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139 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 32, p. 139-158, fev. 2009 Amélia Siegel Corrêa IMPRENSA POLÍTICA E PENSAMENTO REPUBLICANO NO PARANÁ NO FINAL DO XIX Recebido em 27 de julho de 2007. Aprovado em 15 de março de 2008. A crise do regime monárquico brasileiro veio acompanhada do surgimento e da expansão do movimento republicano, no final do século XIX. No período, a imprensa não somente colocou-se como palco dos debates institucionais, como também teve papel de poder informal, vinculado ao governo e à organização partidária. Tratava-se de uma imprensa de opinião, que tinha como um de seus eixos os comentários parti- dários. As colunas dos jornais eram usadas para escrever anonimamente o que não podia ser dito publica- mente na Assembléia, Senado ou Câmara, constituindo um fórum de discussão alternativo à tribuna. Este artigo busca recuperar os modelos de República que circularam nesses periódicos paranaenses, relacio- nando-os com as configurações nas quais estavam inseridos e com a posição que ocupavam no campo do poder local e nacional. Todavia, vale lembrar que os ideários republicanos dominantes não foram dissemi- nados sem resistência no Paraná; ao contrário, foram detectados e combatidos localmente, porém sem força política suficiente. Parte-se da perspectiva bourdiesiana de que os discursos não são unicamente signos destinados a serem compreendidos e decifrados, mas também indicativos de status, que se propõem a ser valorados e apreciados, e de autoridade, a serem cridos e obedecidos, por constituírem um objeto da luta simbólica pelo poder . A análise dos discursos republicanos mostra que a política paranaense do final do século XIX era mais um resultado de alianças e desavenças entre grupos do que fruto de posicionamentos ideológicos. Os discursos serviam, majoritariamente, como armas retóricas utilizadas para orientar o enfrentamento intra-elites, movido pelo desejo de participação, o que fez com que tivesse um caráter gené- rico, alicerçado na concepção do fim dos privilégios, embora sem a ampliação da cidadania. PALAVRAS-CHAVE: republicanismo; Paraná; imprensa política; federalismo; campo político. I. INTRODUÇÃO Há uma grande tradição de análise sobre o mo- vimento republicano brasileiro da segunda meta- de do século XIX 1 , sobretudo no que se refere à atuação das elites e à importação de idéias euro- péias, com suas diferentes cores e feições regio- nais. A intenção deste artigo 2 é participar desse debate, apresentando um panorama dos ideários republicanos debatidos no Paraná, ou seja, das concepções de regime político que estavam em disputa naquele contexto. Dessa forma, esse tra- jeto de contestação do regime monárquico e de implantação do regime republicano será feito por meio das discussões veiculadas pela imprensa, com o intento de apreender os posicionamentos políti- cos e ideológicos concernentes a tal temática no Paraná. Como se sabe, a imprensa, durante o pe- ríodo imperial (pode-se dizer que até os primeiros anos da República), era um foro de poder infor- mal, vinculado ao governo e à organização parti- dária. Tratava-se de uma imprensa de opinião, que tinha como um de seus eixos os comentários par- tidários. Havia folhas independentes que duravam pouco, pois a “grande maioria era vinculada a par- tidos ou a políticos” (CARVALHO, 1996, p. 46). As colunas dos jornais eram usadas para escrever anonimamente o que não podia ser dito publica- mente na Assembléia, Senado ou Câmara, consti- tuindo um fórum de discussão alternativo à tribu- na. 1 Ver, por exemplo, Holanda (1985), Carvalho (1990; 1996), Costa (1999), Alonso (2002) e Gomes (2002). 2 Este artigo é fruto da Dissertação de Mestrado de minha autoria, intitulada Imprensa e política no Paraná: prosopografia dos redatores e pensamento republicano no final do século XIX, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Sociologia, da Universidade Federal do Paraná, em 2006.

IMPRENSA POLÍTICA E PENSAMENTO REPUBLICANO NO … · 2009. 6. 30. · 139 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 32: 139-158 FEV. 2009 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba,

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 32: 139-158 FEV. 2009

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 32, p. 139-158, fev. 2009

Amélia Siegel Corrêa

IMPRENSA POLÍTICA E PENSAMENTOREPUBLICANO NO PARANÁ NO FINAL DO XIX

Recebido em 27 de julho de 2007.Aprovado em 15 de março de 2008.

A crise do regime monárquico brasileiro veio acompanhada do surgimento e da expansão do movimentorepublicano, no final do século XIX. No período, a imprensa não somente colocou-se como palco dosdebates institucionais, como também teve papel de poder informal, vinculado ao governo e à organizaçãopartidária. Tratava-se de uma imprensa de opinião, que tinha como um de seus eixos os comentários parti-dários. As colunas dos jornais eram usadas para escrever anonimamente o que não podia ser dito publica-mente na Assembléia, Senado ou Câmara, constituindo um fórum de discussão alternativo à tribuna. Esteartigo busca recuperar os modelos de República que circularam nesses periódicos paranaenses, relacio-nando-os com as configurações nas quais estavam inseridos e com a posição que ocupavam no campo dopoder local e nacional. Todavia, vale lembrar que os ideários republicanos dominantes não foram dissemi-nados sem resistência no Paraná; ao contrário, foram detectados e combatidos localmente, porém sem forçapolítica suficiente. Parte-se da perspectiva bourdiesiana de que os discursos não são unicamente signosdestinados a serem compreendidos e decifrados, mas também indicativos de status, que se propõem a servalorados e apreciados, e de autoridade, a serem cridos e obedecidos, por constituírem um objeto da lutasimbólica pelo poder. A análise dos discursos republicanos mostra que a política paranaense do final doséculo XIX era mais um resultado de alianças e desavenças entre grupos do que fruto de posicionamentosideológicos. Os discursos serviam, majoritariamente, como armas retóricas utilizadas para orientar oenfrentamento intra-elites, movido pelo desejo de participação, o que fez com que tivesse um caráter gené-rico, alicerçado na concepção do fim dos privilégios, embora sem a ampliação da cidadania.

PALAVRAS-CHAVE: republicanismo; Paraná; imprensa política; federalismo; campo político.

I. INTRODUÇÃO

Há uma grande tradição de análise sobre o mo-vimento republicano brasileiro da segunda meta-de do século XIX1, sobretudo no que se refere àatuação das elites e à importação de idéias euro-péias, com suas diferentes cores e feições regio-nais. A intenção deste artigo2 é participar dessedebate, apresentando um panorama dos ideáriosrepublicanos debatidos no Paraná, ou seja, dasconcepções de regime político que estavam em

disputa naquele contexto. Dessa forma, esse tra-jeto de contestação do regime monárquico e deimplantação do regime republicano será feito pormeio das discussões veiculadas pela imprensa, como intento de apreender os posicionamentos políti-cos e ideológicos concernentes a tal temática noParaná. Como se sabe, a imprensa, durante o pe-ríodo imperial (pode-se dizer que até os primeirosanos da República), era um foro de poder infor-mal, vinculado ao governo e à organização parti-dária. Tratava-se de uma imprensa de opinião, quetinha como um de seus eixos os comentários par-tidários. Havia folhas independentes que duravampouco, pois a “grande maioria era vinculada a par-tidos ou a políticos” (CARVALHO, 1996, p. 46).As colunas dos jornais eram usadas para escreveranonimamente o que não podia ser dito publica-mente na Assembléia, Senado ou Câmara, consti-tuindo um fórum de discussão alternativo à tribu-na.

1 Ver, por exemplo, Holanda (1985), Carvalho (1990; 1996),Costa (1999), Alonso (2002) e Gomes (2002).2 Este artigo é fruto da Dissertação de Mestrado de minhaautoria, intitulada Imprensa e política no Paraná:prosopografia dos redatores e pensamento republicanono final do século XIX, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal doParaná, em 2006.

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IMPRENSA POLÍTICA E PENSAMENTO REPUBLICANO NO PARANÁ NO FINAL DO XIX

O objeto deste artigo situa-se no momento emque a imprensa tornou-se o principal palco paraas discussões e para a luta política, em detrimen-to dos limites constitucionais. O objetivo, com isso,é melhor identificar as propostas de regime políti-co, democracia e participação popular apresenta-das pelos redatores. Considerando esse recorte,minha intenção foi recuperar os ideários republi-canos que circulavam nos jornais paranaenses, afim de reconstituir suas tendências e reivindica-ções, bem como o posicionamento e as articula-ções do pensamento político regional no campopolítico nacional. Parte-se da perspectivabourdieusiana de que os discursos não são unica-mente signos destinados a serem compreendidose decifrados, mas também indicativos de status,que se propõem a ser valorados e apreciados, ede autoridade, a serem cridos e obedecidos, porconstituírem um objeto da luta simbólica pelo po-der (BOURDIEU, 2001, p. 40).

O Paraná do século XIX contava com duaselites econômicas que detinham o poder políticodo estado: as elites rurais dos Campos Gerais e aburguesia ervateira de Curitiba e do litoral. Estatomava cada vez mais o espaço daquela, princi-palmente após a Guerra do Paraguai, quando aprodução da erva-mate expandiu-se para atenderao mercado platino, aumentando seu capital polí-tico e econômico3. Concomitantemente, a deca-dência do tropeirismo e o advento das ferroviaslevavam as elites tradicionais a um processo dedecadência econômica; essa perda de capital eco-nômico reverberava no campo político4. Os par-tidos Conservador5 e Liberal6 imperiais tinham sua

composição social nessas elites ervateiras e ru-rais, respectivamente. Os conservadores, por seucrescente capital econômico, buscaram constituiro seu poder para além de interesses imediatos, einvestiram na criação de um meio editorial maiscomplexo, com jornais, tipografias etc.7

Entrementes, nesse final do século XIX, umasingela movimentação republicana surgia na pro-víncia, por meio de dois núcleos irradiadores: olitoral, principalmente Paranaguá, e Curitiba. Essemovimento foi muito fraco se comparado ao deoutras províncias, o que indica o conformismodas elites locais com o regime monárquico. Re-flexo dessa assertiva está no fato de os primeirospresidentes dos clubes republicanos dessas cida-des terem vindo de fora: Guilherme Leite8, presi-

3 Contudo, mesmo com a consolidação de uma burguesiaexportadora, as elites paranaenses continuaram marginali-zadas em nível nacional.4 Os conceitos de campo, habitus e capital foram retiradosde Bourdieu (2003), para quem os atores sociais estão in-seridos espacialmente em determinados campos sociais,em que a posse de certos capitais (cultural, social, econô-mico, político etc.) e o habitus de cada ator condicionam asua posição no campo. A idéia de campo aqui utilizadarefere-se, na maioria das vezes, ao campo político, ou dopoder, aos quais os jornais, redatores e respectivos gruposestavam vinculados, assim como com as idéias republica-nas que proferiam, fruto da posição que ocupavam.5 O Partido Conservador era comandado por dois dosmais poderosos exportadores de erva-mate da província: oVisconde de Nácar, representante das oligarquias do litoralparanaense, e Ildefonso Correia, futuro Barão do Serro Azul,também oriundo de família ilustre do litoral, cujo irmão era

senador e membro da elite política imperial em seu primei-ro escalão. Ocupavam a posição dominante no campo eco-nômico regional, mas sofriam sérios entraves na Assem-bléia, dominada pelos liberais durante o período monárquico.6 O Partido Liberal, representante das elites agrárias, tinhasua produção mais voltada para o mercado interno. Porém,com a crise de sua posição no campo econômico, cada vezmais dominado pelos ervateiros, unido à configuração dojogo político nacional, com a hegemonia saquarema, a posi-ção dos grandes proprietários ligados ao tropeirismo e àpecuária foi ficando cada vez mais dominada, embora desa-fiasse com freqüência a hegemonia dos conservadores, obs-truindo a aprovação de suas demandas na Assembléia. Oprincipal órgão do partido foi o Dezenove de Dezembro,primeira folha impressa no Paraná. Após a Proclamação daRepública, aceitaram os fatos e aderiram ao governo provi-sório7 A burguesia ervateira, na figura do Barão do Serro Azul,fez inúmeros investimentos para a criação de um campo deprodução cultural, adquirindo a Impressora Paranaense,antiga Tipografia Lopes (a primeira da província) e aLitografia do Comércio. Logo, serviam não só para a pro-dução dos rótulos, mas também para fomentar a imprensa,área estratégica dos investimentos do Barão.8 Nascido em Recife, em 1855, chegou a Paranaguá em1880, onde desenvolveu atividades no comércio local. Logose fez amigo de Fernando Simas, a quem revelava seusideais antimonarquistas, em combate ao governo imperial.Era assíduo leitor dos jornais que circulavam naquela épocano Brasil e no estrangeiro. Foi o primeiro presidente doClube Republicano de Paranaguá, tendo recebido, por esseacontecimento histórico, expressivos telegramas de con-gratulações de Silva Jardim, Quintino Bocaiúva, Ubaldinodo Amaral e Prudente de Moraes (FIGUEIRA, 1948, p.11-12). Fernando Machado Simas nasceu em Paranaguá,em 1851, e formou-se farmacêutico no Rio de Janeiro. Jáem 1867, de volta à sua terra natal, publicava o jornal Im-prensa Livre, no qual apresentava perspectivas democrá-

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dente do Clube de Paranaguá, fundado em 1887,era pernambucano, e Eduardo Gonçalves9, queestabeleceu o de Curitiba, em 1885, era paulista.

Os partidos monárquicos no Paraná pratica-mente não se envolveram nos debates republica-nos10, e seus principais jornais, a GazetaParanaense (conservador) e o Dezenove de De-zembro (liberal), limitavam-se ao embate intra-eli-tes, apenas eventualmente publicando alguma notasobre o Clube Republicano, em que figurava cer-to menosprezo pelo movimento local, com suaspropostas sendo consideradas sem propósito edesnecessárias: “Respeitamos as convicções decada um, mas achamos que infelizmente o colegagasta o tempo com palavras, palavras e nada mais.Com isto diz Tavares Bastos com toda a razão,‘monarquia e república são puras questões de for-ma’, apoiado em dois incontestáveis conceitos depensadores de primeira ordem [...]. Querem maisRepública do que há no Brasil? Só se desejam sercandidatos à cadeira da Presidência” (NOTICIÁ-RIO, 1886). Essa atitude de reserva em relaçãoao movimento fica evidente também num artigoda folha conservadora em que o redator depreciaas conferências que realizavam (CARRÃO, 1889).O único veículo de imprensa vinculado a um par-tido monárquico que tratou com seriedade a ques-tão republicana foi o Sete de Março, que via aRepública sob uma perspectiva crítica.

A difusão de ideários republicanos por meiode artigos e textos é uma forma de ação política,uma vez que, como ensina Bourdieu (2001, p. 96),os agentes que formam o mundo social têm umconhecimento desse mundo e sabem que podem

atuar sobre ele atuando sobre a representação queos agentes fazem dele. Dessa forma, podem fazerou desfazer grupos – e, ao mesmo tempo, as açõescoletivas que esses grupos possam empreenderpara transformar o mundo social de acordo comseus interesses –, produzindo, reproduzindo oudestruindo as representações que formam essesgrupos e que os fazem visíveis aos demais.

Tratando, portanto, do ideário republicano, ain-da no momento de utopia anterior à Proclamação,o principal jornal analisado foi A República, ór-gão do Clube Republicano de Curitiba, que come-ça a ser publicado em 188611. Uma contribuiçãomenor veio d’O Povo, de Rocha Pombo12

(Morretes, 1857 – Rio de Janeiro, 1933), do qualapenas dois exemplares foram encontrados, e doLivre Paraná, que circulava no litoral e do qualtambém só restam poucos indícios.

Com a Proclamação, outras folhas republica-nas surgiram na cidade. Dentre elas destaca-se oDiário do Paraná, órgão da União Republicanaque disputou o controle do novo regime com ogrupo ligado ao A República; embora a coleçãoencontrada corresponda a um período relativa-mente curto (cerca de seis meses), ela foi quali-tativamente significativa para a compreensão dasdisputas políticas entre os grupos. Dos periódi-cos analisados, o único que apresentou uma pers-pectiva crítica em relação à República foi o Setede Março13, que acabou vinculando-se ao movi-mento operário e que, somado às perspectivasanarquistas de Rocha Pombo, constituíram umfoco tímido, mas vigoroso, de um ideário políticoalternativo ao conservadorismo das elites locais.

Em função do exposto, este artigo divide-seem duas partes, cindidas pela Proclamação da

ticas. Manteve o Livre Paraná, fundado em 1883, porcinco anos, até mudar-se para o Rio de Janeiro, em 1887.Faleceu nesta cidade, em 1916 (NICOLAS, 1961, p. 20).9 A trajetória de Eduardo Mendes Gonçalves é repleta delacunas: sua filiação é desconhecida, assim como a data doseu nascimento. Há, contudo, fortes indícios de que tenhanascido em São Paulo. Chegou ao Paraná, em 1884, paraassumir o cargo de secretário de obras públicas do governo.Casou-se com uma descendente das elites locais, e possuíaligações com Francisco Glicério e Herculano de Freitas,entre outros republicanos paulistas. Sabe-se que morreuem São Paulo, em 1911. Mais detalhes sobre a sua trajetó-ria e sobre as redes de sociabilidade dos redatores mencio-nados neste artigo podem ser encontrados em Correa (2006).10 Pude constatar tal afirmação durante a leitura dos peri-ódicos. Ela também pode ser observada em Martins (1908)e Chaves (1990).

11 Surge em 15 de março de 1886 e é extinto em 1930,completando 44 anos de existência. Os exemplaresmicrofilmados disponíveis na Biblioteca Pública do Paraná(BPP) vão de janeiro de 1888 a 1930. Contudo, existemvárias lacunas nos exemplares até 1893, período abrangidopor essa pesquisa.12 Autodidata, filho de professor, tornou-se jornalistaainda jovem, com 21 anos. Foi militante do partido conser-vador monárquico e, posteriormente, defensor doanarquismo. Diante das dificuldades que encontrou emmanter-se no Paraná, mudou-se para o Rio de Janeiro em1897, onde mergulhou no oficio de historiador e desenvol-veu uma obra extensa.13 Exemplares de 1888 a 1891, disponíveis na BibliotecaPública do Paraná (BPP), com várias lacunas.

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República. A primeira baseia-se na pretensão exa-gerada de que o sistema republicano resolveriatodos os problemas nacionais. Para tanto, foramutilizados algumas folhas do litoral e uma da capi-tal, já mencionadas, cobrindo, na medida em queas fontes permitiram, um período que vai de 1879até as vésperas da Proclamação.

O advento da República resultou numa recom-posição dos quadros e numa redefinição dos pro-jetos a partir das relações com o poder; nessecontexto, os ideários posteriores à República, queconstituem a segunda parte do artigo, podem serdivididos em dois grupos. O primeiro inclui osredatores mais ligados às elites políticas e econô-micas e os cooptados, para quem a retórica repu-blicana era um instrumento da luta pelo poder, semdiferenças significativas em seus discursos. Se-rão abordadas as representações políticas dos doisgrupos políticos que disputavam o poder no esta-do. No segundo grupo, há os que discordam dodiscurso dominante e que seguiram uma linha depensamento político mais radical: Rocha Pomboe Justiniano de Mello e Silva14. Vale notar que,pelas reduzidas fontes sobre esses discursos (re-flexo de sua posição dominada), foi necessária autilização de fontes alternativas.

II. O IDEÁRIO REPUBLICANO NO PERÍODOMONÁRQUICO

Seguindo uma ordem cronológica, o primeiroperiódico importante sobre a temática republica-na foi O Povo: órgão dedicado a causa popular,redigido por Rocha Pombo, mas que, em verda-de, não pode ser caracterizado como constituintede um ideário, pois somente dois exemplares fo-ram encontrados. Neles, o redator reivindica di-reitos sociais, liberdade de consciência e de culto,casamento civil e faz severos ataques ao sistemamonárquico e ao excesso de poder do Imperador:“ninguém se lhe pode opor, porque o rei é o únicopoder do país. Ninguém pode protestar constitu-cionalmente porque a pessoa do rei é sagrada, éirresponsável [...] e quando todos os brasileiros

estiverem convictos de que o Brasil merece muitomais do que o Sr. D. Pedro II, então a vontadecompacta terá força insuperável” (ROCHA POM-BO, 1879).

Figurava no periódico também a inspiraçãofrancesa: “Que contraste entre França e Brasil!Lá – o progresso, o povo como governo, o go-verno sincero! Aqui – fantasmagorias eprocrastinações! [...] Em França – o progresso.No Brasil – o atraso” (idem). Influenciado peloManifesto de 1870, a posição do redator conver-ge com a de alguns republicanos que militavamem partidos monárquicos do período, comoSaldanha Marinho, que criam ser a evolução amelhor forma para chegar-se à República, pelofato de o país não estar ainda “preparado”: “Vejoque por enquanto, a mudança de nosso sistemade governo por um outro republicano não traz al-gum proveito em nosso país, ao contrário, pensoque será uma calamidade. [...] Devo dizer que nãoquero em absoluto a república, e se desejo o seuestabelecimento, como uma forma de governofecunda, porque põem em atividade todas as for-ças sociais, todas as aptidões, não o quero a nãoser pela evolução natural e espontânea da vida dasnações” (ROCHA POMBO, 1880). Nesse momen-to, afirma-se um reformista. Embora sua pers-pectiva política após a Proclamação siga essa li-nha pacifista, ela sofrerá uma mudança radical,fruto de sua desilusão com o novo regime, comoveremos adiante.

Mas foi o Livre Paraná: eco republicano, emque colaboraram Nestor Victor15 e Correia deFreitas16, a primeira folha de propagandaantimonárquica de fôlego na província, durandocerca de cinco anos. Desta, apenas seu artigo deapresentação foi encontrado:

“É a voz de uma convicção profunda, o bradode uma adesão sincera que se levanta hoje paraecoar no céu virgem e límpido do Paraná.

14 O sergipano Justiniano de Melo e Silva (Laranjeiras,1853 – Espírito Santo, 1940) formou-se na Faculdade deDireito de Recife, onde compartilhou do movimento cultu-ral da Geração de 1870. Foi professor, filólogo, historia-dor, sociólogo e jornalista, além de ter concluído um douto-rado em Ciências Sociais, na Universidade de Córdoba.Migrou para o Paraná em 1876, para secretariar a presidên-cia da província.

15 Nascido em Paranaguá, em 1868, Nestor Victor dosSantos participou do movimento republicano na sua cida-de desde seus primórdios (foi ele quem redigiu a ata defundação do Clube Republicano de Paranaguá). Mais tar-de, tornou-se um importante critico literário, constituindocarreira no Rio de Janeiro.16 Manoel Correia de Freitas, nascido em Paranaguá, foi“republicano histórico”: assinou a “Declaração Republica-na Paranaense”, em 1881, participou da fundação do ClubeRepublicano de Paranaguá, em 1887, e tinha um bom trân-sito entre os republicanos do Rio de Janeiro.

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Virgem, não na concepção do princípio, nãona aspiração do ideal, mas na expressão públicada idéia.

Combater o privilégio, desde o predomínio daspequenas dinastias, até o monopólio do poder he-reditário, permanente, inviolável e sagrado: eis asíntese do nosso programa.

Desde que entre o futuro do povo Brasileiro eo futuro da família Bragantina, foi o interesse di-nástico Português que triunfou, a democracia puraguardou no silêncio da decepção a esperança dareação.

Há 61 anos que os seus lampejos intermitentestêm reverberado no firmamento nacional, ora comexplosões rudes, ora com expansões serenas.

Pois bem, seja a aparição desta folha mais umaexpansão da democracia, mais um lampejo dessaintermitência.

Deixemos que a monarquia com seu dogmainviolável e sagrado insulte a liberdade e a razão.

O dogma das sociedades modernas é a sobe-rania do povo.

Procuremos em melhor origem o fundamentodos direitos inauferíveis da nação.

Faz-se mister que o soberano coletivo, o povo,conheça seus verdadeiros interesses e fiscalizecom atenção a gestão de seus negócios, para sen-tir quanto o elemento monárquico é incompatívelcom o elemento democrático.

O desgosto que se apodera dos espíritos pelodescrédito das instituições monárquicas auxiliaráo fenômeno da regeneração social.

Eia! etc. etc.” (Apresentação. Livre Paraná,Paranaguá, 7.jul.1883 apud MARTINS, 1908).

Esse texto de apresentação oferece pistas dalinha seguida pelo periódico. Deixa entrever, numprimeiro momento, que, embora aspirações de-mocráticas existissem e fossem desejadas pelosparanaenses, sua divulgação ainda era incipiente,ou mesmo inexistente: “virgem [...] na expressãopublica da idéia”. É interessante notar que a pala-vra república não aparece no artigo. Se, comodemonstra Orlandi (1993, p. 71), existe um “sen-tido no silêncio”, esse pode ser lido como um “si-lêncio necessário”, que atravessa o texto, e que éa matéria significante por excelência, afinal a pa-lavra não dita poderia trazer conseqüências para

os que a proferissem. O programa apresentadoconcentra-se na crítica às instituições monárquicase aos seus poucos privilegiados, indicando que osanseios pela mudança de regime visavam umaigualdade jurídica. Sabe-se pela história do jornalque seus redatores empreenderam uma luta con-tra as oligarquias do litoral, logo, desejavam li-vrar-se das instituições que sustentavam aqueladominação, fundadas no direito divino. O nomedo periódico confirma essa idéia. A doutrinapositivista17 fornecia os referenciais para as suascríticas e anseios de mudança, que se traduziamem demandas por regeneração social, liberdade,igualdade e soberania do povo.

Mas foi A República o periódico de maior re-percussão, por sua importância como primeirafolha republicana da capital. Eduardo Gonçalves,seu redator, explicita no primeiro número as li-nhas editoriais seguidas pelo jornal: “Implacávelcontra o abuso, não regateará elogios ao bem,venha donde vier. Como norma de proceder, es-tabelece o Máximo às individualidades, sem dei-xar por isso a crítica os atos dos homens públi-cos. Neste caminho – ‘A República’ – procuraráseguir os edificantes exemplos de dois importan-tes órgãos de propaganda republicana –‘A Província de São Paulo’ – e a – ‘Federação’ –de Porto Alegre. As suas colunas são francas aosoprimidos de qualquer classe ou condição”(NEGRÃO, s/d, p. 125).

De fato, dezenas de artigos desses dois jornaisforam publicados n’A República, apesar de, como passar do tempo, a influência dos paulistas terganhado mais espaço. De qualquer forma, avinculação explícita do clube de Curitiba a taisperiódicos indica que as reivindicações daquelasprovíncias também os interessavam. Assim, a ali-ança entre paulistas e gaúchos, grupos regionaispoliticamente marginalizados durante o Império,

17 A noção de “doutrina positivista” presente ao longo dotexto concebe, grosso modo, a idéia de República comouma superação da fase metafísica que se caracterizaria pelaforma de governo monárquico, a qual, para Augusto Comte,seria superada pela sociedade positiva ou científica, emque os detentores do conhecimento científico deveriam go-vernar. Não foi intenção do presente trabalho analisar ospositivismos paranaenses, tal como Boeira (1996, p. 34),no Rio Grande do Sul, que investigou “vários positivismos,com conteúdos e funções diversas, periodizações elongevidades variáveis, públicos e áreas de atuação diferen-tes”.

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encontrou adeptos na província do Paraná18, quetambém ocupava uma posição dominada no cam-po político imperial. Sua situação era tão periféri-ca que passou despercebida na análise dos estudi-osos do período que atentaram para tal aliança,como Alonso (2002, p. 159): “A Federação e aProvíncia de São Paulo veicularam o mesmo gê-nero de artigos e notícias, propagando doutrinascientíficas e ataques ao status quo imperial. Aspublicações trocavam mesmo artigos. O elo prin-cipal entre os dois grupos foi Alberto Sales, com-panheiro de turma dos gaúchos na Faculdade deDireito”.

É preciso, portanto, buscar as razões de taisvinculações, o que exige um breve comentáriosobre os periódicos reproduzidos pelosparanaenses. O jornal A Federação aparece, em1884, como órgão do Partido Republicano, co-mandado por Júlio de Castilhos, e tinha como sub-título “federação, unidade; centralização,desmembramento”. Marco da história da impren-sa gaúcha, teve papel político importante na que-da da Monarquia, pois suas colunas refletiram al-guns dos principais episódios da questão militar(SILVA, 1986, p. 150). Já A Província de SãoPaulo surgiu em 1875, como órgão (não-oficial)do Partido Republicano Paulista, e pertencia aRangel Pestana e a Américo de Campos. Dizia serde linha política independente e não vinculada aoPRP, embora seus fundadores fossem majoritari-amente fazendeiros de café do Oeste Novo paulista.O jornal defendeu desde o início os interesses daelite agrária, combatendo a centralização políticae administrativa imposta pelo poder Moderadorao longo do Império. Reivindicava eleições dire-tas para o Senado e para a presidência das pro-víncias, a separação entre a Igreja e o Estado, ainstituição do casamento e dos registros civis e asubstituição progressiva do trabalho escravo pelotrabalho livre (LEAL & SAUL, 2007). Assim, aunião entre paulistas e gaúchos era estruturadaem torno de um inimigo comum, a Monarquia,que representava o atraso e que deveria ser subs-

tituída pela República, num avanço natural, ne-cessário, científico.

Não por acaso, o jornal do Clube Republicanode Curitiba defendia, baseado na “moderna ciên-cia política”, a República federativa. A instituiçãomonárquica, examinada com as lentes dopositivismo, era vista como uma forma de gover-no primitiva, na qual prevalecia a soberania de umem detrimento da de todos. A República seria aúnica solução possível, “natural”, resultado daevolução da sociedade; único sistema de governohumano, civilizado e científico, para o qual a so-ciedade deveria evoluir: “As sociedades moder-nas devem, pois, alargar a esfera da ciência e aca-bar para sempre com as especulações metafísicase religiosas” (CHICHORRO, 1888).

Além disso, o reinado brasileiro era visto comouma anomalia nas Américas, onde todos os ou-tros países eram republicanos. À instituiçãomonárquica era atribuída a imoralidade política, enão aos homens, afinal, “é um absurdo negar queas instituições influam nas condições sociais deum povo” (EFEITOS E CAUSAS, 1888).O grande mal estava nas instituições inadequadas,que mantinham privilégios para uma elite incapaz,que comandava os partidos monárquicos. Críti-cas como essas ocupavam grande parte dos arti-gos d’A República, para o qual as oligarquias quecompunham os partidos só faziam política senti-mental, movidas por paixões e ódios, elementosdos quais o Paraná precisava livrar-se. Critica-vam a imensa confusão entre os partidosmonárquicos, sua falta de patriotismo, de dife-renciação e a inexistência de uma direção políticabem definida (CHICHORRO, 1889).

Esse teor idealista presente na utopia republi-cana era evidente para o redator do Sete de Mar-ço, que atribuía aos republicanos uma posiçãocômoda, já que não participavam da ação políticastricto sensu e por isso não sofriam oposições,apenas discutiam abstratamente a maior ou me-nor vantagem da mudança das instituições. Já osconservadores: “dávamos batalha aos grupos, àscoligações, aos personagens que exploravam a boafé popular. [...] Nós combatíamos o inimigo, quenos sitiava de perto; e os republicanos levavam asarmas de encontro às paredes de um castelo fan-tástico” (MELLO E SILVA, 1890).

Nesse momento anterior à Proclamação, osrepublicanos reivindicavam a revisão da Consti-tuição, alegando que ela não havia sido sanciona-

18 Um elemento importante nessa ligação certamente foiVicente Machado, que freqüentou a Faculdade de Direitode São Paulo no mesmo período que Júlio de Castilhos, “oagenciador das relações internas à província [do Rio Gran-de do Sul], bem como das articulações com o Partido Repu-blicano de São Paulo, com o qual o Partido Republicanorio-grandense atuou praticamente em parceria durante todaa década de 1880.” (ALONSO, 2002, p.157).

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da pelo povo, mas, em verdade, sua principal re-pulsa vinha da alta concentração de força detidapelo poder Moderador. Criticavam também o sis-tema eleitoral e o voto restritivo, que excluía amaioria da população do exercício da cidadania edefendiam uma consulta à nação para determinarquais reformas deveriam ser implantadas. Recor-riam constantemente à idéia de que o povo estavaadormecido e precisava acordar para posicionar-se contra o regime que destruía a Pátria. O povoaparece nos discursos, mas não como sujeito, poisprecisava ser conduzido, devido à sua incapaci-dade de governar.

Sob influência do positivismo, valorizavam aRevolução Francesa: tocavam a Marselhesa, re-corriam à alegoria feminina, utilizavam a expres-são “Saúde e Fraternidade”, e comemoravam aQueda da Bastilha, a todo 14 de julho. O exemplofrancês era constantemente acionado para tratarde temas como revolução, liberdades e direitos docidadão, embora diversas vezes, na comparaçãoentre as revoluções americana e francesa, aquelafosse vista como mais apropriada aos regimes dasAméricas.

Mas a principal questão era a centralização dopoder monárquico, principal alvo de ataque dosredatores, certos de que a Coroa não toleraria adescentralização de que necessitavam (EFEITOSE CAUSAS, 1888). Somente o regime federativoresolveria a questão, permitindo a expansão dasatividades provinciais: “estamos convencidos deque somente dentro do sistema federal republica-no se poderá operar o progresso das províncias”(A CONDENAÇÃO DO SISTEMA, 1888). A no-meação de presidentes dificultava a governabilidadee a aprovação de medidas desejadas pelas elites:“Esse sistema de governo que reduz as provínci-as a simples fazendas, cuja administração é confi-ada a pimpolhos que nada entendem dos nossosnegócios é um sistema supinamente absurdo,supinamente ridículo” (FOI BUSCAR LÁ, 1888).

Sob inspiração científica, viam no federalis-mo uma forma de viabilizar suas idéias adminis-trativas; mais que isso, o federalismo era o gran-de sonho paulista, acima mesmo dos princípiosrepublicanos. Dentre os artigos d’A Província deSão Paulo publicados n’A República, chamam aatenção os de Alberto Sales, teórico do separatis-mo paulista, que defendia uma confederação su-lista, marcada biológica e sociologicamente. Nomesmo período, os membros do Clube Republi-

cano de Curitiba aderiram ao manifesto, na defe-sa de um governo “essencialmente americano”,afinal os paulistas eram referência e deveriam ser-vir de inspiração: “em São Paulo, província herói-ca por excelência e mãe dileta do Paraná, o povoconcorre em massa aos meetings” (A NOVA ES-TRADA, 1888).

Efetivamente, os grupos envolvidos com oClube Republicano de Curitiba queriam mais au-tonomia para gerir os seus negócios (principal-mente a erva-mate, que, assim como o café, eravoltada principalmente à exportação) e a diminui-ção dos impostos que reduziam drasticamente osdividendos obtidos, a fim de limitar a influênciado governo nos negócios privados, o que conver-gia com as reivindicações de paulistas e gaúchos.O federalismo possibilitaria às elites um maiorcontrole das estruturas regionais. Em suas críti-cas e demandas, falavam com freqüência em nomedo “povo”, aspecto que tem, segundo a ótica deBourdieu (1990b, p. 184), um caráter “rentável”e que faz parte de uma estratégia de apresenta-rem-se como próximos e mesmo como portado-res do direito de reivindicar pelo “povo”.

Novamente, as limitações retóricas do discur-so das elites locais são percebidas pelo jornal Setede Março, para o qual o republicanismo d’A Re-pública era insosso, “uma amálgama de liberdadee cativeiro, de democracia e oligarquia, de floresde retórica e de aranzéis pessimistas” (MELLO ESILVA, 1888). Seu redator vinculava o movimen-to aos fazendeiros e questionava a pouca ouinexistente explicação sobre os traços, as carac-terísticas e para que serviria de fato a República.Denunciava que os republicanos recrutavam seusmilitantes nos partidos monárquicos, levando paradentro de sua organização os defeitos e proble-mas que tanto execravam. Aponta ainda para ofato de que os republicanos de Curitiba não ti-nham orientação científica, e deles zombava: “se-ria o caso de opormos ao direito divino da monar-quia, o direito diabólico da república?” (idem).Com relação à idéia de que a República não seriabaseada no privilégio, como era a Monarquia, re-batia com simplicidade: “Nas repúblicas há umpresidente que governa durante mais ou menosespaço de tempo. Será esse um privilegiado. Háum senado em um corpo legislativo que elaboramas leis. Há magistrados temporários ou perpétuosque proferem sentenças. Há tribunais que deci-dem contendas entre os poderes nacionais cujadecisão é inapelável. Há finalmente quem dissolva

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câmaras, que perdoe e anistie, quem exerça omando sob todos as suas formas e em toda a suaplenitude. São todas essas criações modalidadesdo privilégio republicano” (idem).

Sobre o princípio federativo, afirmava que jáfazia parte da pauta conservadora paranaense, oque facilitou ao mesmo tempo uma percepçãoaguçada da perspectiva difundida pelos republica-nos: “Federação não significa distribuição mais oumenos racional de poder; mas concentração, au-mento de liberdade. A descentralização é uma ques-tão do domínio político: a federação uma questãode ordem social” (MELLO E SILVA, 1889a). Essaobservação demonstra uma fundamentação teóri-ca diferente para pensar essa questão, que pos-suía para Justiniano de Mello um caráter socialmais amplo do que o aspecto institucional, que selimitava a abordar o tema sob o aspecto práticode designação do estado federal.

III. OS DEBATES REPUBLICANOS APÓS APROCLAMAÇÃO

Com a queda da Monarquia, algumas modifi-cações ocorreram na organização partidária, poiso caráter federalista da República impôs a organi-zação de partidos estaduais, que, no caso doParaná, resultaram de uma reorganização dos par-tidos imperiais, agora sob nova roupagem: “Osdois maiores partidos existentes, o Liberal e oConservador adaptam-se às novas circunstânci-as. O Partido Conservador, liderado pelo Barãodo Serro Azul, é na realidade, com seu consenti-mento, chefiado por Vicente Machado19. Trans-formou-se no Partido Republicano Federal. Osantigos liberais, sob o comando do Dr. GenerosoMarques dos Santos, fundam a União Republica-na do Paraná” (VARGAS, 1970, p. 116).

A reorganização partidária do campo políticoparanaense contava com a condução dos mes-

mos influentes personagens, detentores do capi-tal político acumulado durante o período imperial.Contudo, o equilíbrio de poder foi alterado com onovo regime, colocando as elites tradicionaisparanaenses numa posição dominada ante a bur-guesia ervateira, ou, então, com o predomínioquase absoluto do Partido Republicano Federalsobre a União Republicana. O elemento-chavedessa guinada foi o alinhamento dos ex-conser-vadores com o Clube Republicano de Curitiba,apoiado pelo PRP.

O Partido Republicano Federal20 tinha comofigura política central Vicente Machado e era com-posto pelos republicanos que militavam em tornodo Clube Republicano de Curitiba, aliados aos ex-conservadores. Estes deram início a um vasto dis-curso de unificação de todos aqueles que desejas-sem participar da reorganização da pátria, incluin-do os membros dos ex-partidos monárquicos. Asalianças foram firmando-se, e uma nova configu-ração de forças, formada por republicanos e ex-conservadores, passou a ocupar as estruturas depoder do estado, que tinha A República como seuórgão oficial.

A União Republicana do Paraná surgiu formal-mente em março de 1890, quando as forças polí-ticas do estado começaram a reorganizar-se. Foicomposta majoritariamente por antigos liberais ealguns republicanos históricos que ficaram forado jogo político com a ascensão do grupo deVicente Machado ao poder. Com isso, os ex-libe-rais e alguns republicanos históricos do litoral fo-ram alijados da participação no campo do poderlocal e decidiram compor um partido de oposi-ção, a União Republicana, que tinha como órgãona imprensa o Diário do Paraná.

A própria forma como se deu essa reorganiza-ção das forças políticas locais deixa entrever queas lutas apreendidas no campo do discurso erammenos ideológicas do que pessoais, intra-elites.Quase todos os redatores do período que trata-ram da questão republicana estiveram envolvidosdireta ou indiretamente com esses dois jornais,que, por sua semelhança, constituem o primeiro

19 Vicente Machado da Silva Lima (Castro, 1860 – Curitiba,1907), de família tradicional paranaense, formou-se pelaFaculdade de Direito de São Paulo, em 1881. Foi uma dasprincipais figuras da cena política regional na virada doséculo XIX para o XX. Atuou pelo Partido Liberal até1888, quando migrou para o Republicano. Após a Procla-mação, uma aliança entre os ex-conservadores do estado eos republicanos aglutinou-se em torno de Vicente Macha-do. Fundaram, posteriormente, o Partido Republicano Fe-deral, enquanto os liberais aglutinaram-se em torno de Ge-neroso Marques dos Santos, criando a União Republicanado Paraná.

20 A data formal do aparecimento desse partido no Paranánão foi encontrada. Sabe-se, no entanto, que o Partido Re-publicano Federal de São Paulo, cujo mentor foi FranciscoGlicério, foi fundado em 1893. Estiveram vinculados à ver-tente paulista do PRF Eduardo Gonçalves, Vicente Ma-chado e Ubaldino do Amaral.

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grupo de ideários políticos a ser analisado já noperíodo republicano, em que permaneceram emvoga as idéias positivistas e as propostas dedescentralização política.

Os discursos que divergiam dessa linha foramproduzidos por dois personagens que ocupavamposições bastante periféricas, e representam asescassas tentativas de subversão da ordemhegemônica conservadora. Dessa forma, serãoanalisados, num segundo momento, a perspecti-va crítica que Justiniano de Mello e Silva desen-volveu sobre a forma republicana recém-instau-rada, assim como sua adesão à República Socia-lista, e o anarquismo de Rocha Pombo.

IV. A REPÚBLICA E DIÁRIO DO PARANÁ:POSITIVISMO, FEDERALISMO E REPÚ-BLICA ELITISTA

A discussão a respeito dos ideários republica-nos dos membros do Clube Republicano (futuroPartido Republicano Federal) e da União Republi-cana, representados respectivamente pelo A Re-pública e Diário do Paraná, foi reunida em umúnico item pela semelhança teórica e de práticapolítica dos dois grupos. Logo, percebe-se quesuas disputas eram eminentemente o reflexo deuma luta pessoal pelo poder, e não de concepçõesantagônicas ou divergentes de República, até por-que os dois aspectos centrais das transformaçõespretendidas estavam presentes nas idéias dos doisgrupos: federalismo e positivismo. Este último émais forte e presente em ambos, como justificati-va da exclusão do povo das decisões e na defesados militares, disputados pelos dois grupos, queacataram e defenderam a legitimidade da ditadu-ra. Dessa forma, a intenção é traçar os pontoscomuns que apontam para um ideário de Repúbli-ca e mostrar as diferenças pontuais e retóricaspresentes no jogo político das elites locais. A aná-lise dos manifestos políticos dos dois grupos re-forçará tal proximidade de concepção.

A panacéia republicana tomou conta dos peri-ódicos, que caracterizavam o governo provisóriocomo “verdadeiramente democrático” e “severa-mente honesto” (A REPÚBLICA, 1890a), motivopelo qual todos deveriam unir-se, pois qualquerreorganização dos partidos seria lida como umaoposição: “Sendo porém a política do governoprovisório, assentada sobre princípios científicose esteada nos mais elevados intuitos patrióticos,para que não auxiliá-lo na hercúlea tarefa?” (AREPÚBLICA, 1890b).

O Clube Republicano adota o discurso da uni-dade, afirmando aceitar os elementos dos velhospartidos, desde que se resignassem a ocupar umaposição subordinada: “Somos complacentes paracom os vencidos. Queremos a união de todosdebaixo da bandeira republicana” (A REPÚBLI-CA, 1889a). O discurso, à primeira vista unificador,tem, na verdade, uma pretensão de impor umavisão legítima do mundo social, determinando assuas divisões e a construção dos grupos(BOURDIEU, 1990a, p. 165). Os redatores dojornal insistiam muito nesse tipo de discurso, se-manticamente vazio, mas que tem muito a dizer arespeito da luta simbólica pela demarcação dasposições no campo político, sob o argumento deque a reorganização do país deveria ser conduzidapor republicanos e militares que trabalharam pelasubstituição do governo.

Fruto de tal contexto e fundamentado nessediscurso unificador, formou-se, nos primeirosmeses de regime, uma composição única com osgovernistas, resultado do período inicial deindefinições, o que já demonstra certahomogeneidade dos ideários políticos. O discur-so de união era tão forte que mesmo o grupo liga-do à União Republicana reproduzia-o, referendan-do a idéia de que naquele momento só deveria haverum partido, “porque o governo provisório tem tidoo apoio quase unânime do exército, dos republi-canos históricos e dos órgãos dos antigos parti-dos que já se tem declarado ante o novo estado decoisas” (VICTOR, 1890a), o que era uma afirma-ção contraditória com a própria realidade de esta-rem constituindo-se como partido.

Como se sabe, a Proclamação da Repúblicafoi, na prática, resultado de uma articulação entremilitares e republicanos. Essa configuração repe-tiu-se no campo político local, em que a reverên-cia e o respeito aos militares tornaram-se objetode disputa entre os grupos d’A República e doDiário do Paraná. O exército participou ativa-mente dos movimentos cívicos do final do séculoXIX na província e influenciou a disseminação dedoutrinas positivistas, inspiradas em AugustoComte. Assim como no seu periódico de referên-cia, A Federação, o jornal do Clube Republicanode Curitiba publicou diversos artigos sobre a ques-tão militar e freqüentemente os convocava a ficarao lado do povo e lutar contra o despotismomonárquico. Após a Proclamação da República, aexaltação aos militares tomou proporções aindamaiores, sendo considerados “símbolo do

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republicanismo americano”: “O povo brasileiro,não contava como não contará por muitos anosainda, com forças próprias, educadas e represen-tadas em maioria, que possam operar por si nasrevoluções arriscadas. Em todas as nações estáno militarismo a solidariedade e pacificação soci-ais [...] Oh! Meu Deus, quanta ingratidão pérfidacom o desconhecimento dos mais comezinhosfundamentos de uma instituição que representa ocaráter nacional! [...] Somos republicanos extre-mados e com orgulho o mais fervoroso nos de-claramos adeptos sinceros e leais do exército bra-sileiro, porque estamos convencidos que todas asglórias da pátria, todas as evoluções que temossentido e observado pacificamente refletem-senessa heróica legião, símbolo do republicanismoamericano” (A REPÚBLICA, 1890c).

O elemento militar teve peso significativo nabalança do poder local, influenciando-a conformeas coligações que efetivavam, tendo ficado no iní-cio junto ao grupo do Diário do Paraná, que ti-nha também o apoio de algumas associações deimigrantes e do Clube dos Operários, formandoum grande conglomerado de insatisfeitos e dese-josos de participar na condução política do novoregime. Por isso, diminuíam a importância dosrepublicanos que estavam no poder, ao colocar arevolução de 15 de novembro como obra dos mi-litares, que foram afastados, pelos republicanos“exclusivistas”, da condução do governo, deixan-do evidente o motivo da aliança, e mesmo contra-dizendo uma afirmação anterior de que a adesãodos militares à União Republicana teria sido frutode sua opção pelo grupo mais “sincero”.

Cabia, de acordo com A República, aos “re-publicanos sinceros”, eleger Marechal Deodoro oprimeiro presidente republicano brasileiro: “O bravoMarechal Deodoro, chefe do governo provisórioe o homem que com o maior desprendimento oestabeleceu, não é simplesmente o candidato na-tural à presidência da República dos Estados Uni-dos do Brasil, é o centro obrigado para onde con-vergem todas as vistas da Pátria” (MACHADO,1890a). Esses motivos fizeram com que o apoiod’A República à candidatura de Deodoro fossevisto como puro oportunismo por seus adversári-os políticos (VOLTAM POR SEREM RUINS,1890). A leitura conservadora da ditadura republi-cana, que, na teoria comtiana, era a opção para atransição à sociedade positiva, influenciou a sim-patia pela ditadura militar de Deodoro da Fonse-

ca, embora originalmente a doutrina positivistarepudiasse os governos de sabre. Por questões deapoio político e sustentação no poder, o grupo doClube Republicano via o governo provisório comolegítimo e necessário, e os militares como defen-sores do progresso paranaense, motivo pelo qualdeveriam ser eleitos pelo “povo”: “principais res-ponsáveis pela estabilidade da instituição republi-cana [...] foi essa ilustre classe abnegada que evi-tou que a aspiração nacional se afirmasse por san-grentas revoluções [...] extremos defensores doprogresso paranaense [...] Agremiem-se todos emtorno dos nomes dos distintos militares apresen-tados aos sufrágios das urnas paranaenses [...] edemonstrarão a sua dedicação à causa da Repú-blica” (A REPÚBLICA, 1890d).

A defesa da soberania popular é outra cons-tante nos artigos, e ela deveria ser exercida pormeio da representação, como na República norte-americana. Os positivistas consideravam osjacobinos (defensores da participação direta)metafísicos e defensores de um tipo de liberdade- de participação - que não servia para o mundomoderno: “todos os homens que devassam oscampo da ciência abstrata ou que difundem ossegredos de suas aplicações concretas, são ossupremos magistrados, que conferem a sobera-nia popular [...] [esta] deve curvar-se diante domestre-escola [...]. A ninguém é permitido eximir-se da obrigação fundamental de previamente pre-encher as condições de competência, antes de sero portador de sua opinião política. Pretender queo povo pode, sem preparo, decidir das mais trans-cendentes questões sociais, como a paz e a guer-ra, a constituição da família e da propriedade, dajustiça e das finanças, é simplesmente deslocarpara o povo a ficção que fazia a fortuna dos reis,é voltarmos ao direito divino, que conferia a onis-ciência e a impecabilidade ao soberano de nasci-mento [...]. É um dever de patriotismo compre-enderem todos, hoje, que não há soberano de es-pécie alguma, que dispense a sagração pelo mes-tre-escola” (ORDEM E PROGRESSO, 1889).

Referendam aqui a permanência da restrição àcidadania e o caráter paternalista que perpassavaa discussão sobre soberania e participação popu-lar. Percebe-se também a recorrência da ideologiado mérito, que se daria com o fim dos privilégiosmonárquicos, mas que de fato ampliaria o espaçode participação das elites letradas. A idéia de que asoberania popular poderia manifestar-se por meio

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do voto das municipalidades também foi defendi-da, como forma de evitar a anarquia e o apelo àsmassas desqualificadas21: “E é por isso que tãolegítimo resultado dessa soberania pode ser a elei-ção de governador, representante do poder exe-cutivo, pelas municipalidades, como pelos repre-sentantes do Congresso Legislativo, ou ainda poreleitores especiais sufragados para esse fim. [...]Na escolha de alguns destes sistemas de eleiçãodo Chefe de Estado, o que se procura, o que secogita é o modo mais ou menos democrático des-sa escolha, e que melhor acentue a vontade popu-lar, evitando a anarquia. O voto decreto do povo,na eleição de governador, é por certo o meio maisdemocrático da manifestação da soberania, mas ésistema que não esta escoimado de inconvenien-tes, máxime quando se tem que lutar com a faltade educação cívica em todas ou em algumas ca-madas populares. A eleição por meio de represen-tantes do Congresso, pelas municipalidades ou poreleitores especiais escolhidos para esse fim, podeser um meio de corrigir defeitos em dadas cir-cunstâncias e os inconvenientes que surgem deum apelo direto à massa popular. Essa idéia porcerto animou o autor do projeto a fazer a escolhado sistema de eleição pelas municipalidades e tal-vez, tendo ainda em vista que com a eleição dessemodo não ficaria sem representação parcela algu-ma da soberania popular. E isto porque asmunicipalidades são representantes diretas do ele-mento popular” (MACHADO, 1890b).

Não menos influenciados pelo positivismo, osmembros da União Republicana também defendi-am a importância de a República ser baseada naciência e de seguir as orientações da “políticamoderna”. A representação da ditadura tambémera positiva, embora com a ressalva de que esta-ria durando mais do que o esperado. Diziam de-fender a verdadeira democracia (em oposição aosseus adversários), pois nela a vontade popularmanifestar-se-ia real e diretamente por meio darepresentação.

Exemplo de tal divergência retórica foi a cria-ção, pelos redatores do Diário do Paraná, de umadivisão do mundo social por meio da classifica-ção de dois tipos de republicanos: os “unionistas”,

que agiam para que a República fosse de todos osbrasileiros, e os “exclusivistas”, que evitavam aparticipação dos ex-membros do Partido Liberal– a participação do povo nem sequer é menciona-da. A dominação do Partido Republicano Federalteoricamente não deveria ocorrer, pois: “Grandeparte, quase a unanimidade do partido liberal uniu-se á parte de republicanos de mérito mais real, eos conservadores, com muitas exceções, uniram-se a outros republicanos, a que, si faltava prestí-gio sobrou arte para se apoderarem do governo edeixar este Estado nas tristes condições em que ovemos” (OS PARTIDOS POLITICOS, 1890).

A divisão criada buscava deslegitimar simboli-camente os republicanos que estavam no poder,por terem se aliado de maneira oportunista aosconservadores, o que teria levado à política deexclusão dos liberais. Essa nova configuração dedominação do grupo d’A República não seinstitucionalizou sem resistências, gerando intri-gas, perseguições e acusações.

Em abril de 1890, cogitou-se que a Constitui-ção fosse votada por plebiscito, o que num pri-meiro momento causou repulsa aos membros doClube Republicano: “Em absoluto, somos contrá-rios ao regime plebiscitário, e só circunstânciasmuito especiais podem aconselhar esse apelo di-reto ao povo”. Embora esse sistema tivesse porbase resoluções votadas diretamente pela popula-ção, “fonte exclusiva de todos os poderes, só ex-cepcionalmente a intervenção direta popular pormeio de plebiscito deve ocorrer”. No final, o re-dator faz uma concessão ao plebiscito, desde queapresentasse à votação os aspectos que mais lhesinteressavam: “De modo que se o projeto de cons-tituição for inquestionavelmente aconsubstanciação das necessidades do país, se elarepresentar o princípio democrático de federação,se a independência dos poderes, seus limites, seestabelecerem de conformidade com os princípi-os e necessidades do regime republicano; – sere-mos pelo plebiscito” (A REPÚBLICA, 1890e).

A mesma posição, com as mesmas justificati-vas, era defendida pelos membros da União Re-publicana, que, embora desejassem que o paísentrasse no regime definitivo por meio de umaConstituinte, aceitaram o plebiscito desde que emdeterminadas condições, e mesmo o decreto daConstituição: “Assim, pois, embora fosse com aconvocação da Constituinte que se poderia agirde um modo mais regular, embora nós não acom-

21 O Sete de Março posicionou-se contra a eleição dogovernador mediante o voto das municipalidades, sob oargumento de que o poder Executivo estadual não é partenem prolongamento do poder municipal.

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panhemos no seu temor aqueles que se receiamde anarquia com essa convocação; si este for opensamento do governo, venha a Constituição porum decreto, que nós nos daremos por satisfeitos,opinando mais por este outro, em vista dele evitarembaraços e delongas que possa haver, e de en-trarmos desde já no período definitivo e normal”(VICTOR, 1890b).

Poucos dias depois, o redator retifica: “Nósfomos sempre da opinião de que o preferível eraque a constituição não passasse por plebiscito nemfosse decretada pelo governo provisório mas simque ela nos viesse de uma constituinte” (NÃO ERABALELA, 1890). Logo, os grupos concordavamcom a exclusão do povo, embora se valessem deartifícios retóricos diferentes, não havendo, por-tanto, diferenças ideológicas substantivas entreeles.

Esses argumentos encontravam fundamentosno positivismo, que não concebia os homenscomo iguais, de fato, uns aos outros, o que expli-ca também a grande quantidade de representaçõesde que a República foi obra de homens fortes,corajosos e abdicados. A igualdade, como direitofundamental, reside no direito de todos os cida-dãos terem a sua dignidade respeitada, afirmouComte, no livro IV do Sistema de filosofia positi-va. Mas isso não significa que os homens sejamparecidos nem que o sejam fisicamente, quem diráno campo psicológico, intelectual e moral, em queas desigualdades são ainda mais pronunciadas(LINS, 1965, p. 204-205). Essa constatação acer-ca das desigualdades subjacentes entre os homenslevou Comte a conceber o sufrágio universal como“uma doença social” e por isso a soberania popu-lar deveria manifestar-se por intermédio dos ma-gistrados. É preciso destacar, contudo, que elenão se cansou de reconhecer a importância histó-rica do dogma da soberania, no sentido de enfatizara subordinação dos poderes sociais ao bem de todaa sociedade e aos seus interesses gerais.

O positivismo também foi acionado para justi-ficar a República federativa, considerada para essegrupo de republicanos paranaenses a forma degoverno que melhor adaptava-se às condições doBrasil, e a que melhor atenderia aos seus interes-ses. Repudiavam a forma unitária francesa, porser o Brasil um país muito extenso, e também poralmejarem a construção de uma suposta identida-de e autonomia latino-americana: “Sigamos o es-pírito novo que impele ao progresso. A América

tem inspirações próprias, e já não precisa ver oque se fez ou faz na Europa; Deixemos de ser oprolongamento das monarquias européias parasermos o povo republicano, da América republi-cana, ligando-nos a todos os países do novo con-tinente por um laço de estreita solidariedade e demútuo respeito” (A REPÚBLICA, 1889b). Embo-ra o grupo da União Republicana tenha discorridopouco sobre o tema da federação, eram tambémcríticos do sistema centralizador: “Todas as nos-sas esperanças pelo futuro estão postas na idéiade que se vai transformar esse estado de coisas,com uma verdadeira descentralização que se ini-cie no país” (A QUESTÃO DOS BANCOS RE-GIONAIS, 1890).

V. OS MANIFESTOS

As semelhanças entre os grupos fica patentetambém na análise de seus manifestos políticos.Tanto o manifesto de Vicente Machado (A Repú-blica) quanto o de Correia de Freitas (Diário doParaná) são políticos, stricto sensu, na medidaem que tratam da cena local e da perspectiva dosgrupos e não de reflexões teóricas. Destacam suaslutas pelo poder, não tendo qualquer pretensão dedivulgação de doutrina ou de valores ideológicos.Em verdade, estão disputando uma versão dosfatos. Novamente nota-se aqui que ambos queri-am a união das forças e lutavam pelo apoio e sim-patia do exército. O próprio redator do Diário doParaná tinha noção da similitude do pensamentodos dois grupos: “Pois bem, as suas próprias pa-lavras transcrevemos nós, como a tradução legí-tima do nosso modo de pensar, – o que não admi-ra que ainda ontem fomos companheiros: si hojeacontece, ainda, uns e outros assim dizermos amesma coisa, é porque nós continuamos por ondeíamos e eles ainda falam pelo hábito, simplesmen-te por ele, que na ação eles se mostraram uns vi-toriosos indignos dos troféus que lhes couberame da simpática bandeira que defendemos”(VICTOR, 1890c).

Intitulado “Ao Estado do Paraná”, o manifestodo Clube Republicano foi publicado em três par-tes, durante o mês de março de 1890. Na primei-ra, assinou apenas Vicente Machado; na última,subscreveram Eduardo Gonçalves, Vicente Ma-chado e mais três personagens locais. Trata-se deum discurso que constrói uma versão dos fatosatinentes à República e aos republicanos no Paranáe que busca legitimar simbolicamente as divisõesque estavam processando-se no campo político

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paranaense. O redator do manifesto chega a afir-mar que o momento não era propício a teorias,pois a preocupação central deveria ser a paz e aconciliação dos “bons elementos”.

O texto aponta que a sociedade passava porum “estado especial”, devido à revolução de 15de novembro. Como o Paraná contava com pou-cos republicanos, os méritos pela República de-veriam ser localmente atribuídos ao sacrifício e àabnegação dos poucos que por ela militaram: “Nãotínhamos nomes feitos na política; o humilde sig-natário destas linhas apenas [Vicente Machado],por circunstâncias especiais, tinha no cenário aca-nhado da política provincial adestrado armas e seencaminhado na luta investido do mandato de de-putado da ex-província”.

No entanto, segundo o manifesto, foi essa de-fasagem numérica que fez com que a desordemtomasse conta, pois as ambições não patrióticasdificultavam a reorganização da pátria, o que trouxesérios e duros encargos para os “evangelizadoresrepublicanos”. Por isso, para o Clube Republica-no, aquele momento não deveria ser utilizado paradisputas políticas fundadas em ódios e ressenti-mentos, mas para uma política reconciliadora,sendo que os membros dos ex-partidosmonárquicos teriam que esquecer as antigas dis-putas e unir-se em torno do “desejo de reorgani-zar a pátria”. A idéia de uma suposta união dosrepublicanos com os adeptos sinceros tinha comointenção reduzir simbolicamente a participação dosliberais e dos membros da União Republicana, re-presentados como aqueles “movidos por ódios epaixões”.

Por sua vez, o manifesto que fundou a UniãoRepublicana do Paraná era intitulado “Manifestopolítico do cidadão Manoel Correia de Freitas”,datado de sete de abril de 1890, e publicado al-guns dias depois (FREITAS, 1890). Correia deFreitas, que se autodenominava um republicanosocial-democrata, começa o texto com o mesmoargumento de Vicente Machado, dizendo que in-felizmente na maioria dos estados havia poucosrepublicanos, particularmente no Paraná, e queestes devem sacrificar-se para reconstruir a pá-tria. A partir de então, dá mostras claras de que osmanifestos representavam uma luta pelo poderpolítico e pelo mito fundador do republicanismolocal, na medida em que ambos relatavam os fa-tos que levaram à Proclamação a partir de suaótica, limitando-se a narrar fatos e a descrever

posições formais de poder. Por isso, o Manifestoda União Republicana reconta como se deram osprimeiros momentos da República no Paraná, des-tacando, para justificar a cisão com o Clube Re-publicano, o surgimento viciado da comissão exe-cutiva do Partido Republicano, pelo apoio que re-cebeu do então governador do estado. Tal fatoem pouco tempo teria suscitado uma forte oposi-ção, o que levaria o grupo d’A República a aliar-se aos conservadores do período monárquico.

A partir de então, Correia de Freitas reclamaque todos os cargos foram direcionados para essanova configuração de forças, deixando de fora osliberais, ao que o Manifesto do Clube Republica-no responde: “Pretendiam por ventura, aspirar osliberais preferência de confiança entre os seuscorreligionários e os nossos? Seria essa aspiraçãolegitima?” Mesmo assim, insiste que não houveexclusivismo nas nomeações: “não somosexclusivistas, mas previdentes” (idem).

Mas, segundo Correia de Freitas, o grupo d’ARepública deixou de fora o exército, verdadeiroexemplo de civismo e abnegação, e que tinha di-reito de participar ativamente da reconstrução dapátria. Apresenta então os preceitos que susten-tam a União Republicana, repletos de generalida-des, baseados numa “política séria e fraterna, va-zada nos moldes democrático-sociais os mais avan-çados, em cujo mecanismo governamental a li-berdade seja uma verdade, e a intervenção direta elegitima do povo, nos públicos negócios, torne-sepermanente. E, pelos nossos antecedentes histó-ricos, pela nossa etnologia, pelos nossos hábitose costumes, pela identidade de clima, solo, flora,fauna, crenças, aspirações, cultura, indústrias,pelas legítimas relações de parentesco e pelas es-treitas relações comerciais, entendo que o Paranátem necessidade absoluta de fazer de hoje em di-ante uma política de união sulista, com os seusco-irmãos os estados de Santa Catarina e Rio Gran-de do Sul”. Assim, acredita que “passaremos aser respeitados como uma força verdadeira a agirdentro da federação brasileira e não olhados, comoaté agora, com certo pouco caso pelo governogeral” (idem).

Percebe-se que a união com os estados do sulexclui São Paulo, principal parceiro do outro gru-po. De qualquer forma, ambos viam nas aliançasregionais a possibilidade de melhorar a posiçãoocupada pelo Paraná no campo nacional. Enquantoisso, os signatários do manifesto do Clube Repu-

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blicano afirmavam que continuariam na neutrali-dade da direção política, que só poderia serconduzida pelos republicanos para que não hou-vesse uma quebra da calma. Percebe-se que aunião dos “bons elementos” implica um processode estigmatização política dos liberais, que ficamcom uma representação carregada de adjetivosnegativos, dificultando a sua participação no jogopolítico local.

Assim, embora dotados de várias similitudes,incluindo o fato de que ambos os redatores ti-nham capital simbólico e o reconhecimento deseus grupos, o Clube Republicano era um grupomais institucionalizado e dotado de maior capitalpara impor uma ordem simbólica (BOURDIEU,2001, p. 46), que só funcionou por reunir condi-ções sociais exteriores à lógica do discurso, quaissejam, posições formais e informais de poder. Poroutro lado, os membros da União Republicanaconstantemente reiteravam que eram “pela uniãoe contra o exclusivismo” (OS PARTIDOSPOLITICOS, 1890), semelhante ao argumento dosmembros d’A República, o que demonstrava quese valiam – em seus discursos destinados a sub-verter a ordem de que eram vítimas – dos princí-pios de divisão lógica que fundavam essa mesmaordem (BOURDIEU, 2001, p. 99-100), tornan-do-a, dessa forma, impossível de ser aniquilada.

VI. AS PROPOSTAS ALTERNATIVAS: SOCIA-LISMO E ANARQUISMO NA TERRA DOSPINHEIRAIS

Para além do discurso das elites, apenas duasvozes dissonantes tiveram alguma reverberaçãono campo político local e apresentaram perspec-tivas distintas e por demais revolucionárias para asociedade paranaense de então. Apesar de poucoexpressivas, são indícios de que houve tentativasde subversão da ordem discursiva dominante, ten-tativas provenientes de jornalistas eloqüentes edetentores de alto capital cultural. O primeiro de-les, Justiniano de Mello e Silva, foi, durante oImpério, um declarado monarquista e não partici-pou da propaganda republicana, criticando-a emseus principais aspectos. Sociólogo, dotado de umapurado senso de crítica social, percebeu rapida-mente os rumos que o novo regime tomava. Nes-se ínterim, aproximou-se do recém-criado ClubeOperário e ali encontrou uma causa compatívelcom o seu habitus radical, engajando-se na divul-gação de propostas de integração política e socialdos artistas e operários no sistema republicano.

O segundo discurso de contestação aparecepor meio da figura de Rocha Pombo, um dos pri-meiros republicanos paranaenses. Decepcionadocom a ditadura militar e com as atrocidades quedela decorreram – ele era antimilitarista – aproxi-mou-se do movimento anarquista e, no bojo dasagitações dos primeiros anos republicanos, defen-deu esse sistema na imprensa e em suas obras deficção.

Em verdade, uma observação rígida dessasidéias não permitiria situá-las como republicanasstricto sensu. Todavia, elas inseriam-se num con-texto de debates e disputas por uma concepçãode regime político e, no caso do socialismo, deforma compatível com o movimento republicanoem sua “defesa dos princípios clássicos da igual-dade e da fraternidade, o que só se realizaria pelainserção do povo numa ordem econômica e polí-tica” (GOMES, 1988, p. 49). Vale notar que noParaná não foi encontrado um grupo que defen-desse uma República liberal, nos moldes de SilvaJardim, o que poderia constituir um meio termoentre as propostas conservadoras das elites e asradicais populares.

VII. CRÍTICA SOCIAL DA REPÚBLICA DOSFAZENDEIROS E PENSAMENTO SOCIA-LISTA EM CURITIBA

Mesmo antes da Proclamação, o redator doSete de Março questionava a forma como os re-publicanos concebiam o novo regime como solu-ção para todas as querelas nacionais. Sua forma-ção científica e erudita, que incluía um Doutora-do em Ciências Sociais na Argentina, refletiu-seem suas análises políticas, que destoam da maio-ria dos redatores locais por seu caráter de críticasocial e por seu repertório culto. Por isso, seudiscurso funciona como um contraponto aos ide-ais conservadores das elites.

Embora não tivesse militado pela República,esperava que ela trouxesse melhorias para a situ-ação do povo brasileiro, apesar de não comparti-lhar do discurso salvacionista proferido pelos re-publicanos. Por isso, não aderiu imediatamente,como a maioria de seus companheiros, à Repúbli-ca e ao governo provisório, preferindo observar eanalisar o processo que se delineava. Justinianooptou por engajar-se no movimento operário, apro-veitando-se também das indefinições iniciais nacondução do novo regime que deram espaço parao surgimento de uma série de propostas políticas,das mais conservadoras às mais radicais. A causa

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operária passou a ser desde então seu espaço deinvestimento político, incitando por meio do seujornal a tomada de consciência das classes opri-midas na luta por uma sociedade igualitária, fir-mando-se assim como um grande crítico da Re-pública conservadora que se montava. Para tan-to, valia-se da sátira para ironizar a panacéia repu-blicana que acreditava num milagre a ser operadopelo novo regime: “Estão aí a dizer que o velhomonarca, deposto, fartou-se de devorar preás, quea república guardaria intactas para opulentar osfestins da democracia. Em outros termos afirma-se que o ex-imperador corrompeu muitos homensque o novo regime preservaria da mácula hedion-da” (MELLO E SILVA, 1889b).

Relativizou e desconstruiu também, ao longodos seus artigos, a representação da Coroa comoo grande mal nacional, não por negar os proble-mas do regime, pois admitia que “era uma feirapara a ganância”, e isso por culpa daqueles que asustentavam: “Nossa imprevidência, que tinha aface sempre voltada para o erro e os olhos sem-pre cerrados para a verdade. Foi o egoísmo, aindiferença, a vaidade [...] que nos tornava nulospara todas as peleja do direito, submissos a todasas tiranias”. Não compartilhou, portando, da pers-pectiva positivista que via a Monarquia como si-nal de atraso e pivô de abusos e privilégios dopoder e a República como uma etapa necessaria-mente mais avançada do desenvolvimento social:“Hoje como ontem, entendemos que a monarquianão é responsável dos abusos e desatinos que de-sacreditaram o regime decaído [...]. Que a Repú-blica venha rejuvenescer uma geração decrépita,de onde se destacou apenas uma classe verdadei-ramente forte; que a Revolução triunfante na pra-ça pública penetre nos costumes e derrube os pre-conceitos ainda vigentes; que os atuaisdominadores sejam tão grandes no fastígio dopoder, como nós fomos sinceros na humildadedos nossos esforços é o que cordialmente deseja-mos, em bem da pátria, aos criadores e responsá-veis das instituições nascentes” (MELLO E SIL-VA, 1890a).

O problema para ele não estava na instituiçãomonárquica, mas no domínio pernicioso que asoligarquias locais exerciam sobre todo o país:“Nunca imputávamos ao trono todo esse cortejode torturas sofridas pelo povo, sob domínio dasoligarquias provinciais. Estas eram as causas domartírio popular” (MELLO E SILVA, 1890b). Cri-ticava a falta de coerência histórica dos republi-

canos, que acreditavam que a mudança das insti-tuições seria capaz de mudar abruptamente a con-duta dos homens: “Afirma-se que os antigos par-tidos sucumbiram ao lado do trono: que novasagrupações devem substituir aquelas que estrebu-cham sob os escombros da velha instituiçãomonárquica, que a reconstrução nacional se ope-rará rápida como o desaparecimento do antigoregime, hoje amaldiçoado pela maioria da nação.Não alimentamos ilusões, nem vamos construirno vácuo como os ideólogos. O presente e o fu-turo serão sempre um prolongamento do passadoembora em via de transformação; os homens dehoje terão as mesmas deformidades, curtirão osmesmos males e sofrimento, padecerão das mes-mas insônias e sobressaltos que atormentavam osnossos antepassados. A política republicana não éum talismã, que realize a identidade física doscontrários, ou um elixir que transmuta às víscerashumanas faculdades estupendas” (idem).

Escreveu artigos bastante irônicos que busca-vam construir outra representação da Monarquiae da realidade republicana, ainda em 1889, quan-do a “opinião pública” encontrava-se aindaextasiada com o novo regime, o que aponta parauma forte autonomia de pensamento eposicionamento. Criticou a falta de ideologia dosseus ex-correligionários, que rapidamente afirma-vam-se em perfeita conformidade com um siste-ma que teoricamente colocava-se como radical-mente contrário a tudo que vigorava até então,“sob a mascara de intransigentes adeptos da li-berdade”. O novo governo havia absorvido con-servadores e liberais que se confraternizavam “emtorno da imaculada vitória” (idem).

Justiniano de Mello construiu um discursoheterodoxo e para tanto se valeu também de seurepertório de historiador, a fim de criticar ainobservância, por parte dos republicanos, de ques-tões históricas básicas, pois estes acreditavam napossibilidade de construir um novo regime sem adevida observação das condições sócio-históricas,como ensinava a tão recorrida doutrina positivista.Segundo o redator, “uma idéia sem passado é umaidéia sem futuro” e a negação desse preceito fariacom que fatalmente tivessem de admitir seus er-ros: “Terão de reforçar os processos da sua lógi-ca quando forem impressionados por fatos idên-ticos no domínio da república. O governo, se éum produto, vale também como sintoma para odiagnóstico das enfermidades sociais” (idem).

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O redator do Sete de Março foi também umcrítico da sociedade brasileira, valendo-se de aná-lises sociológicas para refletir sobre o privilégio, aigualdade, a liberdade e a participação popular. ParaJustiniano, o Estado que se apóia numa classeprivilegiada enfraquece-se, pois prejudica todas asoutras que são negligenciadas. Nesse contexto,não é possível falar de vontade popular, afinal sóhá um grupo favorecido, como no caso brasilei-ro, em que o interesse econômico e político daclasse agrícola “pesa opressivamente, e subordi-na à sua nefasta influência todos os outros gru-pos sociais” (MELLO E SILVA, 1889c). Este tipode leitura destoa do rol de discursos observados ejá apresenta os indícios teóricos que sustentarama sua aproximação e defesa de demandas sociaisde inclusão e participação da classe operária.

O Clube Operário de Curitiba, fundado em ja-neiro de 1890, era composto por artistas e operá-rios e, “se a França era o principal espelho para aRepública, a Alemanha o era para o partido operá-rio” (GOMES, 1988, p. 50). O do Paraná não fu-giu a essa regra e também se inspirou nas con-quistas das classes operárias alemãs, embora es-tas não devessem servir de postulado: “Entretan-to, no momento mesmo em que homens de altacapacidade contestam a existência de um proleta-riado brasileiro, como se este não vivesse ondeviveu a escravidão – uma classe numerosa se agi-ta neste estado, e pela primeira vez propõe aospoderes públicos a solução de um problema soci-al” (MELLO E SILVA, 1890b).

Para o redator, apesar de o direito do trabalhonão ter no Brasil o mesmo significado que tinhanos países de civilização avançada, “há um direitoferido pela legislação e uma reivindicação justa aosolhos da igualdade democrática [...]. No Brasil sóé inviolável o direito de nada fazer” (idem). Osargumentos utilizados apontam para um grupo emprocesso de formação, não por iniciativa própria,mas incitados por lideranças que defendiam a in-clusão social e política desses não-cidadãos, me-diante um discurso que pretendia mudar o mundosocial, mudando a representação social acercadesse mundo (BOURDIEU, 2001, p. 97).

Em abril de 1890, seu jornal adotou o subtítu-lo Órgão de reformas sociais, vinculando-se aindamais às idéias socialistas. O movimento operário,em Curitiba, buscava transformar-se num parti-do, mas, enquanto isso não se realizava, somavaforças à União Republicana, elegendo o redator

do Sete de Março representante do operariado nadisputa para a Constituinte estadual.

Cabe lembrar que houve inicialmente duas fac-ções do movimento socialista no Brasil, cujo ber-ço foi o Rio de Janeiro. O Sete de Março dialoga-va com O Paiz e, portanto, com o grupo lideradopor Vinhaes, que contou com mais adesões doque o de França e Silva. Como não existia umaestrutura organizacional de trabalhadores no Bra-sil daquele período, isso possibilitava a união dasconcepções socialistas a uma concepção de Re-pública, já que o novo regime tinha como objetivorealizar a igualdade e a fraternidade por meio dainserção do povo na ordem política e econômica(GOMES, 1988, p. 47-49).

Para Justiniano de Mello, faltava preparo inte-lectual aos miseráveis que ainda não tinham sedado conta dos problemas deixados pela escravi-dão, suas injustiças e a inoperância da noção deigualdade. A classe estava muito dispersa e nãopossuía intuitos e aspirações comuns, o que faci-litava a submissão dos fracos aos poderosos etornava difícil a organização de uma força ativa einteligente que atuasse sobre a inércia da minoriadepositária da influência política.

Mesmo com influência limitada, esse tipo deposição é significativa e reflete uma tentativa con-sistente de subversão política, vinculada a umasubversão cognitiva, que incita a uma reconversãoda divisão do mundo proposta pelas elites. A críti-ca herética de Justiniano de Mello quer um mun-do sem divisões – ou ao menos um em que ostrabalhadores sejam atores e participem da ordempolítica.

VIII. ROCHA POMBO: DESILUSÃO E ANAR-QUISMO

A idéia de apresentar a perspectiva anarquistade Rocha Pombo tem a intenção de apontar paradiscursos que divergiam daqueles dominantes.Deveras radical, a temática anarquista foi poucoabordada pela grande imprensa do período e, quan-do tratada, aparecia de maneira hostil epreconceituosa, contribuindo para que “o imagi-nário da população fosse associando o anarquismocom assassinato, desordem e preguiça” (VALEN-TE, 1997, p. 141), pois as elites tinham aversão atais concepções, por seu caráter excessivamentesubversivo. Rocha Pombo, que já estava numaposição marginalizada politicamente e profunda-mente desiludido com os rumos da República,

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adere aos ideários anarquistas, a princípio demons-trando simpatia, nas colunas do jornal que redi-gia, pelo líder Giovani Rossi, e também em seuromance Petrucello, em que critica a sociedadecapitalista e afirma a sua utopia anarquista22. Pos-teriormente, na fase em que morou no Rio de Ja-neiro, envolveu-se ainda mais com o movimento,afinal, “no bojo do desencanto com a pouca ounenhuma sensibilidade do novo regime para asreformas democratizantes, surgiram as propos-tas anarquistas, trazendo alternativas radicais paraa organização política do país” (CARVALHO,1987, p. 25).

Em 1892, era proprietário do Diário do Co-mércio e havia um ano que a Colônia Cecília haviase instalado em Palmeira, Paraná. Esta passavapor uma série de dificuldades, assim como osimigrantes em geral, em decorrência de boicotesdo governo, que prometia incentivos para a imi-gração, mas que estava em dívida com colonospolacos e italianos, os quais se sublevaram. Natentativa de desvincular o evento na colônia e seuchefe, Rocha Pombo afirma que “é falso esse boatoporque acha-se à frente de seus confrades o dig-no Dr. Giovani Rossi, home ilustrado, prudente eincapaz de concitar os colonos a qualquer distúr-bio” (ROCHA POMBO, 1892a).

Como havia pouco espaço para que as idéiasanarquistas fossem debatidas23, Rocha Pombodirecionou para as obras de ficção suas perspec-tivas e desilusões políticas, afinal, conhecia oconservadorismo e o limitado espaço para pro-postas que ultrapassassem o posicionamento con-servador das elites locais. Dessa forma, recorre-mos a essa narrativa alternativa, na forma da suaobra ficcional intitulada Petrucello, publicada nesseperíodo da virada para a República. Trata-se, pois,de um claro exemplo de produção simbólica quereflete um posicionamento político.

Seu processo de desencantamento com a po-lítica é evidente na narrativa que conta a trajetóriade Petrucello, um italiano – não por acaso –, que,incomodado com o crescimento do capitalismo,

parte rumo ao Oriente. No meio do caminho, fazuma parada no Rio de Janeiro, onde encontra umconhecido, no momento em que a República aca-ba de ser proclamada, e, apesar de sentir-se exila-do, acaba inserindo-se no mercado literário local.O personagem tinha uma percepção essencialmen-te negativa das transformações ocorridas no país:“É um absurdo supor que a facilidade com quenas repúblicas os homens de todas as classes po-dem exercer a sua ambição constitui uma provade excelência da instituição republicana. Hoje emtodo o mundo, especialmente nas repúblicas agi-tadas da América Latina, a política é um vício piordo que os outros vícios que se conhece” (RO-CHA POMBO, 1892b, p. 80).

O romance marca a posição do seu autor, crí-tico da política e da luta partidária: “A política es-pecialmente é o grande mal da América. Em al-guns países discute-se mesmo ainda a forma degoverno, e em outros o sistema republicano é de-turpado pelos maus costumes públicos e pelosdesregramentos dos partidos políticos” (idem, p.81-82). Parte da responsabilidade vinha do milita-rismo: “Uma das questões que mais devem im-pressionar o espírito de todos os pensadores edos governos, é a necessidade da abolição da guer-ra e das instituições militares. O exército é hojeuma força desperdiçada, um fardo inútil com quelutam os povos – e isto quando não é ainda o es-pantalho da liberdade e da paz” (idem, p. 70).

A narrativa da obra insere tais transformaçõespolíticas num processo mais amplo de moderni-zação, que levou o homem a uma degradação morale à completa desorientação da sociedade, deslum-brada com a ciência e a indústria. O protagonista,exilado ante a modernidade, martirizado pela vidaburguesa e saudoso das tradições e da vida emcomunidade, concebe, numa de suas obras literá-rias, a utópica “Cidade dos Homens”: “Esta cida-de seria dirigida por homens sábios que estariamtomados pelo espírito do século. Os sábios aboli-ram a figura de Deus, como desnecessário eafrontoso à dignidade humana. Obcecados pelasua crença cega nas leis, as elaboram perfeitas,incluindo desde liberdades políticas até os servi-ços públicos. Estabelece-se um governo extrema-mente organizado, capaz de influir na vida doscidadãos. Surge um problema, porém: as leis nãosão obedecidas. Apesar da criação de novas pe-nas e fóruns para julgar aqueles que não cum-prem ou não fazem cumprir a lei, a situação per-

22 No Hospício, romance simbolista publicado em 1905pela Garnier, tem como temática principal o delírio e aloucura, por meio dos quais nasce a utopia anarquista.23 Segundo Valente (1997, p. 17), não existia nenhumdebate sobre a Colônia Cecília nos Anais da Câmara e daAssembléia estadual entre 1890 e 1920.

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siste. Diferentes grupos passam a lutar pelo po-der, abalando as ‘forças do país’” (Rocha Pomboapud QUELUZ, 1994, p. 93).

Na seqüência, um estrangeiro destrói esse ar-gumento, explicando que o caminho da liberdadee da felicidade não está na lei, e sim na consciên-cia de todos. O sistema penal é abolido e a leipassa a ser a da consciência de cada um. O idealapresentado no livro é bastante proveitoso parapensar a posição de Rocha Pombo perante as ques-tões do seu tempo. O modelo da nação idealpositivista foi apresentado e, logo em seguida,criticado pelo autor, que acredita que um governode cunho autoritário levaria a uma guerra civil.Surge, então, o messias, que reorganiza a socie-dade nos únicos termos em que valeria a pena:Deus e a consciência de cada um, sendo que oEstado aparece como um ente do qual a socieda-de deveria libertar-se: “Há de nascer por força,como mais racional e mais lógica, a tendência quejá se constata mesmo entre alguns pensadores paraatenuar o mais possível a influência do Estado, senão for coisa que se possa conseguir a eliminaçãodessa influência” (Rocha Pombo apud VICTOR,1979, p. 70).

Rocha Pombo enuncia a possibilidade de sal-vação da sociedade por meio de uma utopialibertária, sugerindo a abolição do Estado, dentrodos moldes do pensamento anarquista. Ficção erealidade confundem-se na narrativa do escritor,entusiasta do anarquismo e representante de umaparcela pequena, mas vigorosa, de contestadoresda ordem hegemônica.

IX. CONCLUSÕES

A leitura de todos esses discursos mostra queos grupos dominantes, interessados na manuten-ção do statu quo, investiram num discurso políti-co, teoricamente imparcial e neutro, que, emborafiliado a uma linha nacional, estava direcionadopara as lutas locais. Conclui-se, portanto, que asdisputas intra-elites não diziam respeito a uma lutaentre a ortodoxia e a heterodoxia no campo políti-co.

Além disso, o modelo federalista de inspiraçãonorte-americana que defenderam não levava emconsideração as diferenças sociais entre o Brasil eos Estados Unidos, e “nessas circunstâncias, oliberalismo adquiria um caráter de consagração dadesigualdade, de sanção da lei do mais forte” (CAR-VALHO, 1990, p. 25). Tinham uma atitude ilus-

trada, pois falavam em nome do “povo”, mas deforma vaga e abstrata, e não para o povo (COS-TA, 1999, p. 264). Por mais que houvesse umdesejo, estavam muito distantes de conseguir im-plantar, no plano da prática, os elementos liberaisque utilizavam retoricamente, pois lhes faltava umabase social para ações mais radicais.

Esses grupos que detinham o controle majori-tário da produção simbólica reproduziam um dis-curso oficial que pregava liberdade, igualdade efraternidade, com vistas à ordem e ao progresso.Não estavam preocupados com questões de cida-dania e participação popular, mas sim com o ca-ráter cosmopolita de seu aburguesamento, refle-xo de sua atenção direcionada especialmente paraa legitimação da nova organização política.

As perspectivas de subversão da ordem domi-nante ficaram por conta de grupos que não ti-nham capital político suficiente para alterar as es-truturas de poder e modificar as configuraçõesdo campo político paranaense, como no caso doanarquismo e do socialismo. ParafraseandoBourdieu, a aceitação social do discurso não sereduz à sua gramaticalidade, pois os locutoresdesprovidos de competência legítima ficam ex-cluídos dos universos sociais em que esta se exi-ge, ou então condenados ao silêncio (BOURDIEU,2001, p. 29). No entanto, esses discursos são his-toricamente importantes na medida em que foramos únicos que tentaram subverter a ordemestabelecida, configurando uma resistência quegarantiu a permanência de certos espaços de pen-samento e liberdade mais livres de coações(RODRIGUEZ LÓPES, 2002, p. 117).

A análise dos discursos republicanos mostraque a política paranaense, no final do século XIX,era mais um resultado de alianças e desavençasentre grupos do que fruto de posicionamentos ide-ológicos. Os discursos serviam, majoritariamen-te, como armas retóricas utilizadas para orientaro enfrentamento intra-elites, movido pelo desejode participação, o que fez com que tivesse umcaráter genérico alicerçado na concepção do fimdos privilégios, embora sem a ampliação da cida-dania. Houve pouco espaço para o debate de ou-tras idéias e concepções de regime que não fos-sem os desejados pelas elites, que, “vencedoras”,consolidaram-se no poder, encontrando as condi-ções ideais para a implantação dos seus projetosde modernização conservadora do estado.

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JUSTICE PÉNALE AUTORITAIRE ET LA CONSOLIDATION DE L’ÉTAT PUNITIF AUBRÉSIL

Débora Pastana

La transition démocratique brésilienne, toujours en cours, affronte des difficultés énormes pour yintégrer l’action pénale. Il y a plus, les bornes au processus de démocratisation établis dans l’actionde ce secteur étatique nous renvoient à l’idée selon laquelle le champ juridique est devenu imperméableaux changements démocratiques. Même si le discours actuel chez les professionnels du Droit pro-clame la démocratisation de la Justice Pénale, on remarque, en fait, une forte résistance du champjuridique à assumer sa responsabilité politique à l’égard de la consolidation démocratique. Cet articleprésente des analyses et des conclusions formulées à partir des remarques sur la Justice Pénalebrésilienne et qui ont originé le mémoire intitulé « Justice Pénale au Brésil actuel : discoursdémocratique – pratique autoritaire ». L’objectif de cette recherche fut de réflechir sur la politiquecriminelle contemporaine, tournée vers l’élargissement de la répression et au recours à l’incarcération.Une telle politique, menée au Brésil après l’ouverture politique survenue en 1985, s’adapte au projetlibéral qui est aussi en cours dans le pays et dans presque tout l’occident capitaliste. Comme on leremarque, la Justice Pénale, même pendant l’accomplissement de la peine, opère de façon autoritaireet excluante, quand elle élimine au maximum les droits prévus par la loi à l’égard des criminelscondamnés, en adoptant une attitude fort répressive, qui se revèle par les infimes pourcentagesd’avantages accordés. Donc, au Brésil, les réponses à la criminalité souvent consistent en des peinessevères, traduites dans le manque de respect aux garanties constitutionnelles et dans le recoursexcessif à l’incarcération. Dans cette ligne, nos gouvernements démocratiques contemporains adoptentsouvent une position punitive visant réaffirmer la capacité de l’État de punir et contrôler la criminalité.

MOTS-CLÉS : contrôle pénal ; incarcération ; démocratie en tutelle ; État punitif ; Sociologie de laViolence.

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PRESSE POLITIQUE ET PENSÉE RÉPUBLICAINE DANS L’ÉTAT DU PARANÁ À LAFIN DU XIXÈME SIÈCLE

Amélia Siegel Corrêa

La crise du régime monarchique brésilien fut suivie de l’avènement et de l’expansion du mouvementrépublicain, à la fin du XIXème siècle. Dans cette période, la presse non seulement est devenue lascène des débats institutionnels, mais encore a joué le rôle de pouvoir informel, lié au gouvernementet à l’organisation des partis. Il s’agissait d’une presse d’opinion, ayant comme l’un de ses axes lescommentaires partisans. Les colonnes des journaux servaient à écrire de façon anonyme ce qu’onne pouvait dire publiquement à l’Assemblée Législative, au Sénat ou dans la Chambre des Députés,ce qui constituait un forum de discussion alternatif à la tribune. Cet article cherche à reprendre lesmodèles de République qui ont circulé dans ces magazines de l’état du Paraná, les mettant enrapport aux configurations dans lesquelles ils étaient incorporés et à la position qu’ils occupaientdans le domaine du pouvoir local et national. Néanmoins, il faut se souvenir que les idéaux républicainsprédominants ne se sont pas répandus sans résistance dans l’état du Paraná ; au contraire, ils ontété détectés et combattus sur place, mais sans assez de force politique. Nous nous appuyons sur laperspective bourdieusienne selon laquelle les discours ne sont pas uniquement signes destinés à êtrecompris et déchiffrés, mais qu’ils sont également indices de statut, qui voudraient être valorisés etappréciés, et d’autorité, à être reconnus et obéis, puisqu’ils constituaient un objet de lutte symboliquepour le pouvoir. L’analyse des discours républicains montre que la politique de l’état du Paraná à lafin du XIXème siècle était plutôt des résultats des alliances et des désaccords entre groupes que lefruit de position idéologique. Les discours servaient, généralement, à être des armes rhétoriquesutilisées pour orienter l’affrontement inter-élites, poussé par le désir de participation, ce qui lui a

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donné une caractéristique générale, appuyée sur la conception de fin de priviléges, néanmoins sansl’élargissement de la citoyenneté.

Mots-clés : républicanisme ; Paraná ; presse politique ; fédéralisme ; groupe politique.

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PRODUCTION LÉGISLATIVE ET CONNEXION ÉLECTORALE DANS L’ASEMBLÉELÉGISLATIVE DE L’ÉTAT DU PARANÁ

Emerson Urizzi Cervi

L’article intègre les travaux portant sur les relations entre l’arène politique législative et l’arènepolitique électorale, dénommées « connexion électorale ». L’objectif est d’analyser les interactionsentre ces deux arènes dans un système de représentation politique sous-national : le législatif del’état du Paraná. À partir de cette relation entre la production législative individuelle des députésdans la 14ème législature de l’Asemblée Législative de l’État du Paraná (ALEP) et la performanceélectorale de ceux qui disputent la réélection, on cherche à identifier des éventuels résultats électorauxdes candidats à la réélection. À cet effet, outre les résultats électoraux des candidats à la réélection,qui ont donné naissance à une typologie du vote (aussi bien concentrée ou non concentrée au niveaude la région) comme variable dépendante, trois ensembles de variables explicatives sont comprisdans le modèle. Le premier est formé des variables sur la position politique institutionalisée (groupeauquel on appartient ; idéologie ; parti politique ; exercice de fonction auprès de la présidence del’assemblée ; nombre de mandats à l’ALEP ; et position à l’égard de thème polémique). Le secondporte sur la visibilité du mandat (nombre d’apparitions des parlementaires dans le principal journalquotidien de l’État et genre d’apparition). Le troisième groupe de variables explicatives concerne laproduction législative individuelle (type de projet de loi proposé ; portée géographique du projet deloi ; portée sociale du projet de loi ; nombre de projets proposés ; et nombre de projets adoptéspendant le mandat). À partir de l’intersection des variables composant le modèle en testsd’indépendance de moyennes et de regressions, le modèle analytique montre que l’existence d’ungrand rapport entre les votes concentrés dans la région et une plus grande probabilité de réélection.Les variables explicatives sur la position politique et la visibilité du mandat se sont avérées faibles ence qui concerne l’explication pour le type de vote, alors que certaines variables sur la productionlégislative individuelle ont présenté un taux élevé de rapport avec le vote régional et, par conséquent,avec une plus grande possibilité de réélection du parlementaire.

MOTS-CLÉS : connexion électorale ; députés de l’état ; production législative ; état du Paraná.

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constitutional rights and ample recourse to incarceration. In this vein, our contemporary democraticgovernments have frequently adopted a punitive stance that seeks to reaffirm the State’s aptitudesfor punishing and controlling criminality.

KEYWORDS: penal control; incarceration; democratic tutelage; punitive State; Sociology of Violence.

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POLITICAL JOURNALISM AND REPUBLICAN THOUGHT IN LATE 19TH CENTURYPARANÁ

Amélia Siegel Corrêa

The crisis of the Brazilian monarchical regime was accompanied by the emergence and expansionof the republican movement at the end of the 19th century. During that period, the press not onlybecame the stage of institutional debates but also had the role of an informal power, linked to thegovernment and political party organization. It was a press that expressed opinions and created aspace for partisan commentary. Newspaper columns were used to anonymously air that whichcould not be expressed publicly in the Legislative Assembly, the Senate or the House ofRepresentatives, thus constituting an alternative tribune for debate. This article seeks to give voiceto the different republican models that circulated within these state of Paraná newspapers, relatingthem to the configurations they were a part of and with the position that they held within local andnational fields of power. Furthermore, it is important to recognize that the dominant republican ideaswere not disseminated without resistance: rather, they were heard and combated at the local level,although efforts in this regard remained lacking in political force. Our analysis incorporates theBourdieusian perspective according to which discourses are not only signs to be understood anddecoded but also status indicators –seeking to be validated and evaluated – and forms of authority,seeking to be believed and obeyed; in both cases, object of struggles over symbolic power. Analysisof republican discourse shows that Paraná state politics of the late 19th century was more a resultof alliances and tensions between groups than the fruit of clear ideological stands. Discoursesserved mostly as rhetorical weapons which were used to orient intra-elite conflict, moved by thedesire for participation. This gave them a generic character, based on a notion of putting an end toprivilege without widening citizenship rights..

Keywords: Republicanism; Paraná state; political journalism; federalism; political field.

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LEGISLATIVE PRODUCTION AND ELECTORAL CONNECTION IN THE PARANÁ STATELEGISLATIVE ASSEMBLY

Emerson Urizzi Cervi

This article belongs to a field of work that deals with the relationships between the legislative politicalarena and electoral politics, relations that have been referred to as “electoral connection”. Our goalis to analyze the interaction between these two arenas within a system of sub-national politicalrepresentation: the Paraná state legislature. Through looking at the relationship between the indivi-dual legislative action of state representatives within the 14th legislative period of the Paraná StateLegislative Assembly (Assembléia Legislativa do Paraná (ALEP)) and the legislative performanceof those who ran for re-election we seek to identify possible interdependence between individualparliamentary activity and re-election. For these purposes, in addition to putting together a votingtypology on electoral results for candidates seeking re-election (looking at whether voting is regionallyconcentrated or not as dependent variable), our model also includes three sets of explanatory variables.The first is made up of variables regarding institutionalized political position (parliamentary groupaffiliation, ideology, political party, position occupied within the legislature, number of ALEP mandatesserved and position on polemic issues). The second looks at the visibility of the mandate (number of