmo sentido.” (ARAUJO, Nadia de. Ibid. p. 187)

17 “§ 2° Aplica-se à hipótese do caput o art. 63, §§ 1° ao 4°.”

18 “Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1o A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. § 2o O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

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trata da cláusula de foro em contratos nacionais. Com isso, nota-se que a Lei brasileira deu tratamento isonômico aos contratos que estabelecem escolha de foro para processamento e julgamento de seus conflitos, sejam internacio-nais ou nacionais.

Dentre as disposições do Artigo 63 do Código de Processo Civil que podem ser aplicáveis às matérias marítimas, há duas especialmente relevantes, constan-tes dos parágrafos 3° e 4°, que merecem nossos comentários.

Nos termos do parágrafo 3°, antes de citadas as partes, a cláusula de eleição de foro será examinada e poderá ser considerada abusiva pelo juiz, que remete-rá, então, a ação para o foro de domicílio do réu. A condição de abusividade da cláusula de foro está intimamente ligada ao conceito de hipossuficiência19. Con-tratos de adesão, ou outros tipos de contrato que pressuponham pouca negocia-ção, como as condições de transporte constante dos conhecimentos marítimos, podem levar o juiz a julgar a cláusula de eleição de foro como abusiva, sempre levando-se em consideração a relação entre as partes contratantes e a eventual vulnerabilidade técnica de uma delas. No mesmo sentido, o parágrafo 4° dispõe que o réu, quando citado, deve alegar eventual abusividade da cláusula de elei-ção de foro já em sua contestação, sob pena de preclusão.

Como estamos tratando de eleição de foro, aproveitamos para fazer uma referência à cláusula de eleição de foro arbitral. A possibilidade de as partes sub-meterem a resolução dos seus conflitos à arbitragem está prevista no Artigo 3°20 da Lei de Arbitragem, e é também uma escolha muito comum dos players do mercado marítimo internacional. A mesma lógica estabelecida para a cláusula de eleição de foro foi também estabelecida para a cláusula de arbitragem, que deve ser alegada pela parte interessada na primeira oportunidade21, caso venha a ser demandada perante a justiça brasileira.

§ 3o Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu. § 4o Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão.” (Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015)

19 Ver item V, acima, no qual tratamos as questões de jurisdição brasileira relacionadas ao consumidor domiciliado no Brasil.

20 “Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.” (Lei de Arbitragem – Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996)

21 “Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: (...) II - incompetência absoluta e relativa; (...)

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21.7 Submissão à jurisdição brasileira

Deixamos para o final nossos comentários acerca do inciso III do Artigo 22 do Código de Processo Civil, por conter previsão de suma importância que pode invalidar os efeitos da previsão sobre a eleição de foro trazida pelo Arti-go 25. Trata-se da hipótese se submissão voluntária às autoridades judiciárias brasileiras, que pode se dar de maneira tácita ou expressa22, in verbis:

“Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:(...)III - em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional.” (Destaques nossos.)

Vemos que o dispositivo permite às partes que, de maneira expressa, decli-nem de suas escolhas anteriores em relação à escolha de foro, submetendo-se e limitando à jurisdição brasileira um caso que seria de jurisdição concorrente, em respeito aos princípios da autonomia da vontade e da efetividade.

A submissão à jurisdição nacional mencionada pelo inciso III do Artigo 22 do Código de Processo Civil pode se dar de maneira tácita, pela simples ausên-cia de alegação da existência de cláusula de eleição de foro dentro do prazo para oferecimento de contestação, gerando a preclusão23 da matéria, conforme vimos no item VI acima.

X - convenção de arbitragem;” c/c “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) VII - acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;” (Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015)

22 “A submissão do réu à jurisdição brasileira pode se dar tanto de forma tácita quanto de forma expressa. A submissão tácita se dá, por exemplo, quando o réu, em ação movida no Brasil, contesta a ação sem alegar incompetência da Justiça brasileira. Já a submissão expressa ocorre quando, além de contestar sem alegar incompetência, o réu ingressa com reconvenção, caracterizando, com isso, a ‘prorrogação de competência por submissão voluntária das partes’.” (GASPARETTI, Marco Vanin. Competência internacional. São Paulo. Saraiva, 2011)

23 “O instituto da eleição de foro, e sua distinção do foro do contrato, tem construção semelhante em outros países, entre os quais é possível registrar, para fins exemplificativos, a Itália, na lição de Chiovenda: ‘Pode haver forum prorogatum quando fôr relativa. É o que se pode estabelecer por dois modos: ou por convenção expressa, ou pelo fato da eleição do domicílio (...). Quando, enfim, aquêle que é réu perante um tribunal, cuja incompetência relativa pode excepcionar, não excepciona, produz-se, entretanto, por via da preclusão da exceção de incompetência (...) o efeito da prorrogação (...)’”.

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Da mesma maneira, a ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem pela parte quando responder à uma demanda judicial pode ser in-terpretada como aceitação da jurisdição brasileira e renúncia ao juízo arbitral, conforme dispõe o parágrafo 6°24 do Artigo 337 do Código de Processo Civil.

(CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969. vol. II, p. 213 apud DE NARDI, Marcel. Eleição de foro em contratos internacionais: Uma visão brasileira. In: RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2002. pp. 142/143)

24 “§ 6o A ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao juízo arbitral.”

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22. Breves notas sobre a responsabilidade do transportador marítimo de cargas em contêineres

Bernardo Mendes Vianna

22.1 Considerações gerais preliminares

Segundo o sistema legal brasileiro, as regras gerais aplicáveis ao transporte en-contram-se previstas no Código Civil Brasileiro1, mais precisamente em seu Ca-pítulo XIV, que reúne os Artigos 730 a 756. Tais artigos contêm seções ordenando sobre as disposições gerais, o transporte de pessoas e o transporte de coisas.

Da análise dos referidos dispositivos legais extrai-se que o contrato de transporte se caracteriza como um contrato de resultado2, incumbindo ao transportador conduzir a mercadoria até o local de destino em segurança, sob pena de se responsabilizar civilmente. É o que a doutrina consagrou denominar como responsabilidade civil objetiva do transportador.

Não é de hoje que convivemos com reiteradas decisões judiciais responsa-bilizando civil e objetivamente os transportadores, obrigando-os a reparar os prejuízos decorrentes de avarias ocorridas durante o transporte marítimo.

De modo geral, a principal análise jurídica feita pelo Judiciário quando da pro-lação de tais decisões reside na mera aplicação da referida teoria da responsabilidade objetiva, por meio da qual basta a comprovação da ocorrência do dano e do nexo de causalidade, ou seja, uma ligação daquele com a conduta do transportador.

Pelo fato de ser uma obrigação de resultado, a grande maioria das decisões judiciais acabam por imputar ao transportador marítimo a obrigação indiscri-minada de reparar, sem ao menos se debruçar sobre as razões pelas quais refe-rida avaria teria se dado. A análise da prova, portanto, fica bastante simples. Constatado que a avaria se deu durante o transporte, o transportador será obri-gado a reparar o dono da carga avariada ou seu sub-rogado.

1 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

2 “Art. 749. O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto.”

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Raras são as vezes em que o Judiciário efetivamente se debruçou na com-preensão quanto ao pano de fundo da logística marítima, ou mesmo dos proce-dimentos previamente utilizados para que a carga chegue ao terminal no qual será, em seguida, embarcada no navio transportador. Essa falta de interesse, ou mesmo de conhecimento, sobre a realidade operacional se evidencia com mais força quando se trata de transporte marítimo de carga em contêineres.

22.2 A necessária compreensão acerca da logística anterior ao embarque

Na grande maioria dos casos envolvendo transporte marítimo de carga em contêineres o transportador os recebe para embarque devidamente lacrados. Da mesma forma, a carga transportada no interior desses contêineres quase sempre chega previamente embalada e acondicionada pelo embarcador (exportador ou seu representante no exterior). Em outras palavras, o transportador marítimo não tem conhecimento ou qualquer ingerência quanto aos procedimentos que antecedem o embarque do contêiner a bordo do navio.

Em termos práticos, o contêiner é entregue vazio ao embarcador, cabendo a este embalar a carga e acondicioná-la dentro do contêiner a ser transportado. Ao término dessa operação, e por determinação da legislação aduaneira, o con-têiner é devidamente lacrado, para, posteriormente, ser entregue ao transporta-dor nos terminais portuários indicados.

A comprovação dessa operação anterior ao embarque, que tem lugar, como visto, sem a intromissão do transportador, vem materializada no próprio conhe-cimento de transporte marítimo (Bill of Lading), ao mencionar a modalidade de embarque representada pela sigla FCL (Full Container Load/Container To-talmente Carregado), cujas informações são inseridas de acordo com a declara-ção do embarcador. Da mesma forma, opera-se por meio da ressalva quanto às características da carga acondicionada, denominada Said to Contain, em que o transportador declara não poder atestar se a carga acondicionada combina exatamente com a descrição constante do conhecimento de transporte, para fins de protegê-lo futuramente3.

3 “Said to Contain (STC) is a phrase used by the shipping company in the Bill of Lading when describing the goods loaded onboard a sea-going vessel in sealed containers or trailers and for which

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Tais aspectos fazem toda a diferença no momento de se analisar o caso con-creto e, sobretudo, na aplicação de eventual responsabilidade civil do transpor-tador marítimo.

No ordenamento jurídico brasileiro, mesmo quando se aplica ao caso con-creto a teoria da responsabilidade civil objetiva, não se pode olvidar de com-provar a presença do nexo de causalidade. A ocorrência do dano deve estar obrigatoriamente vinculada a uma conduta concreta e justificada por parte do transportador4. Se a avaria sofrida na carga não estiver relacionada ao ato do transportador, inexiste a relação de causalidade.

O que se percebe é que as decisões judiciais têm, não raras vezes, deixado de lado tais importantes peculiaridades, quando, justamente, é nesse momento que o conhecimento e a análise da realidade operacional e fática do transporte marítimo se afiguram como relevantes e podem fazer toda a diferença no julga-mento do caso concreto.

O transporte por via marítima resulta numa série de movimentos de na-vegação que são inerentes e normais ao próprio modal. Cabe ao embarcador, portanto, a responsabilidade de se certificar de que tomou todas as medidas necessárias para que o acondicionamento da carga no interior do contêiner es-teja adequado e capaz de suportar as adversidades, os movimentos e imprevistos decorrentes da própria navegação.

Na prática, sabemos que muitas avarias ocorrem pela falta de observância dos preceitos acima referidos. A carga não pode se movimentar livremente den-tro contêiner, senão ela pode não apenas sofrer avarias, mas também causar lesões ao próprio contêiner ou a outras cargas armazenadas em seu interior.

Tendo o transporte marítimo transcorrido dentro da sua normalidade, e mes-mo assim a carga tendo chegado avariada no seu destino, é imperioso que seja realizada uma investigação detalhada, a fim de ser apurado se uma falha na em-balagem da carga ou em seu acondicionamento não foi a real causa do incidente.

the shipping company makes the necessary reservations in terms of the correct contents of those loading units.” (em, Glossário de Logística. Disponível em: <https://www.logisticsglossary.com/term/said-to-contain/> )

4 “O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida” (VENOSA, Sílvio de Salvo. 2003, pág. 39).

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22.3 A recusa da carga pelo transportador sob a ótica prático-legal

Conforme já foi dito anteriormente, os contêineres são recebidos pelo transportador marítimo devidamente lacrados, sendo que esses lacres não podem ser rompidos pelo transportador. Trata-se, inclusive, de uma imposi-ção legal prevista no nosso Regulamento Aduaneiro5 e cujo descumprimento acarreta responsabilidade fiscal para o transportador. Não podendo os lacres ser rompidos, fica o transportador impossibilitado de constatar se o acondi-cionamento da carga foi realizado de forma correta. E mesmo que pudesse hipoteticamente rompê-los, o transportador não teria conhecimento técnico capaz de avaliar tal aspecto.

São milhares de contêineres que o transportador embarca e desembarca durante uma viagem. Não se pode, portanto, imputar ao transportador o ônus de vistoriar cada um dos contêineres e de se certificar se a carga no seu interior foi ou não devidamente embalada e/ou acondicionada. Isso in-viabilizaria todo o dinamismo do comércio marítimo internacional, criando obstáculos intransponíveis à própria logística do referido transporte.

Deve o transportador confiar nas informações prestadas com base na decla-ração emitida pelo próprio embarcador. A declaração de bens que acompanha a carga é aceita pelo transportador com base na boa-fé e confiança que de-posita nas informações prestadas pelo embarcador. Isso porque o embarcador é o único que conhece de que forma a sua mercadoria vai se portar quando colocada à prova dos balanços e esforços durante a travessia marítima. Esse risco, a despeito das vozes contrárias, jamais poderá ser deslocado para a esfera do transportador.

Justamente com base nas questões de ordem operacional acima destacadas, não podemos concordar com aqueles que se filiam à aplicação pura e simples

5 “Art. 333. Ultimada a conferência, poderão ser adotadas cautelas fiscais visando a impedir a violação dos volumes, recipientes e, se for o caso, do veículo transportador, na forma estabelecida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 74, § 2º). § 1o São cautelas fiscais:I - a lacração e a aplicação de outros dispositivos de segurança; eII - o acompanhamento fiscal, que somente será determinado em casos especiais. § 2o Os dispositivos de segurança somente poderão ser rompidos ou suprimidos na presença da fiscalização, salvo disposição normativa em contrário.”

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da responsabilidade objetiva, sem a análise de todo o contexto logístico pré-em-barque. Da mesma sorte, afiguram-se como inócuos os dispositivos legais que facultam ao transportador a recusa da carga6, uma vez que, quando conjugados à realidade operacional e aos usos e costumes do comércio marítimo, acabam por perder sua finalidade.

22.4 Alguns aspectos legais adicionais

Militando em prol da isenção de responsabilidade do transportador, há pre-visão legal constante do Decreto-Lei nº 116/19677, que equipara os casos de inadequação da embalagem/acondicionamento ao vício próprio da carga con-teinerizada. Tal equiparação, contida no parágrafo 4º do Artigo 4º8, atesta que o transportador não deve responder pelo acondicionamento inadequado quan-do realizado pelo embarcador.

Aliás, a liberação de responsabilidade do transportador nesse mesmo ce-nário pré-embarque não é fato novo. Tal questão foi objeto de expressa pre-visão legal em 1998, quando da edição da já mencionada Lei que trata do Transporte Multimodal9.

6 “Art. 746. Poderá o transportador recusar a coisa cuja embalagem seja inadequada, bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens.” (Código Civil Brasileiro)“Art. 9º A emissão do Conhecimento de Transporte Multimodal de Cargas e o recebimento da carga pelo Operador de Transporte Multimodal dão eficácia ao contrato de transporte multimodal.§ 1º O Operador de Transporte Multimodal, no ato do recebimento da carga, deverá lançar ressalvas no Conhecimento se:I - julgar inexata a descrição da carga feita pelo expedidor;II - a carga ou sua embalagem não estiverem em perfeitas condições físicas, de acordo com as necessidades peculiares ao transporte a ser realizado.” (Lei nº 9.611/1998, que dispõe sobre o Transporte Multimodal de Cargas)

7 “Dispõe sobre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d'água nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tratando das faltas e avarias.”

8 “Art. 4º As mercadorias serão entregues ao navio ou embarcação transportadora, contra recibo passado pelo armador ou seu preposto.(…)§ 4º A inadequabilidade da embalagem, de acôrdo com os usos e costumes e recomendações oficiais, equipara-se aos vícios próprios da mercadoria, não respondendo a entidade transportadora pelos riscos e conseqüências daí decorrentes.”

9 “Art. 16. O Operador de Transporte Multimodal e seus subcontratados somente serão liberados de sua responsabilidade em razão de:I - ato ou fato imputável ao expedidor ou ao destinatário da carga;

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Considerando-se que as demandas por avarias são majoritariamente apresentadas pelas seguradoras, na qualidade de sub-rogadas dos proprie-tários das cargas, é importante que seja feita uma análise adicional envol-vendo a legislação aplicável ao mercado securitário. Tome-se como exemplo a disposição legal contida no Código Comercial Brasileiro, ao tratar das obrigações recíprocas do segurador e do segurado, estabelecendo expressa-mente que o segurador não responderá quando a avaria acontecer pelo mau acondicionamento da carga segurada10.

À consideração acima deve-se acrescentar que o próprio órgão regulador do mercado securitário brasileiro – Superintendência de Seguros Privados (Susep) – prevê a hipótese de acondicionamento inapropriado como sendo uma das excluden-tes de cobertura securitária11.

Isso tudo deve ser considerado na defesa dos interesses do transportador, posto que o segurador, ao regredir contra o transportador pelos prejuízos supor-tados pelo seu segurado, está, em verdade, transgredindo não apenas a norma legal aplicável, mas aquela de ordem administrativa por ela mesma editada, em verdadeiro contrassenso.

Por fim, vale mencionar que no âmbito contratual destaca-se a previsão excludente de responsabilidade do transportador contida no próprio verso do conhecimento de transporte. A discussão envolvendo a adesividade da referida cláusula é bem conhecida, mas isso não significa, necessariamente, que a cláu-sula seja considerada por si só como abusiva. A eficácia dessa cláusula, quando analisada e interpretada em conjunto com todo o cenário operacional e logísti-co anteriormente descrito, parece-nos plausível.

II - inadequação da embalagem, quando imputável ao expedidor da carga;III - vício próprio ou oculto da carga;IV - manuseio, embarque, estiva ou descarga executados diretamente pelo expedidor, destinatário ou consignatário da carga, ou, ainda, pelos seus agentes ou propostos;V - força maior ou caso fortuito.”

10 “Art. 711. O segurador não responde por danos ou avaria que aconteça por fato do segurado, ou por alguma das causas seguintes: (...)6 - falta de estiva, ou defeituosa arrumação da carga; (...)10 - vício intrínseco, má qualidade, ou mau acondicionamento do objeto seguro;”

11 Circular Susep 354/2007.

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22.5 Compreendendo a idiossincrasia jurídica

As decisões jurisprudenciais ainda são vacilantes, com uma grande ten-dência à aplicação descompromissada da teoria da responsabilidade civil objetiva contra o transportador marítimo.

Na briga pela comprovação da ausência de responsabilidade do transporta-dor marítimo por força do rompimento do nexo de causalidade, sempre se viu uma tendência mais favorável ao ressarcimento daquele que sofreu o dano. Na prática, sempre se afigurou mais fácil condenar o transportador, para que este, então, fosse buscar sua reparação direta e autonomamente contra o embarcador.

A tendência inicial dos julgadores sempre foi no sentido de rejeitar as argumen-tações envolvendo a necessidade de se discutir o nexo de causalidade, por se con-siderar que a obrigação de resultado do transportador marítimo (responsabilidade objetiva) impunha tal desfecho.

Mesmo que de forma mais tímida, o que se identifica atualmente é uma mudança de posicionamento das nossas Cortes, sobretudo naquelas jurisdições em que estão localizados os portos mais movimentados e, portanto, em que os magistrados acabam por ter um contato mais recorrente com tais discussões. Percebemos que precedentes favoráveis estão surgindo, deslocando o ônus de reparar pela avaria para o embarcador.

Por outro lado, é fato que continuamos a enfrentar decisões judiciais desfa-voráveis. O argumento principal ainda reside na equivocada previsão legal de o transportador poder recusar a carga transportada e/ou de inexistir ressalva no conhecimento do transporte. Muitas dessas decisões trazem, adicionalmente, o argumento de que o transportador teria a obrigação de realizar uma vistoria (ou mesmo de participar) durante a fase de embalagem e acondicionamento da carga, como se tal conduta, na prática do comércio internacional, fosse possível.

22.6 Reflexões finais

Nos casos envolvendo avarias ocorridas durante o transporte marítimo de cargas em contêineres, sobretudo nos casos relacionados ao acondicionamento inadequado da carga, deve o advogado perseguir o rompimento do nexo de cau-salidade como excludente de responsabilidade do transportador.

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Conforme foi visto, o risco em questão não é inerente ao transporte marí-timo, por ser pré-embarque, não respondendo nem o transportador nem, tam-pouco, o segurador, que não deveria sequer indenizar seu segurado.

Em favor do transportador temos, ademais, previsões de ordem legal e contratual responsabilizando o embarcador, assim como fundamentos rele-vantes de ordem prática e operacional.

Não pode ser olvidado que existe, por outro lado, a necessidade em se compro-var que a responsabilidade teve sua origem antes do transporte marítimo e em razão de um acondicionamento inadequado. Nesse passo, cabe ao transportador guardar toda a documentação necessária, podendo, ainda, produzi-la no curso da fase pro-batória do processo. Por fim, afigura-se de suma importância que o transportador possa se valer de uma assessoria técnica e legal especializada, visando direcionar em seu favor as futuras decisões judiciais, aproveitando-se do momento atual em que o entendimento jurisprudencial está em plena transição.

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PARTE VI

RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA

INDÚSTRIA DO PETRÓLEO

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23. Mediação no setor do petróleo no Brasil

Pedro Hermeto Luíza Latini Cunha

23.1 Os conceitos basilares e o apelo da mediação

A mediação pode ser definida como um procedimento de resolução de conflitos por meio do qual as partes, assistidas por um terceiro neutro e im-parcial, definem, conjunta e voluntariamente, a solução para o seu conflito. Ela pode se dar tanto em âmbito judicial quanto no extrajudicial. Focaremos, aqui, na mediação extrajudicial, relevante para o nosso tema.

A noção de autonomia das partes é ínsita ao conceito de mediação, na medida em que o objetivo de tal procedimento é justamente criar as condições favoráveis a que as partes alcancem uma solução consensual para a sua controvérsia.

Normalmente, a mediação sucede à tentativa amigável das partes de dirimir o conflito diretamente entre elas por meio de simples negociação. Não sendo mais possível às partes, por qualquer razão, estabelecer um diálogo harmonioso entre si, recorre-se à mediação. Vendo suas negociações interrompidas e invia-bilizadas, as partes decidem passar a contar com um intermediário, escolhido ou aceito por elas, que conduzirá as negociações. Essa interposta pessoa – o mediador – poderá ser advogado ou não e desempenhará a atividade técnica de facilitador da conversa, auxiliando e estimulando as partes a identificarem ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.

O mediador não tem poder decisório. Não haverá solução imposta, diferen-temente do que ocorre no procedimento arbitral ou no processo judicial, em que terceiro decide a lide ao seu modo. Trata-se, portanto, de verdadeiro proce-dimento de autocomposição em que as partes mantêm total controle sobre os contornos e o alcance da solução final (win-win situation).

É dessa característica que decorre uma das principais vantagens da me-diação. Por ser um procedimento em que as próprias partes constroem o acordo que deverão cumprir, este é, indubitavelmente, mais dotado de efe-

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tividade do que aquele que culmina com uma decisão judicial ou arbitral, cujo conteúdo lhes é imposto.

Sob outro prisma, tão relevante quanto, a autonomia das partes não só con-fere maior efetividade à solução do litígio – na medida em que os litigantes estarão, certamente, mais propensos à observância da solução por eles proposta – como também tende a preservar as relações pré-existentes, pessoais ou comer-ciais, entre as partes.

Sendo o processo judicial e arbitral um procedimento adversarial – em que os litigantes se utilizam de espírito acusatório, a fim de convencer o terceiro julgador da certeza de seu direito e de suas pretensões concretas –, ao seu cabo remanesce a noção, em certa medida maniqueísta, de vencedor e vencido (win--lose situation). O processo, portanto, acaba, quase invariavelmente, por deterio-rar a relação pré-existente entre os litigantes, tornando inviável a manutenção de um contrato de trato sucessivo ou de longo prazo.

A autonomia das partes para compor os seus conflitos sem recorrer à ativi-dade impositiva do Judiciário ou de tribunal arbitral permite que estas tenham não só influência direta na solução do litígio, mas também amplo controle sobre o procedimento, que não se submete à minuciosa e rígida regulação normativa relativa ao procedimento judicial.

Nesse passo, às partes é conferida liberdade para estabelecer como se desen-volverá a mediação, sempre com o auxílio da figura do mediador. Esta pode se desenrolar de acordo com regras pré-definidas adotadas por câmara especializa-da ou de acordo com regras livremente pactuadas entre as partes por mediador não integrante de alguma câmara. As partes podem ser assistidas por advogado.

A mediação é conduzida pelo mediador em tantas sessões diárias quantas sejam necessárias, na presença das partes. Essas sessões costumam se desenrolar por um dia inteiro, com os intervalos que se fizerem necessários. É conveniente que as partes escolham um local agradável para as sessões, com um ambiente acolhedor e confortável e, claro, neutro. É permitido ao mediador, quando jul-gar necessário ou mediante solicitação, reunir-se privadamente com uma das partes em sessões apartadas.

Outro trunfo da mediação é a celeridade. No processo judicial os litigantes não têm controle quanto ao encadeamento e à duração dos atos processuais, ficando à mercê do Judiciário. Apenas em 2016 o Judiciário brasileiro julgou

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a marca de 30,8 milhões de processos. Ainda assim, apenas 27% de todos os processos em tramitação naquele ano foi definitivamente solucionada1.

A quantidade exorbitante de litígios que são levados ao poder estatal, so-mada à rigidez do procedimento judicial, explica o porquê de a mediação figu-rar como alternativa vantajosa ao processo. Enquanto no Brasil um processo tramita, em média, durante 1 ano e 9 meses, apenas em primeira instância2, a mediação desenrola-se em tempo muito mais curto, podendo ser concluída, em boa parte dos casos, em apenas algumas semanas.

Sendo impossível alcançar-se uma solução para o conflito no processo de me-diação, ou não havendo mais espaço para qualquer tentativa de diálogo, as partes são livres para encerrá-lo. Sobre esse ponto, convém apontar que a taxa de êxito em processos de mediação nos Estados Unidos, ou seja, processos que culminam com a celebração de um acordo pelas partes, é de impressionantes 83%3.

O baixo custo do processo também representa grande atrativo para sua ado-ção. As câmaras de mediação, grosso modo, cobram uma taxa de administração para instaurar um processo de mediação, e seus mediadores são remunerados por hora dispendida no processo. No caso de procedimento conduzido fora do contexto de uma câmara especializada, o mediador estipula uma remuneração em bases horárias. De um modo ou de outro, não há comparação possível entre os relativamente módicos custos do processo de mediação e os altos custos de um processo judicial ou arbitral.

Não menos relevante e atraente em relação ao processo de mediação é o princípio da confidencialidade. Tudo aquilo que for dito no âmbito do proces-so4 por uma parte à outra5 durante as sessões conjuntas será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelado sequer em processo judicial ou arbitral. Além disso, tudo aquilo que for dito por uma parte ao mediador em

1 Informações detalhadas quanto aos dados supramencionados podem ser encontradas na p. 65 do Relatório Justiça em Números (2017), elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça.

2 Idem, p. 128.

3 A taxa de êxito supramencionada consta dos dados divulgados pelo chamado Dallas Mediation Project (Statistics on Mediation in the 101st District Court as of June 12, 1992).

4 Conforme explicitamente disposto pelo Artigo 30, § 3º, da Lei de Mediação, a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública não está abrigada pela regra da confidencialidade.

5 Ainda conforme a Lei de Mediação, o dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação (art. 30, § 1º).

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eventual sessão apartada também tem caráter confidencial e não poderá ser revelado pelo mediador à outra parte. Nessa linha, o mediador não poderá atuar como árbitro nem funcionar como testemunha em processos judiciais ou arbi-trais relativos a conflitos em que tenha atuado como mediador.

Este princípio é, em grande parte, responsável pela alta taxa de sucesso (acordos alcançados) dos processos de mediação, na medida em que encerra valor impor-tante para as partes: a segurança de que tudo o que for dito no curso da mediação estará protegida pelo selo de confidencialidade. Quando se entra num processo de negociação privada mediado por terceiro neutro e imparcial, tecnicamente treinado e capacitado a facilitar o diálogo e o entendimento entre as partes em conflito, com o qual se poderá conversar sem reservas, inclusive privadamente, aumentam-se so-bremaneira as chances de se alcançar uma solução para a controvérsia.

A confiança de que o que for dito não poderá ser usado pela outra parte faz com que as diferenças e desentendimentos sejam colocados com franqueza, permitindo a correta delineação do conflito e, mais do que isso, a precisa identi-ficação do real interesse das partes – aquele que está subjacente aos seus pleitos concretos originais. Um mediador hábil saberá formular as perguntas corretas e necessárias para conduzir as partes à satisfação de seus interesses mútuos, mediante concessões menores e possíveis de lado a lado.

Havendo acordo quanto à solução para o conflito, o procedimento será encerrado com a lavratura de seu termo final, o qual constitui título execu-tivo extrajudicial.

23.2 A regulamentação da mediação como fenômeno global

Não por acaso, a mediação tem sido incentivada, na última década, em di-versos países – principalmente europeus e nos Estados Unidos. A constatação das vantagens oferecidas por esse processo na solução de controvérsias motivou a criação de diplomas normativos voltados à regulamentação desse método al-ternativo de resolução de conflitos. A verificação de que o Poder Judiciário está demasiadamente sobrecarregado é, há muito, motivo de preocupação dos legisladores de inúmeros países.

Foi exatamente nessa perspectiva que a Diretiva nº 2008/52, de 21 de maio de 2008, foi emitida pelo Parlamento Europeu, em conjunto com o Conselho da União Europeia, cujo principal objetivo consistiu em fomentar e incentivar

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o recurso à mediação em caso de litígios transfronteiriços6 em nível europeu em matéria cível ou comercial7.

Em obediência à Diretiva europeia, por exemplo, foi publicado na Itália o Decreto Legislativo nº 28/2010, do Presidente da República, que regulamenta o procedimento da mediação nesse país. Tal decreto preocupa-se em explicitar determinadas características da mediação, como (i) a não submissão dos atos da mediação à formalidade própria dos atos processuais; (ii) a duração de até três meses do procedimento; e (iii) a confidencialidade.

De mesmo modo, a Espanha incorporou ao seu ordenamento jurídico as dis-posições constantes da Diretiva nº 2008/52, ao publicar a Lei nº 05/2012, de 7 de julho de 2012, responsável por regulamentar e sistematizar a mediação aplicável aos assuntos cíveis e mercantis.

Nos Estados Unidos diversos estados adotam o chamado Uniform Mediation Act, de agosto de 2001, criado com o fim de uniformizar as regras acerca do procedimento da mediação. De maneira similar àquela realizada pelos países europeus, tal diploma legal teve o condão de consolidar, no ordenamento jurí-dico interno, determinadas características da mediação – notadamente, a con-fidencialidade e a imparcialidade do mediador.

No Brasil, muito embora a mediação já fosse bastante procurada como meio de resolução de litígios e já estivesse prevista no Código de Processo Civil, foi apenas com o advento da Lei nº 13.140/2015 – a chamada “Lei de Mediação” – que esse método de resolução de controvérsias recebeu trata-mento legal sistemático.

Assim como os diplomas normativos estrangeiros, a Lei de Mediação brasi-leira preocupou-se em destacar os princípios basilares da mediação, como a con-fidencialidade, a oralidade, a informalidade, a imparcialidade do mediador e a autonomia da vontade das partes (impossibilidade de se lhes impor que permane-çam em procedimento de mediação).

6 Em apertada síntese, os litígios transfronteiriços são aqueles em que pelo menos uma das partes tenha domicílio ou residência habitual em um Estado-Membro da União Europeia, distinto do de qualquer das outras partes, à data de ocorrência do litígio. O Artigo 2º da Diretiva nº 2008/52 ocupa-se em delimitar as hipóteses de ocorrência de litígio transfronteiriço.

7 Por certo, a mediação não pode ser utilizada como método de resolução de litígios cujo cunho seja eminentemente indisponível e que não admita transação. O Artigo 1º da Diretiva nº 2008/52 preocupa-se em ressaltar que as controvérsias ligadas a matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas ou, ainda, relacionadas à responsabilidade do Estado não podem ser resolvidas por meio da mediação.

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23.3 A mediação no setor de petróleo e gás

Como exposto, a mediação é um meio de resolução de conflitos muito atraente para diversas áreas, desde aquelas ligadas a litígios de família, até aquelas que versem sobre complexos contratos comerciais ou controvérsias entre sócios em grandes empresas.

No que tange ao setor de petróleo e gás, especificamente, a mediação parece colocar-se como um recurso muito vantajoso para as partes em conflito.

Dado o caráter altamente especializado desse setor, bem como das normas que lhe são próprias, convém às partes em conflito reter o controle sobre a sua solução, de modo a não serem surpreendidas por decisão imposta por terceiro eventualmente insatisfatória a ambas. Em face dos altos investimentos envolvidos nos empreendi-mentos do setor, não se deseja correr tal risco. Como vimos, a mediação permite jus-tamente esse controle das partes sobre a solução do conflito. Não haverá surpresas.

Por ter caráter eminentemente negocial – e não adversarial –, a mediação tem, como dito, o condão de preservar as relações comerciais pré-existentes en-tre as partes. Tal característica é de extrema relevância para os atores do setor de petróleo e gás, pois lhes permite conservar seus parceiros comerciais, muitas vezes de longa data, e seguir adiante com os contratos de longo prazo já firma-dos, por vezes essenciais para o prosseguimento de suas atividades.

A celeridade do procedimento é também atraente para as empresas do setor. Estas têm a necessidade de resolver, na maior brevidade possível, as contendas, que acabam por atrasar a execução dos contratos e a prestação dos serviços, atrasando pagamentos e gerando prejuízos financeiros de grande monta.

O baixo custo da mediação é outro aspecto de interesse para os agentes do se-tor. Em caso de recurso ao Judiciário ou a procedimento arbitral, os gastos com a resolução do conflito serão, certamente, muito maiores do que aqueles incorridos no processo de mediação.

23.4 Conclusão

A nosso ver, a mediação merece incentivo no setor de petróleo e gás, na medida em que oferece vantagens essenciais às empresas nele atuantes, quando estas tiverem situações de conflito a resolver.

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Fatores como celeridade, autocomposição (não imposição de decisão de terceiro, que pode não conhecer tão bem as especificidades do setor), redução de custos, confidencialidade e preservação das relações pré-existentes entre as partes justificam sua adoção em larga escala.

Sabe-se que os agentes do setor são praticamente os mesmos, e suas posições e interesses se repetem, assim como os contratos firmados e os conflitos deles de-correntes. Basicamente, trata-se de uma rede conhecida de fornecedores de bens e serviços para as petroleiras. A manutenção do relacionamento comercial entre esses agentes é, portanto, essencial para o sucesso de sua atividade econômica, e não é razoável admitir que um conflito seja suficiente para causar o rompimento de relação contratual de longo prazo e lucrativa.

Tal realidade justificaria um comprometimento institucional por parte des-ses agentes para com a adoção da mediação como forma de resolução de confli-tos do setor, fortalecendo o processo em geral.

Como sugestão, é de se considerar a criação de câmara de mediação es-pecializada em controvérsias advindas especificamente do setor de petróleo e gás, de modo a conferir ainda maior celeridade, economia e segurança aos agentes do setor ao submeter seus conflitos à mediação. O amplo entendi-mento de um conflito recorrente nessa área tem a possibilidade de permitir ao mediador conhecer melhor as causas do referido conflito, capacitando o mediador, com experiência e tempo, a abordar a controvérsia e a conduzir o processo de forma a otimizar a busca pelo consenso do modo mais célere e satisfatório para as partes.

Por ora, hábito salutar ao setor seria a inclusão de cláusula de mediação nos contratos relativos às transações nessa área, de maneira a prever que as partes, em caso de conflito, primeiro recorrerão à mediação, para, então, em caso de insucesso, perseguir outras vias de resolução, como a arbitragem ou o Judiciário.

A esse respeito, a previsão contratual de mediação deverá conter, no mí-nimo, o prazo para a realização da primeira reunião, seu local, os critérios de escolha do mediador e a penalidade em caso de não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação. Alternativamente, os itens acima podem ser substituídos pela indicação, na cláusula de mediação, de regulamento publicado ou adotado por câmara de mediação no qual constem claramente esses critérios.

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PARTE VII

TEMAS DE GÁS NATURAL E GNL

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24. A integração entre a produção de gás natural e a geração de energia elétrica

Ricardo Martinez de Almeida

Muito se tem comentado acerca da integração entre a produção de gás natural e a geração de energia elétrica no Brasil, uma vez que são dois mer-cados bastante diversos e cujas indústrias se desenvolveram a partir de di-nâmicas distintas. O assunto se afigura tão mais polêmico e interessante quando se nota que, mesmo em economias maduras e com mercados em funcionamento há muito mais tempo que no Brasil, ainda existem barreiras significativas entre os modelos comerciais, regulatórios e operacionais entre os dois setores.

A integração com o setor elétrico ainda é um dos desafios para o deslanche do setor de gás natural no País, já que aquele setor corresponde a aproximada-mente 50% do mercado deste último. A relação ainda é marcada pela tensão, já que, por um lado, a área de energia pede a flexibilidade das térmicas abastecidas pelo combustível, ao passo que, por outro lado, o mercado de gás quer a sua in-flexibilidade. Com uma boa previsão de oferta de gás natural para os próximos anos, há necessidade de se ter um mercado local para esse montante disponível.

“Precisamos criar mecanismos para que o gás possa ser vendido no País”, avisou o Diretor-Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, que participou, em 26 de setembro de 2017, do Seminário de Gás Natural, promovido pelo Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), no Rio de Janeiro.

A importância das térmicas a gás vem na esteira da grande inserção de fon-tes renováveis na matriz brasileira, cuja natureza operativa é de intermitência. As termelétricas aparecem naturalmente como suporte a essas fontes, já que são despacháveis. Nesse panorama, as térmicas supridas por terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL) têm papel de destaque, uma vez que a oferta desse insumo é abundante atualmente, em razão do aumento da produção mundial

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de gás natural e, especialmente, pelo incremento da produção do gás de xisto (shale gas) norte-americano.

O programa Gás para Crescer – proposta criada pelo Governo para alterar as regras do mercado de gás de modo a atrair mais investimentos – é uma das esperanças para o incremento do mercado. Por outro lado, a Chamada Pública 33, que trata do novo modelo do setor elétrico, também prevê mudanças. As duas propostas devem ser formatadas para ser enviadas pelo Governo ao Con-gresso, o qual, por sua vez, dificilmente abordará o assunto em futuro próximo, até mesmo em razão das eleições de 2018, que se aproximam.

Em vista do acima exposto, os presentes comentários não têm a pretensão de oferecer soluções para o assunto, mas apenas de situar o leitor quanto aos princípios da discussão ora em curso no âmbito da iniciativa Gás para Crescer, que, esta sim, pretende alcançar saídas para os problemas de integração das indústrias em comento.

24.1 Histórico da legislação de petróleo e gás natural

no Brasil

Nesse particular, gostaríamos de chamar a atenção do leitor para a Car-tilha do Direito do Petróleo no Brasil (Vieira Rezende Advogados, Ed. Lumen Juris, RJ, 2016), trabalho coordenado pelo renomado Dr. José Carlos Ribeiro Filho e que esgota a matéria em sua Parte I, mais especificamente em seus itens 1, 2 e 3.

24.2 Breve histórico da legislação de geração de energia

elétrica no Brasil

Nos últimos vinte anos o setor elétrico brasileiro foi alvo de uma série de mudanças introduzidas pelo Governo Federal. Tradicionalmente, a geração, a transmissão e a distribuição de energia elétrica no Brasil se caracterizava pela centralização e forte presença de empresas estatais, fossem elas federais ou es-taduais. Com o passar dos anos, várias empresas estatais do setor foram priva-tizadas, uma agência reguladora foi criada e introduzido um novo setor privado como participante do mercado.

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Em meados da década de 1990, a partir de um projeto de reestruturação do setor elétrico brasileiro, denominado Reseb, o Ministério de Minas e Energia (MME) preparou as mudanças institucionais e operacionais que culminaram no atual modelo do setor.

Com a publicação da Lei nº 9.074/1995, que estabeleceu normas para ou-torga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos, o setor começou a se flexibilizar, principalmente com a introdução das figuras do pro-dutor independente de energia elétrica e do autoprodutor de energia elétrica.

A publicação da Lei nº 9.427/1996, que disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a fim de regular e fiscalizar a produção, a transmissão, a distribuição e a comercialização de energia elétrica no Brasil.

Com a finalidade de reestruturar o setor elétrico, o modelo adotado no Brasil a partir dos diplomas legais acima mencionados caracterizou-se pela separação dos serviços inerentes ao setor e pela inibição da verticalização das atividades da indústria, como a geração de energia elétrica e sua posterior transmissão e dis-tribuição. A descentralização do setor elétrico carecia, ainda, da existência de órgãos de controle e inspeção das instalações e serviços da indústria, e, assim, foram criados, além da Aneel, acima citada, o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), por meio das Leis nº 9.648/1998 e nº 10.433/2002, assim como do Decreto nº 2.655/1998, que regulamentou o MAE e define as regras de organização do ONS.

Não obstante as alterações introduzidas no Sistema Elétrico Brasileiro (SEB), o País sofreu um racionamento de energia em 2001. Alguns estudiosos do setor atribuem o racionamento, entre outros fatores, à falta de planejamento efetivo e também de monitoramento eficaz centralizado. Foi então que, a partir de 2004, novos ajustes ao modelo foram feitos pelo Governo com o intuito de reduzir os riscos de falta de energia e melhorar o monitoramento e o controle do sistema. Nesse ano de 2004 foram sancionadas as Leis nº 10.847 e nº 10.848, a primeira criando a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e a segunda estabelecendo o Modelo Institucional do novo setor elétrico brasileiro (NMSE) e criando a Câ-mara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que absorveu as funções do MAE e suas estruturas (vide igualmente a respeito o Decreto nº 5.177/2004).

Apesar de alterações significativas em alguns mecanismos inicialmente pre-vistos, como o de compra de energia por parte das distribuidoras, pode-se dizer que a espinha dorsal do modelo dos anos 1990 foi preservada em 2004. Todavia,

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um novo capítulo na história do setor elétrico iniciou-se com a Medida Provisó-ria (MP) 579, de setembro de 2012. Nessa MP, posteriormente convertida na Lei nº 12.783/2013, empresas geradoras e transmissoras puderam renovar antecipa-damente seus contratos de concessão desde que seus preços fossem regulados pela Aneel. Principalmente devido à regulação dos preços das geradoras que aceitaram os termos da MP, observou-se significativa mudança no contexto ins-titucional do setor elétrico: empresas geradoras que outrora atuavam em ambiente competitivo passaram a ter seus preços regulados, da mesma forma que já ocorria com as distribuidoras e transmissoras, consideradas monopólios naturais.

24.3 Competência para legislar sobre a matéria – CF

A competência legislativa para dispor sobre energia é da União Federal, consoante se observa do Artigo 22, inciso IV, da CF/1988. Ocorre que na te-mática energia insere-se também o gás natural, cuja normatização atinge outras competências atribuídas aos demais entes federados.

O legislador constituinte, ao redigir a Constituição Federal de 1988, não de-finiu um critério para a diferenciação do que seriam as atividades de transporte e de distribuição local de gás canalizado. De fato, atribuiu competência à União para legislar acerca da atividade de transporte (CF/1988, art. 177, IV, § 1º c/c art. 22, VIII e XI), enquanto outorgou aos Estados-Membros a competência para legislar sobre os serviços locais de gás canalizado (CF/1988, art. 25, § 2º); o que pode gerar atritos entre os entes federados, haja vista as possíveis interpretações sobre o que sejam, afinal, tais serviços locais de gás canalizado, posto que o transporte de gás natural, embora possa ser feito por via marítima ou fluvial (embarcações), ou mesmo por via rodoferroviária (caminhões e trens), de fato ocorre, na grande maioria dos casos no Brasil, igualmente pela via canalizada (gasodutos).

Embora a Lei do Petróleo tenha trazido definições técnicas para conceitu-ar cada um dos segmentos da cadeia, compete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, com a consequente interpretação de suas normas. Nesse diapasão, pode-se argumentar que a Lei Federal que supra competências atribuídas aos Estados-Membros padecerá do vício de inconstitucionalidade, por ferir a forma federativa do Estado.

Consequentemente, quase todos os Estados-Membros constituíram socie-dades de economia mista detentoras da concessão estadual de exploração dos

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serviços locais de gás canalizado (malha de distribuição), bem como criaram seus respectivos órgãos reguladores, sendo que alguns, como os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, inclusive já privatizaram suas concessionárias.

24.4 Principais contratos de ambas as indústrias

O Power Purchase Agreement (PPA) é o contrato de compra e venda mercantil de energia elétrica, sendo comprador o consumidor (ou distribuidor) de energia elétrica e vendedor o gerador. Determina basicamente os valores negociados, a energia elétrica negociada, as condições, os prazos e as cláusulas de correção e reajuste, de rescisão e de penalidades.

O Gas Supply Agreement (GSA) é o contrato de compra e venda mercantil de gás natural (também comprimido ou liquefeito - GNL), sendo o comprador o consumidor (ou distribuidor) de gás e vendedor o produtor, estabelecendo basicamente os valores negociados, o gás e sua composição, as condições, os prazos, a correção e os reajustes, além das condições de retirada de frações nobres (quando for o caso), volumes e demais cláusulas contratuais de praxe, inclusive penalidades.

O Gas Transportation Agreement (GTA) é o contrato de transporte do gás natural (também comprimido, ou GNL), sendo o carregador o tomador do ser-viço (ou shipper) e o transportador (ou carrier) o prestador do serviço (inclusive por gasoduto), estabelecendo basicamente os volumes, o preço, as condições, a composição, os prazos e os locais de carregamento e entrega, bem como as demais cláusulas de praxe, inclusive penalidades.

É de se notar que cada um dos contratos acima mencionados obedece a lógicas de produção (ou serviço), de mercado e regulatórias distintas entre si.

24.5 Diferenças no transporte de gás – Modalidades

Conforme já tivemos a oportunidade de comentar acima, as térmicas mo-vidas a gás natural liquefeito (GNL) estão em evidência pela abundância de oferta, devido ao incremento da produção mundial e, principalmente, ao shale gás norte-americano. Nesse particular, convém notar que o GNL é gás natural submetido a enormes pressões atmosféricas, por meio de processos criogênicos, de tal forma que se liquefaz, concentrando, assim, muito maior quantidade por

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volume do que o gás natural comprimido, otimizando seu transporte por em-barcações, trens ou caminhões.

A produção brasileira de gás natural aumenta constantemente, graças também aos volumes do pré-sal. Além do gás nacional, o Brasil também importa grandes quantidades do produto da Bolívia, através do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), e de outros países na forma de GNL utilizando na-vios especiais para esse transporte, os quais aportam por aqui nos terminais de GNL já existentes. Nesse último caso, o GNL é regaseificado e injetado na malha de transporte (ou de distribuição, conforme o caso) para ser leva-do ao cliente final.

Por outro lado, o processo de liquefação do gás, bem como sua posterior regaseificação para utilização final, ainda é bastante caro, em comparação com a simples compressão para transporte pelos mesmos modais, e muito mais caro do que o gás natural transportado por gasoduto, que usa a compressão apenas para a movimentação da molécula dentro do duto. O problema passa a ser, então, de disponibilidade do produto (gás natural nacional ou importado) e de logística para o fornecimento do combustível às térmicas (existência ou não de gasodutos e disponibilidade de capacidade), de forma a produzir a energia ao menor custo possível. Entram nesse cálculo, igualmente, os custos de transmis-são da energia, esse com outras variáveis específicas. Daí a grande importância da localização da própria térmica para o custo final da energia produzida e sua competitividade nos leilões promovidos pela Aneel.

Em vista do acima exposto, salta aos olhos que o PPA, para manter a lógica de mercado, deve cobrir pelo menos todo o custo de financiamento e produção da energia elétrica, nele incluído aquele do combustível utilizado (no caso, o gás natural) e sua logística de entrega (transporte, distribuição e regaseificação, conforme o caso), além dos impostos incidentes. Como ambas as indústrias têm lógica e regulamentação diversas, a exemplo do já comentado acima, a integra-ção entre os setores não é tarefa simples.

Para o consultor Adriano Pires, o único lugar em que a integração entre gás e setor elétrico aconteceu de fato foi no Parnaíba, onde a Eneva tem campos de gás e um complexo termelétrico. Segundo Pires, a história do gás no Brasil ainda precisa ser “escrita”. Ele conta que governos anteriores já tiveram oportu-nidades, como na década de 1990 e na criação da Lei do gás, de fazer esse mer-cado deslanchar, mas preferiram se omitir ou reforçar o monopólio da Petrobras.

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Agora, diz ele, há uma nova chance, uma vez que existe no mundo uma oferta crescente de gás, com GNL e o shale gas. No Brasil, além da alta ofer-ta, a Petrobras ainda vai vender parte de seus ativos. Ainda de acordo com Pires, o Governo brasileiro tem um cacoete de ser intervencionista demais, não acreditando no mercado. Se o Governo quer mercado, deve criar uma legislação que facilite isso. “O livro está em branco, tem que decidir se quer ser marcado ou não”, aponta (Fonte: Canal Energia, 02/10/2017).

24.6 Diferenças entre as térmicas em mercados isolados

ou despachando na base e aquelas interligadas com

despacho por autorização do ONS

É importante notar que o SEB é formado pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), abrangendo a maior parte do País, e sistemas isolados, notadamente na região Norte. Assim, a energia produzida em determinada região pode ser en-tregue em outra região utilizando-se a interligação do sistema, exceto no caso dos sistemas isolados, não interligados.

Dessa maneira, no caso de térmica localizada em sistema isolado, ou ainda que seja despachada na base (despacho ininterrupto, constante), a adequação das duas indústrias é tarefa menos complicada, na medida em que a térmica consumirá sempre determinados volumes de gás conforme as previsões. Nesse caso, o GSA deverá ter volumes constantes ou em rampas pré-definidas, e o comprador do gás não terá problemas com eventual cláusula de Take or Pay, normalmente exigida pelo vendedor de gás para assegurar o repagamento do seu investimento para garantir a entrega nos volumes e prazos acordados.

No caso da hipótese, da mesma forma o comprador do gás não deverá ter problemas com eventual cláusula de Ship or Pay no transporte do gás e que nor-malmente é exigida pelo transportador para, da mesma forma que o vendedor de gás, garantir a capacidade de transporte nos volumes e prazos convencionados.

Diferentemente da hipótese acima colocada, quando a térmica depende de despacho do ONS para produzir energia, o que normalmente depende das variações hidrológicas nas diversas regiões do País, a situação se complica. Com efeito, se a térmica não sabe com certeza quando e por quanto tempo deverá produzir energia, também não saberá por quanto tempo precisará do

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volume de gás necessário para produzi-la. Assim sendo, os valores financeiros necessários para assegurar o fornecimento e eventual armazenamento do gás natural em volumes compatíveis podem tornar o preço final da energia proibi-tivo, o que requer sofisticados cálculos com base nos retrospectos hidrológicos do Brasil, que, por sua vez, estão mudando rapidamente e dificultando esse “exercício de futurologia”.

Lembramos que no Brasil ainda não existem depósitos específicos para armazenamento de gás natural (cavernas de sal, tanques especiais, etc.), pro-duto que se dispersa naturalmente com grande facilidade. Até mesmo o GNL tem uma taxa de perda natural diária. Assim, na prática é a malha de gaso-dutos que tem servido como “armazenamento” do gás natural, o que, eviden-temente, não é a situação ideal.

Uma das alternativas em estudo para mitigar o problema é a criação de mercado spot, interruptível, portanto, com capacidade para absorver os volumes não consumidos pelas térmicas enquanto não despachadas. Alternativas em es-tudo passam pela tentativa de adequação da legislação vigente para aproximar os conceitos de ambas as indústrias, ou mesmo buscar compatibilizar os contra-tos específicos no que diz respeito às cláusulas de penalidade. Nesse particular, convém notar que o mercado de energia elétrica é muito maior que o mercado de gás natural, o que pode, eventualmente, trazer problemas para a indústria de gás natural em face de penalidades com base no custo da energia que se deixou de produzir por eventuais falhas de fornecimento.

Aqui gostaríamos de novamente chamar a atenção do leitor para a já men-cionada anteriormente Cartilha do Direito do Petróleo no Brasil (Vieira Rezende Advogados, Ed. Lumen Juris, RJ, 2016), que em seu item 22 trata das Limitações ao Dever de Indenizar no Âmbito dos Contratos da Indústria de Óleo e Gás.

24.7 Conclusão

O Programa Gás para Crescer diz respeito à discussão das diretrizes para o novo mercado de gás natural do Brasil, que entraram em consulta pública no dia 03/11/2016 no site do MME. O documento Diretrizes Estratégicas para o desenho de novo mercado de gás natural no Brasil, criado pelo MME em conjunto com a EPE e a ANP, lançou as bases para a discussão dos temas relevantes com diversos agentes do setor, tais como a Associação Brasileira das Empresas Dis-

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tribuidoras de Gás Canalizado (Abegas), Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), Associação Brasileira de Gran-des Consumidores Industriais de Energia (Abrace), Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), MME, Aneel, ANP, EPE, IBP, NOS, Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), órgãos do Ministério do Planejamento e a Petrobras, razão pela qual nutre grandes expectativas em relação aos seus avanços e futuros resultados.

“Pela ótica regulatória, os tipos de mercado implementados nos setores de gás e eletricidade definem a extensão e a dinâmica de suas interde-pendências. Estruturas de mercado flexíveis facilitam essa prática, neces-sária para chegar a um equilíbrio entre os preços das duas commodities. Por exemplo, em mercados maduros, as empresas podem arbitrar entre consumir o gás para vender energia elétrica no mercado elétrico, ou re-vender previamente os contratos de gás no mercado de gás e comprar energia elétrica para atender seus compromissos. Isto permite uma inte-ração entre os preços no mercado de energia elétrica e de gás, sinalizan-do corretamente o valor de cada produto. Atualmente apenas os Estados Unidos possuem, de forma significativa, mercados spot líquidos de gás que funcionam de forma relativamente harmoniosa com seus mercados spot de eletricidade, graças também à elevada produção e extensa infra-estrutura de gasodutos já disponível no momento da implementação de tais mercados. Mesmo assim, nos Estados Unidos há muita discussão em sobre como aumentar a convergência destas duas indústrias.” (Extraído do Anexo 5: Harmonização Gás Natural e Energia Elétrica)

Não obstante toda a discussão atual sobre o tema proposto nos presentes comentários, é interessante notar não só que existem termelétricas a pleno funcionamento no Brasil (em sistemas isolados e interligados), como tam-bém que novos projetos surgem com alguma frequência, a exemplo do que se percebe dos últimos leilões levados a efeito pela Aneel. Se novos projetos surgem mesmo ante as dificuldades verificadas atualmente, cremos não haver razões para se temerem eventuais estagnações da produção de energia elétrica a gás natural, até mesmo porque esse combustível tem evidentes vantagens de preço e de nível de agressão ao meio ambiente em comparação aos demais combustíveis disponíveis.

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25. O gás natural no Brasil

Ricardo Martinez de Almeida

25.1 O que é o gás natural

O gás natural tem origem fóssil, resultando da decomposição da matéria orgânica no interior da Terra. É composto por uma mistura variável de ga-ses, na qual predomina o gás metano, e apresenta-se na natureza de forma inodora e incolor, sendo normalmente odorizado artificialmente antes de ser distribuído ao consumidor final, por motivos de segurança.

Da combustão do gás natural resulta dióxido de carbono e vapor de água, o que faz desse combustível uma fonte de energia segura, com emissão reduzida de poluentes e que pode ser usada na indústria, no comércio, em veículos e domicílios.

Na indústria, o gás natural é usado como fonte de calor, geração de eletrici-dade e força motriz, bem como matéria-prima no setor químico, petroquímico e nos fertilizantes. Também usado no setor de transportes, esse combustível tem larga utilização nos domicílios e edifícios em geral, para aquecimento de ambientes, de águas sanitárias e para cozinhar.

As reservas de gás natural são vastas e dispersas geograficamente, sendo que as reservas convencionais conhecidas representam mais de 200 anos do consumo global atual.

25.2 Breve histórico

Embora conhecido desde a Pérsia antiga entre 6000 a.C. e 2000 a.C., quan-do, segundo algumas indicações históricas, era usado para manter aceso o “fogo eterno” – símbolo de uma seita local –, o gás natural foi descoberto na Europa no século XVII, embora sem despertar muito interesse, pois o gás de iluminação pública na Europa, a partir de 1790, era produzido a partir do carvão.

Em 1821 as ruas de Fredonia, perto de New York, eram iluminadas por gás natural, simplesmente porque este brotava de um buraco no chão na saída

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da cidade. A canalização era feita de madeira e chumbo, podendo-se, assim, imaginar a insegurança gerada para as pessoas, quer em termos de potenciais explosões, quer em termos de envenenamento. Devido à falta de mecanismos confiáveis para seu transporte até as casas, não se utilizava o gás natural para aquecimento, cozinha e outros usos comerciais ou industriais, sendo este usado apenas para iluminação pública. Desde o início do século XX a eletricidade substituiu o gás e se tornou a principal fonte de iluminação.

Foi após a Segunda Guerra Mundial que o transporte de gás por gasoduto teve sua expansão. Foram os avanços resultantes da guerra na metalurgia, na solda e na produção de tubos de melhor qualidade que permitiram o rápido desenvolvimento do transporte de gás. Uma vez que as redes de transporte e de distribuição se expandiram, as indústrias e as centrais térmicas passaram a ser importantes clientes do gás natural. O gás natural é, atualmente, muito utilizado para a produção de energia elétrica, e para esse fato muito contribuiu a tecnologia do ciclo combinado, em que o rendimento é muito superior ao das centrais térmicas convencionais.

As preocupações com o aquecimento global e a sustentabilidade vieram reforçar o papel do gás natural como fonte energética global. O gás natural é uma fonte de energia conveniente, segura, mais limpa e com um preço mais competitivo que o de outros combustíveis normalmente utilizados (carvão, óleo, etc.). Essas características fazem do gás natural a fonte energética mais adequada para uma vasta gama de utilizações. Atualmente, é a principal fonte de energia utilizada pela maioria dos países da Europa, da Ásia e da América do Norte, além de vários países dos demais continentes, nos setores domésti-co, terciário e industrial. Até mesmo os navios estão sendo convertidos para o uso de gás natural, e até 2020 vários portos importantes do mundo estarão fechados para navios a óleo combustível (Fonte: Associação Portuguesa das Empresas de Gás Natural – AGN).

25.3 O gás natural no Brasil

A história da utilização de gás no Brasil começa com a instalação das pri-meiras lâmpadas a gás, produzido a partir de carvão mineral, no Rio de Janeiro, em 1854. Ao longo do século XX também são utilizados hulha e nafta para a

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produção de gás, sendo que o gás liquefeito de petróleo (GLP) começou a ser utilizado para cozinha em 1936.

O gás natural começou a ser utilizado no Brasil na década de 1950, com sua produção tendo início na região Nordeste, no Estado da Bahia, quan-do era praticamente toda destinada às indústrias. Os fatores climáticos do Brasil não pressionavam a produção local, visto que era considerado desne-cessário para o aquecimento de interiores, ao contrário de outros países do continente, como Argentina e Chile. Na região Sudeste esse combustível começou a ser produzido a partir dos anos 1980, na Bacia de Campos, Esta-do do Rio de Janeiro.

Alguns planos governamentais foram iniciados a partir da segunda metade da década de 1980, quando se assinaram contratos para compra de gás natural da Bacia de Campos para São Paulo. O Plano Nacional do Gás Natural (Plan-gas), do MME, lançado em 1987, não teve resultados conclusivos. Foi seguido de um segundo plano, iniciado em 1992, com o objetivo de ampliar a participação do gás natural de 2% para 12% na matriz energética até o final da década de 1990 (Fonte: Cadernos FGV Energia 2014).

É importante notar que a partir da segunda metade da década de 1990 o Governo brasileiro decidiu comprar gás natural da Bolívia e, para tanto, iniciou a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil, tudo por intermédio da Petrobras. A Petrobras firmou os contratos de compra e venda de gás natural com sua corres-pondente boliviana e construiu o Gasbol para importar o gás através do Estado de Mato Grosso do Sul e levá-lo até o Estado do Rio Grande do Sul, passando, ainda, pelos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Naquele momento, acreditava-se que a maior disponibilidade de gás natural proporcionada pelo aumento da produção nacional, acrescida da importação do país vizinho, seria suficiente para desenvolver o mercado interno de gás natural. Entretanto, embora a demanda do mercado brasileiro fosse grande, os custos da construção da infraestrutura necessária, acrescidos do preço do gás natural importado, fizeram com que o preço final do combustível ficasse bem acima do preço do gás natural nacional.

Diante da necessidade de estimular a construção de térmicas para atender às deficiências do sistema elétrico brasileiro, no ano 2000 o Governo criou o Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), que previa a construção ime-diata de termelétricas movidas a gás natural em todo o território nacional. No entanto, entre as condições do PPT constava que a Petrobras deveria fornecer

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grandes quantidades de gás natural às futuras térmicas a preços diferenciados, o que, em acréscimo às demais deficiências regulatórias tanto na área de gás natural quanto na área elétrica, levou à insuficiência da potência instalada e à crise elétrica de 2001, popularmente conhecida como “apagão”.

Em 2006, a Petrobras lançou outro Plangas, o Plano de Antecipação da Produção de Gás Natural, contemplando projetos em exploração e produção, processamento e transporte de gás natural, de forma a aumentar a oferta de gás natural para 55 milhões de metros cúbicos por dia até o final de 2010.

Na última década, as reservas brasileiras de gás natural aumentaram con-sideravelmente, principalmente após a descoberta de petróleo e gás associado nas camadas do pré-sal da costa brasileira. Assim como as reservas, o consu-mo de gás natural também aumentou na última década, fazendo, inclusive, com que o Brasil importasse gás natural liquefeito (GNL) para atender parte do mercado representado por térmicas (Fonte: Instituto de Energia e Am-biente – Universidade de São Paulo).

25.4 Conclusão

A história recente mostra que o gás natural, por suas características como combustível, sempre revolucionou mercados e induziu o desenvolvimento in-dustrial das regiões que o adotaram como parte significativa de suas respectivas matrizes energéticas.

No Brasil, embora continue não sendo necessário para aquecimento de in-teriores na maior parte do território, o gás natural já é largamente utilizado em domicílios para aquecimento de água e cocção, além de nas áreas de transpor-tes, comercial, industrial e na produção de energia elétrica. Se levarmos em consideração o fato de sermos um país que ainda dispõe de fronteiras a serem desbravadas e desenvolvidas, maior ainda é a importância do gás natural entre nós e da necessária infraestrutura para sua utilização eficiente.

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POSFÁCIO

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26. A recuperação do setor de óleo e gás após 2016

José Carlos Ribeiro FilhoCarlos Maurício Maia Ribeiro

Os originais desta segunda edição da Cartilha do Direito do Petróleo no Brasil estão sendo enviados à editora às vésperas de uma nova edição da Rio Oil & Gas e, mais importante, das eleições gerais de 2018, devendo ser publicados quando o País já tiver escolhido um novo Presidente da República, que terá, entre suas várias e urgentes responsabilidades, a de conduzir, em parceria com o Congresso Nacional e com a sociedade brasileira, o processo de recuperação da combalida economia nacional. Nessa árdua e premente empreitada, o novo governo contará, desde logo, com os dois setores da economia que, quando bem regulados e administrados, têm uma enorme capacidade de geração de riqueza. São eles o Agronegócio, que tem sido o grande baluarte da economia brasileira, e a indústria de petróleo e gás (O&G), que mostra claros sinais de recuperação.

Com efeito, ao cabo de quatro anos de crise econômica severa, dos quais dois foram de depressão, período no qual a indústria de O&G tanto sofreu, seja pela queda no preço internacional do barril de petróleo, seja pela regula-ção equivocada do setor, seja, ainda, pelos desmandos ocorridos no seio e no entorno da Petrobras, fato é que, desde o final de 2016, essa indústria começou a reagir. Tal reação tem sua origem no momento em que as duas principais en-tidades representativas do setor – o IBP e a ABESpetro – passaram a trabalhar juntas no convencimento do Governo Federal e do Congresso Nacional, ainda nos estertores do Governo Dilma, da necessidade de mudanças no arcabouço regulatório da indústria de O&G no País.

Foi essa ação coordenada, com a qual também contribuíram outras en-tidades e algumas empresas, que lançou as bases da recuperação que se iniciou há dois anos, já no Governo Temer, o que pôde ser sentido pelo otimismo, ainda que cauteloso, verificado na acanhada edição da Rio Oil & Gas de 2016. Tal otimismo tinha sua principal razão de ser no realinhamen-to da política governamental para o setor, que deixou de ser orientada por

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uma ideologia político-econômica equivocada, passando a ser dirigida por políticos mais clarividentes e por técnicos mais capacitados. Exemplos cla-ros dessa mudança de rumo virtuosa encontram-se na elogiada atuação do jovem Ministro de Minas e Energia e de sua equipe técnica; na nomeação de um Diretor-Geral para a ANP egresso do setor privado, com larga expe-riência e grande habilidade gerencial, que recuperou a relevância e a missão daquela agência reguladora; e, não menos importante, na nomeação de um experimentado e exitoso gestor de crises para a Presidência da Petrobras, que conduziu, com firmeza e eficiência, o profundo choque de gestão na então enfraquecida e desacreditada companhia, cujos resultados positivos já são palatáveis desde meados do corrente ano.

Nesse período de transição e esperança surgiu uma inédita aliança entre o Governo Federal, o Congresso Nacional e a indústria de O&G, forjada no trabalho árduo e na busca por um objetivo comum, qual seja o da recuperação de tão importante setor da economia brasileira, aliança essa que se fortaleceu na confiança mútua que acabou por se estabelecer entre os diversos atores dessa dura empreitada. Tal aliança e comunhão de objetivos foi muito claramente sentida nas duas últimas edições da OTC, em Houston, onde a atuação harmô-nica e coordenada dos setores público e privado brasileiros passou a necessária mensagem de que o Brasil estava corrigindo seu rumo, e a indústria de O&G era parte fundamental de tal mudança.

E os resultados dessa drástica e necessária mudança já se fizeram sentir com o grande sucesso dos leilões de pós e pré-sal realizados em 2017 e 2018, resulta-dos que se devem, em muito, às alterações na legislação do pré-sal, que levaram (i) à liberação da Petrobras do encargo de ser o operador único, ao mesmo tempo que tornou as áreas do pré-sal mais atrativas para as demais companhias de petróleo; (ii) à extensão do Repetro até o ano de 2040 e criação do Repetro--sped; (iii) à flexibilização dos requisitos de conteúdo local; (iv) ao programa de desinvestimento da Petrobras; (v) ao estabelecimento de um calendário de lei-lões de áreas no pós e pré-sal para os próximos anos; e (vi) à oferta permanente de blocos exploratórios, entre outras medidas.

Muito ainda precisa ser feito para que a recuperação da indústria de O&G no Brasil se consolide, e seus efeitos benéficos, tais como geração de empre-gos, renda, divisas e dividendos; investimentos em infraestrutura e P, D&I; reconstrução e crescimento do setor local de serviços e equipamentos sejam sentidos. Para tanto, é fundamental que o novo Governo Federal e o novo

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Congresso Nacional, que tomarão posse em janeiro de 2019, tenham cons-ciência da imperativa necessidade de manutenção da virtuosa aliança entre Estado e indústria, forjada com trabalho e dedicação, num momento dramá-tico da história nacional, que foi, certamente, o mais difícil por que já passou indústria de O&G brasileira.

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As mais recentes projeções, baseadas tanto em elementos ma-

croeconômicos como em fatores geopolíticos, indicam que a

Indústria do Petróleo será, ainda por muito tempo, uma das

principais geradoras de energia global, mantendo sua destaca-

da relevância na matriz energética mundial, na medida em que

engloba tanto o petróleo, que continuará a ter suas aplicações

tradicionais ainda por décadas, quanto o gás natural, que será

o principal combustível fóssil na transição para uma economia

de baixo carbono. Nesse contexto, nossa indústria não para de

evoluir e se modernizar, a � m de viabilizar a exploração e pro-

dução de hidrocarbonetos em águas profundas e ultraprofun-

das, merecendo destaque a já exitosa exploração e produção

na província petrolífera do Pré-sal brasileiro, que é reconhecida

pelo mercado internacional como sendo a mais atrativa área

o� shore mundial. Esta nova fronteira exploratória trouxe a ne-

cessidade de desenvolvimento de so� sticados equipamentos

e de inovações tecnológicas, assim como o aprimoramento de

normas regulatórias, tributárias, trabalhistas, ambientais e de

segurança operacional, bem como a formatação de contratos

e garantias para incentivar a participação de investidores. Este

II Volume da Cartilha do Direito do Petróleo no Brasil trata de

todos esses temas de forma objetiva, permitindo a compreen-

são imediata das matérias nele versadas.

ISBN 978-85-519-1105-1