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Imagens Faladas Uma reportagem fotográfica sobre a memória do Bairro Cristal

Imagens Faladas

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Uma reportagem fotográfica sobre a memória do Bairro Cristal. A partir de uma oficina de fotografia no Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, premiada pela Funarte no edital Residência artística em interações estéticas, um grupo de jovens produziu 7 reportagens fotográficas sobre as histórias que povoam tanto o imaginário como a vida real das comunidades do Bairro Cristal em Porto Alegre.

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Imagens FaladasUma reportagem fotográfica sobre a memória do Bairro Cristal

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Diane Barros, Tiago Rodrigues, André Mombach, Lucas "Fera" Neves, Clarissa Silveira, Luiz Abreu, Marco Couto, Carlos Carvalho, Sinara Sandri, Miguel Chikaoka, FestFotoPoa, Ricardo Soria, Fagueraze, Oscar Luz, Helena Bonumá, Luis Antônio Brenner Guimarães, Richard Serraria, Sergio Paulo Annes e Heloisa Conceição Annes, Ernani Chaves, Roberto Vinicius, Mutirão do Arte Bioconstruída, Ferragem Cesarmar, Coletivo Catarse, CasaTierra, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Movimento O Morro é Nosso, Conselho Gestor Comunitário do Quilombo do Sopapo, Clube de Mães do Cristal, Alexandre "Chaveiro", Central Social RS, Casa Amarela, Guayí, Sintrajufe-RS, Eliane Mombach, Cassiana e Cristiano, Padaria da Capivari, Carlos Henrique, Carolina Diehl, Dartagnan Joaquim, Guilherme Dutra Garcia, Leandro, Milena e Thaiane Diel.

Catalogação na Publicação no padrão internacional CIP

Silvia PontDiagramação

Clarissa PontEdição de texto

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Diane Barros, Tiago Rodrigues, André Mombach, Lucas "Fera" Neves, Clarissa Silveira, Luiz Abreu, Marco Couto, Carlos Carvalho, Sinara Sandri, Miguel Chikaoka, FestFotoPoa, Ricardo Soria, Fagueraze, Oscar Luz, Helena Bonumá, Luis Antônio Brenner Guimarães, Richard Serraria, Sergio Paulo Annes e Heloisa Conceição Annes, Ernani Chaves, Roberto Vinicius, Mutirão do Arte Bioconstruída, Ferragem Cesarmar, Coletivo Catarse, CasaTierra, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Movimento O Morro é Nosso, Conselho Gestor Comunitário do Quilombo do Sopapo, Clube de Mães do Cristal, Alexandre "Chaveiro", Central Social RS, Casa Amarela, Guayí, Sintrajufe-RS, Eliane Mombach, Cassiana e Cristiano, Padaria da Capivari, Carlos Henrique, Carolina Diehl, Dartagnan Joaquim, Guilherme Dutra Garcia, Leandro, Milena e Thaiane Diel.

Catalogação na Publicação no padrão internacional CIP

Silvia PontDiagramação

Clarissa PontEdição de texto

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As Imagens Faladas e o Cristal

Olhe ao redor

1 | O nome das coisas

2 | Campo do Neri

3 | As histórias que o Morro Santa Tereza guarda

4 | O dia em que Fone voltou ao Jóquei Clube

5 | O Cristal de Dona Terezinha e o Arroio Cavalhada

6 | O Estaleiro Só de Seu Manoel

7 | A Casa onde tudo se mistura

Imagens Faladas

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As Imagens Faladas e o Cristal

Olhe ao redor

1 | O nome das coisas

2 | Campo do Neri

3 | As histórias que o Morro Santa Tereza guarda

4 | O dia em que Fone voltou ao Jóquei Clube

5 | O Cristal de Dona Terezinha e o Arroio Cavalhada

6 | O Estaleiro Só de Seu Manoel

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Nas suas mãos, caro leitor, estão recortes. Recortes de memórias, mas não só de quem viveu. São memórias, também, de quem pes-quisou e registrou. Um apanhado de histórias a partir de um encontro de gerações. Recortes de tempo e espaço, cada história contada tem seu par em fotografia. Este é o projeto Imagens Faladas, que começou em janeiro de 2010, quando reuniu 18 jovens no Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, no bairro Cristal, para trabalhar o fazer fotográfico como ferramenta de expressão comunitária.

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Nas suas mãos, caro leitor, estão recortes. Recortes de memórias, mas não só de quem viveu. São memórias, também, de quem pes-quisou e registrou. Um apanhado de histórias a partir de um encontro de gerações. Recortes de tempo e espaço, cada história contada tem seu par em fotografia. Este é o projeto Imagens Faladas, que começou em janeiro de 2010, quando reuniu 18 jovens no Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, no bairro Cristal, para trabalhar o fazer fotográfico como ferramenta de expressão comunitária.

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Logo ficou evidente que sensibilizar o olhar seria importante para começar a trabalhar outros temas funda-mentais para o desenvolvimento da personalidade e da consciência de cidadão de cada um destes jovens. Entre janeiro e fevereiro do mesmo ano, em encontros que aconteciam duas vezes por semana, foram estudadas as técnicas, disponibilizados equipamentos e apresentados os materiais utilizados no dia a dia fotográfico.No decorrer destes meses, algumas suspeitas que todos os educadores do Ponto de Cultura tinham, foram confirma-das. As tardes fotográficas acabaram por incentivar a disposição do trabalho em grupo, a vontade de estudar por prazer, a responsabilidade de se identificar como parte de uma comunidade e de se localizar dentro do bairro, da cidade, do país. A fotografia apenas acompanhou cada uma destas sensações.

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Elincoln Lucas

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Logo ficou evidente que sensibilizar o olhar seria importante para começar a trabalhar outros temas funda-mentais para o desenvolvimento da personalidade e da consciência de cidadão de cada um destes jovens. Entre janeiro e fevereiro do mesmo ano, em encontros que aconteciam duas vezes por semana, foram estudadas as técnicas, disponibilizados equipamentos e apresentados os materiais utilizados no dia a dia fotográfico.No decorrer destes meses, algumas suspeitas que todos os educadores do Ponto de Cultura tinham, foram confirma-das. As tardes fotográficas acabaram por incentivar a disposição do trabalho em grupo, a vontade de estudar por prazer, a responsabilidade de se identificar como parte de uma comunidade e de se localizar dentro do bairro, da cidade, do país. A fotografia apenas acompanhou cada uma destas sensações.

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Projeto e bairro se transformam, assim, em catalisadores de diversas outras lutas da cidade. Lutas que dizem íntimo respeito aos jovens que assinam este livro, e demarcaram grandes decisões sobre a área urbana de Porto Alegre e no que a cidade se transformará nas próximas décadas. Lutas que tentam impedir a cidade de virar palco para um grande canteiro de obras impensado, que relega os pobres a periferias cada vez mais longínquas e mantém os ricos em apartamentos cada vez mais distantes do chão. Lutas pela permanência de centenas de famílias em suas casas, traduzidas em imagens de um bairro que se transforma de forma rápida. Não há quem não afirme, no Cristal, que ajudou a construir o local, mas todos sabem que a garantia

ao território é incerta. É neste contexto que está inserido o Quilombo do Sopapo, espaço aberto que prioriza atuar com jovens moradores das áreas em situação de irregularidade fundiária. Nestes lugares, residem aproximadamente 40% da população da região e são também estas famílias as afetadas pelas transformações urbanas movidas pela especulação imobiliária. O Quilombo do Sopapo tem atuação essencial na organização e agitação cultural do bairro. O presente livro é parte integrante das diversas atividades que já foram ou continuam sendo trabalhadas na casa, como realização de audiovisuais e oficinas em rádio, fotografia e criação de textos.

Nos meses de março, abril e maio, as caminhadas fotográficas se transformaram em descoberta. O objetivo era praticar o que havia sido ensinado, diversificar equipamentos e olhares, mas também conhecer o bairro por inteiro. Descer o morro, cruzar o arroio, a avenida, conhecer os vizinhos e chegar às margens do Guaíba. Aí, o grupo já era de jovens repórteres fotográficos, que se engajaram nas mobilizações da comunidade e entrevistaram protagonis-tas, registraram cenários e resgataram memórias escondi-das no tempo.É neste momento, também, que surge um desafio. O bairro Cristal, onde vivem mais de 30 mil pessoas e que representa 0,82% da área do município de Porto Alegre, começa a sofrer toda sorte de transformações sócio-geográficas como a remoção de vilas, novas construções, o redesenho de vias e da vida das pessoas. O bairro vira palco de um dos principais debates sobre mudanças no plano diretor da cidade, quando começa a ser definido o destino do Pontal do Estaleiro. Um espaço único da cidade, transformado conforme leis e ações que incidem de forma absoluta sobre a vida das pessoas, que na maioria das vezes sequer são consultadas.

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Projeto e bairro se transformam, assim, em catalisadores de diversas outras lutas da cidade. Lutas que dizem íntimo respeito aos jovens que assinam este livro, e demarcaram grandes decisões sobre a área urbana de Porto Alegre e no que a cidade se transformará nas próximas décadas. Lutas que tentam impedir a cidade de virar palco para um grande canteiro de obras impensado, que relega os pobres a periferias cada vez mais longínquas e mantém os ricos em apartamentos cada vez mais distantes do chão. Lutas pela permanência de centenas de famílias em suas casas, traduzidas em imagens de um bairro que se transforma de forma rápida. Não há quem não afirme, no Cristal, que ajudou a construir o local, mas todos sabem que a garantia

ao território é incerta. É neste contexto que está inserido o Quilombo do Sopapo, espaço aberto que prioriza atuar com jovens moradores das áreas em situação de irregularidade fundiária. Nestes lugares, residem aproximadamente 40% da população da região e são também estas famílias as afetadas pelas transformações urbanas movidas pela especulação imobiliária. O Quilombo do Sopapo tem atuação essencial na organização e agitação cultural do bairro. O presente livro é parte integrante das diversas atividades que já foram ou continuam sendo trabalhadas na casa, como realização de audiovisuais e oficinas em rádio, fotografia e criação de textos.

Nos meses de março, abril e maio, as caminhadas fotográficas se transformaram em descoberta. O objetivo era praticar o que havia sido ensinado, diversificar equipamentos e olhares, mas também conhecer o bairro por inteiro. Descer o morro, cruzar o arroio, a avenida, conhecer os vizinhos e chegar às margens do Guaíba. Aí, o grupo já era de jovens repórteres fotográficos, que se engajaram nas mobilizações da comunidade e entrevistaram protagonis-tas, registraram cenários e resgataram memórias escondi-das no tempo.É neste momento, também, que surge um desafio. O bairro Cristal, onde vivem mais de 30 mil pessoas e que representa 0,82% da área do município de Porto Alegre, começa a sofrer toda sorte de transformações sócio-geográficas como a remoção de vilas, novas construções, o redesenho de vias e da vida das pessoas. O bairro vira palco de um dos principais debates sobre mudanças no plano diretor da cidade, quando começa a ser definido o destino do Pontal do Estaleiro. Um espaço único da cidade, transformado conforme leis e ações que incidem de forma absoluta sobre a vida das pessoas, que na maioria das vezes sequer são consultadas.

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Assim, a partir da história oral do bairro, foram identifi-cados os cartões postais do Cristal. Atuais, históricos ou quase imaginários. Para tais registros, três técnicas foto-gráficas com estéticas diferentes foram utilizadas. A pinhole, que produz imagens carregadas de tempo. Desde o ato fotográfico lento, até o longo processo de revelação. A fotografia analógica em filme 35mm, como um processo intermediário, de aprofundamento da técnica. E, finalmente, a fotografia digital, plataforma que garante imagens limpas e com cores fortes, instantâneo à velocidade do clique, exatamente como as que estamos tão acostumados atualmente. O segundo engenho foi descobrir a reportagem. A proposta era de interação entre o morador antigo, espécie de historiador e fonte de saber, e o fotógrafo jovem, construtor de um retrato com referências no passado. Iniciado este processo de criação fotográfica, que segue buscando pautas e aprimorando a estrutura de um núcleo de fotografia do Cristal, o grupo chegou a materiais repletos de encantamen-to. Histórias que mereceram um tratamento editorial que proporcionasse circulação e memória.

Estes são os recortes deste livro.Dos 18 jovens que ingressaram no projeto, sete deles permanecem na atividade fotográfica e montaram estas histórias. Nicolas Gabriel e o movimento futebolístico no Campo do Neri. Saionara Silva da Silva traduz as ruas do Cristal. Sueda Juliane descobre as comunidades do Arroio Cavalhada e o passado do Hipódromo. Douglas Oliveira e Cristina Nascimento acompanham a história envolvendo a luta pelo terreno da Fundação de Apoio Sócio Educativa - Fase e as comunidades do Morro Santa Tereza. Elincoln Lucas visita Seu Manoel, o último morador da beira do Guaíba, para escutar as mais fantásticas histórias do bairro. Carlos Alberto mostra onde todas estas narrativas estão interligadas por um objetivo: o Ponto de Cultura do Bairro Cristal. O fotógrafo Eduardo Seidl e o educador Leandro Anton animaram este processo e costuraram todas estas percepções que brotaram da equipe. Compartilhando a prática da fotografia e a curiosidade pelo o que nos cerca.Sejam bem vindos a partilhar cada uma destas imagens faladas com a gurizada do Cristal.

Leandro Anton

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Assim, a partir da história oral do bairro, foram identifi-cados os cartões postais do Cristal. Atuais, históricos ou quase imaginários. Para tais registros, três técnicas foto-gráficas com estéticas diferentes foram utilizadas. A pinhole, que produz imagens carregadas de tempo. Desde o ato fotográfico lento, até o longo processo de revelação. A fotografia analógica em filme 35mm, como um processo intermediário, de aprofundamento da técnica. E, finalmente, a fotografia digital, plataforma que garante imagens limpas e com cores fortes, instantâneo à velocidade do clique, exatamente como as que estamos tão acostumados atualmente. O segundo engenho foi descobrir a reportagem. A proposta era de interação entre o morador antigo, espécie de historiador e fonte de saber, e o fotógrafo jovem, construtor de um retrato com referências no passado. Iniciado este processo de criação fotográfica, que segue buscando pautas e aprimorando a estrutura de um núcleo de fotografia do Cristal, o grupo chegou a materiais repletos de encantamen-to. Histórias que mereceram um tratamento editorial que proporcionasse circulação e memória.

Estes são os recortes deste livro.Dos 18 jovens que ingressaram no projeto, sete deles permanecem na atividade fotográfica e montaram estas histórias. Nicolas Gabriel e o movimento futebolístico no Campo do Neri. Saionara Silva da Silva traduz as ruas do Cristal. Sueda Juliane descobre as comunidades do Arroio Cavalhada e o passado do Hipódromo. Douglas Oliveira e Cristina Nascimento acompanham a história envolvendo a luta pelo terreno da Fundação de Apoio Sócio Educativa - Fase e as comunidades do Morro Santa Tereza. Elincoln Lucas visita Seu Manoel, o último morador da beira do Guaíba, para escutar as mais fantásticas histórias do bairro. Carlos Alberto mostra onde todas estas narrativas estão interligadas por um objetivo: o Ponto de Cultura do Bairro Cristal. O fotógrafo Eduardo Seidl e o educador Leandro Anton animaram este processo e costuraram todas estas percepções que brotaram da equipe. Compartilhando a prática da fotografia e a curiosidade pelo o que nos cerca.Sejam bem vindos a partilhar cada uma destas imagens faladas com a gurizada do Cristal.

Leandro Anton

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O que você vê?A iniciativa fotográfica é isso. Ver algo acontecer, ou prever antes que se materialize, e ter o instinto de fotografar. Assim se aguça o olho, cria-se o comportamento fotográfico, aquela sensação de olhar algo que nos atrai não pelo fato de olhar, mas de registrar para mostrar. Pela memória coletiva.Neste mosaico de pinholes, espontaneamente, um fotografou o outro, numa cadeia de comportamentos fotográficos, numa corrente enraizada no espaço, no fato, no contexto do momento, uma rede de interações. A fotografia digital aqui funciona como uma âncora, localizando o leitor com uma referência estética mais familiar.

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O que você vê?A iniciativa fotográfica é isso. Ver algo acontecer, ou prever antes que se materialize, e ter o instinto de fotografar. Assim se aguça o olho, cria-se o comportamento fotográfico, aquela sensação de olhar algo que nos atrai não pelo fato de olhar, mas de registrar para mostrar. Pela memória coletiva.Neste mosaico de pinholes, espontaneamente, um fotografou o outro, numa cadeia de comportamentos fotográficos, numa corrente enraizada no espaço, no fato, no contexto do momento, uma rede de interações. A fotografia digital aqui funciona como uma âncora, localizando o leitor com uma referência estética mais familiar.

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Por Saionara Silva da Silva

Esses dias, estivemos conversando sobre qual história eu contaria e decidimos pelos nomes das ruas do Bairro Cristal. Descobrir qual o motivo delas todas terem nomes indígenas. Saímos a caminhar e tiramos muitas fotos: placas, ruas, muros. Algumas placas do Cristal que fotografamos tinham informações. Por exemplo, a placa Jataí indicava que aquele nome fazia referência à Guerra do Paraguai. Isso me chamou muita atenção, eu nunca iria imaginar que esse nome vinha da Guerra do Paraguai. Bom, para falar a verdade, eu nunca tive

interesse de saber os motivos de tantos “is” nas ruas do Cristal. Até o meu pai sabia que o nome que está nesta placa se refere ao local de uma batalha da Guerra do Paraguai, eu achei demais.Mas, agora, tenho interesse em descobrir a identidade das ruas do bairro onde eu moro.Inhanduí significa lugar onde o avestruz macho bebe água. Icaraí, água santa ou água benta. Curupaití, lugar de águas brancas, cristalinas, cheia de pedregulhos, e assim por diante. Quem sabe de cada uma dessas histórias é Nasson Remedi de Souza, morador do Cristal há quase 40 anos e dono de uma curiosidade ilimitada para esse tipo de coisa.

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Por Saionara Silva da Silva

Esses dias, estivemos conversando sobre qual história eu contaria e decidimos pelos nomes das ruas do Bairro Cristal. Descobrir qual o motivo delas todas terem nomes indígenas. Saímos a caminhar e tiramos muitas fotos: placas, ruas, muros. Algumas placas do Cristal que fotografamos tinham informações. Por exemplo, a placa Jataí indicava que aquele nome fazia referência à Guerra do Paraguai. Isso me chamou muita atenção, eu nunca iria imaginar que esse nome vinha da Guerra do Paraguai. Bom, para falar a verdade, eu nunca tive

interesse de saber os motivos de tantos “is” nas ruas do Cristal. Até o meu pai sabia que o nome que está nesta placa se refere ao local de uma batalha da Guerra do Paraguai, eu achei demais.Mas, agora, tenho interesse em descobrir a identidade das ruas do bairro onde eu moro.Inhanduí significa lugar onde o avestruz macho bebe água. Icaraí, água santa ou água benta. Curupaití, lugar de águas brancas, cristalinas, cheia de pedregulhos, e assim por diante. Quem sabe de cada uma dessas histórias é Nasson Remedi de Souza, morador do Cristal há quase 40 anos e dono de uma curiosidade ilimitada para esse tipo de coisa.

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“Vim morar aqui, sem conhecer o bairro. Eu vendia pulling no Jóquei Clube, um tipo de aposta em cavalo, e estudava. Só tinha vindo ao Cristal para trabalhar no Jóquei. Depois da venda do Simca, eu financiei um Fusca. Isso aqui era um fim de mundo desgraçado, a rua não tinha calçada era um valetão na frente, com esgoto correndo. Comecei a pensar em passar adiante o terreno e a minha mulher disse que tinha gostado daqui e pediu que eu não vendesse. Era tudo um banhado. Logo adiante, tinha o campo da pedreira, duma indústria de brita. E o campo de futebol dos empregados da pedreira. Todo esse quarteirão era uma área de praça. Estávamos mal de colégio e fizemos uma campanha para transformar a área em escola. Foi assim que surgiu o Colégio Estadual Professor Elpídio Ferreira Paes, por causa do nosso movimento comunitário. Quando eu vim, o Arroio Cava-lhada já havia sido retificado. Mas o banhado aqui era por causa da Sanga da Morte, que hoje é um canal também porque fizemos campanha e conseguimos a canalização”.

“Morei em Petrópolis desde adolescente. Quando vim para o Cristal, foi por uma destas circunstâncias da vida. Troquei parte deste terreno, na época, por um Simca 3 Andorinhas. Eu tinha um amigo desde o tempo de guri que queria vender esse terreno. Vou comprar o terreno do Antônio, pensei. Todos sabiam que eu não tinha dinheiro, mas peguei o Simca e disse para minha mulher que venderia o carro. Num sábado de manhã, cheguei em um determinado ponto da Estrada do Forte e empinei o Simca para oferecer. Tinha um cara no portão que logo me perguntou se eu venderia o carro. Eu disse que não. E ele perguntou: Permite olhar? Olhar, pode. Quero comprar. Não quero vender. Depois eu disse que por cinco milhões de cruzeiros, venderia. Ele disse: Quatro. Por quatro, não vendo. E eu louco para vender o Simca e comprar o terreno. Fechamos por quatro milhões e meio e ele pagou com um pacote de dinheiro. Isso foi em 1960, por aí”.

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“Vim morar aqui, sem conhecer o bairro. Eu vendia pulling no Jóquei Clube, um tipo de aposta em cavalo, e estudava. Só tinha vindo ao Cristal para trabalhar no Jóquei. Depois da venda do Simca, eu financiei um Fusca. Isso aqui era um fim de mundo desgraçado, a rua não tinha calçada era um valetão na frente, com esgoto correndo. Comecei a pensar em passar adiante o terreno e a minha mulher disse que tinha gostado daqui e pediu que eu não vendesse. Era tudo um banhado. Logo adiante, tinha o campo da pedreira, duma indústria de brita. E o campo de futebol dos empregados da pedreira. Todo esse quarteirão era uma área de praça. Estávamos mal de colégio e fizemos uma campanha para transformar a área em escola. Foi assim que surgiu o Colégio Estadual Professor Elpídio Ferreira Paes, por causa do nosso movimento comunitário. Quando eu vim, o Arroio Cava-lhada já havia sido retificado. Mas o banhado aqui era por causa da Sanga da Morte, que hoje é um canal também porque fizemos campanha e conseguimos a canalização”.

“Morei em Petrópolis desde adolescente. Quando vim para o Cristal, foi por uma destas circunstâncias da vida. Troquei parte deste terreno, na época, por um Simca 3 Andorinhas. Eu tinha um amigo desde o tempo de guri que queria vender esse terreno. Vou comprar o terreno do Antônio, pensei. Todos sabiam que eu não tinha dinheiro, mas peguei o Simca e disse para minha mulher que venderia o carro. Num sábado de manhã, cheguei em um determinado ponto da Estrada do Forte e empinei o Simca para oferecer. Tinha um cara no portão que logo me perguntou se eu venderia o carro. Eu disse que não. E ele perguntou: Permite olhar? Olhar, pode. Quero comprar. Não quero vender. Depois eu disse que por cinco milhões de cruzeiros, venderia. Ele disse: Quatro. Por quatro, não vendo. E eu louco para vender o Simca e comprar o terreno. Fechamos por quatro milhões e meio e ele pagou com um pacote de dinheiro. Isso foi em 1960, por aí”.

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“Sempre me interessei pelos nomes das ruas do Cristal. Segundo o livro Vocabulário Tupi-guarani Português, de Francisco da Silveira Bueno, o “y” significa água. Já o “i”, nem sempre. Jataí, por exemplo, significa árvore de fruto duro. Ipacaraí é um lago no Paraguai e é nome de uma música. Aqui, todas as ruas se dirigem ao rio ou são paralelas a ele e todas têm uma vinculação com a água. O Cristal se desenvolveu depois do resto da cidade e de maneira diferen-te dos outros bairros. Foi, portanto, de maneira atípica que as ruas foram nomeadas. Na maioria dos bairros, as vias recebiam nomes de políticos importantes. O Cristal conse-guiu fugir disso”.

“Quando eu tinha lá pelos meus 15 anos, alguém me falou para aparecer no Prado do Moinhos de Vento, para trabalhar e arranjar algum dinheiro. Eu estudava e minha mãe era operária no ramo de confecções. Os caras gostaram de mim e me ensinaram a fazer jogo. Queria o dinheiro para namorar, ir ao cinema. Acabei efetivado. Quando inaugura-ram o Hipódromo do Cristal, me chamaram. Logo, o Jóquei começou a abrir posto de trabalho em tudo que era lugar. No

Bom Fim, também. Era numa esquina da Osvaldo Aranha com a Felipe Camarão, no Bar do Fedor. O Fedor tinha dois andares, com mesa de bilhar. Ali jogava o que havia de mais nobre do povão. E era o Fedor porque os caras jogavam a ma-druga inteira e lá pelas tantas já estava todo mundo bêbado e o bar fedia muito. O Jóquei fez um guichê para vender jogo e me botou de encarregado. Só depois que fui trabalhar na CEEE, me formei em Administração e me aposentei”.

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“Sempre me interessei pelos nomes das ruas do Cristal. Segundo o livro Vocabulário Tupi-guarani Português, de Francisco da Silveira Bueno, o “y” significa água. Já o “i”, nem sempre. Jataí, por exemplo, significa árvore de fruto duro. Ipacaraí é um lago no Paraguai e é nome de uma música. Aqui, todas as ruas se dirigem ao rio ou são paralelas a ele e todas têm uma vinculação com a água. O Cristal se desenvolveu depois do resto da cidade e de maneira diferen-te dos outros bairros. Foi, portanto, de maneira atípica que as ruas foram nomeadas. Na maioria dos bairros, as vias recebiam nomes de políticos importantes. O Cristal conse-guiu fugir disso”.

“Quando eu tinha lá pelos meus 15 anos, alguém me falou para aparecer no Prado do Moinhos de Vento, para trabalhar e arranjar algum dinheiro. Eu estudava e minha mãe era operária no ramo de confecções. Os caras gostaram de mim e me ensinaram a fazer jogo. Queria o dinheiro para namorar, ir ao cinema. Acabei efetivado. Quando inaugura-ram o Hipódromo do Cristal, me chamaram. Logo, o Jóquei começou a abrir posto de trabalho em tudo que era lugar. No

Bom Fim, também. Era numa esquina da Osvaldo Aranha com a Felipe Camarão, no Bar do Fedor. O Fedor tinha dois andares, com mesa de bilhar. Ali jogava o que havia de mais nobre do povão. E era o Fedor porque os caras jogavam a ma-druga inteira e lá pelas tantas já estava todo mundo bêbado e o bar fedia muito. O Jóquei fez um guichê para vender jogo e me botou de encarregado. Só depois que fui trabalhar na CEEE, me formei em Administração e me aposentei”.

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“O Hipódromo era muito movimentado, dia de grande prêmio era como GreNal, juntava trinta mil pessoas da altíssima sociedade, mulherada de chapéu, era um desfile de moda. E todo mundo vinha de carro. No Hipódromo só chegava uma linha de ônibus, a Teresópolis Cavalhada. Havia duas grandes festas. Uma para a abertura do turfe e a outra para o Prêmio Bento Gonçalves. No Estaleiro Só, também tinha festa, mas mediante convite. Nos últimos

“Duas coisas são marcantes no Cristal. Uma delas é a figueira ali da Curupaiti com a Campos Velho. Conta a lenda que a região serviu de refúgio aos farrapos na época da Revolução Farroupilha. Daquele tempo, sobrou só a figueira. E a outra coisa muito linda no bairro é a baía na frente da Fundação Iberê Camargo, a Ponta do Melo. Deve ser o ponto mais lindo do Rio Guaíba e um dos pontos mais bonitos de

tempos, éramos convidados para os lançamentos de navio, por causa do movimento comunitário. Vinha até ministro naquelas festas. Criamos e nos envolvemos em muitas coisa de comunidade na Igreja Santa Tereza. Ali, tinha os alicerces e meia parede em pé. Praticamente construímos a igreja, pavimentamos ruas, arborizamos, conquistamos escolas. Hoje, as ruas do Cristal são pavimentadas. Antes, todas eram de saibro ou chão batido”.

Porto Alegre. De dentro do museu, tu notas bem. O pessoal me chamava de louco por querer morar aqui. Hoje, não há outro lugar para se viver. Quando comecei construir a casa, também pensei que não ficaria aqui, mas acabei me ambien-tando com as pessoas. Nós temos uma vizinhança fenome-nal, criamos nossos filhos aqui, a casa é freqüentada por todo mundo e agora só saímos daqui quando Deus quiser”.

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“O Hipódromo era muito movimentado, dia de grande prêmio era como GreNal, juntava trinta mil pessoas da altíssima sociedade, mulherada de chapéu, era um desfile de moda. E todo mundo vinha de carro. No Hipódromo só chegava uma linha de ônibus, a Teresópolis Cavalhada. Havia duas grandes festas. Uma para a abertura do turfe e a outra para o Prêmio Bento Gonçalves. No Estaleiro Só, também tinha festa, mas mediante convite. Nos últimos

“Duas coisas são marcantes no Cristal. Uma delas é a figueira ali da Curupaiti com a Campos Velho. Conta a lenda que a região serviu de refúgio aos farrapos na época da Revolução Farroupilha. Daquele tempo, sobrou só a figueira. E a outra coisa muito linda no bairro é a baía na frente da Fundação Iberê Camargo, a Ponta do Melo. Deve ser o ponto mais lindo do Rio Guaíba e um dos pontos mais bonitos de

tempos, éramos convidados para os lançamentos de navio, por causa do movimento comunitário. Vinha até ministro naquelas festas. Criamos e nos envolvemos em muitas coisa de comunidade na Igreja Santa Tereza. Ali, tinha os alicerces e meia parede em pé. Praticamente construímos a igreja, pavimentamos ruas, arborizamos, conquistamos escolas. Hoje, as ruas do Cristal são pavimentadas. Antes, todas eram de saibro ou chão batido”.

Porto Alegre. De dentro do museu, tu notas bem. O pessoal me chamava de louco por querer morar aqui. Hoje, não há outro lugar para se viver. Quando comecei construir a casa, também pensei que não ficaria aqui, mas acabei me ambien-tando com as pessoas. Nós temos uma vizinhança fenome-nal, criamos nossos filhos aqui, a casa é freqüentada por todo mundo e agora só saímos daqui quando Deus quiser”.

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O nome oficial das ruas é com “i” no final, mas, grafadas assim, elas não apresentam significados no livro utilizado por Nasson, o Vocabulário Tupi- guarani Português (1998), de Francisco da Silveira Bueno.

ButuyVento que vemda água e da colina

ÍcaraySanta ou benta

JacuyRio dos Jacus

CurupaityLugar de águas brancas epedregulhos

ItapitocayLajeado da pedra onde corre água

Saio

nar

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Leandro Anton

Saionara da SilvaFotos

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O nome oficial das ruas é com “i” no final, mas, grafadas assim, elas não apresentam significados no livro utilizado por Nasson, o Vocabulário Tupi- guarani Português (1998), de Francisco da Silveira Bueno.

ButuyVento que vemda água e da colina

ÍcaraySanta ou benta

JacuyRio dos Jacus

CurupaityLugar de águas brancas epedregulhos

ItapitocayLajeado da pedra onde corre água

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Leandro Anton

Saionara da SilvaFotos

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Por Nicolas Gabriel

Na Vila Nossa Senhora das Graças, também conhecida como Resbalo, o Campo do Neri é lugar de encontro. De amigos, jogadores e atletas de final de semana. Um lugar com o qual todos se identificam e um lugar para ser preservado, como grifa José Santos da Silva, o primeiro administrador do espaço. Silva, ou Seu Neri, hoje é morador da Lomba do Pinheiro, mas a presença dele neste apanhado de causos foi motivada pela história de quase três décadas que ele tem com o Cristal, em especial com os campos e com o futebol amador.Seu Neri veio de Passo Fundo, onde jogou em times como “o

Gaúcho e o Nacional”, e chegou ao Cristal no início da década de 70. Trabalhou como soldador no Estaleiro Só e, em 1979, passou a administrar um campo de futebol na vila Nossa Senhora das Graças. Esta atividade foi tão marcante na região que o campo, mesmo com sua saída do Cristal em 2007, ainda é chamado de Campo do Neri.Seu Neri mostra o acervo fotográfico que guarda dos times, das enchentes do Arroio Cavalhada, do trabalho no Estaleiro Só até 1989 e da família, com orgulho. Relata o auge do futebol amador da região e as façanhas dos mais de 30 times que atuaram na dezena de campos que existiam no Cristal, entre eles o da Vila Resbalo e os campos onde hoje estão instalados o Hipermercado BIG e o Barra Shopping.

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Por Nicolas Gabriel

Na Vila Nossa Senhora das Graças, também conhecida como Resbalo, o Campo do Neri é lugar de encontro. De amigos, jogadores e atletas de final de semana. Um lugar com o qual todos se identificam e um lugar para ser preservado, como grifa José Santos da Silva, o primeiro administrador do espaço. Silva, ou Seu Neri, hoje é morador da Lomba do Pinheiro, mas a presença dele neste apanhado de causos foi motivada pela história de quase três décadas que ele tem com o Cristal, em especial com os campos e com o futebol amador.Seu Neri veio de Passo Fundo, onde jogou em times como “o

Gaúcho e o Nacional”, e chegou ao Cristal no início da década de 70. Trabalhou como soldador no Estaleiro Só e, em 1979, passou a administrar um campo de futebol na vila Nossa Senhora das Graças. Esta atividade foi tão marcante na região que o campo, mesmo com sua saída do Cristal em 2007, ainda é chamado de Campo do Neri.Seu Neri mostra o acervo fotográfico que guarda dos times, das enchentes do Arroio Cavalhada, do trabalho no Estaleiro Só até 1989 e da família, com orgulho. Relata o auge do futebol amador da região e as façanhas dos mais de 30 times que atuaram na dezena de campos que existiam no Cristal, entre eles o da Vila Resbalo e os campos onde hoje estão instalados o Hipermercado BIG e o Barra Shopping.

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A relação de Neri com o futebol culminou em um trabalho com crianças da região que já soma 26 anos. A idéia dele parece simples, mas funciona. Proporcionar alternativas ao tráfico e à criminalidade, através do esporte. Ele confidencia que uma de suas maiores críticas à maneira como as cidades vêm ocupando as áreas periféricas é a remoção de comuni-dades e a extinção de campos como o seu “para construção de novos condomínios e grandes empreendimentos, sem

que sejam ofertados espaços de lazer para os moradores”. Argumentos contra não faltam para o que Seu Neri consi-dera um verdadeiro extermínio da vida social das popula-ções de mais baixa renda, o desaparecimento dos times, o consequente envolvimento dos jovens com o crime, o au-mento da violência, a redução da alegria e da integração entre a comunidade: “As famílias de baixa renda são as que mais sentem este crescimento da cidade a qualquer custo”.

No Campo do Neri, os encontros de final de semana são sagrados e o local funciona também como um museu da memória dos times que por ali passaram. O Rio Branco da Santa Tereza, 11 Amigos da Icaraí, Águia Branca, Jamaica, Juventus, Jaguari, Comandaí, Chacrinha, Vila Cristal, Erechim, América, Ipiranga, Expresso Azul, Bica, Sac, Unidos da Santa Teresa, Cruzeirinho, Às de Ouro, Correia Lima, Sociedade Esportiva Vila Assunção, Canarinho, Palmeirinhas, Fluminense, Botafogo, Terremoto, Furacão, Pratense, União Santos, Santa Anita, Nacional, Comerciário, Bangú, Farroupilha, Termolar, União Portoalegrense, Pedreira, Vila Gaúcha da Santa Teresa e o Unidos do Canto da Bom Jesus. Sem esquecer, é claro, do Esporte Clube Unidos da Zona Sul, time do Seu Neri que segue com o nome escrito nas paredes dos vestiários do campo da Vila.Quem melhor resume o significado do lugar é Jorge Luiz, 39 anos, morador do Cristal há uma década e que há mais de quinze anos joga ali. Luiz não chegou a conhecer os campos onde hoje estão o Big e o Barra e conta que quando conheceu o Campo do Neri, ele ainda não era cercado por casas. “Tinham eucaliptos grandes por ali. Agora, um dia por semana, juntamos o pessoal da comunidade para cortar a grama do campo e manter o lugar bom para o jogo”. Luiz conta que ouviu falar da possibilidade da remoção de

casas do bairro por causa do avanço da especulação imobiliária na região. O medo é que, além das casas, o campo também seja removido. “O pessoal não teria mais onde jogar. Isso aqui é um privilégio, sem o campo não haveria o que fazer nos finais de semana. Este local representa o lazer, a gurizada joga bola todos os finais de semana, monta um time, vem gente de fora jogar. Todos são considerados da comunidade, se respeitam, não há brigas”, explica.

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A relação de Neri com o futebol culminou em um trabalho com crianças da região que já soma 26 anos. A idéia dele parece simples, mas funciona. Proporcionar alternativas ao tráfico e à criminalidade, através do esporte. Ele confidencia que uma de suas maiores críticas à maneira como as cidades vêm ocupando as áreas periféricas é a remoção de comuni-dades e a extinção de campos como o seu “para construção de novos condomínios e grandes empreendimentos, sem

que sejam ofertados espaços de lazer para os moradores”. Argumentos contra não faltam para o que Seu Neri consi-dera um verdadeiro extermínio da vida social das popula-ções de mais baixa renda, o desaparecimento dos times, o consequente envolvimento dos jovens com o crime, o au-mento da violência, a redução da alegria e da integração entre a comunidade: “As famílias de baixa renda são as que mais sentem este crescimento da cidade a qualquer custo”.

No Campo do Neri, os encontros de final de semana são sagrados e o local funciona também como um museu da memória dos times que por ali passaram. O Rio Branco da Santa Tereza, 11 Amigos da Icaraí, Águia Branca, Jamaica, Juventus, Jaguari, Comandaí, Chacrinha, Vila Cristal, Erechim, América, Ipiranga, Expresso Azul, Bica, Sac, Unidos da Santa Teresa, Cruzeirinho, Às de Ouro, Correia Lima, Sociedade Esportiva Vila Assunção, Canarinho, Palmeirinhas, Fluminense, Botafogo, Terremoto, Furacão, Pratense, União Santos, Santa Anita, Nacional, Comerciário, Bangú, Farroupilha, Termolar, União Portoalegrense, Pedreira, Vila Gaúcha da Santa Teresa e o Unidos do Canto da Bom Jesus. Sem esquecer, é claro, do Esporte Clube Unidos da Zona Sul, time do Seu Neri que segue com o nome escrito nas paredes dos vestiários do campo da Vila.Quem melhor resume o significado do lugar é Jorge Luiz, 39 anos, morador do Cristal há uma década e que há mais de quinze anos joga ali. Luiz não chegou a conhecer os campos onde hoje estão o Big e o Barra e conta que quando conheceu o Campo do Neri, ele ainda não era cercado por casas. “Tinham eucaliptos grandes por ali. Agora, um dia por semana, juntamos o pessoal da comunidade para cortar a grama do campo e manter o lugar bom para o jogo”. Luiz conta que ouviu falar da possibilidade da remoção de

casas do bairro por causa do avanço da especulação imobiliária na região. O medo é que, além das casas, o campo também seja removido. “O pessoal não teria mais onde jogar. Isso aqui é um privilégio, sem o campo não haveria o que fazer nos finais de semana. Este local representa o lazer, a gurizada joga bola todos os finais de semana, monta um time, vem gente de fora jogar. Todos são considerados da comunidade, se respeitam, não há brigas”, explica.

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Hoje, o responsável pelo Campo do Neri é Jose Antonio da Silva, mais conhecido por Zé Coqueiro. “O campo não é meu, é da comunidade, eu só cuido da copa. O Neri cuidou por quase vinte anos, há seis eu estou aqui. A minha turma é só de veteranos, nos reunimos para fazer festa. A turma é da musica. Aqui tocamos, jogamos, perdemos, ganhamos...”, diz Zé Coqueiro, que fez carreira como músico. A dupla era conhecida como Zé Coqueiro e Mulatinho. Depois, tocou em um conjunto gauchesco. Veio de Sapiranga, mas nasceu em

Rolante. “Estava ruim de serviço, mudei para Capão Novo. Trabalhei em obra, depois comecei a vender pastel. Minha mulher veio pra cá e eu vim atrás”. Zé conta que, com a idade avançada, virou papeleiro. “Agora estou aqui, esperando a morte chegar, como na música do Raul Seixas. Os filhos estão criados, são 14. Seis aqui, e oito com a ex-mulher”.A festa mais animada no Campo do Neri é quando chegam as excursões de times de futebol do interior. “A gente ainda toca. Guitarra, violão, cavaco, pandeiro... Sempre que dá

vontade, mas três vezes por semana sou papeleiro. Faço duas viagens por dia. Nas terças e nas quintas, eu folgo porque não agüento. Aí, trabalho aqui na copa do campo. O campo significa reunir os amigos de futebol. Só para enganar, jogamos canastra, dominó. Tomamos cerveja, caipirinha, cachaça. Tocamos música. E para se encontrar ao meio dia, tem comida. Domingo, tem jogo. Compramos um pedaço de carne, damos aquela temperadinha... Sem o campo, essa vida seria muito monótona”.

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Hoje, o responsável pelo Campo do Neri é Jose Antonio da Silva, mais conhecido por Zé Coqueiro. “O campo não é meu, é da comunidade, eu só cuido da copa. O Neri cuidou por quase vinte anos, há seis eu estou aqui. A minha turma é só de veteranos, nos reunimos para fazer festa. A turma é da musica. Aqui tocamos, jogamos, perdemos, ganhamos...”, diz Zé Coqueiro, que fez carreira como músico. A dupla era conhecida como Zé Coqueiro e Mulatinho. Depois, tocou em um conjunto gauchesco. Veio de Sapiranga, mas nasceu em

Rolante. “Estava ruim de serviço, mudei para Capão Novo. Trabalhei em obra, depois comecei a vender pastel. Minha mulher veio pra cá e eu vim atrás”. Zé conta que, com a idade avançada, virou papeleiro. “Agora estou aqui, esperando a morte chegar, como na música do Raul Seixas. Os filhos estão criados, são 14. Seis aqui, e oito com a ex-mulher”.A festa mais animada no Campo do Neri é quando chegam as excursões de times de futebol do interior. “A gente ainda toca. Guitarra, violão, cavaco, pandeiro... Sempre que dá

vontade, mas três vezes por semana sou papeleiro. Faço duas viagens por dia. Nas terças e nas quintas, eu folgo porque não agüento. Aí, trabalho aqui na copa do campo. O campo significa reunir os amigos de futebol. Só para enganar, jogamos canastra, dominó. Tomamos cerveja, caipirinha, cachaça. Tocamos música. E para se encontrar ao meio dia, tem comida. Domingo, tem jogo. Compramos um pedaço de carne, damos aquela temperadinha... Sem o campo, essa vida seria muito monótona”.

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Zé Coqueiro também teme a remoção do campo e das casas de muitos vizinhos. “Estamos aguardando a remoção para sair daqui. A minha casa está em área de risco, então vou sair. Estamos esperando o bônus para adquirir uma casa no interior. Isso aqui é uma área verde, vão tirar tudo, seguramente. Aqui vai ter só apartamento. Só não invadiram o campo e nos tiraram daqui porque a comunidade usa”. São quase cem pessoas a cada final de semana. “Nós aqui na farra, e a gurizada jogando. Quem bate bola aqui, não está na rua usando droga. E aqui também tem instrumento musical sobrando”, convida Zé Coqueiro, enquanto é tempo.

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Zé Coqueiro também teme a remoção do campo e das casas de muitos vizinhos. “Estamos aguardando a remoção para sair daqui. A minha casa está em área de risco, então vou sair. Estamos esperando o bônus para adquirir uma casa no interior. Isso aqui é uma área verde, vão tirar tudo, seguramente. Aqui vai ter só apartamento. Só não invadiram o campo e nos tiraram daqui porque a comunidade usa”. São quase cem pessoas a cada final de semana. “Nós aqui na farra, e a gurizada jogando. Quem bate bola aqui, não está na rua usando droga. E aqui também tem instrumento musical sobrando”, convida Zé Coqueiro, enquanto é tempo.

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Por Douglas Oliveira e Cristina Nascimento

No final de 2009, um projeto de lei encami-nhado pelo Poder Executivo para apreciação na Assembléia Legislativa autorizava a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Estado do Rio Grande do Sul (Fase) a alienar ou permutar o terreno que ainda hoje abriga cinco de suas sedes, na Avenida Padre Cacique. A proposta tinha como justificativa melhorar o atendimento aos menores, através da descentralização da fundação. A forma como se daria a reestruturação da Fase não estava exatamente planejada ou divulgada e inúmeros pontos obscuros no projeto de lei levantaram suspeitas e mobilizaram as comunidades do morro e ao redor dele. A dúvida pairava sobre o valor do terreno de 73,3 hectares, que o governo havia avaliado em R$ 79,3 milhões, ou seja, R$ 1,082 milhão por hectare. Na época, próximo ao local, o Estádio dos Eucaliptos, com dois hectares, havia sido colocado à venda por R$ 20 milhões.

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Por Douglas Oliveira e Cristina Nascimento

No final de 2009, um projeto de lei encami-nhado pelo Poder Executivo para apreciação na Assembléia Legislativa autorizava a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Estado do Rio Grande do Sul (Fase) a alienar ou permutar o terreno que ainda hoje abriga cinco de suas sedes, na Avenida Padre Cacique. A proposta tinha como justificativa melhorar o atendimento aos menores, através da descentralização da fundação. A forma como se daria a reestruturação da Fase não estava exatamente planejada ou divulgada e inúmeros pontos obscuros no projeto de lei levantaram suspeitas e mobilizaram as comunidades do morro e ao redor dele. A dúvida pairava sobre o valor do terreno de 73,3 hectares, que o governo havia avaliado em R$ 79,3 milhões, ou seja, R$ 1,082 milhão por hectare. Na época, próximo ao local, o Estádio dos Eucaliptos, com dois hectares, havia sido colocado à venda por R$ 20 milhões.

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As comunidades sabiam que a região era extremamente valorizada. Praticamente em frente ao estádio Beira-Rio, na rota da Copa do Mundo de 2014, recebendo atenção e investimentos tanto da iniciativa privada, quanto do poder público. Lideranças de movimentos sociais argumentaram que não era necessário entregar o terreno para melhorar o atendimento da Fase e ambientalistas levantaram questões importantes de preservação ambiental. Além de fauna e flora típicos, o terreno ainda abriga prédios considerados patrimônio histórico de Porto Alegre.

A mobilização da população local, de quase 20 mil pessoas, foi imediata e articulada. Algumas famílias já viviam há mais de 40 anos ali. Entre março e junho de 2010, a equipe de repórteres fotográficos do Ponto de Cultura registrou a luta de cada morador e a sua própria luta, já que famílias de alunos e vizinhos de alunos do Ponto seriam diretamente atingidas pela venda do terreno e a conseqüente remoção das casas. Os repórteres do Cristal compraram a briga, que era deles também, e participaram de reuniões, caminhadas e plenárias, todas registradas pelo olhar atento de cada um.

Em abril de 2010, a luta esquentou. As associações de moradores das vilas Gaúcha, União Santa Tereza, Santa Rita, Barracão, Ecológica, Figueira e da Padre Cacique solicitaram audiência pública junto à Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa. Eles denunciavam que o projeto continha irregularidades e defendiam que a matéria fosse debatida pela sociedade e pelas comunidades envolvi-das e não submetida à votação às pressas na Assembléia. No mês seguinte, a primeira conquista. O Ministério Público do estado recomendou à Casa Civil a retirada do regime de

urgência da votação sob o argumento de que tramitava uma ação civil pública que buscava a regularização fundiária das vilas Ecológica, Gaúcha e Santa Tereza, localizadas na área que o governo estadual pretendia alienar. Logo, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre também fez a mesma recomendação. Em 23 de junho do mesmo ano, após inten-sas manifestações que geraram até acampamentos em fren-te à Assembléia Legislativa do estado, a população pode comemorar a retirada do projeto de lei que permitiria a venda do terreno e a remoção de inúmeras famílias.

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As comunidades sabiam que a região era extremamente valorizada. Praticamente em frente ao estádio Beira-Rio, na rota da Copa do Mundo de 2014, recebendo atenção e investimentos tanto da iniciativa privada, quanto do poder público. Lideranças de movimentos sociais argumentaram que não era necessário entregar o terreno para melhorar o atendimento da Fase e ambientalistas levantaram questões importantes de preservação ambiental. Além de fauna e flora típicos, o terreno ainda abriga prédios considerados patrimônio histórico de Porto Alegre.

A mobilização da população local, de quase 20 mil pessoas, foi imediata e articulada. Algumas famílias já viviam há mais de 40 anos ali. Entre março e junho de 2010, a equipe de repórteres fotográficos do Ponto de Cultura registrou a luta de cada morador e a sua própria luta, já que famílias de alunos e vizinhos de alunos do Ponto seriam diretamente atingidas pela venda do terreno e a conseqüente remoção das casas. Os repórteres do Cristal compraram a briga, que era deles também, e participaram de reuniões, caminhadas e plenárias, todas registradas pelo olhar atento de cada um.

Em abril de 2010, a luta esquentou. As associações de moradores das vilas Gaúcha, União Santa Tereza, Santa Rita, Barracão, Ecológica, Figueira e da Padre Cacique solicitaram audiência pública junto à Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa. Eles denunciavam que o projeto continha irregularidades e defendiam que a matéria fosse debatida pela sociedade e pelas comunidades envolvi-das e não submetida à votação às pressas na Assembléia. No mês seguinte, a primeira conquista. O Ministério Público do estado recomendou à Casa Civil a retirada do regime de

urgência da votação sob o argumento de que tramitava uma ação civil pública que buscava a regularização fundiária das vilas Ecológica, Gaúcha e Santa Tereza, localizadas na área que o governo estadual pretendia alienar. Logo, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre também fez a mesma recomendação. Em 23 de junho do mesmo ano, após inten-sas manifestações que geraram até acampamentos em fren-te à Assembléia Legislativa do estado, a população pode comemorar a retirada do projeto de lei que permitiria a venda do terreno e a remoção de inúmeras famílias.

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Estas famílias estão representadas pelas pessoas entrevis-tadas aqui. Cada uma delas possui uma história íntima com o Morro Santa Tereza ou com a área específica da Fase. Júlio Pacheco e Nádia Maria Pacheco são irmãos que nasceram, com a parteira do local, dentro da área da fundação. Cresceram ali, na casa que o pai construiu em 1958, antes mesmo da Fase existir nos moldes que tem hoje. Gabriel Nascimento é um dos primeiros moradores da Vila União Santa Tereza. Ele comprou a casa do guarda do terreno e acabou de vigília, quase sem querer. Dona Cecília conhece a Vila Gaúcha desde a época em que o local era chamado de Buraco Quente e completa o apanhado de histórias que o Morro Santa Tereza guarda.

“Conta a história que Don Pedro II esteve aqui em Porto Alegre. Imagina o visual, o mato fechado, o rio logo ali, ele se apaixonou e comprou as terras. Em homenagem à mulher dele, Maria Tereza de Bourbon e Bragança ele deu o nome do morro. Aqui adiante, no prédio grande verde antigo da Fase, o sonho dele era criar um orfanato, para meninas pobres. Só depois que isso aqui virou Febem. Quando meu pai veio pra cá tudo era administrado por padres. O Padre Maroco, que é vivo ainda, cuidava de tudo. Isso aqui era mata nativa, não tinha aterro nem nada, nós pescávamos ali, naquela sombra. Nem era Febem ainda, era um sistema para órfãos de pai e mãe e pobres que os pais não podiam criar, não era para menores infratores.

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Estas famílias estão representadas pelas pessoas entrevis-tadas aqui. Cada uma delas possui uma história íntima com o Morro Santa Tereza ou com a área específica da Fase. Júlio Pacheco e Nádia Maria Pacheco são irmãos que nasceram, com a parteira do local, dentro da área da fundação. Cresceram ali, na casa que o pai construiu em 1958, antes mesmo da Fase existir nos moldes que tem hoje. Gabriel Nascimento é um dos primeiros moradores da Vila União Santa Tereza. Ele comprou a casa do guarda do terreno e acabou de vigília, quase sem querer. Dona Cecília conhece a Vila Gaúcha desde a época em que o local era chamado de Buraco Quente e completa o apanhado de histórias que o Morro Santa Tereza guarda.

“Conta a história que Don Pedro II esteve aqui em Porto Alegre. Imagina o visual, o mato fechado, o rio logo ali, ele se apaixonou e comprou as terras. Em homenagem à mulher dele, Maria Tereza de Bourbon e Bragança ele deu o nome do morro. Aqui adiante, no prédio grande verde antigo da Fase, o sonho dele era criar um orfanato, para meninas pobres. Só depois que isso aqui virou Febem. Quando meu pai veio pra cá tudo era administrado por padres. O Padre Maroco, que é vivo ainda, cuidava de tudo. Isso aqui era mata nativa, não tinha aterro nem nada, nós pescávamos ali, naquela sombra. Nem era Febem ainda, era um sistema para órfãos de pai e mãe e pobres que os pais não podiam criar, não era para menores infratores.

Douglas Oliveira Eduardo Seidl

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Meu pai, que era funcionário do estado, e a minha mãe dedicaram a vida inteira à causa do menor. Minha mãe foi cozinheira, monitora e costureira aqui. Meu pai foi monitor e auxiliar de manutenção. Dedicou 40 anos da vida ao menor. Muito antes das pedagogias que existem hoje, muito antes disso, era a coisa do pai e da mãe, que cuidavam do menor, e dos outros funcionários. Tem uma história de um menor que apareceu aqui na frente uma vez, com um carrão, muito bem vestido, com dois filhos. Ele desceu do carro e perguntou se era aqui que

morava o Seu Pacheco. E eu disse que sim e tal. Ele começou a chorar e contou que havia sido interno da Febem e que hoje trabalhava em uma indústria grande em Minas Gerais. E apresentou a mulher e os filhos. Contou que queria que eles conhecessem meu pai, que foi o pai que ele não teve. E meu pai, que cuidou desse homem como um filho, morreu com quase 80 anos, sem ver esse terreno onde a minha família mora até hoje ser titularizado. Hoje, quando eu digo que moro atrás da Fase, as pessoas perguntam: Sério, e as rebeliões? Aqui nessa casa nunca

sumiu uma meia. Tu vês alguma cerca elétrica aqui? E ainda falam de quem mora em vila. Aqui, a casa fica aberta, as coisas ficam na rua. A gente tem instrumento musical, televisão. Tu vai no Chácara das Pedras, que é bairro de rico, tem segurança paga na rua, cheio de cerca. Aqui não é assim. Aqui onde nós estamos tinha tatu, se tu dormires uma noite aqui tu vais ouvir galinha do mato cantando, tu vais ver saracura, volta e meia tem gambá no meio do mato. Aqui é a ultima área de Porto Alegre com mata ciliar. Existem 16 espécies nativas do estado que só existem nesse morro.

Na Constituição brasileira está escrito, todo mundo tem direito a moradia e a condições básicas de vida. Por que despejar essas pessoas? Uma coisa é despejar 50 pessoas, outra é despejar vinte mil. É irreal, é do tamanho de uma cidade do interior. Eles vão construir uma cidade para nós? Querem fazer aqui um bairro para ricos. Eu não sou contra, há ricos que cresceram e tem consciência social, mas existe a especulação imobiliária. Ou tu achas que vai ter apartamento aqui por 100 mil reais? Essa é a última área nobre de Porto Alegre, aqui de frente pro rio”.

Leandro Anton

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Meu pai, que era funcionário do estado, e a minha mãe dedicaram a vida inteira à causa do menor. Minha mãe foi cozinheira, monitora e costureira aqui. Meu pai foi monitor e auxiliar de manutenção. Dedicou 40 anos da vida ao menor. Muito antes das pedagogias que existem hoje, muito antes disso, era a coisa do pai e da mãe, que cuidavam do menor, e dos outros funcionários. Tem uma história de um menor que apareceu aqui na frente uma vez, com um carrão, muito bem vestido, com dois filhos. Ele desceu do carro e perguntou se era aqui que

morava o Seu Pacheco. E eu disse que sim e tal. Ele começou a chorar e contou que havia sido interno da Febem e que hoje trabalhava em uma indústria grande em Minas Gerais. E apresentou a mulher e os filhos. Contou que queria que eles conhecessem meu pai, que foi o pai que ele não teve. E meu pai, que cuidou desse homem como um filho, morreu com quase 80 anos, sem ver esse terreno onde a minha família mora até hoje ser titularizado. Hoje, quando eu digo que moro atrás da Fase, as pessoas perguntam: Sério, e as rebeliões? Aqui nessa casa nunca

sumiu uma meia. Tu vês alguma cerca elétrica aqui? E ainda falam de quem mora em vila. Aqui, a casa fica aberta, as coisas ficam na rua. A gente tem instrumento musical, televisão. Tu vai no Chácara das Pedras, que é bairro de rico, tem segurança paga na rua, cheio de cerca. Aqui não é assim. Aqui onde nós estamos tinha tatu, se tu dormires uma noite aqui tu vais ouvir galinha do mato cantando, tu vais ver saracura, volta e meia tem gambá no meio do mato. Aqui é a ultima área de Porto Alegre com mata ciliar. Existem 16 espécies nativas do estado que só existem nesse morro.

Na Constituição brasileira está escrito, todo mundo tem direito a moradia e a condições básicas de vida. Por que despejar essas pessoas? Uma coisa é despejar 50 pessoas, outra é despejar vinte mil. É irreal, é do tamanho de uma cidade do interior. Eles vão construir uma cidade para nós? Querem fazer aqui um bairro para ricos. Eu não sou contra, há ricos que cresceram e tem consciência social, mas existe a especulação imobiliária. Ou tu achas que vai ter apartamento aqui por 100 mil reais? Essa é a última área nobre de Porto Alegre, aqui de frente pro rio”.

Leandro Anton

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Eduardo Seidl

“Meus pais, quando casaram, compraram um terreno com uma casa em Ipanema, que dava pro lado da praia. Na época, a minha mãe já trabalhava aqui, no Asilo São Joaquim, que abrigava crianças de seis a doze anos. É onde funciona a administração da Fase hoje. Quando os dois começaram a trabalhar, o chefe disse, venham pra cá, é mais fácil para chegar e sair. Aqui tinha uma nascente de água que secou. Era tipo uma lagoa, a água era límpida e a gente ia nadar. Também costumávamos nadar até o Gasômetro.Aqui, a minha mãe cuidava de quase 200 meninas. Na época, chamavam-na de mordoma. Era um quarto imenso, com várias camas. Meus pais também casaram aqui, na casa onde hoje mora um vizinho, o Jatair. Nas fotografias do casamento, no dia 2 de julho de 1958, a casa está igual ao que é hoje. Por aqui também morava a Dona Maria Jacó, que fez o parto de todos os que nasciam dentro do terreno da Fase. Ela era a parteira oficial da região. Quem tirava nossas fotos, era um vizinho fotógrafo, mas que já morreu”.

“Eu vim pra cá em 1966, faz 44 anos. Era bem difícil, tudo campo. Não tinha ônibus, não tinha luz, pegava água lá onde hoje é o Colégio Santa Rita. Hoje, ás vezes as pessoas vêm na minha casa reclamar das coisas. E eu digo, cês não têm do quê reclamar! Tinha que ver como era. O posto de saúde que tem hoje, um amigo e eu que inventamos. O Moreno Rosa era uma pessoa muito querida, que morava naquele buraco perto do postinho, é morto já, o coitado. Um dia, estávamos por aí e inventamos de fazer o centro comunitário. Sabe co-mo era? Um barraquinho. Botamos o nome na porta de cen-tro comunitário. E uma vez por mês, ia um médico ali dar consulta. Quando cheguei por aqui, conheci um velho que era guarda da Febem. Ele queria ir embora e vender a casinha de madeira. Comprei e fui na Febem para fazer um documento com o Coronel que mandava ali. Registrado em cartório, me

autorizando a morar aqui. Ele disse: Oh, tu vai morar lá, mas tu vai ficar de guarda. No final, ele me largou uma brasa quente na mão, o pessoal vinha todo dia aqui e todo mundo queria entrar. Eu não podia deixar. Mas as pessoas tinham razão. Sem ter onde morar, queriam construir aqui. Aí pensei, quer saber de uma coisa? Não vou cuidar mais nada, eu só me incomodo. Não queria criar inimizades.Criei meus filhos todos aqui. Tenho três filhos legítimos e uma de criação. Todos eles formados, e uma que está no terceiro ano colegial. As pessoas perguntam como consegui isso morando numa vila? E eu digo, um pouco vai de sorte e do jeito. Eu criei meus filhos no mesmo sistema que meu pai me criou. Primeiro olha pro teu quarto, pra ver se está bem limpinho, antes de olhar pro quarto do vizinho. E agora o governo quer vender essa área. E como é que tu vais tirar al-guém de uma vila onde a pessoa passou a vida toda dela ali?”

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Eduardo Seidl

“Meus pais, quando casaram, compraram um terreno com uma casa em Ipanema, que dava pro lado da praia. Na época, a minha mãe já trabalhava aqui, no Asilo São Joaquim, que abrigava crianças de seis a doze anos. É onde funciona a administração da Fase hoje. Quando os dois começaram a trabalhar, o chefe disse, venham pra cá, é mais fácil para chegar e sair. Aqui tinha uma nascente de água que secou. Era tipo uma lagoa, a água era límpida e a gente ia nadar. Também costumávamos nadar até o Gasômetro.Aqui, a minha mãe cuidava de quase 200 meninas. Na época, chamavam-na de mordoma. Era um quarto imenso, com várias camas. Meus pais também casaram aqui, na casa onde hoje mora um vizinho, o Jatair. Nas fotografias do casamento, no dia 2 de julho de 1958, a casa está igual ao que é hoje. Por aqui também morava a Dona Maria Jacó, que fez o parto de todos os que nasciam dentro do terreno da Fase. Ela era a parteira oficial da região. Quem tirava nossas fotos, era um vizinho fotógrafo, mas que já morreu”.

“Eu vim pra cá em 1966, faz 44 anos. Era bem difícil, tudo campo. Não tinha ônibus, não tinha luz, pegava água lá onde hoje é o Colégio Santa Rita. Hoje, ás vezes as pessoas vêm na minha casa reclamar das coisas. E eu digo, cês não têm do quê reclamar! Tinha que ver como era. O posto de saúde que tem hoje, um amigo e eu que inventamos. O Moreno Rosa era uma pessoa muito querida, que morava naquele buraco perto do postinho, é morto já, o coitado. Um dia, estávamos por aí e inventamos de fazer o centro comunitário. Sabe co-mo era? Um barraquinho. Botamos o nome na porta de cen-tro comunitário. E uma vez por mês, ia um médico ali dar consulta. Quando cheguei por aqui, conheci um velho que era guarda da Febem. Ele queria ir embora e vender a casinha de madeira. Comprei e fui na Febem para fazer um documento com o Coronel que mandava ali. Registrado em cartório, me

autorizando a morar aqui. Ele disse: Oh, tu vai morar lá, mas tu vai ficar de guarda. No final, ele me largou uma brasa quente na mão, o pessoal vinha todo dia aqui e todo mundo queria entrar. Eu não podia deixar. Mas as pessoas tinham razão. Sem ter onde morar, queriam construir aqui. Aí pensei, quer saber de uma coisa? Não vou cuidar mais nada, eu só me incomodo. Não queria criar inimizades.Criei meus filhos todos aqui. Tenho três filhos legítimos e uma de criação. Todos eles formados, e uma que está no terceiro ano colegial. As pessoas perguntam como consegui isso morando numa vila? E eu digo, um pouco vai de sorte e do jeito. Eu criei meus filhos no mesmo sistema que meu pai me criou. Primeiro olha pro teu quarto, pra ver se está bem limpinho, antes de olhar pro quarto do vizinho. E agora o governo quer vender essa área. E como é que tu vais tirar al-guém de uma vila onde a pessoa passou a vida toda dela ali?”

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“Tenho família aqui. Netos e filhos. Quando cheguei, não tinha muitos outros moradores. Fomos construindo tudo, mas não tinha luz, nem água. Eu vim de Ronda Alta para Porto Alegre atrás de trabalho, aos 32 anos. Estou com 71. Mudei para experimentar, trouxe o filho, uma panelinha, um cobertor, um liquinho e dois pratos. Adoro morar na Vila Gaúcha, mas até parei com a reforma da casa por saber que talvez aconteçam as remoções. Não acho que os R$ 40 mil oferecidos compensariam a minha mudança. Lembro de quando tinha que ir buscar água na bica. Agora que tenho água em casa, não trocaria isso por tão pouco. A vila está unida, há pouca gente que quer sair. E quem sair, só sai se ga-nhar outro lugar para ficar. Afinal, o lugar é a gente que faz.”

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“Tenho família aqui. Netos e filhos. Quando cheguei, não tinha muitos outros moradores. Fomos construindo tudo, mas não tinha luz, nem água. Eu vim de Ronda Alta para Porto Alegre atrás de trabalho, aos 32 anos. Estou com 71. Mudei para experimentar, trouxe o filho, uma panelinha, um cobertor, um liquinho e dois pratos. Adoro morar na Vila Gaúcha, mas até parei com a reforma da casa por saber que talvez aconteçam as remoções. Não acho que os R$ 40 mil oferecidos compensariam a minha mudança. Lembro de quando tinha que ir buscar água na bica. Agora que tenho água em casa, não trocaria isso por tão pouco. A vila está unida, há pouca gente que quer sair. E quem sair, só sai se ga-nhar outro lugar para ficar. Afinal, o lugar é a gente que faz.”

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Por Sueda Juliane Martins de Freitas

Com a saída do Jóquei Clube do bairro Moi-nhos de Vento, no final dos anos 50, a nova sede de corrida de cavalos foi construída na área onde antes se localizava uma hospedaria para imigrantes. A hospedaria já era utilizada como quartel de treinamento para montaria desde que Bento Gon-çalves trouxe a Brigada Militar para a antiga construção, tombada como patrimônio histórico da cidade.

Hoje, entre a pista de corridas e a Av. Diário de Notícias estão dois grandes empreendimentos comerciais que adentram a antiga área do Hipódromo: o Supermercado Big e o Barra Shopping Sul, cujo estacionamento se estende ao longo da reta de chegada. Responsáveis pelas principais transformações no cenário do Cristal, as construções modificaram ruas, desalojaram diversas famílias e apagaram do mapa locais que permanecem na memória de quem viveu ali.

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Por Sueda Juliane Martins de Freitas

Com a saída do Jóquei Clube do bairro Moi-nhos de Vento, no final dos anos 50, a nova sede de corrida de cavalos foi construída na área onde antes se localizava uma hospedaria para imigrantes. A hospedaria já era utilizada como quartel de treinamento para montaria desde que Bento Gon-çalves trouxe a Brigada Militar para a antiga construção, tombada como patrimônio histórico da cidade.

Hoje, entre a pista de corridas e a Av. Diário de Notícias estão dois grandes empreendimentos comerciais que adentram a antiga área do Hipódromo: o Supermercado Big e o Barra Shopping Sul, cujo estacionamento se estende ao longo da reta de chegada. Responsáveis pelas principais transformações no cenário do Cristal, as construções modificaram ruas, desalojaram diversas famílias e apagaram do mapa locais que permanecem na memória de quem viveu ali.

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Luiz Nei Dias Sodré, ou Fone, guarda estas lembranças. Até o dia desta entrevista, em que esteve no Hipódromo com um grupo do Ponto de Cultura, nunca mais havia cruzado os portões do local. "Faz uns 30 anos que eu não vinha. Estou com 48, e vinha aqui desde antes dos 15. É estranho, é o tempo, eu lembro do passado, vejo como está hoje. Aqui, é possível ver o tempo, e é triste porque está abandonado, o lugar está morto, como se diz”. Isso porque a adolescência de Fone se mistura aos anos mais glamourosos do Jóquei.A família veio para o Cristal da Vila Cruzeiro. Moraram lá

durante nove anos, pai, mão e oito irmãos. Fone hoje trabalha como cabeleireiro, profissão que exerce desde os 29 anos. Mas o primeiro salário foi por conta de cortar grama e cuidar do cavalo de uma senhora, há muitos anos, no Cristal. Nesses tempos, começou a freqüentar o Hipódromo. “Ali no meio da raia, na parte central, era uma pracinha com roda-gigante, dessas que a pessoa mesmo empurra, aviãozinho e outros brinquedos. No miolo da pista tinha um túnel, com duas mãos, onde passavam carros e pedestres. O lazer era a pracinha do Hipódromo”, ele conta.

Antes"Hoje, domingo, seria um dia que o Hipódromo estaria bombando. Nós vínhamos ver a corrida. A pracinha aqui era nosso parquinho gratuito. A passagem onde estamos agora era especialmente para carros e pessoas. O público ficava dividido nestas três arquibancadas. A primeira, a menor, recebia os vips, os criadores de cavalo. A segunda, a do meio, era para o público que vinha apostar, a classe média. A terceira arquibancada era para os pobres. Ás vezes eu tentava vender meus doces ali e não me deixavam entrar. Diziam para ir vender lá na geral. Eu vendia doces que comprava na Praça Parobé. Rosca, mil folhas, bolo inglês. Nós vínhamos aqui, no prédio dos donos de cavalos, como se dizia, para andar de escada rolante. A gente tinha que passar por um guarda”.

Agora“Hoje, você chega aqui e vê só os cabeças brancas. Não é uma coisa atual.Muitos que estão aqui são os guris da minha época. De qualquer forma, eu me sinto bem aqui, situado no tempo e tudo isso, moro aqui, trabalho aqui. Não penso em sair do Cristal, embora eu saiba que muitas famílias estão sendo removidas daqui. Onde é a escolinha do Grêmio hoje, era onde íamos nadar no Guaíba. Ali tinha mato, depois colocaram pedras e começaram a criar os campos. Agora ali é privado, tiraram a oportunidade das pessoas de ficar na beira do Guaíba, desfrutar daquele espaço. Ali no Pontal do Estaleiro, tinham pescadores. Agora demoliram, não deixam mais os caras nem pescar lá. Está cercado e ninguém sabe o que vai acontecer, você tem que ouvir a explicação de que não pode mais acessar, e aceitar”.

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Luiz Nei Dias Sodré, ou Fone, guarda estas lembranças. Até o dia desta entrevista, em que esteve no Hipódromo com um grupo do Ponto de Cultura, nunca mais havia cruzado os portões do local. "Faz uns 30 anos que eu não vinha. Estou com 48, e vinha aqui desde antes dos 15. É estranho, é o tempo, eu lembro do passado, vejo como está hoje. Aqui, é possível ver o tempo, e é triste porque está abandonado, o lugar está morto, como se diz”. Isso porque a adolescência de Fone se mistura aos anos mais glamourosos do Jóquei.A família veio para o Cristal da Vila Cruzeiro. Moraram lá

durante nove anos, pai, mão e oito irmãos. Fone hoje trabalha como cabeleireiro, profissão que exerce desde os 29 anos. Mas o primeiro salário foi por conta de cortar grama e cuidar do cavalo de uma senhora, há muitos anos, no Cristal. Nesses tempos, começou a freqüentar o Hipódromo. “Ali no meio da raia, na parte central, era uma pracinha com roda-gigante, dessas que a pessoa mesmo empurra, aviãozinho e outros brinquedos. No miolo da pista tinha um túnel, com duas mãos, onde passavam carros e pedestres. O lazer era a pracinha do Hipódromo”, ele conta.

Antes"Hoje, domingo, seria um dia que o Hipódromo estaria bombando. Nós vínhamos ver a corrida. A pracinha aqui era nosso parquinho gratuito. A passagem onde estamos agora era especialmente para carros e pessoas. O público ficava dividido nestas três arquibancadas. A primeira, a menor, recebia os vips, os criadores de cavalo. A segunda, a do meio, era para o público que vinha apostar, a classe média. A terceira arquibancada era para os pobres. Ás vezes eu tentava vender meus doces ali e não me deixavam entrar. Diziam para ir vender lá na geral. Eu vendia doces que comprava na Praça Parobé. Rosca, mil folhas, bolo inglês. Nós vínhamos aqui, no prédio dos donos de cavalos, como se dizia, para andar de escada rolante. A gente tinha que passar por um guarda”.

Agora“Hoje, você chega aqui e vê só os cabeças brancas. Não é uma coisa atual.Muitos que estão aqui são os guris da minha época. De qualquer forma, eu me sinto bem aqui, situado no tempo e tudo isso, moro aqui, trabalho aqui. Não penso em sair do Cristal, embora eu saiba que muitas famílias estão sendo removidas daqui. Onde é a escolinha do Grêmio hoje, era onde íamos nadar no Guaíba. Ali tinha mato, depois colocaram pedras e começaram a criar os campos. Agora ali é privado, tiraram a oportunidade das pessoas de ficar na beira do Guaíba, desfrutar daquele espaço. Ali no Pontal do Estaleiro, tinham pescadores. Agora demoliram, não deixam mais os caras nem pescar lá. Está cercado e ninguém sabe o que vai acontecer, você tem que ouvir a explicação de que não pode mais acessar, e aceitar”.

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por Sueda Juliane

O Arroio Cavalhada é um dos muitos cursos

d'água que cortam Porto Alegre. Sua nascente está no alto do Morro da Pedra Redonda, e ele passa pelo Morro Belém Velho, atravessa diversos bairros, até desaguar no Guaíba. Dele, saem o Arroio Passo Fundo e o Arroio do Morro Teresópolis. No Cristal, o Cavalhada é parte da vida e do imaginário. No entanto, problemas típicos foram se acumulando ao seu redor: o curso d´água se tornou extremamente poluído e sujeito a inundações e desmoronamentos. Apesar das

inúmeras reclamações, em alguns pontos do arroio a canalização acabou ficando por responsabilidade da vizinhança, enquanto que em outros a Prefeitura canalizou definitivamente o córrego. Terezinha Garcia Soares, 66 anos, veio de Alegrete para Porto Alegre com três anos de idade “viver com outra família”. “Fui dada porque minha mãe morreu”, conta. Terezinha mora há 50 anos na Vila Hípica, nunca foi ao Barra Shopping, nem à Fundação Iberê Camargo e tem quatro filhos. Poucos conhecem como ela o Cavalhada e as histórias do Cristal.

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por Sueda Juliane

O Arroio Cavalhada é um dos muitos cursos

d'água que cortam Porto Alegre. Sua nascente está no alto do Morro da Pedra Redonda, e ele passa pelo Morro Belém Velho, atravessa diversos bairros, até desaguar no Guaíba. Dele, saem o Arroio Passo Fundo e o Arroio do Morro Teresópolis. No Cristal, o Cavalhada é parte da vida e do imaginário. No entanto, problemas típicos foram se acumulando ao seu redor: o curso d´água se tornou extremamente poluído e sujeito a inundações e desmoronamentos. Apesar das

inúmeras reclamações, em alguns pontos do arroio a canalização acabou ficando por responsabilidade da vizinhança, enquanto que em outros a Prefeitura canalizou definitivamente o córrego. Terezinha Garcia Soares, 66 anos, veio de Alegrete para Porto Alegre com três anos de idade “viver com outra família”. “Fui dada porque minha mãe morreu”, conta. Terezinha mora há 50 anos na Vila Hípica, nunca foi ao Barra Shopping, nem à Fundação Iberê Camargo e tem quatro filhos. Poucos conhecem como ela o Cavalhada e as histórias do Cristal.

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“A única coisa que eu adoro é o Cristal, tenho loucura por esse bairro. Eu casei e vim pra cá. Eu não tinha nem filho, nasceu tudo aqui. Antes era tudo mato, o riacho e o prado, e não dava enchente. Tinha a minha casa e mais umas três aqui, os outros moradores antigos até já morreram. Quando eu vim pra cá, não tinha o Hipódromo, não tinha nada. Para ir na venda, eu ia com o vizinho por uma trilha. Era lá do outro lado, no armazém do Luis Carlos na saída da Vila Lapa, bem na Wenceslau Escobar com a Diário de Notícias. Quando eu vim pra cá, parecia que eu tinha ido parar num haras, era só mato. Água tinha que buscar lá do outro lado. Passei meu trabalhinho aqui. Buscava água na Vila Resbalo, ali também era mato, mas tinha uma bica, eu ia com o seu Antônio e a falecida Gringa buscar água de balde no pátio do casal que era dono da bica. O Arroio Cavalhada passava por outro lado, não por onde passa hoje e o riacho era bem largo. O Guaíba, pra mim, é uma coisa linda. Nunca tomei banho lá, mas no Arroio Cavalhada, sim. Tomei banho nas enchentes, saí carregada pelos brigadianos”.

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“A única coisa que eu adoro é o Cristal, tenho loucura por esse bairro. Eu casei e vim pra cá. Eu não tinha nem filho, nasceu tudo aqui. Antes era tudo mato, o riacho e o prado, e não dava enchente. Tinha a minha casa e mais umas três aqui, os outros moradores antigos até já morreram. Quando eu vim pra cá, não tinha o Hipódromo, não tinha nada. Para ir na venda, eu ia com o vizinho por uma trilha. Era lá do outro lado, no armazém do Luis Carlos na saída da Vila Lapa, bem na Wenceslau Escobar com a Diário de Notícias. Quando eu vim pra cá, parecia que eu tinha ido parar num haras, era só mato. Água tinha que buscar lá do outro lado. Passei meu trabalhinho aqui. Buscava água na Vila Resbalo, ali também era mato, mas tinha uma bica, eu ia com o seu Antônio e a falecida Gringa buscar água de balde no pátio do casal que era dono da bica. O Arroio Cavalhada passava por outro lado, não por onde passa hoje e o riacho era bem largo. O Guaíba, pra mim, é uma coisa linda. Nunca tomei banho lá, mas no Arroio Cavalhada, sim. Tomei banho nas enchentes, saí carregada pelos brigadianos”.

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“Eu adoro esse bairro. Eu conservei, eu capinei com o meu marido e nós arrumamos tudo. O melhor lugar que tem é aqui. Eu lembro como os coqueiros aqui na volta eram bem pequenininhos. O Estaleiro Só era algo muito bonito. Agora não tem mais, pra mim ali tinha que ter sempre o Estaleiro, porque a gente dobrava a avenida e enxergava aquilo, coisa linda. No museu, eu tinha vontade de colocar uma foto minha. Posso falar? Nunca fui lá, só passo de ônibus”.

“Eu quero que seja para o bem, estou esperando. Quem mora próximo ao arroio, não vai ficar. A maioria, não. Mas quem fez o Cristal, assim para mim, foram essas pessoas. Se tivesse que sair daqui, eu não sairia. Desse lugarzinho, não.

Do cristal, então, não, eu adoro o Cristal. É um direito de quem quer ficar. Que fique! Para mim, o Cristal é por tudo. E se fosse tudo Cristal, seria bom. Mas o bairro vai só até ali no morro e depois, até a Tristeza”.

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Autor Desconhecido | Acervo do Museu Joaquim José Felizardo | Fototeca Sioma Breitman

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“Eu adoro esse bairro. Eu conservei, eu capinei com o meu marido e nós arrumamos tudo. O melhor lugar que tem é aqui. Eu lembro como os coqueiros aqui na volta eram bem pequenininhos. O Estaleiro Só era algo muito bonito. Agora não tem mais, pra mim ali tinha que ter sempre o Estaleiro, porque a gente dobrava a avenida e enxergava aquilo, coisa linda. No museu, eu tinha vontade de colocar uma foto minha. Posso falar? Nunca fui lá, só passo de ônibus”.

“Eu quero que seja para o bem, estou esperando. Quem mora próximo ao arroio, não vai ficar. A maioria, não. Mas quem fez o Cristal, assim para mim, foram essas pessoas. Se tivesse que sair daqui, eu não sairia. Desse lugarzinho, não.

Do cristal, então, não, eu adoro o Cristal. É um direito de quem quer ficar. Que fique! Para mim, o Cristal é por tudo. E se fosse tudo Cristal, seria bom. Mas o bairro vai só até ali no morro e depois, até a Tristeza”.

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Autor Desconhecido | Acervo do Museu Joaquim José Felizardo | Fototeca Sioma Breitman

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por Elincoln Lucas

No verão de 2010, as ruínas do Estaleiro Só

S/A foram derrubadas, a área cercada e instala-dos galpões de obras. A empresa de navios brasileira que teve seu auge nos anos 70 faliu em 1995 e a área com mais de 50 mil metros quadrados junto ao Guaíba ficou desativada desde então. O des-tino do terreno chegou a suscitar uma consulta popular realizada em 23 de agosto de 2009, na qual mais de 18 mil pessoas, de um total de 22 mil, disseram “não” à proposta que permitiria a construção de prédios residenciais na orla do Guaíba.

“Se fossem fazer um livro sobre o Manoel, seria um livro incrível. Uma pessoa que passou por muitos momentos da cidade de Porto Alegre e diz ter ido para outros lugares do mundo… Tudo bem que muita coisa que Seu Manoel diz ter feito pode ser fantasia dele, fantasia essa que se ganha após alguns anos na rua e muito sol na cabeça. Mas ele diz ter quase 83 anos de vida, quem sabe não tenha feito mesmo tudo isso e, talvez, até mais um pouco.”

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por Elincoln Lucas

No verão de 2010, as ruínas do Estaleiro Só

S/A foram derrubadas, a área cercada e instala-dos galpões de obras. A empresa de navios brasileira que teve seu auge nos anos 70 faliu em 1995 e a área com mais de 50 mil metros quadrados junto ao Guaíba ficou desativada desde então. O des-tino do terreno chegou a suscitar uma consulta popular realizada em 23 de agosto de 2009, na qual mais de 18 mil pessoas, de um total de 22 mil, disseram “não” à proposta que permitiria a construção de prédios residenciais na orla do Guaíba.

“Se fossem fazer um livro sobre o Manoel, seria um livro incrível. Uma pessoa que passou por muitos momentos da cidade de Porto Alegre e diz ter ido para outros lugares do mundo… Tudo bem que muita coisa que Seu Manoel diz ter feito pode ser fantasia dele, fantasia essa que se ganha após alguns anos na rua e muito sol na cabeça. Mas ele diz ter quase 83 anos de vida, quem sabe não tenha feito mesmo tudo isso e, talvez, até mais um pouco.”

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O local é considerado um dos recantos mais bonitos da cidade. E é nos escombros desta história que vive até hoje Manuel Arceli Fiuza, o último morador da prainha do Estaleiro. Contar a vida deste senhor que diz ter quase 83 anos e vive sozinho em um barraco na beira do rio parecia um tanto difícil, mas essencial. Difícil porque em toda conversa travada com Seu Manoel surgem questionamentos e dúvidas. Muita coisa parece ser fantasia e as histórias viajam no tempo e no espaço.

Seu Manoel é um típico contador de causos, embora em alguns nem ele próprio acredite. A verdade é que ao lado do cachorro Linguado, vigilante e companheiro, hoje Seu Manoel trabalha com separação de materiais recicláveis. Uma vez por semana, um caminhão recolhe o lixo que ele guarda ao redor do barraco. O último morador das margens do rio também tem dois filhos, que trabalham em supermercados do Cristal e como caseiros em residências vizinhas.

Para reunir os pedaços de memória de Seu Manoel nesta entrevista, aconteceram vários encontros. Algumas vezes, foi difícil encontrá-lo e em uma dessas ocasiões até um de seus filhos, chamado Rod Stewart, foi entrevistado. No terceiro encontro, quando a intenção era fazer uma sessão de fotos com Seu Manoel, principalmente com a câmera pinhole, ele surpreendeu a todos mais uma vez, pelo conhecimento sobre a câmera, tempos de exposição e outros detalhes técnicos. Seu Manuel nasceu em Jacuizinho e chegou a Porto Alegre em 1969, direto para o Cristal. Diz que nasceu em 1927, o que parece pouco provável para quem o vê. Conta que começou a trabalhar no restaurante do Estaleiro Só como auxiliar de cozinha e só depois foi contratado na fabricação de navios. Não faltam histórias de viagens feitas nas embarcações que construiu, com o Ramos ou o Tony Furta-do. Deixou o trabalho no Estaleiro apenas em 1992, conhece todos os cantos do Cristal e grande parte dos moradores. Na figueira da Rua Curupaití, por exemplo, conheceu Gildo de Freitas e jura ter ajudado Teixeirinha a escrever o filme "Carmen, A Cigana", de 1976. O lugar do qual mais gosta, no entanto, é o Morro Santa Tereza, onde ele normalmente vai para pensar, olhar a vista e caminhar. “Quem não gosta dali, não é mesmo? Se vê uma boa parte da cidade lá de cima. Ás vezes, estou caminhando e me perco... e do nada chego no morro!", conta. Talvez, seja o morro que o chame, lugares especiais assim chamam as pessoas.

Elincoln Lucas Eduardo SeidlFotos

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O local é considerado um dos recantos mais bonitos da cidade. E é nos escombros desta história que vive até hoje Manuel Arceli Fiuza, o último morador da prainha do Estaleiro. Contar a vida deste senhor que diz ter quase 83 anos e vive sozinho em um barraco na beira do rio parecia um tanto difícil, mas essencial. Difícil porque em toda conversa travada com Seu Manoel surgem questionamentos e dúvidas. Muita coisa parece ser fantasia e as histórias viajam no tempo e no espaço.

Seu Manoel é um típico contador de causos, embora em alguns nem ele próprio acredite. A verdade é que ao lado do cachorro Linguado, vigilante e companheiro, hoje Seu Manoel trabalha com separação de materiais recicláveis. Uma vez por semana, um caminhão recolhe o lixo que ele guarda ao redor do barraco. O último morador das margens do rio também tem dois filhos, que trabalham em supermercados do Cristal e como caseiros em residências vizinhas.

Para reunir os pedaços de memória de Seu Manoel nesta entrevista, aconteceram vários encontros. Algumas vezes, foi difícil encontrá-lo e em uma dessas ocasiões até um de seus filhos, chamado Rod Stewart, foi entrevistado. No terceiro encontro, quando a intenção era fazer uma sessão de fotos com Seu Manoel, principalmente com a câmera pinhole, ele surpreendeu a todos mais uma vez, pelo conhecimento sobre a câmera, tempos de exposição e outros detalhes técnicos. Seu Manuel nasceu em Jacuizinho e chegou a Porto Alegre em 1969, direto para o Cristal. Diz que nasceu em 1927, o que parece pouco provável para quem o vê. Conta que começou a trabalhar no restaurante do Estaleiro Só como auxiliar de cozinha e só depois foi contratado na fabricação de navios. Não faltam histórias de viagens feitas nas embarcações que construiu, com o Ramos ou o Tony Furta-do. Deixou o trabalho no Estaleiro apenas em 1992, conhece todos os cantos do Cristal e grande parte dos moradores. Na figueira da Rua Curupaití, por exemplo, conheceu Gildo de Freitas e jura ter ajudado Teixeirinha a escrever o filme "Carmen, A Cigana", de 1976. O lugar do qual mais gosta, no entanto, é o Morro Santa Tereza, onde ele normalmente vai para pensar, olhar a vista e caminhar. “Quem não gosta dali, não é mesmo? Se vê uma boa parte da cidade lá de cima. Ás vezes, estou caminhando e me perco... e do nada chego no morro!", conta. Talvez, seja o morro que o chame, lugares especiais assim chamam as pessoas.

Elincoln Lucas Eduardo SeidlFotos

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“O Bairro Cristal era pequeno, só existiam casas baixas. Sitiozinhos, horticultura, criação de porco, cabrito. Tinha também aquela parte da Icaraí onde havia os campos de futebol, onde agora é o Barra Shopping e o Supermercado Big. Eram uns seis campos de futebol. Todos jogavam bola, coroas vinham jogar, fazer churrasquinho. Rolavam campeonatos de várzea. Em 1969, não passava carro por aqui. No Prado, a bancada era de madeira, e a Icaraí era de chão batido. Quase só passava carroça. Apenas bem depois fizeram a Diário de Notícias e terminaram a Padre Cacique”.

“Foi um comércio forte no bairro. Existiam os cabarés e muita venda de bebida. Muitas mulheres viviam disso, outras lavavam a roupa para o pessoal do cabaré, tudo era voltado para o comércio aqui no Cristal. Do Morro Santa Tereza para baixo, tinha a Star, que demoliram. Teve a Apollo II e a Apollo I, que pegou fogo. Tinha a Rosa Branca, a Mônica... Todos cabarés e boates. A boate Diana Maria, onde ela matou o marido por ciúmes, funcionava dentro do próprio prostíbulo. Existiam quartos alugados por mulheres que usavam as peças para trabalhar por encomenda. A pessoa largava um bilhetinho na caixa de correio e elas faziam visita, hoje em dia é o que chamam de acompa-nhantes. E agora tem celular para isso, tecnologia”.

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“O Bairro Cristal era pequeno, só existiam casas baixas. Sitiozinhos, horticultura, criação de porco, cabrito. Tinha também aquela parte da Icaraí onde havia os campos de futebol, onde agora é o Barra Shopping e o Supermercado Big. Eram uns seis campos de futebol. Todos jogavam bola, coroas vinham jogar, fazer churrasquinho. Rolavam campeonatos de várzea. Em 1969, não passava carro por aqui. No Prado, a bancada era de madeira, e a Icaraí era de chão batido. Quase só passava carroça. Apenas bem depois fizeram a Diário de Notícias e terminaram a Padre Cacique”.

“Foi um comércio forte no bairro. Existiam os cabarés e muita venda de bebida. Muitas mulheres viviam disso, outras lavavam a roupa para o pessoal do cabaré, tudo era voltado para o comércio aqui no Cristal. Do Morro Santa Tereza para baixo, tinha a Star, que demoliram. Teve a Apollo II e a Apollo I, que pegou fogo. Tinha a Rosa Branca, a Mônica... Todos cabarés e boates. A boate Diana Maria, onde ela matou o marido por ciúmes, funcionava dentro do próprio prostíbulo. Existiam quartos alugados por mulheres que usavam as peças para trabalhar por encomenda. A pessoa largava um bilhetinho na caixa de correio e elas faziam visita, hoje em dia é o que chamam de acompa-nhantes. E agora tem celular para isso, tecnologia”.

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“Tinha também um clube por aqui, era uma escola de samba. No tempo em que se usava o cabelo black power. A gente passava laquê no cabelo para ficar como eles, parecíamos do Jackson Five. Depois, nos anos 80, começou a aparecer a música sertaneja, o iê iê iê, o samba mudou também. Foram inovando, renovando, o samba hoje em dia tem poucas mulheres que sabem dançar, elas dançam meio atrapalhadas, não sabem dar giratória como antigamente. Vou na Banda da Saldanha, na Imperadores, na Praiana, na Bambas, mas não é como antes, as gurias não tem mais o pique de antes. Hoje tem o baile funk, que eu repudio, o pessoal é mais radical”.

“Antigamente, dava para fazer café e chimarrão com a água do rio. Era limpa, cristalina, não tinha gosto, nem cheiro. Pegava e bebia diretamente. A gente se reunia para pescar no Gasômetro e pegava a água para fazer mate. A poluição começou nos anos 70. Há muito rio poluído, ar poluído, sempre volto com dor de cabeça quando tenho que ir ao Centro. A prefeitura vem até a minha casa e só sabe reclamar. Não oferece auxílio. Dizem que o lixo que fica acumulando na praia e vem pra dentro do valão é culpa minha! E eu moro sem água, sem luz, em estado de calamidade.”

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“Tinha também um clube por aqui, era uma escola de samba. No tempo em que se usava o cabelo black power. A gente passava laquê no cabelo para ficar como eles, parecíamos do Jackson Five. Depois, nos anos 80, começou a aparecer a música sertaneja, o iê iê iê, o samba mudou também. Foram inovando, renovando, o samba hoje em dia tem poucas mulheres que sabem dançar, elas dançam meio atrapalhadas, não sabem dar giratória como antigamente. Vou na Banda da Saldanha, na Imperadores, na Praiana, na Bambas, mas não é como antes, as gurias não tem mais o pique de antes. Hoje tem o baile funk, que eu repudio, o pessoal é mais radical”.

“Antigamente, dava para fazer café e chimarrão com a água do rio. Era limpa, cristalina, não tinha gosto, nem cheiro. Pegava e bebia diretamente. A gente se reunia para pescar no Gasômetro e pegava a água para fazer mate. A poluição começou nos anos 70. Há muito rio poluído, ar poluído, sempre volto com dor de cabeça quando tenho que ir ao Centro. A prefeitura vem até a minha casa e só sabe reclamar. Não oferece auxílio. Dizem que o lixo que fica acumulando na praia e vem pra dentro do valão é culpa minha! E eu moro sem água, sem luz, em estado de calamidade.”

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“A vila começou aqui em 1973. As pessoas vieram morar do interior, na migração. Não tinham como comprar uma residência melhor. Era área verde, invadiram, se reuniram, umas quatro ou cinco famílias. Iam na madeireira, compravam material e, na calada da noite, construíam. Quando a prefeitura ficava sabendo, já não tinha mais como remover. Fui um dos primeiros moradores, o fundador desse lado de cá, a primeira casa que tinha embaixo da Figueira, bem na beira do valo, era a minha. O valão enchia, pois ainda não tinha calçamento, então quase arrancava tudo. De lá, vim morar na vila, que era a Campos do Cristal. Vim morar no lado de cá quando comecei a trabalhar no Estaleiro Só. Ganhei umas madeiras quando desmancharam a Vila Macaco. Tiveram vários que foram obrigados a sair. Mesmo tendo o cadastro da casa, quem se negava a sair, era obrigado. Eu não saí, já morava onde moro atualmente. Na época, tinha terra de saleiro, depois criou mato ali, antes era limpinho. Agora, isso aí é só passado. O passado às vezes dói, machuca. Mas é”.

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“A vila começou aqui em 1973. As pessoas vieram morar do interior, na migração. Não tinham como comprar uma residência melhor. Era área verde, invadiram, se reuniram, umas quatro ou cinco famílias. Iam na madeireira, compravam material e, na calada da noite, construíam. Quando a prefeitura ficava sabendo, já não tinha mais como remover. Fui um dos primeiros moradores, o fundador desse lado de cá, a primeira casa que tinha embaixo da Figueira, bem na beira do valo, era a minha. O valão enchia, pois ainda não tinha calçamento, então quase arrancava tudo. De lá, vim morar na vila, que era a Campos do Cristal. Vim morar no lado de cá quando comecei a trabalhar no Estaleiro Só. Ganhei umas madeiras quando desmancharam a Vila Macaco. Tiveram vários que foram obrigados a sair. Mesmo tendo o cadastro da casa, quem se negava a sair, era obrigado. Eu não saí, já morava onde moro atualmente. Na época, tinha terra de saleiro, depois criou mato ali, antes era limpinho. Agora, isso aí é só passado. O passado às vezes dói, machuca. Mas é”.

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Por Leandro Anton e Carlos Alberto

A Casa do Cristal Quilombo do Sopapo é parte da transformação política e cultural ini-ciada no Brasil em 2003. A casa, como centro cultural comunitário, existe desde 2005, a partir de um edital para contemplar projetos que visassem a consolidação ou a abertura de espaços para manifes-tações culturais, e para a descentralização da ação cultural dando visibilidade à diversidade de grupos e iniciativas não governamentais e sem fins lucrativos. Iniciativas que também mostrassem protagonismo para além do restrito e seletivo mercado cultural estabelecido e concentrado, a partir da visão dos que vivem e fazem o lugar.

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Por Leandro Anton e Carlos Alberto

A Casa do Cristal Quilombo do Sopapo é parte da transformação política e cultural ini-ciada no Brasil em 2003. A casa, como centro cultural comunitário, existe desde 2005, a partir de um edital para contemplar projetos que visassem a consolidação ou a abertura de espaços para manifes-tações culturais, e para a descentralização da ação cultural dando visibilidade à diversidade de grupos e iniciativas não governamentais e sem fins lucrativos. Iniciativas que também mostrassem protagonismo para além do restrito e seletivo mercado cultural estabelecido e concentrado, a partir da visão dos que vivem e fazem o lugar.

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A articulação para o surgimento do Quilombo do Sopapo aconteceu a partir dos espaços de participação popular do Bairro Cristal e das comunidades que compõem a Região Cristal, uma das atuais 17 regiões do Orçamento Partici-pativo de Porto Alegre. A região, que serve de entrada para a zona sul da cidade, é formada pelo bairro de mesmo nome e por outras 16 comunidades em situação de irregularidade fundiária: União Santa Tereza, Ecológica, Canadá, Alameda Cristal, Vila Cristal, Pedreira, Nossa Senhora das Graças, Icaraí I, Icaraí II, Hípica, Ângelo Corso, Barbosa Neto, Campos Velho 1005, Nova Tamandaré, Vila Triângulo e Foz Cavalhada. Em 2005, um ativista cultural morador da Av. Icaraí, Everton Rodrigues, passou a fazer reuniões com lideranças comuni-tárias para, a partir destes encontros, identificar o foco do

projeto que seria desenvolvido, tendo como público os jovens do Cristal. Destes encontros, foi formado o grupo que realizou um levantamento sobre quais eram as principais manifestações culturais da região. A música foi identificada e a cultura digital escolhida como ferramenta fundamental para potencializá-la. Entre muitos relatos destes encontros, ficou o registro da figueira, localizada na Avenida Icaraí, que abrigou as conversas que projetaram o futuro centro cultural, equipamento-espaço inexistente na região. A partir daí, foi motivada a busca de parcerias que viabilizassem o espaço e colaborassem na elaboração do projeto. E é neste momento que surgem os dois parceiros que concretizaram a segunda etapa do Quilombo do Sopapo: o Sindicato dos Trabalha-dores do Judiciário Federal – Sintrajufe-RS e a Oscip Guayí.

O Ponto de Cultura recebe seu primeiro recurso em março de 2007. A ação inicial foi consolidar um conselho gestor comunitário que representasse o recorte espacial de atuação do ponto, ou seja, as comunidades em situação de irregularidade fundiária. Esta definição surgiu a partir do entendimento de que, nestas áreas, há a maior vulnera-bilidade social e também é delas a maior necessidade de um lugar para a manifestação de quem vive e constrói o lugar. É neste ambiente que a fotografia se apresentou como ferramenta para dar visibilidade ao olhar comunitário, à diversidade cultural e de sua memória viva, pouco ou totalmente desconhecida. Assim, em setembro de 2007, na Escola Loureiro da Silva, foi realizada a primeira oficina de fotografia do Quilombo do Sopapo. A oficina com câmeras pinhole em latas registrou este encontro de mundos e gerações, de lugares, pessoas e tecnologias. Foram várias descobertas. Primeiro, as histórias do lugar. Depois, que uma fotografia pode ser obtida no tempo automático de uma câmera digital ou em um processo bem mais lento. E foi no desejo de estar na fotografia que os jovens descobriram o quão longo pode ser um minuto.

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A articulação para o surgimento do Quilombo do Sopapo aconteceu a partir dos espaços de participação popular do Bairro Cristal e das comunidades que compõem a Região Cristal, uma das atuais 17 regiões do Orçamento Partici-pativo de Porto Alegre. A região, que serve de entrada para a zona sul da cidade, é formada pelo bairro de mesmo nome e por outras 16 comunidades em situação de irregularidade fundiária: União Santa Tereza, Ecológica, Canadá, Alameda Cristal, Vila Cristal, Pedreira, Nossa Senhora das Graças, Icaraí I, Icaraí II, Hípica, Ângelo Corso, Barbosa Neto, Campos Velho 1005, Nova Tamandaré, Vila Triângulo e Foz Cavalhada. Em 2005, um ativista cultural morador da Av. Icaraí, Everton Rodrigues, passou a fazer reuniões com lideranças comuni-tárias para, a partir destes encontros, identificar o foco do

projeto que seria desenvolvido, tendo como público os jovens do Cristal. Destes encontros, foi formado o grupo que realizou um levantamento sobre quais eram as principais manifestações culturais da região. A música foi identificada e a cultura digital escolhida como ferramenta fundamental para potencializá-la. Entre muitos relatos destes encontros, ficou o registro da figueira, localizada na Avenida Icaraí, que abrigou as conversas que projetaram o futuro centro cultural, equipamento-espaço inexistente na região. A partir daí, foi motivada a busca de parcerias que viabilizassem o espaço e colaborassem na elaboração do projeto. E é neste momento que surgem os dois parceiros que concretizaram a segunda etapa do Quilombo do Sopapo: o Sindicato dos Trabalha-dores do Judiciário Federal – Sintrajufe-RS e a Oscip Guayí.

O Ponto de Cultura recebe seu primeiro recurso em março de 2007. A ação inicial foi consolidar um conselho gestor comunitário que representasse o recorte espacial de atuação do ponto, ou seja, as comunidades em situação de irregularidade fundiária. Esta definição surgiu a partir do entendimento de que, nestas áreas, há a maior vulnera-bilidade social e também é delas a maior necessidade de um lugar para a manifestação de quem vive e constrói o lugar. É neste ambiente que a fotografia se apresentou como ferramenta para dar visibilidade ao olhar comunitário, à diversidade cultural e de sua memória viva, pouco ou totalmente desconhecida. Assim, em setembro de 2007, na Escola Loureiro da Silva, foi realizada a primeira oficina de fotografia do Quilombo do Sopapo. A oficina com câmeras pinhole em latas registrou este encontro de mundos e gerações, de lugares, pessoas e tecnologias. Foram várias descobertas. Primeiro, as histórias do lugar. Depois, que uma fotografia pode ser obtida no tempo automático de uma câmera digital ou em um processo bem mais lento. E foi no desejo de estar na fotografia que os jovens descobriram o quão longo pode ser um minuto.

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A partir desta experiência de 2007, muitas outras surgiram. O fotojornalismo comunitário, a participação na ação educativa do Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre - FestFotoPoA, a consolidação do uso da pinhole no Imagens Faladas e a pinhole gigante em lona preta. Assim, um tema que nem constava no projeto inicial do Quilombo do Sopapo tornou-se referência na rede dos pontos e, principalmente, dentro da região Cristal. A cada saída fotográfica, o Quilombo do Sopapo ampliava seu conhe-cimento da região e a fotografia se reafirmava como meio para os jovens resignificarem a luta de seus pais e avós pelo lugar. E mostrarem que a irregularidade não está em suas comunidades e sim nos processos que não respeitam a trajetória de luta de quem sempre construiu a cidade com a diversidade e autonomia.

É também esta construção que inspira o nome Quilombo do Sopapo, duas palavras da cultura afrobrasileira. Quilombo, território de resistência cultural, de povos e de ancestralidade, de autonomia e liberdade. Sopapo, a música expressa no grande tambor, tambor de sopapo, da região sul do Rio Grande do Sul. O nome surge pela contribuição da Bataclã FC, banda de Porto Alegre que tem o sopapo entre os instrumentos. E também do levantamento comunitário que identificou a música como maior manifestação dos jovens do Cristal.A casa da Avenida Capivari, onde funciona o Ponto de Cultura, na encosta sul do Morro Santa Tereza, já serviu como moradia, sede de sindicato e nos últimos três anos vive como centro cultural comunitário. Vive a economia solidária na prevenção à violência, o conselho gestor comunitário, a comunicação independente na luta pela terra

e o movimento mutirão. Para tanto, os espaços se modificam da garagem ao estúdio, dos quartos para incubadora de empreendimentos solidários e biblioteca comunitária, da sala para o telecentro. Os banheiros são laboratórios fotográficos e a piscina é um anfiteatro. O pátio abriga cinema e roda de capoeira, a Associação de Amigos do Cristal, o Orçamento Participativo, o Clube de Mães do Cristal, a Comissão de Cultura. O Ponto sempre participou das mobilizações comunitárias na luta pela regularização fundiária e do direito à cidade diante da Copa do Mundo 2014, nas sedes das associações de moradores, nas ruas e saídas fotográficas, nos mosaicos nas paredes, no bambu das geodésicas em ações comunitárias. Com autonomia, música, teatro, imagem, palco, sala e abraço coletivo. São os primeiros 1000 dias de casa aberta, são buracos de agulha, acupuntura cultural.

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A partir desta experiência de 2007, muitas outras surgiram. O fotojornalismo comunitário, a participação na ação educativa do Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre - FestFotoPoA, a consolidação do uso da pinhole no Imagens Faladas e a pinhole gigante em lona preta. Assim, um tema que nem constava no projeto inicial do Quilombo do Sopapo tornou-se referência na rede dos pontos e, principalmente, dentro da região Cristal. A cada saída fotográfica, o Quilombo do Sopapo ampliava seu conhe-cimento da região e a fotografia se reafirmava como meio para os jovens resignificarem a luta de seus pais e avós pelo lugar. E mostrarem que a irregularidade não está em suas comunidades e sim nos processos que não respeitam a trajetória de luta de quem sempre construiu a cidade com a diversidade e autonomia.

É também esta construção que inspira o nome Quilombo do Sopapo, duas palavras da cultura afrobrasileira. Quilombo, território de resistência cultural, de povos e de ancestralidade, de autonomia e liberdade. Sopapo, a música expressa no grande tambor, tambor de sopapo, da região sul do Rio Grande do Sul. O nome surge pela contribuição da Bataclã FC, banda de Porto Alegre que tem o sopapo entre os instrumentos. E também do levantamento comunitário que identificou a música como maior manifestação dos jovens do Cristal.A casa da Avenida Capivari, onde funciona o Ponto de Cultura, na encosta sul do Morro Santa Tereza, já serviu como moradia, sede de sindicato e nos últimos três anos vive como centro cultural comunitário. Vive a economia solidária na prevenção à violência, o conselho gestor comunitário, a comunicação independente na luta pela terra

e o movimento mutirão. Para tanto, os espaços se modificam da garagem ao estúdio, dos quartos para incubadora de empreendimentos solidários e biblioteca comunitária, da sala para o telecentro. Os banheiros são laboratórios fotográficos e a piscina é um anfiteatro. O pátio abriga cinema e roda de capoeira, a Associação de Amigos do Cristal, o Orçamento Participativo, o Clube de Mães do Cristal, a Comissão de Cultura. O Ponto sempre participou das mobilizações comunitárias na luta pela regularização fundiária e do direito à cidade diante da Copa do Mundo 2014, nas sedes das associações de moradores, nas ruas e saídas fotográficas, nos mosaicos nas paredes, no bambu das geodésicas em ações comunitárias. Com autonomia, música, teatro, imagem, palco, sala e abraço coletivo. São os primeiros 1000 dias de casa aberta, são buracos de agulha, acupuntura cultural.

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Nesta mesma casa, cresceu Aline Petri. O pai de Aline construiu durante três anos a moradia para a família, exatamente onde hoje funcionam todas as atividades do Quilombo do Sopapo. Atualmente, ela vive no Paraná, mas em uma feliz coincidência visitou a cidade e sua antiga casa. Os repórteres do Cristal não poderiam perder esta entrevista.“Nós morávamos em um apartamento e o Ivan Carlos Petri, meu pai, queria uma casa para a família. Aqui no terreno havia uma casa de madeira, quase sendo demolida. Meu pai botou tudo abaixo e construiu a casa menor, lá em cima. De noite, nós víamos a corrida de cavalos daqui. Ficamos uns três anos morando na casa pequena, enquanto construí-amos a maior aqui de baixo e a piscina. A horta era ali depois da piscina, passando o portão. Aqui tinha laranja, limão, pitanga. Tudo o que continua aqui. E tínhamos um monte de cachorros, em onze. Eu vim pra cá no início da idade escolar. Eu estudava no Colégio Maria Imaculada, na Av. Padre Cacique, e o ônibus passava todo o dia aqui no portãozinho para me levar. A gente foi embora daqui por uma questão financeira. E foi bem triste deixar a casa. Deixar Porto Alegre e a casa... Hoje eu vim aqui rever porque a casa deixou história, deixou lembrança. A minha infância foi na casa da Capivari, 602. E traz bastante saudade”.

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Nesta mesma casa, cresceu Aline Petri. O pai de Aline construiu durante três anos a moradia para a família, exatamente onde hoje funcionam todas as atividades do Quilombo do Sopapo. Atualmente, ela vive no Paraná, mas em uma feliz coincidência visitou a cidade e sua antiga casa. Os repórteres do Cristal não poderiam perder esta entrevista.“Nós morávamos em um apartamento e o Ivan Carlos Petri, meu pai, queria uma casa para a família. Aqui no terreno havia uma casa de madeira, quase sendo demolida. Meu pai botou tudo abaixo e construiu a casa menor, lá em cima. De noite, nós víamos a corrida de cavalos daqui. Ficamos uns três anos morando na casa pequena, enquanto construí-amos a maior aqui de baixo e a piscina. A horta era ali depois da piscina, passando o portão. Aqui tinha laranja, limão, pitanga. Tudo o que continua aqui. E tínhamos um monte de cachorros, em onze. Eu vim pra cá no início da idade escolar. Eu estudava no Colégio Maria Imaculada, na Av. Padre Cacique, e o ônibus passava todo o dia aqui no portãozinho para me levar. A gente foi embora daqui por uma questão financeira. E foi bem triste deixar a casa. Deixar Porto Alegre e a casa... Hoje eu vim aqui rever porque a casa deixou história, deixou lembrança. A minha infância foi na casa da Capivari, 602. E traz bastante saudade”.

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“Quando eu vim morar no Cristal,foi por uma dessas circunstancias da vida.”

“Isso aqui era um fimde mundo desgraçado.”

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“É estranho,é o tempo.”

“Tenho loucurapor esse bairro.”

“Agora,ali é privado.”

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“Quando eu vim morar no Cristal,foi por uma dessas circunstancias da vida.”

“Isso aqui era um fimde mundo desgraçado.”

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“É estranho,é o tempo.”

“Tenho loucurapor esse bairro.”

“Agora,ali é privado.”

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“Eu conservei,eu capinei com o meu marido

e nós arrumamos tudo.”

“A rua não tinha calçada,era um valetão na frente com esgoto correndo.”

“Minha mulher disse que tinha gostado daqui.”

“Aqui, a casa fica aberta,as coisas ficam na rua.”

“No tempo em que se usavao cabelo black power.”

“Isso aqui era mata nativa.”

“E como é que tu vais tiraralguém de uma vila ondea pessoa passou a vida toda?”

“Aqui,é possível

ver o tempo.”

“Por que despejar essas pessoas aqui?”

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“Hoje,não há outro lugarpara se viver.”

“Quando comecei construir a casa,pensei que não ficaria aqui,

mas acabei me ambientando,me acostumando com as pessoas.”

“Estamos aguardandoa remoção para sair daqui.”

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“Eu conservei,eu capinei com o meu marido

e nós arrumamos tudo.”

“A rua não tinha calçada,era um valetão na frente com esgoto correndo.”

“Minha mulher disse que tinha gostado daqui.”

“Aqui, a casa fica aberta,as coisas ficam na rua.”

“No tempo em que se usavao cabelo black power.”

“Isso aqui era mata nativa.”

“E como é que tu vais tiraralguém de uma vila ondea pessoa passou a vida toda?”

“Aqui,é possível

ver o tempo.”

“Por que despejar essas pessoas aqui?”

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“Quando comecei construir a casa,pensei que não ficaria aqui,

mas acabei me ambientando,me acostumando com as pessoas.”

“Estamos aguardandoa remoção para sair daqui.”

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“Aqui é a ultima área de Porto Alegrecom mata ciliar.”

“Existiam os cabarés e muitavenda de bebida.”

“Uma coisa é despejar 50 pessoas, outra é despejar vinte mil.”

“Vão construir umacidade para nós?”

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“Eram uns seis camposde futebol.”

“Tiraram a oportunidade das pessoasde ficar na beira do Guaíba,desfrutar daquele espaço.”

“Ali no Pontal do Estaleiro, tinham pescadores.”

“A minha casa está em área de risco, então vou sair.”

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“Existem 16 espécies nativas do estadoque só existem nesse morro.”

“Aqui tinha uma nascentede água que secou.”

“A gente também costumavanadar até o Gasômetro.”

“Erabemdifícil.”

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“Está cercado e ninguém sabe o que vai acontecer.”

“E se fosse tudo Cristal, seria bom.Mas o bairro vai só até ali no morro e depois, até a Tristeza.”

“Água tinha que buscar lá do outro lado.”

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“O Bairro Cristal era pequeno.”

“Meus pais também casaram aqui,na casa onde hoje mora um vizinho.”

“Nãotinha

ônibus,não

tinhaluz.”

“O posto de saúdeque tem hoje,um amigo e euque inventamos.

“Lembro de quando tinhaque ir buscar água na bica.”

“A Vila está unida,há pouca genteque quer sair.”

“Estávamosmal decolégio

e fizemosuma

campanhapor escola.”

“Nós pescávamos ali,naquela sombra.”

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“O Estaleiro Só era algo muito bonito.”

“O Arroio Cavalhada passava por outro lado.”

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“O Bairro Cristal era pequeno.”

“Meus pais também casaram aqui,na casa onde hoje mora um vizinho.”

“Nãotinha

ônibus,não

tinhaluz.”

“O posto de saúdeque tem hoje,um amigo e euque inventamos.

“Lembro de quando tinhaque ir buscar água na bica.”

“A Vila está unida,há pouca genteque quer sair.”

“Estávamosmal decolégio

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“Nós pescávamos ali,naquela sombra.”

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“O Estaleiro Só era algo muito bonito.”

“O Arroio Cavalhada passava por outro lado.”

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“A Icaraí erade chão batido.”

“O pessoal me chamavade louco por querer morar aqui.”

“Olugaré agenteque faz.”

“Ás vezes, estou caminhando e me perco...e do nada chego no morro.”

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“O Guaíba éuma coisa linda.”

“Mas quem fez o Cristal, assim para mim, foram essas pessoas.”

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“Existem 16 espécies nativas do estadoque só existem nesse morro.”

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“Agora, isso aí é só passado.”

“Se tivesse que sair daqui, eu não sairia.”

“O melhor lugar que tem é aqui.”

“Quem mora próximo ao arroio, não vai ficar.”

“Só tinha vindono Cristal para

trabalhar no Jóquei.”

“Antes,era tudo mato.”

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“Nós íamos veranearna Pedra Redonda.”

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“Na Avenida Praia de Belas aconteciamas grandes regatas do Grêmio Náutico Gaúcho”

“Sitiozinhos, horticultura, criação de porco, cabrito.”

“Eu não tinha nem filho,nasceu tudo aqui.”

“Criamos nossosfilhos aqui.”

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“Nós temos uma vizinhança fenomenal.”

“Nãopassava

carropor aqui.”

“Dava parafazer café e chimarrão

com a água do rio.”

“Vim morar aqui,sem conhecer.”

“O hipódromo eraalgo muito movimentado.”

“Não penso em sair do Cristal,embora eu saiba que muitas famílias estão sendo removidas daqui.”

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“Nós íamos veranearna Pedra Redonda.”

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“Na Avenida Praia de Belas aconteciamas grandes regatas do Grêmio Náutico Gaúcho”

“Sitiozinhos, horticultura, criação de porco, cabrito.”

“Eu não tinha nem filho,nasceu tudo aqui.”

“Criamos nossosfilhos aqui.”

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“Nãopassava

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“Dava parafazer café e chimarrão

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“Vim morar aqui,sem conhecer.”

“O hipódromo eraalgo muito movimentado.”

“Não penso em sair do Cristal,embora eu saiba que muitas famílias estão sendo removidas daqui.”

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“O passado às vezes dói, machuca. Mas é.”

“Só saímos daqui quandoDeus quiser.”

“Hoje, domingo, seria um diaque o hipódromo estaria bombando.”

“Eu caseie vim pra cá.”

“Construímos a igreja,pavimentamos ruas,arborizamos,conquistamos escolas.”

“Você tem que ouvir a explicação de que não pode mais acessar, e aceitar.”

“O lazer era a pracinha do hipódromo.”

“Hoje, as ruas do Cristal são pavimentadas.Antes, todas eram de saibro ou chão batido.”

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“O passado às vezes dói, machuca. Mas é.”

“Só saímos daqui quandoDeus quiser.”

“Hoje, domingo, seria um diaque o hipódromo estaria bombando.”

“Eu caseie vim pra cá.”

“Construímos a igreja,pavimentamos ruas,arborizamos,conquistamos escolas.”

“Você tem que ouvir a explicação de que não pode mais acessar, e aceitar.”

“O lazer era a pracinha do hipódromo.”

“Hoje, as ruas do Cristal são pavimentadas.Antes, todas eram de saibro ou chão batido.”

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