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SECRETARIA DE ESTADO DE SADE DO DISTRITO FEDERAL HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL
RESIDNCIA MDICA EM PEDIATRIA
ISABEL CRISTINA LEAL FIRMINO
Infeces de pele e partes moles: proposta de protocolo de atendimento em unidade peditrica
MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAO EM PEDIATRIA
Braslia DF 2010
www.paulomargotto.com.br
2
ISABEL CRISTINA LEAL FIRMINO
Infeces de pele e partes moles: proposta de protocolo de atendimento em unidade peditrica
Monografia apresentada ao Programa de Residncia Mdica em Pediatria do Hospital Regional da Asa Sul, como requisito parcial para concluso da Especializao em Pediatria.
Orientador: Jefferson A. P. Pinheiro
Braslia DF
2010
3
FIRMINO, Isabel Cristina Leal
Infeces de pele e partes moles: proposta de protocolo de atendimento em unidade peditrica /Isabel Cristina Leal Firmino. Braslia: Hospital Regional da Asa Sul, 2010.
viii, 55f.
Monografia de Especializao em Pediatria Hospital Regional da Asa Sul Programa de Residncia Mdica em Pediatria.
Orientador: Jefferson Augusto Piemonte Pinheiro
Infections of skin and soft tissues: proposal of protocol of attendance in a pediatric hospital.
1. Infeces de partes moles 2. Criana 3. Pele 4. Tratamento
4
Queres ser mdico, meu filho? Essa aspirao digna de uma alma generosa, de um esprito vido pela cincia. Mas, pensastes no que se transformar tua vida?
[...]Pensa bem enquanto h tempo. Mas se, indiferente fortuna, aos prazeres, ingratido; e sabendo que te vers, muitas vezes, s entre feras humanas, ainda tens a
alma estica o bastante para encontrar satisfao no dever cumprido, se te julgas suficientemente recompensado com a felicidade de uma me que acaba de dar a luz,
com um rosto que sorri porque a dor passou, com a paz de um moribundo que acompanhastes at o final; se anseias conhecer o Homem e penetrar na trgica grandeza
de seu destino, ento, torna-te mdico meu filho." Esculpio
5
DEDICATRIA
A minha me, BRGIDA, fonte de carinho e exemplo de perseverana. A minha irm, CAROL, e ao meu cunhado, VAGNER, pelo apoio e pela
vibrao a cada conquista. Ao meu noivo amado, ALESSANDRO, que compreendeu cada dia de ausncia e
tanto me motivou a escrever a nossa monografia. Aos meus amigos BRENDA, DOMINIQUE, MARINA, GERALDO,
ROBERTO, SUZANNE, LUCIANA, ARIADNE, JULLIANA, VITRIA, NATLIA, PEDRO, ANA MRCIA, LLIAN e DBORA, pela amizade, ajuda mtua e carinho. Juntos formamos a famlia HRAS.
A DEUS. Ele me permitiu tudo isso.
AGRADECIMENTOS
6
Ao Dr. JEFFERSON PINHEIRO pela imensa pacincia na orientao desta
monografia, pelos ensinamentos e pela amizade.
Aos Staffs e preceptores que tanto se dedicam a nossa residncia. Aos nossos pacientes, que nos ensinam mais do que os livros.
7
RESUMO
As infeces de pele e partes moles constituem infeces comuns,
principalmente na faixa etria peditrica, respondendo por 9% de todas as infeces
encontradas em consultas mdicas. Pode variar de quadros leves rapidamente
progressivos e fatais. Em razo disto objetivamos realizar reviso da literatura nos
bancos de dados MEDLINE, LILACS-BIREME e COCHRANE, selecionando artigos
dos ltimos 10 anos. Aps essa reviso, foi proposto protocolos de atendimento para
afeces mais comuns: impetigo, erisipela, celulite, fascite necrosante, piomiosite,
abscesso, furunculose, incluindo tambm, infeces por mordidas de animais e humanos
e infeces de stios cirrgicos. Devemos considerar que as infeces de pele e partes
moles incluem uma grande variedade de doenas, inicialmente semelhantes em sua
apresentao, mas, causadas por agentes distintos e com diferentes desfechos. O
diagnstico clnico, sendo que os exames complementares, quando indicados, so
utilizados apenas para identificar o grau de acometimento e se h formao de
abscessos. No entanto, nem sempre o diagnstico correto feito precocemente o que
pode levar a srios prejuzos ao paciente, aumentando o tempo de internao e da
morbimortalidade.
8
ABSTRACT
The skin and soft tissues infection constitute ordinary infections, mainly in
children, responsible by 9% of all the infections found in medical attendance. It can
vary of mild severity to dead. By reason of this, we do a revision of the literature in data
bank MEDLINE, LILACS-BIREME and COCHRANE, choosing articles of the last 10
years. After this revision, we have proposed schemes and algorithms of attendance to
more ordinary illness: impetigo, erysipela, cellulitis, necrotizing fasciitis, pyomyositis,
cutaneous abscesses, furuncles, inclusive animal and human bites and surgical site
infections. We must consider skin and soft tissues infections include a large diversity of
illness, initially similar in its manifestation, but caused by different etiologic agents and
have several outcomes. The diagnosis is clinical, the exams, when indicated, are utilized
only to identify the measure of sickness. However, not always the exact diagnosis is
realized precociously, this can motive grave damage to patient, increase the time of
hospitalization and of the mortality.
9
LISTA DE ABREVIATURAS
VHS Velocidade de hemossedimentao ASLO Antiestreptolisina O FN Fascite necrosante CDC Center of Disease Control STSS Sndrome do choque txico estreptoccico TNF Fator de necrose tecidual AINE Antiinflamatrio no esteroidal TC Tomografia computadorizada CPK Creatinofosfoquinase IgA Imunoglobulina A IgG Imunoglobulina G
10
NDICE
1. Introduo ......................................................................................... 1 2. Objetivos ........................................................................................... 3 3. Material e Mtodos ............................................................................4 4. Reviso da Literatura .........................................................................5
4.1. Pele ..............................................................................................5 4.2. Infeces bacterianas de pele e partes moles ..............................7 4.2.1. Impetigo .........................................................................7 4.2.2. Celulite bacteriana ........................................................11 4.2.3. Erisipela ........................................................................21 4.2.5. Fascite necrosante .......................................................25
4.2.4. Piomiosite .....................................................................35 4.2.6. Infeco por mordedura de animais e humanos ...........42
4.2.7. Infeco de stio cirrgico ............................................46 4.2.8. Miscelnea ....................................................................49
5. Concluso .........................................................................................52 6. Referncias Bibliogrficas ...............................................................53
11
1. Introduo
As infeces de pele e partes moles constituem infeces comuns,
principalmente na faixa etria peditrica, respondendo por 9% de todas as infeces
encontradas em consultas mdicas.1 Pode variar de quadros leves rapidamente
progressivos e fatais; com grande variabilidade de agentes etiolgicos.2
A pele o manto de revestimento do organismo, indispensvel vida e que isola
os componentes orgnicos do meio exterior. Constitui-se em complexas estruturas de
tecidos de vrias naturezas, dispostos e relacionados de modo a adequar-se,
harmonicamente, ao desempenho de suas funes. Representa mais de 15% do peso
corpreo.3
Compe-se, essencialmente, de trs grandes camadas de tecidos: uma camada
superior, a epiderme; uma camada intermediria, a derme; e uma camada profunda, a
hipoderme ou tecido celular subcutneo.3
Contudo, a pele normalmente habitada por bactrias que podem ser
classificadas como residentes, que tem a pele como habitat e nela se multiplicam, e
transitrias, que nela se alojam ocasionalmente.3
H numerosas espcies de estafilococos no patgenos residentes na pele, sendo
os mais comuns Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus hominis e Staphylococcus
saprophyticus. O Staphylococcus aureus raro na pele normal (menos de 10%). a
principal bactria aerbica achada em leses eczematosas. No atpico, encontrada em
cerca de 90% nas reas eczematosas e em torno de 70% na pele sadia. Enquanto os
Streptococcus so geralmente encontrados na orofaringe e, raramente, na pele sadia.3
As bactrias gram negativas como Escherichia coli e espcies de Enterobacter,
Klebsiella, Proteus e Acinetobacter podem ser encontradas em reas intertriginosas.3
As infeces bacterianas da pele podem representar um processo patognico
cutneo primrio ou uma manifestao cutnea secundria infeco inicial de outro
rgo. Podem ser supurativas, decorrentes da proliferao das bactrias na pele, ou
podem ser decorrentes de hipersensibilidade a antgenos bacterianos.3
Existem vrios mecanismos de defesa da pele infeco, tais como as
caractersticas da camada crnea que no penetrada por bactrias presentes na pele e o
12
baixo pH. Existem ainda substncias constituintes da secreo sebcea como cidos
graxos insaturados, que so dotados de propriedades antibacterianas. Tambm
importante na limitao do crescimento de bactrias patognicas na pele o fenmeno da
interferncia bacteriana, isto , o efeito supressor de cepas bacterianas sobre outras. o
caso da limitao do desenvolvimento do Staphylococcus aureus pela presena de
estafilococos no patognicos.3
Na patognese da infeco bacteriana da pele devem ser considerados, como
fatores determinantes do comportamento clnico da infeco, a patogenicidade do
microorganismo, a porta de entrada do germe e a resposta do hospedeiro infeco. A
penetrao do germe diretamente na pele, habitualmente, produz inflamao e
supurao e a partir desta, colonizao cutnea primria. Pode determinar disseminao
da bactria via hematognica como bacteremia e septicemia. Por outro lado, quando a
infeco primria ocorre em outro rgo, atravs da disseminao hematognica, as
bactrias atingem a pele, determinando comprometimento das paredes dos vasos
cutneos, onde ocorre trombose vascular com hemorragia e por vezes necrose do
territrio cutneo correspondente ao vaso ocludo.3
Com relao virulncia do microorganismo decorre, fundamentalmente, do
potencial invasivo da bactria, geralmente determinado pela presena de elementos
antifagocitrios na superfcie do microorganismo e da sua capacidade de produzir
toxinas. As toxinas bacterianas podem ser responsveis por sintomas sistmicos
observados em algumas infeces, como, choque, febre, anorexia, caquexia e
coagulao intravascular disseminada.3
Diante da diversidade de formas de apresentao das infeces de partes moles
pelo acometimento de suas diferentes camadas e dos diferentes agentes etiolgicos, a
uniformizao de condutas torna-se de extrema importncia para otimizao do
diagnstico e do tratamento, evitando assim as complicaes advindas dessas doenas.
13
2. Objetivos Realizar reviso da literatura sobre as infeces bacterianas de pele e partes moles, buscando criar proposta de protocolo de atendimento em unidade peditrica, a
fim de facilitar o diagnstico e diminuir o tempo das internaes.
14
3. Material e Mtodos
Foi realizada reviso da literatura nacional e internacional utilizando os bancos
de dados MEDLINE, LILACS-BIREME e COCHRANE; sendo selecionados artigos
publicados nos ltimos 10 anos, abordando as infeces de partes moles. Os seguintes
termos de pesquisa (palavras-chaves e delimitadores) foram utilizados em vrias
combinaes: 1) Infecoes de partes moles; 2) criana; 3) pele; 4) tratamento.
A pesquisa bibliogrfica incluiu artigos originais, artigos de reviso, editoriais e
diretrizes escritos nas lnguas inglesa, portuguesa e espanhola, sendo selecionados de
acordo com os critrios do Centro Oxford de Evidncia.
3.1. Normas Bibliogrficas Adotadas
- Referncias: adaptadas do International Committee of Medical Journals Editors (Vancouver)
- Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed
in Index Medicus
15
4. Reviso da Literatura 4.1. Pele
A pele o manto de revestimento do organismo, indispensvel vida e que isola
os componentes orgnicos do meio exterior. Constitui-se em complexas estruturas de
tecidos de vrias naturezas, dispostos e relacionados de modo a adequar-se,
harmonicamente, ao desempenho de suas funes. Representa mais de 15% do peso
corpreo.3
Compe-se, essencialmente, de trs grandes camadas de tecidos: uma camada
superior, a epiderme; uma camada intermediria, a derme; e uma camada profunda, a
hipoderme ou tecido celular subcutneo.3
A epiderme constituda de epitlio estratificado cuja espessura apresenta
variaes topogrficas desde 0,04mm nas plpebras at 1,6mm nas regies palmo-
plantares. dividida em distintas camadas celulares:
1. Camada germinativa ou basal: a mais profunda das camadas da epiderme
e constituda por dois tipos de clulas, as clulas basais que origina as demais camadas
da epiderme atravs de progressiva proliferao celular e os melancitos.
2. Camada malpighiana: formada por clulas escamosas unidas pelos
desmossomas.
3. Camada granulosa: Formada por clulas granulosas compostas por grnulos
de protenas que originam a citoqueratina.
4. Camada crnea: Formada por clulas epidrmicas anucleadas com
membranas celulares espessas e cujo citoplasma corresponde a um sistema bifsico de
filamentos de queratina que se associa a filagrina retentora de gua no estrato crneo.
A derme compreende um verdadeiro gel, rico em mucopolissacardeos e
substncia fundamental e material fibrilar de trs tipos: fibras colgenas, elsticas e
reticulares. Tem espessura varivel ao longo do organismo, desde 1 at 4mm. A
substncia fundamental um gel viscoso que participa na resistncia mecnica da pele
compresses e estiramentos.
A hipoderme a camada mais profunda da pele, de espessura varivel, composta
exclusivamente por clulas repletas de gordura. Relaciona-se, em sua poro superior,
com a derme profunda, constituindo-se juno dermo-hipodrmica, em geral, sede das
16
pores secretoras das glndulas apcrinas ou crinas e de pelos, vasos e nervos.
depsito nutritivo de reserva, participa do isolamento trmico e da proteo mecnica
do organismo s presses e traumatismos externos e facilita a motilidade da pele em
relao s estruturas subjacentes (FIGURA 1).
FIGURA 1 Estrutura anatmica da pele
FONTE: Neurocincia Desvendando O sistema Nervoso. 2ed. Artmed. Editora, 2002.
As infeces de pele e partes moles se distinguem uma das outras pelos
diferentes agentes causadores e pelo acometimento das diferentes camadas da pele,
fscia muscular e msculo. Cada uma com suas peculiaridades quanto epidemiologia,
manifestaes clnicas e morbimortalidade.
4.2. Infeces bacterianas de pele e partes moles 4.2.1.Impetigo
17
Impetigo uma infeco altamente contagiosa da epiderme que acomete com
freqncia crianas entre dois e cinco anos de idade, entretanto, pode ocorrer em
qualquer faixa-etria.4,5
Foi descrito pela primeira vez em 1864, por Tilbury Fox, como uma doena
caracterizada por uma leso bolhosa, circular, de crescimento centrfugo que se tornava
uma ulcerao superficial recoberta por uma crosta amarelada.5
Epidemiologia Na infncia, a infeco bacteriana de pele mais comum e a terceira quando
considerado todas as idades, ficando atrs das dermatites e doenas virais.4
Usualmente transmitida pelo contato direto. Nas Naes Unidas, a incidncia
anual de impetigo e de 2,8% em crianas com mais de quatro anos e 1,6% entre cinco e
quinze anos. Como o contato entre as crianas intenso, a transmisso mais
prevalente, sendo que fmites tambm so veculos importantes de contgio. A
incidncia aumenta nos meses de vero e a infeco ocorre com freqncia em reas de
pouca higiene e em ambientes fechados.4
Etiopatogenia e apresentao clnica O impetigo usualmente ocorre em reas expostas, como face e extremidades.
Causado por Streptococcus -hemoltico e/ou Staphylococcus aureus. Estudos sobre
impetigo estreptoccico demonstram que o microorganismo responsvel inicialmente
coloniza a pele previamente lesada, levando leso impetiginosa em torno de 10 dias.2
J no impetigo estafiloccico, o agente est presente nas fossas nasais e depois causam a
leso cutnea.2
Diante disto, existem dois tipos de apresentao do impetigo, o no bolhoso, que
corresponde a 70% dos casos, e o bolhoso.5
O impetigo no bolhoso comea como uma mcula vermelha ou ppula que
rapidamente se transforma em vescula. A vescula se rompe facilmente e forma uma
eroso cujo contedo forma uma crosta amarelada que pode ser pruriginosa (FIGURA
2). Causado pelo Staphylococcus aureus isoladamente ou em associao com
Streptococcus do grupo A.2,5 A leso se espalha para a rea circundante pela auto-
inoculao bacteriana. Tende a afetar reas prximas a trauma, principalmente
extremidades e face. Resoluo espontnea, sem cicatriz, ocorre em algumas semanas,
mesmo sem tratamento.4
18
Um subtipo do impetigo no bolhoso o impetigo comum ou secundrio. Pode
ser uma complicao de doena sistmica como diabetes e imunodeficincia adquirida.
Picadas de inseto, varicela, herpes simples e outras condies que envolvem quebra da
barreira cutnea podem predispor seu aparecimento. A apresentao similar ao
impetigo no bolhoso primrio.4
O impetigo bolhoso acomete mais comumente os neonatos, mas tambm pode
ocorrer em qualquer idade.4 causado por toxinas produzidas pelo Staphylococcus
aureus e uma forma localizada da sndrome da pele escaldada estafiloccica.2,4
Manifesta-se como vesculas superficiais que evoluem rapidamente para bolhas friveis,
com margens acentuadas e quando se rompem, permanece uma crosta amarelada
(FIGURA 2). Surge mais em reas de fraldas, axilas e pescoo. Sintomas sistmicos no
so comuns, mas podem incluir astenia, febre e diarria. Tambm so casos auto-
limitados e as leses desparecem em algumas semanas. O impetigo bolhoso parece ser
menos contagioso que o impetigo no bolhoso e os casos so espordicos.4
FIGURA 2 A. Impetigo no bolhoso. B. Impetigo bolhoso.
FONTE: Disponvel em www.emedicine.medscape.com
Diagnstico e diagnstico diferencial
B A
19
O diagnstico do impetigo clnico. Cultura de secreo no realizada, pois
no diferencia infeco de colonizao.5 O diagnstico diferencial feito com vrias
outras condies clnicas, dependendo da forma de apresentao do impetigo.
O impetigo no bolhoso faz diagnstico diferencial com dermatite atpica,
candidase, dermatite de contato, dermatofitoses, ectima, herpes, picadas de inseto,
pnfigo foliceo, escabiose e varicela. J o impetigo bolhoso pode ser confundido com
eritema bolhoso multiforme, pnfigo bolhoso, picadas de inseto, pnfigo vulgar,
necrlise epidermide txica e varicela.4
Tratamento No passado, a terapia era direcionada ao Streptococcus. Porm, as infeces pelo
Staphylococcus tem sido cada vez mais comuns, inclusive na apresentao no bolhosa,
sendo, ento, o tratamento voltado para ambos os agentes etiolgicos. Portanto as
penicilinas com inibidor de betalactamase e as cefalosporinas de primeira gerao so as
drogas de eleio para tratamento do impetigo.2 Penicilina V oral e amoxicilina so
menos efetivas que as cefalosporinas e amoxicilina com clavulanato.4 A eritromicina
pode ser utilizada, porm, crescente a freqncia de Staphylococcus aureus resistentes
e mais recentemente, de Streptococcus pyogenes.2
O tratamento tpico equivalente a antibioticoterapia oral e pode ser utilizada
em doena limitada.2 Os estudos que comparam a terapia oral e tpica excluem
pacientes com formas extensas da doena.6 Metanalises compararam o uso de
mupirocina e cido fusdico para tratamento tpico do impetigo e demonstraram
eficcia equivalente, porm, a mupirocina usada com mais segurana em relao a
resistncia cruzada com outros antibiticos.4,5 Leyden (2009) demonstrou que seu uso
local eficaz tanto no impetigo causado pelo Streptococcus do grupo B quanto por
Staphylococcus. A mupirocina bactericida por inibio reversvel a isoleucil-transfer
RNA sintetase bacteriana. Resistncia a mupirocina raramente descrita.7 A bacitracina
e a associao bacitracina/neomicina so menos efetivas.4
O tratamento bem conduzido da maior importncia para se evitar as infeces
recidivantes e, s vezes, necessrio se proceder a descolonizao dos focos infecciosos
no prprio paciente, como fossas nasais, axilas, regio umbilical e genital e em seus
contactantes ntimos. Para esta descolonizao, se utiliza localmente o cido fusdico ou
o mupirocin nessas regies por cinco dias, associado ou no a sabonetes anti-spticos.
20
Portanto, a antibioticoterapia oral deve ser feita naqueles pacientes com leses
extensas ou com sinais sistmicos de infeco, por um perodo de 10 dias. Naqueles
com doena restrita a uma pequena regio a escolha teraputica pode recair sobre
antibitico tpico por trs a cinco dias.4
FIGURA 3 Algoritmo para tratamento de impetigo. * Recomenda-se a reavaliao desses pacientes em
48h. Se persistncia dos sintomas ou piora, internar para tratamento parenteral com o mesmo esquema de antibioticoterapia.
Prognstico e complicaes O impetigo uma doena benigna, porm recorrente e contagiosa. Uma vez
iniciado o tratamento, a resposta clnica rpida e efetiva.
A glomerulonefrite aguda ps estreptoccica uma sria complicao que afeta
entre 1 a 5% dos pacientes com impetigo no bolhoso.4 O tratamento com antibitico
no altera o risco de glomerulonefrite nos pacientes predispostos.2,4 Febre reumtica no
aparece como uma complicao potencial da doena.4,5
Outras complicaes raras incluem sepse, osteomielite, artrite, endocardite,
pneumonia, celulite, linfangite ou linfadenite, psorase gutata, sndrome do choque
txico e sndrome da pele escaldada estafiloccica.4
21
4.2.2. Celulite Bacteriana
A celulite um processo inflamatrio piognico agudo e extenso que acomete
derme e tecido celular subcutneo.8 A rea acometida, usualmente membros inferiores,
dolorosa, quente, eritematosa e edemaciada, fazendo uma pobre demarcao com a
pele s.8,9
Epidemiologia Pacientes com celulite so assistidos tanto pelos servios de ateno primria
quanto pelas emergncias dos hospitais tercirios, porm, pouco se sabe sobre o
impacto que essa doena tem sobre os recursos em sade dada sua alta incidncia.
Abrange cerca de 14% dos atendimentos hospitalares e 4 a 7% das internaes
em um estudo feito em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Poucos estudos
epidemiolgicos sobre celulite so achados na literatura, mas h referncias de at
26,4/1000 pessoas/ano acometidas pela doena.10
Etiologia A grande maioria dos casos de celulite tem o Streptococcus -hemoltico como
agente etiolgico, porm, vrios outros microorganismos podem causar essa doena em
condies especficas. Nas mordeduras por ces e gatos, o organismo responsvel
tipicamente a Pasteurella multocida ou Capnocytophaga carnimorsus. Em pacientes
neutropnicos, pode ser causada por Pseudomonas aeruginosa ou outros bacilos gram-
negativos, e em pacientes infectados pelo HIV, o organismo responsvel pode ser o
Helicobacter cinaedi.2,8 Ainda em pacientes imunocomprometidos, celulites podem ser
causadas pelo Vibrio vulnificus aps ingesto de frutos do mar crus, seguida de
gastroentrite e bacteremia com disseminao pela pele.12 Ocasionalmente, Cryptococcus
neoformans causa celulite em pacientes com deficincia da imunidade celular. O
Staphylococcus aureus raramente encontrado mas pode ser causa de celulite associada
a trauma penetrante e abscesso.2,8
A FIGURA 4 mostra algumas variantes anatmicas especficas de apresentao
de celulites e seus principais agentes etiolgicos.
22
Variante anatmica Localizao Agente etiolgico Celulite periorbitria Periorbitria Staphylococcus aureus,
Pneumococcus, Streptococcus do grupo A
Celulite bucal Bochecha Haemophilus influenzae Celulite por complicao com piercing
Orelha, nariz, regio periumbilical
Staphylococcus aureus, Streptococcus do grupo A
Celulite ps Mastectomia
Brao ipsilateral Streptococcus hemoltico no A
Retirada de safena para bypass coronariano
Perna ipsilateral Streptococcus
Lipoaspirao Coxa e parede abdominal
Streptococcus do grupo A, peptostreptococcus
Celulite ps infuso de drogas
Extremidades Staphylococcus aureus, Streptococcus, Enterococcus faecalis, staphylococcus coagulase negativo, anaerbios, enterobactrias.
Celulite perianal Perneo Streptococcus do grupo A Celulite creptante Tronco e
extremidades Clostridium (pode estar associado a Escherichia coli, klebsiella e aeromonas)
FIGURA 4 Variantes anatmicas de apresentao das celulites e seus principais agentes etiolgicos. FONTE: Swartz MN. Cellulitis. New Eng.Journal of Med., 2004.
Fatores predisponentes O surgimento da celulite quase sempre est associado a condies que fragilizam
localmente as defesas naturais da pele, como obesidade, edema por insuficincia venosa
ou obstruo linftica. A causa da quebra de barreira cutnea pode ser trauma, feridas
operatrias, picadas de inseto, mordedura de animais, outras infeces bacterianas como
impetigo, ulceraes, fissuras e maceraes por infeco fngica, dermatites como o
eczema.2,8 Ocasionalmente, pode surgir em pele aparentemente integra, como resultado
de bacteremia.8
Procedimentos cirrgicos que interrompem abruptamente a drenagem linftica
so os mais associados a celulite, tais como venectomia, mastectomia com retirada de
linfonodos e outras cirurgias oncolgicas, especialmente quando associadas a
radioterapia.2
Pode acometer qualquer parte do corpo, porm, as reas mais freqentemente
envolvidas so os membros inferiores (39,9%), seguidos de face, membros superiores,
tronco, pescoo e ndegas.9
23
Caractersticas clnicas Clinicamente, caracteriza-se como uma rea hiperemiada de rpida propagao e
tnue contorno, associada a edema e aumento da temperatura local (FIGURA 5).
Algumas vezes acompanhada de linfangite e aumento dos linfonodos regionais.
Vesculas, bolhas e hemorragia cutnea na forma de petquias e equimoses podem
aparecer na pele inflamada e esto mais associadas infeco grave e toxemia.2
FIGURA 5 A. Celulite em p esquerdo. Edema e hiperemia com delimitao tnue de seus bordos.
B.Celulite em membro inferior esquerdo por Streptococcus do grupo A aps edema. FONTE: Disponvel em www.emedicine.medscape.com
As manifestaes sistmicas so comumente brandas, mas febre, taquicardia e
hipotenso esto presentes em alguns casos, pouco tempo depois do surgimento da leso
cutnea.2
Dentre as manifestaes clnicas pouco usuais da celulite esto a forma
crepitante, cujos agentes j foram citados no quadro da FIGURA 4, e a gangrenosa na
qual ocorre necrose do tecido subcutneo. A necrose da pele pode ser uma complicao
da celulite, mas tambm pode ser uma forma de apresentao distinta, incluindo a
murcomicose em pacientes imunodeprimidos.8
Diagnstico diferencial e diagnstico Vrias doenas podem ser semelhantes a celulite em uma fase inicial. O quadro
da FIGURA 6 resume algumas doenas que fazem diagnstico diferencial com celulite.
A B
24
Doenas Apresentao clnica Fascite necrosante . Tipo I Desenvolvimento rpido, dor, edema, creptao,
surgimento de bolhas e necrose na pele. . Tipo II Infeco aguda, frequentemente associada a sndrome
do choque txico. Rpida progresso, marcada pelo edema, bolhas violceas e necrose do tecido subcutneo.
Mionecrose por anaerbios (Clostridium perfringens)
Infeco toxmica com injria muscular prvia, produz edema, pele com bolhas acastanhadas. Raio x mostra disseco gasosa da musculatura e fscia.
Anthrax Leso ulcerada rodeada por um edema gelatinoso. indolor e algumas vezes pruriginosa.
Vaccinia Eritema e endurao ao redor do local da vacinao, atinge um pico em 10 a 12 dias (mais lento que a evoluo da celulite), menos txico e representa uma reao celular a vacina.
Picada de inseto Histria de picada de inseto, ausncia de febre ou leucocitose. Leso pruriginosa.
Gota aguda Dor articular em crises, dosagem de cido rico elevada.
Tromboflebite de veia profunda
Envolve membro inferior, leso sentinela ao vaso acometido com leso linear extensa.
Pioderma gangrenoso Leso inicialmente nodular ou bolhas e ulcerao. Ocorre particularmente em pacientes com doena inflamatria intestinal e com doenas do colgeno.
Well sndrome Leso urticariforme com o centro claro. Lentamente progressiva e persiste por semanas ou meses.
Carcinoma erisipelide Uma forma de carcinoma metasttico com envolvimento linftico. Ausncia de febre e evolui mais lentamente que a celulite.
Reao a aplicao de drogas Histria clnica. Pele eritematosa, leso com progresso mais lenta que a celulite, febre baixa pode estar presente.
FIGURA 6 Diagnstico diferencial da celulite. FONTE: Swartz MN. Cellulitis. New Eng Journal of Med, 2004.
Bacteremia incomum na celulite, portanto a hemocultura apresenta baixa
positividade. Em estudo feito com 242 pacientes com celulite, a hemocultura no incio
da doena foi positiva em apenas 4% dos casos.8 Em outra srie, incluindo 553
amostras, a positividade foi de 2%. Porm, sua positividade aumenta para cerca de 30%
naqueles pacientes com celulite associada linfedema. Tambm se justifica a
solicitao de hemocultura nos casos de celulite bucal, periorbitria ou quando h
manifestao clnica de toxemia.8 O aspirado da leso pode ser realizado, com achado
do agente etolgico em 4 a 42% das amostras, dependendo da srie estudada.11
25
Alteraes hematolgicas, como a leucocitose e elevao da velocidade de
hemossedimentao (VHS), so observadas. Os ttulos de antiestreptolisina O (ASLO)
podero se elevar aps infeco prvia, mais do que em eventos clnicos atuais.12
Exames radiolgicos so desnecessrios na maioria dos casos de celulite, exceto
quando h dificuldade em fazer diagnstico diferencial com outras doenas como
fascite necrosante (FN), caso em que a ressonncia magntica deve ser solicitada.
A ultrassonografia e tomografia computadorizada podem ser teis na deteco
de abscesso subcutneo, uma complicao comum da celulite, alm de guiar a drenagem
da coleo purulenta.8
Tratamento Como a maioria dos casos de celulite causada por Streptococcus, os
betalactcmicos so as drogas de escolha, tais como as cefalosporinas de primeira
gerao ou amoxicilina com clavulanato.8,9. Alguns autores enfatizam a cobertura para
Staphylococcus aureus, apesar desse microorganismo ser raro causador de celulite.2 O
tratamento feito via oral, porm a antibioticoterapia endovenosa iniciada para
pacientes com celulite de rpida evoluo, leses em face e em reas de articulao,
acometimento amplo, sinais sistmicos de toxemia ou pacientes que no toleram o uso
da medicao oral.2,8 Cefalosporina de primeira gerao, como a cefazolina, uma boa
opo de tratamento. Pacientes alrgicos a betalactmicos podem usar clindamicina ou
vancomicina.2
A antibioticoterapia isolada efetiva no tratamento da celulite. Nas doenas no
complicadas, cinco dias de tratamento to eficaz quanto o curso de 10 dias.2 O
antibitico deve ser mantido por ao menos trs dias aps a resoluo do processo
inflamatrio.9
Nos pacientes neutropnicos, asplnicos, com edema preexistente, cirrose,
insuficincia cardaca ou renal, o uso das cefalosporinas de segunda ou terceira gerao
apropriado.9
Os casos especficos, tais como mordedura de animal, celulite periorbitria ou de
regio bucal devem ser tratadas de acordo com o agente etiolgico de maior
prevalncia.
26
Medidas adjuvantes incluem compressa fria, analgesia e imunizao
antitetnica.9 Quando o acometimento for de extremidades, a elevao do membro
proporciona drenagem gravitacional do edema e de substncias inflamatrias.2
Profilaxia e prognstico Cada episdio de celulite causa inflamao linftica, o que pode levar a danos
permanentes, como linfedema. Medidas para reduzir a recorrncia de celulites incluem
o tratamento de maceraes interdigitais, hidratao adequada de pele xertica e adotar
medidas contra o edema crnico. Pacientes com mais de dois episdios de celulite no
mesmo segmento apesar das medidas preventivas, recomenda-se antibioticoterapia
profiltica, que reduz cerca de 17% das recorrncias.2,8 Como o germe mais frequente
o Streptococcus, a penicilina benzatina mensalmente, penicilina G oral ou amoxicilina
diariamente em dose profiltica e a eritromicina duas vezes ao dia, para os alrgicos a
betalactmicos, so as drogas utilizadas.2,9
Alm de linfedema, outras complicaes possveis so linfangite, erisipela,
abscesso e fascite necrosante. Porm, menos de 1% dos pacientes com celulite
desenvolvem complicaes como linfadenites. Em estudo feito com 7.438 pacientes
com celulite, nenhum bito foi observado como conseqncia da infeco.10
Celulite orbitria e periorbitria Celulite periorbitria e orbitria so diferentes em sua patogenia. Celulite
periorbitria tambm chamada de celulite pr septal porque a infeco anterior ao
septo orbitrio, camada de tecido fibroso que sustenta o peristio craniano e se continua
pela poro interna da plpebra.13,14 Ele promove uma efetiva barreira contra infeco
orbitria advinda da rea pr septal.
O tecido periorbitrio pode ser infectado por dois caminhos: trauma, mais
comum em pr escolares, mas pode acontecer em qualquer idade e inclui picadas de
inseto; secundria a infeces locais, como dacriocistite e blefarite, ou a uma
bacteremia, comum em crianas entre 3 a 36 meses, as quais tem maior risco de
bacteremia por pneumococo.13
A celulite orbitria ps septal, com envolvimento da rbita. Excluindo casos de
trauma local penetrante, pode ocorrer como complicao de sinusite em 90%. 15 A
rbita envolvida pelo assoalho do seio frontal, parede lateral do seio etmoidal e teto do
seio maxilar (FIGURA 7). O seio etmoidal a fonte mais comum de infeco, pois
27
separado da rbita apenas pela lmina papircea.13,14 O comprometimento da imunidade
local (IgA e IgG intranasais) e sistmica (hipogamaglobulinemia, imunossupresso por
quimioterapia) tambm favorece que algumas crianas sejam mais susceptveis a
desenvolver celulite ps septal como complicao de sinusite.15
FIGURA 7 Tomografia computadorizada mostrando relao entre rbita ocular e seio maxilar.
FONTE: Disponvel em anatpat.unicamp.br/bineubasecranioctax.html
FIGURA 8 Tomografia computadorizada relao entre rbita e clulas etmoidais.
FONTE: Disponvel em anatpat.unicamp.br/bineubasecranioctax.html
28
Jaind e Rubin (2010) recentemente simplificaram o sistema de classificao das
celulites orbitrias e periorbitrias16:
1 Celulite pr-septal
2 Celulite orbitria (com ou sem complicao intacraniana)
3 Celulite orbitria (com ou sem complicao intracraniana)
a) Abscesso intraorbitrio
b) Abscesso subperiostial
Como a sinusite pr-requisito para celulite orbitria, esse processo acontece
mais em crianas maiores, com mdia de idade em torno dos 12 anos segundo algumas
revises.13 Ocasionalmente, celulite orbitria pode ser secundria a uma bacteremia.
A patognese prediz o agente causador da infeco. Na celulite periorbital ps
traumtica, os agentes mais freqentes so o Staphylococcus aureus e o Streptococcus
pyogenes. Naquelas resultantes de bacteremia, predomina a infeco pelo Streptococcus
pneumoniae, principalmente em crianas entre 3 e 36 meses. O Haemophilus
influenzae, nas reas em que h vacinao, raramente encontrado como causa de
celulite periorbitria.13,15,17
Os organismos causadores de celulite orbitria isolados em hemocultura,
secreo de seios paranasais e abscessos, so os Streptococcus species, entre eles,
Streptococcus milleri, Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae. Tambm o
Staphylococcus aureus e o Haemophilus influenzae tipo B. Menos comumente h
infeco pelo Pseudomonas spp., Streptococcus faecalis e Eikenella corrodens.
Anaerbios so geralmente associados com sinusite crnica, ocasionando infeco
polimicrobiana.17
A celulite periorbitria se manifesta como eritema, indurao, edema, calor local
(FIGURA 9). No h dor na movimentao ocular e nem alterao da acuidade visual.14
Nos casos de trauma, leses de pele ou picadas e inseto so perceptveis. Esses
pacientes, muitas vezes, apresentam sinais sistmicos da doena tais como febre e
leucocitose e ocasionalmente podem desenvolver bacteremia. Esses sinais so mais
evidentes nos casos de celulite secundria a bacteremia pneumoccica.13
29
FIGURA 9 Celulite periorbitria secundria a varicela infectada.
FONTE: Clarke WN.Periorbital and orbital cellulitis in children. Paediatr Child Halth. 2004
FIGURA 10 Proptose e exoftalmia secundrias a abscesso subperiostial.
FONTE: Clarke WN.Periorbital and orbital cellulitis in children. Paediatr Child Halth. 2004.
30
A apresentao clnica da celulite orbitria semelhante, porm pode evoluir
com proptose, quemose (edema da conjuntiva bulbar), oftalmoplegia, diminuio da
acuidade visual, febre e toxemia (FIGURA 10).14 O edema palpebral pode ser to
exuberante que no h possibilidade de examinar o olho. Portanto, diante da suspeita
clnica de celulite orbitria, recomenda-se a solicitao de tomografia computadorizada
da rbita que mostrar proptose, inflamao dos msculos oculares, abscesso
subperiostial e at mesmo franco abscesso orbitrio.13 Tambm deve ser feita se piora
em 24h ou manuteno do quadro por mais de 36h do inicio do tratamento.17
A celulite orbitria requer um acompanhamento multidisciplinar entre pediatra,
oftalmologista e otorrinolaringologista.13,17,18 Deve-se solicitar hemocultura para os
pacientes com suspeita clnica. A positividade chega a 33% nas crianas, em contraste
com os adultos, em que a sensibilidade do cultivo de apenas 4%. Na cultura de
secreo ocular cresce bactrias comensais e s tem correspondncia com o resultado da
hemocultura em 2% dos casos.17
Os casos de celulite periorbitria ps traumtica no complicada podem ser
tratados com antibitico que tenha ao contra bactrias gram positivas e pode ser
administrado via oral, como por exemplo, cefalexina e clindamicina. Porm, crianas
com menos de 36 meses com celulite periorbitria, sem histria ou sinais de trauma,
recomenda-se hospitalizao para terapia parenteral. O antibitico recomendado
ampicilina com sulbactam. Se houver sinais mnimos de acometimento do sistema
nervoso central, preconiza-se a realizao de puno lombar.13,15
Para as celulites ps septais, a ampicilina com sulbactam a primeira escollha
de tratamento emprico para crianas com menos de nove anos, em que as celulites
orbitrias so, na maioria dos casos, secundrias a afeces agudas.13 As crianas
maiores tendem a ter infeces polimicrobianas por aerbios e anaerbios, mais
compatveis com exarcebao de sinusite crnica. Nestes casos recomenda-se a
associao da cefalosporina de terceira gerao com um anaerobicida que atravesse a
barreira hematoenceflica como o metronidazol.15
Pacientes com acentuada oftalmoplegia e diminuio da acuidade visual em que
se confirma a presena de abscesso deve ser submetido drenagem. Caso no ocorra
melhora clnica em 36 horas, novo exame de imagem deve ser solicitado e interveno
cirrgica, considerada. A antibioticoterapia deve ser feita por no mnimo trs semanas.13
As complicaes da celulite orbitria inclui doena corneana, retinite, uvete, neuropatia
ptica, endolftalmite e ruptura de globo ocular.16
31
FIGURA 11 Algoritmo para tratamento das celulites.
*Em acometimentos leves, sem sinais sistmicos de infeco, pode ser tentado tratamento oral com penicilina associado a inibidor de betalactamase ou cefalosporina de 1 gerao e reavaliao do paciente em 48 horas.
4.2.3. Erisipela Erisipela uma celulite superficial aguda.12,19,20 Ocorre comumente nos
extremos de idade e em indivduos imunocomprometidos. A infeco acomete epiderme
e derme superficial, principalmente em face e membros inferiores e pode atingir os
vasos linfticos.19,20
Durante o sculo XVII, era conhecida como St. Anthonys Fire, atribuda
ingesto de po de centeio contaminado por fungos e estava associada a alucinaes e
vmitos. 20
Epidemiologia A incidncia de erisipela vem aumentando desde 1980. Porm poucas epidemias
j foram relatadas. Ocorre igualmente entre os grupos raciais e pode afetar indivduos de
diversas classes sociais. Apresenta uma distribuio bimodal com picos nos extremos de
idade, com um risco aumentado em indivduos imunocomprometidos, incluindo
pacientes com histria recente de quimioterapia, uso de corticide e infeco por HIV.
A mortalidade menor de 1% em pacientes que recebem tratamento adequado.20
32
Etiopatogenia A patogenia da erisipela comea com a quebra de barreira da pele, permitindo a
entrada do agente causador da infeco. Essa quebra acontece freqentemente aps
abraso, infeco pelo herpes vrus, tinea interdigital, picadas de inseto, lceras,
mordeduras puntiformes, ps vacinao, uso de drogas injetveis ou em coto de cordo
umbilical.12 Uma vez ocorrida a invaso, a infeco se espalha rapidamente e pode
mostrar um extenso envolvimento linftico, com linfonodomegalia local.20
O Streptococcus -hemoltico do grupo A o agente etiolgico mais comum,
sendo menos freqentes os grupos B, C e G.12,20 Staphylococcus aureus raramente
encontrado como causador de erisipela, assim como Streptococcus pneumoniae,
Klebsiella pneumoniae, Yersinia enterocolitica e Haemophilus influenzae.19,20
Caractersticas clnicas A leso tpica da erisipela inicia-se como uma faixa eritematosa que evolui
rapidamente com uma rea de edema, endurao, pele brilhosa, bordos levemente
elevados e bem demarcados com a pele circundante (FIGURA 12). Pode progredir em
poucos dias para uma infeco mais grave, com formao de bolhas, lceras e necrose
severa sobre a placa eritematoedematosa.12,20
FIGURA 12 Erisipela em MIE em uma criana de 4 anos.
FONTE: Disponvel em www.esmas.com/.../infecciosas/592500.html
33
Em recm nascidos, freqentemente a leso periumbilical, com eritema que se
espalha pela parede abdominal.20
Os achados cutneos sempre vem acompanhados de sinais sistmicos como
febre, calafrios e astenia. Toxemia pode estar presente nos pacientes com infeco
avanada e requer tratamento agressivo.20
Diagnstico e diagnstico diferencial O diagnstico da erisipela clnico.12,20 Alguns exames laboratoriais podem ser
solicitados para confirmar a doena e afastar alguns diagnsticos diferenciais.
O hemograma mostra leucocitose com desvio a esquerda, mas pode ser normal,
principalmente em imunocomprometidos. A hemocultura limitada, com sensibilidade
de apenas 5%. Puno da leso e swab de nasofaringe podem ser feitos na tentativa de
achar o agente etiolgico, mas so mtodos pouco utilizados.20
Ressonncia magntica (RM) ou tomografia computadorizada (TC) devem ser
solicitados se suspeita de infeco mais profunda.20
A anlise histopatolgica da leso demonstra uma mistura de infiltrado
intersticial associado a neutrfilos e edema da derme. Os vasos linfticos e capilares
esto dilatados. Esse infiltrado pode se limitar a derme ou se estender at o tecido
subcutneo. Colorao pelo gram mostra a presena de estreptococos no tecido e dentro
dos vasos linfticos.20 Nos casos recorrentes, ocorre reas de fibrose, inclusive na
parede dos vasos linfticos, que podem estar ocludos, acompanhada de dilatao
capilar.20
Na fase inicial, a erisipela pode ser facilmente confundida com a celulite. A
diferenciao feita com a evoluo da doena. Na erisipela a leso forma um contorno
bem distinto com a pele s, diferentemente da celulite em que o eritema termina em uma
borda tnue. Enquanto a erisipela uma infeco superficial, a celulite acomete planos
mais profundos.2,12
A fascite necrosante, tambm no inicio de sua apresentao clnica, faz
diagnstico diferencial com erisipela, porm evolui rapidamente para formao de
bolhas e necrose da pele, assim como os sinais sistmicos da doena so bem mais
marcantes.20
Outro diagnstico diferencial a ectima gangrenosa, causada pela Pseudomonas
aeruginosa, que se inicia como uma mcula eritematosa que evolui para pstulas,
ndulos necrticos e bolhas.20
34
Tratamento O tratamento da erisipela baseado na antibioticoterapia, sendo a primeira
escolha, os betalactmicos.2,20 Podem ser administrados via oral por um perodo de 10 a
14 dias. Os pacientes alrgicos devem ser tratados com macroldeos,19,20 o qual
apresenta eficcia equivalente a penicilina.2 A hospitalizao recomendada para os
pacientes muito jovens ou imunocomprometidos.20
Se h suspeita de infeco estafiloccica, a escolha de antibitico recai sobre os
betalactmicos associados a inibidores de betalactamase ou cefalosporinas de primeira
gerao.2
FIGURA 13 Algoritmo para tratamento de erisipela. *Para pacientes com alergia a betalactmico.
**Em pacientes imunocomprometidos oncolgicos, faz-se antibioticoterapia emprica com vancomicina.
Prognstico e complicaes Na era pr antibitico era uma doena fatal, atualmente responde bem a
antibioticoterapia e se resolve sem complicaes. De todo modo, a recorrncia pode
ocorrer em 20% a 30% dos casos em que h condies predisponentes como os
problemas vasculares e imunossupresso.19,20 Assim, recomenda-se a profilaxia com
35
penicilina oral diariamente ou intramuscular a cada trs semanas por um perodo de 2 a
3 anos.20 A importncia da profilaxia evitar danos nos vasos linfticos e o risco de
doenas grave.19
Possveis complicaes podem ocorrer, incluindo sepse, meningite, endocardite,
fascite necrosante e sndrome do choque txico estreptoccico.20
4.2.3. Fascite Necrosante Fascite necrosante (FN) a infeco bacteriana destrutiva e rapidamente
progressiva do tecido subcutneo e fscia superficial, associada a altos ndices de
morbimortalidade.21,22,23,24
Histrico A sndrome clnica conhecida atualmente como FN, descrita no final do sculo
XVIII, era tida como uma das mais terrveis e fatais doenas que acometiam os
militares. Durante o sculo XIX, ficou conhecida como lcera maligna, fagednica e,
eventualmente, gangrena hospitalar descrita por Jones em 1871.22 Na poca, o nico
tratamento disponvel era a amputao da extremidade acometida, procedimento esse
associado ao ndice de mortalidade global de 45%. 21
Em 1924, Meleney descreveu uma doena ulcerosa, progressiva, chamada
gangrena estreptoccica hemoltica aguda, intensamente dolorosa, produzida por uma
associao sinergstica de estreptococos e estafilococos e que precisava de diagnstico
precoce e abordagem cirrgica.22 Essa entidade apresentava mortalidade em torno de
20% e foi finalmente denominada fascite necrosante em 1952 por Wilson.21,22
Epidemiologia Kaul e colaboradores realizaram um estudo prospectivo em Ontrio, entre 1991
e 1995, de 77 casos de fascite necrosante estreptoccica. A incidncia aumentou de
0,085 por 100.000 habitantes no primeiro ano do estudo para 0,40 por 100.000 no
ltimo. O Center for Disease Control (CDC) estima que ocorram entre 500 a 1500 casos
de FN nos Estados Unidos a cada ano.21
Na Austrlia, os pacientes com fascite necrosante custam cerca de AUS$64.517
para o Estado em um perodo mdio de internao de 36 dias. Cerca de 63% desses
36
pacientes so admitidos em Unidade de Terapia Intensiva. Em Taiwan, a hospitalizao
dura aproximadamente 34 dias.23
Etiologia O Streptococcus -hemoltico do grupo A e o Staphylococcus aureus,
isoladamente ou em sinergismo, so os mais freqentes agentes iniciadores da FN.21
A infeco por Clostridium perfringens j no to frequente, uma vez que, em
um estudo de 1990, s foi isolado em percentual que variou e 5 a 15% dos pacientes. No
entanto, outros patgenos aerbios e anaerbios podem estar presentes, incluindo
Bacteroides, Clostridium, Peptostreptococcus, Enterobacteriaceae, coliformes, Proteus,
e Klebsiella.21,24 Pseudomonas um importante agente em pacientes com neutropenia.22
O Bacteroides fragilis geralmente encontrado fazendo parte da flora mista, em
combinao com Escherichia coli. Eles no causam infeco diretamente, mas podem
contribuir na reduo da produo de interferon e da capacidade fagocitria de
macrfagos e polimorfonucleares.21
Classificao A FN classificada em tipo I e tipo II (FIGURA 14).
A do tipo I ou celulite necrosante caracterizada pelo isolamento de pelo menos
uma espcie de anaerbio obrigatrio, como o Bacterioides e Peptostreptococcus, em
combinao com um ou mais organismos anaerbios facultativos, como o Enterobacter
e os estreptococos no pertencentes ao grupo A.21 uma doena polimicrobiana e
ocorre em 49 a 68% dos pacientes acometidos.23
O tipo II ou gangrena estreptoccica caracterizado pelo isolamento do
Streptococcus do grupo A isolado ou associado ao Staphylococcus aureus.23 Ocorre
principalmente aps ferimentos penetrantes, procedimentos cirrgicos e traumas.21,23
Quadro clnico FN tipo I FN tipo II Dor Presente Presente Gs tecidual Presente Ausente Odor do exsudato Forte Fraco Alteraes cutneas Eritema, reas de necrose,
anestesia Fscia necrtica
Alteraes sistmicas Proeminentes Proeminentes Progresso Rpida Rpida Fatores predisponentes Ps operatrio Espontnea / Traumas FIGURA 14 Tipos de Fascite Necrosante
FONTE: Adaptado de Fascite necrosante: reviso com enfoque nos aspectos dermatolgicos. Anais brasileiros de Dermatologia. 2004.
37
Fisiopatologia Vrios componentes da superfcie do Streptococcus pyogenes esto envolvidos
em sua capacidade de aderncia e invaso como a protena M e a capsular. A
estreptolisina O e outros produtos bacterianos, como as exotoxinas pirognicas e a
hialuronidase, esto envolvidos na injria tecidual e necrose, promovendo degradao
da fscia.23 As toxinas A e C agem como superantgenos e so expressas por cepas
associadas sndrome do choque txico.21
Em relao ao Staphylococcus aureus, os principais fatores patognicos so a
cpsula, a protena A e a toxina da sndrome do choque txico estafiloccico.21
Na FN, como na sndrome do choque txico estreptoccico (STSS), ocorrem
reaes de superantgenos com ativao de mais de 10% de linfcitos CD4+ e liberao
de grande quantidade de citocinas. Produtos estreptoccicos conhecidos como gatilhos
das reaes de superantgenos so as exotoxinas pirognicas, speA, spe B e spe C e
protena-M.21,24 Superantgenos como a exotoxina pirognica A interagem com
moncitos e linfcitos T, resultando em proliferao de clulas T, produo de
monocinas (TNF, interleucina 1, interleucina 6) e linfocinas (TNF, interleucina 2 e
interferon-).21
A proliferao bacteriana provoca invaso de vasos e necrose da fscia
superficial. A infeco acomete progressivamente os planos mais profundos, causando
trombose de pequenos vasos e isquemia, havendo necrose do tecido subcutneo, derme
e epiderme, formao de bolhas hemorrgicas e ulceraes.23
Fatores predisponentes Os fatores predisponentes em adultos incluem as seguintes condies: doenas
crnicas (doenas cardacas, doena vascular perifrica, doenas pulmonares,
insuficincia renal e diabetes mellitus), abuso de lcool, condies imunossupressoras
(uso de corticide sistmico, doenas do colgeno, infeco pelo HIV, transplante de
rgos slidos e doenas malignas em tratamento), uso de drogas endovenosas, cirurgia,
lceras isqumicas e de decbito, psorase, contato com pessoas infectadas por
Streptococcus e traumas cutneos penetrantes e fechados ou at mesmo mnimos.21,23
Um estudo feito nos EUA incluindo 39 crianas com FN, metade dos pacientes
apresentavam fatores predisponentes, sendo o mais frequente a desnutrio, seguido do
uso de imunosupressores para tratamento de doenas crnicas.22 Como fatores
38
desencadeantes incluram trauma, cirurgia e varicela, a qual foi responsvel por 85%
dos casos. Cabe ressaltar, ainda, que estudos vm demonstrando que o uso de
ibuprofeno aumentou o risco de celulite complicada em crianas com varicela.24
Em recm-nascidos, verificaram que onfalite, circunciso e reas onde se
colocam eletrodos para monitorizao foram os principais desencadeadores da FN.22
Nesses casos a FN causada pela infeco secundria das leses por Streptococcus do
grupo A e Staphylococcus.21
Uso de drogas injetveis e cirurgias so fatores de risco de infeco por
Clostridium perfringens, principalmente os procedimentos laparoscpicos.23
Mais recentemente, muitos casos relatados na literatura sugerem a associao de
FN com o uso de antiinflamatrios no esteroidais (AINEs).21,23 Entre as hipteses esto
a induo da depresso da funo linfocitria, como tambm a linfopenia, contribuindo
para sepse em pacientes que sofreram apenas um trauma. Outra hiptese o simples
mascaramento dos sinais e sintomas de uma infeco preexistente, contribuindo para o
retardo do diagnsico.21,25
Guibal e colaboradores (2004) utilizaram um modelo animal de FN
estreptoccica para estudar os efeitos da administrao paranteral de AINEs na
evoluo da infeco. Os resultados sugerem que o aumento da severidade dessas
infeces, relacionado ao uso de antiinflamatrios, seja causado pela demora no
diagnstico e tratamento, devido ao fato de seus efeitos clnicos levarem a uma aparente
melhora do quadro e no por diminuio das defesas.21
Caractersticas clnicas A FN inicia como rea eritematosa, dolorosa e localizada que aumenta em horas
ou dias, associada a edema tecidual importante (FIGURA 15).21,22 Em seguida, ocorre
cianose local e formao de bolhas de contedo amarelado ou avermelhado escuro
(FIGURA 16). A rea envolvida torna-se rapidamente demarcada, circundada por borda
eritematosa e recoberta por tecido necrtico. Nesse momento, desenvolve-se anestesia
da pele que recobre a leso devido destruio do tecido subcutneo subjacente e
trombose dos vasos nutrientes, causando necrose das fibras nervosas (FIGURA 17). A
pele inicialmente poupada, mas, com a extenso do processo necrtico, torna-se
comprometida. Comumente o edema pode ser observado antes de outros sinais cutneos
aparecerem. A dor muito intensa desproporcional, mesmo aps o incio do tratamento
um indcio importante de FN.21
39
FIGURA 15 FN com trs dias de evoluo, mostrando edema e eritema
FONTE: Morales AF. Necrotizing fasciitis: report of 39 pediatrics cases. Arch Dermatol. 2002
FIGURA 16 Cinco dias de evoluo. Comprometimento da pele, necrose e bolhas hemorrgicas.
FONTE: Morales AF. Necrotizing fasciitis: report of 39 pediatrics cases. Arch Dermatol. 2002
40
FIGURA 17 FN com sete dias de evoluo. Ocorreu necrose definitiva do tecido.
FONTE: Morales AF. Necrotizing fasciitis: report of 39 pediatrics cases. Arch Dermatol. 2002
Como sintomas associados, 86% dos pacientes apresentam febre, 33%
hipotenso, 23% comprometimento neurolgico como desorientao e 24% anestesia
local.23,27 Crepitao pode estar presente nas infeces por bactrias produtoras de
gs.21,22
O quadro da figura 18 resume as principais manifestaes da FN.
Estgio 1 Estgio 2 Estgio 3 Dor Formao de bolhas Necrose tecidual Eritema Hiposensibilidade Edema Anestesia Calor local Creptao tecidual Febre Bolhas hemorrgicas FIGURA 18 Estgios clnicos da fascite necrosante
FONTE: Adaptado de Fascite necrosante: reviso com enfoque nos aspectos dermatolgicos. Anais brasileiros de Dermatologia. 2004.
A necrose da fscia tipicamente mais extensa do que sugere o aspecto clnico.
Com o acometimento de planos mais profundos, pode ocorrer formao de crostas
necrticas extensas.23,26 Sem tratamento possvel haver envolvimento secundrio da
camada muscular, resultando em miosite ou mionecrose.21
Quanto ao stio primrio mais comum da infeco, os membros inferiores
representam cerca de 50% dos casos, seguidos por membros superiores (29%), tronco
(9%), regio perineal (8%) e face (1%).27
41
Histopatologia A histopatologia demonstra necrose de fscia superficial, infiltrado de
polimorfonucleares e edema da derme reticular, gordura subcutnea e fscia superficial.
A bipsia um mtodo complementar til no estabelecimento precoce e preciso do
diagnstico dessas infeces.21,22
A bipsia de congelao, realizada antes da interveno cirrgica, pode ser
bastante til para o diagnstico, revelando um infiltrado macio de polimorfonucleares
com necrose focal e formao de microabscessos na fscia e no tecido subcutneo.21,23
Exames radiolgicos A radiografia pode ser utilizada para visualizao de gs no subcutneo. Em
contraste, a tomografia computadorizada proporciona excelente visualizao da
presena e extenso do gs anormal, alm de evidenciar necrose com espessamento
assimtrico da fscia.26 Tambm ajuda no diagnstico diferencial pela evidncia de
comprometimento muscular que sugerem mionecrose.28
Cabe lembrar que a presena de gs no necessariamente indica infeco por
Clostridium, uma vez que Escherichia coli, Peptoestreptococcus e Bacteroides podem
produzir gs em condies apropriadas.21
A ressonncia magntica apresenta alta sensibilidade (93 a 100%).26 A ausncia
da acentuao do contraste gadolineum em imagens T1 pode proporcionar o diagnstico
precoce da FN, demonstra a necessidade de cirurgia e determina a extenso do
comprometimento, facilitando o plano operatrio.21,26
Diagnstico diferencial e diagnstico Nos estgios iniciais a FN e a celulite so dificilmente distinguveis. Alm da
FN iniciar com celulite e bolhas, a celulite bolho-hemorrgica assemelha-se muito a FN.
Ambas so condies dolorosas, com potencial para evoluir para necrose e gangrena,
possuem os mesmos fatores predisponentes e agentes etiolgicos (Streptococcus
pyogenes).21 Na celulite, a infeco comea na juno entre derme e fscia superficial,
enquanto na FN inicia-se entre tecido subcutneo e fscia profunda. Portanto, na fase
inicial, h poucas manifestaes em pele.23
42
A Purpura fulminans pode aparecer aps a varicela e inicia-se como reas de
equimose em extremidades e edema, hemorragia e necrose. Assim como a celulite
freqentemente a primeira hiptese diagnstica nos casos de FN.22
Indcios para o diagnstico da FN incluem dor desproporcional aos achados
clnicos, edema inelstico, cianose, palidez, e hipoestesia subcutnea, crepitao,
fraqueza muscular, odor ftido de exsudados, ausncias de linfangite, rpida progresso
da infeco e falta de resposta antibioticoterapia convencional. Manifestaes
sistmicas de sepse esto usualmente presentes.21,23
Em exames laboratoriais verifica-se anemia, provavelmente hemoltica,
leucocitose encontrada em 64% dos pacientes ou leucopenia. Estudos evidenciam que
trombocitopenia e aumento do tempo de coagulao podem ser os primeiros achados de
coagulao intravascular disseminada, complicao que ocorre em 28% dos casos.
Podem apresentar ainda alteraes da funo heptica, hipocalcemia, hipoalbuminemia
e aumento dos nveis de creatinina.22
Testes bacteriolgicos a partir do exsudado da ferida, fluido das bolhas, tecido
excisado, material aspirado do subcutneo e sangue so essenciais para o diagnstico
apropriado. Exames radiolgicos so teis para o estabelecimento do diagnstico e
interveno cirrgica. O diagnstico definitivo feito explorao cirrgica, pela
presena de necrose da fscia, tecido subcutneo acinzentado e secreo
purulenta.21,22,23
Tratamento O tratamento bem sucedido envolve o diagnstico precoce, debridamento
cirrgico radical de todo o tecido necrtico, antibioticoterapia parenteral de amplo
espectro e medidas gerais de suporte agressivas.21,23,24,26
O debridamento cirrgico imediato, poucas horas aps o incio da
antibioticoterapia, imprescindvel se o eritema no regredir. Estudos mostram que
debridamento cirrgico agressivo est associado a mortalidade em 4,2% dos casos
versus 38% naqueles casos no qual houve atraso na interveno cirrgica (FIGURA
19).23
43
FIGURA 19 Fascite necrosante aps extenso debridamento cirrgico.
FONTE: Morales AF. Necrotizing fasciitis: report of 39 pediatrics cases. Arch Dermatol. 2002
recomendada interveno cirrgica imediata para crianas com varicela que
apresentem sintomas que incluem febre, taquicardia e leucocitose em associao com
leso eritematosa, indurada e dolorosa durante dois ou trs dias depois do incio da
infeco viral.21
A antibioticoterapia isolada no efetiva, devido o comprometimento da
concentrao da droga no local da infeco, prejudicada pela necrose e trombose dos
vasos sanguneos.21 Porm to importante quanto a fasciotomia.23
A penicilina o antibitico de escolha para o tratamento das infeces
estreptoccicas e possui amplo espectro de ao: enterobactrias, estreptococos,
enterococos e anaerbios, incluindo Bacteroides spp. No entanto, a clindamicina pode
ser teoricamente superior. Um estudo retrospectivo em crianas sugere que a
clindamicina, em combinao com beta-lactmico e cirurgia, o mais efetivo
tratamento para infeces invasivas por S. pyogenes.21 A associao diminui a produo
de toxinas bacterianas responsveis pela progresso rpida da leso e tem sido associada
diminuio da mortalidade quando comparada com outros antibiticos.21,24
Quando se suspeita de infeco mista ou por anaerbios, acrescenta-se um
aminoglicosdeo mais clindamicina ou metronidazol. Ainda quando h a possibilidade
44
de flora polimicrobiana, a monoterapia pode ser usada incluindo imipenem/cilastatina
ou ticarcilina/clavulanato ou piperacilina/tazobactam.21
Em pacientes alrgicos penicilina e com alto risco de desenvolver
nefrotoxidade com aminoglicosdeos, teraputica combinada com cefalosporina de
terceira gerao antipseudomonas, com ceftazidima, associada ao metronidazol ou
clindamicina, pode ser da mesma forma efetiva.21
Com base na patogenia, agentes que limitam a produo de citocinas tm sido
utilizados com o objetivo de diminuir a destruio tecidual. Eles incluem altas doses de
corticides endovenosos, gamaglobulina e anticorpos contra TNF- em investigao.21
Em um estudo realizado na Austrlia, o uso de imunoglobulina aumentou a sobrevida
em 80% dos pacientes porm no reduziu a mortalidade.23
Outra terapia utilizada o oxignio hiperbrico. O paciente colocado em uma
cmara pressurizada com 100% de oxignio o que ir promover a oxigenao do sangue
e dos tecidos.23 Existem duas razes para seu uso: o polimorfismo da flora bacteriana
com predomnio de anaerbios e a necrose tissular devida obstruo microvascular
extensa dentro de rea infectada.21 O aumento da tenso de oxignio nos tecidos age
como bacteriosttico e para a produo de toxinas por algumas bactrias como o
Clostridium. Alm disso, potencializa a ao de alguns antibiticos, entre eles a
vancomicina.23 Estudos in vitro e metanlises de casos clnicos suportam o emprego
dessa teraputica. Mathieu (2004) afirma que associao de oxigenotrapia hiperbrica
com antibioticoterapia e cirurgia baseada em achados fisiopatolgicos consistente.21
Prognstico A mortalidade em recm-nascidos alta, aproximadamente 87%. Em crianas,
cerca de 20% dos casos tem desfecho fatal, podendo chegar at 60% em alguns
relatos.22,24 Sepse e falncia de mltiplos rgos so as principais causas. Em uma srie
de casos envolvendo apenas crianas com FN, a mortalidade foi de 18%, tendo como
causas sepse, insuficincia heptica, pneumonia, CIVD e choque hipovolmico.22
A sndrome do choque txico estreptoccico acontece em metade dos pacientes
com FN. condio aguda, fulminante com o choque, trombocitopenia, coagulao
intravascular disseminada e/ou falncia de mltiplos rgos.23 Processo rapidamente
progressivo que mata de 30 a 60% dos pacientes em prazo que varia de 72 a 96 horas. 21
Em vrias anlises, imunossupresso, hipotermia e hipotenso so fatores
preditivos positivo de mortalidade.22,27
45
Em geral, vrios debridamentos so realizados e o enxerto de pele quase
sempre necessrio, deixando grandes cicatrizes que limitam movimentos. Soma-se as
amputaes e desarticulaes que ocorrem em 22 a 41% dos casos em que h
mionecrose, insuficincia vascular, necrose rapidamente progressiva e grandes reas
acometidas.21,22,23
4.2.4. Piomiosite Piomiosite definida como uma infeco bacteriana aguda de msculo
esqueltico, secundria a uma infeco contgua, trauma penetrante, insuficincia
vascular ou disseminao hematognica.25,20,30
Epidemiologia Tambm chamada de piomiosite tropical, foi descrita pela primeira vez como
uma srie de casos por Scriba em 1885.25,31,39 A piomiosite mais relatada em pases de
clima tropical, mas cada vez mais tem sido diagnosticada em pases de clima temperado
nos meses de temperatura mais alta.25 Na frica, cerca de 4% das admisses anuais em
emergncias mdicas se deve a casos de piomiosite. Nos Estados Unidos, considerada
doena rara, sendo o primeiro caso relatado em 1971.29 Na Espanha, a incidncia
maior na populao peditrica, sobretudo no vero.25 Maior prevalncia entre os
homens, em uma relao de 4:1, entre homens e mulheres, em locais de clima tropical e
3:1 nos pases no tropicais.32
O nmero de casos vem aumentando associado a maior sobrevivncia de
pacientes imunodepremidos, incluindo pacientes com cncer em quimioterapia,
condies reumatolgicas tratadas com imunomoduladores, HIV, diabetes mellitus e
doenas hepticas.25,29
Pacientes com HIV tem risco aumentado de desenvolver piomiosite por um
somatrio de fatores, entre eles, a colonizao por Staphylococcus aureus, neutropenia,
deficincia da resposta imunolgica mediada por clulas, a miopatia causada pelo vrus
e pelos antirretrovirais como a zidovudina e miosites por micobactria.29,31
46
Etiologia O Staphylococcus aureus a causa em 90% dos casos de piomiosite nos pases
de clima tropical e em 60 a 70%, nos Estados Unidos.25 Recentes estudos vem
mostrando que S. aureus meticilino resistentes (MRSA) adquiridos na comunidade so
importante causa de piomiosite. Em uma srie de 26 casos de miosites causadas por
S.aureus em crianas, as culturas foram positivas para MRSA em 60% das amostras de
sangue.29
O segundo grupo de bactrias causador de piomiosite so os Streprococcus do
grupo A, sendo que os Streptococcus dos grupos B, C e G, incluindo o Streptococcus
pneumoniae, tambm podem estar envolvidos. O Streptococcus agalactiae uma
bactria oportunista que pode ser causadora de piomiosite e FN em pacientes
diabticos.29
Menos comuns so as piomiosites causadas por bacilos gram negativos,
Clostridium, Bortonella spp. e Mycobacterium. H relatos, ainda, de piomiosites
causadas por Fusobacterium necrophorum, Fusobacterium nucleatum e Actyinomyces
que so encontrados em pacientes alcolatras e com precrias condies dentrias.
Alguns organismos gram negativos como a Salmonella e a Bartonella so causadores de
doena em pacientes imunodeprimidos.29
Fatores predisponentes A patogenia da piomiosite evolve bacteremia e injria muscular. Alguns estudos
demonstram que o trauma ou outras injrias so pr-requisitos para o desenvolvimento
da doena, apesar do fato de que apenas 50% dos casos de piomiosites apresentem essa
associao na histria clnica.25,29 Acredita-se que a coincidncia entre um trauma focal
com uma bacteremia transitria assintomtica facilitaria o acometimento bacteriano
desse tecido previamente lesado.25
Vrias condies esto envolvidas na patogenia da piomiosite, incluindo
deficincia nutricional, infeco viral prvia, uso de drogas injetveis, dermatite atpica,
varicela e outras condies que comprometam a integridade da pele permitindo a
entrada de bactrias. Piodermite est associado a piomiosite em 55 a 72% dos casos em
algumas sries.30 Na maioria dos casos, o evento que propiciou a doena permanece
obscuro.29
47
Caractersticas clnicas A evoluo da piomiosite pode ser caracterizada por trs estgios:
A primeira fase tipicamente subaguda, ocorre em cerca de 2 a 3 semanas,
caracteriza-se pela invaso do msculo pelo agente bacteriano, produzindo uma miosite
edematosa sem abscedao.25,29 Manifesta-se localmente como edema, dor discreta e
aumento da temperatura. O diagnstico pode ser confundido com trombose, hematoma,
contuso, ruptura muscular ou osteomielite.29 Temperatura axilar acima de 38C pode
estar presente em 59% dos pacientes.30
A segunda fase a supurativa, em 10 a 21 dias a febre e a dor tornam-se
pronunciadas, aparece rubor local e adenite regional. Exames de imagem mostram a
formao do abscesso.25
Caso no seja feito o diagnstico e iniciado o tratamento, a doena evolui para
sua terceira fase, caracterizada pelas complicaes musculares e extra-musclares,
incluindo choque sptico.25, 29
Na maioria dos casos de piomiosite, apenas um grupo muscular afetado, mas o
envolvimento difuso descrito em 10 a 20% dos casos, em algumas sries, a
porcentagem de multifocalidade chega a 43%.25 Os grandes msculos das extremidades,
tais como o quadrceps e o glteo so os mais afetados, provavelmente por estarem mais
susceptveis a traumas, porm, qualquer msculo esqueltico pode ser acometido.29,31
Diagnstico e Diagnstico diferencial Vrias condies clnicas fazem parte dos diagnsticos diferenciais da
piomiosite, entre elas, osteomielite, artrite sptica, trombose e outras afeces
musculares, como hematoma ps trauma.25,29
Quando o grupo muscular acometido o ileopsoas, apendicite um importante
diagnstico diferencial. A piomiosite do msculo obturador mimetiza artrite sptica do
quadril assim como o acometimento do piriforme assemelha-se s manifestaes
clnicas de um abscesso subdural.29
Leucocitose e elevao de VHS so alguns dos achados laboratorias da doena,
com exceo dos pacientes imunocomprometidos em que a elevao dos leuccitos s
ocorre em 19% dos casos. As enzimas musculares podem estar normais apesar da
afeco muscular.29 Valores altos de creatinofosfoquinase (CPK) indicam grande
destruio muscular, o que ocorre em fase avanada da doena. Hemocultura positiva
em apenas 5 a 35% dos casos, j que a bacteremia transitria. A sensibilidade do
48
cultivo aumenta quando feita cultura do material purulento retirado do abscesso
formado no msculo acometido, chegando a 100% em algumas sries.25
Diante da suspeita clnica, os exames de imagem so de crucial importncia e
permitem diagnstico precoce alm do diagnstico diferencial com outras afeces
msculo-esquelticas de apresentao clnica similar.25
Exames radiolgicos A ultrassonografia o primeiro exame de imagem a ser realizado em funo de
seu baixo custo, ampla disponibilidade e por ser um exame incuo. Porm, na primeira
fase, apresenta baixa sensibilidade.25
A tomografia computadorizada mostra o abscesso focal, revelando uma rea de
baixa densidade no msculo e coleo fluida no centro. 29
A ressonncia magntica, alm do abscesso, pode mostrar leses satlites.29 As
imagens so muito semelhantes entre os casos de piomiosite e FN. Ambas mostram
aumento do sinal em T2 no msculo, bem diferente do baixo sinal que apresenta o
msculo normal.8,30 A diferena que a imagem na FN perifrica a musculatura j que
o tecido envolvido a fscia, enquanto na piomiosite o sinal est aumentado no
intramuscular (FIGURA 20).33
FIGURA 20 A. Imagem de RNM mostrando uma FN confirmada cirurgicamente. Demonstra aumento
da intensidade do sinal em volta do msculo em coxa esquerda. B. Imagem de RNM com aumento da intensidade do sinal na lateral do msculo gastrocnnio em com piomiosite. FONTE: Seok JH. Necrotizing fasciitis versus Pyomyositis: discrimination with using MR imaging. Korean J Radiol. 2009.
A B
49
Apesar na maior especificidade da ressonncia, a maioria dos casos so
diagnosticados por tomografia por ser um mtodo de imagem mais acessvel.29
Tratamento Durante a primeira fase, o tratamento baseado apenas na antibioticoterapia,
pois no houve, ainda, a formao do abscesso. O manejo nas fases dois e trs envolve
drenagem completa do abscesso guiada por tomografia ou ultrassonografia ou atravs
de procedimento cirrgico a cu aberto.29,30,32
A oxacilina, durante muito tempo, foi o antibitico de escolha para o tratamento
emprico das piomiosites. Porm, muitos pases tem optado preferncia a vancomicina
devido a emergncia das infeces comunitrias causadas por MRSA. A clindamicina
opo teraputica.29
Em pacientes imunocomprometidos, o espectro da antibioticoterapia deve
envolver bactrias gram-negativas e anaerbios. Nesses casos, recomenda-se o uso de
vancomicina e um carbapenmico ou beta-lactmico associado a inibidor de beta-
lactamase.29,32
Nos casos em que h associao com FN, recomenda-se o uso de clindamicina
pela inibio na sntese de toxinas e a ao em vrios estgios de replicao bacteriana e
Eagle effect.29
De acordo com o resultado das culturas, a antibioticoterapia deve ser ajustada ao
microorganismo causador, como exemplo, a piomiosite causada por Estreptococcus do
grupo B melhor tratada pela associao de penicilina e clindamicina.29
O tratamento deve ser venoso nas duas primeiras semanas e complementado
com antibioticotrapia oral at o total de quatro a seis semanas. Recomenda-se fazer o
seguimento com exames de imagem at a total resoluo do abscesso.29
50
FIGURA 21 Algoritmo de manejo da piomiosite. *Utilizado como antibioticoterapia emprica em
regies com alta incidncia de MRSA comunitrio
Prognstico O prognstico bom, sobretudo quando a infeco diagnosticada durante a
primeira ou incio da segunda fase. A mortalidade em grandes sries varia entre 0,89 e
10%.32 A recorrncia incomum, mas pode acontecer em pacientes
imunocomprometidos ou naqueles com infeces por agentes atpicos, como
Mycobacterium e Salmonella.29
Abscesso de Psoas O abscesso do psoas definido como uma coleo purulenta no msculo
psoas.29,34 Classicamente descrita a parte das piomiosites, pode ser secundria a uma
infeco contigua ou por disseminao hematognica.32 Comumente a infeco acomete
apenas um msculo psoas mas h relatos de infeco bilateral associado a doena de
Pott.29
Foi descrito pela primeira vez em 1881, por Mynter.34 Nos Estados Unidos os
primeiros relatos datam do sculo 20 e sempre associados a infeco por
51
Mycobacterium tuberculosis. Recentemente, casos de infeco primria no psoas so
descritos em pacientes imunocomprometidos. Acredita-se tambm que tem sido mais
diagnosticada pelo avano dos exames de imagem.29
O diagnstico pode ser dado em qualquer idade, inclusive na faixa-etria
neonatal. Os abscessos primrios so mais diagnosticados em pacientes jovens, em geral
associados imunossupresso. As infeces secundrias so mais freqentes acima dos
50 anos.29
A infeco secundria do psoas resultado de infeces em estruturas contiguas,
principalmente na coluna vertebral.32 Destaca-se a osteomielite pelo S.aureus e a
doena de Pott, causada pela Mycobacterium tuberculosis. Outro foco o abdominal,
tais como as diverticulites e apendicites. Menos comum a relao com infeco do
trato genitourinrio, como abscesso perirrenal, vulvovaginites e hematomas
retroperitoneais.32 Raramente est associado a trauma.29
As infeces primrias so usualmente causadas pelo S. aureus, associadas ao
uso de drogas endovenosas e pacientes imunodepremidos, em 80 a 90% dos casos.34
Outro patgenos so o Streptococcus pneumoniae, S.milleri e Streptococcus do grupo
B. Raramente podem ser causados por E. coli, Pseudomonas, Haemophilus, Proteus ou
Pasteurella species.29,34
Clinicamente manifesta-se com febre, dor abdominal e claudicao, porm, a
trade clssica nem sempre est presente.32 Tambm pode haver dor lombar, efeito de
massa em regio inguinal, hiporexia, mal-estar. Pacientes imunocomprometidos podem
permanecer afebris e com mnimos sintomas.29
Laboratorialmente verifica-se leucocitose, VHS elevado e anemia. Hemocultura
positiva em 76% dos casos.29 Em casos de abscesso secundrio, pode-se ter piria e
urocultura positiva se o trato geniturinrio for o foco primrio da infeco. Cultura do
material de drenagem no abscesso pode ser feita.32
O diagnstico estabelecido por exames radiolgicos. O abscesso de psoas pode
ser detectado por ultrassonografia, mas no to sensvel quanto a tomografia e a
ressonncia magntica, sendo a ressonncia o melhor exame para diagnstico sem
necessitar do uso de contraste.29,34
O tratamento, assim como o da piomiosite, drenagem cirrgica e
antibioticoterapia venosa.29,34 A drenagem pode ser feita por puno percutnea guiada
ou procedimento aberto, dependendo do nmero e volume do abscesso. Casos de
52
reincidncia so descritos quando h coleo residual aps a primeira drenagem, nesses
casos, h indicao formal de se realizar nova drenagem a cu aberto.29
Quanto a antibioticoterapia, a cobertura para estafilococo deve ser considerada.
T35 Indica-se o uso de Vancomicina pela possvel infeco por MRSA.29 Nos casos de
abscesso secundrio a infeco no trato gastrintestinal adiciona-se carbapenmicos,
inibidorese de betalactamase ou a combinao penicilina, gentamicina e
clindamicina.29,34 O tempo de uso de antibiticos depende da resposta clnica e do
envolvimento de outros tecidos, tipicamente dura cerca de trs semanas aps drenagem
e resoluo da febre. Nos casos de infeco por M. tuberculosis, utiliza-se as drogas
para tratamento de tuberculose por no mnimo seis meses.29
O prognstico favorvel, principalmente se tratado precocemente. O abscesso
primrio tem melhor prognstico, com mortalidade menor que 2%. No abscesso
secundrio, a mortalidade aproximadamente 20%.29,34 Os fatores preditores de
mortalidade so idade, abscesso bilateral e abscessos secundrios a cirurgias prvias ou
osteomielite. A mortalidade de 100% nos pacientes no tratados.34
4.2.5. Infeco por mordedura de animais e humanos Determinar a verdadeira incidncia de acidentes por mordeduras difcil mas
estima-se que metade dos americanos j foram mordidos por animais em algum
momento da vida. Os animais mais envolvidos so cachorros e gatos.2,35
Mordedura por ces somam 80 a 90% de todos os casos de mordidas por animais
e menos de 0.4% dos agredidos procuram atendimento em emergncias mdicas e
desses, quatro por cento necessitam de internao e 2 a 20% desenvolvem infeco
secundria. A incidncia em crianas maior que em adultos, e as leses so mais
freqentes em cabea, face e pescoo (FIGURA 22). A maioria dessas injrias acontece
em casa.35
53
FIGURA 22 A. Criana vtima de mordida de cachorro. B. Agresso por co.
FONTE: Disponvel em br.merial.com/.../proteja_criancas.asp
As mordeduras por gatos so menos freqentes, cerca 5 a 15% do total de
agresses por animais. Mais da metade acontece em adultos, principalmente mulheres.
Dois teros acometem extremidades superiores, especialmente mos. Em geral so
leses puntiformes mas associadas a infeco em 30% dos casos e chega a at 80% em
algumas sries (FIGURA 23).35
FIGURA 23 Celulite secundria a mordedura por gato.
FONTE: Garcia JP. Celulitis tras mordedura de gato. Ver Esp Quimioter. 2009.
As mordeduras por humanos so acidentais em um quarto dos casos e o restante
por atos de agresso. Cerca de 10 a 20% esto associadas a atividades sexuais. Em
crianas, podem estar relacionadas a brincadeiras e prticas esportivas ou pode ser um
indcio de maus tratos.2,35
A B
54
Agentes etiolgicos Os agentes causadores de infeco so aqueles oriundos da flora normal da boca
do animal agressor, porm, bactrias da pele humana podem causar uma invaso
secundria.
A infeco ps-mordedura se estabelece aproximadamente 8 a 12 horas aps a
injria. A leso pode ser no purulenta (30% das mordidas de ces e 42%, de gatos),
purulenta (58% por ces e 39% das mordeduras por gatos) ou abscessos (12% por ces e
19% por gatos).35
Pasteurellas species so isoladas em 50% das infeces secundrias a mordidas
de ces e 75% das mordeduras por gatos. O Staphylococcus e Streptococcus so
achados em aproximadamente 40% das leses provocadas por ambos os animais.
Capnocytophaga canimorsus um gram negativo que pode causar bacteremia e sepse
fatal aps mordeduras, especialmente em pacientes com asplenia e doena heptica.
Bacteroides species, fusobacteria, Porphyromonas species, Prevotella heparinolytica,
proprionibacteria, e peptostreptococci so anaerbios comumente isolados em leses
por mordeduras.2,35
Os agentes etiolgicos causadores de infeco na mordedura humana so
Streptococcus, especialmente o Streptococcus viridans, presente em 80% das leses,
Staphylococcus, Haemophilus species e Eikenella corrodens. Anaerbios, incluindo
Fusobacterium nucleatum, peptostreptococci, Prevotella species e Porphyromonas
species esto presentes em mais de 60% dos casos, mas usualmente em associao com
outros patgenos. Bacteroides fragilis raramente esto presentes. Vrios vrus tambm
podem ser transmitidos pela mordedura humana, tais como herpes, vrus da hepatite B e
C e HIV.2
Tratamento O tratamento emprico de mordeduras por ces e gatos semelhante. Apesar das
leses provocadas pelas mordidas de gatos serem menores que a dos ces, elas esto
mais associadas a gravidade, podendo causar osteomielite e artrite sptica e apresentam
mais infeces por anaerbios (65% vs. 50%) e por P. multocida (75% vs. 50%).2
A amoxicilina com clavulanato administrada via oral recomendada como
primeira opo teraputica.2,35,36 Outras opes so as fluoroquinolonas (ciprofloxacino,
levofloxacino, gatifloxacino), com uso restrito para adultos, sulfametoxazol
55
trimetoprim e cefuroxima, adicionados a um agente anaerobicida como metronidazol ou
clindamicina.2 Todas as cefalosporinas de primeira gerao, macroldios e clindamicina
tem fraca ao in vitro contra P. multocida e devem ser evitados. 2,35
Nas leses mais graves, recomenda-se terapia parenteral. As opes so
ampicilina/sulbactam, piperacilina/tazobactan, cefalosporinas de segunda gerao, como
a cefotaxima, e carbapenmicos (ertapenem, imipenem e meropenem). Cefalosporinas
de segunda e terceira gerao podem ser usados em associao a anaerobicidas.2
Mulheres grvidas e crianas alrgicas a penicilinas podem ser tratadas com
macroldios, como azitromicina, e devem ter acompanhamento diferenciado pelo risco
de falha teraputica.2
Nos casos de mordedura humana, o antibitico de escolha tambm recai sobre
betalactmico associado a inibidor de betalactamase. Fluoroquinolonas, azitromicina,
penicilina ou amoxicilina e doxiciclina so opes teraputicas.35
A durao do tratamento depende da severidade da injria. Celulites e abscessos
cedem em 5 a 10 dias de tratamento adequado.2 Antibioticoterapia profiltica deve ser
feita nos casos de leses com esmagamento de tecido, leses profundas e em
extremidades, pacientes com mais de 50 anos ou menos de 2 anos, asplnicos,
condies imunossupressoras, edema prvio em local da mordida, prtese valvar ou
mordidas prximas a prtese articular.35
A terapia adjuvante essencial. A leso deve ser lavada com soluo salina e em
seguida, feito debridamento de reas necrticas. prudente deixar que a cicatrizao
seja feita por segunda inteno. A sutura dessas leses