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Curso de Psicopedagogia
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IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
Cachoeiro de Itapemirim-ES
2007
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Psicopedagogia, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Cachoeiro de Itapemirim-ES
2007
FOLHA DE APROVAÇÃO
IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
______________________________________ Professor (a) Orientador(a):
______________________________________ Professor (a) Examinador (a):
Cachoeiro de Itapemirim, .................... de ............................... de 20...........
Dedico este trabalho xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
AGRADECIMENTOS
A Deus, a minha eterna gratidão pela sua presença
me proporcionando força e coragem.
Ao meu pai que, mesmo não se encontrando mais
nesta vida, sempre soube me aplaudir.
À minha mãe, pelo exemplo de luta, dedicação,
amor, paciência e, especialmente, confiança.
E aos meus professores e colegas.
“É pelo jogo, pelo brinquedo, que crescem a alma e a inteligência. É pela tranqüilidade, pelo silêncio - pelos quais os pais às vezes se alegram erroneamente – que
se anunciam freqüentemente no bebê as graves deficiências mentais. Uma criança que não sabe brincar será um adulto que não saberá pensar”.
(Jean Chateau)
RESUMO
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa de caráter bibliográfico incluindo a
história do brincar e a história do jogo na educação infantil. Pretende analisar a importância dos jogos e brincadeiras para o processo ensino-aprendizagem, investigando os benefícios emocionais, intelectuais e culturais que os mesmos
proporcionam às crianças. Esse estudo surgiu de uma série de questionamentos
concernentes a significação do jogo na vida da criança e suas implicações: será que estamos dando às crianças as oportunidades de que precisam para tornarem-se seres humanos sensíveis, inteligentes e suficientemente criativas para poderem construir um
mundo melhor? Para obtermos conclusões acerca desta pergunta é que foram abordados assuntos referentes às inteligências múltiplas, envolvendo a aprendizagem e o desenvolvimento humano, assim como a visão sobre os jogos infantis de autores
como Piaget, Wallon, Vigotsky e Bruner. Para realização deste estudo foi observada, também, a razão pela qual o brincar foi colocado nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil como uma área a ser trabalhada com o mesmo
cuidado das demais e, ainda, questões relacionadas com o lúdico em diferentes abordagens, oferecendo uma visão geral sobre brinquedoteca como um espaço que contempla todas as etapas do desenvolvimento humano.
Palavras-Chave: Jogo - Brincar - Inteligências
ABSTRACT
The present work is resulted of a research of bibliographical character including the history of playing and the history of the game in the infantile education. It intends to
analyze the importance of the games and tricks for the process teach-learning, being investigated the emotional, intellectual and cultural benefits that the same ones provide to the children. This study the significance of the game in the life of the child and its
implications appeared of a series of concernment’s questionings: it will be that we are giving to the children the chances of that need to become sensible human beings, intelligent and enough creative to be able to construct a better world? To get conclusions concerning this question it is that they had been boarded referring subjects
to multiple intelligences, involving the learning and the human development, as well as the vision on the infantile games of authors as Piaget, Wallon, Vigotsky and Bruner. For accomplishment of this study it was observed, also, the reason by which playing was
placed in the References Curricular National for the Infantile Education as an area to be worked with the same well-taken care of excessively the e, still, questions related with playful in a different boarding, offering general vision on brinquedoteca as a space that
contemplates all the stages of the human development.
Keywords: Game - Playing - Inteligências
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 08
2. REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................... 11
2.1. As Inteligências Múltiplas ................................................................................. 11
21.1. Inteligência, aprendizagem e desenvolvimento humano ....................... 13
2.2. A Importância dos Jogos e Brincadeiras para o Processo
Ensino-Aprendizagem ......................................................................................... 14
2.3. Jogo, Brinquedo e Brincadeira ........................................................................ 16
2.4 O Brincar e sua História ..................................................................................... 18
2.5 A História do Jogo na Educação Infantil ........................................................... 22
2.6 O Jogo na Educação – Seu Significado Atual .................................................. 25
2.7 Os Jogos Infantis Segundo Piaget, Wallon, Vigotsky e Bruner ...................... 29
2.8 Os Jogos e os Parâmetros Curriculares Nacionais .......................................... 32
2.9 A função da brinquedoteca na educação.......................................................... 34
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 38
4. REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 40
8
1. INTRODUÇÃO
Vivemos em um mundo onde durante muito tempo confundiu-se “ensinar” com
“transmitir” e, nesse contexto, acreditava-se que toda aprendizagem ocorria pela
repetição e que os alunos que não aprendiam eram responsáveis por essa deficiência
sendo, portanto, merecedores de castigo e reprovação.
Atualmente, essa ideia já se tornou inaceitável para alguns educadores que
acreditam na sua ação facilitadora e no processo de busca do conhecimento, que deve
sempre partir do aluno. Um ensino despertado pelo interesse do aluno acabou
transformando o sentido do que se entende por material pedagógico e cada estudante,
independentemente de sua idade, passou a ser um desafio à competência do
professor, que deve ser agora um verdadeiro gerador de situações estimuladoras e
eficazes.
É a partir dessas situações que os jogos ganham um espaço como a ferramenta
ideal da aprendizagem, na medida em que se propõe estímulo ao interesse do aluno e
desenvolve níveis diferentes de sua experiência pessoal e social. Os jogos ajudam a
construir suas novas descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade e
simboliza um instrumento pedagógico que leva ao professor a condição de condutor,
estimulador e avaliador da aprendizagem.
Partindo de um estudo bibliográfico, este trabalho pretende contribuir para a
reflexão de educadores que ainda não despertaram sobre a importância de fazer da
brincadeira e do jogo pedagógico uma atividade “séria”, que pode colaborar de forma
significativa para a formação e o desenvolvimento da criança, desde que usados com
um rigoroso e cuidadoso planejamento, marcado por etapas nítidas e que efetivamente
acompanhem o progresso dos alunos, e desde que não seja usado como instrumento
de avaliação da sua qualidade de professor pela quantidade de jogos que emprega, e
sim pela qualidade dos jogos que se preocupou em pesquisar e selecionar para atingir
determinados objetivos.
Para tal, faz-se necessário o reconhecimento de que é preciso, também, garantir
à criança um espaço específico, destinado a facilitar o ato de brincar, que abrange,
9
desde o ato de possuir um conjunto de brinquedos, jogos e brincadeiras, até a oferta da
ludicidade que os mesmos proporcionam. Este espaço é conhecido como
Brinquedoteca (CUNHA, 2001).
O trabalho terá como objetivo geral investigar os benefícios emocionais,
intelectuais e culturais que os jogos e as brincadeiras proporcionam às crianças e
buscará responder as seguintes questões:
Os professores estão conscientes de que a inteligência considerada até então
única e geral perdeu seu lugar para a ideia de que, segundo Gardner1 (1985), o ser
humano é dotado de inteligências múltiplas? E quais os procedimentos adequados e
necessários para o estímulo dessas inteligências?
Quais os tipos de jogos e brincadeiras podem ser utilizados para que haja uma
possibilidade de avanço no desenvolvimento das crianças?
Há diferença entre o jogo e o material pedagógico? O jogo educativo empregado
em sala de aula é realmente jogo? Ele tem um fim em si mesmo ou é um meio de
alcançar objetivos? Qual a relação dos jogos com os objetivos dos PCNs?
Qual é o lugar da brincadeira e o seu significado na vida das crianças e até que
ponto o ambiente e as práticas pedagógicas contribuem para que o direito de brincar
seja garantido a todas as crianças?
Como se dá a intervenção do professor através dos jogos?
Essas e outras inquietações decorrem de minha atuação docente na educação
infantil, onde senti a necessidade de realizar um estudo que tem como objetivos
específicos: a) Contribuir para a reflexão acerca da necessidade de implementar
medidas institucionais orientadas para a formação de professores que prestigiem a
presença e utilização de jogos e brincadeiras na Educação; b) Possibilitar aos
professores o acesso aos diferentes tipos de procedimentos e recursos para o estímulo
1 A Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner (1985) é uma alternativa para o conceito de
inteligência como uma capacidade inata, geral e única, que permite aos indivíduos uma performance, maior ou menor, em qualquer área de atuação. Sua insatisfação com a idéia de QI e com visões unitárias de inteligência, que focalizam sobretudo as habilidades importantes para o sucesso escolar, levou Gardner a redefinir inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver problemas. Através da avaliação das atuações de diferentes profissionais em diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres humanos na busca de soluções, culturalmente apropriadas, para os seus problemas, Gardner trabalhou no sentido inverso ao desenvolvimento, retroagindo para eventualmente chegar às inteligências que deram origem a tais realizações. Disponível em <http://sandraaguiar.com/textosentrevistas.html> Acesso em 11/7/2008.
10
das inteligências; c) Dar oportunidade aos professores de experimentarem alguns jogos
e materiais pedagógicos a fim de estabelecer a diferença entre os dois; d) Orientar
sobre a adequação e a utilização de brinquedos; e) Proporcionar a oportunidade do
professor observar a importância de um espaço estruturado para os jogos, brincadeiras
e brinquedos e analisar as perspectivas de uma brinquedoteca.
11
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 As Inteligências Múltiplas
As crianças nascem com todas as inteligências? Essas capacidades são
herdadas geneticamente ou podem ser desenvolvidas, se exercitadas? Como avaliar
essas capacidades?
Estas e outras questões precisam estar bem esclarecidas para os nossos
educadores a fim de que possa fazer de sua tarefa profissional e humana um excelente
trabalho.
Gardner (1985) descreve as inteligências e diz que, além de considerar que a
carga genética pode ser decisiva, temos potenciais diferentes. Mas todos nós
nascemos com capacidade para desenvolver nossas inteligências. Fazemos isso
naturalmente.
A inteligência lingüística, por exemplo, é estimulada quando conversamos com
outras pessoas e a musical, se cantamos todos os dias.
A dimensão lingüística se expressa de modo muito marcante no orador, no
escritor, no poeta ou compositor, que lidam criativamente e constroem imagens com
palavras e com a linguagem de maneira geral.
A lógico-matemática está associada à competência em desenvolver raciocínios
dedutivos e em construir cadeias causais e lidar com números e outros símbolos
matemáticos, se expressando no engenheiro, mas, sobretudo no físico e nos grandes
matemáticos.
A dimensão espacial da inteligência está diretamente associada ao arquiteto,
geógrafo ou marinheiro que percebe de forma conjunta o espaço e o administra na
utilização e construção de mapas, plantas e outras formas de representações planas.
A competência musical representa um sentimento puro na humanidade e está
ligada à percepção formal do mundo sonoro e o papel desempenhado pela música
como forma de compreensão do mundo, enquanto que a cinestésica-corporal se
manifesta na linguagem gestual e mímica e se apresenta muito nítida no artista e no
12
atleta que não necessitam elaborar cadeias de raciocínios na execução de seus
movimentos corporais.
Uma das últimas competências destacadas por Gardner (1985) e não presente
em suas primeiras obras é a inteligência naturalista ou biológica que, como seu nome
indica, está ligada à compreensão do ambiente e paisagem natural, uma afinidade inata
dos seres humanos por outras formas de vida e identificação entre os diversos tipos de
espécies, plantas e animais.
Esse elenco se completa com as inteligências pessoais, manifestas na
competência interpessoal, revelada através do poder de bom relacionamento com os
outros, e na sensibilidade para a identificação de suas intenções, suas motivações e
sua auto-estima. Essa forma de inteligência explica a imensa empatia de algumas
pessoas e é característica de grandes líderes, professores e terapeutas.
A dimensão intrapessoal pode ser sentida por todos quanto vivem bem consigo
mesmo, sentem-se como envolvidos pela presença de “um educador de si mesmo”,
administrando seus sentimentos, emoções e projetos com o “auto (e alto) astral” de
quem percebe suas limitações, mas não faz das mesmas um estímulo para o
sentimento de culpa ou para a estruturação de um complexo de inferioridade.
O desenho é uma importante forma de expressão da criança. Ela se revela antes
mesmo das competências lingüística e lógico matemática. Depois, justamente por
valorizar essas últimas habilidades, a escola abandona a atividade.
O que importa não é o número de inteligências. O importante é a noção de que o
aluno não pode ser avaliado apenas por uma ou duas de suas capacidades, explica.
Ele deve ser considerado por inteiro.
Não é o objetivo desta pesquisa a investigação dessas inteligências, mas
possibilitar a análise dos diferentes tipos de procedimentos e recursos para o estímulo
das mesmas, que é o caso dos jogos e brincadeiras, cuja importância é tamanha para a
formação e o desenvolvimento da criança.
Segundo Antunes (1998, p.18), “sem estímulos, a criança cresce com limitações
e seu desenvolvimento cerebral fica extremamente comprometido. O que não podemos
fazer é estimular em excesso”. Cabe aos responsáveis pela criança, sejam pais ou
educadores, estabelecer um equilíbrio em relação à quantidade desses estímulos e
13
saber aproveitar as oportunidades quando surgir o interesse da criança pelo desafio do
jogo. Para isso, é necessário que esteja sempre atento às suas manifestações.
2.1.1 Inteligência, aprendizagem e desenvolvimento humano
O desenvolvimento da inteligência humana cresce por toda a vida e se processa
de maneira mais acentuada quando estimulada de maneira coerente.
O ambiente e a educação têm, então, um papel importantíssimo. Por isso, é
fundamental que os professores tenham conhecimento do saber que a criança
construiu nas suas interações com o mundo que a cerca para formular sua proposta
pedagógica, a fim de que os estímulos dados por eles surtam efeito sobre a
inteligência, a aprendizagem e, conseqüentemente, sobre o desenvolvimento humano.
O jogo e a brincadeira, por envolverem extrema dedicação e entusiasmo, são
fundamentais para o desenvolvimento de diferentes condutas e também para a
aprendizagem de diversos tipos de conhecimentos.
Pode-se, então, definir o espaço do jogo e da brincadeira como um espaço de
experiência e liberdade de criação no qual as crianças expressam suas emoções,
sensações e pensamentos sobre o mundo; e também um espaço de interação consigo
mesmo e com os outros.
Sendo assim, propor que os professores de educação infantil reflitam sobre os
jogos e as brincadeiras, é tarefa básica para que se possa estruturar uma ação
pedagógica que respeite e propicie o desenvolvimento integral das crianças.
Os jogos e as brincadeiras são tipos de atividades que podem ser praticadas em
todas as matérias, de diversas maneiras, facilitando a aprendizagem, desenvolvendo a
originalidade, a criatividade dos alunos, enriquecendo e vivenciando fatos, além de
estar dando a oportunidade de um maior desenvolvimento intelectual e social da
criança.
Segundo Antunes (1998, 23), “quando entretido em um jogo, o indivíduo é quem
quer ser, ordena o que quer ordenar, decide sem restrições. Graças a ele, pode obter a
satisfação simbólica do desejo de ser grande, do anseio de ser livre”.
14
Conclui-se, portanto, que o jogo e a brincadeira desenvolvem o raciocínio, a
imaginação e exige a tomada de iniciativas, desfiando a inteligência para encontrar
soluções para os problemas, fazendo com que as crianças construam seus limites
agindo como sujeito de sua aprendizagem de forma descontraída.
2.2 A Importância dos Jogos e Brincadeiras para o Processo Ensino-
Aprendizagem
Talvez poucas vezes questionou-se a respeito desse assunto tão importante
para a construção da inteligência, do conhecimento e da felicidade do ser humano no
âmbito da escola, ficando tais discussões mais enfatizadas na literatura e nos
documentos oficiais2.
Quando uma criança brinca (e o adulto não atrapalha) muitas coisas sérias
acontecem (CUNHA, 2001). Quando ela mergulha em sua atividade lúdica, organiza-se
todo o seu ser em função da sua ação. E quanto mais a criança mergulhar mais estará
exercitando sua capacidade de concentrar a atenção, de descobrir, de criar e,
especialmente, de permanecer em atividade. Permeando tudo isso está a
aprendizagem do fazer pelo sentir e não para obter um determinado resultado.
Conforme Kishimoto (2003. p.13),
[...] muitas dúvidas persistem entre educadores que procuram associar o jogo à educação: se há diferença entre o jogo e o material pedagógico, se o jogo educativo empregado em sala de aula é realmente jogo e se o jogo tem um fim em si mesmo ou é um meio para alcançar objetivos.
A sabedoria, que deveria iluminar os processos educacionais, perdeu-se quando
desrespeitou a importância deste momento, o momento em que a criança brinca,
tranqüilamente, exercendo seu direito e seu dever de crescer harmoniosamente
desenvolvendo seu potencial.
A brincadeira e o jogo são espaços de interação e de confronto. É através deles
que a criança e o grupo constroem a sua compreensão sobre o mundo e as ações
2 RCNEI – Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (MEC).
15
humanas. Não é atividade espontânea, antes se constrói através de experiências de
controle social, primeiro na família, depois nos grupos informais e depois na escola.
Se brinquedos são sempre suporte de brincadeiras, sua utilização deveria criar
momentos lúdicos de livre exploração, nos quais prevalece a incerteza do ato e não se
buscam resultados. Porém, se os mesmos objetos servem como auxiliar na ação
docente, buscam-se resultados em relação à aprendizagem de conceitos e noções ou,
mesmo, ao desenvolvimento de algumas habilidades. Nesse caso, o objeto conhecido
como brinquedo não realiza sua função lúdica, deixa de ser brinquedo para tornar-se
material pedagógico. Um mesmo objeto pode adquirir dois sentidos conforme o
contexto em que se utiliza: brinquedo ou material pedagógico.
Algumas escolas, no entanto, ainda têm a visão de que a instituição infantil existe
para transmitir conhecimentos e que as crianças devem estar ali para que possam
atingir seus objetivos.
Então, o jogo visto como atividade prazerosa, interessante e desafiadora, não
possui o seu lugar nessas escolas, cedendo espaço às atividades empobrecidas de
reproduzir códigos de linguagem, em geral escritos - atividades de pintar, ligar e circular
costumam ser a preferência de muitos professores.
A convivência com outras crianças pode ser muito enriquecedora, mas isso
somente acontecerá se houver espaço para as características individuais
desabrocharem, caso contrário, será massificante. As formas de convivência
democrática, que estimulam a autonomia são fontes de crescimento.
Para Cunha (2001, 33), “a descoberta traz conhecimento de forma auto-
possuída”, ou seja, o prazer de haver aprendido sozinha, eleva o auto-conceito da
criança tornando-a mais apta a aprender porque passa a confiar em si mesma, sendo
esta oportunidade proporcionada à mesma, através dos jogos e as brincadeiras. As
situações muito organizadas não permitem divergências, o que é prejudicial, porque os
conflitos permitem que aconteça o conhecimento.
Para Cunha (ibid), as solicitações que a criança recebe podem ser vistas por ela
como algo negativo que a impulsiona a se esforçar mais e mais para atender as
expectativas e livrar-se da pressão dos adultos à sua volta.
16
Isso pode resultar em perda da própria identidade infantil, onde a criança tem
preferências, características e potencialidades que, como sementes, esperavam
oportunidades para desabrochar, mas acabam apodrecendo sufocadas pelas
exigências dos modelos a serem alcançados (CUNHA, 2001).
Fica claro que, brincando, a criança experimenta suas habilidades e que
manifesta suas potencialidades e assim, através das experiências das mais variadas,
vai aprendendo a viver, libertando-se de seus medos com segurança.
Através de uma brincadeira de criança, podemos compreender como ela vê e
constrói o mundo – o que ela gostaria que ele fosse, quais as suas preocupações e que
problemas a estão assediando.
Pela brincadeira, ela expressa o que teria dificuldade de colocar em palavras.
Nenhuma criança brinca espontaneamente só para passar o tempo. Sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que está acontecendo com a mente da criança determina suas atividades lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo se não a entendemos. (BETTELHEIM, 1984, p. 105)
O jogo, como instrumento de aprendizagem eficiente, não apena oportuniza o
desenvolvimento da competência e a habilidade pessoal, ou talento, para enfrentar
problemas e resolvê-los de forma dinâmica e criativa, como também agrega novos
conhecimentos e valores ao jogador e /ou grupo (VIAL, 1981).
É inevitável para ganhar, coordenar situações, ter condutas estratégicas, estar
atento, concentrado, ter boa memória, abstrair as coisas e relacioná-las entre si o
tempo todo. E esse desafio se repete a cada partida. Apesar de, em muitas situações, o
jogo parecer apenas uma atividade recreativa, uma brincadeira, trata-se de um
momento de significativo e importante crescimento pessoal.
2.3 Jogo, Brinquedo e Brincadeira
Ao analisar a importância dos jogos e brincadeiras para o processo ensino-
aprendizagem, vê-se a necessidade de conhecer o significado de cada expressão
dentro de diferentes contextos. O brinquedo entendido como objeto, suporte da
brincadeira, supõe relação íntima com a criança, seu nível de desenvolvimento e
17
indeterminação quanto ao seu uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que
organize sua utilização. Uma boneca permite à criança desde a manipulação até
brincadeiras como mamãe e filhinha (MELLO, 2004).
O brinquedo estimula a representação, a expressão de imagens que evocam
aspectos da realidade. Ao contrário, jogos, como xadrez, construção exigem, de modo
explícito ou implícito, o desempenho de habilidades definidas pela estrutura do próprio
objeto e suas regras.
O brinquedo representa certas realidades. Uma representação é algo presente no lugar de algo. Representar é corresponder a alguma coisa e permitir sua evocação, mesmo em sua ausência onde a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, na natureza e construções humanas. (MELLO, 2004, p.29).
Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto
de objetos reais, para manipulá-los.
Os brinquedos podem incorporar, também, um imaginário preexistente criado
pelos desenhos animados, seriados televisivos, mundo da ficção científica com motores
e robôs, mundo encantado dos contos de fada, estórias de piratas, índios e bandidos.
Ao representar realidades imaginárias, os brinquedos expressam,
preferencialmente, personagens sob forma de bonecos, como manequins articulados
ou super-heróis, mistos de homens, animais, máquinas e monstros.
O brinquedo, por si, propõe um mundo repleto de imaginação onde a criança
reproduz suas vivências através do convívio com o adulto.
No caso da criança, o imaginário varia conforme a idade: para o pré-escolar de 3
anos, está carregando o animismo; de 5 a 6 anos, integra predominantemente
elementos da realidade, de forma semelhante, o processo envolve também o adulto,
quando o mesmo introduz nos brinquedos imagens que variam de acordo com a sua
cultura (LINS, 1999).
Para KISHIMOTO (1997, p.22), “o brinquedo contém sempre referência ao tempo
de infância do adulto com representações veiculadas pela memória e imaginação”.
Neste sentido, o brinquedo não deve assumir a referência da pluralidade de
sentidos do jogo, já que possui uma dimensão material, cultural e técnica que serve,
não apenas como estimulante material para fazer fluir o imaginário infantil, tendo
18
relação estreita com o nível de seu desenvolvimento, como auxilia na compreensão da
brincadeira como ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao
mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação (LINS, 1999). Dessa
forma, brinquedo e brincadeira relacionam-se diretamente com a criança e não se
confundem com o jogo.
2.4 O Brincar e sua História
Nem sempre foram essas as significações expressas em diversos momentos
históricos em culturas distintas.
Entre as concepções sobre o brincar, destacam-se as de Froebel (LINS, 1999), o
primeiro filósofo a justificar seu uso para educar crianças pré-escolares. Alguns
recorrem a pressupostos do autor para justificar a expressão de estabelecimentos
infantis, criando formas diversificadas de conceber o lúdico na educação.
Brinquedo e brincadeira aparecem com significações opostas e contraditórias: a brincadeira é vista ora como ação livre, ora como atividade supervisionada pelo adulto. O brinquedo expressa qualquer objeto que serve de suporte para brincadeira livre ou fica atrelado ao ensino de conteúdos escolares. A contraposição entre a liberdade e a orientação das brincadeiras, entre a ação lúdica concebida como fim em si mesma, ou com fins para aquisição de conteúdos específicos, mostra a divergência de significações (KISHIMOTO, 1997, p. 27).
Para a compreensão desses significados (ibid), a análise de como o brincar
froebeliano foi concebido pelas instituições infantis, acaba por concluir que a teoria
metafísica pressupõe que o brincar permite o estabelecimento de relações entre os
objetos do mundo cultural e a natureza, unificados pelo mundo espiritual. Apesar de seu
paradigma metafísico, foi responsável pela introdução de brinquedos e brincadeiras no
jardim da infância.
Froebel (1912c) concebe o brincar como atividade livre e espontânea, responsável pelo desenvolvimento físico, moral, cognitivo, e os dons ou brinquedos como objetos que subsidiam as atividades infantis. Entende, também que a criança necessita de orientação para o seu desenvolvimento. Os programas froebelianos permitem a inclusão de atividades orientadas e livres por meio do uso de brinquedos e brincadeiras. (KISHIMOTO, 1996, p.36)
Pequenos objetos geométricos, chamados dons, representam materiais como
bolas, cilindros, cubos, papéis recortados, anéis, argila, desenhos, dobraduras, ervilhas,
19
palitos de madeira que permitam a realização de atividades orientadas ou livres,
denominadas ocupações, geralmente intercaladas por movimentos e músicas.
Representada pelas brincadeiras interativas entre a mãe e criança, há outra
modalidade, de natureza simbólica, de imitação, de situações do cotidiano por gestos e
cantos.
Desta forma, a teoria froebeliana proporciona subsídios para a compreensão da
brincadeira como ação livre da criança e os brinquedos aparecem como suporte da
ação docente, destinados à apropriação de habilidades e conhecimentos (KISHIMOTO,
1996).
A utilização parcial e distorcida da teoria froebeliana pode ser exemplificada por
duas estruturas criadas pela expansão da educação infantil: pré-escolas e creches, que
possuem histórias distintas, justificando projetos particulares, que distinguem
instituições infantis de meio período e integral, delimitando a classe social de seus
freqüentadores e asseguram o ensino de determinados conteúdos escolares. Enfim,
diversas discriminações permanecem camufladas com a introdução do lúdico na
educação infantil (ibid).
A literatura mais recente nos Estados Unidos sugere que os programas
froebelianos, na virada do século, enfatizam o brincar cooperativo e supervisionado,
que encorajava a uniformidade e o controle. Esse tipo de brincar procurava introduzir a
aprendizagem pré-escolar entre os pobres urbanos.
[...] o brincar supervisionado aparece nas creches que surgem ainda no XIX, durante a Guerra Civil, estimuladas pelo Movimento de Assentamento de Famílias, pelo crescente aumento de pobres urbanos, fruto de deslocamentos sociais causados pela industrialização, urbanização e intensa imigração. (KISHIMOTO, 1996, p.2)
Para Cunha (2001), foi a partir da vinda dos imigrantes e do crescimento da
pobreza urbana e suas conseqüências na vida das crianças, que surgiram as reformas
da educação na busca de meios para americanizar os imigrantes a partir da educação
das crianças.
“Os jardins de infância são implantados nesse contexto para atender as crianças
pobres, cujas necessidades, acreditava-se, eram diferentes daquelas das famílias de
elite” (CUNHA, 2001, p.19).
20
As crianças aprendiam melhor por meio do brincar, porém, este, só quando
supervisionado, era considerado educação. Tais pressupostos entendiam “o brincar
organizado como a forma mais eficaz de gerar unidade ideológica e social em grupos
étnicos e classes sociais distintas” (KISHIMOTO, 2003, p.15).
Sendo a primeira meta da educação infantil americana, daquele período, a
socialização (entenda-se americanização) de crianças de diferentes etnias, de nível
econômico baixo, a maioria dos jardins urbanos destinados a essa população foram
obrigados a exigir disciplina e ordem no cotidiano institucional. Tais escolas
encorajavam o brincar incluindo música, jogos, marchas, atividades em programas
rigidamente estruturados.
Kishimoto (1996) ainda esclarece que os jogos froebelianos – com blocos, bolas,
cubos, anéis, triângulos, esferas e cilindros – incluíam formas geométricas que
sugeriam a vida harmoniosa e a simetria. Menos importantes, mas ainda necessários
nesses jardins eram os utensílios como papéis, tesouras, pincéis, em atividades
criativas para treinar a destreza manual.
A ideologização das teorias froebelianas para justificar a americanização de
imigrantes de classes populares nos Estados Unidos permitiu a expansão da
metodologia dos dons e ocupações, deixando de lado o brincar livre, a filosofia mais
importante de Froebel, porque acreditava-se que os pobres precisavam de orientação,
direção, controle e disciplina. Essa experiência é transportada para o Brasil por ocasião
da implantação das primeiras unidades infantis.
No Brasil, à semelhança da experiência americana, prestaram serviços à criança
pequena: jardins de infância e instituições de atendimento infantil (orfanatos infantis,
creches, escolas maternais, parques infantis).
Os jardins de infância froebelianos penetram nas instituições particulares, como
inovação pedagógica, destinadas à elite da época, como forma de mostrar a
modernidade da escola, que oferece um curso semelhante ao divulgado no então
modelar sistema educacional americano.
Se os jardins de infância utilizavam a pedagogia froebeliana dos dons e ocupações, as
creches e escolas maternais, por funcionarem em tempo integral, pareciam impedidas
de fazê-lo .
21
Para Kishimoto (1996) há uma diferença considerável entre os jardins de
infância, considerados dignos de utilizar uma teoria que educa as crianças, e as escolas
maternais, destinadas a prestar assistência, o que pressupunha para o imaginário da
época a ausência de educação. Outra diferenciação era o tempo de permanência da
criança na instituição: jardins de infância funcionavam em meio período e as escolas
maternais, em tempo integral.
Outro critério para o uso da teoria froebeliana, além do período de funcionamento
e do tipo de instituição, é a classe social de seus freqüentadores.
A longa prática dos jardins de infância, tanto particulares como o único oficial, de
prestar serviços apenas às classes de maiores recursos parece ter reforçado a ideia de
que é a situação econômica que diferencia o jardim de infância de outros
estabelecimentos.
Com a expansão das creches, fruto de movimentos sociais que se acentuam nos
anos 70, questionamentos sobre a natureza das instituições infantis colocam em
destaque o brincar como proposta para educar crianças em idade pré-escolar.
Preocupadas prioritariamente com a educação higiênica, emocional e física, as creches
começam a discutir propostas para educar crianças em novas bases (KISHIMOTO,
1996).
O grande viés desse movimento é a adoção do brincar livre sem materiais e espaços adequados às crianças. O brincar livre, embora desejável, torna-se utópico, uma vez que a criança não dispõe de alternativas, de novos materiais, ou espaços para implementar seus projetos de brincadeira. (ibid, p.17)
A valorização do brinquedo criou a brinquedoteca como instituição que empresta
brinquedos e oferece novos espaços de exploração lúdica. Divulgada na Europa a partir
dos anos 60, penetra no Brasil, em 80, levando as instituições a voltarem a atenção
para o brincar infantil (MELLO, 2004).
A introdução de brinquedotecas dentro de instituições de educação infantis,
tradicionalmente de orientação conteudística ou sanitárias e higiênicas, certamente tem
levado os profissionais a repensarem a importância da brincadeira para crianças dessa
faixa etária. Não basta, porém, adotar uma instituição da “moda”, que valoriza o lúdico
sem questionar as funções da brincadeira enquanto proposta educativa.
22
O brincar enquanto recurso para desenvolver autonomia da criança requer um
uso livre de brinquedos e materiais, que permita a expressão dos projetos criados pelas
crianças, para que realmente cumpra seu objetivo.
2.5 A História do Jogo na Educação Infantil
Para Silva (2003, p. 34) “os jogos educativos aparecem no século XVI, como
suporte da atividade didática, visando à aquisição de conhecimentos e conquista um
espaço definitivo na educação infantil”.
Kishimoto (1997) aponta a Roma e Grécia antigas como os primeiros povos que
iniciaram estudos acerca da importância formativa dos jogos, onde a importância do
“aprender brincando” em oposição à utilização da violência e da repressão, já foi
apontada por Platão.
Semelhantemente, Aristóteles afirma que, na educação de crianças pequenas,
os jogos se apresentam como atividades sérias e importantes eu servem ao preparo
para a vida adulta.
Para a autora (ibid, p.22), “entre os romanos, jogos destinados ao preparo físico
voltam-se para a formação de soldados e cidadãos obedientes e a influência grega
acrescenta-lhes cultura física, formação estética e espiritual”.
O interesse pelo jogo aparece nos escritos de Horácio e Quintiliano, que se referem à presença de pequenas guloseimas em forma de letras, produzidas pelas doceiras de Roma, destinadas ao aprendizado das letras. A prática de aliar o jogo aos primeiros estudos parece justificar o nome de ludus atribuído às escolas responsáveis pela instrução elementar, semelhante aos locais destinados à espetáculos e a prática de exercícios de fortalecimento do corpo e do espírito (KISHIMOTO,1997, p. 39-40).
O jogo sempre esteve presente no ideário humano, tanto como forma de testar e
superar seus próprios limites e possibilidades, quanto para uma seleção natural entre o
forte e o fraco, uma espécie de disputa de poder.
Para Kishimoto (2003), o uso dos jogos em uma perspectiva pedagógica
fortalece a aprendizagem e a formação do educando. “A partir do momento em que o
jogo deixa de ser objeto de reprovação oficial, incorpora-se no cotidiano dos jovens,
23
não como diversão, mas como tendência natural do ser humano” (KISHIMOTO, 2003,
p.16).
A autora (ibid) ainda aponta o aparecimento da Companhia de Jesus – mais
precisamente o militar e nobre Inácio de Loyola – pode ser considerado o grande
acontecimento do século XVI que coloca em destaque o jogo educativo na formação do
ser humano e preconiza sua utilização como recurso auxiliar do ensino.
O Renascimento reabilita exercícios físicos banidos pela Idade Média. Exercícios de barra, corridas, jogos de bola semelhantes ao futebol e o golfe são práticas que se generalizam. Aos jogos do corpo são acrescidos os do espírito. (KISHIMOTO, 2003, p. 18)
Ainda há que se destacar a presença do baralho nessa época como um jogo
transformado em educativo pelas mãos do padre franciscano Thomas Murner. Ele teve
a percepção de que esse jogo poderia oportunizar uma aprendizagem mais dinâmica,
em especial para os estudantes que apresentavam dificuldades de compreensão de
muitos textos espanhóis.
A partir da utilização de uma nova dialética em imagens por meio do jogo de
cartas, ele conseguiu alcançar bons resultados (KISHIMOTO, 2003).
Ao colocar em prática, em larga escala, os ideais humanistas do Renascimento,
o século XVII provoca a expansão contínua de jogos didáticos ou educativos. Esse
processo é acompanhado por estudos filosóficos acerca da importância da imagem e
dos sentidos para a apreensão do conhecimento.
Comenius mostra, em 1657, a relevância das imagens para a educação infantil.
Locke, o pai do empirismo, reforça a tese, explicando que tudo que está na inteligência
passa pelos sentidos. Multiplicam-se, assim, jogos de leitura bem como diversos jogos
destinados à tarefa didática nas áreas de História, Geografia, Moral, Religião,
Matemática, entre outras (ibid).
A eclosão do movimento científico no século XVIII diversifica os jogos que
passam a incluir inovações. Preceptores da época servem-se de imagens publicadas
na Enciclopédia Científica para criar jogos destinados ao ensino de ciências para a
realeza e a aristocracia.
Popularizam-se os jogos. Antes restritos à educação de príncipes e nobres,
tornam-se posteriormente veículos de divulgação e crítica. Jogos de trilha contam a
24
glória dos reis, suas vidas e ações. Jogos de tabuleiro divulgam eventos históricos e
servem como instrumento de doutrinação popular.
A imagem da criança como ser dotado de natureza distinta do adulto chega com
o século XVIII, permitindo a criação e expansão de estabelecimentos para educar a
infância, que culmina no século seguinte.
O início do século XIX presencia o término da Revolução Francesa e o
surgimento de inovações pedagógicas. Há um esforço para colocar em prática
princípios Rousseau, Pestalozzi e Froebel. Mas é com Froebel, o criador do jardim-de-
infância, que o jogo passa a fazer parte do centro do currículo de educação infantil
(KISHIMOTO, 2003, p.16).
Surge então, Dewey modificando a tradição froebeliana, colocando a experiência
direta com os elementos do ambiente e os interesses da criança como novos eixos.
Crianças são vistas como seres sociais e a aprendizagem infantil far-se-á de modo
espontâneo, por meio do jogo, nas situações do cotidiano como preparar alimentos
para o lanche, representar peças para as famílias, brincar de faz-de-conta com temas
familiares. Dewey concebe o jogo como atividade livre, como forma de apreensão dos
problemas do cotidiano (ibid, p.23).
Nessa mesma época, na Europa, os escolanovistas - como Montessori -
divulgam a relevância de materiais pedagógicos explorados livremente e Declory
expande a noção de jogos educativos. Nesse sentido, a ambiguidade das concepções
froebelianas serve como estruturação do jogo educativo, juntando a ação lúdica e a
orientação do professor com o objetivo precípuo de desenvolver habilidades em uma
perspectiva integral da criança (ibid, p.26).
É fato que o jogo está presente nas propostas de educação infantil com o
advento do freudismo, como o mecanismo de defesa de impulsos não satisfeitos.
Estudiosos como Erikson e Winnicot enfocam a importância do jogo para o
desenvolvimento psicoemocional da criança como elemento importante frente às
pressões oriundas do meio sócio-cultural.
Com a ampliação dos estudos de natureza psicológica o ponto de vista do
desenvolvimento infantil continuou a merecer a atenção, especialmente com Piaget,
Gessel e Erickson (ibid, p.27).
25
2.6 O Jogo na Educação – Seu Significado Atual
Atualmente o jogo ocupa um lugar de destaque, também, entre aqueles que
estudam as representações mentais. Entre os teóricos mais relevantes que subsidiam
esta perspectiva, encontram-se os expoentes da psicologia genética como Wallon,
Piaget, Vigotsky, Bruner e outros que mostram a importância do jogo para o
desenvolvimento infantil ao propiciar a descentração da criança, a aquisição de regras,
a expressão do imaginário e a apropriação do conhecimento.
Há, ainda, pesquisadores que se dedicam à análise de representações sociais
acerca da concepção de jogo, dentro de uma perspectiva interdisciplinar. Estudos de
natureza etnográfica, histórica e psicopedagógica integram-se neste eixo propiciando
uma nova frente de análise do jogo (KISHIMOTO, 2003, p.28).
Com a expansão de novos ideais de ensino, crescem experiências que
introduzem o jogo com vistas a facilitar tarefas de ensino. Paralelamente, o
desenvolvimento da ciência e da técnica constitui fonte propulsora de jogos científicos e
mecânicos. Surgem jogos magnéticos para ensinar História, Geografia e Gramática. As
fábulas de La Fontaine e os contos de Perraut inspiram “puzzles” e brinquedos de
cubos.
A expansão dos meios de comunicação bem como o avanço do comércio
estimulam o ensino de línguas vivas, ocasionando o aparecimento de jogos como o
Bazar alfabético, destinado ao aprendizado de vocabulário, e o poliglota, para ensinar
até cinco línguas ao mesmo tempo (ibid, p.17).
A utilização de jogos tem se expandido muito na área da educação desde o início
do século XX, estimulada pelo crescimento das demandas sociais e pelas discussões
sobre as relações entre o jogo e a educação.
Certamente, desde tempos passados, alguns estudos apontam uma ligação
entre o jogo e a aprendizagem.
A ideia de uma instituição que atende a educação infantil sem a devida
adequação do jogo de acordo com a proposta de Froebel, suscita discussões no meio
educacional. As interpretações apontam para a necessidade de um jogo controlado
26
como suporte da ação docente. Assim, nasce o jogo educativo: mistura de jogo e de
ensino (KISHIMOTO, 2003, p.18).
As divergências em torno do jogo educativo estão relacionadas à presença
concomitante de duas funções: a lúdica, que propicia a diversão, o prazer e até o
desprazer quando escolhido voluntariamente; e a função educativa, que ensina
qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua
apreensão do mundo (KISHIMOTO, 2003, p.19).
O equilíbrio entre as duas funções é o objetivo do jogo educativo. Se um
professor escolhe um jogo de memória com estampas de frutas destinado a auxiliar na
discriminação das mesmas, mas as crianças utilizam as cartas do jogo para fazer
pequenas construções, a função lúdica predomina e absorve o aspecto educat ivo
definido pelo professor: discriminar frutas.
Alguns tipos de jogos perdem rápido sua dimensão lúdica quando empregados
inadequadamente e acabam se tornando enfadonhos e desinteressantes. Nem todos os
jogos/brinquedos são divertidos, em especial quando saem da condição de brinquedo e
assumem o caráter exclusivo de material didático-pedagógico.
O uso de quebra-cabeças e jogos de encaixes com o cunho avaliador acabam
eliminando a ação lúdica, onde há uma perda considerável do prazer de brincar e,
consequentemente, de aprender através da brincadeira. Nessa perspectiva o brinquedo
se torna um mero instrumento de trabalho, uma ferramenta do educador e não uma
ferramenta de aprendizagem da criança. Kishimoto (2003, p.28) sugere critérios para
uma adequada escolha de brinquedos no contexto escolar, considerando:
[...] o valor experimental, permitir a exploração e a manipulação; o valor da estruturação, dar suporte à construção da personalidade infantil; o valor da relação, colocar a criança em contato com seus pares e adultos, com objetos e com o ambiente em geral para propiciar o estabelecimento de relações; e, o valor lúdico, avaliar se os objetos possuem as qualidades que estimulam o aparecimento da ação lúdica.
Esses critérios ainda se baseiam em idade, preferências, capacidades, projetos
de cada criança e uma constante verificação da presença do prazer e dos efeitos
positivos do jogo. Há que se considerar ainda que “o jogo não é inato, mas uma
aquisição social” (ibid).
27
Destarte, o professor precisa estar atento para auxiliar a criança, ensiná-la a
utilizar o brinquedo. Só depois ela estará apta a uma exploração livre.
A organização de espaços adequados para estimular constitui hoje uma das
preocupações da maioria de educadores e profissionais de instituições infantis.
Nessa organização do espaço, Campagne (KISHIMOTO, 2003, p.20) alerta para
“a necessidade de analisar componentes como: a disponibilidade de materiais, o nível
de verbalização entre adultos e crianças e aspectos educativos e corporais para
estimular brincadeiras”.
Ainda há que se considerar, segundo Mello (2004), as dimensões corporal e
social na hora de o professor escolher o brinquedo, ou o jogo, uma vez que, ao propor
uma brincadeira para a criança é preciso que o professor participe, orientando,
estimulando, incentivando e se envolvendo nas etapas.
Santos (1997) salienta para o caráter educativo do jogo que considera desejos,
necessidades de expressão e outros valores exigidos para a implementação de um
projeto educativo junto ao aluno e à sua realidade.
É notório que o jogo, além de favorecer o aprendizado – quer seja através do
erro ou não - também estimula a exploração e a solução de problemas, portanto, o
aluno que brinca/joga de maneira consciente, articulada e reflexiva acaba tornando-se
um adulto mais criativo.
Quando o professor estabelece regras para o jogo, não significa que está
tornando-o enfadonho e sim, desafiador. Porém ele deve criar uma atmosfera
adequada para a investigação e onde o aluno tenha que analisar as suas opções,
antevendo o que poderá acontecer.
É justamente pela possibilidade de estimular a exploração em busca de
respostas, em não constranger quando se erra, que o jogo oferece benefícios reais à
aprendizagem, não apenas da criança na educação infantil, mas até mesmo no ensino
fundamental.
Para Santos (1997, p.12), “o trabalho pedagógico de aquisição sistemática do
saber e o jogo que, escapando à severa lei do trabalho, caminha em direção a um “não-
sério”, sem se submeter à ordem, criando um espaço de liberdade de ação para a
criança”.
Chateau (1987, p.96) entende que:
28
[...] o jogo tem fins naturais quando a ação livre permite a expressão do eu. Visto como meio ou, como diz, tendo “fins artificiais”, na verdade, o jogo é um instrumento do adulto para formar a criança. O papel pedagógico do jogo só pode ser entendido dentro do domínio do jogo enquanto meio, enquanto um “fim artificial”.
O próprio autor (ibid) referencia que o jogo possui aspectos biológicos do ser
humano e também os fatores sociais que se manifestam através dos valores e
intencionalidade de cada etapa do processo educativo.
Valoriza, ainda, o jogo por sua possibilidade significativa de aprendizagens
diversas tanto no que se referem aos aspectos integradores, morais e éticos, como
também por sua possibilidade socializadora.
Invariavelmente todas as habilidades e conhecimentos adquiridos através do
jogo preparam o indivíduo para a vida adulta no meio social, incluindo o mercado e
trabalho, pois estabelece relações entre o eu e o outro.
Da mesma forma, KISHIMOTO (2003) considera importante a escola adotar o
jogo pelos efeitos que proporciona, onde há uma variante no emprego dos jogos na
educação: o jogo didático como modalidade destinada exclusivamente à aquisição de
conteúdos, diferenciando-o do jogo educativo.
O primeiro, mais dinâmico, envolve ações ativas das crianças, permite exploração e tem múltiplos efeitos na esfera corporal, cognitiva, afetiva e social. O segundo, mais restrito, pela sua natureza atrelada ao ensino de conteúdos, torna-se, no seu entender, inadequado para o desenvolvimento infantil, por limitar o prazer e a iniciativa da criança e tornar-se muitas vezes monótono e cansativo (KISHIMOTO, 2003, p.22-23).
Quando a criança brinca livremente, sem as pressões dos adultos, ela passa por
um processo educativo espontâneo e aprende a partir da interação com o grupo e com
o ambiente, seja ele doméstico, escolar ou público (na rua, por exemplo).
Se em qualquer um desses ambientes for planejada uma organização do espaço que privilegie materiais adequados, tais situações maximizam a potencialidade do jogo. São tais pressupostos que estimulam o aparecimento de propostas em instituições infantis, que valorizam a organização do espaço para estimular brincadeiras. (KISHIMOTO, 2003, p.22)
A polêmica em torno da utilização pedagógica do jogo deixa de existir na medida
em que o educador respeita a natureza psicológica que permeia a educação infantil e
29
que o torna um recurso com finalidades educativas, bem como um elemento essencial
ao desenvolvimento infantil.
Se a criança age livremente no jogo de faz-de-conta dentro de uma sala de aula
de educação infantil, expressando relações que observa no seu cotidiano, a função
pedagógica será garantida pela organização do espaço, pela disponibilidade de
materiais e muitas vezes pela própria parceria do professor nas brincadeiras.
Ao permitir a manifestação do imaginário infantil, por meio de objetos simbólicos
dispostos intencionalmente, a função pedagógica subsidia o desenvolvimento integral
da criança. Nesse sentido, “qualquer jogo empregado pela escola, desde que respeite a
natureza do ato lúdico, apresenta o caráter educativo e pode receber também a
denominação geral de jogo educativo” (KISHIMOTO, 2003, p.22).
É a partir desse imaginário infantil que são construídas as bases para a
construção do conhecimento durante toda a vida do indivíduo e onde os elementos
socioculturais coadunam em novos saberes e aquisição de valores, ideias e
desenvolvimento de competências variadas, desde as mais simples até as mais
complexas.
2.7 Os Jogos Infantis Segundo Piaget, Wallon, Vigotsky e Bruner
Kishimoto (2003) afirma que, embora os jogos – e a brincadeira - não
representem mais uma novidade conquanto ao seu uso no contexto escolar, a sua
intensidade deve variar de acordo com as contingências políticas e sociais de cada
contexto social.
As pesquisas psicológicas feitas por Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo,,
atribuem ao jogo o status de integrador entre a vida mental e o comportamento que
denomina assimilação.
Piaget (1998) observa ao longo do período infantil, três sucessivos sistemas de
jogo:
Jogo de exercício – movida pelo prazer, através da repetição, a criança tem
como conseqüência a formação de hábitos, tornando-se fonte de significados, ou seja,
30
de compreensão das ações. É a principal forma de aprendizagem no primeiro ano de
vida. Possibilita que a criança conheça as coisas por si mesma.
A estrutura do jogo de exercício faz parte das outras estruturas dos jogos. São a
base do “como” das coisas.
Jogos simbólicos – caracteriza-se pelo fato de a criança considerar “A” por “B”,
o conteúdo que assimilou através do jogo de exercício. A assimilação é deformante – a
criança assimila como pode ou deseja.
Ela se torna produtora de linguagens, criadora de convenções, firma vínculo
entre as coisas e suas possíveis representações, possibilita a compreensão de
convenções arbitrárias. São um prelúdio das futuras teorizações da criança. É a base
do “porquê” das coisas.
Jogos de regras – herda as características do jogo de exercício, pela
regularidade das jogadas e do jogo simbólico, devido aos combinados arbitrários.
Inaugura a assimilação recíproca Por seu caráter coletivo, cuja regularidade é
intencionalmente consentida, e pela busca de convenções em comum. Integra o “como”
e o “porquê” das coisas.
Quando o brinquedo, por exemplo, é oferecido à criança – ou está ao alcance da
mesma - permite que ela o utilize em pelo menos uma das modalidades apresentadas
por Piaget (ibid), ou seja, ela o utilizará em consonância com suas capacidades,
necessidades ou desejos.
Piaget (ibid, p.20) ainda salienta que:
O comportamento lúdico provém da imitação que representa uma acomodação ao objeto. Wallon vê na acomodação postural a base do que se tornará a imagem. Vê na imitação, uma participação motora do que é imitado e um certo prolongamento da imitação do real. Entre os dois autores a imagem é considerada como um prolongamento do que é, na origem, a imitação do real. Ou seja, que a origem da representação está na imitação.
Com certa semelhança a Piaget, Wallon (apud KASHIMOTO, 2003, p.31)
classifica os jogos em 4 tipos: funcionais, de ficção, de aquisição e de construção.
As atividades lúdicas funcionais representam os movimentos simples como encolher os braços e pernas, agitar dedos, balançar objetos etc. as atividades de ficção são as brincadeiras de faz-de-conta com bonecas. Nas atividades de aquisição, a criança aprende vendo ou ouvindo. Faz esforços para compreender coisas, seres, cenas, imagens e, nos jogos de construção, reúne, combina objetos entre si, modifica e cria objetos.
31
Entende-se, portanto, que a atividade lúdica permite à criança a exploração do
meio social, onde ela reflete tudo o que foi apreendido através de sua vivência – dentro
e fora da escola – modificando a sua própria conduta.
A abordagem de Vigotsky parece emergir como alternativa à teoria de Piaget,
especialmente no que se refere a um detalhamento da participação do contexto social
na formação da inteligência. Porém sua teoria é considerada mais complexa e mais
difusa que a piagetiana. Isso se deve à natureza dos escritos de Vigotsky e ao tipo de
influência que exerceu.
As divergências entre Piaget e Vigotsky acerca do jogo infantil parecem incidir
especialmente em diferenças conceituais. Consideram que, antes da interiorização, não
existe atividade simbólica. É esta definição do simbolismo que cria a diferença de
interpretação entre autores vygotskianos, piagetianos e wallonianos (KISHIMOTO,
2003, p.42).
Para Vigotsky (1982 e 1988 apud KISHIMOTO, 2003, p.43) “há dois elementos
importantes na brincadeira infantil: a situação imaginária e as regras. Em uma ponta
encontra-se o jogo de papéis com regras implícitas e, em outra, o jogo de regras com
regras explícitas”.
Isso pressupõe que, nos primeiros anos de vida, o ato de brincar torna-se a fonte
do desenvolvimento infantil quando a criança cria zonas de desenvolvimento proximal,
onde a imaginação e a expressão do sentimento/desejo lhe permite internalizar as
regras sociais de seu convívio.
Kishimoto (2003, p.24) sintetiza a comparação entre os estudiosos:
Enquanto Piaget, Wallon e Vigotsky colocam a imitação como a origem de toda representação mental e a base para o aparecimento do jogo infantil, Bruner (1976) tem uma nova forma de interpretar o desenvolvimento da atividade simbólica. [...] a origem da atividade simbólica não depende apenas de jogos de exercícios funcionais, mas de brincadeiras compartilhadas entre a mãe e a criança, que conduzem às atividades motoras e vocais.
A atribuição de significados poderá provir de condutas suscitadas pela mãe,
impulsionadas por ela nas primeiras trocas lúdicas, aparecendo no quadro de trocas de
comunicação. Bem antes do gesto ostensivo de indicação encontram-se duas ordens
de fatos que têm importância decisiva: de um lado, a troca e o cruzamento de olhares;
32
de outro, as vocalizações que têm um valor de comunicação, na medida em que a
observação minuciosa mostra que elas se diferenciam muito cedo na interação mãe-
crianças.
Com tais pesquisas, Bruner (1978) demonstra que a brincadeira do bebê em
parceria com a mãe auxilia a aquisição da linguagem, a compreensão de regras e
colabora com o seu desenvolvimento cognitivo.
Ele considera que a brincadeira permite uma flexibilidade de conduta e conduz a
um comportamento exploratório. Da mesma forma, em outras pesquisas com pré-
escolares conclui que o jogo infantil contribui para a solução de problemas
(KISHIMOTO, 2003, p.45).
Existem várias teorias em relação a jogos infantis e estas, apesar de suas
diferenças, contribuem muito para a atuação responsável por parte dos educadores.
Cabe a esses profissionais de educação garantirem o espaço, o tempo e as condições
para que as brincadeiras aconteçam na escola na sua essência e diversidade.
A participação do educador deve orientar-se pela observação, registro e reflexão
com objetivo de encontrar formas de intervenção que, mantendo a essência do brincar,
tornem possível a construção de novas aprendizagens.
2.8 Os Jogos e os Parâmetros Curriculares Nacionais
Lendo estas afirmações, formuladas por estudiosos e educadores na área da
Educação, é possível compreender a importância do jogo e da brincadeira para o
desenvolvimento infantil e a razão pela qual o brincar foi colocado nos Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil como uma área de conhecimento a ser
trabalhada, com o mesmo cuidado das demais áreas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) simbolizam uma proposta
que visa orientar, de maneira coerente, as muitas políticas educacionais existentes nas
diferentes áreas territoriais do país e que contribuem para a melhoria de eficiência,
atualização e qualidade de nossa educação.
33
Além disso, visam imprimir uma concepção de cidadania que ajuste o aluno e,
conseqüentemente, o cidadão à realidade e demandas do mundo contemporâneo.
Representam, dessa forma, um referencial para fomentar a reflexão sobre os
currículos estaduais e municipais, garantindo a melhoria da qualidade de ensino,
socializando discussões e pesquisas sobre estratégias e procedimentos e subsidiando
a participação de técnicos em educação e o professor brasileiro de maneira geral.
O disposto nesse documento oficial não constitui uma linha educacional
impositiva, mas um conjunto de proposições que buscam estabelecer referências a
partir das quais a educação possa progressivamente se transformar em um processo
de construção de cidadania.
Lamentavelmente muitos especialistas encarregados de avaliar propostas, obras
e projetos para facilitar sua implementação revestem-se de absolutistas “donos da
verdade” e exercitam seus julgamentos menos em função desses parâmetros e muito
mais pelo egocentrismo de julgarem-se seus proprietários exclusivos.
A orientação proposta nos PCNs (BRASIL, 1998) está situada nos princípios
construtivistas e apóia-se em um modelo de aprendizagem que reconhece a
participação construtiva do aluno, a intervenção do professor nesse processo e a escola
como um espaço de formação e informação em que a aprendizagem de conteúdos e o
desenvolvimento de habilidades operatórias favoreçam a inserção do aluno na
sociedade que o cerca e, progressivamente, em um universo cultural mais amplo.
Para que essa orientação se transforme em uma realidade concreta é essencial
a interação do sujeito com o objeto a ser conhecido e,assim, à multiplicidade na
proposta de jogos concretiza e materializa essas interações.
Ao lado dessa função, os jogos também se prestam a multidisciplinaridade e,
dessa forma, viabilizam a atuação do próprio aluno na tarefa de construir significados
sobre os conteúdos de sua aprendizagem e explorar de forma significativa os temas
transversais (meio ambiente, pluralidade cultural) que estruturam a formação do aluno-
cidadão.
Esses temas não constituem novas matérias, mas atravessam áreas do currículo
e, dessa forma, devem ser desenvolvidos no momento oportuno por qualquer professor,
inspirado por acontecimentos que se tornam marcantes no momento vivido pela escola
34
(uma notícia de jornal, uma briga entre colegas, uma cena marcante de uma novela na
televisão, um filme que todos os alunos assistiram, etc.). (BRASIL, 1998)
O professor deve, então, aproveitar essa grande contribuição que os jogos e as
brincadeiras trazem para a educação e inseri-los em suas atividades escolares,
conforme os conteúdos propostos pelos PCNs.
2.9 A função da brinquedoteca na educação
Atualmente o lúdico tem uma conotação que extrapola a infância, e sua utilização
se expandiu tanto, que foi necessário criar espaços específicos destinados a vivências
lúdicas, que se chamam brinquedotecas.
Falar sobre Brinquedoteca é, portanto, falar sobre os mais diferentes espaços
que se destinam à ludicidade, ao prazer, às emoções, às vivências corporais, ao
desenvolvimento da imaginação, da criatividade, da auto-estima, do autoconceito
positivo, da resiliência, do desenvolvimento do pensamento, da ação, da sensibilidade,
da construção do conhecimento e das habilidades.
É preciso pensar na Brinquedoteca como um espaço que contemple todas as
etapas do desenvolvimento humano. Hoje, pesquisas, relatos de experiências têm
mostrado resultados fantásticos que comprovam a importância dos jogos e brinquedos
e sua aplicação em diferentes contextos e em diferentes etapas do desenvolvimento.
Para Cunha (2001), as escolas que possuem brinquedotecas têm mostrado ser o
jogo e o brinquedo uma estratégia poderosa para a construção do conhecimento, pelos
desafios que o lúdico proporciona; e como educar é preparar para a vida, nesta
abordagem do processo educativo, a afetividade ganha destaque, pois as interações
afetivas ajudam mais a modificar as pessoas do que as informações repassadas
mecanicamente pelos professores.
A Brinquedoteca escolar, além de ser o espaço da criança, deve ser um espaço
de experiência, estudo e disseminação de novas ideias sobre o lúdico, de tal forma que
contagie a todos os envolvidos no processo educativo.
O preparo do professor para jogar inscreve-se no projeto mais amplo de dotá-lo
de recursos para trabalhar com a aprendizagem na perspectiva da ludicidade. Cada vez
35
mais as pedagogias progressistas professam a tese de que é possível aprender
brincando, ou, pelo menos, fazê-lo de forma prazerosa; o que, freqüentemente, culmina
na ludicidade.
Questionando os padrões de funcionamento ao redimensionar a aprendizagem,
e resgatando o prazer de aprender, o jogo na educação concorre para o sucesso
escolar, convertendo-se em importante mecanismo de inclusão social, na soma de
esforços para transformar a escola (CUNHA, 2001).
A brinquedoteca da escola, diferentemente da brinquedoteca em outros espaços,
estrutura-se de forma organizada no cotidiano escolar. Por entrar nesta ritualização, ela
ocupa um espaço do fazer escolar.
Kishimoto (1997) argumenta que as brinquedotecas nas escolas têm sido
adotadas com finalidades pedagógicas ou como centro de apoio ao professor, alertando
assim para o risco de escolarização da brinquedoteca, quando esta toma o caráter de
atendimento psicopedagógico ou fazendo de sua sala um espaço único de brincar na
escola.
Enquanto espaço demarcado para brincar, a Brinquedoteca pode significar um
espaço limitando o brincar às suas fronteiras. Por outro lado, podem surgir
possibilidades de expansão dessas fronteiras, frestas por onde a brincadeira pode
ampliar-se como linguagem.
O risco de escolarização da Brinquedoteca, ou de sua redução a um espaço
único de brincar na escola, nos leva a pensar na possibilidade ou não desse espaço
demarcado expandir tais fronteiras.
É preciso que o professor seja capaz de conceber o jogo como linguagem da
criança é também questionar a existência de espaços preparados especialmente para
esse fim, pois sem esse questionamento corremos o risco de reduzir a polissemia
existente no ato de brincar, criando uma especificidade de espaço, de tempo e de
pessoas preparadas para brincar.
De certa forma, a elaboração do programa deve ser precedida dos
conhecimentos dos jogos específicos e, na medida em que estes aparecerem na
proposta pedagógica, é que devem ser aplicados, sempre com o espírito crítico para
36
mantê-los, alterá-los, substituí-los por outros ao se perceber que ficaram distantes
desses objetivos.
Segundo Antunes (1998), existem quatro elementos que justificam e, de uma
certa forma, condicionam a aplicação dos jogos. Esses elementos não se graduam pela
importância e devem ser levados em conta independentemente da ordem em que forem
apresentados. São eles:
- Capacidade de se constituir em um fator de auto-estima do aluno: Jogos
extremamente “fáceis” ou cuja solução se coloque acima da capacidade de solução por
parte do aluno causam seu desinteresse e, o que é pior, sua baixa estima, associada a
uma sensação de incapacidade ou fracasso.
É importante que o professor possa organizá-los, para simbolizarem desafios
intrigantes e estimulantes, mas possíveis de serem concretizados pelos alunos,
individualmente ou em grupo.
Esse nível de dificuldade ideal não é parte inerente do jogo, mas provém da
acuidade e perspicácia de observação do professor que pode, aqui e ali, dar algumas
“dicas” facilitadoras quando o jogo é muito difícil, ou criar estratégias mais complexas,
se julga de fácil solução.
O reforço positivo, expresso em gestos, palavras e outros símbolos, deve sempre
encerrar a atividade e deve ser seguido de entusiástico convite para outro jogo, na
próxima vez.
- Condições psicológicas favoráveis: O jogo jamais pode surgir como “trabalho”
ou estar associado a alguma forma de sanção. Ao contrário, é essencial que o
professor dele se utilize como ferramenta de combate à apatia e como instrumento de
inserção e desafios grupais.
O entusiasmo do professor e o preparo dos alunos para um “momento especial a
ser propiciado pelo jogo” constitui um recurso insubstituível no estímulo para que o
aluno queira jogar. Os jogos devem ser cuidadosamente introduzidos e a posição dos
alunos claramente definida.
- Condições ambientais: A conveniência do ambiente é fundamental para o
sucesso no uso dos jogos. O espaço necessário à manipulação das peças é sempre
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imprescindível, assim como sua cuidadosa embalagem e organização, a higiene da
mesa ou mesmo do chão em que o aluno usa para essa atividade.
- Fundamentos técnicos: Um jogo jamais deve ser interrompido e, sempre que
possível, o aluno deve ser estimulado a buscar seus próprios caminhos. Além disso,
todo jogo precisa sempre ter começo, meio e fim e não ser programado se existir
dúvidas sobre as possibilidades de sua integral consecução.
Assim, o jogo tem validade se usado na hora certa e essa hora é determinada
pelo seu caráter desafiador, pelo interesse do aluno e pelo objetivo proposto. Jamais
deve ser introduzido antes que o aluno revele maturidade para superar seu desafio e
nunca quando o aluno revelar cansaço pela atividade ou tédio por resultados.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizando este trabalho dedicado à importância dos jogos e brincadeiras na
formação e no desenvolvimento da criança, concluímos que no momento em que se
redescobre a relevância dessa temática.
Diante de tantas mudanças em todos os campos do conhecimento e em todos
os setores, temos certeza de que caminhamos para uma sociedade onde será
inevitável o resgate do prazer na educação, no trabalho e na vida; pois o homem é a
base de qualquer mudança, e o jogo a forma mais natural e gratificante de entender a
vida.
É presente em nossos dias o quanto a vida moderna transformou o espaço e o
tempo de brincar. O brincar de faz-de-conta quase virou conto de fadas e os brinquedos
descartáveis feitos para não durarem mais do que algumas horas.
Fala-se em jogar via Internet, horas intermináveis diante de monitores, teclados,
kits multimídia, jogos virtuais de guerra, disputados com parceiros em outros países e
um espaço real de ação limitado a mais ou menos 1,5m (quadrados).
E o corpo, que lugar a ele reservado? Quem lembra dele? E as relações corpo a
corpo, olho no olho, cumplicidade, por onde andam? Criatividade, espontaneidade,
imaginação, brincar de roda?... Brincar, brincar de correr, de pular, de construir,
desconstruir, reconstruir. Aprender, dançar, inventar, contar histórias, dramatizar, subir
no palco, mesmo que esse só exista na minha, na sua, na nossa imaginação.
Construir relações sociais, apropriar-se de territórios, conquistar, dividir,
socializar. Enfim, formular regras, discuti-las, viver o espaço do outro, pedir permissão,
permitir-se, ousar ser. São essas as oportunidades que nossas crianças precisam.
Educadores, psicólogos, pais ou qualquer pessoa que trabalhe com criança
interfere em seu desenvolvimento e não pode ficar alheio ao brinquedo, ao jogo, às
brincadeiras, pois tais atividades são o veículo do seu crescimento.
É por meio deles que se possibilita à criança explorar o mundo, descobrir-se,
entender-se e posicionar-se em relação a si mesma e à sociedade de uma forma
natural.
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Por isso, precisam acreditar que brincadeira é coisa séria; é a essência da
infância; é a oportunidade para a expansão de potencialidades; é um meio de equilíbrio
emocional; de desenvolvimento da inteligência, da criatividade, da sociabilidade, da
operatividade, enfim, do desenvolvimento de uma vida interior rica.
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4. REFERÊNCIAS
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Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
BETTELHEIM, B. Uma vida para seu filho. São Paulo: Artmed, 1984. 358p.
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CUNHA, N. H. S. Brinquedoteca: um mergulho no brincar. 3.ed. São Paulo: Vetor,
2001.
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Elaboração de Monografia/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Biblioteca São
Camilo. Cachoeiro de Itapemirim-ES: São Camilo-ES, 2008.
GARDNER, H. Teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
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contextos culturais. In: SANTA, Marli Pires dos Santos (org.) Brinquedoteca: o lúdico
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Educação Infantil da OMEP. p. 41-47.
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SANTOS, Santa Marli Pires dos (org.). Brinquedoteca: o lúdico em diferentes
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Universidade Federal do Espírito Santo. Biblioteca Central. Guia para normalização de
referências : NBR 6023:2002/Universidade Federal do Espírito Santo, Biblioteca
Central. 2.ed. Vitória : A Biblioteca, 2002. 51 p.