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ALCAR - Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia São Borja, RS - 14 e 15 de maio de 2012 1 Imprensa e nacionalismo: discutindo o print capitalism e suas possibilidades de análise para a história da América Latina 1 Murillo Dias Winter 2 Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul RESUMO O presente trabalho busca discutir historiograficamente a obra de Benedict Anderson, intitulada Comunidades Imaginadas, principalmente, no que tange a América, a imprensa e, essencialmente, a sua idéia de print capitalism, com suas decorrentes projeções no continente americano. Dessa forma, a imprensa terá dupla função de análise: ao mesmo tempo em que a apresentaremos como uma fonte histórica com características singulares e uma história definida, também será fruto de discussão na perspectiva de B. Anderson, como um elemento essencial para o desenvolvimento do nacionalismo. PALAVRAS-CHAVE: América Latina; Imprensa; Nação; Nacionalismo; Print capitalism. A questão nacional é um dos fenômenos políticos mais difíceis de explicar e que menos possui consenso de análise entre os intelectuais. Existem apenas algumas concepções compartilhadas pela maioria dos estudiosos, uma é de a nação fazer parte de nosso léxico e de nossa sociedade há pelo menos dois séculos, outra é a da artificialidade da nação. Como define Anthony D. Smith: A nação é uma categoria inventada; não se enraíza na natureza ou na história’’ 3 (SMITH, 2008, p.187). Dentro das formulações mais tradicionais no estudo da América Latina e na emergência de suas nações pós-coloniais é ainda mais problemático. Vários pesquisadores se debruçaram sobre o tema, sendo que uma das obras mais destacadas é a de Benedict Anderson, intitulada Comunidades Imaginadas 4 . Nossa intenção é discutir a obra, principalmente, 1 Trabalho apresentado no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia ALCAR RS 2 Licenciado e mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF), bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E-mail: [email protected] 3 SMITH, Anthony D. O nacionalismo e os historiadores. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org.) Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. P.187 4 A obra foi publicada pela primeira vez no Brasil com o título Nação e consciência nacional, São Paulo: Ática, 1989. Nosso foco de análise, mesmo se utilizando de elementos publicados pela primeira vez em Nação e consciência nacional, é a segunda publicação da obra, intitulada no Brasil Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, São Paulo: Cia das letras, 2008. Onde o autor reformula algumas das idéias apresentadas

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Imprensa e nacionalismo: discutindo o print capitalism e suas possibilidades de

análise para a história da América Latina1

Murillo Dias Winter2

Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul

RESUMO

O presente trabalho busca discutir historiograficamente a obra de Benedict

Anderson, intitulada Comunidades Imaginadas, principalmente, no que tange a

América, a imprensa e, essencialmente, a sua idéia de print capitalism, com suas

decorrentes projeções no continente americano. Dessa forma, a imprensa terá dupla

função de análise: ao mesmo tempo em que a apresentaremos como uma fonte histórica

com características singulares e uma história definida, também será fruto de discussão

na perspectiva de B. Anderson, como um elemento essencial para o desenvolvimento do

nacionalismo.

PALAVRAS-CHAVE: América Latina; Imprensa; Nação; Nacionalismo; Print

capitalism.

A questão nacional é um dos fenômenos políticos mais difíceis de explicar e que

menos possui consenso de análise entre os intelectuais. Existem apenas algumas

concepções compartilhadas pela maioria dos estudiosos, uma é de a nação fazer parte de

nosso léxico e de nossa sociedade há pelo menos dois séculos, outra é a da

artificialidade da nação. Como define Anthony D. Smith: “A nação é uma categoria

inventada; não se enraíza na natureza ou na história’’3 (SMITH, 2008, p.187). Dentro das

formulações mais tradicionais no estudo da América Latina e na emergência de suas

nações pós-coloniais é ainda mais problemático. Vários pesquisadores se debruçaram

sobre o tema, sendo que uma das obras mais destacadas é a de Benedict Anderson,

intitulada Comunidades Imaginadas4. Nossa intenção é discutir a obra, principalmente,

1Trabalho apresentado no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia – ALCAR RS 2Licenciado e mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF), bolsista da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E-mail: [email protected] 3SMITH, Anthony D. O nacionalismo e os historiadores. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org.) Um mapa da questão

nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. P.187 4A obra foi publicada pela primeira vez no Brasil com o título Nação e consciência nacional, São Paulo: Ática, 1989.

Nosso foco de análise, mesmo se utilizando de elementos publicados pela primeira vez em Nação e consciência

nacional, é a segunda publicação da obra, intitulada no Brasil Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a

difusão do nacionalismo, São Paulo: Cia das letras, 2008. Onde o autor reformula algumas das idéias apresentadas

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no que tange a América, a imprensa e, essencialmente, a sua idéia de print capitalism,

com suas decorrentes projeções no continente americano.

A imprensa - principalmente a imprensa periódica – tomará aqui uma dupla

função de análise: ao mesmo tempo em que se projetará como uma fonte histórica com

características singulares e uma história definida, também será fruto de discussão na

perspectiva de B. Anderson, como um elemento essencial para o desenvolvimento do

nacionalismo, permitindo a imprensa (d)escrever a nação e assim construí-la

‘’imaginariamente’’, idéia apresentada com suas decorrentes críticas historiográficas.

A imprensa periódica surge no século XVII na Europa, chega à América – de

colonização inglesa e espanhola - apenas no século seguinte, ainda defasada em relação

à produção das metrópoles, que impunham sistemas de vigilância ao conteúdo dos

impressos que circulavam no continente americano. A experiência brasileira não foi

destoante do restante do continente: sua imprensa periódica passou a ter circulação mais

sistemática com a chegada da família Real ao Brasil em 1808 e a instalação da

tipografia da Impressão Régia. Vale ressaltar que o periodismo e a imprensa possuíam

uma noção diferente da associada aos dias atuais, como afirma Marco Morel:

O que então se conhecia por imprensa periódica é bem diferente do que hoje se

compreende como tal, inclusive em seu suporte físico: apesar de algumas

iniciativas estáveis, havia grande número de títulos efêmeros. Mesmo

demandando alguns recursos financeiros, não era preciso ser muito rico para

fazer circular um jornal, que tinha formato pequeno e poucas páginas com

anúncios escassos. Tanto um jornal governista quanto um oposicionista tinha

um alcance, em princípio, semelhante.5 (MOREL, 2008, p.26).

A discussão política era o grande objetivo da imprensa – compreendendo

panfletos, periódicos, diários e revistas - no período das independências na América

Latina. Para Paula Alonso “decir que esta prensa era política, de opnión o partidária

sería una redundancia. Aunque informara,ésa distaba de ser su meta”. No decorrer do

século XIX a imprensa continuou sendo um dos mais importantes instrumentos para se

fazer política, muitas expectativas e discussões variadas tinham na imprensa periódica o

seu espaço de divulgação. Novamente, Paula Alonso destaca:

anteriormente principalmente sobre a América Latina, outro ponto é a tradução de print capitalism que toma outro

sentido, mais próximo da publicação original em inglês. 5MOREL, Marco. Os primeiros passos da palavra escrita. In: História da imprensa no Brasil. MARTINS, Ana

Luiza. LUCA, Tania Regina de, (org.). São Paulo: Editora Contexto, 2008. p. 26.

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la prensa también se convirtió en una de las principales varas con las que se

médio el grado de libertad de un gobierno y el nivel de “civilización” de una

sociedad, siendo computada, junto con cifras de población, alfabetización,

etcétera, em los primeros censos nacionales6.(ALONSO,2004,p.8)

Dada toda a transformação ao longo dos anos, pouco se encontra na imprensa

atual daquelas primeiras gerações de publicações na América. Enquanto os periódicos

atuais se dedicam a fornecer informações do mundo todo, inseridos no mercado global e

supostamente mantem os seus editoriais sob o signo da imparcialidade, nos oitocentos

se destacavam‘’aquellos diários de corta vida, pequena tirada, de linguaje violento y

apasionado, producidos por quienes hacían política, ademas, com la pluma’’.

(ALONSO, 2004, p.8). Características que se aliam a proposição de Benedict Anderson

ao expor que a imprensa, ao organizar atitudes individuais, oferece aos indivíduos a

oportunidade de compartilhar uma mesma experiência mesmo sem conhecimento

mútuo. Dessa forma, a imprensa periódica se constitui como instrumento importante

para a formação e afirmação de pertencimento político e principalmente nacional em

relação ao contexto de superação do Antigo Regime, marcado pela instabilidade social e

política, a imprensa periódica é uma das principais ferramentas a disposição da

população – mesmo que apenas a letrada – ainda não habituada à critica política e a

arregimentação de opiniões que constituíam esse espaço de debate. Em suma, o que é

proposto é a importância que imprensa toma na reorganização de sociabilidades e de

culturas políticas no inicio do século XIX, sob a égide do nacionalismo7.

IMAGINANDO AS COMUNIDADES: O PRINT CAPITALISM E SUA

FUNDAMENTAÇÃO

Antes de discutir o papel da imprensa e a teoria de Benedict Anderson, se faz

necessário apresentar brevemente o que o autor define como nação: ‘’ uma comunidade

política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo

tempo, soberana8 ’’ (ANDERSON, 2009, p.32). É imaginada porque mesmo os

6ALONSO, Paula (compiladora). Construcciones impresas: panfletos, diarios y revistas em la formación de los

Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: Fondo de Cultura Económica, 2004..P.8. 7 ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional, São Paulo: Ática, 1989. Cap. 1 e Cap. 2. 8 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, São

Paulo: Cia das letras, 2008. P. 32.

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membros das menores nações nunca irão conhecer ou estabelecerão contato com todos

os outros habitantes, todos têm consciência que estão em comunhão entre eles. A nação

é limitada, porque mesmo a maior das nações possui limites e fronteiras estabelecidas,

onde do outro lado existe uma nação vizinha. Nenhuma dessas nações projeta que um

dia todo o mundo faça parte de uma mesma nação sem fronteiras. Define-se a nação

como soberana em conseqüência do surgimento do conceito durante o Iluminismo e a

Revolução (ainda não francesa) que desestabilizavam os reinos dinásticos de ordem

divina. Em contraposição aos projetos ontológicos religiosos, as nações se entendem

livres. A garantia dessa liberdade é o Estado Soberano. E, por fim, ela é imaginada

como uma comunidade porque independente das desigualdades das relações que possam

existir dentro da comunidade, ela é sempre concebida horizontalmente. Como o autor

lembra: ‘’no fundo, foi essa fraternidade que tornou possível, nestes dois últimos

séculos, tantos milhões de pessoas tenham-se não tanto a matar, mas, sobretudo a

morrer por essas criações imaginarias limitadas9’’ (ANDERSON, 2009, p.34).

A oportunidade de imaginar a nação com base nos conceitos apresentados

anteriormente só acontece historicamente em um contexto específico e com ferramentas

também especificas. Esse momento surge quando as três concepções culturais

dominantes sobre o imaginário do homem começam a perder força. “A primeira delas é

a idéia de que uma determinada língua escrita oferecia um acesso privilegiado à verdade

ontológica, justamente por ser uma parte indissociável dessa verdade10

” (ANDERSON,

2009, p.69). Foi essa idéia, baseada no latim, que gerou as grandes comunidades

religiosas que ultrapassavam os limites continentais e podiam projetar-se em um mundo

totalmente dominado. A segunda, o pensamento de que a sociedade se organiza em

volta e em função dos monarcas, estes, superiores aos seus súditos, pois governam em

decorrência de uma herança divina. A terceira concepção se relaciona com o tempo,

essencialmente o que Walter Benjamin define como “tempos messiânicos”, onde a

temporalidade do homem e do mundo se confundem, sendo praticamente as mesmas.

Passado e futuro são praticamente iguais, pois acontecem no presente, idéia que vai

sendo substituída pelo que também Benjamin batiza agora de “tempo vazio e

homogêneo’’, onde a simultaneidade é marcada pela consciência de tempos entre o

relógio e o calendário.

9ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 34. 10ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 69.

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O enfraquecimento, que aconteceu mutuamente, dessas três concepções permitiu

o desenvolvimento de novas maneiras de unir tempo, espaço e poder, a partir de duas

ferramentas: o capitalismo e a imprensa. Dessa forma, “o que tornou possível imaginar

as novas comunidades, num sentido positivo,

foi uma interação mais ou menos casual, porem explosiva, entre um modo de

produção e de relações de produções (o capitalismo), uma tecnologia de

comunicação (a imprensa) e a fatalidade da diversidade lingüista

humana’’11

(ANDERSON, 2009, p.78).

Como resultado da interação do capitalismo e da imprensa, juntamente com o

desenvolvimento cientifico e as transformações sociais:

“O elemento que talvez mais catalisou e fez frutificar essa busca foi o

capitalismo editorial [ print capitalism], que permitiu que as pessoas, em

números sempre maiores, viessem a pensar sobre si mesmas e a se relacionar

com as demais de maneiras radicalmente novas12

” (ANDERSON, 2009,

p.70).

Dentro do print capitalism foram o romance e o jornal os primeiros a ocupar o

espaço deixado pelas antigas concepções de mundo e que permitiram pensar a nação

nesse novo contexto, ‘’pois essas formas proporcionaram meios técnicos para ‘’re-

presentar’’ o tipo de comunidade imaginada correspondente à nação13

’’ (ANDERSON,

2009, p.55). O romance permite pela sua forma de narrativa apresentar a simultaneidade

necessária para a criação de um ‘’tempo vazio e homogêneo’’, forma de narrativa e de

representação temporal análoga a idéia de nação, visto que no romance as ações

acontecem sincronicamente e no mesmo espaço, executadas por indivíduos que não tem

consciência da existência do outro. A nação é concebida como uma comunidade sólida

que percorre constantemente a história, sem os seus membros ter necessariamente

conhecimento mútuo. O jornal, como Benedict Anderson afirma, possui seu caráter

profundamente ficcional, pois a arbitrariedade na escolha, na posição e na edição das

manchetes e noticias, que na maioria das vezes não possuem nem uma forma aparente

de ligação, demonstra seu vínculo imaginário. Vínculo estabelecido de duas formas:

cronológica, afinal os fatos coincidem na mesma data do jornal e a segunda - mais

11 ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 78. 12 ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 70. 13 ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 55.

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ampla - em relação ao mercado: o jornal é compreendido por Benedict Anderson como

“forma extrema” de livro, ou seja, uma mercadoria industrial com produção em série e

grande vendagem, acrescenta-se ao jornal uma obsolescência diária, como parte dos

produtos modernos de origem capitalista.

Em relação à fatalidade da linguagem humana, seu papel é decisivo, visto que

mesmo com a grande importância que o print capitalism tomou na formação dos

Estados nacionais modernos ele possui limites, apenas superados com sua relação,

mesmo que acidental, com a linguagem. A língua impõe barreiras, haja vista, que não

falamos o mesmo idioma em todo o território mundial, entretanto esse nunca foi um

problema tão grande até a criação de leitores específicos em função da associação entre

o capitalismo e a imprensa. Na Europa e no mundo, a variedade de línguas era tão

grande que se o print capitalism tivesse que se adequar a cada idioma falado em cada

território provavelmente não seria tão forte e tão decisivo, pois seria uma força

minúscula divida em diversos territórios e idiomas. Nada foi tão importante pra criar ou

reordenar línguas nativas próximas do que o capitalismo, que criava línguas impressas,

que tecnologicamente - através da imprensa - podiam se disseminar e conquistar

grandes mercados. Dessa forma, as línguas impressas foram fundamentais pra base da

consciência nacional. Afinal, elas possibilitaram a criação de uma forma de

comunicação abaixo do latim, ou seja, acessível à grande parte da população e acima

das linguagens locais restritas. Em longo prazo as línguas impressas contribuíram para

um elemento fundamental da idéia de nação: o seu suposto passado imemorial, pois

fixaram a língua a uma comunidade imaginada, ao mesmo tempo em que a língua pode

ser compreendida por milhares de pessoas e não por outras, ela cria uma forma de

identificação e comunhão tipicamente nacional, onde não se busca a origem,

relacionada sempre a um passado inacessível. E por fim, o print capitalism e a

linguagem puderam criar formas de idiomas mais próximas da língua imprensa e mais

distante das administrativas, assim estabelecendo as formas finais das línguas nacionais.

O que se buscou apresentar até aqui, ficará mais claro na escrita de bem mais

qualidade do próprio criador da tese do print capitalism, Benedict Anderson:

“A convergência do capitalismo e da tecnologia de imprensa sobre a fatal

diversidade da linguagem humana criou a possibilidade de uma nova forma e

comunidade imaginada, a qual, em sua morfologia básica, montou um cenário

para a nação moderna. A extensão potencial dessas comunidades era

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intrinsecamente limitada, e, ao mesmo tempo, não mantinha senão a mais

fortuita relação comas as fronteiras políticas existentes14

” (ANDERSON,

2009, p.82)

Por fim, o que se buscou aqui foi apresentar as principais argumentações de

Benedict Anderson sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Em suma o autor

apresenta a tese de o capitalismo associado à imprensa foi de fundamental importância

nesse processo. Tese, apesar de conhecida e reconhecida por inúmeros estudiosos, não

deixa de receber críticas, em relação a sua validade de reflexão sobre os Estados

Nacionais europeus, mas principalmente latino-americanos.

REPENSANDO AS COMUNIDADES: ELEMENTOS PARA UMA REVISÃO

CRÍTICA DO PRINT CAPITALISM

Pensar sobre a origem e difusão do nacionalismo obriga a ter como ponto de

partida o final do século XVIII, momento em que a sociedade - mesmo com o processo

de dissolução do Antigo Regime – ainda se organiza de forma estamental e hierárquica.

As decisões políticas eram vividas e executadas por uma mínima parcela da população,

as elites políticas eram detentoras também do domínio cultural da sociedade, a

educação, essencialmente, tinha duas vias de acesso: o poder financeiro e/ou a vida

religiosa, embora a educação pela via religiosa também fosse privilégio de uma pequena

camada de clérigos. Inserida neste contexto e pensando de forma global a tese de

Benedict Anderson enfrenta a sua primeira contestação, visto que:

“Ela é capaz de explicar como novos tipos de idéias sobre as comunidades (e

sobre o modo como estas devem ser organizadas) podem desenvolver-se em

certas elites culturais. Mas não consegue explicar por que essas idéias

despertariam alguma reação nos que estão no poder ou em amplas camadas da

população. Com efeito, é possível localizar vários exemplos de elites que

desenvolveram essas idéias e construíram novos complexos “mitológico-

simbolícos”, mas estes continuaram marginalizados em relação à política e à

sociedade15

(BREUILLY, p.169).”

14ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 82. 15BREUILLY, John. Abordagens do nacionalismo. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org.) Um mapa da questão

nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. P.169.

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A tese de B. Anderson é baseada em uma abordagem que busca explicar o

desenvolvimento de novas ideias políticas. Entretanto, para alguns revisores, não

consegue explicar como essas ideias poderiam gerar o desenvolvimento de movimentos

políticos ou sentimentos sociais, afinal, estes precisariam de uma adesão maciça da

população e de outros elementos que amalgamariam o sentimento nacional, haja vista,

que o processo de deixar o campo das ideias para se tornar um movimento político é a

parte mais difícil do processo de difusão do nacionalismo e onde a participação social

deve ser mais abrangente e coesa. A partir dessa contestação, podemos incluir

elementos não considerados por Benedict Anderson como fundamentais para o

desenvolvimento do print capitalism: a sociedade industrial, a educação em massa e a

produção cultural fora da elite.

O desenvolvimento de uma sociedade industrial é dos argumentos mais claros,

tendo em vista que é fundamental para o surgimento, afirmação e desenvolvimento de

uma economia capitalista, gerando as bases e os mercados para a sociedade de consumo

capitalista. Já a educação em massa como forma de difusão do nacionalismo, em alguns

aspectos se desenvolve de forma mais velada, entretanto, não são raros os exemplos de

como a educação foi usada na afirmação de doutrinas, de disciplina e no contexto de

surgimento dos Estados Nacionais, como ferramenta de consolidação de uma linguagem

nacional padronizada16

, exemplo ligado à produção cultural fora das elites, onde a

língua falada e escrita é a vernácula e não o latim, também unindo a grande população

em torno de uma comunidade imagina superior.

Em relação à América Latina e a imprensa periódica de circulação no continente,

os argumentos apresentados anteriormente tomam uma condição passível de crítica

ainda maior. A América Latina – como na maioria das regiões pós-coloniais – estava

em um contexto distinto do apresentado na tese de Benedict Anderson. Em primeiro

lugar, a economia ainda viva os reflexos dos séculos de dominação colonial, existia

apenas um capitalismo incipiente com comércio de pouca circulação, um

desenvolvimento industrial praticamente nulo e um mercado consumidor bastante

restrito, visto que a maioria da população era composta no caso do Brasil por escravos

16Em relação à educação como forma de consolidação dos Estados Nacionais. Ver: La petite patrie enclose dans la

grande: regionalismo e identidade nacional na França durante a Terceira República (1870-1940). In: Revista

Estudos Históricos, Vol. 8, No. 15 (1995).

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e, no restante da América Hispânica, por nativos - excluídos do desenvolvimento

econômico e das decisões políticas locais. Contexto político e econômico refletido na

imprensa, como um público leitor menor, a circulação da imprensa reduzida e com

menor penetração na sociedade.

O menor público leitor na América Latina reflete uma organização social

decorrente da administração colonial. A população letrada era ainda mais reduzida do

que a Européia no período, as universidades na América Hispânica, apesar de existirem

desde o século XVI, atendiam uma pequena parcela da população e seguia as bases de

ensino religiosas que evitavam a reflexão e por decorrência a contestação política. A

falta de população letrada, além de reduzir o leitor, reduzia os possíveis donos e

redatores de jornais – embora seja necessário ressaltar o período de formação dos

Estados Nacionais na América Latina foi de grande e variada produção periódica. Outro

fator determinante na circulação dos periódicos é a falta de espaços de sociabilidade,

mesmo que a população iletrada tivesse acesso ao conteúdo dos jornais através de

leituras coletivas, em cafés, praças, clubes, butiques, etc. como apresentam muitos

autores, esses espaços no continente latino-americano eram bastante reduzidos, a

maioria da população vivia no meio rural, onde a circulação de ideias estava ainda mais

reduzida. Os núcleos urbanos passam a se desenvolver com mais vigor a partir do final

do século XIX, argumentos sintetizados muito bem no texto de Jorge Myers:

“Sin embargo, como ha sugerido un creciente número de críticos de aquella

hipótesis de Anderson, la situación histórica latinoamericana exige

reinterpretar el caráter preciso de esa influencia, cuyo alcance em sociedades

mayoritariamente analfabetas y com um espacio público ínfimamente

desarrollado no pudo ser el mismo que em sociedades como la estadunidense o

las europeas del norte, en las que tanto un público lector extenso y socialmente

complejo como una densa red de instituciones y práticas que daban cuerpo a la

sociedad civil ya estaban firmemente consolidados al momento de producirse la

ruptura revolucionaria17

(MYERS, p.41)”.

Outra característica passível de crítica da teoria de Anderson, que Jorge Myers

chama atenção, é a de que o Estado surgiu anteriormente à nação na América Latina, as

redes de instituições e o aparato burocrático foram desenvolvidos juntamente e em

17

MYERS, Jorge. Identidades porteñas: El discurso ilustrado em torno de la nación y el rol de la prensa: el Argos de

Buenos Aires, 1821-1825. In: ALONSO, Paula (compiladora). Construcciones impresas: panfletos, diarios y revistas

em la formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: Fondo de Cultura Económica,

2004..P.8

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função de uma ideia nacional, dentro de um projeto de Estado já constituído. Dessa

forma, a produção periódica, a imprensa, se constituiu muito mais como uma arma em

um espaço de disputa de idéias, de afirmação de identidades sobrepostas, em um

período carregado de vários antagonismos e de aceleração dos estilos de vida, do que

como um veículo de “imaginação” comunitária, como defende Benedict Anderson

dentro das funções do print capitalism.

O encontro acidental entre a língua e o print capitalism foi fundamental criar pra

as bases da consciência nacional através das línguas impressas, segundo a tese de

Benedict Anderson. A divisão das línguas nacionais acompanhava e correspondia às

divisões políticas dos Estados Nacionais, exemplo que, com a exceção do Brasil, não

possui aplicação e possibilidade de análise na América Latina, afinal, as divisões

políticas da América Espanhola não seguem esta lógica. Todos os Estados Nacionais

não representam divisões baseadas na linguagem, pelo fato evidente de todos eles

possuírem a mesma língua oficial, o espanhol. As divisões também não seguem uma

ordem de separação colonial, herdada das fronteiras estabelecidas pela Espanha, visto

que não correspondem também as divisões dos Vice-Reinos americanos. O que se busca

argumentar é que a divisão administrativa não possui relação com a língua, e a alguma

forma de administração que possua alguma herança cultural, e sim através de interesses

econômicos e de políticas internas das elites, mais presentes e mais fortes do que o print

capitalism e suas associações com a linguagem na América Latina.

Por fim, como o print capitalism não deve ser renegado completamente, e muito

menos rejeitar a sua existência e seu desenvolvimento na América Latina, devemos

pensá-lo de forma mais ampla, questionando em que momento podemos falar de um

print capitalism na América Latina. Acredito que no século XX, com o Estado

Nacional em um processo de consolidação muito maior na região, podemos encontrar

muitos desses elementos teorizados por Benedict Anderson, mas não sozinhos visto que

esse desenvolvimento tomou rumos mais complexos e também se deu por outras vias,

com a presença muito maior do Estado e seu aparato burocrático. No Brasil é possível

exemplificar esse processo no século passado, através de outros dois veículos de

comunicação: durante os anos de 1930 com a popularização do rádio, que foi um grande

instrumento de “imaginação” comunitária e a partir dos anos 1960 com a Rede Globo

atingindo praticamente todo o território brasileiro.

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CONCLUSÃO

O artigo buscou apresentar uma das principais e mais polêmicas teses sobre uma

questão que quanto mais estudada, menos consenso e repostas definitivas apresenta aos

estudiosos da área. O que Benedict Anderson apresenta como o print capitalism é uma

dessas respostas, possuindo muitos elementos positivos, questionando argumentações e

posições que durante muito tempo foram hegemônicas no meio acadêmico. Sua tese

ainda é – e possivelmente continuará sendo – uma importante ferramenta para

compreensão da cultura política atual e de um conceito que sem ser explicado torna os

dois últimos séculos da nossa história desconexos: a nação e seus derivados.

Não se buscou invalidar o print capitalism ou negá-lo por total na

América Latina, apenas foram apresentados alguns elementos que são distintos na

história de nossa região e que o nível globalizante das ideias de Benedict Anderson não

puderam responder de forma satisfatória a quem se volta aos estudos dos nossos

problemas. Dessa forma, se buscou apresentar algumas possibilidades de análise que

possam responder melhor aos questionamentos impostos sobre a formação e difusão dos

Estados Nacionais na América Latina. Não se pode negar ou diminuir a importância que

a imprensa toma nesse processo, principalmente em um período que as respostas obtidas

anteriormente não tem mais validade e os questionamentos sobre o futuro são

recorrentes nas páginas dos jornais. Entretanto, é necessário questionar os pensamentos

hegemônicos e pensar a América Latina de forma diferenciada, não aceitando todas as

posições pré-moldadas e adaptáveis a qualquer contexto.

REFERÊNCIAS

ALONSO, Paula (compiladora). Construcciones impresas: panfletos, diarios y revistas em la

formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: Fondo de

Cultura Económica, 2004.

ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional, São Paulo: Ática, 1989.

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do

nacionalismo, São Paulo: Cia das letras, 2008.

BALAKRISHNAN, Gopal (org.) Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto,

2008.

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MARTINS, Ana Luiza. LUCA, Tania Regina de, (org.). História da imprensa no Brasil.. São

Paulo: Editora Contexto, 2008