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1 ILMO. SR. PRESIDENTE DA COMISSÃO PERMANENTE DE LICITAÇÃO – BANCO CENTRAL DO BRASIL Ref.: EDITAL DE CONCORRÊNCIA DEMAP nº 88/2015 - Alterado VIRTÚ ANÁLISE E ESTRATÉGIA LTDA. , inscrita no CNPJ/MF sob o nº 00.794.068/0001-90, com sede à Rua Prudente de Moraes, nº 985, sala 704, Ipanema, Rio de Janeiro – RJ, na qualidade de licitante na Concorrência n.º 88/15 - Alterado vem, por seus representantes legais abaixo assinados com fulcro no art. 5º, inciso XXXIV, da Constituição da República, art. 109, inc. I, “a” da Lei nº 8.666/93, bem como na Cláusula 7.3 do edital de licitação, apresentar: CONTRARRAZÕES em face do Recurso Administrativo interposto pela sociedade empresária META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA. no presente certame, com fundamento nos fatos e razões ora levadas a conhecimento desta Comissão Especial de Licitação. 1. DA TEMPESTIVIDADE De início, verifica-se que as contrarrazões ora apresentadas são tempestivas. O recurso administrativo foi recebido no dia 28/09/2016, tendo o prazo de 5 (cinco) dias úteis se iniciado no dia 29/09/2016 encerrando-se, por conseguinte, no dia 05/10/2016 de maio de 2016, na forma prevista no artigo 109, inc. I, “a” da Lei nº 8.666/93. 2. DA AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TÉCNICA 2.1. Considerações preliminares

ILMO. SR. PRESIDENTE DA COMISSÃO PERMANENTE DE …€¦ · Sociologia (Escola de Chicago). A licitante trata a observação direta – embora discorrendo de fato sobre observação

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ILMO. SR. PRESIDENTE DA COMISSÃO PERMANENTE DE LICITAÇÃO – BANCO

CENTRAL DO BRASIL

Ref.: EDITAL DE CONCORRÊNCIA DEMAP nº 88/2015 - Alterado

VIRTÚ ANÁLISE E ESTRATÉGIA LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob o

nº 00.794.068/0001-90, com sede à Rua Prudente de Moraes, nº 985, sala

704, Ipanema, Rio de Janeiro – RJ, na qualidade de licitante na Concorrência

n.º 88/15 - Alterado vem, por seus representantes legais abaixo assinados com

fulcro no art. 5º, inciso XXXIV, da Constituição da República, art. 109, inc. I,

“a” da Lei nº 8.666/93, bem como na Cláusula 7.3 do edital de licitação,

apresentar:

CONTRARRAZÕES

em face do Recurso Administrativo interposto pela sociedade empresária META

INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA. no presente certame, com

fundamento nos fatos e razões ora levadas a conhecimento desta Comissão

Especial de Licitação.

1. DA TEMPESTIVIDADE

De início, verifica-se que as contrarrazões ora apresentadas são

tempestivas. O recurso administrativo foi recebido no dia 28/09/2016, tendo o

prazo de 5 (cinco) dias úteis se iniciado no dia 29/09/2016 encerrando-se, por

conseguinte, no dia 05/10/2016 de maio de 2016, na forma prevista no artigo

109, inc. I, “a” da Lei nº 8.666/93.

2. DA AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TÉCNICA

2.1. Considerações preliminares

2

Um primeiro esclarecimento se faz, de imediato, necessário.

O recurso administrativo apresentado pela licitante META INSTITUTO

DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA limitou-se apenas a questionar aspectos

meramente formais, apresentando inverídicas alegações que não

correspondem à realidade dos fatos, tentando induzir esta Comissão

Permanente de Licitação ao erro com discussões acadêmicas que são naturais

em qualquer ciência.

Antes de demonstrar que os argumentos jurídicos trazidos pela

recorrente são despidos de qualquer razoabilidade e lógica, faz-se necessário

esclarecer que o próprio argumento fático afigura-se como mera retórica a fim

de confundir a Comissão Permanente de Licitação.

Em sua argumentação, a licitante afirma que a VIRTÚ ANÁLISE E

ESTRATÉGIA LTDA apresentou um atestado referente à realização de

pesquisa que teria utilizado “outra técnica”, Cliente Oculto. A licitante também

assevera que o atestado induziria “a uma confusão”, pois teria sido colocada

entre parêntesis, ao lado da expressão “cliente oculto”, a expressão

“observação direta”. E mais, no entendimento da licitante, a “técnica de cliente

oculto” seria “um tipo de observação muito distinto do procedimento

característico da técnica de observação direta”.

Para sustentar que haveria procedimentos distintos de observação, a

licitante META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA recorre a

uma conhecida falácia lógica: o apelo à autoridade (argumentum magister

dixit). Age, assim, ao afirmar que tal fato é “sobejamente sabido no meio das

empresas de pesquisa de mercado e de opinião, no meio acadêmico e na

literatura especializada sobre o assunto”.

Diferente do que afirma a licitante no documento por ela apresentado,

não fica provado que VIRTÚ ANÁLISE E ESTRATÉGIA LTDA tenha incluído

um atestado contendo o uso de uma técnica de coleta de dados que não a

observação direta, o que justificaria a inabilitação. Ao contrário, a licitante

META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA é que parece

desconhecer aspectos teóricos e conceituais sobre metodologia qualitativa, em

especial quanto às técnicas de coleta de dados, uma vez que confunde

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conceitos, e ignora os diferentes campos científicos onde são desenvolvidas e

aplicadas técnicas de observação direta.

Resumidamente, pretende-se demonstrar ao longo desse documento os

seguintes pontos:

A licitante META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA

confunde dois métodos distintos para coleta de dados qualitativos em

trabalhos de campo: observação direta e observação participante. Como

demonstraremos a seguir, a licitante caracteriza conceitualmente de

forma equivocada a observação direta, tratando-a como se fosse

observação participante. Esta última, sim, é uma técnica associada à

Etnografia, tendo surgido, entre o final do século XIX e início do XX, e

se desenvolvido de forma quase concomitante na Antropologia

(especialmente a partir do trabalho de Bronislaw Malinowski) e na

Sociologia (Escola de Chicago).

A licitante trata a observação direta – embora discorrendo de fato sobre

observação participante – como sendo uma criação exclusiva da

Antropologia. A observação direta, na verdade, é uma técnica de coleta

de dados qualitativos que vem sendo desenvolvida, aperfeiçoada e

utilizada em diferentes campos do saber, em alguns casos interagindo

com a Antropologia e a Sociologia, em outros sem interlocução alguma.

Está presente, por exemplo, na Psicologia, na Administração, no

Marketing, na Educação e Pedagogia, na Biblioteconomia, mas também

em áreas tecnológicas como Engenharia (especialmente na de

Produção), Informática e Análise de Sistemas, em áreas da saúde

(Enfermagem, Saúde Pública) e mesmo nas ciências da natureza como

a Biologia.

A licitante expressa desconhecimento sobre o que consiste a pesquisa

de Cliente Oculto, ao afirmar que difere da técnica de observação direta,

quando é justamente um exemplo particular de sua aplicação. Ao

contrário do exposto na argumentação, tal pesquisa não é

necessariamente realizada em períodos curtos (“cerca de 10 a 30

minutos”). O tempo de realização varia conforme o objeto do estudo

(empresa, órgão, estabelecimento, etc.), ou seja, seu porte, as

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atividades realizadas, a estrutura organizacional, os processos, os

horários disponíveis, a “natureza do cliente” (consumidores, usuários de

serviços públicos, stakeholders), etc. Além disso, envolve uma série de

etapas para que seja corretamente executada, o que estende em muito

o tempo necessariamente para sua realização. De fato, a técnica de

observação direta utilizada em pesquisas de cliente oculto demanda um

tempo significativamente inferior ao necessário para a correta execução

de uma pesquisa antropológica, com o uso da observação participante,

afinal esta técnica demanda meses e, por vezes, anos para sua

completude, o que certamente transcende os objetivos da presente

licitação.

O recurso administrativo da META INSTITUTO DE PESQUISA DE

OPINIÃO LTDA não passa de um sofisma, estruturado em um raciocínio que

apresenta uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente

enganosa. É o que se passa a demonstrar.

2.2. OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E OBSERVAÇÃO DIRETA SÃO

TÉCNICAS DISTINTAS

A licitante META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA, no

item II do recurso administrativo apresentado, cujo título é “Da Distinção entre

as Técnicas Denominadas Cliente Oculto e Observação Direta”, desenvolve,

como argumento central, que o atestado apresentado pela VIRTÚ ANÁLISE

E ESTRATÉGIA LTDA não contemplaria o uso da técnica de observação

direta. Para sustentar tal asserção, afirma-se que “a técnica de observação

direta originou-se nos estudos etnográficos, no final do século XIX e início do

século XX, realizados por Franz Boas e Bronislaw Malinowski, sobre

comunidades primitivas, que buscavam, por meio de um longo trabalho de

campo com a imersão do pesquisador no ambiente da população investigada,

identificar a estrutura de funcionamento da organização social observada e as

lógicas particulares características de sua cultura”.

Essa conceituação apresentada pela licitante está ERRADA. O nome

correto da técnica descrita é observação participante, e NÃO observação direta.

É importante esclarecer tais conceitos.

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O Dicionário de Ciências Sociais da UNESCO, na versão brasileira

editada, em 1986, pela Fundação Getúlio Vargas, registra no verbete

“observação”, que esta é uma “técnica científica de pesquisa” com origem nas

“ciências fisiconaturais, donde retiraram as ciências sociais”. Após dispor sobre

o caráter das ciências sociais e seu processo de formação, e apresentar

vantagens e limitações da técnica de pesquisa da observação, dispõe que a

“maioria dos textos sobre técnicas de pesquisa social coincide em distinguir

dois tipos de observação: a) a não estruturada, simples ou não controlada (que

por sua vez pode ser participante ou não participante); b) a estruturada ou

controlada (que pode ser sistemática ou experimental)”1

Discorrendo especificamente sobre observação participante, o verbete

faz uso de uma citação que afirma que tal técnica “permite penetrar no

pensamento e na maneira de sentir e atuar do grupo”, mas que “seus

resultados são pouco confiáveis e muito subjetivos, por causa da falta de

instrumentos de precisão e de controles efetivos sobre a exatidão dos

fenômenos observados”. Por discordarmos dessa última crítica, consideramos

ser importante entender no que consiste a observação participante. Para tanto,

é importante apresentar suas raízes na Antropologia e na Sociologia,

começando por estabelecer seu vínculo com a Etnografia e os trabalhos de

campo.

O Dicionário de Ciências Sociais da UNESCO registra de forma conjunta

os verbetes Etnologia e Etnografia. Sobre a última, afirma que o termo é

“amplamente usado nas obras antropológicas com referência aos estudos

descritivos das sociedades humanas, geralmente (embora não forçosamente)

as sociedades denominadas ‘primitivas’, que estão num nível relativamente

simples de desenvolvimento político e econômico”. Ao longo do século XX, por

terem os antropólogos se convertido em seus próprios etnógrafos, a distinção

entre Etnografia e Antropologia Social tornou-se confusa, segundo J. Beattie, o

autor original do verbete. O antropólogo Otávio Guilherme Velho, responsável

no verbete pela nota sobre o Brasil, observou que no país o termo Etnologia,

por influência francesa, ficou reservado ao estudo das sociedades indígenas,

1 Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1986.

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enquanto as expressões Antropologia Cultural e Antropologia Social, sob

influência norte-americana e britânica, tenderam a se combinar e a relativizar

o tratamento da questão de povos primitivos e não primitivos.

A técnica de observação participante constituiu-se no âmbito da

Antropologia Social, principalmente a partir do trabalho de Bronislaw

Malinowski, notadamente com a publicação, em 1922, de sua obra Argonauts

of the Western Pacific [MALINOWSKI, Bronislaw. Os Argonautas do Pacífico

Ocidental. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1976, na primeira

edição brasileira]. Polonês radicado na Inglaterra, Malinowski realizou entre

1914 e 1918 – período da Primeira Guerra Mundial – um trabalho de campo

junto a nativos do arquipélago Trobriand, situado na Melanésia, região

ocidental do Oceano Pacífico, interagindo com os locais e estudando seus

costumes.

Como salienta Guimarães (1975) na Introdução ao livro que organizou

com textos sobre Antropologia, Malinowski não foi o primeiro antropólogo a

realizar pesquisa de campo, tal como entendemos hoje, mas sim o primeiro a

elaborar sua teoria [GUIMARÃES, Alba Zaluar, org. Desvendando Máscaras

Sociais. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1975]. Embora não tenha

utilizado o termo observação participante, ele estabeleceu as bases da

Etnografia para o desenvolvimento dessa técnica de coleta de dados

qualitativos.

Na Etnografia, segundo Malinowski, o autor é, ao mesmo tempo, o seu

próprio cronista e historiador. As suas fontes, mesmo quando facilmente

acessíveis, são também extremamente evasivas e complexas: “não se

encontram incorporadas em documentos escritos, materiais, mas no

comportamento e na memória de homens vivos”. O etnógrafo deve vencer a

enorme distância entre o material bruto (suas observações, declarações dos

sujeitos, caleidoscópio da vida tribal) e a abalizada apresentação formal dos

resultados. Por isso, a Etnografia – e, por extensão, a técnica de observação

participante – demanda anos de trabalho [MALINOWSKI, Bronislaw. “Objetivo,

método e alcance desta pesquisa”. In: GUIMARÃES, Alba Zaluar, org.

Desvendando Máscaras Sociais. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves,

1975, esse texto é extraído da obra Argonautas acima referida].

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Como registra com propriedade Guimarães (1975), a rica experiência de

campo de Malinowski, assim como as bases metodológicas por ele lançadas,

“continuam a estimular a reflexão dos antropólogos sobre a sua prática

fundamental: a convivência diária com o ‘outro’ – os nativos ou estrangeiros,

os silenciosos ou silenciados – a fim de conhecê-los”.

Em 1974, o antropólogo brasileiro Roberto da Matta, quando lecionava

no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional,

escreveu um pequeno texto sobre o ofício do etnólogo, que logo se tornou uma

referência sobre o assunto, sendo publicado posteriormente em livros e

coletâneas. No seu texto, Da Matta afirmava que “vestir a capa do etnólogo é

aprender a realizar uma dupla tarefa que pode ser grosseiramente contida nas

seguintes fórmulas: (a) transformar o exótico no familiar e/ou (b) transformar

o familiar em exótico” [DA MATTA. “O ofício do etnólogo ou como ter

‘Anthropological Blues’”. In: NUNES, Edson de Oliveira (org). A Aventura

Sociológica. Objetividade, paixão, improviso e método na pesquisa

social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978].

Um dos textos mais originais na abordagem dessa “dialética” entre

familiar e exótico, foi apresentado em 1956 pelo antropólogo americano Horace

Miner. Intitulado “Body Ritual Among the Nacirema”, o pequeno ensaio foi

publicado no periódico American Anthropologist. O autor investigou as práticas

e crenças mágicas do povo Nacirema, cujos aspectos incomuns mereciam ser

descritos como exemplos dos extremos a que o comportamento humano pode

chegar.

A ironia do texto é que, na verdade, o autor estava profundamente

inserido na sociedade que era objeto de seu “estudo” – bastava que o leitor

mais atento lesse de trás para frente o nome do povo ao qual Miner se referia.

A originalidade do autor, para além do espírito jocoso, foi mostrar como é

possível, adotando-se uma postura específica, fazer uma “etnografia” que

mostrasse aspectos “exóticos” de uma comunidade familiar [o texto original

pode ser baixado ou lido neste link http://www.sfu.ca/~palys/Miner-1956-

BodyRitualAmongTheNacirema.pdf].

A Antropologia Social, ao longo do século XX, aperfeiçoou a técnica de

observação participante, passando a utilizá-la para estudar grupos sociais

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integrantes das próprias sociedades desenvolvidas. Esse processo foi facilitado

quando a tradição etnográfica da Antropologia aproximou-se dos estudos

sociológicos desenvolvidos, de forma quase concomitante, no âmbito da Escola

Sociológica de Chicago. Surgida na final da década de 1910, no contexto do

rápido crescimento da cidade onde se localizava e dos problemas dele

decorrentes (criminalidade, gangues, desempregos, imigração, guetos e

comunidades segregadas), a Escola de Chicago passou a se dedicar ao estudo

da Sociologia Urbana.

Aproveitando recursos da Psicologia Social, da Etnografia, da Ecologia,

da Estatística, a Escola de Chicago aprofundou o uso de métodos qualitativos

e quantitativos na Sociologia. No que se refere à área qualitativa, a Escola

preocupou-se fundamentalmente em aproximar-se do “outro”, aquele que já

estava ali “do lado”, nas periferias, nos guetos, nos agrupamentos sociais

menos privilegiados. Um dos frutos dessa aproximação foi o aperfeiçoamento

das técnicas de observação participante.

Em 1943, o sociólogo William Foote Whyte publicou, pela editora da

Universidade de Chicago, o livro Street Corner Society que se tornou um marco

nos estudos urbanos [WHYTE, William Foote. Sociedade de esquina: a

estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. Rio de Janeiro:

Zahar, 2005, a tardia versão brasileira]. Formado em Antropologia Social e com

doutorado em Sociologia, o autor incorporou as duas tradições em seu estudo,

contribuindo de forma decisiva para a consolidação da técnica de observação

participante.

No Brasil, tornou-se mandatório que os estudantes de Antropologia

Social e Sociologia, seja na graduação, seja nos programas de pós-graduação,

conhecessem a obra de Foote Whyte. Já nos anos 1970, o livro organizado por

Guimarães (1975) trazia um capitulo da obra intitulado “Treinando a

Observação Participante”. Em 2007, por conta da tardia publicação do livro,

Licia Valladares fez uma resenha do livro [VALLADARES, Licia. “Os dez

mandamentos da observação participante”. Revista Brasileira de Ciências

Sociais, vol. 22 n.63, São Paulo, fevereiro de 2007, disponível neste link

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-

69092007000100012].

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Valladares (2007) ressalta que o livro de Foote Whyte constitui um

verdadeiro guia da observação participante em sociedades complexas. Dentre

os aspectos apontados pela autora, destacamos: é um processo longo; o

pesquisador não controla a situação e não é esperado pelo grupo; há interação

pesquisador-pesquisado; o pesquisador deve se mostrar diferente do grupo;

precisa haver intermediários que “abram portas”; o pesquisador é um

observador que está sendo todo o tempo observado; a observação participante

implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos; é fundamental

haver uma rotina de trabalho; o pesquisador aprende com os erros que comete

durante o trabalho de campo e deve tirar proveito deles; o pesquisador é, em

geral, "cobrado", sendo esperada uma "devolução" dos resultados do seu

trabalho.

Diante do exposto, é surpreendente que a licitante META INSTITUTO

DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA, ao apresentar seu recurso

administrativo, tenha utilizado o conceito de observação direta para nomear a

técnica de pesquisa desenvolvida no âmbito da Antropologia Social (a partir de

Malinowski) e da Sociologia Urbana (Escola de Chicago). O conceito correto é

observação participante.

Uma visão sintética sobre as diferenças entre observação participante e

observação direta pode ser encontrada no site The Research Methods

Knowledge Base. Ao abordar alguns dos diferentes métodos qualitativos, são

apresentadas as diferenças entre os dois tipos de observação [Ver no link

http://www.socialresearchmethods.net/kb/qualmeth.php].

Observação Participante:

o Exige que o pesquisador se torne um participante na cultura ou

contexto que está sendo observado.

o Requer meses ou anos de trabalho intensivo, porque o

pesquisador precisa tornar-se aceito como uma parte natural da

cultura.

o Discute como entrar no contexto, qual o papel do pesquisador

como participante, a forma para coletar e armazenar as notas de

campo, bem como de analisar os dados de campo.

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Observação Direta:

o O pesquisador não busca tornar-se um participante do contexto,

mas se esforça por ser o mais discreto possível para não enviesar

as observações.

o Não é exigida uma perspectiva distanciada, pois o pesquisador

está assistindo ao invés de tomar parte.

o Há mais foco, pois o pesquisador está observando determinadas

amostras de situações ou pessoas, e não tentando tornar-se

imerso no contexto inteiro.

o Não demora tanto tempo quanto a observação participante.

2.3. OBSERVAÇÃO DIRETA E SEUS DIFERENTES CAMPOS DE

ATUAÇÃO

Como visto na seção anterior, a técnica de observação direta não é a

mesma coisa que a técnica de observação participante. Ao contrário desta

última, não foi uma criação da Antropologia, a partir dos trabalhos etnográficos,

como afirma a licitante META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO

LTDA em seu recurso.

O desenvolvimento – e o aperfeiçoamento – da técnica de observação

direta envolveu diferentes campos do saber. Por vezes, tal processo ocorreu

mediante diálogo com a Antropologia e a Sociologia, e em outras situações de

forma paralela, como no exemplo a seguir.

Entre as décadas de 1920 e 1930, na fábrica da Western Electric

Company, situada em Hawthorne, na área de Chicago, estudiosos da Psicologia

Organizacional e Industrial realizaram uma pesquisa com alguns trabalhadores,

utilizando a técnica da observação direta. O objetivo inicial era investigar a

relação existente entre a iluminação e a eficiência dos operários, e como isso

se manifestaria na produção. Posteriormente, a pesquisa estendeu-se para

outros aspectos, como fadiga e acidentes no trabalho, a rotatividade do pessoal

(turnover) e os efeitos das condições de trabalho sobre a produtividade.

A pesquisa, que ficou conhecida como Estudos/Experiência Hawthorne

(Hawthorne Studies), influenciou o desenvolvimento das relações humanas,

estimulando os estudiosos da área a discutir os meandros do desenho

11

experimental e a debater as complexidades das variáveis que orientam o

comportamento humano no trabalho. Uma das conclusões do coordenador da

pesquisa – o psicólogo Elton Mayo – foi que a melhoria do desempenho dos

trabalhadores deveu-se ao fato deles se sentirem lisonjeados e motivados pela

atenção que lhes foi dedicada durante o estudo. Essa conclusão ficou conhecida

como o efeito de Hawthorne que, uma vez generalizado, colocava em xeque

os resultados obtidos em qualquer experiência envolvendo seres humanos que

soubessem que estavam sendo estudados.

Há muito debate sobre o efeito de Hawthorne e diversas críticas ao

experimento foram feitas. Não é nosso objetivo abordar a questão, mas sim

registrar um exemplo de estudo com técnicas de observação, diferentes da

observação participante comumente utilizada no âmbito da Antropologia.

Vejamos outro exemplo na área da Saúde. O CDC – Centers for Disease

Control and Prevention é uma agência do Departamento de Saúde e Serviços

Humanos dos Estados Unidos, que é referência mundial no campo da saúde

pública e segurança populacional. As decisões do CDC têm repercussão

internacional, por isso a agência tem muito cuidado nos métodos de pesquisa

que utiliza.

Em dezembro de 2008, o CDC publicou em seus cadernos sobre

avaliação um documento intitulado “Data Collection Methods for Program

Evaluation: Observation”, que aborda métodos de observação [Link para ler ou

baixar: https://www.cdc.gov/healthyyouth/evaluation/pdf/brief16.pdf].

O CDC define observação como um método de coleta de dados que

presta atenção em comportamentos, eventos, ou características físicas em seu

ambiente natural. Observações podem ser evidentes – todos sabem que estão

sendo observados – ou dissimuladas – ninguém sabe que está sendo

observado, pois o observador está oculto.

Em seu breve manual, o CDC diferencia a observação em direta e

indireta. A observação direta ocorre quando se assiste interações, processos

ou comportamentos no momento em que acontecem. Por exemplo, ao observar

um professor lecionando um currículo escrito, com o propósito de aferir se o

conteúdo está sendo entregue com fidelidade. A observação indireta acontece

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quando se vê os resultados das interações, processos ou comportamentos. Por

exemplo, ao medir a quantidade de restos de comida deixados nos pratos por

alunos em uma lanchonete escolar, a fim de determinar se um novo alimento

é aceitável para eles.

O CDC não associa a observação direta à rica tradição da Antropologia

e da Sociologia, embora trate de saúde pública, área onde há estudiosos que

fazem uso de tais recursos. Porém, o documento indica, como uma das

desvantagens da observação, sua suscetibilidade ao efeito de Hawthorne.

Diante do risco de as pessoas terem melhor desempenho por saberem que

estão sendo observadas, é ressaltado que o uso da observação indireta pode

diminuir o problema.

Vejamos outro exemplo. A USAID – Agência dos Estados Unidos para o

Desenvolvimento Internacional, para auxiliar seu trabalho de monitoramento e

avaliação de programas, elaborou o documento “Using Direct Observation

Techniques” [link para acesso: http://pdf.usaid.gov/pdf_docs/pnaby208.pdf].

A USAID destaca a importância da adoção de técnicas de observação direta

pelas equipes de avaliação que conduzem trabalhos de campo. Isso porque,

segundo a agência, tais técnicas permitem um processo mais sistemático,

estruturado, dado o uso de formulários de registro de observação bem

desenhados. Vale enfatizar que é um entendimento conceitual bastante diverso

sobre o que é observação direta, daquele alegado pela licitante Meta

Instituto de Pesquisa de Opinião LTDA em seu recurso administrativo.

O campo de utilização da técnica de observação direta é amplo, bem

como variam as definições feitas sobre ela. Poderíamos indicar outras

referências que corroboram nosso entendimento de que as alegações da

licitante estão equivocadas. Mas optamos por concluir esta seção salientando

uma observação do site The Research Methods Knowledge Base sobre a

utilidade da tecnologia.

Ao dispor sobre observação direta, é ressaltado que a tecnologia permite

que o pesquisador possa filmar o fenômeno ou observá-lo por detrás de

espelhos unidirecionais (sala de espelhos). Por exemplo, possibilita que um

pesquisador observe a interação mãe-criança sob circunstâncias laboratoriais

13

específicas, colocando-se por trás de espelhos unidirecionais, a fim de procurar

pistas não verbais.

Na área de pesquisa de mercado, os grupos de discussão - um

importante método qualitativo - permitem a utilização de recursos afeitos à

técnica da observação direta. Clientes do serviço e pesquisadores envolvidos

no projeto podem fazer uso de salas de espelho para acompanhar a dinâmica

de grupo, bem como recorrer à filmagem e aos registros em áudio do evento.

Registre-se que a própria técnica de observação participante passou a

utilizar recursos tecnológicos. Etnógrafos, que no início tinham cadernos de

pesquisa de campo, passaram a fazer uso de registros fotográficos, gravações

de voz e filmagens, seguindo o avanço da tecnologia.

Diante do exposto, consideramos ser importante esclarecer o que é a

pesquisa de cliente oculto e sua relação com as técnicas de observação direta

e observação participante.

2.4. PESQUISA DE CLIENTE OCULTO E TÉCNICA DE OBSERVAÇÃO

DIRETA

A ESOMAR, principal organização mundial dedicada à pesquisa de

opinião, social e de mercado, elaborou um documento dispondo sobre a

pesquisa de Cliente Oculto [acesso no link:

https://www.esomar.org/uploads/public/knowledge-and-standards/codes-

and-guidelines/ESOMAR_Codes-and-Guidelines_MysteryShopping.pdf].

Segundo a organização, o objetivo dos estudos de Cliente Oculto (Mystery

Shopping) é auxiliar os administradores de empresas a melhorar os serviços

prestados aos clientes, oferecendo informação sobre as operações e a

qualidade do serviço prestado.

Os estudos de Cliente Oculto podem compreender simples observações

factuais de pontos de venda ou de serviço, tendo por foco questões como

sinalizações, letreiros, limpeza, tempo de espera ou de resposta, estado dos

equipamentos em uso, conformidade às normas da empresa, etc.. E também

podem ser estendidos ao processo de compra ou pedido de informações,

quando o avaliador age como se fosse um cliente atual ou potencial, em

14

cenários simples ou mais complicados. Neste último caso, há uma interação do

pesquisador com as pessoas da organização pesquisada.

Pesquisas de Cliente Oculto, segundo a ESOMAR, envolvem o uso de

"clientes ocultos" (compradores simulados) que são treinados/ orientados a

observar, experimentar e medir qualquer processo de atendimento ao cliente,

agindo como um cliente em potencial e realizando uma série de tarefas

predeterminadas para avaliar o serviço em áreas específicas e relatar sua

experiência de uma forma comparável e consistente.

Tais pesquisas podem envolver: a própria organização do cliente que

solicita o trabalho; agentes intermediários (varejistas/ distribuidores,

consultores financeiros independentes, etc); ou competidores. As técnicas

utilizadas para realizar a pesquisa incluem: observação; visitas; chamadas

telefônicas; correio / fax; e-mail ou visitas web.

Uma característica chave na pesquisa de Cliente Oculto é que as pessoas

objeto do estudo normalmente não têm noção do momento em que estão

participando da pesquisa, uma vez que a consciência do fato poderia levá-las

a adotar comportamentos atípicos, invalidando os resultados do estudo (tal

como visto no efeito de Hawthorne). Nesse documento, a ESOMAR define

procedimentos e códigos de conduta, que variam conforme a natureza do

trabalho e do contratante.

Wilson (1998), especialista no tema, indica que a técnica de Cliente

Oculto remonta à década de 1980, atribuindo seu desenvolvimento ao setor

comercial, com a finalidade de avaliar serviços que envolviam contato direto

com os clientes, tais como os setores bancário, hotelaria e venda a varejo [Ver

WILSON, Alan M. "The role of mystery shopping in the measurement of service

performance", Managing Service Quality: An International Journal, Vol. 8 Iss:

6, pp.414-420, 1998].

Em obra posterior, Wilson (2001) atribui as origens da pesquisa de

Cliente Oculto à técnica de observação participante, gestada no campo da

Antropologia, uma vez que pressupõe interação com os sujeitos observados. O

pesquisador participa da vida diária de um determinado grupo, com o intuito

de compreender normas, comportamentos ou atitudes que não poderiam ser

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comunicados através da linguagem [Wilson, Alan A. M. “Mystery shopping:

using deception to measure service performance”. Psychology and Marketing,

vol. 18, n. 7, pp. 721-734, 2001].

Segundo o autor, nessa técnica os pesquisadores agem de forma a iludir

o pessoal de atendimento ao cliente, fazendo-os acreditar que estão servindo

clientes reais ou em potencial. Esse engano visa a monitorar a consistência dos

processos e procedimentos utilizados na prestação de um serviço, evitando que

o prestador aja de uma forma diferente, por saber que está sendo pesquisado.

Entendimento semelhante tem Calvert (2005), que utilizou a técnica

para pesquisar os serviços prestados por bibliotecas públicas da Nova Zelândia.

Para ele, Cliente Oculto é uma forma de observação participante, embora essa

interação seja realizada de forma ocultada [CALVERT, Philip. “It’s a mystery:

mystery shopping in New Zealand’s public libraries”. Library Review, vol. 54, n.

1, 2005].

É importante ressaltar que o artigo de Calvert é citado no recurso

administrativo apresentado pela licitante Meta Instituto de Pesquisa de

Opinião LTDA, dentro do que chamou de “farta literatura na área de

administração e marketing”. Estranhamente, como se não bastasse confundir

observação direta e observação participante, a licitante nega o que importantes

especialistas enxergaram: a presença de vínculos entre a técnica de Cliente

Oculto e a tradição da Antropologia.

No nosso entendimento, tal como desenvolvido nos itens anteriores,

ainda que a técnica de Cliente Oculto tenha sofrido influências da técnica de

observação participante e da tradição etnográfica, há significativas diferenças.

A principal é que não há o jogo de alteridade entre o pesquisador e os

pesquisados, isto é, não existe a dinâmica entre familiar e exótico, típica de

situações onde há “choques de culturas”. Em suma, inexiste perspectiva

distanciada, o pesquisador não visa imergir no ambiente que pretende estudar,

até porque a proximidade entre “os mundos” é maior.

Apesar de supostamente ter consultado uma “farta literatura na área de

administração e marketing”, a licitante Meta Instituto de Pesquisa de

Opinião LTDA também parece não ter compreendido o que são pesquisas de

16

Cliente Oculto. Nessa técnica, um pesquisador não precisa necessariamente se

fazer passar por um cliente, em busca de atendimento. Como disposto nas

normas da ESOMAR, acima citadas, tal técnica pode conter apenas observações

factuais do ambiente pesquisado.

Wilson (1998) inclusive considera como uma das principais vantagens

da técnica de Cliente Oculto o fato de que coletaria fatos e não percepções.

Por isso, é comum o uso de formulários de coleta (ou checklists) que enfatizam

questões objetivas e dados factuais. Usar tal técnica visa a compensar

eventuais falhas de pesquisas ex-post facto, como no caso de surveys (métodos

quantitativos) ou entrevistas em profundidade (método qualitativo) em que

clientes precisam relatar experiências passadas. Em geral, os clientes tendem

apenas a lembrar de suas impressões gerais sobre os serviços, sem conseguir

detalhar elementos ou transações específicas. Por isso, quando se utiliza o

ponto de vista do “cliente oculto” em um projeto, o pesquisador comporta-se

com um grau de concentração e detalhamento muito maior do que o de um

cliente comum, observando diretamente um conjunto de aspectos que

contemplem sistematicamente a natureza dos serviços prestados que se quer

avaliar.

Diante da necessidade cuidadosa de planejamento da pesquisa, a qual

implica, inclusive, um esforço prévio para compreender a natureza do objeto a

ser estudado, pesquisas de Cliente Oculto não são curtas – o próprio trabalho

de campo (coleta de dados) possui durações distintas. O tempo necessário para

sua realização pode variar bastante, em consonância com o tema, o ambiente,

o órgão (empresa, órgão, estabelecimento, etc.), o relacionamento com o

pesquisado (se própria organização, cliente contratante, ou concorrente).

Nesse processo, impactam diversas variáveis como: o porte institucional, as

atividades realizadas, a estrutura organizacional e seus processos, os horários

disponíveis, a “natureza do cliente” (consumidores, usuários de serviços

públicos, stakeholders), etc.

Pelo exposto, não restam dúvidas de que a pesquisa de Cliente Oculto

(Mystery Shopping) utiliza a técnica de Observação Direta, ao contrário do

entendimento equivocado apresentado pela licitante Meta Instituto de

Pesquisa de Opinião LTDA em seu recurso administrativo. Nesse sentido, o

17

atestado apresentado atende plenamente aos requisitos de qualificação técnica

que são requeridos pelo Edital de Concorrência DEMAP nº 88/2015-Alterado.

3. DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO

INTERPOSTO

Conforme dito anteriormente, o recurso administrativo apresentado pela

licitante META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA é recheado

de sofismas e de argumentações descasadas da realidade dos fatos.

Na ausência de algum aspecto consistente a ser arguido no recurso

administrativo, recorre a uma estratégia ultrapassada de confundir para tentar

sagrar-se vencedor na concorrência ora em exame.

Não há um único argumento ventilado no recurso que possa, ainda que

remotamente, colocar em dúvida a capacidade da VIRTÚ ANÁLISE E

ESTRATÉGIA LTDA., em contratar com a Administração Pública.

O recurso administrativo interposto pela sociedade empresária META

INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA. - que beira ao inacreditável

considerando a fragilidade técnica e jurídica dos argumentos expostos - expõe

o seu total e completo desconhecimento da sistemática de contratação pública

no Brasil e os princípios que informam as licitações públicas. Apenas isso explica

o conjunto de despropositados argumentos invocados de forma desarticulada

no recurso apresentado.

A documentação relativa à capacidade técnica apresentada pela VIRTÚ

ANÁLISE E ESTRATÉGIA LTDA. encontra-se rigorosamente alinhada com o

regramento do edital e da legislação, o que decorre não apenas do zelo que a

empresa sempre teve no trato com a coisa pública, mas também pela

circunstância de estar acostumada a participar de licitações nos mais variados

entes da Administração Pública das distintas esferas federativas, sendo, como

notório, uma prestadora de serviços que sempre honrou com as suas

obrigações.

18

O recurso administrativo apresentado nada mais é do que um repositório

de argumentos desencontrados e que vulneram gravemente o princípio da

competitividade.

Como se sabe, a competitividade é o valor central de qualquer licitação

pública. Quanto maior for o grau de competição mais bem será atendido o

interesse público, porquanto a proposta mais vantajosa será obtida por meio

da saudável concorrência e comparação entre diferentes licitantes.

Reduzir ou restringir a competição, quando desamparada de

razoabilidade nos argumentos que contenham um mínimo de consistência

técnica, é prestar um enorme desserviço ao interesse público. O recurso

apresentado não tem outro objetivo, senão o de restringir a competição,

subjugando o interesse público ao interesse privado e particular da recorrente.

Afastar concorrentes que tem solidez econômica, técnica, e financeira,

como é o caso da recorrida, e já demonstrada em diversos outros certames nos

quais vem participando, consistiria em um desvirtuamento e um enorme

equívoco técnico e, sobretudo, jurídico, eis que se estaria aniquilando a

competição como elemento central da presente licitação.

O Tribunal de Contas da União já fixou que a licitação jamais deve se

afastar do seu principal objetivo que é a obtenção da proposta mais vantajosa:

A licitação não deve perder seu objetivo

principal, que é obter a proposta mais

vantajosa à Administração, mediante ampla

competitividade, a teor do art. 3º, caput, da

Lei 8.666/1993. Acórdão 1734/2009 Plenário

(Sumário)

O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica no sentido

de que a ausência de competitividade autoriza até mesmo a revogação do

certame licitatório:

3. "A participação de um único licitante no

procedimento licitatório configura falta de

19

competitividade, o que autoriza a revogação

do certame. Isso, porque uma das finalidades

da licitação é a obtenção da melhor proposta,

com mais vantagens e prestações menos

onerosas para a Administração, em uma

relação de custo-benefício, de modo que deve

ser garantida, para tanto, a participação do

maior número de competidores possíveis.

'Falta de competitividade que se vislumbra

pela só participação de duas empresas, com

ofertas em valor bem aproximado ao limite

máximo estabelecido' (RMS 23.402/PR, Rel. Min.

Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 2.4.2008)".

(RMS 23.360/PR, Rel. Ministra Denise Arruda,

Primeira Turma, DJe 17.12.2008). (RMS 35.303/PR,

Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA

TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 19/12/2012)

Não obstante a documentação da VIRTÚ ANÁLISE E ESTRATÉGIA

LTDA não ter se afastado um milímetro do regramento contido no edital, e

muito menos da legislação em vigor, o dado concreto é que o princípio da

competitividade não pode ser desconsiderado, em especial se for

menosprezado quando colocado em confronto com questões que não se

relacionam com a substância da documentação e, principalmente, não colocam

em risco a efetivada e real capacidade do licitante em contratar com a

Administração Pública.

Importante lembrar que, na fase de habilitação, a Comissão de Licitação

procede à avaliação das condições intrínsecas dos licitantes, considerando-os

capazes ou não de executar o objeto do contrato pretendido pela

Administração. O licitante que nessa fase satisfizer todos os requisitos da lei,

bem como do Edital, passa a ser considerado “habilitado”, ou seja, está apto a

seguir na licitação.

A habilitação é um estágio importante no procedimento licitatório, e seus

requisitos devem ser cuidadosamente verificados pela Administração Pública,

20

sendo-lhe defeso fazer qualquer pedido impertinente que possa frustrar o

universo de competidores ou o espírito competitivo do certame.

Para fins de habilitação, é imposto aos licitantes o preenchimento de

certas condições relacionadas à habilitação jurídica, qualificação econômico-

financeira, regularidade fiscal e qualificação técnica. A matéria tem sede

constitucional. Confira-se o artigo 37, inciso XXI, da CF:

XXI - ressalvados os casos especificados na

legislação, as obras, serviços, compras e alienações

serão contratados mediante processo de licitação

pública que assegure igualdade de condições a

todos os concorrentes, com cláusulas que

estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as

condições efetivas da proposta, nos termos da lei, a

qual somente permitirá as exigências de

qualificação técnica e econômica

indispensáveis à garantia do cumprimento

das obrigações.”

Destarte, como é cediço a fase da habilitação tem por escopo tão

somente assegurar que o licitante possui expertise para executar o objeto de

forma satisfatória, atendendo à demanda da Administração Pública.

Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União fixou a tese de que os

requisitos de habilitação devem apenas buscar uma garantia mínima de que o

contratado tenha capacidade para executar o objeto, destarte assegurando a

competitividade do certame:

Atender, no caso em tela, à letra fria desse

dispositivo, sem considerar os objetivos da

Administração e os limites de exigência de

qualificação técnica, suficientes para a garantia do

cumprimento das obrigações, seria desbordar para

o formalismo que se basta em si mesmo, sem ter

em vista qualquer outro objetivo consentâneo com

o interesse público. As exigências de

21

qualificação técnica, sejam elas de caráter

técnico profissional ou técnico operacional,

portanto, não devem ser desarrazoadas a

ponto de comprometer a natureza de

competição que deve permear os processos

licitatórios realizados pela Administração

Pública. Devem constituir tão-somente

garantia mínima suficiente para que o futuro

contratado demonstre, previamente,

capacidade para cumprir as obrigações

contratuais. Acórdão 2297/2005 Plenário (Voto do

Ministro Relator)

De tão relevante que é a garantia em se assegurar a competitividade, e

consequentemente a busca pela melhor proposta, em um certame licitatório é

que o Tribunal de Contas da União admite até mesmo que sejam cumpridos

requisitos mesmo que de forma oblíqua, o que, frise-se, não é o caso ora em

análise.

De fato, a administração não poderia

prescindir do menor preço, apresentado pela

empresa vencedora, por mera questão

formal, considerando que a exigência

editalícia foi cumprida, embora que de forma

oblíqua, sem prejuízo à competitividade do

certame. Sendo assim, aplica-se o princípio

do formalismo moderado, que prescreve a

adoção de formas simples e suficientes para

propiciar adequado grau de certeza,

segurança e respeito aos direitos dos

administrados, promovendo, assim, a

prevalência do conteúdo sobre o formalismo

extremo, respeitadas ainda as formalidades

essenciais à garantia dos direitos dos

administrados, tudo de acordo com o art. 2º, §

único, incisos VIII e IX, da Lei nº 9.784/1999.

22

Acórdão 7334/2009 Primeira Câmara (Voto do

Ministro Relator)

Dúvida não há de que a licitante VIRTÚ ANÁLISE E ESTRATÉGIA

LTDA tem total capacidade para executar o objeto da presente licitação.

A maior prova do que ora se afirma é que a VIRTÚ ANÁLISE E

ESTRATÉGIA LTDA sagrou-se vencedora na CONCORRÊNCIA Nº 001/2012 -

promovida pela Secretaria de Comunicação Social (SECOM) da Presidência da

República cujo objeto era prestação de serviços de pesquisa de opinião pública,

compreendendo planejamento e realização de projetos de pesquisa qualitativa,

da coleta e análise dos dados à elaboração de relatórios e apresentação de

resultados, e vem executando o objeto seguindo e cumprindo rigorosamente

todas as suas obrigações contratuais.

Frise-se que esta mesma exigência de habilitação estava veiculada no

item 4.1, “e” do edital, que foi cumprida por meio da apresentação do mesmo

atestado de experiência técnica ora apresentado, não tendo havido qualquer

questionamento por parte da Comissão de Licitação ou dos demais licitantes.

4.1 As licitantes cadastradas no SICAF deverão

incluir no ENVELOPE nº 1 – HABILITAÇÃO os

seguintes documentos:

e) declaração(ões), emitida(s) por pessoa(s)

jurídica(s) de direito público ou privado, que

ateste(m) que a licitante prestou à declarante

serviços compatíveis com os do objeto deste Edital.

A(s) declaração(ções) deve(m) indicar a realização

de pesquisa(s) qualitativa(s) com as seguintes

técnicas:

- pesquisa qualitativa realizada com grupos de

discussão;

- pesquisa qualitativa realizada com entrevistas em

profundidade;

- pesquisa qualitativa realizada com

observação direta.

23

Uma última e derradeira observação.

Outro fato que demonstra o abslotuo desconhecimento da licitante

META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA em relação as

normas que regem o procedimento licitatório é o fato de ter invocado o

julgamento objetivo como fundamento jurídico de inabilitação da VIRTÚ

ANÁLISE E ESTRATÉGIA LTDA.

Conforme disposto no art. 45 da Lei nº 8.666/93 o julgamento objetivo

refere-se tão somente ao julgamento das propostas com base no tipo de

licitação escolhida. Assim, se o tipo licitatório for técnica e preço a Comissão

de Licitação deve observar os critérios de pontuação eleitos pelo Edital.

Note-se, portanto, que demonstrando total desconhecimento dos

princípios e normas que regem as licitações públicas, a sociedade empresária

META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA busca a inabilitação

de um concorrente, mas argumenta com um princípio que é próprio da fase de

julgamento.

Mais uma vez a recorrente parte de premissas conceituais

absolutamente equivocadas, o que apenas corrobora o que já se disse antes:

o recurso administrativo apresentado é um conjunto de argumentos

inconsistentes, descasados da realidade fática e que tem um único e claro

objetivo, a saber, confundir para restringir a competição, subvertendo o

interesse público em benefício do seu interesse particular, o que contraria as

finalidades mais comezinhas de qualquer processo licitatório.

4. DOS PEDIDOS

Em face de todo o exposto, não merecem prosperar as pretensões da

licitante META INSTITUTO DE PESQUISA DE OPINIÃO LTDA, devendo

ser ratificada a habilitação da VIRTÚ ANÁLISE E ESTRATÉGIA LTDA e

permitindo sua continuidade na Concorrência DEMAP n.º 88/15 Alterado

realizada pelo Banco Central do Brasil, vez que infundadas de fatos e

fundamentos jurídicos.

24

Nota-se, que os questionamentos formulados pela RECORRENTE

despidos de qualquer lógica e desconectados da realidade têm o intuito de tão

somente buscar a inabilitação desta licitante visando à redução da

competitividade, o que, como visto, não se sustenta faticamente, logicamente

e, muito menos, juridicamente.

Nestes Termos,

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 04 de outubro de 2016

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VIRTÚ ANÁLISE E ESTRATÉGIA LTDA

Andreia Schroeder de Almeida