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ARMANDO ANTENORE 01/06/2000 09h53 da Folha de S.Paulo Uma modesta comunidade em Olivença (distrito de Ilhéus, no litoral sul da Bahia) está tentando mudar a história oficial do Brasil. São aproximadamente mil pessoas, a maioria lavradores, que não querem mais receber o tratamento de “caboclos” ou “pardos”, como ocorre há pelo menos seis décadas. Dizem-se índios tupinambás _etnia que a literatura especializada julga extinta desde o século 17_ e exigem, agora, que o governo os reconheça assim. Nos últimos 18 anos, discutiram a questão de identidade sem estardalhaço, quase às escondidas. Em janeiro, porém, sentiram-se maduros para torná-la pública e lançaram uma carta “à sociedade nacional”, explicando o que desejam. Convidados pela Folha, dois líderes da comunidade _Nivalda Amaral de Jesus, 67, e Aloísio Cunha Silva, 41_ visitaram São Paulo no dia 20 de maio, um sábado. Domingo de manhã, foram à Mostra do Redescobrimento, que ocupa quatro edifícios do parque Ibirapuera. Não conheceram praticamente nada da maior exposição de arte já promovida no país. Interessaram-se apenas em olhar o módulo indígena, com 600 peças. A estrela, ali, é um manto tupinambá de penas vermelhas, que os holandeses tiraram de Pernambuco por volta de 1644 e que atualmente integra o acervo do Nationalmuseet, em Copenhague (Dinamarca). Não há, nas coleções etnográficas brasileiras, nenhum objeto do gênero. Os poucos de que se tem notícia encontram-se em instituições européias. Dona Nivalda e Aloísio lembram-se de ouvir “parentes mais velhos” contarem histórias sobre os mantos sagrados dos tupinambás, mas não sabiam que a mostra exibe um exemplar. Quando o avistaram dentro de uma redoma, protegida por um segurança, logo manifestaram a idéia de não permitir que a relíquia “retorne para o estrangeiro”. Na tarde do mesmo domingo, voltaram à Bahia, levando um catálogo da exposição. Uma semana depois, reuniram-se com a comunidade e chegaram a um consenso: irão pedir que o artefato permaneça no Brasil. “Estamos vivendo um processo de resgate cultural. Recuperar o manto significa trazer a memória de nossos ancestrais para mais perto”, explica a pedagoga Núbia Batista da Silva, 30, outra líder local. A comunidade ainda não resolveu de que modo solicitará a peça. “Vamos decidir em breve. Se precisar de abaixo-assinado, faremos. Se precisar de uma ação judicial, moveremos”, diz Núbia. Temor e resistência marcam a trajetória dos habitantes de Olivença. O distrito compõe-se de um pequeno centro urbano, que no verão se transforma em balneário turístico, e de 11 núcleos rurais, onde mora a maior parte dos que reivindicam a condição de tupinambá. A região toda soma quase 44 quilômetros quadrados. Índios de Ilhéus reivindicam peça do século 17 exposta em SP

Índios de Ilhéus Reivindicam Peça Do Século 17 Exposta Em SP

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  • ARMANDO ANTENORE 01/06/2000 09h53

    da Folha de S.Paulo

    Uma modesta comunidade em Olivena (distrito de Ilhus, no litoral sul da Bahia) est

    tentando mudar a histria oficial do Brasil. So aproximadamente mil pessoas, a

    maioria lavradores, que no querem mais receber o tratamento de caboclos ou

    pardos, como ocorre h pelo menos seis dcadas.

    Dizem-se ndios tupinambs _etnia que a literatura especializada

    julga extinta desde o sculo 17_ e exigem, agora, que o governo os

    reconhea assim. Nos ltimos 18 anos, discutiram a questo de

    identidade sem estardalhao, quase s escondidas. Em janeiro,

    porm, sentiram-se maduros para torn-la pblica e lanaram uma

    carta sociedade nacional, explicando o que desejam.

    Convidados pela Folha, dois lderes da comunidade _Nivalda Amaral de Jesus, 67, e

    Alosio Cunha Silva, 41_ visitaram So Paulo no dia 20 de maio, um sbado. Domingo

    de manh, foram Mostra do Redescobrimento, que ocupa quatro edifcios do parque

    Ibirapuera.

    No conheceram praticamente nada da maior exposio de arte j promovida no pas.

    Interessaram-se apenas em olhar o mdulo indgena, com 600 peas.

    A estrela, ali, um manto tupinamb de penas vermelhas, que os holandeses tiraram

    de Pernambuco por volta de 1644 e que atualmente integra o acervo do

    Nationalmuseet, em Copenhague (Dinamarca). No h, nas colees etnogrficas

    brasileiras, nenhum objeto do gnero. Os poucos de que se tem notcia encontram-se

    em instituies europias.

    Dona Nivalda e Alosio lembram-se de ouvir parentes mais velhos contarem histrias

    sobre os mantos sagrados dos tupinambs, mas no sabiam que a mostra exibe um

    exemplar.

    Quando o avistaram dentro de uma redoma, protegida por um segurana, logo

    manifestaram a idia de no permitir que a relquia retorne para o estrangeiro.

    Na tarde do mesmo domingo, voltaram Bahia, levando um catlogo da exposio.

    Uma semana depois, reuniram-se com a comunidade e chegaram a um consenso: iro

    pedir que o artefato permanea no Brasil. Estamos vivendo um processo de resgate

    cultural. Recuperar o manto significa trazer a memria de nossos ancestrais para mais

    perto, explica a pedagoga Nbia Batista da Silva, 30, outra lder local.

    A comunidade ainda no resolveu de que modo solicitar a pea. Vamos decidir em

    breve. Se precisar de abaixo-assinado, faremos. Se precisar de uma ao judicial,

    moveremos, diz Nbia.

    Temor e resistncia marcam a trajetria dos habitantes de Olivena. O distrito

    compe-se de um pequeno centro urbano, que no vero se transforma em balnerio

    turstico, e de 11 ncleos rurais, onde mora a maior parte dos que reivindicam a

    condio de tupinamb. A regio toda soma quase 44 quilmetros quadrados.

    ndios de Ilhus reivindicam pea do sculo 17 exposta em SP

    http://www.uol.com.br/folha/galeria/mostra_do_redescobrimento.htm