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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ROBERTO DERIVALDO ANSELMO INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma perspectiva para formação de professores/as JOÃO PESSOA 2016

INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma ... · ANSELMO, Roberto Derivaldo. Inclusão, currículo e formação de professores: uma perspectiva para formação de professores/as

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Page 1: INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma ... · ANSELMO, Roberto Derivaldo. Inclusão, currículo e formação de professores: uma perspectiva para formação de professores/as

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ROBERTO DERIVALDO ANSELMO

INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma

perspectiva para formação de professores/as

JOÃO PESSOA

2016

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ROBERTO DERIVALDO ANSELMO

INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma

perspectiva para formação de professores/as

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal da Paraíba, como

requisito parcial para obtenção do título de Doutor

em Educação, na linha de pesquisa Políticas Públicas

e Práticas Educativas.

Orientador/a: Profa. Dra. Janine Marta Coelho

Rodrigues

JOÃO PESSOA

2016

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A618i Anselmo, Roberto Derivaldo. Inclusão, currículo e formação de professores: uma perspectiva para formação de professores/as /

RobertoDerivaldo Anselmo.- João Pessoa, 2016. 150f. : il.

Orientadora: Janine Marta Coelho Rodrigues Tese (Doutorado) - UFPB/CE

1. Educação. 2. Educação inclusiva. 3. Currículo escolar. 4. Práticas educativas. 5. Formação de professores. UFPB/BC CDU: 37(043

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ROBERTO DERIVALDO ANSELMO

INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma

perspectiva para formação de professores/as

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal da Paraíba, como

requisito parcial para obtenção do título de Doutor

em Educação, na linha de pesquisa Políticas Públicas

e Práticas Educativas.

Aprovado em,_____/_____/______

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________

Profª.Dra. Janine Marta Coelho Rodrigues

PPGE/CE/UFPB

Orientadora

_____________________________________

Prof. Dr. Wilson Honorato Aragão

PPGE/CE/UFPB

_____________________________________

Prof. Dr. Otávio M. Lopes de Mendonça

PPCR/CE/UFPB

_____________________________________

Profa. Dra. Maria de Lourdes Soares

PPGSS/CCHLA/UFPB

_____________________________________

Profa. Dra. Maria Creusa Borges

PPGCJ/CCJ/UFPB

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A relação com o saber se constrói em relações sociais

de saber. Mostrá-lo, analisar suas modalidades e seus

processos talvez seja a tarefa específica de uma

sociologia da relação com o saber. (CHARLOT, 2000,

p.86)

_________________________

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.

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Dedico

A Deus que, com sua infinita misericórdia, sempre se fez presente

em minha vida, indicando-me os caminhos a seguir. Obrigado,

Senhor, por mais uma vitória alcançada.

A minha fervorosa mãe, Maria Domiciano da Silva Anselmo por

todo amor e carinho a mim dedicados.

A Yara Paiva Rodrigues Anselmo, esposa companheira e

incentivadora do meu crescimento intelectual e humano.

A meu filho Roberto Anselmo Viana Rodrigues, doce presente de

Deus em minha vida.

As pessoas com quem convivo e a saudade das que já se foram, por

ter me conduzido com perseverança até aqui. Com carinho, a minha

companheira e amiga Severina Viana Rodrigues (in memoriam).

Saudades...

Aos meus irmãos e minhas irmãs, em especial, à José Derivaldo

Ancelmo e à Edneide Anselmo que acompanharam bem de perto esta

trajetória.

A todos os professores e professoras que tomam na vida a experiência

formativa na relação com o outro, compreendendo que, no processo

interativo de ensinar e aprender, somos todos iguais em sonhos,

desafios e incertezas.

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AGRADECIMENTOS...

A minha orientadora, Dra. Janine Marta Coelho Rodrigues, pela amizade que construímos

nesses anos de convivência, regada de muito diálogo, paciência e dedicação. Obrigado pela

confiança, incentivo, companheirismo e afeto dedicados no percurso desta jornada.

Aos professores que aceitaram participar da minha pesquisa e gentilmente me concederam seu

tempo e sua atenção.

Aos professores/as Dr. Otávio Machado Lopes de Mendonça, Dra. Maria Creusa Borges,

Dr. Wilson Honorato Aragão e a Dra. Maria de Lourdes Soares pela participação em mais

este momento eternizado de minha vida acadêmica.

Aos Meus colegas de doutorado. Sou grato pelo companheirismo que sempre existiu entre nós.

Em especial, agradeço a Elizabete, Edgleuma e Manuel pelas discussões teóricas ocorridas em

nossos momentos de estudo.

Ao Dr. Wilson Honorato Aragão - pela amizade, pelos incentivos e contribuições na realização

deste trabalho.

Aos Professores do Doutorado pelos conhecimentos compartilhados.

A todos os autores/as que me inspiraram, trouxeram questionamentos, reflexões e apontaram

caminhos.

A CAPES pela bolsa concedida durante os dois primeiros anos de Curso.

Por fim, muito obrigado as Escolas pesquisadas e, particularmente, a toda equipe pedagógica.

A todos o meu muito obrigado!

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

RECNEI- Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

DPE Departamento de Políticas de Educação Infantil

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e

Valorização dos Profissionais da Educação

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LBA Legião Brasileira de Assistência

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação e Cultura

ONU Organização das Nações Unidas

PNE Plano Nacional de Educação

UNESCO Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura

UNICEF Fundo das Nações Unidas para Infância

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

EAP – Espaço de Apoio Pedagógico

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MCE – Modificabilidade Cognitiva Estrutural

MEC – Ministério da Educação e Cultura

NEE – Necessidades Educacionais Especiais

NIAE – Núcleo Integrado de Aprendizagem Escolar

NIAE - Núcleo Integrado de Atendimento ao Educando

ONU – Organização das Nações Unidas

PEI - Programa de Intervenção Mediatizada

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SMECD – Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto

TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição por gênero

Gráfico 2 – Distribuição por idade

Gráfico 3 – Distribuição por experiência no magistério

Gráfico 4 – Distribuição por formação acadêmica

Gráfico 5 – Distribuição por jornada de trabalho

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ANSELMO, Roberto Derivaldo. Inclusão, currículo e formação de professores: uma

perspectiva para formação de professores/as. Tese de Doutorado. Universidade Federal da

Paraíba. João Pessoa-PB: 2016, 150p.

RESUMO

O objetivo desta tese é discutir a formação dos professores/as frente ao processo de educação

inclusiva, no sentido de se repensar o currículo e as práticas educativas, analisando-as e

modificando-as conforme necessidades do educando. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de

cunho etnográfico. Para o procedimento de coleta de dados foi utilizada a observação

participante, a análise de documentos oficiais sobre a proposta de formação de professores e da

educação inclusiva; entrevistas abertas e semi-estruturadas com os sujeitos participantes. O

método de interpretação dos dados seguiu a proposição de Laurence Bardin conhecida como

análise de conteúdo. Desta análise surgiram concepções categorizadas abordando o professor

como sujeito de sua prática, a reflexão sobre a prática, o ensino e a pesquisa, considerando o

professor autor de seu próprio processo de formação e reconhecer que o processo de ensinar

exige o processo de aprender sempre. Como resultados, a pesquisa aponta a necessidade de

advogar pela constituição de currículos escolares mais abertos para contemplar as necessidades

de aprendizagem de alunos com deficiência, é ai que se encontra o maior obstáculo no que se

refere à aplicação de uma educação de qualidade para todos. O estudo assinala que a escola que

trabalha com a diversidade, o estudante é o foco central de toda ação educacional, e as

intervenções devem adequar-se aos indivíduos e não o contrário. Para que isto aconteça à equipe

de educadores deve conhecer cada aluno, respeitar suas potencialidades e necessidades, e a elas

responder com excelência nas intervenções pedagógicas.

Palavras-chave: Educação. Educação inclusiva. Currículo escolar. Práticas educativas.

Formação de professores.

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ANSELMO, Roberto Derivaldo. Inclusion, curriculum and training of teachers: a perspective

for the training of teachers. Phd thesis. The Federal university of Paraíba. João Pessoa-PB: 2016,

150p.

ABSTRACT

The goal of this thesis is to discuss the training of teacher’s front to the process of inclusive

education, in the sense of rethinking the curriculum and the educational practices, analyzing and

modifying them according to the needs of the student. This is a qualitative research related to the

ethnographic. For the procedure of data collection was used the participant observation, analysis

of official documents on the proposal of teacher training and inclusive education; open

interviews and semi-structured with the participant subject. The method of interpretation of the

data followed the proposition of Laurence Bardin known as content analysis. From this analysis

emerged the conceptions categorized addressing the teacher as the subject of your practice,

reflection on practice, teaching and research, whereas the teacher is the author of your own

training process and to recognize that the process of teaching requires the process of learning

always. As a result, the research points to the need to advocate for the establishment of school

curricula more open to address the learning needs of students with disabilities, it is ai that is the

biggest obstacle in regard to the implementation of a quality education for all. The study points

out that the school that works with the diversity, the student is the central focus of all educational

activity, and interventions should be shaped to fit the individual and not the contrary. For this to

happen to the team of educators must know each student, respecting their capabilities and needs,

and responding to them with excellence in the interventions teaching.

Keywords: Education. Inclusive education. School curriculum. Educational practices. Teacher

training

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ANSELMO, Roberto Derivaldo. Inclusion, les programmes et la formation des enseignants:

une perspective pour la formation des enseignants / comme. Thèse de Doctorat. Université

fédérale de Paraíba. João Pessoa-PB: 2016,150p.

RÉSUMÉ

L'objectif de cette thèse est de discuter de la formation des enseignants / l'avant du processus de

l'éducation inclusive afin de repenser les programmes et les pratiques éducatives, en analysant et

en les modifiant en fonction des besoins des élèves. Ceci est une recherche ethnographique

qualitative. Pour la procédure de collecte de données a été utilisé l'observation participante,

analyse des documents officiels sur la proposition de la formation des enseignants et l'éducation

inclusive; interviews ouvertes et des entrevues semi-structurées avec des sujets participants. La

méthode d'interprétation des données suivie Laurence Bardin proposition connue sous le nom

d'analyse de contenu. De cette analyse émergé concepts catégorisés abordant l'enseignant en tant

que sujet de sa pratique, la réflexion sur la pratique, l'enseignement et la recherche, compte tenu

de l'auteur de l'enseignant de son propre processus de formation et de reconnaître que le

processus d'enseignement exige le processus d'apprentissage toujours. De cette analyse émergé

concepts catégorisés abordant l'enseignant en tant que sujet de sa pratique, la réflexion sur la

pratique, l'enseignement et la recherche, compte tenu de l'auteur de l'enseignant de son propre

processus de formation et de reconnaître que le processus d'enseignement exige le processus

d'apprentissage toujours. En conséquence, la recherche montre la nécessité de plaider en faveur

de la création de programmes plus ouverts pour répondre aux besoins des élèves ayant des

troubles d'apprentissage, est là qui est le plus grand obstacle en ce qui concerne l'application

d'une éducation de qualité pour tous. L'étude souligne que l'école fonctionne avec la diversité,

l'étudiant est le point central de toute action éducative, et les interventions devrait être suffisant

pour les individus et non l'inverse. Pour cela l'équipe d'éducateurs devraient connaître chaque

élève, le respect de leurs besoins potentiels et, et ils répondent à l'excellence dans les

interventions éducatives.

Mots-clés: l'éducation. l'éducation inclusive. programme scolaire. pratiques éducatives. La

formation des enseignants

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO-------------------------------------------------------------------------------------------15

1.1 Objeto de pesquisa, objetivos e justificativa ----------------------------------------------19

1.2 . Abordagem teórico-metodológica---------------------------------------------------------------26

2.FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE----------------------------------------29

2.1 formação de professores no Brasil: saberes, identidade E profissionalização------ 29

2.2 em busca de um modelo emergente na formação de professores/as------------------31

2.2.1 O professor reflexivo------------------------------------------------------------------------------33

2.2.2 O professor pesquisador-------------------------------------------------------------------------34

2.2.3 Relação entre o professor pesquisador e o professor reflexivo------------------------36

2.2.4 O professor crítico---------------------------------------------------------------------------------38

2.2.5 O professor como intelectual-------------------------------------------------------------------40

2.3 os professores e sua profissionalização -------------------------------------------------------42

2.3.1 A profissionalização docente como processo ---------------------------------------------45

2.3.2 Os saberes da docência ------------------------------------------------------------------------46

2.3.3. Saberes dos conteúdos a serem ensinados-----------------------------------------------56

2.3.4 Saberes dos conteúdos pedagógicos--------------------------------------------------------62

2.3.5 Saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados-----------------------------------66

2.3.6 Saberes curriculares------------------------------------------------------------------------------66

2.3.7 Saberes dos contextos---------------------------------------------------------------------------67

2.3.8 Saberes culturais----------------------------------------------------------------------------------69

2.3.9 Saberes sobre os alunos------------------------------------------------------------------------69

2.4 Características pessoais e profissionais do trabalho docente--------------------------- 70

2.4.1 Saberes pré-profissionais----------------------------------------------------------------------- 70

2.4.2 Saberes experienciais da profissão docente-----------------------------------------------71

2.4.3 Saberes profissionais gerais--------------------------------------------------------------------75

2.4.4 Saberes competências-------------------------------------------------------------------------- 77

2.5 Modelos emergente de formação para a autonomia docente----------------------------80

2.6 As práticas pedagógicas e seu entrelaçamento com o currículo e inclusão----------81

3. POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO-----------------------------------------------------89

3.1 Um breve esboço histórico sobre a inclusão--------------------------------------------------89

3.2 Características da educação inclusiva----------------------------------------------------------92

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3.3 Inclusão/ integração---------------------------------------------------------------------------------94

3.3.1 Inclusão escolar – impasses e perspectivas-----------------------------------------------96

3.3.2 Impasses--------------------------------------------------------------------------------------------97

3.3.3 Perspectivas---------------------------------------------------------------------------------------99

3.3.4 O professor e a Inclusão Escolares --------------------------------------------------------100

3.4 Escola inclusiva: uma escola para todos----------------------------------------------------105

3.5 Currículo escolar e a escola inclusiva: conhecimentos ----------------------------------109

4. CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA------------------------------------------110

4.1 O desenho da pesquisa: a etnografia como opção metodológica-------------------------------110

4.2. O universo da pesquisa------------------------------------------------------------------------------113

4.3 Os sujeitos da pesquisa-------------------------------------------------------------------------------115

4.4 Procedimentos de pesquisa--------------------------------------------------------------------------121

4.4.1Observação participante----------------------------------------------------------------------------122

4.4.2 Análise documental---------------------------------------------------------------------------------123

4.4.3 Entrevistas semi-estruturadas---------------------------------------------------------------------124

4.4.5 Análise dos dados-----------------------------------------------------------------------------------125

4.5 Análise e discussão dos dados-----------------------------------------------------------------------126

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------------------137

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-------------------------------------------------------------141

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1. INTRODUÇÃO

As razões que nos motivaram a escrever essa tese, com o título; “Inclusão, currículo e

formação de professores: uma perspectiva para formação de professores/as” é fruto de um

breve histórico da nossa trajetória pessoal e profissional, a qual foi marcada por fatores que

influenciaram as muitas escolhas posteriores, inclusive no tema desta pesquisa. Por isso, antes de

explicitarmos mais detalhadamente nossos propósitos e objetivos, acredito ser válido comentar

algumas experiências que tive desde a minha formação inicial e continuada enquanto

profissional da educação, pois minha vivência tem uma relação direta com minhas preocupações

teóricas atuais.

Minha formação iniciou-se em1996, quando ingressei no curso de Licenciatura Plena em

Pedagogia, no Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, Campus I em João

Pessoa-Pb. Minha identificação com o curso levou-me logo cedo a participar dos debates

referentes à área educacional. Assim, em 1996, adentrei no Grupo de Estudos e Pesquisas em

Educação Municipal – GEPEM/UFPB.

Coordenado pelas professoras Edna Maria da Cunha Dias e Glória das Neves Dutra

Escarião, a finalidade do GEPEM era o de possibilitar entre professores e técnicos de ensino da

cidade de João Pessoa, um espaço de análise e reflexões dos eixos gestão, currículo e avaliação

com o propósito de possibilitar a estes profissionais subsídios teórico-metodológicos no sentido

de auxiliá-los na construção de um projeto pedagógico curricular para as escolas da rede, capaz

de levar o educando a conquistar melhores condições de participação cultural, profissional e

sócio político.

A partir daí analisava e refletia em que medida as tensões vividas e equacionadas no

processo de ensino aprendizagem reforçava a reprodução de relações sociais sistêmicas ou

constituíam sinais, efetivos e potenciais, de um currículo emancipatório nas escolas do

município.

Durante minha permanência no GEPEM, o que mais me atraía era a possibilidade de

trabalhar com temas relacionados à formação de professores, educação inclusiva e práticas

pedagógicas, o que fez com que participasse durante dois anos como bolsista do projeto

através do Programa de Licenciatura – PROLICEN, vinculado a Pró-Reitora de Graduação

(PRG) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Ao termino da formação inicial, tive minha primeira experiência no magistério atuando

como professor formador no “Curso de Extensão TV na Escola e os Desafios de Hoje” – Curso

este ligado a Secretaria de Educação a Distancia – SEED do Ministério da Educação e Cultura –

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MEC, cuja finalidade era a de capacitar professores do ensino fundamental e médio para um

melhor uso de recursos audiovisuais no processo educativo, visando melhoria na qualidade do

ensino público de nosso Estado.

É importante ressaltar que esse momento de minha trajetória revelou-se como um marco

de nossa identificação com a temática de minha tese de Doutorado, pois me fez compreender,

que existe certa tendência em responsabilizar os professores por não acompanharem as

exigências educacionais e curriculares impostas pelo fenômeno da globalização, exigindo do

educador novas habilidades e competências, incentivados por projetos prontos e elaborados de

cima para baixo pelo MEC, que não condizem com a realidade local. Compreendo hoje que o

gosto por trabalhar com a formação de professores nasceu desta experiência inicial, preocupava-

me desde então em não reduzir este curso a uma mera instrumentalização mecanicista dos

professores, mas sim em discutir com eles a inserção das novas tecnologias na sala de aula e as

mudanças pedagógicas que eram necessárias em sua prática.

Em 2001, ingressei no Curso de Especialização Em Psicologia Escolar e da

Aprendizagem promovido pela Faculdade Integrada de Patos - FIP, no qual desenvolvi a

monografia de conclusão de curso, intitulada “O papel do educador face à inclusão de alunos

com necessidades educativas especiais no ensino regular”. Nessa pesquisa ficou clara a

responsabilidade atribuída aos professores sobre a necessidade de inclusão dos alunos com

necessidades educativas especiais na escola regular e do desafio do educador em formar

educandos com capacidade de coordenar, atualizar, desenvolver habilidades para gerar novos

conhecimentos adaptados e atualizados no respeito à diversidade humana e ao direito garantido

por lei a educação como um direito de todos. Essa experiência me ajudou a refletir sobre o

processo de inclusão na escola e a formação de professores necessária para atuar nesse processo.

Em 2002, ingressei no Mestrado em educação no Programa de Pós-Graduação em

Educação (PPGE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O ingresso no mestrado me

trouxe a convicção de que precisava de novos espaços onde pudesse aplicar os conhecimentos

adquiridos em toda minha vivência acadêmica em favor dos menos favorecidos socialmente, o

que fez com que neste mesmo ano fosse selecionado para participar como Consultor Técnico

Pedagógico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que em

parceria com o Ministério da Educação e Cultura, através da Secretaria Média e Tecnológica -

SEMTEC/MEC, prestava acompanhamento na implementação e reforma do Novo Ensino

Médio no Estado da Paraíba.

A inserção como Consultor Técnico Pedagógico no PNUD levou-me a compreender, que

as propostas de reforma do novo Ensino Médio para o Estado da Paraíba financiado por

organismos internacionais, contemplam a preparação e inserção dos sujeitos paraibanos para

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aceitação das idéias apresentadas acerca do processo de globalização, de seu significado e de sua

suposta irreversibilidade, fundamentadas no desenvolvimento de competências e de um saber

fazer, que não decorre das idéias dos educadores comprometidos com as classes populares, nem

das necessidades locais e coletivas, mas da transposição curricular estrangeira e das políticas

econômicas neoliberais de submissão da educação aos interesses do mercado produtivo.

Em 2004, conclui a dissertação do Mestrado em Educação intitulada: “Novas tecnologias

da inteligência e educação: habilidades e competências do educador para o século XXI”. Nessa

pesquisa, compreendeu-se que as tecnologias sempre estiveram presentes na escola e as

instituições de ensino tem o papel de formar cidadãos críticos e criativos em relação ao uso das

novas tecnologias. Para tanto é preciso que a escola abandone a prática instrumental das

tecnologias, e faça avaliações sobre o trabalho com a inserção das novas tecnologias educativas.

A mudança na escola começa a partir de uma mudança pessoal e profissional, capaz de

levantar uma escola que incentive a imaginação, a leitura prazerosa, a escrita criativa, favoreça a

iniciativa, a espontaneidade, o questionamento, que se torne um ambiente onde promova e

vivencie a cooperação, o dialogo, a partilha e a solidariedade.

Enfim, é preciso que professor e aluno andem juntos, trabalhem num mesmo ritmo de

cooperatividade, principalmente falem a mesma língua que é a da era da informação, pois

somente trabalhando os interesses da juventude será possível um aprendizado de forma

gratificante e com resultados positivos para ambos os envolvidos no ensino-aprendizagem.

Dessa forma, temos de avaliar o papel das novas tecnologias aplicadas à educação e

pensar que educar utilizando as tecnologias da comunicação e informação é um grande desafio

que tem sido encarado de forma superficial, apenas com adaptações e mudanças não muito

significativas na escola.

O mestrado redirecionou meu olhar, ampliando concepções sobre a filosofia e

epistemologia da formação docente. Além, claro, de me propiciar um olhar mais crítico sobre a

postura em sala de aula e sobre a importância da realização de trabalhos coletivos. Foi um

período de aprendizagem intensa, a equipe de professores sempre questionadora, fazia questão

de desconstruir, "vamos primeiro acabar com as certezas, meu papel inicialmente é o de gerar

dúvidas" dizia a professora Dra. Janine Marta Coelho Rodrigues.

A convivência no Programa de Pós-graduação em Educação foi muito importante, para

fortalecer meu compromisso enquanto educador, de lutar por aqueles desprovidos dos bens

materiais e culturais de nossa sociedade, além de fortalecer minha preocupação com a educação,

o papel do professor, o currículo e dos diferentes aspectos de uma educação inclusiva e

emancipadora.

Ainda em 2004, dei inicio a minha carreira no magistério superior atuando como docente

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na área de formação de professores na Universidade Aberta a Vida (UNAVIDA) e no Instituto

Superior de Educação de Cajazeiras (ISEC), trabalhando com os componentes curriculares de

Didática, Currículos e Programas, Planejamento Educacional, Política Educacional, Gestão,

Educação Especial e Metodologia do Trabalho Científico. Em sala de aula, defrontei-me com

inúmeras situações de dificuldades de aprendizagem por parte dos aprendentes paraibanos,

porém minhas concepções pedagógicas sempre pressionadas a superar o processo de transmissão

do conhecimento, e no respeito ao aprendente como sujeito cognoscente do processo de

aprendizagem, impulsionavam-me a trabalhar com a problematização dos conhecimentos, a

resolução de problemas, o trabalho em equipe e outras estratégias de motivação.

A prática educativa gerada numa ambiência dinâmica e criativa me fez perceber o quanto

uma proposta pedagógica diferenciada e pautada na postura de um professor que pesquise a

própria práxis, amplia horizontes. Começava a compreender que a prática docente tem

especificidades, características diferenciadas, pelos seus cenários, saberes e fazeres. Romper a

barreira do servilismo para o simples treinamento e qualificação para o mercado produtivo era o

nosso compromisso enquanto agente formador dos futuros profissionais da educação.

Com as experiências se multiplicando e desejando um maior aporte teórico para a

condução de pesquisas na área educacional, percebi que deveria investir em novas experiências

pedagógicas. Assim, realizei concurso no ano de 2007 para professor substituto do Departamento

de Habilitações Pedagógicas do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, na área

de Pesquisa e Planejamento Educacional.

Foi a partir do retorno à UFPB, agora como professor substituto atuando nos cursos de

Pedagogia e Licenciaturas, contaminado com o vírus do professor reflexivo e pesquisador que

me motivei a ingressar no Grupo de Pesquisa sobre “Formação e Profissionalização Docente” da

UFPB, com o propósito de fortalecer minha preocupação com a educação inclusiva, a formação

de professores, as práticas curriculares, e a mediação pedagógica.

Mas, afinal, o que essa história tem a ver com minha pesquisa acadêmica?

Acredito que é exatamente nossa história de vida, que influencia e constitui as condições

de produção dos sentidos que hoje elaboro em minha pesquisa e que se resume nas próximas

páginas as quais deixam transparecer um pouco daquilo em que eu realmente acredito no que diz

respeito à educação, ao ensino e a formação de professores.

Em essência não estou na educação por um determinismo genético, mas sim histórico e

foi sem dúvida essa trajetória de vida que me impulsionou positivamente para a necessidade de

compreender e aprofundar melhor a nossa tese.

Espero que este trabalho traga contribuições efetivas para praticas inclusivas e

emancipadoras em sala de aula, uma vez que minha principal motivação sempre foi a melhoria

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no sentido da justiça e da equidade das relações sociais, que têm início na escola e se propagam

no tempo e no espaço extra-escolar.

Dito isso, apresento a seguir, a temática central da pesquisa, seus objetivos e questões

principais. Além disso, faço uma síntese daquilo que será abordado em cada um dos capítulos

que compõem esse trabalho.

1.1 OBJETO DE PESQUISA, OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA

Este estudo pretende descrever e analisar como vem se dando às práticas pedagógicas

desenvolvidas no processo de ensino aprendizagem em classes comuns do ensino regular de

escolas públicas localizadas na cidade de João Pessoa. Envolve a busca por um projeto de

educação que contemple a inclusão, que necessariamente compreende a conexão entre currículo

e formação de professores, que articulados entre si, atribuem à escola uma nova organização.

Para alcançar tais finalidades faz-se necessário apresentar, ainda que brevemente, o papel

que a escola desempenha hoje na sociedade, pois compreendemos que a escola, como parte

constituinte da sociedade moderna, assume papel relevante na consolidação de determinados

traços sociais.

A instituição escolar pode ser compreendida como um espaço social privilegiado onde,

concomitantemente é socializado saberes sistematizados e transmitidos valores por ela

legitimados. Ao mesmo tempo, a escola assume potencialmente o papel de transformar a

sociedade. Portanto, ela é produto e produtora das relações sociais. Segundo Paro (2010, p. 10),

“Não há dúvida de que podemos pensar na escola como instituição que pode contribuir para a

transformação social. Mas, uma coisa é falar de suas potencialidades... uma coisa é falar “em

tese”, falar daquilo que a escola poderia ser. [...] outra coisa bem diferente é considerar que a

escola que aí está já esteja cumprindo essa função". Infelizmente essa escola é sim reprodutora

de certa ideologia dominante... É sim negadora dos valores dominados e mera chanceladora da

injustiça social, na medida em que recoloca as pessoas nos lugares reservados pelas relações que

se dão no âmbito da estrutura econômica. Contudo, além das funções política e social assumidas

pela escola, faz-se necessário explicitar que estas são “atravessadas pelos interesses das classes

sociais” (VIEIRA, 2002, p. 130).

As instituições de ensino selecionam e privilegiam determinados saberes em detrimento

de outros, em que valores, normas e costumes respondem pela ótica de Bourdieu e Passeron

(2004), aos interesses de grupos e classes dominantes. Tais classes selecionam os saberes que

devem ser transmitidos às gerações mais novas (apregoados na escola por meio do currículo

prescrito e do currículo oculto); expressam a maneira muitas vezes desigual pela qual a escola

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deve organizar-se para atender as diferentes crianças, jovens e adultos; determinam as distintas

escolas para diferentes pessoas, entre outros pontos que fazem da escola uma instituição com

possibilidades e limites para transformar a sociedade.

A escola é hoje conclamada a ser democrática, “para todos”, uma escola inclusiva.

Porém, se não levarmos em consideração os aspectos apresentados anteriormente, corremos o

risco de fazer uma análise ingênua sobre seu papel social. Desta maneira, para estudar a escola e

sua organização, faz-se necessário relacioná-la aos aspectos mais amplos da sociedade como, por

exemplo, a economia e a política, sem perder de vista a troca existente entre esses elementos e o

cotidiano escolar.

Levando em consideração que o processo educativo é complexo e fortemente marcado

pelas variáveis pedagógicas e sociais, entendemos que esse não pode ser analisado fora de

interação dialógica entre escola e vida, considerando o desenvolvimento humano, o

conhecimento e a cultura.

Essa compreensão nos permite perceber o currículo em suas vinculações com a economia

e a produção de características pessoais para o mercado de trabalho capitalista, e constituem

ainda hoje, recursos importantes de uma teoria crítica do currículo. Elas não devem ser

abandonadas. Continuamos a ser uma sociedade capitalista, uma sociedade governada pelo

processo de produção de valor e de mais-valia. Ligar o currículo a este processo é um dos

avanços fundamentais que devemos à vertente crítica da teoria do currículo. Isso não exclui,

entretanto, outras abordagens, outras metáforas, outros conceitos, que possibilitem que

ampliemos nossa compreensão daquilo que se passa no nexo entre transmissão de conhecimento

e produção de identidades sociais, isto é, no currículo. “Acredito que o papel de uma teoria

crítica do currículo é o de ampliar essa compreensão, não o de estreitá-la” (SILVA, 2011, p.

130).

No contexto brasileiro somos um país que carrega consigo uma dívida social muito

grande, pois não somente conseguimos equalizar o processo de desenvolvimento sócio-

econômico, como também carregamos um débito que, por mais que alguns indicadores sociais

indiquem algumas alterações no sentido de reduzir as desigualdades sociais e contrapor as

situações de indigência e pobreza por situações de cidadania e de vida digna, a situação em que

se encontra a educação nacional é desesperadora. Além de passarmos pouco tempo na escola o

tempo que lá ficamos não tem constituído alterações significativas em nossa capacidade de

perceber a realidade ou desenvolver nossas habilidades e capacidades.

Este cenário tem desafiado o modelo e o papel da escola enquanto instituição que prepara

o cidadão para as necessidades de interação social. Dela se espera muito mais do que restringir

sua função à garantia da escolaridade.

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Diante disto, acreditamos que as reformas sócio-educacionais que vem acontecendo na

América Latina e especialmente no Brasil desde as décadas de 60 a 90, esconde objetivos como

os de adequar o sistema educacional ao processo de reestruturação produtiva, que traduzem os

novos rumos da economia e da sociedade globalizada, neoliberal e neoconservadora, que geram

entre outros fatores, desemprego, recessão e exclusão social.

Nas sociedades capitalistas, sobretudo nos países em desenvolvimento como o Brasil,

quando o Estado traça as denominadas políticas sócio-educacionais, não se está fazendo outra

coisa a não ser gerenciar regras que venham a favorecer a própria sociedade capitalista.

No tocante a política de formação dos profissionais da educação, estas são resultantes das

orientações dos organismos internacionais, dentre eles o Banco Mundial e o Fundo Monetário

Internacional1, que se constituem como propostas eminentemente ideológicas, visando uma nova

estratégia de atuação relacionada diretamente à crise estrutural do capitalismo, que precisa criar

novos meios para operar as contradições do sistema. Estas propostas atribuem à educação

importância decisiva para o crescimento econômico, do processo de globalização, e com isso

minimizar a pobreza nos países em desenvolvimento, em que o Brasil assume lugar de destaque.

O aumento da intervenção estatal em questões educacionais nas últimas décadas tem

agido no sentido de vincular a escolarização ao emprego e à produtividade, reduzindo custos da

educação e controlando os conteúdos do currículo e da avaliação.

No conjunto dessas propostas podemos destacar a promulgação e a implantação da LDB

9.394/962, que oficializa a ideia de um currículo e um sistema de avaliação nacional, dos

Parâmetros Curriculares Nacionais3, para os diferentes níveis de ensino, as Diretrizes

1 O Fundo Monetário Internacional é um organismo com sede na cidade norte-americana de Washington; criado em

1945, seu objetivo é estabelecer a cooperação econômica em escala global. Sua atuação visa garantir estabilidade

financeira, favorecer as relações comerciais internacionais, implantar medidas para geração de emprego e

desenvolvimento sustentável e buscar formas de reduzir a pobreza. O Banco Mundial (World Bank) ou BIRD

(Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) é uma agência das Nações Unidas criada em 1° de julho

de 1944, a sede está localizada na capital dos Estados Unidos, Washington. Originalmente, foi criado com a

finalidade de ajudar os países que foram destruídos na Segunda Guerra Mundial. Na atualidade o Banco Mundial

fornece financiamentos para governos, que devem ser destinados, essencialmente, para infraestura de transporte,

geração de energia, saneamento, além de contribuir em medidas de desenvolvimento econômico e social.

2 A LDB, (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) é a mais importante lei brasileira que se refere à educação. Esta

lei foi aprovada em dezembro de 1996 com o número 9394/96. A LDB também é conhecida popularmente como Lei

Darcy Ribeiro, em homenagem a este importante educador e político brasileiro, que foi um dos principais

formuladores desta lei. A LDB é composta por 92 artigos que versam sobre os mais diversos temas da educação

brasileira, desde o ensino infantil até o ensino superior. 3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são a referência básica para a elaboração das matrizes de referência.

Os PCNs foram elaborados para difundir os princípios da reforma curricular e orientar os professores na busca de

novas abordagens e metodologias. Eles traçam um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas

para a inserção dos jovens na vida adulta; orientam os professores quanto ao significado do conhecimento escolar

quando contextualizado e quanto à interdisciplinaridade, incentivando o raciocínio e a capacidade de aprender.

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Curriculares Nacionais4, os Parâmetros em Ação

5, além de mecanismos reguladores e

indicadores de desempenho tais como: o SAEB6, o ENADE

7 e o ENEM

8. Principais armas do

projeto neoliberal, para a manutenção de uma escola divorciada de um objetivo verdadeiramente

democrático.

O Ministério da Educação e Cultura (MEC) estipula de uma forma muito clara os

processos de avaliação como um dos seus eixos estruturantes, orientando o sistema de ensino

para os resultados, uma vez que a cultura do esforço e da melhoria da qualidade se encontra

vinculada à intensificação dos processos de avaliação dos alunos, dos professores e das escolas.

Nesta mesma lógica e sob o discurso da democratização, as unidades escolares acabam

por assumir a responsabilidade pela ação educativa, convertendo-se, então, em foco privilegiado

da gestão. É sobre a escola que incidem as exigências pela formação de uma nova “mentalidade”

política e social. A intervenção estatal redefine padrões da ação educativa, orienta a formação

dos professores e os elege como os principais personagens na efetivação do currículo oficial.

Para isso, o Estado propõe uma formação de professores aligeirada e utilitarista, tendo por base a

prática do professor.

A sala de aula converte-se no principal foco de atenção e, assim, a qualidade e a eficácia

daquilo que aí acontece, passa a ser responsabilidade da classe docente e do esforço, dos alunos e

alunas. Qualquer outro tipo de explicação e causa é silenciada e, assim, as instâncias políticas e a

administração, são libertadas de responsabilidades por possíveis insucessos. Suas obrigações

vão-se diluindo dando lugar a um mercado em que todas as responsabilidades se centram nas

escolas.

Tal controle acaba por empobrecer a forma como se trabalha nas escolas, prestando-se

apenas atenção à informação com possibilidade de se enquadrar nas respostas constantes nos

4 As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são normas obrigatórias para a Educação Básica que orientam o

planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino. 5 Programa desenvolvido a partir de 1998 pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação

(SEF/MEC), cujo objetivo é a formação continuada de professores, de forma a facilitar a leitura, análise, discussão e

implementação dos Parâmetros e dos Referenciais Curriculares Nacionais. 6 O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), conforme estabelece a Portaria n.º 931, de 21 de março de

2005, é composto por dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar (ANRESC). 7 O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) avalia o rendimento dos alunos dos cursos de

graduação, ingressantes e concluintes, em relação aos conteúdos programáticos dos cursos em que estão

matriculados. O exame é obrigatório para os alunos selecionados e condição indispensável para a emissão do

histórico escolar. A primeira aplicação ocorreu em 2004 e a periodicidade máxima da avaliação é trienal para cada

área do conhecimento. 8 Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) tem o objetivo de avaliar o desempenho do

estudante ao fim da escolaridade básica. Podem participar do exame alunos que estão concluindo ou que já

concluíram o ensino médio em anos anteriores.

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testes de avaliação. Registra-se assim um retrocesso e, por conseguinte, um ataque frontal às

metodologias mais ativas, participativas, reflexivas e emancipadoras, por parte dos professores

que passam a receber orientações do MEC em forma de pacotes, que sem reflexão e controle de

sua prática tornam-se alienados, pois as habilidades essenciais para realizá-la de forma refletida

se atrofiam e são esquecidas.

Estamos assistindo a uma desqualificação de nossos professores, pois as habilidades

construídas há décadas por esses profissionais, na definição de metas curriculares, conteúdos,

planejamento e estratégias instrucionais, com base num profundo conhecimento das variadas

culturas dos estudantes, de seus desejos e necessidades estão sendo perdidas, de modo que não

há melhor formula para alienação e o empobrecimento da prática educativa dos professores do

que a falta de controle sobre o seu próprio trabalho.

O papel do professor como formulador do currículo e o espaço da escola como produção

cultural é negado em prol de uma leitura mecanicista em que o dia-a-dia da escola é regido por

normas que lhe são externas. Assim, ao invés de professores profissionais, bastante preocupados

com o que fazem e com as razões de suas ações, poderemos ter professores executores e

alienados de planos alheios.

Deste modo, a formação de professores proposta pela política educacional brasileira não

possibilita a superação da exclusão. Ao contrário, tal proposição consolida a exclusão dos alunos

das classes populares, sendo eles considerados deficientes ou não, no seio mesmo da escola. Não

mais falamos em excluídos da escola, mas em excluídos do processo de aprendizagem no interior

da escola.

Contudo, apesar do Estado assumir o papel de mentor das políticas curriculares, ele

apenas introduz na educação a proposta, mas quem as executa são os professores e os diferentes

profissionais da escola ligados à educação. É ai que vemos as possibilidades para podermos

encontrar no currículo oficial formas de resistência na implementação de uma política cultural

democrática e inclusiva na educação e em outros campos.

Dito isto, nossa tese central é a de que o currículo oficial que em toda sua história

apresenta-se com um caráter regulador, pode contribuir para emancipação social do sujeito, pois

os compromissos que norteiam o currículo oficial não são assim tão estáveis, porém frágeis,

temporários e constantemente sujeitos a ameaças, pois deixam espaços para uma ação mais

democrática e inclusiva por parte dos professores.

Os construtos teóricos do pensamento de Tardif (2011)9 confirmam nossa tese, quando

afirma que tanto os horizontes da reprodução, quanto as experiências e probabilidades

9 TARDIF, Maurice. LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como

profissão de interações humanas. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

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emancipatórias não se encontram demarcadas ou isoladas no contexto escolar. Elas são

responsáveis por cruzamentos, por reconfigurações, por rearranjos, por interpretações e

interações sociais, ora efêmeras e fugidias, ora densas e substantivas.

Na obra intitulada Saberes Docentes e Formação Profissional Tardif(2002)10

discorre a

respeito dos saberes docentes e a sua relação com a formação profissional dos professores e

ainda com o próprio exercício da docência. Destaca, a partir de pesquisas realizadas com o

propósito de compreender o que pensam os professores sobre os seus saberes, que o saber

docente é um “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das instituições de

formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (p.54). Partindo dessa

ideia de pluralidade, o autor discute que a possibilidade de uma classificação coerente dos

saberes docentes só existe quando associada à natureza diversa de suas origens, às diferentes

fontes de sua aquisição e as relações que os professores estabelecem entre os seus saberes e com

os seus saberes. Tardif (2002) destaca a existência de quatro tipos diferentes de saberes

implicados na atividade docente: os saberes da formação profissional; os saberes disciplinares;

os saberes curriculares e, por fim, os saberes experienciais11

.

Paulo Freire (2011)12

também confirma nossa tese. Sua crítica ao currículo está

sintetizada no conceito de educação bancária. Por outro lado, concebe o ato pedagógico como

um ato dialógico em que educadores e educandos participam da escolha dos conteúdos e da

construção do currículo.

Para Giroux(1997)13

a vida social em geral e a pedagogia e o currículo em particular não

são feitos apenas de dominação e controle. Emancipar e libertar, deve acontecer tendo em vista

três conceitos centrais: esfera pública (escola e currículo devem atender às questões propostas

pelos estudantes, seus interesses a partir da vida social); intelectual transformador (mais do que

técnicos capacitados ou simplesmente aplicadores do currículo, os professores são ativos na

crítica e no questionamento); e, voz (os estudantes devem se manifestar, portanto, o currículo,

por conseqüência, tem que dar ouvido a eles).

10

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. 11

Saberes da Formação Profissional - Conjunto de saberes que, baseados nas ciências e na erudição, são

transmitidos aos professores durante o processo de formação inicial e/ou continuada. Também se constituem o

conjunto dos saberes da formação profissional os conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de

ensino (saber-fazer), legitimados cientificamente e igualmente transmitidos aos professores ao longo do seu

processo de formação. Saberes Disciplinares - São os saberes reconhecidos e identificados como pertencentes aos

diferentes campos do conhecimento (linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências biológicas, etc.). Esses

saberes, produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história da humanidade, são administrados pela

comunidade científica e o acesso a eles deve ser possibilitado por meio das instituições educacionais. 12

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 2011. 13

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem [Trad.

Daniel Bueno]. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

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Nesse sentido, Giroux (1997) critica basicamente a falta de conexões entre as construções

sociais do significado de conhecimento e as relações sociais mais amplas de controle e poder.

Currículo enquanto política cultural é entender o currículo não como um mero reprodutor dos

ditames dos dominadores e detentores de poder, mas sim como fruto da construção de

significados culturais de uma sociedade. Trata-se de significados em disputa, de significados que

são impostos, mas também contestados. Na visão de Giroux (1997), há pouca diferença entre, de

um lado, o campo da pedagogia e do currículo e, de outro, o campo da cultura. O que está em

jogo, em ambos, é uma política cultural.

Tomaz Tadeu da Silva desenvolve melhor essa idéia na sua obra Currículo como

Fetiche14

(2010, p.16), ao afirmar que “devemos ver a cultura e o conhecimento produzido como

relações sociais, que são, na verdade, relações sociais. Mais: elas são hierárquicas, assimétricas,

são relações de poder. O currículo – tal como o conhecimento e a cultura – não pode ser pensado

fora das relações de poder”. Essas relações de poder, transformadas em significados, constituem

a dinâmica social que orienta a construção dos currículos.

Deste modo, defendemos que o trabalho do professor precisa ser feito de um modo

orgânico e conectado aos movimentos sociais progressistas e dos grupos que continuam a

desafiar as múltiplas relações de dominação e poder que existem. Destaco aqui a importância do

trabalho do professor como um ator político, como uma atividade intelectual e não apenas

técnica (GIROUX, 1997), como alguém cuja atividade educacional se estende para além de um

mero executor de tarefas na implementação do currículo oficial, porém como um profissional

potencialmente capaz de usar suas habilidades intelectuais como participantes na luta contra a

hegemonia cultural imposta pelo conhecimento oficial. Segundo Paulo Freire (2011), ninguém

nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como

educador, permanentemente, na prática e na reflexão da prática. Acentuar tal aspecto é

importante, principalmente quando se está em curso o processo de reduzir a prática docente ao

cumprimento de planos, tarefas e procedimentos elaborados por terceiros. Assim, o currículo

14

Para o autor, as políticas curriculares são um importante elemento simbólico do projeto social dos grupos no

poder. Pois, é através desses discursos que certos grupos de especialistas são autorizados e outros desautorizados.

Ainda são capazes de fabricar os objetos epistemológicos de que falam; atribuir ações e papéis específicos; gerar

diretrizes, normas e livros didáticos. A política curricular, a partir do texto, entendida como currículo, define

posicionamentos em sala de aula, os papéis de professores e alunos, bem como redistribui dá autoridade e iniciativa,

determina um conhecimento como válido e formas válidas de verificar sua aquisição, desloca certos procedimentos

e concepções epistemológicas, colocando outros em seu lugar. Efetua, em fim, um processo de inclusão de certos

saberes e de certos indivíduos, excluindo outros. O currículo fabrica saberes competências, sucesso, fracasso,

estabelece diferenças, constrói hierarquias, produz identidades.

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tanto pode apresentar-se como identificado com a ordem social estabelecida, como pode ao

contrário, significar propostas alternativas desta mesma formação.

Para dar concretude a essa proposta de doutoramento, com os sujeitos praticantes de uma

escola pública de Ensino Fundamental da cidade de João Pessoa, perguntamos: que saberes e

qual formação deve ter o professor para potencializar a inclusão e a emancipação social do

sujeito a partir do currículo oficial?

A partir do exposto os objetivos desta tese são:

Analisar o caráter regulador do currículo oficial para educação básica e se esse currículo abre

possibilidades para inclusão de pessoas com deficiência na escola comum regular.

Conhecer e analisar os saberes que, mobilizados/emergentes na/da prática do professor são

necessários para efetivação de uma pratica pedagógica inclusiva.

Discutir as políticas educacionais de inclusão para o combate à exclusão de crianças e

adolescentes da escola regular.

1.2 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

O referencial metodológico adotado para atingir os objetivos da pesquisa seguiu os

pressupostos da pesquisa qualitativa de cunho etnográfico. De acordo com Moreira e

Caleffe(2008)15

, a etnografia tem como característica enfocar o comportamento social do sujeito

no seu cenário cotidiano, confiando em dados qualitativos obtidos a partir de observações e

interpretações feitas no contexto da totalidade das interações humanas, assim os resultados da

pesquisa são interpretados com referência ao grupo ou cenário, conforme as interações no

contexto social e cultural e a partir do olhar dos sujeitos participantes da pesquisa.

Seguindo as características da pesquisa etnográfica, utilizei os seguintes procedimentos

de coleta de dados: a observação participante, a análise de documentos oficiais sobre a proposta

de formação de professores e da educação inclusiva; entrevistas abertas e semi-estruturadas com

os sujeitos participantes. O método de interpretação dos dados seguiu a proposição de Laurence

Bardin16

conhecida como “análise de conteúdo”.

15

MOREIRA, H. e CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. 2. ed. Rio de

Janeiro: Lamparina, 2008. 16

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

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Nessa direção para analisar o fenômeno e evidenciar os elementos buscados, pautamos

nossa pesquisa nas seguintes áreas temáticas: a análise da relação escola e sociedade, a

consciência da natureza social do trabalho docente e dos saberes que estão em sua base de

formação profissional; o currículo e as práticas pedagógicas; o compromisso social e ético com

uma educação de qualidade, inclusiva e emancipadora.

O currículo, necessariamente, precisa ser pensado, discutido e viabilizado na perspectiva

da inclusão e da exclusão, numa dimensão relacional, por isso o compreendemos como um

processo de in/exclusão. Em se tratando de tal perspectiva, é importante pensar as práticas

pedagógicas imersas na complexidade de uma escola que, sob o imperativo da inclusão, precisa

abrir-se para incluir a todos/as e, ao mesmo tempo, enfrentar limitações de todas as ordens que

impedem o acesso com garantia de qualidade nas inclusões que promove.

Em decorrência dessa posição buscamos subsídios em autores como Apple (2001),

Nóvoa (1992) Giroux (1997), Freire (2004), Saviani (2008), Sacristán (2000, 2002, 2005, 2007),

Santos (2007), MacLaren (1997), Silva (1992, 1996, 1999 e 2001), Pacheco (2005) Pérez

Gómez, (1992); Marcelo García (1999); Nóvoa, (1992); Schön, (1997,2000); Zeichner, (1993);

Perrenoud, (2000); Tardif, (2002); Ramalho; Nuñes & Gauthier (2004); Moreira (1995); Pimenta

(2005), dentre outros, para análise das questões atuais sobre currículo e prática escolar, sobre a

função social da escola na atualidade e sua potencialidade para o debate no campo do currículo

numa perspectiva inclusiva e emancipadora.

No que se refere à inclusão de alunos com deficiência, dialogamos com as produções de

autores empenhados em pensar a escola comum regular como um espaço de aprendizagem para

todos, necessitando que o currículo escolar seja problematizado para trato das questões de

aprendizagem desses escolares. Dessa forma, as teorizações de Baptista (2004); Beyer ( 2006)

Skliar (2005), Mantoan (2006), dentre outros, ajudam-nos pensar que, em nome da diferença,

não devemos nos afastar dos elementos que nos unem como humanos e, em contrapartida, que,

em nome da igualdade, não neguemos determinadas formas de ser e de estar no mundo.

Para dar prosseguimento às reflexões anunciadas nesta introdução o primeiro momento

propõe uma análise do movimento da profissionalização docente, à luz das profundas

transformações sociais da atualidade e da crise educacional a ela subjacente, seus impactos nas

pesquisas que abordam o processo educativo e a formação de professores/as.

No segundo momento são apresentadas as políticas e práticas de inclusão, partindo de

uma breve discussão sobre o movimento da inclusão até os dias atuais, tecendo, nessa trajetória,

algumas considerações a respeito de integração, inclusão e exclusão. Por fim, apresento algumas

considerações acerca de estudos que apontam possibilidades e limites das práticas pedagógicas

inclusivas com pessoas com deficiência na escola comum regular.

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Apresento, no terceiro momento do estudo, o contexto da pesquisa de campo, as escolas,

bem como o referencial teórico-metodológico e os procedimentos de coleta e análise dos dados,

além das diferentes visões dos sujeitos participantes da pesquisa sobre a proposta de educação

inclusiva. Nesse capítulo focalizo também as práticas curriculares, o espaço de aprendizagem em

sala de aula e os resultados potenciais relacionando-os a uma visão de inclusão, currículo e

pratica docente comprometida com a emancipação humana.

Por fim, nas considerações finais, que apresenta as sínteses e formulações que foi

possível construir, bem como apontar novas inquietações a partir das reflexões que se realizou

neste estudo.

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2. FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

Neste capítulo, iremos refletir sobre formação inicial e a profissionalização docente, com

destaque para alguns elementos importantes nesse processo, tais como a autonomia do professor,

a contraposição da racionalidade técnica e racionalidade prática, o professor como um

profissional reflexivo e como um pesquisador, e por último, a definição das competências,

habilidades, conhecimentos e saberes docentes. Finalizamos o capitulo com uma tentativa em

sugerir uma triangulação formativa convergente para a autonomia docente.

2.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: SABERES, IDENTIDADE E

PROFISSIONALIZAÇÃO

Transformar a experiência educativa em puro

treinamento técnico é amesquinhar o que há de

fundamentalmente humano no exercício educativo: o

seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser

humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se

alheio à formação moral do educando. Educar é

substantivamente formar. (Paulo Freire, 2011)

A formação de professores tem sido um tema recorrente nas pesquisas, debates e

literatura atuais, tanto em nível nacional quanto internacional, seguindo um movimento mundial

de reformas educacionais e de estudos neste campo, sobretudo na Espanha (PÉREZ GÓMEZ,

2010); Portugal (NÓVOA, 1992); Estados Unidos (SCHÖN,1997,2000; ZEICHNER, 1993);

França (PERRENOUD, 2000); Canadá (TARDIF,2000,2002), e, também, na América Latina.

No Brasil, um conjunto de estudos acerca da formação de professores foi desenvolvido,

por Ramalho; Nuñes e Gauthier (2003); Rodrigues (2003); Pimenta (2005), dentre outros.

O movimento de reforma iniciado na da década de 1990 indica que a formação de

docentes da educação básica deve ser analisada tomando como referência três aspectos

intimamente ligados: a reestruturação produtiva, o debate sobre um novo paradigma do

conhecimento e a relação teoria e prática nos cursos de formação.

No que se refere a reestruturação produtiva, os novos conceitos oriundos da produção, as

formas de organização do trabalho e a produção do conhecimento suscitam crescentes exigências

quanto às qualificações profissionais, que se traduzem em novas necessidades relativas à

educação, em especial a dos trabalhadores. Consequentemente, repensar a formação de

professores constitui-se parte fundamental das reformas educacionais, já que são eles que

concretizam as ações e formam os novos sujeitos.

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Nos dias atuais, marcado por um processo de intensas mudanças, que estão associadas

intrinsecamente à tendência das reformas educacionais, no conjunto das reformas estruturais,

vivenciadas em vários países do mundo, dentre eles o Brasil, orientadas por organismos

internacionais que buscam articular a educação escolar ao novo patamar de acumulação de

capital, denominado, grosso modo, como reestruturação produtiva do capitalismo financeiro

mundial, o conhecimento e a educação passam a ter um valor de grande importância, assim como

a formação do professor torna-se um campo de sérios desafios.

Têm sido recorrentes as críticas feitas pelos variados setores da sociedade civil

organizada em relação aos processos tradicionais de reformulação curricular e a pouca atenção

direcionada ao papel dos professores nessas reformas. Um dos alvos mais freqüentes desse

movimento centra-se na política de formação de professores cujos programas de formação e

avaliação docente encontram-se fundamentados em um controle do desempenho, com orientação

para a eficiência social. Nesse modelo também é visível a adoção de materiais didáticos

padronizados, de conteúdos básicos obrigatórios de forma cada vez mais crescente.

A esse propósito, Schön (1997) argumenta que esse processo de controle tem se realizado

via legislação de ensino que intervém sobre o que deve ser ensinado, quando e por quem,

contemplando ainda os modos de testar o que foi aprendido e se os professores são competentes

para ensinar. Outro aspecto destacado no contexto das reformas é que, para a garantia de sua

implementação, faz-se necessário colocar a profissão docente e a formação de professores no

primeiro plano das preocupações educativas. Esse eixo, em grande medida, exerce força no

discurso de que o desempenho do professor é fundamental, não apenas para o êxito da reforma

educacional, como para a solução de alguns dos problemas que vêm historicamente se

apresentando no sistema escolar.

Alguns autores criticam que, embora os discursos oficiais falem de um novo professor

para uma nova escola, as circunstâncias do trabalho escolar não são enfrentadas na tentativa de

superar as desigualdades e as precariedades nas condições materiais e humanas. Espera-se uma

postura do professor muito mais passiva do que ativa na construção do planejamento do seu

trabalho e, dessa forma, a atividade docente passa a ser valorizada mais pelos aspectos técnicos

do que os de criação, marcando a atividade do ensino como trabalho que envolve processos de

especialização e de divisão do trabalho.

Apesar de a tendência manifestada pela reforma na formação de professores se realizar

em nível superior (Lei 9.39496), os conteúdos dessa formação e, ainda, a duração desses cursos,

sofreram uma redução que contraria o resultado de uma formação que privilegie o papel do

professor como o de um intelectual (NÓVOA,1995).

Podemos perceber entre os indicativos de que as mudanças trouxeram prejuízos ao

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31

conteúdo e ao tempo de formação dos professores, algumas críticas destacadas por Nóvoa

(1995), ressaltam a necessidade de reconhecer as deficiências científicas e a pobreza conceitual

dos programas atuais de formação de professores decorrentes do processo de reforma. Este autor

adverte que a formação docente tem-se preocupado com uma fragmentária aquisição de

informação e de competências dirigidas para a prática, minimizando uma orientação intelectual.

Apresenta como resultado de uma série de estudos realizados sobre a educação em países do

Terceiro Mundo, a ênfase que tem sido dada à capacitação em serviço em detrimento da

formação inicial que, segundo os técnicos do Banco Mundial, principal agente financiador desses

programas, rende mais com menos dinheiro.

No discurso da reforma, o estudo do pensamento do professor também vem sendo

apresentado como outra categoria de orientação da formação docente e tem sido objeto de uma

série de críticas por parte dos pesquisadores do currículo. Embora reconhecido pela sua

importância na formação profissional dos professores, o estudo do pensamento do professor tem

sido apropriado pela perspectiva técnica, para estabelecimento de mecanismos de controle da

eficiência do seu trabalho e da sua produtividade em correspondência à aplicação dos princípios

disciplinados pela reforma produzindo novos sentidos.

No conjunto dessas orientações presentes na reforma curricular, também podemos

identificar que a formação de professores passa a ser entendida como um treinamento de

competências e habilidades profissionais para lidar com as situações de ensino, orientando a

prática do professor de forma racional e objetiva, bem como destituindo a formação dos aspectos

de contexto social e político do ensino.

Dessa forma vai ficando evidente que a escola necessita acompanhar, de forma crítica, as

reformas educacionais da sociedade da informação, e nessas mudanças seus profissionais têm um

papel fundamental a cumprir. O fenômeno traz consigo a necessidade de uma revisão profunda

dos modelos formativos e das políticas de aperfeiçoamento e fortalecimento da profissão

docente.

2.2 EM BUSCA DE UM MODELO EMERGENTE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS

Até bem pouco tempo a abordagem tecnicista era a predominante nas políticas de

formação de professores no Brasil, marcada pela tendência da racionalidade técnica17

e da

formação academicista e tradicional. A formação docente restringia-se ao repasse dos saberes

17

A racionalidade técnica consiste numa epistemologia da prática que deriva da filosofia positivista . A

racionalidade técnica defende a ideia de que os profissionais solucionem problemas instrumentais mediante a

seleção dos meios técnicos (Schön, 2000).

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32

produzidos pelos especialistas-pesquisadores e o aprendiz (futuro professor), quando muito, a

reproduzir o modelo em sua prática docente (RAMALHO; NUÑES & GAUTHIER, 2003).

Nesse modelo, o professor é reconhecido como um executor/reprodutor e consumidor de

saberes profissionais produzido pelos especialistas das áreas científicas. Nessa perspectiva o

professor em seu processo de formação inicial e continuada constrói seus saberes de maneira

falha e decadente.

Dessa concepção emerge um modelo formativo baseado no treinamento de habilidades,

em conteúdos descontextualizados da realidade profissional e da dicotomia entre teoria/prática.

Para Kuhn (2007) a ciência é compreendida como atividade completamente racional e

controlada. Sendo assim, o modelo conservador de prática que prioriza aulas expositivas,

seqüência lógica no conteúdo, fragmentação entre as disciplinas que compõem a estrutura

curricular corresponde a essa perspectiva formalista do conhecimento.

A aprendizagem, portanto, fica comprometida, pois é receptiva, mecânica e serve

essencialmente para a reprodução de informações, com pouca construção do conhecimento. O

professor, por si só, efetiva seu papel central no processo ensino-aprendizagem, em que serve de

modelo e é o único responsável pela transmissão das informações.

Esse estilo de prática formativa ainda hoje tão fortemente presente em nossa sociedade,

tem mantido sua hegemonia, tornando evidente a necessidade de se apostar na construção de um

modelo teórico inovador, de uma formação que possa contribuir para superação dos diferentes

obstáculos do trabalho docente. Destarte, em contrapartida ao modelo de formação de

professores fundamentado na racionalidade técnica Ramalho, Nuñes & Gauthier (2003) propõem

a construção de um modelo Emergente de Formação a ser tomado como modelo de formação

inicial do professor focada em competências técnicas, pedagógicas, políticas e humanas,

ancoradas na criticidade, reflexividade e transformação, no sentido de estabelecer a inter-relação

entre os pressupostos teóricos e práticos.

Para Tardif (2011) a formação docente prescinde uma aproximação entre esses diferentes

saberes a partir da experiência docente, que permita problematizar e delimitar um campo de

trabalho. Ao processo de formação cabe atualizar e aprofundar os parâmetros da construção,

reflexão e da crítica para que o professor avance no sentido da aquisição de maior autonomia

profissional.

[...] Assumir a reflexão, a crítica, a pesquisa como atitudes que

possibilitam ao professor participar na construção de sua profissão

e no desenvolvimento da inovação educativa, norteia a formação

de um profissional não só para compreender e explicar os

processos educativos dos quais participa, como também para

contribuir na transformação da realidade educacional no âmbito de

seus projetos pessoais e coletivos (RAMALHO; NUÑES &

GAUTHIER, 2003, p.24).

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33

O fato de destacar a reflexão, a pesquisa, a critica como atitudes profissionais nos obriga

a olhar o professor como alguém que tem sua história, suas necessidades, interesses e limitações

no processo de crescimento profissional. De modo geral, as contribuições de alguns autores têm

sido tomadas como referência para a essa discussão. Dentre eles destacam-se Tardif (2002) e a

sua abordagem sobre a problemática da constituição dos saberes docentes, resgatando o valor

dos saberes da experiência e a necessária reflexão sobre suas condições de produção e operação;

Shön (2000) e sua análise sobre o professor comprometido com sua prática, com permanente

reflexão sobre essa mesma prática; Giroux (1997) que amplia a proposição de Shön ao rejeitar a

redução dos professores a meros técnicos da reprodução e reclama a sua concepção como

intelectuais transformadores, destacando a pesquisa na formação e prática docente; Zeichner

(1993) e seus estudos acerca da pesquisa-ação como importante experiência de formação do

docente engajado e comprometido socialmente. As idéias e convergências desse referencial

teórico articuladas como um sistema contribui para uma visão mais ampla da atividade

profissional do professor.

2.2.1 O professor reflexivo

A idéia do professor reflexivo tem orientado os discursos acerca da formação de

professores no Brasil desde o início da década de 1990, a partir dos estudos do americano

Donald Schön (2000) sobre o tema. Esse autor propõe uma prática baseada nos conceitos de

“conhecimento na ação”, “reflexão na ação” e "reflexão sobre a reflexão na ação". O

conhecimento na ação está na ação em si, é construído por meio de ações espontâneas, ou seja, é

um conhecimento implícito que surge na ação. A reflexão na ação é a reflexão no momento em

que ocorre a ação, sem interrompê-la. Nesse sentido, nosso pensamento nos leva a dar uma nova

forma ao que estamos fazendo, possibilitando encontrar novas pistas para a solução dos

problemas que se nos apresentam. Por fim, a reflexão sobre a reflexão na ação é considerada um

momento de análise, na qual o indivíduo realiza a posteriori sobre sua prática na ação para

compreensão e reconstrução da sua prática. As Idéias de Donald Schõn a respeito do profissional

reflexivo propõem a reabilitação da razão prática, a aprendizagem por meio da experiência, a

utilização da intuição e da reflexão na ação e sobre a ação, ou seja, a reflexão do professor sobre

sua ação deve ser um processo que contribua para o seu crescimento profissional.

Para Zeichner (1993) a discussão em torno do professor como profissional reflexivo tem

importante papel no reconhecimento do processo de aperfeiçoamento constante que a prática

educativa exige e na conseqüente valorização da formação do professor. Todavia, não são poucas

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34

as críticas quanto aos riscos da apropriação indiscriminada superficializada e acrítica da proposta

do professor-reflexivo.

Pimenta (2005), embora concorde com a fertilidade desta epistemologia da prática, alerta

para certo praticismo individualizante dela decorrente. Para a autora, a fertilidade dessa

epistemologia da prática ocorrerá na indissociabilidade do binômio teoria-prática de modo que

ambos possam ser ressignificados e ofereçam novas perspectivas de análise aos problemas

educacionais.

Além disso, ela considera importante também tomar-se a reflexão como prática coletiva

para que seja possível reconhecer a dimensão e o compromisso político que ela encerra, ou seja,

além do conhecimento dos conteúdos de ensino, o professor necessita possuir um conjunto de

saberes abrangentes, didáticos e transversais, provenientes da sua formação contínua, das trocas

com colegas e construídos ao longo de sua experiência. Para Perrenoud (2002) o paradigma

reflexivo pode conciliar, no dia a dia da sala de aula, razão científica e prática, conhecimento de

processos universais e saberes de experiência, ética, envolvimento e eficácia.

Desse modo, para ele a reflexão “situa-se entre um pólo pragmático, onde ela é uma

forma de agir, e um pólo de identidade, onde é fonte de sentido e um modo de ser no mundo”

(2000, p.41). Assim sendo, a formação em pesquisa pode preparar os professores para uma

prática reflexiva porque propicia teorizar sobre a experiência; problematizar, compreender e

enfrentar a complexidade da situação didática; inovar, etc. Ele faz uma crítica aos modelos de

formação docente (seu caráter cientificista e disciplinar) e reclama que a formação de professores

reflexivos não pode se dar desvinculada da prática profissional, porque a postura reflexiva não

pode ser ensinada, ela é resultado da formação de um habitus. Para ele, o professor reflexivo é

um pesquisador.

2.2.2 O professor pesquisador

O professor reflexivo é, pois, fundamentalmente, um professor pesquisador

(PERRENOUD, 2000), pois ele e só ele é capaz de examinar sua prática, identificar seus

problemas, formular hipóteses, questionar seus valores, observar o contexto institucional e

cultural ao qual pertence, participar do desenvolvimento curricular, assumir a responsabilidade

por seu desenvolvimento profissional e fortalecer as ações em grupo. Para Stenhouse (1993) a

ideia do professor como pesquisador baseia-se no pressuposto do professor como um artista, que

melhora sua arte experimentando de forma crítica o desenvolvimento da sua pratica na

construção do currículo. Nessa perspectiva o professor como pesquisador toma sua prática como

objeto de estudo a partir de um processo de auto-análise e reflexão para transformar e

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35

consequentemente reconstruir sua prática. “A prática reflexiva pode ampliar a compreensão das

dimensões sociais e políticas da educação” (FREIRE, 2011).

Para Zeichner (1993) o professor reflexivo é aquele que examina, esboça hipóteses e

tenta resolver os dilemas envolvidos em sua prática; estão atentos ao contexto institucional e

cultural no qual ensinam; tomam parte no desenvolvimento curricular e se envolve efetivamente

para a sua mudança; assume a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional e procura

trabalhar em grupo, pois é nesse espaço que vai se fortalecer para desenvolver seu trabalho.

Nessa perspectiva o professor-reflexivo faz pesquisa-ação, experiência que repercute em

três dimensões: a do desenvolvimento profissional, a da prática social e política e, por

conseqüência, dá visibilidade ao conhecimento produzido pelos professores.

Na pesquisa-ação, os professores pesquisam sobre a sua prática e sobre o contexto de seu

trabalho e, refletindo sobre suas atividades, sobre o seu ensino e as condições sociais que o

produzem, criam saberes denominados “teorias práticas do professor”. Os critérios de

legitimidade de uma pesquisa-ação desenvolvidos pelos professores, na concepção de Zeichner,

estão relacionados à clareza das idéias, subjetividade e reflexão por meio do diálogo.

Essa proposta é entendida como uma forma de reação ao tecnicismo e à concepção de

professores como meros executores de ordens, além de romper com a tradição de que o

conhecimento só é produzido na Academia. Seu argumento principal é que os professores

elaboram teorias que sustentam a sua prática e constroem práticas que embasam teorias.

Tomemos o texto de Zeichner (1993) – “Para além da divisão entre professor-pesquisador

e professor acadêmico” – como referência para essa discussão. Zeichner, quando se refere ao

professor-pesquisador da sala de aula, não se refere à produção acadêmica produzida na

universidade, nos programas de pós-graduação, caracterizado por uma prática social numa

comunidade cientifica. Sua visão de professor pesquisador no âmbito escolar se relaciona com o

profissional que participa na produção de saberes com métodos e estratégias sistematizadas,

utilizando a pesquisa como mecanismo de aprendizagem. Portanto, embora afirme a necessidade

de eliminar a separação que atualmente se faz entre o mundo dos professores-pesquisadores e o

mundo dos pesquisadores acadêmicos, define a contribuição dos acadêmicos como provedores

de conhecimentos sobre métodos de pesquisa e fonte de assistência na análise e interpretação dos

dados o que possibilitará aos professores potencializá-los para inovação educativa, e revesti-los

de potencial reflexivo, transformador e emancipador.

2.2.3 Relação entre o professor pesquisador e o professor reflexivo

O professor pesquisador e o professor reflexivo, no fundo, correspondem a conceitos

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36

diferentes para dizer a mesma coisa. São nomes distintos, maneiras diferentes dos teóricos da

literatura pedagógica abordarem uma mesma realidade. A realidade é que o professor

pesquisador é aquele que pesquisa ou que reflete sobre a sua prática. Portanto, aqui estamos

dentro do paradigma do professor reflexivo. É evidente que podemos encontrar dezenas de textos

para explicar a diferença entre esses conceitos, mas creio que, no fundo, no fundo, eles fazem

parte de um mesmo movimento de preocupação com um professor que é um professor

indagador, que é um professor que assume a sua própria realidade escolar como um objeto de

pesquisa, como objeto de reflexão, como objeto de análise.

Miranda (2006) chama atenção para a necessidade de uma reforma curricular para que se

possa garantir uma formação teórica sólida do professor pesquisador (formação inicial e

continuada), para que em sua pesquisa não haja um prevalecimento da prática sobre a teoria, do

senso comum sobre o conhecimento sistematizado e assim não se corra o risco de: que sua

pesquisa se converta em mais uma retórica legitimadora da reforma educacional, pondo mais

responsabilidades sobre os ombros dos professores, responsabilizando-os uma vez mais por seus

insucessos.

A preocupação com a formação do professor pesquisador estaria fundamentada na

intenção de tirar a educação apenas da transmissão de conhecimento já formulado, para tanto a

pesquisa possibilitaria aos professores exercerem um trabalho com os alunos que vise à

formulação de novos conhecimentos ou o questionamento tanto sobre a validade quanto sobre a

pertinência dos já existentes.

Neste sentido, a necessidade de formação de um professor pesquisador se apresentaria

pela necessidade da educação para o pensamento e não simplesmente para a recepção de

informações. Assim apresenta-se “mais” um compromisso a ser assumido pelos cursos de

formação de professores, mais precisamente pelos professores destes cursos, pois: se os

professores responsáveis pela formação dos futuros professores não assumirem esse

compromisso (educação para o pensamento e não para a recepção de informações unicamente),

como esperar que os alunos cuja atuação se dará em níveis anteriores da escolarização, e que tem

possivelmente menos condições para enfrentar sozinhos essas dificuldades, realizem essa

importante tarefa.

A formação de um professor pesquisador com bases teóricas sólidas e a adoção de uma

postura reflexiva crítica perante sua prática são processos difíceis, porém abrem as portas para a

melhoria da educação, assim nessa perspectiva de diálogo e formação, as transformações da

prática passam a ser consideradas como sínteses de mediações, continuamente renovadas, entre

ação e reflexão e requerem o papel ativo do professor construindo o seu próprio

desenvolvimento profissional.

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37

Essa maneira de conceber a prática pedagógica, como uma prática reflexiva e não como

uma atividade meramente técnica, requer que os docentes apropriem-se de saberes que vão

adquirindo em processos reflexivos com o coletivo dos profissionais e em contínuo diálogo com

as teorias, diálogo este visto como indispensável, pois, a experiência por si só não é formadora.

Deste modo, percebe-se a importância da formação de um professor

reflexivo/pesquisador, ou seja, a formação de um profissional capaz de analisar sua própria

prática e através desta análise aprimorar sua prática pedagógica no sentido de formar cada vez

mais pessoas capazes de pensar, formar para o pensamento e não simplesmente para a recepção

de informações.

Para tanto, percebe-se a necessidade de adequação dos cursos de formação de professores

para que possam possibilitar uma formação teórica sólida aos docentes ou futuros docentes

disponibilizando ferramentas para que estes consigam manter uma postura reflexiva crítica frente

a sua prática e ai sim aprimorá-la.

Demo (2004) propõe tomar mesmo a pesquisa como princípio educativo. Para ele, a ideia

da pesquisa como princípio educativo norteia-se pelo entendimento de que a aprendizagem não

se dá por mero acúmulo de informações e que a construção do conhecimento implica o

desenvolvimento das competências de questionar, analisar, relacionar, inferir. Para Demo (2004),

enquanto “questionamento reconstrutivo” da realidade, torna-se instrumento de formação do

sujeito histórico, sujeito capaz de “tomando consciência crítica, formular e executar projeto

próprio no contexto histórico”. Na perspectiva do autor, tomada como princípio educativo e não

apenas científico, a base da academia e também da educação escolar, sua especificidade e

condição é a pesquisa.

Assim, o exercício permanente da pesquisa é inerente à condição de profissional

comprometido e reflexivo, que o professor se não o é, deveria ser. A pesquisa precisa ser

internalizada como atitude cotidiana, de maneira a qualificar a formação de sua competência

técnica, como sujeito de conhecimento, mas especialmente como competência política, como

sujeito histórico, como agente de transformação, como um intelectual a serviço da mudança

social.

2.2.4 O professor crítico

A prática docente, entendida como um ato político implica o reconhecimento de que,

enquanto educadores, nosso trabalho está inserido em um contexto social representado por

diferentes interesses e valores.

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38

As condições impostas pelo poder estabelecido sugerem ao professor, por meio de

engodos e manipulações discursivas de toda ordem, uma escola neutra e mergulhada dentro de

uma pretensa ordem democrática em que as relações de poder são igualmente distribuídas e

mantidas. Conseqüentemente, a figura social do professor encontra-se atrelada a essa frágil

imagem de neutralidade e igualdade, enquanto que, nos bastidores, as decisões políticas e

ideológicas continuam sendo impostas de cima para baixo, restando ao professor à tarefa de

aplicar com a máxima qualidade possível os pressupostos ditados pelas estruturas maiores de

poder e de controle social.

Compreendemos que enquanto o professor não identificar essa barreira que separa o

conhecimento que é desenvolvido dentro da sala de aula e a extensão ideológica desse

conhecimento em relação ao mundo exterior bem como as conseqüências sociais desse

conhecimento, ocorre uma dicotomia radical que condena o trabalho docente às margens, preso

em uma escola, isolado do mundo, passivo em relação às determinações estruturais e seus

respectivos representantes políticos.

Assim, livres de qualquer tipo de reação, entendemos que os partidários do poder

hegemônico sentem-se à vontade para fazerem o que bem entendem, impondo livremente suas

prerrogativas à escola sem que essa ofereça qualquer tipo de reação, estando, dessa forma, presa

a uma ingênua docilidade, conivente com as forças elitizadas que a oprimem.

Nesse ponto, gostaríamos de destacar o papel crucial exercido pela reflexão crítica em

relação a esse cenário. Argumento, valendo-me das idéias defendidas por Paulo Freire (2011),

que o professor crítico-reflexivo deva situar sua práxis no interior de uma vasta e complexa teia

em que encontram-se interseccionados uma gama variada de fios políticos e ideológicos

atrelados a instâncias de ordem econômica, cultural e histórica que atendem, por sua vez, a

interesses de grupos distintos que estão na luta pelo poder. Objetiva-se, com isso, a construção

de discursos contra-hegemônicos que informem toda a insatisfação das maiorias desfavorecidas

frente aos ditames daquelas políticas comprometidas unicamente com a saúde dos mercados e

que, assim, coloquem definitivamente no mapa das lutas políticas os grupos que atualmente

encontram-se marginalizados em decorrência da exclusão econômica e cultural imposta pelas

elites.

Dessa forma, reflexão crítica é entendida como uma prática de questionamento baseada

nas relações tecidas entre os aspectos políticos, econômicos e ideológicos e os contextos em que

a reflexão e a prática se fazem presentes, cotejando, portanto, de forma dialética e conflituosa, os

aspectos referentes aos macro-contextos de poder e os micro-contextos em que o trabalho

docente se manifesta, com vistas a promover transformações em ambas às esferas por intermédio

de uma linguagem problematizadora, contestadora e contra-hegemônica.

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39

Dentro dessa postura, o professor reflexivo-crítico tem a possibilidade de transformar a

leitura crítica do mundo social em subsídios para “tornar aquele que aprende ciente de como as

relações de poder, as estruturas institucionais e os modelos de representação trabalham sobre e

através da mente e do corpo de quem aprende, mantendo-o sem poder, aprisionado em uma

cultura de silêncio. Na verdade uma perspectiva crítica demanda que o processo de

aprendizagem seja interrogativo” (GIROUX, 1997, p. 45). Torna-se um desafio para o professor

reflexivo-crítico trabalhar o currículo como um campo em constante diálogo com a ideologia e

com as relações de poder e conhecimento.

Nesse sentido, enxergamos o currículo e todo o seu processo de produção como um

campo de intensa disputa social que envolve diferentes classes sociais, gêneros, raças e etnias.

Considerações dessa qualidade nos informam, definitivamente, que as formações discursivas no

campo escolar estão atravessadas por uma série de interesses inerentes a instituições de poder.

As formações discursivas, dessa forma, seguem um certo rol de regras de formação ligadas, por

sua vez, a uma gênese de natureza histórica e social dispersa em inúmeras redes discursivas

(FOUCAULT, 1984) que implicam em maneiras de ver e de interpretar o mundo. São

considerações dessa ordem que fornecem uma visão sobre a complexidade teórica subjacente ao

currículo e que, são essenciais para que o professor reflexivo-crítico exerça o seu poder de

agência.

Seguindo essa lógica, Apple (1989) destaca a necessidade posta diante dos professores

crítico-reflexivos de se criar formas alternativas de organização que visem a criação e o

desenvolvimento de grupos de estudo e de pesquisa dispostos a desenvolver estratégias que os

incluam como sujeitos ativos na construção dos currículos adotados em suas escolas bem como

estratégias que os incluam no âmbito das decisões políticas e administrativas, re-escrevendo e re-

inventando, dessa forma, os espaços comuns à educação libertadora.

Coerente com tais pressupostos, Giroux (1997) aponta a necessidade de encarar o

professor como um intelectual crítico que visa reconsiderar as condições estruturais em que

trabalha bem como as políticas e ideologias atravessadas nessas estruturas, objetivando

transformar suas condições de trabalho e possibilitar o surgimento de novas estruturas favoráveis

ao desenvolvimento do professor como um pesquisador ativo, que trabalha em colaboração com

seus alunos e com outros professores na direção de uma ação intervencionista voltada para a

democratização da escola.

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40

2.2.5 O professor como intelectual

Todas as pessoas são intelectuais, porque pensam, interpretam e constroem uma

visão/representação do mundo, das coisas, das experiências que vivem. Como visto, de algum

modo o pensar é um ato inerente ao estar no mundo. O que começamos a discutir refere-se mais

aos diferentes modos de conhecer e aos usos que fazemos desses conhecimentos. Isso remete a

considerarmos não apenas a natureza do trabalho intelectual, mas sua função social. Assim,

todos são intelectuais, mas nem todos definem sua intervenção/atuação no mundo como

intelectuais. De forma mais ou menos organizada, como integrante de uma categoria

profissional, como trabalhador autônomo ou como sujeito social independente de sua posição no

processo produtivo, parece haver um conjunto de pessoas que marcadamente se colocam no

mundo a partir de sua atividade intelectual. Nesse sentido, é preciso ver a relação entre a

atividade intelectual e seu papel na reprodução, provocação/desafio ou transformação da

estrutura de dominação.

Vários autores alinhados a uma perspectiva histórico-crítica da sociedade têm discutido o

papel do conhecimento e dos intelectuais na reprodução/transformação social. Giroux (1997)

apresenta substancial análise sobre essa questão. A partir das contribuições de Gramsci, ele

defende a importância de considerarmos os professores como intelectuais. O autor inicia suas

reflexões fazendo uma crítica ao imperativo da racionalidade técnica e de suas repercussões na

organização do trabalho, em especial, do trabalho docente. Para ele, o treinamento dos

professores é um campo no qual o domínio da racionalidade técnica tem se manifestado.

Subjacente a essa perspectiva, o professor tem sido visto como mero executor de programas

determinados por outros. Uma conseqüência disso é o esvaziamento da dimensão política do

papel do professor. Fazendo alusão à concepção bancária de educação de Paulo Freire, defende

que o professor tem sido considerado recipiente passivo de tal conhecimento profissional e

incapaz de articular saberes, elaborar/reelaborar currículos, participar criticamente da produção

das políticas educacionais.

Giroux (1997) argumenta que uma maneira de repensar e reestruturar a natureza do

trabalho docente é considerar os professores como intelectuais. Primeiro porque ao

dignificarmos a capacidade do homem para integrar pensamento e prática, fazemos ver o que

significa considerar os professores como atores reflexivos. E, em segundo lugar, porque isso

recoloca a dimensão política no âmbito da análise da formação e da prática docente. Ele propõe

quatro categorias para analisar a função social dos educadores como intelectuais: intelectuais

hegemônicos, intelectuais adaptados, intelectuais críticos e intelectuais transformadores.

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41

Os intelectuais hegemônicos são aqueles que conscientemente definem-se pelas formas

de liderança moral e intelectual e se colocam à disposição dos grupos e classes dominantes. Os

intelectuais adaptados, embora em geral adotem uma posição ideológica e práticas

conservadoras, não têm consciência desse processo. Pretensamente neutros, eles se dizem livres

das amarras do engajamento político, mas, por produzir e mediar acriticamente idéias e práticas

sociais, acabam por reproduzir o status quo.

Os intelectuais críticos são ideologicamente alternativos às instituições e às formas de

pensamento existentes. No entanto, assim como os adaptados, assumem uma postura a-política,

desvinculada de organizações/movimentos específicos. Eles têm preocupação com as injustiças e

desigualdades, denunciam a estrutura vigente, mas dificilmente implementam ações coletivas de

enfrentamento do poder dominante. Alguns reclamam a autonomia da razão em relação à

ideologia, ao que definem como um conjunto de idéias necessariamente comprometidas por

interesses políticos.

Assim como para muitos teórico-críticos, para Giroux conhecimento e poder estão

inextricavelmente ligados e, desse modo, parece não ser possível pensar uma educação

descomprometida politicamente. E essa é talvez a principal distinção do intelectual

transformador. Para Giroux, assim como para Paulo Freire, esses intelectuais/educadores, devem

assumir um posicionamento, integrando-se aos movimentos equipados de um conhecimento

emancipatório. Para ele, o fato de que a participação desses intelectuais nesses movimentos

influencia esses intelectuais, tanto quanto estes intelectuais possam influenciar esses

movimentos, é parte inevitável e mesmo necessária a formação do intelectual transformador. O

que os intelectuais críticos esquecem é que a transformação/emancipação não pode ser

conseguida de fora. Como esses intelectuais reconhecem essa indissiociabilidade entre educação

e política, a tarefa principal do intelectual transformador é tornar o pedagógico mais político e o

político mais pedagógico. Isso significa necessariamente o resgate da dimensão política da

educação.

Essa proposição está presente também nas reflexões de Freire. Para ele isso implica

superar uma consciência ingênua em prol de uma inteligência crítica e autônoma. Para Ludke,

(2005) a batalha predominante dos intelectuais consiste em manter (ou criar) a autonomia com o

fim de opor-se aos regimes de verdade e às imagens de criadores do mundo incluída a própria do

intelectual.

Por um lado, reconhecendo os processos educacionais como práticas sociais, constituídos

e constituintes de conflitos de grupos e interesses, formas culturais e ideológicas. Por outro,

agindo de modo a criar espaços e práticas emancipatórias, tomando a educação “como prática

para a liberdade”. Num e noutro caso, significa trabalhar para criar as condições materiais e

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ideológicas na escola e na sociedade mais ampla que dêem aos alunos a oportunidade de se

tornarem agentes de coragem cívica; isto é, cidadãos que possam atuar como se uma autêntica

democracia realmente prevalecesse, fazendo o desespero parecer inconvincente e a esperança

exeqüível.

Para Giroux (1997) a formação de professores, nesse sentido, deve estar estruturada de

modo que o aprendiz (futuro professor) possa aprender a formular questões sobre os princípios

subjacentes aos diferentes métodos pedagógicos, às temáticas de investigação e às teorias

educativas, a partir da análise dos contextos imediatos e mais amplos onde se inserem.

Nesse sentido, desde fins da década de 80, fortalece-se um movimento internacional

(ZEICHNER, 1993), como uma reação contra a perspectiva dos professores como técnicos, que

coloca em questão a formação de professores e a organização do trabalho docente. Mais do que

defender que os professores deveriam assumir um papel mais ativo na formulação dos propósitos

e fundamentos de seu trabalho ou no desenvolvimento das políticas de educação, em algum

momento, esse movimento toma a reflexão/pesquisa sobre/na prática realizada pelo professor

como experiência formativa fundamental que permite o desenvolvimento da autonomia

intelectual e política. Nesse contexto, as noções de “prático reflexivo” e “professor-pesquisador”

desenvolvem-se e vêm sustentando o debate entre professores, formadores de professores e

pesquisadores sociais.

2.3 OS PROFESSORES E SUA PROFISSIONALIZAÇÃO

Uma das características próprias do conceito de profissão é a posse de um saber

específico que o distinga no mundo do trabalho. Todavia, no caso do professor, é bastante

complexo definir qual é o saber próprio de sua profissão, porque tal compreensão, como aponta

Cunha (2002, p. 131), “[...] está condicionada pelo referencial que se tem da função docente” e

outro aspecto a ser considerado é que, “[...] sendo a educação uma prática social, o exercício da

profissão docente estará sempre circunstanciado a um tempo e a um lugar, num desafio constante

de reconfiguração de suas próprias especificidades”.

As pesquisas que focalizam os saberes docentes representam, seguramente, uma das

frentes em que se procuram soluções para os problemas que afetam a formação e a prática

profissional dos professores no Brasil e em diversas partes do mundo. A perspectiva mais

estimulante, de nosso ponto de vista pessoal, é a possibilidade de compreender mais

profundamente e explicitar, no presente momento histórico, a natureza e a especificidade dos

saberes profissionais do professor.

A perspectiva que aqui defendemos corrobora a ideia de que, paralelamente à busca de

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conhecimentos para o ensino externamente à profissão, é fundamental identificar os

conhecimentos produzidos no ensino, ou seja, os conhecimentos produzidos pelos professores

em seu contexto sempre complexo de trabalho. Crê-se, desta perspectiva, que tal

empreendimento possa contribuir com o processo de construção da profissionalidade docente e

seu desenvolvimento profissional.

Acreditamos que os conhecimentos produzidos na academia sempre são bem-vindos,

entretanto estes não são os únicos que podem fazer mover e desenvolver a profissão. A força da

profissão deve brotar, fundamentalmente, do seu interior, pelo estabelecimento de uma

comunidade profissional consciente de seu papel no ensino. Ou seja, a perspectiva de análise que

subjaz a essa pesquisa conduz à compreensão dos saberes docentes como componentes nucleares

de sua profissionalidade. Reafirmarmos, que o repertório de conhecimentos profissionais

mobilizados pelo professor em seu trabalho é composto tanto por aqueles conhecimentos

elaborados por investigadores especializados nas diversas áreas afins à educação e à disciplina

que ministra como por aqueles conhecimentos elaborados, individual ou coletivamente, pelos

próprios professores no processo de reflexão sobre suas práticas.

Um aspecto importante das pesquisas sobre o saber docente é a consciência do caráter

social desse saber e da própria profissão do professor (TARDIF, 2001). Esses saberes são

articulados e rearticulados continuamente nos diferentes momentos históricos. Embora procedam

de diferentes fontes, são compósitos, complementares, interdependentes e encontram seu pleno

significado, simultaneamente, no ambiente pedagógico, representado pela sala de aula, e, de

modo mais amplo, na vida cotidiana, no curso geral do processo social e histórico. Para Gauthier

et al. (1998, p. 339), o saber docente é...

o resultado de uma produção social e, enquanto tal está sujeito às

revisões e às reavaliações que podem mesmo ir até a refutação

completa. O espaço da sala de aula, lugar privilegiado da prática

docente, deve ser analisado em sua articulação com os problemas

sociais vividos coletivamente pelo professor, pelos alunos e pela

comunidade escolar. O debate permanece, portanto, aberto.

Fica claro que a busca pelo saber constitutivo da profissão e pela efetivação da

profissionalidade docente deve estar marcado pela reinvenção contínua de práticas em um

contexto de relativa autonomia. Reinventar ou reconstruir práticas e saberes e,

consequentemente, fortalecer uma identidade profissional não significam abandonar,

simplesmente por serem velhas, outras práticas ou saberes. Para Pimenta (2005), uma identidade

profissional se constrói, além do exame constante dos significados sociais da profissão, da

revisão das tradições, a partir da reafirmação de práticas consagradas culturalmente, ou seja,

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práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da

realidade.

Nessa perspectiva, ao invés de rejeitarem a realidade na qual estão inseridos, idealizando,

no passado ou no futuro, uma determinada circunstância desejada, mas irreal, os professores

podem valorizar a situação diante da qual se encontram como uma oportunidade de pensar,

individual e coletivamente, os saberes necessários ao exercício da profissão. À medida que

supera a concepção tecnicista, na qual o professor é um mero reprodutor de conhecimentos

produzidos em outros âmbitos, reconhece-se como produtor de conhecimentos profissionais por

meio da reflexão sobre suas próprias práticas. Não se trata mais, de acumular técnicas de

pretensa validade para situações indistintas e complexas, mas de dominar um corpo de saberes

capaz de subsidiar discernimentos e tomadas de decisão com o objetivo de promover a melhor

educação.

Parte-se do pressuposto de que as situações profissionais enfrentadas pelo professor

sempre são, em alguma medida, moldáveis e que, deste modo, ele deve desempenhar papel ativo

neste processo. A ideia de negar o domínio de técnicas, com pretensa validade para situações

indistintas e complexas, em favor da posse de certo discernimento na definição de um docente

eficaz não implica sugerir que determinadas técnicas não possam ser aplicadas, mas que a

decisão sobre sua utilização ou não deve estar ancorada no repertório de conhecimentos do

professor, em outras palavras, nos conhecimentos que estão na base de sua profissionalidade

(SACRISTÁN, 2007).

Como podemos ver, trata-se de um trabalho intelectual apurado, que envolve,

considerando os diversos contextos de sua prática, análise, julgamento e deliberação. Nesse

contexto, o professor pode adaptar essas técnicas, modificá-las ou rechaçá-las. O professor não é

um mero executor do currículo escrito ou pré-ativo, é, também, um de seus artífices. Nessa

perspectiva, o profissional compreende que sua atividade só encontra sentido pleno se

considerado o contexto mais amplo no qual ela está inserida. Contexto esse sempre complexo e

dinâmico, que está em constante evolução e transformação.

Destacamos que não é possível investir na edificação dos saberes da docência e pensar

em uma nova profissionalidade para os professores da Educação Básica sem analisar as reais

condições de trabalho a que estão submetidos.

2.3.1 A profissionalização docente como processo

A constituição de um corpo de saberes próprios ou específicos do ofício de ser professor

está na base dos processos de profissionalização e do exercício da profissionalidade docente.

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Estes saberes são considerados como instrumentos vitais da atuação profissional dos professores.

Considerando as análises de Cunha (2002); Gauthier et al. (1998); Sacristán (2000, 2002,

2005, 2007); Contreras (2002), podemos afirmar que a profissionalização designa um processo

que consiste, por uma parte, em formalizar os saberes, as habilidades e as atitudes necessárias

para o exercício de uma profissão e, por outra, em fazer que se reconheça essa experiência

profissional na sociedade. Trata-se, como afirma Cunha (2002, p. 132), “De um processo

histórico e evolutivo que acontece na teia das relações sociais e refere-se ao conjunto de

procedimentos que são validados como próprios de um grupo profissional, no interior de uma

estrutura de poder”.

Para Gauthier (1998) a profissionalização remete a dois processos diferentes, mas

complementares: a profissionalidade e o profissionalismo. O primeiro, que interessa mais de

perto aos objetivos desta pesquisa, está mais relacionado a processos internos, que “[...] consiste

em um conjunto de características mais ou menos formalizadas de uma profissão em uma época

determinada” (GAUTHIER, 1998, p. 167). É a expressão da atuação prática, o específico de ser

professor, a base para a construção da profissão. O segundo é um processo externo que, como

ressalta o mesmo autor (1998, p. 168), “[...] implica de alguma maneira um trabalho que tende a

favorecer o reconhecimento pela sociedade da experiência que possuem os membros de um

corpo profissional”. Está relacionado, portanto, ao controle ocupacional e à elevação do status

social da profissão.

Para os fins deste trabalho, seguimos a definição proposta por Sacristán (2002, p. 65), que

entende a profissionalidade como “[...] a afirmação do que é específico na ação docente. Isto é, o

conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a

especificidade de ser professor”. Por ser um processo, está vinculado ao aumento do domínio

profissional de uma atividade e visa ampliar a possibilidade de agir sobre a prática a partir de

saberes formalizados.

É fundamental para os interesses desta pesquisa reter a imagem de profissionalidade

docente como aquilo que é específico do professor e, ao mesmo tempo, a ideia de qualificação

para o desenvolvimento mais consciente e autônomo da profissão. A boa prática profissional

docente seria, nesta perspectiva, o resultado de um investimento individual e coletivo mais

consciente e contínuo de integração/produção de saberes profissionais. “Os saberes se

constituiriam como matéria viva que dinamiza e põe em movimento a profissão” (TARDIF,

2011).

O saber profissional compõe, portanto, um aspecto essencial do conteúdo da

profissionalidade docente e pode tornar mais eficaz a ação educativa do professor. Torna-se

evidente a importância da subjetividade do professor no desenvolvimento de seu trabalho e uma

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abertura, sempre necessária, ao movimento histórico. Como afirma Sacristán (2005, p. 65): “O

conceito de profissionalidade docente está em permanente elaboração, devendo ser analisado em

função do momento histórico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar pretende

legitimar: em suma, tem que ser contextualizado”.

Ressaltamos que, embora o saber do professor carregue as marcas de sua subjetividade,

estamos diante de um saber que é social, ou seja, que está enraizado na cultura de uma instituição

– a escola – e, mais amplamente, no interior de uma determinada sociedade. A profissionalidade

de qualquer grupo profissional está inextricavelmente, conectada aos desafios, possibilidades e

limites impostos pelo desenvolvimento histórico e social, ou seja, só encontra concretude

histórica e social no interior de um determinado tempo. Por isso, é importante sublinhar que,

como revela a análise histórica da atividade docente, os processos de profissionalização e de

conquista de maior profissionalidade não são lineares nem unívocos. O risco de recuos para

situações de proletarização e de funcionarização reforçadas está sempre presente.

O exercício da profissionalidade docente é marcado pela contingência e pela

imprevisibilidade. Em uma palavra: é circunstancial. Os diferentes contextos e os diferentes

momentos históricos exigem, sob pena de interrupção da relação pedagógica, adequação

constante no conteúdo dessa profissionalidade. Desse modo, a reflexão sobre as mudanças

sociais aceleradas da atualidade e seus impactos no campo educativo é fundamental para o

exercício da profissionalidade docente, visto que condiciona, não resta dúvida, o corpus de

saberes que constitui o núcleo da profissão.

2.3.2 Os saberes da docência

A profissionalização da ocupação de professor só poderá acontecer mediante a definição

e validação dos saberes docentes. Mas, qual o significado que se deve denotar para o termo

saberes? A maioria dos autores da área de formação de professores tem considerado de igual

significado os termos saber e conhecimento. Outros, porém, apontam uma distinção entre eles.

Azzi (2000), por exemplo, mostra que o saber é uma fase do desenvolvimento do conhecimento,

em que a pessoa está organizando unidades preliminares de conhecimento, que por enquanto

atendem as necessidades práticas imediatas, mas não alcança ainda a organização metódica do

conhecimento em si. Neste sentido, a diferença básica entre o saber e o conhecimento, é que o

primeiro é construído pelo próprio indivíduo, ao passo que o segundo é elaborado por

pesquisadores e teóricos. Por outro lado, Gauthier et al (1998) consideram saber e conhecimento

como sinônimos, afirmando que o “ensino exige saberes, ou conhecimentos”.

Para Tardif (2002) saber abrange um sentido amplo que engloba os conhecimentos,

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competências e habilidades, não sendo inatos, mas construídos ao longo de uma trajetória, ou

seja, envolve aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser. Para

outros autores, há uma clara distinção cronológica entre competências e saberes, pois as

competências mobilizam recursos cognitivos (ou saberes), conforme Perrenoud (2000), e

raramente os saberes estão ligados a uma única competência, sendo que esta é considerada

pragmática, algo para se resolver em campo. Pimenta (2005) utiliza o termo conhecimento para

se referir não apenas a áreas do saber pedagógico (conhecimentos teóricos e conceituais), mas

também a áreas do saber-fazer (esquemas práticos de ensino), assim como de saber porquê

(justificação da prática). O saber pedagógico também é pragmático.

Assim, o conhecimento profissional do professor é um conjunto de saberes teóricos e

experienciais que não pode ser confundido com uma somatória de conceitos e técnicas, pois de

acordo com os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002), o conhecimento

profissional docente é aquele que favorece o exercício autônomo e responsável das funções

profissionais, marcadas pela imprevisibilidade, singularidade e complexidade. Deste modo,

chamamos de conhecimento profissional docente aquele conjunto de conhecimentos (ou saberes)

que o professor deve dominar para exercer o seu trabalho como um profissional da educação.

Esses saberes representam um conjunto dos conhecimentos, competências e habilidades que o

profissional da educação necessita compreender no ato de ensinar.

O saber, conforme Gauthier et al (1998), pode ser definido sob três concepções

diferentes: subjetividade, juízo e argumentação. Tendo a subjetividade como origem do saber,

considera-se que o saber é todo tipo de certeza subjetiva produzida pelo pensamento racional.

Neste pensamento, o saber se fundamenta na racionalidade e procede de uma constatação e

demonstração lógica. Sob a concepção do juízo, dizemos que o saber é um juízo verdadeiro e

não é fruto de uma intuição nem de representação subjetiva, como no caso anterior. É

conseqüência de uma atividade intelectual e o juízo a respeito de fatos. Sob a luz da

argumentação, o saber é uma atividade discursiva por meio da qual o sujeito tenta validar uma

proposição ou uma ação, usando a lógica, dialética ou retórica, incluindo o ato de saber

apresentar razões.

O conhecimento, para Pacheco (2004), pode ser definido sob três visões: filosófica

(conhecimento subjetivo, especulativo), experimental (conhecimento do senso comum), e

científica (conhecimento objetivo). Mas, quando se fala em conhecimento do professor, há uma

referência com um saber, ou conjunto de saberes, que corresponde ao conceito aristotélico de

sabedoria (ciência e entendimento intuitivo). Isto reflete as concepções, percepções, experiências

pessoais, crenças, atitudes, expectativas, e dilemas do professor. O que eles pensam, fazem,

escrevem e verbalizam deve-se a um conhecimento que tem um sentido de discurso sobre uma

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prática ou um modo de ação.

Além disso, o conhecimento é guiado pelos interesses e necessidades humanas, sendo o

saber analisado e interpretado sob diferentes perspectivas (racionalismo, fenomenologia, ciência

social crítica), que indicam diversos tipos de saberes, explicados por Habermas (1990) através da

“teoria dos interesses constitutivos de saberes”, onde o saber do professor é um saber

comunicacional que, para o mesmo autor, pode ser explicado pelo conceito de “racionalidade”

ou “razão comunicacional”. Neste sentido, Pacheco (2004) afirma que o conhecimento docente

integra diversos saberes que, ao responderem ao interesse técnico, dependem de três conceitos

sobre ensino-aprendizagem: cientificidade (a educação e o ensino são atividades teóricas, com

uma fundamentação científica); normatividade didática (a educação e o ensino são atos racionais

que obedecem a uma teoria tecnológica, na base de um conjunto de regras e normas aplicadas

mediante um saber técnico); pragmatismo didático (a educação e o ensino são atividades

práticas, intuitivas e criativas, só possíveis mediante um conhecimento idiossincrático, ou seja,

pela experiência e subjetividade). O autor defende a idéia de que a educação e o ensino são

atividades práticas, por sua natureza, mas não sem uma teoria de suporte e de fundamentação

epistemológica.

As ciências cognitivas distinguem três tipos de conhecimentos, conforme Perrenoud

(2000): conhecimentos declarativos (descrevem a realidade sob a forma de fatos, leis, constantes

e regularidades); conhecimentos procedimentais (descrevem o procedimento a aplicar para obter

algum tipo de resultado, por exemplo, os conhecimentos metodológicos); conhecimentos

condicionais (determinam as condições de validade dos conhecimentos procedimentais).

Apesar das definições de saberes docentes na literatura da área, Gauthier et al (1998)

alertam contra certas concepções de senso comum sobre os saberes do ensino, revelando que

muitos afirmam que para ser professor, basta: conhecer o conteúdo, ter talento, ter bom senso,

seguir a sua intuição, ter experiência, ter cultura. Concordando com este cuidado, Perrenoud

(2000) cita muitos alunos que, querendo se tornar professores, possuem a ilusão de que basta

dominar os saberes para transmiti-los a crianças ávidas por se instruir, reafirmando aquela

concepção simplista do trabalho docente, já mencionada no item anterior.

Se esta hipótese se mostrasse verdadeira, então qualquer pessoa que demonstrasse ter tais

qualificações e saberes, independentemente de sua formação, poderia, em tese, atuar como

professor. Quanto aos saberes de senso comum e simplificadores acima citados, vale enfatizar

que todos são importantes para qualquer profissional, independente da área de atuação, e não

formam uma base única em que se deve apoiar a profissão de professor.

Sabe-se que um professor constrói uma parte de seus saberes na ação, não simplesmente

aplicando um saber que foi produzido por outros. A profissão docente exige saberes particulares

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que servem de base para a prática profissional do ato de ensinar. A pergunta de Shulman (1986),

a saber, o que o professor precisa conhecer no mínimo para atuar como tal, indica que não existe

um conhecimento único, mas um corpo de saberes de diferentes naturezas. Esta base de saberes e

conhecimentos costuma ser bem limitada durante a formação inicial, mas, em geral, se aprofunda

com a experiência docente.

Segundo Gauthier et al (1998), para um professor, estes saberes lhe são próprios, sendo

uma construção única, ímpar, só dele; mas há também saberes que lhe foram embutidos ao longo

de sua trajetória profissional e pessoal, e que são iguais aos dos outros professores, sendo saberes

comuns a todos. Por isso, Guarnieri (2005) mostra a importância da articulação de saberes, pois a

aprendizagem profissional ocorre à medida que o professor vai efetivando a articulação entre o

conhecimento teórico-acadêmico, o contexto escolar e a prática docente. Mostrando a

importância desta construção de saberes com a prática docente, Garcia (1992) apresentam cinco

grandes campos dos saberes docentes, propondo uma progressão profissional que abranja tais

campos e que se relacionam com as concepções e dificuldades sobre: o conhecimento científico,

as idéias dos alunos, o conhecimento escolar, a metodologia didática e a avaliação.

Estas questões sobre os saberes da docência têm dominado a pesquisa nos últimos 25

anos, segundo Tardif (2002), e marcado a profissionalização dos professores em vários países. A

partir de 1980, esta questão fez surgir dezenas de milhares de pesquisas no mundo anglo-saxão e

na Europa, aparecendo diversas tipologias e concepções sobre os saberes. Mas, especialmente

desde a década de 90, estes estudos vêm constituindo uma forma riquíssima de investigação para

se levantar os fundamentos e as bases onde eles se alicerçam. Os trabalhos de pesquisa têm

mostrado a importância deste estudo dos saberes docentes, das concepções, das teorias

implícitas, dos dilemas e do conhecimento prático que fazem parte da rotina de trabalho do

professor, procurado entender como o saber está relacionado com a pessoa, a identidade dos

professores, com sua experiência de vida, sua história profissional, suas relações com alunos em

sala de aula e com outros atores na escola (TARDIF, 2011). Com estas pesquisas, novas questões

são colocadas: teoria versus prática, formação inicial versus formação continuada, conhecimento

cientifico versus conhecimento pedagógico, e a análise de cursos que formam professores sob a

perspectiva dialógica-problematizadora. Assim, com o objetivo de se compreender a questão dos

saberes dos professores, diversos trabalhos foram surgindo até atingir o ponto em que, hoje, o

campo de pesquisa dos saberes docentes é bem amplo e há mais de vinte e cinco anos vem se

desenvolvendo de maneira exponencial.

Os trabalhos de Silva (2005), por exemplo, têm contribuído para uma visão panorâmica

desse campo de pesquisa, pois apresentam algumas classificações destes estudos. Os programas

de pesquisa sobre saberes possuem uma diversidade conceitual e metodológica, em que

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diferentes tipologias corroboram para identificar a complexidade deste campo, sendo que suas

lacunas ainda não são exploradas.

Os trabalhos de Shulman (1986) categorizam cinco programas de pesquisas sobre o

ensino e a docência, mas ele mesmo apresenta, por último, um sexto programa de sua própria

autoria; a análise de Daniel Martin enfatiza a pluralidade metodológica das pesquisas norte-

americanas sobre os professores e seus saberes, reagrupando os estudos segundo a natureza dos

saberes docentes, de acordo com quatro abordagens teórico-metodológicas; e Gauthier (1998)

centraliza suas investigações na natureza dos saberes subjacentes ao ato de ensinar, incluindo

estudos que buscam identificar um repertório de conhecimentos dos docentes e identificando três

paradigmas de pesquisas sobre o ensino.

Em um trabalho posterior, Silva (2005) apresenta um panorama geral destes e outros

programas de pesquisas sobre os saberes, a formação e o trabalho dos docentes, utilizando

critérios de classificação segundo o tipo de abordagem usada pela psicologia e pelas ciências

humanas e sociais, associadas a estes trabalhos, identificando assim: a) pesquisas sobre o

comportamento do professor; b) pesquisas sobre a cognição do professor; c) pesquisas sobre o

pensamento do professor; d) pesquisas compreensivas, interpretativas e interacionistas.

Em nosso trabalho, preferimos classificar os programas de pesquisas sobre os saberes

docentes conforme algumas características semelhantes que encontramos nas apresentações dos

autores acima mencionados, e tentamos categorizar algumas possibilidades de aproximações, de

acordo com a nossa visão geral sobre estes estudos. Desta maneira, encontramos quatro

classificações de pesquisas sobre o ensino, a profissão docente e seus saberes, que: a) priorizam

o conhecimento de conteúdo escolar; b) encaram o ensino como um processo e a aprendizagem

como produto; c) vêem o professor como um profissional que toma decisões ao lidar com

situações específicas na sala; d) levam em conta o contexto (interacionismo) e os sentimentos

(subjetivismo) dos professores.

As pesquisas sobre o ensino que enfatizam o conhecimento de conteúdo como prioritário

é um alerta de que os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas constituem-se em um

“paradigma perdido” (SHULMAN, 1986) no sentido de que os professores falham no domínio

de muitos conceitos científicos que deveriam ser ensinados aos alunos. Um programa de

pesquisa voltado para esta preocupação é criado através dos estudos de Shulman (1986, apud

BORGES, 2001), apresentando um enfoque no conhecimento da matéria que os professores

devem ensinar para seus alunos, e categorizando três tipos de conhecimentos que os docentes

devem possuir: conhecimento da matéria ensinada, conhecimento pedagógico da matéria, e

conhecimento curricular. Martin (1992, apud BORGES, 2001) categoriza estas pesquisas como

possuindo uma abordagem curricular, e as descrevem como estudos que objetivam investigar a

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transformação dos saberes a ensinar no contexto de sala de aula. O autor destaca os trabalhos de

Shulman com seus sete saberes, que funcionam como um amálgama unindo conteúdo e

pedagogia. Estudos apresentados por Martin (1992, apud BORGES, 2001) chegam a enfatizar

que, se existe um saber docente, este é o curricular; se existe um saber indispensável ao

professor, trata-se do saber dos conteúdos que ele ensina, mesmo levando em conta outros

saberes, que são encarados como complementares.

Outra categoria de pesquisa que contempla os saberes docentes é aquela que se compõem

de estudos centralizados no esquema processo-produto. A classificação de Shulman (1986, apud

BORGES, 2001) descreve este programa processo-produto como sendo desenvolvido desde a

década de 50, em que o ensino era encarado como o processo e a aprendizagem como o produto

na Educação. As pesquisas eram centradas nos estudos empíricos de sala de aula, e o rendimento

dos alunos era medido por meio de testes, para se conhecer a eficácia do ensino dos professores.

Além deste programa, a classificação do mesmo autor apresentou o academic learning

time (tempo de aprendizagem acadêmica), cujo programa inovou com a perspectiva de apontar

os indicadores da eficácia do ensino, vinculando a eficácia do professor com o tempo de

aprendizagem dos alunos, porém, continuou usando os mesmos métodos das pesquisas processo-

produto.

Uma terceira categorização são as pesquisas sobre a cognição dos alunos que, segundo o

mesmo autor, centram-se sobre o conhecimento dos alunos, levando em conta a intervenção dos

docentes, ocupando um aspecto intermediário entre as pesquisas de tradição psicológica

quantitativa, processo-produto e tempo de aprendizagem acadêmica, possuindo estratégias

qualitativas vinculadas à sociolinguistica e a etnografia.

Sob um olhar da natureza dos saberes subjacentes ao ato de ensinar, incluindo um

repertório de conhecimentos dos docentes, Gauthier et al (1998) acrescenta que no paradigma

processo-produto, o professor é visto como um gestor de comportamentos que deve organizar os

processos de ensino, visando a aprendizagem dos alunos.

Para Silva (2005), estas pesquisas abordam o comportamento do professor e baseiam-se

na psicologia comportamentalista, centralizando-se no ensino eficaz e estratégico, e no

comportamento dos professores ditos eficientes, sob um olhar característico do tipo processo-

produto. Considera-se o conhecimento como sendo externo ao docente, e não se leva em conta

aspectos subjetivos das interações entre professores e alunos. Os saberes são vistos como

resultantes das pesquisas científicas sobre os procedimentos, métodos mais eficazes, e

conteúdos, por exemplo.

Nota-se que Martin (1992, apud BORGES, 2001) não inclui em sua análise as pesquisas

processo-produto, porque estas não se preocupam com os saberes docentes, e sim com os efeitos

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de suas ações.

Os trabalhos que se concentram no interacionismo e no subjetivismo do docente são

identificados por Shulman (1986) como focalizando a ecologia da sala de aula. Neste programa

de pesquisa, os estudos embasam-se na antropologia, sociologia e linguística, com uma

metodologia mais qualitativa do que quantitativa. A comunidade é vista como um ecossistema

social, dando-se especial atenção aos acontecimentos em sala de aula, relações interpessoais e

entre os meios. O processo de ensino-aprendizagem é encarado como um continuum, e não como

fatos isolados, inserindo a visão da sala de aula num contexto mais amplo, estabelecendo

conexões com a escola, comunidade, cultura, sociedade. Procura-se observar aquilo que não é

evidente, como os pensamentos, sentimentos e atitudes dos agentes de uma aula.

As pesquisas neste paradigma subjetivo-interpretativo focalizam a dimensão

fenomenológica e interacionista dos saberes docentes. Estes estudos valorizam mais a fala do

que as situações e levam-se em conta as emoções, valores, concepções prévias, idiossincrasias, e

histórias de vida dos professores. Para Borges (2004), estas pesquisas compreensivas,

interpretativas e interacionistas focalizam o docente como uma pessoa que age e interage

mediante as situações do seu cotidiano, vindo-lhe à tona concepções pessoais, emocionais, e sua

história e experiência de vida. Estes tipos de pesquisas costumam combinar a fenomenologia

com a psicologia, a psicanálise, a etnografia e o interacionismo. Num enfoque mais sociológico,

encontram-se combinações entre o interacionismo simbólico, etnografia e etnometodologia, em

que se encara o ensino como uma situação social. Nestas abordagens, o saber do professor é

considerado um saber prático e experiencial, com raízes em seu trabalho cotidiano escolar. Para

Gauthier et al (1998) estas pesquisas reúnem o interacionismo simbólico, a etnometodologia,

etnografia escolar, sociolinguística e o enfoque ecológico. Neste paradigma, o ensino é uma

interação simbólica, onde o foco está nas representações que os professores possuem sobre os

seus saberes e nas interações que estes estabelecem em classe.

A nossa última classificação dos paradigmas dos programas de pesquisas sobre os saberes

docentes inclui o que Gauthier et al (1998) denomina de enfoque cognitivista, sendo

desenvolvido principalmente nas duas últimas décadas, vindo a se constituir nas chamadas

Ciências da Cognição. A abordagem deste paradigma é centrada nos aspectos cognitivos,

pensamento e construção dos esquemas de pensamento. As características deste programa é que

o professor atua como um profissional que toma decisões ao lidar com situações específicas na

sala, utilizando relações entre seus saberes.

No programa de pesquisa sobre a cognição dos professores, a ênfase sobre o que fazem

os professores, é alterada para o que sabem os professores, ou seja, como suas ações, decisões,

pensamentos e atitudes estão ligadas com as ações dos estudantes.

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O docente é encarado como um profissional dotado de razão, tomando decisões e

julgando casos dentro da sala de aula, reconhecendo que suas ações são guiadas pelos seus

pensamentos e conhecimentos.

Para Daniel Martin (1992), neste programa pode ocorrer uma divisão em duas

abordagens: a obordagem profissional e a psicocognitiva. Na primeira, o saber docente é tomado

a partir das deliberações do próprio sujeito, o professor. Os professores são produtores de

saberes, existindo um saber que emerge da prática profissional. Eles são construtores de um

saber prático, diante da imprevisibilidade ou das situações específicas que surgem nas aulas, o

que exige deles uma capacidade artística, de invenção, e de adaptação à realidade do ensino. Esta

abordagem é uma corrente do professor-pesquisador, divulgado fortemente por Schön. A

abordagem psicocognitiva enfatiza a estruturação mental dos saberes, buscando colocar em

evidência as diferenças entre os docentes experientes e os novatos, e procura analisar como se dá

a complexidade das relações entre os conhecimentos dos professores.

De maneira similar, Borges (1993) subdivide este programa em pesquisas sobre a

cognição do professor e pesquisas sobre o pensamento do professor. De acordo com a autora, as

primeiras são também originadas a partir de conceitos da psicologia, e prosseguiram

principalmente devido às críticas à abordagem processo-produto, enfocando os processos

cognitivos dos professores, porém, sem levar em conta alguns aspectos como o contexto em sala

de aula, e a personalidade do professor. Nestas pesquisas, a preocupação é analisar os processos

cognitivos do docente em relação às suas ações e comportamentos em sala de aula, usando como

modelo o pensamento lógico matemático, e encarando os saberes como um conjunto de

informações, símbolos, roteiros, e esquemas de ação. No caso das pesquisas sobre o pensamento

do professor, que surgiram devido às críticas contra a abordagem cognitiva, conforme Borges

(1993), os pensamentos dos docentes são estudados segundo uma abordagem fenomenológica e

etnometodológica, cujo objetivo central é explicar os processos mentais e significações relativas

às ações docentes. Nestas pesquisas, os saberes pedagógicos e curriculares são reforçados em sua

evidência através da importância atribuída aos saberes das disciplinas, e aos saberes do ensino

das disciplinas.

Estes saberes docentes, ou conhecimentos que os professores precisam ter sobre o seu

trabalho, são essenciais para se pensar na profissionalização do ensino. Gauthier et el (1998)

preferem chamar de “reservatório de conhecimentos”, explicando que este possui um sentido

bem amplo, englobando todos os saberes docentes, cuja categorização mais citada é a de

Shulman (1987) com sete saberes principais que caracterizam a profissão de professor:

conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento pedagógico,

conhecimento do programa, conhecimento do educando e de suas características, conhecimento

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dos contextos, conhecimento dos fins, objetivos, valores e fundamentos filosóficos e históricos

da educação.

Contudo, apresentando o seu conceito sobre a idéia de Gauthier de um “reservatório de

conhecimentos”, Tardif (2000) afirma que esta é uma visão simplificadora, pois isto transmite a

idéia de que todos os saberes estão igualmente disponíveis na memória do professor. Para o

autor, o conjunto de saberes que servem de base para o ensino pode ser entendida de duas

maneiras: num sentido restrito, ela designa os saberes mobilizados pelos professores eficientes

durante a ação em sala de aula e que deveriam ser incorporados aos programas de formação de

professores. Num sentido mais amplo designa o conjunto dos saberes que fundamentam o ato de

ensinar no ambiente escolar. O saber docente geral pode se constituir a partir dos seguintes

saberes: disciplinares, curriculares, profissionais, e experienciais; e é proveniente de diversas

fontes: a formação inicial e continuada, currículo, socialização escolar, conhecimento das

disciplinas a serem ensinadas, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional,

aprendizagem com os pares, etc.

Para Gauthier et el (1998), o “reservatório de conhecimentos”, ou saberes docentes,

possui um subconjunto de saberes, com um sentido mais restrito, denominado por ele de

“repertório de conhecimentos”, também conhecido por “saberes da ação pedagógica”,

representando somente os saberes do gerenciamento da classe e do gerenciamento do conteúdo.

O reservatório de conhecimentos (ou saberes) inclui os seguintes saberes: saberes disciplinares

(matéria), saberes curriculares (programa), saberes das Ciências da Educação (disciplinas

pedagógicas), saberes da tradição pedagógica (uso), saberes experienciais (jurisprudência

individual), saberes da ação pedagógica ou repertório de saberes (jurisprudência pública),

saberes culturais e pessoais (pessoa), saberes pré-profissionais (vida). Especificamente no

processo ensino aprendizagem, Carvalho e Gil-Pérez (1998) apresentam o que devem “saber” e

“saber fazer” os professores, no âmbito de suas necessidades formativas: conhecer a matéria a

ser ensinada, questionar as idéias docentes de senso comum sobre o ensino e aprendizagem,

adquirir conhecimentos teóricos sobre a aprendizagem, saber analisar criticamente o ensino

tradicional, saber preparar atividades voltadas para uma aprendizagem efetiva, saber dirigir o

trabalho dos alunos, saber avaliar, adquirir a formação necessária para associar ensino e pesquisa

didática.

Os agrupamentos e as tipologias dos saberes resultam da análise de uma amplitude do

“caleidoscópio” dos saberes (BORGES, 1993). Os resultados de Borges (1993) atestam este fato,

pois apontam para uma listagem de saberes específicos: conhecimentos das disciplinas

ensinadas; conhecimentos pedagógicos e psicológicos sobre o desenvolvimento e aprendizagem

dos alunos; saberes sobre relações interpessoais e dialógicos, saber ser e saber agir;

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conhecimentos das Ciências Sociais, Antropologia e Sociologia; conhecimento da sociedade e do

sistema educacional; noção geral dos conteúdos de outras disciplinas; conhecimentos sobre as

condições de trabalho; saberes situacionais (agir no improviso, responder a um evento

inesperado); saber preparar materiais e recursos didáticos, elaborar avaliações e trabalhos,

corrigi-las, etc; saber organizar e distribuir seu tempo; saber preparar aulas, estudar, buscar

conhecimentos; autoconhecimento, reconhecer seus próprios limites e os da educação; saberes

sobre a realidade social, cultural, econômica, cognitiva, afetiva de seus alunos; saberes

provenientes da experiência familiar, valores morais e éticos; arcabouço teórico geral; abertura

às mudanças e vontade de mudar, talento, criatividade, gostar do que faz, amar o ato de ensinar,

falar em público; saber transmitir, apresentar, ensinar os conteúdos; saber transformar os

conhecimentos de uma linguagem complexa para uma mais simplificada e acessível aos alunos.

É possível aproximar saberes em subconjuntos, sob o ponto de vista epistemológico,

reduzindo todos os saberes em um número menor de grandes grupos. O próprio Shulman (1986)

reduz seus sete saberes, agrupando-os em apenas três de maior amplitude: conhecimento do

conteúdo, conhecimento pedagógico do conteúdo, e conhecimento pedagógico geral. Pimenta

(2005) realiza um trabalho semelhante ao apresentar três principais saberes: saberes do

conhecimento (ou do conteúdo), saberes pedagógicos, e saberes da experiência. Este último não

é categorizado por Shulman (1986) talvez porque que ele considere a experiência como

permeando todo o processo de raciocínio pedagógico, sendo ela uma condição necessária

(embora não suficiente) para a construção do conhecimento pedagógico do conteúdo por parte do

professor. Mais compactamente ainda, Pacheco (2004) mostra que todo o conhecimento docente

pode ser dividido em dois componentes: saber profissional e saber prático, que não devem ser

encarados, no entanto, como fragmentados, uma vez que o saber profissional não deixa de ser

um saber prático.

Assim, após esta breve revisão das concepções sobre as classificações dos saberes de

importantes autores da área, e cientes dos problemas de se criar tipologias, pois isto não é uma

tarefa fácil, tentaremos alistar, a seguir, os diversos tipos de saberes em uma seqüência que parte

de uma abordagem impessoal (conteúdo, programa, cultural) e vai se individualizando (mundial,

regional, local, sala, alunos), até atingir o intimamente pessoal (conhecimento de si mesmo, da

própria vida). Reconhecemos que estes saberes não são independentes, nem atuam de forma

individual no sujeito, como um arquivo de conhecimentos à disposição, onde basta selecioná-los

para o docente atuar em seu trabalho segundo a sua necessidade. Assumimos que os saberes

docentes são interdependentes e interligados, podendo ser utilizados pelos professores em

exercício de maneira integralizadora e muitas vezes em conjunto, não separadamente. Deste

modo, um profissional do ensino fará uso, ao mesmo tempo, de mais de um único saber,

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dependendo da situação vivenciada ou das decisões que o professor tomará frente a casos

particulares e singulares ocorridos em sala de aula. Identificamos, na literatura, os principais

saberes docentes, optando por recondicionar alguns deles a um termo de nosso próprio cunho,

uma vez que os diversos autores definem um mesmo saber com diferentes denominações:

Saberes dos conteúdos a serem ensinados; Saberes dos conteúdos pedagógicos; Saberes didáticos

dos conteúdos a serem ensinados; Saberes curriculares; Saberes dos contextos; Saberes culturais;

Saberes sobre os alunos; Saberes pessoais; Saberes pré-profissionais; Saberes experienciais da

profissão docente; Saberes profissionais gerais; Saberes competências.

2.3.3. Saberes dos conteúdos a serem ensinados

Também denominado de saber disciplinar por Gauthier et al (1998), é aquele saber que

cientistas e pesquisadores produziram a respeito do mundo, sendo que o professor o extrai ao

ensiná-lo, mas não o produz. Igualmente, Tardif (2002) o chama de saberes disciplinares e

afirma que estes são provenientes da formação inicial e continuada dos professores nas diversas

disciplinas oferecidas durante o curso de formação, e correspondem aos diversos campos de

conhecimento. Para Porlán e Rivero (1998), estes são os saberes disciplinares básicos (na

classificação desejável), que correspondem aos saberes acadêmicos (na classificação do

conhecimento profissional dominante), e privilegiam o saber disciplinar que inclui não só os

conhecimentos das disciplinas específicas das quais o professor se gradua como especialista, mas

também os conteúdos das Ciências da Educação. Visto como um dos componentes da

profissionalidade docente, Demailly (1997) os chama de saberes científicos e críticos, mostrando

que são sistematizados em disciplinas científicas e objetos de ensino nas escolas. Reforçando a

idéia de que o professor precisa ter o conhecimento do conteúdo específico relativamente à

disciplina ensinada, Borges (1993) classifica este saber docente como conhecimento disciplinar

ou da matéria ensinada.

Ao mencionar os quatro componentes do conhecimento profissional dos professores,

Garcia (1992) mostra a importância do conhecimento do conteúdo, que inclui não só a

informação, as idéias, tópicos, e conceitos específicos da matéria (conhecimento substantivo),

mas também o domínio dos paradigmas de investigação de cada disciplina, das suas tendências,

perspectivas, e validade (conhecimento sintático): “quando o professor não possui

conhecimentos adequados sobre a estrutura da disciplina que está a ensinar, o seu ensino pode

apresentar erroneamente o conteúdos aos alunos.”

O nível de domínio dos conteúdos que os professores possuem exerce uma forte

influência sobre: o que e como ensinam; o seu discurso na sala de aula; o tipo de perguntas que

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formulam em suas aulas; o modo como criticam e usam o livro didático. Para Zeichner (1993),

há um consenso de opiniões sobre o fato de que os professores devem ter um conhecimento

profundo das matérias que lecionam, e uma ampla variedade de estratégias e práticas de ensino

para responderem às necessidades dos alunos. No entanto, segundo Garcia (1992), há ainda um

debate aberto sobre o tipo de conhecimento disciplinar que o professor deve possuir. Alguns

argumentam que o professor deve saber menos que um especialista da matéria que ele leciona,

conhecendo pelo menos o que os programas de ensino (currículo) e os livros didáticos trazem.

Outros afirmam que o professor deve conhecer mais do que os especialistas de sua área, pois

envolveria conhecimentos sobre a aplicação destes conteúdos, e o valor social, ético e histórico

deste conteúdo. Uma terceira visão é a de que o conhecimento do professor sobre o conteúdo

específico de sua especialidade deveria ser simplesmente diferente, explícito e autoconsciente,

ou seja, deve ser um conhecimento para ser ensinado.

Garcia (1992) lembra que há uma espécie de conhecimento pertencente ao que se

denomina de currículo nulo ou currículo oculto, que envolve, durante a formação inicial, um

conjunto de mensagens não explícitas verbalmente da parte dos formadores, mas que são

apreendidas pelos alunos de modo indireto. Por exemplo, há a mensagem subjacente do mito de

que a teoria é importante para a aprovação, mas é a prática que realmente os formará como

professores.

Referindo-se a este tipo de saber, Shulman (1986) enfatiza que o professor precisa

possuir o conhecimento do conteúdo específico, que é composto pelos conhecimentos a respeito

do conteúdo da matéria que o professor leciona, e podem ser subdivididos em conhecimento

substantivo (conteúdo da ciência específica propriamente dita); e conhecimento sintático (de

como esta ciência foi construída). O conhecimento do conteúdo (que o professor precisa possuir

para ensinar determinada matéria) é chamado por Shulman (1986) de “paradigma perdido”, pois

a ênfase nas pesquisas não estavam contemplando os saberes sobre conteúdos. Segundo Shulman

(1986), o professor deve possuir uma compreensão mínima dos conceitos envolvidos, precisando

saber não apenas o que ele ensina, mas também por que ele ensina aquele conteúdo, ou seja, sob

quais circunstâncias aquele conteúdo foi construído. No entanto, acreditamos que os conteúdos

deveriam estar presentes na formação do professor, não apenas de uma forma mínima, mas de

modo a ir além daquilo que será trabalhado em sua prática docente com as crianças e os jovens,

uma vez que o conteúdo assume um papel central no desenvolvimento de competências.

Portanto, o conhecimento do conteúdo deve ir além do mínimo.

Contudo, há atualmente um tratamento inadequado dos conteúdos nos cursos de

formação inicial de professores, pois estes geralmente, caracterizam-se por tratar

superficialmente (ou mesmo não tratar) os conhecimentos sobre os objetos de ensino com os

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quais o futuro professor virá a trabalhar. Para garantir ao futuro docente o domínio e a

consolidação do conhecimento dos conteúdos, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2001) apontam para as denominadas

“unidades curriculares de complementação”, que estariam longe de ser simplesmente “aulas de

revisão”:

É, portanto, imprescindível que o professor em preparação para trabalhar na educação

básica demonstre que desenvolveu ou tenha oportunidade de desenvolver, de modo sólido e

pleno, as competências previstas para os egressos da educação básica [...]. Isto é condição

mínima indispensável para qualificá-lo como capaz de lecionar na educação infantil, no ensino

fundamental ou no ensino médio. Sendo assim, a formação de professores terá que garantir que

os aspirantes à docência dominem efetivamente esses conhecimentos. Sempre que necessário,

devem ser oferecidas unidades curriculares de complementação e consolidação dos

conhecimentos lingüísticos, matemáticos, das ciências naturais e das humanidades (BRASIL,

2001).

Mostrando a importância de que os professores precisam dominar os conteúdos com os

quais trabalham, Garcia (1992) afirma que, entre as pesquisas da área, “parece existir um acordo

generalizado quanto à necessidade de os professores possuírem um conhecimento adequado dos

conteúdos”, embora ainda haja discussões a respeito. Segundo o mesmo autor, “conjuntamente

com o conhecimento pedagógico, os professores têm de possuir conhecimentos sobre a matéria

que ensinam”, pois o conhecimento que eles possuem do conteúdo a ensinar também influencia o

processo de ensino-aprendizagem.

Confirmando esta importância, Carvalho e Gil-Pérez (1998) mostram que este saber vai

além dos conteúdos e apresentam alguns aspectos do que seriam, para eles, o conhecimento do

conteúdo necessário a um professor: a) conhecer a história das ciências e como determinados

problemas originaram a construção dos conhecimentos científicos; b)conhecer as orientações

metodológicas empregadas na construção dos conhecimentos; c)conhecer as interações entre

ciência/tecnologia e sociedade; d) conhecer desenvolvimentos científicos recentes e outras

matérias relacionadas; e) saber selecionar conteúdos adequados; f) preparar-se para aprofundar

os conhecimentos e adquirir outros novos. Afinal, professores sem conhecimentos específicos da

matéria a ser ensinada podem se transformar em transmissores mecânicos de conteúdos do livro

didático.

Porém, em muitos casos, quando há conteúdos ministrados na formação inicial, Tardif

(2002) mostra que tais teorias geralmente não possuem, “para os futuros professores e para os

professores de profissão, nenhuma eficácia nem valor simbólico e prático”, além de serem

ensinadas “por professores que nunca colocaram os pés numa escola”. Em conseqüência disso,

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os professores têm a noção de que não foram e não estão bem preparados, que estão aprendendo

principalmente com a prática, e que a vida lhes ensina para poder ensinar também. De fato,

dominar os saberes científicos geram alguma autonomia que possibilita ao aprendiz (futuro

professor) a capacidade de negociação de suas decisões, alguma capacidade de comunicação,

algum domínio e responsabilização em face de situações.

Para Tardif (2002) uma formação inicial limitada dos docentes parece levá-los a algumas

situações gerais de despreparo: sensação de incapacidade e insegurança, respostas insatisfatórias

para os alunos, falta de sugestões de contextualização, bibliografia e assessoria reduzida, e tempo

reduzido para pesquisas adicionais. Tentando superar essas dificuldades, os docentes vão em

busca das mais variadas fontes de consulta para suas aulas. Dependendo da fonte consultada ou

da resposta obtida, suas concepções alternativas podem ser alteradas ou reforçadas, ou ainda

novas concepções poderão ser geradas. Algumas dessas concepções alternativas sobre

determinados fenômenos podem ficar firmemente arraigadas no professor desde o tempo em que

o mesmo estudava enquanto aluno, persistindo até durante a sua atuação profissional.

Diminuído a importância dos saberes dos conteúdos, promoveu-se a idéia de que o

conhecimento pedagógico geral era mais importante do que o conhecimento do conteúdo, e que

bastavam os saberes pedagógicos por si próprios. Nesta perspectiva, os saberes de conteúdo

seriam simplesmente adaptados às formas-padrões de ensinar, como se existissem ‘moldes’ ou

‘fôrmas’ pedagógicas de ensino, em que qualquer conteúdo pudesse ser ajustado ali para se

trabalhar em sala de aula. No entanto, este modelo se tornou obsoleto quando resultados de

pesquisas mostraram que o saber do conteúdo é essencial para o trabalho do professor. Shulman

(1986) mostrou que frequentemente um professor novato experimenta o ensino de um tópico que

não lhe fora ensinado antes. Nesta visão, a preocupação apresentada no trabalho de Shulman é o

modo como o professor se prepara para ensinar algo que nunca aprendeu, ou seja, como o

aprendizado para o ensino ocorre. O autor demonstra que o professor se apóia, como

conseqüência, nos curriculum materials, ou seja, nos livros didáticos. Porém, como apontam

várias pesquisas, estes possuem sérios erros de conteúdos, falhas metodológicas, conceitos

incompletos, falta (em alguns casos) ou excesso (em outros casos) de conteúdos considerados

significantes. A pergunta de Shulman (1986), portanto, é como o professor transforma estes

textos didáticos em instruções para seus alunos compreenderem?

Outra importante questão sobre o conteúdo a ser ensinado é levantada por Gauthier et el

(1998): como os professores selecionam os conteúdos? Esta é uma questão interessante, visto

que as decisões dos professores quanto aos conteúdos a serem ensinados exercem uma influência

considerável sobre o êxito dos alunos. Os próprios autores respondem a este questionamento

com as seguintes inferências: depende do esforço percebido como necessário pelos professores

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para ensinar determinado tema; depende da percepção dos professores em relação à dificuldade

que o conteúdo apresenta para os alunos; depende do sentimento de satisfação pessoal de ensinar

um conteúdo específico. Para Garcia (1992) as crenças, atitudes, disposições e sentimentos dos

professores acerca da matéria que ensinam influenciam o conteúdo que selecionam e como

ensinam esse conteúdo. Os professores têm temas preferidos e temas que não gostam de ensinar,

assim como possuem um autoconceito relativamente à sua capacidade para ensinar umas

disciplinas e não outras.

Por outro lado, Pacheco (2005) lembra que os conteúdos já são previamente selecionados,

fragmentados e organizados em disciplinas ou áreas, antes de o professor tomar consciência de

sua existência. Esta seleção prévia é realizada obedecendo-se a três critérios fundamentais,

segundo Pacheco (2005): critério lógico (forças da estrutura da própria ciência); critério

psicológico (variáveis do sujeito que aprende); critério social (forças sociais que buscam na

educação algum tipo de qualidade). Quanto à organização destes conteúdos, segue-se diferentes

modalidades: organização centrada nas disciplinas, organização centrada nas atividades, e

organização centrada nos núcleos temáticos.

Apesar destas pré-organizações de conteúdos, compete ao professor ordená-los

novamente (usando sua autonomia) e esquematizá-los de modo lógico e coerente para que sejam

compreendidos pelos alunos. Nesta ordenação didática, seguem-se fatores lógicos e psicológicos,

podendo optar-se por diferentes vias: multi-pluri-inter-trans-disciplinaridade. Os professores que

obtém êxito em seu trabalho conhecem a matéria de um modo que lhes permite planejar a

criação de aulas que ajudarão os alunos a relacionar os conhecimentos novos aos que já

possuem, pois ensinar exige um conhecimento do conteúdo a ser transmitido, visto que,

evidentemente, não se pode ensinar algo cujo conteúdo não se domina.

Para Pimenta (2005), os saberes do conhecimento ou do conteúdo dizem respeito a todo o

referencial científico, tecnológico, teórico, técnico e cultural, das áreas específicas. Neste caso,

conhecimento não é simplesmente informação. O docente precisa saber trabalhar as informações,

mediando-as, atribuindo um significado a elas, classificando-as, contextualizando-as, e por fim

vincular o conhecimento de modo que seja útil e pertinente, sabendo contemporaneizar os

conhecimentos. Para esta autora, este saber inclui a capacidade do professor transformar

pedagogicamente o conteúdo para uma linguagem compreensível ao aluno.

Definindo o saber acadêmico, no contexto do conhecimento profissional que

normalmente existe nas instituições de ensino, Porlán e Rivero (1998) afirmam que é o conjunto

de concepções disciplinares que os professores possuem sobre o currículo e as Ciências da

Educação, tendo como principal fonte a sua formação inicial. O saber acadêmico organiza-se de

acordo com uma lógica disciplinar, sem uma abordagem contextualizada, mas muito bem

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fragmentada, o que normalmente é chamada de “teoria”. Por outro lado, o conhecimento

profissional docente que deveria existir (desejável) inclui os saberes disciplinares básicos, que

são compostos por cada uma das disciplinas que estudam variáveis implicadas nos processos de

ensino-aprendizagem e cujo grau e tipo de organização se corresponde com a lógica interna de

cada uma delas. Neste caso, envolveria as várias disciplinas das áreas curriculares (física,

química, por exemplo), das áreas do ensino (pedagogia, história da educação), das áreas da

aprendizagem (psicologia), e das áreas de estudo dos sistemas educativos (sociologia, estrutura),

e muitas outras. Porlán e Rivero (1998) resumem em disciplinas da matéria, psicopedagógicas, e

didáticas especificas, e apresentam um sub-saber do saber profissional desejável: o

conhecimento da matéria a ensinar. Mas, um conhecimento adequado da matéria implica

compreender em profundidade o objeto de estudo, os princípios, leis e teorias mais relevantes, e

as relações entre todos eles, o que levaria o professor a ter a atitude científica de aprofundar nos

conhecimentos e estar pronto para adquirir novos, o que nos remete ao conhecimento substantivo

da matéria, apresentado por Shulman (1986).

No entanto, Porlán e Rivero (1998) mostram que dentro deste saber, há os conceitos

descritivos, explicativos e aplicativos, levando em conta que o conhecimento do conteúdo deve

ser articulado, flexível, plural, crítico e integrador. Há também o conhecimento profissionalizado

do conteúdo, quando os conhecimentos do conteúdo se relacionam com os conhecimentos das

Ciências da Educação, os psicopedagógicos e as Didáticas Específicas. As Didáticas Especificas

usam e reinterpretam os conhecimentos científicos e psicopedagógicos para explicar os

processos de ensino e aprendizagem de uma matéria escolar e para propôr pautas de projeto e

desenvolvimento curricular. Assim, o saber didático é um saber para a ação e é integrador, muito

importante e especial para o conhecimento profissional, pois implica em saber explorar as idéias

dos alunos. A nossa visão, porém, é a de que o saber didático deveria ser muito mais abrangente

do que propõem os autores, sendo formado por um conjunto amplo de saberes, dentro do qual

estaria incluído o saber disciplinar, pois o saber didático é uma espécie de saber que capacita o

professor para a sua ação profissional de ensinar, independente de qual área do saber disciplinar

o docente se especializou. Assim, propomos um repensar sobre a possibilidade de que o saber

disciplinar seja um sub-saber do saber didático, e não o inverso.

2.3.4 Saberes dos conteúdos pedagógicos

Estes conhecimentos funcionam como ferramentas para se efetuar uma leitura da

realidade social, conhecendo-a a ponto de intervir nos processos de ensino e aprimorar a

compreensão da subjetividade de cada um, envolvendo os conhecimentos antropológicos,

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psicológicos, pedagógicos, e sociológicos (BORGES, 1993), ou seja, os conhecimentos das

Ciências Sociais e Humanas. Para Gauthier et al (2005), que os chama de saberes das Ciências

da Educação, estes são os conhecimentos que o professor adquire durante a sua formação inicial

e, embora não o ajudem diretamente a ensinar, informam-no a respeito de facetas de seu ofício

ou da educação de um modo geral, sendo as fontes principais destes saberes as disciplinas

pedagógicas dos cursos de formação, tais como Sociologia, Antropologia, Psicologia da

Educação, etc. Segundo os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002), este

saber pedagógico envolve o conhecimento sobre o currículo e desenvolvimento curricular,

questões de natureza didática, avaliação, interação grupal, relação professor-aluno, conteúdos de

ensino, e sobre os procedimentos de produção de conhecimento pedagógico.

Para Shulman (1986), estes saberes incluem conhecimentos e teorias, princípios

relacionados a processos de ensinar e aprender, conhecimentos de contextos educacionais,

modos de gestão da sala, do currículo como política, conhecimento dos alunos, do programa

oficial de ensino, fundamentos filosóficos e históricos, e são chamados pelo autor de

conhecimento pedagógico geral. Um dos quatro componentes do conhecimento profissional dos

professores apresentados por Garcia (1992) é o conhecimento psicopedagógico, ou seja, o

conhecimento relacionado com a aprendizagem, com os alunos, com os princípios gerais de

ensino, tempo de aprendizagem acadêmico, gestão de classe, técnica didáticas, planejamento de

ensino, avaliação, aspectos legais da educação, etc.

Desta forma, este conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação inicial

ou contínua de professores inclui os saberes das ciências da educação e os saberes pedagógicos,

conforme Tardif (2002), que os denomina de saberes da formação profissional. Os saberes

pedagógicos são doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no

sentido amplo do termo, e que se constituem em normas e orientações para a atividade educativa,

articulando-se com os saberes das Ciências da Educação para legitimar “cientificamente” suas

normatividades, através de estudos e trabalhos efetuados pelos teóricos e pesquisadores das

Ciências da Educação, embora seja bastante raro vê-los diretamente no meio escolar, em contato

com os professores. Estes saberes constituem-se no saber-fazer pedagógico, cujos saberes são

relacionados com procedimentos do trabalho em grupo na sala de aula, os meios de ensino, as

tecnologias e as metodologias de ensino.

2.3.5 Saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados

Atuando recentemente na área da transposição didática, divulgado principalmente por

Chevallard (1991), mas introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret, o estudo destes

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saberes tem sido um referencial para se trabalhar conhecimentos enquanto processo de ensino,

pois para ensinar, não bastam apenas os saberes do conteúdo e os saberes pedagógicos, mas

também dos saberes didáticos, que auxiliarão o professor na transformação da linguagem sobre a

Ciência dos cientistas em linguagem sobre a Ciência dos alunos, ou seja, ensinar de um modo

didaticamente compreensível para os alunos (PIMENTA, 2000). Para isso, necessita-se

reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática docente, constituindo novas Ciências da

Educação, e superando a tradicional fragmentação dos saberes em disciplinas. A prática social

pedagógica deve ser o ponto de partida e o ponto de chegada, levando em conta a experiência

profissional. Trabalhos contemporâneos de pesquisa na área da Educação costumam enfocar

apenas este saber didático dos conteúdos, ou apenas um, ou ainda alguns saber(es) em específico,

deixando de contextualizar os demais. Esta característica nos textos pode tornar muito

fragmentado o tratamento dos saberes, em detrimento dos outros, com uma ênfase demasiada em

apenas um deles, prejudicando a idéia original do autor. Na área da Educação em Ciências, por

exemplo, parece que o enfoque principal tem sido sobre como ocorre a transposição didática, em

detrimento de outros saberes também importantes.

O saber a ensinar, não é a mera simplificação ou trivialização formal do saber sábio que

se constitui no que conhecemos por conhecimento científico, fruto do trabalho de uma esfera

composta de cientistas e intelectuais. Para se tornar saber a ensinar, é preciso que o saber sábio

sofra uma espécie de degradação com uma perda do contexto original, permitindo uma

reorganização e uma reestruturação de um novo saber, o saber a ensinar, que se constrói a partir

do uso do saber sábio como referência, constituindo-se de uma nova linguagem (ALVES FILHO

et al, 2005). A esfera do saber a ensinar compõe-se basicamente pelos autores de livros e

manuais didáticos, os especialistas e professores da disciplina (não cientistas) que influenciam

nos autores destas publicações, e a opinião pública em geral capacitada a influenciar o processo

de transformação do saber. Para efetivamente ensinar, um professor deve saber algo que outros

não saibam, especialmente seus alunos. O professor deve ser capaz de transformar

entendimentos, habilidades, atitudes ou valores em ações e representações pedagógicas.

Por fim, à luz da transposição didática, ocorre uma terceira transformação do saber,

produzindo o saber ensinado, praticada pelo professor, que sofre pressões externas (por exemplo,

as interferências dos interesses e opiniões da administração escolar, dos alunos e da comunidade)

e internas (por exemplo, as interferências das concepções pessoais do professor) neste processo.

No entanto, é necessário que o professor se responsabilize por esta transposição, o que só poderá

acontecer se ele utilizar a sua autonomia por conhecer com profundidade o conteúdo de sua área

do saber (ALVES FILHO et al, 2005). Há ainda uma quarta situação, segundo Bejarano (2001),

em que o saber assume outra transformação, numa esfera composta pelos alunos que

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apreenderam o conhecimento trabalhado pelo professor.

Estes saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados são os mesmos que Shulman

(1987) chamou de pedagogical content knowledge, e que já foi erroneamente traduzido por

“conhecimento do conteúdo pedagógico” (Garcia, 1992), ao invés de mais corretamente

“conhecimento pedagógico do conteúdo”. Há uma abismal discrepância de significado em nossa

língua entre estas duas diferentes traduções, o que pode levar o leitor a concluir que

“conhecimento do conteúdo pedagógico” é sinônimo de “conhecimento pedagógico geral”,

quando na verdade, o autor original usou o primeiro para se referir ao “conhecimento pedagógico

do conteúdo”, ou seja, a transformação que o professor efetua da matéria a ser ensinada numa

linguagem compreensiva para os alunos (transposição didática). Por isso, é preciso lembrar dos

cuidados na tradução de termos para que não permita confusões nas interpretações das intenções

originais do autor-fonte. Para Shulman (1987), este novo tipo de conhecimento é construído

constantemente pelo professor ao ensinar a matéria e é enriquecido e melhorado quando se

amalgam os outros saberes (principalmente o conhecimento do conteúdo e o conhecimento

pedagógico geral), sendo uma forma de conhecimento do conteúdo. Inclui a compreensão do que

significa ensinar um tópico de uma disciplina específica assim como os princípios e técnicas que

são necessários para tal ensino.

Denominando-os de saberes didáticos, Demailly (1997) identifica-os como importantes

componentes da profissionalidade docente, em que ocorre a aplicação das ciências humanas para

a transmissão e aquisição de um domínio de saber escolar, que por sua vez, pode ser subdividido

em domínio disciplinar (didáticas das disciplinas), transdisciplinares (didática de uma língua ou

de uma técnica, etc.), ou transversais (didática geral).

No caso da docência, este saber é bem específico da profissão, sendo o único

conhecimento pelo qual o professor pode estabelecer uma relação de protagonismo, pois é de sua

autoria, e aprendido no exercício profissional da docência, pois saber ensinar um determinado

conteúdo envolve pensar nos alunos e como eles concebem aquilo que está sendo ensinado,

levando em conta as limitações e capacidades individuais deles, e que o tempo de aprendizagem

e o tempo de ensino são distintos, conforme Amigues (2004): “o tempo de ensino não é paralelo

ao tempo de aprendizagem, não podendo essas duas temporalidades ser sobrepostas ou

confundidas.” Embora tão importante, a maioria dos especialistas ainda pensa que um bom

domínio dos saberes disciplinares dispensa saberes pedagógicos ou didáticos profundos

(PERRENOUD, 2002). Contudo, como mostra Borges (2004), este saber ensinar assume uma

posição importante no conjunto dos saberes docentes, pois envolve o saber explicar, transmitir,

atrair os alunos, sintetizar, selecionar, e estruturar os conteúdos do programa, ter criatividade,

metodologia, técnicas, didática, etc, enfim, ter conhecimentos sobre como ensinar a sua

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disciplina.

Defendendo o princípio da integração entre a formação de professores em relação aos

conteúdos propriamente acadêmicos e disciplinares, e a formação pedagógica dos professores,

Garcia (1999) salienta que este conhecimento didático do conteúdo a ser ensinado apresenta-se

como um importante estruturador do pensamento pedagógico do professor. Para Gauthier et al

(1998), este saber pedagógico do conteúdo não é visto como um conhecimento separado do

conhecimento do conteúdo a ser ensinado, mas faz parte no saber disciplinar, de modo que o

docente precisa conhecer os conteúdos para saber fazer a transposição didática, ou conhecimento

pedagógico da matéria (ou do conteúdo), ou imagem operatória da ergonomia cognitiva.

Incluindo este saber entre os quatro componentes do conhecimento profissional dos

professores, Garcia (1999) mostra que o conhecimento didático do conteúdo combina

adequadamente o conhecimento da matéria a ensinar e o conhecimento pedagógico e didático de

como a ensinar. Este tipo de conhecimento inclui conhecer o conteúdo de modo a conseguir

fazer o aluno entender. A investigação sobre este tipo de conhecimento representa uma das

contribuições mais importantes para as pesquisas sobre a formação de professores.

De fato, se considerarmos o conhecimento pedagógico geral (saberes dos conteúdos

pedagógicos) e o conhecimento do conteúdo (saberes dos conteúdos a serem ensinados) como

sendo iguais para professores da mesma área e com as mesmas formações, perguntamos: por que

surgem diferentes maneiras de ensinar o mesmo conteúdo? A resposta poderia estar na reação

que cada profissional possui, frente às situações únicas de uma aula, resultando em diferentes

conhecimentos pedagógicos do conteúdo (saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados).

Outra variável é a influência dos alunos na construção do conhecimento pedagógico do conteúdo

pelo professor, fazendo com que, muitas vezes, o mesmo professor ensine de diferentes maneiras

o mesmo conteúdo. Estas inúmeras formas de ensinar um mesmo conteúdo é chamado de

“repertório representacional”, e conforme os autores da área, este é o saber menos codificado.

2.3.6 Saberes curriculares

Estes saberes correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos

quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e

selecionados (TARDIF, 2004), apresentando-se sob a forma de programas escolares. Para Porlán

e Rivero (1998), o conhecimento do currículo e dos programas oficiais governamentais faz parte

tanto da experiência profissional no campo do conhecimento profissional desejável, como dos

saberes acadêmicos no campo do conhecimento profissional dominante. Gauthier et el (1998)

explicam que a instituição seleciona e organiza certos saberes produzidos pela Ciência e

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transforma num corpus que será ensinado nos programas escolares, assumindo a forma de

conteúdos programáticos, vestibulares, livros didáticos, LDB e PCN, por exemplo.

A respeito dos livros didáticos, e o modo como eles são concebidos pela maioria dos

professores brasileiros e pelas instituições onde trabalham, pesquisas têm demonstrado que eles

parecem estar investidos de uma superior autoridade intelectual, ou seja, que eles devem ser

obrigatoriamente seguidos (LANGHI, 2005). O professor precisa selecionar conteúdos que

sejam significantes para o trabalho com a sua sala de aula específica, e suprimir outros que ele

considera inapropriados para o contexto em que se insere. Esta atitude reflete a sua própria

autonomia, que só deve ser conquistada a partir de suas próprias competências e habilidades.

Outra característica de alguns destes materiais é a chamada organização didática que neles

constam, muitas vezes copiados de ano em ano, e quando preparados por alguém, nem sempre

consta uma autoria assumida ou responsabilidade intelectual. Sob diferentes perspectivas,

analistas e professores teriam, cada qual, suas próprias opiniões e idéias sobre a melhor ordem

didática dos conteúdos, pois cada profissional vivencia contextos diferenciados. Assim, não

podemos afirmar que existe uma única seqüência didática correta para os livros-texto.

Por outro lado, a disposição de conteúdos nos materiais didáticos do Ensino Médio

preparados por instituições particulares parecem caracterizar um treinamento para vestibulares, e

a forma como são ministradas as aulas neste nível de ensino reforçam esta característica. Após o

período da ditadura, o vestibular transformou-se, de classificatório, para eliminatório (ou mesmo

discriminatório), sendo que atualmente, não há justificativas para a existência dos vestibulares

em instituições particulares, dado o número de vagas. Em outras palavras, são os vestibulares

que estão determinando os conteúdos que devem ser ensinados no Ensino Médio,

comprometendo a autonomia dos professores que primam por um ensino de qualidade com

conteúdos significativos. Além disso, conforme atesta Pietrocola (2005), ao término das

avaliações tradicionais e dos exames para o ingresso no ensino superior, os alunos, em poucos

dias, se esquecem do que lhes foi ensinado, e todo aquele conhecimento físico se esvanece,

gerando um sentimento de tempo perdido estudando (ou decorando, ou ainda, “colando”)

conteúdos que talvez jamais sejam revisados nas vidas dos alunos.

2.3.7 Saberes dos contextos

Segundo os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002), formam esse

âmbito, conhecimentos relativos à análise da realidade social e política do país, as relações

sociais e sua repercussão na educação, as múltiplas expressões culturais e as questões de poder, o

conhecimento do sistema educativo, a reflexão sobre a dimensão social e política do papel do

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professor, a discussão de leis relacionadas à infância, adolescência, educação e profissão, as

questões da ética e da cidadania.

Para o ensino, o profissional da educação deve conhecer o seu entorno de trabalho, o

contexto local, regional e mundial. Incluindo estes saberes dos contextos, Gauthier et al (1998)

citam os saberes culturais juntamente com os pessoais como sendo adquiridos fora do exercício

da profissão, mas que podem ser mobilizados para fins específicos ao ensino. Também

denominado de saber cotidiano, Azzi (2000) explica que atividade cotidiana é diferente da

práxis, no sentido de que a vida cotidiana é o conjunto de atividades que caracterizam a

reprodução dos homens particulares, seguida da reprodução social, não havendo transformação.

As características do comportamento e do pensamento cotidiano são: espontaneidade,

economicismo, pragmatismo, probabilidade, imitação, analogia, ultrageneralização (ou juízo

provisório cotidiano, em que estão os preconceitos). Tais características são necessárias, mas não

podemos nos estagnar nelas, pois caso contrário estaríamos nos alienando, sendo que o cotidiano

não pode se tornar uma barreira ao desenvolvimento do pensamento científico.

Segundo Azzi (2000), o saber cotidiano é o que guia as ações do particular, sendo

influenciado pela arte, literatura, religião e ciência geral, necessitando o professor, de um

mínimo de conhecimento (em geral muito fragmentado) nestes campos, pois ele o usará de forma

pragmática durante a sua atuação docente. A instituição escolar é um ambiente em que

encontramos os dois tipos de saberes, além do cotidiano e o não-cotidiano, o pensamento

cotidiano e a teoria, a atividade cotidiana e a práxis. Para Borges (2004), estes saberes do

contexto também são mais proeminentes nos contextos educativos, pois os saberes das

finalidades educativas, segundo a definição da autora, fornecem ao professor uma visão ampla

do processo de ensino, da educação, do papel da escola e do professor.

Outro saber importante e necessário à profissão docente, de acordo com Zeichner (1993),

é o fato de que os professores precisam conhecer muito bem a comunidade escolar, mas deve ir

além disso e saber envolver os pais e outros membros da comunidade no programa escolar, pois

estes devem ser encorajados a participar na educação dos alunos: “a existência de boas relações

entre a escola e a comunidade, bem como o desenvolvimento das capacidades dos professores

para trabalharem eficazmente com os pais, são aspectos de grande importância,

independentemente do contexto” (ZEICHNER, 1997). De fato, a atividade do professor dirige-se

não apenas aos alunos, mas também à instituição que o emprega, aos pais, a outros profissionais.

De fato, para Garcia (1999), o conhecimento do contexto é um dos quatro componentes

do conhecimento profissional dos professores, e se refere a conhecer o local onde se trabalha,

bem como o seu público-alvo (alunos), sabendo adaptar o conteúdo que ensinam às condições

particulares da escola e dos alunos que a freqüentam. É preciso que conheçam o entorno de seu

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local de ensino, e as características sócio-econômicas e culturais da comunidade e do bairro.

2.3.8 Saberes culturais

Conforme comentado acima, os saberes culturais envolvem o campo da cultura geral

(GAUTHIER et al, 1998) bem como de saberes pessoais culturais, provenientes de sua educação

anterior a uma formação inicial. Porém, para Borges (2004), os saberes culturais vão mais além

de cultura geral, pois abrange temas de interesse dos jovens e de outros campos científicos,

visando relacionar com a sua disciplina, incluindo conhecimentos das novas tecnologias e das

novas descobertas científicas. Por isso, Borges (2004) os denominam de conhecimentos gerais e

de outros campos científicos. Este tipo de saber, conforme os Referenciais para Formação de

Professores (BRASIL, 2002), inclui desde o contato com as diferentes produções da cultura

popular e erudita e da cultura de massas, até a atualização em relação ao que acontece em âmbito

mundial, sob o ponto de vista de diferentes realidades, principais debates em pauta no país e no

mundo, conhecer e interagir com organizações sindicais e associações de caráter científico e

cultural.

2.3.9 Saberes sobre os alunos

Preocupado com o princípio da inclusão social, Zeichner (1993) cita alguns saberes que

os professores deveriam construir a respeito dos jovens a quem ministram suas aulas:

conhecimentos socioculturais gerais sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente, sobre

a adoção de uma segunda língua, sobre a maneira como as circunstâncias socioeconômicas, a

língua e a cultura modelam o desempenho e o sucesso escolar, além de conhecimentos

específicos acerca das línguas, culturas e particularidades dos alunos da sua sala de aula. Em

nosso caso, no Brasil, esta inclusão social na sala de aula implica em o professor construir

saberes acerca da linguagem brasileira de sinais (LIBRAS), braile, relações psico-sociais com

portadores de necessidades especiais (deficiências auditivas, de visão, físicas, mentais, etc).

Segundo os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002), este saber

envolve compreender quem são os alunos e identificar as necessidades que exigem atenção,

sejam elas relacionadas com os afetos, emoções, cuidados corporais, nutrição e saúde, sejam

relativas às aprendizagens escolares e de socialização, aspectos psicológicos, desenvolvimento

físico e dos processos de crescimento, assim como das aprendizagens dos diferentes conteúdos

escolares em diferentes momentos do desenvolvimento cognitivo.

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2.4 CARACTERISTICAS PESSOAIS E PROFISSIONAIS DO TRABALHO DOCENTE

Além dos contextos, o professor precisa aprender a descobrir e construir saberes sobre si

mesmo. Como explica Tardif (2004), os saberes pessoais podem fazer parte dos saberes

experienciais, ou seja, da própria experiência, não só profissional como também das experiências

vividas na família, na escola enquanto aluno, e na sociedade. Envolvem também, segundo

Borges (2004), algumas características pessoais relacionadas com o trabalho docente: gosto pela

profissão, o gostar do que faz, o gostar de interagir com crianças e/ou jovens, independente de

suas condições sociais, econômicas, culturais, etc. Por isso, a autora reforça a importância do

saber ser, ter postura, saber agir, demonstrar valores, aplicando estes conhecimentos tanto a nível

pessoal como conhecer bem seus alunos, pois envolveriam saberes que ajudam nos julgamentos

do professor em sala de aula: valores, regras, princípios morais, incluindo posturas e relações

interpessoais, saber agir, saber ser, saber fazer em situações diversas, flexibilidade, tato,

autoridade, autoconhecimento, reconhecer seus próprios limites, os do sistema educacional e os

dos seus alunos.

2.4.1 Saberes pré-profissionais

Antes do profissional da educação tomar a decisão de escolher tal carreira, ele passou por

trajetórias em sua vida que acrescentaram vivências e experiências sobre a sua futura profissão,

mesmo que nem se dê conta disso. Como enfatizam Gauthier et el (1998), todo indivíduo já viu

alguém ensinando; e estas experiências discentes do professor influenciam em seu futuro saber-

ensinar. A vivência com a escola enquanto aluno influencia o professor, o que poderá determinar

se ele vai querer ser professor. Estes saberes pré-profissionais são, então, construídos antes da

profissão docente, e que serão, com certeza, retomados durante o trabalho como professor. Têm

como pano de fundo uma espécie de tradição, e para Gauthier et al (1998), leva o nome de saber

da tradição pedagógica, pois o professor, ao se dirigir a todos ao mesmo tempo, esta “ordem”

cristaliza-se em tradição pedagógica.

Atuando como um conhecimento profissional desejável, Porlán e Rivero (1998)

apresentam estes saberes, que contribuem para a profissão em momentos antes de esta ser

exercida, como saberes metadisciplinares, em que as teorias gerais e cosmovisões dos

professores possuem um auto grau de integração do tipo generalista. Para os autores, é também

um conhecimento acadêmico, e permitem fazer uma análise crítica de outras disciplinas, ou seja,

conhecer o conhecimento, ter uma visão global do conhecimento, envolvendo teorias gerais, tais

como o construtivismo, a complexidade, o evolucionismo, a teoria crítica, etc.

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2.4.2 Saberes experienciais da profissão docente

Os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002) apresentam este tipo de

saber como o conhecimento construído na experiência articulado a uma reflexão sistemática

sobre ela, não devendo ser confundido com o conhecimento sobre a realidade. No entanto, não

baseia-se apenas em vivências, mas apóia-se em referenciais teóricos para que haja a reflexão

sobre a experiência, pois, durante a sua trajetória de vida profissional, o professor adquire

experiências e “macetes” característicos aprendidos na prática do seu trabalho com os alunos, a

instituição, o currículo, o contexto, e a burocracia escolar. Neste sentido, Pimenta (2000) alerta

contra as ilusões de saberes: ilusão do saber disciplinar, do saber didático, do saber das ciências

do homem, do saber pesquisar, do saber-fazer. Por exemplo, saber sobre Educação e Pedagogia

não geram saberes pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática, mas não só com a

prática e experiência. Por prática, remetemo-nos à definição de Borges (2004): “refere-se ao

exercício da docência propriamente dito, que pode ser posterior à formação inicial ou até mesmo

anterior a ela”.

Denominado de saber experiencial por Gauthier et al (1998), este se constitui como uma

experiência própria adquirida no cotidiano de sua profissão e, acima de tudo, privada e pessoal,

não sendo testado com pesquisas científicas. Muitos professores consideram o saber experiencial

como o fundamento de sua prática e de sua competência, constituindo-se em jurisprudências

particulares dos professores, cuja socialização contribuiria para o trabalho de outros docentes.

Conforme explica Tardif (2004), os saberes experienciais possuem três objetos, ou seja, há três

condições da profissão: a) relações com outros atores no campo de sua prática; b) diversas

obrigações e normas às quais seu trabalho deve se submeter; c) a instituição enquanto meio

organizado e composto de diversas funções. Durante a formação inicial, não se garante essas três

condições, pois não se estabelece relações entre estes saberes experienciais e os saberes da

formação.

Tendo como fonte o próprio contexto escolar, e com forte poder socializador, os saberes

baseados na experiência fazem parte do conhecimento profissional dominante, orientando a

conduta profissional, com um alto grau de organização interna, pois pertencem ao conhecimento

de senso comum. Apresentam características que revelam o seu alto grau adaptativo, com

contradições internas, e impregnado de valorizações morais e ideológicas. Estes saberes

constituem-se, assim, um conjunto de idéias conscientes que os professores desenvolvem durante

o exercício da profissão acerca de diferentes aspectos dos processos de ensino-aprendizagem,

manifestando-se como crenças, princípios de atuação, metáforas, e imagens de conhecimento

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pessoal. Esboçando uma “epistemologia da prática docente”, Tardif (2004) mostra algumas

características principais do saber experiencial: ele é ligado às funções rotineiras dos professores,

é prático, interativo, sincrético e plural, heterogêneo, complexo, aberto, personalizado,

existencial, pouco formalizado, temporal, social, evolutivo e dinâmico.

Além dos saberes baseados na experiência, há as rotinas e guias de ação formando o

conjunto de esquemas tácitos que predizem o curso dos acontecimentos na aula e com pautas de

atuação concretas e padronizadas para abordá-los. As rotinas e guias de ação ajudam a resolver

uma parte importante de nossa atividade cotidiana, especialmente aquela que se repete com certa

freqüência. Neste caso, os professores têm de evocar suas lembranças sobre acontecimentos em

sala de aula para poder identificar estas rotinas. Este saber é gerado muito lentamente, e por

processos de impregnação ambiental, vendo e convivendo com professores que se comportam

com suas rotinas básicas. A organização deste saber ocorre no âmbito do concreto e se vincula a

contextos muito específicos, respondendo implicitamente a situações diversas na aula.

Partindo para um conhecimento profissional desejável, Porlán e Rivero (1998) citam os

saberes da experiência profissional, com três componentes: os saberes rotineiros (rotinas e guias

de ação), os princípios e crenças pessoais (baseados na experiência), e os saberes curriculares

sistematizados, que representam um conjunto de idéias, hipóteses de trabalho e técnicas, com

cinco aspectos: conhecer a existência de concepções nos alunos e saber usá-las didaticamente;

conhecer como se formula, organiza, e sequencia o conhecimento escolar; saber desenhar um

programa de atividades válido para se tratar de problemas interessantes com potenciais para

aprendizagem (problematizar); saber dirigir o processo de aprendizagem do aluno; saber o que e

como avaliar.

É neste sentido que dizemos que o professor é investigativo, pois não deve depender

totalmente de teorias previamente estabelecidas, mas pode interpretar diferentes problemas de

diferentes maneiras. Deste modo, quando o professor experimenta repetições de situações, vai

construindo um repertório de conhecimentos que influencia as suas decisões. Daí a importância

da reflexão, pois conforme Contreras (2002), quando o professor se depara com novos episódios,

há a necessidade de uma atitude reflexiva, que segue os passos da investigação. Assim, como é

impossível determinar como se transcorrerá determinada situação educacional, exige-se dos

professores uma reflexão usando a sua experiência acumulada. Por isso, a reflexão sobre

determinada ação não pode proceder de outros ou externamente, senão dos próprios envolvidos.

Assim, para Freire (2000), a reflexão sobre a prática deve ser crítica, e é uma exigência da

relação teoria/prática.

Seguindo a analogia das jurisprudências, Gauthier el al (1998) explicam que o saber

experiencial pode se tornar público e testado através de pesquisas (investigações) realizadas em

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sala de aula, ou então, em discussões com um grupo de professores que relatam suas

experiências pessoais, ou jurisprudências individuais, o que receberia a denominação de saber da

ação pedagógica.

Para Azzi (2000), a experiência é construída enquanto o professor atua no cotidiano de

seu trabalho, fundamentando-se em sua ação, e é chamado de saber pedagógico. Este é o saber

que possibilita ao professor interagir com todo o contexto escolar, havendo uma diferença entre o

saber pedagógico e o conhecimento pedagógico: ao passo que o primeiro é construído pelo

próprio professor, o segundo é elaborado por pesquisadores e teóricos da Educação. O saber

pedagógico é variável porque o contexto, além de afetar a prática, também é afetado por ela.

Assim, diferentes professores terão diferentes atitudes e decisões ao tomarem decisões em sua

prática, pois a sua qualificação (capacidades e habilidades) também determinará esta variação de

saber. A prática determina o conhecimento, mas não é em si mesma o conhecimento. Assumindo

o conceito de idéia como o ato de negar a realidade educacional, e a ação como o ato de

transformar esta realidade, podemos atingir uma cristalização da idéia e da ação que se

caracteriza como sendo a própria prática ou trabalho docente, uma expressão do saber

pedagógico (que é variável), que por sua vez, pode vir a ser a fonte de desenvolvimento da teoria

pedagógica.

O conceito de saberes da experiência, para Pimenta (2000), é mais amplo e abrange o

item considerado anteriormente sobre os saberes pré-profissionais, pois para a autora, a

experiência inclui toda a trajetória de vida e a construção de sua personalidade profissional. Os

alunos de um curso de formação inicial possuem saberes sobre o que é ser professor, e as fontes

destes saberes podem vir a ser: sua experiência como aluno, sua experiência socialmente

acumulada sobre o exercício da profissão de professor, e sua experiência como professores,

atuando reflexivamente em sua prática. Tardif (2004) também não fragmenta os saberes

experienciais em pré-profissionais, mas comenta que há influências que antecedem à profissão.

Dando uma atenção especial à questão dos saberes experienciais, Tardif (2004) explica

que no exercício de sua prática, os professores desenvolvem saberes específicos, baseados em

seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio, brotando da experiência. Eles se

incorporam à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus (já comentado no item

anterior), de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser. São denominados de saberes

experienciais ou práticos. O professor ideal desenvolve um saber prático baseado em sua

experiência, mas reúne com destreza os diversos tipos de saberes, que incluem conhecer bem a

matéria a ser ensinada, a sua disciplina, seu programa, possuindo conhecimentos sobre Ciências

da Educação, Pedagogia. No entanto, conforme apresentam os resultados das pesquisas por

Tardif (2004), os professores apontam saberes que denominam de práticos ou experienciais

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como sendo os de maior importância, gerados pela prática cotidiana, em detrimento dos demais

saberes. Os saberes experienciais constituem-se em um conjunto de saberes atualizados,

adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão docente e que não provêm das

instituições de formação nem dos currículos, não se encontrando sistematizados em doutrinas ou

teorias. São saberes práticos e não da prática, pois há situações singulares que não são passíveis

de definições acabadas, e que exigem improvisação e habilidade pessoal, bem como a

capacidade de enfrentar situações transitórias e variáveis.

Esta complexidade do trabalho docente é acentuada pelo fato de que o trabalho

educacional é sempre singular e contextual, isto é, ocorre sempre em situações específicas. Por

isso, é praticamente impossível ter consciência de tudo o que é realizado durante todo o tempo de

aula levando o docente a uma forma de proceder pouco consciente que o possibilita reagir de

modo imediato às questões do cotidiano escolar, o chamado habitus, ou seja, seu próprio estilo

de ensino, sua personalidade profissional, resultado das constantes interações com os alunos,

com outros professores, com o meio (escola), com suas obrigações, com os programas, com os

pais, etc.

Mostrando que a experiência do trabalho docente exerce uma poderosa influência neste

habitus, Diniz e Campos (2005) afirmam que a disciplina de Prática de Ensino deveria visar a

construção de saberes que os licenciandos necessitarão para a sua prática profissional,

promovendo discussões e reflexões entre os licenciandos para que focalizem as escolhas feitas

por eles, tanto do ponto de vista da seleção dos conteúdos, como da organização e do preparo da

aula.

Por outro lado, Borges (2004) salienta que, embora a Prática de Ensino nos cursos de

formação inicial seja um dos momentos mais importantes na edificação dos saberes docentes, ela

não é suficiente, pois é somente na prática profissional que os professores se vêem confrontados

com os alunos, com um determinado contexto de trabalho, com os elementos que constituem o

trabalho docente propriamente dito. Como dizem os Referenciais para a Formação de

Professores: “tudo isso se aprende a fazer, fazendo” (BRASIL, 2002).

Todos os saberes obedecem a uma hierarquia de importância, e conforme mostra Tardif

(2004), os professores dão uma especial importância aos saberes experienciais, pois têm origem

na prática cotidiana em confronto com as condições de sua profissão, seja individual ou

coletivamente. De fato, os saberes experienciais são o núcleo vital do saber docente, e não

possuem características semelhantes aos demais. São formados de todos os demais, como uma

espécie de transposição dos demais saberes somados às certezas do cotidiano (ou seja, às teorias

particulares que os docentes formulam sobre sua própria prática). Assim, o caminho para a

profissionalização docente percorre as trilhas destas certezas subjetivas, que deveriam ser

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sistematizadas a fim de transformarem num discurso da experiência capaz de informar ou de

formar outros docentes, ou seja, deve-se sistematizar suas certezas vindas da prática para se

constituírem em teorias ensináveis aos formandos. Para o autor, o ato de partilhar saberes, trocar

idéias e informações entre os professores, fazer reuniões pedagógicas produtivas, ter conversas

construtivas na sala de professores, e participar de congressos, provocam uma retroalimentação

de saberes, filtrando, ou selecionando, saberes julgados úteis ou não, incorporando novos saberes

e rejeitando os de menos importância, numa espécie de re-tradução (transposição, ou adaptação)

dos outros saberes. De fato, Borges (2004) confirmou isto segundo os resultados de sua pesquisa

em entrevistas com uma amostra de professores, ressaltando que o exercício do magistério é

fundamental no processo de vir a ser professor. Nota-se, assim, que os professores ocupam, no

campo dos saberes, um espaço estrategicamente tão importante quanto aquele ocupado pela

comunidade científica, merecendo, portanto, o mesmo prestígio.

2.4.3 Saberes profissionais gerais

Estes saberes são diferentes dos demais analisados até agora, pois estes não são tão

específicos ao trabalho docente, embora muito necessários e desejáveis para a carreira de

professor, bem como para qualquer profissão, pois incluem saberes comuns a qualquer profissão,

como por exemplo, a ética no trabalho, organização do local de trabalho, a estética do serviço, e

assim por diante. De fato, os saberes profissionais gerais e alguns dos competenciais também

podem e devem ser encontrados nos indivíduos de outras profissões, ao passo que os saberes

acima considerados são bem mais indicados e específicos para o profissional de ensino.

Sob um contexto mais amplo para os saberes e competências profissionais gerais, não se

referindo necessariamente ao trabalho docente em especial, Araújo (1999) destaca algumas

qualidades pessoais que conferem grande importância aos atributos pessoais do trabalhador

comum:

-Espírito de equipe: a necessidade do trabalho em equipe e a identificação com os

objetivos da empresa constituem a base do espírito de equipe;

-Responsabilidade: refere-se ao esforço de fazer cumprir o compromisso assumido com a

empresa;

-Autonomia: refere-se à capacidade do trabalhador de se antecipar aos comandos das

chefias e agregar voluntariamente várias tarefas e intensificar seu próprio ritmo de trabalho;

-Iniciativa: é definida como a disposição para assumir e desenvolver um trabalho de

forma espontânea e rápida;

-Capacidade de comunicação: é requerida por exigência da responsabilização grupal pela

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produção, de maneira a facilitar a troca de idéias e opiniões sobre um assunto até que se alcance

o consenso;

-Flexibilidade: constitui-se em uma reatualização de valores, sob a ótica empresarial; é a

capacidade do trabalhador de mudar hábitos arraigados;

-Cooperação: é definida como uma disposição de trabalhar eficazmente com outras

pessoas em um grupo; prontidão de oferecer espontaneamente ajuda aos outros, sem tirar

proveito da situação. A identificação com os objetivos da empresa reflete uma atitude de

cooperação em torno dos seus objetivos;

-Interesse e atenção: são definidos como a vontade de dirigir os sentidos para situações de

aprendizagem ou trabalho durante certo período. Referem-se, ainda, à valorização da

aprendizagem no trabalho pelo operário.

Embora tais qualidades não estejam diretamente relacionadas com o trabalho profissional

docente, o seu desenvolvimento é apoiado pela LDB para a educação profissional, que explicita

a pessoa competente quando constitui, articula, mobiliza valores, conhecimentos e habilidades

para a resolução de problemas rotineiros e inusitados em seu campo de atuação. Assim, um

indivíduo considerado competente seria aquele que age com eficácia diante do inesperado,

superando a experiência acumulada e partindo para uma atuação transformadora e criadora. As

competências são definidas como capacidades ou saberes em uso, envolvendo conhecimentos,

habilidades e valores.

Visando uma compreensão a respeito dos saberes do perfil profissional, Manfredi (1996)

busca respostas às seguintes questões: O que esse profissional precisa saber (que conhecimentos

são fundamentais)? O que ele precisa saber fazer (que habilidades são necessárias para o

desempenho de sua prática de trabalho)? O que ele precisa saber ser (que valores, atitudes, ele

deve desenvolver)? O que ele precisa saber para agir (que atributos são indispensáveis à tomada

de decisões)? Procurando responde-las, Manfredi (1996) realiza a seguinte conceituação:

-Saber fazer: recobre dimensões práticas, técnicas e científicas adquiridas formalmente

(curso/treinamento) e/ou por meio da experiência profissional;

-Saber ser: inclui traços de personalidade e caráter, que ditam os comportamentos nas

relações sociais de trabalho, como capacidade de iniciativa, comunicação, disponibilidade para a

inovação e mudança, assimilação de novos valores de qualidade, produtividade e

competitividade;

-Saber agir: é subjacente à exigência de intervenção ou decisão diante de eventos (saber

trabalhar em equipe, ser capaz de resolver problemas e realizar trabalhos novos, diversificados).

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2.4.4 Saberes competenciais

Concomitante com os saberes e conhecimentos profissionais construídos pelo professor

durante a sua trajetória pessoal e profissional, há certas competências e habilidades que devem

fazer parte de sua prática docente. Apesar de as competências e as habilidades estarem

estreitamente ligadas com os saberes docentes, não acreditamos que sejam sinônimos, pois

possuem significados epistemológicos e etimológicos diferentes. Perrenoud (2002) enfatiza em

seus trabalhos que as competências mobilizam saberes, mostrando a estreita relação entre os

significados de ambos os termos. Por isso, preferimos denominar de saberes competenciais o

conjunto de competências e habilidades que o docente precisa dominar ao exercer o seu ofício,

juntamente com os demais importantes saberes, reconhecendo, porém, que são as competências

que permeiam todos os processos do trabalho educativo, enquanto os saberes docentes se fazem

presentes e atuantes em situações específicas.

Mas, como definir competência? O modelo da competência (sem necessariamente estar

ligada diretamente à educação) sugere que a qualificação de um indivíduo está diretamente

ligada à sua “capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou

previsíveis” (MANFRED, 1998). Apesar de existirem múltiplos significados para competência,

dependendo do contexto de análise, Perrenoud (1999) a define, do ponto de vista da Educação,

como sendo:

Uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em

conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. Para enfrentar uma situação da melhor maneira

possível, deve-se, via de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos

complementares, entre os quais estão os conhecimentos (PERRENOUD, 1999).

Para não causar confusões sobre o significado de competência, Perrenoud (1999) declara

que esta não é objetivo de aprendizado, nem desempenho observado, nem uma faculdade

genérica como uma potencialidade de qualquer mente humana. Do latim, Competentia significa

proporção, simetria. Refere-se à capacidade de compreender uma determinada situação e reagir

adequadamente frente a ela, ou seja, estabelecendo uma avaliação dessa situação de forma

proporcionalmente justa para com a necessidade que ela sugerir a fim de atuar da melhor

maneira possível (PERRENOUD, 2002).

Há situações da vida que não se apresenta a necessidade de possuir competências

especializadas. Muitas das situações inéditas da vida são simples o bastante para serem lidadas

sem competências particulares, por meio da óbvia observação, atenção e “inteligência”

(PERRENOUD, 2002). Por outro lado, alguém que dominasse um conjunto maior de grandes

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meios de observação, informação, análise e experimentação, conseguiria se livrar de um número

grande de situações inéditas, pois para ele, situações que seriam complexas para outros, tornar-

se-iam simples. Entendida deste modo, as competências são importantes metas da formação e os

professores, conforme Garcia (1999) deveriam se comprometer em desenvolver pelo menos seis

tipos de competências: a) empíricas (saber o que ocorre na classe, recolhendo dados e

descrevendo situações); b) analíticas (capacidade interpretar os dados recolhidos para inferir a

teoria); c) avaliativas (saber emitir juízos sobre situações educacionais); d) estratégicas

(capacidade de planejar ações utilizando a análise realizada); e) práticas (relacionar a análise e a

prática, visando produzir o efeito esperado); f) comunicação (saber comunicar e partilhar suas

reflexões e idéias).

Além disso, o texto da Resolução do Conselho Nacional de Educação 01/2002, citado por

Borges (2004), também se refere a seis competências: a) comprometimento com os valores

inspiradores da sociedade democrática; b) compreensão do papel social da escola; c) domínio

dos conteúdos a serem socializados, aos seus significados em diferentes contextos e sua

articulação interdisciplinar; d) domínio do conhecimento pedagógico; e) conhecimento de

processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica; f)

gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional.

Conforme Demailly (1997), os saberes e competências são componentes da

profissionalidade docente e incluem as competências organizacionais, que mobilizam saberes

relacionados com as metodologias de trabalho coletivo e de organização profissional de caráter

geral, estabelecendo comunicações com o meio interno e externo. Segundo os Referenciais para

a Formação de Professores (BRASIL, 2002), a perspectiva de competência permite realizar a

formação prática sem ater-se aos limites do tecnicismo, de modo que o professor aprenda a criar

e recriar sua prática, apropriando-se de teorias, métodos, técnicas e recursos didáticos

desenvolvidos por outros educadores, se submeter-se a um receituário externamente programado

por outros fora de seu contexto. O desenvolvimento da competência profissional permite ao

professor uma relação de autonomia no trabalho, criando propostas pedagógicas, lançando mão

de saberes pessoais.

Há também o que se denomina habilidades que, segundo Garcia (1999), é sinônimo de

competências, porém, para Perrenoud (1999), as habilidades fazem parte da competência, pois

esta relaciona-se ao “saber fazer algo”, que por sua vez, envolve uma série de ações habilidosas.

A partir do momento que o sujeito fizer “o que tem que ser feito” sem sequer pensar, pois já o

fez, não se fala mais em competência, mas sim em habilidades ou hábitos. Do latim, habilitas,

significa aptidão, destreza, disposição para alguma coisa, enquanto capacidade, do latim

capacitas, significa qualidade que uma pessoa ou coisa tem de possuir para um determinado fim,

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atuando com habilidade e aptidão. Perrenoud (2002) re-define competência, relacionando-a com

as habilidades da seguinte forma: "aptidão para enfrentar uma família de situações análogas,

mobilizando de uma forma correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos recursos cognitivos:

saberes, capacidades, microcompetências, informações, valores, atitudes, esquemas de

percepção, de avaliação e de raciocínio" (PERRENOUD, 2002). Todos estes recursos não

provêm da formação inicial nem contínua, pois alguns deles são constituídos ao longo da prática

o que contribui com a construção de habilidades.

Aludindo aos saberes competenciais, Zeichner (1993) afirma que “se os professores

lidassem com os destinos dos seus alunos como lidam os dos seus próprios filhos, estaríamos

mais próximos de compreender a finalidade do ensino numa sociedade democrática”.

Considerando igualmente importantes como componentes da profissionalidade docente,

Demailly (1997) apresenta saberes e competências, sendo que um destes são as competências

éticas, vistas como um conjunto de competências que representa a capacidade do professor de se

posicionar como adulto e cidadão que reflete aos jovens alunos uma certa idéia das relações entre

os homens.

Para Perrenoud (2000), as competências docentes podem ser divididas em macro-

competências (competências de referência) e micro-competências (competências mais

específicas), e identifica as seguintes macro-competências atribuídas ao professor: administrar a

progressão das atividades; administrar a sua própria formação contínua; conceber e fazer evoluir

os dispositivos de diferenciação; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; envolver

os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; informar e envolver os pais; organizar e

dirigir situações de aprendizagem; participar da administração da escola; trabalhar em equipe;

utilizar novas tecnologias.

Seguindo uma linha que, ao nosso ver, se aproxima da definição de competências, Freire

(2000) lista alguns saberes de ordem basicamente pessoais e experienciais: alegria e esperança;

apreensão da realidade; bom senso; compreender que a educação é uma forma de intervenção no

mundo; comprometimento; consciência do inacabamento; convicção de que mudar é possível;

criticidade; curiosidade; diálogo; estética e ética; humildade, tolerância; liberdade e autoridade;

pesquisa; querer bem; reconhecer que a educação é ideológica; reconhecimento e assunção

cultural; reflexão crítica sobre a prática; rejeição a qualquer forma de discriminação; respeito aos

saberes e a autonomia do ser dos educandos; rigorosidade metódica; saber escutar; segurança e

competência profissional; tomada consciente de decisões.

Apesar de as competências e as habilidades estarem estreitamente ligadas com os saberes

docentes, não acreditamos que sejam sinônimos, pois possuem significados epistemológicos e

etimológicos diferentes. Perrenoud (2002) enfatiza em seus trabalhos, que as competências

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mobilizam saberes, mostrando a estreita relação entre os significados de ambos os termos.

Por isso, preferimos denominar de saberes competenciais o conjunto de

competências e habilidades que o docente precisa dominar ao exercer o seu ofício, juntamente

com os demais importantes saberes, reconhecendo, porém, que são as competências que

permeiam todos os processos do trabalho educativo com autonomia, enquanto os saberes

docentes se fazem presentes e atuantes em situações específicas. Assim, acreditamos que os

saberes competenciais, tais como os denominamos, permeiam todos os demais saberes docentes

durante a atuação do professor.

2.5 MODELO EMERGENTE DE FORMAÇÃO PARA A AUTONOMIA DOCENTE

Com base nas discussões anteriores, apresentamos uma tentativa de articular como um

sistema os conceitos, até então abordados em nossa pesquisa, sobre formação docente, levando-

se em conta a construção da autonomia profissional na educação e a formação inicial de

professores.

Modelo emergente de formação para a autonomia docente

O modelo de formação convergente para a autonomia docente apresentado na figura

acima, se apresenta numa perspectiva da superação da racionalidade técnica, que tem como

Professor intelectual

crítico e transformador

Construção da

autonomia docente

como atributo para

emancipação social

Profissionalização

Docente

Modelo Formativo Fundamentado

na investigação/crítica da prática

em relação dialética com a teoria

Construção/reconstrução das

competências segundo o

desenvolvimento profissional

Construção de saberes,

competências, etc.

Modelo Formativo que traduz a

superação da desprofissionalização

docente fundamentado na

racionalidade técnica (professor

acrítico)

Amplitude dos saberes

docentes construídos na

formação inicial

Conhecimentos específicos dos

conteúdos a serem ensinados

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principal característica uma abordagem predominantemente conteudista.

À medida que a formação do professor privilegia a construção de saberes docentes, numa

maior amplitude, entendemos que o seu leque de ações amplia-se no sentido de uma ação

profissional cada vez mais autônoma. Os saberes da prática apresentam-se como um dos

caminhos para que o professor entenda o ensino contemplando demais competências e

conhecimentos específicos da área docente.

Enquanto o modelo hegemônico de formação fundamentado na racionalidade técnica

contempla uma condição restritiva para a construção da autonomia docente, onde a criticidade

não tem lugar. O modelo convergente privilegia a construção progressiva da autonomia docente,

no sentido de o professor posicionar-se como um agente de responsabilidade transformadora.

2.6 AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SEU ENTRELAÇAMENTO COM O CURRÍCULO E

INCLUSÃO

A escola pode ser considerada como um dos espaços mais

privilegiados de expressões culturais, exigindo por parte de quem

executa as práticas pedagógicas, desenvolver projetos de

construção de saberes, envolvendo a concretude democrática nas

decisões e adequação dos temas que atendam aos interesses dos

atores do processo, contestando sujeitos de dominação da

história, a partir de veicular práticas de sala de aula às questões

de políticas maiores (GIROUX, 1988).

Para conhecer e analisar os processos que constituem as práticas docentes é preciso

entender como se organiza, seleciona-se e distribui-se o conhecimento e as seqüências didáticas

vividas por professores, alunos e demais agentes escolares que participam desse processo direta

ou indiretamente. Ademais, é preciso levar em conta o papel social da escola moderna, entendida

aqui como locus cultural privilegiado para o desenvolvimento e a humanização das pessoas por

meio dos conhecimentos construídos e sistematizados historicamente.

O conceito de prática pedagógica apresenta-se na literatura sob diferentes abordagens.

Para Garcia (2005), a prática pedagógica pode ser dividida em “práticas pedagógicas de caráter

antropológico” e “práticas pedagógicas institucionalizadas”. A autora explica que a primeira diz

respeito à perspectiva social pela qual se compreende a educação escolar como um espaço

cultural compartilhado, não exclusivo de uma classe profissional concreta, ainda que se conceda

certa legitimidade técnica à ação docente. Já a segunda se refere à atividade docente realizada

nos sistemas educacionais e pelas organizações escolares a que estão inseridos. Neste sentido, “a

prática profissional depende das decisões individuais, que não estão isentas da influência de

normas coletivas e de regulações organizacionais” (GARCIA, 2005, p. 34). Portanto, o conceito

de prática pedagógica não se limita apenas às ações dos professores em sala de aula.

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Em outros termos, as práticas pedagógicas sempre são influenciadas pelas dimensões

individuais do docente e pelas influências que recebem do contexto sociopolítico e cultural em

que a escola está inserida. As palavras de Sacristán (1999, p. 91) são ilustrativas,

A prática educativa é algo mais do que a expressão do ofício dos

professores. (...) Sua gênese em outras práticas que interagem com

o sistema escolar e, além disso, é devedora de si mesma, de seu

passado. São características que podem ajudar a entender as razões

das transformações que são produzidas e aquelas que não chegam

a acontecer.

O estudo do currículo escolar traz contribuições significativas para entendermos como se

dão essas relações nas salas de aula numa perspectiva inclusiva. Glat (2007) reforça esse

argumento, ao afirmar que o currículo — concebido como uma construção sócio-cultural

abrangente que envolve as práticas e saberes construídos nos processos e interações do cotidiano

escolar — constitui-se como um dos aspectos urgentes a ser investigado frente às mudanças

vivenciadas pelas escolas com a inclusão de crianças com necessidades educativas especiais.

Tomando como base as diferentes relações e ações presentes no interior da escola e a

influência que recebe das práticas externas a ela, nesta tese usaremos o termo prática associado

ao currículo. Entendemos que as práticas curriculares são ações que envolvem a elaboração e a

implementação do currículo em suas diferentes dimensões (planejamento, metodologias,

estratégias de ensino, avaliação, tempo e espaço de aprendizagem), as quais, por sua vez, são

vinculadas ao processo histórico cultural dos sujeitos partícipes. Nessa perspectiva, as práticas

curriculares são desenvolvidas de forma coletiva e não individualizada pelos diferentes sujeitos

presentes na instituição escolar, especialmente professores e alunos, considerando as

contradições, tensões, conflitos, inovações e mudanças que figuram no espaço escolar.

Nesse processo o agente primordial é o professor, pois as suas experiências como

professor e ex-aluno, as características da turma, bem como a organização da instituição escolar

e as prescrições curriculares do sistema no qual se insere, acabam por definir suas opções

didáticas. Compreender a interação e a prática em sala de aula a partir dessas escolhas significa

escrutinar um pouco de cada um desses aspectos. Ainda segundo ela, as opções e práticas

curriculares dos professores acabam por determinar o sucesso ou o fracasso na aprendizagem dos

conteúdos escolares. Em outras palavras, as práticas curriculares são segundo Lunardi (2005,

p.04),

Práticas nas quais convivem ações teóricas e práticas, refletidas e

mecânicas, normativas, orientadoras, reguladoras, cotidianas.

Portanto, quando estudamos a escola estamos diante de práticas

curriculares que são o exercício característico da escola na

organização e desenvolvimento do currículo, ou seja, dos

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conteúdos de sua transmissão, o que inclui atividades e tarefas

propostas, bem como acompanhamento dos alunos no processo

ensino-aprendizagem. São aquelas implementadas e

recontextualizadas nos condicionantes escolares (tempo-espaço)

envolvendo práticas de seleção e distribuição dos conhecimentos

escolares

Isso reforça, mais uma vez, a necessidade da análise das práticas curriculares no cotidiano

escolar, vinculados às políticas públicas educacionais e dinâmicas socioculturais e econômicas

da atualidade. Por isso, é importante termos clareza sobre os pressupostos curriculares presentes

nas diretrizes oficiais. Lunardi (2008) aponta que a compreensão das práticas curriculares de sala

de aula somente é possível nessa perspectiva.

No Brasil, ao longo da década de noventa, cresceram as discussões sobre práticas

curriculares, especialmente a partir da divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais

(BRASIL, 1997) elaborados em consonância com o artigo 210 da Constituição Federal. Os

PCNs, tal quais as políticas de inclusão escolar, sofreram influências dos organismos

internacionais em sua elaboração. Foge ao escopo dessa tese fazer uma análise elaborada a

respeito. Contudo, devemos ressaltar que a política de educação inclusiva dirigida às pessoas

com necessidades educacionais especiais não está presente nos PCNs, na medida em que os

mesmos centralizam a educação para diferenças de etnia, classe e gênero, fazendo somente uma

vaga referência à escolarização das pessoas com deficiências ao estabelecer uma educação nos

pressupostos da educação para todos (OLIVEIRA, 2007).

A educação das pessoas com necessidades educacionais especiais só foi incorporada ao

conjunto dos PCNs em 1998, depois da institucionalização dos mesmos, por meio do documento

“Adaptações Curriculares: estratégias para a educação de alunos com necessidades especiais”

(BRASIL, 1998), desenvolvido pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação.

Em nossa avaliação, de certa forma, reproduziram-se com isso a histórica estruturação da

educação regular e Educação Especial como sistemas paralelos, pela qual o aluno com

necessidades educacionais especiais continua sendo de responsabilidade exclusiva da Educação

Especial. Em 2005, os conceitos de flexibilização e adaptação foram reforçadas em âmbito

nacional por meio do documento “Subsidiário à política de inclusão” (BRASIL, 2005),

elaborado a partir dos pressupostos contidos no documento “Temário aberto sobre Educação

Inclusiva” publicado pela UNESCO, em 2004.

No documento das Adaptações Curriculares o conceito de currículo é amplo e deve ser

construído a partir do projeto-político-pedagógico da escola, que envolve a identidade da

instituição, sua organização e funcionamento, e ao papel que exerce, a partir das aspirações e

expectativas da sociedade e da cultura. Portanto, deve incluir as experiências postas à disposição

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dos alunos, planificadas no âmbito da escola, com o objetivo de propiciar o desenvolvimento

pleno dos educandos. Por último, o documento ressalta que não se fixa no que há de especial na

educação dos alunos, mas flexibiliza a prática educacional para atender a todos (BRASIL, 1998).

Para tal o conceito de currículo se organiza:

Desde os aspectos básicos que envolvem os fundamentos filosóficos e sociopolíticos da

educação até os marcos teóricos e referenciais técnicos e tecnológicos que se concretizam na sala

de aula. Relaciona princípios e operacionalização, teoria e prática, planejamento e ação

(BRASIL, 1998, p. 31).

Para Silva (2008), essa compreensão de currículo em que se entrecruzam mudanças

sociais e educativas, pode estar focando apenas as mudanças nas concepções pedagógicas da

escola e dos professores quanto ao processo de ensino-aprendizagem dos alunos com

necessidades educacionais especiais. A autora também aponta que essa modificação ou

adaptação no currículo parece passar “tão somente pela garantia de maior apoio aos professores,

no que diz respeito às respostas que devem dar aos alunos que sentem/apresentam dificuldades

na sua aprendizagem” (p. 5).

No que se refere à organização do currículo, o documento delineia três níveis:

Adaptações no nível do projeto pedagógico (currículo escolar) que devem focalizar,

principalmente, a organização escolar e os serviços de apoio, propiciando condições estruturais

que possam ocorrer no nível de sala de aula e no nível individual; adaptações relativas ao

currículo da classe, que se referem, principalmente, à programação das atividades elaboradas

para sala de aula; adaptações individualizadas do currículo, que focalizam a atuação do professor

na avaliação e no atendimento a cada aluno.

O conceito de adaptação curricular empregado nesses níveis aparece como:

possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos.

Pressupõem que se realize a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo

apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo,

mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos

os educando (BRASIL, 1998, p. 33).

Garcia (2006) critica a suposta flexibilização/adaptação ou adequação do currículo, termo

usado na atualidade. Para ela isso pode representar um acesso restrito dos alunos com

necessidades educacionais especiais aos conhecimentos historicamente produzidos pela

humanidade, uma vez que propõem “eliminação de conteúdos básicos do currículo” e de

“objetivos básicos – quando extrapolam as condições do aluno para atingi-lo, temporariamente

ou permanentemente” (BRASIL, 1998, p. 38-39). A autora argumenta que, mais uma vez, o

processo de ensino-aprendizagem está calcado nas condições individuais do sujeito em contato

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com o currículo, e não uma estratégia alternativa e criativa voltada à construção de novas

possibilidades de aprendizagem. Em outro texto, Garcia (2007) sustenta que essa concepção

acaba por reforçar o modelo médico-clínico da Educação inclusiva.

Oliveira (2008), por outro lado, discorda, dizendo que a ênfase das adaptações é o

currículo e a escola entre si associadas, cuja relação deve ser pensada na dialética entre o geral e

o particular. Partilhamos dessa opinião. Ademais, apesar do grande número de instituições

filantrópicas que continuam perpetuando o modelo clínico de Educação Especial, o número de

alunos com necessidades educacionais especiais em escolas comuns públicas vem

paulatinamente crescendo nos últimos anos (BRASIL, 2008). Igualmente cresce o número de

pesquisas educacionais que denunciam e propõem alternativas ao modelo médico, bem como

mostram que as questões relacionadas à Educação Especial estão cada vez mais presentes na

agenda da educação geral (NENES & FERREIRA, 1993; NUNES, GLAT, FERREIRA,

MENDES, 1998; MENDES, FERREIRA & NUNES, 2003; FONTES, 2007; GLAT, 2007,

2008).

Acreditamos que esses dois aspectos, associados também ao impulso das políticas pró-

direitos educacionais e sociais dirigidas para as pessoas com necessidades educacionais especiais

e a participação dos pesquisadores da área em diferentes reuniões científicas — como, por

exemplo, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) —, estão

forçando uma resignificação da área de Educação Especial, no sentido de superar o modelo

criticado por Garcia.

Um último aspecto presente nas preocupações de Garcia (2006) repousa sobre as

possíveis conseqüências que as flexibilizações e as adaptações no currículo — fortemente

presentes na política de Educação Especial brasileira na perspectiva inclusiva, pautadas pela

restrição dos conteúdos da Educação Básica para os alunos com necessidades educacionais

especiais — podem provocar em toda Educação Básica. A autora acredita que essas medidas

podem ser estendidas ao conjunto da Educação Básica, uma vez que a política central consiste

em oferecer uma escolarização que atende apenas às “necessidades Básicas de aprendizagem”,

pautadas em pressupostos econômicos de custo-benefício. Uma das decorrências dessa visão

parece estar presente no discurso daqueles que defendem a matrícula do aluno com necessidades

educacionais especiais no ensino comum utilizando-se da política de inclusão sem, contudo,

manifestarem preocupações com o desenvolvimento de aprendizagens necessárias para a

participação desse sujeito-aluno de forma autônoma na vida social.

O conceito de adaptações curriculares também é criticado por Batista & Mantoan (2007).

Para essas autoras, ao “invés de adaptar e individualizar/diferenciar o ensino para alguns, a

escola comum precisa recriar suas práticas, mudar concepções, rever seu papel, sempre

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reconhecendo e valorizando as diferenças” (p.17). Ainda segundo essas autoras o conceito

propõe que apenas alguns alunos conseguem se “adaptar” ao modelo excludente de escola em

vigor, enquanto os demais por serem considerados “casos mais graves”, jamais poderão ser

incluídos nela. Nesse sentido, as autoras defendem que todos devem ser incluídos, alegando que

a escola e as próprias concepções negativas dos profissionais que nela atuam são os maiores

obstáculos nesse processo.

Embora o conceito de flexibilização/adaptação e mais recentemente de adequação

curricular mereça maiores análises críticas, se o tomarmos como uma possibilidade de

reestruturação do currículo comum nacional prescrito para todos os alunos, agora também

dirigido para os alunos com necessidades educacionais especiais — diferentemente de épocas

anteriores, em que o currículo para esses alunos era totalmente diferente daquele oferecido aos

demais — o mesmo representa um avanço para o processo de escolarização desses sujeitos.

Nesta e outras perspectivas as adaptações curriculares, sobretudo na escolarização de alunos com

necessidades mais acentuadas, vem sendo discutidas por diferentes autores (GONZÁLES, 2002;

GLAT & OLIVEIRA, 2003; GOMES, 2005; GLAT, 2007; 2008; OLIVEIRA & MACHADO,

2007; CARVALHO, 2008; OLIVEIRA, 2008). Apesar das inúmeras semelhanças entre as

discussões apresentadas pelos mesmos, consideramos pertinente fazer a apresentação sucinta de

algumas propostas envolvendo o conceito de adaptações curriculares.

Para Glat (2008), a política de educação inclusiva demanda que a escola transforme

concepções e práticas tradicionais de educação pautadas no déficit do aluno para uma concepção

curricular flexível que se adapte às suas necessidades específicas e que propicie a aprendizagem

e construção de conhecimentos. A autora enfatiza que “adaptar um currículo não significa

empobrecê-lo, mas em rever as estratégias e recursos usados para que o aluno com necessidades

educacionais especiais possa participar de todas as atividades da escola” (p.5). As propostas de

Gonzáles (2002) e Carvalho (2008) seguem na mesma linha.

Oliveira e Machado (2007) defendem que a diversidade presente em sala de aula exige

adaptações e que o desenvolvimento de um currículo único, pode ampliar “as práticas

excludentes, agora sob a forma do descaso e do abandono destes alunos ao “fundo da sala de

aula” e aos perigosos rótulos das “dificuldades de aprendizagem” (p.40). A este respeito,

argumentam que a escola só se tornará de fato inclusiva se oferecer as adaptações curriculares.

No entanto, as autoras alertam também que além de modificações curriculares é preciso haver: a)

predisposição política para a inclusão; b) um novo paradigma em educação, que tenha como

pressuposto o respeito à diversidade, como condição para a inclusão de todos os indivíduos

socialmente excluídos.

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Oliveira (2008), ressalta que para efetivar a proposta de uma educação inclusiva, que

atenda de forma adequada às necessidades educacionais especiais, a escola deve ter autonomia

para realizar as modificações necessárias para garantir a aprendizagem de todos. Dentre essas

modificações a autora cita as adequações curriculares individuais. Também se refere ao sistema

de suporte pedagógico especializado para acompanhar o processo do aluno com necessidades

educacionais especiais, como uma adequação no currículo. Essa proposta possibilita ao aluno a

“permanência, participação e convivência na escola, como também o acesso ao conhecimento

historicamente acumulado (através de seu acesso ao currículo)” (p.131).

Nessa perspectiva, há também aqueles que defendem projetos alternativos e diferenciados

para a educação das pessoas com deficiências em classes comuns. Para Góes (2004) é preciso

oferecer projetos diferenciados para que ocorra desenvolvimento dos alunos com necessidades

educacionais especiais e não apenas promover ajustes na estrutura curricular. Ao

proporcionarmos um ensino indiferenciado para essas pessoas, não temos como explorar a

plasticidade do funcionamento humano. Nesse caso, a autora defende alterações no currículo e

nas metodologias, mas defende também o suporte efetivo ao professor.

Apesar das diferenças e das singularidades presentes nas concepções anteriormente

apresentadas, todos os autores defendem mudanças na estrutura curricular para atender e

promover o desenvolvimento dos alunos com necessidades educacionais especiais inseridos em

classe comum do ensino regular.

Todavia, não podemos deixar de lembrar que, em âmbito nacional, embora os professores

tenham “autonomia” para, a partir do currículo oficial, realizar suas práticas, são obrigados a

participar de avaliações nacionais realizadas com base no currículo prescrito pelos PNCs. Caso

não consigam “bons resultados” nessas avaliações, correm o risco de perder recursos para a sua

escola. Nesse contexto, as avaliações nacionais aumentam o controle sobre as atividades

docentes e consequentemente se transforma em uma ameaça a autonomia docente.

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3 POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO

Neste capítulo analisa-se o processo de inclusão em educação num cenário político e

econômico contraditório com os valores apregoados por esse paradigma. Assim, é traçado

primeiramente um breve roteiro histórico da Inclusão, tomando por base os marcos legais,

nacionais e internacionais, importantes. Em seguida, abordaremos o tema Inclusão, procurando

sinalizar possíveis encaminhamentos para tratar da questão da Inclusão na escola comum regular,

que vive atualmente o desafio de conviver com a diversidade, o respeito às diferenças e a luta

pela igualdade de direitos entre todos os estudantes.

3.1 UM BREVE ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE A INCLUSÃO

A educação como direito social e como um dos componentes da consolidação da

cidadania pressupõe a criação e efetivação de estratégias pelo poder público para que o mesmo

seja garantido no âmbito da concretude. A elaboração de legislação e políticas educacionais no

país se trata de um movimento histórico, que localiza o direito à educação obrigatória em

espaços contraditórios, onde estão presentes os interesses sociais, econômicos e culturais.

A história da educação, enquanto demanda social, está associada à luta pela construção

dos direitos humanos e sociais. No Brasil, a inclusão escolar tem como suporte maior, a

Constituição Brasileira de 1988 que apresenta como fundamento a cidadania e a dignidade da

pessoa humana (art. 1º, incisos II e III). Como alguns dos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil são os de construir uma sociedade livre, justa e solidária; promover o bem

de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação (art. 3º, inciso I e IV), a educação é assegurada como um direito de todos (art.

205) e o ensino tem como um dos seus princípios a igualdade de condições para o acesso e

permanência na escola (art.206, inciso I).

Podemos contar também com a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada

na Tailândia em 1990, que aborda a importância de universalizar o acesso à educação e

promover a equidade. Com essa mesma ideia têm-se o Estatuto da Criança e do Adolescente e a

LDB nº. 9.394/96.

Outro marco importante para a inclusão em nosso país é a Declaração de Salamanca,

1994, Conferência Mundial em Educação Especial, pois foi a partir desse ano que o Brasil viu-se

ainda mais envolvido com as recomendações da educação inclusiva, no sentido de que todas as

escolas estivessem preparadas para receber a todos os alunos.

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O documento ‘Declaração de Salamanca’ recomenda que diante do alto custo de

manutenção das escolas especiais, as escolas comuns devem acolher todas as crianças

independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,

linguísticas ou outras. (UNESCO, 1994)

Assim, o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem

aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou

diferenças que elas possam ter.

Todavia, em movimento contrário ao da inclusão, de forma paradoxal ao crescente

movimento mundial pela inclusão, nesse mesmo ano de 1994, publicou-se no Brasil o

documento Política Nacional de Educação Especial, cujo texto demarca retrocesso das políticas

públicas ao orientar o processo de “integração instrucional” que condiciona o acesso às classes

comuns do ensino regular àqueles que “(…) possuem condições de acompanhar e desenvolver as

atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos

normais”. Ou seja, esse documento estava calcado no paradigma integracionista que concebia a

deficiência a partir de um modelo clínico, atribuindo um caráter incapacitante a esses alunos,

mantendo dessa forma um sistema educacional paralelo, substitutivo ao sistema regular de

ensino, seja em escolas ou em classes especiais.

Em 1996 a LDB da Educação Nacional, propõe a adequação das escolas brasileiras para

atender satisfatoriamente todas as crianças. A partir daí, o foco do discurso da inclusão escolar

dá enfoque às diferenças étnicas, sociais, culturais, entre outras.

No início do século XXI, sobretudo a partir da pressão dos movimentos sociais, em lutas

por bandeiras como justiça social, a não-discriminação e inclusão e respaldada por documentos

internacionais como a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiências (ONU, 2006), há

uma ênfase na política de Educação Inclusiva, que resulta na Política de Educação Especial na

perspectiva da Educação Inclusiva, que busca garantir que os alunos com deficiências,

transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação sejam matriculados em

escolas comuns de ensino regular, com oferta do Atendimento Educacional Especializado

(AEE), realizado, prioritariamente, em salas de Recursos Multifuncionais dentro das próprias

escolas.

De modo a firmar esse atendimento, são criadas Resoluções e Decretos, ao longo da

primeira década do século XXI, que buscam garantir a permanência desses alunos, através não

só de recursos materiais, provenientes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica (FUNDEB), como também de recursos humanos através da oferta de programas e ações,

como cursos de formação continuada de professores, sejam a nível de Aperfeiçoamento ou de

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Especialização, nas modalidades presencial, semi-presencial ou a distância. Esses cursos têm por

objetivo principal ampliar a rede de professores, que se tornarão multiplicadores, para atuarem

no AEE e, dessa maneira, fomentar a política da construção de sistemas educacionais inclusivos.

O processo de democratização do ensino está associado ao acesso para a permanência

com sucesso no interior do sistema escolar. O investimento em educação básica, tendo a

qualidade social, ou seja, a superação de barreiras à participação e à aprendizagem para todos/as

os/as estudantes é um grande desafio para o país, em especial para as políticas e gestão desse

nível de ensino.

De acordo com Carvalho (2006), o conceito de escolas inclusivas está baseado na defesa

dos direitos humanos de acesso, ingresso e permanência com sucesso nas escolas de boa

qualidade, no direito de integração com colegas e educadores, de apropriação e construção do

conhecimento, o que implica disponibilidade de recursos de toda a ordem. Segundo a autora,

implica também “na mudança de atitudes frente às diferenças individuais, desenvolvendo-se a

consciência de que somos todos diferentes uns dos outros e de nós mesmos, porque evoluímos e

nos modificamos” (CARVALHO 2006, p. 36).

Juntamente com essas mudanças nos modelos educacionais, sociais e científicos nossas

concepções, crenças, expectativas e anseios passam por mudanças para adaptar-se ao novo. Estas

mudanças são expressas nas palavras de Floriani (2007) que diz “uma das denúncias

contemporâneas contra a razão é a de que ela não é excessivamente racional, mas irracional.

Como consequência dessa denúncia, as ideias de razão e de verdade são ressignificadas”. Assim,

mudança é o que precisamos para que todos tenham acesso às escolas e estas consigam trabalhar

com as peculiaridades de cada um e considerar as potencialidades de todos com suas

manifestações intelectuais, sociais, culturais e físicas.

De acordo com Mantoan (2006, p. 33):

Mudar a escola para a inclusão é enfrentar muitas frentes de trabalho, cujas tarefas

fundamentais, são: recriar o modelo educativo escolar, tendo como eixo o ensino para

todos; reorganizar pedagogicamente as escolas, abrindo espaços para que a cooperação,

o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam exercitados nas

escolas, por professores, administradores, funcionários e alunos, porque são habilidades

mínimas para o exercício da verdadeira cidadania; garantir aos alunos tempo e liberdade

para aprender, bem como um ensino que não segrega e que reprova a repetência;

formar, aprimorar continuamente e valorizar o professor, para que tenha condições e

estímulo para ensinar a turma toda, sem exclusões e exceções.

A educação inclusiva é antes de tudo uma questão de direitos humanos, já que defende

que não se pode segregar a nenhuma pessoa como conseqüência de sua deficiência, de sua

dificuldade de aprendizagem, do seu gênero ou mesmo se esta pertencer a uma minoria étnica.

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Na definição de Ross sobre educação inclusiva é possível perceber o quanto esse

processo é complexo:

Por inclusão estou me referindo ao acesso, ingresso e permanência desses alunos em

nossas escolas como aprendizes de sucesso e não como número de matrícula ou como

mais um na sala de aula do ensino regular. Estou me referindo a sua experiência

integrada com os demais colegas, participando e vivendo a experiência de pertencer,

isto é, estar no palco sem ser herói ou vilão (Apud CARVALHO, 2006, p. 101).

Percebe-se que estar incluído é mais do que estar matriculado na escola ou inserido em

uma turma, é ser compreendido pelos demais, envolvido com todos, é crescer a partir das

experiências vivenciadas e aprender com as relações estabelecidas nestes espaços.

Quanto à complexidade desse movimento inclusivo, Rossetto (2005, p.42) diz:

Não corresponde a simples transferência de alunos de uma escola especial para uma

escola regular, de um professor especializado para um professor do ensino regular. O

programa de inclusão vai impulsionar a escola para uma reorganização. A escola

necessitará ser diversificada o suficiente para que possa maximizar as oportunidades de

aprendizagem dos alunos com necessidades educativas especiais e aproximar a

convivência de alunos com deficiências ou dificuldades de aprendizagem do grupo de

alunos considerado sem impedimentos para a aprendizagem, com prioridade para os

agrupamentos a partir da faixa etária.

Seguindo esse pensamento, conclui-se que o processo de inclusão exige muito de todos

os envolvidos. É necessário reorganizar a escola, mudar conceitos, quebrar paradigmas,

considerar a diversidade como um fator de enriquecimento, entre outros aspectos que possam

valorizar a oportunidade e a ver a possibilidade de todos os educandos.

Ao destacar a questão da inclusão Carvalho (2006, p. 60), defende e luta pela

universalização da educação, isto é, para que todas as escolas acolham todos os alunos

oferecendo-lhes educação de qualidade, pois, segundo a autora, isso é inclusão.

Assim, não basta simplesmente colocar um aluno com algum tipo de deficiência em uma

classe comum regular. É preciso que a escola passe por adaptações, cabendo aos professores se

especializarem para saber como transmitir ensinamentos para esses alunos especiais.

3.2 CARACTERISTICAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

De acordo com Sassaki (2010, p. 127), as características da educação inclusiva são as

seguintes: meta de participação plena para todos os estudantes; um forte senso de comunidade na

sala de aula, por toda a escola e envolvendo pais e atendentes pessoais; o estudo e a celebração

da diversidade; currículos e métodos que estão adaptados para as necessidades individuais;

parceria ativa com os pais; suportes suficientes para estudantes e equipe da escola.

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Stainback e Stainback (1999) destacam três componentes práticos interdependentes no

ensino inclusivo. O primeiro é a rede de apoio18

, que envolve a coordenação de equipes e

indivíduos que se apóiam através de conexões formais e informais. Os sistemas de apoio

começam na própria escola, na equipe e na gestão escolar. O segundo é a consulta cooperativa19

e o trabalho em equipe, que envolve indivíduos de diferentes especialidades que trabalham

juntos para planejar e implementar programas para os diferentes alunos em salas integradas. O

terceiro é a aprendizagem cooperativa20

, o ensino. Esse componente está relacionado à criação de

um espaço de aprendizagem, onde todos os alunos possam desenvolver o seu potencial.

18 Na rede de apoio, o aluno com necessidades especiais não é visto como responsabilidade unicamente do professor,

mas de todos os participantes do processo educacional. A direção e a coordenação pedagógica devem organizar

momentos para que os professores possam manifestar suas dúvidas e angústias. Ao legitimar as necessidades dos

docentes, a equipe gestora pode organizar espaços para o acompanhamento dos alunos; compartilhar entre a equipe

os relatos das condições de aprendizagens, das situações da sala de aula e discutir estratégias ou possibilidades para

o enfrentamento dos desafios. Essas ações produzem assuntos para estudo e pesquisa que colaboram para a

formação continuada dos educadores. A família também compõe a rede de apoio como a instituição primeira e

significativamente importante para a escolarização dos alunos. É essencial que se estabeleça uma relação de

confiança e cooperação entre a escola e a família, pois esse vínculo favorecerá o desenvolvimento da criança.

Profissionais da área de saúde que trabalham com o aluno, como fisioterapeutas, psicopedagogos, psicólogos,

fonoaudiólogos ou médicos, também compõem a rede..

19 O ensino colaborativo é um modelo de prestação de serviço no qual um educador comum e um educador

especializado dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar a um grupo heterogêneo de estudantes com

objetivo de criar opções para aprender e prover apoio a todos os alunos na sala de aula da turma comum,

combinando as habilidades do professor comum e do professor especialista. A colaboração mútua proporciona um

apoio psicológico muito positivo para estes profissionais. Isto confirma a necessidade de o gestor escolar em se levar

à sociedade a compreensão da deficiência e assim, continuar promovendo políticas de acessibilidade e de inclusão

educacional para as pessoas com deficiência, levando-as a progredirem e avançarem em sua qualidade de sua vida.

Ver MENDES, E. G. Colaboração entre ensino regular especial: o caminho do desenvolvimento pessoal para a

inclusão escolar. In: MANZINI (org.). Inclusão e acessibilidade. Marília: ABPEE, 2006.

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Pode-se dizer que uma prática inclusiva implica em desafios consideráveis para o

professor de classe comum que, durante sua formação, em geral não recebe orientações

específicas de como trabalhar com alunos que possuam deficiências, especialmente, aqueles com

deficiência física, com paralisia cerebral e sem fala articulada. Cada vez mais pesquisas apontam

para o princípio de que os professores não devem trabalhar sozinhos, mas em equipes onde as

responsabilidades de planejamento, adaptações e avaliações possam ser compartilhadas.

Para que um trabalho pedagógico seja considerado eficaz torna-se necessário a parceria e

colaboração de todos os profissionais envolvidos nesta prática. Assim, podemos dizer que a

professora da turma comum, a coordenadora pedagógica, a mediadora, a diretora da escola, as

professoras de atividades extras classe e, principalmente, a professora especialista deverão estar

voltadas às questões que envolvam planejamento, adaptações e construções de atividades

pedagógicas, planejamento de estratégias voltadas à interação e comunicação que contemplem as

necessidades educacionais especiais dos alunos.

Pimenta (2005) argumenta que o professor sozinho não consegue refletir sobre sua

prática docente, sendo necessária uma discussão em grupo e de maneira colaborativa. Segundo a

autora, ao auxiliar o professor a entender melhor as dificuldades de ensino, o grupo não estaria

só participando e levantando inovações, mas contribuindo para (re)construção de saberes

escolares com os mesmos, além de sensibilizar o professor para a necessidade de sua formação

permanente.

20 Para Sanches (2005), a aprendizagem cooperativa possibilita condições para que os alunos respeitem o trabalho

realizado e desenvolvam estratégias próprias de resolução de dificuldades, recorrendo à ajuda dos seus pares. É um

aprender em grupo e com o grupo, tornando o aluno responsável e responsabilizam-te. Com o trabalho cooperativo,

da competição passa-se à cooperação, privilegiando o incentivo do grupo em vez do incentivo individual, aumenta-

se o desempenho escolar, a interação dos alunos e as competências sociais. Acrescenta, ainda, a mesma autora que

“quando os vários elementos do grupo dependem uns dos outros para o sucesso final, todos se esforçam para um

bom desempenho, promovendo a cooperação e a colaboração, aplicando a máxima “não se pode ter sucesso sem os

outros” (Sanches, 2005, pp 134). Ver Sanches, I. Compreender, agir, mudar, incluir. Da investigação-ação à

educação inclusiva. Em Revista Lusófona de Educação, v. 5, pp. 127-142, 2005.

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Para que a escola seja, de fato, inclusiva em uma realidade de marcas políticas e sociais, a

educação inclusiva e a formação de professores deverão estar fundamentadas em discursos

voltados à realidade concreta brasileira. “Temos sempre que considerar que é um desafio [...]

construir uma escola inclusiva num país com tamanha desigualdade, que é fruto de uma das

piores sistemáticas de distribuição de renda do planeta” (MENDES, 2009, p.45).

Segundo Ferreira (2004) “há uma absoluta necessidade de uma formação inicial, para

todos os professores, sejam pedagogos ou licenciados, que aborde a temática da diversidade, da

diferença e das necessidades educacionais especiais e que os estudantes possam perceber “a

diversidade [...] como condição e assumida como enriquecedora das relações entre as pessoas”

(FERREIRA, 2004, p.25) e pensar sobre uma prática pedagógica capaz de considerar esse

pressuposto. Torna-se necessário a criação de espaços educativos e de aprendizagem que

considere a diversidade, a colaboração e a plena participação como base do desenvolvimento

pedagógico.

Neste mesmo sentido abordando a inclusão escolar e social no Brasil, Mendes (2006,

p.14) pontua que “cada comunidade deve buscar a melhor forma de definir e fazer a sua própria

política de inclusão escolar, respeitando as bases históricas, legais, filosóficas e também

econômicas do contexto no qual ela irá efetivar-se”. Conhecer profundamente as deficiências e

suas etiologias não é mais suficiente ou, talvez, até desnecessário, uma vez que o necessário é

refletir sobre o processo educativo desses sujeitos e como a escola brasileira poderá garantir e

ales o acesso pleno ao contexto escolar.

O direito à educação inclusiva vai além do fato de o aluno incluído estar matriculado em

uma escola regular e em turma comum. O princípio fundamental desta política é de que a escola

regular deve atender à diversidade do alunado assegurando-lhe o direito à aquisição de

conhecimento acadêmico e não apenas como local de socialização.

Sassaki (2005, p.21), diz que é visível o crescente número de aliados ao movimento

inclusivista. Quando os princípios da educação inclusiva são implementados de forma aceitável,

obtêm-se imediatamente os seguintes resultados: as escolas regulares se transformam em

unidades inclusivas enquanto as escolas especiais vão se tornando centros de apoio e capacitação

para professores, profissionais e demais componentes dos sistemas escolares; medidas as mais

diversas de adequação dos sistemas escolares às necessidades dos alunos, são implementadas,

nas seis dimensões de acessibilidade, quais sejam: acessibilidade arquitetônica - sem barreiras

ambientais físicas em todos os recintos internos e externos da escola e nos transportes coletivos;

acessibilidade comunicacional - sem barreiras na comunicação interpessoal, na comunicação

escrita e na comunicação virtual; acessibilidade metodológica - sem barreiras nos métodos e

técnicas de estudo, de ação comunitária e de educação dos filhos; acessibilidade instrumental -

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sem barreiras nos instrumentos e utensílios de estudo, de atividades da vida e de lazer, esporte e

recreação; acessibilidade programática - sem barreiras invisíveis embutidas em políticas

públicas, em regulamentos e em normas de um modo geral; acessibilidade atitudinal – por meio

de programas e práticas de sensibilização e de conscientização das pessoas em geral e da

convivência na diversidade humana resultando em quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos

e discriminações: aplicação da teoria das inteligências múltiplas na elaboração, apresentação e

avaliação das aulas; Incorporação dos conceitos de autonomia, independência e empoderamento

nas relações entre todas as pessoas que compõem cada comunidade escolar. Práticas baseadas na

valorização da diversidade humana, no respeito pelas diferenças individuais, no desejo de

acolher todas as pessoas (princípio da rejeição zero), na convivência harmoniosa (princípio da

cooperação e colaboração), na participação ativa e central das famílias e da comunidade local em

todas as etapas do processo de aprendizagem e na crença de que qualquer pessoa, por mais

limitada que seja em sua funcionalidade acadêmica, social ou orgânica, tem uma contribuição

significativa a dar a si mesma, às demais pessoas e à sociedade como um todo.

Porém, Prieto (2002) faz um alerta para os diferentes discursos sobre a inclusão escolar.

Segundo a autora existe uma visão ingênua que considera que a educação inclusiva já aconteceu,

pois acreditam que o acesso à classe regular de alunos com necessidades educacionais especiais

é suficiente para caracterizá-la. Outros expressam uma visão pessimista, pois consideram a

educação inclusiva irrealizável, pois a educação não tem conseguido nem contemplar os alunos

“normais”. Alguns ainda defendem a educação inclusiva como um processo de ampliação do

atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns, alcançado

através de um trabalho coletivo. E a última posição é daqueles que consideram a possibilidade de

rupturas com o instituído, propondo uma única educação que se responsabilize pela

aprendizagem de todos.

A inclusão escolar, desde o seu surgimento, traz consigo, assim como outros movimentos

mundiais, uma diversidade de opiniões. Pessoas que aceitam as mudanças, e as que não aceitam,

algumas são neutras, outras otimistas e também existem as pessimistas.

Porém, é importante considerar a opinião de todos, os que possuem uma visão sobre esse

movimento e de certa forma contribuem com o debate inclusivo, expondo seus prós e contras,

fazendo com que a inclusão escolar seja repensada através de diferentes olhares.

De acordo com Rosseto (2012), é preciso vencer a homogeneização, é necessário que se

trabalhe considerando os princípios de heterogeneidade. É pelo respeito à identidade e à

condição de todos os sujeitos, pela convivência na diversidade que a educação avançará para a

contemporaneidade de uma sociedade que se caracteriza pela complexidade. Portanto, se

quisermos escolas inclusivas, é preciso urgentemente redefinir os planos para uma educação

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voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos e que reconhece e valoriza as

diferenças.

Em decorrência da busca por mudanças e melhorias educacionais muitas escolas e

instituições têm confundido a inclusão escolar com a integração dos seus alunos. Por isso, é

preciso conhecer a diferença entre os dois processos para que o método de ensino tradicional não

se sobressaia.

3.3 INCLUSÃO/ INTEGRAÇÃO

A integração e a inclusão, desde o surgimento do movimento da inclusão escolar, foram

desencadeadoras de muitas dúvidas e incertezas quanto ao seu papel na quebra do paradigma

educacional inclusivo, e atualmente, ainda são alvos de debates que buscam entender se a

integração é um movimento oposto ao da inclusão ou se esta é a continuidade da integração.

De acordo com Guijarro (2005) esses movimentos são diferentes. A inclusão é mais

ampla e de natureza diferente ao da integração de alunos com deficiência ou de outros com

necessidades educacionais especiais. Na integração, o foco de atenção tem sido transformar a

educação especial em apoio à integração de educandos com deficiência na escola comum. Já na

inclusão, o centro da atenção é transformar a educação comum.

Segundo a autora a inclusão educacional é movimento fundamental para tornar efetivos

os direitos dos alunos com deficiência. Com o objetivo de garantir-lhes educação em contexto

normalizado que assegure uma melhor integração na sociedade.

O principal argumento em defesa da integração tem a ver com uma

questão de direitos e com critérios de justiça e igualdade. Por outro

lado, diferentes estudos têm mostrado que se a integração é

realizada em condições adequadas, beneficia não somente aos

alunos integrados, como também aos demais alunos, uma vez que

aprendem com uma metodologia mais individualizada, dispõem de

mais recursos e desenvolvem valores e atitudes de solidariedade,

respeito e colaboração (GUIJARRO 2005, p. 08).

O movimento de inclusão escolar tem como objetivo proporcionar o acesso dos alunos

aos seus direitos: à educação, à igualdade de oportunidades e de participação. É um meio para

garantir uma maior equidade e desenvolvimento de sociedades mais inclusivas.

Um maior nível de eqüidade implica avançar para a criação de

escolas que acolham a todas as crianças e dêem respostas às suas

necessidades específicas. O desenvolvimento de escolas inclusivas

é um meio fundamental para avançar para sociedades mais justas,

integradas e democráticas (GUIJARRO 2005, p. 08).

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Sassaki (2005) ao se referir ao processo de transição de integração para a inclusão, diz

que a mesma exige um esforço unilateral do deficiente e dos seus aliados, e aquele deve tentar

tornar-se mais aceitável para a comunidade. Na integração é ele que deve adaptar-se aos espaços

que vão recebê-lo e não ao contrário como acontece na inclusão.

A integração sempre procurou diminuir a diferença da pessoa com

deficiência em relação à maioria da população, por meio da

reabilitação, da educação especial e até de cirurgias, pois ela partia

do pressuposto de que as diferenças constituem um obstáculo, um

transtorno que se interpõe à aceitação social. O mérito da proposta

da integração está no seu forte apelo contra a exclusão e a

segregação de pessoas com deficiência. Todo um esforço é

envolvido no sentido de promover a aproximação entre a pessoa

deficiente e a escola comum, entre a pessoa deficiente e a empresa

comum e, assim por diante (SASSAKI 2005, p. 21).

Para Mantoan (2006) a integração ocorre quando a escola não muda como um todo, mas

quando os alunos têm de mudar para se adaptarem às suas exigências. Na integração, o aluno

tem a oportunidade de transitar no sistema escolar em todos os seus tipos de atendimento:

escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, salas de recursos, classes hospitalares,

ensino domiciliar e outros. Trata-se de uma concepção de inserção parcial, porque o sistema

prevê serviços educacionais segregados.

A integração escolar pode ser entendida como o “especial na

educação”, ou seja, a justaposição do ensino especial ao regular,

ocasionando um inchaço desta modalidade, pelo deslocamento de

profissionais, recursos, métodos e técnicas da educação especial às

escolas regulares.(MANTOAN 2006, p. 16).

O processo de inclusão, segundo Mantoan (2006), implica em uma mudança de

perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam

dificuldades de aprendizagem, mas todos os alunos. De acordo com a autora os alunos com

deficiência constituem uma grande preocupação para os educadores inclusivos. Porém, a maioria

dos que fracassam na escola são os que não vêm do ensino especial, mas que possivelmente

acabarão nele. Para Mantoan (2006, p. 17) “a inclusão é uma provocação, cuja intenção é

melhorar a qualidade do ensino das escolas, atingindo todos os alunos que fracassam em suas

salas de aula”.

A partir das afirmações dos diferentes autores, podemos concluir que existem diferenças

entre o movimento de integração e o movimento de inclusão, porém, deve-se levar em

consideração a importância dos dois movimentos, que de uma forma ou de outra têm como

objetivo eliminar a exclusão das escolas.

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A partir desta definição de integração e inclusão é possível perceber o quanto é complexo

e exigente o processo inclusivo. A inclusão tem como objetivo mudanças profundas de

concepções e práticas, entretanto, mudar é uma tarefa árdua que certamente gera impasses, cria

perspectivas e envolve todas as pessoas.

Dessa forma, a inclusão escolar é um movimento bastante amplo, pois busca transformar

a escola em um espaço que recebe e propicia educação de qualidade para todos os alunos.

3.3.1 Inclusão escolar – impasses e perspectivas

Ao se posicionar sobre a inclusão e seus caminhos, Carvalho (2006, p. 74), afirma que

“precisamos construir o caminho por nós mesmos. Mãos à obra com firmeza e com brandura,

com otimismo e muita determinação. Nossos alunos, cidadãos brasileiros bem o merecem”. A

partir das palavras da autora, concluímos que é preciso vencer os impasses e acreditar que essa

mudança é possível e necessária.

3.3.2 Impasses

Infelizmente, assim como todos os dias novas pessoas desejam aplicar e conhecer a

inclusão, também a cada dia surgem impasses em muitos lugares. Sabemos que infelizmente em

alguns são mínimas as reestruturações físicas realizadas nas escolas, poucas mudanças de

planejamento e organização, muitos professores não foram capacitados para atender a essa

diversidade que lhes é apresentada e as mudanças práticas e conceituais não aconteceram. Esses

aspectos podem resultar na mudança do ensino especial para o ensino comum sem garantia de

ensino de qualidade e inclusão escolar.

Porém, sabemos que milhões de crianças não têm acesso à educação e vivem com menor

qualidade de vida do que as outras pessoas. São diversos os impasses citados por pais,

professores e gestores de escolas especiais e comuns para justificar o atraso na adesão da

inclusão. Mantoan (2006, p.172) destaca algumas práticas escolares que se fazem presentes nas

escolas e impossibilitam o pensar e o fazer a inclusão escolar:

Aceitando e estimulando a reprovação e considerando o fracasso escolar de alguns

alunos como natural e esperado; percebendo a evasão escolar como mais um dado

estatístico; priorizando as atividades burocráticas; elaborando planejamentos sem o

conhecimento da clientela e da comunidade escolar; insistindo na transmissão de

conhecimentos universais fragmentados, que buscam verdades absolutas; reconhecendo

a singularidade do aluno como elemento para competir e homogeneizar; provocando

sentimentos de tristeza, infelicidade, frustração e baixa auto-estima entre os alunos, pela

sequência de fracassos.

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Ao manifestar as razões do atraso na adesão à inclusão escolar, muitos pais, professores,

gestores educacionais de escolas comuns e especiais citam com maior freqüência alguns

aspectos. Dentre eles Mantoan (2006 p. 25) destaca os mais citados:

Escolas que carecem de possibilidades de acesso físico a alunos

com deficiências motoras; salas de aula superlotadas; falta de

recursos especializados para atender às necessidades de alunos

com deficiências visuais; necessidade de se dominar a Língua

Brasileira de Sinais (LIBRAS)e de intérpretes para os alunos

surdos; ausência ou distanciamento de serviços de apoio

educacional ao aluno e professor; resistência de professores, que

alegam falta de preparo para atender aos alunos com deficiência,

nas salas de aulas comuns; reticências dos pais de alunos come

sem deficiência, entre outros. Os motivos relacionados escondem

outros,bem mais complexos, dentre os quais, destacamos a

resistência das organizações sociais às mudanças e às inovações,

dada a rotina e a burocracia nelas instaladas, que enrijecem suas

estruturas, arraigadas às tradições e à gestão de seus serviços.

A educação é um requisito indispensável para todas as pessoas. A mesma deve formar

pessoas capazes de buscar o conhecimento, onde ele estiver, de saber utilizá-lo para os mais

variados fins, autonomamente, condição essa que exige um ensino muito diferente daquele que

se propõe unicamente a transmitir e a distribuir o saber.

De acordo com Mantoan (1997, p. 69):

Os professores do ensino regular têm resistido muito às

experiências de integração no ensino elementar, afirmando não

estarem preparados para essa tarefa na escola. De toda maneira, o

fundamental no momento é que os professores tenham meios,

ferramentas, interesse, disponibilidade para fazer acontecer à meta

pretendida.

Para garantir uma escola inclusiva de qualidade são muitas as barreiras que devem ser

removidas. Guijarro (2005) define três esferas no âmbito educacional; o das concepções e

atividades; o das políticas e o das práticas: Mudanças nas concepções a atitudes, ou seja, a

valorização da diversidade como um elemento que enriquece o desenvolvimento pessoal e social.

Mudanças no âmbito das políticas e dos sistemas educacionais, a educação inclusiva tem de ter

políticas educacionais e intersetoriais e marcos legais que promovam a inclusão em todas as

etapas educacionais. Mudanças na prática educacional, onde a cultura das escolas seja

transformada e convertida em comunidades de aprendizagem e de participação. Para a inclusão

escolar se faz necessário um trabalho em equipe, que exige a participação de todos os

envolvidos.

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De acordo com Mantoan (2006, p. 13) a inclusão exige a extinção das categorizações e

das oposições excludentes entre iguais e diferentes, normais e deficientes. Porém, segundo a

autora, o ensino curricular de nossas escolas é organizado em disciplinas e desta forma acaba

separando os conhecimentos, em vez de reconhecer suas inter-relações. Pois o “conhecimento

evolui por recomposição, contextualização e integração de saberes em redes de entendimento”.

A inclusão escolar traz consigo diferentes opiniões sobre seus impasses e perspectivas.

Existem pessoas otimistas, pessimistas e neutras, porém, a partir do momento em que estas

forem aceitas como diferentes e capazes, já teremos dado um passo ao encontro do respeito às

diferenças individuais, que é um direito de todos os cidadãos.

Portanto, acreditamos que um dos principais impasses que ainda está presente no que se

refere à inclusão é a falta de disponibilidade humana para mudar seus conceitos e concepções

sobre o outro e sobre si mesmo e, desta forma, poder aceitar o outro como um ser humano que

não é nem superior, nem inferior, é apenas um ser humano que pertence a outro contexto e que

teve outras relações e oportunidades para desenvolver-se. Porém, cabe descobrir como será

possível pregar humanismo em uma sociedade tão desigual.

3.3.3 Perspectivas

Apesar das grandes diferenças culturais, econômicas e políticas presentes em nosso dia a

dia, percebe-se que muitas pessoas estão dando alguns passos em busca da construção de uma

sociedade cada vez mais inclusiva. A presença desse processo nas escolas, na mídia, nas nossas

vizinhanças, nos recursos da comunidade e nos programas e serviços é um sinal dessa busca.

A cada dia que passa, fico sabendo de mais um grupo de pessoas,

neste imenso país, desejando conhecer e aplicar a filosofia e a

metodologia da inclusão escolar, partindo do pressuposto de que

todos os jovens e as crianças, com ou sem deficiência, têm o

direito de estudar juntos para crescerem como cidadãos felizes e

capazes de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da

sociedade (SASSAKI, 2005 p. 22).

Trata-se, portanto, de um desafio, pois envolvem os alunos, a escola, os pais e a

comunidade como um todo.

As escolas inclusivas que buscam oferecer serviços de qualidade a todos os alunos, que

atualmente formam uma grande diversidade de culturas, classes, raças, necessidades e

potencialidades, requerem algumas mudanças para garantir a educação de todos.

Na Declaração de Salamanca (1994, VIII) constam as seguintes mudanças:

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A articulação de uma política clara e forte de inclusão junto com

provisão financeira adequada – um esforço eficaz de informação

pública para combater o preconceito e criar atitudes informadas e

positivas – um programa extensivo de orientação e treinamento

profissional - e a provisão de serviços de apoio necessários.

Mudanças em todos os seguintes aspectos da escolarização, assim

como em muitos outros, são necessárias para a contribuição de

escolas inclusivas bem-sucedidas: currículo, prédios, organização

escolar, pedagogia, avaliação, pessoal, filosofia da escola e

atividades extra-curriculares.

A inclusão escolar com garantia de oferta de ensino de qualidade para todos os alunos,

sem qualquer tipo de preconceito ou discriminação, é ainda um caminho longo a percorrer e

muitas mudanças precisam ser feitas. Porém, deve ser levado em consideração o interesse e o

desejo pela mudança que muitas pessoas têm demonstrado e que são fatores essenciais para

vencer esse desafio.

Portanto, precisamos agir de maneira que busque a conscientização das pessoas para o

fato de que não existem divisões de camadas de iguais e diferentes, mas sim que temos uma

sociedade onde todos possuem necessidades, capacidades e direitos. Nesse dia, ao perceber que

ninguém é superior a ninguém, muita coisa mudará.

3.2 O PROFESSOR E A INCLUSÃO ESCOLAR

O professor tem um papel fundamental na escola. Com a inclusão escolar, as salas de aula

estão cada vez mais diversificadas e o professor precisa compreender o desenvolvimento de

todos os alunos e encontrar um método para garantir ensino de qualidade. Precisam estar

capacitados e dispostos para às possíveis mudanças decorrentes do processo de busca de novas

habilidades.

Uma das formas de adquirir as habilidades essenciais para ser um bom professor é

investir em uma formação inicial e continuada de qualidade, que enfatize, tanto a construção do

conhecimento, como na criação de atitudes e valores do cidadão. Desta forma, a formação vai

além dos aspectos instrumentais de ensino. Porém, infelizmente alguns profissionais da educação

esperam apoio da coordenação das escolas, das secretarias de educação e esquecem o seu

compromisso com a busca pelo aperfeiçoamento do conhecimento.

Com a perspectiva inclusiva nas escolas, o professor precisa estar preparado para receber

e ensinar a todos os alunos. Apesar de parecer uma tarefa difícil, esta é a realidade educacional:

alunos, capacidades, necessidades e potencialidades diferentes.

De acordo com Mantoan (2006, p. 41) o “professor que ensina a turma toda não tem o

falar, o copiar e o ditar como recursos didático-pedagógicos básicos. Ele não é um professor

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palestrante”. Segundo a autora o professor que ensina a turma toda “explora os espaços

educacionais com seus alunos, buscando perceber o que cada um deles consegue apreender do

que está sendo estudado e como procedem ao avançar nessa exploração”.

Diante desta perspectiva inclusiva, complexa, voltada para um trabalho que atinja de

forma positiva a todos os educandos, parece ser fundamental que todos os professores que se

encontram envolvidos nesse processo estejam dispostos a mudar suas concepções, métodos,

práticas e tenham a formação continuada como projeto profissional.

Para Mantoan (2006, p. 43) se referir a uma formação inicial e continuada direcionada à

inclusão escolar, é estar diante de uma proposta de trabalho que não se encaixa em uma

especialização, extensão ou atualização de conhecimentos pedagógicos.

Para a autora “ensinar, na perspectiva inclusiva, significa ressignificar o papel do

professor, da escola, da educação e de práticas pedagógicas que são usuais no contexto

excludente do nosso ensino, em todos os seus níveis”.

Quanto às ações que deveriam ser tomadas para a capacitação dos professores para

atender as necessidades das escolas inclusivas e principalmente dos alunos que apresentam

diferentes necessidades, destaca-se a Declaração de Salamanca (1994) que faz referência a essas

ações.

Nas escolas práticas de treinamento de professores, atenção

especial deveria ser dada à preparação de todos os professores para

que exercitem sua autonomia e apliquem suas habilidades na

adaptação do currículo e da instrução no sentido de atender as

necessidades especiais dos alunos, bem como no sentido de

colaborar com os especialistas e cooperar com os pais.

Ao discutir a inclusão escolar, a questão presente não é se os alunos devem ou não

receber experiências educativas apropriadas e ferramentas e técnicas especializadas, mas sim,

oferecer a esses alunos os serviços que necessitam em espaços integrados e aos professores

proporcionar atualização de suas habilidades.

Para Ferreira (2005, p. 44) um professor comprometido com a inclusão deve ter em

mente que:

A educação é um direito humano; as crianças estão na escola para

aprender; há crianças que são mais vulneráveis à exclusão

educacional do que outras; e é da responsabilidade da escola e dos

professores criar formas alternativas de ensino e aprendizagem mais

efetivas para todos.

Ao buscar uma escola de qualidade para todos onde todos possam viver coletivamente

experiências que reforcem padrões sociais de cooperação e vivência da cidadania é

imprescindível que, se redimensione o enfoque da formação dos professores cujo objetivo não

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deve ser, simplesmente, o de adquirir conhecimentos, mas sim o de estimular a curiosidade e

desenvolver a capacidade de adquiri-los. É preciso que a reflexão sobre os problemas da

aprendizagem, e sobre o modo como ela se processa, tome o lugar da reflexão em torno dos

problemas do ensino. Ou seja, ao invés de nos preocuparmos tanto com o como devemos

ensinar, precisamos aprofundar a nossa reflexão acerca de como os nossos alunos aprendem.

De acordo com Carvalho (2006), muitos professores alegam que em seus cursos de

formação não tiveram oportunidade de estagiar, nem de estudar a respeito de alunos da educação

especial. “Muitos professores resistem, negando-se a trabalhar com esse alunado enquanto outros

aceitam, para não criarem áreas de atrito com a direção das escolas. Mas, felizmente, há muitos

que decidem enfrentar o desafio e descobrem a riqueza que representa o trabalho na diversidade”

(CARVALHO 2006, p. 27).

Porém, apenas o esforço e a vontade de querer mudar, apesar de sua importância, muitas

vezes não são suficientes para garantir aos professores o acesso à formação continuada. Sabemos

que muitos ganham pouco e precisam dar aulas em duas ou três escolas para poder sustentar-se e

a suas famílias. A esses professores que trabalham 40 ou 60 horas semanais sobra pouco tempo

para planejar suas aulas e menos tempo ainda para ler um livro ou revista.

O salário médio de nossos professores é muito baixo dificultando-

lhes a aquisição de livros, assinaturas em revistas de educação, ou

a freqüência a cursos. Muitos trabalham em mais de uma escola,

sentem-se cansados e desvalorizados, o que interfere na qualidade

de suas práticas pedagógicas. Há que considerar, também, as

inúmeras lacunas na formação recebida, as resistências frente às

mudanças e ao que qualificam como “despreparo” para lidar com

as diferenças muito significativas de aprendizagem e

desenvolvimento de seus alunos (CARVALHO 2006, p. 113).

A responsabilidade e as habilidades necessárias para os professores atenderem a todos os

alunos nas escolas regulares são bastante exigentes. Esses professores, de acordo com a

Resolução CNE/CEB nº 2/200111 (Art. 18, § 1°), precisam ter competências e valores para:

perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva;

flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às

necessidades especiais de aprendizagem; avaliar continuamente a eficácia do processo educativo

para o atendimento de necessidades educacionais especiais; atuar em equipe, inclusive com

professores especializados em educação especial.

De acordo com Mantoan (2006, p. 43) ao referir-se a formação inicial ou a continuada

direcionada à inclusão escolar, é estar diante de uma proposta de trabalho que não se encaixa em

uma especialização, extensão ou atualização de conhecimentos pedagógicos.

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Como já nos referimos anteriormente, a inclusão escolar não cabe

em um paradigma tradicional de educação e, assim sendo, uma

preparação do professor nessa direção requer um design diferente

das propostas de profissionalização existentes e de uma formação

em serviço que também muda, porque as escolas não serão mais as

mesmas, se abraçarem esse novo projeto educacional.

Percebemos a partir desta breve teorização que a responsabilidade que recai sobre os

professores é grande. Porém, todos devem assumir suas responsabilidades: a família,

comunidade, o poder público, diretores, gestores e todos os demais envolvidos com a educação.

Assim o processo educacional envolve a todos, também todos poderão desfrutar dos seus

resultados, já que a educação escolar pode propiciar meios que possibilitem transformações na

busca da melhoria da qualidade de vida da população. E isso é de interesse de todos.

3.4 ESCOLA INCLUSIVA: UMA ESCOLA PARA TODOS

A escola inclusiva diz respeito ao espaço educacional que trabalha com uma nova

perspectiva educacional voltada para todos os alunos, pois inclusão não atinge apenas os que têm

deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender, mas todos os demais que são

marginalizados pelo insucesso, por privações constantes e pela baixa autoestima, resultantes das

condições de pobreza em que vivem, em todos os seus sentidos. Porém, infelizmente, em muitos

lugares ainda se pensa e se age como se a inclusão fosse, apenas, para pessoas em situação de

deficiência; este é um lamentável equívoco que precisamos esclarecer.

Para Mantoan (2006), os defensores da inclusão precisam se preocupar não apenas com

os deficientes, mas com um amplo grupo de aprendizes que estão desmotivados e infelizes. Esses

alunos são conhecidos das escolas, pois repetem as suas séries várias vezes, são expulsos,

evadem e ainda por cima, são rotulados por serem mal nascidos e por terem hábitos que fogem

ao protótipo da educação formal.

Portanto, não é escola inclusiva aquela que desenvolve um trabalho com vistas ao super

dotado ou ao deficiente que chegou na escola depois da Constituição de 1988 ou depois da

declaração de Salamanca, 1994. Escola inclusiva é aquela que percebe e compreende as

carências, as potencialidades e o processo de desenvolvimento e aprendizagem de todos os

alunos. Pois os que não têm acesso à higiene, ao carinho, a atenção ou a alimentação sempre

estiveram nas escolas e constituem um grande número quando se fala em exclusão.

De acordo com Melli (2001, p. 42),

Inclusão significa diversidade, aponta para as diferenças, para a

riqueza de oportunidades das trocas entre os diferentes, que

compartilham uma natureza comum, para a afirmação de valores

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humanos como solidariedade, amizade, respeito mútuo, diálogo e

liberdade de escolha e de expressão.

De acordo com Rodrigues (2003), a diversidade e a heterogeneidade não significam

inclusão escolar de crianças e jovens com necessidades educativas especiais, mas sim pelo fato

de que a própria sociedade é heterogênea e multifacetada. “Os alunos ditos com necessidades

educativas especiais são apenas um caso no seio da diversidade da população escolar, embora

sejam aqueles que carecem de maior atenção e acompanhamento” (p.15).

A partir dos diversos autores que reforçam a existência de uma sociedade heterogênea é

possível prever um futuro educacional cada vez mais voltado para a valorização da diversidade

como um fator de enriquecimento educacional e social.

Stainback e Stainback (1999 p. 22) destacam que “a inclusão funciona para todos os

alunos com e sem deficiência, em termos de atitudes positivas, mutuamente desenvolvidas, de

ganhos nas habilidades acadêmicas e sociais e de preparação para a vida na comunidade”. Para

que a inclusão escolar seja bem sucedida, as diferenças dos alunos precisam ser reconhecidas

como um recurso positivo. “As diferenças entre os alunos devem ser reconhecidas e

capitalizadas para fornecer oportunidades de aprendizagem para todos os alunos da classe”

(STAINBACK, 1999, p. 11).

É possível perceber, então, que inclusão é importante para o desenvolvimento de todos os

alunos com e sem deficiência e não significa apenas garantir a matrícula e permanência de todos

os alunos na escola, mas sim recebê-los, aceitando e valorizando a diversidade dos mesmos.

Por isso cabe à escola rever suas concepções, desenvolver um projeto político pedagógico

que envolve todos os alunos, fazer as mudanças físicas necessárias que permitam o acesso de

todos. Reestruturações currículos para atender as suas necessidades e criar práticas pedagógicas

que desenvolvam as potencialidades de todos os alunos.

As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas dificuldades de seus

alunos, acomodando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação

de qualidade para todos mediante currículos apropriados, modificações organizacionais,

estratégias de ensino, recursos e parcerias com suas comunidades.

3.5 CURRÍCULO ESCOLAR E A ESCOLA INCLUSIVA: CONHECIMENTOS E

REFLEXÕES

A inclusão, na perspectiva de um ensino de qualidade para todos, exige das escolas novos

posicionamentos que implicam num esforço de atualização e reestruturação das condições atuais,

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para que o ensino se modernize e para que os professores se aperfeiçoem, adequando as ações

pedagógicas à diversidade dos aprendizes.

No que se refere a essas adequações para a inclusão de todos na escola, o documento

Estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais (2003), diz que

atuar frente à diversidade a as dificuldades de aprendizagem dos alunos pressupõe que se realize

a adequação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades

dos que possuem necessidades especiais. Não quer dizer um novo currículo, mas um dinâmico,

alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os educandos.

Dessa forma as adaptações curriculares implicam em uma planificação pedagógica e em

ações docentes fundamentadas, em critérios que definem: o que o aluno deve aprender, como e

quando aprender; que formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de

aprendizagem e como e quando avaliar o aluno.

Pensamos que uma escola inclusiva deve garantir uma metodologia que possibilite ao

aluno motivação para freqüentar a escola e participar das atividades na sala de aula, possuir

qualidade curricular e metodológica, identificar barreiras à aprendizagem e planejar formas de

removê-las para que cada aluno seja respeitado em seu processo de aprendizagem.

A partir dos diversos autores que enfatizam as mudanças necessárias para transformar

escolas em espaços inclusivos percebemos que não se trata apenas de reestruturações físicas e

curriculares, mas é imprescindível remover barreiras práticas, metodológicas e conceituais.

Conforme Ferreira (2005, p. 44):

nos espaços que trabalham com responsabilidade inclusiva a

prática escolar deve estar fundamentada na crença de que em

qualquer período de sua escolarização, qualquer criança pode

enfrentar dificuldades para aprender ou fazer parte da comunidade

escolar; as dificuldades de aprendizagem que emergem no dia-a-

dia da escola/sala de aula constituem um recurso para melhorar o

ensino; todas as mudanças geradas como resultado da tentativa de

responder às necessidades de aprendizagem de uma dada criança

oferecem melhores condições para todas as crianças aprenderem.

Para Stainback e Stainback (1999, p. 237) o currículo tem sido há muito tempo encarado

e implementado a partir da perspectiva de que as turmas de educação regular possuem um

conjunto padronizado de exigências e habilidades acadêmicas. Porém, as inclusivas exigem uma

perspectiva mais holística e construtivista da aprendizagem.

Nessa perspectiva, os autores citam vários elementos importantes: O aluno é o centro da

aprendizagem, para facilitar sua aprendizagem e o sucesso escolar, a perspectiva holística é

construída a partir de suas potencialidades, ou seja, o que o aluno já sabe; a ênfase em remediar

os déficits e as deficiências é dada a partir do momento que os alunos se interessam pela

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aprendizagem e se envolvem em projetos e atividades significativas; deve-se reconhecer a

importância de levar em conta a natureza das necessidades dos alunos para serem bem-sucedidos

na vida e no trabalho e para a informação ser aprendida, usada e lembrada ela deve ser

significativa e fazer sentido para os alunos; desenvolver atividades e projetos, considerando o

contexto dos alunos e enfocar atividades reais da escrita, como pontuação, uso de letras

maiúsculas, identificação de substantivo e verbo; encorajar todos os alunos a ler e a escrever,

levando em conta seus níveis de desenvolvimento e seus interesses; o movimento contra ensinar

aos alunos habilidades isoladas em ambientes isolados e a favor de promover a aprendizagem

através do envolvimento de todos em projetos e atividades significativas, da vida real, enquanto

interagem e cooperam um com o outro.

Portanto, planejar e adaptar o currículo escolar para satisfazer às necessidades de todos os

alunos não é uma tarefa fácil. Exige do professor da sala de aula regular e do inclusivo muito

planejamento e diversas adaptações. De acordo com Stainback e Stainback (1999), ao elaborar

um currículo deve-se usar objetivos de ensino flexíveis para serem adequados às necessidades, às

habilidades, aos interesses e às competências de cada aluno. Eles sugerem também que os

professores elaborem o currículo com apoio de uma equipe com pais, professores, alunos da

classe, diretores, terapeutas, fisioterapeutas, especialistas em comunicação e psicólogos

ocupacionais.

Nas escolas inclusivas os alunos não devem ser vistos como atores passivos, que apenas

recebem conhecimento, sem colaborar na construção do mesmo, e sim, como pessoas ativas, que

participam na construção dos seus saberes, dos seus valores, que tenham suas necessidades

respeitadas e suas potencialidades valorizadas.

De acordo com Carvalho (2006, p. 115), no projeto político pedagógico dessas escolas

que assumem o princípio de que todos os alunos são capazes de aprender e acreditam que se

podem melhorar as respostas educativas que são oferecidas atualmente, devem constar inúmeras

funções para essas escolas, das quais a autora destaca: desenvolver culturas, políticas e práticas

inclusivas, marcadas pela responsabilidade e acolhimento que oferece a todos os que participam

do processo educacional escolar; promover todas as condições que permitam responder às

necessidades educacionais especiais para a aprendizagem de todos os alunos de sua comunidade;

criar espaços dialógicos entre os professores para que, semanalmente, possam reunir-se como

grupos de estudo e de troca de experiências; criar vínculos mais estreitos com as famílias,

levando-as a participarem dos processos decisórios em relação à instituição e a seus filhos e

filhas; estabelecer parcerias com a comunidade sem intenção de usufruto de benefícios apenas e

sim para conquistar a cumplicidade seus membros, em relação às finalidades e objetivos

educativos; acolher todos os alunos, oferecendo-lhes as condições de aprender e participar;

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operacionalizar os quatro pilares estabelecidos pela UNESCO para a educação deste milênio:

aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser, tendo em conta

que o verbo é aprender; respeitar as diferenças individuais e o multiculturalismo entendendo que

a diversidade é uma riqueza e que o aluno é o melhor recurso de que o professor dispõe em

qualquer cenário de aprendizagem; valorizar o trabalho educacional escolar, na diversidade;

buscar todos os recursos humanos, materiais e financeiros para a melhoria da resposta educativa

da escola; desenvolver estudos e pesquisas que permitam ressignificar as práticas desenvolvidas

em busca de adequá-las ao mundo em que vivemos.

Dessa forma, a escola inclusiva que trabalha com todos e para todos os alunos precisa

valorizar a diversidade, enfatizar as potencialidades dos seus educandos e desenvolver todas as

práticas com ênfase na cooperação entre os envolvidos no processo inclusivo.

Para atender a todos os alunos, as escolas da rede regular de ensino devem prever e

prover nas suas classes comuns, flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o

significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos

didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos seus alunos.

Com relação a essas escolhas curriculares, Stainback e Stainback (1999) dizem que é

preciso tomar cuidado para não enfatizar com excesso os interesses pré-definidos como

matemática, geografia, história e outros. Deve-se também valorizar os objetivos educacionais

que estão ligados à socialização e aos valores, como a amizade, respeito e outros. Segundo esses

autores, entre os principais objetivos educacionais que permitem aos alunos serem membros

ativos da comunidade estão os ligados à socialização e a amizade. A esse respeito, dizem

Stainback e Stainback (1999):

Quando os adultos se concentram e estimulam os sistemas de

companheiros e implementam outras atividades para encorajaras

amizades, as crianças podem conquistar o que será a coisa mais

importante de suas vidas – relacionamentos com um grande

número de pessoas, que realmente se importam com elas como

indivíduos. Assim, mesmo que uma criança nunca consiga

aprender nada de matemática ou história, ainda é fundamental que

ela seja incluída nas turmas de educação regular, para que todos os

alunos tenham oportunidades de aprender o respeito mútuo, o

interesse mútuo e o apoio mútuo em uma sociedade inclusiva

(p.234).

Assim sendo, para formar uma nova geração dentro de um projeto educacional inclusivo

é necessário trabalhar diariamente atividades que exercitem a cooperação, a fraternidade, o

reconhecimento e a valorização das diferenças.

Em concordância com os autores, acreditamos que muitas vezes, um aluno que apresenta

experiências de vida negativas ou outras dificuldades pode necessitar muito mais de um bom

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relacionamento na escola com os professores, boas amizades com os colegas, conhecer

sentimentos e valores que até então eram desconhecidos, do que desenvolver práticas

direcionadas somente para aprender matemática, geografia e outras disciplinas.

Dessa forma, as pessoas envolvidas com a inclusão podem suspirar de alívio se um aluno

com deficiência simplesmente consegue estar presente na sala de aula sem precipitar nenhum dos

desastres previstos, e podem, então, não levantar mais dúvidas sobre a prática inclusiva dessa

escola (STAINBACK e STAINBACK, 1999).

Porém, muitas vezes, as pessoas não têm essa visão de inclusão que possibilita aos alunos

momentos de trocas importantes para o seu desenvolvimento, pois quando chegam às escolas

regulares, os professores já depositam expectativas sobre o processo de alfabetização,

numeralização, deixando de lado os processos de trocas afetivas, nas relações com os demais

iguais e de construção a partir da descoberta do mundo que até então era desconhecida.

Nas escolas que recebem todos os alunos e necessitam oferecer uma educação de

qualidade para todos “o currículo deveria ser adaptado às necessidades das crianças, e não vice-

versa. As escolas deveriam, portanto, prover oportunidades curriculares que sejam apropriadas à

criança com habilidades e interesses diferentes” (Declaração de Salamanca, 1994, p. VIII).

Todas essas estratégias pedagógicas que precisam ser revistas pelas escolas inclusivas são

essenciais para que todos os alunos tenham uma educação de qualidade, aceitação e valorização

das diferenças.

Schneider (2003, p. 8), diz que cabe refletirmos sobre que é ser igual ou diferente. “Pois

se olharmos em nossa volta, perceberemos que não existe ninguém igual, na natureza, no

pensamento, nos comportamentos, nas ações etc. E as diferenças não são sinônimos de

incapacidade ou doença, mas de equidade humana”.

Para garantir a todos os indivíduos igualdade de direitos e de oportunidades,

independente de suas potencialidades e limitações, a educação precisa ser pensada para todos os

alunos.

Por fim Sartoretto (2007, p. 37) diz que:

numa sala inclusiva o aluno não presta atenção ao professor, o

professor é que deve prestar atenção ao aluno. Numa sala

inclusiva, o aluno não é ouvinte, não é assistente. Numa sala

inclusiva, o aluno realiza atividades. Resolve problemas.

Desenvolve projetos. Participa. Opina. Analisa. Cria. E não precisa

decorar nada. A escola inclusiva é a escola do aluno que pensa,

que faz e que cria, e não do aluno que ouve que copia que anota

que decora e que reproduz na prova. E pensar, fazer e criar, cada

um pode fazê-lo a seu modo, no seu ritmo, e sem moldes pré-

determinados.

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Diante das complexas modificações e conhecimentos necessários para que a diversidade

seja valorizada e as escolas consigam garantir um ensino de qualidade para todos percebemos

que cada aprendiz possui suas peculiaridades e seus interesses. Por isso, a escola precisa tomar

cuidado na elaboração de suas metas e objetivos, pois faz-se necessário desenvolver seu

currículo baseado na heterogeneidade e não na homogeneidade.

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4. CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Este capítulo apresenta o referencial teórico e o caminho percorrido para a construção do

objeto de pesquisa, bem como o campo de investigação, os procedimentos de coleta e análise dos

dados, as escolas e os sujeitos que participaram da investigação. Ressaltamos que o presente

estudo é de caráter qualitativo, com abordagem etnográfica. Esse tipo de pesquisa privilegia a

compreensão das práticas sociais a partir da perspectiva dos próprios sujeitos investigados, em

seu contexto particular.

4.1 O DESENHO DA PESQUISA: A ETNOGRAFIA COMO OPÇÃO METODOLÓGICA

A palavra etnografia foi cunhada no fim do século XIX para caracterizar cientificamente

narrativas e relatos realizados por viajantes sobre os povos não-ocidentais. O termo vem do

grego “graf(o)” e significa “escrever sobre” um tipo social particular — um “etn(o)”. Pode ser

definida, portanto, como a escrita sobre sujeitos ou determinados grupos sociais, com o objetivo

de compreender a cultura, as relações estabelecidas no interior de um grupo ou entre grupos

sociais.

Os primeiros estudos etnográficos foram realizados por antropólogos preocupados em

compreender sociedades desconhecidas e sua cultura — hábitos, valores, linguagens,

representações, crenças —, a partir das interações estabelecidas pelos sujeitos que a compunham

(CLINFFORD, 2002). Por cultura entendemos aqui as visões de mundo, os estilos, as histórias,

as expressões e os símbolos usados por um grupo, ou seja, seus conceitos e conhecimentos que

são transmitidos para as novas gerações (TEZANI, 2000).

Até meados do século passado, as pesquisas em educação enfatizavam análises

macrossociológicas de questões como, por exemplo, o acesso à escola e a origem social do

aluno, deixando de lado as diferentes dimensões do ambiente intra-escolar. Sob outra

perspectiva, as chamadas análises de interação focalizavam o estudo do contexto intra-escolar

para questões curriculares e de avaliação sob a influência da psicologia comportamental,

priorizando o comportamento de professores e alunos em sua interação.

Esse tipo de análise reduzia os comportamentos dos sujeitos a unidades passíveis de

tabulação e mensuração, sem levar em consideração o contexto social mais amplo em que se

situavam.

De acordo com André (1997), essa abordagem contribuiu pouco para a compreensão dos

fenômenos envolvidos no processo de ensino aprendizagem propriamente dito. Como alternativa

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metodológica, deu-se um crescente diálogo com a antropologia, o que possibilitou uma

compreensão mais refinada das práticas pedagógicas realizadas dentro de determinada realidade

social.

Por seguir protocolos menos normatizados, a etnografia se tornou um importante

referencial metodológico para pesquisas da realidade escolar preocupadas com a compreensão

dos processos envolvidos no cotidiano dessas instituições.

A etnografia é também conhecida como pesquisa social, interpretativa ou analítica, e tem

como maior preocupação a descrição densa das ações e relações dos atores sociais pertencentes

ao grupo investigado. A mesma comporta e combina diferentes técnicas para a coleta de dados, a

saber: a observação participante, a realização de entrevistas, a análise de documentos, entre

outros, as quais possibilitam uma prática descritiva, densa e interpretativa das ações pertencentes

ao grupo investigado.

Como referencial teórico-metodológico, a etnografia permite descrever as relações e

processos configuradores da experiência cotidiana dos agentes envolvidos no contexto

investigado, por meio da relação direta entre o pesquisador e o pesquisado. Assim, possibilita

entender o dia-a-dia dessas relações, constituídas por “mecanismos de dominação e de

resistência, de opressão e de contestação, ao mesmo tempo em que são veiculados e reelaborados

conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de ver e de sentir a realidade e o mundo”

(ANDRÉ, 1997, p. 41).

Em outros termos, a etnografia deve levar em conta o contexto social que existe além da

escola e da comunidade. Isto é, os dados da pesquisa etnográfica:

Não são coisas isoladas, acontecimentos fixos, captados em um

instante de observação. Eles se dão em um contexto flutuante de

relações: são fenômenos que não se restringem às percepções

sensíveis e aparentes, mas se manifestam em uma complexidade

de oposições, de revelações e de ocultamento (RAMPAZZO,

2002, p.60).

Nessa mesma direção seguem autores como Peirano (1995) e André (1997), para os

quais, inclusive, o reducionismo e a descontextualização, poderiam vir a comprometer a

credibilidade de toda uma linha de pesquisas educacionais com essa abordagem. Outrossim, é a

etnografia que melhor expressa e dá conta das relações e dos processos particulares estudados, é

conseqüência do trabalho teórico e não da matéria-prima para começar a fazê-lo.

Geertz (1989), aliás, já havia sinalizado este aspecto quando afirmou que as técnicas não

definem o empreendimento etnográfico, mas sim o tipo de esforço intelectual que ele representa.

Portanto, a falta de clareza sobre os princípios que norteiam a etnografia e a fragilidade do

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referencial teórico utilizado na construção do objeto acabam levando muitos trabalhos a uma

análise simplista do “cotidiano pelo cotidiano”. Para André, os autores de trabalhos desse tipo:

Parecem acreditar que a mera coleta de dados de campo seja

suficiente para caracterizar um estudo etnográfico. Esquecem-se

de que não basta reproduzir o real, mas é preciso tentar reconstruí-

lo, o que só se torna possível quando há uma orientação, uma

proposta teóricometodológica a seguir (ANDRÉ, 1997, p. 6).

Feitas estas ressalvas, registramos que, como referencial teórico-metodológico, a

etnografia possibilita dar voz aos sujeitos observados. Por esta característica, Fontes, Pletsch &

Glat (2007) apontam que o uso de seus pressupostos em pesquisas educacionais sobre educação

inclusiva tem proporcionado uma compreensão mais acurada da realidade escolar e do processo

de ensino-aprendizagem de pessoas com necessidades educacionais especiais, permitindo,

inclusive, apontar caminhos para possíveis práticas alternativas.

Além disso, ao proporcionar o contato direto do pesquisador com a situação investigada,

permite um maior entendimento das relações e processos estabelecidos entre os sujeitos

participantes e os significados das ações presentes nas práticas escolares.

A partir do exposto, entendemos que a pesquisa etnográfica pode contribuir para

conhecer as práticas dirigidas para alunos com necessidades educativas especiais incluídas no

ensino comum de escolas públicas estaduais de João Pessoa. No entanto, Caivano (2001) adverte

que para falar do cotidiano escolar, “para ver o que acontece entre suas paredes, para saber de

suas alegrias anônimas e de suas inquietações ocultas, para captar tudo de belo e de atroz que

pode haver nelas”, deve-se saber olhar sem intermediários. Para ele, falar do cotidiano da escola

é falar da escola que realmente existe, “essa grande ou pequena escola em que atuam educadores

anônimos”, na maioria das vezes.

A escola pode ser pequena e remota, mas para muitos estudantes é o centro do mundo, é

o espaço onde a esperança sobrevive para muitas pessoas subjugadas pela pobreza e pela

ignorância, ambas filhas da injustiça e da opressão; a escola e seus protagonistas formam um

mural esculpido no mármore da coragem e do compromisso.

Portanto, o pesquisador não deve julgar os acontecimentos observados, mas compreendê-

los à luz das experiências e dos significados atribuídos pelos próprios sujeitos investigados e do

referencial teórico adotado. A este processo, Mattos (2004) chama atenção para a importância da

ética do pesquisador etnográfico que, muitas vezes, durante a análise dos dados enfatiza

demasiadamente o “produto” e não o entendimento do “processo”, do que está acontecendo no

contexto em estudo.

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O contato direto do pesquisador, que traz consigo toda uma história de vida permeada por

valores, permite que o mesmo responda ativamente às circunstâncias que são encontradas ao

longo da pesquisa de campo. No entanto, como adverte André (1997), o pesquisador deve estar

ciente de que suas vivências e seus pontos de vista afetam a construção do objeto de pesquisa.

Por isso mesmo, deve alimentar certos procedimentos para que sua capacidade de análise não

saia prejudicada, como a permanente crítica de seus próprios pressupostos, a flexibilidade e a

sensibilidade.

A estas características, André (1997) acrescenta a tolerância à ambigüidade, ou seja,

saber conviver com as dúvidas e as incertezas; por último, destaca a habilidade de expressão oral

e escrita. Este aspecto para a autora é fundamental, pois muitas vezes o pesquisador faz um bom

trabalho de campo, os dados colhidos são ricos e significativos, mas ele não consegue expressar

pela escrita o que observou, ouviu e sentiu, relacionando com o referencial teórico adotado.

Além disso, pesquisas em escolas devem levar em consideração a subjetividade e as

singularidades individuais sempre de maneira relacional, isto é, a partir da sua interação com

uma coletividade, uma cultura, um dado contexto social.

Para tal, este estudo seguirá três orientações: a) estudar o contexto sempre da maneira

mais global possível; b) envolver os agentes investigados na pesquisa, ou seja, construir o

trabalho de forma que os participantes colaborem com a coleta de dados; c) revelar relações

significativas, a fim de impulsionar o diálogo entre teoria e empiria no curso da atividade de

pesquisa.

Assim, os dados serão analisados e entendidos não como idiossincrasias pessoais, mas

como práticas coletivas produzidas historicamente entre sujeitos em interação.

4.2. O UNIVERSO DA PESQUISA

Considerando-se que a problemática central do nosso estudo tem como foco central a

prática pedagógica dos professores das séries iniciais do ensino fundamental, numa perspectiva

inclusiva e emancipadora tomamos como campo de estudos duas escolas do ensino fundamental

da rede pública estadual de João Pessoa (que serão denominadas escolas A e B), de um total de

10 (dez) que trabalham com a proposta de educação inclusiva.

A escolha das escolas atendeu a alguns critérios tais como: a disponibilidade em receber

o pesquisador, disponibilidade para realização das entrevistas, localização geográfica, mas,

sobretudo, pelo fato dessas escolas fazerem parte do universo de escolas da rede estadual de

ensino que desenvolvem programas e práticas de educação inclusiva.

Para Cruz Neto (2003, p.52):

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Definindo bem o nosso campo de interesse, nos é possível partir

para um rico diálogo com a realidade. Assim, o trabalho de campo

deve estar ligado a uma vontade e a uma identificação com o tema

a ser estudado, permitindo uma melhor realização da pesquisa

proposta.

Caracterizaremos a seguir, as escolas tomadas como lócus da pesquisa:

A escola A fica localizada no centro de João Pessoa e foi fundada em 1977. Essa

instituição de ensino funciona nos três turnos, sendo que, as turmas do 6º ao 9º ano são

disponibilizadas nos turnos manhã e noite, e as séries que vão do 1º ao 5º ano funcionam no

turno da tarde.

Em relação ao corpo técnico-administrativo, os profissionais estão distribuídos da

seguinte forma: 01 diretor, 02 diretores adjuntos e 48 professores. A equipe técnica pedagógica é

formada por 01 orientador educacional, 01 psicólogo, 02 supervisores e 01 coordenador

pedagógico.

Com relação a sua estrutura a escola possui 14 salas de aula, uma quadra poli-esportiva,

rampa para acesso interno atendendo as exigências mínimas dos padrões de acessibilidade,

banheiro feminino e masculino, secretaria, sala de professores, sala da coordenação e direção,

cozinha, sala de artes, auditório, laboratório de informática e biblioteca. O número total de

alunos/as por sala varia de 45 a 50.

A escola em discussão possui uma classe especial, onde os alunos com necessidades

educacionais especiais ficam até o 4º ano. Só a partir do 5º ano é que esses alunos (as) são

incluídos nas salas regulares. Atualmente a escola possui 10 alunos (as) com necessidades

educativas especiais.

A escola B localiza-se no Bairro dos Estados em João Pessoa. Fundada em 1975 a escola

é administrada por 01 diretor, 02 diretores adjuntos, 01 coordenadora pedagógica geral, 01 (um)

psicólogo, 02 (dois) supervisores educacionais e 200 professores.

A escola atende a 2.200 alunos/as, da educação infantil ao ensino médio. A educação

infantil e o ensino fundamental menor são oferecidos nos turnos manhã e tarde. A segunda fase

do Ensino Fundamental (do 5º ao 9º ano), também é oferecido nos turnos manhã e tarde. Já o

ensino médio é oferecido nos turnos manhã, tarde e noite.

O número máximo de alunos por turma é de 35 a 40, com exceção da educação infantil

que não pode ultrapassar o numero máximo de 25 alunos/as por sala. O índice de evasão escolar

é zero e o padrão de leitura dos alunos é classificado como internacional.

A escola oferece assistência a crianças portadoras de necessidades educativas especiais e

o projeto “Ande na Faixa certa”, para que o aluno tenha atividades complementares visando

superar suas dificuldades de aprendizagem em determinados conteúdos de ensino.

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Todos os professores/as dispõem de um programa de capacitação e serviços, com 04

(quatro) horas semanais de atualização pedagógica. A escola tem se destacado como referencia

em educação pública de qualidade. Há treze anos a escola tem uma gestão participativa com o

apoio da comunidade. Os pais dos alunos (as), através de uma cooperativa, colaboram com a

administração.

Com relação a sua estrutura a escola possui 26 salas de aula, refeitório, cozinha, banheiro

feminino e masculino, duas salas de recursos, uma sala destinada para a classe especial, um

parquinho e um pátio central. No fundo da escola há outro pátio e, ao lado, uma quadra de

esportes, sala da direção, coordenação pedagógica e a secretaria, auditório, sala de artes,

laboratório de informática, biblioteca e sala de vídeo.

4.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA

Constituíram-se participantes desta pesquisa 10 (dez) professores/as do ensino fundamental

I (1º ao 5º ano) de 02 (duas) escolas estaduais de ensino da cidade de João Pessoa.

Primeiramente, é importante explicitar que os protagonistas foram escolhidos de forma

intencional.

Escolhemos a amostra de pesquisa a partir da sua atuação com alunos/as com necessidades

educativas especiais, sendo 05 (cinco) da escola A e 05 (cinco) da escola B. Deste número, 08

(oito) são professoras e 02 (dois) são professores.

Para Richardson (1999), no que se refere a uma abordagem qualitativa, o importante não é

a quantidade de sujeitos envolvidos na pesquisa que atesta a validade dos resultados, mas é a

qualidade e profundidade das informações.

Iniciado o processo de coleta de dados, o nosso primeiro contato foi com as supervisoras

educacionais das escolas que prontamente se propuseram a conversar com os/as professores/as

para participarem da pesquisa.

Nesse sentido, julgamos essencial apresentar o perfil dos professores pesquisados, que foi

elaborado a partir de informações coletadas no primeiro momento de entrevista que ocorreu no

segundo semestre de 2011.

Na elaboração do perfil, consideramos relevante dados sobre a formação, situação

funcional na rede, experiência profissional, e algumas características das condições de trabalho.

Essa opção se justifica porque, segundo Tardif (2005, p. 115), ultimamente as pesquisas sobre

professores se baseiam demasiadamente em abstrações, sem levar em consideração fatos

simples, mas fundamentais, como o tempo de trabalho, a matéria a ser dada e sua natureza, os

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recursos disponíveis, os condicionantes presentes, as relações com os pares, os saberes dos

agentes, o controle da administração escolar.

Para apresentar o perfil dos participantes da pesquisa, optamos por nomeá-los através de

números, para preservar o sigilo da identidade de cada um.

QUADRO 1

CARACTERÍTICAS DOS PROFESSORES

Participantes Idade/

sexo

Formação Série Turno Tempo de

magistério

Jornada de

trabalho

P1 40F Pedagogia

2º ano Manhã 19 anos 20h

P2

42F Pedagogia 3º ano

Manhã 20 anos 40h

P3

30F

Pedagogia

1º ano

Tarde

11 anos

20h

P4

38F

Pedagogia

1º ano

Tarde

15 anos

40h

P5

26F

Pedagogia

1º ano

Tarde

09 anos

20h

P6

40F

Pedagogia

4º ano

Manhã

19 anos

40h

P7

38F

Pedagogia

2º ano

Manhã

08 anos

20h

P8

29M

Pedagogia

3º ano

Tarde

04 anos

40h

P9

44F

Pedagogia

2º ano

Tarde

25 anos

40h

P10 40M Pedagogia

3º ano Tarde 15 anos 20h

Fonte: Questionário aplicado com os professores/as

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Gráfico 1 – Distribuição por gênero

Feminino80%

Masculino20%

Sexo

Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011

Diante do Gráfico 1, pode-se observar pela síntese do perfil dos professores e professoras,

que 08 (oito) dos professores (as) são do sexo feminino e apenas 02 (dois) do sexo masculino, o

que comprova uma predominância do sexo feminino do magistério nas series iniciais do ensino

fundamental.

A feminização do mundo do trabalho acontece com mais ênfase em alguns setores da

economia, com baixa remuneração e status, ainda qualificando o trabalho feminino como um

complemento para a renda familiar e não como uma carreira à qual a mulher deve dedicar-se

como o homem faz. A educação é um destes setores onde a maioria dos trabalhadores é de

mulheres em sala de aula, secretarias e outros serviços no espaço da escola.

Para Hirata (2011), o magistério tornou-se uma profissão predominantemente feminina,

principalmente entre os professores das series iniciais. Segundo a autora, o conceito de

feminização do magistério não se refere apenas à participação maciça das mulheres nos quadros

docentes, mas também à idéia de adequação do magistério as características associadas

tradicionalmente ao feminino, como o cuidado, o carinho, o instinto materno, além do fato de

conciliar as tarefas domesticas com as atribuições da docência.

Em sala de aula, observamos que nas séries iniciais do ensino básico e fundamental I e II

a grande maioria é de professoras. No ensino médio, onde os salários são maiores, os homens

ocupam mais espaço.

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Oscilando entre a permissão e as conquistas a mulher ocupou os espaços públicos e a

escola é um destes lugares apropriados por trabalhadoras que enfrentam muitas dificuldades no

seu cotidiano tanto no trabalho como nos espaços fora dela.

Em levantamento realizado, constatamos a feminizacão do trabalho docente, com dados

que chegam a 90% do corpo docente composto de mulheres em sala de aula e os números

aumentam quando inserimos os dados de trabalhadoras em outras áreas na Escola – como

secretarias, limpeza, cozinha, etc.

Contudo, contar com a participação de mulheres ou de homens na atividade de

professoras e professores é pensar em uma pequena parte das dimensões simbólicas da realidade

educacional. Qualquer momento da vida educacional de uma criança pode permear uma

realidade de trabalho a uma pessoa do sexo feminino quanto masculino, pois as dimensões de

feminilidade criadas socialmente, o cuidado, a emoção, a sensibilidade, podem estar presentes

em qualquer pessoa.

As escolas não são meras instituições receptoras de práticas da sociedade como

masculinidades e feminilidades, que transportadas para seu interior condicionam sua realidade,

elas produzem significados que contribuem com o processo de formação dos indivíduos, da

infância a vida adulta.

Assim, torna-se tarefa importante do professor refletir e avaliar, as concepções de

educação historicamente construídas e atualmente vigentes, revelando as dimensões conflituosas

vivenciadas por professoras e professores, na perspectiva da construção de relações mais justas e

solidárias.

Gráfico 2 – Distribuição por idade

12%

19%

13%

25%

31%

Idade

Entre 20 e 25 Entre 26 e 30 Entre 31 e 35 Entre 36 e 40 Entre 41 e 44

Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011

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Em relação à faixa etária dos professores/as entrevistados/as há uma variação entre 26 a

44 anos. Contudo, percebe-se a predominância de profissionais com faixa etária entre 36 a 44

anos, o que representa juntos 56% dos educadores.

Gráfico 3 – Distribuição por experiência no magistério

37%

63%

Distribuição por experiência no magistério

Professores com mais de 10 anos Professores com menos de 10 anos

Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011

Verificamos, ainda, que 06 (seis) professores tinham mais de 10 (dez) anos de

experiência em escolas públicas, 63% dos professores/as. Ainda, sobre a experiência no

magistério, apenas 03 (três) professores tinham menos de 10 (dez) anos de atuação no espaço

escolar público, o equivalente a 37% dos profissionais.

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Gráfico 4 – Distribuição por formação acadêmica

100%

Distribuição por formação acadêmica

Habilitados à sala de aula

Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011

Quanto à formação acadêmica, todos os 10 (dez) entrevistados tinham formação em

nível superior e estavam habilitados para ensinar nas séries iniciais do ensino fundamental.

Em nome de uma formação geral e específica de qualidade defendemos a ideia de

formação voltada para os conteúdos, métodos, técnicas e recursos específicos a cada tipo de

modalidade de ensino. Estamos convictos de que a inclusão escolar, não pode ocorrer de forma

ingênua e descompromissada, uma vez que existe uma legislação que lhe garanta o direito de ter

acesso e permanência a um ensino de qualidade.

Este fato está em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96, em seu

capítulo VI artigo 62, que define a formação de docentes para atuar na educação básica em nível

superior, em curso de licenciatura plena, em universidades e institutos superiores de educação.

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Gráfico 5 – Distribuição por jornada de trabalho

50%50%

Distribuição por jornada de trabalho

Dupla Jornada de trabalho 20 horas aulas

Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011

Com relação à jornada de trabalho, como aparece no Quadro I supracitado, constatamos

através do questionário que, todos os professores/as pesquisados/as cumpriam com as horas-aula

semanais recomendadas pela LDB/ Lei 9.394/96 capítulo IV em seu artigo 13 inciso V e pela Lei

nº 891/2004 que delibera a carga horária de 20 (vinte) horas semanais de efetivo exercício em

sala de aula e 05 (cinco) horas de planejamento pedagógico. Além da jornada de trabalho

dispensada às respectivas escolas-campo, 05 (cinco) professores (as) declararam que

trabalhavam em mais duas instituições de ensino, exercendo a função de professor/a com 20h

semanais em cada uma das escolas. Desse modo, percebemos que do grupo de 10 (dez)

professores/as entrevistados 05 (cinco) cumpriam uma dupla jornada de trabalho, equivalendo,

aproximadamente, a 40 (quarenta) horas semanais de trabalho em sala de aula.

Estas informações expressam uma realidade que caminha contrariamente ao texto da

LDB, no seu Título VI, especialmente, no art. 67, que trata da valorização dos profissionais da

educação. Inclusive, nos incisos que o compõe, definem um conjunto de direitos: formação

continuada, piso salarial profissional, progressão funcional, período destinado a estudos e

condições adequadas de trabalho. No entanto, as situações materiais nas quais esses profissionais

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se inserem, não refletem o conjunto de direitos idealizados por essa Lei. Pois, uma das

prioridades da Lei de Nº 9.394/96, é a valorização do magistério, incluindo também, a

valorização salarial.

A despeito disso, reportamo-nos a um estudo sobre as políticas públicas para o ensino

fundamental, onde Coraggio (2003) analisa e discute as políticas sociais, particularmente, as

educativas. Nesse estudo, o autor esclarece que as políticas públicas educacionais passaram por

um processo cruel de reformas, do ponto de vista social e educacional. As conseqüências desse

processo – alimentado pelo modelo de desenvolvimento social neoliberal – acarretaram para os

setores da sociedade civil, e aqui focalizamos o setor educacional escolar, profundas perdas de

direitos sociais para os professores do ensino público brasileiro: O que significou, entre muitos

efeitos, o enfraquecimento da profissionalidade dessa categoria; crescentes perdas salariais,

precárias condições de trabalho, imobilismo sindical e descrédito social.

De acordo com Giroux (1988), essa realidade representa a proletarização do

professorado, que resulta, pelas próprias circunstâncias materiais e culturais, no desaparecimento

crescente de um trabalho intelectual de grande importância para a resistência e a mobilização

contra as atuais formas hegemônicas de poder.

4.4 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

Para atingir os objetivos desta pesquisa, seguimos os pressupostos descritos por André

(1997) e dividimos o trabalho em três fases distintas, mas interligadas.

Na primeira fase, realizamos uma leitura ampla da literatura especializada sobre o tema e

o contexto estudado. Esta fase foi fundamental para a formulação do problema de pesquisa e a

construção do “olhar” que orientou o trabalho de campo. Nesta fase nasceram os

questionamentos e as principais categorias de trabalho. Também foram realizados os primeiros

contatos e reuniões com a equipe técnica das escolas para obtermos a autorização necessária à

realização do estudo. Para escolha das escolas, além de levarmos em consideração o fato das

mesmas estarem inseridas em programas de atendimento a sujeitos com necessidades educativas

especiais, levamos em consideração a motivação e o interesse dos professores/as em participar

de nossa pesquisa. Mantivemos também o foco do estudo restrito ao 1° segmento do Ensino

Fundamental, pois é justamente nesse nível de ensino que o aluno ingressa na cultura escrita, que

concentra o processo de exclusão escolar.

A segunda fase consistiu no trabalho de campo propriamente dito. Utilizamos como

técnicas de coleta de dados a observação, a entrevista semi estruturada, a análise de documentos

e a aplicação de questionário que foi aplicado como fonte secundária, cumprindo com o objetivo

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restrito de caracterizar o perfil dos envolvidos na investigação. O trabalho iniciou-se em março

de 2011 e seu término aconteceu no mês de novembro desse mesmo ano.

Para a coleta de dados seguimos os procedimentos a seguir.

4.4.1 Observação participante

A observação direta e constante da realidade, bem como a aproximação com os atores nos

contextos sociais investigados, tem sido considerada uma importante técnica para a pesquisa

científica. Na etnografia, a observação participante é o principal instrumento de investigação e

tem no pesquisador o agente fundamental, a quem cabe selecionar, interpretar, sentir e articular o

conjunto de fenômenos observados em campo. Diz-se “participante” porque o pesquisador

sempre interage, em maior ou menor grau, com a realidade que se propõe a conhecer. Ao mesmo

tempo em que o pesquisador se envolve com os sujeitos observados, “deve também desenvolver

certa alteridade, estranhamento, de modo a não influenciar o quadro de relações e

comportamentos já estabelecidos com as suas posições teóricas e ideológicas” (PLETSCH, 2005,

p. 47). Isto requer que o pesquisador lide com as opiniões e percepções, reconstruindo-as a partir

das observações de campo, sem ignorar as experiências pessoais, mas tomando como apoio o

referencial teórico para entendê-las. É o momento de dialogar entre o vivido em campo e o

referencial teórico adotado.

A este respeito, Fontes, Pletsch & Glat (2007) sugerem que o pesquisador saiba delimitar

a questão da objetividade em relação à sua participação no universo de pesquisa, pois a

participação do pesquisador no grupo investigado pode gerar equívocos em sua forma de

compreensão do objeto, que também é sujeito do estudo, levando-o a substituir revelações

originadas no campo por opiniões particulares preexistentes. Para essas autoras, saber trabalhar

com o envolvimento e a subjetividade, mantendo o necessário distanciamento que requer um

trabalho científico, é um grande desafio. Ainda segundo elas, isto não deve ser lido como

sinônimo de neutralidade científica, mas sim de rigor acadêmico.

O julgamento, a sensibilidade e a tolerância à ambigüidade pelo investigador são os

melhores instrumentos para captar a complexidade e a polissemia dos fenômenos educativos,

bem como para se adaptar às mudanças e ao surgimento de acontecimentos imprevistos. Como

lembra Geertz (1999, p. 14), a observação participante não ocorre de forma linear, mas sim por

“vias tortuosas, desvios e ruas estreitas, pois o trajeto não está mapeado a priori e, por isso, não

se pode esperar caminhar por uma estrada reta, onde se anda incansavelmente para frente”.

Os registros ou notas de campo sobre os diferentes momentos da pesquisa, incluindo

indagações, bem como gestos e olhares presentes na subjetividade observada nos atores sociais,

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foram registrados em diário de campo. Essas informações foram anotadas de forma sucinta

durante as observações e, após o retorno do campo, sistematizadas e transformadas em diários de

campo, conforme orientações de Bogdan & Biklen (1994).

O diário de campo é imprescindível para relembrar acontecimentos e a seqüência dos

fatos. A releitura do diário das observações de campo, nas palavras de Tura (2003, p. 189), “é

um mergulho profundo na vida de um grupo com o intuito de desvendar as redes de significados,

produzidos e comunicados nas relações interpessoais. Há segredos do grupo, fórmulas, padrões

de conduta, silêncios e códigos que podem ser desvelados”.

Partindo desses princípios, as observações foram realizadas em diferentes momentos e

espaços da vida escolar, como: a sala de aula (observamos a relação entre os alunos, entre

professor e aluno, quais atividades eram propostas e como os alunos respondiam a estas

atividades), o conteúdo em foco (currículo), o interesse dos alunos pelas atividades, os recursos

usados. Também observamos as discussões em reuniões, o trabalho realizado pela gestão escolar

e aspectos arquitetônicos da escola.

Cabe apontar que a relação de confiança e troca estabelecida com os participantes da

pesquisa foi fundamental para realização do nosso trabalho.

4.4.2 Análise documental

A análise documental constitui uma técnica importante na pesquisa qualitativa, “seja

completando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um

tema ou problema” (LUDKE & ANDRÉ, 1986, p. 38). Para essas autoras a vantagem da coleta

de dados via documentos:

Constituem uma fonte estável e rica. Persistindo ao longo do

tempo, os documentos podem ser consultados várias vezes e

inclusive servir de base a diferentes estudos, o que dá mais

estabilidade aos resultados obtidos; constituem também uma fonte

poderosa de onde podem ser retiradas evidências que

fundamentem afirmações e declarações do pesquisador;

representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação. Não são

apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num

determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo

contexto (LUDKE & ANDRÉ, 1986, p. 39).

Neste estudo foram analisados o conjunto de documentos que norteiam as práticas

educativas e políticas públicas voltadas para inclusão de alunos com necessidades educacionais,

tanto no âmbito nacional quanto local. O corpus documental foi composto por documentos

normativos e documentos orientadores. Os primeiros são aqueles considerados com status de lei.

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Os segundos compreendidos como aqueles que são publicados em nível nacional e internacional

com a função de estabelecer propostas sobre as diferentes questões educacionais (GARCIA,

2004, 2007).

Além disso, a pesquisa documental levou em conta, ainda, os documentos produzidos

pelas instituições escolares investigadas, tais como o projeto pedagógico, relatórios de

professores, fichas de alunos, atas de reuniões, e outros encontrados no decorrer da pesquisa.

4.4.3 Entrevistas semi-estruturadas

Na pesquisa etnográfica as entrevistas representam um importante instrumento de coleta

de dados. A interação com o sujeito pesquisado durante a entrevista é essencial para que o

mesmo se sinta seguro e a vontade para falar. Na concepção de Cruz Neto:

A entrevista não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se

insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto

da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focada.

(CRUZ NETO, 2003, p. 57).

Em etnografia, comumente se realizam entrevistas abertas, que acontecem de maneira

informal, sem um roteiro rígido pré-estabelecido, permitindo, assim, o depoimento espontâneo

do entrevistado.

No entanto, em função dos objetivos delimitados, realizamos entrevistas semi-

estruturadas, cuja intenção era a de coletar os depoimentos dos professores sobre o processo de

organização do conhecimento na escola, o entendimento acerca do papel de educador na

organização do conhecimento, bem como as concepções sobre inclusão e currículo. As perguntas

foram formuladas previamente, seguindo um roteiro de questões bem definido, ainda que

relativamente flexível. Vale ressaltar que todos os roteiros das entrevistas semi-estruturadas

foram construídos a partir das informações recolhidas no decorrer das observações de campo.

Todas as entrevistas foram previamente agendadas, gravadas e posteriormente transcritas na

íntegra. Para Richardson (1999, p.218) “Transcrever é um trabalho cansativo e tedioso, mas

enormemente útil. Permite estudar cada entrevista e fazer uma análise preliminar dos resultados

alcançados”.

4.4.5 Análise dos dados

A análise das informações colhidas em campo ocorreu de modo constante durante toda a

investigação. Essa conduta permitiu definir prioridades, como, por exemplo, que eventos deviam

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que ser mais observados e quem devia ser entrevistado. No entanto, a análise formal e

sistemática teve início somente após o fim da coleta de dados. Nesse momento, o distanciamento

temporário do campo foi importante para que construíssemos um fio condutor que desse

coerência teórica à análise das informações colhidas.

A leitura e releitura das notas de campo, entrevistas e documentos possibilitaram

confirmar as diferentes inferências registradas no diário de campo, bem como analisar as

recorrências e discrepâncias nas ações dos sujeitos observados. O entrecruzamento e a

comparação entre os diferentes registros e fontes de dados, denominada de triangulação, serviu

para checar e validar os dados obtidos para comparar e estabelecer relações entre as informações

coletadas.

Com base na triangulação dos dados foi possível detectar as divergências entre os

mesmos, os pontos de tensão, as contradições e as expressões de um modo singular de ser, de

pensar ou agir. Em síntese, a triangulação “dos métodos de recolha de informação, bem como a

multiplicação das fontes, obedece ao duplo requisito da abrangência dos processos de pesquisa e

da confirmação de informação” (SARMENTO, 2003, p.157).

Para analisar os dados, utilizamos a técnica conhecida como análise de conteúdo,com

base no referencial de Bardin (1977), Minayo (2000), Pletsch (2005) e Glat (2008). Segundo

esses autores, a análise de conteúdo abrange as seguintes fases: pré-análise, exploração do

material e interpretação dos dados.

A pré-análise é a fase da organização e sistematização dos dados em que ocorre uma

retomada dos objetivos iniciais da pesquisa em relação ao material coletado, bem como a

elaboração de indicadores que orientarão a interpretação dos dados.

Na fase de exploração do material, a mais longa da análise, todos os dados “brutos” da

pesquisa foram codificados para que fosse possível uma maior compreensão do material. Ou

seja, o material foi organizado em núcleos temáticos que originaram, por sua vez, as categorias

temáticas de análise: Inclusão, Prática educativa e Currículo.

A análise foi realizada a partir da triangulação dos dados coletados na observação

participante, nas entrevistas semi-estruturas e na leitura dos documentos. Para tal foram

realizadas inúmeras leituras e releituras de todos os dados coletados. Os dados coletados foram

continuamente confrontados com o referencial teórico estudado.

Apresentaremos a seguir a análise dos dados da pesquisa, procurando cotejar a relação

entre inclusão, o currículo e o processo de ensino-aprendizagem.

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4.5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

No que se refere à política de inclusão de pessoas com necessidades educacionais

especiais em classes comuns, apesar de concepções contraditórias e, muitas vezes, negativas

sobre as possibilidades dos alunos, ambas as escolas mostraram-se favoráveis, mas apontaram

diversas dificuldades. As falas selecionadas a seguir evidenciam esse aspecto:

QUADRO 2

PROFESSOR Quando perguntados acerca do seu entendimento sobre educação

inclusiva, os professores/as responderam.

P1

A inclusão é uma inovação, cujo sentido tem sido muito distorcido e um movimento muito

polemizado pelos mais diferentes seguimentos educacionais e sociais. No entanto, inserir

alunos com déficits de toda ordem, permanentes ou temporários, mais graves ou menos

severos no ensino regular nada mais é do que garantir o direito de todos à educação e assim

diz a constituição.

P2

Eu vejo a inclusão de forma complicada, porque na prática não é uma inclusão. Na verdade

o aluno está sendo colocado na sala de aula, mas o professor não está dando condições nem

realizando atividades dirigidas diferentes para que esse aluno se desenvolva junto com os

outros alunos. Você se quer tem condições de dar apoio a esse aluno, nem viabiliza as coisas

para esse aluno e ele acaba sendo excluído dentro da própria sala de aula.

P3

A inclusão, tudo bem, é muito legal as pessoas terem uma mesma oportunidade, mas para

quem está vivendo a inclusão e tem que participar da inclusão fica muito difícil porque é o

professor com aquilo que ele sabe, com aquilo que ele aprendeu que é muito pouco,

tentando dar uma oportunidade para crianças que precisam de alguma coisa específica, de

uma situação específica, de uma forma específica e eu não me sinto apta para fazer isso.

Essa é a minha questão. Entendo o que é a inclusão, mas a forma que está sendo feita que eu

não sei...acho que precisaria estar preparada.

P4

Eu acredito que incluir é você acrescentar, é você colocar mais um em algum lugar. Incluir é

colocar alguém que tem certa dificuldade na aprendizagem, na escola para aprender com os

mesmos objetivos que os outros. Incluir é diferente de integrar. Não estou sabendo me

expressar bem, eu acho que incluir é diferente de integrar. Incluir é mais profundo vai além

do que interagir e integrar é mais momentâneo. Incluir é mais permanente.

P5

Incluir é colocar alguém em algum lugar, porém nem professor não está capacitado para

receber aquele aluno com necessidades educativas especiais, não está em condições

pedagógicas. Então fica difícil determinadas inclusões. Você trabalhar com os ditos normais

hoje já é difícil, imagina com um aluno com deficiência.

P6 É o tipo de educação que usa a integração dos alunos especiais ao ensino regular, isto é,

incluí-los integralmente na sociedade.

P7

É a experiência de disseminação do conhecimento a ampla, procurando abranger e alcançar,

indistintamente, cada sujeito do processo ensino – aprendizagem.

P8

Vejo a inclusão como fajuta, pois não temos o mínimo necessário para trabalhar. Cada vez

mais são mais exigências para preencher papéis e relatórios de toda ordem.

P9

Eu vejo a inclusão de forma positiva para os alunos que tem dificuldades, como é o caso dos

alunos com necessidades especiais. Mas, por outro lado, nos professores temos uma

dificuldade muito grande para trabalhar com eles por conta da estrutura mesmo, de apoio

pedagógico. Enfim, mas assim olhando para o lado do aluno, principalmente o lado social e

afetivo. Acho muito importante a inclusão, pois possibilita a eles terem a oportunidade de

conviver com os outros alunos que não tem as mesmas dificuldades.

P10

Entendemos que, com a educação inclusiva a tendência é diminuir cada vez mais o índice de

discriminação em relação aos deficientes físicos e dessa forma construirmos um mundo

melhor.

Fonte: Os questionários aplicados com os professores

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Podemos depreender das falas acima, que apesar da posição favorável à inclusão, os

professores/as denunciaram as inúmeras dificuldades que vivem no seu dia-a-dia.

Alegaram os professore/as que não recebem o suporte pedagógico necessário para atender

às demandas instauradas com a inserção de um aluno com necessidades educacionais especiais

em sua sala de aula. Reconhecem que tais alunos deveriam participar das atividades escolares e

se beneficiar dos conteúdos ali ministrados, por meio de atividades diferenciadas, e não apenas

se resumirem a ter o convívio social. Assim, o uso de estratégias e recursos diversificados é um

dos aspectos centrais para a inclusão.

Os professores/as apontaram ainda que se sentiam despreparadas para a tarefa pedagógica

com esses alunos. No entanto, parece continuar sendo um dos maiores obstáculos ao processo de

inclusão.

Outro aspecto presente nas diferentes falas durante a pesquisa e apontado por uma das

entrevistas é a diferença entre integração e inclusão. Os referidos termos eram usados

recorrentemente pelos participantes da pesquisa como sinônimos. Em conversa informal, uma

das participantes explicou que essa “confusão” do uso de um e de outro está relacionado com as

diretrizes oficiais que continuam usando o termo integração e não inclusão.

Em relação ao conceito educação inclusiva, os entrevistados apresentaram respostas

parecidas (Tab. 1) e, assim como no trabalho de Costa (2010), percebeu-se que houve uma

mistura de ideias sobre educação especial e integração escolar. Para Costa (2010),

Os conceitos de integração e inclusão ainda geram muitas polêmicas no meio

acadêmico, principalmente pelo fato de alguns autores os contraporem e outros

acreditarem que se complementam. A confusão entre os conceitos se faz quando

atribuem à educação inclusiva o processo de inserir o aluno com necessidade

educacional especial no espaço de aula regular, tendo que para isso adaptar-se. Basta

inseri-lo. Isso cria a ilusão que estão em correspondência com preceitos inclusivos.

Os professores entrevistados consideram a inclusão um problema e um dever da

sociedade, que deve proporcionar às pessoas com necessidades especiais apoio, educação,

aprendizagem, formação, atuação, desenvolvimento, preparo e atendimento de suas

necessidades.

É possível observar na fala de alguns professores que apesar das dificuldades e dos

problemas, os alunos devem ser respeitados por suas potencialidades e diferenças. Os

professores demonstram a compreensão de que o modelo educacional padronizante e arbitrário

que considera os iguais como “normais” e os diferentes como “anormais”, torna difícil falar em

educação inclusiva sem a ruptura e uma transformação radical de um modelo de escola que não

respeita as diferenças. A esse respeito Carmo (2005) considera que as escolas públicas e

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privadas, na forma como se apresentam, historicamente, tem cumprido, dentre outras funções, a

de perpetuar as desigualdades sociais.

A educação inclusiva exige do professor uma mudança de postura, no sentido de redefinir

seu papel, que é fundamental no desenvolvimento de seu aluno. O educador deve aprender a

respeitar o seu aluno, seus interesses e desenvolver suas atividades a partir disso: ouvindo,

formulando desafios e situações novas acompanhando seu processo de desenvolvimento, não se

direcionando aos seus interesses. O professor que trabalha em sala de aula numa perspectiva

inclusiva e emancipadora deve oferecer aos seus alunos oportunidades diárias para pensar,

refletir e evoluir em direção ao pensamento lógico.

Conviver e reconhecer as deficiências e as diferenças é um grande desafio, aceitar que

somos diferentes e quebrar os velhos paradigmas da educação, para atender as necessidades

individuais de todos os educandos tenha ou não necessidades educativas especiais. A educação

inclusiva possui uma filosofia que defende a educação acessível para todos, e as escolas

enquanto comunidades educativas devem satisfazer as necessidades de todos os alunos. A

inclusão surge no momento em que à teoria e a pratica pedagógicas não estavam dando certo. É

preciso aceitar a diferença, marca indelével de cada individuo. (FELTRIN, 2004, p. 48)

A escola com seus profissionais devem assumir este compromisso, acreditando que as

mudanças são possíveis desde que haja uma transformação nos atuais moldes do ensino, sendo a

escola uma das instituições (senão a principal) responsável pela construção desta sociedade,

atendendo a todos indiscriminadamente.

Claro que não queremos aqui afirmar que esse processo ocorrerá de maneira fácil, sem

maiores complicações. Os desafios são muitos, os paradigmas a serem superados são

indefinidamente complexos, mas necessariamente possíveis. Para isso, um grande passo foi

dado: muitas escolas tem empenhado esforços significativos nessa direção.

A Constituição Federal de 1988 significou um grande avanço em termos educacionais no

Brasil, pois garante e propõe avanços significativos para educação escolar, vislumbra a cidadania

e a dignidade da pessoa humana (art.1º,incisos II e III) como um dos seus fundamentais fins: a

promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras

formas de discriminação( art. 3º, inciso IV) e também garante o direito a igualdade ( art.5º) e

trata no artigo 205 e seguintes , do direito de todos à educação . Esse direito deve destacar "o

pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o

trabalho". Além disso, prevê igualdade de condições, acesso e permanência na escola "(art.206,

inciso I). A Convenção de Guatemala, datada de 28 de maio de 1999, prevê a eliminação de

todas as formas de discriminação contra pessoas com deficiência e o favorecimento da sua

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integração na sociedade, define a discriminação e dá outras providências. Há ainda a Declaração

de Salamanca datada de 1994 que é considerada mundialmente como um dos mais importantes

documentos que visam à inclusão social.

Tornar realidade a educação inclusiva, por sua vez, não se efetuará por decreto. Devem

ser avaliadas as reais condições que possibilitem a inclusão planejada, gradativa e continua.

Deve ser gradativa por ser necessário que tanto a educação especial como o ensino regular

possam ir adequando-se á nova realidade educacional, construindo políticas, práticas

institucionais e pedagógicas que garantam o incremento da qualidade do ensino, o que envolve o

desenvolvimento de competências por parte do professor articulados aos diferentes saberes

exigidos para uma prática docente de qualidade comprometida com a inclusão e a emancipação

social dos sujeitos escolares.

Espera-se que a escola seja um espaço vivo de formação para todos. Neste contexto, um

ambiente verdadeiramente inclusivo requer políticas públicas de educação direcionadas à

inclusão, além de educadores envolvidos seriamente com as mudanças, mostrando que a inclusão

é um momento de ganhos para professores e para comunidade escolar como um todo.

Claro que tais mudanças de perspectiva exigem muito mais do que ir à escola e fazer o

que se faz todo dia do mesmo jeito. Uma prática significativa, que desenvolve uma educação

baseada na diversidade e na superação de limites, envolve respeito às diferenças tanto em sala de

aula, quanto fora dela. A escola é apenas o ponto de partida para a ação maior que é chamada de

inclusão.

À instituição escolar, precisa da ajuda dos pais e de toda a comunidade local, para formar

uma rede de apoio de modo a fazer o melhor por estes educandos. Desde o desenvolvimento de

suas potencialidades até o pleno desenvolvimento da sua cidadania.

Enfim, a escola inclusiva é aquela que acomoda todos os alunos independentemente de

suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas, sendo seu principal desafio

desenvolver uma pedagogia centrada no aluno.

QUADRO 3

PROFESSOR Quando perguntados acerca de quais práticas curriculares os

professores devem implementar frente aos desafios da educação

inclusiva

P1

Olha, na minha prática encontro muita dificuldade até pela nossa própria formação, a gente

não é preparada para trabalhar com essas crianças e nem as crianças que estão sendo

incluídas e nem as crianças com algumas deficiências de aprendizagem, déficit de

concentração, a gente não tem essa preparação. Então, na verdade, nós ficamos tentando

correr atrás do prejuízo sozinha, praticamente.

P2 O meu trabalho é desenvolvido na medida do possível, de modo comum a todos, tentando

adaptá-lo da melhor forma à necessidade específica do aluno com a ajuda da coordenação.

Para mim só deveria ser incluída na escola regular a criança que tivesse completa

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P3 capacidade, igual aos outros de nível intelectual. Trabalhar com essa diversidade de alunos

sobrecarrega demais o professor.

P4

Acho que a inclusão depende do que pensa e faz o professor que vai trabalhar com o aluno

com necessidades educacionais especiais. Esse ano ele pode não aprender nada, mas no ano

que vem troca de professora, uma que investe nele, que acredita nesse sujeito, que tem um

olhar, aí ele caminha, ele se desenvolve, vai embora.

P5

Em meu dia-a-dia em sala de aula procuro nunca isolar a criança deficiente, pelo contrário,

procuro inserí-la dentro da turma. A minha prática com o aluno com necessidades

educativas especiais não muda muita coisa não, eu simplesmente faço com que esses alunos

se sintam a vontade e sejam eles mesmos. Isso é muito importante. Na minha prática

curricular procuro articular os conhecimentos dos livros didáticos com a realidades de vida

dos alunos.

P6 A gente precisa conhecer todo histórico da criança, para que a gente possa trabalhar com ela

em sala de aula. Então a gente vai fazendo as adaptações curriculares. Muitas vezes a gente

precisa trabalhar muito a socialização em sala de aula, porque às vezes, ela chega na escola

e não consegue se agrupar aos coleguinhas.

P7

Em sua prática curricular o professor precisa ter a consciência que ele é um instrumento de

transformação, ele é um facilitador. Ele contribui para que o conhecimento fique mais

significativo a cada dia para o aluno.

P8

Mostrando para os alunos que o que eles trazem de casa tem importância. Os professores

têm um papel primordial. Os alunos veem os professores como um modelo, um exemplo.

P9

Levando os alunos a refletirem sobre a realidade, questionando, opinando, criticando por

meio de debates, leituras reflexivas para formarmos cidadãos preparados para reivindicar

seus direitos e exercer coerentemente seus deveres. Essa prática educativa deve ser realizada

constantemente para que o desenvolvimento do educando seja completo e possa desarticular

essa atual realidade brasileira, onde o poder e as riquezas estão centralizados nas mãos de

poucos.

P10

Minha prática curricular está centrada no aluno, pois é preciso compreender que temos de

criar várias formas de ensinar. Acolher independente do aluno. Acima de tudo amar e

respeitar sem preconceito. A palavra “inclusão” é um sinônimo de amar.

Fonte: Os questionários aplicados com os professores

Iniciamos este tópico com as falas das professoras quando questionadas sobre o que

pensavam sobre suas práticas curriculares no processo de escolarização dos seus alunos e

particularmente dos alunos considerados com necessidades educativas especiais.

A partir das falas das professoras é possível depreender diferentes concepções sobre as

práticas curriculares e sobre as possibilidades de aprendizagem oferecidas aos seus alunos. Mais

uma vez a falta de conhecimentos e a “adaptação” das atividades para atender ao aluno especial

são apontadas.

Através da análise do depoimento da professora P2, percebemos uma forte tendência a

não inserção de si mesmo como sujeito da sua própria prática educativa. Quando em seu

pronunciamento fica demarcado que é preciso haver uma ajuda da coordenação para a prática

educativa, ele remete a responsabilidade na condução do seu pensar-fazer educativo a outrem.

Para Giroux (1985) a atividade dos professores e das professoras não pode ser vista como

uma ação meramente técnica, burocrática e burocratizante, mas como uma atividade de natureza

crítica, indagadora, a serviço do desenvolvimento de processos que contestem as relações de

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poder presentes nas relações sociais e educacionais e, posicionem os sujeitos na luta pela

autonomia e liberdade.

Diante disso, é oportuno desde já, colocarmos que os textos dos demais professores e

professoras entrevistados apontaram pistas para o desenvolvimento de uma prática educativa que

se aproxima como uma direção política e cultural. Os demais professores e professoras, através

dos depoimentos colhidos nas entrevistas, retrataram a sua atividade profissional numa

perspectiva inclusiva atribuindo-lhe um caráter formador e transformador, o que nos leva a

entendê-la como uma prática em permanente movimento.

Evidenciaram-se nas impressões relatadas por esses profissionais, que as perspectivas de

mudanças no processo de organização do conhecimento escolar, imerso na prática educativa,

requerem essencialmente a presença dos alunos e alunas. Assim, Freire (2010, p.25) nos

confirma que “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das

diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro”.

Nesta forma de compreender a prática educativa, os sujeitos envolvidos nela mantêm

uma relação dialética, parafraseando o autor: quem forma os/as alunos/as se re-forma e se forma

no processo de formação, ao mesmo tempo, quem é formado forma-se e forma, também, o

formador. É sob esse ponto de vista que a prática educativa é uma relação formadora e

transformadora.

Apenas um docente atribui à concepção de educação inclusiva o amor. Costa (2010)

defende que com a perda de consistência dos discursos e falta segurança na representatividade da

educação inclusiva há um apelo emotivo e afetivo onde se conclui que a educação inclusiva é

uma atividade de amor. De acordo com a autora “as dificuldades sucumbem ante a nobreza do

sentimento” e isso se dá porque ainda imagina-se “uma docência revestida de amor e cuidado”

como nos tempos de outrora. Ainda assim, alguns dos participantes do trabalho de Costa (2010)

acreditam que para lidar com alunos com necessidades educacionais especiais é inevitável amá-

los, uma vez que “é preciso muita paciência, dedicação, cuidado”.

Logo, remete-se à reflexão apresentada no título deste trabalho: os docentes estão ou não

preparados para trabalhar com a educação inclusiva? Mesmo que no decorrer de alguns anos

tenha-se notado um fortalecimento no processo de inclusão, há muito a evoluir e entre tantos

fatores, concorda-se com Sant’Ana (2005) que defende um reajuste na formação docente e Silva

(2009) que afirma que o desenvolvimento da inclusão educacional “só pode ter bons resultados

se forem feitos por meio da qualificação profissional”. Dessa forma, a ampliação e continuidade

dos cursos de capacitação são indispensáveis para a preparação dos educadores – agentes que

atuam diretamente no processo de inclusão social. Investimentos em tecnologias e em e materiais

didáticos não devem ser descartados.

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O que se espera é que o corpo docente esteja preparado para o trabalho da inclusão

educacional e principalmente, em acordo com Silva (2009), “que com a educação inclusiva

sejam abandonadas definitivamente as barreiras seletistas de aprendizagem” e que o meio social

se adapte ao aluno incluído ao invés de buscar-se que o estudante se adapte à sociedade.

A análise das entrevistas individualizadas leva-nos a afirmar que existe uma forte

preocupação desse grupo de professores e professoras de desenvolver junto com alunos e alunas,

em seu ato educativo, aquilo que Freire (2002) concebe por rigorosidade metódica. Pode-se,

assim, dizer que esses profissionais reconhecem como estratégia alternativa a importância de

aproximar os/as aluno/as dos conteúdos a serem conhecidos com capacidade crítica, curiosa,

questionadora, tentando fazer a mediação, destes, com suas experiências de vida, seus problemas

cotidianos, seu mundo.

Para Freire (2002) o ensinar e o aprender estão imbuídos de curiosidade que movimenta a

aproximação crítica sobre os conteúdos e/ou objetos do conhecimento. Põe-nos diante da

realidade cognoscível com desejo de decifrá-la, inventá-la e de transformá-la em benefício nosso

e dos outros. Esse desejo se materializa na forma como professores/as e alunos/as dão tratamento

aos conteúdos, aos procedimentos, à relação professor-aluno, ao currículo. Na maneira como

conduzem suas experiências com os outros, no mundo e com o mundo. A prática educativa é,

essencialmente, tomar parte em e com, como sujeitos da produção do conhecimento e da sua

própria humanização. É por isso que a educação escolar é uma atividade que pela própria

natureza do seu pensar, fazer e ser, denominamos formadora e transformadora.

Essas questões de ensinar, aprender e ser que se colocam na e pela prática educativa,

obviamente, tem tudo a ver com as práticas curriculares. São tão impregnadas umas nas outras,

que às vezes, não conseguimos distinguir os elementos do currículo ou do que vêm a ser o

próprio currículo. O currículo é muito mais de que o conjunto dos elementos que o compõem.

Apresenta-se como um projeto de sociedade que se reflete em um projeto de ser humano, por

conseguinte, passa a ser compreendido como o sentido e a forma atribuídos à prática educativa.

Em outras palavras, a forma como se pensa e se faz o currículo está circunscrita ao modo

como se vem historicamente se assumindo, enquanto um ser político, crítico e transformador. A

análise e a direção que se imprimem ao currículo têm que ir além das questões de procedimentos

didáticos e pedagógicos, consiste naquilo que se reflete criticamente, que se opõe, defende-se,

que se quer manter e/ou transformar. Portanto, não se pode pensar, elaborar e materializar o

currículo fora de uma concepção de mundo, de homem e de mulher. Fora do que se entende e se

reivindica por direitos individuais e coletivos, como possibilidade de, além de ter acesso aos bem

sociais, poder ouvir, falar, utilizar expressões que a própria cultura absorve no seu espaço

temporal.

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Nessa perspectiva, analisamos as declarações obtidas nas 10 (dez) entrevistas com

professores/as, com o objetivo de contemplar a visão que esses profissionais tinham sobre

currículo, bem como a sua participação enquanto sujeitos de produção do currículo.

QUADRO 4

PROFESSOR Quando perguntados se os professores/as participam da organização e

elaboração do currículo escolar

P1

Os conteúdos são trabalhados, basicamente, nas reuniões, onde definimos o programa anual

da disciplina. Cada professor define como trabalhar os conteúdos que estão no livro

didático.

P2

Nas reuniões pedagógicas nas quais é passada toda a plataforma que vai ser executada, nós,

professores sempre estamos presentes dando a nossa colaboração nos planos de cursos.

P3

Não temos esse nível, ainda, de amadurecimento para reunir os profissionais da educação e

tentar elaborar o currículo, priorizando, justamente as necessidades dos nossos alunos. Sei

que temos a flexibilidade de montar os nossos planos de cursos e de aulas, mas em termos

de currículo não caminhamos ainda.

P4

A escola oferece espaço para que todo professor participe. Sempre questionar, colaborar

com o currículo da escola. Quais são os conteúdos que mais interessam aos alunos? O que é

importante para que o aluno realmente tenha condições de sair da escola com a formação

adequada.

P5

Não temos um currículo definido. Cada professor faz seu plano de curso. Temos a

possibilidade de estarmos conversando para saber quais as atividades que podemos

desenvolver juntas, para que não se tenham atividades repetidas.

P6 Quando vamos fazer a programação do ano, a escolha dos livros didáticos, eu procuro

caminhar na direção do que está mais próximo do cotidiano dos alunos.

P7

O projeto político pedagógico existe, mas ninguém nem toca. É uma coisa oficial, mas ao

mesmo tempo fictícia, porque ninguém se senta coletivamente para trabalhar nesse sentido.

Até mesmo os livros didáticos estão aquém dos objetivos que se pretendem na escola. Isso

não é discutido no projeto político pedagógico.

P8

Apenas participo das reuniões que vinculam algumas atividades propostas na escola.

P9

Participo na medida em que venho para as reuniões e estou sempre conversando com a

coordenadora, diretores e demais funcionários da escola, procurando sempre melhorar o

processo de ensino-apredizagem.

P10

Não, apenas das reuniões quando sou convidado.

Fonte: Os questionários aplicados com os professores

Diante das reflexões dos professores e professoras em torno do currículo exposto no

quadro acima, constatamos indicações diferentes de como este se faz entender.

Temos a primeira concepção referente a cinco (05) profissionais que definem currículo

como: seleção de conteúdos, programa anual de disciplina, livro didático, plano de curso e

reunião didática. Logo, tal concepção traz presente o currículo como uma questão de organização

de conteúdos desejáveis para se transmitir aos alunos e alunas.

A segunda concepção aponta para o que não é currículo. Aqui, estamos reconhecendo que

o fato das professoras afirmarem que ainda, não se tem na escola uma definição no campo do

currículo, leva-nos a crer que elas não estão considerando que o currículo são procedimentos e

métodos de seleção de conteúdos, elaboração de plano de curso e programa de disciplina.

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Portanto, está implícito nessa noção que o currículo não é um instrumento meramente técnico e

neutro de racionalização de resultados de aprendizagem.

A terceira concepção contempla as falas da professora Jussara e da professora Sandra,

referindo-se a: espaço coletivo de debate, projeto político pedagógico. A nosso ver, essa é a

noção que melhor se aproxima do que vimos considerando por currículo, tendo como base

teórica os estudos mais recentes sobre o mesmo como campo investigativo.

Diante de essas três concepções (que estamos considerando como concepções de

currículo), parece-nos, provavelmente, aceitável dizer que a maioria desses profissionais está

impregnada pela vivência de questões curriculares eminentes de conotações política, social e

cultural em sua prática educativa escolar.

Reconhecemos então, que embora esses profissionais não façam a decifração desses

pensamentos e ações que geram a sua prática educativa - enquanto pensamentos e ações que se

materializam como o próprio currículo - eles/as estão envolvidos com o currículo e têm uma

concepção a respeito dele, aliás, uma concepção enquanto projeto político e cultural e construção

coletiva. O que nos parece é que há um eventual equívoco adquirido, talvez, nos cursos de

formação desses profissionais: o fato de eles não terem conhecimento do campo de estudo do

currículo para o desígnio dessas atividades com o mesmo.

Mesmo que as escolas-campo não tenham um projeto/documento socialmente construído

e situado culturalmente, esses/as professores/as estão delineando novos focos de pensar e fazer

currículo - embora não os compreendam como tal - a partir de uma prática que não esmorece

frente aos padrões culturais postos nos livros didáticos, programas de governo e nas relações

desiguais que se estabelecem na escola.

Insistimos em afirmar, que a maioria desses profissionais pensa e age currículo, pois se

aproximam do que Santiago define: “O currículo, portanto, apresenta-se como um processo de

fala-escuta; (...) como um processo de discussão, de tomada de decisão como definição política

[...]” (SANTIAGO, 1998, p.40).

Outro fato que certamente implica na dificuldade das professoras e professores fazerem a

relação entre a sua prática educativa escolar e o currículo, diz respeito às discussões sobre este

campo de estudo que raramente ganham o caminho da escola pública, embora nos últimos anos,

tenham se intensificado as análises sobre o currículo enquanto campo de investigação,

colocando-o num lugar de destaque no âmbito educacional escolar. Apontamos a necessidade,

haja vista o que vem sendo posto por nós nessa pesquisa, de ampliarmos as discussões em torno

desse campo, atribuindo maior importância ao currículo. Pois é verdade que as transformações

que o pensamento curricular vem incorporando, como a sua relevância em um projeto maior de

sociedade, não se traduz no cotidiano das inúmeras escolas públicas brasileiras.

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E quando essas discussões chegam às escolas, na maioria das vezes acontece de forma

meramente técnica, abordando questões referentes às disciplinas e à carga horária. De fato, como

expõe Silva (1997, p.184), “o currículo é tomado como algo dado e indiscutível, raramente sendo

alvo de problematização, mesmo em círculos educacionais profissionais”.

Todavia, o currículo é o instrumento de identidade da escola. Como afirma Freire: “a

compreensão do currículo abarca a vida mesma da escola, o que nela se faz ou não se faz, as

relações entre todos e todas as que fazem a escola. Abarca a força da ideologia e sua

representação não só enquanto idéias, mas como prática concreta” (FREIRE, 1991, p.123)

Portanto, faz-se necessário perguntarmos: como alguns professores e professoras podem

deixar de entender o currículo como artefato meramente técnico e neutro? Parafraseando Freire

(1991), se as reformas curriculares são pensadas e elaboradas por um grupo de intelectuais

burocratas - que transitam no cenário ministerial com ares de iluminadores - cujos resultados são

“pacotes curriculares” encaminhados às escolas para colocarem em ação as propostas

educacionais através de suas instruções e guias, dificultarão, desse modo, a construção de

propostas curriculares relacionadas ao contexto social e cultural dos professores e dos alunos e

de suas experiências educacionais como elementos elaboradores de práticas educativas.

O currículo é sempre movimento de construção e reconstrução. Quando não é

compreendido assim, inviabiliza-se, tornando-se tão somente prescrição.

Tentando responder a questão pontuada logo acima, concebemos que do mesmo modo,

consideramos o potencial de resistência, pesquisa, crítica e criatividade dos professores e das

professoras que pensam sobre a sua prática educativa e a escola. Esta última é um espaço de

debate e, é preciso que neste espaço, sejam fomentadas propostas mais compatíveis com as

idéias do grupo e com as necessidades e interesses das pessoas que convivem nela e com ela.

Focalizamos que, talvez, as dificuldades de compreensão dos profissionais pesquisados,

quanto ao currículo, sejam de natureza teórica. Por isso, é interessante, entre outras estratégias,

que busquem o intercâmbio com os centros acadêmicos especializados e questionem a formação

continuada que estão recebendo das secretarias de educação a que estão vinculados, além de se

assumirem enquanto intelectuais orgânicos, pesquisadores constantes, elaboradores, condutores

convincentes e dirigentes. Não devem se conformar com o que está dado, mas descobrir e usar o

conhecimento, a imaginação, a criatividade, a ousadia, o sonho. Voltarem-se sobre a necessidade

de construção de um trabalho coletivo que contemple as especificidades dos alunos, diversidades

culturais e o conhecimento organizado.

Precisamos dedicar um pouco mais do nosso tempo à investigação do cotidiano escolar.

Porque, a escola como terreno cultural, ideológico e de convencimento produz conceitos,

imagens, valores. Oculta a realidade, mas também a desvela, pode negar ou instituir direitos,

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deforma ou forma e transforma pessoas. Por isso mesmo, cabe-nos lembrar que Gramsci (1995)

considera a escola como um dos componentes da sociedade civil, responsável por fomentar

estratégias de luta por uma nova hegemonia.

Quanto mais informações sobre a organização do trabalho escolar que envolve, entre

outras coisas, as condições materiais, situações de ensinar/aprender, relações sociais, conteúdos

prescritos, currículo como gênese da produção do conhecimento, mais condições haverá na

busca de possibilidades coletivas para compreendê-lo, de intervir constantemente na e com a

realidade escolar. Portanto, a perspectiva de currículo que se distancia da perspectiva tecnicista

curricular, ainda tão impregnada no pensamento e na ação de muitos professores e professoras,

revela que todas as atividades da escola, da matrícula do aluno à sua aprovação ou reprovação,

quando não lhe é castrado o direito de permanência, tem a ver com o currículo.

Nesse panorama, o currículo ganha uma dimensão maior com as recentes discussões

delineadas pelo campo dos Estudos Culturais que lhe atribuem o caráter social e cultural. Dessa

maneira, não vimos o currículo como artefato de transferência de conteúdos, mas como um

projeto de direção política e cultural. Significa que os objetivos, descaminhos e caminhos que a

escola toma no movimento constante, envolvem a sua assunção enquanto “esfera pública

democrática”, na expressão de Giroux (1988). A escola e o currículo devem ser espaços de

discussão e participação ativa dos envolvidos. Onde haja lugar para a crítica, aquisição do

conhecimento significativo e para os confrontos e convergências de opiniões. Eis a maneira de

pensarmos a escola e o currículo: um projeto de sociedade democrática.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, as informações transmitidas acerca do currículo, inclusão e formação de

professores, apontaram que a predominância da prática educativa desenvolvida nas escolas

pesquisadas, fundamenta-se no conhecimento oficial do livro didático, imposto pelo mercado

editorial. Esse mercado é definido a partir dos acordos de financiamento das políticas

educacionais mencionadas anteriormente.

Em tal perspectiva, a prática educativa escolar hegemônica é aquela que reproduz o

conhecimento universal impresso no livro didático que, na maioria das vezes, é desarticulado da

realidade social dos educandos.

Com efeito, isto mostra um dos desdobramentos da hegemonia do conhecimento oficial

concebido de forma absoluta, inviabilizando, assim, o processo de construção de uma prática

educativa histórica fundamentada no pensamento e nas ações dos sujeitos envolvidos nela. A

discussão em volta dessa problemática tem sido cada vez mais refletida em torno da defesa de

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que a função dos professores – intelectuais, críticos, reflexivos e pesquisadores - é

imprescindível na construção do processo de emancipação soacial.

Nesse sentido, é preciso refletir sobre a natureza da prática educativa tomando como base

teórica a categoria de intelectuais. Isso significa dizer que o papel dos professores e professoras

em convivência com os diversos saberes - com a forma como os alunos e as alunas interagem

com o conhecimento, em suas relações social e comunicante, no ouvir, no falar e no silenciar - é

alçada de um plano meramente técnico para um reflexivo e de atuação transformadora.

O estudo constatou que um dos maiores desafios postos em tempos muito recentes para a

educação escolar é encaminhar todo o seu trabalho político pedagógico e curricular em direção

da formação do ser humano.

Tal fato se constitui em um desafio, por que é certo que a forma como a sociedade

brasileira está organizada reforça as discriminações relativas à etnia, gênero e cultura,

alimentando as desigualdades sociais, culturais e de oportunidades. No entanto, tem que haver

um comprometimento, uma tomada de decisão e de partido. Quem verdadeiramente vive não

pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida.

Por isso odeio os indiferentes”. (VASCONCELOS, 2003, p.49)

Se ficarmos esperando que ocorram mudanças necessárias para a consecução dos bens

sociais, culturais e materiais pela maioria da população que, hoje, encontra-se praticamente

excluída desses bens, elas poderão jamais acontecer. Porque se depender das estratégias da

ideologia neoliberal, os direitos sociais historicamente adquiridos não se efetivarão de fato.

É preciso, então, o enfrentamento dessas questões, viabilizando um projeto de escola que

responda aos anseios de transformação. A prática educativa escolar pela própria natureza do seu

trabalho de formação e transformação é impregnada de significações, motivações, sonhos,

experiências, saberes.

Destarte, este estudo apontou que a maioria dos profissionais sinaliza saídas que podem

contribuir para a transformação social. Entre algumas pistas, detivemos cada vez mais, um novo

olhar sobre um espaço único, de domínio de professores/as e alunos/as, que na maioria das

vezes, não é reconhecido como tal, e principalmente não é visto como um território de produção

de novas formas de discursos, práticas e culturas.

Com efeito, a sala de aula é o principal espaço do/a professor/a “profissional”. É

imperativo que ele/a considere o lugar como um campo propício para concorrer às mudanças,

que passa primeiramente pelo abandono da posição centralizadora do conhecimento e, depois,

pela adoção da descentralização do mesmo. Nessa direção, a sala de aula constitui um espaço

onde diferentes atores pensam e agem coletivamente, com toda sua carga cultural; seus medos,

desejos, esperanças, saberes e afetos. Sob esse ponto de vista, os alunos/as são “[...] como atores

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coletivos em suas várias características de classe, culturais, raciais e de sexo, em conjunto com

as particularidades de seus diversos problemas, esperanças e sonhos”. (GIROUX, 1988, p. 33)

Além do mais, o fato de se conceber os/as professores/as como profissionais, contribui

para que haja uma maior mobilização para se superar os desafios impostos pela ordem vigente.

De modo que a escola se constitua em espaço público democrático, onde gestores, alunos/as,

pais, mães, funcionários participem ativamente das decisões tomadas quanto ao currículo,

possíveis conhecimentos, futuro da escola e da sociedade. Ao mesmo tempo, os/as professores/as

percebem que a sala de aula é a extensão desse projeto maior de educação e de currículo. Por

isso, não podem agir de forma apolítica e burocrática. Ao contrário, grande parte da luta por uma

educação de qualidade social está em suas mãos.

Desse modo, ser e agir como profissional é fundamental para ajudar os alunos/as a se

sentirem valorizados na sua própria cultura e capazes de produzir novas formas de culturas tão

importantes para sua afirmação na sociedade. Isso nos faz pensar que, se queremos mesmo

construir essa educação, é urgente tratar o núcleo do currículo, o conhecimento, como um

processo multicultural, em construção e inconcluso. Por conseguinte, questões inerentes a tal

processo não podem ser dispensadas: Quais os conteúdos devem estar presentes ou não? Por que

ensinar determinados conteúdos? Quem são os nossos alunos/as? Com quais finalidades

ensinamos e com que objetivos sociais?

As respostas para tais indagações só podem ser buscadas em situações de debates

coletivos no cotidiano da escola e da sala de aula. O que sugerimos é que a sala de aula seja

notada como um espaço de construção de conhecimento, onde os/as professores/as dêem a

palavra aos alunos e alunas para que narrem suas experiências, sua vida, suas interpretações do

mundo, para que seus problemas, suas dificuldades diárias sejam contextualizadas. A construção

coletiva do conhecimento cria possibilidades para que os/as aluno/as confrontem sua carga

cultural com os conteúdos do mesmo, produzindo novas formas de condições materiais e

ideológicas no enfrentamento da sua vida cotidiana. (GIROUX, 1988)

É decisivo que os/as professores/as assumam, ainda mais, o seu lugar de destaque no

processo de construção do conhecimento na sala de aula. Quer queiram, quer não são eles que

garantem a voz ou não dos alunos no espaço escolar. São os/as professores/as, em sua tarefa

constante de pesquisadores, que estão atentos às necessidades de aprendizagens afetivas,

socialização e solidariedade dos alunos e alunas das nossas escolas públicas. São os intelectuais

atentos a tudo que acontece nelas, problematizando o conhecimento e utilizando o diálogo como

abertura para as relações de ensinar/aprender e aprender/ensinar, a fim de que os alunos vão

adquirindo confiança, auto-estima, motivação.

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Destarte, esta pesquisa constatou que os professores e professoras identificaram algumas

condições para que seja produzido um conhecimento realmente significativo, isto é, um

conhecimento crítico, criativo e aproximado com a solução dos problemas práticos do dia-a-dia

dos alunos, vinculando-se às necessidades concretas, aos seus interesses e seus sonhos.

Tal conhecimento é produzido de forma singular e coletiva a partir da interação com

várias práticas culturais, na busca de possíveis saídas, na luta por conquistas sociais, por direitos

à saúde, à alimentação, ao lazer, à felicidade.

Em outras palavras, não há como isolar o objeto do conhecimento da dinâmica das

relações entre os seres humanos e deles com a realidade natural e social construídas cultural e

historicamente. E o conhecimento passa a ter sentido para os alunos quando possibilita o desvelo

da realidade, transformando-a e usufruindo-a.

No tocante a este caso, destacamos nos depoimentos dos professore e professoras, a

preocupação com esse aspecto, em torno de que os/as alunos/as não só elaborassem

determinados conceitos, narrativas e práticas, mas que mediante eles, pudessem refletir a

realidade tentando compreendê-la, apreendendo as suas relações reais para nela intervirem.

Voltamos aqui, a reiterar que precisamos entender que qualquer tentativa de mudanças

implicará no surgimento de empecilhos, porque impõe investigar o que justifica as coisas serem

de uma forma e não de outra. Todavia, é preciso acreditar na construção de uma escola de

qualidade social, desde que todos envolvidos nessa construção, tenham clareza de que os alunos

das classes economicamente desfavorecidas precisam apropriar-se de habilidades e

conhecimentos úteis para a luta cotidiana por uma vida justa e democrática, por mobilização e

mudança social.

Queremos deixar claro, então, que nos depoimentos analisados, detectamos que muitas

dessas pistas pontuadas aqui, por nós, já estão sendo seguidas pela maioria dos profissionais das

escolas pesquisadas. Nessa direção, é urgente que as escolas encaminhem suas propostas

político-pedagógicas e curriculares, a fim de que essas práticas pedagógicas funcionem como

alternativas reais - capazes de desfazer práticas culturais dominantes - e reconstrua novas

produções culturais que surtam efeitos na materialização de formas de resistência, denúncia e

experiências que finquem os nossos lugares de direito no mundo.

Esperamos ter contribuído para discussões futuras de outros estudiosos no assunto,

dispostos a pesquisar o tema sobre outro enfoque, num outro momento e com outras

perspectivas, preservando a história de uma área do conhecimento rica em conteúdos no que diz

respeito ao ensino do aluno com deficiência.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Formulário de identificação:

1)Naturalidade: __________________________ Nacionalidade: _____________________

2)Sexo: a) Feminino ( ) b) Masculino ( ) 3) Idade: _____________________ anos

4) Nome da Escola em que atua (em caso de mais de uma escola colocar o nome de todas):

Escola a:________________________________________________________________ Escola

b:________________________________________________________________ 2) Indique o

período em que você trabalha em cada uma das escolas mencionadas: Escola a: ( ) Manhã (

) Tarde ( ) Ambos os períodos Escola b: ( ) Manhã ( ) Tarde ( ) Ambos os períodos Sobre

a graduação

3) Graduação e ano de conclusão:_____________________________________________

4) Tipo do curso: ( ) Licenciatura ( ) Bacharelado

5) Nome da Faculdade ou Universidade:________________________________________

6)Possui outra formação? ( ) Sim. ( ) Não

Qual?__________________________________ Ano de conclusão:___________________

7) Na grade curricular do seu curso de Graduação você cursou alguma disciplina que abordava o

tema pessoa com deficiência? ( ) Sim.

Qual?__________________________________ ( ) Não ( ) Não me lembro

8) Se sim, essa disciplina era de caráter: ( ) Obrigatório ( ) Optativo

9) Durante o período da graduação você teve alguma experiência em trabalhar com pessoas com

deficiência? ( ) Sim. ( ) Não

Qual a experiência?__________________________________ Qual o tipo de

deficiência?________________________________________________________________

Sobre a experiência docente

10)Há quanto tempo você trabalha como professor?

11)Você possui alguma experiência de trabalho, fora do ambiente escolar, com pessoas com

deficiência? Qual a experiência? Qual o tipo de deficiência?

12)Do total de turmas que você ministra aulas, em quantas delas, há alunos com deficiência?

13)Os alunos com deficiência estão matriculados em qual série/ano?

14)Em média, há quantos alunos com deficiência nas turmas em que você ministra aulas?

Sobre os alunos com deficiência:

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15)A escola oferece alguma Proposta Pedagógica, preestabelecida, a ser seguida nas aulas que

faça referência à inclusão de alunos com deficiência?

Aspectos acadêmicos:

16 - Qual é a sua habilitação profissional? _________________________________________

a) Curso superior: Licenciatura ( ) Bacharelado ( ) em que?___________________________

___________________________________________________________________________

b) Tem curso de Pós - graduação? Sim ( ) Não ( )

Especialização ( ) Especifique-o: ________________________________________________

Mestrado ( ) Especifique-o: ____________________________________________________

Doutorado ( ) Especifique-o: ___________________________________________________

Aspectos profissionais:

17)Tempo de atuação no magistério _________________________ anos.

18)Tempo de serviço nesta unidade de ensino? ____________________________________

19) Em quantas escolas trabalha, sejam públicas ou privadas fora esta? __________________

20) Quantas turmas leciona nesta escola? __________________________________________

21) Carga horária de trabalho nesta escola: ________________________________________

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APÊNDICE B – Roteiro temático para entrevista

Temas norteadores: Inclusão, Prática Educativa e Currículo.

1 – O que você entende por inclusão?

2 – Em que medida você se sente capaz de modificar e/ou re-inventar o processo de organização

do conhecimento na escola?

3 – Você participa da organização e elaboração do currículo escola? Como?

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APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estamos realizando uma pesquisa vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação, da

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, intitulada “INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE

PROFESSORES: UMA PERSPECTIVA PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS” referente à elaboração de

Tese de Doutorado, e gostaríamos que participasse da mesma.

A pesquisa tem como objetivo geral analisar a relação entre inclusão, currículo e formação docente, tendo

com meta proporcionar ao professor o acesso a recursos e estratégias pedagógicas que colaborem para a inclusão

educacional de alunos com e sem deficiência. E, de modo específico, identificar as principais dificuldades do

professor que tem alunos com deficiência matriculados em sua sala de aula.

Participar desta pesquisa é uma opção e você poderá desistir a qualquer momento.

Caso aceite participar, gostaríamos que soubesse que ela ocorrerá em quatro etapas:

Etapa 1 - Realização de encontro com todos os professores da escola que ministram aulas para alunos com

deficiência, para identificar as principais dificuldades diante da inclusão educacional desses alunos;

Etapa 2 - Caracterização do contexto das aulas, por exemplo, a dinâmica das aulas, as atividades fornecidas pelo

professor, às dificuldades que os alunos apresentam para realizar essas atividades.

Etapa 3 - Participação dos professores, que estiveram nas Etapas 1 e 2, em aulas teóricas que abordarão temas para

suprir as dúvidas, dificuldades e necessidades dos professores diante da inclusão educacional do aluno com

deficiência;

Destacamos que os dados coletados e os seus resultados serão divulgados para fins científicos, como

revistas e congressos. Salienta-se que fica assegurado o anonimato de todos os participantes, não havendo a

identificação dos participantes.

Eu,__________________________________________________RG:_____________aceito participar da

pesquisa. “INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA PERSPECTIVA PARA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS”. Declaro ter recebido as devidas explicações sobre os objetivos e

procedimentos da referente pesquisa, e concordo que a minha participação é voluntária e que a desistência poderá

ocorrer a qualquer momento.

Ciente, ____/____/___

Assinatura________________________________________________________

Certos de poder contar com a sua participação, colocamo-nos à disposição para esclarecimentos, por meio

do e-mail: [email protected]

_______________________________________________

Profª. Drª. Janine Marta Coelho Rodrigues

ORIENTADOR

______________________________________________

Roberto Derivaldo Anselmo

Doutorando